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I Série - Número 88

Quinta-feira, 22 de Março de 1984

DIÁRIO da Assembleia da República

III LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 21 DE MARÇO DE 1984

Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais

Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
António Roleira Marinho
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e das respostas a alguns outros.
Foi aprovado um voto de congratulação, subscrito por todos os grupos e agrupamentos parlamentares, pela comemoração do Dia Mundial das Florestas. Produziram declarações de voto os Srs. Deputados Vilhena de Carvalho (ASDI), Roque Lino (PS), e João Abrantes (PCP), Menezes Falcão (CDS), Octávio Cunha (UEDS), António Gonzalez (Indep.), Costa Andrade (PSD) e João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).

Ordem do dia. - Em representação do PCP, a Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) fez a apresentação dos projectos de lei n.º 278/III, que aprova medidas tendentes à efectivação dos direitos das mães a que se refere o artigo 1884º do Código Civil, e 279/III, que garante à mulher grávida o direito de acompanhamento, pelo futuro pai, durante o trabalho de parto. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Taborda (MDP/CDE) e Octávio Cunha (UEDS).
Procedeu-se à votação de 3 pareceres, que foram aprovados, da Comissão de Regimentos e Mandatos autorizando os Srs. Deputados Magalhães Mota (ASDI), Marques Mendes e Angelo Correia (PSD) a deporem em tribunal como testemunhas.
Seguidamente foi discutido e votado - tendo sido concedida - o pedido de urgência solicitado pelo PSD para a discussão e votação do projecto de lei n.º 177/III, relativo ao prazo de caducidade em acção de resolução de contratos de arrendamento. Intervieram, a diverso titulo incluindo declarações de voto, os Srs. Deputados Montalvão Machado (PSD), Odete Santos (PCP), Carlos Gradas e Roque Lino (PS), Correia Afonso (PSD) e António Taborda (MDP/CDE).
Iniciou-se a discussão da proposta de lei n.º 55/III - enquadramento dos órgãos e serviços do Estado a quem incumbe assegurar a obtenção, tratamento e difusão das informações necessárias à Defesa Nacional, ao cumprimento das missões das Forças Armadas, à segurança do Estado de direito e à garantia da liberdade democrática.
Intervieram no debate, além do Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos), e do Sr. Vice-Primeiro-Ministro (Mota Pinto), os Srs. Deputados Lino Lima (PCP), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Carlos Brito (PCP), António Taborda (MDP/CDE), João Amaral, José Magalhães, José Manuel Mendes e Jorge Lemos (PCP). Lopes Cardoso (UEDS), Costa Andrade (PSD), Helena Cidade Moura (MDP/CDE) e Sottomayor Cardia (PS).

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 50 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Alexandre Monteiro António.
Almerindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.

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António José dos Santos Meira.
António Manuel Carmo Saleiro.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Eurico Faustino Correia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Fernando Tomás dos Santos Ferreira.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Händel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Leitão Ribeiro Arenga.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José Joaquim Pita Guerreiro.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
José Maximiano Almeida Leitão.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Angela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel de Barros Barrai.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
César Augusto Vila Franca.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonel Santa Rita Pires.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Marília Dulce Coelho Pires M. Raimundo.
Mário Martins Adegas.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

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Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João António Torrinhas Paulo.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Uno Carvalho de Lima.
Lino Paz Paulo Bicho.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Simões Areosa Feio.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Alexandre Carvalho Reigoto.
António Filipe Neiva Correia.
António Gomes de Pinho.
António José de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Eugênio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Carlos Dias M. Coutinho Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte Góes.
Manuel Lemos.
Manuel Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

Helena Cidade Moura.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
António Monteiro Taborda.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista
(UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Da Assembleia Municipal do Concelho de Angra do Heroísmo, a enviar fotocópia de uma moção, repudiando a discriminação de que foram alvo os municípios da região, no Orçamento Geral do Estado, exigindo tratamento igualitário ao estabelecido para os municípios do continente.
Da Câmara Municipal de Rio Maior, a enviar fotocópia de uma proposta aprovada por unanimidade, na qual deliberou no sentido de evitar a construção do troço da variante ao Alto da Serra - EN 1, e diligenciar por todos os meios ao seu alcance que se concretize o Projecto da Variante Quebradas -Venda das Raparigas.

Carta

Da Associação dos Reparadores de Automóveis do Sul, solicitando que seja alterada a Lei n.º 16/79, a fim de na mesma ficar consignada a igualdade dos parceiros sociais.

Telegrama

Da Junta de Freguesia de Mafamude, clamando medidas urgentes que impeçam o previsto encerramento do Lar de Convalescentes Feminino do Centro de Saúde Mental de Gaia, que consideram de grande relevância.

«Telex»

Da Câmara Municipal de Cascais e e telegrama dos presidentes das Câmaras Municipais do Distrito de Leiria, expressando a sua discordância em relação ao texto do projecto de diploma de reorganização técnico-administrativa dos municípios, por considerarem que ele viola direitos consagrados na Constituição e está fora das realidades dos problemas municipais.

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O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Foram apresentados na Mesa na última reunião plenária os requerimentos seguintes:

Aos Ministérios da Educação e do Equipamento Social (2), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros; ao Ministério do Trabalho, formulado pelo Sr. Deputado Fradinho Lopes; à Secretaria de Estado da Administração Pública, formulado pelo Sr. Deputado Anacoreta Correia; ao Ministério da Educação, formulado pelos Srs. Deputados Paulo Areosa e Jorge Patrício; ao Governo e ao Ministério da Educação (2), formulados pelos Srs. Deputados Jorge Lemos e Custódio Gingão; ao Ministério da Agricultura, Florestas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado Duarte Lima; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Ângelo Correia; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Jorge. Lemos, José Magalhães e José Manuel Mendes.

O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados:

José Tengarrinha e outros, na sessão de 22 de Setembro; José Manuel Mendes, na sessão de 26 de Outubro; Manuel Fontes Orvalho, na sessão de 10 de Novembro; Silvino Sequeira, nas sessões de 13 de Dezembro e 6 de Janeiro; Vidigal Amaro, na sessão de 5 de Janeiro; Octávio Teixeira, na sessão de 10 de Janeiro; lida Figueiredo, na sessão de 25 de Janeiro; Magalhães Mota, nas sessões de 3 de Janeiro e 2 de Fevereiro; Jorge Lemos, na sessão de 3 de Fevereiro; Álvaro Brasileiro, na sessão de 9 de Fevereiro.

31 câmaras municipais responderam a requerimentos apresentados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota na sessão do dia 10 de Novembro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por acordo entre os grupos parlamentares, o período de antes da ordem do dia vai limitar-se à leitura e votação de 2 votos, que serão de imediato lidos.
Vai ser lido o voto que deu entrada na Mesa em primeiro lugar, que é da iniciativa do PCP e cujo primeiro subscritor é o Sr. Deputado João Abrantes.

Foi lido. É o seguinte:

Voto

Comemora-se hoje mais um Dia Mundial da Floresta.
O assinalar de dias mundiais não pode ser, no entender da Assembleia da República, circunscrito a uma atitude estática, não participativa, que nos limite a meros espectadores de qualquer acto, a que cada um dos 250 deputados empresta a sua solidariedade. Deve antes traduzir-se no concretizar de propostas que dêem verdadeiro significado à data a comemorar.
A propósito do Dia Mundial da Floresta urge que a Assembleia da República memorize a data apontando as carências do sector florestal em todas
as suas variadas componentes e alertando os responsáveis para a premência das soluções que tardam.
Torna-se necessária a definição de uma política florestal que atenda à realidade do país que somos, das riquezas florestais que possuímos, do que queremos produzir e das finalidades dessa produção.
Há que, definidos esses objectivos, atender ao gigantesco trabalho a fazer com a floresta que temos, intervir de forma a introduzir técnicas correctas de exploração da floresta e fornecer os meios necessários à adopção dessas técnicas, evitando a delapidação do nosso património florestal.
Há que definir exactamente a área de solos incultos, sem aptidão agrícola, e neles promover a expansão da arborização de acordo com os nossos interesses e necessidades, aproveitando e cumprindo (ao menos) os programas de apoio externo.
Há que pôr em execução prática um programa de prevenção e detecção de incêndios em floresta, cujo aumento de ritmo nos últimos anos é preocupante.
Há que, para desenvolver uma correcta política florestal, aproveitar e remoçar os recursos humanos existentes, quadros técnicos e demais trabalhadores florestais.
Face a estes considerandos, a Assembleia da República:

a) Associa-se à comemoração do Dia Mundial da Floresta e saúda todos aqueles que dão a esta data um real sentido prático, em especial numerosas autarquias locais;
b) Manifesta a sua preocupação pela falta de uma correcta definição e implementação de medidas de fomento e defesa da floresta;
c) Considera indispensável uma política que, resistindo a pressões de abusivo e estrito interesse económico, promova a floresta como fonte de protecção e renovação dos recursos naturais e não de esgotamento dos mesmos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o segundo voto, apresentado por Srs. Deputados da UEDS, do MDP/CDE, do PSD, do PS, do CDS e da ASDI.

Foi lido. É o seguinte:

Voto

A Assembleia de República:
1 - Congratula-se com as comemorações do Dia Mundial da Floresta que hoje ocorrem em inúmeros pontos do país, exprime a sua solidariedade com todos os .que de forma desinteressada se empenham nestas comemorações e alerta para a necessidade de ser contida a progressiva destruição que se tem abatido sobre a floresta.
2 - Saúda todos os trabalhadores do sector florestal, produtores, técnicos, empresários de extracção e de transporte de material lenhoso, industriais e todos os que, de forma digna, valo-

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rizam e dignificam uma actividade cada vez mais importante para a economia nacional.
3 - Exalta todos (técnicos, autarcas, bombeiros, população em geral) que, sem olhar a sacrifícios e lutando com meios precários, se empenham no combate aos incêndios, verdadeira praga irracional que anualmente vem consumindo muitos milhares de hectares de floresta.
4 - Exorta todas as entidades ligadas ao sector florestal, designadamente organismos oficiais e públicos, universidades, cooperativas, autarquias e associações de produtores florestais, a congregar e coordenar, de forma isenta e apartidária, os seus esforços na conservação, renovação e expansão dos recursos florestais.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito deseja usar da palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente: De acordo com o que ontem foi visto na conferência de líderes, penso que era do acordo de todos os grupos parlamentares que poderíamos chegar a um consenso no sentido de apresentar um único voto. Entretanto, talvez por descoordenação, aparecem dois votos. Na dita conferência, o PCP anunciara que iria apresentar um voto, tendo mesmo abordado o PS no sentido de verificar se este estaria de acordo em o subscrever - e iríamos fazer o mesmo com os outros grupos parlamentares. Entretanto, já circulava um outro voto, tendo a Mesa sido confrontada com a existência de 2 votos.
Por isso, sugerimos - a dignificação do dia que hoje se evoca justifica-o - que, da parte da Assembleia, haja um esforço no sentido de se conseguir juntar os 2 votos num só. Pelo que ouvi da leitura do voto dos restantes partidos e do nosso próprio voto, penso que não há razão para que existam na Mesa 2 votos sobre a mesma matéria, nomeadamente porque não são muito diferentes.
Sem prejuízo dos nossos trabalhos e das intervenções que estão previstas, penso que os diversos grupos se poderiam juntar rapidamente, no sentido de elaborarem um único voto, que seria depois votado. Ê esta a proposta que formulamos à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino.

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Presidente, a bancada do PS está convencida que a importância do Dia Mundial da Floresta justificaria o conselho desta Assembleia, na medida em que os problemas que se colocam em relação à floresta são de facto problemas que dizem respeito a todos nós e que, quanto às soluções que devam ser encontradas para uma correcta política florestal, certamente que essas soluções estarão presentes em cada grupo parlamentar. Portanto, da parte da minha bancada, sugiro que se faça uma tentativa de procurarmos ver se e onde é que os votos têm alguma passagem que deva porventura ser melhorada, a fim de conseguirmos esse consenso.
Independentemente e sem prejuízo do andamento dos trabalhos, iríamos procurar conseguir esse consenso e, logo que o obtivéssemos, apresentaríamos na Mesa um voto conjunto de todos os grupos desta Assembleia, se, naturalmente, os restantes grupos também estiverem de acordo com esta sugestão. Ê esta a proposta do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, indo ao encontro dos desejos manifestados, vou suspender a sessão por 5 minutos, mas recordo que ficou assente, na reunião dos presidentes dos grupos parlamentares, que cada grupo parlamentar teria, após a votação, direito a uma intervenção de 3 minutos.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, desejo exprimir o meu pleno acordo à intervenção do Sr. Deputado Roque Lino. Mas, tal como este Sr. Deputado afirmou, diria que, sem prejuízo do andamento dos trabalhos, poderíamos fazer rapidamente essa reunião entre os subscritores dos votos, a fim de se encontrar uma solução conjunta, e depois, quando o voto entrasse na Mesa, interromper-se-iam os trabalhos para se realizar a sua votação. Desta forma, não se atrasaria o andamento dos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Mendes, compreendo a sua proposta. No entanto, este voto constitui, por acordo, o único ponto do período de antes da ordem do dia, pelo que é o primeiro ponto que temos de tratar necessariamente.
Peço, portanto, aos Srs. Deputados que providenciem no sentido de que entre na Mesa o voto conjunto.
Está suspensa a sessão.

Eram 11 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 11 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido, em substituição dos dois votos apresentados, um outro voto, assinado por todos os grupos e agrupamentos parlamentares e pelo Sr. Deputado Independente, António Gonzalez.

Foi lido. É o seguinte:

Voto

A Assembleia da República congratula-se com as comemorações do Dia Mundial da Floresta, que hoje ocorrem em inúmeros pontos do País, exprime a sua solidariedade com todos os que de forma desinteressada se empenham nestas come-

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morações e alerta para a necessidade de ser contida a progressiva destruição que se tem abatido sobre a floresta.
Saúda todos os trabalhadores do sector florestal, produtores, técnicos, empresários de extracção e de transporte de material lenhoso, industriais e todos os que, de forma digna, valorizam e dignificam uma actividade cada vez mais importante para a economia nacional.
Exalta todos - técnicos, autarcas, bombeiros, população em geral -, que, sem olhar a sacrifícios e lutando com meios precários, se empenham no combate aos incêndios, verdadeira praga irracional que anualmente vem consumindo muitos milhares de hectares de floresta.
Exorta todas as entidades ligadas ao sector florestal, designadamente organismos oficiais e públicos, universidades, cooperativas, autarquias e associações de produtores florestais, a congregar e coordenar, de forma isenta e apartidária, os seus esforços na conservação, renovação e expansão dos recursos florestais.
Entende ser necessário a concretização de uma adequada política florestal, que atenda à realidade do País que somos, das riquezas florestais que possuímos, do que queremos produzir e das finalidades dessa produção.
Finalmente, a Assembleia da República considera imperiosa a definição exacta da área de solos incultos, sem aptidão agrícola e a promoção neles da expansão da arborização, de acordo com os nossos interesses e necessidades, aproveitando e cumprindo - ao menos - os programas de apoio externo, de forma a proteger e renovar os recursos naturais, evitando o seu esgotamento e uma arborização selvagem.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação deste voto conjunto.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDJ): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos favoravelmente o voto apresentado pelas sucintas razões que passarei a expor.
Em primeiro lugar, fizemo-lo porque estamos solidários com todos aqueles que vêem na floresta e na árvore elementos fundamentais da existência de um ambiente propício a uma vida de melhor qualidade e uma condição do progresso do povo português e de toda a humanidade.
Em segundo lugar, votámos favoravelmente porque entendemos dever saudar todos os que têm contribuído, seja de que modo for, para a conservação, renovação e expansão da floresta e da árvore e exortar a todos que reforcem o seu amor à Natureza, à floresta e à árvore, com a certeza de que a construção de um futuro melhor passa pelo empenhamento colectivo em acções que as defendam e expandam.
Em terceiro lugar, fizemo-lo porque entendemos que uma política florestal consequente terá sempre de assentar numa generalizada consciencialização da importância natural, económica e social da floresta e da árvore.
Finalmente, neste Dia Mundial da Floresta, incluímos também, na nossa breve reflexão, uma palavra da saudação a todas as corporações de bombeiros que abnegadamente lutam, no dia-a-dia, contra os incêndios - quantas vezes postos por mãos criminosas - que devastam largas áreas do nosso património florestal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino.

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com imensa alegria que a bancada do PS verifica que, embora muito raramente, esta Assembleia da República consegue estar de acordo naquilo que é essencial. E, quando fazemos esta afirmação, queremos, dizer que, efectivamente, a floresta em Portugal é hoje um subsector de produção que é importante para todos os portugueses. Diríamos mesmo que, sem a floresta, o homem não poderia sobreviver, como o prova o facto de, ao longo da sua história, o homem ter conseguido sempre sobreviver em ambientes físicos relativamente hostis, na medida em que ele tem conseguido naturalmente sobreviver, uma vez que se implanta sempre em maciços florestais organizados. A floresta é o sangue e o pulmão do próprio homem, como aliás tivemos ontem aqui oportunidade de afirmar.
A floresta tem funções muito relevantes, tais como a da protecção do solo e dos caudais e a da exploração, que servem directamente o próprio homem. Esta última - a exploração - refere-se quer à exploração dos produtos florestais que, transformados nas suas múltiplas formas, permitem ao homem ter uma vida mais cómoda e de maior nível, quer à própria prestação de serviços da floresta ao homem, ou seja, à possibilidade que a floresta dá de exploração de recursos piscícolas, apícolas e cinegéticos. Finalmente, na sua função paisagística, a floresta é ainda um elemento importante da inserção do homem no Mundo.
Quanto a isto, não pode o PS deixar de afirmar, após a aprovação deste voto, que tem de lamentar profundamente que ainda hoje existam práticas extremamente agressivas da Natureza e, designadamente, do próprio habitai que o homem escolhe para a sua inserção, isto é, do urbanismo. Lamentamos que ainda hoje o homem continue a praticar verdadeiros atentados contra o urbanismo, abatendo e destruindo árvores sistematicamente para implantar blocos de betão armado, quando é possível manter o aspecto da paisagem e as benesses da floresta e nela construir as suas habitações.
Quero ainda dizer que nos congratulamos com o voto agora aprovado, na medida em que, para nós, a floresta deve constituir objecto de um momento de reflexão e deve levar-nos a pensar que, sendo um subsector de produção extremamente importante do interior do País, Portugal continua ainda, apesar de tudo, a ignorar que é o homem do interior que, de uma maneira geral, aplica todas as suas energias e todo seu trabalho na defesa da floresta. E é por isso que entendemos que a floresta deveria servir preferencialmente o homem do interior. Não estamos contra o homem do litoral, nem contra o homem dos grandes

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centros urbanos, mas pensamos que as riquezas do País devem ser distribuídas proporcionalmente por aqueles que nelas mais se empenham. De facto, a floresta tem a ver com o homem como este tem a ver com os custos da interioridade. Ê com este voto que termino a minha intervenção.

Aplausos do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado João Abrantes.

O Sr. João Abrantes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também nós nos congratulamos com a aprovação unânime deste voto.
A apresentação de um voto na passagem do Dia Mundial da Floresta e as questões nele afloradas reflectem contudo as preocupações da Assembleia da República quanto à ausência de uma política florestal correctamente orientada. Os sucessivos Governos têm-se preocupado mais com a plantação de novas florestas, em vez de se debruçarem sobre a realidade que temos e de intervir sobre ela.
A nossa floresta - 3,1 milhões de hectares - está 80% implantada em propriedade privada da zona de minifúndio. Sobretudo o pinhal está mal explorado, já que os pequenos proprietários não têm condições de gerir convenientemente a sua mata: cortam-na quando precisam de dinheiro, estão nas mãos dos intermediários ou madeireiros, que só aproveitam as melhores árvores, deixando no terreno as piores que crescem cada vez menos e desigualmente. Resulta daqui a sublotação do pinhal e da floresta, que se traduz em perda de capital lenhoso, gerador dos acréscimos anuais em cerca de 40% no pinhal, ou seja, 2,5 milhões de metros cúbicos por ano, o que corresponde a 2,5 milhões de contos.
Idêntica situação se regista nas restantes espécies florestais. No eucalipto, poderíamos ter mais 37% de capital lenhoso; no montante de sobro, mais de 70% dos povoamentos estão sublotados. Na mesma área, ser-nos-ia possível produzir o dobro da cortiça, ou seja, 20 milhões de arrobas por ano, em vez dos 10 milhões, o que corresponde a mais de 5 milhões de contos por ano.
O quadro descrito é consequência da falta de intervenção na propriedade privada, resultante da indefinição que começámos por apontar. Há que promover a introdução de novas técnicas correctas de exploração, apoiando o associativismo e fornecendo-lhe os meios para executar esses programas.
Convém recordar aqui que o PCP apresentou em devido tempo um projecto de lei sobre os estaleiros de material florestal. Esse projecto de lei previa que tais estaleiros passassem a funcionar como apoio a todas estas actividades, isto é, que apoiassem o proprietário florestal no sentido de lhe fornecer os aditamentos monetários e os apoios técnicos de que tivesse necessidade, para evitar este depauperamento da nossa floresta.
Evidentemente que, numa declaração tão curta, não há tempo para apreciar outros aspectos, como é, por exemplo, o da expansão da arborização.
Temos efectivamente que definir se queremos praticar uma política florestal para satisfação das nossas necessidades ou para satisfação das necessidades das
celuloses. Temos de analisar desde já os graves problemas que se estão a gerar no nosso sector de serração, que desempenha um papel importante na exportação. Esse sector já se está a confrontar com problemas, devido a esta má orientação do sector florestal.
Igualmente quanto aos fogos é necessário que toda a legislação seja articulada, de forma a que toda ela passe a ser não apenas uma legislação de combate a incêndios, mas uma legislação que realize a detecção e a prevenção de incêndios florestais. Também sobre este aspecto apresentámos um projecto de lei, que foi reprovado, com a garantia de que iriam ser implementadas medidas nesse sentido. Mas o que verificámos é que, passados 4 anos, apenas saiu legislação de combate a incêndios.
Em relação à extensão florestal, entendemos que ela deve ser implementada com os nossos técnicos. Refiro que os engenheiros silvicultores formados nos 2 últimos anos estão no desemprego, quando temos imensas carências nos quadros técnicos e de pessoal dos serviços florestais.
Todos estes problemas deveriam ser abordados com mais profundidade, mas, por falta de tempo, não me é permitido fazê-lo agora.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Falcão.

O Sr. Menezes Falcão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associamo-nos naturalmente a este voto, com a certeza de que, nesta unanimidade de ponto de vista, temos boas razões para nos congratularmos.
É evidente que um problema desta natureza merecia uma reflexão bastante mais profunda. Pela nossa parte, anunciamos que, logo que nos seja dada a oportunidade, manifestaremos as nossas preocupações contra essa terrível agressão que são os incêndios nas florestas - e só assim nos podemos identificar com a grande preocupação de defesa da árvore.
No dia em que se comemora a árvore como riqueza ao serviço do homem, não resisto à tentação de fazer um ligeiro comentário sobre uma notícia que li há dias num jornal diário. Alguns intelectuais do nosso país virados para a investigação histórica discutiam quem é que tinha semeado o pinhal de Leiria, contestando que tivesse sido o rei D. Dinis. Não me importa saber se foi o D. Dinis, o D. Sancho ou o D. Afonso, ou se o D. Dinis deixou de ser o Lavrador e passou a ser apenas o detentor das chaves da Universidade. O que importa saber é que, com a colocação das árvores nas dunas, a defesa do território nacional prestou um grande serviço a este rectângulo da Europa Ocidental.
E importa que esse trabalho tenha continuidade, que toda a gente se interesse pelo preenchimento do território, com aproveitamentos razoáveis e racionais, e que não se pratique essa política do aproveitamento imediato, com vista ao lucro fácil, porquanto a floresta tem de ser racionalmente ordenada. Por exemplo, temos de pensar que a devastação das florestas deu lugar a que as pessoas - talvez até um pouco ao abrigo da falta de uma legislação adequada respeitante à plantação de eucaliptos - substituíssem as enormíssimas áreas de pinhal por eucaliptos, porque o eucalipto cresce mais depressa e mais rapidamente

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dá rendimento. Muitas vezes, as pessoas preocupam-se mais com o trajecto da seiva bruta do que com a beleza da seiva elaborada.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Fazemos votos para que, num futuro muito próximo, possamos voltar a encontrarmo-nos numa unidade de ponto de vista relativamente às medidas de prevenção para as quais tivemos de dar o nosso esforço, para que a riqueza florestal seja cada vez mais efectiva e para que todos possamos enriquecer o nosso país, com todo o esforço dirigido para aquilo que ainda tem aproveitamento, uma vez que, neste momento, podemos constatar que as áreas devastadas já atingem uma área equivalente ao Algarve e, se não acudimos a Portugal a arder, sofreremos as consequências e deixaremos aos nossos filhos um penoso legado.

Aplausos do CDS e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A UEDS votou também favoravelmente este voto porque, para além de todos os aspectos materiais que o problema da árvore pode levantar, consideramos que cada homem é ou traz em si uma árvore.
Na história do Mundo, as raízes da árvore vão bem mais longe no tempo do que as raízes do Homem. Ë na árvore e nas suas potencialidades que o homem sempre foi buscar a força que lhe dá a vida e o prazer de viver. Matar uma árvore é sem dúvida matarmos um pouco de nós próprios; plantar uma árvore é prolongar e enriquecer a vida de cada um de nós.

Aplausos da UEDS, do PS e do CDS.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dado que não posso produzir uma declaração de voto oral, vou fazer uma interpelação à Mesa, embora o seu conteúdo seja o de uma declaração de voto.
Para além de uma condenação veemente dos incêndios criminosos que todos os anos afectam o nosso parque florestal, gostaria que ficasse também veementemente marcado que uma reflorestação cuidada não tem nada a ver com o que está neste momento a acontecer em grandes zonas do nosso país, como, por exemplo, no concelho de Nisa - levantei este problema há dias -, cuja plantação de eucaliptos já está nos 40%, caminhando-se para os 80% de eucaliptos. Imagine-se o que será para as reservas florestais e para o equilíbrio do solo de Nisa 80% de eucaliptos - e, ainda por cima, com a cumplicidade dos serviços estatais, como a documentação que entreguei o pôde demonstrar.
Paralelamente a isso, sugeria que se pudesse passar a uma plantação de variadas espécies, que até tornam a floresta muito mais resistente ao fogo.
Para finalizar, refiro que, tendo elaborado um voto para a sessão de hoje -primeiro dia da Primavera e Dia Mundial da Floresta -, não o cheguei a entregar, porque quis solidarizar-me com o voto comum.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também o PSD se congratula com a apresentação e aprovação deste voto, especialmente pelo facto de ter sido aprovado por unanimidade. Dado que não se projecta e não se desenvolve no seu conteúdo em medidas concretas de política de intervenção imediata no domínio da árvore e das florestas, questionar-se-á se a aprovação de um voto como este é algo mais do que um puro voto platónico. Para nós, é.
Por um lado, este voto vale como condenação moral, feita por esta Assembleia como representante legítima da consciência colectiva, de todos aqueles que criminosamente atentam contra o nosso património florestal. Por outro lado, vale também como solidariedade e apoio moral a todos aqueles que quotidianamente ganham o seu pão tratando as árvores - e afirmo-o com especial legitimidade, sendo certo que fui eleito deputado pela zona centro, onde a floresta e o trabalho florestal ocupam um lugar de grande peso na economia e na ocupação quotidiana da população da zona centro.
Para além disso, este voto constitui um contributo - modesto que seja, mas um contributo - para uma certa reformulação cultural ou, se quisermos utilizar outra expressão, para um certo desenvolvimento contra - cultural em relação a uma cultura avassaladora de consumismo e de betão armado, de alienação dos produtos e cidades criadas pelo homem, que ameaça já nada ter a ver com ele. O voto aqui formulado no Dia Mundial da Floresta vale como apoio a uma nova cultura ou, se preferirmos, a uma contra-cultura, a que é necessário assegurar triunfo.
Por outro lado, este voto e, sobretudo, esta votação por unanimidade constituem, apesar de tudo, uma lição: a lição de que, para além de todas as diversidades, designadamente mesmo das diversidades a nível das políticas concretas da floresta, quando no nosso horizonte colectivo se avizinha, em traços já particularmente carregados, a ameaça de um certo holocausto ecológico, quando todos nos confrontamos nos limites com o ambiente natural e quando aí nos perfilamos como homens, tendo os valores fundamentais da nossa hominalidade como valores comuns, é possível colocarmo-nos de acordo quanto a problemas essenciais.
A aprovação deste voto por unanimidade tem também para nós, sociais-democratas, este valor. Para além de todas as divergências, há coisas de fundo, há coisas que relevam das raízes da própria hominalidade. Oxalá as saibamos explorar, oxalá a lição deste voto seja fecunda, para além do conteúdo aparentemente platónico do próprio voto!

Aplausos do PSD, do PS e do CDS.

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O Sr. Presidente: - Finalmente, para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.

O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa altura em que se observa no País um ataque cerrado à árvore, quer com os incêndios nas florestas provocados por mercantilistas sem escrúpulos, quer com o derrube de árvores nas cidades para as substituir por alguns metros cúbicos de cimento, é de assinalar o voto unânime obtido nesta Assembleia da República.
O culto da árvore é tão antigo como o próprio homem, com ele se identifica e para ele foi sempre um símbolo de posse da terra e de segurança.
Para além de uma riqueza económica, a floresta representa uma tentativa de recuperação do ambiente, um cenário de paz e de respeito pela vida humana.
É necessária a intensificação de uma pedagogia social positiva que não se limite à defesa da floresta, mas que leve a uma atitude de respeito pela própria árvore.

