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I Série-Número

Sexta-feira, 23 de Fevereiro de 1984

DIÁRIO da Assembleia da República

III LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE FEVEREIRO DE 1984

Presidente: Exmo. Sr. José Rodrigues Vitoriano

Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO.- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 45 minutos.
Na ordem do dia teve lugar a interpelação do CDS ao Governo, com vista à abertura de um debate de política geral, centrado predominantemente sobre a deterioração das condições de vida da população è o agravamento descontrolado da crise económica e social.
Após a abertura do debate pelos Srs. Deputados Adriano Moreira e Basílio Horta (CDS), intervieram, a diverso título, além dos Srs. Ministros do Comércio e Turismo (Álvaro Barreto), das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes) e da Indústria e Energia (Veiga Simão), os Srs. Deputados Pinheiro Henriques (MDP/CDE), Carlos Brito (PCP), Lopes Cardoso (UEDS), Cunha e Sá (PS), João Lencastre e Nogueira de Brito (CDS), César Oliveira (UEDS), Eurico Correia (PS), Joaquim Miranda e Carlos Carvalhas (PCP), Raul de Brito (PS), Octávio Teixeira (PCP), Amadeu Pires (PS), Rogério de Brito (PCP), Luís Beiroco e Luís Barbosa (CDS), Almerindo Marques (PS), Octávio Cunha (UEDS), Guido Rodrigues (PSD), Sottomayor Cardia (PS), Adriano Moreira (CDS), Hasse Ferreira (UEDS), António Lobo Xavier (CDS), José Magalhães (PCP), Magalhães Mota (ASDI), Manuel Lopes (PCP), Marques Mendes (PSD), António Redol e Raul de Castro (MDP/CDE).
Encerraram o debate o Sr. Deputado Lucas Pires (CDS) e o Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 2 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Alexandre Monteiro António.
Almerindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro.
Aníbal Coelho da Costa.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António José Santos Meira.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Eurico Faustino Correia.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Augusto Sé Morais Rodrigues
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Händel de Oliveira
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeira Romão.

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Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra
João Luís Duarte Fernandes.
José Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão da Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja S. dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barroso Mota.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José da Cunha e Sá.
José Joaquim Pita Guerreiro.
José Luís do Amaral Nunes.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
José Maximiano Almeida Leitão.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângelo Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel de Barros Barral.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Maria de Orneias Ourique Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernandes Salgueiro.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Adriano Gago Vitorino.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José Bento Gonçalves.
José Manuel Pires das Neves.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Vítor Manuel Ascensão Mota.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José de Almeida Silva Graça.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.

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Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Manuel Costa Fernandes
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João António Torrinhas Paulo.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maria Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Paulo Simões Areosa Feio.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Bernardo Lobo Xavier.
António Gomes de Pinho.
António Tose de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique António Conceição Madureira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João António de Morais Silva Leitão.
João Carlos Dias M. Coutinho Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
José António de Morais Sarmento Moniz.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Narana Sinai Coissoró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Mota Redol.
José Carlos Pinheiro Henriques.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Rúben José de Almeida Raposo.

O Sr. Presidente: - Para dar início à interpelação do CDS ao Governo, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Há anos, mas com especial acuidade nos últimos anos, avultam as preocupações sobre a definição e hierarquia de vectores internacionais que implicam com a identidade e futuros possíveis da Nação Portuguesa. Os principais, tanto quanto pode avaliar-se pelas notícias, comentários e debates, parecem ser os seguintes: o atlantismo, que abrange a questão de encontrar uma nova forma que consinta a manutenção de uma atitude secular, profundamente marcada na maneira portuguesa de estar no mundo; o europeísmo, que é simultaneamente um desafio militar, político e económico, determinado pelo sistema vigente das articulações das potências, para o qual muitos esforços conjugados procuram obter uma resposta satisfatória que desejaríamos positiva, mas que tem encontrado dificuldades que resultam da natureza plural do desafio, o qual não é apenas económico: finalmente, o iberismo, que no seu conteúdo político histórico, o qual não deve confundir-se com questões culturais ou de circulação de pessoas, ideias e mercadorias, sempre foi considerado incompatível com a opção pela viabilidade independente do País. A questão do iberismo é especialmente nossa, mas a relação entre o europeísmo e o atlantismo é geral, pelo menos para os países que por vezes se chamam da Europa da frente marítima e provocou um debate que, a partir de 1945, não encontrou nunca uma resposta pacífica nem tendeu para a simplificação.
Esta escolha tem de ser feita, porque a interdependência e socialização estrutural do mundo não consentem os esplêndidos isolamentos, e a nossa debilidade ameaça que a opção seja uma imposição do normativismo dos factos, porque tendemos aceleradamente para a categoria de Estado exíguo. Matriz de uma área cultural bem definida, onde a língua e o principal sinal identificador, não temos dúvidas sobre que o atlantismo é o que melhor corresponde a uma vocação secularmente comprovada, se a escolha for livre, e da qual o europeísmo é um complemento importante. Mas admitindo que, para alguns, o europeísmo está na primeira linha das opções, sobretudo para aqueles que continuam impressionados pelo alegre e distante mito do desenvolvimentismo da década de 60, que nos prometiam por essa via as rendas e

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abastanças das sociedades opulentas, todos serão obrigados a admitir que a necessidade de optar está posta quando a questão do poder, da hierarquia das potências, da tentativa de condomínio mundial pelos donos do fogo nuclear e do projecto de império mundial que anima uma das concorrentes são factos que necessariamente entram na prudência governativa das escolhas, e que esta não será a mesma para os que desejam manter a identidade e viabilidade independente de Portugal, ou para os que avançarão outras, porque consideram que existem valores mais altos de natureza ideológica a servir.

Damos por indiscutível que a coligação governamental tem como objectivo intocável a manutenção da identidade e viabilidade independente de Portugal. Tomará ela, porém, suficientemente em conta que existem preocupações sobre a questão de saber se a identidade portuguesa não está a ser, pelo menos, atacada, ou já vítima de alguma erosão, num momento em que os factores exógenos, que não podemos dominar ou modificar, parecem conjugar-se com a probabilidade de alteração qualitativa da crise interna portuguesa?

Esta foi inicialmente política, como é da natureza das revoluções, manteve este carácter ao mesmo tempo que se desenvolvia no sentido de uma crise económica e financeira, e atingiu nesta direcção um ponto agudo que deixa antever um prolongamento em grave crise social. Uma crise social em que os conflitos de interesses, entre as gerações, entre a cidade e o campo, entre as regiões, entre os estratos sociais, entre os indivíduos e o grupo, tende para sobrepor-se a um esquecido bem comum até semanticamente excomungado, instalando um clima que paralisa a moral de responsabilidade, abre caminho à corrupção, ao carreirismo, àquela apagada e vil tristeza que no tempo do Poeta aceitou a própria demissão da viabilidade independente.

As sondagens que foram publicadas sobre o problema do iberismo, além de mostrarem que a sensibilidade profissional dos observadores responsáveis por elas detectou um problema a exigir observação e estudo, e certamente por isso as efectuaram, também mostraram que as reacções foram mais amenas do que seriam quando determinadas por um inequívoco sentimento de identidade e de inequívoca determinação, no sentido de assegurar a liberdade, que se chama independência do nosso tempo. Acrescente-se a facilidade com que publicamente se adianta, contra a política atlântica do Governo, e justamente nas vésperas da discussão do nosso estatuto, não apenas jurídico, mas político, no Mercado Comum, que Portugal não tem direito a qualquer relação privilegiada com os países de expressão oficial portuguesa, entre os quais, estes líderes de opinião sempre esquecem que também está o Brasil. Acrescentem-se os números que em cada ano marcam o crescimento dos objectores de consciência. A escola, a todos os níveis, não exerce uma acção fortalecedora da identidade nacional, antes a deteriora com o menosprezo da história, quando não acontece que a essa acção vem somada uma actividade de meios de comunicação social, que todos pagamos, devotada a ridicularizar oito séculos de vida, que lhes permitem exibir aquilo que julgam ser uma criatividade esmagadora, e não passa dos pilritos a que a ciência popular limita à capacidade dos pilriteiros.

O Instituto de Altos Estudos Militares já no ano passado incluiu no seu currículo o tema "Factores de coesão e dissociação da Nação Portuguesas, sinal de que não lhe escapou também que estes últimos existem, e ainda não vimos o empenhamento governativo no sentido de enfrentar tal erosão, sobretudo no ensino, onde um poder burocrático, ou dignificado de tecnocrático, perece supor-se capaz de, com tranquilidade, medir capacidades com o poder político.
A independência abriga-se numa fronteira que delimita o chão de uma comunidade com decisão e credibilidade, e está à vista que estas últimas se deterioram por acção interna e externa, acontecendo que a principal fronteira que oferecemos à geração que agora chega à maioridade política não tem nada a ver com as seis que possuíamos na década de 40, com a dúzia que nos definia na década de 60, com a única territorial que nos pertence desde a década de 70, mas, sim, com uma entidade que invadiu a nossa vida colectiva e se chama Fundo Monetário Internacional, e na qual fronteira se defende a própria autonomia de gestão política interna e externa, aquilo que os povos que não esqueceram o patriotismo chamam a liberdade nacional sem a qual dificilmente existem outras. Na situação de penúria a que chegámos, os factores morais da forte identidade, da decisão e da credibilidade são os últimos recursos que podemos deixar afectar.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, anda esta Câmara preocupada com as leis complementares da Lei da Defesa Nacional, que têm prazo de apresentação, e, todavia, sem elas poderemos continuar a vegetar sem incómodo de maior, se não conseguirmos definir um conceito estratégico nacional e um conceito estratégico militar, que esses exigem alguma coisa mais do que o talento de produzir filosofias e normas, dependem da identidade nacional forte, decisão, credibilidade, e também de reservas estratégicas, de equipamentos, de contingentes, de capacidade militar crível, e todos sabemos que chegamos à situação de não termos recursos para autonomamente os pagar, nem sequer agricultura que lhes valha, em caso de emergência.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Tendemos aceleradamente para a situação de país exíguo na cena internacional, com a diferença de que nenhum dos outros pequenos Estados, que aceitaram essa situação jurídica, têm uma situação interna tão degradada como a nossa, nem os constrangimentos geoestratégicos que os coloquem, como a nós, detentores de um poder simplesmente funcional chamado triângulo estratégico, entre os elementos que os sistemas estratégicos em confronto não dispensam na sua definição. No pendor da especialização de funções, que se vai perfilando cada vez mais nitidamente dentro das alianças, o horizonte que se concretiza é o de simples prestadores de serviços, que negoceiam facilidades que a força dos outros também poderá obter gratuitamente em caso de emergência internacional que nos coloque na rota da agressão.

Vozes do CDS: -Muito bem!

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O Orador: -Desempenhar a primeira função do Estado, que é defender militarmente com autonomia os seus interesses exclusivamente nacionais, não temos meios para o fazer, porque a marinha é fraca, a aviação, escassa, não tem utilidade sem a primeira, as forças terrestres possuem um orçamento que praticamente é de subsistência do contingente.
A primeira reacção que estes factos provocam no plano político é habitualmente a de procurar demonstrar que a culpa não pertence a quem governa, pertence sempre ao passado, como os liberais faziam com os legitimistas, os republicanos com os liberais, os corporativistas com os republicanos, os neocapitalistas com os corporativistas, os abrilistas com os neocapitalistas e, desde 1974, cada governo com os anteriores, mesmo que as pessoas circulem de uns para outros. O mais acertado parece ser assumir a realidade em cada momento, procurar-lhe remédio, se possível, e deixar esses exercícios para os historiadores da crise que ou vencemos ou nos apaga do processo histórico activo. Porque estes indicadores aquilo que nos mostram, e não parece que haja o direito de o esconder, é que está em causa a nossa viabilidade independente, e que não faltam razões para se estar preocupado com a própria identidade nacional, vítima de uma erosão que a escola não combate, e que se esconde sob a polémica dos interesses de grupos políticos, da colocação dos gestores nomeados pelos políticos, da degradação dos padrões políticos, da produção de factos políticos, da interpretação dos factos políticos produzidos e até de inesperadas invenções antropológicas e genéticas que ligam as opções ideológicas ao nascimento, a criatividade ao trabalho e a incapacidade à gestão em todos os níveis. Falta realmente um conceito estratégico nacional, falta um conceito estratégico militar, mas isto não são problemas exclusivos do Ministro da Defesa, e são os responsáveis pelas Forças Armadas que não se cansam, sem grande êxito até agora, de clamar que se trata de uma questão que envolve toda a comunidade, porque, se esta não tem objectivos claros para a sua função independente no mundo, não há de onde deduzir objectivos para a função da defesa, a definição desta será inoperante se o rendimento nacional não suportar a despesa, e o facto é que não a pode pagar, não pode sequer constituir uma reserva estratégica, na medida em que depende da agricultura, nem assegurar o mínimo em tudo quanto depende da importação.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Estas preocupações perfilam-se num momento em que os factores exógenos, que não podemos modificar ou dominar, parecem conjugar-se com a probabilidade da alteração qualitativa da crise interna portuguesa. Como se disse, mas a repetição é necessária, esta foi inicialmente política, manteve este carácter ao mesmo tempo que se desenvolvia no sentido de uma crise económica e financeira, e atingiu nesta direcção um ponto agudo que já fica situado numa crise social, e também ética, que ameaça envolver tudo numa crise do sistema político que praticamente atinge essa situação antes de entrar em vigor. Parece haver um consenso geral sobre a gravidade da situação económica, com todos os indicadores conjugados para um deslizar acelerado, mas não desaparece do nosso panorama nacional o facto de que a batalha mais permanente, nunca interrompida, é a de procurar substituir rapidamente um governo por outro, sem cuidar em que cada mudança deve custar ao País um preço superior ao de uma barragem. Não produzimos aquilo que comemos, mas produzimos em abundância candidatos declarados ou presumidos à presidência da República, secretários de Estado que são candidatos a ministros, candidatos a gestores das empresas públicas, e conseguimos que a única classe bem identificada pela opinião pública seja a chamada classe política, de composição estratificada e conhecida, gerindo menos mala presença nos órgãos do poder, mas gerindo mal a viabilidade independente do País, a viabilidade económica da sociedade civil, a viabilidade moral da comunidade e a própria identidade nacional.

Aplausos do CDS.

Não parece racional admitir, nem sequer para cobrir escaramuças políticas sem grandeza, que a sorte tenha apostado numa safra dos piores para lhe entregar a pilotagem de todos estes domínios dos interesses de uma comunidade nacional doente. Parece mais verdadeiro reconhecer com Raymond Aron que estamos a sofrer as consequências de "o falso idealismo das abstracções inaplicáveis, o falso realismo que leva a sacrificar os interesses permanentes a combinações aparentemente astutas".
Do que resulta que o fenómeno mais grave e acelerador da degenerescência é a falta de confiança, a falta de confiança do exterior no País, que se chama credibilidade, a falta de confiança do País na gestão do sistema, que se chama decisão, a falta de confiança dos Portugueses no futuro, que se chama esperança.

Aplausos do CDS.

E não resulta tudo dos factores exógenos que avultam na demorada conjuntura, nem tudo são reflexos da crise económica e estratégica mundial, nem tudo fica para além daquilo que está ao nosso alcance e responsabilidade. Nem sequer tudo resulta da Constituição, naquilo que concerne ao domínio da economia, porque as constituições mais se fazem do que se escrevem, embora a nossa exija revisão e seja um factor importante da situação em que nos encontramos.

Aplausos do CDS.

Ela não resultou no domínio económico sequer, de um compromisso com a realidade social portuguesa, foi antes uma imposição do equilíbrio de forças internas da época, que nada tinha a ver com a vontade popular e o poder de sufrágio. O gonçalvismo introduziu na lei fundamental a concepção da NEP, expressa em normas que não podem ser revistas, e deixou a gestão desse sistema aos governos que aceleradamente vão caindo, e a fiscalização ao poder de mobilizar a desorganização da regularidade da sociedade civil. Temos recebido frequentes declarações de que o governo em exercício é severamente contra a marxização da sociedade portuguesa, mas os factos continuam a resistir à intenção regeneradora, porque na imagem pública está fixada a imagem da realidade

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vivida durante esse assalto ao poder e a sua expressão constitucional, e não as atenuações da revisão, ou a substituição dos programas dos partidos por uma plataforma de governo de coligação, que sempre parecerá mais táctica do que estratégica, que sempre parecerá circunstancial e não um projecto de vida, que está a ser absorvida na falta de autenticidade que envenena o corpo social.

Esta falta de autenticidade tem de reconhecer-se que não é de hoje, é talvez o que existe de mais permanente na história constitucional portuguesa, mas nunca foi tão evidente e tão grave, porque a nossa debilidade é extrema, e nem sequer podemos imaginar a possibilidade de ressuscitar a negligente atitude do marquês de Fronteira, que se acomodava na fatalidade da fraqueza interna comprando a ajuda externa com o oiro do Brasil, porque estamos a chegar ao extremo de não poder comprar nem sequer a indiferença. E por isso que a Constituição traça um modelo económico, mas a actividade dos agentes refugia-se na economia paralela, cria um país clandestino, organiza um normativismo que se articula com a realidade jurídica pelos processos que preenchem a arma da corrupção. Nascem poderes erráticos que se identificam e actuam violentamente, abastecendo-se financeiramente pelos métodos que as cartilhas da luta armada codificaram. Da violência cada vez mais o cidadão se considera desprotegido, como também não sabe de que modo poderá enfrentar com os seus meios a invasão da droga e a dissolução dos costumes, mas dos impostos foge com uma velocidade proporcional ao agravamento. A transformação das poupanças em divisas fortes, portanto o investimento no exterior, deixou de ser um saber de poucos entendidos para se transformar numa preocupação de toda uma classe média severamente atingida, proletarizada, e que à sua volta vê nascer o desespero das falências, do desemprego e da miséria. E, todavia, o discurso do Governo aponta para a regeneração, usa a semântica dos que se opuseram à constituição económica, tem entre os que deviam apoiá-lo quem lhe exija mais pressa e o acuse pela demora do passo, apela para a iniciativa privada, para a regularização da economia pelos mecanismos do mercado, chega a propor a desnacionalização do sector público, denuncia as centenas de milhões perdidos em investimentos errados, torna público o escalabro financeiro das empresas do Estado, mas não consegue implantar a confiança sem a qual a degenerescência não será detida. Espartilhado do sistema, não consegue que a plataforma do governo seja perfilhada com princípios, porque ninguém sabe diagnosticar com alguma segurança a consciência de um acordo ocasional de maiorias, nem o tempo que o acordo vai durar, nem a correspondência temporal entre os projectos que o Governo pede à iniciativa dos cidadãos e a vida previsível do governo que os solicita. Continuamos a não admitir que se trata de a sorte ter feito uma safra dos piores para nos dirigir e certos que se devem procurar as razões no sistema. E neste parece irrecusável descobrir que, para além dos condicionamentos da constituição económica, também existe, como na economia, como nos usos e costumes, um sistema político paralelo. Temos um sistema político paralelo que é mais de responsabilizar pela instabilidade governativa do que a própria Constituição, o qual sistema não está agora a ter a primeira das suas manifestações, mas está a manifestar-se na mais inoportuna, grave e ameaçadora crise, que é social, que não pode ser a festa revolucionária fora do tempo, ou vivendo no tempo mítico de que fala André-Vicent. É no tempo real da vida de cada um, que os tecnocratas desvirtuam chamando-lhe médio prazo, que está a acontecer que o sector público se afunda, que as empresas do sector privado avançam para a falência, que o sistema bancário perde credibilidade e que o desemprego e os salários em atraso ferem gente viva, que não se reduz nem é retratada por estatísticas, que são uma responsabilidade da comunidade, pessoas às quais os subsídios até podem manter a subsistência, mas sem lhes salvar a dignidade.

Aplausos do CDS.

Tudo isto quando o Estado é mais vasto que nunca e mais frágil do que em todos os tempos, porque aquilo que vigora é o sistema político paralelo. Aquilo que dá pelo nome de poder está realmente sediado nos directórios dos partidos, acontecendo que os seus representantes no Governo invoquem com fundamento o patriotismo da devoção pessoal, mas sem estarem seguros de que lhe não recusarão a legitimidade partidária para continuar. Quando o Governo, obrigado a ser de coligação ou a não existir, oferece uma plataforma de acção porque nenhum dos parceiros pode oferecer o programa que ostenta, somos informados honestamente de que o ministro mais responsável toma cada manhã o trabalho como se devesse durar e o termina cada dia como se fosse o último. E como não há arranque da comunidade sem estabilidade, sem confiança, sem adesão às promessas de quem assume o poder, poucos se lançam na tarefa de reconstruir o sector produtivo, poi yue não sabem quanto tempo vai realmente durar a plataforma oferecida para a solução nacional, quais vão ser as decisões intercalares das comissões políticas, dos conselhos nacionais, dos secretariados dos partidos. É evidente que o País precisa de mais Estado do que aquele que está à sua disposição, precisa de que as eleições para os órgãos de soberania não fiquem à espera do sentido que lhes darão as eleições para as formações das comissões partidárias, que as revisões constitucionais sejam da Assembleia da República e não das cimeiras que as funções do Estado não estejam à mercê senão do julgamento de responsabilidade dos próprios órgãos de soberania.

Aplausos do CDS.

Alguma coisa tem que ser feita neste domínio, que é da legislação ordinária, mas antes dessa legislação a simples restauração de um civismo que ao menos ponha a funcionar o sistema que entrou em crise antes de entrar em vigor, talvez ajude a que a crise política, que envolve todas as outras facetas da crise, deixe de ser conduzida pelas vias de um sistema paralelo, como acontece à economia, como acontece aos costumes, como afinal parece que acontece ao país real.

A confiança que não vimos implantar em muito dispensaria a crescente dependência do financiamento

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externo, porque a necessidade obriga a recorrer ao capital estrangeiro. Então, os mesmos que agora descobrem que a iniciativa privada, sadia, confiante, fiscalizada, mantida afastada do poder político, é que nos poderá dar os meios necessários para enfrentarmos as pesadas responsabilidades sociais e políticas que nos incumbem como país, deveriam preferir provocar o regresso dos capitais portugueses emigrados, que ninguém ainda avaliou, não obstante o generalizado gosto pelas sondagens e estatísticas, mas que talvez não sejam inferiores às nossas responsabilidades externas. Um poder político que se considera habilitado a lidar com multinacionais, mais livre deve sentir-se para governar os capitais de portugueses que prosperam em outros países.

Vozes do CDS: -Muito bem!

O Orador: - Uma medida tão mais urgente quanto, é certo que a época das migrações europeias da força de trabalho deve considerar-se finda, e a adesão ao Mercado Comum não modificará essas circunstâncias. E aqui que principalmente é necessário multiplicar as fontes de ocupação, a criação de empregos, amparar a criatividade, fazer crescer as rendas e abastanças, lema de uma das nossas velhas universidades. Quando uma voz governamental autorizada se admira de que os trabalhadores portugueses prosperam nas comunidades fixadas no estrangeiro, e aqui lhe crescem as carências, atribuindo as diferenças à incapacidade empresarial, deixa mais falar o seu patriótico desgosto do que a sua reconhecida sabedoria. Porque esses emigrantes também são ou se transformaram em empresários ou nessa qualidade se instalaram noutras terras, onde o sistema lhes oferece a segurança, a confiança, a estabilidade de orientação sem as quais a iniciativa não aparece, o gosto de empreender não se manifesta, a invenção não prospera. Parece um dever criar as condições necessárias para que esse capital humano, financeiro e empresarial, regresse à sua terra de origem, porque é mais urgente revitalizar a iniciativa privada quando se aceitam como metas os desmantelamentos do sector público, porque a lei não o deixa racionalizar, preparando-nos para que se somem ao esbanjamento com que foi construído, os destroços do desabamento.

Aplausos do CDS.

Está demonstrado pelos factos que uma plataforma de governo não substitui princípios que restaurem a confiança, porque aquela ninguém sabe quanto dura, estes é que ultrapassam a vigência dos governos concretos, e aqueles princípios que parecem estar sempre na eminência de retomar a vigência, e não desaparecem da memória colectiva, são exactamente os que nos conduziram à debilidade em que estamos. Não podemos continuar a viver com um sistema económico paralelo, com um sistema de costumes paralelo, com um sistema político paralelo. Isto só pode acontecer, não tanto por causa dos homens que nos governam, muitos exemplarmente devotados ao interesse público, mas porque os sistemas precisam de se adaptar ao país real que se manifesta nesses factos, nem sempre pelos melhores caminhos, mas demonstrando que a revisão é o nome da coragem que exige aos detentores do poder. A única coisa irrecuperável e que inexoravelmente vai correndo é o tempo, o tempo do governo, o tempo dos homens vivos, o tempo da Nação independente, o futuro de nós todos.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros e Secretários de Estado, Sr. Primeiro-Ministro: Não veja V. Ex.ª e o seu governo nesta interpelação do CDS, e no tom porventura mais vigoroso que utilizaremos, qualquer sentido destrutivo ou intenções de obstrução que, em circunstância alguma e sobretudo nos tempos presentes, seriam os nossos propósitos.
Mas sendo V. Ex.ª um dos que defendem, cremos que com sinceridade, ser tão necessário ao País o Governo como a oposição, certamente que compreenderá que o silêncio ou tibieza da oposição democrática só poderia ser explicada, na actual conjuntura, por moleza, comodismo ou miopia.
Porque o CDS não foi, não é, nem nunca será, um partido mole, cómodo ou míope, aqui nos tem, Sr. Primeiro-Ministro, com a convicção de quem cumpre com um dever patriótico mais do que quem exerce um direito constitucional. E assim, Sr. Primeiro-Ministro, começamos por lhe dizer muito claramente que a instabilidade, a insegurança e a desconfiança estão de novo e porventura mais profundamente instaladas no cidadão e nas instituições; que a legião de desfavorecidos e de oprimidos cresce de dia para dia e a sua situação é encarada pelo poder sob uma roupagem tecnocrata, fria e distante e que ainda por cima em nada contribui para matar a fome que já vai grassando, para diminuir o ritmo de desemprego em aceleração descontrolada, para pagar os salários cada vez mais atrasados; enfim, que a classe média, principal sustentáculo do regime democrático, sofre crescentes privações sem que seja dado um sentido útil aos seus sacrifícios ou sequer proposto um ideal suficientemente nobre para os justificar.
Por último, Sr. Primeiro-Ministro, tudo isto se passa sob uma batuta ideológica confusa e incoerente, que mais parece um cabide onde consoante os tempos e as sensibilidades se vão pendurando vontades e convicções.
Estão assim identificados com a frontalidade devida alguns dos temas que integram a presente interpelação e que seguidamente irão ser desenvolvidos.
Espera o CDS que deste exercício de legítima crítica resulte um tempo de reflexão descomprometida, capaz de proporcionar a clarificação das responsabilidades políticas de hoje e de fortalecer as alternativas do futuro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Poder-se-ia pensar que um governo constituído pelos dois maiores partidos portugueses e por isso dispondo de uma larguíssima maioria parlamentar, teria condições ímpares de estabilidade política. Havia mesmo quem arriscasse que teríamos Governo para as próximas décadas, resolvida que fosse a questão das eleições presidenciais também ela por escolha entre os partidos do bloco. Hoje, decorridos poucos mais de 6 meses sobre a posse do actual Governo, ninguém ou muito poucos ainda pensarão assim.

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Com efeito, ligar a estabilidade política à simples aritmética parlamentar revelou-se, como era aliás de esperar, um raciocínio simplista e sobretudo falso.
Em primeiro lugar, porque é profundamente anormal, em termos democráticos, a união sob um programa comum de Governo de dois partidos que se apresentaram ao eleitorado cada um deles como alternativa do outro. O eleitorado escolheu assim entre dois projectos que além de serem distintos se diziam alternativos.
Ao contrário pois do que acontecera mm a Aliança Democrática, nunca os eleitores se pronunciaram sobre um governo do bloco socialista e aqui reside uma primeira e insanável frustração. O actual Governo nascido desenraizado do eleitorado tem a sua paternidade nos estados-maiores dos partidos que o formam, é, em democracia, o que se poderia com propriedade chamar, um "Governo proveta".
Formou-se para preencher um vazio, para resolver problemas imediatos, para tentar a pilotagem da conjuntura económica. Numa palavra é um governo do e para o curto prazo e como era previsível nele se está a esgotar.
Sem um projecto nacional sufragado pelos eleitores o bloco apoiante do Governo sobrevive sem convicção e em angústia permanente não vá de um momento para o outro romper-se o precário equilíbrio das forças coligadas.
Atente-se, Sr. Presidente e Srs. Deputados, no recente processo de escolha dos gestores públicos e de alguns altos funcionários da administração central. Homens sérios, técnicos competentes, com experiência adquirida ao longo de uma vida de trabalho, afastados por não merecerem confiança política. O que esteve em causa não foi a capacidade técnica e profissional dos gestores ou dos funcionários e em alguns casos nem sequer a invocada confiança política, mas apenas e tão-só o equilíbrio de forças na repartição do poder entre os partidos da coligação. "Pataca a mim, pataca a ti", como diz o povo, foi esta a regra na escola dos titulares de cargos públicos.
Como vai longe o tempo em que Francisco Sá Carneiro renunciava à direcção do seu partido par considerar tais funções incompatíveis com os deveres de Estado decorrentes do exercício do cargo de Primeiro-Ministro.
Detenhamo-nos em seguida sobre o processo que conduziu à aprovação do projecto de lei do Partido Socialista relativo à liberalização do aborto.
Em matéria de extrema importância para a consciência moral dos cidadãos, o Partido Socialista avança com um projecto próprio e, desprezando por completo a posição do seu parceiro de coligação, fá-lo aprovar por maioria diferente daquela que sustenta o Governo. Tivemos assim em simultâneo duas maiorias: uma do Partido Socialista com o Partido Comunista, que funcionou quando necessário na Assembleia da República; outra do Partido Socialista com o PSD para continuar a manter o Governo. Daí a ausência do Executivo nesta Assembleia aquando da discussão deste projecto de lei. E que tudo se passava com uma maioria diferente da sua, pelo que o Governo teria de se mostrar alheado, reticente, se não mesmo discordante.
Singular situação esta a que a democracia portuguesa penso que ainda não nas habituara. Uma maioria que legisla, outra que governa.

Analisemos agora o processo de lançamento de candidatura à Presidência da República aberto caro mais de um ano e meio de antecedência em relação à data prevista para as eleições.
Num país que atravessa uma das mais graves crises da sua história e que teve eleições há menos de 1 ano, depois de longos meses de interregno político, seria de esperar que todas as atenções e todas as energias estivessem agora mobilizadas no combate aos gravíssimos problemas que afligem a Nação. Quando muito, poder-se-ia admitir que as futuras eleições presidenciais fossem encaradas numa óptica de Estado como uma oportunidade de introduzir as indispensáveis reformas no sistema político e assim unir os Portugueses em torno de um projecto mobilizador eminentemente nacional.
Os partidos do Governo, porém, não encaram esta questão por este prisma.
E assim enquanto o Partido Socialista já tem, desde o último congresso, o seu candidato "pronto-a-vestir" na expressão feliz do Ministro Almeida Santos ...

Risos.

... e que coincide com a figura do actual Primeiro-Ministro, o PSD, seu parceiro de Governo, só comunga de momento numa certeza - a de que não apoiará a candidatura do Dr. Mário Soares à Presidência da República.
Ou seja, também a estratégia presidencial a ano e meio de distância das respectivas eleições divide irremediavelmente os dois parceiros do bloco.
Perspectiva-se assim um quadro institucional deveras anómalo e que teoricamente se traduziria na possibilidade de poderem vir a coexistir em Portugal 3 diferentes maiorias: uma que apoia o Governo; outra que elege o Presidente da República e ainda outra que de quando em vez funciona nesta Assembleia.

Demonstra-se assim que os comportamentos do bloco socialista estão a conduzir Portugal para uma situação politicamente insustentável. E o País sente-o. Daí a instabilidade política que gera no cidadão a desconfiança e a insegurança.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Portugueses têm com efeito razões de sobra para se sentirem desconfiados e inseguros. Gerado pela instabilidade política este estado de espírito tende a agravar-se com os resultados globais da acção governativa.
Primeiro foram os impostos retroactivos entre os quais o imposto extraordinário para fazer face a uma despesa pública sempre a aumentar.
Depois a desvalorização do escudo a acentuar-se, o investimento a baixar, a produção a diminuir e a inflação a crescer.
O futuro hoje para muitas empresas quer do sector privado quer do sector público é a falência com o consequente despedimento de milhares de trabalhadores que vão engrossar a extensa legião de desempregados.
Desemprego, salários em atraso, aumento do custo de vida, ausência de esquemas de segurança social e de seguro de desemprego minimamente suficientes. Este é o quadro real que configura uma situação social extremamente preocupante, com tendência a agravar-se num futuro próximo.
O CDS tem a plena consciência que muitos desses sacrifícios eram inevitáveis fosse qual fosse o Governo.

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Seria pois ética e politicamente reprovável manipular os sofrimentos alheios para deles extrair dividendos eleitorais.

Não o faremos e por isso estamos particularmente à vontade para criticar o Governo não tanto pela política conjuntural de emergência que quis adoptar, embora a consideremos excessiva em alguns domínios, mas pela quase ausência de medidas estruturais capazes de a prazo inverter a situação do País.

O que dá sentido aos sacrifícios impostos agora - e repito, Sr. Ministro das Finanças, para que V. Ex.ª o note bem -, o que dá sentido aos sacrifícios impostos agora é o dizer-se claramente o que se vai ganhar amanhã. E quanto ao amanhã o Governo cala-se. Não tem nem discurso nem política, pelo menos neste fórum.
Senão vejamos. Qual o futuro modelo da nossa economia? Será uma economia aberta, pautada por uma sã concordância, onde predominem o mercado, a iniciativa e o risco responsável, como pretende o CDS acompanhar por alguns ministros do actual Governo, ou pelo contrário, este modelo corresponde à "histeria liberalizante" a que se referia recentemente um alto dirigente do PS? Deverá a Constituição ser revista na parte económica como há muito pretende o CDS, recentemente acompanhado pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro e pelo Sr. Ministro da Indústria, ou, pelo contrário, o texto constitucional deve ser considerado intocável como parecem defender os mais responsáveis dirigentes do Partido Socialista?
Neste quadro de ambiguidades e de desencontros, como tenciona o Governo relançar a economia? Que prioridades vai definir? Que meios tenciona utilizar?
Sr. Primeiro-Ministro, a confiança dos agentes económicos, dos gestores e dos trabalhadores não se pede, conquista-se. E o plano conjuntural de emergência, ainda que acompanhado pela lei dos sectores e pela abertura da banca à iniciativa privada, que vamos ver como funciona sem a necessária reorganização do sector estatal da banca, não chega para tanto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um Estado fraco gera aumento da criminalidade e a consequente insegurança das pessoas e dos bens dos cidadãos.
É pois com crescente preocupação que o País assiste à onda de assaltos e de crimes que sob forma cada vez mais organizada se tem vindo a verificar. Também aqui, cremos que por falta de meios e certamente por ausência de coordenação entre os efectivos policiais disponíveis, o Governo tarda em actuar.
Surgem assim as primeiras milícias civis encarregadas da segurança e da vigilância de certos bairros, pagas e mantidas pelos respectivos residentes.
Este e outros indícios levam-nos a recear pela difusão de formas de justiça privada incompatíveis com os deveres e com a autoridade do Estado democrático.
Uma outra face da insegurança é a que resulta da crise de princípios.
Os cidadãos fustigados pela degradação permanente das suas condições de vida vêm florescer à sua volta um verdadeiro submundo, com regras de jogo próprias, que tantas vezes se transforma no mais fácil ou mesmo no único caminho para a sobrevivência.
É o pai de família, o reformado, o desempregado, a mulher que sustenta o lar e tantos e tantos outros que, querendo respeitar princípios e valores sociais e éticos, são diariamente confrontados com as fortunas fáceis dos negócios obseuros.

É o profissional honesto que, ao recusar o tráfico de influências para resolver os problemas que lhe são submetidos, é preterido pelos que se movem com à vontade nos corredores do poder.

É o trabalhador por conta de outrem ou o empresário com contabilidade à vista que pagam pontualmente os seus impostos e que sabem que tantos outros, bem mais abastados, por hábito o não fazem.

É o devedor que se esforça e sacrifica para honrar os seus compromissos e compara a sua situação com a de outros que, podendo pagar o que devem, o não fazem continuando no entanto a gozar de novos créditos.
É, enfim, o jovem desocupado que sem lugar na escola ou oportunidade na empresa se vê inserido numa sociedade em que a droga e a prostituição já fazem parte da rotina, sem que ninguém se mostre interessado nas suas inquietações, nos seus sonhos, nas suas esperanças.
Todas estas situações que esboçam um pálido quadro do nosso quotidiano colectivo são em si mesmas causas de profunda e insanável insegurança.
O cidadão sente que o Estado está demasiado ocupado a gerir a economia para poder cumprir os deves que tem para com ele - sim, nem isso. Daí o considerá-lo como um estranho, quase como um inimigo, a que acusa de acumular défices com defeitos e que por isso lhe pede sempre cada vez mais e lhe dá cada vez menos.
Por isso julgamos que o fortalecimento do Estado democrático exige o seu redimensionamento, por forma a aproximá-lo do cidadão e a afastá-lo da gestão directa da economia.
Em suma, pretende-se mais autoridade do Estado para garantir mais segurança, mais liberdade e mais justiça; deseja-se menos gestão para assegurar mais iniciativa, mais emprego e mais riqueza.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, instabilidade, desconfiança, insegurança - na política, na economia e na sociedade.
Nesta meia dúzia de palavras encontrará V. Ex.ª a razão de ser da nossa interpelação ao Governo.

Não é que o CDS considere este Governo como o exclusivo responsável da situação que se vive em Portugal e como tal o venha acusar publicamente.
Não é esse o nosso estilo de partido nem essa é a nossa prática de oposição.
Consideramos mesmo que o Governo integra alguns técnicos competentes que se esforçam para resolver os problemas e de cuja dedicação à causa pública não é lícito duvidar.
Não se pense pois que o objectivo fundamental da nossa interpelação é pôr em causa o conjunto de pessoas que formam o Governo. Ela visa sobretudo deixar muito claro perante esta Assembleia e perante o País que o CDS entende que as diversas crises em que Portugal se vai afundando não serão ultrapassadas com esta coligação, e com este Governo no quadro da actual Constituição económica.

Aplausos do CDS.

Atente Sr. Primeiro-Ministro em que as causas estruturais que levaram a insucessos. anteriores não só se

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mantêm como se estão a agravar e V. Ex.ª e o seu governo não têm nem condições nem instrumentos nem vontade nem ambiente para as poder alterar.
O País, Sr. Primeiro-Ministro, responsabiliza directamente V. Ex.ª, enquanto Primeiro-Ministro, por não ser esta a política para a situação em que estamos nem este o Governo para a crise que temos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - E V. Ex.ª sabe que com maiores ou menores ajustamentos conjunturais está condenado a esta política e que com mais ou menos remodelações está inexoravelmente preso a este Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A consolidação da democracia portuguesa impõe uma alternativa a esta coligação e a este governo.
Não temos dúvidas: se essa alternativa não fosse gerada dentro do regime, a muito curto prazo nasceria outra fora e contra ele.
A criação de condições para que a alternância do poder seja possível é pois uma questão de regime e como tal deve importar tanto aos partidos da oposição como aos do Governo.
As condições de alternância não se esgotam na garantia de que os governos resultam do voto livre do eleitorado. Essa é sem dúvida a primeira e a mais importante das condições, mas não a única.
Fundamental é também garantir que os partidos têm condições de governar de acordo com a sua ideologia e em conformidade com os seus programas
De outra forma continuaremos a assistir a governos de centro forçados a executar políticas de esquerda, porque a isso são obrigados pela legislação constitucional, e a governos de esquerda a responsabilizarem-se por políticas conjunturalmente liberais porque a isso são forçados pela realidade da economia.
De tudo isto resulta uma grande frustração quer para os militantes dos partidos quer para o eleitorado que votou num e que lhe saiu outro governo, e daí resulta a ineficácia dos sucessivos governos com o consequente descrédito do regime.
O CDS assume em plenitude a responsabilidade de ser alternativa, o que para nós significa, porque temos bem presentes as lições da história recente, corporizar um projecto político global que visa obter as condições para o exercício coerente e útil do poder como condição do seu próprio exercício.
Não desejamos o poder pelo poder e é por isso que estamos hoje bem mais interessados na revisão da Constituição económica, na alteração do sistema eleitoral e nas questões de regime do que na queda imediata deste governo.
Garantir a estabilidade, semear a esperança, construir o futuro.
Eis as batalhas em que o CDS está verdadeiramente empenhado na única guerra que para ele ainda vale a pena ganhar.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo (Álvaro Barreto): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: Devo, antes de iniciar a minha intervenção, dizer-vos que ao ouvir as intervenções dos Srs. Deputados Adriano Moreira e Basílio Horta me senti seriamente embaraçado, em virtude de estar convencido que a interpelação do CDS era dirigida à área económica, ou seja, à política económica que o Governo tem vindo a seguir.

Risos do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não leu a primeira linha. Sr. Ministro.

O Orador: - Convenci-me de que estaria enganado e fui buscar os termos da interpelação do próprio CDS. Verifiquei que, na realidade, os termos apontavam que o debate se iria centrar predominantemente sobre a deterioração das condições de vida da população e o agravamento descontrolado da crise económica e social!
Na realidade, portanto, preparei a minha intervenção e, certamente como a do Sr. Ministro das Finanças, que se seguirá, convencido de que era em relação à área económica que a interpelação seria feita.
Espero bem que ao longo do debate se abordem questões de carácter económico, porque é para essas que aqui vínhamos hoje.

No entanto, vou passar a ler a intervenção que tinha preparado.
Há exactamente 8 dias veio o Governo a esta Assembleia responder a uma interpelação apresentada pelo Partido Comunista Português, que, embora apresentasse para discussão o grave problema do não pagamento atempado das remunerações de trabalho por parte de muitas empresas, quer privadas quer públicas, tinha como principal objectivo pôr em causa a globalidade da política económica que o Governo vem aplicando com toda a determinação desde que tomou posse em Junho de 1983.
A apresentação por parte do Partido Comunista Português desta interpelação é, em minha opinião, um acto que faz sentido com a posição que este partido sempre tem vindo a tomar desde que foi afastado, pelo voto popular, da área do Governo, área essa onde se havia instalado entre 1974 e 1976 por processos não democráticos, aliás em coerência com a filosofia que defende e a prática que partidos homólogos seus exercem nos países onde são governo.
E digo que faz sentido a posição do PCP porque é natural que, sendo claro para este partido que o actual Governo está firmemente determinado em desfazer o autêntico "nó cego" que os comunistas deram à já frágil economia portuguesa no chamado " 11 de Março de 1975", eles terão de reagir por todas as maneiras, como aliás o têm tentado fazer, com a sucessiva convocação de greves ditas "nacionais" que têm resultado, como é do conhecimento público, em clamorosos insucessos, como foi exemplo flagrante a última greve convocada pela CGTP para a função pública ...

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - ..., onde só para falar do Ministério do Comércio e Turismo de cerca de 3500 trabalhadores aderiram à chamada "greve de âmbito nacional" 149 pessoas.
Mas se percebo as razões que levaram o PCP a fazer a interpelação da semana passada já tenho sérias difi-

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culdades em entender as razões que levam o CDS a apresentar nesta altura esta interpelação e, em especial, os termos em que a faz.

É que o CDS conhece tão bem como nós as tremendas dificuldades em que se encontrava a economia portuguesa em meados de 1983 quando da posse do actual Governo.

É que o CDS como partido que teve responsabilidades governativas durante 4 dos cerca de 7 anos e meio que o País tem de governos constitucionais democraticamente eleitos, e tendo nesses governos ocupado importantes posições em praticamente todas as áreas económicas da governação, como, por exemplo, no exercício das pastas das Finanças e do Plano, do Comércio e Turismo, da Agricultura e Pescas, da Indústria e Energia e Exportação, dos Assuntos Sociais e muitas outras de grande importância na actividade governativa, tem a obrigação de conhecer em profundidade a gravidade da crise económica com que o País se debate e as dificuldades em as ultrapassar num curto período de alguns meses.

Aplausos do PS e do PSD.

Será assim coerente que um partido que teve durante 4 anos responsabilidades governativas, passados ainda nem sequer 9 meses sobre a posse do Governo, venha interpelá-lo acusando-o de não ter ainda, e repito ainda, efectuado a totalidade das reformas estruturais necessárias à revitalização da vida nacional?
Penso com toda a honestidade que não, pois foi o próprio Governo que desde a primeira hora anunciou a necessidade de dispor de um período inicial de 18 meses para implementar o seu Programa de Gestão Conjuntural de Emergência.
É que não é possível, e o CDS sabe-o bem, relançar a economia portuguesa sem em primeiro lugar restabelecer um conjunto de equilíbrios financeiros como é, por exemplo, o caso do desequilíbrio das nossas contas externas, os défices do Orçamento Geral do Estado, só para citar os mais graves e importantes.
Coerente seria sim, em minha opinião, que o CDS viesse a interpelar o Governo quando este apresentar ao País as linhas mestras do seu Programa de Recuperação Financeira e Económica, e não nesta fase da vida nacional, onde o actual como qualquer outro governo teria sempre de implementar um política económica restritiva para correcção das distorções acumuladas ao longo dos últimos anos.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - Mas para além dessa incoerência, que pessoalmente não esperava por parte da bancada do CDS, existem certas afirmações no texto da interpelação com as quais inteiramente concordo, embora as considere feitas em contexto errado, como quando, por exemplo, se diz: "se as medidas de fundo necessárias já tivessem sido tomadas com um pouco mais de coragem e um pouco menos de planos pessoais, já poderíamos estar mais seguros de perspectivas de alívio de sacrifícios, principalmente em matéria de investimento".
É que ao apoiar integralmente esta afirmação, faço-o no pressuposto de que ela se refere não aos últimos

meses de actividade governativa, mas sim aos últimos anos de governação do nosso país, período esse que, como atrás já disse, o partido hoje interpelante teve importantes responsabilidades.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Oposição é oposição!

O Orador: - E para que nem eu nem o meu partido possamos ser acusados da mesma incoerência que hoje vejo na interpelação feita pelo CDS, pois quer eu pessoalmente quer o PSD também partilhámos com o CDS responsabilidades governativas, gostaria de deixar bem claro, como, aliás, já o fiz diversas vezes publicamente, que estou perfeitamente consciente de que factores existiram no passado que não permitiram implementar algumas reformas estruturais para a introdução das quais hoje existem condições que não existiam nessa altura.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas o Governo nada faz!

O Orador: - E não querendo ser exaustivo citarei, em primeiro lugar, a perda irreparável que representou para a liderança governativa as mortes de Francisco Sá Carneiro e de Adelino Amaro da Costa, a intervenção bloqueadora de reformas estruturais que constituía a existência do Conselho da Revolução, a instabilidade governativa fruto da fragilidade numérica da maioria, a enorme perturbação que representou o arrastamento do processo de revisão constitucional ao longo de cerca de 2 anos, ...

O Sr. Carlos Brito (PCP)- Falta a seca!

O Orador: - ... a ocorrência de sucessivos actos eleitorais, sempre altamente perturbadores da actividade governativa, e muitos outros factores que não citarei neste momento.
Mas esses factos não me impedem também de reconhecer que, mesmo com todos esses entraves e dificuldades, muitas medidas de fundo que poderiam ter sido tomadas e que permitiriam hoje estarmos "mais seguros de perspectivas de alívio de sacrifícios", conforme diz o CDS na sua interpelação, não foram tomadas, o que contribuiu para uma situação de extrema gravidade para a economia portuguesa, não podendo por isso o CDS tomar a posição cómoda que me parece hoje querer tomar ao interpelar o Governo como se nada tivesse a ver e, mais, desconhecesse totalmente a gravidade da situação económica a que o actual Governo tem de fazer face.
É que, muito frontalmente, das duas uma, ou o CDS vem reconhecer publicamente que, por incapacidade própria, nada fez enquanto foi poder e então, atribuindo ao actual Governo a capacidade que ele (CDS) não teve, tem autoridade para o interpelar nos termos em que o faz hoje ou, alternativamente, assume as suas responsabilidades, reconhece as tremendas dificuldades que as devastadoras políticas gonçalvistas vieram introduzir na vida portuguesa e reservaria então a sua interpelação para momento mais adequado ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Depois do Governo cair!

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O Orador: - ... , dando tempo ao Governo para estabilizar a vida do nosso país.
Devo com lealdade aqui confessar que seria esta a atitude que eu esperaria do Grupo Parlamentar do CDS, e não armo veio a acontecer vir oportunisticamente aproveitar-se das graves dificuldades que o Governo herdou, e que o CDS como o PSD bem conhecem, para hoje o vir atacar. Trata-se de processo que não estranharia que fosse tomado por parte do PCP, porque a isso estou habituado, mas que, como disse, me surpreende negativamente que seja tomada gelo CDS, a quem reconheço o estatuto de oposição democrática e civilizada.

Risos do PCP.

Ainda antes de fazer algumas considerações sobre matérias ligadas ao meu Ministério, em especial na área dos preços, gostaria de fazer algumas considerações sobre um tema que o CDS também apresenta como prioritário e que parece estar agora na moda, e que é a necessidade urgente, imediata e para já de se proceder à revisão da parte económica da actual Constituição e mesmo a mensagem que se tenta transmitir ao povo português, que sem ela não é possível relançar a economia portuguesa e, por conseguinte, melhorar o nível de vida das populações.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Pergunte ao Ministro Veiga Simão!

O Orador: - Sobre esta matéria gostaria de claramente dizer que discordo em absoluto dessa maneira radical de ver esta questão.
Que a parte económica da Constituição deveria ter sido revista mais profundamente quando da anterior revisão constitucional, sempre o defendi, e penso ter sido grave erro que tal não tivesse acontecido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mais que simples erro, penso mesmo que foi altamente prejudicial para todos os portugueses que, por exemplo, ficasse consagrado na sua lei fundamental o princípio da irreversibilidade das nacionalizações ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ..., ou seja, que, independentemente da apreciação objectiva que se faça das vantagens e inconvenientes do processo das nacionalizações, os Portugueses, mesmo que isso lhes seja gravemente penalizante, não poderem alterar essa situação.
Trata-se de conceito com o qual discordo frontalmente e que não considero mesmo compatível com o nosso estatuto de país europeu em vias de aderir à Comunidade Económica Europeia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas também com a mesma frontalidade direi que, continuando a considerar importante que se proceda à revisão da parte económica da Constituição, entendo que essa alteração deverá ser programada de modo a evitar que o processo em si venha a constituir grave perturbação na vida do nosso pais
e que se evite a todo o custo a criação dos mesmos entraves que o processo de revisão anterior veio criar e que justificaram, em minha opinião, como já disse, que não se pudessem ter introduzido oportunamente algumas das indispensáveis reformas estruturais da economia portuguesa.
Assim, considero que a defesa que em certos meios tem sido feita desta posição imediatista se não deve constituir ou em mais um álibi, em que a nossa sociedade infelizmente é tão fértil, para impedir o tomar de medidas que por difíceis e inadiáveis se pretendam protelar indefinidamente ou, alternativamente, em vir criar novas dificuldades na vida portuguesa, que leve inclusive a uma situação de instabilidade governativa de consequências irreparáveis.
Direi mesmo ironizando que o PCP, cujo principal objectivo todos sabemos é a desestabilização da vida portuguesa, ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - A verdadeira oposição está aqui!

