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22 DE FEVEREIRO DE 1984

ganharam uma dimensão que os estritos limites do País lhes negava.
Difícil será explicar a vitalidade entusiástica, a dialética apaixonada dos sermões do padre António Vieira sem o cenário exuberante do Brasil, a ânsia libertadora de uma pátria que nasce.
Eça de Queirós enviava a correspondência de Fradique Mendes, as suas crónicas e as suas cartas de Inglaterra, os seus ecos de Paris, para a Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, antes mesmo de as enviar para os jornais portugueses.
A Relíquia nasceu em folhetim também num jornal brasileiro. E os «Fastos da peregrinação de sua magestade o imperador do Brasil pelo reino de Portugal», crónica humorística publicada na Farpas, foi na mesma altura, 1872, clandestinamente publicada no Recife.
Imensos e variados elos tornam quase impossível separar as duas literaturas unidas, não só pela mesma língua, mas por uma evolução conjunta, como se um inconsciente colectivo ligasse os dois povos.
Ninguém poderá dissociar o nome de Ferreira de Castro da selva brasileira, e Jorge Amado, profundamente embrenhado na problemática e na existência do seu povo, é sentido em Portugal como português.
E por muito alienantes e distanciadas da problemática brasileira que as telenovelas sejam consideradas, elas são amadas cá e lá e com a canção são hoje terreno comum aos dois povos.
Ninguém melhor que Chico Buarque entendeu o «cheirinho a alecrim» da nossa Revolução de Abril.
Mais do que um património histórico estático comum, um potencial de vida colectiva se projecta no futuro.
Perante tão grandiosa existência dos povos que usam a língua portuguesa, mais sensível no Brasil, onde quase 2 séculos da pátria livre marcaram já profundamente um património literário, é grande a responsabilidade do Estado português.
Em 1980, quando do IV Centenário de Camões, fizemos nesse sentido numerosas e insistentes intervenções nesta Assembleia. Logo no início do ano, em Janeiro de 1980, afirmámos que a língua portuguesa deverá ser considerada, não como um feudo do país que a gerou, mas sim um bem da cultura universal, vínculo de solidariedade entre povos irmãos, pertença de todos aqueles que a usam como meio de expressão.
Dissemos também nessa altura que o alargamento do nosso património linguístico daria uma nova dimensão à nossa cultura e abriria, para lá da vocação atlântica, a verdade da nossa vocação indica e pacífica, bem mais de acordo com a história do nosso povo.
Como símbolo da nossa língua, entendida nesta dimensão, surgia nesse ano a figura de Camões e, nesse sentido, sugerimos ao Governo que, nesse mesmo ano, fizesse coincidir com o centenário de Camões um ano de alfabetização em língua portuguesa. Insistimos e explicamos mais detalhadamente a nossa sugestão. No I Centenário de Camões, depois do 25 de Abril, depois da elevação de Portugal à dignidade de país não colonial, retomado o nosso sentido universalista pela criação de nações livres, pensávamos que se deveria encontrar o sentido dessa dignidade e dessa liberdade. Neste sentido universalista entendíamos que se deveria celebrar o IV Centenário da Morte de Camões como data de arranque para um grande movimento de valorização da língua portuguesa.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar da arrogância com que o Governo de então, orgulhoso da sua maioria, olhava a oposição e de nos ter sido dito, aqui mesmo. na Assembleia, com ar displicente, que o centenário de Camões seria devidamente comemorado, o Governo de então não teve capacidade, nem cultural nem política, para assumir a imagem de Camões, desligada do mito da raça e do império. De facto, o Governo não era o País, e iniciativas partiram das associações populares, das autarquias e de alguns partidos políticos. O MDP/CDE guardou mesmo o seu escassíssimo tempo de antena para, em Dezembro de 1980, consagrar um programa na televisão a Luís de Camões e à língua portuguesa, na consciência de que é prioridade política consciencializar o problema da nossa língua no novo espaço que a descolonização lhe criou.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta incapacidade governamental, altamente significativa em si, é já hoje um símbolo. De facto, o Estado ainda não assumiu a língua portuguesa como uma riqueza nacional. Riqueza única, porque a língua não se esgota, apenas se multiplica, quando assumida como riqueza que é!
Neste momento, encontra-se bloqueado o esforço para se alfabetizar em Portugal, diminuiu a verba para a efectivação da escolaridade de 6 anos, considerou-se ser irrelevante a escola pré-primária.
O ensino do Português no estrangeiro está caótico, os professores não têm estatuto definido, têm os salários desactualizados, estão pedagogicamente desamparados.
O ensino do Português em países estrangeiros de língua oficial portuguesa põe problemas específicos de ensino e de aprendizagem. Não há um esforço em Portugal para preparar professores cooperantes bem apetrechados de forma a poderem ser úteis social e tecnicamente. O ensino da língua portuguesa em países que escolheram a nossa língua está abandonado à sua sorte. Uma acção massiva e uma profunda investigação se impõem.
A língua é uma riqueza tão importante que a França está neste momento a preparar tecnicamente operários portugueses residentes em França, para os enviar para Angola, a fim de para lá trabalharem.
Depois da pimenta e das especiarias, também a nossa língua é agora moeda de troca para aqueles que enriquecem à nossa custa.
Os governos insensíveis aos valores culturais são algozes da história e da dignidade nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobretudo não se caia na tentação fácil de desculpar toda esta atroz insensibilidade pelas reduzidas verbas entregues ao Ministério da Educação, a célebre austeridade.
Felizmente que o dinheiro não explica tudo e, mesmo que explicasse, havia sempre possibilidade de observar que, num país à procura de investimento, se desinveste de uma forma acelerada e altamente ruinosa num único bem universal que possuímos: a nossa língua, a nossa cultura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os professores de literatura portuguesa que se encontram reunidos em Portugal e os seus colegas que ficaram no Brasil lutam, neste momento, contra uma decisão do Conselho Federal do Estado, segundo a qual, nas licenciaturas em Letras, a cadeira de literatura portuguesa passaria a ser optativa.
Em 1971, uma disposição semelhante retirou do ensino secundário o ensino da literatura portuguesa,