Aplausos do MDP/CDE, do PCP, de alguns Deputados do CDS e do Sr. Deputado César Oliveira da UEDS.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da primeira parte do período da ordem do dia consta a apresentação pelo PCP dos projectos de lei n.ºs 278/III, que aprova medidas tendentes à efectivação dos direitos das mães a que se refere o artigo 1884.º do Código Civil, e 279/III, que garante à mulher grávida o direito de acompanhamento, pelo futuro pai, durante o trabalho de parto.
Para fazer a apresentação destes projectos de lei, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os projectos de lei n.ºs 278/III e 279/III, apresentados pelo PCP, têm entre si um fio condutor que bem se pode cifrar na epígrafe «Protecção e defesa da maternidade» que também encima diploma recentemente aprovado nesta Assembleia. E em última análise, é ainda a condição feminina que continua a estar em questão, como já o esteve aquando da discussão dos três projectos de lei do PCP que deu origem à aprovação de 3 diplomas que são um marco na luta das mulheres contra todas as discriminações.
Os 2 projectos de lei que o Grupo Parlamentar do PCP hoje apresenta, podem parecer diversos entre si, mas da sua breve análise resultará que ambos tocam a mesma realidade fundamental: a protecção da mulher enquanto mãe, e a protecção da criança.
De facto, se um deles, o projecto de lei n.º 278/III, realiza em parte o direito ao bem estar da mãe e da criança garantindo-lhes o& meios económicos minimamente necessários para uma saudável gravidez e o desenvolvimento regular do recém-nascido, o projecto de lei n.º 279/III, ao garantir o acompanhamento da mulher grávida durante o parto, pelo pai ou excepcionalmente por outra pessoa indicada por aquela, procura minimizar os efeitos da ansiedade sobre o parto, com as inevitáveis consequências na relação mãe-recém-nascido-pai e no desenvolvimento do filho. Posta em relevo a unidade das iniciativas legislativas e a continuidade da acção do Grupo Parlamentar do PCP na busca de mecanismos que efectivem os direitos da mulher, debrucemo-nos sobre os dois projectos de lei.
O artigo 1884.º do Código Civil não correspondendo a uma filosofia recente, e buscando as suas raízes no Decreto n.º 2, de 25 de Dezembro de 1910, nem por isso é menos ignorado.
Com efeito, quantas mulheres não unidas pelo matrimónio ao pai do filho, sabem que podem exigir daquele, uma pensão de alimentos relativa ao período da gravidez e ao 1.º ano de vida do filho?
Quantas acções destinadas a efectivar esses direitos foram presentes nos nossos tribunais?
O número ínfimo de acções propostas é revelador de um desconhecimento quase total da protecção à maternidade contida naquele dispositivo legal.
Porque a verdade, é que muitas mulheres se vêem em graves dificuldades económicas por defenderem uma gravidez da irresponsabilidade daquele que pretenderam eleger como companheiro.
A verdade é que muitas delas são forçadas a renunciar aos cuidados essenciais ao seu estado, a tirar à boca o pão de que mais do que nunca necessitam.
A verdade é que, sem qualquer ajuda, na maioria das vezes elas vêem nascer um filho definhado, e transportam a angústia do seu esgotamento físico, nascido do trabalho redobrado para angariar o máximo de proventos, ou nascido ainda da real impossibilidade de criar bem-estar para a criança que nasceu.
Não nos espanta que a obrigação que o artigo 1884.º faz recair sobre o pai não tenha tido qualquer divulgação.
De facto, a obrigação alimentar em relação à mulher não unida pelo matrimónio contraria toda a filosofia das relações familiares, constante do Código Civil de 1967. Tal disposição surge mesmo, já adulterada em relação ao que sobre a matéria se dispunha no Decreto n.º 2, da República de 1910, e apenas porque seria demasiadamente escandaloso omitir qualquer protecção legal da maternidade, ainda que extra-matrimonial. Mas a verdade é que a discriminação entre filhos nascidos dentro e fora do casamento, se manteve. A verdade é que as mães, que ousavam levar por diante uma gravidez fora do quadro legal do casamento, nomeadamente as mães solteiras, sofriam discriminações, e arrastavam durante toda a sua vida, repartindo-a com o filho, a suprema afronta de uma sociedade que, desafiada nas suas convenções, lhes reservava uma condição sub-humana.
Não admira assim, que qualquer protecção legal fosse silenciada, e que a prática repudiasse o que o legislador se vira obrigado a acatar.
Mas é hoje bem diferente todo o recorte das relações familiares, na lei civil, que conformando-se à Constituição, trouxe para o triângulo mãe-filho-pai, a nova dinâmica efectiva que deve ser a base de qualquer relação familiar.
Começa mesmo a criar raízes, aliás como resultado de um debate que se trava por essa Europa, a ideia de que a simples relação cimentada no afecto entre

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homem-mulher merece uma protecção legal superior à que a lei civil lhe confere.
Assim, o artigo 1884." do Código Civil adquire para nós um novo significado exigindo que de letra morta se transforme em mais um meio de protecção à mulher--mãe.
Afirmámos atrás que esse meio é praticamente desconhecido das mulheres portuguesas, nomeadamente das mulheres das classes mais desfavorecidas.
E a.verdade é que, sentindo-se ainda algum tanto repudiadas por preconceitos que teimam em subsistir, julgando-se, por isso mesmo, sem qualquer protecção, sem meios económicos para recorrer à informação jurídica, perante a inexistência de um instituto adequado — o do acesso ao direito—, acabam por não ter, de facto, o acesso à defesa dos seus direitos.
Dir-se-á, mais uma vez: mas existe o Instituto de Assistência Judiciária que lhes possibilita esse acesso.
Mas, Srs. Deputados, o que é que está antes disso? De que acesso à informação jurídica dispõem essas mulheres?
E não será o caso de termos de pensar os mecanismos que lhes levem a informação jurídica de que necessitam?
E, por outro lado, e ainda mais uma vez, será que podemos afirmar que a assistência judiciária cumpre o princípio de que a justiça não poderá ser denegada por carência de meios económicos?
A resposta, já dada noutros debates, é obviamente negativa: a assistência judiciária não cumpre esse princípio.
O projecto de lei apresentado pelo PCP dá resposta a todas estas questões.
Resolve em parte, o problema do direito à informação jurídica gratuita. Dá um novo sentido pedagógico à filosofia subjacente ao artigo 1884.º do Código Civil contribuindo, deste modo, para que a mãe e a criança deixem de ser vítimas de preconceitos ainda existentes.
E resolve ainda a questão do patrocínio judiciário para aquelas mulheres que não dispõem de meios económicos para constituir advogado.
De facto, propõe-se que o ministério público passe a dispor de competência para, em representação da mãe do menor, propor a acção destinada a efectivar o direito a alimentos que a lei lhe confere. Para tal, a mãe do menor terá de solicitar expressamente, tal intervenção do ministério público podendo, no entanto, em qualquer fase do processo, constituir mandatário, com o que cessará a actividade daquele.
Cumprindo o papel de levar a informação junto dos titulares dos direitos, o projecto de lei propõe a atribuição aos conservadores do registo civil de, novas funções, com o que, aliás, se vai ao encontro de reivindicações que estes vêm formulando com insistência.
De facto, sempre que seja efectuado o registo de nascimento de criança filha de pais não casados, o conservador do registo civil deverá informar a mãe e o pai se estiver presente, dos direitos e deveres estabelecidos no artigo 1884.º do Código Civil.
Prestada essa informação, a mulher está então em condições de fazer funcionar os mecanismos legais se o desejar. Carreará para o conservador do registo civil os necessários elementos probatórios, à semelhança do que se faz nas acções de afastamento da presunção de paternidade. Completo o processo, ele será remetido
ao digno agente do minislério público para que proponha a providência cautelar de alimentos provisórios e depois a acção competente cumulando-a, se possível, com a acção de investigação de paternidade.
Prevê-se ainda a averiguação oficiosa da viabilidade da acção sempre que a pretensão da mãe seja formulada posteriormente ao registo de nascimento, que seguirá os termos das averiguações oficiosas previstas no artigo 1865." do Código Civil. De igual modo se prevê a informação a prestar, obrigatoriamente, pelo ministério público sempre que a investigação de paternidade tenha por base sentença proferida em processo crime.
Este é o sumário do diploma. Creio que podemos assentar que nada há que impeça que ao ministério público caibam as competências previstas no projecto. Tratando-se de um mecanismo legal que em última análise se destina a possibilitar o bem-estar do recém-
-nascido, é evidente que o ministério público se apresenta especialmente vocacionado para agir em representação da mãe.
Poder-se-á perguntar se não se poderá ir mais longe quanto às competências dos conservadores do registo civil. E esta questão colocou-se-nos já depois de entregue o projecto de lei na Mesa.
E a interrogação que aqui deixamos e que estaremos dispostos a considerar e discutir se o projecto for aprovado, é a seguinte: sempre que haja acordo entre pai e mãe, quanto aos alimentos, isto é, sempre que não exista um conflito a dirimir nos tribunais, não deverá então o conservador lavrar um auto, ficando tal acordo com carácter vinculativo para as partes?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Comité do Conselho de Ministros do Conselho de Europa aprovou, em 15 de Maio de 1970, a Resolução n." 16 sobre protecção social das mães solteiras e seus filhos, cujos considerandos se ajustam ao projecto de lei do PCP.
Na verdade, baseando-se na Carta Social Europeia que afirma o direito da mãe e da criança, independentemente da situação matrimonial e das relações familiares, a uma protecção social e económica adequada, nela se recomenda que os governos ponham à disposição das mulheres grávidas e mães sós, um serviço apto a assisti-la na cobertura das indemnizações 7 subvenções pecuniárias a que os pais estão obrigados em relação a elas.
É, como se vê, a óptica do projecto de lei do PCP que, partindo da realidade do país, apresenta um diploma que, se aprovado, será mais um contributo para a protecção pelo Estado do valor social eminente da maternidade.
O preâmbulo do projecto de lei n." 279/11 í, contém já em si a justificação suficiente e pormenorizada das medidas propostas pelo PCP quanto ao direito da parturiente ao acompanhamento.
Numerosos estudos de especialistas têm vindo a demonstrar as reais vantagens para o triângulo mãe-
-filho-pai, do acompanhamento da grávida em trabalho de parto.
Em Portugal o Dr. Gomes Pedro, na sua dissertação de doutoramento subordinado ao tema «Influência no comportamento do recém-nascido do contacto precoce com a mãe», refere o seguinte:
As maternidades estão ainda embebidas de uma terminologia e de um espírito hospitalar, fala-se em doentes ou em camas, em vez de pessoas; os

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medicamentos, a aparelhagem e as ocorrências quotidianas estão mais de acordo com uma vivência da patologia do que com processos normais fisiológicos.

Podemos apercebermo-nos dos traumatismos que tal situação pode ocasionar na parturiente.

Despedindo-se da família, do seu companheiro, ela fica só perante uma realidade que a falta de informação durante a gravidez transforma num abismo onde não se vislumbra uma mão amiga.
Citando ainda Gomes Pedro:

Habitualmente a grávida não conhece ninguém que a rodeia; quando precisa de conversar tem de fazê-lo com a grávida da cama ao lado, igualmente só e igualmente ansiosa. Está proibida de andar e, muitas vezes, até de mudar de posição.

Os especialistas estudam as consequências de tal situação no trabalho de parto, e na evolução da relação mãe-filho.

E apontam que o acompanhamento no trabalho de parto da pessoa desejada pela parturiente, se traduz normalmente numa menor dose de medicação, de uma menor dor e até de uma menor duração de trabalho de parto. Acentuam ainda a maior calma das parturientes acompanhadas e o maior prazer que manifestam aquando do primeiro contacto com o filho.
Por tudo isto, em parte dos países da Europa (França, RDA, União Soviética, Países Nórdicos e Inglaterra, por exemplo), o acompanhamento da parturiente é já uma realidade com óptimos resultados. A experiência já existente entre nós vai precisamente no mesmo sentido.

E não ha nenhuma razão para que não consagremos nós tal direito. Nem se revestem de consistência quaisquer objecções.
Na verdade, se o nascimento de uma criança é um acontecimento com repercussões na futura relação mãe-filho, temos que proporcionar às mães um ambiente no parto tão agradável e natural quanto possível.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - O projecto de lei n.º 279/I I l visa dar uma resposta a essa necessidade e é, de resto, o complemento de uma proposta formalizada pelo PCP no projecto de lei de protecção e defesa da maternidade que tinha em conta a perspectiva correcta de que a preparação para o parto se devia fazer a 2.
Também o trabalho do parto, pelas razões invocadas, deverá ter uma vivência a dois, beneficiando-se desse modo a criança e o próprio casal.
O projecto de lei não afasta, no entanto, a possibilidade de acompanhamento da parturiente por outra pessoa que não o pai.
Com efeito, as investigações feitas pelo Dr. Miguel Oliveira da Silva e relatadas no livro Mães Adolescentes, revelam que a preferência das grávidas adolescentes vai ainda para a presença da mãe, ou até de amigas.
Assim, segundo o artigo 1 º do projecto de lei nº 279/Ill, a mulher grávida poderá indicar outro acompanhante que não o futuro pai.

No artigo 2 " do projecto regulam-se as condições e exercício do direito ao acompanhamento, por forma a sossegar os mais avessos às transformações.

Com este projecto de lei contribui-se, em suma, para o fim dos partos de solidão com os riscos que lhes são inerentes.

A relação mãe-filho-pai surgirá assim mais enriquecida.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez, o Grupo Parlamentar do PCP avança com iniciativas legislativas relativas à condição feminina. Importa que sejam agendadas e aprovadas com a urgência que a sua importância justifica.

Considerando a luta das mulheres parte integrante e fundamental na transformação da sociedade, considerando-a também um eixo na consolidação da democracia, o PCP continua a ter parte activa na efectivação dos direitos da mulher, estudando e propondo medidas legislativas que vão definindo em novos contornos o estatuto de quem recebeu Abril como um dia novo.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr.ª Deputada Odete Santos, ouvi com atenção a apresentação que V. Ex." fez sobre os 2 projectos de lei, e gostaria de lhe colocar 2 questões muito simples.

Em relação ao projecto de lei que diz respeito às medidas tendentes à efectivação do direito das mães a que se refere o artigo 1884.º do Código Civil, creio que o PCP o apresenta tentando fazer a parte processual deste artigo 1884º Na filosofia deste artigo poder-se-á dizer que há 2 tipos de problemas: ou se entende esta obrigação do pai como uma penalização, ou se entende esta obrigação de alimentos durante a gravidez e o primeiro ano de vida do recém-nascido como um direito da mãe solteira. Nessa medida, e atendendo a que, como V. Ex.º sabe, é extremamente difícil dar atempadamente esses alimentos à mãe solteira, porque só depois de estar judicialmente reconhecida a paternidade é possível obrigar o pai a pagar os aumentos, e se se trata - como creio tratar-se - mais do que de uma penalização do pai, de um direito da mãe solteira, não lhe parece, Srª Deputada, que seria mais curial que fosse a sociedade, ou seja, o Estado - e isto nos casos concretos em que a mãe solteira tem necessidade desses alimentos - a suportar inicialmente esses alimentos, e que depois tivesse direito de regresso logo que estivesse determinada a paternidade?

Quanto ao outro projecto de lei, referente ao acompanhamento do pai durante o parto, devo dizer que ele é importante dado o que acontece nos estabelecimentos oficiais, que é a impossibilidade de qualquer familiar, incluindo o próprio pai, poder assistir ao parto, que cientificamente parece ser aconselhável.

No entanto, como a Sr' Deputada referiu, a mãe, principalmente a mãe adolescente, muitas vezes prefere que assista ao parto a sua própria mãe. Portanto, aí a relação triangular que V. Ex." referiu já não se

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verifica. Assim, gostaria que me dissesse se a motivação fundamental do projecto de lei não estaria desvirtuada do triângulo pai-mãe-filho.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Srª Deputada Odete Santos.

A Sr ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado António Taborda, em primeiro lugar quero corrigir uma afirmação feita por V. Ex.º que penso que poderá ter resultado de uma leitura menos atenta do artigo 1884 º do Código Civil, nomeadamente do seu n .I 2. E que, conforme consta desse nº 2, ainda que não esteja reconhecida a paternidade, desde que o Tribunal considere provável o reconhecimento dessa paternidade, já há o direito a alimentos. Portanto, não é necessário esperar que o Tribunal decida a acção de investigação da paternidade para depois fixar uma pensão de alimentos. O próprio nº 2 desse artigo 1884 º fala exactamente na providência cautelar de alimentos provisórios. Para quem não é técnico destes assuntos, devo dizer que uma acção provisória que se põe antes de decidida definitivamente a questão e onde se fez a prova sumária, que tem bases para ser definitivamente concedida, onde a mãe trará a prova de que é provável que determinado indivíduo seja o pai do filho. Assim, em face desse probabilidade, o juiz, mesmo antes de decidida a questão da paternidade, fixa uma pensão de alimentos provisórios.

Portanto, creio que o Sr. Deputado não tem razão quando considera que os efeitos práticos deste projecto de lei se vão protelar no tempo. E isto, porque nós propomos no projecto de lei que apresentamos um prazo de 15 dias para que o ministério público proponha a providência cautelar de alimentos provisórios -considera-mos esse prazo suficiente para que essa providência cautelar seja realmente proposta.

Em face disto, quero ainda acrescentar que não considero o artigo 1884 º do Código Civil como uma penalização, mas sim como a contribuição do pai da criança para que a gravidez decorra dentro dos níveis normais de um ser humano e para que o filho durante o primeiro ano possa dispor de um ambiente baseado num nível económico razoável.

Em relação ao facto de o Estado adiantar os alimentos, devo dizer que em sede de especialidade estaremos disposto a considerar e a conjugar isto tom a questão dos alimentos provisórios. Nesta Assembleia, e já na anterior legislatura, apresentámos um projecto de lei em relação aos alimentos devidos a menores, em que propomos que o Estado adiante esses alimentos e depois fique com o direito de regresso. Portanto, estudando-se e conjugando-se todos os mecanismos do nosso projecto de lei com esta ideia, não vejo por que é que na especialidade não se venha a aprovar uma medida desse género.

Quanto ao acompanhamento da mulher grávida durante o parto por outra pessoa que não o pai, é evidente que nesses casos não funcionará o tal triângulo mãe-pai-filho. No entanto - tal como referi na minha intervenção -, não é só esse triângulo. que está em questão, mas também a relação mãe-filho. Portanto, a mãe, acompanhada pela pessoa que deseja, sofrerá efeitos benéficos, como os especialistas acentuam, e poderá encarar o parto de uma nova maneira, e as relações daí nascidas entre ela e o seu filho poderão ser diferentes das que em muito casos são.
-

Aplausos do PCP.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS):- Sr. Presidente, também peço a palavra para pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª devia ter-se inscrito para pedidos de esclarecimento durante a intervenção. No entanto, faça favor de usar da palavra.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Sr.ª Deputada Odete Santos, é evidente que em relação ao projecto de lei que garante à mulher grávida o direito ao acompanhamento pelo pai da criança, não temos dúvidas nenhumas da utilidade desta iniciativa.
No entanto, talvez não estejamos muito de acordo com o preâmbulo deste projecto de lei no que se refere à descrição da situação actual, porque apesar de os nossos serviços serem maus honra seja feita a alguns deles, pois, apesar de tudo, são melhores do que aqui está descrito. Reporto-me às particularidades em que trabalhamos no Hospital de Santo António onde, numa sala que terá no máximo uma área de 50.mª, nascem por ano 2000 crianças em condições que não são boas, mas, apesar de tudo, são humanas, pois com o empenhamento de médicos e do pessoal de enfermagem consegue-se um ambiente com uma certa humanidade para as parturientes.

E evidente que se tem de ir mais longe. E evidente que a presença do pai tem 2 benefícios importantes: por um lado, a responsabilização do pai em relação ao filho logo no momento em que ele nasce e a sua participação em algo a que muitas vezes se alheia - e isto é importante. Tem outro aspecto que também é muito importante e que é o facto de a presença do pai responsabilizar os serviços clínicos que, seguramente, se sentirão observados por alguém que é testemunha de algo que se está a passar. Ora, isto é extremamente importante para a melhoria do funcionamento dos serviços.

No entanto, nesta altura preocupa-me bem mais ainda um outro aspecto, e faço aqui eco de alguns artigos publicados na imprensa diária do Norte sobre a situação em que estão a nascer crianças em algumas maternidades a 20 km e a 30 km do Porto. Como foi descrito e como sabemos pela nossa prática diária no Hospital de Santo António, as situações nas maternidades que circundam a zona do grande Porto são nesta altura catastróficas e o número de crianças que nasce sem assistência médica - já não é sequer sem a presença do pai, é sem assistência médica! -, sem a presença do obstetra, sem a presença do pediatria, é de uma percentagem de todo inaceitável para um país como o nosso, mesmo com as carências que tem.
Ao fim e ao cabo, o meu pedido de esclarecimento é para dizer que, na generalidade, estamos de acordo com o projecto de lei apresentado. No entanto, pedimos ao Partido Comunista que corrija um pouco a sua agressividade em relação à crítica que fez aos serviços,

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englobando todos os serviços num mesmo, porque há alguns que funcionam bem e creio que, apesar de tudo, esses merecem ser sublinhados.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr. Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Octávio Cunha, reconhecemos que não há regra sem excepção.
No entanto, V. Ex.ª, no pedido de esclarecimento que formulou acabou por falar de casos em que nem sequer há a presença do obstétra. Aliás, as nossas afirmações abrangem a generalidade do País e são feitas com base em estudos e documentos de especialistas. Por exemplo, o Dr. Miguel Oliveira da Silva, interno de obstetrícia e ginecologia no Hospital de Santa Maria, é quem fez a descrição do que se passa nas maternidades, transcrevendo palavras de um pediatra, do Dr. Gomes Pedro. Ora, apesar de não ter citado tudo, pus parte dessas palavras na minha intervenção. Portanto, esta é uma realidade que especialistas no ramo afirmam.
Foi com base nisso e na realidade que também conhecemos de visitas que temos feito a maternidades por todo esse país, que fizemos essas afirmações que creio não serem agressivas. Sabemos muito bem que há profissionais que, mesmo sem meios, se esforçam para dar um mínimo de ambiente acolhedor ao parto, mas também sabemos que o acompanhamento da parturiente ainda não é permitido pela nossa legislação, e pensamos que com isto estaremos a ajudar esses profissionais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à leitura de um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos que autoriza o Sr. Deputado Magalhães Mota a depor em Tribunal na qualidade de testemunha.

Foi lido. É o seguinte:

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:
Em referência à documentação enviada através do ofício n.º GP/AR 11/84, de 1 de Fevereiro corrente, do Agrupamento Parlamentar do Partido da Acção Social-Democrata Independente ao Sr. Chefe de Gabinete do Presidente da Assembleia da República, de que junto fotocópia, comunico a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar deliberou emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota a prestar declarações no processo referido.
Deverá comunicar-se, após aprovação em Plenário, que o Sr. Deputado em referência pretende usar da prerrogativa a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 624.º do Código de Processo Civil.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar este relatório e parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Vai ser lido um segundo relatório e parecer da mesma Comissão, que autoriza o Sr. Deputado Marques Mendes a depor em Tribunal como testemunha.

Foi lido. É o seguinte:

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:
De acordo com o solicitado no ofício n.º 109 - Processo n.º 55/79 -, 2.ª Secção, de 7 de Março corrente, do Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, comunico a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar deliberou emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado António Joaquim Bastos Marques Mendes a depor como testemunha no processo judicial em referência.

O Sr. Presidente: - Vamos votar, Srs. Deputados.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Vai ser lido um terceiro relatório e parecer da mesma Comissão, que autoriza o Sr. Deputado Angelo Correia a depor em Tribunal como testemunha.

Foi lido. É o seguinte.

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:
De acordo com o solicitado no ofício n.º 333 - Processo n.º 461/83 - 2.º, de 23 de Fevereiro último, do 10.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, comunico a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar deliberou emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Angelo Ferreira Correia a prestar declarações no processo judicial em referência.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do pedido de urgência solicitado pelo PSD para a discussão e votação do projecto de lei n.º 177/III, que diz respeito ao prazo de caducidade em acções de resolução de contratos de arrendamento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 177/III, da minha iniciativa, e que versa o problema da caducação em acções de resolução de contratos de arrendamento é, como não podia deixar de ser e desde há muito tempo, do conhecimento de todos os grupos e agrupamentos parlamentares.
Solicita-se agora o pedido de urgência não só pelas razões dos mesmos considerandos que o precedem, como ainda porque cada vez mais se mostra necessário assentar de uma vez por todas em matéria de tanta

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importância. Continuam as soluções jurídico-processuais contraditórias, às vezes ditadas no mesmo dia e até pelo mesmo tribunal, com evidente desprestígio do poder judicial, dos órgãos que o servem e dos profissionais que neles trabalham, e com não menos segurança para as pessoas que, na defesa dos seus legítimos interesses, se vêem lançadas numa autêntica roleta, cujo número premiado é o do juiz que adere ao seu ponto de vista em vez daquele outro magistrado que opina em sentido contrário.
Os tribunais e quantos com eles colaboram na feitura da justiça não podem continuar a viver e a fazer viver este clima de incertezas de direitos e de obrigações, esta situação de que a justiça e a legalidade tanto podem enquadrar-se num «sim» como num «não» conforme à roleta ou ao destino.
Daqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o pedido de urgência para este projecto de lei. Urge tranquilizar a justiça, dar certezas às pessoas e soluções uniformes a situações iguais. E se considerarmos que este projecto de lei já anda por esta Casa há tempos sem conta, mais uma vez ficará patente o pedido de urgência.
Estou certo de que esta Câmara, sempre atenta a problemas desta natureza, não deixará de considerar este pedido de urgência.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Montalvão Machado: V. Ex.ª justificou o pedido de urgência com base em diferentes correntes jurisprudenciais - que são duas, essencialmente. Mas tal facto não me convence porque não há só diferentes correntes jurisprudenciais em relação aos prazos de caducidade das acções de despejo. Há muitas outras divergências na jurisprudência, sobre outros assuntos.
Gostaria que V. Ex.ª dissesse se, realmente, era só esse o motivo da urgência e se acha, também, que a Câmara, sempre que se note uma divergência na jurisprudência - e recordo-me, nomeadamente, do que acontece em relação às acções de investigação de paternidade, que deram, de resto, origem, em Agosto passado, a um incrível Assento do Supremo Tribunal de Justiça - deve, a correr e à pressa, vir aqui legislar para aclarar um artigo da lei.
Gostava ainda de colocar outra questão. Não acha, Sr. Deputado, que há aí tantos outros projectos com mais urgência do que este? Estou a lembrar-me, por exemplo, do prazo de caducidade das acções de investigação de paternidade - e o PS tinha proposto o alargamento desse prazo - que me parece de um interesse social revelante e esse, sim, urgente. Não encontra, por exemplo, naquele projecto de lei, que suponho ser do PS, que propunha a elevação do limite de indemnização pelo risco, que está ainda em 200 contos, mais urgência do que no seu projecto?
Por último, queria dizer que V. Ex.ª apresentou um projecto que não destingue entre as situações em que estão apenas interesses privados do senhorio em jogo e aquelas em que já está o interesse público da ocupação útil do prédio também em jogo. O Sr. Deputado não acha que devem ter um tratamento diferente estas duas situações? Considera ou não que o contrato
de arrendamento está hoje, ou deve estar, por força da Constituição, um tanto fora da autonomia das partes, na contratação?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr.ª Deputada: É evidente que não queria agora discutir a questão de fundo do meu projecto. Isso ficará para o tempo próprio. Quero só dizer a V. Ex.ª que entendo, efectivamente, que esta Câmara tem por obrigação, para além do mais, e sempre que, com relevante interesse social, haja divergência entre as decisões do poder judicial, fazer terminar essas divergências, As certezas na defesa dos interesses das pessoas são, também uma das obrigações que competem a esta Câmara.
Diz V. Ex.ª que há várias correntes jurisprudenciais a respeito deste problema -e não há só duas, mas mais - e que há também diferenças jurisprudenciais em relação a outros problemas, o que é evidente. Ë claro que há divergências jurisprudenciais em relação a grande número de problemas, mas o meu projecto diz só respeito a este e, que eu saiba, a maioria dos pontos que V. Ex.ª apontou, não constam de projectos existentes nesta Câmara. Seria útil, assim, que V. Ex.ª se desse ao trabalho de enviar para cá projectos que venham, também, acabar com divergências jurisprudenciais, a respeito das matérias que apontou, que são, reconhecidamente, do maior interesse.
Neste momento, porém, em causa está só este.
Dir-lhe-ia também, Sr. Deputado que o facto de o meu projecto encerrar apenas uma alteração do artigo 1094.º do Código Civil, e não abarcar a terceira posição que o Professor Antunes Varela veio dar na segunda edição do seu comentário ao Código Civil, não significa que essa matéria não possa vir, a seu tempo, a ser discutida. No momento em que redigi este projecto não levei em consideração essa matéria, e devo dizer-lhe que, pessoalmente, também não a levo em consideração porque não vejo que esta Câmara, pelo menos no meu entender, deva proteger interesses de uns e desproteger interesses de outros. A esta Câmara compete olhar os portugueses como cidadãos iguais c. por conseguinte, proteger os interesses de todos.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Querias apresentar um protesto em relação à última afirmação do Sr. Deputado - e se essa afirmação vingar, a nossa posição, sobre este projecto de lei será firmemente contra - porque esta radica-se numa concepção de que o contrato de arrendamento está assente na autonomia das partes, na liberdade contratual, e nós consideramos que isso não respeita a Constituição que diz, no seu artigo 65.º, que todos têm direito à habitação. O Estado tem, assim, o dever de proteger essa habitação.
É preciso que fique claro que há situações a distinguir. Há que distinguir, por exemplo, aquela situação do senhorio que sabe que na casa estão outras pessoas que não o inquilino, que recebe a renda dessas pessoas, que tem pleno conhecimento da situação de facto, mas que espera que alguém venha pro-

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por renda mais elevada e até, se calhar, o pagamento do direito à chave, e então passados 7, 8 ou 9 anos, vem alegar a falta de residência permanente do inquilino para pôr fora aquelas pessoas que lá vivem com pleno conhecimento dele. Neste caso, a casa tem um destino, está ocupada, garante o direito à habitação dessas pessoas. Neste caso não são apenas os interesses privados do senhorio que estão em jogo. Neste caso o Estado tem obrigação de tutelar o interesse das pessoas que lá estão.
Há outras hipóteses, como aquela em que o inquilino não mora no local arrendado e usa-o para armazém da sua mobília: aí estamos de acordo, Sr. Deputado: aquele prédio não cumpre o seu destino, não garante o direito à habitação a ninguém. Aí tem toda a razão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr.ª Deputada: Eu já disse há pouco que não queria entrar, agora, na discussão do projecto. O que se discute neste momento é, apenas e só, a aprovação da urgência. O fundo do problema será discutido a seu tempo.
Há pouco, não disse que não queria distinguir situações. Õ que disse é que não admito que se distingam interesses de pessoas, só porque uns são senhorios e outros são inquilinos. Para mim, aceito, em perfeito plano de igualdade, os direitos de uns e de outros.
Quanto ao fundo do problema, Sr.ª Deputada, a seu tempo, terei muito gosto em o discutir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr." Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao contrário do que o Sr. Deputado Montalvão Machado disse, não nos podemos abster, na questão da urgência, de analisar o fundo do projecto, porque se estivesse aqui em causa um projecto que se destinasse a fazer a equiparação das partes que não são iguais e não estão em plano de igualdade quando celebram um contrato de arrendamento, então sim, não haveria nada a opor porque o legislador tem a obrigação de repor essa igualdade.
Se se tratasse de um projecto desse tipo, se se tratasse de um projecto destinado a reconhecer que o contrato de arrendamento já foge à liberdade de contratação, entre nós estaríamos de acordo em conceder a urgência. Mas o Sr. Deputado acabou, até, por explicitar que o que o seu projecto tinha em conta era que, no contrato de arrendamento, tudo se passa dentro da autonomia das partes, que o Estado nada tem de proteger e que nem os interesses do inquilino devem merecer do Estado uma protecção maior que os do senhorio. E porque assim é, não nos podemos abster de uma análise do fundo da questão para concluirmos que não há urgência neste projecto.
Na verdade, o contrato de arrendamento e as normas processuais ao mesmo respeitantes, encontram-se ainda regulados por normas que claramente privilegiam uma das partes em presença que é o senhorio.
Apesar de algumas alterações introduzidas pós-25 de Abril, destinadas, aparentemente, a minorar a situação de desigualdade das partes, a verdade é que a posição privilegiada do senhorio, do detentor da propriedade destinada a um fim social, ainda se mantém.
A finalidade social da propriedade em questão, nomeadamente da destinada a habitação, bem poderia ter determinado, por parte do legislador, a alteração de normas já de difícil justificação.
Assim não aconteceu.
Mitigada, embora, a situação de desfavor do inquilino, através de algumas alterações introduzidas, algumas das quais entretanto revogadas e algumas das quais totalmente inviáveis na prática, a verdade é aquela posição de desfavor se mantém, nas normas substantivas do Código Civil agravada pelas normas processuais.
Ë esta constatação que nos faz pasmar perante a invocada urgência deste projecto de lei.
Mas então não será mais urgente rever o regime jurídico substantivo e adjectivo do contrato de arrendamento?
Porque está bem patente na lei que o inquilino, a braços com uma recusa injustificada do senhorio em receber as rendas, se quiser afastar à cautela, o espectro de um despejo e consequente perda da habitação, sempre terá de fazer o depósito das rendas e indemnização de 50%, devendo ainda recorrer ao tribunal para fazer notificar o senhorio de tal depósito.
Os mais afoitos, os que pensam poder obter um depoimento inequívoco de testemunhas da recusa - aliás um tanto difícil - esses recorrem a um depósito condicional. Sem por isso deixarem de estar sujeitos, eles que não estão em mora, às aflições de quem precisando de casa se vê enleado em disposições de processo civil, decididamente viradas contra ele.
Porque, de facto, o que representa o despejo provisório, permitido pelo legislador do Código de Processo Civil, senão uma legislação de favor do senhorio?
O Grupo Parlamentar do PCP, na anterior legislatura apresentou a proposta de revogação da norma que prevê o despejo provisório, que foi derrotada.
Ê bom que se relembre como esse instituto toma decididamente partido pelo senhorio.
O inquilino ainda que não esteja em mora por ter oferecido a renda no último dia do prazo, perante a recusa do senhorio, se encontrar já encerrada a Caixa Geral de Depósitos, sempre irá depositar a renda e a indemnização, se não quer ver-se despejado provisoriamente mesmo antes de o juiz decidir se a acção de despejo procede ou não. Isto é, mesmo antes de o juiz decidir quem é que está em mora, se o senhorio, se o inquilino.
E que dizer ainda do odioso instituto do despejo definitivo, decretado por um simples despacho, sem julgamento sobre o fundo da questão, se o inquilino não provar, durante a pendência do processo, que as rendas são depositadas tempestivamente, até à altura da sentença.
Ou seja, por exemplo: o senhorio propõe acção de despejo com base no facto de o inquilino ter feito obras sem a sua autorização.
Se durante o decurso do processo o inquilino for pagar a renda no dia 8, depois do encerramento da Caixa Geral de Depósitos, e o senhorio a recusar injustificadamente, o inquilino terá de depositar a renda e a indemnização de 50%, a título definitivo,