O Orador: - ... se deve sentir profundamente frustrado por não puder, por razões ideológicas, arvorar-se em campeão e pioneiro da revisão imediata, e para já, da parte económica da Constituição.
É porque seria essa a maneira mais simples e eficiente de o PCP prosseguir o objectivo que tão duramente tem tentado sem sucesso e que é a queda do IX Governo Constitucional.
Assim, a minha opinião pessoal é que o processo de revisão da parte económica da Constituição mantém-se sem dúvida como uma questão da máxima importância, mas a reivindicação que ela seja feita imediatamente e sem cautelosa preparação, como parece ser a posição defendida pelo CDS, não deve de modo algum impedir que se iniciem urgentemente importantes alterações estruturais, a maioria das quais são perfeitamente compatíveis com a actual Constituição Portuguesa.
Debrucemo-nos agora sobre alguns aspectos sectoriais da actividade do Ministério do Comércio e Turismo, departamento no qual adoptei como princípios base orientadores de toda a acção o da desburocratização e desestatização da economia portuguesa.
E gostaria de a esse respeito esclarecer que se trata de orientações que tenho seguido em total coordenação com os restantes departamentos governamentais e sob a orientação dos Srs. Primeiro e Vice-Primeiro-Ministros, não se tratando, portanto, de qualquer actuação isolada e dissonante dos restantes sectores do Governo.
Assim, e de forma muito resumida, pois o tempo de que disponho não permite grandes divagações, foram já tomadas, no cumprimento dos princípios base atrás enunciados, as seguintes medidas de carácter estrutural que constituem uma alteração radical do sistema em vigor há décadas em Portugal e que, pensamos, irão alterar profundamente, para melhor, as condições de funcionamento da actividade económica em Portugal.
Sumariamente - e penso ser importante apresentá-las - as principais medidas já tomadas e publicadas foram as seguintes: decreto-lei da defesa da concorrência; decreto-lei sobre o acesso à actividade comercial; decreto-lei sobre horários do comércio; decreto-lei dos arrendamentos comerciais; decreto-lei sobre actividades e delitos antieconómicos; decreto-lei

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alterando o regime de comercialização de cereais terminando com o regime de monopólio estatal da EPAC; despachos liberalizando de forma programada a importação de ramas de açúcar e de oleaginosas, terminando também com os monopólios estatais da AGA e do IAP0; resolução do Conselho de Ministros criando a Comissão Interministerial para os Mercados de Produtos Alimentares (CIMPA); reestruturação e dinamização das actividades da agora chamada Direcção-Geral da Inspecção Económica; decreto-lei sobre regime de vigilância e salvaguarda nas trocas comerciais externas; decreto-lei revendo as condições de apoio à exportação; introdução das normas a que passarão a obedecer as importações, desburocratizando e clarificando o actual regime; alteração do sistema de intervenção estatal no regime de controle de preços no sentido da sua progressiva liberalização, em oposição à política de inflação reprimida seguida no passado; definição de critérios rigorosos na atribuição das cotas de têxteis para 1984; decreto-lei que procede à extinção da empresa pública GELMAR, empresa que se verificou declaradamente ser inviável quer económica quer financeiramente.

Sr. Presidente, Sr. Deputados, se tomei a liberdade de vos maçar, apresentando a listagem de algumas das principais medidas que já implementámos desde a nossa posse no Ministério do Comércio e Turismo é porque penso ser importante, com esta listagem, refutar as acusações que estão implícitas na interpelação feita pelo CDS de que o Governo não tem tido coragem para a implementação de reformas estruturais, o que a simples leitura da lista de iniciativas já tomadas, só na área do comércio - para não falar dos restantes sectores da actividade governamental -, desmente frontalmente, como também a leitura diária da imprensa afecta ao PCP dará uma clara ideia do desgaste a que temos sido submetidos com acusações vis de compadrio, corrupção, incompetência, numa orquestração bem montada mas que só peca por falta de imaginação e direi mesmo falta de convicção.

E mais, desde já gostaria de anunciar que outro importante conjunto de medidas se irá seguir brevemente dentro dos mesmos princípios orientadores atrás definidos, o que é uma prova clara daquilo que já disse: é que é possível, e direi mesmo inadiável, todo um conjunto de alterações estruturais perfeitamente compatíveis com a actual Constituição.

No entanto, o conjunto de iniciativas já tomadas na área do comércio, indo no sentido daquilo a que o Prof. Mota Pinto tem chamado de "desmantelar o 11 de Março", tem levantado em especial por parte da área do PCP a acusação de que, como resultado dessa política, se verificou uma acentuada aceleração da taxa de inflação, tendo mesmo certos órgãos de informação veiculado a ideia de que a taxa de inflação em Janeiro de 1984 tinha atingido 30,7%, o que quereria dizer que estaríamos face a uma taxa anual de inflação da ordem de 400 % ! Ora a verdade dos factos é que em Janeiro de 1984 a taxa de inflação relativamente a Dezembro de 1983 foi de 1,5%, o que representa uma taxa anual de cerca de 18%, e que é uma franca melhoria em relação ao mesmo mês de 1983, onde essa taxa foi de 4%.

Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Essa é para rir!

O Orador: - No entanto, é facto incontroverso que a inflação em 1983 atingiu um valor médio de 25,5% quando comparado com a média de 1982, e se tomarmos o índice de Dezembro 1983/Dezembro 1982 a taxa anual de inflação foi de 33,9%, ligeiramente. acima daquilo que o Governo tinha previsto.
Mas se fizermos uma análise mais cuidada e a decomposição desse índice anual, iremos constatar que a sua distribuição se fez do seguinte modo:

Alimentação e bebidas ............. 33,2
Vestuário e calçado ............... 18
Despesas de habitação ............. 34,4
Diversos .......................... 33,5

Ou seja, foi o sector de vestuário e calçado aquele que claramente menor índice de inflação apresentou, precisamente o sector em que a liberalização é a maior e a intervenção governamental é claramente menor.

Risos do PCP.

Mas aprofundando um pouco mais a nossa análise, constatamos que a quase totalidade dos produtos cujos aumentos foram mais significativos e muito acima da média em 1983 foram exactamente os produtos cujos preços são rigorosamente controlados pelo Estado, como se pode constatar pelos seguintes valores referidos sempre a Dezembro 1983/Dezembro 1982: os cereais, fornecidos em regime de monopólio pela empresa pública EPAC, aumentaram 52%; o arroz, produto igualmente fornecido em monopólio pela EPAC, aumentou 47%; as oleaginosas, produto base para as rações e óleos alimentares, fornecido em regime de monopólio pelo IAPO, aumentaram 62%; o leite, em regime de preços máximos fixados pelo Governo, aumentou 83%; o açúcar, fornecido em regime de monopólio pela AGA, aumentou 35%; os combustíveis e electricidade, fornecidos em regime de monopólio pela PETROGAL e EDP, aumentaram 53%; a água, fornecida pela EPAL, aumentou 63%; os adubos, em regime de preços máximos, aumentaram 71%; os transportes públicos e as comunicações, da responsabilidade das empresas públicas, aumentaram respectivamente 40% e 65%.
E evidente que do enunciado dos aumentos atrás indicados não irei tirar a errada conclusão de ser da exclusiva responsabilidade dessas empresas públicas a elevada taxa de inflação verificada nos últimos anos em Portugal, mas penso também ser evidente que não foi como consequência da política de liberalização que a inflação aumentou em 1983, muito pelo contrário existe uma evidência que ninguém pode contestar e que é que os preços dos produtos controlados administrativamente pelo Estado aumentaram significativamente mais ao longo de 1983 que os produtos com preços liberalizados cujo controle se fez através da economia de mercado.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Isso é manipulação da pior!

O Orador: - A verdade dos factos é que as principais e poderosas razões que levam a esse aumento de preços foram, entre outras, as seguintes:

Ser o País dependente do estrangeiro para o seu abastecimento em mais de 60 % dos produtos base da alimentação (cereais, oleaginosas, etc.);

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Ser o País igualmente dependente do estrangeiro em mais de 80% para o fornecimento de toda a energia primária que consome;
Devido a dificuldades da balança de pagamentos, ter de se proceder à compra ao estrangeiro dos produtos essenciais atrás indicados (alimentação e energia) com financiamento a 18 e 24 meses, fazendo recair sobre os preços dos produtos os custos inerentes a esses financiamentos;
Devido aos desequilíbrios estruturais da economia portuguesa, ser necessário adoptar uma política de desvalorização do escudo, que em 1983, conjugado com a sobrevalorização do dólar no mercado internacional, deu uma valorização total desta moeda, moeda na qual é comparada grande parte dos produtos que importamos, de cerca de 50% em relação ao escudo;

Existirem graves desequilíbrios financeiros da grande maioria das empresas públicas fornecedoras de bens e serviços, como resultado do acumular de défices passados;
Existir uma fragilidade dos circuitos comerciais por falta de infra-estruturas capazes, tais como centros de concentração de oferta, mercados abastecedores, rede de frio, etc.;
Finalmente, e mais importante, não ter sido possível ao Governo continuar, devido à escassez de recursos financeiros, a seguir a política de subsidiar certos produtos essenciais.

Em relação a esta última parte da incapacidade de manter a política de subsidiação seguida no passado, gostaria aqui de realçar que parte muito importante dos subsídios atribuídos nos últimos anos estão hoje ainda por pagar, tendo actualmente o Fundo de Abastecimento uma dívida de largas dezenas de milhões de contos a diversas entidades, tais como a EPAC, TAPO, PETROGAL, etc., que não pagou por manifesta incapacidade financeira.

Aliás, essa foi uma das razões principais pela qual o Governo foi recentemente obrigado a proceder ao aumento generalizado dos combustíveis, pois além da valorização do dólar já referida, e que agravou evidentemente o preço das ramas importadas, foi necessário obter cerca de 60 milhões de contos da chamada economia dos combustíveis para ajudar a sanear a situação financeira do Fundo de Abastecimento, aumentos esses que, como é evidente, vão ter como consequência o aumento de outros produtos a jusante.

É que fazer uma política de controle de inflação através da atribuição de subsídios a fundo perdido não é difícil, mas muito mais difícil é, como prova a nossa experiência, obter depois os recursos financeiros para poder pagar esses subsídios, tarefa essa com que se encontra a braços neste momento o actual Governo.

Vejamos, agora, como prevê o Governo que vá evoluir no futuro o nível de preços.

Assim, para 1984, tendo em atenção que parte importante dos subsídios atribuídos no passado já foram substancialmente reduzidos em 1983, que, por outro lado, se prevê para este ano uma valorização do dólar face ao escudo muito menor que a verificada em 1983 e que, por fim, a política governamental de continuar progressivamente, mas decididamente, a desestatizar e desburocratizar os regimes de controles de preços, previmos para 1984 uma redução do ritmo de inflação para valores que, medidos em termos de Dezembro de 1984 comparados com Dezembro de 1983, andará em redor dos 20% a 22%.
A médio e longo prazo e tendo em atenção que as principais razões do aumento de preços se devem em Portugal a questões de carácter estrutural, a melhoria, ou digamos mesmo, a cura deste mal que flagela todo o país e, em especial, as classes mais desprotegidas só será conseguida através do aumento da produtividade da economia nacional, em especial dos sectores agrícola e energético, - ou seja, de uma real modernização do nosso país, tarefa de grande fôlego em que o Governo actual está firmemente determinado, mas para a qual se necessita de tempo e estabilidade governativa, estabilidade essa que, em nossa opinião, no momento actual só a coligação PS/PSD é capaz de assegurar a médio prazo.

Aplausos do PS e do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Hernâni Lopes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção do CDS abrange alguns problemas da política económica geral, pelo que pareceu razoável ao Governo fazer, perante esta Assembleia, uma explanação de alguns aspectos essenciais, quer dos fundamentos, quer da orientação da sua política económica geral.

Abordarei hoje, no quadro desta interpelação, dois aspectos fundamentais: por um lado, a estratégia global face aos problemas económicos; por outro lado, a problemática das relações entre o modelo de desenvolvimento e a adesão à CEE.
Perante a situação de grave crise interna na economia portuguesa e dos sérios reflexos da crise internacional, o Governo definiu uma política económica baseada num conceito estratégico global e voltada para o futuro.
Andámos com pressa, mas não com precipitações, nem andámos a fazer declarações só para serem ouvidas ou para enganar ou anestesiar os Portugueses. Pelo contrário, temos tido uma preocupação estrita de dizer as coisas como elas são, de tomar séria e serenamente. as medidas indispensáveis, mesmo quando impopulares, e de resolver no concreto os problemas.
Por isso, gostaria de apresentar hoje, perante esta Assembleia, o conceito estratégico global em que assenta a política económica do Governo. Esse conceito contém 3 elementos fundamentais, aliás moldados directamente sobre a natureza e a origem dos problemas com que nos defrontamos.
O primeiro elemento diz respeito a um quadro que podia designar-se como quadro estratégico defensivo e que se resume numa palavra: travar o desequilíbrio e o descalabro da economia. Tínhamos que o fazer; tratava-se de uma posição defensiva e do começo da estratégia global.
O segundo elemento, mais complexo, mais delicado e mais difícil, é procurar reencontrar o equilíbrio

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estratégico no confronto com a realidade entre dois difíceis períodos de transição. Em boa verdade, tratava-se - e trata-se - de inverter a tendência de mau funcionamento do sistema económico.
O terceiro elemento, no posicionamento estratégico global do Governo, é conferir e tirar partido da superioridade do conceito estratégico de desenvolvimento. Claramente, esse é o principal problema da economia portuguesa e, nesse quadro, nesse posicionamento estratégico, o que está em causa é ser ou não capaz de criar sinergias de desenvolvimento, isto é, seremos ou não capazes, todos os portugueses, de criar condições para que os vários elementos componentes da economia se potenciem reciprocamente e dêem origem a um processo de desenvolvimento.
A cada um destes 3 elementos, que se sobrepõem parcialmente no tempo e, em particular, ao longo do ano de 1981 - e repetiremos que 1984 é um ano crucial -, corresponde no nosso conceito global um programa de actuação que, desde o início, o Governo vem referindo nesta Assembleia e que, progressivamente, tem concretizado e enriquecido à luz da sua própria experiência. Refiro-me, como é evidente, ao programa de gestão conjuntural de emergência, ao programa de recuperação financeira e económica e ao programa de modernização da economia portuguesa.
Trata-se de programas de actuação - não são planos e muito menos livros escritos com comentários e quadros estratégicos e algumas pias intervenções - com uma profunda vocação operacional que, definindo o essencial da orientação do Governo, vão sendo progressivamente preparados e implementados, em relação aos quais gostaria de fazer brevemente o ponto da situação neste momento.
No que respeita ao programa de gestão conjuntural de emergência, que evidentemente tem sido aqui o mais directamente e de num modo mais geral abordado, ele está em plena implementação.
Por várias vezes nesta Câmara tive oportunidade de referir bem como outros membros do Governo que, basicamente, este programa assenta no Orçamento do Estado, nas grandes opções do Plano e na carta de intenções do FMI. Julgo que não é necessário repetir - e exactamente uma semana depois - os elementos de situação conjuntural que tive ocasião de apontar há oito dias atrás. Gostaria apenas de acrescentar que estamos a acompanhar cuidadosamente, como é evidente e como é responsabilidade do Governo, a evolução conjuntural da economia e que, depois de consolidarmos o controle - e estamos em vias de o fazer - sobre os dados conjunturais, tenciona o Governo lançar, ao longo deste 1.º semestre, acções de relançamento prudente e selectivo da conjuntura na viragem para o 2.º semestre, de modo que possamos obter efeitos no 3.º e, sobretudo, 4.º trimestres deste ano. É, pois, esta a nossa programação em matéria de programa de gestão conjuntural de emergência.
Gostaria de dizer que, no quadro geral do Governo, é mais importante o programa de recuperação financeira e económica ao longo do ano de 1984. Estamos a trabalhar, desde há meses, em pleno nesta matéria e o Governo tenciona cumprir os prazos a que se comprometeu.
O que está em jogo é uma política realista, ponderada e vigorosa de superação da crise. Daí que o programa de recuperação financeira e económica se oriente para a recuperação de processos normais de funcionamento da economia, actuando sobre áreas estratégicas que, como disse há pouco, permitam inverter a tendência de mau funcionamento que tem vindo a agravar-se na nossa experiência dos últimos anos e revigorar áreas do sistema económico com interesse estratégico para o futuro.
Enunciarei a seguir os principais aspectos deste programa, sobre os quais estamos a trabalhar.
Em primeiro lugar, a racionalização do sector empresarial do Estado. Sobre este ponto, que tem sido referido uma ou outra vez, penso que chegou a altura de não fazer mais discursos e de actuar.
Não é possível prolongar a situação existente, pelo que serão tomadas, no decurso deste 1.º semestre de 1984, algumas importantes medidas de racionalização.
Gostaria de referir ainda o trabalho fundamental e útil que tem sido desenvolvido no seio do grupo de trabalho permanente de secretários de Estado, que foi criado pelo Conselho de Ministros, onde tem sido passada em revista e em pormenor toda a situação das empresas públicas, bem como as medidas que devem ser adoptadas.
Neste mesmo quadro e perante esta Assembleia, gostaria também de referir o estudo aprofundado, a nível mais global, que está a ser elaborado em colaboração com o Banco Mundial.
Finalmente, ainda dentro desta mesma temática, gostaria de referir a conveniência de uma gestão cuidadosa das necessidades de funcionamento das empresas públicas e das respectivas condições de acesso ao crédito, em termos económicos e financeiros da programação do conjunto da vida portuguesa.
O segundo aspecto sobre o qual o Governo está a trabalhar intensamente, e a que já fiz referência na minha última intervenção perante esta Câmara, diz respeito ao saneamento económico e financeiro das empresas viáveis que sejam susceptíveis de reconversão e ou expansão das suas exportações.
Julgo que, neste momento, não é necessário acrescentar elementos de repetição ao que já disse na interpelação anterior. Por alguma razão as interpelações sucedem-se e articulam-se no tempo, poupando, apesar de tudo, ao Governo algum tempo para não se repetir. Contudo, gostaria de deixar claro que este é, na opinião do Ministério das Finanças e do Plano, o principal problema da economia portuguesa no futuro a médio prazo. Por isso, estamos a trabalhar em pleno, procurando encontrar soluções caso a caso, em articulação com as quatro componentes fundamentais que estão em causa, designadamente o Estado, a banca, os trabalhadores e os empresários.
Um terceiro mecanismo fundamental que constitui a terceira componente importante do programa de recuperação financeira e económica é a modernização do sistema bancário e o relançamento do mercado de capitais.
O processo começou, do ponto de vista puramente formal porque do ponto de vista real começou mais cedo - com a publicação do Decreto-Lei n.º 51/84, de 11 de Fevereiro, que abriu o sector à iniciativa privada.
É uma decisão importante e um marco formal, mas não é o essencial do programa. O essencial é a capacidade que temos ou não de modernizar o sector ban-

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cário e de criar efectivamente em Portugal um mercado de capitais, depois do processo de destruição que ele sofreu. Aqui, sim, há um mecanismo não só de política económica, mas de confiança e de formação de poupanças.
É esta a orientação que o Governo está a seguir e não há que tirar qualquer conclusão do acto formal da publicação de um decreto-lei, pois o decreto-lei é um instrumento de uma política, mas o essencial é que essa política tenha um fundamento e um objectivo e que seja prosseguida.
Dentro da modernização do sector bancário, posso anunciar a esta Câmara que até Outubro deste ano o Governo procederá a ajustamentos estruturais necessários na banca nacionalizada.
Um quarto ponto, particularmente importante em matéria do programa de recuperação financeira e económica, refere-se à reformulação dos programas de formação profissional, na perspectiva da modernização da economia, mas também, e fundamentalmente, na perspectiva da formação de mão-de-obra que venha a ficar disponível por eventuais reduções de emprego.
Em relação aos operários que, eventualmente, se venham a encontrar numa situação de desemprego, não é possível que a economia portuguesa não aproveite essa oportunidade para melhorar a qualidade e o potencial dessa mão-de-obra que fica desempregada, criando condições que permitam não só flexibilizar a própria vocação do trabalhador, como também permitir uma maior produtividade em períodos posteriores.
Daí que, nesta matéria de reformulação dos programas de formação profissional, esteja já em curso um trabalho íntimo entre os Ministérios das Finanças e do Plano e do Trabalho e Segurança Social.
O quinto aspecto diz respeito à preparação de legislação sobre política regional e ao lançamento de programas de desenvolvimento regional, em articulação com a perspectiva da adesão à CEE.
Ainda aqui voltamos a encontrar uma nota importante: não é o acto formal, físico, da elaboração do diploma que interessa, mas, sim, o estado de espírito e a política em que esse estado de espírito se traduz.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria deixar claro perante esta Câmara - e voltarei daqui a pouco a este problema - que em matéria de política regional se está a passar algo de muito importante para o futuro do nosso país, em face das perspectivas que se estão a desenvolver no quadro, por um lado, da política económica global do Governo e, por outro lado, da perspectiva da adesão à CEE.
Gostaria apenas de informar que, do ponto de vista formal, foi adoptada uma resolução do Conselho de Ministros sobre esta matéria, que será brevemente publicada - não o foi ainda por culpa, se assim o posso dizer, do Ministério das Finanças e do Plano -, à qual se seguirá, no decurso do ano de 1984, uma fase de grande intensificação da actividade no domínio do desenvolvimento regional. .
Não é, certamente, devido ao facto físico de ser publicada uma resolução do Conselho de Ministros, mas, pelo contrário, é porque essa é uma orientação de fundo da nossa política e uma oportunidade que se abre na perspectiva de décadas.

0 Sr. Carlos Lage (PS): -Muito bem!

O Orador: - Há ainda outros aspectos que estão em curso no quadro do programa de recuperação financeira e económica que não irei desenvolver, designadamente a promoção do investimento estrangeiro, a política de desenvolvimento de pequenas e médias empresas, a utilização do Instituto de Participações do Estado como instrumento da política económica global do Governo, a promoção sistemática e articulada das exportações portuguesas e a revisão do sistema fiscal.
Tendo em conta o tempo que tenho disponível, passaria agora a abordar alguns aspectos do programa de modernização da economia portuguesa tal como o Governo entende que ele deve ser elaborado.
Sem dúvida, o programa de modernização da economia portuguesa é aquele que maior iniciativa terá, a longo prazo, sobre a actuação do Governo e sobre o resultado no que respeita ao conjunto da economia.
Não tem o Governo qualquer intenção de produzir extensos volumes que poderão, porventura, fazer a glória efémera de um ministério, ficando depositados em estantes.
Não tem o Governo qualquer intenção de formalizar num documento algumas ideias de ordem geral. Pelo contrário, o Governo tem a intenção de definir e de implementar uma política, traduzindo-a num programa operacional - por isso não lhe chamámos "plano" -, em que haja, fundamentalmente, a longo prazo a clarificação das opções do Governo.
Essas opções são, em primeiro lugar, o enquadramento externo - temos de o reconhecer e é um dado estrutural dos tempos de hoje na Europa e em Portugal -, que desempenhará um papel crescente na nossa vida económica e, por isso, a nossa primeira opção é a de que todo o programa de modernização da economia portuguesa será definido tomando como parâmetro de enquadramento a plena adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia em Janeiro de 1986. Esta é uma opção fundamental que determina toda a nossa política económica a médio prazo.
A segunda opção é por uma economia activamente aberta, virada ao exterior, implicando a internacionalização crescente das empresas portuguesas, designadamente das privadas, opção essa em oposição a uma outra que poderia, eventualmente, apontar para uma economia fechada e virada para o mercado interno.
A terceira opção é no sentido de uma política de investimento orientada para os esforços de modernização, com base em empresas relativamente pequenas e flexíveis, rejeitando uma política de grandes projectos absorvedores de recursos escassos e que não produzem os correspondentes proveitos.
A quarta opção é a de concertar os esforços e os estímulos ao investimento num número relativamente reduzido de áreas com um elevado potencial de crescimento e exportação. E ao fazê-lo não estamos a optar por uma dispersão desorientada dos esforços de investimentos, reproduzindo por si mesmo as estruturas já existentes e que não permitem ter rendimentos crescentes para a economia portuguesa.
Finalmente, a quinta opção, em que o Governo tem trabalhado na perspectiva de médio e longo prazo, é a de uma economia predominantemente baseada na actuação das empresas privadas em que o Estado tem uma função ordenadora e reguladora do enquadramento económico-institucional. Consequentemente, é não optar por uma economia com um crescimento

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indevido do sector estatizado e com a introdução de elementos de rigidez que a economia portuguesa não suportaria no seu futuro.
Parece-me. Sr. Presidente e Srs. Deputados, ficar claro do enunciado sumário que acabo de fazer da orientação geral da política económica que vimos prosseguindo basear-se essa política num conceito estratégico global que lhe dá coerência, se projecta muito para além das medidas necessárias e indispensáveis de gestão conjuntural e que constituem a tradução programada no tempo de uma estratégia de longa duração, tendo como objectivo final a modernização da nossa economia e a melhoria em termos sérios e duradouros das condições de vida de todos os portugueses.
Não se trata de fazer um simples "discurso da esperança", porventura confundível com discursos do engano ou da anestesia. Trata-se, sim, de assegurar, com clareza e orientação programática, com efectividade de actuações, com perspectiva de profundidade no horizonte temporal, a construção de um futuro melhor e mais digno para todos os portugueses.
E essa a orientação do Governo e da longa maioria que o apoia neste Parlamento e é essa a fonte, com base no sufrágio popular, da energia, da determinação e do sentido de serviço que o Governo coloca na concretização da sua política.
Passarei agora a abordar o segundo tema a que me referi de início, ou seja, a relação entre o modelo de desenvolvimento e a adesão à CEE.
Como há pouco referi, no quadro da nossa política económica de médio e longo prazo assume um papel fundamental a adesão à CEE.
Voltaremos outra ocasião a falar desta matéria. Parece-me, porém, indispensável neste momento referir alguns aspectos de ordem geral e um outro, mais concreto, intimamente ligado com a orientação da nossa política económica.
Referirei, primeiro, dois ou três aspectos de ordem geral para situar o problema.
Em primeiro lugar, a adesão à CEE é um projecto nacional e como tal deve ser entendido. Foi, desse modo, entendido desde o início e daí não haver sentido numa hipotética busca de acúmulo ou de apropriação indevida de louros sobre um projecto que envolve o conjunto da Nação.
Em segundo lugar, e porventura mais importante, o facto de que o pedido de adesão se revestiu inicialmente de um carácter quase exclusivamente político, tendo em vista a consolidação do regime democrático e como tal foi entendido peles então 9 Estados membros ao responderem ao nosso pedido de adesão.
Mas, progressivamente, o próprio desenrolar das negociações, o próprio aprofundar do conhecimento dos problemas, a própria vivência recíproca entre os Estados membros e o país candidato - neste caso Portugal -,foram demonstrando, tornaram evidente, que a componente económica do projecto de adesão apenas fazia sentido no quadro daquilo que se chamou o "binómio integração-desenvolvimento".
Isto é, a adesão de Portugal à CEE não faria sentido, em termos económicos, se tivesse como resultado a consolidação e estabilização das relações preexistentes antes da adesão entre a economia portuguesa e a dos Estados membros - 9 na altura, mas entretanto 10, com a Grécia. Pelo contrário, só faria sentido, e essa a componente económica, no quadro do "binómio integração-desenvolvimento".
Ou seja, a adesão faz sentido em termos económicos e é uma componente fundamental da própria perspectiva da política de médio prazo da economia portuguesa, na medida em que há, na base de uma transferência de recursos dos países comunitários para Portugal, um processo de transformação estrutural da economia portuguesa, ao mesmo tempo que se dá a própria integração. Foi a isso que se chamou, a meu ver bem, o "binómio integração-desenvolvimento".
E precisamente neste último aspecto que reside a perspectiva mais concreta a que há pouco me referia.
Gostaria de colocar em evidência a importância da adesão na nossa política estrutural de médio prazo.
Não entrando em considerações excessivas de ordem teórica e geral, permitir-me-ia ir directamente aos números e aos factos e apresentar perante esta Câmara uma estimativa de ordem geral do que significa para Portugal o acesso aos fundos comunitários de natureza estrutural.
Encurtando explicações e numa base de mera estimativa, como há pouco referi, poderá antever-se que em fase de velocidade normal ao longo do período pós-adesão o acesso de Portugal aos diversos fundos comunitários repartir-se-á, grosso modo, da seguinte maneira: em matéria de Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, na ordem de 30 milhões de contos por ano; em matéria de FEOGA (Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola), na ordem de 6 milhões de contos por ano; em matéria de Fundo Social Europeu, na ordem de 10 milhões de contos por ano, e em matéria de Programa Especial para a Agricultura Portuguesa, num valor tentativo do ponto de vista anual durante 10 anos, pode admitir-se algo em redor de 5 milhões de contos por ano.
Significa isto um total de cerca de 50 milhões de contos por ano de acesso por parte de Portugal. Estado membro, aos fundos estruturais da CEE, aos quais haverá que acrescentar, ainda dentro de previsões razoáveis de matéria em curso de negociações, um auxílio de pré-adesão à agricultura durante o ano de 1985. Portanto, antes da adesão haverá que acrescentar, já não como comparticipação do orçamento comunitário, mas como simples empréstimos do Banco Europeu de Investimentos (não se trata, pois, de um elemento de comparticipação directa do orçamento comunitário, mas sim de um crédito do Banco Europeu), uma importância da ordem dos 50 a 55 milhões de contos, em termos anuais.
Quer isto dizer que, conjugando, por um lado, as comparticipações comunitárias ou os créditos do Banco Europeu com as necessidades - e este é um ponto importante a ter presente - das comparticipações portuguesas ...
Sr. Presidente, verifico que terminei o meu tempo. Queria perguntar a V. Ex.ª se me permite continuar, descontando esses minutos a mais no tempo do Governo para o debate que se segue.

O Sr. Presidente: - Creio que a Assembleia estará de acordo. Faça, pois, o favor de continuar, Sr. Ministro.
Esse tempo será descontado ao Governo na altura do debate.

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O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Estava dizendo que para além das comparticipações comunitárias directas do orçamento, para além do acesso ao crédito do Banco Europeu de Investimentos, há que contar - e trata-se de um ponto difícil, delicado, de gestão das finanças portuguesas - com as comparticipações portuguesas para os financiamentos dos projectos.
Nesses termos, podemos ter grosso modo e sempre numa base de tentativa de ordem de grandeza o seguinte quadro global: em matéria de comparticipação da CEE, cerca de 50 milhões de contos dos fundos estruturais, aos quais há que acrescentar cerca de 35 milhões de contos da comparticipação portuguesa, num total de projecto de investimento de 85 milhões de contos; aos créditos do Banco Europeu de 55 milhões de contos há que acrescentar uma quantia aproximadamente igual de comparticipação portuguesa na ordem dos 100 a 110 milhões de contos, o que dá um subtotal na ordem de 100 a 105 milhões de contos por ano de participação comunitária, a que se deve acrescentar cerca de 90 milhões de contos por ano de comparticipação portuguesa, num total de investimentos de cerca de 190 a 195 milhões de contos por ano.
A título de exemplo, gostaria de deixar perante os Srs. Deputados e relembrar que o total do Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central para 1984 é de 61 milhões de contos no Orçamento do Estado.
Perante a perspectiva que se abre para a economia portuguesa, quer isto dizer que em termos de desenvolvimento regional, como elemento determinante da política de médio prazo do Governo, é fundamental articular infra-estruturas, agricultura, indústria e serviços.
Trata-se de uma verdadeira e séria oportunidade no futuro da nossa economia, se mantivermos com firmeza a orientação política do Governo nos restantes anos desta década.
Por isso dizíamos, noutras ocasiões, que o desenvolvimento regional é um verdadeiro nó estratégico da nossa política económica global.

O Sr. Carlos Lage (PS): -Muito bem!

O Orador: - As condições para o crescimento de uma dinâmica de desenvolvimento regional em Portugal passam pela adesão à CEE. Sem essa transferência de recursos que o acesso aos fundos comunitários implica, Portugal não disporia, em médio prazo, de recursos internos nas actuais condições da vida económica portuguesa.
Daí que pareça ser este o caminho que permitirá conciliar e potenciar reciprocamente - por isso de entrada falava-se em sinergias de desenvolvimentos seguintes elementos: a modernização da agricultura e a reestruturação fundiária; um correcto ordenamento do território, uma adequada industrialização no interior, a eliminação de pressões insuportáveis sobre pólos saturados que sustentaram quase exclusivamente o crescimento, que não o desenvolvimento nas últimas duas décadas; a modernização administrativa que a própria adesão exige; o estímulo de novas formas de participação do população na vida comunitária, e, enfim, a criação de condições para responder a exigências de qualidade de vida que assumem peso crescente nas sociedades industriais desde final do século xx.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devo confessar, à luz dos factos acabados de mencionar, parecer-me bastante difícil acusar o Governo, que se tem empenhado profundamente na problemática da adesão à CEE e que o faz no enquadramento da política económica geral a que sumariamente aludi, de uma visão rígida, conjunturalista e sem perspectivas de futuro dos problemas da economia portuguesa.
Por isso, e para concluir, gostaria de referir algumas ideias base que marcarão a nossa política económica nos próximos tempos:
O ano de 1984 é um ano difícil e crucial; a política económica do Governo é um todo coerente baseado num conceito estratégico global; a competente fundamental dessa política, neste momento, é o programa de recuperação financeira e económica; os sacrifícios que pedimos em 1983 e ainda o esforço em 1984 fazem sentido na perspectiva do nosso futuro, e a adesão à CEE constitui um elemento fundamental da nossa modernização.
A prossecução firme, consciente e determinada da política económica do Governo e o desenvolvimento e aprofundamento de formas de concertação com os parceiros sociais são os caminhos convergentes e indispensáveis para a criação de riqueza e para o progresso da economia portuguesa.
Em suma, a esperança existe na economia e sociedade portuguesas se todos trabalharmos, seriamente, com esforço e confiança, com competência e vontade de vencer. Está nas nossas mãos conquistá-la e torná-la realidade. E essa a razão de ser deste Governo. Assumimo-la e cumprimo-la.

Aplausos do PS, PSD e ASDI.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro gastou mais 6 minutos, os quais serão descontados no tempo que o Governo dispõe no período do debate.
Para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Adriano Moreira, estão inscritos os Srs. Deputados Pinheiro Henriques e Carlos Brito.
Para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Basílio Horta, estão inscritos os Srs. Deputados Pinheiro Henriques, Lopes Cardoso e Cunha e Sá.
Para um pedido de esclarecimento ao Sr. Ministro do Comércio e Turismo, estão inscritos os Srs. Deputados João Lencastre, Nogueira de Brito, Pinheiro Henriques, César de Oliveira, Lopes Cardoso, Carlos Lage, Eurico Correia. Joaquim Miranda e José Magalhães.
Para pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano, estão inscritos os Srs. Deputados Pinheiro Henriques, Carlos Carvalhas, Luís Barbosa, Carlos Lage, Rogério de Brito, Octávio Teixeira, Eurico Correia, Amadeu Pires, Ilda Figueiredo, Luís Beiroco e Jorge Lacão.
Srs. Deputados, como faltam já poucos minutos para o intervalo para o almoço, vamos interromper a sessão.
A sessão está suspensa até às 15 horas.

Eram 12 horas e 55 minutos.

No recomeço da sessão, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

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18 DE FEVEREIRO DE 19844

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Adriano Moreira inscreveram-se os Srs. Deputados Pinheiro Henriques e Carlos Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.

O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Sr. Deputado Adriano Moreira, V. Ex.ª referiu-se à crise económica, financeira e social que se vive e que, aliás, também vem referida no texto da interpelação, ao agravamento do desemprego, às falências, à miséria. É um quadro negro, mas é um quadro real. É uma tendência preocupante, mas que realmente se regista. A solução que apontou para tais males é a que seria de esperar do CDS - essa coerência ninguém lha nega, dada a sua prática e posição ideológica desde sempre assumida: é a alteração, a subversão do regime da Constituição que temos e que aponta para o socialismo.
Em nossa opinião, o que fica por demonstrar é que o modelo vigente não tenha virtualidades, até agora desaproveitadas, já que na composição dos governos constitucionais sempre têm constado - e continuam a constar - elementos que reconhecidamente defendem essa alteração do regime.
Perguntamos, pois, que responsabilidade considera o Sr. Deputado Adriano Moreira que deve caber ao CDS pela situação económico-social a que se chegou.
Durante a sua intervenção também defendeu o reforço da nossa capacidade de intervenção militar. Tal objectivo envolve - como certamente compreenderá - um aumento das despesas correntes orçamentadas para a defesa. A pergunta que lhe coloco é esta: que contrapartida considera para cobrir esse aumento das despesas correntes? Aumentar o défice orçamental ou aumentar as receitas correntes? E, neste caso, que receitas?

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, já que o Sr. Deputado Adriano Moreira pretende responder no fim.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Adriano Moreira, afinal a sua intervenção não foi o episódio mais chocante desta abertura da intervenção do CDS. O Sr. Ministro do Comércio e Turismo, um Ministro da República, chocou-nos a todos com um ataque inusitado à Constituição da República, ataque a que chamar de subversivo será pouco, porque é mais do que isso, ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ...pois é feito à Constituição da República, na Assembleia da República e por parte de um Ministro da República.

Aplausos do PCP.

Mas outros camaradas meus farão referência a este triste episódio. Nós não temos de curar aqui das opiniões pessoais do Sr. Ministro do Comércio e Turismo. O Sr. Ministro do Comércio e Turismo deve obediência à Constituição e como ministro não pode fazer nem dizer nada que lhe seja contrário.
Mas, passando à sua intervenção, Sr. Deputado Adriano Moreira, também não podemos deixar de nos interrogar sobre qual o simbolismo que o CDS teve em vista, abrindo esta interpelação com a sua intervenção. Procurei nela motivos de discordância com a política económica do Governo e devo dizer que cheguei à conclusão de que praticamente não existem.
Portanto, os Srs. Deputados do CDS estão, no essencial, satisfeitos com a política económica do Governo, a qual vai no sentido dos vossos objectivos, vai no sentido daquilo que o CDS tem pretendido ao longo destes anos.
Mas qual o simbolismo, porquê, em nome de que valores é que foi escolhido o Sr. Deputado para abrir a interpelação?
Eu ouvi alguns dos velhos valores que o Sr. Deputado aqui trouxe: a "moeda forte" - tanto que se ouviu falar da "moeda forte", os mais velhos da Assembleia recordar-se-ão com certeza desse velho slogan -, as "reservas estratégicas" ... e até quis ressuscitar a velha polémica dos últimos anos da ditadura fascista entre os "europeístas" e os "atlantistas", tudo valores do passado.
Então é essa a alternativa que o CDS propõe?
Bom, o CDS trouxe uma ideia que é a de "repatriar os capitais expatriados" e insinuou também "repatriar os detentores dos capitais". Mas "repatriar", com certeza, no sentido político, visto que a maior parte estão cá, moram cá, vivem pacificamente na democracia portuguesa. Portanto, "repatriar os detentores dos capitais" é repatriá-los nos seus privilégios e nos seus poderes. É isso que os senhores, ao fim e ao cabo, pretendem. Mas eu pergunto: isso é uma alternativa?
É bom que nós nos recordemos do que foi a ditadura fascista e o que ela nos deixou: uma das mais baixas taxas da Europa em relação à capitação do PIB; a mais baixa taxa da Europa em relação à capitação do consumo de carne, em geral do consumo de proteínas (leite, manteiga, ovos, etc.). Foi também a ditadura fascista que nos conduziu ao atraso, em 50 anos, em relação aos demais países europeus, muito mais do que antes da ditadura fascista, tal como foi ela que nos tirou todas as liberdades. esta liberdade de existirem partidos políticos - com todas as incomodidades que isso possa representar para alguns -, a liberdade de reunião, a liberdade de associação. Mas tinha outras coisas: tinha a PIDE, tinha a censura, tinha a tortura ... Na altura em que o Sr. Deputado era ministro eu estava na cadeia -olhe, eu e o Presidente da Assembleia em exercício. Estávamos os 2 na cadeia e o senhor era ministro, Mas o senhor, mais do que ministro, foi um dos candidatos à sucessão do ditador e nós não podemos esquecer isso quando o senhor vem aqui falar em nome desses valores e vem censurar o presente em nome de valores do passado. Não podemos, portanto, deixar de dizer estas coisas.
Esses valores do passado, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Deputado Adriano Moreira, fizeram a prova, e a prova foi a condução do País à miséria policiada. E foi por isso que um camarada meu, ouvindo-o, comentava aqui na bancada: "Parece um ministro sem pasta [...] Faltam-lhe as colónias!"

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer ao

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Sr. Deputado Pinheiro Henriques que não defendi o aumento das despesas militares. É melhor ler o discurso - se tiver paciência e interesse -, porque não foi isso que eu disse. Aquilo que eu disse foi que esta Assembleia da República aprovou uma lei da defesa, que espera ser implementada por variadíssimos diplomas que têm prazo, mas que todos repousam em dois conceitos que não têm prazo e que se chamam "conceito estratégico nacional" e "conceito estratégico militar", que estão a cargo do Sr. Ministro da Defesa, que tem de ser aceite como uma pessoa de alta capacidade intelectual, política, universitária, e que pode estabelecer a filosofia que esses conceitos exigem. Mas essa filosofia exigida pelas leis que a Assembleia da República votou não tem suporte económico na situação em que estamos. Este facto não pode ser omitido e temos de tomar consciência dele. Temos de pôr em equação as obrigações legais que aqui foram votadas e as capacidades que o País tem de lhes dar resposta. É um problema extremamente simples de enunciar, de entender, mas que dificilmente encontrará um ministro da Defesa - mesmo com as qualidades pessoais do actual - que lhe possa dar uma resposta concreta e efectiva com os meios que o País tem à sua disposição.
A questão é só esta.
Respondendo agora ao Sr. Deputado Carlos Brito, eu já lhe disse outro dia - ou ao seu partido - que a minha paciência, a minha piedade, a minha esperança de conversão, são ilimitadas, mas começo a considerar o Sr. Deputado um "caso perdido", ...

Risos do CDS.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Já outros fascistas me tinham dito o mesmo.

O Orador: - porque o Sr. Deputado, numa interpelação ao Governo, aquilo que lhe ocorre, porque não lhe pode ocorrer mais nada na "bagagem" com que nos tem brindado, é fazer uma interpelação àquilo que chama o fascismo do qual foi vítima.
O País não vai resolver problema nenhum com as suas lamentações pessoais, o País não se vai comover com os seus sacrifícios pessoais, ...

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Com os seus é que não!

O Orador: - que lhe podem dar uma grande satisfação íntima, mas que não significam nada perante as dificuldades que o País enfrenta. O Sr. Deputado não é a única pessoa que sofreu neste país, não é a única pessoa que nas suas opções tem que pagar os sofrimentos correspondentes - cada um paga as suas .. . ! E não se espera de ninguém, que tenha a responsabilidade do Estado, que transforme as suas mágoas pessoais no capital político com que se exibe na Assembleia da República.
Não há mais paciência para isso, Sr. Deputado.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Tem que haver, tem!

O Orador: - Quero ainda dizer-lhe que não dá nenhuma novidade à Câmara quando acha que as questões do "atlantismo" e do "europeísmo" são questões do passado. São questões do passado para o Sr. Deputado, porque o seu futuro da Europa é a "sovietização", e por isso é que o Sr. Deputado considera que tudo o que é atlantismo e o europeísmo são questões do passado. Não são questões do passado, Sr. Deputado! São do presente e este presente é aquele que nós verificamos que está na consciência e nas palavras do Governo.
E quando nós fazemos esta interpelação é para ajudar o País a tomar consciência das dificuldades que esta política enfrenta para ser executada e entre elas encontra-se um conjunto de entraves constitucionais que já vários membros do Governo admitem ser obstáculos à sua acção.
Este é que é realmente o problema.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - O Sr. Deputado, olhe que já não temos a Constituição de 1933!...

O Orador: - Ficamos, em todo o caso, ainda com uma questão por resolver.
Quando se pergunta aqui se não haverá meios de atrair a este país os capitais portugueses abundantes que vivem nas comunidades fixadas no estrangeiro, o seu "passadismo", Sr. Deputado, leva-o imediatamente a pensar que o que nós queremos é tornar a trazer os privilegiados para Portugal.
Mas, Sr. Deputado, quando o senhor vê que o Governo do seu país precisa instantemente de financiamento externo, ...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Mais?!

O Orador: - ... quando o senhor vê que o Governo do seu país lida com uma dívida externa que chega para afligir qualquer governo, o senhor estranha que se lembre que existem capitais portugueses no estrangeiro que não nasceram de privilegiados, ...

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): -Que ideia!

O Orador: - mas sim de gente, alguma da qual partiu daqui sem outra coisa que não fosse a cara e a coragem e que hoje são empresários respeitados, com influência nos meios onde vivem?
Basta-lhe, Sr. Deputado, estudar um pouco as comunidades portuguesas, olhar para o que delas está à vista e não olhar para o passado -porque essas empresas, essas instituições, essas pessoas não vivem escondidas, não devem nada ao Governo deste país -, para o senhor poder admitir que é melhor para Portugal que a confiança pública restabelecida faça retornar ou reentrar essas capitais em Portugal do que depende do financiamento externo.
Por outro lado, quero dar-lhe uma pequena informação, Sr. Deputado: eu estou aqui a falar porque aqui fui posto pelo eleitorado do círculo onde me apresentei como deputado.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Adriano Moreira, devo dizer-lhe que é sem qualquer dificuldade que estou a discutir consigo.

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24 DE FEVEREIRO DE 1984 3447

Quando estávamos presos e pessoas como o senhor eram ministros, também nessa altura queríamos discutir convosco, mas posso dizer que, nessa altura, para um preso se dirigir a um ministro tinha que obter ...

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado Carlos Brito, em que ano é que esteve preso?!

O Orador: - Depois digo-lhe.

Vozes do CDS: - Ah!

O Orador: - Posso dizer-lhe que estive preso muitos anos. A última vez foi entre 1959 e 1966. Nessa altura o senhor já era ministro. Como vê, não estava a inventar.
Mas como estava a dizer, para um preso se dirigir a um ministro tinha que obter autorização do director da prisão e depois do director da PIDE, e geralmente não conseguia obtê-la.
Por isso discuto hoje, com contentamento, com um membro de um governo que me prendeu e me torturou e devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que usou, hoje, aqui, na Assembleia da República, uma frase extremamente infeliz: disse que eu era um caso perdido. Esta frase, Sr. Deputado, era típica da PIDE.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas passemos adiante.
O que há pouco lhe disse foi que o Sr. Deputado traz tarde a polémica entre os «europeístas» e os
Uma outra pergunta é dirigida ao Sr. Ministro Veiga Simão - julgo que não se encontra presente, facto que me causa pena -, que tem dito que os investimentos mal feitos das empresas públicas ascendem a 200 milhões de contos - penso até que o montante deve ser superior. Mas, de qualquer modo, gostaria de saber se o Governo vai ficar pelo lamento, pelo fado, ou se vai proceder a um rigoroso inquérito para atribuição de responsabilidades pelas asneiras cometidas. Escuso talvez de lembrar que 200 milhões de contos correspondem, em Portugal, a 80 contos por família e, como já tive ocasião de lembrar, a impostos que se pagaram ou que se vão pagar, a hospitais, escolas e estradas que não se fizeram, a pensões de velhice que não se aumentaram. Vai ou não fazer-se um inquérito, e não um livro branco - ou, melhor do que branco, branqueador -, aos gestores e aos responsáveis governamentais?
Finalmente, desejaria saber se o chamado Plano Energético Nacional, que tem sido alvo das mais variadas críticas, tanto nacionais, como internacionais - do Banco Mundial, por exemplo -, vai ou não ser discutido na Assembleia da República antes que se tomem quaisquer compromissos financeiros, «atlantistas». Ela hoje não tem mais lugar. O senhor trouxe hoje para aqui essa polémica, tal com ela se travava nos finais da ditadura fascista, ditadura que, não tenha dúvidas, nunca mais se verificará em Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O senhor defendeu essas ideias durante a última campanha eleitoral e precisamente na última campanha eleitoral o CDS perdeu 16 deputados, mais do que o número de deputados que agora aqui tem representados.
A lição que devia ter retirado da última campanha eleitoral é a de que não queremos mais esse vosso discurso, não queremos mais essa doutrina.
Mas se se trata de discutir as questões concretas, vamos discuti-las.
Por exemplo, a questão dos capitais. Não nos referimos, como é evidente, aos capitais das comunidades, temos o maior respeito pelos emigrantes. Aqui mesmo, na Assembleia da República, temos intervindo várias vezes, inclusive apresentado iniciativas legislativas, sobre a situação dos emigrantes. Não venha, pois, com esses argumentos.
Vamos, isso sim, discutir sobre os grandes empresários, os grandes potentados, os que detêm o grande capital português e que fizeram sair do País os seus capitais. E fizeram-nos sair, porquê? Por patriotismo, Sr. Deputado?
Com que preço é que esses capitais regressarão, se regressarem, ao nosso país? Que preço é que os capitalistas exigem ao país? Que preço exigem à Nação, para usar uma palavra que lhe é cara, dita desta maneira redonda? Que preço exigem ao Estado Português? Que preço exigem a Portugal? Olhe o exemplo da LISNAVE, do Sr. José Manuel de Mello.
Para reerguerem o seu poder, para reerguerem os privilégios, eles exigem o preço da ruína da economia, é talvez o preço de uma nova opressão, é talvez o preço de uma nova ditadura, e nós a isso dizemos: não, não queremos cá esses capitais por esse preço! Não à ditadura, não à nova opressão! Por esse preço não queremos cá esses capitais!

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): -Muito bem!

O Orador: - O que o senhor pretende é aquilo que nós não pretendemos, porque esses capitalistas não têm pátria: eles saíram de Portugal, eles atentaram contra a pátria portuguesa e só regressarão se, de novo, puderem esmagar, espezinhar e oprimir a pátria portuguesa. É por isso que nós não os queremos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Grandes optimistas temos nós!

O Sr. Presidente: - Para fazer um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, para um contraprotesto e para mais um exercício de paciência.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Paciência temos nós!

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Brito quando quer fazer uma interpelação ou uma pergunta há-de interpelar ou perguntar sobre o que digo e não sobre o que o senhor quer.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O senhor quer discutir os privilégios, o senhor quer discutir o poder económico que domina

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o poder político. Isso é consigo, não foi disso que eu falei. De maneira que acaba falar sozinho, porque daquilo que falei foi do retorno dos capitais portugueses que não podem oferecer nenhuma resistência nem preço a um governo que não tem nenhum receio de lidar com as multinacionais.
O que disse, e o Sr. Deputado não percebeu, foi que o investimento no estrangeiro, o investimento em divisas fortes, é, neste momento, uma prática de toda a classe média, mesmo da classe média baixa.
Mas o senhor só olha para o passado; se tivesse un. intervalo para olhar para o presente e percorresse, por exemplo, a Espanha, verificaria o número de pequenas contas de «pequenos» portugueses abertas nesse país.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Mas não é esse capital que vocês querem!

O Orador: - Sr. Deputado, aquilo que queremos é aquilo que dizemos, não é aquilo que o senhor inventa.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Aquilo que o senhor inventa é o país irreal, que levou a muitas das consequências que o Governo e esta Câmara estão a enfrentar. Isso é o que o senhor inventa.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Aquilo que nós aqui sustentamos é a reabilitação económica do País.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Aquilo que vocês querem é o país que tiveram, enquanto que nós não!

O Orador: - E digo-lhe mais: não me admira que lhe afronte a palavra «nação». Cada um fala daquilo que tem, e eu tenho uma nação, enquanto que o senhor parece que não tem.

Aplausos do CDS.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Eu tenho pátria, coisa que vocês não têm!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Basílio Horta, tem a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.
O Sr. Deputado Basílio Horta referiu-se, aliás criticamente, ao sistema de nomeação em vigor para provimento de cargos públicos e gestores de empresas públicas.
Como durante muito tempo foi ministro de vários governos em Portugal, pergunto-lhe que critérios eram então adoptados, nessa altura, para nomeações e exonerações para tais cargos.
Disse também que a crise não será ultrapassada com esta coligação no quadro da actual Constituição económica. Considera, por consequência, esgotadas as potencialidades do nosso sistema actual.
Pergunto-lhe: que alterações concretas pretende o CDS introduzir? Ë o desmantelamento do sector público? Considera que este sector tem sido gerido correctamente, pelo menos durante a vigência dos governos em que participou? Considera que a situação económica geral do País e do sector empresarial do Estado, em particular, não podiam ser diferentes das actuais sem a alteração do sistema que propõe?
O Sr. Deputado Adriano Moreira entendeu não dever responder-me à pergunta que há pouco lhe fiz, por isso volto a colocá-la, desta vez ao Sr. Deputado. É a seguinte: não acha que ao CDS cabem largas responsabilidades na evolução sofrida por estas situações?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta, há mais oradores inscritos para lhe pedirem esclarecimentos. Deseja responder já ou no final?

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Se o Sr. Presidente me autorizar, respondo já.

O Sr. Presidente: - Isso está ao seu critério, Sr. Deputado. Tem a palavra.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Deputado Pinheiro Henriques, penso que há da sua parte uma ligeira confusão: é que quem está a ser interpelado é o Governo, não e a minha bancada, e neste governo eu não participei.
O Sr. Deputado e a sua bancada tiveram variadíssimos oportunidades de me interpelar quando fui ministro. Vim muitas vezes a esta Assembleia e tantas vezes me sentei na bancada do Governo, pelo que a pergunta que hoje me colocou podia ter sido feita então.
Tenho, no entanto, muito gosto em responder-lhe. Pergunte no seu partido se algum elemento foi alguma vez exonerado, por um despacho meu, apenas por ser do MDP/CDE. Pergunte e ficará esclarecido. Nunca, enquanto exerci funções no Governo, perguntei aos meus colaboradores mais directos em que partido militavam e em que é que acreditavam.
Se calhar é precisamente por essa transparência que o Sr. Deputado acha estranho que isso tenha acontecido e, por isso, vem aqui suscitar a questão. A resposta a essa sua questão está, pois, dada.
Quanto à alteração do sistema económico, não sou eu sozinho que digo isso. Também o Sr. Ministro da Indústria e Energia disse na televisão que o sector público é ingerível, se não for alterada a questão da irreversibilidade das nacionalizações. Foi o Sr. Ministro da Indústria e Energia que o disse, e seria o senhor a dizê-lo, porque se eventualmente passasse pelo Governo sentiria isso.
É quase impossível a qualquer governo cumprir as suas responsabilidades de capital em relação a determinadas empresas. A opção que se tem de fazer é entre deixá-las falir ou abri-las a novos investidores que nelas queiram arriscar, que nelas queiram investir, que nelas queiram criar emprego.
Isto tem a ver com a realidade, não tem a ver com a utopia; tem a ver com o País, não tem a ver com ideologia. Estamos numa altura em que o País deve sobrepor-se a esse ripo de mentalidade que está subjacente à sua pergunta.
Quanto à responsabilidade dos governos de que o CDS fez parte e em que eu participei, sobre a gestão

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das empresas públicas, podia-lhe repetir o argumento de que esta interpelação não nos é dirigida, mas digo-lhe, no entanto, que eventualmente também tivemos as nossas responsabilidades.
Não se trata de apurar responsabilidades, Sr. Deputado. Não olhe mais para trás, olhe para o futuro. O que importa é que as mesmas causas não gerem os mesmos efeitos; o que importa é mudar aquilo que estruturalmente está mal. E o que está mal, Sr. Deputado - tem de concordar -, é que haja governos que têm um programa determinado e que foram eleitos de acordo com uma mensagem determinada, que quando chegam ao poder, ou cumprem a Constituição e negam a sua ideologia, ou não a cumprem e estão numa situação extraordinariamente difícil.
É aqui que reside uma grande parte da frustração: é, como eu disse na minha intervenção, ver governos de centro a ter de fazer políticas de esquerda e governos que se dizem de esquerda a terem, necessariamente por realismo, de fazer políticas que de esquerda não têm nada. É aí que reside a frustração do eleitorado. O eleitor que vota num partido vota no seu programa e certamente ficará frustrado se o vir, quando ele chega ao Governo, fazer coisa diferente da que prometeu.
É isto que é necessário corrigir, sob pena de haver um desencontro permanente no nosso sistema político, do qual resulta instabilidade, incoerência e descrédito do regime.
Um último apontamento para sua elucidação, Sr. Deputado. O CDS nunca falou - e isto é importante que se diga, porque se prende um pouco com a sua pergunta - em alteração do regime. Não foi isso que foi dito, mas precisamente o contrário: introduzir no sistema as reformas necessárias, exactamente para salvar o regime.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado Basílio Horta introduziu no discurso um novo conceito na teoria do parlamentarismo: o dos governos anormais, sendo o caso do actual governo. Isto é, seriam anormais aqueles governos que tivessem o seu suporte numa coligação que não assentasse em acordos pré-eleitorais.
Chamou-lhes governos-proveta e eu interrogo-me se não estarei perante um ex-ministro-proveta, já que o Sr. Deputado participou num governo que cabia inteirinho nesta definição de governos-proveta.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Será que para o Sr. Deputado o Governo da República Federal Alemã ou o Governo de Itália, em que participam partidos de que o CDS se proclama irmão, são governos-proveta?
Ficamos a saber que para o CDS o Chanceler Khol e um chanceler-proveta e que o Ministro Andreotti é um ministro-tubo de ensaio.
Sr. Deputado, toda esta incursão pela tipologia governamental dos regimes parlamentaristas não será, no fundo, uma maneira de escapar à sua incapacidade de interpelar realmente o Governo pela política que conduz, incapacidade que não tem nada a ver com o seu mérito próprio, com as suas capacidades pessoais,
com a sua inteligência, mas com outra coisa: com a ausência, por parte da sua bancada, de uma alternativa clara à política desenvolvida por este governo.
E não será essa ausência de alternativa que leva também, no desenvolvimento da sua intervenção, ao culpabilizar a Constituição de todos os males que nos afectam, no fundo a desculpabilizar o Governo, pobre governo - coitado! -, que está tolhido na sua acção por uma Constituição celerada? Constituição, essa, bizarra que, no entender do Sr. Deputado, não permite uma alternância política real, já que obriga os governos de centro a governar à esquerda e os governos de esquerda a governar à direita.
Diga-se de passagem que, a ser verdade, a sua afirmação também não seria correcta, porque alternância sempre iria havendo com governos de esquerda a governarem à direita e com governos de direita a governarem à esquerda. A alternância lá estaria sempre.
Sr. Deputado, creio que é tempo de acabarmos com alibis. Houve um tempo em que todas as culpas radicavam naquilo que se chamou «o gonçalvismo»; houve depois um tempo em que todos os males que nos afectam tinham por origem uma instituição sinistra, que era o chamado Conselho da Revolução; não vai longe o tempo em que o Sr. Presidente da República era o responsável, o culpado, de todos os males atribuíveis a qualquer governo. Agora é a Constituição económica o pretexto, o alibi e o fantasma! ... Amanhã serão talvez os direitos que a Constituição consagra para os trabalhadores portugueses. E a seguir, Sr. Deputado, o que será? Onde iremos acabar?
Seria pedir muito que ao menos nos digam coisas que não nos dizem, tais como, aonde, como e porquê a Constituição, nomeadamente a constituição económica, tolhe a acção deste ou de qualquer governo, o impede realmente de dar uma resposta à crise? É pedir muito que nos expliquem por que é que aqueles que, durante décadas, se acomodaram e se deram bem com o regime do condicionamento industrial vêm agora clamar contra um sector público demasiado pesado, contra o peso asfixiante das empresas públicas?

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado sabe, tão bem ou melhor do que eu, que na Itália da democracia cristã, democracia cristã partido irmão do seu partido, o sector público continua a ter hoje um peso muito superior ao que o sector público tem no nosso país. Mais: tem ainda um peso superior ao que ainda tem hoje o sector público na França social-comunista, para usar uma expressão que é muito do agrado da sua bancada.
Sr. Deputado Basílio Horta, o que está em causa neste país não é a dimensão, nem o peso do sector público, mas o modo como cie tem sido gerido. O Sr. Deputado tem na sua bancada quem, muito melhor do que eu, lhe saiba explicar como, com que sentido, com que objectivos, foram nos últimos anos, designadamente durante os governos da AD, geridas as empresas públicas, muito em particular as participações públicas na economia.
Não é o peso do sector público que está em causa, mas aquilo que é, muito frequentemente, o escândalo da utilização do sector público para satisfazer apetites partidários e clientelas.

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SÉRIE-NÚMERO 78

Mas nesse aspecto o Sr. Deputado convirá que o seu partido não pode vir aqui vestir a pele de cordeiro.

Aplausos da UEDS.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Basílio Horta desejar responder, tem a palavra.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Quanto à primeira parte das perguntas feitas pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso - perguntas que muito sinceramente agradeço -, quase que me apetecia responder-lhe com uma outra pergunta: o Sr. Deputado achava normal que na Alemanha, um dos países que citou, o Partido Social-Democrata estivesse coligado com o actual CDU. Achava normal?

O Sr. Joel Hasse Ferreira (UEDS): - Já esteve!

O Orador: - Na guerra, com certeza.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Não, não, depois da guerra!

O Orador: - Logo a seguir a ela. Poucos anos depois, como se fosse de reconstrução pós-guerra.
Achava bem que, em Inglaterra, o Partido Conservador estivesse aliado ao Partido Trabalhista? Achava bem que na Itália, país que também citou, o Partido Democrata Cristão estivesse aliado ao Partido Comunista?
Numa palavra, Sr. Deputado: acha bem que dois partidos que se apresentam ao eleitorado - um como alternativa do outro - apareçam a fazer um projecto comum de governo? E este o sentido da minha intervenção. É aqui que reside a anormalidade.
O Sr. Deputado referiu o facto de eu ter feito parte de um governo que também era, no seu entender, um governo-proveta. Não é nada disso, Sr. Deputado. Lembre-se que, para não haver essa contradição, o Governo em que o CDS participou com o Partido Socialista era um governo do Partido Socialista com apoio parlamentar maioritário. Era, pois, repito, um governo do Partido Socialista. A não ser que agora estejamos na mesma situação, ou seja, a de haver um governo do Partido Socialista com apoio parlamentar maioritário! ...
Trata-se, pois, de situações totalmente diferentes e, consequentemente, mantenho aquilo que disse na minha intervenção.
Quanto ao problema do sector público, da gestão das empresas públicas e da necessidade da revisão da Constituição, volto a dizer aquilo que há pouco tive ocasião de enunciar: não é só o CDS que fala na necessidade de alterar a Constituição; é o próprio Governo, pela voz do Sr. Ministro da Indústria e Energia, é o próprio Sr. Vice-Primeiro-Ministro que o diz. Trata-se de uma necessidade que é sentida por quem governa, não resultando que daí venha a satisfação de todos os males que afligem o País. Nesse aspecto estou de acordo consigo. Não reside na alteração da Constituição, como uma varinha de condão, o bem de tudo quanto antes estava mal. O que lhe digo é que é mais um elemento de coerência que se introduz numa democracia que se diz ocidental.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso, falando em alibis, referiu-se ao Presidente da República, ao Conselho da Revolução, em suma, a toda uma série de anormalidades que têm vindo a ser corrigidas. Sr. Deputado, nada disto aconteceria se tivesse sido seguido aquilo que era proposto pelo CDS, desde, pelo menos, 1975, quando dizíamos que havia uma coerência que tinha de ser retomada e essa era manifestamente a extinção do Conselho da Revolução e uma revisão constitucional. Era, em suma, uma adequação mais rápida dos textos constitucionais à democracia ocidental.
Qual é o país do mundo onde se dá a anormalidade de governos não poderem governar de acordo com o seu programa?
Citou-me a Itália e o sector público italiano. Sr. Deputado, nem a Itália nem a Alemanha tiveram um 11 de Março. É esse o problema. O que distingue o nosso país desses países é que houve, em Portugal, um 11 de Março, onde se foi muito mais longe do que se devia ter ido. E agora é manifestamente necessário dar uma coerência global que não existe. É este o motivo da nossa exigência.

O Sr. Presidente: - Para formular um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado Basílio Horta perguntou-me se eu achava normal fazerem-se esses acordos. Devo-lhe dizer que não acho normal, mas num outro plano. Como não acho nem normal, nem natural, a actual coligação, não achei nada natural um acordo PS/CDS e, menos ainda natural, que militantes do CDS participassem num governo PS. Aí há anormalidade, já que não houve um governo PS/CDS, mas houve um governo PS com militantes do CDS. Mas, então, o Sr. Deputado também acha normal o Governo Italiano, para já não falarmos no Governo Alemão? Não me consta que tenha havido qualquer acordo pré-eleitoral conducente e um governo de direcção socialista com a participação da democracia cristã italiana. Referi este pormenor apenas para lhe demonstrar que, de facto, a questão não reside na normalidade ou anormalidade.
Também não serve o argumento segundo o qual a Constituição é má, até porque ministros do Governo dizem que sim. Não quero entrar nesta argumentação pela simples razão de que o argumento de autoridade não interessa. Também poderia dizer que há ministros que dizem que não - e neste caso ficávamos empatados. Mas, tal como o Sr. Deputado, os ministros que dizem que sim não explicam por que é que o sistema é mau - e já iremos à intervenção do Sr. Ministro Álvaro Barreto, que merecerá alguns comentários da minha parte.
O que eu pergunto àqueles que no Governo defendem a revisão da Constituição - e perguntei ao Sr. Deputado, embora não tenha obtido resposta - é o seguinte: por que é que esta Constituição impede realmente o funcionamento do sistema económico e em que é que ela o impede?
Quanto ao 11 de Março, Sr. Deputado, estamos provavelmente muito mais longe dele, do que em Itália estão do 25 de Abril de 1945.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, centrando-me no problema da alteração da revisão constitucional, há-de-me explicar como é que o Estado, não podendo cumprir os seus compromissos com as empresas que tem sob a sua tutela, as pode manter. E isto baseia-se na experiência, não deste governo, mas de todos os governos anteriores, incluindo aquele de que o Sr. Deputado fez parte, o I Governo Constitucional. Há débitos em relação a capital e há outras obrigações que não têm sido cumpridas. Como é possível manter essas empresas? A não ser que se diga que mais vale que elas abram falência sendo do Estado, do que sejam prósperas no sector privado. Mas essa é uma posição verdadeiramente inconcebível.
Trata-se é de saber se há interesses em que o Estado administre empresas que não têm nada a ver com o - bem público. Defendo, obviamente, que haja um sector público e que seja realmente intocável. Considero isto indispensável. Mas o que interessa é saber a quem aproveita o mau dimensionamento do sector público, a não ser ao desemprego.
Há pouco o PCP falou na LISNAVE e no Sr. José Manuel de Mello. E a SETENAVE? Em que situação se encontra a SETENAVE? Não está nenhum Sr. Mello na SETENAVE. O que interessa é encontrar a razão pela qual as coisas se vão degradando a este ponto. O que é mais útil não é abrir ao sector privado, ao investimento privado, este tipo de sectores, mas sim, se fosse útil, atrair os capitais portugueses a essa participação. Não seria mais útil tal participação, para os trabalhadores, para a colectividade e para a independência nacional, do que deixar falir as empresas, Sr. Deputado?
É neste sentido que defendo a revisão constitucional.
Quanto ao problema do governo do PS com o CDS, o Sr. Deputado sabe bem que esse foi um governo de curto prazo. Esta situação nunca se escondeu. Por isso é que disse que este também é um governo de curto prazo - e, aliás, vai ter o mesmo fim.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - De longo prazo ainda não tivemos nenhum, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Cunha e Sá.

O Sr. Cunha e Sá (PS): - Sr. Deputado Basílio Horta, retomo a primeira questão apresentada pelo Sr. Deputado Pinheiro Henriques e quero esclarecê-lo de que quando o Sr. Deputado era ministro eu não era deputado.
Na sua intervenção V. Ex.ª utilizou a expressão "pataca a mim, pataca a ti", ao abordar a repartição dos lugares de dirigentes e gestores, reclamando-se de critérios de competência e qualidade para a sua escolha. Estamos de acordo com os critérios, mas não com o seu juízo de valor.
Na verdade, que moralidade terá V. Ex.ª para falar assim quando, por exemplo, no ministério de que V. Ex.ª foi responsável, se assistiu ao afastamento deliberado e apenas por filiação partidária de quadros dirigentes, por todos reconhecidos como competentes. Concretamente, da boca de um alto responsável do então seu ministério, e na presença do então e também actual subdirector da Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral, conotado com o CDS - que ficou perplexo e embaraçado, conhecedor que era e é da minha militância partidária -, ouvi dizer de viva voz que haveria de "varrer" - era esta a expressão quaisquer resquícios dirigentes, aos vários níveis, de socialistas ou "comunas".
Mas há mais: o actual presidente do CDS, Sr. Deputado Lucas Pires, afirmou outrora, alto e a bom som, que era indispensável nomear comissários políticos para as empresas nacionalizadas.
Sr. Deputado, não basta apenas parecer isento, é preciso sê-lo. E V. Ex.ª não possui autoridade para nos dar lições.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Entendo as suas críticas como uma manifestação de intenção, que aprecio, mas que não têm correspondência na realidade. Aliás, todos nós conhecemos pessoas que, pertencendo ao CDS, foram designadas para lugares públicos par manifesto favoritismo partidário e político. Não vale a pena esconder ou omitir a realidade.

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Deputado Cunha e Sá, começo por lhe dizer que a sua intervenção denota bem uma certa confusão, aquela tal confusão que há pouca afirmei existir neste governo. É que o subdirector da Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral que o Sr. Deputado acabou de referir é um militante do PSD, que está zangadíssimo por ter sido preterido, por não ter sido nomeado director regional. O Sr. Deputada está a imputar um facto gravíssimo a um militante do PSD.

Risos do CDS.

Portanto, não tenho de defender nem de dar explicações sobre militantes que não são do meu partido. Esse subdirector que o Sr. Deputado referiu milita nas fileiras do PSD. Foi o único subdirector da Beira Litoral que conheci. Não conheço outro. Aliás, sobre isso, e eventualmente sobre outras coisas, poderia certamente dizer muitas coisas -isso constitui um dossier completo.
Em relação à afirmação produzida pelo Sr. Deputado, de que não tenho moralidade para falar sobre isso, digo-lhe que não quis dar nenhuma lição, nem à Assembleia, nem ao Sr. Deputado. O que eu lhe digo é que a minha prática coincidiu sempre, nesta Assembleia e fora dela, com as minhas palavras. Posso responder por isso. O Sr. Deputado não deu nenhum exemplo - nem podia dar, uma vez que tem na sua bancada pessoas que foram nomeadas por mim para vários cargos quando estava no Governo - em que as minhas palavras tivessem divergido dos meus actos. O Sr. Deputado sabe muito bem que nunca, no governo da Aliança Democrática ou no governo PS/CDS, se nomearam comissões partidárias para escolher os dirigentes. A não ser que o Sr. Deputado, na crise que estamos a viver, tenha ficado perturbado com

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a expressão "pataca a mim, pataca a ti". Se quiser, substituo-a pela expressão "dólar a mim, dólar a ti".

Risos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa, tem a palavra o Sr. Deputado Cunha e Sá.

O Sr. Cunha e Sá (PS): - Sr. Deputado Basílio Horta, apenas lhe quero dizer que não sou mentiroso e desejo informá-lo de que quando não exerço as funções de deputado sou funcionário da Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral. Ora, conheço muito bem a pessoa em causa e ouvi perfeitamente a afirmação que referi há pouco. Essa afirmação foi produzida por um alto responsável do então seu ministério, o qual, além disso, afirmou também que a legislação do referido ministério era a legislação do CDS, porque não havia cá legislação da AD! Foi isto que ouvi.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Ministro do Comércio e Turismo, tem a palavra o Sr. Deputado João Lencastre.

O Sr. João Lencastre (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Tenho efectivamente algumas perguntas a fazer aos senhores ministros sobre empresas públicas, mas, antes disso, gostaria de dizer, com toda a franqueza, que fiquei bastante desapontado com as intervenções dos senhores ministros produzidas até agora. Penso que não estiveram à altura das interpelações por nós produzidas.

Risos do CDS.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo fez um discurso de intendente; o Sr. Ministro das Finanças e do Plano fez um discurso com muitos adjectivos e advérbios e poucos substantivos, tendo sido, pois, um discurso vago.
De qualquer modo, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano referiu-se às empresas públicas, dizendo que é essencial corrigir os males das empresas públicas, mas não disse como.
Por outro lado, o Sr. Ministro Veiga Simão tem vindo a dizer, de semana para semana, cada vez mais, que é resolutamente a favor da reprivatização de, pelo menos, algumas empresas públicas. Sabemos também que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro abunda nessa opinião.
Por outro lado, o Sr. Ministro Almeida Santos afirmou aqui, há poucos dias, que as empresas públicas são intocáveis, tais vacas sagradas. Chegou mesmo a dizer que o que é aplicável na Inglaterra pela Sr.ª Thatcher não é aplicável em Portugal, porque a Sr.ª Thatcher tem a sua, city, o seu petróleo e a sua relva e nós - segundo parece - não temos.
Permita-me, Sr. Ministro, que lhe diga que se trata de uma demonstração um pouco sofismada, porque já o Sr. Harold Wilson e o Sr. James Callagham tinham a mesma city, o mesmo petróleo e a mesma relva. S6 que as ideologias e receitas que aplicaram - as que parecem mais do agrado do Sr. Ministro Almeida Santos- não resultaram, enquanto que as da Sr.ª Thatcher resultam. Fez-me lembrar - paço desculpa por o dizer - os que antes do 25 de Abril afirmavam que a democracia era boa para a Inglaterra, mas que cá não dava.
Para resumir, o que pretendo saber é se o Governo e os partidos que o apoiam são a favor das teses do Sr. Vice-Primeiro Ministro e do Sr. Ministro da Indústria e Energia ou se são, pelo contrário, a favor da tese do Sr. Ministro de Estado e, segundo parece agora também, do Sr. Ministro Álvaro Barreto e se, na primeira alternativa, vão ou não propor ou viabilizar uma revisão da Constituição.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro do Comércio e Turismo, há mais senhores deputados inscritos a fim de lhe formularem pedidos de esclarecimento. O Sr. Ministro deseja responder no fim a todos eles ou a cada um isoladamente?

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo (Álvaro Barreto): - Prefiro responder um a um, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Sr. Deputado João Lencastre, vou responder-lhe, embora tenha certas dificuldades em responder a perguntas que V. Ex.ª formulou como sendo dirigidas a mim. Porque, ao fim e ao cabo, V. Ex.ª só fez uma afirmação com a qual estou 100% de acordo, que foi a de que a resposta dos ministros não esteve à altura das interpelações. Realmente, estivemos muito acima do nível das interpelações produzidas pelos senhores deputados do seu partido.

Aplausos do PS e do PSD.

Mas, tirando esse pequeno problema, também fez uma referência em relação à minha posição sobre a revisão da Constituição. Penitencio-me de não ter sido claro. Eu disse que sempre fui a favor da revisão da parte económica da Constituição, que deveria ter sido feita aquando da revisão anterior. Mas disse também que, em minha opinião, a moda que pegou de que, a partir de agora, nada se pode fazer sem se fazer a revisão da parte económica da Constituição é uma posição com a qual não concordo. Entendo que tal revisão deve ser feita, programada e planeada na altura devida, o que quer dizer que não é necessário fazê-la já. Ou seja, não há na actual Constituição nada que impeça a realização de muitas alterações estruturais à economia portuguesa, como o actual governo tem vindo a fazer.
E penso ter dado vários exemplos, na área da minha competência, de que estamos realmente a trabalhar em alterações estruturais de grande importância para a economia portuguesa, sem ser necessário fazer a revisão imediata da Constituição. A revisão da Constituição deve ser feita na devida altura, isto é, deve ser programada depois de se terem esgotado as possibilidades de alterações estruturais - e muitas há ainda a fazer. Tenho um certo receio de que se venha a utilizar a questão da revisão da Constituição para se evitar a realização de alterações estruturais, perfeitamente possíveis face à actual Constituição, e de que isso seja mais um alibi para evitar que enfrentemos frontalmente os problemas da economia portuguesa. Há muito trabalho a fazer na economia portuguesa que não necessita de

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uma revisão imediata da Constituição, o que é completamente diferente de se dizer que sou contrário, à revisão da parte económica da Constituição. Pelo contrário, na minha intervenção disse que até achava que, por exemplo, a irreversibilidade das nacionalizações é qualquer coisa de altamente prejudicial para os Portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas nunca disse que deveria ser feita hoje, imediatamente, porque sem isso não se pode progredir ou avançar. Não é verdade. Tenho de dizer isto com frontalidade. Há imenso trabalho e muitas coisas que têm de ser feitas que não necessitam para nada da revisão da Constituição. E é isso que clamo. O Governo tem de encarar esses problemas de frente e não se pode esconder atrás de um alibi, para não fazer aquilo que é necessário para a recuperação do nosso país.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um protesto, o Sr. Deputado João Lencastre.

O Sr. João Lencastre (CDS): - Sr. Presidente, vou usar a figura regimental do protesto.
Fiquei mais esclarecido e julgo que a Câmara também sobre a posição do Sr. Ministro Álvaro Barreto. Mas o que gostaria de saber é a posição do Governo e não a posição individual de um ministro, neste caso do engenheiro Álvaro Barreto.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Julguei, Sr. Deputado, que V. Ex.ª me estivesse a interpelar e respondi nesse sentido. V. Ex.ª disse, inclusive, que eu era contrário à revisão da parte económica da Constituição, certamente que por falta minha não terei sido suficientemente explícito na primeira parte. Limitei-me a esclarecer aquilo que é o meu pensamento, tentando explicá-lo com toda a abertura.
A posição do Governo é também clara nesse aspecto. De qualquer maneira, não me compete a mim estar hoje aqui a responder em nome do Governo, pois estou certo que o Sr. Primeiro-Ministro, que intervirá durante o debate, não deixará de abordar essa questão em moldes. que dará satisfação à pergunta de V. Ex.ª

O Sr. Presidente: -Para um pedido de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Sr. Ministro Álvaro Barreto: o Sr. Ministro começou por dizer que não estava rigorosamente preparado para responder à interpelação tal como fora anunciado, porque estava a contar com uma interpelação e saiu-lhe outra. Depois, o Sr. Ministro Álvaro Barreto acabou, por uma questão tão de utilidade marginal, suponho eu, por debitar à Câmara o discurso que tinha feito.

Risos do CDS.

Sr. Ministro Álvaro Barreto, suponho, que é V. Ex.ª que está enganado. 0 debate, tal como foi anunciado na comunicação que o CDS dirigiu à Mesa da Assembleia e que V. Ex.ª teve, aliás, o cuidado de nos recordar no princípio da sua intervenção, é sobre política geral, como todos são, nos termos do disposto no artigo 183.º da Constituição da República e da norma regimental que regulamenta a mesma disposição constitucional.
Este debate é um debate sobre política geral, predominantemente centrado sobre a deterioração das condições de vida da população.
Sr. Ministro Álvaro Barreto, naturalmente que isto é um problema de má consciência, desculpe que lhe diga, mas quando se falou em deterioração das condições de vida da população V. Ex.ª acolheu a interpelação como dirigida ao seu ministério e veio rapidamente aqui dizer que não estava a deteriorar as condições de vida, antes, pelo contrário, as estava a melhorar.

Risos do CDS.

Mas o problema é um problema da sua consciência.
Aquilo que fizemos foi rigorosamente essa interpelação, Sr. Ministro. Denunciámos os bloqueamentos políticos que provocam a deterioração das condições de vida da população, deterioração das condições de vida que enunciámos nos seus aspectos fundamentais. Enumerámos também esses mesmos bloqueamentos: a falta de confiança dos cidadãos na política do Governo; a insegurança instalada ao nível da sociedade portuguesa; a instabilidade das instituições políticas, do Governo, exportada também ela para a sociedade.
Sr. Ministro Álvaro Barreto, um dos bloqueamentos fundamentais é o bloqueamento que hoje existe sobre o entendimento a dar à necessidade de revisão ou não do texto constitucional.
Por exemplo, a bancada do Partido Comunista considera que V. Ex.ª é um perigoso herege quando se refere em determinados termos ao problema da revisão constitucional.
V. Ex.ª esclarece a sua posição nessa matéria e diz: "Sou a favor da revisão, mas não é para já, é para logo." Outros ministros dizem que é para já e outros dizem que é para logo. Ora, pergunto se isto não é um importante bloqueamento? Porque há ministros que, a propósito desse problema da irreversibilidade das nacionalizações, dizem que o problema é imediato e que sem tornar irreversível as nacionalizações ou sem fazerem uma interpretação muito especial da disposição constitucional - que suponho que se alcança através de um entendimento do que sejam empresas públicas - não há maneira de resolver o problema do sector público. O problema do sector público é um problema que - ainda o Sr. Ministro das Finanças nos há-de explicar - pesa fundamentalmente sobre a economia portuguesa. Isto é ou não é um bloqueamento? Foi, pois, este bloqueamento que aqui quisemos vincar.
Aliás, tivemos uma vitória importante: é que estamos a discutir aqui, hoje e já, o problema da revisão constitucional e estamos a ver quem é contra, quem é a favor.
Estamos, no fundo, a esclarecer as posições do Governo e das oposições nesta matéria.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - E uma sondagem!

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1 ORBE - PIOMERO 743

O Orador: - Sr. Ministro, V. Ex.ª estranhou também que nós tivéssemos feito esta interpelação, mas na sequência da intervenção que o Sr. Ministro Almeida Santos fez no outro dia perante a Câmara começo a pensar que é um tique do Governo este de, realmente, estranhar que lhe façam interpelações.
Pergunto ao Sr. Ministro se o Governo e a maioria que o apoio entende que a crítica democrática tem de ser necessariamente autocrítica? Porque autocrítica estamos a ter contacto com ela todos os dias. Vemos o que se passa no PSD - que é um dos elementos da coligação que apoia o Governo -, e o PSD critica o Governo! Critica-o diariamente, quotidianamente! O Partido Socialista, pelo seu lado, também critica o Governo! Os ministros criticam-se uns aos outros e mandam recados uns aos outros! Os secretários de Estado criticam os ministros e os ministros criticam os Secretários de Estado! Então a oposição não pode criticar o Governo por que só se passaram 9 meses, Sr. Ministro?!

Aplausos do CDS.

A oposição está no seu papel de criticar o Governo e está no papel de canalizar para as instituições democráticas, como o Parlamento, a crítica ao Governo.
É este o sentido das interpelações, que não têm de acabar desta ou daquela maneira, que têm apenas que provocar um debate salutar, chamando o Governo à Assembleia para explicar as suas posições.
Sr. Ministro, uma última questão que se relaciona com o mágico valor da inflação de 1,5% em Janeiro. Sei, Sr. Ministro, que a inflação em Janeiro foi de 1,5%, porque o aumento dos combustíveis só se verificou em Fevereiro! Naturalmente que as repercussões do aumento dos combustíveis só vão dar em Abril e nós vamos andar num sobe e desce que, depois dos 12 sobre os 12 meses, nos vai dar qualquer coisa de aceitável.
Sr. Ministro, se falar numa inflação de 1,5% em Janeiro e disser que ela vai ser de 18% ao fim do ano, quem fizer as contas diz-lhe logo que está enganado, porque vai ser de 19,3% ou 19,4%.
No entanto. Sr. Ministro, a população portuguesa pasma e revolta-se contra esta sua afirmação. Hoje em dia, falar em valores da inflação de 1,5% ao mês e de 18 % ao ano, Sr Ministro, é qualquer coisa que a população não aceita, porque está a sentir a inflação e não podemos continuar a empolar a inflação. A inflação hoje é um problema sério com que este Governo se está a defrontar. É um problema em relação ao qual as metas das grandes opções do Plano estão a ser ultrapassadas, em relação ao qual há previsões semioficiais ou oficiosas que apontam para 34, no ano de 1984! Este é, realmente, um problema sério e que traduz a deterioração das condições de vida da população.
Sr. Ministro, não sei se isto foi um pedido de esclarecimento, mas agradecia que V. Ex.ª o tomasse como tal e me esclarecesse na medida do possível.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, é sempre com imenso prazer que vejo a vivacidade que V. Ex.ª põe nas suas intervenções e gostaria de começar por dizer que não fui eu que me enganei na resposta que ia dar, pois quando estava a intervir e a dizer que realmente estava desajustada alguém da sua bancada, o Sr. Deputado Narana Coissoró, no seu jeito típico, gritava: "Leia a , primeira linha! Leia a primeira linha!". Eu, realmente, fui ler a primeira linha, mas V. Ex.ª agora só leu as duas primeiras palavras da referida primeira linha, porque se V. Ex.ª ler totalmente a primeira linha que o Sr. Deputado Narana Coissoró apontou encontra lá a expressão "política geral, predominantemente centrado sobre a deteriorização das condições [...] e o agravamento descontrolado da crise económica".

Ora, quando o Sr. Deputado Narana Coissoró gritava - desculpe o termo -, dizia em voz alta, para que lêssemos a primeira linha toda, agradecia que o Sr. Deputado também a lesse. Ir que veria, realmente, que uma interpelação que estava anunciada como indo incidir numa base puramente económica acabou por ter duas intervenções, que muito apreciei, do ponto de vista político, filosófico, etc., que tive o maior prazer em ouvir, mas que talvez não tivesse valido a pena terem sido feitas hoje, uma vez que sobre política geral em qualquer outra ocasião - em que não fizessem perder ao Governo um dia inteiro de trabalho - seriam mais adequadas.

Vozes do CDS: - Ah! ah! ...

O Orador: - Não estou com isto de maneira nenhuma - a pôr em causa o direito à interpelação que os partidos da oposição têm. Comecei por dizer que reconhecia no CDS uma oposição democrática e civilizada, mas o que não vi foi a oportunidade desta interpelação ser feita hoje, após 8 dias de outra ter sido feita. Parecia-me que seria mais adequado aguardar melhor altura, quando o Governo, após ter estabilizado a vida nacional, pudesse vir aqui apresentar os seus planos futuros de desenvolvimento.
Diz o Sr. Deputado que o PSD critica o Governo. Ainda bem! Ainda bem que pertenço a um partido que sabe criticar os seus militantes quando eles estão no Governo. Nós, membros do PSD, achamos altamente saudável que a crítica seja sempre feita. Nós fazemos a crítica construtiva para chamar a atenção de que há sempre uma maneira de fazer melhor, e não a crítica só por fazer crítica, que ao fim e ao cabo é aquilo em que se está a transformar a interpelação do partido de V. Ex.ª

O Sr. Lacerda de Queiroz (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em relação ao problema da irreversibilidade imediata ou não das nacionalizações, penso que já há pouco expliquei a minha posição e o tempo não me permite avançar mais.
Sobre a inflação, V. Ex.ª refere o valor de 1,5%, porque não tinha havido ainda os aumentos dos combustíveis. Mas, Sr. Deputado, os 4% de inflação em 1983 também foram anunciados quando ainda se não tinham feito os aumentos dos combustíveis. Se V. Ex.ª quiser verificar, os aumentos dos combustíveis, no ano passado, foram feitos em Fevereiro. Portanto, os 4% de 1983 não reflectiram ,também e ainda esse aumento.

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V. Ex.ª foi realmente infeliz ao ir buscar essa comparação, pois estou certo de que nos meses de Fevereiro e Março a inflação terá um valor superior.
Quando dei o exemplo dos 18% não disse que esperava que a inflação atingisse esse valor. Comparei apenas que, face ao valor de 30,7%, que certos
sectores da oposição têm avançado, havia uma discrepância muito grande.
Estou consciente, até pelo facto de estas questões serem de ordem estrutural e da dependência que o País tem da importação de bens essenciais, que o
aumento dos combustíveis - que também disse ir ter repercussões a jusante - vai dar índices maiores nos meses seguintes. Quis, pois, chamar à atenção
para que a inflação não está descontrolada, já que
houve razões para uma aceleração da inflação.
Também não disse, como o Sr. Deputado quis concluir, que o nível de vida tinha melhorado. Não, vim aqui dar uma explicação, perfeitamente honesta da
minha parte, das razões que levaram a que a inflação tivesse ido acima dos valores que esperávamos. Também disse, no final, que esperava que de Dezembro
de 1983 a Dezembro de 1984 a inflação se fixasse entre 20% e 22%, e não nos 19,3%, que V. Ex.ª disse que alguém teria calculado ou qualquer cientista poderia ter calculado. Quando referi o valor de 1,5 %, foi a título de exemplo e não quis, de maneira nenhuma, dizer que a taxa de inflação ia ser de 18%. Acabei até a minha intervenção dizendo que, enquanto não se resolverem os problemas
estruturais da economia portuguesa, enquanto não se criarem condições para a modernização e o aumento da produtividade do nosso aparelho produtivo, em especial da agricultura e do sector energético, é evidente que o problema da inflação não poderá ser resolvido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um protesto, o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro Álvaro Barreto, queria começar por assinalar a sua afirmação gravíssima de que veio perder um dia. V. Ex.ª veio aqui dar informações úteis a todos os deputados, à Câmara. Queria recordar-lhe apenas que nos temos de pôr de acordo sobre esta matéria: ou VV. Ex.as entendem que quando vêm à Câmara perdem o dia, e na realidade somos levados a concluir
dessa maneira pela exiguidade das vossas presenças na Câmara, ou realmente entendem que quando vêm à Câmara não vêm perder o dia.
Queria lembrar-lhe que em vários outros países com sistemas de organização de poder político semelhantes ao nosso os Ministros vão todas as semanas ao Parlamento responder a perguntas e não perdem o dia com certeza! Naturalmente ganham o dia, Sr. Ministro!
Outra questão que queria tratar no meu protesto, Sr. Ministro Álvaro Barreto, é de que nós não passamos procuração ao Governo para este fazer por nós os juízos da oportunidade das nossas intervenções nesta Câmara. Nós é que decidimos quando havemos de fazer as interpelações, Sr. Ministro; não é realmente o Governo que o decide. Não é pelo facto de o Partido Comunista Português ter feito uma interpelação na semana passada, que nós deixaríamos de fazer esta interpelação neste momento.

Queria recordar-lhe, Sr. Ministro Álvaro Barreto, que uma das funções essenciais da oposição é canalizar para a via institucional, que é o Parlamento, o sentimento de descontentamento, o sentimento de oposição, o sentimento negativo que grassa na população em relação à actuação e à política dos governos. É isso que estamos a fazer, e ao fazê-lo estamos a prestar um serviço à democracia, ao País e, portanto, também ao Governo.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - É só favores!

O Orador: - E só favores! Mas mal agradecidos!

Risos

Sr. Ministro, no que respeita ao tema da inflação, gostaria de saber se o Governo vai fixar ou não uma nova meta para 1984? Ou se, pelo contrário, mantém a meta das Grandes Opções do Plano?

Quando V. Ex.ª falou em 1,5%, tirou a conclusão dos 18%, talvez com um ar um pouco jocoso, desculpe que lhe o diga. Falou nos 18%, com certeza, com bastante sumo de limão ali do Sr. Ministro Almeida Santos, porque, na verdade, só com ironia se pode vir aqui falar nos 18%. Não são 18%, mas 19 e tal por cento.

Gostaria é que o Governo fixasse uma meta nesta matéria e nos dissesse qual é a meta para 1984.

Por outro lado, Sr. Ministro, quando V. Ex.ª, com algum desgosto, falou nos preços que cavalgaram de bens que tinham os preços fixados, pergunto-lhe: essa cavalgada de preços nos bens com preços fixados terá tido realmente o seu acordo?

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro do Comércio deseja contraprotestar?

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Se é essa a figura regimental, Sr. Presidente, desejo.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Gostaria de esclarecer que quando disse "perder um dia" é evidente que nós, e eu pessoalmente, temos sempre muito prazer em vir à Câmara prestar os esclarecimentos que sejam necessários. O que penso é que há interpelações a que vale a pena vir responder e que se dá par um dia bem passado e há outras que, devido realmente à frouxidão da interpelação e à falta de convicção, é evidente que não é um dia bem passado. Não será um dia perdido, mas será um dia mal passado.
Em relação à oportunidade de o CDS marcar ou não as suas interpelações, é evidente que não ponho em causa esse direito. Agora, V. Ex.ª, tem é de se submeter à crítica dos falhanços que da oportunidade da marcação possam resultar, não só para mim como para a população em geral, que terá dificuldades em perceber a razão por que é que hoje não sei quantas pessoas e o Governo inteiro estiveram aqui a discutir problemas de filosofia geral que nada adiantam para resolver os problemas do País.

Em relação à opinião negativa que a opinião pública portuguesa. poderá ter sobre a acção do Governo, tive ocasião de dizer que qualquer governo que tivesse

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tomado posse em Junho de 1983 teria sempre de adoptar uma política altamente antipopular. Seria muito mais simples e muito mais gratificante para os membros do Governo fazer uma política popular de subsidiação de preços, de repressão da inflação, que realmente desse uma satisfação a curto prazo, que lhe conferisse popularidade. Mas estamos conscientes de que os problemas reais do País não se resolvem assim e temos assumido com toda a coragem e com toda a frontalidade toda a impopularidade que daí nos advém e não nos desviaremos um milímetro da nossa orientação de servir bem o País.

Quanto ao 1,5% que o Sr. Deputado referiu, devo dizer que não tirei nenhuma conclusão, referi apenas que certa imprensa diz que a ,inflação é de 30,7% em Janeiro, o que daria 400% ao ano, quando, seguindo o mesmo tipo de raciocínio, para 1,5% de inflação no mês de Janeiro a inflação anual seria de 18%. Foi esta a comparação que fiz entre os dois valores e não tirei qualquer conclusão.
De qualquer modo, felicito V. Ex.ª pela sua precisão e capacidade de cálculo, dizendo que, nesse caso, a inflação anual não seria de 18%, mas 19,3%.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Quem fez o cálculo foi o Sr. Deputado Bagão Félix!

O Orador: - Nesse caso, felicito o Sr. Deputado Bagão Félix! Mas, na realidade, o que pretendi foi dar uma ideia geral da discrepância que vai de 400% para 18 %.
Em relação à "cavalgada" dos preços, se estive ou não de acordo com ela, já lhe referi há pouco que era para mim mais simples defender junto dos outros membros do Governo a manutenção de subsídios, a manutenção dos preços artificiais, do sistema que vinha de trás e, entendo que as finanças do País não o permitiam e, portanto, assumi e assumo, em total solidariedade com todo o Governo, os aumentos dos preços que fomos obrigados a fazer.
Estes aumentos foram necessários, nós assumimo-los e não atiro as responsabilidades para cima de ninguém porque esta foi uma decisão conjunta do Governo, que a assumiu. E, embora o Sr. Deputado diga que sabe que há críticas entre os Ministros, nós, enquanto Governo, mantemo-nos unidos e assumimos as responsabilidades na sua globalidade.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Vê-se, vê-se!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.

O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Sr. Ministro do Comércio e Turismo, V. Ex.ª veio aqui manifestar uma posição que, a meu ver, dificilmente se distingue da do partido interpelante, porque, nomeadamente, V. Ex.ª diz que concorda com a revisão da Constituição, a fim de se alterar o sistema vigente, muito embora defenda que tal se faça de forma programada. Porém, ficou por explicar porque é que defende essa posição, porque é que considera necessária esta revisão.
Mas há uma outra questão que eu gostaria de ver esclarecida. E do conhecimento público que é essa a sua posição pessoal - porque a tem defendido publicamente -, mas V. Ex.ª está aqui como um elemento do Governo que vem à Câmara fazer esta afirmação e pode subsistir uma dúvida: essa é também a opinião do Governo?

E que se esta é apenas a sua opinião pessoal, não faz sentido vir aqui como elemento do Governo pô-la; se ela é também a opinião do Governo, então gostaríamos que ele assumisse a defesa dessa posição e viesse explicar o seu porquê.

Sobre a inflação, pergunto-lhe quais os sectores cuja evolução, em 1983, foi superior ao valor global final de 25,5% e quais os seus valores concretos.

Finalmente, analisados os elementos de que dispõe neste momento, pergunto-lhe se pode extrair a conclusão de que a inflação tem presentemente tendência decrescente ou estabilizada, particularmente no que se refere à rubrica alimentação e bebidas.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Sr. Deputado Pinheiro Henriques, penso que V. Ex.ª terá interpretado mal o que eu disse aqui nas respostas que anteriormente dei sobre a minha posição em relação à revisão constitucional.

O que eu disse foi que já na altura em que foi feita a revisão da parte económica da Constituição considerava que ela devia ter sido mais profunda, e dei como exemplo o facto de pessoalmente discordar que se tenha mantido na Constituição a irreversibilidade das nacionalizações. Depois acrescentei que mantenho a mesma posição, ou seja, penso que a actual Constituição necessita de ser revista. Porém, discordo daquilo que me parece ser a posição do CDS, que é a posição de muitas outras pessoas: a de que é fundamental, necessário e indispensável que a revisão da actual Constituição seja feita já hoje, porque considero que isso pode ser mais um alibi para não se levantar uma discussão que venha a obviar a que seja tomado todo um conjunto de decisões que não precisam dessa revisão da Constituição para nada e que é necessário que sejam implementadas. Dei exemplos de muitas alterações que considero estruturais que estão a ser efectivadas na área da minha responsabilidade sem ter sido necessário rever a Constituição e são muitos outros sectores da área governativa em que isso poderá ser efectivado.
Mas isso não tem nada a ver com a minha posição pessoal - que entendi esclarecer, uma vez que hoje toda a gente fala sobre esta situação - e continuo a considerar ser necessário que, oportunamente, seja feita a revisão da Constituição.
Sobre a posição do Governo, já há pouco referi que compete ao Sr. Primeiro-Ministro ou ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro, uma vez que um deles vai hoje intervir nesta Câmara, esclarecer sobre qual a posição do Governo.
Em relação à inflação, já referi vários sectores e só por falta de tempo não lhe poderei dar agora todos aqueles que estão largamente acima do valor de 25.5%. Dir-lhe-ei, entretanto, que há sectores com preços não controlados que "dispararam" acima desse valor - como é o caso dos legumes e dos amidos e das féculas - por, razões técnicas, e uma delas tem a ver não com a seca, como há pouco o PCP disse durante a minha intervenção, mas sim com as cheias

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que destruíram grande parte das culturas e que levaram a que só no mês de Janeiro os legumes subissem cerca de 63%! Esse é um caso típico de um bem que subiu acima da média.
Quanto a todos os outros casos, terei muito prazer em mandar ao seu grupo parlamentar uma lista exaustiva dos bens cujos valores estão acima da média. De qualquer modo, mantenho aquilo que disse: em média, os preços que mais aumentaram são aqueles que ainda hoje são controlados pelo Estado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira, também para pedir esclarecimentos.

O Sr. César Oliveira (UEDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Confesso-me terrivelmente baralhado!

Uma voz do CDS: - É o costume!

O Orador: - Se calhar é o ambiente que faz as baralhações e não eu!
As vezes pergunto a mim mesmo: mas o que é que eles hão-de inventar mais?! E isto dirige-se a várias bancadas!
O Sr. Ministro Álvaro Barreto desculpar-me-á mas não vou fazer um pedido de esclarecimento muito concreto. No entanto, gostaria que respondesse, se assim o desejar, e uma vez que o Sr. Deputado Nogueira de Brito tem agora tanto empenho em que o Governo venha à Câmara sistematicamente. Se calhar antigamente ele queria que viessem à Câmara e não os deixaram vir ...
Sr. Ministro Álvaro Barreto, aqui há tempos, num debate na televisão, um sindicalista do PSD - que julgo ser do seu partido - perguntava aos representantes da CIP, da CAP e de outras confederações o seguinte: quantos projectos da iniciativa privada é que foram impedidos pelo texto constitucional? Eu esperava ouvir da boca dos representantes do patronato português um rol infinito de projectos que haviam sido impedidos mas toda a gente se calou! Ora, eu fazia-lhe exactamente a mesma pergunta: tem V. Ex.ª conhecimento de quantos projectos é que a Constituição impediu que fossem levados a cabo pela iniciativa privada?
E já agora uma outra questão. Julgo que 72,4% dos estabelecimentos industriais registados como tal em Portugal empregam até 15 operários, o que demonstra bem a dimensão da chamada estrutura da iniciativa privada em Portugal. Pergunto o que é que se pode esperar de uma iniciativa privada que, em 72,4% dos casos, é quantificada nestes termos?
Outra questão que eu gostaria de colocar ao Governo - e ainda bem que o Sr. Ministro Veiga Simão acaba de chegar porque talvez ele possa responder a esta questão ...
Sr. Presidente, vou interromper a minha intervenção porque o Sr. Ministro está a acomodar-se e eu só gosto de falar com ministros acomodados e não com ministros incomodados!

Risos.

Pausa.
Entretanto, tomou assento na bancada do Governo o Sr. Ministro da Indústria e Energia (Veiga Simão).

Agora até o Sr. Ministro Veiga Simão fala na revisão da legislação laboral e o Sr. Ministro do Comércio e Turismo fala da revisão constitucional. Assim, tenho dois exemplos acerca dos quais peço o seu comentário: a Constituição da República de Weimar - julgo que toda a gente sabe o que é - era tida como a Constituição das Constituições, a obra perfeita em matéria de Constituições e viu-se no que deu: na subida de Hitler ao poder por vias legais em 1933!
O Sr. Ministro pensa sinceramente que o futuro político do regime e o futuro de Portugal passam pela Constituição? Certamente que a Constituição é um texto importante mas, porventura, não considera que a questão fundamental está num projecto político minimamente claro, capaz de gerar uma mobilização popular que o apoie e que faça trabalhar os portugueses para um futuro que eles saibam qual é? Não considera o Sr. Ministro que é esta ausência completa de perspectivas para o futuro que muitas vezes impede a clarificação das coisas?
Outro exemplo, Sr. Ministro: entre 1820 e 1849-1951 houve em Portugal 3 Constituições e várias emendas (a de 1822, a Carta Constitucional, a de 1933, etc.) e só no momento em que houve um entendimento político mínimo - que aliás não tinha nada a ver com o texto constitucional, e que é conhecido pelo nome de Regeneração -, que se desenvolveu em torno de ideias simples e de coisas muito concretas, é que foi possível o progresso do País, o lançamento do desenvolvimento económico, do fontismo, da regeneração, etc., etc.
Ao fim e ao cabo, o que eu queria perguntar era se, realmente, anda tudo baralhado. Por que é que agora corremos tanto à procura de quem é o primeiro a falar na revisão de alguma coisa?
Pelos vistos o Sr. Ministro Veiga Simão ganhou a corrida no que respeita à revisão das leis laborais e não seio que vão inventar mais! Se calhar daqui a uns tempos vão inventar que o que está errado é a democracia!
Não estou a acusar ninguém do Governo de ter inventado isto mas a verdade é que isto é uma avalanche que vai fazendo fracassar a reivindicação que se faz no momento, criando-se a necessidade de ir colocando outras reivindicações! Foi o Conselho da Revolução, a CEE, etc., etc., e tudo tem fracassado como reivindicação e daqui a pouco só resta a reivindicação da ditadura porque aí não há grande discussão nem controvérsia!
Sr. Ministro, pedia-lhe um comentário a toda esta problemática.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo, para responder.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - V. Ex.ª não me pediu qualquer esclarecimento, pediu-me um comentário e o tempo de que disponho não me permite fazer comentários. Assim, direi apenas que é sempre um prazer ver V. Ex.ª, na sua capacidade de historiador, fazer evocações das condições passadas e terei muito prazer, se quiser, em trocar impressões consigo sobre este assunto directamente, porque o tempo não me permite fazer agora comentário sobre isto.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Era bom que os economistas estudassem mais História de Portugal!

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, tem V. Ex.ª a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): -O Sr. Ministro desculpar-me-á mas terei que reduzir as questões e falar quase telegraficamente por falta de tempo.
O Sr. Ministro deu-nos aqui um extenso rol dos preços controlados, cujos aumentos teriam sido claramente superiores à média e, sobretudo, claramente superiores àqueles relativos a produtos liberalizados para concluir desta maneira: "o que ninguém pode contestar é que o preço dos produtos controlados administrativamente pelo Estado aumentaram significativamente mais ao longo de 1983 do que os produtos com preços liberalizados cujo controle se fez através da economia de mercado". E teve o cuidado de o sublinhar! Para demonstrar o quê, Sr. Ministro? Isto não demonstra nada!
O que se pretende através disto é, de facto, inculcar a ideia de que o sector público é a tal ruína de que se fala, mas isto não demonstra nada, porque se o fizesse, Sr. Ministro, teríamos que dar razão àquele célebre sujeito que afirmava peremptoriamente que as estatísticas demonstravam que havia uma estreita correlação entre o cancro e o número de elevadores, porque nas sociedades industriais não só aumentava o cancro como aumentava o número de elevadores!
Realmente, isto não demonstra rigorosamente nada! O que o Sr. Ministro devia demonstrar - e receio que não seja capaz - é que este aumento superior dos preços resulta do facto de eles serem controlados ou de serem relativos a produtos de que o Estado detém o monopólio.
O Sr. Ministro desculpar-me-á a rapidez com que expus as questões, mas a falta de tempo obriga-me a isso.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Sr. Deputado, muito rapidamente também, quero dizer-lhe que o que quis demonstrar foi exactamente o contrário do que referiu, foi que a acusação de que é a liberalização dos preços que leva à inflação que não é verdadeira.
Não culpei ninguém, limitei-me a referir valores que são reais e que V. Ex.ª poderá encontrar nas estatísticas.
Portanto, o que não é verdade é que a liberalização dos preços tenha conduzido ao aumento de preços, como os sectores afectos ao PCP têm dito. Não foi a liberalização dos preços que fez aumentar esses mesmos preços e desencadeou a inflação em 1983. Foi isso que eu quis refutar, nada mais, e o que está dito é verdadeiro.