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e terá de depositar no tribunal as custas devidas pelo levantamento do depósito pelo senhorio, senão quer ver-se despejado, mesmo sem se ter decidido o fundo da questão, neste caso a realização de obras.
O despejo é decretado mediante um simples despacho, sem que o inquilino possa fazer prova de que no caso concreto houve mora de senhorio.
Ele, inquilino, é obrigado a reconhecer-se em mora por força da lei, ainda que isso não corresponda à situação de facto.
Ele, inquilino, fica impedido de contraditar judicialmente a presunção de que não estando a renda depositada até ao dia 8, a mora é sua.
Voz autorizada, reclamava no recente congresso dos magistrados, o fim de tão abstruso instituto.
E é reconhecida a repulsa dos nossos magistrados na aplicação quer do despejo provisório, quer daquele despejo definitivo.
E que dizer ainda de outras disposições processuais que se traduzem numa perspectiva de favorecimento do senhorio?
Que dizer, por exemplo, do facto de ao senhorio caber sempre, sempre, a última palavra em matéria de articulados? Ou seja, por que razão pode o autor da acção, o senhorio, responder à contestação do réu, o inquilino, explicitando factos, ainda que este não deduza excepções ou pedidos reconvencionais? E cabe lembrar que, na última legislatura, aprovámos uma lei para que acabasse a resposta, por parte do senhorio, lei essa que foi suspensa pelo actual Ministro da Justiça.
Por que outro motivo se não o de acelerar os despejos, se reduzem os prazos judiciais na acção de despejo?
Por outra razão, se não essa, a de acelerar os despejos, se impõe que as testemunhas residentes fora da comarca sejam apresentadas no julgamento, sabendo-se que não podendo ser notificadas pelo tribunal, dificilmente respeitam a solicitação de comparência feita pelo inquilino? Ou, por outras palavras, por que outro motivo, se não o de acelerar ou obter despejos, se proíbe que essas testemunhas sejam ouvidas no tribunal da sua residência, sabendo-se que nesse caso elas são obrigatoriamente notificadas pelo tribunal e respeitam normalmente tal notificação?
E ainda: por que motivo se deixa de uma forma tão restrita nas mãos do juiz a decisão de admitir ou recusar uma diligência, consoante lhe aprouver, retirando-se às partes, com maiores custos para o réu, o inquilino, a possibilidade de administrar as provas que reputa indispensáveis?
Perante tudo isto, e a necessidade, essa sim urgente, de rever todos os referidos mecanismos, não podemos deixar pasmar perante a alegada urgência do projecto em causa, e de notar, que também ele, sem distinguir situações, assenta na filosofia do favorecimento do senhorio.
Porque como muito bem nota o relatório do projecto, aprovado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, há que distinguir entre aquelas situações em que estão em causa interesses particulares do senhorio, das outras em que está também em causa o interesse público da ocupação útil do prédio.
Porque, se podemos estar de acordo, por exemplo, em que estando desabitada uma casa por falta de residência permanente do inquilino, o interesse público
da ocupação útil do prédio pode determinar que o prazo de caducidade de acção só se conte a partir da cessação daquela situação, já o mesmo não acontece com outras situações.
Não acontece, por exemplo, com aqueles casos em que o senhorio sabe perfeitamente que habitam no prédio outras pessoas que não são os inquilinos, recebe confortavelmente a renda enquanto não tiver outra proposta mais vantajosa de arrendamento, ou mesmo uma proposta de compra, para então vir passado muito mais de um ano após o conhecimento do facto, às vezes 7, 8 e 9 anos, propor acção de despejo com base na falta de residência permanente.
É esta distinção que não faz o projecto. Donde se conclui, facilmente, que o mesmo apenas tem por objectivo «safar» alguns senhorios que, julgando-se a coberto de uma unânime corrente jurisprudencial, deixarmos passar anos e anos e despertaram perante uma realidade já não lhes era de todo favorável.
Situada assim a questão, e bem evidente que este projecto a tornar-se lei, é mais uma peça do quadro jurídico desequilibrado em desfavor do inquilino, um quadro jurídico que urge rever no sentido de colocar as partes em real igualdade, um quadro já desajustado às modernas correntes sobre o assunto que, como se vê, perpassam já pela doutrina e pela jurisprudência.
Ê óbvio que este projecto não tem qualquer urgência.
Se sempre que existissem diferentes e contraditórias correntes jurisprudenciais, a Assembleia tivesse de se apressar a aprovar um projecto de lei de aclaração da lei, a Assembleia passaria uma boa parte do seu tempo a conformar o entendimento dos magistrados.
Outros projectos se nos afiguram mais urgentes, porque destinados a acorrer a situações quantas vezes dramáticas e insuficientemente protegidas. Eu citaria, para além das que citei anteriormente, o projecto de lei de alterações ao Código de Processo de Trabalho, o projecto de lei sobre os alimentos devidos a menores e as anteriores propostas e projectos apresentados pelo PS. Mas nem por isso estes projectos subiram ou sobem a Plenário com o pedido de urgência. Urgência, para quê? Para defesa de interesses meramente particulares do senhorio. É óbvio que lhe negaremos a urgência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na generalidade, o PCP só poderá considerar o seu sentido de voto se se admitir que em sede de especialidade se distingam as 2 situações apontadas no relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e garantias.
Se assim não for o nosso voto não poderá deixar de ser um voto contra uma lei que outra filosofia não tem senão de acentuar o tratamento juridicamente desigual das partes em presença num processo em que está em causa um dos mais elementares direitos: o direito à habitação.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Gracias.

O Sr. Carlos Gracias (PS): - Queria perguntar à Sr.ª Deputada se acha justificado que os tribunais percam milhares de horas a discutir o problema da caducidade das acções de despejo. É uma das questões mais versadas nos tribunais, quando estas acções são

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postas, e a Sr.ª Deputada sabe perfeitamente que o senhorio, quando põe a acção de desejo, alega sempre que teve conhecimento do facto há menos de 1 ano. Discute-se depois, perdem-se horas a ouvir testemunhas, há recursos para a Relação e, porventura, para o Supremo, se o valor da causa o permitir, quando com uma decisão desta Assembleia se punha fim a tudo isto.
Urgência há, não há dúvida nenhuma, porque continuam as acções a correr nos tribunais, continuam os clientes a procurar advogados e a gastar dinheiro e continua o advogado a não dar uma opinião concreta sobre uma determinada questão que é da maior sensibilidade social e política.
Mas, como sabe, o Supremo Tribunal de Justiça tirou, há relativamente pouco tempo, um acórdão em que contraria um acórdão anterior. Parece-me, com certeza, que o ministério público deverá levar o recurso para o pleno e a questão pode ser resolvida. Mas não se sabe se o ministério público leva efectivamente recurso e será de todo o interesse, em questões de despejo que são de grande sensibilidade política e social, que se resolva a questão de vez.
Queria também pedir um esclarecimento à Sr.ª Deputada Odete Santos, sobre a questão do despejo provisório. Julgo que a legislação ainda não foi alterada, não tenho aqui o Código Civil, mas como todos os advogados sabem, o inquilino tem 8 dias para fazer o pagamento voluntário da renda, depois do seu vencimento, e pode fazer o depósito no nono dia, ou no décimo se o nono não for dia útil. Se, por hipótese, o senhorio está obrigado a ir receber a renda a casa do inquilino, e não for lá no dia do vencimento, porque quem tem direito à mora é o inquilino, ou se o inquilino for pagá-la a casa do senhorio e lá não estiver ninguém, isso é suficiente para convencer o juiz. Esta questão pode então ser posta de lado e a Sr.ª Deputada, creio, laborou num erro.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino.

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr.ª Deputada: É evidente que o quadro constitucional protege ou devia proteger - embora as suas disposições sejam de natureza programática - o direito à habitação. E todos nós sabemos que em Portugal há um problema dramático de falta de habitação e isto tem funcionado como móbil ou como razão para que muitas acções de despejo sejam intentadas nos tribunais. Desejaria perguntar à Sr.ª Deputada se reconhece, não obstante as carências habitacionais que temos, se há ou não necessidade de fixar um quadro bem claro e específico acerca das violações do direito contratual que não permitem ao inquilino usufruir desse contrato de arrendamento.
Fundamentalmente, estou a referir-me ao quadro das resoluções do contrato de arrendamento que vem enunciado no artigo 1093.º do Código Civil, isto é, se, para além desses fundamentos, a Sr.ª Deputada entende que eles devem ser restringidos, clarificados ou se devem, até, ser ampliados.
Quero ainda pôr a V. Ex.ª outra questão. Como sabe, a jurisprudência dos nossos tribunais, designadamente ao nível das relações, tem vindo a propor acórdãos que são contraditórios, no que toca à questão da caducidade. Há tribunais que entendem que a caducidade se conta a partir do momento em que se tem conhecimento do facto e outros há que entendem que a caducidade conta a partir, não da cessação do facto continuado, mas a partir do seu início. E porque isto é importante em termos de, no domínio da prova, se poder muitas vezes alterar a situação factual, no que toca à existência ou não de ilícitos contratuais, gostaria que me dissesse se está ou não de acordo que a faculdade de recorrer à acção de despejo deva ser restringida em ordem a que o prazo de caducidade deva começar a contar-se, não a partir da cessação do facto continuado, mas a partir da data em que se fizer a prova do conhecimento desse facto.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr.
Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr.ª Deputada Odete Santos: Eu gosto sempre de a ouvir, mesmo quando aquilo que diz, como é o caso, não tem nada a ver com o assunto. Efectivamente, estamos a discutir a urgência.
Mas se quisermos entrar no fundo da questão, eu creio que o problema aqui é mais importante até do que a colega referiu. Repare que o problema que se põe é este: o projecto cuja urgência é pedida, traduz uma interpretação autêntica. O preceito do Código Civil mantém-se no projecto, e apenas se lhe adita um número que vem explicitar o que lá está escrito.
Este problema liga-se com uma questão muito importante que é a que está prevista no artigo 13.º da Constituição: todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais, perante a lei. O problema que surge em primeiro lugar é este: como é que há essa igualdade dos cidadãos perante a lei se os tribunais, para uns, decidem de uma maneira e, para outros, decidem de outra.
Este problema da igualdade não surge só perante os senhorios. Surge também perante os inquilinos. Como é que um cidadão é igual a outro, perante a lei, se o inquilino, em determinada hipótese, é despejado e noutra, precisamente igual, o não é. É assim que surge e sempre surgiu a necessidade da interpretação autêntica.
Quando este caso começa a ser demasiado gritante e a contradição é demasiado frequente, o Estado sente a necessidade de vir unificar a jurisprudência através da interpretação autêntica. É esta a razão.
Mas a Sr.ª Deputada foi mais longe. Foi mais longe quando diz que o 25 de Abril veio criar a protecção do inquilino. Não, Sr.ª Deputada. Se quiser saber o que se passou, o 25 de Abril apenas veio acentuar essa defesa. O regime especial dos inquilinos vem do princípio do século, porque o contrato de arrendamento, como outro qualquer, deveria ser sujeito à liberdade contratual, vontade de contratar e conteúdo do contrato, e desde o princípio do século que, a maior parte do conteúdo contratual, está excluída à autonomia da vontade das partes. O 25 de Abril, com a sua preocupação de justiça social, apenas veio acentuar esse regime de excepção.
Face ao que a Sr.ª Deputada referiu, queria fazer-lhe duas perguntas. Prefere a Sr.ª Deputada que se mantenha esta indefinição legal, esta abstracção, esta fluidez da lei, que permite aos tribunais decidir contraditoriamente? Ou será que, por outro lado, a certeza do direito é para V. Ex.ª o valor a defender e uma forma

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de assegurar o cumprimento do artigo 13 º da Constituição, que prevê a igualdade dos cidadãos perante a lei?

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Igrejas Caeiro pretende usar da palavra para que efeito?

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Queria perguntar se, por acaso, já foi aprovada a urgência e se já estamos a discutir o fundo da questão.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado sabe, não foi ainda votada a urgência mas, nesta Casa, os Srs. Deputados têm liberdade de palavra.
Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram dirigidos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Srª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava antes de mais de dizer ao Sr. Deputado Igrejas Caeiro que se tivesse ouvido a minha intervenção desde o início poderia verificar que, logo a abrir, eu disse que a questão da urgência neste como em todos os projectos - mas aqui, segundo penso, com especial relevância- não se pode distinguir do fundo da questão. E isto também porque, para nós, tinha muito interesse que o Sr. Deputado que apresentou o pedido de urgência clarificasse aqui se admitia ou não que no projecto se fizesse distinção entre duas situações que pensamos serem distintas.
Passando agora a responder aos Srs. Deputados que me interpelaram, começo por me referir à questão colocada pelo Sr. Deputado Carlos Gracias, que perguntou se eu achava bem que se passassem milhares e milhares de horas a discutir a caducidade das acções.
Registo que o Sr. Deputado está preocupado que se arraste um processo de despejo em que, caso seja decretado, o inquilino pode recorrer com efeito suspensivo e ficará na casa; mas já não está preocupado com os milhares e milhares de horas que se perdem no tribunal a discutir, por exemplo, se por via de um despedimento sem justa causa e estando o trabalhador entretanto empregado, ele tem ou não direito às prestações pecuniárias vincendas.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - É que, nesse caso, o trabalhador não recebe o que a comarca decidir sobre isso, ficando à espera do resultado do recurso interposto.
Ora, o que registo é que o Sr. Deputado está preocupado em relação aos despejos. Quer dizer, o Sr. Deputado está preocupado e pensa que os despejos se devem acelerar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E esta a tradução da sua pergunta!

Em relação ao despejo provisório, bom, penso que então teremos de fazer aqui uma lei, já que conheço bem a discussão que há sobre se o prazo para o inquilino fazer terminar a mora, e que vem no n.º 2 do artigo 1041 º do Código Civil, o qual termina no dia 8 ou no dia 9 de cada mês. Também sei isso, Sr. Deputado! Mas sei que se o juiz perfilhar a opinião de que é no dia 8, nesse dia tem de estar a renda depositada senão, para impedir o despejo provisório ...

O Sr. Carlos Gracias (PS): - Não é isso!

A Oradora: - É assim é, Sr. Deputado, não encolha os ombros, posso até mostrar-lhe muitas sentenças que tenho no meu arquivo sobre isso! Se no dia 8 o arrendatário não depositar, terá de o fazer no dia 9 com os 50 % de indemnização, se não quiser arriscar-se a vir para a rua enquanto o juiz decide!
Em relação ao Sr. Deputado Roque Lino, pensei que tinha ficado claro que não coloco a questão relativamente à circunstância de o prazo ser de contar a partir do conhecimento que o senhorio tem do facto. Não discuto isso, pois, realmente, tem de ser a partir desse conhecimento.
A questão que coloco é outra. E que há duas situações. Há a situação em que a habitação está a cumprir o seu objectivo, pois está de facto a servir de habitação a pessoas que não são o inquilino, mas que o senhorio sabe que habitam lá - e neste caso, ele recebe muitas vezes a renda delas passando o recibo em nome de outra pessoa que ele já sabe que não habita lá para depois, passados anos, vir pôr uma acção de despejo só porque, entretanto, saiu um decreto-lei que lhe permite optar pela renda condicionada, ou pela renda livre! Isto é imoral! Isto é, de facto, não cumprir os preceitos constitucionais que há sobre isso!
Outras situações são aquelas em que houve obras com conhecimento do senhorio e que depois, passado muitos anos de ele ter conhecimento disso, vem lembrar-se de pedir o despejo. Ora, estas situações têm de se distinguir das outras em que, por exemplo, a casa está ocupada para armazém da mobília do inquilino.
Estaremos dispostos, em relação à sua primeira questão, a discutir aqui de uma forma completa a reformulação total dos dispositivos legais sobre o contrato de arrendamento pois eles não estão realmente adequados àquilo que se exige do legislador, ao contrário do que pareceu dar a entender o Sr. Deputado Correia Afonso. E isto porque, de facto, a legislação sobre arrendamento tem variado ao sabor das circunstâncias políticas e sociais.
Se o Estado aceita sobre si deveres de garantir o direito à habitação, então que surja legislação retirando em parte o contrato de arrendamento da esfera da liberdade contratual. E, como o Sr. Deputado sabe, depois do 25 de Abril saiu legislação para obrigar os senhorios a arrendar casas que tinham desocupadas, sem qualquer finalidade. Esta legislação saiu, mas foi revogada quando houve recuos ou tentativas de fazer recuar determinadas conquistas do povo português e o Sr. Deputado sabe-o muito bem.
Creio que na minha intervenção lhe demonstrei com institutos absolutamente odiosos, os quais têm uma visão contra o inquilino, que realmente é necessário reformular tudo isto.

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Por outro lado, penso que a certeza do direito é desejável. Será mesmo a meta a atingir. Mas então, Sr. Deputado, vamos fazer um balanço, acabamos com os debates nesta Assembleia por uns tempos, vamos repescar todas as situações em que não há certeza do direito - todas as situações em que o juiz do 1.º Juízo decide de uma maneira e o do juízo ao lado, no mesmo edifício, decide de outra - vamos fazer uma compilação de tudo isso e começar aqui a legislar para que, de facto, os Srs. Juizes não tenham dúvidas sobre como deve ser a interpretação autêntica da lei.
O Sr. Deputado Correia Afonso chama ao projecto apresentado a interpretação autêntica da lei. Confesso que não sei se será a interpretação autêntica, pois há juizes que pensam de uma maneira e juizes que pensam de outra.
Creio assim, Srs. Deputados, que este debate veio contribuir para clarificar a vossa posição, exactamente porque, abordando a questão da urgência, tivemos de ir ao fundo do problema e averiguar o porquê desta urgência. Mas não haverá outras coisas mais urgentes?
Creio que ficou aqui demonstrado que essa igualdade de que o Sr. Deputado fala e que está consagrada no artigo 13.º da Constituição, é uma igualdade perante a lei, mas não é uma igualdade formal. É uma igualdade que o Estado deve garantir, através de mecanismos que protejam a parte mais fraca, como e inequívoco que deve ser - e ninguém discute - no contrato de trabalho, e como se começa insistentemente a desenhar que tem de ser no contrato de arrendamento.
Agora, Sr. Deputado, se uns Mmos. Juízes interpretam de uma maneira e outros de outra, não pode concluir daí que os juízes estão a violar o artigo 13.º da Constituição. Ou será isto que o Sr. Deputado Correia Afonso conclui?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Correia Afonso pede a palavra para que efeito?

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr.ª Deputada Odete Santos, o meu protesto é efectivamente muito simples e muito reduzido.
Queria lembrar apenas à Sr.ª Deputada que, já no século passado, um autor muito conhecido que poucos sabem que era jurista, Victor Hugo, escrevia a respeito de lei e do direito que a lei está longe do direito, que se vai aproximando dele e que as sociedades serão perfeitas no dia em que a lei coincidir com o direito. Nessa altura, desaparecerão os conflitos e atingir-se-á aquela sociedade em que o homem vive em paz.
Isto só para dizer à Sr.ª Deputada que, quando u Estado toma a iniciativa de vir interpretar autentica mente a lei, ele toma efectivamente uma iniciativa mas não para proteger o mais fraco ou para atacar e mais forte.
Por isso, quando há pouco referi a igualdade, pretendia significar a igualdade de todos os inquilinos, pois não e justo, não é certo, nem sequer envolve o respeito do citado preceito constitucional, haver um inquilino que é despejado numa situação, quando outro, perante uma situação igual, fica na casa.
Essa a igualdade que temos de alcançar. E não é o juiz que viola a lei, mas é a situação objectiva que traduz uma violação do artigo 13.º da Constituição.
Pelo menos, neste nosso diálogo muito curto, atingiu-se um elemento em que parece que estamos de acordo: é que a certeza do direito deve ser procurada. A forma de o alcançar é que parece que nos divide, Sr.ª Deputada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, já ultrapassámos a hora regimental mas, se não houver oposição, prolongaríamos este período por mais alguns minutos, a fim de poderem usar da palavra o Sr. Deputado Carlos Gracias que pretende igualmente protestar, e a Sr.ª Deputada Odete Santos para responder caso deseje.
Não havendo objecções, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Gracias para o que dispõe de 2 minutos.

O Sr. Carlos Gracias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Odete Santos: A Sr.ª Deputada confunde-se e confunde, arvorando-se em defensora dos inquilinos. Se calhar só tem defendido inquilinos e, provavelmente, nunca propôs uma acção de um senhorio.
Conheço inquilinos relapsos e milionários, assim como conheço senhorios honestos e pobres. A questão que nos ocupa é, no entanto, puramente jurídica.
Diz a Sr.ª Deputada Odete Santos que conhece a corrente jurisprudencial que defende que são 8 ou 9 dias, mas a questão é completamente diferente. O problema que se tem posto é se se conta ou não o dia do vencimento da renda na contagem dos 8 dias. E esta é uma questão discutida até na jurisprudência.
O que eu disse é, por outro lado, completamente diferente. O inquilino tem 8 dias a contar do vencimento, caso se entenda que o dia do vencimento se conta ou não, e o nono dia para fazer o depósito. Isso é o que a colega esquece! Os 8 dias da mora são a favor do inquilino, quer se conte a partir do dia 1, porventura o dia do vencimento da renda, quer nau se conta esse dia 1. Mas o nono dia é para o depósito.
Por isso lhe digo que o inquilino pode perfeitamente ira no oitavo dia a casa do senhorio pagar a renda e apesar de a porta poder estar fechada - porque o senhorio porventura não quer receber a renda para colocar o inquilino numa situação de despejo provisório - ele pode no nono dia fazer o deposito dessa renda. Isso é que a colega confundiu.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Para responder a esta questão muito concreta, queria começar por dizer que não estou aqui a falar como advogada, nem vou dizer se defendo inquilinos ou se defendo senhorios.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

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A Oradora: -Não é isso que tem interesse, nesta questão.
Quero apenas lembrar, relativamente ao problema que o Sr. Deputado levantou - e que veio "a talhe de foice" por causa do despejo provisório- que o que o Código de Processo Civil diz é que se o inquilino não provar que pagou ou depositou tempestivamente as rendas, está sujeito a ser despejado provisoriamente. É isto que o Código de Processo Civil diz.
Quer dizer que os tribunais ou, pelo menos, parte deles -aqueles que conheço- têm decidido que se não se faz a prova de que no dia 8 se pagou ou se depositou a soma devida através da exibição de uma guia de depósito da Caixa Geral de Depósitos, no dia a seguir o inquilino tem de depositar as rendas com os 50 % de indemnização, a título definitivo ou condicional, conforme escolha, para impedir o despejo provisório.
Pode haver outras correntes jurisprudenciais, mas estas existem e é com conhecimento de causa que expresso esta opinião,
Em relação às questões levantadas pelo Sr. Deputado Correia Afonso, que penso serem bem mais importantes -e começou por fazer citações de Victor Hugo-, devo dizer que realmente concordo que as sociedades estarão perfeitas quando se aproximar a lei do direito. Mas este projecto de lei é a forma inversa. É a forma de fazer divorciar a lei do direito.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Porque nem sequer contempla, ou melhor, contempla a contrario aquelas situações em que a habitação está a servir o seu fim social. Vai, por isso, divorciar a sociedade do direito, pois que as pessoas que lá estão têm de continuar a habitar a casa.
Este projecto de lei ataca o mais fraco, Sr. Deputado. E achámos útil ir ao fundo da questão porque, depois do que aqui nos foi explicado pelo Sr. Deputado Montalvão Machado, fica-nos a convicção de que este projecto de lei tem como objectivo atacar o mais fraco, isto é, acentuar a desigualdade das partes, já desiguais na celebração do contrato. Isso foi bem evidente na discussão aqui travada.
Há outras situações, Sr. Deputado, em que duas pessoas ficam em posição desigual perante sentenças sobre assuntos idênticos! E citei há bocado uma delas: há trabalhadores que receberam, além da indemnização, as prestações pecuniárias que se venceram até à sentença, porque o tribunal entendeu que embora estando empregados essas prestações lhes eram devidas; há trabalhadores que receberam apenas a diferença entre o ordenado que tinham no seu emprego e o ordenado, nesse caso maior, que tinham no emprego de que foram despedidos; e há, finalmente, trabalhadores que apenas receberam a indemnização!
Então os Srs. Deputados acham que este projecto que agora apresentam é mais urgente do que, por exemplo, decidir estas situações?
Sr. Deputado Correia Afonso, não há dúvida de que o debate foi útil e o Sr. Deputado Igrejas Caeiro não tinha razão ao insurgir-se por estarmos a discutir o fundo da questão, pois, como se viu, era necessário fazê-lo. Foi útil porque revelou aqui as reais intenções da bancada que o apresentou ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

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A Oradora: - ... que é, de facto, contribuir com mais uma peça legislativa para que ainda se recue mais no tratamento jurídico do contrato de arrendamento.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, poderíamos ainda antes de terminar este período dos nossos trabalhos, votar este pedido de urgência, se estiverem de acordo.
Sendo assim, vai ser lido o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Montalvão Machado e outros, do PSD,

É o seguinte:

Os deputados abaixo assinados requerem para o projecto de lei n.º 177/111, o processo de urgência, nos termos dos artigos 243 º, 244:' e 246.º do Regimento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado com os votos a favor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI, com votos contra do PCP e com as abstenções do MDP/CDE, da UEDS e do Sr. Deputado Independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís Nunes pediu a palavra, para que efeito?

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Para uma curtíssima declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como já ultrapassámos largamente a hora regimental V. Ex." faria a sua declaração de voto no período seguinte dos nossos trabalhos.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Nesse caso prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Taborda pretende usar da palavra?

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Era igualmente para fazer uma declaração de voto, Sr. Presidente, que ficaria para o reinício desta sessão, se V. Ex.º assim entender.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 13 horas e JO minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados. está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Tomaram assento na bancada do Governo o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos), o Sr. Ministro da Administração Interna (Eduardo Pereira) e o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Vitorino).

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O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso voto de abstenção quanto ao requerimento de urgência para o project8 de lei n.º 177/111, tem duas vertentes.
Por um lado, não poderíamos votar favoravelmente a urgência porque entendemos que este problema, embora seja candente, não é tão urgente que necessitasse deste processo.
Em segundo lugar, porque entendemos que este processo de urgência, apenas nos termos regimentais, apresenta uma grave dificuldade para a discussão do problema, qual seja a da limitação, não só do número de oradores com dos seus tempos. Parecia-nos e parece-nos que um caso destes deve ser amplamente discutido.
Não poderíamos, por outro lado, votar contra a urgência, porque entendemos que é um problema de certo modo grave - como já disse há pouco -, pois a certeza e a segurança do direito são bens que têm que ser preservados e preservados a favor de todos, sejam quais forem os interesses dos cidadãos que estejam em jogo.
Compreendemos, de certo modo, a intenção dos Srs. Deputados ao fazerem este requerimento de urgência, na medida em que, dado o funcionamento desta Assembleia, os projectos e propostas de lei que não sito marcados pelos partidos ou que não têm este processo de urgência correm o risco de ficar eternamente quer nas comissões, quer na Mesa da Assembleia.
Compreendemos, mas entendíamos que, neste caso concreto, o partido apresentante poderia ter feito a marcação deste projecto de lei como é regimentalmente possível, possibilitando assim a sua discussão ampla. sem as limitações do processo de urgência.
Esta a justificação da nossa abstenção.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos pede a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, não colocámos a questão quando se estava a produzir a declaração de voto relativa ao debate anterior, mas parece-nos ser de requerer agora à Mesa a verificação do quorum, pois suspeitamos que a Assembleia não está em condições mínimas de funcionar.

O Sr. Presidente: - Bom, Sr. Deputado, o quorum foi verificado no início e dispúnhamos então do número necessário de Srs. Deputados para que a Assembleia pudesse funcionar.
De qualquer forma, a Mesa irá proceder a essa verificação, neste momento, conforme requereu.

Pausa.

Srs. Deputados, neste preciso momento há quorum para funcionamento da Câmara.
Entramos na segunda parte da ordem do dia, que é a discussão da proposta de lei nº 55/111 - enquadra-

mento dos órgãos e serviços do Estado a quem incumbe assegurar a obtenção, tratamento e difusão das informações necessárias à Defesa Nacional, ao cumprimento das missões das Forças Armadas, à segurança do Estado de Direito e à garantia da legalidade democrática.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Estado deve ser justo, mas não tem de ser ingénuo. Vai para uma década que, de algum modo, somos uma coisa e outra.
O actual Governo, que em outros momentos e propósitos se vem revelando um devorador de mitos, vem hoje aqui propor a esta Assembleia, a morte de mais um: o mito de que os serviços de informação são necessariamente maus, por mais genuínas que sejam as enquadrantes democracias.
De tal sorte que, o que é bom para as democracias mais vetustas e consolidadas, poderia ser mau para nós.
Acresce que não desconhecemos a génese desse nosso síndroma alérgico. Fomos vítimas, durante décadas, de um serviço de informações frio, desumano, torcionário, assassino. E recusamo-nos, alguns de nós, a reconhecer o ridículo que há em confundirmos a PIDE com a sua lembrança ou o seu fantasma. Mais: o contra-senso que vai em repelirmos normais instrumentos de autodefesa colectiva, para afinal nos colocarmos à mercê de outras forças do mal, igualmente frias, desumanas e assassinas.
O crime violento está aí. O terrorismo - que, de algum modo ainda nos poupa, mas já nos não desconhece - disfruta o nosso artesanato defensivo.
Porque morreu Sartawi? Porquê, em Lisboa, o ataque à embaixada turca? Que "Bonnies" e "Claydes" assaltam os nossos bancos com a sem cerimónia com que se desconta um cheque aprovisionado de balas?
Que face tem a droga? Não é socialmente patológico que uma tal D. Branca possa sem aparente incómodo ser colega de profissão do honrado Professor jacinto Nunes?
Oiço dizer que Portugal conta, entre os seus títulos de amenidade, o facto de funcionar como santuário do repouso dos "guerreiros" do grande crime internacional. Vêm aqui beber um copo entre duas operações violentas. Será que também vos acontece, Srs. Deputados, esta sensação incómoda de ser tomado por
parvo?
Somos um Estado sem olhos e sem ouvidos. Do que verdadeiramente se trata é não só de passarmos a tê-los, mas a obrigá-los. Se tivéssemos discutido sem informações o Tratado de Tordesilhas, a Espanha tinha-nos empalmado a India! ...

Temos medo de quê? De que serviços dependentes do Primeiro-Ministro, do Ministro da Defesa Nacional ou dos mais altos chefes militares, e fiscalizados por esta Assembleia, violem os direitos fundamentais dos cidadãos? Mas então esta lei - ou os serviços por ela criados - podem assim revogar a Constituição da República? Confiamos assim tão pouco nas instituições democráticas?