O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): -Sr. Ministro, é evidente que aquilo que disse é verdadeiro, tão verdadeiro como o número de elevadores ter aumentado nas sociedades e o número de cancros também!
Mas o Sr. Ministro não demonstrou nada! Tê-lo-ia feito se nos tivesse explicado que para os mesmos produtos, para o mesmo tipo de bens no sector liberalizado, o aumento era inferior!

Sr. Ministro, o tempo não tardará a demonstrar quem e que tem razão! Vamos ver a que é que conduzirá a sua política de liberalização do comércio de cereais e de desmantelamento da EPAC, vamos ver qual será o "disparo" do preço dos cereais e qual será o reflexo dessa liberalização na economia nacional!

Aplausos da UEDS, do PCP e do MDP/CDE.

A explicação que nos deu, tal como aqui está, não demonstra coisa nenhuma, porque se trata de coisas diferentes, e o Sr. Ministro sabe que para, tirar uma conclusão é, pelo menos, necessário que haja um ensaio de testemunhos, e neste caso não há.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo, para responder.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Sr. Deputado, terei o maior prazer de, na devida altura, demonstrar a V. Ex.ª quem é que tinha razão!

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Mas entretanto vamos pagar o pão mais caro!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Correia, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Eurico Correia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora o Sr. Deputado Lopes Cardoso já tenha abordado este mesmo tema, creio que deveríamos aproveitar esta tribuna, que e a Assembleia, para esclarecer este assunto.
Embora pense que não foi essa a intenção do Sr. Ministro, ficou aqui no ar a ideia de que as empresas públicas são organismos estatais e daí esta subida dos preços, neste caso dos bens alimentares.
Evidentemente que não e assim e evidentemente também que esta subida dos preços dos bens alimentares tem uma origem, que, aliás, o Sr. Ministro explica no seu discurso.
Mas, volto a dizer, é nossa missão como deputados apoiar o Governo, esclarecer as razões e dar explicações públicas e eu pessoalmente ainda na semana passada participei num debate com alguns colegas da Assembleia em que defendi a política do Governo sobre a liberalização do comércio dos cercais e, portanto, estou à vontade para o fazer de novo aqui claramente.
A subida dos preços dos cereais é bem explicada por duas razões: por um lado, porque eles são comprados em dólares e, por outro, porque a desvalorização da moeda, aliada ao pagamento a prazo, vai-se repercutir nos custos. Como exemplo, e para que a Câmara tome disto conhecimento, direi que hoje uma tonelada de trigo ou de milho custa à volta de 150 dólares, o que corresponde a 20 pontos, mas como só a vamos pagar daqui a 2 ou 3 anos - porque é esse, normalmente, o prazo do crédito - a desvalorização da moeda mais os juros fazem com que essa tonelada, apesar

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de ter sido comprada a 20 contos, tenha um valor de mais de 40 contos.
Portanto. não é o facto de ser um organismo estatal que controla estas importações que se vai repercutir no preço, são as medidas que neste momento são necessárias para reestruturação que levam a esta situação.
Evidentemente que isto se aplica também ao caso das empresas públicas como a PETROGAL e veja-se o seu caso. Pois julgo que se deve fazer aqui uma homenagem às empresas públicas que conseguem manter a sua competitividade.
A PETROGAL é uma exportadora de derivados de petróleo, o que significa que é competitiva, o que significa uma empresa organizada como qualquer empresa privada!
É evidente que as empresas necessitam de uma reestruturação. A própria EPAC, que aqui se referiu há pouco a propósito dos cereais, necessita de ser reestruturada, pois não pode ser trading, não pode ser importadora, comercializadora e interventora no mercado! Há que a reestruturar!
Quanto às empresas públicas, que no fundo é o que está aqui em causa, o importante - e o Sr. Ministro das Finanças ainda há pouco o assinalou na sua intervenção - é, de facto, criar condições para a sua sobrevivência, mas com um funcionamento correcto.
Não são só as empresas públicas que estão em dificuldade neste momento. Há grandes empresas privadas neste país que estão em dificuldades, pois elas abatem-se sobre todas as empresas e não se pode pôr o problema nestes termos: quando uma empresa privada está em dificuldades a culpa é do Governo, quando uma empresa pública está em dificuldades a culpa é da Constituição!
A Constituição determina quais os sectores público e privado, mas compete ao Governo criar as condições para que quer o sector público quer o sector privado possam desempenhar a sua missão de ajudar este país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo, se assim o desejar.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A falta de tempo de que disponho impede-me de dar uma resposta muito longa. Assim, apenas sugiro ao Sr. Deputado Eurico Correia que, quando tiver ocasião, leia com atenção as páginas 14 e 15 da minha intervenção, e verificará que estão lá referidas, com toda a honestidade e clareza, as razões que levaram, a que os preços dos bens fundamentais tivessem aumentado.

O Sr. Eurico Correia (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para em protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. Eurico Correia (PS): - Sr. Ministro, li o seu discurso com atenção e sei que isso está lá escrito. Simplesmente, referi que não seria por demais reafirmar quais essas razões, para que não paire no ar a ideia de que é o facto de ser público que determina estes aumentos de preços.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Ministro do Comércio e Turismo, V. Ex.ª, talvez um pouco zangado porque o interlocutor não é do PCP, não se coibiu, no entanto, de, logo no início da sua intervenção, referir alguns ataques completamente injustificados contra o PCP.
Em primeiro lugar, o Sr. Ministro disse que entre 1974 e 1976 o PCP se havia instalado no governo por processos não democráticos. Quero, pois, lembrar a V. Ex.ª que o PCP participou em alguns governos, mas o PSD também esteve em todos eles. E é bom que isso não seja esquecido, parque certamente o PSD concordou com a participação do PCP nesses governos. Portanto, tal como o Sr. Ministro disse, não foi por processos não democráticos que o PCP participou nesses governos.
O Sr. Ministro começou por dizer, na sua intervenção, que se encontrava embaraçada face a esta interpelação do CDS. E é interessante ter presente que esse embaraço não resulta das críticas formuladas pelo CDS, mas sim da ausência de criticas por parte do CDS. Daqui decorrem, pois, algumas questões que gostaríamos de formular.
Será que o Sr. Ministro esperava outro tipo de atitude, de postura, por parte do CDS? Será que esperava críticas profundas do CDS relativamente à actuação deste governo e às medidas que ele tem vindo a implementar? Então não é verdade que neste governo - e nomeadamente na área a que o Sr. Ministro está ligado - as medidas que têm vindo a ser tomadas são exactamente aquelas que foram preconizadas e tentadas pelos governos da AD? Não é isso o que se está a passar, nomeadamente em relação à questão da liberalização, à área da defesa da concorrência - que V. Ex.ª referiu - e a tantas outras áreas? Não é essa exactamente a mesma política que está neste momento a ser seguida? Então porquê esse pseudo-embaraço que o Sr. Ministro aqui coloca?

O Sr. Ministro, embora agora tenha vindo com alguns paleativos, avança com a questão de que a revisão da parte económica da Constituição se mantém como uma questão da máxima importância. Isto vem de acordo com aquilo que o próprio CDS também vem referindo. Daí que não haja qualquer razão para embaraço por parte do Sr. Ministro. De resto, a lista que V. Ex.ª avança é um reportório exemplar daquilo que são as exigências do CDS. Daí que não haja qualquer razão para esse embaraço!
De qualquer maneira, gostaria de lhe dizer que o problema fundamental que hoje se nos coloca é o seguinte: muito embora a Sr. Ministro diga que a revisão da parte económica da Constituição não é para agora, a questão é que a prática deste governo vai no sentido da revisão prática, efectiva e inconstitucional da Constituição. Esta é que é a questão central que hoje se coloca, Sr. Ministro.
E bom recordarmos que foi o Sr. Ministro quem, na Câmara de Comércio Luso-Britânico, avançou mesmo com a necessidade da reprivatização de alguns sectores nacionalizados, como seja a questão das cervejeiras, dos tabacos, etc. Ora, isto é ou não tentar

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avançar no sentido da subversão da Constituição da República?
O Sr. Ministro também se refere à questão da liberalização. Mas que liberalização? Qual liberalização? A do açúcar, que, pura e simplesmente, consiste na transferência do comércio das ramas do açúcar para a Tate & Lyle? É apenas isso? A liberalização é a retirada das empresas públicas para entregar a empresas multinacionais, como acontece na EPAC, com a entrada da Dreyfus por aí fora, retirando à EPAC, que é uma empresa pública, o poder da comercialização? É a isto que se chama liberalização?
O Sr. Ministro diz que os preços sob controle têm aumentado mais do que os produtos com preços liberalizados. Mas quem é que controla esses preços. Sr. Ministro? Quem é que determina a política das empresas públicas no que concerne à questão dos preços? É ou não é o Governo que não tem efectuado qualquer controle e, pelo contrário, quando fala em liberalização o que tem feito é entregar às associações patronais o controle dos preços, como acontece na questão da cafetaria, das carnes, etc.? É ou não esta a realidade?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Sr. Deputado Joaquim Miranda, V. Ex.ª qualifica-me de ataques injustificados. Os ataques que fiz ao PCP serão talvez injustificados, mas representam 10% dos que o PCP me tem feito a mim sem qualquer justificação, sem ter até agora provado nada das acusações que fiz. E os ataques que ele faz talvez correspondam a 50% daquilo que penso que deveria atacar a política do Partido Comunista Português.

Aplausos do PSD.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Sr. Deputado, não lhe dou licença que me interrompa, porque disponho de pouco tempo.
O Sr. Deputado disse que fiquei embaraçado com o ataque do CDS. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que não fiquei embaraçado, mas sim surpreendido, o que é diferente. E não se trata de ser surpreendido pela ocasião do ataque do CDS. É que considero, e não o escondo, que o CDS é uma oposição democrática, civilizada e, quando faz uma interpelação, tem a obrigação - o que em minha opinião não teve nesta interpelação - de a fazer com um sentido construtivo. Essa foi, pois, a minha acusação à interpelação do CDS , e ela não teve nada a ver com os fundamentos da interpelação do CDS.
Em relação à revisão constitucional já prestei alguns esclarecimentos anteriormente. O que referi não são paleativos, mas sim aquilo que penso e que tenho dito em todos os sítios.
Quanto a saber se a listagem das medidas tomadas pelo meu ministério são as exigências do CDS, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que não são. São as exigências de economia nacional ...

Risos do PCP.

... são as exigências da melhoria de vida do nosso país, o que nada tem que ver com as exigências do CDS. É aquilo que nós, no Ministério do Comércio e Turismo, pensamos ser indispensável para, de uma vez para sempre, fazer mudar o rumo da economia portuguesa.
Em relação à privatização das cervejas e à revisão do sistema, não sei se V. Ex.ª sabe que a Lei n.º 46/77, através de concurso público, prevê a possibilidade de poder dar a gestão privada das empresas públicas e que, em 1970, o Governo já tinha aprovado um diploma nesse sentido. E eu continuo a defender que sem a necessidade da revisão constitucional, mas no sentido de melhorar a gestão das empresas públicas que, em muitos casos, não têm a eficiência das empresas privadas, haveria que caminhar naquilo que a lei permite sem a necessidade da revisão constitucional.
No que diz respeito à liberalização do açúcar e à EPAC, já da última vez que aqui intervi disse ao seu colega deputado João Amaral que já era a quarta ou a quinta vez que respondia a essa pergunta. Também já disse ao Sr. Deputado Lopes Cardoso que, na devida altura, terei o maior prazer de, perante dados concretos, comprovar quem tinha razão em não fazer a liberalização.
Em relação ao controle de preços, devo dizer que ele é feito pelos mesmos organismos de sempre. Não se modificaram pessoas nenhumas na Direcção-Geral de Controle e Preços, os critérios são os mesmos e as pessoas que lá se encontram merecem a total confiança deste governo, assim como a mereceram -de governos anteriores, pois exercem o seu trabalho com honestidade - os preços aumentaram, o que mostra que o trabalho tem sido feito por essas pessoas com toda a honestidade. Portanto, Sr. Deputado, não interpreto as suas palavras como qualquer acusação à idoneidade das pessoas que até agora têm feito o controle de preços.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar as perguntas ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.

O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): Sr. Ministro das Finanças e do Plano, na sua intervenção notaram-se poucas novidades, o que se compreende perfeitamente dada a frequência com que ultimamente tem sido chamado a usar publicamente da palavra.
No entanto, há algumas questões que nos levantam certa preocupação. Em primeiro lugar, desenvolver toda a estratégia de desenvolvimento no pressuposto da nossa adesão à CEE em Janeiro de 1986 sem considerar qualquer alternativa parece-nos muito arriscado. Neste âmbito, gostaria de saber se estão asseguradas ou como se assegurarão as condições de evitar o colapso da nossa economia que, a nosso ver, resultaria da nossa adesão plena sem restrições.
Derivado desta adesão - que, segundo referiu, está a menos de 2 anos -, afigura-se que há que acelerar a fase de modernização da economia portuguesa. Não é que não estejam a ser cumpridos os prazos que V. Ex.ª divulgou e que hoje confirmou. No entanto, passado já algum tempo, nada se sabe ainda de concreto sobre o programa de modernização da economia portuguesa nem sequer que orientação fundamental

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será dada a tal modernização. Poderá o Sr. Ministro concretizar alguma coisa quanto a esta matéria?
No âmbito estrito desta interpelação, considera o Sr. Ministro indispensável, útil, desejável ou não a alteração defendida pelo partido interpelante no que respeita à Constituição?
Finalmente. e porque o Sr. Ministro do Comércio e Turismo aqui confirmou que o Estado deve alguns milhões às empresas públicas, gostaria que V. Ex.ª me informasse a quanto ascende a dívida do Estado para com as empresas públicas e caso a sua entrega atempada tivesse ocorrido se tal facto seria susceptível de apagar os resultados negativos que o sector empresarial do Estado apresenta no seu conjunto.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, há mais oradores inscritos para formular pedidos de esclarecimentos. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente, para uma melhor gestão do tempo, e tendo em atenção os minutos que neste momento estão disponíveis ao Governo, julgo que haverá alguma vantagem em que ouça as questões que vão ser colocadas de um modo sequencial e que depois tente enquadrar as respostas tanto quanto possível sintetizando elementos comuns que eventualmente surjam. Por isso peço a V. Ex.ª o favor de considerar a hipótese de responder em conjunto a todas as questões que irão ser colocadas pelos Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro tem toda a liberdade de responder da maneira que considerar mais desejável.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Considero que o Sr. Presidente me faz o favor de reconhecer essa liberdade.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, assistimos há pouco à repetição, pela segunda vez e em breve resumo, do seu discurso feito no Instituto de Altos Estudos Militares.
Ora. gostaria de situar as questões que lhe irei colocar em dois pontos: um sobre a racionalização do sector empresarial do Estado, e o outro sobre a regionalização. Assim, peço-lhe que me diga se é racionalizar o sector empresarial do Estado continuar a não pagar as dívidas às empresas públicas - 200 milhões de contos; se é racionalizar o continuar a obrigá-las a recorrer ao crédito externo e a pagar os custos relativos - 50%, desvalorização do escudo em relação ao dólar, como disse há pouco o Sr. Ministro do Comércio e Turismo; se é racionalizar o sistema empresarial do Estado nomear os gestores partidários, alguns dos quais são inimigos declarados das nacionalizações e estão ligados aos monopolistas; se é racionalizar o sector empresarial do Estado deixar que ainda hoje não se saiba como é que vai ser abastecida em carvão a termoeléctrica de Sines - e a este respeito o Sr. Ministro da Indústria e Energia poderá dar uma resposta. Como é que esse carvão vai ser abastecido pela Marinha Mercante Nacional? É racionalizar o sector empresarial do Estado prever a construção de 12 barcos até ao ano 2000? E é racionalizar o sistema empresarial do Estado deixar que, por exemplo. a Companhia Nacional de Petroquímica se abasteça da nafta química do estrangeiro, enquanto que tem ali ao lado a PETROGAL que a fabrica e, porque não há acordo entre os diversos conselhos de gestão, tem que a enviar para o Norte quando, inclusivamente, está feito um pipe-line? É esta a coordenação do Estado? Em 8 meses o seu governo nada pôde fazer para racionalizar o sector empresarial do Estado? Depois, fazendo o mal e a caramunha, vem dizer que esse sector dá prejuízo.
O Sr. Ministro considera que é racionalizar o sector empresarial do Estado os financiamentos da banca às sociedades financeiras a juros bonificados - que são um perfeito escândalo - quer à Mello-Deutch-Morgan. quer à Sociedade Portuguesa de Investimentos?
Quanto à política regional, o Sr. Ministro veio aqui falar na "galinha de ovos de ouro" da CEE, e até nos fez lembrar aquelas famosas auto-estradas e vias rápidas do tempo da prioridade das prioridades do Dr. Freitas do Amaral, que o povo português conhece e que estão feitas, a começar pela de Braga-Famalicão.
Mas, Sr. Ministro, quanto aos fundos regionais, aos fundos da CEE, V. Ex.ª faz umas estimativas e não conta com a Espanha? Faz umas estimativas daquilo que se tem de pagar? O Sr. Ministro não conhece estudos - que, aliás, se estivesse presente o Sr. Primeiro-Ministro os podia fornecer - de que Portugal é um contribuinte líquido em relação à CEE e que, inclusivamente, o dossier financeiro não está negociado? Então que é isto senão distribuir falsas promessas?
Depois o Sr. Ministro referiu que o desenvolvimento regional depende também da política do Governo. Que desenvolvimento regional? O abandonar o ferro de Moncorvo? Vá lá dizer isso aos transmontanos! O não avançar com as minas de tungsténio? Vá lá dizer isso na Guarda, na Beira Interior! O deixar o projecto das pirites e da metalurgia do cobre? É isto que é o desenvolvimento regional? O não avançar com o projecto da beterraba sacarina? O deixar para as calendas o projecto do Alqueva? Grande desenvolvimento regional!
Em relação à CEE, o Sr. Ministro sabe muito bem que, mesmo no mercado comum, há cada vez maior disparidade pela lei do desenvolvimento desigual entre as regiões mais atrasadas e as mais desenvolvidas, e que este fosso se tem acentuado.
V. Ex.ª sabe bem que com a política de aumento de preços de primeira necessidade, com o aumento dos combustíveis e com o aumento já anunciado dos transportes, a pergunta que se tem de fazer é quando é que vai ser a próxima desvalorização do escudo e quando é que vai ser o aumento das taxas de juro que vem em seguida no ciclo vicioso que temos vindo a travar.
Para terminar, gostaria de recordar as palavras ontem proferidas pelo Dr. Almeida Santos no American Club, que são as seguintes: "Ao tomar conta do poder, o actual Governo sentou-se ao volante de um sistema em movimento correndo a velocidade crescente para o muro já na eminência do embate." E o Sr. Ministro das Finanças e do Plano acelera o carro! Acelera e trava: acelera nas medidas do CDS, trava-o na

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construção popular e vai conseguir esta grande proeza que é simultaneamente fazer resvalar o carro, gripar o motor -que é o seu segundo programa- e embater com o muro. E com certeza que o Dr. Almeida Santos está de acordo ...
Se fosse só o Governo não havia grande mal, mas o pior é que é o País!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raúl de Brito.

O Sr. Raúl de Brito (PS): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, V. Ex.ª disse que até Outubro próximo o Governo irá proceder a alterações estruturais no sistema bancário.
Perguntar-lhe-ia, Sr. Ministro, se está na perspectiva do Governo fundir ou integrar alguma ou algumas das instituições bancárias nacionalizadas e, em caso afirmativo, se esses estudos contemplam duas preocupações que reputo importantes: garantia da manutenção dos postos de trabalho, tendo em consideração a recente abertura do sector à iniciativa privada e a necessária informatização das operações bancárias; garantia da manutenção das instituições bancárias sediadas no Porto, nomeadamente o Banco Borges & irmão e a União de Bancos Portugueses.
Por último, aproveitaria esta oportunidade para muito claramente perguntar ao Governa quando é que, no cumprimento da lei, será activado o processo da nomeação de gestores representantes dos trabalhadores?

O Sr. João Amaral (PCP): - Mas como, se eles alteraram a lei?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, queria colocar-lhe duas ou três questões muita rápidas.
O Sr. Ministro voltou a falar na viabilização de empresas - tal como já tinha feito quando do seu discurso completo sobre a explicitação do conceito estratégico global da sua política -, nomeadamente de empresas que estejam viradas para a exportação e que possam aumentar a sua exportação.
A primeira questão que lhe ponho é, pois, a seguinte: as empresas que não estejam viradas para a exportação, mas para o mercado interno, não podem ser viabilizadas? Por que razão?
Por outro lado, o Sr. Ministro fala no seu programa de modernização e refere claramente que se trata de um programa, e não de um plano. Mas V. Ex.ª sabe que, pela Constituição, o Governo está obrigado a apresentar planos e, sendo assim, este programa de modernização deveria ser, em termos constitucionais, a plano de médio ou de longo prazo.
Portanto, o Sr. Ministro não pode dizer: "não faço planos, porque não os quero fazer! Faço programas!" A verdade, porém, é que a Constituição refere que V. Ex.ª tem de fazer planos e, por isso, pergunto: por que é que o Governo entende, e nomeadamente o Sr. Ministro das Finanças e do Plano neste caso concreto, que não tem de respeitar o texto constitucional?
Terceira questão: dentro desse programa de modernização, o Sr. Ministro aponta as chamadas fileiras industriais, fundamentalmente indústrias relacionadas com a florestação - a montante eucaliptizar o País, a jusante pasta para papel-, o complexa industrial relacionado com o turismo e a ocupação de tempos livres e, finalmente, as indústrias de tecnologia avançada, na domínio da electrónica e do tratamento da informação.
Isto é, os objectivos estratégicos do Sr. Ministro, em termos do desenvolvimento económico do País, são, par um lado, caminhar para indústrias poluentes e eucaliptìzar o País, por outra lado, numa segunda opção estratégica, vamos vocacionar-nos para o turismo e, finalmente - terceira opção -, vamos vocacionar-nos na fabricação de componentes electrónicos, porque não vamos ter a ideia de competir em termos de tecnologia com os países desenvolvidas.
E este o futuro que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano entende que deve ser dado à economia portuguesa?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, atingimos a hora do intervalo e faltam intervir 6 oradores em pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro.
Se não houver abjecções, vamos prosseguir os nossos trabalhos para que estes pedidos de esclarecimento e a respectiva resposta que o Sr. Ministro entender dar sejam feitos, finalizando assim esta parte a que se seguiria o intervalo.
Como não há objecções, passo a dar a palavra, para um pedido de esclarecimento, ao Sr. Deputado Amadeu Pires.

O Sr. Amadeu Pires (PS): -Sr. Ministro das Finanças e do Plano, ouvi com muita atenção a sua exposição e julgo que esta Câmara ficou com melhor informação no que respeita às linhas de orientação e estratégia do Governo referentes às transformações estruturais a fazer. Fiquei, no entanto, com uma dúvida quanto ao papel que, segundo o Governo, podem desempenhar as empresas públicas e, em particular, o sector empresarial do Estado.
A minha interpelação era no sentido de pedir uma explicitação mais clara de qual é, efectivamente, esse papel e como é que, no entender do Governo, as empresas públicas podem ser um factor importante para as transformações estruturais que se impõem, nomeadamente no sector industrial.

O Sr. Presidente: - Igualmente para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: queria apenas colocar algumas questões muito rápidas.
Não resisto à tentação de repor aqui uma questão que foi levantada sobre a oposição democrática e civilizada. Isto faz-me lembrar os jogadores de xadrez: "eu tomo-te a torre, tu limpas-me o bispo; fico-te com a dama, tu ficas-me com o cavalo" - e, no meia disto tudo, quem vai sendo desbaratado são os "peões"! É um pouco o que se passa nesta conversa entre o Governo e o CDS.

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Por outro lado, Srs. Deputados, há aqui um desequilíbrio: é que em todas as intervenções que se têm aqui ouvido, da parte particularmente do Sr. Ministro Álvaro Barreto, têm demonstrado uma tremenda falta de competência.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - E o que falta em competência excede em "ratice", em "manhice", mas realmente nem esclarece nada, nem responde aos problemas concretos do País e da sua economia.
O Sr. Ministro disse, por exemplo: "Terei muito prazer em mostrar mais tarde quem tinha razão quanto ao desmantelamento da EPAC." Esta faz-me lembrar aquele dilema: "Jogo-me ao poço, ou não? Depois de estar afogado, logo se vê quem tinha razão!" Isto não são respostas que se dêem!
Aquilo que o Sr. Ministro aqui não pode trazer são justificações, técnicas e económicas, que provem a mínima racionalidade na transferência do comércio da importação de cereais de uma empresa pública para uma multinacional! Isto é que o senhor, de certeza, não tem a mínima capacidade de demonstrar!
Por outro lado, falou-se, e nomeadamente o Sr. Ministro das Finanças e do Plano referiu-0, que o desenvolvimento da agricultura é importante. A este respeito, queria apenas perguntar isto: decorridos 9 meses, o que é que o Governo já tem em matéria de ordenamento agrícola deste país? O que é que tem feito em matéria de estratégia, planeamento e selectividade de produções? O que é que tem feito em matéria de reestruturação do mercado, aquele mercado que efectivamente tem sido responsável pela permanente descapitalização do sector primário?
Caberia aqui perguntar, já que a primeira grande medida sobre as estruturas de mercado foi atacar a EPAC - tal como já atacaram a AGA e o IAPO se serão as empresas públicas as responsáveis pela especulação, pela parasitagem, pelo saque da mais-valia que é feita ao sector primário, pelos mecanismos inflacionistas?
Será, efectívamente, aqui que estará a prioridade para resolver os problemas estruturais da agricultura e do mercado? Isto é profundamente ridículo, e essas conversas servem, certamente, para ignorantes, não para pessoas minímamente ínformadas com isto.
Estamos a brincar à política, a brincar com a economia e com os destinos deste país!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Uma voz do PSD: -Não estamos nada!

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro do Comércio e Turismo pede a palavra para que efeito?

O Sr. Ministro do Comércio: - Apenas para dar uma resposta ao Sr. Deputado que acaba de intervir. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro deseja fazer um protesto?

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Exactamente, Sr. Presidente. Queria fazer um protesto em relação às palavras proferidas pelo Sr. Deputado Rogério de Brito.

Queria apenas dizer ao Sr. Deputado Rogério de Brito que devia estar altamente distraído, porque na devida altura teve ocasião de fazer as perguntas e não as fez, apesar de me ter colocado à disposição dos Srs. Deputados para esse efeito. Vem agora dizer essas coisas, quando a altura já está ultrapassada ...

O Sr. Rogério de Brito (PCP): -- E que as asneiras só vieram depois!

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Não percebi. E capaz de repetir novamente se faz favor?

O Sr. Rogério de Brito (PCP): -Estou a dizer-lhe que as asneiras só vieram depois, portanto não podia ter colocado estes problemas antes!

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - V. Ex.ª, ao referir-se a asneiras, está a reportar-se às palavras que acabou de proferir, com certeza!

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Estou a referir-me às palavras do Sr. Ministro, que são mais do que ignorantes, são maldosas e atentatórias deste país!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rogério de Brito, peço-lhe o favor de terminar.
O Sr. Ministro do Comércio e Turismo poderá fazer um protesto, visto que o seu nome foi referido na intervenção do Sr. Deputado Rogério de Brito.
Entretanto, para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): -Sr. Ministro das Finanças e do Plano, na intervenção que V. Ex.ª proferiu, e ao enunciar as linhas gerais de um programa de acção a médio prazo, referiu-se abundantemente ao condicionante que representa a adesão de Portugal às Comunidades Europeias, que o Sr. Ministro espera - como nós esperamos - que venha a ocorrer entretanto.

O Sr. Ministro sabe que o meu partido tem apoiado todas as diligências que o Governo tem feito no sentido de acelerar as negociações de adesão, pois não há divergências nessa matéria.

Aliás, V. Ex.ª, pessoalmente, representa neste processo de negociações. e da parte portuguesa, um elemento permanente - e mais uma vez se verifica que a permanência e a estabilidade têm, em política. algumas vantagens - e daí talvez que V. Ex.ª tenha conseguido alguns êxitos recentes na negociação, como seja o plano especial de apoio à agricultura portuguesa.

No entanto, creio que a questão da adesão de Portugal às Comunidades Europeias no dia 1 de Janeiro de 1986, sendo desejada e constituindo uma esperança que partilhamos com o Governo, não é uma certeza, pois não depende só de nós, nem depende, porventura mesmo, da única vontade da Comissão das Comunidades, mas sim da resolução de algumas graves questões internas por parte das próprias Comunidades.

O que pergunto é o seguinte. Sr. Ministro: se realmente - e infelizmente - não for possível a adesão

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em 1 de Janeiro de 1986, não haverá, por isso, programa de médio prazo? Isto é, em que medida é que o Governo tem preparadas alternativas, no caso de a hipótese desejável da adesão não se verificar, possibilitando nesse caso algumas perspectivas de esperança para os Portugueses?
A segunda questão que lhe queria colocar tem a ver com a enunciação que aqui fez das vantagens, em ternos financeiros, que decorrem para Portugal da adesão às Comunidades Europeias.
V. Ex.ª referiu, pormenorizadamente, estimativas das contribuições dos vários fundos comunitários para a economia portuguesa, mas omitiu, no entanto, quais as contribuições de Portugal para o orçamento das Comunidades.
Julgo que se trata de matéria que importa esclarecer, e não só em tenros absolutos como, fundamentalmente, em termos de algumas derrogações do acyuis communautaire que o Governo Português tenha já obtido nas negociações mais recentes, derrogações essas que possam permitir que durante um período transitório a contribuição de Portugal seja aligeirada.
No entanto, creio que aquilo que o País gostaria de saber - e que seria oportuno que soubesse - tem a ver com uma ideia de qual será, nos primeiros anos, o saldo desta adesão.
Penso que com esta questão dou oportunidade ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano de ser um pouco mais preciso nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Há ainda 3 Srs. Deputados inscritos para pedidos de esclarecimento, mas como não se encontram na Sala de momento, passo a dar a palavra ao Sr. Ministro ...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença. Sr. Presidente? Gostaria de interpelar a Mesa, se mo permitisse.

O Sr. Presidente: - Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, estava inscrito para pôr algumas questões ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano, pela minha bancada, o Sr. Deputado Luís Barbosa. Como este nosso companheiro de bancada teve de sair da Câmara por motivos inadiáveis, pediu para atrasar um pouco mais a sua intervenção, na convicção de que o pedido de esclarecimento a fazer e a respectiva resposta se prolongariam para além do intervalo.
Pediria, portanto, à Mesa que o Sr. Deputado Luís Barbosa ficasse desde já inscrito para fazer uma intervenção no período que se seguisse às respostas que o Sr. Ministro entenda dar aos pedidos de esclarecimento que lhe foram dirigidos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, devo informá-lo de que, no entendimento da Mesa, os Srs. Deputados que se encontram inscritos poderão, após o intervalo, fazer as perguntas ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Então fica assim. Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como há pouco referi, procurarei agregar algumas questões que diferentes Srs. Deputados me colocaram sobre temas coincidentes ou paralelos, uma vez que se verificou na prática que isso é possível e conveniente já que há perguntas que tocam terrenos sobrepostos.

Começando, tanto quanto possível, por ordem cronológica, o Sr. Deputado Pinheiro Henriques tocou um ponto análogo ao focado pelo Sr. Deputado Luís Beiroco e que se pode sintetizar da seguinte maneira: se de facto o Governo está a elaborar a sua estratégia de médio prazo na base da adesão à CEE em Janeiro de 1986, o que é que se passará se isso não acontecer? Isto é, que alternativa?
Por outro lado, o Sr. Deputado Pinheiro Henriques perguntava ainda como é que se previne o colapso da adesão plena sem restrições.
Comecemos por esta última questão. Recordo-lhe Sr. Deputado, que, como V. Ex.ª sabe, não há adesão plena sem restrições, de modo que é essa, precisamente, a função das negociações de adesão. Aliás. V. Ex.ª também sabe que essas negociações se prolongam há mais de 5 anos, que constituem um processo complexo e demorado e, consequentemente, é da própria essência do processo de negociação encontrar as derrogações que permitem, quer ao Estado candidato, quer à Comunidade, absorver os riscos e eventuais choques desse processo de adesão.
Portanto, não há, nem nunca houve, uma adesão sem restrições. O que há, isso sim, é a adesão de pleno direito que institui um Estado cromo membro de pleno direito. Mas, precisamente, a natureza dos períodos de derrogação e dos períodos transitórios são para introduzir as restrições que evitam situações de descontrole, quer da economia do Estado candidato, quer da economia da Comuidade.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que, como e óbvio, nenhum Estado candidato, nem os do primeiro alargamento, nem depois a Grécia, Portugal e a Espanha, fez qualquer negociação no sentido de programar o respectivo colapso da sua economia.
Quanto ao problema das alternativas, gostaria de o tratar em conjunto, já que ambos os, Srs. Deputados que referi o colocaram, e ao mesmo tempo gostaria de pedir à Câmara que entendesse bem aquilo que foi digo. Estamos a programar, na base daquilo que entendemos ser um pressuposto razoável e suficientemente seguro. E mais: entendemos que esse pressuposto, além de ter uma probabilidade suficiente para servir como base de programação, permite resultados melhores que outras alternativas.
E esta toda a lógica do pedido de adesão. E esta, sobretudo, a razão de ser económica desse pedido e a lógica do que há pouco referi como sendo o conceito do binómio integração/desenvolvimento, conceito esse que não foi criado, nem concebido nestes últimos 9 meses.
Dito isto, é evidente que, espero bem - e devo dizer claramente que o refiro não só em nome do Governo, mas permitam-me também que o faça em meu nome pessoal, como cidadão -, espero bem, dizia, que essa má hipótese não se venha a dar, pois seria má - claramente má - para a economia portuguesa e para o futuro dos Portugueses.

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Se porventura viesse a dar-se a impossibilidade ou um atraso de tal modo longo da adesão de Portugal à CEE que fizesse com que ela perdesse conteúdo, certamente que haveriam outras alternativas, mas a opinião que o Governo forma - e aquela que eu próprio tenho como cidadão - é que seria uma hipótese pior para a economia portuguesa.
E não custa fazer ajustamentos em programas para implementar mecanismos de contracção. É mais importante, e é o futuro, manter o programa dentro dos limites que é possível prever, com margens de segurança - como nós, aliás, entendemos que temos - na linha que há pouco explicitei em termos gerais.
O Sr. Deputado Pinheiro Henriques perguntava também sobre uma questão concreta que foi aqui colocada por vários Srs. Deputados, num ou noutro aspecto complementar, respeitante às relações do Estado com as empresas públicas, em matéria de dívidas.
Temos elementos sobre esta matéria - aliás alguns casos foram aqui já referidos - e há, evidentemente, dívidas do Estado para as empresas públicas que, consoante as estimativas de cálculo e de acordo com os dados técnicos de que dispomos, rondam entre 140 e cerca de 200 milhões de contos. Nós estamos a procurar uma forma de resolver este problema, ainda que parcialmente.
Neste momento não estou em condições de avançar directamente nos pormenores, mas quero deixar claro à Câmara que o Governo está não só interessado -porque interessados creio que estiveram todos os governos da República - mas também empenhado em encontrar fórmulas de resolver este problema, que é um, entre outros, dos bloqueios financeiros da economia portuguesa. E não se deite, de forma nenhuma, o ónus primeiro sobre o Estado, segundo sobre as empresas públicas e ponto final. Isso não chega, é porventura uma perspectiva curta de vistas! É que há bloqueios financeiros generalizados na economia portuguesa e não me interessa neste momento discutir como, quando e quem os gerou.
O que me interessa é dizer claramente à Câmara que o Governo tem de enfrentar estes bloqueios financeiros. E os bloqueios financeiros hoje, com as taxas de juro existentes e que não são uma especialidade da economia portuguesa, transformam-se em bloqueios económicos, que não se resolvem discursando, mesmo quando - e retomo a ideia do Sr. Deputado Nogueira de Brito - o Governo vem prestar declarações à Assembleia da República.
O Governo vem à Assembleia da República debater os problemas nacionais, é o seu trabalho, é da sua responsabilidade fazê-lo, mas lamento não poder dizer-vos que os bloqueios financeiros se podem resolver com um discurso na Assembleia da República. Nós estamos aqui a dar a nossa explicação, estamos a explicitar a situação que nos é sugerida pelas interpelações, mas há um elemento importante no conjunto da economia portuguesa que é aqui aflorado, mas é - o apenas em termos parciais.
Por isso, Sr. Deputado Pinheiro Henriques - e creio que o Sr. Deputado Amadeu Pires também tocou no problema das empresas públicas -, este ponto da dívida do Estado às empresas públicas é um de entre outros bloqueios da economia portuguesa.
Verifico que o Sr. Deputado Carlos Carvalhas leu o texto que apresentei no Instituto de Defesa Nacional, porque referiu matéria que estava incluída nesse texto e a que eu não me referi hoje na exposição que fiz - aliás, ao referir matéria que não foi aqui abordada, isso significa que leu com algum cuidado. E a esse propósito V. Ex.ª disse que eu me tinha repetido, mas não me parece que queira exigir ao Governo tanta mutabilidade que mude de posição no espaço de algumas semanas! ...
Referiu o Sr. Deputado Carlos Carvalhas alguns pontos sobre a racionalização do sector empresarial do Estado. Julgo que alguns dos tópicos que referiu já foram abordados, e são elementos que têm a ver com o conjunto dos problemas deste sector, mas permitir-me-á que lhe responda que há outros elementos adicionais que também contam na sua reestruturação e que não são, de modo nenhum, apenas os 6 ou 7 que referiu.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): -São, são!

O Orador: - V. Ex.ª apontou até nalguns casos pormenores de organização técnica, que não são elementos que tenham uma importância directa em termos gerais. Designadamente quanto ao problema que referiu, e que tem, na verdade, alguma importância, relativo ao abastecimento da nafta química, certamente que outros colegas meus do Governo lhe poderão dar explicações com um muito mais profundo conhecimento de causa.

Referiu depois também aquilo que chamou a "galinha dos ovos de ouro" ou melhor -de acordo com a nota que tomei - "os ovos de ouro da CEE", que eu julgo ser uma má compreensão da sua parte, não me permitindo sequer qualificá-la de deliberada ou não deliberada.
O que está em jogo - e retomo um último ponto ate V. Ex.ª referiu e que, confesso, tive a oportunidade de conhecer, verificar e ter estudado - é o problema da desigualdade regional dentro da própria CEE. V. Ex.ª não traz a esta Câmara, creio eu, elementos grandemente inovadores. Nós sabemos como é que funciona o quadro geral da política de desenvolvimento regional na CEE, mas eu gostaria de dar um esclarecimento adicional. Os aspectos que referi resultam do simples funcionamento dos mecanismos internos da comunidade para os Estados membros, como desejo bem que Portugal venha a ser no dia 1 de Janeiro de 1986, e temos razões para crer que sim.
Assim, os montantes indicativos que referi -e tive o cuidado de o frisar repetidamente - são valores indicativos, são ordens de grandeza que se referem a montantes em velocidade de cruzeiro no período de plena adesão.
Gostaria agora, uma vez que um ou mais de entre os Srs. Deputados me pediram para o fazer, de precisar melhor alguns pontos adicionais. Primeiro, problema que várias países, Estados membros, têm encontrado da utilização plena dos recursos aos fundos comunitários a que têm direito e todos sabemos que há casos de dificuldade em absorver e utilizar os próprios recursos disponíveis.
Ora, isto significa um esforço muito grande e muito sério que é preciso fazer para criar na economia portuguesa capacidades de absorção dos recursos financeiros a que Portugal virá a ter direito no período de pós-adesão. E este não é um problema secundário da política económica portuguesa nos próximos 5 ou

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6 anos, porque a nossa experiência, bem como a experiência de outros países membros da CEE, mostra que é necessário um esforço muito grande, primeiro que tudo, de criação de projectos, depois de avaliação dos mesmos e de mobilização de recursos para poder absorver as possibilidades de acesso aos fundos comunitários de ordem estrutural.
E é por isso também que temos chamado a atenção e temos tomado iniciativas no sentido de preparar desde já os projectos que devem constituir a base para concretizar o direito de acesso, por parte de Portugal, aos fundos comunitários. Por exemplo, não estando isso ainda acordado, porque estamos em pleno processo de negociação, a própria possibilidade de cooperação administrativa no plano agrícola entre Portugal e a CEE - que nos permite ir avançando projectos para sarem implementados desde o primeiro dia da adesão e mutatis mutandis a possibilidade de mobilização de fundos em projectos ligados ao FEDR (Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional) não implica praticamente nada do lado da CEE, que se limita a conhecer e a avaliar os projectos, mas implica, por parte de Portugal, um grande esforço de mobilização de recursos, de preparação desses projectos, esforço que deve ser desencadeado antes da própria entrada em vigor do acordo. E antes "significa" desde já!
Na mesma linha gostaria de abordar uma questão paralela, que foi levantada pelo Sr. Deputado Luís Beiroco, relativa às transferências financeiras. Embora esta não seja matéria que estivesse agendada para ser discutida hoje e espero que tenhamos outra ocasião de, no Parlamento, analisarmos o quadro global dos problemas da negociação e da própria adesão, quero responder-lhe à pergunta que me fez sobre aquilo que se chama correntemente, na linguagem própria da negociação, o capítulo "orçamento", ou "os recursos próprios" que V. Ex.ª indirectamente abordou.

Ora, como sabe, neste momento não faz sentido falar na capítulo "orçamento" em termos claramente quantificados, na medida em que estão em jogo uma série de componentes fundamentais, tendo, desde logo, à cabeça a agricultura -daí eu ter compreendido a sua referência a eventuais derrogações que poderiam ainda vir a acontecer no acquis communautaire.

No que interessa falar - e Portugal fê-lo antes de este Governo tomar posse - é que, em primeiro lugar, não faz sentido que Portugal seja um elemento que não tenha uma transferência líquida estrutural de recursos e, em segundo lugar, que não faz sentido que esses elementos sejam elaborados antes de terminar negociações importantes em capítulos como por exemplo o capítulo da agricultura.

E é neste quadro, Sr. Deputado Luís Beiroco, que julgo que se enquadra a pergunta final que me fez quanto aos saldos relativos aos primeiros anos. Ora, como V. Ex.ª sabe, há exercícios numéricos sobre este problema, que não passam disso, são meros exercícios que têm sido repetidamente feitos, quer no quadro da comissão das comunidades, quer no quadro da delegação portuguesa às negociações, mas que, precisamente por serem apenas exercícios, me parecem não deverem ser tratados num quadro de assunção de realidades, como são certamente os pedidos que esta Câmara fez através da pessoa do Sr. Deputado Luís Beiroco.

E para terminar a resposta a esta questão gostaria de deixar claro perante esta Assembleia que um dos princípios-base da negociação em matéria do capítulo "Orçamento" -portanto de recursos financeiros da adesão de Portugal à CEE - é o de que Portugal, sendo o país mais pobre da Comunidade alargada, tem de ser um beneficiário líquido, em termos estruturais, de recursos transferidos para Portugal. Este é um ponto fundamental da negociação e é um princípio a aplicar na concretização da pós-adesão.
Seria uma, estultícia dizer que Portugal é um Estado membro, porque neste momento Portugal é um país candidato à CEE. E quando se está a falar de negociações, deve-se falar no futuro e diz-se "será"; depois, quando Portugal for um Estado membro, então o tempo do verbo deverá ser corrigido para o presente e dizer-se "é".
O Sr. Deputado Carlos Carvalhas referiu uma alegoria automobilística que eu não conhecia, mas, enfim, é uma alegoria como qualquer outra. Como eu não sou um automobilista particularmente interessado ...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Então não leu o que disse o Sr. Ministro Almeida Santos?

O Orador: - Estava eu a dizer que V. Ex.ª referiu uma alegoria automobilística e, como eu não sou propriamente um especialista nessa matéria, gostaria apenas de lhe dizer que, muito provavelmente, a solução não é acelerar o carro ou intensificar a velocidade, mas retirar o muro e controlar a velocidade e o carro. Essa talvez seja a solução correcta. Mas, enfim, em matéria de alegorias creio que não vale a pena continuarmos.
O que já vale a pena continuar a discutir é a afirmação de V. Ex.ª que, ainda falando de coisas parecidas com automóveis, referiu um aumento, ao que parece anunciado, dos preços dos transportes. Ora, não tive conhecimento de nenhum anúncio oficial por parte do Governo relativo a qualquer aumento dos transportes.
Mas, mais grave, o Sr. Deputado falou ainda em novas desvalorizações e em novos aumentos das taxas de juros, e sobre estes aspectos, que já dizem respeito a matérias da minha directa responsabilidade e competência, gostaria de dizer a V. Ex.ª que presumo que fez um esforço de imaginação que, devo apontar, é uma imaginação muito mais descontrolada do que o automóvel da tal alegoria automobilística de há pouco.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Deputado Raul Brito, do PS, perguntou se se iriam proceder a alterações estruturais do sistema bancário. Com certeza que sim, Sr. Deputado. O Governo hoje anunciou, pela voz do Ministro das Finanças e do Plano, o momento que, na nossa programação de trabalho, constitui o momento limite para proceder a alguns ajustamentos estruturais. Creio, no entanto, que no ponto em que se encontra o debate a nível do próprio Governo é preferível não adiantar mais sobre este aspecto. Se V. Ex.ª estiver de acordo, progressivamente irá recebendo as respostas às questões que pôs, pois julgo que é mais correcto, em termos de orientação do Governo, não estar neste momento a dar informações precisas sobre esta matéria porque ela está ainda sujeita a uma passagem, para discussão, no Conselho de Ministros, que ainda não teve lugar.

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De qualquer maneira, gostaria muito de dar ao Sr. Deputado Raul Brito a explicação principal desta minha atitude: é que o Ministro das Finanças e do Plano entende que não deve explicitar perante o Parlamento uma posição fundamental sobre matéria essencial da vida portuguesa antes de ela ter sido aprovada em Conselho de Ministros. Até lá agradecia que compreendesse que o Ministro das Finanças só poderá falar sobre esta matéria no Parlamento após o assunto ser aprovado em Conselho de Ministros, e não antes.
Responderei ao Sr. Deputado Octávio Teixeira, embora com alguma pressa porque já não disponho de tempo, relativamente a dois pontos que creio constituírem o essencial da sua questão. Primeiro, peço ao Sr. Deputado o favor de não pensar que alguma vez o Ministro das Finanças está na disposição de não cumprir o preceito constitucional em matéria de plano. Suponho, aliás, que isso foi dito e redito aquando da discussão do Programa do Governo.
O que nós estamos a preparar - e não só a preparar como a fazer - são programas operacionais que, no seu conjunto, darão origem oportunamente a um plano de desenvolvimento a médio prazo.

É isto, aliás, se bem me lembro, que consta do próprio Programa do Governo.

Portanto, ponto um, quando me referi aos três programas disse claramente - e lembro-me de o ter dito ainda há poucas horas - que se tratava de programas de vocação operacional; segundo, nunca esteve nem está em causa o que V. Ex.ª pôs como centro das suas atenções ao dizer que o Governo está obrigado a apresentar o plano pela Constituição. Com certeza que está.

Referiu ainda a viabilização das empresas, mas com certeza compreende que temos prioridades e que não podemos viabilizar milhares de empresas ao mesmo tempo, pelo que damos prioridade àquelas que têm uma vocação mais directa para a exportação.

Perguntava também V. Ex.ª quanto às fileiras industriais, certamente depois de ter lido outro texto que não o desta manhã, se é este o futuro. Eu dar-lhe-ia apenas uma resposta muito simples: não foi a isto que V. Ex.ª se referiu, basta que leia o texto de que falou, onde pode obter mais elementos adicionais e terá ainda oportunidade de ter outras informações na altura própria.
Sr. Deputado Amadeu Pires, respondo-lhe num minuto apenas para não agravar o défice de tempo do Governo. Quanto ao papel das empresas públicas e do sector empresarial do Estado na transformação da economia portuguesa, eu julgo que ele é importante e que tem de ser visto numa abordagem sem grandes emoções, mas com princípio, meio e fim em termos da lógica das empresas públicas.
Primeiro que tudo, as empresas públicas são empresas em que o Estado é o detentor do respectivo capital e têm um papel fundamental - aliás já por várias ocasiões tive ocasião de o referir - em termos complementares e estruturadores da economia. Não passa, como hipótese, pela cabeça de ninguém um processo anárquico ou irresponsável de destruição das empresas públicas. Julgo que isto não está, nem como hipótese, em nenhuma mente esclarecida.
As empresas devem ter, sempre que necessário, um papel complementar e estruturador da actividade económica.

Mas o que temos de ter presente é que o sector privado deve desempenhar um papel motor, dinamizador e criador no conjunto da economia. E é com essa dialéctica entre os dois sectores e com essa realidade objectiva, que é a existência de empresas públicas em sectores fundamentais, que temos de viver e trabalhar para o futuro.
Para terminar - e porque V. Ex.ª, Sr. Deputado Amadeu Pires, não me fez uma pergunta, mas suscitou um tema, e tratar esse tema demoraria horas e eu não tenho horas, tenho segundos -, gostaria apenas de retomar uma ideia colocada por V. Ex.ª É que, de facto, o conjunto do sector empresarial do Estado é, e continuará a ser, um elemento importante para a transformação da economia portuguesa. Disso não há dúvidas. O que há que fazer é dar ao sector empresarial do Estado as reais condições para desempenhar esse papel. E não são essas as condições com que esse sector tem funcionado, de forma a chegar à situação a que chegou. É nesse sentido - e creio que V. Ex.ª compreendeu bem a ideia fundamental que há pouco exprimi - que o Governo procederá neste semestre, de um modo geral, a ajustamentos importantes em termos de estruturas e de funcionamento das empresas públicas do sector empresarial do Estado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, para que efeito está a pedir a palavra?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Para um breve protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, tenho a dizer-lhe que anda um pouco distraído, porque a alegoria a que se referiu não é minha, mas do seu colega de governo Almeida Santos.
Queria ainda acrescentar que, pelo desastre que começa a desenhar-se, este governo nem na Prevenção Rodoviária vai ter lugar.

Vozes do PCP: -Muito bem!

Risos do PCP.

O Orador: - De facto, o que era preciso era desviar. Mas, o senhor acelera e trava. Vai gripar o carro, resvalar e embater contra o muro! ... E não é só o Governo. É o País! Há uma segunda questão relativamente à qual também está distraído, porquanto um ministro do seu governo já anunciou ontem na rádio - e foi publicado em todos os jornais - que em Abril os transportes vão aumentar 20%.
Certamente que daqui por uns meses vamos saber que as taxas de juro já aumentaram e o Sr. Ministro vem dizer-nos que ainda não teve conhecimento!
Digo isto porque com 30% de aumento da inflação e com a diminuição das taxas de juro lá fora, pela sua lógica - pela lógica monetarista -, a solução é a seguinte: as taxas de juro são negativas, há que aumentá-las e há que desvalorizar o escudo. A ver vamos!
Depois, agradeço-lhe muito ter confirmado que o Estado deve às empresas públicas 200 milhões de contos. Isto serve para calar uma certa imprensa e uma certa campanha.

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Seria bom que o Sr. Ministro referisse -porque é que ás empresas públicas foram obrigadas a contrair empréstimos externos -divisas para o Governo e agora são obrigadas a pagá-los a taxas muito superiores às das empresas privadas e sobretudo ao grande capital.
Por último, Sr. Ministro, seria honesto ou, pelo menos, mais objectivo que, quando aqui falou da CEE e dos benefícios do FEOGA, do FEDR, do Fundo Social, tivesse também aqui apresentado aquilo que, num balanço, Portugal tem de pagar à CEE e que se tivesse referido, por exemplo, ao estudo que está nas mãos do Sr. Primeiro-Ministro -que ainda é confidencial, mas que já apareceu na imprensa -, e que o Sr. Ministro tem obrigação de conhecer, até pela posição que tomou. Gostaria que o Sr. Ministro tivesse vindo informar esta Câmara com objectividade. É que os programas agrícolas a preços de 1980 são de 22,5 milhões de contos, as taxas aduaneiras que Portugal tem de pagar são no montante de 11,7 milhões de contos, a contribuição para o IBA é de 6,8 milhões de contos: é tudo negativo. Portanto, neste momento - é um cálculo objectivo a preços de 1980 -, temos um défice, isto é, uma contribuição negativa, de 16,1 milhões de contos.
Disse depois que eu não trouxe aqui nada de novo, quando disse que na CEE tem havido uma disparidade cada vez maior entre as regiões mais pobres e as regiões mais ricas. Pois eu não trouxe nada de novo. E então o Sr. Ministro vem falar aqui da CEE para o desenvolvimento regional!? Isso não é uma contradição?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder ao protesto. o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, suponho que é este o meu primeiro contraprotesto.
O Sr. Deputado Carlos Carvalhas voltou à alegoria e eu limitar-me-ia, em relação aos pontos que o Sr. Deputado referiu, a usar as suas próprias palavras: a ver vamos. Usaria exactamente a sua expressão: "A ver vamos. Depois logo veremos."
Quanto às disparidades em matéria de desenvolvimento regional e quanto aos saldos do capítulo de orçamento, agradeço muito as suas referências, mas devo dizer-lhe que conheço esses problemas há vários anos. E a resposta que há pouco explicitei ao Sr. Deputado Luís Beiroco é a mesma posição que agora assumo: entendo que neste momento não estamos em condições de discutir essa matéria, porquanto está a ser discutida uma outra.
Finalmente, gostaria de deixar claro - usando o último minuto - que V. Ex.ª fez um exercício de raciocínio em matéria de disparidades e desenvolvimento regional que, em minha opinião, não cabe em relação ao que foi dito esta manhã.
Não cabe porque está a baralhar dois problemas radicalmente diferentes: um é um problema de muito longo prazo, num quadro de economias quase todas elas relativamente desenvolvidas, num quadro de regiões dentro de Estados membros pobres versus regiões ricas de outros Estados membros e com uma experiência de décadas. 0 outro quadro é o de uma situação que interessa aos países candidatos, e o exemplo mais acabado e recente é o da Grécia ...

O Sr. Calos Carvalhas (PCP): - Está à vista.

O Orador: - . . nomeadamente em matéria de acesso aos fundos e de apoio que a CEE deu à economia grega.
Em termos portugueses o quadro é este: Portugal tem acesso a fundos -não estou a dizer que utiliza, mas que tem acesso a esses fundos, e utilizá-los ou não é problema dos Portugueses consegui-lo depois -, fundos que de outra maneira não receberia, independentemente de poder ou não agravar-se uma disparidade.
Creio que qualquer pessoa interessada nestas matérias que estude o problema sem paixão julgará - e eu julgo - que em matéria de desenvolvimento regional há uma oportunidade para a economia portuguesa de receber um impulso sério em termos de transferências de recursos.
Quanto ao outro problema levantado por V. Ex.ª, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, coloca-se nutra quadro que não é o quadro estrito de adesão de um país candidato, como a Grécia, como Portugal ou Espanha, versus os países já desenvolvidos da CEE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Vamos suspender agora os nossos trabalhos para o intervalo regimental. Recomeçaremos às 18 horas e 45 minutos.
Está suspensa a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 19 horas e 5 minutos.

Depois do intervalo, assumiu a presidência o Sr. Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, para vossa orientação, vou indicar o tempo ainda disponível de cada um dos grupos parlamentares e do Governo.
Assim, o Governo dispõe de 16 minutos, o PS de 54 minutos, o PSD de 60 minutos, o PCP de 30 minutos, o CDS de 28 minutos, o MDP/CDE de 19 minutos, a UEDS de 8 minutos e a ASDI de 20 minutos.
Tem agora a palavra, para um pedido de esclarecimento ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano. o Sr. Deputado Luís Barbosa.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): -Sr. Ministro das Finanças e do Plano, ao ouvir o seu discurso não posso, como sempre, deixar de reconhecer a vontade, a capacidade de trabalho árduo e as rectas intenções. Mas também não posso deixar de concluir - e digo-o por experiência própria - que nem sempre as rectas intenções do ministro encontram por baixo de si o braço executante com força suficiente.
Por isso, ficaram-me algumas dúvidas sobre a possibilidade de cumprir um programa tão ambicioso, de tão difícil percurso e para o qual há que vencer tantas dificuldades ao nível administrativo, e até ao nível político.

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Quero afirmar que respeito integralmente as dificuldades que este Governo está a enfrentar. Seria ilógico que o não fizesse.
Referi, nesta mesma Assembleia, em 1980 e em 1981, que na década de 80 o País e os seus governantes seriam confrontados com as leis da aritmética. Referi também que o problema do sector público acabaria por resolver-se por redução ao absurdo.
Julgo que este Governo, mais que todos os outros - naturalmente por ser o último -, está confrontado com a rigidez das leis da aritmética, que começam a ser inultrapassáveis, e com a redução ao absurdo do actual sector público estatal.
Desde 1978 que o CDS vem propondo a diferentes governos medidas e soluções concretas para sanear o sector público sob o ponto de vista financeiro e até económico.
E desde 1978 até este momento, o CDS não conseguiu fazer vingar os seus pontos de vista.
Começa-se agora a ouvir falar de soluções que, de facto, foram apresentadas pela primeira vez em 1978 a um governo onde o Partido Socialista era maioritário. É óbvio que em 1984 os problemas ganharam uma dimensão completamente diferente e sdo hoje de uma gravidade extrema.
O Sr. Ministro referiu que a primeira grande tarefa tinha sido a de travar o descalabro da economia. Mas receio que esta afirmação corresponda apenas a travar o descalabro cambial iminente, porque, vivendo na economia dia a dia, não sinto que tenhamos conseguido até agora -e infelizmente o afirmo - travar o descalabro em que estamos a cair.
O Sr. Ministro, como macroeconomista competente e lúcido que é, sabe que no domínio dos agentes económicos as expectativas são, realmente, problemas e aspectos fundamentais para resolver uma crise económica.
E neste momento as expectativas dos agentes económicos são as mais negativas que já encontrei ao nível dos meus 50 anos de existência. De facto, as pessoas esperam o pior. Não têm, rigorosamente quaisquer horizontes à sua frente, não sabem como resolver os seus problemas, vêem-se a caminhar para a ruína de uma forma imparável e sem encontrarem, sequer, alguém com quem dialogar ou com quem dialogar de uma forma construtiva e que conduza a soluções.
É evidente que este governo, como os governos anteriores, fizeram um esforço para conter as despesas do Orçamento do Estado.
Mas quem acompanha a evolução dos diversos serviços sabe que neste ano, como em anos anteriores, não vai ser possível conter as despesas públicas ao nível daquilo que foi projectado no Orçamento. São vários os sectores onde isso é evidente e não vamos conseguir fugir a esta realidade. As despesas públicas reais e as clandestinas, que aparecem todos os dias e surgem de todos os lados, vão de certeza tornar o Orçamento muito mais pesado do que efectivamente se projectou à partida.
Isto não é nada de novo e tem acontecido sistematicamente.
O Sr. Ministro falou da racionalização do sector empresarial do Estado. Seguramente desde 1976, mas com maior certeza desde 1978, todos os governos têm falado de racionalização do sector empresarial do Estado.

O que é certo é que estamos onde estamos. A vontade existe, o problema está em saber-se se ela vai fazer-se ou não.
É evidente que o Governo deve gozar do benefício da dúvida. Mas, julgo que a tal redução ao absurdo a que o sector público está a ser submetido está a atingir os limites daquilo que é possível para qualquer país. O que está em causa e que era bom que os defensores do sector público reconhecessem é que na maior parte dos casos o sector público está à beira da ruína total e a partir daí não tem reprivatização possível. Não tenhamos dúvidas de que há empresas do sector público em que não vai milagrosamente aparecer algum sector privado a salva-las. Há que salva-las como sector público, mas há que ter coragem de apresentar as contas ao povo português e de dizer que é pelas receitas fiscais que os prejuízos gerados vão efectivamente ser cobertos.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - E o senhor é um dos culpados disso!

O Orador: - Sr. Ministro, gostaria de dizer que, hoje, gerir empresas é um desafio à razão e à racionalidade.
De facto, gerir empresas é uma actividade essencialmente pragmática e hoje deixou de o ser. É, ao fim e ao cabo, uma actividade de sobrevivência diária, em que todos os dias se tomam opções entre resolver problemas que muitas vezes são impostos aos próprios gestores por via judicial ou pagar salários. E é evidente que um sistema político que começou em 1974 por financiar indiscriminadamente salários -isto é, desde que se apresentasse à banca uma folha de salários esta emprestaria o dinheiro correspondente - vai terminar exactamente pela situação inversa: todos os credores estarão em primeiro lugar e os salários e os trabalhadores ficarão sempre no fim, o que humanamente não é aceitável.
O Sr. Ministro falou da nossa entrada para a CEE em 1986. Sem sombra de dúvida que é uma grande opção. Mas para aproveitar os fundos estruturais da CEE é preciso ter projectos.
E eu gostaria de lembrar ao Sr. Ministro que nos últimos anos a grande dificuldade não tem estado em aproveitar os recursos existentes, mas sim em ter projectos para aproveitar esses recursos.
Não creio que estejam criadas condições suficientes para podermos alterar esta dificuldade.
No que respeita à inflação, julgo que é evidente para todos que, realmente, as condições de vida dos portugueses estão a piorar. Isso é uma evidência que não vale a pena negar, pois não são precisos números para isso. Mas não me parece clara uma opção do Governo entre conviver com a inflação ou deflacionar. Apesar de tudo, e para além de alguns nós-cegos criados pelo nosso sistema político, penso que esta é a questão crucial da nossa economia a médio prazo.
Vamos conviver com a inflação e adaptarmo-nos a ela ou vamos deflacionar?
Sem este problema estar decididamente resolvido, não saberemos qual o caminho que, efectivamente, vamos trilhar.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Barbosa.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª não pode pedir esclarecimentos aos pedidos de esclarecimento que o Sr. Deputado Luís Barbosa solicitou ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Presidente. nesse caso gostaria de me inscrever para uma intervenção, uma vez que a intervenção do Sr. Deputado Luís Barbosa impõe que eu faça uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Certamente. Sr. Deputado, V. Ex.ª fica inscrito.
Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente, pareceu-me que haveria ainda 3 oradores inscritos para me pedirem esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Ministro, mas não se encontram presentes.

O Orador: - Nesse caso, responderei ao universo. uma vez que o universo é o Sr. Deputado Luís Barbosa. E um daqueles casos em que o primado da qualidade não põe em causa o primado da quantidade.

Risos.

Sr. Deputado Luís Barbosa, fiquei com algumas dúvidas em relação à sua intervenção, até porque não sabia se se tratava de uma intervenção ou de um pedido de esclarecimento, pois que de início pareceu-me tratar-se de unia intervenção.
V. Ex.ª referiu-se a 3 ou 4 pontos fundamentais. Particularmente, V. Ex.ª referiu-se a um ponto que é uma lembrança de experiência própria, ou seja, a relação entre a vontade e o braço executante, que presumo ser uma espécie de reflexão histórica. Devo dizer-lhe já que não faço essa reflexão histórica por duas razões: em primeiro lugar, porque a história ainda não se consumou e, em segundo lugar, porque não é a opinião que tenho neste momento. Mas. deixemos as reflexões históricas para outra ocasião.
Folgo muito por ouvir o Sr. Deputado Luís Barbosa, deputado do CDS, falar num programa ambicioso do Governo. Trata-se de uma mudança de posição face a outras atitudes, como seja a de que o Governo não tem estratégia, não tem um discurso de esperança, não diz o que é que faz. Se V. Ex.ª pensa que o Governo tem um programa ambicioso, pois essa é a matéria sobre a qual não há motivo para que o Governo fique preocupado, porque Deus nos livre de governos que não tenham programas ambiciosos. Mais do que isso, Deus nos dê governos que concretizem os programas que traçam. Aliás, há nessa matéria algumas razões para esperança.
V. Ex.ª referiu depois outro tópico, que é a conjugação de 2 conceitos, ambos reais e objectivos: um deles, mais evidente, é o das leis da aritmética - normalmente 2 mais 2 são 4 -, e outro é o da redução por absurdo.
Julgo que aqui há uma solução que não é exactamente aquela que V. Ex.ª referiu, ou seja, penso que os problemas, por esta ou por aquela via, por esta ou por aquela actuação, geram-se, existem, pelo que competirá a alguém resolvê-los. Suponho que é essa a tarefa que este governo tem à sua frente, isto é, resolver esses problemas.

Ainda no quadro introdutório, com que V. Ex.ª apresentou a sua intervenção, referiu-se - e muito bem - aos problemas das expectativas. Estas não são geradas momentaneamente, requerem tempo de desfazamento para se alterarem. Creio que as expectativas que V. Ex.ª referiu são aquelas que agora -e há alguns meses - existem.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, V. Ex.ª esgotou o tempo de que dispunha. Queira terminar, por favor.

O Orador: - Sr. Presidente, na verdade esgotei o tempo de resposta, mas não esgotei a resposta, pelo que solicito à Mesa que desconte no tempo de que o Governo ainda dispõe o tempo que levarei a terminar.

O Sr. Presidente: - Assim se fará. Sr. Ministro, tanto mais que o Governo ainda dispõe de algum tempo, embora não muito.
Queira terminar, Sr. Ministro.

O Orador: - As expectativas que V. Ex.ª, Sr. Deputado Luís Barbosa, retratou não são uma fotografia, o retrato não é estático, é antes um filme. E o filme das expectativas que dá neste momento esta imagem já tem uma duração relativamente longa e que já leve várias partes. Parece-me que é um pouco forçado, pelo menos, misturar o filme com a fotografia. O filme vai continuar e as expectativas vão alterar-se e no sentido positivo do futuro da economia portuguesa.
V. Ex.ª referiu-se ainda a 2 tópicos quando nas reflexões introdutórias abordou os problemas sobre os quais queria pedir esclarecimentos.
O primeiro deles já aqui foi abordado. mas creio que V. Ex.ª não estava presente, pelo que sintetizarei o que já foi dito. Dizia V. Ex.ª - e muito bem que para aproveitar o recurso a fundos da CEE é necessário haver projectos, com o que eu concordo plenamente. Mas, para que haja projectos é preciso que haja a iniciativa e o dinamismo na economia para os criar. E nesse sentido que nós estamos a trabalhar.
Finalmente, suscitou V. Ex.ª uma pergunta clara e em alternativa. Sobre essa alternativa quero dar a V. Ex.ª uma resposta tão clara quanto a pergunta que formulou: não vamos conviver com a inflação, o Governo não segue essa orientação, o Governo combate a inflação, o Governo controla a inflação e o Governo fará a gestão da economia em termos de corrigir os níveis exagerados de inflação com que o Governo se deparou.
O Sr. Deputado colocou-me uma pergunta concreta, em termos de alternativa da orientação da política do Governo. Ora. a orientação é inequivocamente esta: o Governo não seguirá uma política de convivência com a inflação.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção. tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Sr. Presidente. Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O debate de hoje, sobre a política económica do governo PS/PSD, realiza-se no momento em que já nem ao próprio

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Governo é possível esconder a profunda agudização da crise económica e social que atinge o País.
Mas igualmente no momento em que as forças mais retrógradas, golpistas e reaccionárias da sociedade portuguesa, com o apoio activo de membros do Governo e a complacência do PS, se propõe desferir a mais brutal ofensiva contra as nacionalizações e o sector - público da economia, falam já abertamente na ruptura com a Constituição da República no âmbito da organização económica, pondo em causa o regime democrático-constitucional.
O Vice-Primeiro-Ministro, Mota Pinto, afirma, publicamente, e com a falta de pudor habitual, que a entrada e manutenção do PSD na coligação governamental se justifica, e tem a sua razão de ser, com o objectivo de "fazer algumas coisas que a AD devia ter feito e não fez", designadamente no que respeita à destruição da Reforma Agrária, à reprivatização das empresas nacionalizadas e à subversão das leis laborais.

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: - O Ministro das Finanças e do Plano, Ernâni Lopes, apresenta como elemento teórico da sua estratégica a clarificação das "regras do jogo" no sistema económico no sentido da sua liberalização, reduzindo o peso do Estado "..., pondo em evidência, de uma vez por todas, a função básica da empresa privada ... ".
O Ministro Veiga Simão anuncia ir propor ao Governo a revisão da Constituição económica e, entretanto, tenta impor uma aberrante interpretação do texto fundamental que permita violar o princípio constitucional da irreversibilidade das nacionalizações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Ministro Álvaro Barreto, considerando delirantes as teses de que sem revisão não se pode fazer nada, não só vai adiantando trabalho como acaba de confessar o intuito da entrega da gestão de empresas públicas ao sector capitalista, o que é inconstitucional. A revisão da Constituição clarificou insofismavelmente este aspecto.
O CDS sabe-o e interpela o Governo para representar o seu caderno reivindicativo de nova e urgente revisão constitucional que consagre tudo aquilo que em 1982 a AD viu rejeitado, de imediatos desmembramento do sector público da economia e reprivatização das empresas nacionalizadas, de destruição da Reforma Agrária (para o que já apresentou um projecto de lei), da eliminação dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores.
De facto, perante um governo que abriu a banca e os seguros ao grande capital, que quer liquidar a AGA, a EPAC e outras estruturas de intervenção, abrindo campo às multinacionais, um governo que liberaliza os preços e realiza a política do grande capital, só poderia ser interpelado pelo CDS, não para mudar de rumo, mas para andar mais depressa.
A razão desta orquestração de posições e acções reside na tentativa de restabelecimento daquilo a que alguns vão chamando de "primado do sector privado", outros de "nova liderança da economia", num caso e noutro simples eufemismos, para significar a restauração do capital monopolista. Restauração capitalista que pretende impor um impasse no plano institucional e uma situação de ruptura no plano económico, com o desmembramento do sector público da economia como potencial centro de acumulação determinante do desenvolvimento económico.
Como pretensa justificação, os sectores mais conservadores e reaccionários apontam o sector empresarial do Estado como o bode expiatório dos males da economia, condenando-o e vilipendiando-o, para realçar as virtudes do sector capitalista e do liberalismo económico. Virtudes fantasmas que não conseguem demonstrar, pela positiva e na prática, e que são claramente desmentidas peios resultados a que conduziu a "nova-velha liderança económica" do grande capital durante 50 anos de fascismo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: -Atacam as empresas públicas pela sua situação económica e financeira, divulgam números de forma premeditada e objectivamente equívoca, parcial e não fundamentada. Chegam ao ponto de confundirem, ou passivamente deixarem confundir, passivos com prejuízos. Isto é inaceitável.
Mas quem são os principais responsáveis? Não são os governos que tutelam as empresas, que nomeiam os gestores, que autorizam e impedem investimentos? Que. responsabilidades, e grandes, não tem aqui o CDS?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Todas!

O Orador: - Que autoridade moral assiste a ex-ministros das Finanças, como Cavaco e Silva, Morais Leitão, João Salgueiro, para se arvorarem em acusadores dos desequilíbrios financeiros das empresas públicas?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nenhuma!

O Orador: -Foram eles que as obrigaram a recorrer ao crédito externo, como forma de financiarem os défices da balança de transacções correntes. Foram eles que, com a política de desvalorização cambial, lhes aumentaram fortemente o peso da dívida em escudos e originaram o aumento galopante dos respectivos encargos financeiros.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Foram esses e outros ministros, como Álvaro Barreto e Basílio Horta, que fixaram preços de bens e serviços produzidos pelas EP's com base em critérios alheios a qualquer óptica empresarial - sem as correspondentes indemnizações compensatórias - que impediram e retardaram actualizações de preços justificados pelos aumentos dos custos.

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: - Foram eles, e outros por eles nomeados, que progressivamente bloquearam o sector público produtivo, descapitalizando-o, endividando-o e utilizando-o como instrumento de políticas económicas conjunturalistas, que sempre procuraram impedir que o sector empresarial de Estado desempenhasse

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o papel de motor da economia e que sempre o geriram na perspectiva da sua reprivatização a prazo.
E o actual Ministro das Finanças pretende esquecer que, só conta a sua desvalorização de 23 de Junho passado, aumentou a dívida das EP's em 200 milhões de contos?

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Estamos, de facto, perante uma campanha orquestrada que visa recuperar para o grande capital, clara e abertamente, os centros privilegiados de acumulação e centralização capitalista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os males de que a economia nacional padece, a crise profunda que atinge quase todos os sectores de actividade e a generalidade das empresas públicas e privadas, tal como o profundo agravamento das condições e nível do vida dos Portugueses, tem como causa real a política económica dos últimos anos. Dirigida não para a recuperação económica, mas para a centralização rápida, brutal e ilícita, nas mãos do grande capital, da mais-valia criada no País, dos meios financeiros disponíveis, dos recursos e bens do Estado. É numa verdadeira cruzada de espoliações e de centralização forçada que conduz aceleradamente o País ao desastre. A responsabilidade da crise e do seu aprofundamento assenta numa política exclusivamente monetarista, sem qualquer enquadramento com as necessárias medidas estruturais, conduzida por forças políticas empenhadas na defesa dos interesses do grande capital nacional e multinacional.
Uma política que o actual Ministro das Finanças pretende justificar com a necessidade imperiosa de restabelecer equilíbrios fundamentais da economia. Mas que equilíbrios, Sr. Ministro? O desequilíbrio das contas externas, para o qual, aliás, o PCP vem alertando desde 1976, não tem existência autónoma. Decorre fundamentalmente do desequilíbrio fundamental entre a produção e a procura. É este o equilíbrio determinante que é necessário procurar. Mas equilíbrio a um nível acrescido da produção e não, como o Governo está a fazer, a um nível cada vez mais baixo da produção, do investimento e do consumo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Do mesmo modo, o equilíbrio no aproveitamento dos recursos nacionais, designadamente dos recursos humanos, só se consegue com o investimento e o desenvolvimento articulado do mercado interno, com a criação de postos de trabalho e não com o desinvestimento, o desaproveitamento dos recursos naturais e o aumento acelerado do desemprego.
Assim como o desequilíbrio empresarial não resulta de um nível alegadamente elevado dos salários, ou do hipotético, e nunca provado - por ser impossível -, consumo exagerado dos trabalhadores em detrimento do investimento. O desequilíbrio económico e financeiro da generalidade das empresas públicas e privadas, o que pesa sobre o investimento e os custos de produção, é a enormidade dos custos financeiros, o desvio de recursos da área produtiva para a especulação e a insuficiência dos mercados, designadamente a redução permanente do mercado interno.
A este propósito a experiência dos últimos anos é por demais categórica. A redução brutal dos salários reais e os aumentos de produtividade do trabalho não conduziram à dinamização do investimento e da produção. Mas a transferência de recursos, que assim foi conseguida, para o sector capitalista, aumentou os movimentos especulativos, a sub e sobrefacturação e os consumos supérfluos das camadas privilegiadas. A causa fundamental da crise e do seu agravamento reside afinai numa política de recuperação capitalista, cuja defesa assenta eram meros sofismas. Veja-se o sofisma do papel e da intervenção do Estado. Dizem que querem reduzir o papel do Estado. Mas o que querem é a redução ou anulação da intervenção positiva do Estado na economia. E exigem o reforço da sua intervenção negativa no âmbito da legislação laboral no ataque aos direitos e garantias dos trabalhadores e das suas organizações de classe. Ou ainda outro, o sofisma da concorrência. Dizem que querem estabelecer a concorrência, mas o seu objectivo é a substituição do Estado pelas associações do grande patronato - como sucedeu com os produtos de cafetaria -, a substituição do exclusivo de empresas públicas por monopólios multinacionais (como está a suceder na importação do açúcar, com a substituição da AGA pela multinacional britânica Tate & Lyle).
E que novo conceito de concorrência é esse que leva os gestores governamentais da banca nacionalizada, com o apoio do Governo, a concederem financiamentos a taxas preferenciais às sociedades de investimento, permitindo assim, e só assim, que estas possam concorrer com a mesma banca na concessão de crédito?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O combate à crise, a recuperação económica e o desenvolvimento no Portugal de Abril só é possível no quadro do respeito e apoio às formações económicas constitucionalmente consagradas, tendo em conta as suas potencialidades e dinâmicas próprias, salvaguardando e consolidando a independência nacional e tendo por objectivo a melhoria das condições de vida dos Portugueses.

Aplausos do PCP.

Não é este o interesse do CDS e do PSD nem é esse o caminho trilhado pelo actual Governo, mas é esse inequivocamente o interesse de Portugal e o desejo da grande maioria dos Portugueses.
O recrudescimento do movimento popular, a que hoje assistimos, é a garantia de que a actual política tem os dias contados.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, o PCP, que durante meses protestou dentro e fora desta Câmara contra a revisão constitucional, não tem qualquer legitimidade para vir agora defender a Constituição, contra a qual votou.
Protesto ainda porque o Sr. Deputado Octávio Teixeira fez, como é costume, o elenco das grandes conquistas revolucionárias: falou nas nacionalizações, na Reforma Agrária, esqueceu-se por ventura do controle operário. Mas esqueceu-se também de uma quarta con-

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quista, da qual deveria ter falado, pois seria bom que começassem a incluir no vosso elenco os salários em atraso, que são a quarta conquista da revolução.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Luís Beiroco, vou recordar-lhe uma declaração do nosso partido na altura da votação final global da revisão constitucional.

Concluída esta revisão, o voto contra do PCP não é um voto contra toda a revisão. Continua a ser inconstitucional qualquer lei que vise a liquidação da Reforma Agrária e a reconstituição dos latifúndios, como inconstitucional é a prática governativa que prossiga esses fins. Continua a ser inconstitucional qualquer lei que vise a destruição das nacionalizações, a reconstituição da banca e dos seguros privados, como inconstitucionais continuam a ser as tentadas leis de sectores dos governos de Sá Carneiro e de Balsemão.

Como o Sr. Deputado vê, não há contradição alguma.
Queria mais uma vez deixar aqui bem explícito que é absolutamente inconstitucional, sem qualquer sofisma, a entrega da gestão de empresas públicas ao sector privado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Dir-lhe-ia ainda que os salários em atraso não são uma conquista da revolução. São antes uma conquista do ataque e da campanha de recuperação capitalista que há muito vem sendo desenvolvida e na qual o seu partido tem grandes responsabilidades tal como outros nesta Casa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Qualquer cidadão que assistisse a esta interpelação nesta altura estaria seguramente tão perplexo como nós próprios. É que das duas uma: ou o CDS veio aqui demonstrar um saudável pendor masoquista ou está legitimamente, e com a nossa compreensão, a praticar um exercício de autocrítica que já tardava.
Bom! Que dizer sobre o discurso do CDS? Fugindo às questões essenciais, para as quais não tem resposta nem alternativa, refugia-se numa linguagem por vezes miserabilista, catastrófica, fado de meio tostão, envolvida em algum cheiro a mofo passadista.
E, assim, espante-se que ouvimos um Sr. Deputado fazer o elogio das décadas de 40 a 70! Perguntamos com que autoridade e com que legitimidade se permite fazer a apologia dos tempos em que dominava a prepotência e a inexistência de direitos dos cidadãos portugueses - era o fascismo e a guerra colonial, por exemplo - contrapondo-se às liberdades conquistadas e vividas hoje em democracia.
Há, de facto, quem não se acomode à democracia.

Continua a UEDS a acreditar e a lutar para que a prática da política e, muito em particular, a nossa prática política se baseiem em critérios éticos, que passam pelo respeito para com o eleitorado que nos elegeu na base de um discurso e de uma práxis de que não abdicamos, embora por vezes menos cómoda porque coerente.
É evidente que a presença no actual Governo de responsáveis pela política conduzida pela AD de 1979 a 1983 é o factor fundamental que nos tem levado a adoptar um posicionamento de oposição crítica ao Executivo.
É evidente que o novo modo de fazer política pelo qual lutamos e que representaria uma ruptura com o comportamento que caracterizou a gestão da AD não se tem de um modo geral verificado - muito particularmente no que diz respeito a aspectos como a partidarização do aparelho de Estado e do sector público, controle e domínio da comunicação social estatizada e mesmo a uma certa indulgência no referente ao controle da corrupção. A UEDS obviamente não pode deixar de ser crítica e de manifestar a sua posição face a tais situações.
Mas a UEDS acredita que terá e que há uma alternativa ao actual Executivo. Daí que desde o início desta legislatura nos tenhamos remetido para uma oposição não sistemática, mas crítica, para uma oposição não demagógica, mas construtiva.
Daí que todos os nossos esforços se desenvolvam no sentido de tornar credível, através de propostas politicamente correctas, uma alternativa que dê melhores respostas à situação social e económica que o nosso país atravessa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a UEDS tem de facto legitimidade, que vai buscar à sua prática passada e presente, para criticar, para propor, em suma, para participar na procura de soluções que permitam ultrapassar os problemas que atravessamos.
E porque sentimos que temos essa legitimidade e porque sabemos que a nossa prática política não se tem desviado de critérios éticos e do respeito para com as instituições e os nossos compromissos eleitorais, é que sentimos também que é lícito perguntar ao partido interpelante o seguinte: com que legitimidade vem hoje o CDS a esta Assembleia, 6-7 meses após a tomada de posse do Governo, exigir contas daquilo que como governo não foi capaz de executar em vários anos de governação?
Por isso é que é também legítimo que se pergunte, porque a nossa memória não é curta e a nossa oposição não é cega, o seguinte:

Que andou a fazer o hoje deputado Morais Leitão, ontem Ministro das Finanças, que neste debate não tivemos o privilégio de ouvir.
Que é feito do antigo Vice-Primeiro-Ministro Freitas do Amaral e quais são as suas responsabilidades na actual situação?

Que é feito e que contas prestou ao País o antigo Ministro das Finanças Cavaco e Silva?

Quanto ao Sr. Deputado João Salgueiro, que com certeza algumas responsabilidades também tem nesta situação, também não tivemos o privilégio de o ouvir até agora.

Brilharam, pois, pelo silêncio alguns dos principais responsáveis pela situação que aqui se discute.

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Srs. Deputados do LCDs, respostas a estas questões VV. Ex.as não as têm pelo que o CDS não é alternativa. Não nos venham com as velhas desculpas que o meu camarada Lopes Cardoso já referiu. Não nos venham vender as velhas e gastas desculpas, ou seja, que mais não fizeram porque o Sr. Presidente da República não deixou, que o Conselho da Revolução era um bando de rapazes maus, que a Constituição é impeditiva do desenvolvimento e do progresso do País, etc.
Em conclusão, diríamos:

1) A UEDS reafirma que este governo não pode ter globalmente o nosso apoio;
2) A UEDS tem legitimidade política para o dizer e para se afirmar como oposição crítíca construtiva.

Mas, sobre o CDS perguntamos nós:

1) Que fez durante os anos todos em que esteve no governo com maioria parlamentar confortável?
2) Qual foi o seu contributo para a melhoria das condições sócio-económicas da sociedade portuguesa?
3) Que medidas tomou para combater a corrupção e moralizar o sistema?

É legítimo perguntar hoje: o CDS andou a governar ou a deixar que uns quantos se governassem? É que se andou a governar não o fez, infelizmente, melhor que o actual Executivo, e hoje teria sido bem mais correcto interpelar-se a si próprio antes de se decidir a interpelar quem quer que seja.
Srs. Deputados, a legitimidade democrática conquista-se. A ética defende-se e respeita-se. A memória dos homens não se confunde e a sabedoria popular lá tem as suas razões: pela boca morre o peixe.

Aplausos da UEDS.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Guido Rodrigues.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A social-democracia pugna pela distribuição com justiça, da riqueza existente. Não a distribuição da miséria, da miséria para todos, mas a distribuição de efectiva riqueza que proporcione aos Portugueses níveis de vida semelhantes aos países da CEE em que nos queremos inserir.
É óbvio que primeiro teremos de criar a riqueza para que depois esta possa ser distribuída.
No entanto como se está a processar a criação da riqueza no nosso país?
Basta reflectir um pouco sobre a situação das empresas industriais, sobre as vicissitudes do seu funcionamento, sobre os problemas que as afligem para facilmente se tirarem ilações sobre a criação da efectiva riqueza proporcionada por estas empresas.
Muito se tem falado recentemente sobre a situação das empresas públicas. Têm subido de tom os mais diversos comentários, provenientes de várias origens. Assumem uns a defesa à outrance e a menção das inefáveis e únicas virtualidades das empresas públicas enquanto outros as responsabilizam por todos os males
ocorridos neste país. Outros, ainda, consideram que só a imediata revisão económica da Constituição poderá criar os mecanismos institucionais adequados à intervenção nas empresas públicas.
Não partilhamos de uma ou outra destas teses, embora estejamos de acordo com a necessidade da revisão programada da área económica da Constituição, devidamente ponderada e a seu tempo.
Consideramos que os instrumentos à disposição do Estado para intervenção nas empresas públicas, os instrumentos actualmente existentes no quadro constitucional, estão longe de ter sido utilizados na sua globalidade e que muito, muitíssimo, há ainda a fazer sem que seja necessária a criação de outros mecanismos de intervenção.

Estamos cientes de que os passivos acumulados nas empresas públicas, os encargos financeiros tremendos a que estão sujeitas, as necessidades vorazes de constante financiamento em capitais alheios, criam nos responsáveis e na opinião pública a ideia de que se corre o risco de, a manter-se tal estado de coisas por muito mais tempo, as empresas públicas inviabilizarão a nossa economia. Ou seja, ou se actua rapidamente e se domina a situação ou então a situação domina-nos.

Uma voz do PSD: -Muito bem!

O Orador: - As realidades concretas são as empresas, individualmente, caso a caso, com todas as suas necessidades financeiras para investimento e fundo de maneio, de saneamento financeiro, de introdução de novos produtos e novas tecnologias, de redução de custos e aumento da produtividade, no quadro realista da economia do mercado em que se movem, repito no quadro da economia de mercado.
Cada caso é uma realidade concreta diferente das outras, pelo que as soluções a encontrar terão de ser diversas para cada caso concreto.
A título de parêntesis gostaria de referir que a viabilização de uma empresa como, por exemplo, a Fábrica-Escola lrmãos Stephens, na Marinha Grande, com as suas necessidades de investimento relativamente restritas, é um caso completamente diferente de reconversão que se impõe na SETENAVE para a transformação de construção de grandes unidades em construção de unidades pequenas e médias. Assim como é um caso diferente da viabilização da Companhia de Transportes Marítimos (CTM) com os seus múltiplos problemas de toda a ordem.
Por tal razão, o PSD defende que cada empresa seja objecto de apreciação individual, seja elaborado o respectivo diagnóstico e implementadas rapidamente as medidas necessárias para que as empresas deixem de ser um peso na actividade económica nacional, mas antes se transformem em contribuintes líquidos de criação de riqueza.
Não podemos perder tempo, porque a cada mês que passa os passivos multiplicam-se, os encargos financeiros aumentam, os gestores descrêem da vontade política de resolução das situações e a esperança e confiança dos Portugueses reduz-se. Isto porque, Srs. Deputados, no que se refere às empresas públicas o País responsabiliza o Governo pelas actuações ou omissões.
Face ao quadro que descrevemos, por tudo o que dissemos, o PSD apoia todas as medidas do Governo para a resolução rápida e concreta, casuística, dos

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problemas das empresas públicas com os instrumentos numerosos à sua disposição no quadro constitucional, por forma a que não possamos duvidar da vontade de encontrar soluções e passemos a albergar a esperança na recuperação económica do País.
Mas é uma falsa abordagem do problema concentrar todas as baterias e centrar todas as preocupações nas actividades do sector público nas empresas públicas.
Com efeito, na realidade, preocupa-nos igualmente, tanto ou mais, a situação das empresas privadas, pelo número das mesmas, pelo volume de trabalhadores empregados, pelo volume do produto criado, pela diversificação da produção e pela impossibilidade material da actuação concertada do Estado.
As empresas privadas estão descapitalizadas, não fazem investimentos reservando todos os meios financeiros para a compra de matérias-primas e pagamento de salários, vêem-se confrontadas com elevados encargos financeiros, não inovam, não efectuam as reestruturações absolutamente necessárias, não tentam novos mercados externos e mantêm na generalidade significativas carências em gestão moderna; com isto caminham para o fim inevitável a curto prazo se a conjuntura não se alterar e a reestruturação não se verificar.
No caso concreto das empresas privadas, a gestão preocupa-se com problemas de estrita sobrevivência com prejuízo das acções de fundo, das acções de reestruturação. E ao aproximar-se a ruptura os empresários clamam pelo apoio do Estado, pelos financiamentos in extremis da Secretaria de Estado do Emprego, pelas fusões com outras unidades do sector com apoio e benesse do Estado. Nos momentos de crise acentuada todos se voltam para o Estado salvador clamando por medidas providenciais, medidas providenciais que não podem ser concedidas nem suportadas por todos nós.
Esta solução é igualmente contrária às regras de economia de mercado em que o risco é o condimento básico do exercício das actividades privadas. Isto porque, também neste caso, Srs. Deputados, no que respeita às empresas privadas, o País responsabiliza os empréstimos pelas acções ou omissões.
No entanto, o que o Estado não pode olvidar, nem ignorar, são as mais importantes consequências das rupturas que se verifiquem no sector privado, isto é, com o desemprego resultante das falências.
E aqui temos que no final vem cair à responsabilidade de todos nós, à responsabilidade do Estado, o desemprego, com o seu cortejo de miséria, de encargos, de abanão no tecido social.
Até ao momento a despeito dos profetas da desgraça e dos que criticam exclusivamente por criticar não se têm verificado rupturas sociais importantes, o que é sinal claro de que a atenção do Governo neste campo não tem sido desajustada às necessidades.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No entanto ainda muito há ainda que fazer.
Queria ainda referir-me de novo, a título de parêntesis, ao que foi dito na semana passada aquando da interpelação ao Governo feita pelo PCP. Foram aí referidos salários em atraso num número elevado de empresas e a propósito de salários em atraso foram
colocados no mesmo saco empresas em que a gestão foi corajosa e levada às últimas consequências com empresas em que houve efectivamente desvios de gestão corrente.
Devo dizer que tenho conhecimento da maior parte dos casos que a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo e o Sr. Deputado António Mota referiram em virtude da minha actividade profissional a que estou ligado há vários anos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Poderemos neste momento fazer o discurso da esperança, mesmo quando se verifica a manutenção da recessão na Europa com todas as consequências para a nossa frágil economia aberta?
Poderemos neste momento lobrigar a tal luz no fundo do túnel?
A resposta será afirmativa se tivermos a coragem de actuar sobre as unidades económicas criadoras de riqueza, viabilizando-as rapidamente e restabelecendo nelas a confiança do País, neste período de pré-adesão à Comunidade Económica Europeia.
E isto que esperamos do Governo, é esta coragem que é absolutamente necessária quer no que se refere à actuação directa perante o sector público quer no apoio ao sector privado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -Assim, esperamos que no mais curto prazo o Governo utilize os instrumentos à sua disposição para diagnosticar, estudar e implementar as medidas de viabilização das empresas públicas, introduzindo e quantificando nesses estudos, obviamente, a componente social das mesmas operações.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - Esperamos que no mais curto prazo o Governo intensifique o apoio às empresas privadas, especialmente às pequenas e médias empresas, incentivando o investimento, promovendo as exportações pelo apoio ao lançamento de tradings fomentando as prospecções no mercado externo e acima de tudo incentivando as transformações estruturais das nossas unidades produtivas muitas das quais desajustadas face ao mercado e à tecnologia. Não é, aliás, despropositado referir o papel importante que desempenham os organismos estatais de apoio à indústria o IAPMEI e o ICEP, quer no plano da assistência técnica, quer no plano da assistência tecnológica, quer na promoção das exportações, organismos que terão de ser necessariamente reforçados.
Esperamos finalmente que o Governo defina e implemente os projectos de desenvolvimento que nos permitam ser beneficiários líquidos do FEDER, Fundo de Desenvolvimento Regional da CEE, como aliás foi referido pelo Sr. Ministro das Finanças.
Aproxima-se a data de entrada na CEE que podemos agora com mais esperança antever para o início de 1986.
Sabemos a importância para o nosso país da utilização de verbas do Fundo de Desenvolvimento Regional destinadas a financiar projectos integrados em planos de desenvolvimento regional. No entanto, a candidatura a tais benefícios implica a existência de projectos concretos com os respectivos estudos de viabilidade técnico-económico-financeira.

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Temos, como é sabido, a possibilidade de nos candidatarmos ao apoio do FEDER, a exemplo aliás do que já sucedeu com as acções comuns de pré-adesão algumas das quais foram instrumentos meritórios de apoio à indústria, como é o caso do Plano de Ajuda às PME Portuguesas. No entanto, há um longo trabalho a realizar, um longo caminho a percorrer. Esperamos que o Governo no mais curto prazo implemente as acções que nos permitam preparar rapidamente os processos da candidatura ao FEDER.
Se tal se fizer restauraremos a confiança no coração dos Portugueses, passaremos a acreditar na indústria do nosso país, no funcionamento das actividades económicas, teremos enfim confiança ano nossa capacidade de realização.
Pelas palavras que ouvimos hoje aos Srs. Ministros que intervieram no debate por parte do Governo temos confiança que se irão concretizar estas acções.
Assim sendo julgamos poder começar a falar o discurso da esperança.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos a aproximar-nos da hora regimental de suspender a sessão, pelo que penso não haver agora tempo para a intervenção do Sr. Deputado que está inscrito a seguir.
Daí que suspendo a sessão até às 22 horas.

Eram 19 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia, para uma intervenção.

O Sr. Sottomayor Cardia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Permitir-me-ão que eu fale pausadamente, uma vez que o faço por razões de saúde, que embora não sendo graves me aconselham a alguma prudência.
A economia do País atingiu um estado que infelizmente se torna desnecessário qualificar e vai sendo diagnosticado através de indicadores diversos, cada qual mais eloquente.
As pessoas interrogam-se sobre as causas de fenómeno de tão vasta amplitude. Além de inevitável, é positivo que o façam. O tema é de grande saliência tanto na ordem teórica como na ordem prática. Mais precisamente: a questão da causalidade da situação que vivemos tem interesse prático se for baseada em conhecimento histórico objectivo. Obviamente não se dilucida neste hemiciclo em que sentido a história pode ser objectiva. É suficiente que possa aspirar a uma certa aproximação do ideal de objectividade e que, em história económica, esse ideal seja atingível em grau relativamente elevado. Porém, quando a história não é tratada com objectividade, corre-se o risco de que as supostas lições da experiência introduzam novo factor de perturbação na procura da terapêutica eficaz.
Toda a gente tem espontaneamente opinião sobre os mais importantes acontecimentos que viveu. É humano e também inevitável. Mas no espírito e no discurso de pessoas especialmente motivadas para a
acção política - é o caso de todos nós, deputados ou governantes - ocorre muito frequentemente que as interpretações de factos históricos recentes, sem prejuízo de surgirem fundadas em convicções sólidas, resultam também de fidelidades e solidariedades. Por isso quase quodianamente procedemos a galhardas trocas de cumprimentos, caímos em recriminações
cruzadas, repetimos interpretações simplificadas. No fundo, à vontade de conhecer e compreender sobre põe-se o intuito de responsabilizar ou mesmo culpar adversários e desresponsabilízar correlegionários. O facto é em si mesmo normal. E bem difícil se torna escapar à tendência para entrar no jogo ou nele prosseguir. Mas suficientemente conhecidas e normalmente extremadas como se encontram as posições, surge a dúvida sobre se tal emprego de tempo e engenho corresponde ao que o País tem direito a esperar dos seus representantes. Não fomos eleitos
membros da Academia de História Contemporânea; fomos eleitos deputados à Assembleia da República ou nomeados membros do Governo.
Corremos, aliás, o risco de nos incluirmos nós próprios, embora involuntariamente e de modo secundário, entre quantos contribuem para a deseducação nacional, para o enraizamento de auto-suficiências ideológicas, para o cavar de irredutibilidades, para a conservação de maniqueísmos que, embora contraditórios, convergem em idêntica submissão ao culto do espírito maniqueu. Confiemos à investigação histórica o que é da investigação histórica. Tomemos para nós, maioria ou oposições, o que compete a órgãos de soberania (Assembleia ou Governo): a responsabilidade de decidir. O passado, interessa, sem divida; provavelmente o presente, que de algum modo temos nas mãos, será um dia momento importante do passado nacional. Procuremos por conseguinte maximizar a utilidade do diálogo directo entre nós como meio de melhor avaliar a natureza, o alcance e a hierarquia dos problemas que hoje somos chamados a enfrentar.
Quem tiver e quiser formular acusações concretas e novas contra pessoas ou entidades determinadas, que o faça nos locais próprios, um dos quais é esta Assembleia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para que se apurem responsabilidades. Abstenhamo-nos, porém, de alusões incriminatórias ambíguas. E reconheçamos que todas as forças políticas aqui representadas, todos os poderosos grupos de pressão daqui voluntária ou involuntariamente ausentes, todos os responsáveis por governos anteriores à revolução de Abril, todos temos, embora necessariamente em grau diferente, responsabilidade no estado de coisas a que se chegou. Têm responsabilidade os que governaram há 2, há 4, há 9, há 12, há 30 anos? Parece difícil contestá-lo. Mas também os que governaram há 60, há 100, há 200, há 400 anos, têm a sua quota-parte de responsabilidade. A história o que é da história, à política o que pode ser do futuro.
Neste ponto permito-me abrir um parêntese. Parêntese que o facto de estarmos a participar num debate parlamentar introduzido pelo CDS parece justificar e até aconselhar. Assistimos há algumas horas a uma troca de pontos de vista entre os Srs. Deputados

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Adriano Moreira e Carlos Brito. Uma vez mais esteve em causa o regime deposto em 25 de Abril e uma vez mais me pareceu não ter ficado claro o que está na base dessa polémica. Tentando contribuir para afastar o que suponho ser um mal entendido, pergunto ao Sr. Deputado Adriano Moreira o seguinte: independentemente dos defeitos do regime da Constituição em vigor e das eventuais razões históricas da Constituição de 1933, entende V. Ex.ª que, do ponto de vista dos valores ético-políticos e do da própria realização de V. Ex.ª como cidadão e não apenas como pessoa, o regime da Constituição vigente é superior ou equivalente ao da Constituição de 33?

Aplausos do PS e da UEDS.

Sei que no pensamento de V. EX.ª há uma sadia componente de positivismo sociológico, mas admito, mesmo assim, que a questão não deixará de ter para V. Ex.ª algum sentido. Fica claro da minha parte que V. Ex.ª tem naturalmente o direito de preferir o regime que bem entender ou de os julgar de igual valor. Mas se quiser ter a amabilidade de responder, talvez a questão pudesse ficar de algum modo esgotada e o País esclarecido. E encerro o parêntese.

Sem desresponsabilizar seja quem for, mas procurando situar as coisas com equidade, todos nós, "pecadores", devemos compreender a história e os seus "pecados" para conquistarmos pelo direito a que no futuro os que escreverem ou pensarem história compreendam também os nossos. Por várias razões. E até porque, quanto ao passado, não podemos condenar o parasitismo especulativo dominante na sociedade portuguesa ou a delapiladora euforia das índias, dos brasis e das áfricas e, quanto ao presente, não podemos condenar o ciclo recessivo da economia mundial iniciado em 1973. Muito simplesmente porque, como políticos, não temos mandato nem competência para condenar o País e, como portugueses, não dispomos de autoridade para condenar o Mundo.

Aplausos do PS.

Com uma ressalva: compreender não equivale a cruzar os braços nem a imitar ou justificar que se imite.

A vida não melhora por efeito de discursos. Mas seguramente piora se nem todos os discursos puderem ser feitos e um só tiver de ser ouvido. Unicamente em democracia pode combater-se a desregulação da vida económica de modo eficaz. Fora do quadro democrático mostram-no experiências diversas, na Europa como na América Latina, a deterioração da vida económica agrava-se implacavelmente pelo menos a médio prazo. O projecto de modernizar Portugal já perdeu suficiente número de batalhas para que possa agora expor-se à aventura de perder a guerra.