Se bem ajuízo, há quem tenha medo, em democracia. de uma lei democratíssima, mas não dos atropelos à

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segurança dos cidadãos e à tranquilidade pública que precisamente essa lei se destina a prevenir e a evitar. É bem isso?
Ou será que se receia que a simples existência de normalíssimos serviços de informações, criados à luz de dia, controlados à luz do voto, e fiscalizados por este Parlamento, traga no seio o risco de uma nova ditadura?
Ainda aqui amorosamente cultivamos ilusões. A melhor forma de encomendar um tirano, reside precisamente, não no reforço da protecção dos cidadãos, mas no seu desgaste. Ora acontece que já os portugueses, neste momento, meditam com ansiedade neste renitente desarme das instituições e da colectividade, traduzido na desprotecção das suas vidas. Se esta lei pudesse ser directamente votada pelos cidadãos, é seguro que só lhe achariam um defeito: o de não ter chegado mais cedo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mais tarde terá chegado a Itália a evidencia da necessidade de dispositivos antiterroristas a montante. O detonador foi o assassinato de Aldo Moro e o consequente abanão na consciência nacional. Logo o SID foi substituído por 2 novos serviços encarregados das informações e da segurança, um no domínio militar outro no domínio civil, coordenados por um comité executivo. A polícia viu reforçados os seus poderes podendo, nomeadamente, passar a fazer «guarda à vista» e a fazer escutas em certos casos e termos. As consequências, viriam a senti-las a curto prazo as brigadas vermelhas.
Também na República Federal da Alemanha foi a comoção dos acontecimentos de Munique, em 1972, o detonador da criação de uma força especial de intervenção, do mesmo modo que o rapto do industrial Scheyler conduziu ao reforço dos poderes da polícia e à reestruturação dos serviços de informações.
Será que, também nós, precisamos de um grande choque emocional para pormos trancas à porta?
Não se trata, aliás, também entre nós, de iniciar uma experiência a que a nossa jovem democracia venha sendo imune. De algum modo - é sabido - nunca deixou de haver em Portugal serviços de informações. Mas mais ou menos envergonhados, mais ou menos sectoriais.
E não deixa de ser curioso que, alguns dos que hoje dizem recear os democratíssimos serviços de informações que se trata de criar, tenham coexistido harmoniosamente com a conhecida 2.ª Divisão do Estado-Maior-General das Forças Armadas, mais tarde transformada na Divisão de Informações do Estado-Maior-General das Forças Armadas.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estes, e provavelmente outros serviços, existiram e existem, sem que ninguém se tenha sentido afrontado por eles, apesar da ausência de controle desta Assembleia ou de qualquer outro órgão de soberania.
A Frente de Unidade Popular pretendeu, em comunicado recente, dispor o Estado de nada menos que 13 serviços de informações! Dado o número indicado, deve tratar-se de superstição.
Este Parlamento tem algum. O Governo também não. Tê-lo-ão os tribunais?
Seja como for, o mal reside precisamente em estarmos aqui a formular estas perguntas. O que se pretende é pôr termo a essas suspeitas de semiclandestinidade, dando ao processo da sua criação a transparência do cristal.
De resto, os serviços de informações das Forças Armadas receberam consagração parlamentar - enquanto serviços que se ocupam exclusivamente de informações militares no âmbito das missões que lhes são atribuídas pela Constituição e pela Lei - ao ser aqui aprovado o artigo 67.º da Lei de Defesa Nacional.
Aí se previu, ademais, a futura regulamentação por decreto-lei, das modalidades de coordenação entre os serviços de informações militares e os demais serviços de informações existentes ou a criar.
Ê assim certo que vagamos em maré de falsa surpresa. Mas não menos de agravada carência. É que, sobretudo a partir daquele dispositivo legal os serviços de informações militares em geral, e a Direcção de Informação do EMGFA em particular, estão inibidos de reconhecer e tratar, e sobretudo de difundir, informações não exclusivamente militares.
E que serviços são esses que aí vêm? Meterão eles medo às crianças?
Mal teria lido a proposta de lei quem tal pensasse. Logo no artigo 1.º se limitam as informações a obter, tratar e difundir, ao necessário para «garantia da legalidade democrática, defesa da Constituição, segurança do Estado de direito, defesa nacional e cumprimento das missões das Forças Armadas».
São, acrescenta-se, designadamente objecto de recolha de informações:
As acções atentatórias da ordem democrática, da livre existência e da segurança do Estado;
As acções que visem impedir, por formas ilegais, o normal funcionamento dos órgãos de soberania e das Forças Armadas.
Quem, pois, goste de tudo isso que se visa evitar. durma descansado. Quem não goste, não merece descanso.
Mas a proposta não se fica por aí em matéria de cautelas. E vá de proibir expressamente, «actividade de recolha de informações que envolvam ameaça ou ofensa aos direitos, liberdades e garantias consignados na Constituição e na lei».
Ouvem-se murmúrios incrédulos: e quem garante que vai ser assim? A resposta e fácil: quem, antes da lei ou sem ela, tem garantido que assim seja!
Cumpre darmo-nos conta, com efeito, de que a última coisa que faria um Governo empenhado em calcar os direitos fundamentais, seria criar o calcanhar instrumental por lei em que tal se proibisse, ao invés de, à socapa, ir pisando sem chamar a atenção para isso!...
Depois, são as limitações ao acesso aos dados; é a proibição da sua utilização com finalidades diferentes da tutela da legalidade democrática ou da prevenção e repressão da criminalidade; é o «alto lá» aos funcionários ou agentes dos serviços de informação quanto ao exercício de poderes dos tribunais ou das polícias. - Os serviços de informação não são entidades de

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polícia! - à detenção de indivíduos ou à instrução de processos penais, é o dever do sigilo, são as sanções correspondentes à violação destes limites.
Se nos deleita cultivar fantasmas, nada nos impede de voltar a imaginar um esbirro em cada esquina, um ouvido em cada telefone, um pé-de-cabra em cada porta, um alarme em cada consciência.
Mas, se o que nos conforta é viver em democracia, defendenmo-la com os instrumentos de todas as democracias e acabemos de vez com a originalidade da fraqueza consentida e do lirismo cultivado.
Não tem então defeitos a proposta? Talvez tenha. mas não o de infundir receio.
E indiscutível que tenham de ser 3, os serviços programados? Não certamente. Mas foi esse o número que Deus fez, é esse aquele em que o Governo se compraz.

Risos do PS e do PSD.

Que sejam mais do que um, é virtude ocidentalmente reconhecida. Apesar de tudo, é regra de cautela não concentrar poderes neste domínio.
Ocidental é também a prática de não misturar, aqui, o civil e o militar.
Não se sabe bem o que seja segurança? Sugiro que nos não envolvamos, a esse respeito, em disputas teóricas, e que perguntemos aos cidadãos. Constatar-se-á a terrível unanimidade das respostas.
De qualquer forma, não tarda aí, muito antes de aprovada na especialidade esta proposta de lei, essa outra já aprovada em Conselho de Ministros relativa à segurança interna e aos meios de assegurá-la.
Defeito é talvez a redução do enunciado das penas à sua duração máxima, relegando a mínima para o limite-regra do Código Penal, que em alguns casos pode ser insuficientemente desestimulador.
Defeito pode também ser a previsão da regulamentação da lei proposta por simples decreto regulamentar, enquanto a exigência de decreto-lei reforçaria o poder de fiscalização desta Assembleia por apelo ao instituto da ratificação.
Defeito é seguramente a proposta composição da Comissão Parlamentar fiscalizadora, na medida em que não respeita o disposto no n.º 2 do artigo 181 º da Constituição. Trata-se de manifesto lapso, obviamente não intencional em que aliás, com a mesma não intencionalidade, viria a incorrer a UEDS ao formular uma proposta de alteração em que se frequentem a mesma composição.
Haverá, pois, que cuidar aqui de outra composição ou de outro órgão, já que, nesta matéria, o sigilo é ouro, e bem se sabe que os segredos são mais bem guardados quando é reduzido o número dos seus depositários.
O Governo está - limitando-se a cumprir o dever de estar - aberto às sugestões dos Srs. Deputados que possam contribuir para o enriquecimento do produto final.
Que não estivesse! A partir de agora, os serviços de informações serão o que esta Assembleia quiser que sejam. Os seus defeitos serão apenas os da vossa vontade, que em democracia, como se sabe, por definição os não tem.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos estão inscritos os Srs. Deputados Lino Lima, Corregedor da Fonseca, Carlos Brito, António Taborda, João Amaral, José Magalhães e Jorge Lemos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Ministro Almeida Santos, ouvi-o com muito agrado. Aliás, oiço-o sempre com muito agrado.
Ouvia-o com muito agrado quando V. Ex.ª era deputado da oposição como eu e, como não sou homem que mude rapidamente de opinião, ouço-o agora tambem com muito agrado quando se senta aí na bancada do Governo.
Claro que o Sr. Ministro sabe sempre tomar os seus discursos agradáveis. Sabe sempre "doirar o pílula"! E isso, naturalmente, é uma vantagem para um político. O Sr. sabe sempre tirar o azedo das coisas - quando quer, bem entendido.
Fez, contudo, uma afirmação que me deixou um tanto espantado. Salvo erro, o Sr. Ministro disse que não tínhamos que ter receio em relação a estes serviços de informações, porque a Constituição estabelecia claramente os direitos dos cidadãos.
Ora, aí fico espantado com a ingenuidade do Sr. Ministro! Tanto mais, quanto é certo que, segundo li em qualquer sítio, o Sr. Ministro gosta muito de ler romances policiais.
Então, o meu problema é este: o Sr. Ministro sabe, com certeza, que todos os serviços de informações têm, por um lado, a tendência para se autonomizarem e, por outro lado, a tendência para sucessivamente irem mais além na pesquisa sem a preocupação de evitar calcar os direitos dos cidadãos.
De uma maneira geral, podemos mesmo dizer que os serviços de informação actuam sempre de uma maneira ilegal, introduzindo-se por formas ilegais na vida do cidadão, na sua residência, na sua correspondência, nos telefones, etc., etc.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Isso é que é experiência!

Vozes do PCP: - E experiência é! É experiência de 50 anos!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Estavas cá fora na altura, por isso é que não sabes!

O Orador: - Quem é que disse isso que eu tinha experiência?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Foi aquela besta do PSD!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço a atenção da Câmara. VV. Ex." sabem que têm exactamente o tempo regimental para falar, de maneira que agradecia que não houvesse interrupções.

O Orador: - É que há deputados que, efectivamente, não podem perceber isto! Eles noutros tempo estavam do lado da polícia ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - Só percebem isto aqueles que, nos outros tempos, estavam contra a polícia.

Aplausos do PCP.

Portanto, a nossa preocupação, independentemente das questões de fundo que daqui a pouco trataremos, é esta: parece-nos que não basta a Constituição para defender os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos perante um serviço de informações. E, menos basta ainda, quando esta lei é extremamente vaga, pois não delimita as funções destes serviços, não delimita, concretamente, o seu objectivo e não nos dá quaisquer esclarecimentos acerca de como se constitui, como vai organizar os seus quadros, etc.
Ora, tudo isto são questões muito importantes que não podemos deitar fora levianamente, dizendo apenas que "a Constituição está aí e defende tudo", quando sabemos que as Constituições em toda a parte nunca defendam os cidadãos perante os serviços de informações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.

O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE)-. Sr. Ministro Almeida Santos, ouvi atentamente a sua intervenção e queria colocar-lhe 3 rápidas perguntas.
Na proposta de lei do Governo apontavam-se enunciados gerais sobre o que deve ser o conselho superior de informações, serviços de informação estratégica, etc.
Pergunto-lhe se esta proposta de lei devia ou não ter sido acompanhada com outros diplomas ou propostas que nos esclarecessem mais concretamente sobre quais são as funções, a estrutura e os limites claros e concretos de cada um destes 3 serviços e a forma como 0 Governo pensa - caso o Sr. Ministro nos possa já responder a este ponto - reestruturar o actual serviço de informações?
Outra pergunta que lhe gostaria de colocar prende-se com o facto de o Sr. Ministro ter dito que em Portugal nunca deixou de haver serviços de informações. Citou um serviço a seguir ao 25 de Abril, e proferiu uma outra frase, de certo modo preocupaste, referindo que "provavelmente outros serviços existem e coexistem". Gostava de saber, Sr. Ministro, se o Governo tem ou não conhecimento da existência de outros serviços, se os tem sob controle e se a criação dos novos serviços vai anular os já existentes.
Por outro lado, V. Ex.ª disse claramente que há 3 serviços e que é necessário haver umas certas cautelas para não concentrar poderes neste domínio. Perguntar-lhe-ia então, Sr. Ministro, se está ou não consciente da gravidade da situação e quais são os perigos que o Governo pensa que adviriam da existência de apenas um serviço. É que mesmo a existência de 3 serviços com certeza que trará os seus perigos.
Assim, perguntar-lhe-ia também que tipo de preocupações levaram o Governo a criar 3 serviços por causa das "devidas cautelas" que enuncia.
Um outro aspecto liga-se com o artigo 8 º da proposta quando se lê que a existência de um serviço de informações e segurança é garantia, entre outras, da legalidade democrática.

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Ouvimos muitas vezes esta frase "legalidade democrática": Aqui há dias, infelizmente, ouvimos alguém muito responsável dizer num debate que, para impor a legalidade democrática, a polícia, se for preciso, actuará duramente, contra os trabalhadores que se manifestem.
Esta frase perece-me muito ambígua, de modo que gostaria que me explicasse o que pretendem dizer com "garantia da legalidade democrática" em relação ao serviço de informações e de segurança.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro de Estado Almeida Santos, apreciámos, naturalmente, o seu esforço para desdramatizar a questão. Mas ela - como também teve de reconhecer no início do seu discurso é mesmo dramática e séria. Por esse motivo se compreenderá que nós, deputados da oposição, a queiramos discutir profundamente e não como "gato por brasas", como parece ser a intenção do Governo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, é contraditório com a sua afirmação de que o Governo quer a meridianoa clareza nesta questão, o pedido de urgência que foi feito pelo Governo de que V. Ex.ª faz parte e ainda a proposta que. foi apresentada na conferência dos grupos parlamentares pelos partidas que sustentam o Governo, no sentido de que o debate fosse reduzido a um período de 50 minutos de intervenção par partido.

De facto, desta forma não se chega ao fundo das questões e a tal meridiana clareza é deturpada, confundida e iludida.
A intervenção do Sr. Ministro veio corrigir algumas questões que aqui tinham sido afirmadas anteriormente, o que é importante. Com efeito, V. Ex.ª veio reconhecer que mesmo desde o 25 de Abril sempre houve serviços de informação. Contudo, não foi isso que disse há dias o Sr. Ministro da Administração Interna que, muito ruborizado, dizia que só conhecia um.
Creio que o reconhecimento que acaba de fazer facilita a discussão. No entanto, gostaria de lhe fazer notar o seguinte: o Sr. Ministro disse que se os cidadãos pudessem votar, o único defeito que lhe encontrariam era o de que ele vinha tarde. Pergunto: então, por que é que o Partido Socialista não inscreveu esta questão no seu programa eleitoral de há meses atrás? O facto é que nunca a inscreveu num programa eleitoral e nem sequer no último.

Com que direito vem agora o Sr. Ministro falar aqui da vontade e do voto dos cidadãos?
Uma outra questão que lhe queria colocar era esta: para que servem estes serviços de informações? -
Tenho aqui um jornal, que geralmente é tido como um jornal independente, que diz o seguinte:

Além do Estado-Maior-General das Forças Armadas, têm serviços de informações a Policia Judiciária, nomeadamente a sua Direcção-Geral contra o banditismo criada em 1977, a PSP, designadamente o GOE, a GNR, etc.

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Para quê então estes novos serviços de informações? Não seria mais admissível que se viesse propor a coordenação - como muitas vezes aconteceu - dos serviços existentes?
Poderíamos admitir discutir isso, mas não entendemos o porquê destes serviços. Senão vejamos: as actividades contra a independência nacional, contra a segurança externa não estão de certa maneira garantidas pelos serviços que existem junto do Estado-Maior-General das Forças Armadas? As actividades contra o banditismo não estão de certa maneira garantidas pela Direcção-Geral contra o banditismo, força policial esta que, aliás, poderia ser desenvolvida?
A questão que colocamos é, pois, a de saber o porquê destes novos serviços de informações. Não será que eles não são mais do que serviço de informações políticas, ou seja, destinados ao colher informações poli ricas? Se assim for, gostaríamos de saber contra quem serão colhidas essas informações políticas.
Não será correcto dizer, Sr. Ministro, que, como nenhum outro dos serviços de que se tem falado depois do 25 de Abril, este que é proposto pelo seu Governo é o mais governamentalizado de todos?

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, peço que me conceda apenas mais uns segundos para poder concluir o meu pensamento e para discutirmos esta questão que é fundamenta] e séria.

O Sr. Presidente: - Sem dúvida que lhe concedo mais uns segundos, Sr. Deputado.

O Orador: - Tratam-se, pois, de serviços de informações na área política e, portanto, este é o projecto mais governamentalizado que até agora foi trazido a lume.
Com efeito, nenhum dos outros projectos que se conhecem arredavam os restantes órgãos de soberania. Este fica na totalidade nas mãos do Governo. É por isso que perguntamos se não se torna por isso mesmo legítimo chamar a estes serviços de informações propostos pelo actual Governo, não um serviço da República, não um serviço de Estado, mas um serviço governamental para a defesa e para a luta do Governo contra os seus adversários políticos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Ministro de Estado Almeida Santos: Também eu gostei de o ouvir - aliás como sempre - e gostaria de realçar que me parece que a sua intervenção, feita em nome do Governo, veio repor uma certa seriedade nesta questão, o que julgo ser importante que presida a todo este debate.
Com efeito, ao contrário do que aconteceu aquando da discussão do pedido de urgência, V. Ex.ª tentou seriamente carrear alguns argumentos em favor desta proposta de lei.
Quanto à primeira parte da sua intervenção estou de acordo. Efectivamente, parece-me que não é possível que o país continue como tem estado desde há 10 anos, ou seja, com as suas fronteiras praticamente
abertas a todos os serviços secretos estrangeiros ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ..., sem qualquer espécie de controle por parte do Estado português sobre o que se passa dentro do país, o que resulta num paraíso não só para os serviços secretos de outros países, como também o pode ser - por hipótese - para o banditismo internacional. Ë necessário, pois, que o Estado tenha instrumentos para controlar minimamente o que acontece dentro das fronteiras do país e isso passa e tem a ver também com a independência nacional.
O problema situa-se no facto de haver aqui dois vectores cujo equilíbrio é difícil. Por um lado, a segurança que queremos entender se trata da segurança colectiva e, por outro, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
A dificuldade está neste ponto de equilíbrio. Para garantir os direitos, liberdades e garantias a proposta de lei prevê, quanto a mim, dois tipos de instrumentos: por um lado, a comissão parlamentar encarregada de fiscalizar estes serviços e, por outro, a obrigação de sigilo e de não transmissão de informações a não ser às entidades referidas na proposta.
Quanto ao problema da comissão parlamentar, o Sr. Ministro disse que esse não seria talvez o instrumento mais adequado em relação aos próprios dispositivos constitucionais. À este respeito, gostaria de lhe perguntar se o Sr. Ministro não entende que para haver uma verdadeira fiscalização essa comissão parlamentar deveria ser constituída por elementos de todos os partidos, uma vez que normalmente, mesmo com uma maioria absoluta, os elementos indicados e votados são afectos a essa maioria. Julgo que não havendo deputados da oposição, não se pode dizer concretamente que haja uma fiscalização total por parte dessa comissão.
Uma outra pergunta que lhe queria fazer era a seguinte: parece-me que há uma posição passiva da comissão que recebe o relatório final e não intervém activamente ...

O Sr. Presidente: - O seu tempo terminou, Sr. Deputado. Se deseja terminar o seu pensamento, solicito-lhe que o faça rapidamente.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente, será breve.
Dizia eu que me parece que a comissão não intervém activamente, isto é, no sentido de pedir esclarecimentos ou de convocar a direcção do serviço.
Uma última questão que me parece importante é a dos 3 serviços. Gostaria de saber o porquê de mais do que um serviço de informações.
V. Ex.ª disse que era normal nalguns países a existência de um serviço civil e outro militar, mas num momento em que se quer civilizar, no sentido de tornar a sociedade civil totalmente autónoma, não entendo a necessidade de 1 serviço civil e 2 multares. Porque não um único serviço, tanto mais que quantos mais serviços houver maiores são as possibilidades de fugas de informação?

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares:
gostaria de lhe fazer algumas perguntas muito concretas em torno da proposta de lei.
Obviamente que o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares teve a bondade de ler aqui a proposta de lei e suponho que todos nós ficámos agradecidos, apesar de alguns já a terem lido, como por exemplo eu.
De qualquer forma, é sempre bom ouvir ler outra vez o texto da proposta, sobretudo quando acrescentada da expressão de que o Governo é um devorador, expressão que apesar de tudo não deixa de ser de sublinhar no contexto em que o Governo apresenta esta proposta.
É precisamente por ser devorador que lhe pergunto, visto que o Sr. Ministro não o disse, o seguinte: quais são concretamente os limites de actuação dos serviços de informações que aqui vêm propor? E quando lhe faço esta pergunta quero saber muito concretamente quem é que vai ser fichado, em que termos, em que circunstâncias, para quê, com que efeitos e com que garantias.
A segunda questão que lhe quero colocar é esta: porquê, Sr. Ministro, uma proposta - e não sejamos ingénuos aqui na Assembleia! - que cria novos serviços de informações sem qualquer sistema de controle e de fiscalização? Repito: sem qualquer sistema de controle e de fiscalização!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Porque ele não existe, Sr. Ministro, é uma mistificação e V. Ex.ª sabe-o bem!
Gostaria ainda de saber quais são concretamente as garantias dadas aos cidadãos para assegurar os seus direitos e liberdades fundamentais.
Diz o Sr. Ministro - e não nos faça de ingénuos -, lendo a proposta e citando, entre outros, os artigos 10.º e 13.º, que estão estipulados nesses artigos os limites para garantir as liberdades fundamentais.
Quanto a nós, aquele artigo tanto podia ali estar como não estar. E até lhe posso dizer mais, Sr. Ministro: o facto de estar ali é particularmente perigoso, na medida em que a forma como aquele artigo está redigido só significa, na minha opinião, que o Governo reconhece que existe o risco, mas que não assume a responsabilidade - que era essencial neste caso concreto -, de definir as formas de protecção das liberdades e direitos fundamentais, as quais deveriam acompanhar esta proposta. O Sr. Ministro não as traz e penso que dizer pura e simplesmente que é vedado violar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e não prevenir essas violações, não instituir os mecanismos de controle e fiscalização e não reprimir essas violações é, no fundo, convidar à violação dos direitos e liberdades fundamentais. Este é um risco que o Governo assumiu plenamente quando apresentou esta proposta de lei desacompanhada das medidas complementares que eram indispensáveis para uma questão tão complexa com a que está a ser discutida.
Sr. Presidente, não me diga que não tenho mais tempo porque eu já sei que este é um debate limitado e com baias e, portanto, não vale a pena chamar-me à atenção porque eu calo-me antes que o Sr. Presidente me mande calar!

O Sr. Presidente: - O debate não tem baias. Sr. Deputado, temos é de cumprir o Regimento.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro de Estado, pela primeira vez ouvi aqui na Assembleia invocar o argumento de que «3 foi o número que Deus fez» para justificar uma proposta governamental.
É inédito!
Suponho que esta brincadeira serviu unicamente para encobrir a confissão do Governo de que tinha praticado uma brutal inconstitucionalidade ao propor uma comissão parlamentar que viola o princípio da representatividade que a Constituição, como reconheceu agora, consagra e que não pode ser ultrapassado. Como é que é possível um Governo mexer-se com tal ligeireza numa questão destas, quando há um preceito tão claro e quando a matéria é tão melindrosa?
É de facto espantoso, Sr. Ministro!
O segundo argumento que utilizou e que me surpreendeu foi o de que o serviço de informações visaria prevenir os atropelos à segurança dos cidadãos.
Entendamo-nos, Sr. Ministro, este é o mais velho pretexto gazua que os governos e os políticos da direita usam para justificar medidas de constituição de arsenais repressivos. Ouvi-o aqui nesta Assembleia rebater eficazmente este argumento em 1981 aquando dos debates da chamada legislação antiterrorista. Ouço-o agora a usá-lo, praticamente nos mesmos termos lamentáveis, para «justificar» - mal - uma medida que é em si mesma perigosa.
Porque, como se lembra, este argumento serviu para criar o tal arsenal repressivo, isto é, para criar corpos especiais de polícia, confusões de intimidação e repressão, mas não resolveu um só problema de segurança pública. Serviu apenas para criar a Direcção-Geral de combate ao banditismo, mas não serviu para evitar os atentados que o Sr. Ministro de Estado referiu, designadamente o da embaixada turca e o de Montechoro.
Entretanto, multiplicaram-se certas formas de criminalidade que campeiam livremente e o próprio Governo agrava factores criminógenos.
É, portanto, particularmente grave que um membro do Governo, como tem feito reiteradamente o Sr. Ministro da Administração Interna, invoque mais uma vez as questões de criminalidade desta forma confusa
- premeditadamente confusa, admitamos - para justificar medidas repressivas, ao mesmo tempo, aliás, que os responsáveis das polícias vêm falando na situação portuguesa à cauda da Europa nestas matérias.
Entretanto o Governo joga na insegurança dos cidadãos!
Por isso, pergunto-lhe muito concretamente, Sr. Ministro - aliás como já tinha perguntado, sem obter resposta, ao Sr. Ministro da Administração Interna -, se V. Ex." quer ou não expor à Assembleia da República com detalhe, rigor e precisão qual a situação actual do País em matéria de criminalidade, pondo

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cobro às confusões lamentáveis que o Governo vem impulsionando nesta matéria. Ou será que vai insistir na confusão e no jogar nos sentimentos de insegurança? E que nesse caso, Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares, o que eu teria a dizer é que argumentos desse tipo deixam-nos certamente perante a tal sensação incómoda que referiu, de sermos tomados por parvos, o que não é aceitável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares, creio que da parte da minha bancada já foi suficientemente clarificada uma certa mistificação que podia ficar no ar a partir da intervenção de V. Ex.ª, quanto à caracterização dos serviços que se pretendem criar como um serviço da República.
Creio também que já ficou claro que se trata, isso sim, de um serviço do Governo, controlado pelo Governo, na dependência do Primeiro-Ministro e sem qualquer tipo de fiscalização.
Posto isto, Sr. Ministro de Estado, gostava de lhe colocar uma questão que, sendo da sua área de competência. não pode deixar de nos preocupar neste debate - aliás, o tema é praticamente o mesmo, trata-se apensas de mudar o plural para o singular.
O Governo mostra-se muito interessado em ter um serviço de informações eficiente, que possa fornecer a esse mesmo Governo a informação sobre tudo acerca de cada, um dos cidadãos, designadamente sobre as suas actividades, mas não mostra igual empenhamento em facultar a esses, a quem a Constituição estabelece como direito e dever fornecer a informação ao povo português, as garantias que constitucionalmente lhe estão asseguradas.
Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares, porquê uma lei para que o Governo saiba tudo acerca de tudo? Porquê um anteprojecto de lei em que os que estão vocacionados em termos constitucionais e legais para transmitir a informação ao povo português, estão, nesse aspecto, limitados porque lhes é negado o direito de acesso às fontes de informação, sendo inclusivamente passíveis e sujeitos a penas de prisão pelo simples acesso a um documento, mesmo que não publicado.
Certamente que a partir deste projecto - e sabe com certeza que me estou a referir ao anteprojecto da lei da imprensa, aliás questionado por vários deputados e inclusivamente por sectores da sua bancada e da de PSD - o Governo não pode ficar na história pela bondade da política que pratica. Porém, é capaz de tentar ficar na história por criar um serviço que o mantém informado, pelo menos das opiniões de cada um dos cidadãos sobre essa política e o modo de conjurar as possíveis acções que esses cidadãos constitucional e legalmente prevejam contra essa mesma política.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de começar por agradecer aos Srs. Deputados o facto de me terem colocado questões. Penso que haverá outras oportunidades para esclarecer muitas delas, mas vou procurar responder desde já àquelas que souber.
Sr. Deputado Lino Lima, também gostei muito de o ouvir, pelo que o cumprimento é recíproco.
O Sr. Deputado afirmou que estive a dourar a pílula. Não, Sr. Deputado, não estive a dourar a pílula, estive apenas a pedir-lhes que aceitem o remédio.
O Governo tem algumas dificuldades, está doente em matéria de segurança e de criminalidade e, portanto, tem de tomar alguns remédios. Pareceu ao Governo que este seria o remédio exacto. Se não o é, penso que os governos também erram, como é evidente, e às vezes quem tem razão são os deputados.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - As vezes quem tem razão são os deputados da oposição!...

Risos do PS.

O Orador: - Sim, às vezes até os da oposição!
O Sr. Deputado Lino Lima perguntou-me se não será ingenuinidade minha vir aqui defender a criação destes serviços de informação. Bom, penso que a ingenuinidade neste campo tem sido do Estado. Há 10 anos que o Estado tem vindo a ser ingénuo e eu comecei exactamente por fazer essa afirmação.
Todas as democracias e não-democracias do Mundo têm serviços de informações, uns melhores outros piores, como sistema de autodefesas, porque na verdade desconhecer o que se passa à sua volta é a maneira de estarem franqueadas todas as violências. Penso, pois, que quem não tiver hoje um serviço de informações será ingénuo.
Portanto, não é ingenuidade minha vir aqui defender como fiz o serviço de informações que o Governo propõe a esta Assembleia que seja criado.
Para além disso, se entrarmos no Mercado Comum seríamos o único país da CEE que não tem serviços de informações. Seria o mesmo que, para usar uma expressão popular "entrarmos no mato sem ter cachorro". Acho que já chegam 10 anos desta ingenuidade, foi uma experiência que já basta.
É verdade que os serviços de informações têm tendência para se autonomizarem e irem além da pesquisa que lhes está cometida. É óbvio que assim seja. É uma evidência e longe de mim recusá-la. Mas para isso é que eles devem ser criados por uma lei; para isso é que eles não devem existir apenas como um facto consumado, como experiência que se vão substituindo umas às outras, sem que haja uma lei a criá-los, a estabelecer-lhes balizas e a, de certo modo, fiscalizá-los.
Reconheço que a fiscalização proposta neste diploma do Governo é bastante limitada, mas peço ao Sr. Deputado que reconheça em troca que, à excepção da Alemanha, nenhum outro serviço de informações europeu tem qualquer sorte de fiscalização. Não é mau, apesar de tudo, sermos apenas o segundo a impor uma tal fiscalização. Ela não é boa mas é alguma. Pior serão então os países que não têm fiscalização nenhuma e que não são atacados por esse facto.

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Em todo o caso, devo dizer-lhe que a proposta de lei do Governo está nas mãos deste Parlamento e que aquele não poderia ir fora de um certo alargamento dos poderes do órgão que vier a fiscalizar estes serviços.
Também eu entendo que a simples leitura, o simples conhecimento de um relatório, sem mais nada, equivale a muito pouco. Mas é óbvio que está implícito um mínimo, isto é, o direito de pedir esclarecimentos, e talvez se justificasse em certos termos a discussão de um outro relatório que a comissão apresentasse ao Plenário sobre as virtudes e os defeitos do relatório que recebeu.
Agora, não há dúvida que, embora na sua criação, na sua génese e nos seus controles esses serviços devem ser o mais possível cristalinos, também é óbvio que não podemos sequer imaginar serviços de informações que se comportassem em termos de quem olha através de uma vidraça. Seriamos então supinamente ingénuos se admitíssemos que um serviço deste tipo alguma vez podia funcionar.
O Sr. Deputado Lino Lima diz que não basta a Constituição. Bom, neste momento é o que temos. A Constituição defende-nos, a meu ver, das leis inconstitucionais e se esta lei o for - e ninguém a rotulou como tal até este momento, apesar de, em meu entender, ter uma pequena inconstitucionalidade que será com certeza corrigida - a própria Constituição a destruirá à nascença. Porém, se ninguém arguir a inconstitucionalidade, ou se alguém o fizer e ela não vier a ser declarada, é porque pelo menos a lei não tem o defeito de ser contra a Constituição. É uma primeira virtude que temos que emprestar-lhe.
Disse ainda o Sr. Deputado Lino Lima que a lei é vaga, que não delimita. Penso que o Sr. Deputado terá conhecimento das leis que por essa Europa fora criaram os serviços de informações. Devo dizer-lhe que esta lei portuguesa é das menos lacónicas que conheço. É próprio das leis que criam os serviços de informações serem extremamente lacónicas. Podemos tentar ser originais em tudo mas às vezes é perigoso ser original quando se trata de nos autodefendermos.
Por outro lado, foi dito que o Governo podia ter já mandado para a Assembleia da República as leis complementares. Só que isso seria de certo modo «pôr o carro diante dos bois». Penso que só depois de sabermos que serviços de informações vão sair daqui, é que se justifica a sua regulamentação. Eu próprio admiti que seria mais correcto que essa regulamentação fosse feita por decreto-lei. Penso que esta Assembleia deve impor essa norma, que o Governo aceita, para poder chamar aqui, a título de ratificação, a regulamentação que for criada.
Não há, portanto, a ideia de fugir a coisa nenhuma. Há sim a ideia de ser célere, porque já perdemos 10 anos e não temos mais 10 anos para perder.
Sr. Deputado Corregedor da Fonseca, já respondi à primeira das questões que me colocou sobre os diplomas complementares.
Perguntou-me ainda como é que vamos reestruturar o actual serviço de informações. Suponho que se refere ao serviço de informações militares.
Posso dizer-lhe a esse respeito que virão à Assembleia, a título de ratificação, ou no mínimo V. Ex.ª terá a possibilidade de ler no Diário da República, a regulamentação a que o Governo se propõe sujeitar
esses serviços. Desde já lhe digo que eles serão enquadrados no conjunto dos outros serviços e serão objecto da coordenação a que são sujeitos todos eles.
Na minha intervenção disse que provavelmente existem outros serviços ao que o Sr. Deputado perguntou se o Governo não sabe quais são esses serviços. Bom, o Governo lê o jornal como toda gente e, como é evidente, sabe que existem alguns. Presumo que possam existir outros, há gérmens de serviços que não são verdadeiros serviços. É evidente que todas as polícias judiciárias do mundo têm um gérmen de um serviço de informações, assim como as polícias de segurança têm todas elas um gérmen de serviços de informações. Mas é bom não nos iludirmos, porque não se trata de verdadeiros serviços de informações e não é com essa sorte de serviços ou de arremedo de serviços que o País se poderá defender da criminalidade e dos ataques à soberania, à independência nacional e aos valores que se salvaguardam com a criação dos serviços apresentados na presente proposta de lei.
Perguntou-me quais são os perigos da criação de um só serviço. Também aqui eu me abono com um direito comparado: os países que foram à nossa frente e que têm décadas de serviços de informações não aderiram à solução de um serviço único. A ideia de um serviço único é mais própria dos países de leste onde provavelmente a realidade social é diversa daquela a que temos que adequar os nossos serviços de informações.
Portanto, vamos na experiência dos países europeus que cuja acção nesta matéria há-de ter sido ditada com certeza por aquilo que eles sabem mais do que nós, porque, como disse, há décadas que vivem e coabitam com esses serviços, sem que, aliás, se tenha levantado contra eles as implicações de aqui se começam a esboçar.
Quanto à questão do porquê de 3 serviços, penso que já a expliquei. A graça da conta que Deus fez foi mal recebida pelo Sr. Deputado José Magalhães, mas, em todo o caso, queria dizer-lhe que referi isso não a título do número de membros da Comissão parlamentar - como me parece que decorre da sua intervenção - mas a propósito do número de serviços. Não tem nada a ver uma coisa com a outra e espero que o Sr. Deputado José Magalhães o reconheça.
O Sr. Deputado Corregedor da Fonseca disse também que «a garantia da legalidade democrática» é apenas uma frase. Será porventura uma frase, mas na lei tudo são frases. A verdade é que as leis, e sobretudo aquelas que são constitucionais, têm uma força que V. Ex.ª não vai com certeza recusar. Já esta Constituição nalguns casos e nalguns momentos pôde salvaguardar de alguns ataques intencionais, ou não, a legalidade democrática e nem por isso o dispositivo constitucional deixou de ser uma frase.
O Sr. Deputado Carlos Brito disse que o caso é dramático e muito sério. Ora, eu nunca recusei, nem poderia recusar, a seriedade do problema que temos aqui para discutir. Penso mesmo que a discussão deve ser levada tão fundo e tão longe quanto o necessário. Não tenho nada a ver com os limites, que, aliás, são da livre disponibilidade do Parlamento e dos Srs. Deputados, embora também reconheça que nem sempre as discussões mais dilatadas são aquelas que se processam nas melhores condições. Temos essa experiência e espero que também o reconheça. Às tantas cai-se no desinteresse e já ninguém ouve ninguém. Há, pois.

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um limite para a duração das discussões a partir do qual elas não se dignificam, antes pelo contrário.
Quanto à questão de porque é que o PS não previu no seu programa eleitoral a criação do serviço de informações, não sei, Sr. Deputado, mas diria que foi por esquecimento.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -- Essa é boa!

O Orador: - De tal modo considero que na opinião pública é popular a criação destes serviços - é uma convicção minha, talvez errada e peço que me desculpe se não coincide com a sua - que só por esquecimento posso encontrar explicação para a falta dessa previsão no nosso programa.

O Sr. João Amaral (PCP): - Tal como se esqueceram de prever no programa eleitoral a aliança com o PSD.

O Orador: - Isso não, porque não havia Governo se não fosse assim.
Quanto à questão de para quê outros serviços para além da Polícia Judiciária, da PSP, etc., etc., já referi que esses serviços não são verdadeiros serviços de informações tal como nós os concebemos, sobretudo porque não foram criados por lei e não estão sujeitos à fiscalização do Parlamento. Consideramos que é bom que o estejam e que só assim se podem considerar serviços de informações dignos desse nome.
Por outro lado, perguntou-me o porquê de mais este serviço. Peço-lhe que pergunte à França, à Itália, à Alemanha, à Inglaterra, à Holanda, à Bélgica, etc., porque penso que todos eles terão uma resposta fácil para essas suas preocupações e perguntas.
Quanto à questão que me colocou sobre se os serviços informativos das Forças Armadas não garantem o necessário, a minha resposta é negativa, sobretudo á partir do momento em que este Parlamento os proibiu de recolher, tratar e difundir informações que não sejam de natureza militar. Admito que em matéria militar cheguem e sobejem, mas tenho que salientar que, para além do âmbito militar, eles estão neste momento inibidos para qualquer outra actividade.
Levantou ainda o Sr. Deputado Carlos Brito o problema destes serviços de informações serem os mais governamentalizados de todos. Podíamos dizer que até agora temos vivido em regime de serviços de informações excessivamente militarizados e que vamos agora passar a viver em regime de serviços de informações talvez excessivamente civilizados - todos podemos dizer isso.
Porém, o que lhe quero dizer é que não acompanho, mesmo quando estou na oposição, o seu ponto de vista de que tudo o que é governamental é mau. O adjectivo governamental ou governamentalizado seria, no seu entender, por definição, uma chamada de culpa, de coisa má ou receável. Ora, penso que em democracia não é assim.
O Governo é um órgão de soberania como qualquer outro, mas como normalmente tem mais poderes na zona do executivo, comete mais erros, é mais criticado é mais responsabilizado. Mas em democracia os órgãos de soberania são em princípio todos iguais, têm todos a. mesma dignidade e não vejo razão estarmos aqui a pôr a chancela do "governamentalizado" como quem quer chamar aos serviços uma coisa feia.

Penso que estes serviços de informações nem sequer são governamentalizados, porque repare que parte deles são directamente liderados pelos chefes militares e, embora seja verdade que o controle de todos eles pertence ao Primeiro-Ministro, não vejo que daí advenha algum mal, como não veria que estivesse mal se qualquer outro órgão de soberania fosse encarregado dessa coordenação e desse controle. Por outro lado, o seu controle não estará na totalidade das mãos do Governo sobretudo se a fiscalização desta Assembleia puder ser um pouco mais efectiva do que aquilo que está previsto na proposta de lei.

Perguntou-me ainda se o Governo não se estará a preocupar em lutar contra os adversários políticos e, portanto, se esses serviços não seriam uma arma para lutar contra esses adversários. Como sabe, isso acontece nalguns países mas não é regra dos serviços de informações dos países democráticos. Somos um país democrático e queremos sê-lo cada vez mais. Portanto, aí tem a garantia de que não cairemos nos defeitos de outros que o não são.

Sr. Deputado António Taborda, agradeço-lhe por ter realçado a seriedade da minha intervenção e gostaria de lhe retribuir o mesmo cumprimento porque também a sua me pareceu extremamente séria. Só sendo-o poderia vir dos lados da oposição o reconhecimento de que não podemos continuar por mais tempo abertos e indefesos perante os serviços secretos estrangeiros, sem termos os nossos próprios serviços de informações.

Agradeço-lhe também que tenha reconhecido que está, em causa a independência nacional. Penso que é muito sério da sua parte esse reconhecimento.

Quanto à questão da comissão parlamentar, perguntou-me se não deveriam estar representados todos os partidos. Com efeito, se tiver que ser criada uma comissão parlamentar, é óbvio que têm que estar, sob pena de não poder ser uma comissão parlamentar.
Com toda a honestidade, a questão que ponho é a de saber se neste caso concreto o número necessário para a representatividade de todos os partidos não será excessiva, dado que se trata de um organismo de fiscalização que tem funções tão delicadas. Temos que ser realistas, situarmo-nos no terreno em que os problemas se situam, ouvirmos aqueles que têm experiência anterior a nós e que por alguma razão, à excepção da Alemanha, nunca aceitaram nenhuma espécie de fiscalização. Não saltemos nós também do "8 para o 80", neutralizando, com a preocupação de perfeccionismo, a virtude que deve e tem que haver no funcionamento dos serviços de informações como aqueles que pretendemos criar.
Quanto à questão sobre a posição passiva da comissão, estou de acordo. Acho que a simples leitura de um relatório, mesmo complementada por sequências que não pode deixar de ter, é insuficiente para o órgão de fiscalização que eu próprio imagino que deve existir sediado nesta Assembleia.
Finalmente, creio que já respondi igualmente à sua pergunta sobre o porquê de mais do que um serviço.
O Sr. Deputado João Amaral disse que já tinha lido a proposta de lei e que, portanto, parece que cometi um ultraje em voltar aqui a lê-la. A verdade é que não a li toda, mas apenas os aspectos que me pareceram mais salientes para tranquilizar os Srs. Deputados quanto às finalidades desta lei.

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Mas veja, Sr. Deputado, como na verdade é sempre preciso ler e reler as coisas. V. Ex.ª disse que eu reconheci que o Governo e o devorador. Veja como as coisas são, Sr. Deputado. O que eu disse foi que o Governo é um devorador de mitos!

Risos.

O Sr. Deputado devorou o .mito. Deixou o Governo só a devorar e não disse o que é que Governo deplorava.
Portanto, vale sempre a pena lembrar as coisas, não vá o Sr. Deputado lê-las mal; é que podia ter lido insuficientemente a lei. Sei bem que não foi esse o caso mas sempre fica a dúvida!
Perguntou-me o Sr. Deputado quais são, em concreto os limites. No contexto da lei, são os limites dos direitos, liberdades e garantias do cidadão constantes da Constituição e da lei. Esses são os limites.
Como é que se vão garantir, na prática, tais limites? Esta foi outra pergunta que também me foi colocada. Sr. Deputado, deixe vir a regulamentação e veremos até que ponto poderá ainda reforçar-se, para além da Constituição e da lei já vigente, qualquer garantia nesse domínio.
Quem vai ser fichado? Com que garantias? Para que efeitos? Não imagina, Sr. Deputado que lhe vou responder a essas questões. Calculo que não espere que eu lhe diga quem vai e quem não vai ter ficha. Com certeza que não lhe vou dizer isso, mesmo que fosse tão louco que alguma vez viesse a ter que ver com a coordenação destes serviços.
Porquê sem qualquer sistema de controle e fiscalização? Srs. Deputados, não há ausência de controle e de fiscalização. Há, excepcionalmente a previsão de um sistema de controle e fiscalização, e nisso só somos acompanhados pela Alemanha.
Repito que podemos melhorar o sistema aqui previsto mas que não devemos ir tão longe a ponto de a fiscalização destruir o fiscalizado ou a eficácia do funcionamento do fiscalizado.
Perguntou-me também quais são as garantias do cidadão, questão a que já respondi.
Quanto a se o Governo reconhece o risco de haver um ataque aos direitos fundamentais ou à quebra de salvaguarda dos direitos fundamentais. Esse risco existe sempre e é evidente que ele existe nos serviços de informações. Só que é por isso mesmo que estamos a criá-lo por lei, com limitações que defendem as garantias dos cidadãos e que estamos a prever um sistema de fiscalização.
Estamos, portanto, a criar uma segunda legalidade à luz da transparência democrática, àquilo que já existe sem estas garantias, sem estes requisitos.
O que me parece um mal é continuarmos a ter «n» serviços - não sabemos quantos porque mais que tenhamos não sabemos rigorosamente quantos são ou se alguns merecem o nome de serviços - e fugirmos ou termos medo da criação de um serviço criado por lei e fiscalizado pelo Parlamento que absorva todos esses ou coordene alguns dos que já existem. Isso é que me parece, na verdade, um contra-senso.
Sr. Deputado José Magalhães, já lhe disse que o número que Deus fez se referia ao número dos serviços e não ao número dos membros da Comissão.
Espero, portanto, que o efeito útil que julgou ter tirado da sua reprimenda regresse ao seu espírito e lá fique em arquivo.
Quanto à questão que me foi colocada sobre os partidos de direita e a prevenção dos atropelos à segurança dos cidadãos eu devo dizer que não são só os partidos de direita que se preocupam em prevenir tais atropelos através de leis de serviços de informações.
Neste domínio não há direita nem esquerda. Talvez só haja direita e esquerda para medirmos o montante e o peso dos defeitos do serviço que cada um cria, porque todos têm serviços de informações, menos o ingénuo Estado Português de há 10 anos a esta parte.
O Sr. Deputado afirmou que eu disse o contrário quanto à lei antiterrorista. Ora, eu cometi a imprudência de publicar os discursos que aqui produzi. O Sr. Deputado José Magalhães, se calhar, leve a bondade de os ler, tem à mão as citações e vai sempre buscar uma frase minha que julga estar em contradição com aquilo que eu digo. Devo salientar que é completamente diferente aquilo que eu possa ter dito em relação à criação de um serviço de informações e de uma lei antiterrorista, num momento em que me parecia que o terrorismo ainda não nos tinha feito a visitação que já nos fez, sobretudo depois dos casos da Embaixada da Turquia e do assassínio de Sartawi. Houve, tenho que reconhecer, um agravamento da situação.
Por outro lado, uma coisa é uma lei que reduz direitos - porque efectivamente reduzia direitos -, outra e um serviço de informações que esta lei recusa que tenha funções policiais, funções judiciais, que não pode servir para prender ninguém nem organizar processos penais, que não pode fazer nada disso. Este serviço recolhe informações, trata-se - porque uma notícia não e informação senão depois do tratamento - e difunde-as segundo a lei que criar e normalizar os serviços.
São coisas completamente diferentes. Não pode haver assim tanta contradição entre o que eu disse e o que agora afirmei. De qualquer modo, não me lembro se houve alguma contradição pois, também eu, às vezes, incorro no «pecado» da contradição.
Foi aqui dito que invoquei criminalidade de forma confusa e perguntou-se se o Governo está ou não disposto a falar aqui claramente sobre o problema da criminalidade? Bom, quando eu era Ministro da Justiça, tiveram a bondade de me chamar aqui para responder em sede de interpelação ao problema da criminalidade. Lá me defendi o melhor que pude. Penso que os Srs. Deputados poderão fazer o mesmo em relação ao actual Ministro da Justiça, que certamente terá muito gosto em vir aqui esclarecer o problema da criminalidade no país.
Em todo o caso, penso que o problema da criminalidade em Portugal, embora não tendo ainda a gravidade que tem noutros países, ameaça ter gravidade crescente sobretudo em matéria de crime organizado e crime violento. Não tanto no que diz respeito ao crime comum pois aí, felizmente, ainda nos podemos considerar uma razoável excepção.
Em matéria de crime organizado somos cada vez mais um «cesto roto», e talvez valha a pena começarmos a pensar em actuar um bocadinho a montante da própria criminalidade, a irmos à génese dos movimentos e dos grupos, sabermos quem entra, quem sai, porque

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entra e porque fica, que intenções tem, que mala traz dentro da mala que transporta.
Talvez valha a pena preocuparmo-nos um pouco com isso, preocupação que nada tem de inconstitucional ou de ilegal: é um Estado a defender-se de agressões que possam vir de cidadãos de outros Estados ou, até quando isso acontecer, do nosso próprio Estado.
Se quero ou não expor a situação do país em matéria de criminalidade? Se a Assembleia me convidar, não tenho dúvidas nenhumas em fazê-lo. Preparar-me-ei.

Uma voz do PCP: - Faça agora, de improviso!

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Aprecio muito o improviso mas gosto de falar das coisas com conta, peso e medida, depois de ter meditado sobre elas. Estou disposto a fazê-lo. Se o Sr. Deputado quiser, voltarei, já não como Ministro da justiça mas como Ministro de Estado.
Diz o Sr. Deputado Jorge Lemos que este não é um serviço da República. Devo dizer-lhe que já tivemos um projecto de um serviço da República e que, estando eu ...

O Sr. Presidente:- Sr. Ministro, desculpe interrompê-lo, mas terminou o seu tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, se V. Ex.ª me concedesse mais 2 minutos, ficar-lhe-ia imensamente grato, sobretudo se o Parlamento não se opuser.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, na reunião dos líderes parlamentares foi decidido que os tempos das intervenções seriam rígidos.

O Orador: - A rigidez não comporta mais 1 minuto, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Embora me custe, Sr. Ministro, foi uma decisão tomada.

O Orador: - Muito bem, Sr. Presidente. Nesse caso, termino a minha intervenção pois respeito a rigidez do Parlamento.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dá-me licença Sr. Presidente? É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Apesar de o seu pedido de palavra ter sido feito no meio de uma intervenção, tem V. Ex.ª a palavra, uma vez que suponho que deseja intervir sobre este assunto.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente. E que deve haver sobre este assunto uma má interpretação da Mesa.
Com efeito, o que se passou ontem, na conferência dos líderes dos grupos parlamentares, foi o seguinte: a maioria queria limitar o tempo do debate e pela nossa parte, afirmámos que o único limite que aceitaríamos, seria o dos nossos direitos regimentais.
O Sr. Presidente afirmou, por sua alta recreação, que iria, então, aplicar rigidamente as figuras regimentais.
Não houve qualquer tipo de anuência ou não por parte dos diferentes representantes dos partidos a esse seu direito.

Neste momento, não temos qualquer objecção a que o Sr. Ministro acabe de expor o seu ponto de vista. Aliás, está a responder a questões que lhe foram colocadas pela Assembleia, que terá todo o interesse em que tais questões fiquem claras.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, foi mais ou menos assim o que se passou. Com efeito, não houve qualquer oposição à minha declaração de que, para não alargar o tempo de discussão, seriam cumpridos rigidamente os tempos regimentais - e não o têm sido, como VV. Ex."' têm observado.
Em todo o caso, penso que o Sr. Ministro terá ocasião de voltar ao assunto e, sendo assim, não há necessidade de infringir esse princípio regimental.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Peço a palavra para uma rápida interpelação, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, verifica-se que este debate se reveste de grande seriedade e que é extremamente importante.
Na reunião de líderes efectuada ontem, as coisas passaram-se realmente como o Sr. Presidente e o Sr. Deputado Jorge Lemos referiram.
Sr. Presidente, pela nossa parte entendemos que o Governo e nomeadamente o Sr. Ministro devem expor a esta Câmara, com os argumentos que entenderem, todas as informações de que necessitamos para depois podermos intervir concretamente sobre a matéria, munidos com os novos dados que o Governo nos venha conceder.
Por essa razão entendemos que o Sr. Ministro deve continuar a usar da palavra e que o debate deve decorrer com a seriedade e importância a que qualquer proposta do Governo sempre obrigará esta Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há quaisquer limitações de tempo para discutir este problema senão aqueles que estão contidos no Regimento.
Creio que em nenhuma reunião dos presidentes dos grupos parlamentares se decidiu infringir o regulamento. Daí, ser dentro dos parâmetros que o regulamento impõe que deveremos prosseguir os nossos trabalhos e há mais que tempo e oportunidade para discutirmos com a seriedade e importância que este debate merece sem termos necessidade de o infringir.
Como o Sr. Ministro de Estado teve a amabilidade de aceitar as limitações de tempo, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Carlos Brito, para um protesto.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro de Estado Almeida Santos: Pedi a palavra para, muito rapidamente, dizer que, a meu ver, tem um enorme significado político o facto de o Sr. Ministro de Estado não ter encontrado melhor argumento para justificar que o PS não tenha incluído no seu programa eleitoral a questão dos serviços de informações, senão o de que o PS se esqueceu.

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É, na verdade, de um imenso significado político, que é tanto maior quanto é certo que o Governo, logo a seguir, também se esqueceu, de incluir esta matéria dos serviços de informações - questão tão delicada e importante, como o Sr. Ministro acabou de dizer - no Programa do Governo.
Portanto, a Assembleia da República deu a investidura parlamentar a este Governo, sem saber que era sua intenção criar os tais serviços de informações. Isto tem um imenso significado político até porque, por exemplo, o caso Sartawi já se tinha verificado nessa altura.
Vir agora buscar esse argumento para invocar aquilo que teria puxado pela lembrança do Governo, também me parece muito artificial.
Por isto mesmo, quero também dizer-lhe, Sr. Ministro, que o Partido Socialista sempre foi muito crítico e sensível nesta questão, excepto agora que este no Governo e que quer criar, a todo o vapor, os serviços de informações.
Lembro-me até que, quando foi criado na Polícia Judiciária esta direcção especial, Portugal Hoje dizia, aos gritos: uma nova Pide! É claro que não era o Partido Socialista, era o Portugal Hoje. Mas sabemos das conotações existentes com este jornal a que certamente o Sr. Ministro não vai negar.

Protestos do PS.

Creio, pois, que tudo isto deve alertar a opinião pública e a Assembleia para a importância e delicadeza desta questão, tanto mais que o Sr. Ministro não foi capaz de rebater as observações que lhe fiz no sentido de que, na concepção do Governo, estes serviços de informações não são um serviço da República nem um serviço do Estado. São, afinal, um serviço ao serviço do Governo e, como se trata fundamentalmente - dado que existem outros serviços - de informações sobre actividades políticas, as preocupações da Assembleia da República e do país devem ser maiores, a severidade do julgamento desta proposta do Governo deve ser mais premente.
É essa a posição que tomaremos ao longo dos tempos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, M outros Srs. Deputados inscritos para protestarem. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra, também para um protesto, o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Ministro de Estado, dada a limitação do tempo, pedi a palavra sob a forma de protesto regimental para lhe poder colocar algumas questões.
O Sr. Ministro falou da questão da Comissão Parlamentar e, como não podia deixar de ser, aceitou que, de facto, o preceito constitucional obriga à representatividade de toda a Assembleia nessa Comissão.
Mas pôs depois o problema do realismo, ou seja, o problema de que quanto mais alargada for a Comissão, menos eficácia poderá ter.
A ser assim, teríamos de rever o artigo da Constituição que obriga à representatividade, de contrário tal não é possível pois esse artigo existe na Constituição e terá de ser cumprido, ao que me parece.
Sr. Ministro, a propósito do alargamento, também lhe queria colocar um problema, não só quanto à questão dos 3 serviços indicados na proposta mas acerca do próprio Conselho Superior de Informações, nele também previsto.
Quanto aos serviços, parece-nos que um só serviço seria mais do que suficiente. E digo isto, não só pelos argumentos que aduzi no primeiro pedido de esclarecimento mas também porque há casos concretos, que V. Ex.ª conhece, de países em que existe mais do que um serviço de informações e em que - dada a informação aqui prestada, e que eu desconhecia, de que V. Ex.ª gosta muito de ler romances policiais e com certeza de ver filmes policiais - há uma guerra latente entre os serviços. Refiro-me por exemplo aos Estados Unidos em que há uma guerra latente, e não só, entre dois serviços, a CIA e o FBI.
Ora, aqui em Portugal, existindo 3 serviços de informações, poderá vir a acontecer o mesmo.
Uma última questão, esta mais de carácter geral, e a seguinte: na primeira parte da sua intervenção inicial o Sr. Ministro falou da delicadeza do problema que hoje estamos a debater.
Em face disso, só lhe pergunto se V. Ex.ª e o Governo não entendem que num caso destes, para além da transparência, não deveria existir também um máximo de consenso desta Assembleia na redacção desta lei.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos, também para um protesto.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar o meu protesto tem lugar porque entendo dever dar ao Sr. Ministro Almeida Santos oportunidade de responder à questão que lhe coloquei e à qual, por falta de tempo, não pôde responder-me.
De qualquer modo, há que chamar a atenção do Sr. Ministro para alguns aspectos.
No anteprojecto da lei de imprensa, o Governo manifestou-se tão cuidadoso em prever hipóteses e de entre elas a de, inclusivamente, o jornalista ser obrigado a quebrar o seu sigilo profissional em determinados casos.
O sigilo profissional é um direito constitucional do jornalista. O Governo não tem nada a dizer sobre isto? Discutindo-se como se discute agora a questão de saber se o Governo pode ou não ter acesso a todas as informações no quadro da indefinição de conteúdos, de objectivos, de limites que ao longo deste debate tem ficado claro, eu pergunto: então, ao Governo dá-se acesso a todas as informações enquanto àqueles que têm o dever de informar o povo português, se limita, por um lado, o direito de acesso às fontes de informação e, por outro lado, o direito ao sigilo profissional?
Como é, Sr. Ministro de Estado? Para o Governo tudo, para os profissionais da Comunicação Social nada? Em que ficamos?

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um protesto, o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro de Estado, critiquei um dos pressupostos subjacentes a esta proposta governamental.
O Governo chega aqui - isso aconteceu há dias e aconteceu agora outra vez - e diz que não podemos ser ingénuos, é preciso um serviço de informações porque há um aumento terrível da criminalidade, presente e prospectivo. Logo: serviço de informações!
Eu perguntei em que dado e em que informações - é essa a palavra - se funda o Governo para perante a Assembleia da República dar esta informação e estabelecer um nexo entre um eventual aumento de criminalidade e a necessidade que sustenta - quanto a nós mal - de criação destas estruturas nestes termos.
O Sr. Ministro de Estado limitou-se a responder-me: chame cá o Sr. Ministro da Justiça.
Mas o problema reside precisamente aí: nós já o chamámos e o Governo, que na altura não deu explicação cabal, insiste no mesmo jogo que nós apelidamos de confusionista. Mantemos tal afirmação, que importa demonstrar. E, quanto a nós, a demonstração está, em primeiro lugar, no facto de que ao longo destes anos - e o Sr. Ministro de Estado reconhecerá isso foram criados dispendiosos corpos especiais de repressão e isso não teve a mínima influência no combate à criminalidade comum. Pelo contrário, houve segmentos dele que aumentaram e, com efeito, foram desviados meios que deviam ser empenhados no combate a essa criminalidade comum defendendo a tranquilidade dos cidadãos. Pagamos um elevado preço por isso. Os tribunais sofrem drásticas torções orçamentais e a justiça ressente-se disto. Entretanto, são criadas essas estruturas especiais que não visam o combate à criminalidade comum mas fins manifestos de intimidação e de repressão.
E nós perguntamos como é que, nestas circunstâncias o Governo ousa vir invocar a criminalidade que a sua própria política fomenta, quer nos seus traços gerais por agravamento dos factores criminógenos quer por falta de medidas especiais de combate e ataque às causas directas?
Como é que o Governo, sendo responsável por esta situação - e isto não é negável nem é escamoteável -, ousa vir aqui dizer em tom apocalíptico que vai haver algo que é, em parte, fruto da acção do Governo e que não se resolve com os serviços de informações.
E que, o Sr. Ministro de Estado - e com isto concluo -, não foi certamente por falta de informação que os atentados lamentáveis de Montechoro e o caso da Embaixada da Turquia se verificaram.
Perguntamos como é que o Governo se pode recusar, neste momento, a dar à Assembleia da República informações rigorosas e exactas sobre um dos argumentos fundamentais com que defende esta proposta.
A resposta tem de ser dada já, Sr. Ministro de Estado. Não pode ser depois.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para responder o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares - Antes de mais, Sr. Deputado Carlos Brito, dizer-se que tem imenso significado político alguém

ter-se esquecido de incluir determinada matéria no seu programa é valorizar demasiado o esquecimento até porque se trata, como sabe, de um acto involuntário e, normalmente, os actos involuntários não são passíveis de culpa nem de responsabilidade.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - E a reincidência?

O Orador: - Não estou a ver como é que pode ter imenso significado o facto de alguém se ter esquecido de qualquer coisa.

Protestos do PCP.

Disse-se também que a Assembleia quando aprovou o programa do Governo não sabia que era intenção deste aprovar um serviço de informações.
Acontece que o Governo não aprova coisa nenhuma. O Governo propõe a esta Assembleia que o faça, e melhor fora que o Governo tivesse que enunciar, no seu programa, todas as propostas de lei que tencionava apresentar ao Parlamento para que pudesse funcionar como Governo!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O PS, quando na oposição parece que teria tido outras atitudes. No Portugal Hoje falava-se numa nova PIDE. Isto não é um serviço da República porque se fosse um serviço da República seria excelente, mas não é, é um serviço do Governo.
Acerca disto devo lembrar-lhe, Sr. Deputado, que quando se aproximou de um Governo de que eu fiz parte um serviço da República, eu, então Governo, lhe dirigi as mais duras críticas porque desse, sim, eu tive medo.
Em primeiro lugar porque era único, porque embora se chamasse da República seria tudo menos da República, porque era presidido por um indivíduo que tinha a categoria de Primeiro-Ministro e que punha todas as polícias e todos os órgãos parapoliciais a recolher informações, limitando-se tal serviço a, olimpicamente, tratá-las e dar-lhes depois o devido destino. Entre isso e os serviços que agora propomos que se criem, não há nenhuma espécie de semelhança. Sr. Deputado Carlos Brito.
Portanto, ainda bem que nesse sentido não é um serviço da República.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ao Sr. Deputado António Taborda, que interveio também sob a forma de protesto, quero dizer-lhe que não tenho nada a contraprotestar às suas afirmações.
V. Ex.ª disse que eu invoquei aqui o realismo. É que, Sr. Deputado, os serviços de informações situam-se normalmente no domínio do realismo.
Nenhum Governo, nenhum Parlamento, nem nenhum político aprova com exaltação a criação de um serviço de informações, tal como ninguém toma um remédio amargo.
A criação de um serviço de informações é um remédio amargo que os países têm que tomar quando têm necessidades de se defender dos seus inimigos. E o que acontece agora. Há dez anos que somos ingénuos. Resolvemos propor a esta Assembleia que o país dei-

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xasse de o ser. A Assembleia dirá se acha ou não que é tempo de alinharmos com todas as democracias que tem serviços semelhantes a estes.
Falou-me na CIA e no FBI e disse que estes serviços se disputam. Não sou muito versado em problemas de CIA e FBI mas quero só dizer que se eles se disputam, não estará nessa disputa entre eles a garantia de que alguns direitos dos americanos não têm sido calcados e o seriam se o serviço de informações fosse um só!
Deixo-lhes este problema, Srs. Deputados.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Ou são duplamente!

O Orador: - Quanto à delicadeza do problema além da transparência e do máximo consenso, seria excelente, Sr. Deputado que a lei que daqui saísse pudesse ser a expressão de um consenso máximo! Quem nos dera que isso acontecesse. O Governo ficaria feliz com isso, o consenso é necessário, mas serviços de informações que funcionem, são, necessariamente, mais precisos ainda!
O Sr. Deputado Jorge Lemos quis dar-me uma oportunidade, o que lhe agradeço pois há muito que discutir neste domínio.
Se VV. Ex.ªs assim o desejarem, proponham uma interpelação sobre a lei de imprensa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Já não temos hipóteses!

O Orador: - Mas, o MDP/CDE faz-vos esse favor!

Risos do CDS.

Virei aqui debater convosco a lei de imprensa. Não tenho nenhum rebuço quanto aos dois pontos referidos pelo Sr. Deputado Jorge Lemos que terá muitas surpresas no dia em que debatermos calmamente e sem nenhuma paixão o anteprojecto - porque é só um anteprojecto que se trata - da lei de imprensa.
V. Ex.ª, Sr. Deputado, terá então muitas surpresas desagradáveis. Desagradáveis, não contra o Governo mas contra as suas próprias convicções.

O Sr. João Amaral (PCP): - Mas esta pressa!

O Orador: - Sem esta pressa, obviamente!
Aliás, a pressa só é regimental, não é minha.
Falou-se no acesso às fontes de informação e disse-se que o simples facto de haver um acesso a um documento pode dar prisão.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado Jorge Lemos, quero dizer-lhe que no anteprojecto o acesso é muito mais alargado porque refere o acesso, não apenas às fontes oficiais de informação mas a todas as fontes da informação.
Por outro lado, quero dizer-lhe que a circunstância de ser punível o simples acesso a uma informação proibida já hoje é penalizado na lei de imprensa.
Mas o Governo não está, necessariamente, amarrado à dosimetria que tenha proposto; se se entender que a pena é excessiva, reduza-se ou mesmo anule-se, mas não se diga que se inventou uma nova penalidade que não existia porque tal penalidade já existe na lei actual.
Outro aspecto tem a ver com o facto de o jornalista que quebrar o sigilo profissional se sujeitar a ser punido. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que não se pretende que o jornalista quebre o sigilo profissional, ou melhor, que o jornalista seja obrigado a quebrá-lo nos tribunais, é uma opção.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não é essa a questão.

O Orador: - Não, a questão é diferente. Vou dizer-lhe o que acontece. O que se diz no anteprojecto é que o jornalista é obrigado a fornecer aos tribunais os elementos necessários à descoberta de crimes públicos. Mas não se diz que ele e obrigado a denunciar a fonte.
Isso não se diz nem se poderia dizer porque o princípio enunciado é exactamente o da salvaguarda da fonte.
Agora, quando não se quer ler o que está nos anteprojectos e se quer fazer um vendaval de paixão, isso é sempre fácil.
Sugiro-lhe mais uma vez, Sr. Deputado, que façamos aqui um debate alargado sobre este assunto.

O Sr. Jorge Lemos (PCP):-O PS que o proponha!

O Orador: - Não tenho qualquer receio. Desejo esse debate e o Governo também, e V. Ex.ª vai ter algumas surpresas desagradáveis.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por último, responderei ao Sr. Deputado José Magalhães, que não merece ser esquecido.
Perguntou V. Ex.ª em que informações se baseia o Governo para ligar o aumento da criminalidade aos serviços de informações.
É preciso mais do que ler o Correio da Manhã?!

Risos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso é publicidade gratuita ao Correio da Manhã!

O Orador: - É preciso mais do que ler as notícias sobre o terrorismo que já vai existindo entre nós para sabermos que o crime organizado e violento está a subir entre nós e que estamos a ser devassados pelos guerreiros do grande crime internacional, para sabermos que a droga está a subir no nosso país e a agravar-se, sobretudo em perigosidade?
Será necessário, Sr. Deputado, estarmos aqui a fazer a demonstração de tudo isto para ligarmos uma coisa à outra?
Não foi por falta de informação que o Sartawi foi morto. O Sr. Deputado pode, em consciência, afirmar isso? Eu não posso!