A vida melhora pelo trabalho. Em política o trabalho é essencialmente vontade e estudo. Mas vontade e estudo só são úteis se subordinados ao pensamente ordenado e ao rigor dos conceitos. Por isso interessa suscitar aqui questões que permitam ao Governo prosseguir na explicitação e eventualmente na elaboração do seu pensamento. Neste caso, do seu pensamento económico.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sou leigo em questões de economia. E à primeira vista torna-se um pouco estranho que tenha querido intervir neste debate. Mas a explicação é simples. Como todos os Srs. Deputados e, designadamente, os apoiantes do Governo, tenho sido solicitado por alguns eleitores a dar resposta a questões relativas à política económica do Executivo.
A algumas sinto-me capaz de responder sem dificuldade de maior. É o caso das que referem o facto de certas decisões, tomadas pelo Governo ou sob sua responsabilidade, surgirem como fortemente impopulares.
Negociaram-se novos empréstimos em condições desfavoráveis? Continuou a vender-se ouro? E a desvalorízar-se o escudo? Subiram os preços? Cresceu a taxa de desemprego? Aumentaram as taxas de juro? Faliram empresas? Houve corte em investimentos públicos? Baixou o crescimento do PIB? Diminuíram os rendimentos reais dos Portugueses? É verdade. Quando votou em 25 de Abril o povo sabia, desde 8 de Março, que tal iria acontecer. O secretário-geral do PS, hoje Primeiro-Ministro, avisou. E não se diga que o não fez da maneira mais frontal e ostensiva!
Quando os eleitores me referem aqueles factos sei, em linhas gerais, o que responder. Sei o sentido da resposta a dar. Mas críticas há a que, em muitos casos, não sei. E suspeito que tal não acontece só no meu caso ou com outros igualmente leigos. Por isso aproveito este ensejo para as apresentar no lugar próprio a quem de direito.
O Governo iniciou o seu mandato com atitudes de grande coragem, Tomou medidas difíceis, dolorosas e enérgicas. Merece continuar a ser apoiado e ajudado. Perguntar é, neste são, uma forma de prestar ajuda.
Começo por perguntar qual foi o défice do Orçamento do Estado em 1983. É verdade que, afinal, foi inferior ao previsto em dezenas de milhões de contos? Acaso o imposto extraordinário rendeu mais do que se antevia?
Grande virtude é a coragem. Designadamente a de comprometer a comodidade própría para servir o bem alheio, a de se expor a injustiças e perigos para evitar o mal de outros. A virtude de coragem pressupõe a da ponderação. Herói imponderado corre o risco de incorrer em temeridade. Os factos heróicos, mas imponderados, podem, mesmo removendo grandes males, abrir a porta a outros de não menor envergadura.
Grande virtude é a capacidade de decisão. Um dos primeiros deveres de quem ocupa o poder é o exercício da autoridade. Autoridade não é antónimo de democracia. Circunstâncias se verificam mesmo, excepcionais é certo, em que o exercício da autoridade tem de ser exemplar para eficaz salvaguarda do próprio poder democrático. Por vezes os governantes são, nesse caso, forçados a fazer vergar os mais radicais dos seus opositores. Mas tal só é viável quando se faz vergar pessoas ou grupos de pessoas. É ilusório admitir que alguém possa fazer vergar leis da vida económica ou da psicologia social.
Espontaneamente não me ocorreu que tal pudesse ter acontecido na área da recente política económica portuguesa ou na da credibilidade cívica do Estado

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aos olhos dos cidadãos, Mas têm-me chamado a atenção para alguns indicadores económicos, que indiciariam uma situação excessivamente recessiva. Por exemplo: o produto interno bruto terá caído em 1983 de 0,5%, em vez do previsto aumento de 1%. A procura interna terá caído em 1983 mais de 4% em termos reais, afectando gravemente a actividade dos sectores que trabalham para o mercado interno. O consumo de cimento e aço para construção terá diminuído cerca de 10% em termos reais. A taxa de crescimento do consumo de energia eléctrica terá sido em 1983 cerca de metade da verificada no ano anterior. 0 valor dos salários reais, após o pagamento de impostos, terá caído cerca de 9%. Todo este fenómeno global de recessão, bruscamente ocorrido, deixará antever tendência para crescente agravamento no ano em curso.
Algumas das pessoas que me alertaram para tais dados pensam que há neles, pelo menos em parte, reflexo de algumas decisões de incidência orçamental tomadas por iniciativa deste Governo. Sem contestarem o sentido da política, discutem a graduação no modo de a aplicar. Não insisto em perguntar se a avaliação é justa. Inclino-me a pensar que o não é e que fácil será explicar a razão por que o não é. Mas pergunto - isso pergunto - que estratégia considera o Governo adequada a combater de imediato essa tendencial paralisação, senão mesmo quase paralisação, da actividade económica. E pergunto ainda, mais precisamente, que perspectivas se encaram para a situação em que se encontram as nossas instituições de crédito.
Perdeu-se a esperança de conseguir que regressem a Portugal, ou, melhor, que ingressem em Portugal capitais de cidadãos portugueses ilegalmente depositados ou investidos no estrangeiro? Tenho vaga notícia de que alguns estarão de facto a regressar, mas única ou essencialmente porque os respectivos titulares de eles carecem para despesas correntes do dia-a-dia. Não me refiro naturalmente a esse fenómeno. Refiro-me ao grosso da coluna. Definitivamente alienado do produto nacional bruto? Apenas factor relevante na formação do défice da balança de pagamentos?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O volume atingido do défice da balança de pagamentos impedia a manutenção do crescimento anterior do produto interno bruto. Mas ninguém aceita que tal signifique a definitiva estagnação de Portugal. Em situação como a nossa, afigura-se condição imprescindível de qualquer política de desenvolvimento - desde a área económica até à da investigação científica, passando pelas diversas áreas sectoriais (equipamentos sociais, administração, ensino, etc.)a selecção dos sectores produtivos que devem ser considerados prioritários numa coerente estratégia de desenvolvimento. Para estímulo da iniciativa privada e para orientação de eventuais investimentos públicos. Seleccionados esses sectores, poderá e deverá o Estado apoiá-los através dos diversos instrumentos, directos ou indirectos, de que dispõe. Sem impedir - é óbvio - que a iniciativa privada actue e se afirme também em outros sectores.
Em fase de austeridade, essa selecção afigura-se sobremaneira importante; permitiria evitar que medidas restritivas indiscriminadas comprometessem e mesmo paralisassem os mais úteis entre os projectos possíveis e desmotivassem os empresários neles interessados. Seria prematuro perguntar ao Governo quais são, em seu critério, esses sectores ou áreas prioritárias. Compreensivelmente não houve, em 8 meses, tempo para preparar e tomar a decisão. Mas pode perguntar-se - e pergunto - qual o método que está a ser seguido para chegar a essa selecção e quais os resultados já obtidos no decurso dos trabalhos.
Recessão do investimento necessariamente significaria aumento do desemprego. Há actualmente meio milhão de desempregados? Considera o Governo que deve fixar-se para o desemprego um limite máximo global não ultrapassável? Em caso afirmativo, qual?
Cresceu simultaneamente o volume de desemprego e a taxa de inflação. E verdade que os bens sujeitos a controle de preços se contam entre os que mais contribuíram para a alta taxa de inflação registada? E qual a taxa estimada para o presente ano económico?
Não vou perguntar de que modo se articulam entre si o programa de gestão conjuntural de emergência, o programa de recuperação financeira e económica e o programa de modernização da economia portuguesa. Nem tão-pouco como tal conjunto de programas se articula com as grandes opções do Plano. Não euro de subtilezas conceptuais em questões de tal natureza. Contudo, uma ideia se me afigura clara: foi prometido, e bem, que, mesmo durante os 18 meses de "aperto", seriam estudadas e eventualmente concretizadas algumas reformas de fundo no sentido de tornar possível a recuperação e a modernização, designadamente reformas que não impliquem custos financeiros. Que pode o Governo anunciar a respeito de tais projectos de reforma institucional? Como vão os estudos relativos ao imposto sobre o valor acrescentado, à reforma fiscal, à adaptação da economia portuguesa - aberta que é - ao condicionalismo resultante da eventual adesão à CEE?
Em relação a este ponto, como eventualmente em relação a outros, já o Governo respondeu em declarações anteriores do Sr. Ministro das Finanças.
De governo para governo têm-se arrastado, sem decisão final, projectos de grande envergadura, habitualmente chamados grandes projectos nacionais. Sabe-se que em breve será apresentado o plano energético. E quanto ao projecto de aproveitamento do Guadiana para fins múltiplos -vulgo Alqueva? E ao complexo de Sines? As minas de Moncorvo? Ao projecto siderúrgico? Às pirites do Alentejo? As lenhites de Rio Maior? A metalurgia do volfrâmio? Que opções, positivas ou negativas, foram tomadas? Em que fase de estudo se encontram as restantes? Para quando se prevê decisão sobre cada um desses problemas?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O sector empresarial do Estado é objecto de um vendaval de paixões, em que tudo parece traduzir-se ou na defesa ideológica e emocional do estado de coisas ou na ofensiva igualmente ideológica e emocional contra esse terrível monstro que seria a raiz e origem de todos os nossos padecimentos. Não me incluo nem entre os primeiros nem entre os segundos. Combato o colectivismo desde finais de 1974; recuso, porém, converter-me ao anarco-liberalismo.

O Sr. Carlos Lage (PS): -Muito bem!

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24 DE FEVEREIRO DE 1984

O Orador: -Não estou convencido de que, desmantelado o sector empresarial do Estado, a Pátria renasceria como um "amanhã que canta".
Em princípio, é para mim indiferente que uma empresa seja pública ou privada. Uma empresa é de quem a constitui ou adquire. É desejável que o sector privado da economia seja o mais dinâmico e extenso possível. (Mas privado em sentido rigoroso: privado também de subsídios e outros privilégios ...

Aplausos do PS.

... e constituído e mantido à margem de favores do Estado ou de vantagens resultantes da vizinhança do poder político.) É desejável que o sector empresarial do Estado não exceda as dimensões do social e economicamente necessário. Eficácia e iniciativa à escala empresarial, eficácia e salvaguarda do interesse público à escala nacional -diria que é isso, em síntese, o que se pode. Em todo o caso, afigura-se-me que o papel do Estado consiste em gerir, de modo exigente, as suas próprias empresas: sem as querer manter a todo o custo quando condenadas, sem as prejudicar quando viáveis. Quais são as reconhecidamente condenadas? Por que se mantêm ainda? Em linhas gerais, que critérios serão adoptados para viabilizar as que o devam ser?
O sector público existe para a sociedade, não deve persistir para a burocracia. Já há um século se denunciava a legião de clientes do Orçamento do Estado. Qual é o quantitativo actual de gestores públicos? Quanto custa, em termos globais, a sua remuneração, incluindo despesas de representação? Entende o Governo que esses valores podem ser mantidos ou devem ser reduzidos? E na segunda hipótese, -para que níveis?

O sector público deve ser gerido com o necessário rigor empresarial. Desde que o regime foi instituído, quantas vezes uma comissão fiscalizadora de contas reprovou o relatório de gestão de uma empresa pública? É eficaz o tipo de controle actualmente em vigor? Em caso negativo, por que entidade ou entidades deve ser assegurado?
Segundo fonte governamental, entre 1977 e 1983 só nas áreas industrial e energética do sector público os investimentos ditos mal feitos totalizam 200 milhões de contos e os irrecuperáveis 120 milhões. Convirá apurar, empreendimento por empreendimento, se o erro é imputável ao Estado ou aos gestores? E quando seja, dos gestores ou haja sido cometido por iniciativa dos gestores, deverão eles ser mantidos em funções idênticas? Quantos, com tal fundamento, deixavam de ser gestores públicos? Bem sei que é difícil responder a esta última pergunta: na verdade, o Decreto-Lei n.º 356/79, de 31 de Agosto, ajuda objectivamente a encobrir, mesmo quando demitidas, as chefias responsáveis por actos lesivos da administração. É, também esse o pensamento do Governo?
Formulo estas interrogações porque penso que a defesa do sector empresarial público assenta na subordinação a regras que são inerentes a qualquer actividade empresarial: rentabilidade e responsabilidade.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Convém liberalizar os sectores que, sem prejuízo, possam ser liberalizados. Inteiramente de acordo em que essa é uma das orientações mais eficazes na defesa de uma economia mista em que o sector público desempenhe função reguladora útil. Mas não convirá também adoptar providências no sentido de racionalizar o funcionamento das empresas públicas nos sectores liberalizados? Que tem sido ou vai ser feito para adequar o sistema público de crédito e seguros às previsíveis consequências da abertura desses sectores à iniciativa privada, conforme aqui foi dito quando aprovámos a lei? E em relação à EPAC, que se projecta realmente fazer?
O Governo, todos sabemos, está apostado em combater a corrupção, a evasão e a fraude fiscal. Todos sabemos que esse objectivo é tão desejado pelo Executivo como difícil de alcançar, designadamente na moldura fiscal que temos e na situação de desconfiança em que vivemos. Que resultados positivos foram já obtidos nesse sentido? Não pergunto se foi apanhado "peixe miúdo". Mas algo que possa considerar-se "caça graúda"? E sobre o caso da sucessiva publicação dos Decretos-Leis n.os 349-B/83, de 30 de Julho, 356-A/83, de 2 de Setembro, e 396/83, de 29 de Outubro. Como se insinuou tal infeliz encadeamento de lapsos no Diário da República? E havia efectivamente, no Banco de Portugal, 80 processos em fase adiantada ou conclusiva contra cidadãos suspeitos de exportação ilegal de capitais?
Inclino-me a recear ter feito perguntas sem razão de ser e outras foram certamente já respondidas no debate, na fase que antecedeu a minha intervenção. E muitas não poderão, com certeza, ser respondidas porque falta ao Governo o tempo necessário para o poder fazer aqui ante nós. Mas o facto de ter aqui tocado - e a título pessoal o fiz - em certas questões nada mais se veja do que a vontade e ajudar o Governo a esclarecer mais cabalmente a opinião pública sobre o sentido e as realizações da sua política económica e financeira,

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): -Sr. Presidente, peço a palavra para pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Creio que esta é a figura regimental que posso utilizar para responder a uma pergunta concreta que o Sr. Deputado me fez.
Queria começar por dizer, embora gastando escusadamente o tempo do meu partido, da Câmara e do País, que o Sr. Deputado Sottomayor Cardia teve a gentileza de me procurar antes da sua intervenção e de me prevenir de que me ia fazer uma pergunta e que gostaria que eu estivesse presente.
Não posso deixar de sublinhar a lealdade do comportamento do Sr. Deputado Sottomayor Cardia e também não tenho nenhumas dúvidas em responder à sua pergunta se me permitir que faça algumas breves considerações prévias e que são as seguintes:
É da minha autoria a frase "em Portugal a culpa morreu solteira". Dito isto, tenho sempre evitado, cuidadosamente, aceitar o comportamento de tanta gente que anda com pressa a escrever memórias que me parecem mais um requerimento para o epitáfio que gostariam de ter do que uma contribuição para a história portuguesa a que, se referem.

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1 SÉRIE -NOMERO 78

Também penso que é um defeito da vida publica portuguesa o conjugar o verbo "eu" com tanta frequência. Tenho evitado sempre conjugá-lo.
Também me não recordo, numa longa vida, de alguma, vez ter usado a palavra ou usado a caneta para atacar pessoalmente fosse quem fosse.
Tenho certamente muitos pecados, e disso estou consciente, mas desse, creio, ninguém me poderá acusar. É por isso que a pergunta que me fez só me embaraça na medida em que possa parecer que alguma resposta que lhe dê me faz afastar desta atitude que, intransigentemente, tenho mantido.
Mas, como calculo, e não digo isto com ironia, que a pergunta que me faz em público já a deve ter feito em privado a algum membro do Governo que pertença ao seu partido e como calculo que a resposta talvez não seja muito diferente posso dizer-lhe o seguinte: não pertenço ao número dos portugueses que não têm responsabilidades no passado deste país!

Risos do PCP

Só estou a dar esta resposta pelo respeito que me merece a Câmara e o Sr. Deputado Sottomayor Cardia. Se nem toda a Câmara puder, pelo menos, tributar ao interrogante o mesmo respeito, essa questão não é comigo.

O Sr. Fernando Amaral (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não pertenço ao número dos portugueses que não têm culpas. Tenho dito isto muita vez, porque a minha própria responsabilidade profissional, em discussões e esclarecimentos com estudantes, a tal me obriga.
Tenho dito isto repetidas vezes, porque o nosso primeiro dever de professores, de que o Sr. Deputado partilha, é o de falar com autenticidade. Mas a culpa que o assumo é a de não ter feito, talvez, tudo quanto estaria ao meu alcance para evitar que o País viesse a chegar à situação de debilidade em que está.
Poderia, provavelmente, ter feito mais.
Omiti-me, algumas vezes, talvez por mau julgamento, e assumo essa responsabilidade. Não pertenço aos inocentes deste país. Tenho culpa e participei na vida activa deste país e assumo os resultados da acção.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Dito isto, queria sentir que já estava à vontade para lhe chamar a atenção para o seguinte: muitas vezes escrevi que a Constituição de 1933 era uma constituição semântica e que sofria de falta de autenticidade, porque aquilo que ela dizia, mesmo em relação ao que correspondia à doutrina social da Igreja, que defendo, não era aquilo que se encontrava na prática.
Até 1952, salvo erro, dediquei-me apenas ao estudo das leis. Não é um bom campo de trabalho para conhecer a realidade.
Em 1953, salvo erro, fiz a minha primeira visita a África e verifiquei que o que as leis diziam não era o que se praticava.
V. Ex.ª pode, facilmente, acusar-me de incoerência se comparar apenas os escritos, porque o que escrevia até 1953 era puramente normativo e o que passeí a escrever daí em diante dizia respeito à análise da situação real dos interesses do meu país.
Uma coisa que não faço, em primeiro lugar, é confundir o País que amo com nenhum regime constitucional.

Em segundo lugar, não tenho a menor dúvida de que a organização dos direitos e garantias individuais desta Constituição de 1976 é mais autêntica na sua aplicação, ...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - O Sr. sabe lá o que isso é!

O Orador: - ... mas também não tenho dúvidas, e por isso tenho-o dito e escrito com clareza, de que esta Constituição caminha também no sentido de se tornar numa constituição semântica. É essa advertência que, quando posso, tenho feito à Câmara.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Isso é um insulto!

O Orador: - Isto quer dizer que aquilo que está escrito começa a não corresponder aos factos e, por isso, tenho feito o resumo da minha crítica dizendo que o sistema está a entrar em crise antes de entrar em vigência.
É esta a minha opinião sobre a actual Constituição e, por isso mesmo, entendo que precisa de ser revista.
Condeno inteiramente a vertente marxista que também está na Constituição, porque fui, sou e penso que continuarei a ser antimarxista, antileninista, anti-sovietista e contra a sovietização da Europa. Sou defensor da manutenção dos padrões do legado político ocidental europeu e não quero que o meu país viva fora desse legado.

Aplausos do CDS,

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra só para dar uma breve explicação ao Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro de Estudo e dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado, o Governo ouviu com a maior atenção a sua exposição e as suas perguntas.
Achamos que elas são fundamentadas e pertinentes e mereceriam a reposta que V. Ex.ª certamente esperava do Governo.
Acontece que as perguntas foram muitas, as respostas tinham também que ser muitas, mas o tempo, infelizmente, é pouco.
Se a Assembleia concordasse, consideraríamos essas perguntas, na parte que não vai ser respondida nas intervenções dos senhores ministros que vão falar posteriormente, como requerimentos ao Governo e terão a mesma resposta que normalmente têm os requerimentos formulados pelos Srs. Deputados.
Este mesmo tratamento será obviamente o mesmo dado a todas as perguntas das intervenções dos Srs. Deputados que não tiveram resposta directa.

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24 DE FEVEREIRO DE 1984

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): -Sr. Presidente, peço a palavra para responder ao Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Adriano Moreira, agradeço-lhe a atenção de me ter respondido e a maneira objectiva e a forma digna como o fez.
No entanto, permito-me chamar a sua atenção para o facto de que perguntei se o regime político da Constituição de 1933, independentemente dos defeitos da Constituição actua e das razões históricas da Constituição derrubada em 25 de Abril, se lhe afigura de valor ético-político semelhante ou inferior ao da actual Constituição.
Não me referi à parte programática da Constituição. Parece-me que não podemos considerar o regime político vigente como algo que é taxativa e efectivamente marcado pelas formulações programáticas contidas na Constituição. Não é a parte programática da Constituição que situa e define o regime.
Aliás, eu referi defeitos do regime da Constituição vigente no meu critério ou no de V. Ex.ª
O que lhe perguntei, se me permite, foi o seguinte: em teoria geral, afastados das circunstâncias, afastada a problemática do ultramar que tanto interessou V. Ex.ª e a questão da culpa - que não estava em causa -, considera igual, ou de diferente valia, no plano dos princípios, o regime que vigorou entre 1933 e 1974 e o regime político que vigora actualmente no País?

O Sr. Adriano Moreira (CDS): -Sr. Presidente, não sei qual é a figura regimental mais apropriada para responder ao Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
Talvez a forma de protesto mo permita.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado, calculava que daquilo que lhe tinha dito ficava claro que a minha resposta era afirmativa.
Não posso achar que unia constituição semântica e inautêntica é uma boa constituição.
Vou-lhe acrescentar mais um detalhe do meu convencimento. Para aquele julgamento que a história há-de fazer, e para o qual o Sr. Deputado remeteu, o descalabro do processo começou nesta Sala com a revisão clandestina da: Constituição de 1933, que era tão inautêntica na sua aplicação que até o conceito estratégico nacional que lá estava foi retirado sem discussão.
Espero que desta vez a resposta seja muito clara e afirmativa para V. Ex.ª

O Sr. Manuel Lopes (PCP): -Isto é o fascismo!

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira para uma intervenção.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Já nesta Assembleia nos pronunciámos suficientemente, em intervenções anteriores, sobre a política económica do Governo hoje aqui interpelado. Por isso, falemos antes do interpelante.

A participação do CDS, com sérias responsabilidades nas pastas económicas dos governos da Aliança Democrática, para não falar do envolvimento de dirigentes seus na política do antigo regime, não pode fazer-nos facilmente aceitar que, numa mágica pirueta, o CDS tente transitar do banco dos réus da política económica para adjunto de acusador público do actual Governo.
O CDS, com a sua proposta de revisões da parte económica da Constituição, procura arranjar um novo álibi para a ineficácia de muitas empresas, públicas e privadas, para a incapacidade de muitos empresários e gestores, para o adiamento da superação das dificuldades de muitas unidades económicas.
O CDS fala ainda do 11 de Março, fingindo esquecer que, depois disso, foi votada a Constituição de 1976; foi revista, com o seu voto, em 1982, e foram introduzidas alterações no funcionamento do sector público empresarial, que, aliás, não ultrapassa em dimensão os sectores públicos de diversos países europeus.
O CDS e os governos da Aliança Democrática não hesitaram em não pagar atempadamente indemnizações compensatórias a empresas públicas que vendem bens ou serviços de carácter social, agravando as suas situações financeiras e de tesouraria, como ainda obrigaram órgãos de gestão de grandes empresas públicas a contraírem financiamentos no exterior para o desenvolvimento do projecto que eles, CDS, no Governo, aprovaram. O CDS é, pois, co-responsável pela desequilibrada situação de muitas empresas públicas, que se agravou, aliás significativamente, no período de 1979 a 1983.
Sr. Presidente, esta interpelação é hipócrita!
Não porque os Srs. Deputados do CDS não possam estar preocupados com a crise económica, financeira, política é social. Mas porque os senhores ex-governantes do CDS deram passos decisivos para mergulhar o País nessa crise.
Face à política posta e aplicada pelo Sr. Ministro Ernani Lopes, constatamos que o CDS não tem muito mais a opor, pelo menos pelo que tem evidenciado, do que um novo processo de revisão constitucional, uma soma de demagógicos ataques ao sector público, administrativo e empresarial, conjugados com um vago elogio do nacionalismo liberal que até agora, para além da eventual sedução da fórmula, ninguém terá explicado muito bem o que era.
Para a UEDS, não é em fórmulas pseudomágicas que nos reconduziriam, na pior das hipóteses, à reedificação de um Estado autoritário, e na menos pior, à radical aplicação do monetarismo, à destruição do sector público e à restauração do capitalismo selvagem, não é nessas fórmulas que se poderá buscar a alternativa à actual política económico-financeira.
O que consideramos urgente, é o lançamento de um processo de adaptação das estruturas produtivas nacionais capaz de permitir o relançamento económico sem um défice, externo intolerável.
O que nós pensamos é que, tendo em conta a inserção que no futuro terá a economia portuguesa no contexto internacional, se torna necessário proceder com urgência à reestruturação do sistema produtivo nacional, compatibilizando-o com a política económica externa. Mas a indispensável abertura ao exterior, no quadro de uma política progressista, só fará sentido se a economia puder também satisfazer me-

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lhor o mercado interno, ou seja, contribuir para melhorar o nível de vida dos Portugueses. Sem isso, nada feito!
E no quadro da reestruturação da base produtiva da nossa economia haverá que proceder à reabilitação do sector público como instrumento decisivo da política de desenvolvimento, assim como há necessidade de exercer efectivamente uma regulação planeada da economia, utilizando mecanismos e instrumentos adequados para esse efeito.
Não é a "mão invisível", não são as leis cegas da pura economia de mercado, que, ditando, à velha forma liberal, a posição de Portugal na "divisão internacional do trabalho", virão resolver os nossos problemas. Não sejamos passivos como Nação. É, sim, necessário um esforço do poder central que conjugue as vontade económicas privadas e cooperativas com a actuação de um sector público reestruturado e redinamizado.
.Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: Sintetizando e para terminar, porque o tempo urge, refira-se que as propostas do interpelante, para nós, não expressam qualquer alternativa viável serem rupturas antidemocráticas e mais não exprimem do que a actual incapacidade política de quem interpela.
Disse!

Aplausos da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Morais Leitão, para fazer uma intervenção.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, o meu colega de bancada Morais Leitão está num jantar na Embaixada de Espanha a convite do Sr. Embaixador.
Interpelo a Mesa no sentido de pedir que se chame o meu colega de bancada Lobo Xavier, que está inscrito a seguir.

O Sr. Presidente: - Deseja que se faça uma troca, não é verdade?

Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Lobo Xavier.

O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Hesitei quando me incumbiram de falar, nesta Câmara e nesta interpelação sobre problemas fiscais. É que em Portugal, estando de há muito ausentes da consciência colectiva as ideias de prémio e castigo - como alguém há pouco referia, a culpa morreu, de facto, solteira, Sr. Professor Adriano Moreira -, falar demais em coisas sérias só contribui para as banalizar e votar ao esquecimento. Ademais, já eu próprio cansei os meus pares sobre o mesmo assunto, algures, aquando da aprovação do Orçamento do Estado para 1984.
Foram, no entanto, as palavras do Sr. Ministro das Finanças, proferidas no Instituto de Defesa Nacional, que me levaram a reconhecer a importância de, maís uma vez, aqui se fazerem algumas reflexões sobre o sistema fiscal português.
Com efeito, disse então V. Ex.ª que o "nesse sistema fiscal não serve", "é injusto", "asfixiante" e "desestimulante ao trabalho". V. Ex.ª disse-o, e logo vieram alguns apontar um pretenso alijar de responsabilidades, afirmando que "em Portugal os Ministros da Educação pensam que a educação é má, os da Justiça descrêem da justiça e os das Finanças no sistema fiscal"!
Não fui desses, Sr. Ministro, e não creio que as coisas sejam tão simples: por um lado, muito admirado ficaria se V. Ex.ª dissesse coisa diferente do que disse e, por outro, não há dúvida de que parte da situação vem detrás e é preciso um grande fôlego para a corrigir.
Não basta, no entanto, que o Governo venha, passados 9 meses de governação, reconhecer evidências! Impõem-se medidas urgentes para que possam dizer -aqueles que o querem dizer! - que o Governo não conhece apenas os problemas, mas que também os resolve.
V. Ex.ª já disse que está implementada a introdução do imposto de valor acrescentado - exigência de uma aproximação à Europa - e que se encaminham os trabalhos à volta da criação do imposto único sobre o rendimento - exigência, agora, de justiça formulada pela própria Constituição.
O Governo prometera, aliás, aqui, nesta Câmara, aquando da votação do Orçamento, uma redução próxima dos impostos sobre o rendimento, a revisão do Código do Imposto Complementar com a intenção de o aproximar da Europa.
Não se poderá estranhar que o CDS tenha dúvidas quanto a este segundo ponto: é que a introdução de justiça no sistema fiscal português vai implicar, forçosamente, a redução das receitas públicas de uma administração que não controla - ou não tem demonstrado controlar - a sua própria voracidade!
Ultimamente, com efeito, a legislação fiscal tem tido apenas em vista a satisfação das necessidades financeiras descontroladas , do Estado, com desprezo pela certeza, segurança dos contribuintes e pela justiça do sistema.
É por isso que tem havido impostos extraordinários.
É por isso que a tributação indirecta - mais injusta, mas mais cómoda - assume um peso relativo tão importante.
É por isso que os critérios da administração fiscal estão profundamente desviados, confundindo-se conceitos indeterminados com poder discricionário e este com o puro arbítrio.
É por isso que a ideia de "rendimento real" quase desapareceu dos códigos de impostos, abundando as técnicas presuntivas, as avaliações arbitrárias, as correcções com base na "opinião da administração fiscal". Finalmente, é por isso que um mar imenso de direito "circulante" confunde os contribuintes, para quem é impossível conhecer, por si só, o modo de cumprimento das respectivas obrigações fiscais.
É claro que a reforma fiscal é uma tarefa longa! Mas a reforma fiscal não é apenas a alteração dos tipos de impostos, como poderiam julgar os menos precatados: urge rever a própria "mentalidade" ou "estado de espírito" da administração fiscal, que se encontra pressionada pelas exigências desregradas do Estado. Esta tarefa tem de ser iniciada desde logo.
O CDS não deixará, pois, de proclamar que o princípio da legalidade, em matéria fiscal, não é uma bizantinice de juristas, mas a afirmação de uma das tarefas mais importantes desta Câmara, realizada em nome daqueles que representamos e a quem o Estado

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leva o dinheiro! Não pode haver, neste domínio, poder discricionário da Administração nem há lugar à concretização de conceitos indeterminados: a única forma de lutar contra a imprecisão das leis fiscais é a sua modificação e o seu aprimoramento técnico!
Não tem sido este, no entanto, o espírito da Administração, nem se sentem vontades de mudança.
Mas não precisamos de nos deter, apenas, em questão atinentes à segurança e à justiça dos contribuintes que alguns, porventura, até desprezarão, por se tratarem de valores individuais. Parece-me, no entanto, que o desenvolvimento da economia portuguesa - que V. Ex.ª diz desejar - não passará de um projecto se o quadro fiscal não se alterar. Como quer V. Ex.ª o relançamento económico enquanto os rendimentos das actividades comerciais e industriais estiverem sujeitas a uma dupla tributação económica imposto complementar e contribuição industrial? Como se pode pretender proteger a empresa se se lança um imposto sobre as suas próprias despesas? Enfim, como se quer desenvolvimento com uma contribuição progressiva?
Ignora o Sr. Ministro das Finanças que muitas empresas estão hoje à beira de suspender, por impossibilidade, o cumprimento das suas obrigações fiscais?
Há dias a imprensa, consolava os Portugueses com estatísticas sobre a carga fiscal onde, relativamente a outros países, tínhamos uma posição menos penalizada. Estas comparações, no entanto, para os observadores mais atentos, têm um saber a humor negro, num país onde os serviços públicos são péssimos e tendem a deteriorar-se ainda mais e onde as prestações sociais estão tão longe dos nossos pontos de referência!
Não. De facto, o Estado não poderá melhorar o sistema fiscal enquanto não poder controlar a sua própria voracidade. Já alguém se terá lembrado de confrontar o montante dos impostos sobre o rendimento com o produto privado? É que já ninguém ignora hoje, que os elevados impostos que suportamos se destinam ao sector empresarial do Estado, nem mesmo os socialistas, hoje empenhados em liberalizar! Dir-se-ia que se as empresas públicas são "nossas", são tragicamente "nossas", e que, por ironia, são os impostos que sustentam os destroços de veleidades socialistas passadas.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E, no entanto - e, no entanto! -, eis alguma coisa que não depende da revisão da Constituição! Sim, de facto o melhoramento do sistema fiscal não implica alteração das normas constitucionais, o que poderia causar complexos àqueles que chamaram "sua" à Constituição ou que aplaudiram de pé a sua aprovação! Cinicamente, aí estão os artigos 106.º e 107.º a falar em justiça do sistema fiscal, em diminuição das desigualdades, em repartição da riqueza, em tributação do rendimento real. Curiosamente, a constituição fiscal não precisa de ser revista, mas executada!
Disse!

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com esta intervenção perfaz-se, num curto período, a exibição, perante a Câmara, das 2 faces do CDS. Conduzem ao mesmo resultado, igualmente lamentável.
Assistimos há pouco, com a Câmara certamente gelada, às considerações autobiográficas e autocríticas ditadas para a acta da história pelo Sr. Deputado Adriano Moreira, que aqui verteu aquilo que entendeu adequado sobre a sua experiência no governo fascista, sobre a sua evolução no fascismo, sobre a transformação do seu pensamento fascista.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ouvimos também considerações algo patéticas, se não fossem simultaneamente graves, porque as consequências a que aludiu foram sofrimento para o povo português. E enquanto fazia as suas digressões por África, foram sofrimentos para os povos oprimidos pela opressão colonial.

O Sr. João Amaral (PCP): -Muito bem!

O Orador: - É um discurso que esta manhã nos trouxe, aqui, o pesadelo da droga, flagelos da prostituição, a gravidade do iberismo, os dramas do "atlantismo>", os problemas do "europeísmo" e todo o conjunto de fantasmas com que a sua memória histórica ocupa o tempo que tem.
Assistimos, agora, a um discurso pujantemente crítico e virginal. De sebenta na mão, o Sr. Deputado Lobo Xavier saltou para o hemiciclo, constatando os males do sistema fiscal. Tudo isto não mereceria senão uma constatação, não fora o caso de o CDS -, a que o Sr. Deputado pertence, estando no hemiciclo e não num seminário - ter responsabilidades concretas e pesadas nas distorções que o sistema Fiscal tem. O CDS não é inocente e tem nas suas bancadas um ex-Ministro das Finanças -que está agora num jantar da Embaixada de Espanha - que teve ocasião histórica de agir no sentido da correcção dessas distorções e não o fez.
Nestes termos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, falar em cinismo fiscal da Constituição é puramente ridículo da parte de um partido que não apenas exibe um cinismo político geral como uma surpreendente e espantosa hipocrisia.
Na face velha ou na face nova é, sem dúvida, o mesmo espírito retrógrado e passadista, do qual não há nada a esperar para a transformação da realidade portuguesa. Esta interpelação é disso o melhor exemplo.

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nem os seus lhe batem palmas.

O Sr. Presidente: -0 Sr. Deputado Adriano Moreira pede a palavra para que efeito?

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0 Sr. Adriano Moreira (CDS): -Pedi a palavra para o exercício do direito de legítima defesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Uso esta figura regimental apenas para dizer ao Sr. Deputado Sottomayor Cardia que este seguimento não me faz desistir de prestar tributo à autenticidade da sua intervenção e à decisão de continuar a colaborar para reconduzir este país a uma vida autêntica, como sei que também é o seu desejo.
Ao senhor interventor do Partido Comunista Português só queria dizer-lhe o seguinte: o senhor não pode deixar de ver 2 CDS porque a submissão dialéctica faz-lhe ver tudo a dobrar.

Risos e aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lobo Xavier pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Lobo Xavier (CDS): -Pedi a palavra, Sr. Presidente, para um curto contraprotesto.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, quando o vi pedir a palavra julguei que ia contrariar alguma coisa do que eu disse. Depois verifiquei que não.
Quanto à sua linguagem habitualmente profusa de adjectivos, de referências a "sebentas na mão", por que não? ... Ainda há pouco tempo numa discussão, noutra altura e noutra sede, tive oportunidade de lhe fornecer uma, ou parte de uma, e estarei sempre disposto a fornecer-lhe ou até a explicar-lhe o que elas dizem.

Risos do CDS.

Depois, o Sr. Deputado porventura não me terá percebido. Eu não falei do cinismo da Constituição fiscal, mas referi que os preceitos da Constituição fiscal ali estão para quem os quiser ver e para quem os quiser executar. Eu apenas disse que falta quem queira executar a Constituição fiscal porque ela não precisa de ser revista. Foi isto apenas, Sr. Deputado.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.

O Sr. Ministro da Indústria e Energia (Veiga Simão): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo: As dificuldades da vida do País estão à vista, demos-lhe o nome de crise. Eu sei que é algo que vive em nossas casas e que veio agravar problemas de solução, já por si difícil. Infelizmente, a maneira de ser dos Portugueses, desprezando a gestão do útil e consumindo-se na discussão do impossível, não é propícia a vencer crises com facilidade. Mas por maiores que sejam as quezílias ninguém nos iguala na fidelidade a um modelo universal que humaniza o homem. É esta a nossa força.

A economia não pode vergar o País. Vamos reagir. Temos quase tudo por fazer -tudo temos a refazer. como dizia Eça de Queirós:

E preciso criar riqueza, porque sem esse instrumento o braço mais forte fraqueja. Temos de criar riqueza pelos meios que o saber positivo tem indicado e que a política tem desdenhado. Criar riqueza através do fomento rural, metodizando as culturas, organizando a economia, fazendo a repovoação florestal [...] fundando indústrias [...] reformando o ensino científico e valorizando o ensino técnico [...] preparando gerações que possuam o vigor, a saúde e o poder de arrostar trabalhos [...] e criando hábitos de energia, disciplina, força, perseverança [...]

Verdades de ontem, verdades de hoje.

Ao contrário de outros países europeus, não aproveitámos o suficiente da segunda revolução industrial; há que tirar partido da terceira, da revolução tecnológica, da revolução do saber fazer e do fazer.
Este país precisa muito da vossa ajuda, senhores deputados; pois terá de ser desta casa da liberdade que poderá sair um sopro vigoroso de inteligência que ordene a todos os portugueses uma estrutura renovada, de abertura à inovação, com espírito criador.
Só vós podeis lançar um projecto nacional. Na sua falta temos de dinamizar iniciativas, tantas quantas as necessárias, para preservar a sobrevivência do País. Para isso o Governo iniciou a definição das estratégias essenciais ao desenvolvimento, entre nós, dos grandes sectores do futuro - informática, -telecomunicações, biotecnologia, novas tecnologias energéticas, qualidade industrial, vias de comunicação.
Queremos entrar no espaço europeu da indústria e da investigação. E temos de o fazer para além das divergências que nos separam. Devia ser um espaço de consenso nacional. E através dele que temos de mudar o País.
A minha angústia, Srs. Deputados, é de que "de pouco servirá ter muralhas novas por fora e só velhas ruínas por dentro".
Por isso, pergunto às vezes a mim próprio, perante a imensa vastidão do trabalho a realizar, se valerá a pena empregar o tempo a chamar nomes feios, em prosa e verso, aos governantes e às instituições democráticas. Já Eça dizia "é pueril, é dos fracos". Nesta época de desafio não queremos ter o ódio como programa nacional. Além do mais, é impotente perante a democracia pluralista. E o ódio, quando impotente, não tem outro objecto nem outra esperança senão o seu próprio desenvolvimento -é uma forma de ociosidade. Mas tenho esperança. Ainda somos um povo que trabalha. Temos qualidades para perseguir o nosso futuro. Vamos abrir, de norte a sul, o espaço social europeu, dando ênfase à formação e à especialização profissional; vamos construir o nosso próprio espaço cultural protegendo e divulgando os nossos valores e as nossas produções intelectuais e artísticas. Não podemos perder tempo e, sem medo e com arrojo, vamos explorar os nossos recursos oceânicos e procurar não nos afastar, na cooperação internacional, das grandes conquistas do espaço e da energia.

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?,4 IDE FEVEREIRO(r) DE 1989

É neste quadro que o Governo tem de desenvolver a sua política industrial, Afinal "o trabalho não vive nunca do favor, vive unicamente da ciência. Por isso a grande obrigação dos governos perante a responsabilidade da civilização não é proteger, é ensinar".
Não e fácil ensinar, se não se tiver humildade no aprender e se não houver uma transmissão correcta e exacta do pensamento. Nos tempos de hoje é frequente o uso e o abuso das palavras retiradas fora do contexto em que foram proferidas.
Foi sabendo tudo isto que, em tempos não muito recuados, lancei a sugestão do livro branco da economia portuguesa, a ser escrito por especialistas de reconhecida independência, competência e mérito. Esta ideia perdeu-se nas obrigações do dia-a-dia, mas terá de ser retomada; a sua concretização impõe-se, já, na área da indústria e da energia. Tal conto no inquérito industrial do fim do século passado, os quesitos tendentes a elucidar o estudo da economia em Portugal resumem-se a dois - por que não há capital? Por que não há saber?
Não há capital - dinheiros mal gastos, dinheiros que fugiram do País, espoliações sem rei nem roque, febre de consumismo, destruição de incentivos à poupança para o desenvolvimento, barreiras burocráticas desesperantes ... tudo aconteceu. Há que recuperar a confiança.
Não há saber - degradação de um sistema educativo em expansão e destruição do ensino técnico, paralise de uma regionalização e em particular do ensino politécnico, consolidação da universidade napoleónico-latina em prejuízo das universidades do desenvolvimento, falta de um programa nacional de formação em novas tecnologias e de especialização profissional e carências enormes na gestão e organização das empresas, anarquização da Administração Pública tudo a tornar o saber mais escasso.
Srs. Deputados, no firme prosseguimento de uma linha de acção que tracei para o meu departamento e que o Governo aprovou, os dois objectivos fundamentais da política industrial consistem na modernização e fortalecimento do sistema produtivo e na integração de Portugal na revolução tecnológica.
Não se trata de definir miragens nem arquitectar planos megalómanos. É a realidade a que não podemos virar as costas.
Não vou descrever, mais uma vez, os programas e os projectos que tive oportunidade de apresentar em devido tempo, mas para aqueles que da dúvida permanente fazem modo de vida posso afirma-lhes que o esforço feito nos últimos meses não se traduziu só em textos legais, mas também em realizações concretas e significativas. A robotização de algumas empresas como experiências-piloto, os centros tecnológicos em construção, a reconversão em curso de alguns sectores industriais, as empresas de investigação e desenvolvimento já constituídas ou em formação, os contratos-programa entre universidades, laboratórios de investigação, indústria e o ministério sobre tecnologias de informação, de materiais e de novas técnicas energéticas, o apoio aos inventores, a dinamização de um programa nacional de conservação e diversificação de energia, a intensificação do apoio às pequenas e médias empresas, constituem acções no caminho da mudança e da rentabilidade assegurada. Essas acções envolvem verbas da ordem da grandeza de 7 milhões de contos.
Nunca no nosso país se iniciou, nesta área, esforço de tão grande dimensão.
O estudo rigoroso a que vimos procedendo sobre a estrutura industrial pública e privada demonstrou cabalmente a necessidade de programar, a médio prazo, evitando o agravamento da situação existente e exigindo o saneamento das empresas, a curto prazo, de modo a não impedir as soluções do futuro.
Sanear, o que puder viver com vida própria, ou seja, as empresas com viabilidade e com projecto, tendo sempre em conta a relevância dos serviços, as relações inter-económicas, o estatuto de reserva para o sector público e a força do trabalho. Os trabalhadores, esses, não podem ser utilizados como números a ser jogados a bel-prazer os políticos. O Governo procurará sempre soluções, correctas e rigorosas, com os menores custos sociais possíveis, e não hesitará em salvar o que for técnica e economicamente viável, com vista a lançar as reformas necessárias.
Do estudo a que procedemos resultam acções de viabilização económica, de rentabilização tecnológica, de modificação estrutural e de implementação doe novos métodos e conceitos de gestão.
Nesta breve intervenção, farei uma referência especial ao sector empresarial do Estado tutelado pelo Ministério da Indústria e Energia.
Trata-se de 18 empresas situadas em áreas de economia de base e da indústria transformadora.
Os elementos económicos apurados, após uma análise individual de cada empresa, traduzem-se em números que poderão causar o desânimo e o medo aos menos fortes, que não a nós. Aceitamos o desafio de corpo inteiro.
Não os queremos manipular, nem os queremos usar para fins de destruição irracional; queremos apresentá-los na sua globalidade, não escamoteando a verdade e por forma a avaliar-se, com exactidão, a gravidade da situação presente. O diagnóstico abrange, naturalmente, o passivo e o activo das empresas, as dívidas e juros de todas as origens, a massa salarial dos trabalhadores e todos os outros índices julgados relevantes para o conhecimento profundo da respectiva situação económica e financeira.
Deixarei aqui apenas estes números globais que me parecem significativos: o total dos activos em 31 de Dezembro de 1983, líquido de amortizações, é de 1268 milhões de contos, a que se contrapõe um passivo de 1034 milhões de contos, donde resulta uma situação líquida positiva de 234 milhões de contos e do passivo, 524 milhões de contos são dívidas a curto prazo e 510 milhões de contos a médio e longo prazo.
A situação líquida (capitais próprios, reservas e resultados) representa menos de 20% do total dos activos líquidos e menos um quarto do passivo, sendo metade do passivo a curto prazo, o que denota uma situação financeira precária.
Conhecendo as taxas de juro existentes pode avaliar-se a gravidade da situação de descapitalização das empresas. Aliás, o encargo com juros foi de 139 milhões de contos em 1983, representando mais de 23% das vendas, que atingiram 562 milhões de contos. As despesas com pessoal, de 58 milhões de con-

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1 SÉRIE - NOMERO 73

tos, representam na estrutura financeira menos de 10% do valor das vendas e cerca de 41% do valor dos juros. Se relacionarmos as vendas com o total do activo, podemos verificar a fraca rotatividade deste último - as vendas anuais são menos de metade do activo líquido, o que leva, a reflectir sobre a rentabilidade dos investimentos, mesmo tendo em conta que muitas são de capital intensivo.
Estes números, tal como outros que recentemente foram divulgados, são ainda provisórios, sendo os principais motivos de discrepância o tempo de referência e a actualização da dívida externa referente à cotação do dólar em 31 de Dezembro de 1983.
Os números previsíveis para 1984 são naturalmente ainda mais gravosos, sendo necessário tomar medidas de equilíbrio financeiro, corajosas e urgentes.
As necessidades imediatas consistem em refinanciar investimentos de recuperação difícil no valor de 140 milhões de contos, em satisfazer as dívidas do Estado e das autarquias, essencialmente à PETROGAL e à EDP, no valor de 170 milhões de contos, e de injectar 60 milhões de contos para melhorar a estrutura financeira das empresas.
Como fazer? Vamos propor a Conselho de Ministros algumas soluções possíveis.
A terapêutica não será, fundamentalmente, de natureza financeira, desenvolve-se por esquemas a curto e médio prazo, incidindo sobre a orgânica da empresa, os direitos, deveres e responsabilidades do Estado, dos administradores e dos trabalhadores, as estruturas de pessoal, a natureza e o preço dos produtos e serviços, os circuitos de controle dos custos de produção e de comercialização, a substituição competitiva de importações, o aproveitamento maximizado de matérias-primas nacionais, a gestão da energia e a modernização tecnológica.
As actividades das empresas, designadamente nas multiprodutos ou plurisserviços, estão sendo desagregadas e analisadas de por si, de modo a poder decidir-se sobre o encerramento ou stand-by daquelas que não demonstrem viabilidade e ao mesmo tempo expandir as de produtividade assegurada.
Igualmente se procedeu ao estudo de relações interempresas, através de matrizes de produtos/consumo, por forma a maximizar o sistema.
O universo das sociedades afiliadas foi também objecto de cuidadosa reflexão.
Não considero oportuno procurar averiguar responsabilidades pessoais nem julgo que seja útil ao País. É, porém, imperioso não continuar a cometer os mesmos erros e exigir que os nossos investimentos sejam selectivos e ofereçam garantias seguras de rentabilidade. É necessário modificar os sistemas e as políticas que permitiram tal estado de coisas.
Na verdade, é preciso ter sempre presente que o sector público empresarial foi utilizado por sucessivos governos como instrumento de política conjuntural e gerido sem qualquer lógica global e muito menos estratégica. O recurso, quase obrigatório, ao crédito externo, o deferimento dos momentos de actualização dos preços e a aprovação de projectos desligados de uma política de desenvolvimento harmoniosa e moderna contribuíram decisivamente para a situação em que nos encontramos.
O relatório sobre o sector empresarial industrial e energético está quase concluído e será, em breve, apresentado em Conselho de Ministros. Nessa mesma altura serão discutidas as soluções relativas ao complexo de Sines, às pirites do Alentejo e ao plano siderúrgico.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A revisão constitucional é um problema a discutir em foro e altura próprias. Pessoalmente considero a irreversibilidade das nacionalizações, dada a génese destas, como não tendo base política e ideológica.
A Constituição actual, apesar do artigo sobre a irreversibilidade, oferece, porém, no meu entendimento, espaços de gestão e de actividade em grande medida inexplorados.
Há muito a fazer sem a revisão. Julgo que será coerente rever, mas não é urgente.
Como Ministro respeitarei e velarei pelo rigoroso respeito da Constituição da República. E a construção da liberdade e da justiça social.

Aplausos do PS e do PSD.

Ao terminar, não resisto a parafrasear Ramalho Ortigão:

Há erros grosseiros que persistimos em cometer. Temos de saber fazer outras coisas para além da lançar impostos para cobrir as responsabilidades dos empréstimos e contrair empréstimos para suprir as deficiências do imposto; não deverá permanecer, como axioma, que não pode haver indústria porque não há carvão [...] enquanto estão ainda desaproveitados grandes motores naturais de outros recursos energéticos.

Na alta direcção dos negócios públicos a ciência tem de entrar um dia e pôr fora, aos pontapés, a triunfal intriga, com todo o seu cotejo de incapacidades poderosas e invencíveis.
A organização da indústria, independente e próspera, seria absolutamente impossível se a débil iniciativa de um ou de outro cidadão isolado fosse sempre esbarrar-se, demolir-se, contra a parede oficial, irresistivelmente argamassada na imobilidade, na indiferença e na burocracia do Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao fazer esta intervenção não pretendo nem criar alarmismos nem derrotismos. Trata-se apenas de gerir com rigor e, a partir de agora, fazer prevalecer critérios de eficácia. O Governo de Mário Soares libertou-nos do espectro da bancarrota. E vai pôr a Administração ao serviço do povo português.

O Governo, com a ajuda do Parlamento, tem de mudar Portugal.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro da Indústria afirmou poder continuar a sua intervenção, pois os partidos da maioria lhe cederiam o tempo necessário. O Sr. Ministro gastou mais 14 minutos e eu vejo-me com dificuldades em distribuir este tempo pelos partidos.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): -Use o método de Hondt, Sr. Presidente.

Risos do CDS.

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24 DE FEVEREIRO DE 1984

O Sr. Marques Mendes (PSD): -Sr. Presidente, queria só informar V. Ex.ª de que o PSD cede 15 minutos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Lage pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, para não ficarmos atrás do PSD, cedemos 16 minutos.

Risos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - O PS ficará então com 3 minutos.

O Sr. Carlos Lage (PS): - E o tempo de um pedido de esclarecimento.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É o tempo de um disco.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Ministro da Indústria, como não tenho quem me ofereça tempo, vou ser telegráfico.

Gostava de lhe pôr algumas questões, mas antes gostaria de fazer a seguinte reflexão: os números que o Sr. Ministro aqui apresentou, sobre a problemática das empresas públicas, são, de facto, ainda que incompletos, muito mais completos do que aqueles que forneceu quando fez a sua intervenção na AIP. Neste momento, Sr. Ministro, não considera que talvez tenha sido um pouco irreflectida essa publicitação de números, da forma como a fez, na AIP?
Repare que avançar aqueles 3 ou 4 números, sem dizer mais nada, é só para assustar as pessoas - principalmente as pessoas que não estão dentro dos problemas -, mais ainda, quando se fala em passivos que para determinadas empresas são prejuízos, etc. Isso cria à generalidade da população uma confusão terrível, que é resultante das declarações que o Sr. Ministro fez.
Estou convencido de que, depois daquilo que aqui disse, terá talvez, se me permite a expressão, reflectido um pouco mais e terá considerado que valia a pena clarificar um pouco mais a questão.
Passo agora às questões que lhe gostaria de pôr.
O Sr. Ministro referiu que não queria fazer acusações pessoais - e não é isso que lhe peço -, simplesmente há declarações que o Sr. Ministro fez lá fora, concretamente na AIP, que são acusações politicamente graves, e julgo que a Câmara tem o direito de ter uma explicitação mínima da parte do Sr. Ministro. Refiro-lhe concretamente esta passagem: < [...] há alguns economistas com graves responsabilidades na situação actual. Preparam-se outra vez para importar novas teorias e não sonham ser réus pelos males que causaram [...] ". Economistas há muitos, Sr. Ministro. A que economistas se referia, Sr. Ministro? Aqueles que praticaram acções nas empresas públicas? Aqueles que as determinaram? Aqueles que as pensaram? Que economistas?
O Sr. Ministro fez outra acusação: " [...] alguns políticos oportunistas - que os há por todo o lado julgam ser ousado fazer pronunciamentos de circunstância, fortalecem a voz e não reparam que revelam falta de estudo, de reflexão e de trabalho". A que políticos oportunistas se referia, Sr. Ministro, na medida em que os há por todo o lado?
O Sr. Ministro referiu a problemática da revisão da Constituição. E uma declaração obviamente apontando para uma retratação daquilo que havia dito anteriormente e que havia sido comunicado pelos jornais. No entanto, o Sr. Ministro, para além de propor a revisão constitucional, iria tentar fazer passar uma interpretação sua do significado das mesmas, no sentido de que a irreversibilidade - das nacionalizações significa apenas a garantia de posição
maioritária no capital das empresas nacionalizadas.
O Sr. Ministro agora referiu o problema do artigo da irreversibilidade das nacionalizações. Pergunto-lhe: o Sr. Ministro já pensou que, além desse artigo , há, por exemplo, o artigo 89.º? Perante este artigo, considera que é possível dar a gestão de empresas públicas ao sector privado?
Eram estas as questões que lhe queria pôr, Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Sr. Ministro da Energia, V. Ex.ª falou das responsabilidades pessoais na errada ou incorrecta gestão do sector empresarial do Estado e disse que não seria conveniente nem útil para o País averiguar-se dessas responsabilidades.
Saiba V. Ex.ª Sr. Ministro, que o problema da responsabilidade foi hoje muito tratado nesta Câmara. O CDS decidiu interpelar o Governo e vários deputados decidiram falar de responsabilidades políticas de governos passados. Esqueceram-se, por certo, de que as responsabilidades políticas se efectivaram, além do mais, à boca das umas e que o CDS foi o único partido que pagou, porventura, essas responsabilidades. Está com o seu saldo limpo e está, portanto, a exigir responsabilidades nesta Câmara.

Queria perguntar-lhe, Sr. Ministro, por que é que entende que o apuramento das responsabilidades pessoais na gestão negligente -ou mais do que isso não é de efectivar neste momento e que não é útil ao País conhecê-lo.

Vozes do CDS: -Muito bem!