Vozes do PS: - Muito bem!

Uma voz do PCP: - Como é que pode afirmar isso?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

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O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A matéria que hoje nos ocupa é, ninguém o duvida, uma das mais importantes e delicadas de quantas esta Assembleia tem abordado.
E a este propósito eu não queria deixar de sublinhar a presença aqui do Sr. Primeiro-Ministro que para mim significa, de facto, por parte do Governo o reconhecimento da importância de que este debate se reveste. Por isso não me podia deixar de me congratular com esta presença.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Infelizmente, já não poderei dizer o mesmo de todos os deputados nem de todas as bancadas quando, justamente por essa importância, seria de esperar de todas as bancadas uma maior presença e uma maior participação.

Vozes da UEDS e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas, dizia eu, uma das matérias mais importante e porque toca de perto - de muito perto - direitos e garantias fundamentais dos cidadãos mas também uma das mais delicadas porque uma sociedade traumatizada por 50 anos de ditadura, que teve nos serviços de informação um dos mais poderosos e firmes esteios, não pode deixar de ser particularmente sensível a tudo quanto a esta questão diga respeito.
Delicadeza e importância que, do meu ponto de vista, aconselham que neste caso, talvez mais do que em qualquer outro, sejamos capazes de um grande esforço de serenidade, de um grande esforço para abordarmos a discussão desapaixonadamente, de um grande esforço, enfim, para resistirmos à tentação maniqueísta de afirmarmos que os serviços de informações são por definição e sempre abomináveis ou bem ao contrário, que valendo eles o que valerem os regimes e os sistemas políticos que servem, são sempre inócuos, ou mais do que isso, desejáveis e louváveis quando se inscrevam num quadro democrático.
Simplificação abusiva que esquece, como já vimos escrito algures, que não poucas vezes a sociedade se abriga por detrás de leis e instituições repressivas para não ter que se servir delas e depois acaba por delas se servir; que como frequência o próprio poder democrático é tentado a exorcisar a violência dos outros sem se preocupar da sua própria violência e que não raro é longo - muito longo - o tempo que uma sociedade que receita pela sua segurança, uma sociedade condicionada pelo medo, muitas vezes artificialmente empolado, leva para se aperceber onde acaba a repressão do crime e onde começa o abuso do direito.
Pela nossa parte é recusado os raciocínios esquemáticos e desapaixonadamente que procuraremos intervir neste debate.
Debate que nos negamos a entender como um confronto governo-oposição.
A Assembleia da República ao bordar esta ordem do dia fá-lo - é óbvio, evidente e indesmentível por iniciativa do governo, mas ao legislar sobre a matéria nela contida, não está - não deve estar - a legislar para este Governo.
Como não está nem deve estar a legislar para um outro governo em concreto. Está a legislar para qualquer governo que o sufrágio universal venha a legitimar. Daí que todas as considerações que se façam sobre a bondade ou maldade deste executivo, não devem em caso algum, constituir alicerce que sirva de suporte às soluções que a Assembleia venha a acolher.
Não suspeitamos - e quero dizê-lo desde já - o Primeiro-Ministro de inconfessáveis propósitos, quando nos trás aqui esta proposta de lei. Se estivessem em causa, tão-só, os sentimentos democráticos, antifascistas do Sr. Primeiro-Ministro, não seríamos nós, seguramente, que recusaríamos o nosso voto.
Mas não é a pessoa do Primeiro-Ministro, nem os seus propósitos que estão em causa.
O que está em causa é a natureza do serviço de informações que porventura venha a ser criado, o uso que dele porventura possa ser feito, não por este governo, não por um outro governo, mas por qualquer governo.
Não recusamos, por princípio, a existência de um serviço de informações.
Pensamos que ao proliferar de serviços que não se assumindo como tal, agem, na prática, de forma incontrolada e opaca, como serviços de informações, é bem preferível um serviço de informações de contornos e estruturas claramente definidas, funcionando sob um inequívoco controle democrático.
Não colocamos o debate em termos dilemáticos: sim ou não a um serviço de informações.
Para nós a questão não se coloca a este nível.
Para nós e tivemos já ocasião de o afirmar aqui mesmo, os verdadeiros problemas são o saber-se qual a estrutura, organização e funcionamento dos serviços de informações; o uso que deles é possível fazer-se; o controle democrático a que estejam ou não submetidos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dito isto devo acrescentar de imediato que a proposta de lei deixa, nos aspectos que referi, mais do que muito a desejar: nem a estrutura e funcionamento dos serviços de informações resultam claros, por isso que remetidos para futuro decreto regulamentar; nem o âmbito de acção desses serviços aparece delimitado com um mínimo de transparência já que nada se adianta quanto ao que possam ser consideradas «acções atentatórias da ordem democrática», o que se entende por «segurança do Estado» ou o que são «informações estratégicas necessárias à defesa nacional», afinal tudo conceitos que servem para definir a esfera de acção dos serviços de informações.
Por outro lado, não pode o controle democrático e parlamentar dos serviços de informações ser reduzido a uma comissão parlamentar cuja competência se esgota na leitura de um relatório anual elaborado por aqueles serviços, nem, finalmente - e digo finalmente apenas para me não alongar -, o acesso dos agentes ou funcionários das diferentes polícias aos dados recolhidos pelos serviços de informações pode ficar dependente tão-só de uma vaga autorização, de uma não menos vaga autoridade superior quando se pretenda, como muito justamente se parece pretender (e outro não pode ser concerteza o sentido do artigo 13.º) separar de forma clara a actividade policial e judicial da actividade dos serviços de informações. Separação tanto mais importante quanto é certo que

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se um serviço de informações não é necessariamente uma polícia política pode bem ser um caminho aberto para ela.
Porque tudo quanto vem de ser referido são aspectos para nós fundamentais e porque é vago e impreciso o modo como a proposta de lei os aborda nunca esta poderá merecer o nosso acordo sem alterações profundas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares, falando em nome do Governo, manifestou há pouco alguma abertura ao diálogo, alguma vontade de acolher as soluções que permitam defender os cidadãos de possíveis atropelos às suas liberdades veremos até que ponto essa abertura e essa vontade se concretizarão. Não nos assiste o direito de delas duvidarmos neste momento.

O nosso propósito é de contribuir de forma positiva para o debate, de ajudar à procura das melhores respostas para as questões que se colocam.

Nos aspectos que enunciámos: estrutura, organização, funcionamento dos serviços de informações, estatuto e recrutamento do pessoal; controle democrático do seu uso, designação dos seus responsáveis, utilização das informações recolhidas, âmbito da sua acção, residem para nós as questões-chave.
Do tratamento que ao cabo e ao resto lhes seja dado, resultará a verdadeira natureza do serviço de informações a criar, a minimização ou não dos riscos que um tal serviço sempre comporta.

Por isso mesmo nos parece, desde logo, inaceitável que tal como se faz no artigo 16 º da proposta de lei se remeta para decreto regulamentar a "organização, funcionamento, quadros de pessoal e respectivos estatutos dos serviços de informações".

Trata-se de matérias que pela relevância que assumem devem ser objecto de discussão nesta Assembleia e por consequência conformadas em lei aqui aprovada. Que o Governo, em vez de legislar por iniciativa própria apresente à Assembleia da República em prazo razoável proposta de lei contemplando aquelas matérias.

E não se argumente que tal precaução é desnecessária e que bastaria substituir o decreto regulamentar por um decreto-lei para tudo estar acautelado, já que o instituto da ratificação sempre permitirá à Assembleia da República chamar a si à discussão de tais questões.

Todos nós conhecemos a natureza e os limites desse mecanismo; todos nós sabemos que a admitir-se o argumento haveria de reconhecer-se como sem sentido a existência de matérias da reserva relativa e absoluta da Assembleia, já que sobre todas elas esta, se pode em última instância pronunciar, usando do direito de ratificação das iniciativas legislativas governamentais.

Mas não basta em nosso entender que se acautele através de um debate aprofundado, susceptível de conduzir a adopção das melhores soluções ao menos no domínio da teoria, a orgânica e estatutos dos serviços de informações para que se tenha assegurado do mesmo passo, que o seu funcionamento não atropelará direitos e garantias dos cidadãos.
Tão importante, senão mais do que essa estrutura e organização será sempre, teimamos em pensá-lo, o uso que dela venha a ser feito. E neste aspecto só um controle real e democrático poderá reduzir significativamente o risco de desvios.

Controle democrático que se não comparece com a solução proposta pelo Governo.
Na verdade limitar esse controle à apreciação por uma comissão parlamentar de um relatório anual elaborado pelos serviços de informação é transformá-lo numa simples paródia de fiscalização. Para que possa ser algo mais, haverá que conceder a essa comissão parlamentar o direito de requerer (e o direito de obter) as informações que considere necessárias ao desempenho das suas funções.
Porque aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ou se reconhece ao Parlamento através de uma comissão por ele eleita o direito de fiscalizar - com tudo o que isso significa e implica - a actuação dos serviços de informações ou se lhe nega esse direito. O que em nenhuma circunstância se pode admitir é que nesta matéria haja soluções mitigadas e menos ainda apenas falsas aparências.
Pela nossa parte consideramos pedra- toque do funcionamento democrático das instituições o autêntico controle parlamentar dos serviços de informação. No sentido de permitir que esse controle seja real vai a nossa proposta de alteração do artigo 3 º
Mas não ficam por aqui as alterações que reputamos necessárias.
Se importa distinguir, sem ambiguidades, funções policiais, funções judiciais e funções de informação, regulando de forma rigorosa o acesso aos dados recolhidos pelos serviços de informação por parte dos que exerçam aquelas primeiras funções, esse acesso não porte ficar apenas condicionado por uma vaga autorização de uma não menos vaga autoridade superior, tal como o faz o artigo 12 º da proposta de lei.
O melindre das questões em causa obriga a que quem assume a responsabilidade máxima pelos serviços de informação - o Primeiro-Ministro - assuma igualmente a responsabilidade daquela autorização, caso a caso, definindo-lhe com rigor o âmbito e o objectivo. Esse o conteúdo da proposta de alteração por nós avançada.
Sublinhar a importância que assume a direcção dos serviços de informação seria desperdiçar o meu e o vosso tempo Srs. Deputados. Dessa importância ninguém duvidará, ninguém por certo ousará minimizá-la.
E nosso entendimento que ao Primeiro-Ministro deve caber nesta matéria a primeira e última palavra mas que não deverá ser ele o único responsável pela nomeação dos directores dos serviços de informações e que nem só perante ele estes devem responder.
Ao Primeiro-Ministro deverá caber, em nosso entender, a sua escolha. Ao Primeiro-Ministro deverá ser reconhecido o direito de os exonerar a qualquer tempo, mas aquela escolha deverá ser confirmada pela Assembleia da República e à Assembleia da República deverá ser reconhecido o direito de em determinadas circunstâncias determinar a exoneração daqueles directores.
Argumentar-se-á porventura que se trata de um mecanismo pesado aquele que propomos. Mas nesta matéria as simplificações, os processos expeditos são por de mais perigosos.
A par das questões que aqui levantámos outras existem exigindo clarificação que esperamos possam surgir ao longo do debate. De entre elas referirei apenas para terminar as que respeitam às matérias objecto da actividade dos serviços de informação: o que se entende por "acções atentatórias da ordem

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democrática"? O que se entende por "segurança do Estado"? O que se entende por "informações estratégicas necessárias à defesa nacional"? São perguntas que não devem ficar sem resposta.
E que razões explicam e justificam a existência de 3 serviços de informações no lugar de um único? É outra interrogação que aqui deixo.
É uma interrogação para a qual nós próprios não temos respostas claras. Mas, perdoe-me, Sr. Ministro de Estado, é pergunta para a qual nos não chega a resposta de o número três ser o número que Deus fez.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procurei, atrevo-me a admiti-lo, trazer ao debate um contributo positivo; recusando as ideias feitas, as críticas simplistas, as apreciações demagógicas do acolhimento que as nossas propostas venham a merecer por parte do Governo e da maioria dependerá a nossa posição final.
Uma coisa no entanto é certa: recusaremos sempre os argumentos da eficácia; e recusaremos sempre todas as soluções que em nome dessa eficácia comprometam, não as garantias mínimas mas as garantias máximas - porque na matéria que nos ocupa todas as garantias são poucas - as garantias máximas, dizia, de que um futuro serviço de informações actuará no respeito dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Em regime democrático quando a eficiência se choca com estes direitos terá sempre que ser a eficiência a ceder o passo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que termine com uma citação do Presidente François Mitterrand. Citação que gostaria de não ver esquecida ao longo deste debate e sobretudo nas conclusões deste debate:
Um regime democrático reconhece-se no facto de que respeita em quaisquer circunstâncias os princípios que são a sua razão de ser e atribui à liberdade, sobretudo à liberdade dos seus adversários, um preço inestimável.

Aplausos da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, ouvi com toda a atenção a sua intervenção, acompanhei os argumentos que desenvolveu e, mau grado a divergência de pontos de vista em muitos aspectos, são argumentos sérios.
Afirmou a carta altura que a questão não é conjuntural, não é uma questão deste Governo em concreto nem de qualquer outro governo em concreto.
Mas, queria perguntar-lhe, Sr. Deputado, o que acha da coincidência de uma série de iniciativas que estão a ser tomadas por este Governo no domínio da segurança interna, em que esta iniciativa da criação dos serviços de informações é a primeira, mas a que outras se seguirão, como foi há pouco anunciado, com uma situação social extremamente grave - a mais grave situação social que temos no país desde há dez anos -, em que o desemprego ronda o meio milhão de pessoas e com tendência para crescer rapidamente, segundo todas as informações, com um grande número de trabalhadores que não recebem salários - entre 130 000 e 150 000 -, com um empobrecimento geral da população que toda a gente regista, com lutas muito

activas dos trabalhadores para fazer face a injustiças sem nome que estão a ser praticadas contra eles - designadamente esta dos salários em atraso -, com acções policiais de repressão assumindo grande violência, como a que aconteceu na Avenida da Liberdade a semana passada contra trabalhadores da Sorefame e a que aconteceu hoje mesmo, há poucas horas, em Leiria, onde trabalhadores da Marinha Grande com salários em atraso foram brutalmente carregados pela Polícia de Intervenção, donde resultaram 12 trabalhadores feridos, alguns deles, ao que parece, gravemente, segundo informação que me acaba de chegar.
Não se trata de discutir questões conjunturais, Sr. Deputado. Mas a criação de torto este aparato repressivo, de todas estas medidas no domínio da segurança interna, com esta situação social, não legitima que se interrogue e se diga "Alto lá. Para onde é que nós vamos? O que é que isto significa?" Não há nenhuma relação entre estas coisas?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para responder, Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Carlos Brito, não estamos aqui, neste momento - ou pelo menos eu não estou - para fazer processos de intenções ao Governo.

O Sr. Jorge (Lemos (PCP): - São actos, não são intenções!

O Orador: - Sr. Deputado Jorge Lemos, se me permitisse eu concluiria.
Não estou aqui para saber que objectivos tem este Governo para fazer aprovar esta lei. A minha obrigação - e é assim que entendo esta discussão - é que a Assembleia da República deve aprovar uma lei dos serviços de informações que não permita a este Governo, se for essa a sua intenção, deturpar o espírito desses serviços - e não estou a afirmar, estou a supor - ou de qualquer outro. Estou menos preocupado com o que possam ser as intenções deste Governo quanto ao objectivo de um serviço de informações, do

natureza do serviço que, objectivamente,

que com a daqui saia.

Também lhe devo dizer, muito francamente, que quando admito, numa perspectiva de alternância democrática - que defendo- a eventualidade de outros governos, nesta matéria de utilização do serviço nacional de informações não é este Governo que me deixa particularmente preocupado nem mais preocupado, mas são talvez outros governos que possam eventualmente vir a surgir no futuro.

Protestos do CDS.

Mas nós não estamos aqui a legislar nem para este Governo nem para governos futuros. Estamos a legislar para qualquer governo.
Sr. Deputado, parece afinal que o Governo não necessitou de um serviço de informações para reprimir violentamente - para usar a sua expressão - esses movimentos de trabalhadores. Parece que essa repressão não estaria nem estava dependente de um serviço de informações.

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A conclusão é pura e simples: não estou aqui a julgar as intenções do Governo, não estou a fazer um processo de intenções ao Governo, estou aqui a apreciar uma proposta de lei de criação de um serviço nacional de informações que, em meu entender, deve servir tanto para este Governo, como para qualquer outro governo legitimado pelo sufrágio universal.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Santa ingenuidade!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Apesar de um certo ar displicente com que o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares se referiu ao assunto que estamos a tratar, apesar do tom fatalista que está implícito em grande número das suas afirmações e do seu tom de seguidismo que delas decorreu, creio que todos nós estamos cientes da importância do debate que aqui travamos acerca da proposta de lei n.º 55/III, através da qual o Governo pretende criar, com urgência, 3 serviços de informações e um conselho superior que os coordene.
Todos nos sentimos, penso eu, e o Sr. Deputado Lopes Cardoso ainda agora mesmo deu essa nota - que estamos a tomar parte em um dos debates de mais importantes consequências que se realizou nesta Câmara, desde que a democracia se institucionalizou no nosso País. Se institucionalizou após um longo período de meio século de um regime que a generalidade dos portugueses não queriam, mas que se lhes impôs e os dominou porque, além do mais, dispunha de um serviço de informações políticas. Um serviço de informações que vasculhava até ao mais pequeno pormenor a vida dos cidadãos, que os escutava e os seguia, que interceptava as chamadas telefónicas, montava aparelhos de escuta e violava a correspondência, que fotocopiava e arquivava até cartas de amor (como se viu nos arquivos da PIDE), que fazia chantagem, que aterrorizava e motivou a desconfiança entre os cidadãos, espalhando por todo o lado bufos, essas osgas repelentes que, por simpatia ao dinheiro, eram parte integrante da Pide e se colavam repugnantemente às nossas vidas.
Tudo isto foi tão mau e ainda tão recente que essa experiência histórica não pode deixar de marcar-nos a todos quando estamos a travar um debate acerca das implantações de um outro serviço idêntico, que há-de usar meios também idênticos àqueles, que - como todos os serviços de informações - terá a tendência para abusar e para se automatizar, para ir cada vez mais além no desrespeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Por estas e tantas outras razões, porque sabemos que vamos ser responsabilizados pelos vindouros do voto que agora proferirmos, penso que esta questão deve preocupar todos os democratas e, em verdade, preocupa-os como logo se viu na discussão da urgência, em que foi evidente ter vindo ao de cima, em várias bancadas, o espectro do perigo que defrontamos.
Mas estes cuidados, estas cautelas, estas preocupações são ainda reforçados quando a proposta nos vem aqui trazida num momento em que os conflitos sociais provocados pela política do Governo se agudizam. É nesse momento, em que o Governo assume uma posição de força e de intransigência perante os trabalhadores, nomeadamente os desempregados e com salários em atraso, os manda espancar brutalmente e se vangloria disso; em que o Governo anuncia sem disfarces medidas de reconstituição do latifúndio e dos monopólios - que dão o suporte dos inimigos das liberdades e do regime democrático instaurado com o 25 de Abril; quando no domínio da informação surge um projecto de lei de imprensa restritivo das liberdades até aqui gozadas e os órgãos de informação dependente do Governo discriminam, sem a preocupação sequer de esconder, os trabalhadores e o PCP, desconhecendo-os; quando nesta própria Assembleia se prepara a votação de um Regimento restritivo das liberdades da oposição e a maioria começa a excluir liminarmente da discussão projectos de lei que lhe não convém; quando o Primeiro-Ministro e o Ministro da Administração Interna tomam como alvos preferenciais dos seus ataques os trabalhadores que exercem os seus direitos, a CGTP e o Partido Comunista Português - não se pode deixar de considerar preocupante a proposta governamental. Num quadro de intensa luta social e política, o Governo pede pressa para montar serviços de informações e faz-nos essa proposta desacompanhada de quaisquer outros diplomas que fixem os limites concretos dentro dos quais esses serviços se movimentarão, qual a sua estrutura, quais os quadros que os irão integrar. Nós alertamos contra isto. E aqueles que pensam poderem dormir descansados porque esses serviços são contra quem se opõe ao Governo, dir-lhe-emos que a História prova que, aberto esse caminho, todos acabam sucessivamente por cair nas garras dos serviços de informações e serem vítimas deles e às vezes, até os amigos daqueles que os detém.
Diz-se, porém, que os serviços são necessários à defesa da República, que se encontra desprotegida relativamente ao aumento da criminalidade, aos serviços secretos estrangeiros e às redes internacionais do terrorismo. Afirma-se que isso torna necessário colher informações e tratá-las sistematicamente. Admitamos que assim seja, que é preciso defender a República. Mas a esses que tanto badalam esses perigos para justificar a proposta do Governo nos perguntamos se não acham estranho, se não se perturbam, com o facto de essa proposta atribuir aos órgãos de soberania Presidente da República e Assembleia da República um papel tão secundário em tudo o que diga respeito aos serviços propostos e que eles, afinal, nos surgem claramente como serviços de informações do Governo e não como serviços de informações da República? E não se preocupam que, ainda para mais, o objecto da recolha de informações definido no artigo 1.º da proposta seja extremamente vago e impreciso, deixando a possibilidade aos serviços secretos de se voltarem preferentemente, não para as informações respeitantes à defesa nacional, à criminalidade e ao terrorismo, mas para a recolha de informações políticas?
Ora nós queremos dizer frontalmente que somos contra, que nos opomos, à criação de serviços secretos que façam a recolha e tratamento de informações políticas, que andem à procura de saber se determinado cidadão é do partido A ou B, do sindicato X ou Y, esteve em tal manifestação, lê jornais da esquerda ou da direita, priva com comunistas, com socialistas, com sociais-democratas ou com fascistas. Informações políticas - não! E, por isso, esperamos e exigimos do Governo e dos partidos que o apoiam que nos esclare-

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çam e esclareçam o país sobre se preparam e concordam com serviços destinados a obter informações políticas; sobre se o serviço de informações de segurança, que ficará dependente do Primeiro-Ministro e, nos termos do artigo 8 º é "incumbido da obtenção, tratamento e difusão das informações necessárias à garantia da legalidade democrática e à segurança do Estado", poderá existir sem ser efectivamente um serviço secreto de informações políticas, com uma prática idêntica à da Pide na recolha e tratamento das informações, com idênticos meios e conduzindo a idênticos resultados no que se refere, nessa fase de recolha de informações ao espezinhamento dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, de que fomos vítimas durante tanto tempo. E é tanto mais legítimo pensar assim, quanto é certo que o controle democrático dos serviços previstos no diploma é nulo, que o âmbito das informações não é definido em termos minimamente rigorosos, como acabamos de ver, que não são previstos mecanismos de garantia da defesa dos cidadãos, dos seus direitos e liberdades. A proposta do Governo não se apresenta, a nosso ver, como um instrumento de defesa da República - e lamentamos dizê-lo - antes nos aparece como abrindo as portas ao reino da bufaria.

Aplausos do PCP.

E esta a responsabilidade histórica que os deputados da maioria põem sobre os seus ombros se aprovarem assim, este diploma. Oxalá não venha a acontecer que alguns daqueles que partilharam comigo as prisões da Pide, criem as condições para eu agora vir a ser seguido por novos bufos e escutado por novos agentes. Não digo isto para que corem de vergonha. Digo-o para que meditem nos caminhos nos maus caminhos! - que nos estão a propor. Caminhos que é preciso que todos, em todos os quadrantes, impeçam que se abram, porque a liberdade custou muito a conquistar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Costa Andrade pede a palavra para que efeito?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - E para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se não vir inconveniente, como chegamos agora à hora do intervalo, fazia o seu pedido de esclarecimento no reinício da sessão.
Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, ao Sr. Deputado Lino Lima, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Lino Lima, a sua intervenção suscita muitas questões, o que não é de admirar pois trata-se de uma matéria que, penso, todos estamos de acordo, põe em causa muita coisa. Não é possível discutir um problema como o que hoje aqui nos ocupa sem, de corto modo, pormos em causa e trazermos à colação problemas de fundo, designadamente modelos de sociedade e de relações entre a sociedade e o Estado.

Mas deixemos de barato essas questões e as diferentes implicações do problema e situemo-nos na perspectiva que, aliás, o Sr. Deputado se colocou, isto é, admitamos que todos nos preocupamos em defender e preservar um Estado democrático para uma sociedade aberta do tipo dos Estados e das sociedades do modelo ocidental - em que nos inserimos. O Sr. Deputado referiu-se aos potenciais perigos de um serviço como o que se quer criar, designadamente à possibilidade de se criar um sistema para concentraccionário, um sistema quase de grande irmão com um sacrifício total dos direitos fundamentais dos indivíduos.

Pergunto-lhe se não acha que, mantendo-nos nós nessa perspectiva de um Estado democrático para uma sociedade aberta, é muito mais perigosa a inexistência de qualquer sistema oficial de informações, inexistência que legitima por processos conhecidos dos próprios movimentos sociais: por processos de maximização das quotas de medo que estão em todas as sociedades, quotas de medo, essas, que são artificialmente empoladas por indivíduos e grupos interessados na exploração desse medo.

Pela via da maximização desse medo - com reivindicações cada vez mais instantes de ordem e de legalidade, numa sociedade que não tem sistemas de referência e de tranquilidade e que não pode confiar num sistema oficial de informações, e, por essa via, de segurança - não se põe mais em risco a sobrevivência do regime democrático e de uma sociedade aberta do que pela via da existência do sistema que queremos introduzir?

Em segundo lugar, sendo certo que nas sociedades modernas as quotas de medo aumentam exponencialmente - é o medo do crime, é o medo da violência pergunto-lhes se estas quotas de medo que aumentam não conduzem, como estão a levar um pouco por toda a parte, ao recurso a sistemas privados de segurança, sistemas privados, esses, que tornam a segurança um privilégio das classes mais ricas, das classes possidentes, das classes privilegiadas e que se traduz, inclusivamente, na selecção, por exemplo, a nível das zonas. Há já uma ecologia do medo e uma ecologia da segurança a nível das grandes metrópoles europeias.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A segurança não se torna cada vez mais um privilégio de alguns? Sendo em tudo o Partido Comunista adepto de uma forte intervenção do Estado e de uma certa nacionalização das coisas e dos bens, ao nível da segurança - um bem também fundamental para todos os cidadãos --, não a estará a deixar ao jogo da iniciativa privada. dos monopólios, com todo o cortejo de desigualdades?

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, eu não percebi bem as questões que me colocou, mas tenho a impressão de que há toda uma série de contradições naquilo que disse.
O Sr. Deputado referiu que nos sistemas ocidentais as quotas de medo são elevadas, que há um conjunto de sistemas de segurança a substituir-se aos sistemas públicos, etc. Sr. Deputado, havendo já nessas sociedades serviços de segurança como os que hoje nos propõem, segundo nos disse o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares, parece que esses serviços não deram lá qualquer resultado. Parece, pois, que será uma questão para nós aqui meditarmos saber se virão a dar resultados cá. Esta é a primeira questão que me parece que decorre daquilo que disse, não sei se a sério se a brincar. Se foi a brincar pois leva esta resposta porque brincar com brincar se paga.
Relativamente à questão de saber se a inexistência de qualquer serviço não põe em risco o próprio sistema, devo dizer-lhe que teria razão se me dissesse assim:
Aqui em Portugal não há Polícia Judiciária, aqui em Portugal não há Polícia de Segurança Pública, aqui em Portugal não há Guarda Nacional Republicana, aqui em Portugal não há nenhum serviço para defender os cidadãos e, portanto, é preciso criar um serviço.
Mas o Sr. Deputado sabe - vem nos jornais e já aqui hoje foi dito - que há uma Polícia Judiciária que, a respeito de certo tipo de crimes, tem inclusivamente uma direcção-geral.
Pergunto-lhe, pois, se não seria preferível darmos todos os meios necessários a essa direcção-geral para que ela actue convenientemente e faça aquilo que pelos vistos este serviço de segurança que debatemos virá a fazer.
Relativamente ao problema da defesa nacional, todos nós sabemos que já hoje existe um serviço no Estado-Maior-General das Forças Armadas. Diz-se: «É um serviço militar.» Não era um serviço militar, mas agora é-o por virtude da Lei de Defesa Nacional. E eu ponho este problema: pois se já há esse serviço não seria caso de o aproveitarmos para fazer a nossa defesa nacional?
«Mas nós também precisamos de um serviço de informações de segurança interna», dizem. E eu afirmo: «Alto, o que é isso de segurança interna»? Como é que isso está definido na lei? Que garantias tenho eu de que esse serviço não seja um serviço de informações políticas? Que garantia é que eu tenho de que esse serviço não se venha a transformar naquilo que nós já sabemos que não queremos, isto por uma experiência dolorosa de 50 anos?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Lino Lima, procurei no meu curto pedido de esclarecimento pôr-lhe um problema e uma interrogação que se reconduzia à questão fundamental, isto é, ao receio que o Sr. Deputado manifestava na sua intervenção, de que esta lei, ao ser aprovada, pudesse transformar-se num germe de instrumentos contraccionários. Aliás, devo dizer que não tomei a sua intervenção a brincar, mas a sério, pois tomo sempre a sério as suas intervenções.
Penso que no meu pedido de esclarecimento podia ir para muitos campos, pois era fácil, num diálogo entre um deputado social-democrata e um deputado comunista sobre um tema como este, ir para muitos outros campos, mas não o fiz. Comecei por definir os parâmetros em que me colocava e tomei a intervenção do Sr. Deputado a sério e não a brincar. Penso que o Sr. Deputado não tem razão quando refere o receio de que esta lei pode transformar-se num germe de instrumentos concentraccionários.
Sr. Deputado, a história está a comprovar: nos países democráticos onde existem sistemas de informações iguais aos propostos no diploma em discussão a democracia está para continuar. O que não há é a certeza de que a democracia esteja para continuar nos países onde não existem estes sistemas de informações e onde há quotas de medo colectivo. Tais reivindicações são cada vez mais empoladas por jornais, normalmente das extremas do leque político, jornais que exploram esse medo e que levam uma certa concepção das coisas ao homem da rua. O Sr. Deputado sabe tão bem como eu que uma das reivindicações mais vivas do homem da rua é a ideia de que isto está um descalabro, de que não há segurança nas ruas, de que quando vamos à porta de casa estamos a ser assaltados.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - São estes fantasmas que estão por aí. Se o homem da rua não tem um
sistema de referência, se não tem a crença ou a convicção de que nas mãos de um governo democrático, ou pelo menos sob o controle e a orientação de um governo democrático, há vigilância e há a possibilidade de controlar e acompanhar, com uma certa transparência, os perigos de violência, os perigos de ameaça ao sistema democrático, se não há pelo menos essa referência para o homem da rua é natural que surjam as reivindicações do salvador, as reivindicações do homem que traga a lei e a ordem, as reivindicações do homem que cale todas as dissonâncias, que cale toda a conflitualidade, que ponha, afinal de contas, tudo isto num unanimismo e, portanto, numa total pacificação.
Não é daqui que vem mais o perigo para os regimes que vêm sempre em nome da lei e da ordem? Foi em nome da lei e da ordem que Pinochet interveio, mas não se esqueça que foi também em nome da lei e da ordem que se esmagou o Solidariedade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não eram reivindicações política, era a lei e a ordem que estavam a ser postas em causa na Polónia. Não excluo que esta reivindicação tivesse algum eco na consciência colectiva do Chile, como também não excluo que tivesse algum eco na consciência do próprio povo polaco.

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Estes fantasmas, quando são manipulados por fortes meios de comunicação social, acabam por ter os seus efeitos e acabam sobretudo por ter o grande efeito de legitimação de ordens totalitárias e antidemocráticas.
Certo como é, e aí está a experiência dos países democráticos da Europa Ocidental a atesta-lo, que, onde há sistemas como os que aqui se debatem, a democracia nunca foi posta em causa, gostaria de saber se afinal onde não existem estes sistemas e onde pescadores de águas turvas podem capitalizar à custa dos medos, irracionais é certo mas medos de alma colectiva, não podem despertar nessa alma colectiva o apelo a valores e a agentes totalitários.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, se assim entender, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, se porventura exagerei quando referi a sua brincadeira, peço-lhe desculpa.
Relativamente às questões que coloca, em primeiro lugar, devo dizer-lhe que há uma coisa que eu noto no País: uma falta de vontade política para se resolver determinados assuntos, nomeadamente o que estamos a discutir.
O Sr. Deputado sabe com certeza que houve uma rede terrorista que fez para aí diabruras do fim do mundo. A certa altura, uma série de indivíduos foram presos, deu-se uma volta a isso e todo um conjunto desses indivíduos foram postos na rua. Penso, portanto, que há efectivamente uma falta de vontade política.
O Sr. Deputado sabe que o meu escritório foi destruído por um bando fascista. O Sr. Deputado acredita que no meio pequeno onde isso se passou a polícia ou outra autoridade não tomou a mais pequena medida a esse respeito para descobrir os culpados?
Uma outra questão: nesses outros países que refere a situação é melhor do que a nossa.com os serviços de informações? O que é que o Sr. Deputado vê na França, na Itália, em Espanha e na Inglaterra? Vê situações porventura piores do que a nossa, tendo, no entanto, serviços de informações. Viu ao que conduziram na Itália os serviços de informações que, em certa altura, de harmonia com a tendência de todos os serviços de informações, queriam já deixar de serem informadores do poder para se transformarem em poder.
Esta proposta de lei, que pretende venha a ser aprovada, é uma questão só para inglês ver, para o "Zé" ver e lhe dar confiança ou não? Se é simplesmente para diminuir as quotas do medo, se é para os cidadãos dormirem descansados, tenho a impressão que isso nos vai custar dinheiro a mais e vai. ter eficiência a menos.

Aplausos do PCP e do MDP/,CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Mota Pinto): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O 1X Governo Constitucional vem, uma vez mais, ultrapassando complexos e lutas de interesses que vinham impedindo a apresentação de legislação

referente à criação de serviços de informações em Portugal, demonstrar, na prática, a sua coragem política.
Demonstra-a ao apresentar nesta Câmara a proposta de lei de enquadramento dos órgãos e serviços do Estado, a quem incumbe assegurar a obtenção, tratamento e difusão de informações necessárias à segurança do Estado de direito, à garantia de legalidade democrática, à Defesa Nacional e ao cumprimento das missões das Forças Armadas.
Não deve o Estado aguardar mais nem o cidadão responsável lançar fantasmas, labéus ou assumir atitudes diletantes, minimizadoras da soberania nacional.
O tempo é de decisões e não de adiamentos.
Nenhum país democrático do mundo está desprovido deste tipo de organizações e serviços.
Na verdade, em qualquer país democrático, qualquer que seja o regime político prevalecente, é inegável não poderem os garantes do regular funcionamento das instituições democráticas e do cumprimento da constituição prescindir de meios de informação que os habilitem com uma esclarecida e oportuna previsão das dificuldades susceptíveis de se apresentar ao livre exercício das atribuições que lhes estão constitucionalmente cometidas.
A experiência dos últimos anos em alguns países da Europa assim o demonstra à sociedade.
A difícil missão de governar será mais acessível e praticada com mais segurança e eficiência se for apoiada por eficazes serviços de informações, vocacionados quer para a elaboração de estudos prospectivos, susceptíveis de alicerçarem o planeamento a médio e a longo prazo, quer para análises conjunturais que visem detectar, o mais prematuramente possível, os riscos, as vulnerabilidades e as ameaças à unidade e segurança do Estado de direito, à independência nacional, ao estrito cumprimento das missões das Forças Armadas, à vivência democrática.
Constatou-se a necessidade de criar, a nível nacional, um órgão que coordene, integre e dinamize os 3 serviços de informações adequados à realidade portuguesa.
Estes 3 serviços têm missões e actividades diferenciadas e não se sobrepõem, pelo que não constituem uma estrutura. Têm cada um uma área de actuação específica; são antes serviços dirigidos cada um a fins próprios específicos que não se confundem com os fins e com as actividades dos outros.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O órgão coordenador é o que na proposta de lei em apreciação é designado por conselho superior de informações, órgão interministerial de consulta e coordenação em matéria de informações, presidido pelo Primeiro-Ministro.
A presente proposta de lei visa ainda suprir Lacunas de informação na área da Defesa Nacional, que se não confunde com a área estritamente militar, e na da salvaguarda da legalidade democrática e segurança do Estado, criando para o efeito, respectivamente, o serviço de informações estratégicas de defesa, dependente do Ministro da Defesa Nacional, e o serviço de informações de segurança, dependente directamente do Primeiro-Ministro.
O serviço de informações estratégica de defesa é o departamento incumbido da obtenção, tratamento e difusão das informações estratégicas necessárias à Defesa

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Nacional, isto é, à protecção contra agressões ou ameaças externas. Cabe-lhe discernir a gestação de potenciais ameaças externas contra a integridade territorial portuguesa contra a liberdade e segurança das suas populações, contra a independência nacional.
O serviço de informações de segurança é o departamento incumbido da obtenção, tratamento e difusão das informações necessárias à garantia da legalidade democrática e à segurança do Estado, sendo-lhe, ainda, atribuída a tarefa da elaboração das normas relativas à segurança do pessoal, do material, das instalações e das telecomunicações do Estado.
É esta relevância positiva de defesa da integridade do Estado de direito que deve estar presente na mente dos verdadeiros democratas, e não receios infundados que se pretendem lançar e que, a serem seguidos, deixariam a democracia e a liberdade «desarmadas».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Visa-se, em suma, com este serviço, proteger a Constituição, defender a legalidade democrática defender os direitos dos cidadãos, assegurar a vivência pacífica e democrática dos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aproveita-se, também, esta oportunidade para reestruturar o serviço de informações militares ,o único actualmente existente, cujo vector predominante, do ponto de vista técnico, se vem caracterizando por uma acção tendente a facilitar operações de ordem táctica. Visa-se, assim, imprimir-lhe um sentido de, permita-se-me a palavra inglesa intelligence, sentido este que dá ênfase ao objectivo de detecção de possibilidades, vulnerabilidades, prováveis linhas de acção e agentes de ameaças, por mais inocentes que pareçam, quer internas quer externas, através de uma actividade altamente qualificada e que serve fundamentalmente para habilitar os centros de decisão política no que toca à vida interna das Forças Armadas.
Importará, ainda, salientar que a estes 3 serviços de informações, cada um com a sua área específica, está vedada a prática de actos da competência específica dos tribunais ou de entidades com funções policiais - se bem que alguns países democráticos permitam a junção da função informações à função policial solução que, contudo, não é vantajosa - proíbe-se, por isso expressamente aos funcionários e agentes proceder à detenção de qualquer indivíduo ou à instrução de processos penais, impedindo-se o desenvolvimento de actividades que envolvam ameaça ou ofensa aos direitos, liberdades e garantias consignados na Constituição e na lei. Causa-nos, por isso, o maior espanto ver preconizar a junção na mesma entidade da função de «pesquisa de tratamento e difusão de informações» e da função «policial».

Aplausos do PS e do PSD.

Tal destrinça entre função «Informações» e função «Polícia» é de extrema importância e constitui a solução mais adequada à garantia dos direitos dos cidadãos. Quem recolhe, pesquisa, analisa informações não tem competências policiais. Quem tem competências policiais não recolhe, não trata, não difunde, não analisa informações.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Todos os serviços de informações deverão dispor de reduzido volume de pessoal, devendo valer mais pela qualidade do que pela dimensão, mas exigir-se-lhe-á verdadeiro espírito de missão nacional e democrática, servindo os escalões de decisão política.
Tais serviços não poderão ser promotores de qualquer política, não poderão agir sem autorização das mais altas entidades, democraticamente legitimadas, nem tomar decisões de carácter político. Limitam-se a fazer estudos, análises e propostas, sob o signo da previsão e com sentido prospectivo, que ajudem as entidades competentes a tomar decisões e a conduzir a política e que habilitem as entidades com funções policiais a desenvolver posteriormente as suas funções.
Não deverão, finalmente, estar sujeitos às flutuações da política ou da alternância do poder que é prática corrente na democracia. Aliás, os serviços tem de estar aptos a servir qualquer governo democrático e qualquer política.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Apesar de todos os benefícios paro a acção governativa que advêm das actividades dos serviços de informações, não podemos deixar de reconhecer e estar atentos ao facto de tais serviços, quando se regem por leis demasiadamente genéricas e não são devidamente controlados, poderem afectar, ainda que só remotamente, o prestígio do País no estrangeiro, criar dificuldades ou embaraços diplomáticos e, como já salientámos, actuar de modo lesivo em relação aos direitos, liberdades e garantias constitucionais dos cidadãos.
Nos países democráticos, como o nosso, os mecanismos de controle são concretizados quer por via de legislação norteada pela defesa dos direitos humanos, quer pela acção de instituições capazes de detectar abusos, excessos, ilegalidades e irregularidades.
Assim, e em primeira linha, são os próprios órgãos de soberania, com particular relevância para a Assembleia da República, que exercem tal controle através de directivas e de publicação de legislação correctiva, st necessário, sendo a respectiva acção complementada e apoiada por órgãos do tipo dos que entre nós se designam por Procuradoria-Geral da República, Tribunal Constitucional, Provedoria da Justiça, Comissões Parlamentares e órgãos encarregados da verificação e julgamento de contas.
Mas, nas sociedades democráticas existem ainda outras instituições que contribuem, em larga medida, para o referido controle: são os partidos políticos, através dos seus programas e das intervenções dos seus deputados nas Assembleias Legislativas e nas Comissões Parlamentares; são os Tribunais, órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo e a quem incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e reprimir a violação da legalidade democrática; são os órgãos de comunicação social que, na sua luta diária para informarem o público, revelam os pontos fracos dos serviços, dando publicidade às actividades mal acauteladas e a irregularidades eventualmente cometidas.

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Introduzo um parêntesis para responder a uma pergunta que eventuamente possa ser formulada. Porquê a criação de dois serviços a acrescentar a um que já existe, o Serviço de Informações Militares, em vez de um só? Parecia menos dispendioso criar-se um só.
que são missões diferentes, são actividades técnicas diferentes que não devem estar no mesmo serviço. Acresce que a existência de um único serviço onde se concentrassem actividades diferentes torná-lo-ia automaticamente muito mais poderoso, o que pode diminuir a democraticidade do seu funcionamento e a capacidade para o seu controle.

Vozes do PSD - Muito bem!

O Orador: - Na presente proposta de lei privilegiou-se a efectivação do controle sobre os serviços de informações por duas vias específicas: pela supervisão cometida ao poder executivo, por intermédio do conselho superior de informações, presidido pelo Primeiro-Ministro; pela supervisão cometida ao poder legislativo, Assembleia da República, por intermédio de uma comissão de fiscalização das actividades de segurança, que houve o propósito de acautelar através da exigência de votação secreta e da designação dos seus membros por maioria qualificada de dois terços dos deputados presentes, não inferior à maioria dos deputados em efectividade de funções.
Com base numa cuidadosa apreciação e ponderação das experiências efectuadas nas democracias ocidentais, missões, essas, que nos devem servir de modelo das dificuldades e problemáticas pelas mesmas inventariadas- em que avulta a questão crucial da determinação do ponto de equilíbrio entre a maleabilidade operacionalmente necessária e a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos- elaborou o Governo a proposta de lei que ora submete à apreciação da Assembleias da República, onde o respectivo debate não deixará de beneficiar dos importantes contributos que uma discussão neste elevado foro sempre proporciona.
Esta proposta é o ponto de equilíbrio entre a segurança devida ao cidadão e a justa defesa do nosso Estado de direito. Elaborando-a o Governo cumpre um dever para com a Nação e para com a democracia.

Aplausos do PS e elo PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Vice-Primeiro-Ministro, ouvi atentamente as suas declarações. Assim, há uma frase que recolhi da sua intervenção que me causa uma certa perplexidade e daí que lhe peça um certo esclarecimento. V. Ex.º disse que é mais fácil governar com um serviço de informações. Quererá V. Ex.º explicar claramente o que pretende dizer com isso?
Na opinião do Sr. Dr. Mota Pinto, o Governo terá dificuldade em governar devido à inexistência de serviços de informações. Quer parecer-nos que esta é uma afirmação, que urge clarificar, porque se o Governo não actua de acordo com as necessidades do país por falta de serviços de informações, então o problema é muito mais grave do que à primeira vista possa parecer.

Para além do esclarecimento que solicitei, outro tão grave como o anterior, sou obrigado a pedir-lhe, Sr. Vice-Primeiro-Ministro. O Governo tem mais dificuldades em solucionar os problemas económicos, financeiros, de emprego, de educação, etc., por não existir um serviço de informações, ou esta é apenas mais uma declaração bombástica, sem grande conteúdo e nada .relevante para este debate?
V. Ex.ª também disse que os polícias não devem recolher, tratar e analisar os elementos recolhidos. Não haverá aí uma certa confusão, Sr. Vice-Primeiro-Ministro? Então, por exemplo, a Polícia judiciária não tem o dever de funcionar com essa competência que V. Ex.º agora, tranquilamente, lhe quer retirar? Será que os serviços de informações, a serem criados, impedirão os polícias de funcionar .de acordo com as suas competências e com os seus estatutos e ainda melhorar esse tipo de actividade?

O Sr. Presidente: - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, há mais Srs. Deputados inscritos para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.º deseja responder já ou no

O Sr. Vice-Primeiro-Ministro: - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Vice-Primeiro - Ministro, gostaria de lhe colocar duas questões. Em primeiro lugar, V. Ex.ª manifestou a sua estranheza pelo facto de ver preconizada a confusão ou a fusão - como queiramos- entre funções de polícia e funções de informação. Como ao longo deste debate ainda não vi nenhuma defesa dessa solução, permitir-me-á perguntar-lhe, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, quem defende assa solução.
Por outro lado, admitindo V. Ex.ª - tal como a proposta de lei admite- que estas duas funções devem estar claramente separadas, não considera que não basta que estas duas funções estejam apenas colocadas em "duas casas de um organigrama dos organismos públicos", passo a expressão?
Isto é, é necessário que não haja uma passagem totalmente aberta de informações entre o serviço de informações e as polícias, sob pena de, aparentemente, haver dois organismos com competências diferentes, mas, digamos, "as polícias passarem a funcionar como uma espécie do braço armado dos serviços de informações".
Ou seja, é necessário que a transmissão seja efectivamente controlada. Não pensa o Sr. Vice-Primeiro-Ministro que a forma vaga como a proposta de lei aborda essa questão, remetendo para uma vaga autorização de uma vaga autoridade superior a possibilidade de acesso por parte dos polícias às informações do serviço nacional de informações, não acautela rigorosamente nada esta confusão real de competências?
Quanto ao controle da Assembleia da República diz V. Ex.ª - e com razão - que a proposta de lei acautelava a forma de eleição da comissão de fiscalização. Mas a seguir, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, quando nós vemos as competências que são dadas a essa Comissão, pergunto-me se valeu a pena o tempo

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que se perdeu a acautelar a forma de eleição dessa comissão de fiscalização. O que é que significa, em termos de competência fiscalizadora, uma comissão que tem por única competência reconhecida tomar anualmente conhecimento de um relatório feito pelo serviço nacional de informações?
V. Ex.ª convirá que isto não é fiscalização e para uma comissão deste tipo não valia a pena ter as cautelas de exigir voto secreto, maioria de dois terços qualificada não inferior à maioria dos Deputados em efectividade de funções. Qualquer comissão desta Assembleia poderia desempenhar essas funções, talvez qualquer comissão desta Assembleia não estivesse disposta a ver-lhe remetidas pseudo-competências que ela não tinha, na prática, condições mínimas de executar, chamando-lhe comissão de fiscalização sem lhe dar qualquer tipo de meios de fiscalizar o que quer que seja.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, tal como foi dito pelo Sr. Ministro Almeida Santos, todos os Deputados desta Casa se debruçam sobre este problema com uma certa angústia.
O discurso que V. Ex.ª fez não nos repousou nada. Repousou-nos mais o discurso anteriormente feito pelo Sr. Ministro Almeida Santos.
A posição do meu partido foi já aqui esclarecida através da intervenção do meu colega António Taborda. O meu colega João Corregedor da Fonseca também se referiu a uma frase que penso ser demasiado abrangente da sua parte, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, isto é, quando diz que haverá mais facilidade em governar com os serviços de informações.
O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares Almeida Santos referiu-se também, a meu ver, de uma fornia insuficiente - e digo «insuficiente» porque num debate de um assunto de tal maneira sério como este as formas são sempre insuficientes - ao progresso da droga e da criminalidade. Não conheço estatística, os meus colegas que trabalham nos centros da droga têm noções vagas sobre o assunto porque hoje recorre-se mais aos centros da droga do que se recorria, mas o que é verdade, e sobre isso gostaria de chamar a atenção do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, não lhe dando, com certeza, nenhuma novidade, é que uma lei destas está a cair num vazio social.
Por exemplo, quando o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares Almeida Santos quer dizer que há criminalidade em Portugal não tem outro remédio senão o de dizer que ela vem todos os dias no Correio da Manhã. Ora isto não é um argumento de um governante, mas um argumento de um país que não tem estatísticas e que não tem estruturas de apoio para suportar um serviço de informações.
Da parte do Governo pode haver, e nós não duvidamos disso, a melhor das intenções, mas a verdade é que esse serviço de informações vai cair num vazio social, num vazio cultural, num país esfaimado. Nós sabemos que houve muito boa gente que foi para informadores da PIDE simplesmente porque ganhavam 500$ e 600$.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Para pagar a renda da casa!
A Oradora: - Toda a gente conhecia funcionários dos Ministérios que, mesmo antes do 25 de Abril, se vieram a arrepender daquilo a que tinham sido obrigados a fazer.
Receio que o Governo, que até hoje não tratou da melhoria da qualidade devida dos portugueses nem sequer do mínimo de garantias da sua subsistência, que não tratou de um sistema educativo tendo há 5 anos ministros do PSD bloqueado a educação em Portugal, que não tratou de um serviço nacional de saúde, venha agora tratar, no meio de toda esta confusão e deste buraco imenso em que o País se encontra, de um serviço de informações.
Que Governo poderá garantir que esse serviço de informações é de facto um serviço ao serviço dos cidadãos e não ao serviço daqueles que, por uma côdea de pão, vão ser capazes de fazer as maiores desumanidades e as maiores patifarias?
Sei de testes feitos, e conheço-os, aos inspectores da PIDE. Eram ex-seminaristas que, quando vinham cá para fora, não tinham sustento sendo verdadeiros criminosos. Se quiser, posso demonstrá-lo, Sr. Vice-Primeiro-Ministro. São esses «criminosos» que numa altura de desespero escolheram as profissões de informadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se vários Srs. Deputados. Tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, antes de mais, tal como o Sr. Deputado Lopes Cardoso, gostaria que esclarecesse quem é que neste momento defende a fusão entre os serviços de informações e os serviços policiais de forma a que constituam um só serviço.
Sr. Vice-Primeiro-Ministro, lamento que tenha chegado tarde porque o discurso de apresentação deste diploma já rinha sido feito pelo Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares e penso que V. Ex.ª não acrescentou nada àquilo que já tinha sido dito e que nós já aqui tínhamos discutido.
Em todo o caso, devo dizer-lhe que o seu discurso tem um aspecto positivo que me deixou alarmado. É que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro disse que esses serviços têm mecanismos que garantem em absoluto a defesa dos cidadãos e dos seus direitos, liberdades e garantias. E então fala da Constituição, das leis, e fala ainda da Assembleia da República, dos jornais, etc....
Ora, das duas uma: ou o Sr. Vice-Primeiro-Ministro não sabe o que são os serviços de informação, como actuam em todos os países e os problemas que criam aos próprios Governos - isto, porque a tendência desses serviços é a de não só autonomizar como muitas vezes tornar seus os próprios poderes, pelo que é sempre muito difícil o seu controle; pode encontrar nos jornais exemplos recentes que lhe demonstram isso -, portanto, ou o Sr. Vice-Primeiro-Ministro esquece isto, esquecendo que essas garantias que referiu

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não servem para coisa nenhuma, ou não esquece e as garantias que nos apontou foram só - desculpe a expressão, não o quero ofender - para nos enganar.
E termino dizendo-lhe o seguinte: se foi para nos enganar do mal o menos, porque a gente não se deixa enganar; se disse isso convencido então eu fico perturbadíssimo. Isto, porque uma pessoa que fica a seu cargo com uns serviços de segurança da importância da dos serviços de informado as estratégicas de defesa e não sabe estas coisas comezinhas, e vai sentar-se no seu gabinete, de perna alçada, caro a Constituição numa mão, a lei na outra e o relatório da Assembleia da República pendurado numa esquina, decerto que vai deixar que estes serviços saltem por cima da Constituição, de todas as leis, de tudo, e que venham a servir para nos espezinhar.
Gostava, pois, que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro dissesse por qual dos caminhos é que opta.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia,

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - A questão que quero colocar é muito simples e penso que vai permitir ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro esclarecer o seu pensamento de uma forma transparente, de modo a deixar esta Câmara perfeitamente esclarecida quanto à finalidade do serviço de informações estratégicas de defesa.
A pergunta é a seguinte: perde um facto ocorrido na ordem interna interessar o serviço de informações estratégicas de defesa?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António ?atende (MDP/CDE): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, V. Ex.ª veio aqui fazer uma intervenção sobre a proposta de lei n.º 55/III dando de barato, digamos assim, que ela era absolutamente indispensável, chegando a afirmar - e isso foi o que nas preocupou mais- que era indispensável a implantação de um serviço de informações em Portugal e que quem tinha dúvidas ou reservas quanto a isso não passava de um diletante intelectual.
Quer-me parecer que esta parte do discurso de V. Ex.º está muito longe, talvez a quilómetros, daquilo que aqui nos disse o Sr. Ministro Almeida Santos que, ele sim, mostrou alguma preocupação, pelo menos em termos de cidadãos, com a implantação deste serviço.
Tive já ocasião de dizer que o MDP/CDE entendia que era necessário desdramatizar este problema e que era necessário um serviço de informações neste país, que não podia continuar a ser um pais aberto. Simplesmente, teríamos de ponderar bem como é que se vai implantar este serviço dado o traumatismo que o povo português sofreu durante quarenta e tal anos cem uma polícia política. Dai haver, da parte de muitos cidadãos, senão da generalidade, uma certa desconfiança em relação a este serviço.
Parece que V. Ex.ª passou sobre isto como "gato sobre brasas", dizendo que se tratavam de puras congeminações de diletantes intelectuais.
Quanto à destrinça entre pesquisa de informação e polícias, V. Ex." diz ser extremamente clara nesta ,pro-

posta de lei. Esperamos que assim seja. Só que o Sr. Ministro da Administração Interna, aquando da discussão do processo de urgência, disse que essa pesquisa ia só até ao momento em que a informação era recebida pelo ministro competente ou pelo $r. Primeiro-Ministro e que depois a ordem seria transmitida à respectiva polícia para actuar em conformidade. Há aqui, portanto, uma sobreposição de informação que me parece dever ser esclarecida.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro disse ainda, a finalizar a sua intervenção, que o problema estava em encontrar um ponto de equilíbrio entre a segurança do cidadão e a defesa de um Estado de direito.
Estou de acordo cem esta frase e quanto à filosofia geral que deveria enformar esta lei, mas temo que não passe de uma frase porque não vejo este conceito, de forma rigorosa, na proposta de lei. Assim, para afastar todos os fantasmas, perguntaria ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro se não seria de incluir no diploma um 18 º ou um 19 º artigo no qual se proibisse, expressamente, que ex-agentes da PIDE e de outras organizações fascistas pudessem vir a fazer parte deste serviço como funcionários.

Vozes do MDP/CDE e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Como já foi salientado por outros deputados que intervieram antes de mim, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro referiu muito do que foi adiantado pelo Sr. Ministro de Estado aquando da apresentação da proposta de lei, mas com este resultado: onde o Sr. Ministro de Estado tinha tentado desdramatizar o Sr. Vice-Primeiro-Ministro veio tornar as coisas mais tansas e mais preocupantes.

Teve, em todo 0 osso, a preocupação de apresentar não apenas o serviço que vai ficar sob a sua responsabilidade, mas também de fazer a apresentação abrangente, global, da proposta.
Por isso mesmo vou formular-lhe uma série de perguntas que têm a ver com o conjunto da proposta de lei.
E claro que - o Sr. Vice-Primeiro-Ministro não acompanhou o debate, não estava cá - é já um dado adquirido que em Portugal sempre existiram serviços de informações desde o 25 de Abril. Isso é um dado adquirido e não vale a pena negá-lo parque o Sr. Ministro de Estado já o confirmou aqui.
Trata-se, pois, de um dado de que nos servimos para demonstrar a desnecessidade destes serviços de informações agora se propõem. E em relação aos serviços propostos, vamos ver mais de perto alguns dos seus aspectos.
Em relação às informações militares, nada a dizer.
Em relação às informações relacionadas com a defesa nacional, qual o motivo por que se separa esta matéria dos Serviços de Informações Militares? Qual :i vantagem, qual a funcionalidade desta separação?
Um senhor Deputado invocou aqui, hoje, uma razão: os serviços estrangeiros que eventualmente actuam em Portugal.
Será essa a razão principal? Que outras questões de ardem interna ou externa pendam a serração destes serviços?

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E quanto à questão da violência e do banditismo, nós dizemos não ser necessário um serviço de informações, visito que, para esse problema, há a Polícia Judiciária e é nesse campo que a Polícia Judiciária deve actuar. Pensamos que é exactamente essa a tarefa da Polícia Judiciária.
Por outro lado, estes serviços de informações, designadamente os que estão previstos no artigo 8.º da proposta de lei - o serviço de informações de segurança -, recolhem que informações? São ou não são informações políticas? E informações políticas sobre quê? Sobre as opções dos cidadãos? Sobre actividades políticas de que natureza?
Por exemplo, quem é que vai ser «fichado»? As direcções dos partidos políticos passam a ter ficha nesses serviços de informações ou serão só algumas, apenas as direcções dos partidos políticos da oposição? Ou será só o Comité Central do Partido Comunista Português? São só as direcções dos sindicatos ou as das centrais sindicais? De todas as centrais sindicais, ou só daquelas que não são afectas ao Governo?
Era bom que penetrássemos nestas questões, porque aqui é que está o ponto capital. Não é tanto o destrinçar se o serviço tem ou não tem um braço policial, mas sim saber o que é que é «fichado», quem e que vai ser perseguido, quem é que vai ser escutado, qual e a correspondência que vai ser violada.
O serviço passa, desde logo, para a discriminação, e depois da discriminação passa para a perseguição e para a repressão.
Nós temos uma experiência de meio século de ditadura. O Sr. Vice-Primeiro-Ministro conheceu a ditadura, mas numa posição diferente da nossa: não foi perseguido pela ditadura, não foi perseguido pelos serviços de informações da ditadura, pelo que naturalmente não compreende o que significa para a oposição e para os adversários da ditadura, para os que lutam pela liberdade a existência ou não existência dos serviços de informações.

Aplausos do PCP.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, naturalmente que não se esperaria que V. Ex.ª viesse reproduzir o discurso de apresentação feito pelo Sr. Ministro de Estado, Almeida Santos.
Mas, de facto, isso sucedeu, talvez por deficiência dos «serviços de informações», talvez por deficiência do Sr. Secretário de Estado Adjunto para os Assuntos Parlamentares.
Seja como for, o que se esperaria era uma coisa completamente diferente: feita a apresentação genérica por parte do Sr. Ministro Almeida Santos, o que se esperaria era que o Sr. Ministro da Defesa viesse aqui explicar o que se passa com os serviços de informação da sua área específica de competência, nomeadamente o que é que neste momento funciona mal nesses serviços, que efectivamente existem - parece que até o Sr. Ministro Eduardo Pereira reconhece que existem -, para que se justifique a criação de um outro.
Se V. Ex.ª quiser justificar a criação desse outro, o que lhe pergunto é o seguinte: se se separa a área das informações estratégicas sobre defesa nacional da área nebulosa da segurança militar, não estará V. Ex.ª a empurrar a grelha de informações, em torno das questões que interessam às Forças Armadas, para aquelas 'também nebulosas questões da segurança do Estado? Ou dito de outra forma: criando o serviço de informações estratégicas de defesa o que querem não e, assim, abrir espaço para criar um serviço que obtenha informações sobre essa coisa nebulosa que é a segurança militar?
Sr. Ministro, explique o que é a segurança militar. Explique em que ponto é que a segurança militar se separa das questões de ordem pública.
Tudo isto tem a ver com uma outra questão posta por V. Ex.ª O Sr. Vice-Primeiro-Ministro adiantou alguma coisa em relação à intervenção do Sr. Ministro de Estado, Almeida Santos, na medida em que confessou que quer um serviço de informações para governar melhor. Disse-o expressamente. Mas é claro que vai ter dificuldades em governar melhor, porque o vosso problema, em termos de governação, e que a estrutura da vossa política está fundamentalmente errada.
Ora, se o que pretendem não é governar melhor, então o que é que pretendem? Pretendem uma vivência pacífica dos Portugueses, tal como disse na sua intervenção, ou seja, pretende que os Portugueses aceitem pacificamente as consequências da vossa política?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro então de que informações estamos a falar? Não são estas informações, caracterizadamente políticas, para a decisão política o com eficácia não só a nível da acção governativa, mas, por extensão de poderes, também com eficácia policial, eficácia demonstrada nas ruas pelo Corpo de Intervenção da PSP?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, estava a ouvi-lo e a tentar encontrar uma razão para um discurso que 2 horas antes teria sido original. A razão talvez seja a de que o PSD tem responsabilidades e dificuldades nesta matéria.
Na verdade, um dos cavalos-de-batalha a favor da criação destes serviços tem sido o alegado aumento da criminalidade e a campanha governamental em torno desta matéria.
Sucede que o PSD está em foco quando se fala disto porque foi um ministro do PSD que, invocando a ameaça da criminalidade, criou corpos especiais de polícia, que, como toda a agente sabe, serviram para intimidar e para reprimir, mas não diminuíram num cêntimo a criminalidade; foi um ministro do PSD que criou corpos de investigação especial contra o terrorismo com o que desviaram meios de combate à criminalidade comum, com os resultados que estão à vista e que as estatísticas policiais, ao que parece, traduzem - não sei se os seus serviços já lhas forneceram; foi um ministro do PSD que impulsionou a aprovação do actual Código Penal que, em comunicado do Con-

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selho de Ministros - não sei se se encontrava presente nessa reunião -, foi qualificado d.e "excessivamente permissivo" (sic).
E, para cúmulo, após vários anos de gestão do PSD na hasta da justiça e na área da polícia, o Conselho de Ministros, em 1 de Março, veio dizer, solenemente, que era necessário, no nosso país, "ultrapassar os expedientes semiartesanais de combate ao crime organizado" (sic), que, pelos vistos, são uma herança da gestão PSD na área da justiça e na área da polícia.
Compreende-se, portanto, que o PSD esteja profundamente interessado em mistificar as causas reais da actual situação e em dizer que a culpa é de não haver um serviço de informações, porque se houvesse outra coisa seria. E compreendesse, também, que esteja preocupado em dizer até, por exemplo, que o Código Penal proposto por Mata Pinto em 1979 era mais permissivo nas suas penas do que o actual Código Penal, ...

n Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... e que esteja interessado em provocar episódios um pouco caricatos como aquele em que um ministro da justiça corrige, em entrevista particular, um comunicado do Conselho de Ministros, suavizando-lhe os contornos, depois de um membro do PSD ter vindo dizer, noutra entrevista, que o Governo está a reagir como um homem acossado e tolo!

Aplausos do PCP.

Compreendo que a poucas horas do congresso do PSD isto seja inquietante e que o discurso aí esteja para arranjar um motivo, um pretexto, uma desculpa, uma escapatória.
Em todo o caso, queria perguntar-lhe concreta e directamente: em que factos, em que informações concretas, assenta a afirmação de que a criação deste serviço é um meio necessário, adequado e eficaz de combate à criminalidade?
Em segundo lugar, qual é, se a tem, a posição oficial do PSD porque posições de PSDB conhecemos várias - sobre as causas, os contornos, as dimensões e as medidas necessárias para dar respas4a às diversas formas de criminalidade que existem no nosso pais? Se o PSD ou o Sr. Vice-Primeiro-Ministro não estiver em condições para dar uma resposta cabal a esta questão, só se poderá concluir que V. Ex.º e o seu partido jogam aberta e claramente na confusão mais inaceitável numa matéria em que não são admissíveis confusões nenhumas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, se desejar responder, tem V. Ex.º a palavra.

O Sr. Vice-primeiro ministro: = Alguns dos senhores deputadas que me interpelaram tocaram a tecla de que havia muitas coincidências entre a minha intervenção ...

O Sr. João Amaral (PCP): - Repetições!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É uma cópia mal feita!

O Orador: - ... e a intervenção do Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares.
Como a minha intervenção não é um plágio da do Sr. Ministro do Estado, nem a da Sr. Ministro de Estado é um plágio da minha, isso significa que há uma coincidência ...

Risos do PCP.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - São muito coesos!

O Orador: - ... viva por parte dos partidos democráticos, a qual exprime uma consciência viva por parte do povo português de uma necessidade de métodos democráticos.
E aqui entronca a confusão que tenho ouvido da bancada do Partido Comunista ser exposta com o maior à-vontade entre função de informações e função policial e a defesa que aí tem sido feita de que sejam as polícias a fazer tudo.