O Orador: -Queria fazer uma segunda pergunta que se prende com outro tema que foi hoje muito versado nesta Câmara: é o do recurso obrigatório ao crédito externo por parte das empresas públicas. Sr. Ministro: V. Ex.ª pode dizer-me se neste ano de 1984 está programada a obtenção de recursos para fazer face ao desequilíbrio das nossas contas com o exterior, que finalmente possa permitir não ser necessário pôr as empresas públicas a recorrer ao crédito externo? O Sr. Ministro pode dar-me esta resposta? E esse programa, a existir, é um programa satisfatório que permita encarar com optimismo esse desequilíbrio de 1984, apesar dos êxitos tão longamente apregoados, no que respeita à balança de transacções correntes?
Finalmente, queria pôr uma questão que, em parte, já foi posta pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira.
Aqui há dias os órgãos de comunicação social referiram claramente que o Sr. Ministro considerava

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como essencial ao seu projecto de ataque à problemática das empresas públicas, a necessidade de revisão da parte económica da Constituição, designadamente da disposição respeitante à irreversibilidade das nacionalizações. V. Ex.ª apresenta aqui, hoje, um pensamento diferente. Diz V. Ex.ª que considera desnecessária a revisão da norma sobre a irreversibilidade e que a Constituição lhe confere amplas possibilidades de, mantendo a nacionalização, operar por forma a alterar a actual situação. Penso que V. Ex.ª pense em operar uma modificação no conceito de empresa pública e incluir nele a possibilidade de empresas de capital misto com capital do Estado dominante.
V. Ex.ª considera isso possível com os actuais normativos constitucionais? Porquê a mudança de pensamento, Sr. Ministro? Só para que o Governo pudesse aparecer aqui, nesta interpelação, com um pensamento uniforme?
De qualquer maneira é uma coisa com que nós nos congratulamos, Sr. Ministro, porque resultou claro que VV. Ex.as consideram que a Constituição carece de sei revista. O problema é o da oportunidade da revisão. E, de qualquer maneira, haverá que lhe introduzir interpretações de tal modo correctivas que realmente descaracterizam a Constituirão.

Começamos a dar-nos por satisfeitos, embora não por inteiramente satisfeitos.

O Sr. Ministro disse ainda que não havia projecto nacional. Quem é que não tem projecto nacional? E este governo? Já sabíamos que não tinha.

O Sr. Ministro considera possível substituir o projecto nacional do Governo, quer dizer, este governo não assenta num projecto nacional. E considera possível substituir esse projecto por pequenos projectos, por pequenas medidas conjunturais, par projectos reduzidos que ataquem problemas concretos, Sr. Ministro?

Era esta a última questão que queria deixar a V. Ex.ª

Agradeço ao Sr. Presidente o ter-me permitido usar mais tempo para poder pôr estas questões e, porventura, se tiver necessidade de intervir, queria continuar a contar com a benevolência de V. Ex.ª
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, de facto concedi-lhe 1 minuto e o Sr. Deputado usou 2 minutos. Agora, a partir daqui, torna-se um pouco mais complicada essa questão da benevolência.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria.
O Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, o alarme a que V. Ex.ª se referiu e que no seu entendimento resultou das declarações que fiz na Associação Industrial Portuguesa tem dois sentidos. O problema é grave e devo dizer-lhe que apresentei hoje aqui números muito mais completos. Pode V. Ex.ª estar certo de que lhe será facultado, em devido tempo, um relatório sobre essas empresas com todos os dados sobre cada uma delas.
Queria dizer-lhe também que me referi aos economistas teóricos e aos políticos irreflectidos. V. Ex.ª localize-os a mais belo prazer.

Considero que as maiores responsabilidades da gestão do sector empresarial do Estado cabem a sucessivas políticas económicas incoerentes.
Ao Sr. Deputado Nogueira de Brito dir-lhe-ei que "Roma e Pavia não se fizeram num dia". Temos ainda que recorrer mais uma vez ao crédito externo e V. Ex.ª sabe bem porquê! ...
As declarações que aqui fiz hoje sobra a revisão constitucional e sobre a flexibilidade e criatividade da actual Constituição foram aquelas que sempre fiz, não tenho culpa de que muitas vezes jornais deturpem o meu pensamento.
Este governo, diz V. Ex.ª, não assenta num projecto nacional, mas em pequenos projectos. Este governo, que assenta na maioria mais estável ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mais estável?

O Orador: Que, jamais um governo teve, vem desenvolvendo um conjunto de projectos que V. Ex.ª e o CDS quando estavam no governo não tinham. Vamos fazendo alguma coisa na certeza de que durante o ano de 1984 serão feitos os grandes programas de recuperação e modernização do País, que vão com certeza satisfazer todos os portugueses e assim também V. Ex.ª

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito pede-me para usar da palavra, mas sinceramente agora não lhe posso conceder mais tempo, visto o Sr. Deputado já ter gasto 2 minutos para além do tempo a que tinha direito. A não ser que algum partido lhe queira conceder algum do seu tempo ...
Tem a palavra, Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): -Sr. Presidente, o Partido Socialista concede 1 minuto ao Sr. Deputado Nogueira de Brito para que possa continuar a interpelar o nosso governo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nesse caso todo o tempo que o Sr. Deputado Nogueira de Brito venha a utilizar será por conta do PS.
Tem a palavra, Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Será mais um sinal de austeridade o racionamento com que o Partido Socialista me cede o seu abundante tempo. De qualquer forma agradeço muito reconhecido.
Queria protestar pelo facto de o Sr. Ministro Veiga Simão não ter dado resposta a todas as minhas questões.
Primeiro, Sr. Ministro, por que é que realmente não vamos para a frente com a averiguação das responsabilidades pessoais na gestão das empresas públicas? Fiquei sem o saber. Segundo, sei que vamos recorrer ao crédito externo; o que eu queria saber era se V. Ex.ª vai obrigar as empresas públicas sob sua tutela a recorrerem, também este ano, ao crédito externo. E isto é um disparate de gestão ou será mais uma fatalidade da nossa dívida externa? Faço esta pergunta porque hoje foi aqui tratado esse recurso das empresas públicas ao crédito externo como um disparate grande da gestão económica e financeira de governos passados, pelo que gostaria de ver o assunto esclarecido.

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Sr. Ministro, quem falou do projecto nacional foi
V. Ex.ª, quando referiu que não o termos. Na realidade é essa a questão que lhe coloco: confirma V. Ex.ª que não têm um projecto nacional? Porventura a inexistência desse projecto resulta de dificuldades de entendimento entre os dois parceiro da coligação?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria.

O Sr. Ministro da indústria e Energia: -Em primeiro lugar volto a insistir com o Sr. Deputado Nogueira de Brito no facto de que não vejo qualquer utilidade em analisar o problema da gestão das empresas públicas sob o ângulo da responsabilidade individual das pessoas, a não ser que se entendesse oportuno, por terem sido cometidas graves faltas. A maior responsabilidade cabe efectivamente à natureza das políticas que se seguiram, e bem assim a problemas de conjuntura e à forma como o sector público foi utilizado por governos que nos precederam.

O recurso ao crédito externo é uma herança dos governos que nos precederam e que vamos eliminando sucessivamente.

Finalmente, V. Ex.ª diz que não temos um projecto nacional que entusiasme todos os portugueses. Mas, Sr. Deputado, o projecto que temos vai no sentido de pormos todos os portugueses a trabalhar por uma causa comum, e, por isso, tem de ser arquitectado num base de mobilização nacional, e só este Governo de coligação será capaz de o fazer.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.

O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Esta interpelação ao Governo pretende-se centrada "predominantemente sobre a deterioração das condições de vida da população e o agravamento descontrolado da crise económica e social", termos exactos usados pelo partido interpelante.

Mas, em boa verdade, o que esse partido visa é, uma vez mais, atacar as empresas públicas, o sector empresarial do Estado, empurrar para a "alteração do quadro económico da Constituição", procurando escamotear as responsabilidades que, como partido que se conta entre os que na última meia dúzia de anos mais tempo participou no governo de Portugal, lhe cabem na situação a que foi conduzido o nosso país.

É certo que 1983 regista o maior valor de inflação de último lustro e a maior quebra dos salários reais das últimas décadas. Mas só assim é porque o CDS e a sua AD, não contando então com o apoio do PS, foram incapazes de levar à prática, em toda a sua plenitude, a política que defendem, impotentes que foram para conter no nível desejado as actualizações salariais, face à firmeza da luta dos trabalhadores, fruto da sua unidade.
Não foi porque a política do CDS, da AD, fossem substancialmente diferentes que não se chegou antes à grave situação de "deterioração das condições de vida da população e agravamento descontrolado da crise económica e social"; ela é o corolário lógico da política prosseguida quer pelo Governo actual, quer pelos da AD. E é bom não esquecer a similitude entre a prática política deste Governo e a prosseguida pelos da AD, praticamente reconhecida até por declarações de responsáveis do CDS.
Mas o CDS é capaz de desculpar "a incapacidade do Governo para resolver com precisão" as verdadeiras causas da crise. Porque, em sua opinião, "antes de mais, importa alterar o sistema". E assim sendo, o que mais critica ao Governo é que se limite a prometê-lo e adie mudá-lo.
Em resumo, para o CDS, e ninguém lhe nega a coerência, todos os nossos males vêm do sector público, "epicentro da crise", pelo que não há governo que se salve sem "começar pela alteração do quadro económico da Constituição".
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Naturalmente que é bem diferente a posição do MDP/CDE. Numa coisa, contudo, estamos em consonância: o sector público é o cerne da questão. Evidentemente, que para nós o é numa perspectiva distinta, mesmo diametralmente oposta.
Para o MDP/CDE, já aqui o dissemos, só existem duas formas de vencer a crise: uma que encara o sector empresarial do Estado como factor de dinamização da economia, entendendo-o como instrumento de política económica do Estado, insubstituível para a concretização de um desenvolvimento planeado; outra que faz assentar o arranque do crescimento económico na iniciativa privada, o que conduzirá, inevitavelmente, á reconstituição dos monopólios.
É, obviamente, a primeira destas vias aquela que defende o MDP/CDE, porque é a única que é democrática e também porque só ela é susceptível de proporcionar não apenas o crescimento económico, mas um desenvolvimento equilibrado, ponderando devidamente as necessidades de produção de riqueza, bem como a sua distribuição.
Ninguém duvidará de que a superação da situação económica actual exigirá a definição de uma estratégia, de um programa consequente - o próprio CDS o reconhece implicitamente, quando diz que "chega de medidas avulsas cujo plano e justificação global o País desconhece em absoluto".
Porém, não adiante apelar, como o fez o adjunto do Secretário de Estado do Orçamento num jornal do último fim de semana, aos meios empresários para que temem iniciativas e definam políticas nacionais, colocando o interesse nacional acima das suas próprias preocupações ou "egoísmos sectoriais". É inútil, porque tal papel só assenta ao sector público. E, por isso, nós dizemos que ele é um instrumento insubstituível na superação da crise.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A perspectiva que defendemos só é exequível desde que se reveja radicalmente a utilização que o Estado, através dos seus governos, tem conferido ao seu sector empresarial.
Com efeito, não é possível dinamizar uma estrutura quando os gestores dos seus órgãos são nomeados sem critérios que atendam exclusivamente à sua capacidade para o desempenho de tais cargos, sem possibilidade de verem correctamente apreciada a sua actuação e sujeitos à exoneração por mera conveniência de serviço. Isto quando, ainda por cima, por um lado, são investidos em tais funções pessoas que, reconhecidamente, defendem posições de desmantelamento do sector público e, por outro lado, são marginalizados gestores e quadros de reconhecida competência, ape-

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nas porque professam, ou se julga professarem, ideologias diferentes das dominantes, por mais garantias e provas que dêem e tenham dado de se empenharem na defesa dessas mesmas empresas.
Uma outra condição indispensável para que o sector público possa desempenhar cabalmente o seu papel é que seja dotado dos meios financeiros suficientes para a missão que lhe deve ser confiada. Não se estranhe que os resultados das empresas do Estado sejam maus quando este não assume as responsabilidade inerentes a qualquer patrão, lhe deve largas dezenas de milhões de contos, reduz e orienta mal o seu investimento, as força a recorrer ao crédito externo, o que lhe agrava sensivelmente os custos resultantes de encargos financeiros, como forma de obter cobertura para os défices das nossos contas externas e subordina a sua política de preços a objectivos de contenção de preços (sem contrapartida de subsídios), a fim de conter artificialmente a inflação, quantas vezes para efeitos eleitorais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não se julgue que, porque colocamos a tónica no sector empresarial do Estado na definição da via para superação da crise, subestimamos o papel da iniciativa privada. Na democracia socialista que gostaríamos de ver hoje implantada em Portugal só não têm lugar os monopólios.
Significa isto que o MDP/CDE entende que existe um papel, e de relevo, a desempenhar pelas pequenas e médias empresas, cuja contribuição no combate ao desemprego consideramos igualmente insubstituível. Por isso consta do nosso programa o seguinte:

Centrar a dinâmica económica no sector empresarial do Estado, no seu envolvimento com outros sectores da propriedade social e na sua articulação com o sector da iniciativa privada, não é negar ou minimizar o papel desta última. Afirma-se a necessidade de expansão de todos estes sectores como indispensável ao progresso económico e social, visualizando-se o sector empresarial do Estado e o seu desenvolvimento também como suporte à dinamização e democratização dos sectores abertos à iniciativa privada e à própria afirmação desta nos termos em que deverá realizar-se numa sociedade que se pretende em transição para a democracia socialista.

E nesta medida que defendemos que há que reforçar o apoio às PME, quer a nível do fomento da melhoria das suas capacidades técnicas e de gestão, quer a nível da criação de condições propícias à sua proliferação.
Apraz-nos registar que não são só forças políticas a perfilhar opiniões deste jaez, mas que até o próprio presidente da Associação Industrial Portuguesa aponta um caminho não muito distinto, como se depreende das seguintes palavras, extraídas de um periódico de 16 de Dezembro de 1983, que relatam uma sua alocução proferida no III Colóquio do Centro de Estudos de Economia Pública e Social:

O planeamento do SEE, a definição de uma política de compras públicas, a cooperação tecnológica e o estabelecimento de contratos programa e de desenvolvimento são os meios certos para que as empresas públicas desempenhem cabalmente um papel dinamizador da economia, em geral, e da indústria transformadora de bens de equipamento, em particular. [...] No actual tecido empresarial existe uma evidente complementaridade entre os sectores estatal e privado, que se interpenetram, numa ligação a jusante e a montante, que só por si justifica e impõe um outro tipo de relação substancialmente diferente, qualitativa e quantitativa, daquela que se tem verificado.

É que é falaciosa a dicotomia empresa pública/empresa privada que se pretende estabelecer. Defende a iniciativa privada quem defende o sector público.
A tão propalada confiança dos investidores privados não monopolistas gera-se, não abrindo sectores estratégicos à iniciativa dita privada, não limitando o acesso ao crédito pela criação de banca privada, mas levando o Estado a investir criteriosa e razoavelmente e a gerir correctamente os seus investimentos e unidades empresariais.
E não será só a confiança dos investidores que assim será assegurada, mas será também a esperança que, de novo, assim poderá ressurgir num Portugal mais livre e justo, conforme com os ideais de Abril.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: -Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI) -Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Creio que nesta interpelação e neste momento dos nossos trabalhos me é exigido que seja breve, mas também me é, e naturalmente, exigido que seja coerente comigo mesmo e que diga alguma coisa daquilo que se me apresenta como a realidade com que esta interpelação é colocada.
Por isso, e em primeiro lugar, não ficaria de bem comigo se não salientasse uma intervenção feita durante este debate, pelas virtualidades que ela contém em relação à actividade deste Parlamento. Refiro-me à intervenção há pouco feita em nome da bancada do Partido Socialista pelo Sr. Deputado Sottomayor Cardia. Creio que se trata de uma intervenção extremamente importante, porque quando uma bancada maioritária e de apoio ao Governo transforma aquilo que poderia ser a tendência natural para um apoio acrítico e acéfalo em alguma coisa que pode ser um apoio, que o é, crítico e inteligente, creio que isso é importante num Parlamento ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... , que só é autêntico quando pode ser livre, que só é autêntico quando a própria maioria entende que a sua função não é a de se confundir com qualquer lacaísmo submisso, mas, pelo contrário, uma afirmação de independência, de juízo próprio e, por isso mesmo, de plena assunção da função de deputado.
Por isso, não ficaria de bem comigo próprio se não agradecesse ao Sr. Deputado Sottomayor Cardia o serviço que acaba de prestar ao Parlamento e à democracia portuguesa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, algumas vezes ao longo deste debate se focaram diversas perplexidades

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que ele tem suscitado. Também eu gostaria de focar algumas, mas, antes disso, não resistirei à tentação de formular algumas questões e de me interrogar sobre alguns pontos muito claros, que, em todo o caso, nem sempre vi aflorados ao longo desta interpelação daí uma das perplexidades a que me vou referir.
Queria dizer que em relação ao problema que há pouco foi colocado, o do défice orçamental de 1983, do rigor do seu controle, do saber qual foi exactamente esse défice, do saber, portanto e em consequência, se teriam sido ou não necessários os impostos extraordinários que aqui votámos e que todos suportaram. Esse é um problema de extrema gravidade, que exige uma resposta tão cedo quanto possível.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não posso também esconder a minha preocupação por algumas afirmações que ouvi hoje de manhã em relação à actuação do Estado na vida económica portuguesa, em especial no que se refere ao regime de preços e ao controle da inflação.
A inflação é, neste momento, um problema extremamente grave para a economia portuguesa e ou a dominamos ou ela nos dominará. Como tal, não poderei esconder a minha preocupação ao ouvir dizer que são os preços controlados administrativamente os que mais sobem, esquecidos de que o impacte na vida económica e nas despesas familiares é completamente diferente nos vários sectores, que as pessoas cortam mais facilmente no vestuário e no calçado do que na alimentação.
Portanto, é impossível comparar um índice com o outro e é também impossível comparar regimes de preços, esquecidos de que a ausência de meios no Fundo de Abastecimentos determinou aumentos de preços importantes e que houve intervenções pontuais executa
das em anos anteriores cuja ineficácia, inoportunidade e custos se revelaram de modo exuberante. Bastará pensarmos, por exemplo, na intervenção feita pelo Instituto do Azeite e dos Produtos Oleaginosos, que determinou custos excessivos numa campanha em que
essa intervenção era desnecessária, motivando este ano um aumento de preços para pagar despesas de armazenagens excessivas, derivadas dessa intervenção inadequada, bem como as despesas dos custos dos juros suportados por essa mesma intervenção, pelo que
houve que recorrer a meios externos para a efectuar.
Esquecer estas realidades e camuflá-las com outro tipo de intenções não é, com certeza, certo.
Gostaria ainda de ver esclarecida uma questão que, para mim, é extremamente séria e que é motivada por recentes declarações do Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
Quando o Sr. vice-primeiro-ministro nos diz que é necessário que o actual Governo faça aquilo que a AD não conseguiu fazer, esta afirmação é, pelo menos do meu ponto de vista e enquanto não for explicitada, duplamente grave. Duplamente grave porque, em primeiro lugar, é uma autocrítica, a si próprio e ao partido que dentro da AD não conseguiu fazer o que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro agora critica. E ainda mais grave porque critica o actual parceiro de coligação, a quem se está a dizer que a sua acção na oposição foi legítima e prejudicou medidas necessárias e eficientes que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro considera da maior importância.

0 Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Creio que, por tudo isto, esta é uma declaração que precisa ser explicitada.
Porém, não é no campo das interrogações que me quero colocar, ainda que não possa deixar de levantar uma outra que hoje vi completamente esquecida neste debate.
Todos sabemos o peso que as importações dos produtos alimentares têm na nossa economia. Então, que vamos fazer em matéria de política agrícola?
Temos uma dimensão inadequada das nossas explorações. Sabemos que temos uma média de 6,6ha por exploração, que é de 2ha no Litoral Centro e no Norte do País; sabemos que temos uma fragmentação de explorações que nos leva a uma média de mais de 6 blocos em cada exploração; sabemos que temos uma população envelhecida. Por exemplo, em 1979 a direcção de um terço das explorações pertencia a pessoas com mais de 65 anos; sabemos que, das pessoas com cargos de direcção nas explorações agrícolas, 30% eram analfabetos e 61% não tinham qualquer grau de instrução; sabemos que há uma mecanização insuficiente - por exemplo, apenas 1 tractor por cada 12 explorações; sabemos que há práticas culturais ineficazes, que há preços inadequados e que a consequência de tudo isto foi que em 1982 importámos 111 milhões de contos de produtos alimentares, ou seja, 14% do total das nossas importações.
Perante isto, havemos todos de interrogarmo-nos sobre que medidas estão e vão ser tomadas e por que é que cada dia que passa é um dia que se atrasa na tomada destas medidas.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu falava há pouco de perplexidade e a minha maior perplexidade resulta de todo o sentido desta interpelação.
Resumindo, direi que ela me deixou a dúvida de saber se o partido interpelante está de acordo com esta política, especialmente na área da economia. Ficou-me a dúvida se por isso a não criticou ou se, pelo contrário, o sentido da interpelação representa uma colagem a essa mesma política em relação à qual não há discordâncias de fundo.
Por isso, parece-me importante, neste momento lugar, dizer que aquilo que me importa salientar é que existe uma diferença de pensamento.
Não nos bastamos com um Estado a que não falte um aparelho de autoridade. Queremos um Estado a que não falte uma idosa que possa fazer dele um poder.
Por isso, é no campo das ideias que havemos de nos distinguir e afirmar com clareza qual o projecto que nos distingue e separa.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, havemos de enfrentar com muita clareza uma questão de extrema actualidade.
Não foi há muito tempo que se diagnosticou a falência ou, no mínimo, a crise do socialismo e da social-democracia. Os governos socialistas e sociais-democratas europeus cediam terreno, deixavam o poder. Era evidente a sua dificuldade em fazerem face aos choques petrolíferos, à desordem monetária mundial, ao aparecimento de novos concorrentes na vida económica internacional, à nova vaga do progresso cien-

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tífico e tecnológico, numa palavra.. a todas as profundas modificações da economia mundial.
E é perante este quadro e esta situação que nos havemos de interrogar e responder muito claramente se, para nós, o socialismo democrático e a social-democracia têm sentido e podem ser afirmados numa economia de crise. Pela mínha parte directamente que sim. Direi claramente não ser a crise que nos leva a pôr de parte os princípios em que acreditamos, que não será a crise que nos levará a pôr de lado os princípios por que nos batemos. Não os poderíamos aceitar como verdadeiros princípios se admitíssemos dependerem de qualquer circunstância conjuntural por muito grave que fosse.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, importaria, neste lugar, dizermos muito claramente que se para nós o valor da liberdade é um valor essencial sem o qual tudo o isto perderia sentido, se isso nos une em muitos pontos, há, em relação a um projecto económico, a um projecto social, algo que nos distingue.
Não nos contentamos com uma democracia política. Acreditamos, pelo contrário, que a democracia só é autêntica quando se enraíza no concreto, quando é também uma democracia económica, social e cultural.
Sabemos que a própria liberdade só ganha sentido, expressão e força quando se enraíza nas circunstâncias concretas que a tornam possível.
Se acreditarmos que isto é assim, se acreditamos que o nosso projecto implica um aprofundamento da democracia e, em particular, da democracia económica que a terceira revolução industrial e o aproximar da sociedade informatizada torna ainda mais vital, pois aí é mais importante a difusão de responsabilidades - a educação, a cultura, o poder democrático o direito de expressão dos trabalhadores, também é verdade que, para nós, o conteúdo do projecto se afere, em primeiro lugar, por um novo modelo de desenvolvimento, conciliando o qualitativo e o quantitativo mais respeitador do homem, dos seus tempos e dos seus equilíbrios naturais, por isso mesmo avesso a qualquer projecto em que o liberalismo nos possa transformar de tão senhores do mundo que nos rodeia em exploradores desse mesmo mundo.
A descentralização, as pequenas unidades industriais, o mais fácil acesso à tecnologia, a conquista do tempo livre, o desenvolvimento de actividades pessoais de carácter social, o ordenamento do território, a melhoria da qualidade de habitação e dos locais de trabalho são componentes essenciais desse projecto.
Mas se são esses os objectivos a atingir, isso implica uma política económica agindo tanto sobre a oferta como sobre a procura, numa acção sobre a oferta que vai desde as acções indirectas do Estado até ao reconhecimento da importância, do valor, do significado, da existência de um sector público e das possibilidades de controlo do poder económico pelo poder político que ele permite.
Também devemos salientar a importância do Plano como lugar de debate democrático, como elemento de coerência económica, como base de contratos sociais de concertação, como instrumento para dominar o futuro. E nem se diga que a incerteza característica essencial do nosso tempo, nos dispensa ou torna inútil o esforço de previsão e de programação por prioridades. Torna-se ainda mais necessário para mobilizar, optimizando-os, as forças e os recursos de um país.

A renovação da ideia de justiça social e de solidariedade está também aqui presente. Não é apenas aquilo que é devido pelo Estado, mas também a expressão concreta da solidariedade entre pessoas, afirmação plena de que só a socialização permite ao homem apropriar-se do seu autêntico ser.
Por isso uma afirmação clara, por isso um modelo que é diferente, por isso a certeza de que não nos basta nem nos serve um Estado que se limite a assistir passivamente ao desenrolar do livre jogo das forças económicas, quando muito a arbitrá-lo, quando muito a recolher os destroços desse livre combate. Pelo contrário, é necessário um sentido de intervenção que, tenha presente a realização de ideias de justiça, de solidariedade, de um país que possa e queira ser mais autêntico, mais digno e mais justo.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que o importante desta interpelação, o sentido profundo que dela podemos tirar é o de que, se na democracia política e nos ideais dessa democracia podemos convergir, há, em termos de democracia económica e de democracia social, projectos distintos que nos diferenciam, que são nossos, que devem ser afirmados, que crise alguma poderá dominar e aos quais não renunciamos. Daí a importância desta interpelação, a importância de ela nos permitir esta afirmação.

Aplausos da ASDI e do PS.

O Sr. Presidente: - Par uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Lopes.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Em lugar de uma lúcida e clara interpelação ao governo da coligação PS/PSD como outras em que temos participado nesta Assembleia, assiste-se hoje, embora para nós sem qualquer espanto, a uma interpelação onde os interpelantes pedem desculpa de o serem, onde o Governo sem questões se limita a propagandear as suas opções, onde entre interpelado e interpelante a única diferença é de um dizer "mata" e o outro dizer "esfola".
Começámos por ouvir um ex-ministro do passado verter o seu desacordo com o presente e propor o regresso de novo ao passado. Ouvimos repetir isso ainda há pouco e, ao ouvi-lo, concluímos que, sob a capa de uma "interpelação ao Governo", estamos a assistir a uma interpelação ao 25 de Abril.
Ouvimos depois "páginas de memórias" e um "rosário de desculpas" ao Governo de um outro Sr. Deputado centrista pelo facto de ter a ousadia de o interpelar.
Da abertura da interpelação, os interpelantes, de novo, só trazem a velha e caduca exigência de maior e total poder ao sector privado, acabando com o sector público, nem que para isso haja que rever a Constituição.
Para o CDS não são os objectivos e as consequências da política do Governo que estão em causa. O que o CDS discute é o ritmo.
Vieram depois dois Srs. Ministros. Do primeiro, mais não concluímos que o anseio de ver concretizadas todas as exigências do seu ex-aliado de coligação e de governo. Para o efeito manipulou números, inculpou responsabilidades que a ele cabem como membro dos

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anteriores governos que geraram a crise. Do segundo, mais não colhemos do que, a par das suas autoritárias e professorais lições de economia justificativas do presente, a necessidade de propagandear uma hipotética esperança, repetindo slogans e chavões que há muitos anos, mais propriamente desde 1976, esta Assembleia e os Portugueses escutam dos seus ministros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A realidade económica e social é tão dura e adquiriu uma dimensão tão inédita que não queremos deixar de denunciar e de colocar nesta Assembleia da República a grave situação com que hoje os Portugueses se confrontam.
Não são só os trabalhadores por conta de outrem ou os reformados que erguem a sua voz e protestam. O descontentamento atinge quase todas as camadas sociais da nossa população. Um número cada vez maior de agricultores, de pequenos e médios comerciantes e industriais e muitos trabalhadores de profissões liberais manifestam também o seu descontentamento, as suas preocupações pelo presente e pelo futuro e, em muitos milhares de casos, protestam activamente contra a política que este Governo está a prosseguir.

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: - É caso para o Governo e os Srs. Deputados da maioria governamental, principalmente os do Partido Socialista, se interrogarem. De facto, em pouco mais de 8 meses, mesmo aqueles que acreditaram nas promessas eleitorais, em 25 de Abril de 1983, engrossam agora as fileiras dos que lutam contra a política do governo PS/PSD.

A verdade é que os resultados são tão negativos e tão chocantes, que hoje já ninguém acredita na possibilidade de esta política resultar e solucionar os graves problemas nacionais.

É, o descalabro em todas as frentes.

Não é verdade que se está a verificar uma quebra na produção e no investimento? Não é verdade que o número de falências de pequenas e médias empresas sobe assustadoramente?

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É sim!

O Orador: - Não é verdade que existe um subaproveitamento das nossas potencialidades na agricultura, nas pescas e no sector mineiro e que não estão a ser tomadas quaisquer medidas?

Não é facto incontroverso e manifestamente visível que aumenta a nossa dependência externa apesar da propalada recuperação da balança comercial e de transacções correntes?
É no entanto no plano social que as repercussões desta política são mais nítidas e evidentes.
Sobre os salários em atraso, mal-grado o debate aqui efectuado na semana passada, e o desespero social que tal situação acarreta a mais de 150 000 trabalhadores, o Governo continua sem tomar quaisquer medidas.
O desemprego atinge, segundo dados estatísticos, meio milhão de portugueses, e o Governo, ainda hoje aqui disse o Sr. Ministro das Finanças e do Plano, tem-no não só como inevitável como sabe, e afirma-o, que com a sua política vai agravá-lo.

Os contratos a prazo, flagelo que a todos atinge, mas principalmente às mulheres e aos jovens, somam números assustadores, com tendência para aumentar.
O recurso a diferentes formas de trabalho precário prolifera sem qualquer controlo, como única forma de subsistência para quem vive do seu trabalho.
Hoje são já, pelo menos, 1 milhão entre os que procuram o primeiro emprego, os desempregados e os que pretendem um emprego estável. É uma vergonha!
Responda, Sr. Ministro das Finanças e do Plano, que esperança e que futuro promete a toda esta gente?

A S.ª Ilda Figueiredo (PCP): -Nenhuma!

O Orador: - Enquanto a subida dos preços é vertiginosa - ainda hoje a comunicação social falava do aumento do preço dos transportes públicos a partir de Abril -, o patronato, por orientação do Governo, ou acorda aumentos de 18% ou 19%, o que corresponde a uma quebra brutal dos salários reais, ou, como acontece com cerca de 1 300 000 trabalhadores, bloqueia a contratação colectiva, e o Ministério do Trabalho não só não intervém como nada faz para a desbloquear.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É um escândalo!

O Orador. - Enquanto isso, o Governo prepara o aumento das rendas de casa e concede um crédito à habitação incomportável para a maioria dos portugueses.
Digam, Srs. Ministros, como vão ter casa os milhares de casais jovens com rendimentos familiares de 35 ou 40 contos mensais, quando as rendas de casa ou as prestações mensais dos empréstimos rondam os 20 contos por mês? Será que têm de ficar a viver com os pais ou então numa barraca ou adiar indefinidamente a vida em comum?
Só numa coisa o Governo tem sido expedito: é na elaboração de novas medidas legislativas no campo laborai, mas sempre e até a este momento para tentar piorar as situações até aqui existentes. É ou não verdade, Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, que as leis produzidas visam criar facilidades ao grande capital?
Para fazer concluir o seu plano económico e social tem vindo o Governo a utilizar, com certa frequência, o seu aparelho repressivo, por um lado, e a facultar a repressão patronal sobre os trabalhadores, por outro. De há uns tempos a esta parte vem o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social a falar de novo em regulamentar a lei da greve.
Diz o Sr. Ministro que se trata só dos piquetes de greve. Sejam claros. Também aqui, face à incapacidade de ter o apoio dos trabalhadores e do povo, o Governo procura limitar direitos fundamentais constitucionalmente consagrados. É a política da repressão e da ilegalidade.
A prová-lo está o facto de num curto espaço de tempo serem já cerca de 30 as intervenções policiais sobre os trabalhadores. É cada vez maior o número de dirigentes, delegados e activistas sindicais castigados, suspensos ou mesmo despedidos. A legalidade não é cumprida pelas entidades patronais. A retenção indevida e autenticamente criminosa de dinheiros dos trabalhadores é um facto. Em lugar da fiscalização, quer

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preventíva, quer punitiva, quando for caso disso, verifica-se uma política de autêntica e total permissividade.
Dois factores contribuem para esta situação. A paralisação da inspecção do Trabalho e a morosidade dos tribunais do trabalho.
Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social e Sr. Ministro da Justiça, para quando a dinamização e a reestruturação destes dois importantes componentes para o exercício da justiça do trabalho?
O movimento sindical, consubstanciado na CGTP-IN, tem apresentado propostas e tem declarado estar disponível para as discutir no respeito das normas constitucionais. Até à data, no entanto, o Governo tem-se mantido surdo e quedo. Vai o Governo, para proteger os atropelos patronais à legalidade e para não ferir os interesses do grande patronato e das multinacionais, tentar continuar a legislar, como por exemplo no caso dos gestores eleitos pelos trabalhadores, no
sentido da limitação dos seus direitos legais e constitucionais e a recorrer, cada vez mais, à repressão?
Mesmo com as profissões de fé do Sr. Ministro das Finanças e do Plano, mesmo com a propaganda quotidiana do Sr. Primeiro-Ministro e dos seus membros, do Governo que, de uma forma abusiva, têm utilizado os meios de comunicação social estatizados, quase ninguém acredita hoje na política deste governo.
É aqui que assume verdadeiro espírito patriótico a luta que os trabalhadores têm desenvolvido no combate à política deste governo, na apresentação de propostas de resolução para os principais problemas na defesa do regime democrático.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso não acreditamos que seja possível a destruição do sector público e do regime constitucional saído do 25 de Abril, venham os projectos do Ministro Veiga Simão ou de qualquer outro ministro do Governo ou do CDS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Pode o Governo esforçar-se por criar a "psicose de crise". Por trás da "psicose de crise" sabemos que estão os interesses do grande capital nacional ou estrangeiro e as opções do Fundo Monetário Internacional.
Ao contrário do que o Governo pretende, o Grupo Parlamentar do PCP acredita na força moral e na unidade dos trabalhadores e de muitas outras camadas sociais.
Temos consciência das dificuldades, mas temos também a certeza e a confiança de que não estamos condenados a viver em crise, porque existem e existirão sempre alternativas a uma política de desastre. Os trabalhadores sabem que é possível uma política alternativa, geradora de uma política de esperança que conduza a melhores dias.
Para os trabalhadores é claro que a política deste governo é o principal factor do agravamento da crise económica e financeira. Sabem também que tem sido pela sua luta que as conquistas fundamentais têm sido defendidas, apesar dos sucessivos ataques de que são alvo. É também pela luta dos trabalhadores que se abrirá caminho para uma nova política e para um novo governo.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Que falta de convicção! ...

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Srs. Membros do Governo: Num curto espaço de 8 dias é o Governo interpelado pelos dois principais grupos parlamentares da oposição, Porém, se à primeira não se seguiu nenhuma moção de censura, quanto à segunda não se vislumbrou ainda ao longo do debate que tal venha a suceder.

Daqui pode inferir-se que as oposições querem mostrar que, como tal, existem, mas que, simultaneamente, reconhecem que o Programa do Governo aprovado nesta Assembleia não está a sofrer distorções ou desvirtuamentos.

Da presente interpelação recolhe-se a ideia de que o CDS pretende considerar a actual coligação instável, desde logo por não ter tido como base eleitoral um programa comum, mas programas distintos e alternativos; argumento muito frágil, que nem merece grandes comentários e muito menos uma refutação demonstrativa desse falso argumento.

Não se negará que, tal como em qualquer coligação, existem por vezes dificuldades, as quais, porém, se conseguem superar e ultrapassar quando aquela é suportada por uma vontade política apostada na resolução dos problemas do País.

Certamente, não esquece o grupo parlamentar interpelante que esteve já coligado no governo com o PS e que dele se afastou ao cabo de poucos meses - contrariando o que publicamente prometera quanto à durabilidade dessa governação -, certamente por haverem surgido dificuldades que não foram superadas ou, talvez, quem sabe, por razões bem distintas, que dirigentes seus não se coibiram mesmo, no altura, de referir.

Os governos da AD surgiram na base de um programa eleitoral comum, mas a memória dos homens não será certamente tão curta que a leve a esquecer que entre os respectivos partidos dificuldades e divergências existiram também.
Uma coligação não é, apesar de tudo, uma mera plataforma de governo ditada apenas pela vontade de dirigentes partidários, mas é mais do que isso: é uma opção adoptada responsavelmente pelos partidos coligados, assente em princípios e regras definidas e tomando em atenção o sentir do voto popular e a vontade colectiva que o mesmo exprime.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os governos de coligação não constituem qualquer originalidade da democracia portuguesa, mas são antes uma constante de várias e bem consolidadas democracias; a democracia pressupõe o diálogo e a tolerância e uma vontade política capaz de saber encontrar a melhor solução possível, que vá de encontro às aspirações e anseios da população.
Daí que a actual coligação tenha como causa e como objectivo o real interesse nacional.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao longo destes cerca de 9 meses de coligação parlamentar e governamental, vários têm sido os meios usados para tentar

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pô-la em causa; a interpelação do CDS, ainda que de forma mais civilizada e até mesmo sofisticada, pode ser encarada também como uma outra semelhante tentativa.
As várias alusões à instabilidade são disso indicadores claros; contudo, os pretensos factos em que, para extrair essa sua subjectiva conclusão, se abona não geram essa invocada instabilidade, já que a vontade política de resolver a crise e, a partir dela, construir o futuro que o povo português anseia e merece será capaz de encontrar os meios de remover os obstáculos que o CDS como tal qualifica.
O PSD, designadamente pela voz de vários seus dirigentes, inclusive do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, tem repetidamente afirmado e patenteado a sua vontade firme e o seu empenhamento sério de lançamento e implementação de medidas estruturais e de fundo.
E diga-se que algumas delas, e importantes, foram já lançadas, tendo hoje suporte legislativo, como é o caso, por exemplo, da denominada lei dos sectores, iniciativa gerada no primeiro governo da AD, da presidência de Francisco Sá Carneiro, e continuada nos governos seguintes, mas que aberrações constitucionais então vigentes não permitiram concretizar.
Não significa isto que consideremos que essa importante medida seja o milagroso remédio para curar todos es males, mas consideramos que ela é bem a demonstração da vontade e do desafio, a si próprios lançado pêlos partidos da coligação quando conscientemente optaram em construí-la e optam em mantê-la e reanimá-la, no sentido de atacar os problemas prementes da conjuntura, sem abdicar da introdução de medidas voltadas a modificações das estruturas económicas e sociais que respondam às exigências das necessidades do povo português, inclusivamente à nossa futura adesão à CEE.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não ignoramos que quem sente os problemas e quer para eles a solução necessária é, por vezes, impaciente e que quanto mais agudos são aqueles mais cresce, por vezes, essa impaciência.
Porém, quanto maiores são as dificuldades e mais graves e prementes as situações existentes, maior ponderação há que ter na adopção de medidas adequadas; as decisões não são firmes e correctas apenas quando são rápidas ou tomadas à pressa, mas antes quando melhor ponderadas e pensadas, sobretudo quanto mais graves são as situações a que elas se destinam.
Porém, de intervenções aqui produzidas hoje por membros do Governo, designadamente pêlos Srs. Ministros do Comércio e Turismo e das Finanças e do Plano, na abertura do debate, deve concluir-se que decisões já tomadas e outras programadas podem bem qualificar-se de motivos de esperança, embora de uma esperança que não deve confundir-se com uma utópica euforia.
Apesar disso, não seremos nós. sociais-democratas. a dizer que se não impõe atacar rapidamente outras questões fundamentais e que muito têm a ver, não só com o presente, mas, sobretudo, com o futuro.
Urge ter sempre presente os problemas quotidianos com que se defrontam os pequenos e médios comerciantes, os pequenos e médios industriais, os pequenos
e médios empresários agrícolas, os trabalhadores por conta de outrem, os jovens à busca do primeiro emprego, os reformados e pensionistas, os deficientes, os idosos, etc.; o Governo tem de pensar e atacar permanentemente esses problemas do quotidiano desse grande número de portugueses, quantos deles com pouca ou mesmo nenhuma forma de capacidade reivindicativa.
Não pode, igualmente, o Governo esquecer, um dia que seja, os inúmeros problemas que preocupam a nossa juventude, nomeadamente aquela que procura obter uma instrução, educação e formação profissional que lhe abra os horizontes do futuro com que justa e legitimamente sonha, sonho que, por vezes, acaba por desembocar numa profunda e perigosa frustração.
Esta e tantas outras são questões importantes e vitais, mas estamos certos que o governo PS/PSD, que muitos passos relevantes deu já, sobretudo quanto a alguns deles, saberá a curto prazo dar resposta eficaz, na certeza de que lhe não minguará o apoio e o estímulo da maioria parlamentar, assim como a compreensão do povo português.

Aplausos do PSD e do PS.

Medidas como as que se destinam à actualização das rendas habitacionais, que se esperam ver em vigor n muito curto prazo, são de extrema relevância, inclusivamente pêlos efeitos que se repercutirão beneficamente em vários sectores da nossa vida económica, e de considerável alcance social, acautelando-se, como se espera e prevê, os justos equilíbrios dos interesses e da real situação de senhorios e inquilinos; essa legislação, há tanto esperada, será uma prova de vontade e capacidade políticas, voltadas à resolução de um grave problema da sociedade portuguesa.
E também não podemos deixar de confiar que medidas no domínio da nossa tão depauperada agricultura, que urge tomar, venham a surgir a curto prazo: medidas que terão de, progressiva mas decididamente, reestruturar todo esse importantíssimo sector da nossa vida económica, viabilizando a criação de empresas agrícolas de tipo familiar produtivas e viáveis.
l! exactamente com medidas progressivamente tomadas e viradas ao quotidiano dos cidadãos que se mantém e fortalece a esperança e se conquista a desejável e crescente confiança de empresários, de trabalhadores e de investidores, a todos fazendo participar empenhadamente na vida de uma comunidade que é de todos nós e que todos queremos manter livre e independente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que é árdua a tarefa que pesa sobre a actual coligação, mas certo é também, tal como tem sido reconhecido aos mais diversos níveis, que só a actual coligação PS/PSD será capaz de a levar a bom termo. E daí que continuemos apostados nessa opção, sendo a todo o momento suporte estimulante de um maior dinamismo e de um redobrar e renovar de esforços. Por isso o nosso apoio, que não é nem será cego, mas sim centrado em conscientes chamadas de atenção, quando o entendermos necessário, a bem dos objectivos nacionais que a mesma a si própria impõe.
A crise conjuntural que vivemos tem de ser enfrentada e vencida, mas tem de ser, também, um apelo forte à nossa capacidade de imaginação, à nossa criatividade e à nossa coragem de vencer barreiras herdadas de um

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conturbado período de triste memória, desmantelando slogans e situações concretas que persistem em estorvar a construção de um Estado moderno, que quer entrar na CEE de cara levantada, sem, todavia, esquecer que somos uma comunidade viva espalhada por todos os continentes e que queremos também manter reais laços de amizade e de estreita cooperação com todos os povos de expressão portuguesa.
Termino dizendo que deste debate fica a certeza do exagero e empolamento das preocupações aqui diagnosticadas e apontadas pelo interpelante.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Redol.

O Sr. António Redol (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Tem-se aqui insinuado que as empresas públicas não são rendíveis. Tal afirmação, mais uma vez, não é demonstrada com base em números, com base numa análise concreta.
Não se realiza uma análise sector a sector, empresa a empresa, verificando se a rendibilidade é possível sem encarecer, em alguns casos, serviços que têm um carácter social.
Por exemplo, a EDP, que ainda em 1975 e 1976 despendeu cerca de 10 % do total das suas despesas em encargos financeiros, está hoje confrontada com uma percentagem que se aproxima dos 25 %, retirando, mesmo assim, neste último valor, os encargos financeiros afectos ao Fundo de Apoio Térmico (porque se não retirássemos, esta percentagem seria ainda maior nos últimos anos). Em 1983 a EDP teve de pagar em encargos financeiros cerca de 40 milhões de contos.
Devido, ainda, à política de restrição do crédito interno, a EDP tem recorrido em cerca de 60 % ao mercado externo de capitais. Como sabem, os empréstimos externos acabam por conduzir a uma taxa de juro real de 50 % a 60 %.
A reduzir o autofinanciamento desta empresa e á agravar o recurso da EDP ao mercado de capitais temos a dívida das autarquias.
Num outro plano, há que perguntar se se deve fazer pagar a uma empresa pública erros e insuficiências de decisões governamentais. Ê o caso da central de Sines da EDP. Esta empresa foi empurrada para construir em Sines a sua primeira central de carvão, com a indicação de que seria construído um porto mineraleiro para recepção do combustível. Previa-se, então, que outras actividades se utilizariam deste porto.
Por um lado, a subtulização do porto, que agora se prevê, faz com que se pretenda que a EDP pague para taxa de porto e de descarga 7 dólares por tonelada, quando os valores internacionais para esse serviço apontam para 3 a 4 dólares. Isto é, pretende-se fazer pagar a uma empresa pública os erros de decisão que não lhe respeitam.
Por outro lado, o porto em questão não estará pronto a tempo de permitir a recepção de carvão para p arranque da central. O sobrecusto da solução provisória terá também de ser pago pela EDP.
Uma outra questão necessita esclarecimentos. Prometendo o Sr. Ministro das Finanças que será realizado a breve prazo o saneamento financeiro das empresas públicas e tendo-se referido o Sr. Ministro da Indústria e Energia, em discurso recente, a investimentos incorrectos no sector público, como pretende o mesmo Sr. Ministro da Indústria e Energia fazer aprovar apressadamente pelo Governo o compromisso com a opção nuclear, contida no Plano Energético Nacional, antes mesmo que estejam concluídos os trabalhos de revisão, quando se conhecem as enormes dificuldades que estão a sofrer inúmeras empresas que enveredam por esta via (ver o número da revista Time, de 13 de Fevereiro último, que se refere ao caso americano)? Não gostaria de deixar de assinalar os casos de algumas empresas americanas que, por terem enveredado pela via nuclear, estão à beira da falência. Se se vier a impor à EDP um programa nuclear não correrá ela também acrescidas dificuldades?

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem- a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Raul de Castro.

O Sr. Raul de Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A interpelação do CDS ao Governo é uma interpelação desfocada, apontada para a realidade da ruinosa política económica e financeira do actual governo, mas dela apresentando uma imagem desvirtuada, como quem enxerga a crise actual com um binóculo colocado ao contrário.
Como se não bastassem as responsabilidades do CDS, integrado nos governos da AD durante 3 anos, e os calamitosos resultados da política que assumiu, vem agora o CDS procurar demarcar-se de uma política que é também a sua, mas que ele desejaria ainda mais apostada na destruição do Portugal de Abril, tradução mais precisa da sua fórmula de «alteração do quadro económico da Constituição».
Lamentavelmente, o debate evidenciou que entre o partido interpelante e as posições de alguns representantes do Governo há apenas meras diferenças de grau no objectivo comum de iludir as causas da profunda crise em que o nosso país está lançado, atribuindo a sua origem ao sector público, contra o qual se centram os ataques comuns do CDS e de vários elementos do actual governo.
O epicentro da crise não está no sector público da economia, que este governo e os anteriores governos da AD têm procurado asfixiar. O epicentro da crise está na política do actual governo, continuando e agravando a política anteriormente seguida pelos governos da AD.
O MDP/CDE entende que o sector público, embora de dimensão não superior à de outros países capitalistas europeus, pelo seu peso no conjunto da economia, nomeadamente pelas actividades estratégicas que contém e pela densidade de relações que mantém com os outros sectores económicos, tem de constituir o motor da expansão da economia portuguesa. A expansão do sector público e o seu funcionamento enquadrado no Plano constituem um potencial de impulsionamento de toda a economia, favorável também à dinamização do sector privado.
De resto, tanto o CDS na sua interpelação, como o Governo na sua resposta, mostram-se alheios a um

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factor essencial da recuperação económica que é o empenhamento da população laboriosa portuguesa, sem o qual nenhuma recuperação económica é possível. Pelo contrário, o CDS ignorou na sua interpelação, que versa o dramático aumento do custo de vida, a necessidade, para o MDP/CDE fundamental, de uma política que conte com o empenhamento da população laboriosa. Quanto ao Governo, a sua política só tem espalhado o desencanto, as privações e a amargura crescentes na população portuguesa, não se podendo tomar a sério a sua «concertacão social», decalcada da harmonia das classes do corporativismo, que mais não visa que legalizar o esmagamento progressivo das camadas mais desfavorecidas da população em favor dos interesses dos poderosos, dos grandes capitalistas.
Pode, por isso, concluir-se que esta interpelação veio evidenciar que nem as soluções restauracionistas que defende o CDS nem a política do actual governo merecem crédito para a saída da profunda crise em que os governos da A D e o governo actual lançaram o País.
Só um governo fiel ao 25 de Abril, que ponha cm prática uma nova política que se identifique com a defesa dos interesses populares, integrado por democratas interessados na defesa das grandes conquistas do 25 de Abril, poderá restabelecer a esperança dos Portugueses numa vida melhor.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Nós cedemos o minuto que temos!

Risos.

O Sr. Presidente: - Entramos agora no período de encerramento, pelo que dou a palavra ao Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Esta interpelação justifica-se por si mesma. O Governo já tem 9 meses e nós somos oposição, ambos com inteira legitimidade democrática. Aqueles que dizem que não há alternativa estão a dizer, sem o saber, que não há democracia. Há alternativa, sim, e é aqui no Parlamento que ela tem de se exprimir.
Sabemos que os problemas são difíceis, mas pior seriam os problemas para todos se a oposição democrática não tivesse uma alternativa ou se, tendo essa alternativa, a calasse. Não há, pois, motivos, como aconteceu por vezes aqui, para interpelar o CDS sobre esta interpelação. Há sim motivos para interpelar o Governo sobre os seus 9 meses, sobretudo quando nesses 9 meses ele foi incapaz de fazer o que havia prometido para 100 dias!
Primeiro chegavam 100 dias, agora já não chegam 9 meses! Não é, pois, a oposição nem o seu passado que têm de responder pelo País. É o Governo e o presente deste governo quem têm de responder pelo País.
Alguns pensam, até. que se há algum defeito no comportamento do CDS é o de esta ser a nossa primeira interpelação ao Governo. Não temos tido, porém, a
pressa de quem quer fazer cair o Governo desde o início, mas também não temos o vagar dos que pensam que este governo e esta coligação são a última oportunidade do regime e a sua melhor solução.
E não nos venham dizer que a interpelação serve para dinamizar ou resolver problemas internos do CDS, porque essa manobra de diversão anda há 9 meses nos jornais e abortou sempre até agora.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Essa foi fraca!

O Orador: - De resto, o diálogo parlamentar é cada vez mais necessário ao próprio Governo. É o único modo de evitar que a discussão se passe só dentro dele, entre o PS e o PSD, e depois se transforme, como está a acontecer, numa insustentável e surpreendente guerrilha pública. É mesmo, talvez, o único modo de se ajudar a reforçar a unidade do Governo, todos os dias crescentemente ameaçado pêlos próprios partidos do Governo. Confrontado aqui com a oposição, obrigado a responder claramente, com uma só posição, talvez o Governo e a maioria possam sentir, de ora em diante, mais unidade dentro deles.
Obrigar o Governo a vir à Assembleia é, também, o modo de evitar que ele passe o tempo a rever-se só no querido espelho da sua televisão, talvez muito lisonjeiro, mas, sem dúvida, muito enganador. Com uma televisão como a deste governo, em que só num telejornal vi passar, numa espécie de passerelle. 8 cerimónias ministeriais seguidas, numa televisão cuja direcção é apoiada apenas pelo PS, com uma lei de imprensa como a que o Governo ameaça propor à «Assembleia da República, com empresas de comunicação social que, em grande parte, são «avançadas» involuntárias do Governo, com o terror da crise invocada pelo Governo contra todas as alternativas, o debate parlamentar torna-se cada vez mais indispensável, como forma de o País livre e desgostoso, mas democrático, se exprimir e procurar uma alternativa em democracia. Só isso já bastaria, mas há outras ponderosas razões para esta interpelação.
E que se estão a bater na economia portuguesa quase todos os recordes negativos desde o 25 de Abril. E perante esses números não há outra possibilidade lógica senão considerar que se trata ou de um falhanço do Governo, ou de um falhanço do sistema económico, ou de um falhanço de ambos ao mesmo tempo, como é bastante mais provável.
A inflação atinge os 30 %. O desemprego vai a caminho dos 500 000 desempregados, ameaçando causar na sociedade portuguesa um choque semelhante ao da descolonização, mas agora em condições mais penosas para todos os portugueses. Os salários em atraso iriam a caminho dos 150000, os salários reais baixaram vertiginosamente, os depósitos a prazo têm decrescido, as perdas das empresas atingiam o seu máximo, isto para não falar dos níveis de fuga de capitais e dos recordes de invenção e talvez de evasão fiscal entretanto atingidos com este governo.
Pode haver todas as desculpas, mas pergunto apenas: o que é que, perante essa situação, o PS e o PSD diriam se fossem oposição?
Pode o Governo invocar o passado, mas terá, então, sobretudo e em primeiro lugar, de olhar primeiro para dentro de si próprio e dos partidos que o compõem, únicos responsáveis até hoje pelas decisões últimas

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e majoritárias - quer sobre a Constituição da República, quer sobre a composição dos vários governos passados - que foram tomadas em Portugal.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, os ministros do CDS que passaram pelo governo anteriormente se algum pecado tiveram foi só um: foi o pecado de terem servido lealmente os primeiros-ministros respectivos, aliás pertencentes aos dois partidos da actual coligação, que continuaram sempre e até hoje a designar, de facto, o primeiro-ministro!

Vozes do CDS: - Muito bem!.

O Orador: - E é só o primeiro-ministro que, pela Constituição, é designado! A Constituição não conhece a figura do ministro do Comércio, nem do ministro da Cultura! Ninguém se lembra dos ministros do marquês de Pombal e todos nos lembramos, no entanto, de todos os primeiros-ministros de Portugal. É aí que está a sede do poder, e quando o CDS puder indicar o Primeiro-Ministro, então, aceitaremos que nos exijam pela nossa gestão responsabilidade idênticas àquelas que têm no passado e no presente os primeiros-ministros do PS e do PSD.

Aplausos do CDS.

Dir-se-ia que é natural que com um governo socialista e com uma constituição socialista as empresas privadas estejam em crise. É mais do que natural, é quase óbvio, dir-se-ia até que muito resistiram as empresas privadas a uma constituição socialista e a sucessivos governos de maioria socialista e social-democrata.
E, de facto, o que se passa hoje com as empresas é que nem podem nascer, nem viver, nem morrer. Não podem nascer porque os empresários andam a perguntar ao Primeiro-Ministro qual é o negócio lícito que ainda há no País e este não sabe responder! Não podem morrer, porque as empresas não têm sequer energias para falar, o que quer dizer que nem dos corvos são já motivo de apetite.
É uma curiosa situação esta em que a economia legal funciona cada vez menos, em que a economia legal é cada vez mais fantástica e em que é a economia paralela que funciona cada vez mais e que é cada vez mais concreta.
Eis, Srs. Ministros e Srs. Deputados, uma prova mais do que concludente de que, enquanto o sistema irreal é o pós-sistema, é o pós-socialismo que se vai tornando cada vez mais concreto!
Se é natural que em socialismo as empresas estejam em crise, o que já é mais estranho e mais revelador é que em socialismo também o Estado e também as empresas estejam na crise em que se encontram. Se não é estranho que em socialismo - o da Constituição e do Governo - os empresários tenham sido desmobilizados e as empresas arruinadas, já é mais estranho que o socialismo tenha arruinado os próprios trabalhadores portugueses. É por isso que, de facto, estamos ao mesmo tempo perante a maior crise de sempre do Estado e das empresas, mas também dos patrões e dos trabalhadores, ao ponto em que todos se podem considerar vítimas e não se pode pedir a uns para julgarem os outros.
Parece que a lição a tirar desta situação seria qual à que Adenauer tirou na Alemanha, no fim da guerra, ao constatar que ninguém - nem trabalhadores nem empresários - ganhara nada com a guerra e, portanto, era a altura de todos se juntarem para abrirem caminho a um novo sistema de economia social de mercado, no interesse de todos.
Aliás, era este também o único sentido que deveria ter hoje em Portugal um verdadeiro acordo social entre as empresas e os trabalhadores portugueses, porque não são só os empresários que estão a perder, porque não são só os trabalhadores que estão a perder, somos todos que estamos a perder!
Perante a situação crítica actual, seria difícil, porém, esperar ou imaginar dos partidos dominantes do sistema, nomeadamente do PS e do PSD, o comando e a pilotagem da viragem que há que fazer na sociedade portuguesa. E, de facto, Srs. Deputados, a política económica do Governo mostra, por isso mesmo, uma crescente desorientação e um crescente desânimo!
Eu diria mesmo que com este debate, como já antes dele, o Governo parece estar a entrar na terceira das suas políticas económicas.
Houve, de facto, uma primeira política económica, que foi a política do maná, foi a política das «100 promessas», com a qual o PS se apresentou às eleições, promessas a que teve de acrescentar, depois do acordo da coligação, as promessas do próprio PSD nas eleições. Era quase uma política de relançamento económico.
Foi então que chegou de Bruxelas o Sr. Ministro das Finanças e do Plano e se decidiu que, afinal, a política não seria a das «100 promessas», mas a política do rigor.
Iniciou-se uma nova fase, mas eis senão quando se constata que esta política de rigor, que não era de relançamento, mas de travagem, de contenção e de restauração dos equilíbrios fundamentais da economia portuguesa, falha, porque a inflação, em vez de ficar nos 20 %, como estava previsto, atinge os 30 %, porque todos os números começam a entrar em barafunda e porque uma política que era exclusivamente baseada sobre os números não suporta que os números se comportem de uma maneira diferente.
É então que se passa a uma nova fase, é então que se constata que não se estão a restabelecer os equilíbrios da economia portuguesa, mas que se está, sim, a entrar numa fase grave de recessão da nossa economia.
Ë então que o Fundo Monetário Internacional, preocupado com a visível falta de rigor, tem de vir a Portugal para ver se consegue voltar a repor o rigor que tinha sido perdido.
Ë então que todos os números atingem cotas de alarme e ficam a vermelho. O único número positivo, insistentemente brandido pelo Governo, é o número relativo à balança de transacções correntes, que, no entanto, é certamente devido mais à diminuição das importações, pela quebra do investimento e pela utilização dos stocks, do que devido ao aumento das exportações.
Em qualquer caso, como já foi aqui lembrado nesta Assembleia pelo Sr. Deputado João Salgueiro, esse movimento remonta ao 2.° semestre de 1982 e não é, portanto, uma obra deste governo.
Em qualquer caso, mesmo aí - no facto de a balança de transacções correntes se ter situado em 1.6 em vez de 1.8 ou de 2.0, há, num certo sentido,

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uma violação da ideia de rigor a que o excesso de zelo do Governo conduziu.
Afinal, a única política do Governo era a do FMI, como se, mesmo nos momentos em que não temos de importar dinheiro ou mercadorias, tivéssemos de importar políticas. Mas, ao fim e ao cabo, mesmo essa política, também importada, foi mal administrada, administrada sem rigor e, tal e qual como os outros «empréstimos», viu-se desbaratada.
Ao constatar esta derrapagem, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano vai a «correr» para o Instituto de Defesa Nacional anunciar, na prática, um programa de modernização, que, no entanto, no seu timing inicial, só previa para 10 meses depois.
Apesar da velocidade, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano vem, no entanto, e por sua vez, a ser ultrapassado poucos dias depois pelo Sr. Ministro da Indústria e Energia, que relança toda uma série de novos motes sobre a grande reforma do sector público, os quais chegariam até à revisão da Constituição económica.
O Sr. Ministro de Estado, Dr. Almeida Santos, mais prudente, vem alguns dias depois a esta Assembleia «deitar alguma água na fervura». Hoje, porém, a intervenção do Sr. Ministro do Comércio e Turismo reabriu as contradições, num certo sentido, para logo, num campo oposto, o Sr. Deputado Sottomayor Cardia as reabrir de novo.
Tornou-se, pois, urgente saber qual é a política económica do Governo e qual é, sobretudo, a política económica do Sr. Primeiro-Ministro, que no nosso parecer tem deixado demasiadas pessoas falarem em seu nome sobre aspectos que são os mais graves da política portuguesa

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Temos, pois, a esperança de que este tema seja hoje esclarecido e que constitua, talvez até uma das principais utilidades desta interpelação ao Governo sobre a política económica, pois sem certezas não há segurança e não há confiança, nem capacidade de os investidores e trabalhadores portugueses contribuírem cada vez mais, como é necessário, para o fortalecimento da nossa economia.
Toda a evolução de estratégia do Governo dá, portanto, a entender uma enorme insegurança, dá a entender que «vive no ar», até pelo facto de se utilizar o discurso económico apenas como álibi para manter, fundamentalmente, o statu quo.
Porque, realmente, todas estas nuances, toda esta evolução do discurso, não correspondem a nenhuma mudança real e significativa no comportamento económico dos agentes em Portugal.
E é por isso que esta política, esta crise e esta nova fase de ameaça sobre o sector público por parte do Governo não merecerá, com certeza, ao País grande credibilidade.
Aliás, o Governo diz que vai reformar o sector público, quando todos nós sabemos que há 9 meses que o Governo anda para reformar a ANOP e não consegue! Se há 9 meses que o Governo não consegue resolver o problema de uma das mais pequenas empresas públicas portuguesas, como é que será capaz de resolver o problema de todo o sector público nacionalizado?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Estas questões não são de somenos, numa altura em que a crise alastra, alastra como nódoa de azeite, alastra a aspectos políticos e também a aspectos sociais.
Desde logo, o Governo deixou que a sua austeridade se confundisse com pobreza e com fraqueza. O medo económico infligido pelo Governo gerou uma enorme insegurança. O Governo intimidou a opinião pública e o medo tornou-se mau conselheiro dos agentes económicos.
Ainda recentemente, quando o Sr. Primeiro-Ministro disse que éramos a democracia mais pobre do mundo, pareceu que estava resignado ou que queria dizer que o País era inviável mas não podia referi-lo, ou que a democracia era apenas para ele uma operação intelectual e para intelectuais idealistas.
O Governo criou, e está a criar, a aceitação de uma mentalidade sul-americana de inviabilidade do País que vive apenas da ajuda estrangeira, que renuncia ao esforço interno e que precisa de dramatizar essa dialéctica externa para conceder em tudo e só assim ter capacidade para resolver os problemas.
Por outro lado, este governo e esta coligação têm dispersado demasiadas energias nos seus próprios conflitos internos, e a instabilidade política existente não pode ser imputada a mais ninguém senão aos próprios partidos da coligação.
Talvez se possa mesmo dizer que os partidos da coligação perderam a autoridade moral para acusarem de desestabilização quem quer que seja, quer se trate do Presidente da República ou da oposição, a não ser talvez em relação ao Partido Comunista, que, como sempre, não perde uma oportunidade de fazer «bota abaixo»

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O CDS é só estabilização!

O Orador: - É claro que é demais atribuir toda a crise ao Governo, mas é verdade que, com este governo, quase todas as grandes questões nacionais se agravaram e todas elas continuaram sem uma perspectiva clara de solução.
Este governo e esta coligação ocupam ainda uma grande parte das preocupações presentes do País, mas o seu lugar no horizonte de Portugal é crescentemente o de uma «terra de ninguém».
Uma tentação legítima seria a de nos perguntarem o que é que faria o CDS? Há mesmo muita gente a pensar que nós só queremos um pouco mais de liberalismo, que somos uma alternativa de grau, não uma alternativa de natureza diferente. Outros dizem que deveríamos estar contentes, porque há tanta gente na coligação a fazer eco das nossas propostas - há partidos da coligação que são oficialmente pela revisão tidos da coligação que são contra o aborto; há parda parte económica da Constituição; há partidos na coligação que querem uma lei de revisão da reforma agrária, com certeza igual à que acabámos de apresentar na Mesa do Parlamento; há partidos que clamam diariamente por reformas estruturais há 9 meses; há, finalmente, partidos que sugerem que a coligação está de acordo no acessório mas não está de acordo no fundamental.
No fundo, Srs. Deputados, não é isso que nos chega, porque todo esse alarido que alguns partidos da coligação fazem não quer dizer que eles sejam o eco do

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CDS na coligação. Quer apenas dizer que eles são uma «roldana» do PS, que quer evitar que as propostas e as reivindicações do CDS cheguem a todo o País.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É isto que é preciso dizer, porque temos de denunciar um discurso económico que se dirige para o centro e para a direita, mantendo-se, no entanto, as mesmas práticas para a esquerda e para os próprios partidos.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É esta alteração que é preciso fazer! É claro que queremos responder, quando nos perguntam qual é a nossa alternativa, porque não se trata de mais ou menos liberalização. Ê uma outra alternativa, um outro modo de analisar a crise e uma outra forma de encarar as suas soluções.
Só uma maioria nova poderia dar autoridade às nossas respostas e é por isso que são os governos quem tem, normalmente, de responder e não as oposições.
Não nos furtaremos, no entanto, a avançar, mesmo aqui, com uma breve clarificação, com uma breve acareação, entre as posições da maioria e as nossas próprias, nomeadamente sobre 5 questões fundamentais.
Primeira questão: qual é a crise? De quem é a crise? Quais são as razões da crise?
Segunda questão: qual é o objectivo económico e social que propomos ao País e qual é o objectivo económico e social que esta coligação propõe ao País?
Terceira questão: quais são os instrumentos económicos de que nos queremos servir para resolver a crise e quais são os instrumentos económicos de que este governo se tem servido para a resolver?
Quarta questão: quais são os instrumentos sociais?
Quinta questão: quais são os instrumentos políticos deste objectivo?
Respondendo à primeira questão - «qual é a crise?» -, começaria por dizer que este é o ponto mais importante. E a pergunta que ponho ainda agora, depois de ter ouvido o Sr. Deputado Marques Mendes, que falou de «ultrapassar esta crise passageira», é no sentido de saber se esta crise será passageira ou, pelo contrário, duradoura, como aliás corajosamente admitiu o Sr. Ministro das Finanças e do Plano na conferência que fez recentemente no Instituto de Defesa Nacional.
Outra questão importante é a de saber se esta crise é a crise provocada pelo défice, a crise provocada pela inflação, ou se é antes a crise de todas as causas que produzem tais efeitos: a crise do sector público, das leis do trabalho, das leis da produção, da estrutura da Administração e das várias burocracias que governam Portugal.
Outra questão é a de saber se esta crise é uma crise internacional e importada ou se é, também e sobretudo, uma crise interna, que tem a ver com a ideologia dominante no País e com as estruturas que regem a sua economia.
Outra pergunta é a de saber se esta crise é localizada ou é uma crise global. Para nós a resposta é extremamente clara: é que a crise é das estruturas; é que a crise é, sobretudo, interna: é que a crise é
duradoira; é que a crise é global: é. que a crise é a crise das regras do jogo e das instituições em toda a área da economia portuguesa. A prova disso está feita. Cada vez que se apaga o fogo do défice e da inflação, logo após reaparece o mesmo fogo corrigido e aumentado.
Como a história dos orçamentos suplementares bem prova, o défice cresce sempre automaticamente, e para se lhe fazer face, tem de crescer sempre, automaticamente, a tributação, tanto a explícita como a disfarçada. É que quando há fogo no oleoduto não chega deitar água como o Governo quer, nem é bom remédio, como o PCP propõe, derramar mais combustível sobre o oleoduto; o que é preciso fazer então é fechar a torneira.
A inflação e o défice são, aliás, fáceis de explicar. A poupança privada não chega para pagar as despesas públicas. A produção não chega para pagar o que se consome. Comparativamente produzimos menos e pior do que os outros países com quem comerciamos. São estas as diferenças e enquanto elas persistirem haverá défice, inflação e deterioração das razões de troca nas nossas relações comerciais.
É por isso que temos de debelar esses males e temos de ter consciência de que mesmo no ano, tantas vezes nostalgicamente invocado, de 1979 continuou a aumentar e a crescer a despesa administrativa, por que a redução do défice que então se conseguiu se deveu sobretudo ao aumento da poupança privada e ao aumento das remessas dos emigrantes.
Que assim é, está à vista. Há pouco tempo era apenas clara a crise do sector público industrial. Depois, este ano já se tornou clara a crise do sector público dos serviços e dos seguros. Mas talvez a institucionalização da «Dona Branca» tenha permitido tornar claro e fazer pensar que é a própria crise da instituição bancária que ameaça acontecer.
Não se trata, pois, apenas de um dente cariado, que se contente com uma extracção ou pequenos remédios. Trata-se bem de uma situação cancerígena que requer todo um plano de cura e de renascimento. Não percebemos mesmo como é que o Primeiro-Ministro pode pedir estabilidade sem olhar e resolver estas questões bem de frente! ...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lucas Pires já esgotou o tempo de que dispunha, mas julgo que a Câmara se não opõe a que termine a sua intervenção.
Neste momento levantou-se um burburinho nu Sala.

O Orador: - Eu queria também, se o Sr. Presidente me permitir, embora seja supérfluo, pedir aos Srs. Deputados que fizessem o favor - se é preciso pedir nestes termos - de encarar uma questão que é grave em termos que poderiam eventualmente ser menos levianos, em nome do prestígio da Assembleia e abstraindo-se de ser eu quem está neste momento no uso da palavra.
Mas, continuando, a juntar a tudo isto há males estruturais que durante uma década se foram agravando e que exigem uma viragem que não seja apenas mais um recuo momentâneo, ou o fazer «o que se pode», como respondeu um dia um cábula a um professor que lhe perguntou o que é que tinha a fazer um devedor insolvente. Bastará dizer que nos

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últimos 10 anos a nossa produção agrícola aumentou 5%, enquanto na Turquia, país reputado de ser mais atrasado do que nós, ela aumentava 35% no mesmo período de tempo. E bastará lembrar que os nossos preços de exportação aumentavam entre 5 e 7 pontos, enquanto no mesmo período de tempo os de importação aumentavam entre 7 e 9.
Perante isto, não bastam soluções avulsas nem fazer do caso da Celmar toda uma cruzada. Tem de passar o tempo de andar atrás dos caídos e de andar sistematicamente atrás dos problemas, em vez de os enfrentar corajosamente e de uma vez só.
É certo que houve governos anteriores, mas isso já tinha havido também antes. É certo que houve dois choques petrolíferos, mas isso não existiu apenas para nós. Tornámo-nos, sim, entretanto, o país mais pobre da Europa e agora a distância é maior do que antes. Mas também aí, por isso mesmo, é tempo de perceber que se há hoje, em 80, uma crise internacional, semelhante nas suas consequências à de 1930, a verdade e que a crise de 1930 era a do modelo liberal e a crise de 80 é a crise de modelo socialista e social-democrático e do modelo keynesiano. A crise de 1930 era a crise da primeira revolução industrial e a de hoje é a da segunda revolução industrial e é tempo de compreender que o new deal de hoje, em 1980, não é o mesmo de 1930, não é o social-democrata, mas o liberal.
Mas então o Governo não mudou nada nem liberalizou nada? Seria um exagero dizê-lo. Mas e verdade, sim, que, ao fim de 9 meses de governo e em circunstâncias de aguda crise económica global, ainda não há nenhuma nova concepção do desenvolvimento global do País. Ninguém a conhece pelo menos, e o que se fez no bom sentido foi muito pouco, muito mau, muito tarde e muito contraditório. Talvez haja, sim, apenas uma estratégia defensiva, mas então é uma estratégia de autoderrota, de descrença, de organização do recuo e desistência. Pelo contrário, o que era necessário era uma estratégia que consistisse numa verdadeira alavanca de um novo quadro e de uma nova força económica ou, ao menos, dos sinais dessa possibilidade para o País.
Se o Governo preferisse atacar as causas em vez de atacar os efeitos da crise, então poderia atacar o défice sem deixar escapar a inflação, ao contrário do que está a acontecer, pela razão simples de que é o mesmo sistema que produz a mesma inflação e o mesmo défice.
De resto, não só não há um plano como também não há uma filosofia. Houve algumas soluções liberalizadoras avulsas, houve também um pouco mais de gestos e houve mesmo um montão ainda maior de palavras nesse sentido. Mas está-se ainda numa encruzilhada, aliás difícil de decifrar para muitos. Não se saiu da transição socialista da Constituição para a transição liberal e apenas se encontrou uma via lateral que corre o risco de ser de capitalismo selvagem ou de socialismo selvagem mas que não será seguramente a de uma economia regrada e próspera. Viu-se aqui na semana passada que havia, de facto, 3 estratégias: a do Partido Comunista, que quer enfrentar a crise voltando à revolução e ao passado; a do PS/PSD, que quer manter o status quo, embora com alguns laivos liberalizadores; a do CDS, que quer uma reforma efectiva e global, ainda que gradual, do sistema económico e social.
É por não ter uma filosofia e um plano que o Governo não consegue inspirar confiança aos agentes económicos. É por isso que a austeridade em vez de ter fortalecido o nosso tecido económico o enfraqueceu. É por isso que a liberalização de certos preços acabou apenas por equivaler, na prática, à sua fixação a preços mais altos. É por isso que leis como a do lay-off, com a qual se gastou tanto tempo de televisão, se mostraram muito aquém da utilização prevista. É por isso que o desemprego aumenta antes de haver condições para criar novos empregos. Ë devido a essa falta de uma clara filosofia económica que muitas leis terão apenas um valor simbólico. E estou de acordo com o Sr. Deputado Marques Mendes quando aqui agora mesmo se congratulou com o facto de haver uma lei de habitação que introduz algum progresso em termos de justiça, mas é claro que economicamente essa lei só terá o valor simbólico da liquidação de um tabu e não mais.
É por falta de uma linha clara e por se traduzir em simples manipulação de números que a política económica do Governo não mobiliza ninguém. É por não ter decisão nem clareza que essa política, tendo algumas das consequências sociais negativas da política da Sr.ª Thatcher, não tem, porém, nenhuma das consequências positivas e muito menos a dinâmica de superação da crise dessa política.
Receamos mesmo que tudo isto se trate do tique tradicional do Partido Socialista, que consiste - e consistiu sempre - em dramatizar o quadro externo, recorrer ao FMI, à CEE, batendo violentamente às várias portas para poder repousar, cá dentro, como a cigarra. Ë fácil ver o Partido Socialisla como gestor económico do défice ou da inflação, mas é difícil, talvez mesmo impossível, vê-lo como empresário de uma mudança económica substancial. E. no entanto, é aqui que está a solução.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou aligeirar a minha intervenção substancialmente...
Neste momento levantou-se um burburinho na Sala.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peco-lhes o favor de fazerem silêncio.

O Orador: - Espero que o gáudio manifestado neste «acto de solidariedade» do PCP e do PS seja a confirmação de que há desse lado uma alternativa capaz para os problemas económicos do País.

Aplausos do CDS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quisemos ser duros nesta interpelação, mas sem animosidade. É que não há ninguém hoje em Portugal que seja sério sem ser duro. Conhecemos as dificuldades e sabemos que vencê-las será uma tarefa da maioria e não apenas a tarefa de um só partido, não apenas a tarefa de um partido como o nosso. Porém, estamos conscientes de que é importante ter uma filosofia clara, de que é importante saber onde estamos e para onde vamos e de que é importante saber qual é o partido, qual é a força que lidera o processo político de reconversão e de mudança da nossa economia.
Julgo, aliás, ser importante dizer que o aspecto mais positivo da gestão deste Governo durante estes 9 meses é ter posto à mostra as chagas da economia

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portuguesa. E aí honra seja feita ao Sr. Ministro das Finanças, que, pela sua seriedade, permitiu abrir à própria classe política portuguesa um outro estilo, pelo menos nisso, no tratamento das questões económicas.
Ê hoje geralmente aceite por todos que há uma crise grave em Portugal que transcende cada partido e cada governo e que é, como se viu aqui durante esta interpelação, uma crise do próprio sistema económico. Mas é também verdade que já desde a vigência de governos anteriores se anda a dizer que se vai vencer a crise. Não foi este o primeiro Governo que disse que se ia vencer a crise. Muitos governos andaram a dizer sinceramente que iam vencer a crise, mas a crise não tem sido vencida, antes tem sido agravada.
Foi por isso que o CDS propôs nesta Assembleia, quando falou na revisão da constituição económica, que, em vez de se vencer a crise, pensássemos em vencer o sistema que produz sempre, repetidamente, a mesma crise.

Aplausos do CDS.

Partilhamos, inclusivamente com o Sr. Ministro das Finanças, a ideia de que entre 1973 e 1983 se foram acumulando erros no domínio económico. Em 1973 estava no auge a era do petróleo e a megalomania industrial. Existiam ainda ou, melhor, resistiam ainda o corporativismo e o império e tínhamos uma relação capital/trabalho relativamente favorável ao primeiro, num quadro, aliás, em que emigrar era ainda fácil. Depois de 1973 não tivemos suficientemente em conta a alteração radical de todos estes factores e nalguns casos até os agravámos.
Digamos, por exemplo, que socialismo e revolução vieram substituir, em grande eloquência económica, os temas corporativismo e império. Não terá sido mesmo por acaso que os ex-economistas do secretariado técnico da Presidência do Conselho de Ministros se transferiram maciçamente a seguir ao 25 de Abril para os gabinetes económicos dos partidos da actual coligação. Algumas forças, é certo, remaram contra, como a ala liberal, como a primeira AD, mas falta ainda transformar a ala liberal em regime, e esse continua a ser o nosso objectivo.
Democratizar e liberalizar - hão-de percebê-lo as próprias forças de esquerda em Portugal - têm uma identidade permanente em todo o mundo ocidental, e só liberalizando se pode salvar a democracia, julgo que é essa a lição profunda dos tempos presentes em Portugal e seria mau perder outra vez a oportunidade, sobretudo numa altura em que a dialéctica é entre liberalizar ou corporativizar de novo.
O socialismo está perdido, tão perdido que os próprios socialistas não acreditam nele e que o Governo segue ajoujado atrás do seu arrependimento. É por isso que já era altura de os socialistas perceberem que a alternativa hoje em Portugal não é entre socialismo e liberalismo, mas entre uma sociedade mais liberal ou algum regresso ao corporativismo.
Talvez ate algumas leis propostas por este Governo - que falam em desenvolvimento industrial, em fundo de desenvolvimento industrial, em comissão de cooperação técnica - façam lembrar nos seus termos exactos as leis do fomento industrial, comissões de fomento industrial, fundos de fomento industrial. Não
é por acaso que na economia actual são os interesses que se estão a desenvolver, e não a satisfação das necessidades dos trabalhadores nem a vitória dos lucros, das empresas.

Aplausos do CDS.

É por isso que não é em nome de interesses que vimos aqui pedir a liberalização da sociedade portuguesa.

Risos do PCP.

É exactamente contra os interesses e contra o corporativismo dos interesses que está a instalar-se sob a capa e o disfarce da maior maioria se sempre.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ora aí está!

O Orador: - É aí que temos de situar o nosso combate, ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ninguém tem dúvidas disso! ...

O Orador: - ... revogando os impedimentos que existem, porque enquanto houver impedimentos à iniciativa haverá uma respiração artificial da economia portuguesa.
É a libertação de economia portuguesa que está por fazer. é o 25 de Abril da economia portuguesa que está por fazer. A revisão económica da Constituição não é senão a ideia de que os Portugueses podem empreender em Portugal e de que quando querem empreender não têm que ir para o Canadá, para os Estados Unidos, nem lá para fora.

Risos do PCP, da UEDS e de alguns deputados do PS.

É a recusa da ideia de que a nova «concorrência coexistência!» não deve ser entre as multinacionais e o sector público, mas deve ser, sim. através do relançamento da economia, da iniciativa e dos empresários portugueses.
Aplausos do CDS.
Sr. Primeiro-Ministro. Sr. Ministro das Finanças e do Plano: Não há nenhuma política económica, se ela for apenas trabalhada nos laboratórios do poder e se os principais agentes dessa política - trabalhadores e empresários - não acreditarem que essa política pode ser levada avante.
Uma coisa é certa: nem trabalhadores nem empresários acreditam que a política deste governo, tal como foi conduzida até hoje, pode levar este país aonde quer que seja. É esta a questão que tem de ser dita e invocada com seriedade e com gravidade no único e no principal foro democrático do País. Quem quiser esconder esta realidade, com risos ou de outra maneira, está a prestar um mau serviço ao futuro das novas gerações, que não querem passar do automóvel para a bicicleta, mas querem, sim. ter em Portugal um país próspero, rico e capaz.

Aplausos do CDS.

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Sr. Presidente, vou terminar com um apelo. Um apelo sincero e não um apelo reservado ou avaro, mas generoso. É o apelo de que nos possamos entender sobre esta questão da revisão económica da Constituição, porque o que a situação tem demonstrado é que não há «concorrência coexistencial», mas 3 sistemas económicos em Portugal.
Nós não somos tão liberais como pode parecer.

Protestos do PCP e de alguns deputados do PS.

Queremos, inclusive, uma economia mista. Mas uma só economia, e não 3 economias, porque 3 racionalidades económicas são o mesmo que uma irracionalidade económica. É aqui que é preciso fazer as transformações com o sentido do geral, com o sentido do futuro. Sentido que esperava que, apesar do actual pragmatismo, ainda não faltasse de todo à esquerda portuguesa. Ou seja, que não faltasse de todo à esquerda portuguesa o sentido do geral e o sentido do futuro de um luta, que sabe que só haverá paz social e política em Portugal se não houver privilégios do sector público e se os parceiros sociais se puderem entender numa base de igualdade, e não numa base de privilégio do sector público.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O próprio Governo, apesar dos seus arcaísmos ideológicos, já admitiu que estamos, aliás, perante o novo mundo, perante uma terceira revolução industrial, e que é preciso acompanhar esse passo.
Porque é que não havíamos nós também, hoje, de assumir a coragem que o 25 de Abril devia ter tornado mais fácil e passarmos por cima, em vez de continuarmos a passar por baixo, do desafio económico dos anos 80?
É esse o nosso desafio ao Governo, aos seus deputados e aos seus partidos.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No espaço de uma semana o Governo foi duas vezes interpelado sobre a sua política económica: primeiro pelo Grupo Parlamentar do PCP e agora pelo do CDS. A incidência das preocupações dos partidos interpelantes variou bastante: no primeiro caso, os salários em atraso e a problemática do emprego estiveram no centro do debate; no segundo, discutiu-se principalmente a chamados matéria vaga.

Risos do PCP.

O Orador: - Mas o pretexto invocado terá sido a inflação. De comum houve a insistência em críticas que são fáceis de fazer, sem que se tenha apresentado uma política global de alternativa.
Não obstante haver um traço evidente de ligação entre os 2 temas propostos - desemprego e inflação -, ambos relacionados com a crise económica internacional e com as exigências da política de estabilização financeira posta em prática pelo Governo, desde que entrou em funções, mesmo antes do acordo com o Fundo Monetário internacional, salta à vista, nas duas sucessivas interpelações, a incompatibilidade das análises dos 2 partidos da oposição e a insuficiência das soluções apresentadas, defendendo ambos posições não só antagónicas mas também extremas, embora de sinal contrário. O PCP - como se sabe - aproveita todos os pretextos para desestabilizar, servindo-se do Parlamento como de uma mera caixa de ressonância dos movimentos de protesto que tenta orquestrar na rua. O CDS, que, como disse o deputado Basílio Horta, não quer que o considerem um «partido mole», interpela porventura mais para corresponder e dinamizar interesses e rivalidades do seu Grupo Parlamentar do que para apresentar sugestões ou propor seriamente soluções de alternativa. Por contraste, ressalta assim melhor a posição de equilíbrio, não condicionada por preconceitos ideológicos, realista e pragmática do Governo, como a única orientada para vencer em concreto as dificuldades do País, na actual conjuntura económica internacional e dadas as carências e os condicionalismos internos, que são de todos conhecidos. Obviamente que o problema dos salários em atraso e do desemprego - em especial a dificuldade em obter o primeiro emprego - é uma questão que preocupa o Governo em altíssimo grau, como vários ministros aqui referiram. Bem como a aceleração da inflação a que assistimos nos últimos meses, embora em Janeiro último se tenha verificado uma significativa redução.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Mas em Fevereiro acelerou outra vez.

O Orador: - A questão, porém, não está aí. Mas em saber se com a política de substancial redução do défice da balança de pagamentos - que foi o objectivo prioritário programado e cumprido pelo Governo - poderia ser de outro modo, se seriam de esperar outros resultados a curtíssimo prazo, ou se haveria outra terapêutica possível e, nesse caso, qual. E a resposta aí - porque ninguém a disse - tem de ser, seriamente, não. Não havia.
A redução do défice da balança de pagamentos - dada a situação aflitiva, herdada pelo Governo, em Junho último, ou seja, há 8 meses - constituiu um imperativo de sobrevivência para Portugal. Ninguém nesta Assembleia o ignora. Pois bem: foi conseguida. Importa agora, controlado que está no imediato o problema crucial do financiamento externo, encarar com igual seriedade e coragem problemas estruturais que vêm de longe, procedendo desde já aos reajustamentos que as circunstâncias aconselham e que têm a ver com a inflação e também com o desemprego. Mas aí jogam decisivamente dois factores essenciais: tempo e estabilidade política e social. Sem o que, por maiores que sejam os esforços conjunturais, os problemas estruturais serão sempre adiados, não haverá reformas de fundo nem recuperação económica possível. Nem se poderá lutar consequentemente contra a inflação nem, muito menos ainda, contra o desemprego.
O Governo tem escassos 8 meses de existência e ninguém ignora o ponto crítico de que partiu. Foi mesmo a iminente ameaça de ruptura financeira que constituiu o pano de fundo da crise política que então se viveu e que forçou, depois das eleições de Abril, os 2 maiores partidos políticos portugueses a coliga-

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rem-se para, patrioticamente, combater a crise e assim salvar as instituições democráticas, como legado mais precioso da Revolução de Abril.

Aplausos do PS e do PSD.

O espectro da ruptura financeira, que rondou Portugal na Primavera de 1983, está afastado. O País, que parecia ingovernável em termos democráticos, oferece agora condições de recuperação a prazo, como reconhecem os mais severos observadores económico-financeiros internacionais. A actual coligação está a demonstrar que desde que haja estabilidade política é possível, em democracia, resolver a crise e tomar as medidas corajosas que as circunstâncias exigem.
Essas medidas necessárias têm vindo a ser tomadas. Para tanto, foram pedidos pesados sacrifícios à população, que com bom senso e patriotismo neles tem consentido por os julgar justificados. A liberdade é um bem que não tem preço, e os Portugueses, que viveram quase meio século em ditadura, sabem que assim é. Mas a batalha ainda não está ganha. Estamos no início de um longo percurso. Para já temos apenas indicativos claros de que se pode, razoavelmente, ter esperança, se a rota iniciada há 8 meses for prosseguida, sem interrupções e sem falhas. Todos os Srs. Deputados, quer da maioria quer da oposição, terão de ter a consciência exacta de que assim é. Atenção: uma interrupção ou o desvio da política de austeridade e rigor, programada e seguida pelo Governo, não só tornaria sem sentido os sacrifícios pedidos até agora como faria retrogradar o País, em piores condições, à situação crítica que vivemos na Primavera de 1983. Quem tem a coragem para o desejar, sem ter nada de consistente para oferecer em troca aos Portugueses? Só com total irresponsabilidade ou quem esteja apostado na desestabilização do País. Porque a porta ficaria aberta - ninguém o pode duvidar - para as piores aventuras.
As medidas de rigor, para mais em tempo de crise económica internacional, nunca são populares. Ninguém por gosto se submete a uma operação cirúrgica. Os nós cegos da nossa economia - que vêm de longe, note-se, e foram agravados por factores externos e internos que têm sido repetidamente referidos- requerem operações cirúrgicas pontuais, em certos casos profundas. O Governo terá a coragem de as fazer, ninguém tenha dúvidas disso.
Pode-se acusar o Governo de atrasos ou de certas debilidades sectoriais, com alguma razão. Não o nego. Seria sempre eu o primeiro a agradecer as críticas, que serão bem-vindas, porque nos permitem corrigir erros, andar mais depressa ou preencher lacunas.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Está a progredir!

O Orador: - Mas não se pode, com justiça, acusar o Governo de inacção ou de falta de coragem em tomar as medidas necessárias, por mais impopulares. Sobretudo não o deverão fazer aqueles que, tendo estado no poder nos últimos anos, têm a sua quota-parte de responsabilidade na inacção e na falta de decisão em atacar os problemas ora denunciados. Reconheça-se ao menos que em 8 meses o Governo atacou alguns tabus que pareciam irremovíveis: a redução dos défices; o descongelamento das rendas; a institucionalização da concertação social; a abertura à iniciativa privada de
sectores importantes como a banca e os seguros; a reestruturação em termos de eficácia, que agora começa, do sector público empresarial; o problema da autoridade do Estado; o ataque organizado à corrupção; um serviço nacional de informações. Outros se seguirão, na prossecução de um programa que está a ser cumprido como foi programado e segundo os calendários estabelecidos.
Obviamente que os resultados não são imediatos. Da decisão em Conselho de Ministros à implementação prática, com provas à vista, há todo um caminho burocrático de dificuldades a vencer, por vezes altamente frustrante para quem tem a responsabilidade do Governo. Por outro lado, tem de se atender no dia-a-dia aos fogos ateados que importa apagar no imediato. Para além das sabotagens, conscientes ou não, das intrigas que fazem perder tempo a desfazer, das pressões e contrapressões dos múltiplos lobbys organizados. Mas a vontade política de continuar em frente existe. O País já compreendeu que está perante um governo determinado a resolver os problemas, que não desiste, que sabe o que quer e que tem a coragem de prosseguir no caminho traçado, sem se deixar desviar por manobras de diversão.
Como é natural, as oposições agigantam as dificuldades conjunturais, que -reconheço-o - não são imaginárias. Com algum engenho mas fracos resultados, felizmente, procuram explorar os descontentamentos inevitáveis. No português comum há, de resto, um fundo de descrença nas próprias virtualidades do País, que o inclina ao cepticismo, senão mesmo ao derrotismo sistemático. Importa, porém, reagir. Há que reconhecer que as dificuldades portuguesas não são diferentes, senão porventura em grau, das dos outros países europeus, que são bem mais ricos do que nós, que não emergiram de longas ditaduras como nós ou que, como no caso da Espanha ou da Grécia, se têm isso de comum connosco, não sofreram o abalo sísmico de uma longa guerra colonial e de uma descooonização feita com 20 anos de atraso.
É certo que a vida é dura, sobretudo para aqueles que têm mais fracos rendimentos e que vivem do seu trabalho. O nível de inflação nos últimos meses, alimentado pela desvalorização, pela inflação externa e pelos ajustamentos dos preços, acelerou mais do que seria desejável. Espero, porém, venha a descer substancialmente até ao final do ano, porque esse não pode deixar de ser agora um objectivo prioritário da política económica do Governo. Contudo, se nesse aspecto o confronto nos é desfavorável relativamente à Espanha e mesmo à Grécia, note-se que já o não é, por exemplo, no que se refere ao desemprego - de nível muito mais baixo entre nós do que aquele que se verifica na Espanha ou na Grécia.
A Europa atravessa um momento difícil, como é visível mesmo para quem segue distraído o evoluir dos acontecimentos internacionais. O aumento do valor do dólar para um país, como Portugal, carecido de matérias-primas, de máquinas e obrigado a comprar em dólares o petróleo e a quase totalidade dos cereais que consome representa uma condicionante tremendamente negativa. Apesar do comportamento muito positivo que têm tido as nossas exportações nos últimos meses.
Não se pense, portanto, que os problemas são fáceis ou que se podem resolver com discursos ideológicos, qualquer que seja o seu sinal. Só pelo trabalho, com

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o aumento da produção, com um melhor aproveitamento dos recursos naturais e humanos, num clima de concertação social e com muita criatividade, se poderá a prazo médio recuperar a economia e modernizar o Estado e a sociedade. É esse o objectivo do Governo.
A margem de manobra e estreita, mas os problemas têm solução, se houver bom senso e verdadeiro sentido de solidariedade nacional. Não é por estar aberto ao exterior que Portugal perderá a sua identidade. Pelo contrário. Regressando à Europa e sem esquecer os seus interesses permanentes em África, Portugal reencontra-se consigo próprio e com a sua verdadeira vocação de país de diálogo. A retoma da expansão que se verifica nos Estados Unidos e no Japão, que em 1984 se espera comece a fazer sentir-se igualmente na Europa, beneficiará também o nosso país. Tenhamos, pois, confiança.
De qualquer modo, dependentes como estamos do exterior, precisamos de assegurar em elevada dose a estabilidade política e social, de modo a que o factor tempo possa jogar a nosso favor na desejada recuperação, sem estarmos permanentemente a pôr em causa as opções do eleitorado, as instituições e o próprio sistema. O respeito pelas instituições democraticamente estabelecidas e pelos calendários eleitorais é uma das regras fundamentais da democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tem-se argumentado frequentemente com a Constituição para explicar certos bloqueamentos económicos e certa incapacidade dos governos para resolver problemas concretos. Não nos furtaremos a examinar esta questão. Mas não creio que seja saudável viverem os políticos perpetuamente a arranjar álibis para a sua inoperância. As constituições, como disse há pouco o Sr. Deputado Adriano Moreira, fazem-se mais do que se escrevem, no sentido de que têm sempre várias leituras possíveis. A nossa tem muitas virtualidades que ainda não foram exploradas. A querela constitucional e uma questão sobretudo ideológica. Ora, não é no campo do debate ideológico que se podem resolver os problemas nacionais que têm a ver com o desenvolvimento de um país em recessão, fortemente condicionado pela crise económica mundial. Ê sim, no campo da acção prática efectiva, tendo a coragem de assumir medidas de reformas profundas das nossas estruturas arcaicas. Não é a Constituição que obsta a que se tomem tais medidas, como tem ficado demonstrado. O Governo não enferma de tabus de natureza ideológica e procura abordar os problemas e resolvê-los por forma pragmática. Mas não lhe interessa envolver-se em falsas guerras, desnecessárias e inoportunas, nem refugiar-se por detrás de pretextos ideológicos. Quer ser julgado pelo que faz - e pensa que pode fazer muito no actual quadro constitucional. Aliás, revista a Constituição há menos de 2 anos. levantar de novo a bandeira da revisão é, quer se queira ou não, desviar as atenções do País para o que deve ser feito já e é essencial fazer para assegurar a recuperação económica do País.

Aplausos do PS, doo PSD e da ASDI.

Reestruturar dando eficácia e maior dinamismo ao sector público, corresponsabilizando e prestigiando os respectivos gestores: assegurar à iniciativa privada as melhores condições de trabalho, acarinhando particularmente as pequenas e médias empresas que demonstrem ser competitivas em lermos da nossa próxima adesão à CEE; dar uma maior flexibilidade à legislação laborai numa perspectiva de equiparação com as homólogas legislações europeias e com o objectivo de desenvolver o emprego; incrementar por todas as formas o ensino profissional; aumentar a produção agrícola, criando estímulos para os novos empresários agrícolas; promover uma autêntica reforma fiscal; assegurar a descentralização, desburocratizando e modernizando o aparelho do Estado; investir nas fainas do mar (pescas e marinha mercante), nas florestas, na construção civil e na habitação; apostar nas modernas tecnologias, ligando as universidades à vida empresarial e ao desenvolvimento das regiões em que se inserem. Eis alguns temas, entre outros, que nos devem preocupar e ocupar e cujo debate é de certo bem mais urgente e prioritário do que o problema da revisão constitucional.

Aplausos do PS.

A estratégia para o desenvolvimento português passa, como foi dito, pela integração na CEE. O choque europeu, que representa um tremendo desafio, obrigar-nos-á à modernização e a grandes reformas. E conhecida a ofensiva diplomática que o Governo tem desenvolvido para forçar as Comunidades a uma decisão concreta, em curto prazo. Esse objectivo parece agora ter sido atingido, na medida em que o Conselho de Ministros da Comunidade, reunido em Bruxelas há poucos dias, resolveu marcar como data limite para uma resposta 30 de Setembro próximo. Essa resposta, que representará para nós o termo das negociações com a CEE, não pode deixar de ser positiva, segundo todas as nossas informações.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Erradas!

O Orador: - Abrir-se-á então a fase das ratificações pelos respectivos parlamentos do acordo de adesão, o que nos faz admitir, com toda a probabilidade, que seremos membros efectivos da CEE em 1 de Janeiro de 1986.
Se assim acontecer - e estou agora confiante que acontecerá -, trata-se de uma viragem histórica para Portugal, que acelerará o ritmo do nosso desenvolvimento e ajudará a fixar definitivamente o quadro democrático das nossas instituições.
Não se creia, contudo, que com esse passo tão importante para a colectividade nacional voltamos as costas à nossa vocação atlântica ou nos distraímos dos interesses permanentes de Portugal em África.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Bem pelo contrário. Os Estados Unidos e o Japão terão maior interesse em investirem em Portugal quando ficar decidida a nossa integração na CEE. E o nosso relacionamento com África, em especial com os novos países africanos de fala oficial portuguesa, só pode ganhar com a nossa maior inserção na CEE, dado que todos estão em vias de se ligar de algum modo à CEE pela adesão à Convenção de Lomé.

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Como é sabido, o Governo tem vindo a clarificar e desenvolver as relações com os países africanos de fala oficial portuguesa, numa perspectiva de Estado, no respeito mútuo, na reciprocidade de vantagens e sem qualquer paternalismo ou emoção político-ideológica. Normalizou também Portugal as suas relações com a África do Sul, tendo em conta que nesse país vivem cerca de 600 000 portugueses cujos interesses nos incumbe defender.
A tal respeito não têm faltado as intrigas nem as calúnias daquele sector político que em Portugal defende interesses que nos são alheios. Contudo, os recentes encontros de Lusaca e de Maputo - que saudamos como passo importante, realista e construtivo em favor da paz na região - aí estão para demonstrar que numa perspectiva de Estado e de defesa das soberanias próprias não se devem enxertar problemas ideológicos nem político-partidários sem vinculação dos interesses nacionais de cada país.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ano de 1984 é, a vários títulos, um ano de viragem para Portugal. Apesar das dificuldades, que não menosprezamos, abrem-se-nos perspectivas que nos permitem encarar o futuro com alguma confiança. O essencial é que saibamos prosseguir na política encetada, ainda que com os ajustamentos que as circunstâncias e as críticas clarividentes aconselham. O essencial é manter a estabilidade política, através da coesão da maioria, na diversidade, na lealdade e na responsabilidade. Que os partidos da oposição cumpram, pois, o seu papel de críticos e de fiscais, no respeito da autoridade democrática do Estado e das decisões da maioria, que o Governo não fugirá às suas responsabilidades e não deixará de cumprir as suas obrigações, ou seja, de corresponder ao que dele espera a Nação.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate.
Vai agora dar-se conta de alguns diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Projecto de lei n.º 250/III, da iniciativa do Sr. Deputado José Magalhães e outros, do PCP, sobre a defesa dos direitos dos cidadãos nomeados discricionariamente contra a transferência ou exoneração por mera «conveniência de serviço». Foi admitido e baixou à 1.ª Comissão.
Proposta de resolução n.º 10/III, da iniciativa do Governo, que aprova para ratificação a 18.ª Convenção de Haia sobre reconhecimento de divórcios e separações de pessoas, de 1 de Junho de 1970. Foi admitida e baixou à 1.ª Comissão.
Recurso interposto pelo PCP sobre o despacho de não admissão do projecto de lei n.º 286/III, sobre medidas de emergência para pagamento dos salários em atraso, garantia dos direitos dos trabalhadores, salvaguarda do funcionamento e recuperação das empresas.
Sobre este recurso, o Sr. Presidente despachou mandando agendar para a primeira parte da ordem do dia da sessão do dia 28 de Fevereiro, nos termos da alínea b) do artigo 73.º do Regimento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima sessão terá lugar no dia 28 de Fevereiro, pelas 15 horas, com período de antes da ordem do dia e o seguinte período da ordem do dia: 1.ª parte - apreciação do parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, autorizando o Sr. Deputado Raul Rego a depor como testemunha e apreciação do recurso interposto pelo PCP sobre o despacho de não admissão do projecto de lei n.º 286/III, sobre medidas de emergência para pagamento dos salários em atraso, garantia dos direitos dos trabalhadores, salvaguardando o funcionamento e recuperação das empresas; 2.ª parte - discussão e votação da proposta de lei n.º 54/III, sobre arredondamento do valor global das indemnizações.
Os funcionários da Assembleia da República que estiveram de serviço até ao final desta sessão estão dispensados de se apresentarem amanhã, isto é, hoje, Sexta-feira.
Está encerrada a sessão.

Eram 2 horas e 55 minutos do dia seguinte.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Joaquim Leitão Ribeiro Arenga.

Centro Democrático Social (CDS):

Manuel Jorge Forte de Góes.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Francisco Igrejas Caeiro.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís de Figueiredo Lopes.
Mário Martins Adegas.

Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez.
Joaquim Gomes dos Santos.
Mariana Grou Lanita.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
José Augusto Gama.
José Vieira de Carvalho.

Os REDACTORES: José Diogo - Ana Maria Marques da Cruz - Maria Leonor Ferreira.

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24 DE FEVEREIRO DE 1984 3507

Relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos enviados à Mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 21 de Fevereiro de 1984, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitada pelo Partido Socialista:

Amadeu Augusto Pires (círculo eleitoral de Bragança) por Armando António Martins Vara (esta substituição é pedida para o dia 20 de Fevereiro corrente);

2) Solicitada pelo Partido Social-Democrata:

Cuido Orlando de Freitas Rodrigues (círculo eleitoral do Porto) por Serafim de Jesus Silva (esta substituição é pedida para o dia 20 de Fevereiro corrente).

3) Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

Joaquim Rocha dos Santos (círculo eleitoral do Porto) por Henrique António da Conceição Madureira (esta substituição é pedida para os dias 21 a 24 de Fevereiro corrente, inclusive);
João António de Morais Leilão (círculo eleitoral de Lisboa) por Henrique José Cardoso de Menezes Pereira de Moraes (esta substituição e pedida para os dias 18 a 21 de Fevereiro corrente, inclusive).

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP)- Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Manuel Fontes Orvalho (PS) - José Maria Roque Lino (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Manuel Portugal da Fonseca (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Helena Cidade Moura (MDP/CDE) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Em reunião realizada no dia 16 de Fevereiro de 1984, pelas 10 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró (círculo eleitoral de Coimbra) por António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier (esta substituição é pedida para os dias 22 a 24 de Fevereiro corrente, inclusive);

2) Solicitadas pelo Movimento Democrático Português/CDE:

João Cerveira Corregedor da Fonseca (círculo eleitoral de Setúbal) por José Carlos Pinheiro Henriques (esta substituição é pedida para o dia 23 de Fevereiro corrente);
Helena Cidade Moura (círculo eleitoral de Lisboa) por António Mota Redol (esta substituição é pedida para os dias 23 e 24 de Fevereiro corrente, inclusive);
Raul Fernandes de Morais e Castro (círculo eleitoral do Porto) por Amílcar Manuel Ribeiro Costa e Silva (esta substituição é pedida para o dia 24 de Fevereiro corrente).

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário; Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - João de Almeida Eliseu (PS) - António dos Santos Meira (PS) - José Diogo Azevedo Preza (PS) - José Lello de Almeida (PS) - Joaquim Catanho de Menezes (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - Raul Sousela Brito (PS) - Rui Monteiro Picciochi (PS) - Leonel Santa Rita Pires (PSD)-Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Manuel Portugal da Fonseca (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - Maria Margarida Salema Moura Ribeiro (PSD) - João António Gonçalves do Amaral (PCP)-Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Raul de Castro (MDP/CDE).

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PREÇO DESTE NÚMERO 205$OO

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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