Vozes do PSD. - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Chegou tarde, não ouviu!

O Orador: - Mas cheguei a tempo de ouvir um deputado dessa bancada dizer que não era preciso nenhum serviço de informações, porque havia na Polícia judiciária uma divisão que poderia fazer todo esse serviço!

Aplausos do PS, do PSD e do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, da ASDI.

O Sr. Deputado Corregedor da Fonseca foi sensibilizado por uma referência que fiz, mas que expôs de uma forma, desculpe dizê-lo, um pouco simplista. E a referência que me atribuiu foi a de que eu teria dito que era preciso o serviço de informações para governar melhor.
O que eu disse foi, ipsis verbis, que a difícil missão de governar é mais acessível e praticada com mais eficiência se for apoiada por eficazes serviços de informações.
Ora, com isto pretendo significar que não se trata, ao contrário da confusão que está a ser deliberadamente provocada, de criar um serviço que seja norteado par um objectivo iminentemente repressivo ou que tenha carro função uma actuação persecutória em relação aos cidadãos ou a um particular grupo de cidadãos ou a um particular agrupamento religioso, política ou com qualquer tipo de filosofia social.
Neste sentido, as informações permitem, através de um conhecimento dos conflitos que perdem surgir na sociedade, das manipulações que se podem ir fazendo desses conflitos para os tornar em potenciais barris de pólvora explosivos, intervir muito antes de qualquer fase de actuação policial, par meio de medidas que possam corrigir, que possam distorcer aspectos que possivelmente sejam alvos de uma propaganda e de uma intervenção destinada a alterar os factos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ora aí está: com toda a clareza!

O Orador: - Sim, com toda a clareza!

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Abençoada franqueza!

O Orador: - Esta é uma possibilidade de permitir uma actuação de planeamento a longo prazo, através do conhecimento da realidade do País e não apenas d?, realidade criminal.
Mas, ao lado desta função - porque a informação carreia todos os elementos -, estes serviços têm a função de, ou na área da defesa nacional, ou na área militar, ou na área da segurança (e este serviço de informações de segurança é que está a causar, pelos vistos, especial estranheza e especial obstinação, na sua contestação, à bancada do Partido Comunista), identificar, de uma forma prematura e atempada, os riscos da perpetração de actos preparatórios ou de actos consumados que atentem contra a legalidade democrática: actos de sabotagem, actos de terrorismo, actos tipificados no Código Penal.
Não se trata, portanto, de realizar qualquer polícia de ideias ou de qualquer polícia de actuação no campo da intervenção política.

Aplausos do PS e do PSD.

Foi-me perguntado ainda pelo Sr. Deputado Corregedor da Fonseca se a polícia não devia fazer tudo.
Essa é uma questão a que já há pouco aludi. Há uma diferença profunda entre uma função de informações e uma função policial.
As informações procuram detectar, atempadamente, vulnerabilidades, riscos, ameaças, quando estão em gestação, e os agentes que as podem transformar de ameaças em gestação para actos consumados. Em suma, actuam antes de estas ameaças de transformarem em actos consumados que atentem contra a legalidade democrática.
A polícia tem outra missão: a de investigar depois da ameaça se ter efectivamente manifestado.
Naturalmente que terá de haver aqui uma possibilidade de colaboração e naturalmente que uma polícia que investiga delitos tem arquivos, tem uma memória colectiva. Mas não deve ter é uma função de, através de uma secção própria, se dedicar à inventariação, pesquisa e recolha de informações sobre ameaças que não se transformaram em crimes ou em actos já ocorridos. Tudo aquilo que possa ajudar a investigação subsequente é o resultado da memória colectiva que ela dispõe como entidade de investigação.
Ë muito diferente investigar depois de uma ameaça concretizada ou de um crime praticado e uma actuação prévia traduzida no levantamento dos riscos existentes de se virem a perpetrar actos contra a legalidade democrática e contra o Estado de direito.
Penso que isto responde também à questão posta pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso.
Na verdade, distinguindo a função de informação, no momento em que a ameaça ainda não se consumou, em que ela está em riscos de se corporizar e de se desenvolver, para, dessa maneira, bem a identificar, e a função da polícia, que apenas deve intervir quando há efectivamente um acto concreto previsto no Código Penal, investigando-o e tentando descobrir o seu autor, esta distinção, dizia, consubstancia a resposta à sua pergunta.
Naturalmente que existe um mecanismo de ligação, através da comissão técnica que aqui se refere e através da referência que esta lei - que é uma lei geral -
faz relativamente à cooperação que tem de haver entre serviços de informação e os vários órgãos que aqui se indicam, cada um no âmbito das suas funções próprias. Daí que seja necessário elaborar e promulgar diplomas regulamentares que desenvolverão esse aspecto que lhe causou a necessidade de fazer aquela pergunta.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença. Sr. Vice-Primeiro-Ministro?

O Orador: - Preferia que perguntasse no fim. Sr. Deputado.
Quanto à questão relativa ao poder de intervenção ou de fiscalização da Assembleia da República, creio que o que se diz no diploma é que será submetido a uma comissão escolhida pela Assembleia um relatório.
Não se trata, portanto, de enviar um relatório para conhecimento, visto que se fala em submeter, e submeter significa, necessariamente, a possibilidade de aprofundamento, diálogo, pedidos de esclarecimento, integração, etc.
O relatório é, pois, susceptível de proporcionar uma actividade de acompanhamento por parte dessa Comissão da Assembleia da República. Não se trata, assim, de enviar o relatório para satisfazer uma mera formalidade, visto que a lei fala em submeter à Comissão, o que significa a possibilidade de esta praticar actos que lhe permitam esclarecer pontos que entenda deverem ser esclarecidos.

Vozes do PCP: - E são só 3 membros!

O Orador: - A Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura salientou, nas suas considerações, os graves riscos que poderiam resultar para a liberdade, para o sistema democrático e para a segurança dos cidadãos o facto de existirem estes serviços.
Não precisarei de lhe chamar a atenção para o facto de que estes serviços não se destinam a actuar num quadro ditatorial, num quadro onde se não verifiquem todas as formas de controle que caracterizam um Estado democrático, estes serviços não se destinam a actuar no Chile ou na União Soviética, mas sim em Portugal, com todos os mecanismos de controle existentes, relativamente a uma acção que implique irregularidades, que implique ilegalidades, que implique abusos. Esta é uma diferença substancial.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Deputado Lino Lima teceu várias considerações sob a forma de pedidos de esclarecimento, já que esclarecimentos não me lembro que tenha solicitado. Aproveitou o ensejo e a figura regimental do pedido de esclarecimento para tecer algumas considerações.
Repito as minhas palavras: este tipo de serviços está inserido num quadro democrático, com todos esses órgãos, que tem, em minha opinião, uma real capacidade de intervir na defesa da legalidade - a Procuradoria-Geral da República, o Tribunal Constitucional, as Comissões de Apuramento de Contas (que permitem saber quanto custam os serviços), o Governo democraticamente eleito, a Assembleia da República.

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Será que o Sr. Deputado Lino Lima tem em tão escassa conta a prestabilidade destes serviços, atirando-os para o caixote do lixo com esse à-vontade?
Creio que estes serviços têm a possibilidade de dar uma estrutura que é indispensável à segurança do Estado e à defesa da ordem democrática.
É evidente - eu próprio reconheço - que eles têm de ser definidos de modo a que haja um ponto de equilíbrio que permita respeitar os direitos dos cidadãos. E eles têm os meios necessários à garantia desse ponto de equilíbrio.
Disse o Sr. Deputado que estes serviços correm o risco de resvalar e de sobre eles não haver controle.
Reconheço que essa é uma vulnerabilidade dos países democráticos, mas nós confiamos na democracia e entendemos que ela tem a força suficiente para que estes serviços sejam efectivamente controlados.
Nos países não democráticos é que ninguém, a não ser quem detém o poder supremo, tem qualquer possibilidade de agir de uma forma absoluta. Nos países democráticos os serviços de informações de quaisquer órgãos estão submetidos a controles e a controles eficazes.
Quanto à referência que fez ao serviço de informações estratégicas de defesa, eles não se confundem com os Serviços Estratégicos Militares. São serviços que têm a ver com o acompanhamento da formação de ameaças, sob a forma de agressão externa, à Nação portuguesa. São serviços de dimensão muito reduzida, praticamente de pesquisa, que a cada passo nos darão conhecimento da situação psicológica e política de países que possam ser nossos eventuais inimigos, habilitando-nos atempadamente com o conhecimento da possibilidade ou da impossibilidade de uma agressão externa.
É este o significado de defesa: protecção contra a agressão externa.
E aproveito para responder agora também ao Sr. Deputado Sottomayor Cardia, dizendo que o serviço de informações estratégicas de defesa se dirigem a uma avaliação daquilo que, através da análise dos dados, se possa vir a corporizar e a formular atempadamente num propósito sobre a eventualidade de agressões externas contra Portugal.
Nada tem a ver, portanto, com a nossa convivência e com a vida que decorre dentro das nossas fronteiras.
O Sr. Deputado António Taborda teceu várias considerações, tendo perguntado se eu achava ou não conveniente um artigo que excluísse os ex-agentes da PIDE destes serviços.
Esta sua pergunta é, mais do que uma pergunta, não direi provocação, mas uma forma de tentar criar dificuldades à implementação de um serviço de necessidade absoluta.
Os ex-agentes da PIDE/DGS estão excluídos da função pública em geral e, por maioria de razão, teriam de estar excluídos deste serviço. Aliás, todos os partidos democráticos seriam, a esse respeito, exigentes e certamente o impediriam.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Isto é demais!

O Orador: - Repito, todos os partidos democráticos seriam, a esse respeito, de uma negativa formal.

Aplausos do PS e do PSD.

Protestos do PCP.

O Sr. Deputado Carlos Brito teceu também largas considerações e disse que toda a gente sabe ter havido serviços de informações depois do 25 de Abril.
Há, desde logo, os Serviços de Informações Militares, por força da Lei de Defesa Nacional, que desempenham funções restritas à área militar, isto é, à investigação sobre a existência de ameaças quanto ao pessoal militar, quanto aos equipamentos militares, quanto às instalações militares, quanto à disciplina militar, etc. Apenas, portanto, na área militar, a qual não se confunde com a área de defesa nacional. Creio ter já demonstrado isto devidamente.
Serviços de informação, depois do 25 de Abril, que detectassem convicções dos cidadãos portugueses e os distinguissem maniqueisticamente entre bons e maus - bons, os que estavam próximos do Partido Comunista e maus, os outros -, lembro-me apenas dos serviços da 5ª Divisão, onde o PCP tinha, ao que consta, alguma influência.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

Depois, Sr. Deputado Carlos Brito, acho que este problema dos serviços de informação é um problema que, num Estado democrático, tem que ser desdramatizado, é uma necessidade - a necessidade de segurança- de atempadamente, de prematuramente, se conhecerem as ameaças em gestação.
Ameaças em gestação contra a independência nacional: serviços de informações estratégicas de defesa. Ameaças em gestação no interior da instituição militar, contra a disciplina, contra os equipamentos militares, contra as instituições militares, contra o pessoal militar: Serviço de Informações Militares. Detecção atempadamente de actos preparatórios ou de ameaças em curso de desenvolvimento ou de empolamento que se possam corporizar em actos de terrorismo, em sabotagem ou em outras formas violentas de subversão da legalidade democrática e dos poderes legitimamente constituídos, actos que estão tipificados no Código Penal: Serviço de informações de segurança.
Isto não tem nada de dramático.
Mas, apesar de isto ser claro, de não ser dramático, de a necessidade ser a mesma, o Sr. Deputado Carlos Brito começou por dizer que compreendia muito bem o Serviço da Informação Militares.
Mas por que é que distingue esta necessidade das outras? Por que é que afirma que nesta área deve haver uma especial necessidade? Não é certamente uma vénia especial que está a fazer a uma área particular da vida portuguesa, ou será? Não sei.

Risos do PSD.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Já vamos explicar!

O Orador: - Fez também referência à Polícia Judiciária, e aí está o vício de conceito, o mesmo vício de conceito que transparece em quase todas as intervenções de deputados do Partido Comunista: a facilidade enorme com que acham que uma entidade policial com capacidade para fazer os interrogatórios, para fazer as investigações, para apresentar os detidos a juízo, etc., deve ser ela a ter também a função mais distante de começar a detectar as ameaças potenciais, onde não há evidentemente actos preparatórios, onde não há nada ainda que permita, realmente, falar, de uma agressão ou de uma violação do Código Penal.

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Mete isto tudo na polícia?
Mas isso era o que acontecia com a PIDE/DGS!
A PIDE/DGS é que tinha estas duas funções.
Esta distinção é fundamental, Sr. Deputado, e eu entendo que lhe seja difícil compreendê-la porque nela jaz, realmente, a destrinça básica entre serviços de informação democráticos e serviços de informação existentes em países não democráticos.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É uma distinção vossa!

O Orador: -0 Sr. Deputado João Amaral faz referências sobre a distinção entre a segurança militar e posições estratégicas de defesa.
Quero-lhe dizer que pode exorcisar todos os seus fantasmas a respeito da existência do serviço de informações estratégicas de defesa.
E creio que a distinção é muito clara: a defesa nacional não se limita ao vector militar. O vector militar é uma instituição que, desde tempos imemoriais, sempre teve o que se chamava a 2 º Repartição que existe ao nível táctico, na guerra, e nos estados-maiores com uma função não táctica de actuação, mas com uma função de planeamento para, efectivamente, colher informações quê digam respeito à vida interna da instituição militar.
Quanto à defesa nacional, trata-se de outra coisa. Trata-se da defesa da independência, da defesa da integridade contra agressões externas, segundo o conceito que está na nossa Lei de Defesa Nacional, à qual nos mantemos apegados.
Há aqui todo um espaço de análise, de detecção é de estudo, e de todos os serviços este é, digamos a componente de análise e desenvolvimento mais apurado destinada a averiguar da existência potencial, no futuro, de agressões contra os valores que a defesa nacional preserva, que não a independência, a integridade territorial e a segurança das populações.
São acções iminentemente externas, são fenómenos em gestação no exterior que podem corporizar essas ameaças.
O Sr. Deputado José Magalhães disse-me que fiz um discurso que, 2 horas antes, teria sido original. É o velho tema de que teve muitos pontos de contacto.
Como nós não usamos a prática da cassete ...

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Pelo contrário, V. Ex.º usou a cassete!

O Sr. Carlos frito (PCP): - Cassete, e fraca!

O Orador: - Efectivamente, existe aqui uma necessidade objectiva, uma consciência de que há uma realidade objectiva e meios objectivamente democráticos deter a coragem de elaborar um diploma destes, que tem que o ser se formos imunes aos complexos que os senhores estão a querer criar-nos.

Aplausos do PS e do PSD.

Quanto aos meios eficazes necessários de combate à criminalidade, essa é uma questão de criminologia. O Sr. Deputado sabe que se escreveram milhões de

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páginas sobre a criminologia. Existem as teses mais diversas, desde as causas sociais às causas sociais conjuntamente com outro tipo de causas. Obviamente que teria muito gosto em ter uma discussão, certamente erudita, sobre criminologia e sobre causas do fenómeno criminal.
Dizia eu que há causas muito variáveis, mas essa discussão não deve impedir que o Estado não esteja efectivamente preparado para se poder defender, de uma maneira prevenida e atempada, e, inclusivamente, fornecer elementos não a ele próprio, mas às polícias para eles, nas suas funções de instrução ou de investigação autónoma, sem qualquer dependência dos órgãos de informação, bem cumprirem a sua missão.

É isto o que tenho a dizer-lhes. Penso que não se deve dramatizar este problema.

Todo o povo português sente que há aqui uma lacuna, que há aqui uma brecha que tem que ser colmatada quando acontece em Portugal um acto especialmente grave que viole frontalmente a legalidade democrática, que viole o Estado de direito.
Todos os dias na rua os Portugueses dizem que é preciso que exista um serviço que esteja habilitado a prestar informações sobre as pistas que possam conduzir à identificação de criminosos ou suspeitos.
Pelos vistos essas pessoas ficam a saber que os Srs. Deputados não comungam minimamente dessa necessidade e não partilham dessa aspiração colectiva.
Pois bem, nós entendemos que é nosso dever dotar o Estado Português de um quadro democrático, onde não sejam possíveis abusos, nem irregularidades, nem ilegalidades. Assim não se violam direitos dos cidadãos e protege-se a Constituição e a legalidade democrática.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. )Presidente: - Srs. Deputados, pediram a palavra para protestar os Srs. Deputados Lino Lima, João Corregedor da Fonseca, Lopes Cardoso, Helena Cidade Moura, Carlos Brito, Sottomayor Cardia, João Amaral, José Magalhães e António Taborda.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, pedi a palavra usando a figura do protesto, visto que não tenho outra forma de manter este interessante diálogo por mais algum bocado consigo.
Bem, só lhe vou dizer duas coisas: creio que era a mim que se referia quando afirmou que havia um deputado que disse que não era preciso um serviço de informações contra a criminalidade porque a polícia já tinha um.
Devo-lhe dizer, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, que V. Ex.ª se voltou a colocar naquela posição que já refeci anteriormente: ou não sabe as coisas ou veio aqui para nos enganar.
Então e o Sr. Vice-Primeiro-Ministro não sabe que a Polícia judiciária tem uma direcção e centro de combates ao terrorismo que tem serviços de informações, que colhe informações, que "ficha", que arquiva?

Para terminar, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro falou muito em democratas, em partidos democráticos, com um ar como se fosse uma coisa a "sair-lhe" mesmo.
Olhe, sabe o que lhe digo? É que na realidade, e já sou um bocado velho, vejo agora tantos demo-

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cratas que até esbordam. Oxalá alguns verdadeiros democratas não se apaguem nessa «esbordadela» desses democratas que aparecem agora.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, V. Ex.ª, ao responder-me - e agradeço-lhe por isso -, falou, contudo, em prevenção e em manipulação de conflitos que poderão criar situações graves para a nossa sociedade; falou também em instrumentos de propaganda, em planeamentos, etc.
Esta é também uma afirmação que sugere uma ponderação e daí algumas dúvidas que lhe quero pôr.
O Governo tem conhecimento de algum levantamento de conflitos manipulados que tivessem criado situações graves para a sociedade portuguesa? E, a ser assim, que tipo de conflitos? Conflitos entre terroristas, entre bandidos ou apenas conflitos laborais.
Os conflitos laborais, no entendimento do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, violam a democracia? Quando é que isso aconteceu?
O Governo receia o agravamento dos conflitos que ponham em causa n nossa democracia? Que dados concretos possui o Governo para o levar a essa possível conclusão?
Será a declaração de V. Ex.ª apenas mais uma declaração ameaçadora destinada aos trabalhadores com graves problemas e que só defendem a democracia, como mais de uma vez têm dado provas?
Quanto à concepção de V. Ex." sobre o papel das polícias e, mais concretamente, da Polícia Judiciária, pareceu-me confusa a sua resposta, ou, pelo menos, pouco esclarecedora.
Por isso pergunto-lhe se não teria sido melhor, para evitar esta confusão, que o Governo tivesse apresentado a sua proposta acompanhada por outra legislação complementar capaz de clarificar as dúvidas que esta Assembleia tem sobre a real estrutura, funções e limitações dos serviços de informações agora propostos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, julgo que não exorbitei quando disse que V. Ex.ª considera como um dos aspectos fundamentais em todo este problema a clara delimitação da esfera de competência de um serviço de informações e dos serviços policiais.
De resto, só sendo assim é que se compreende a ênfase que V. Ex.ª pôs na denúncia das confusões que em torno destas duas funções se pudessem estabelecer.
Sendo assim, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro concordará comigo, em que as regras que determinarem a clara reparação dessas funções são fundamentais para definirem a natureza real dos serviços de informações.
E. sendo assim, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, como é que V. Ex.ª pode admitir que essas regras sejam definidas por decreto regulamentar?
Essas regras são decisivas, repito, para definir a natureza do serviço nacional de informações, para definir garantias fundamentais. Não se compreende, pois, que essas regras sejam remetidas para decretos regulamentares.
Está o Governo disposto a que essas regras sejam submetidas à apreciação através de proposta de lei a esta Assembleia?
Para nós isso é fundamental e decisivo e dirá do entendimento real que o Governo tem destes problemas.
Quanto à outra questão que lhe queria pôr, diz V. Ex.ª que submeter o relatório à comissão de fiscalização significa, e tem que ser entendido, como dando a essa comissão poderes que vão para além da simples apreciação.
Pois que seja assim, Sr. Vice-Primeiro-Ministro. Admitamos que é essa a interpretação. Mas então também terei que concluir que o Governo não pode ver qualquer óbice a que isso fique claramente expresso na lei e que se venha a adoptar formulação pelo menos próxima daquela que propusemos, isto é, que a comissão de fiscalização tenha o direito de requerer e de obter as informações complementares que considere necessárias ao exercício do seu poder de fiscalização.
Continuo a dizer, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, que quando assim não for a fiscalização não passará de uma falsa aparência, não passará de uma paródia de fiscalização.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, V. Ex.ª é um homem optimista e confiante. A nível pessoal felicito-o; como governante isso apavora-me um pouco!
A realidade social ainda é mais complexa do que qualquer partido político e não poderá ser vista, de facto, em matéria de princípios. Tem que ser baseada em factos.
A verdade é que quando o Sr. Vice-Primeiro-Ministro fala em métodos democráticos, fala como se os métodos fossem democráticos por definição; quando fala no conceito de ameaçar, fala como se esse conceito não estivesse sobrecarregado da maior subjectividade; quando fala ainda em quadro ditatorial, fala como se o quadro ditatorial não fosse criado pelas circunstâncias e nascesse de uma vez só; quando fala em pides, fala como se eles tivessem aparecido por geração expontânea.
É esta irrelevância que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro dá às forças sociais, aos conceitos da realidade, que é assustadora no seu discurso. V. Ex.ª tem um discurso inteligente, mas extremamente simplista em relação às responsabilidades que assume nesta Câmara através desta proposta de lei.
Ê evidente que os pides fazem-se porque há fome. Nem toda a gente tem coragem para ficar sem emprego, pôr a mobília no «prego» e ficar sem comer. Muita gente cai em tentações de ter expedientes. Como sabe o fascismo, para além de tudo, deixou-nos na cauda da Europa.
Passados 10 anos do 25 de Abril - uma revolução que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro toma fraccionadamente, como é hábito no seu partido -, V. Ex.ª fala dos malefícios da 5.ª Divisão. Nunca pertenci à 5.ª Divisão nem sequer tomei parte das campanhas de alfabetização porque eram contra o meu temperamento e

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a minha forma de trabalho. Mas não se pode, de facto, pensar em defender o 25 de Abril e, ao mesmo tempo, servir-se dos trabalhos de consciencialização que a 5.ª Divisão fez da forma primária como V. Ex.ª se expressou nesta sala.

Risos do PSD.

Cabe-me a mim dizer aquilo que penso de uma forma clara.
Isto não é um ataque às pessoas. Tenho consideração pela sua pessoa sob o ponto de vista profissional e humano, mas cabe-me chamar-lhe a atenção para a enorme responsabilidade que significa verem-se os problemas desta natureza apenas do ponto de vista político sem se pensar nas suas implicações sociológicas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, em primeiro lugar quero dizer-lhe que a Direcção Central contra o Banditismo é uma criação de governos onde o seu partido tinha uma responsabilidade especial e é uma criação de um ministro do PSD, tal e qual como o COE e, enfim, todo o aparelho policial que foi criado nos últimos anos.
Depois, quero dizer-lhe também que a nossa posição é a de que não são necessários mais serviços de informações.
Essa é a nossa posição.
Tem que se fazer a denúncia, a desmistificação dos pretextos, dos falsos argumentos que são usados para justificar a sua criação.
Os países que têm os tais serviços que os Srs. Membros do Governo querem transplantar para Portugal e de que seguem o modelo não têm, do ponto de vista da segurança dos cidadãos e da tranquilidade pública, uma situação melhor do que aquela em que nos encontramos.
Se se trata de combater o banditismo há forças, há meios para o combater. Então vamos combater o banditismo!
Já hoje aqui foi invocado que houve uma rede de terroristas, de bombistas, de fascistas, que atentaram contra a segurança dos cidadãos e contra as instituições democráticas. Não foram necessários serviços especiais de informações para os detectarem e elas estariam na prisão se não tivessem grandes cumplicidades no poder. Estariam na prisão se houvesse vontade política para que isso acontecesse.
Bem, creio que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro fez, na sua intervenção, a demonstração da falta de isenção democrática que leva a confundir uma greve geral, que é inteiramente legítima, com a insurreição dos fósforos.
E aqui é que está a questão!
Ë a partir de serviços deste tipo, mal orientados, com atitudes antidemocráticas, antioperárias, contra os trabalhadores, que se transformam em acções ilegítimas aquilo que são acções legítimas e acções constitucionais, acções que respeitam a Constituição.
É a tal distância que há entre uma greve geral e a insurreição dos fósforos!
É isso que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro não foi capaz de discernir na sua intervenção. Essa é que é a questão e é por isso que dizemos que estes serviços
que os senhores pretendem criar são serviços para informações políticas, são serviços que vão taxar, que vão «fichar» os cidadãos, os activistas políticos, os activistas sindicais e que vão acompanhar as suas vidas, para fazer escutas telefónicas, para violar a sua correspondência. E amanhã, como aconteceu com a insurreição dos fósforos, vão arranjar uma historieta para perseguir, para reprimir e, antes disso até, para discriminar cidadãos e democratas que estão com as instituições e que lutam pela sua consolidação.
É por isso que dizemos não a estes serviços, e cremos que a intervenção de V. Ex.ª foi esclarecedora para dar mais forca a este «não» aos serviços de informação.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, o meu protesto é essencialmente para agradecer a resposta que V. Ex.ª me deu. Mas, acessoriamente, quero também dizer-lhe que me pareceu que a sua resposta é aproximadamente clara. E ela e apenas aproximadamente clara decerto porque a minha pergunta foi pouco precisa, pelo que me permitiria formulá-la com maior precisão! Pode um facto praticado em Portugal por um cidadão português interessar um serviço de informações estratégicas de defesa dependente de um ministro da Defesa Nacional?
Afigura-se-me que esta questão, além de ser respondida, como foi, em termos aproximadamente claros, deveria, talvez, desde já, ser analisada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, o meu protesto tem o conteúdo exacto de manifestar que, embora tenha constatado a sua preocupação em desfazer fantasmas e em tranquilizar, teria gostado mais que tivesse tido uma outra preocupação, que era a de esclarecer a Assembleia. Isso não o fez V. Ex.ª E não o fez por uma razão simples: porque a pergunta concreta que lhe fiz é sobre a definição exacta e rigorosa das áreas que interessam a um e a outro dos serviços.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro respondeu: «Bem, a defesa nacional é um conceito mais lato e não se confunde com os problemas estritamente militares» e fala-me, então, dos militares em acção que não têm campanhas.
Eu pergunto, concretamente, o que é que isso tem a ver com a segurança militar e em que termos exactos é que, existindo os dois serviços, será possível que uma acção - quase repetindo uma formulação aqui usada - de um cidadão português, em Portugal, possa interessar ao Serviço de Informações Militares.
]á agora coloco-lhe outra questão, Sr. Vice-Primeiro-Ministro: se o serviço e tão circunscrito como diz, isto é, se fosse reduzido à área militar e ao próprio funcionamento da actividade militar e da máquina militar como tal, em que medida é que ele se conexiona com o Serviço de Informações de Segurança e em que medida é que, dessa forma, ajuda o Governo a governar?

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22 DE MARÇO DE 1984

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, creio que na sequência da exposição que fez ficámos a saber que, em matéria criminal, o PSD, como certos advogados ou certos professores, oferece, em vez de respostas, o mérito dos manuais -todos os manuais do mundo, milhões e milhões de páginas e oferece também a proposta de dois dedos de conversa. Não obrigado, Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
Aquilo que queríamos eram apenas 20 linhas magras, concisas e claras sobre as perguntas que lhe tínhamos formulado e que eram simples.
Creio que é possível responder claramente a isto, mas talvez não o seja.
Em primeiro lugar, acha ou não que o crime organizado em Portugal, neste momento, está a ser combatido por métodos artesanais? A admitir isto estaria a acusar gravissimamente a Polícia Judiciária e a gestão do PSD nesta área.
Em segundo lugar, acha que os corpos repressivos que foram criados, inclusive por ministros do PSD, não tiveram nenhum efeito no combate à criminalidade, tendo sido apenas efeitos de intimidação e repressão, ou acha outra coisa qualquer?
Em terceiro lugar (os manuais também não respondem a esta pergunta): acha que o actual Código Penal é excessivamente permissivo ou acha, como o Sr. Ministro da Justiça disse há dias numa entrevista que o que está mal são umas penas demasiado leves em matéria de crimes sexuais e crimes contra a propriedade e a questão da prostituição?
Acha isto ou acha outra coisa qualquer?
Em quatro lugar, em que áreas é que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro acha que está a haver aumentos de criminalidade e porquê? Os manuais também não respondem a isto.
Acho significativo, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, que em vez de nos dar respostas concretas, em nome do PSD, nos remeta, da forma mais defensiva que me lembro de ouvir aqui, para páginas e de autores múltiplos e filhos das mais diversas orientações doutrinárias e políticas.
Concluo então, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, pura e simplesmente isto: é que, nesta nova forma de ocupar as cadeiras do poder, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro terá manuais certamente a mais! Pelos vistos falta-lhe um congresso que lhe permita dar aqui respostas.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): -Não diga disparates! Não tem graça nenhuma!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, quando pedi esclarecimentos, V. Ex.º respondeu exclusivamente à minha última pergunta. E essa minha sugestão de criar um novo artigo que proibisse que os ex-pides fossem funcionários dos serviços de informações foi qualificada por V. Ex." - ao contrário do que eu estava à espera-, como uma provocação.
Não fiz nenhuma provocação, Sr. Vice-Primeiro-Ministro. Pelo contrário, a minha intervenção ia no sentido de, como V. Ex.ª sabe e não quis ver na

altura, dar uma outra dimensão a todo este articulado e, inclusivamente, arredar de uma vez por todas qualquer fantasma em relação a este serviço. V. Ex.º preferia dar, ao contrário do que disse depois e no intuito de desdramatizar, uma resposta simples e legalista, dizendo que os ex-pides não podiam ser funcionários públicos. Só que a minha intenção era no sentido de uma transparência e de uma cristalinalidade total destes novos serviços. V. Ex.º não entendeu assim, Repito que não fiz nenhum provocação. A provocação, quiçá ao povo português, fica com V. Ex.ª!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, embora tenham chegado à hora regimental, creio que não haverá oposição da parte da Câmara para que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro responda aos protestos que lhe foram feitos.
Tem então a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.

O Sr. Vice-Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, não vou responder, de novo, às questões que foram postas. Vou fazer um contraprotesto já que essa é a figura regimental adequada. Nem vou, sequer, responder a perguntas novas a título de "2 ª chamada".

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - V. Ex.ª faltou à primeira!

O Orador: - Utilizarei o contraprotesto de uma forma mais útil para falar sobre a questão do decreto regulamentar e a questão da articulação com a polícia.
Acho que disse no meu discurso que esta Assembleia poderá ter sempre uma intervenção enriquecedora. Acho que em vez de um decreto regulamentar poder-se-á fazer um decreto-lei ou um diploma, sujeito, como tal, a ratificação e a controle. Mas isso é um problema que não é meu e que a Assembleia, obviamente, discutirá.
Se a Assembleia quiser, um decreto-lei e enriquecerá como entender - e se entender - o projecto.
Quero ainda contraprotestar contra a qualificação da abordagem das questões como simplista, não que me fira minimamente do ponto de vista pessoal, mas porque acho que perante um problema - e este problema existe para os governantes -, pode-se ter uma atitude como a minha, que é a de tentar resolvê-lo sem procurar uma grande bordadura de considerações intelectuais ou eruditas, mas com eficiência, ou podemos não resolver nada e ficar a discutir sempre uma questão prévia de uma outra questão prévia.
É assim que quero contraprotestar contra a acusação de simplismo.
A minha função aqui não é, realmente, estar numa academia. Tenho que tentar, efectivamente, dar resposta a problemas concretos da forma mais simples possível.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Vice-Primeiro-Ministro, dá-me licença que o interrompa?

O Orador:- Faça favor, Sr.ª Deputada. .

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Vice-Primeiro-Ministro é evidente que não se pode

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3858 I SÉRIE - NÚMERO 88

deturpar. Posso não ter entendido exactamente o sentido em que disse as coisas. Em todo o caso, V. Ex.ª não pode deturpar aquilo que eu disse.
É evidente que não são bordaduras intelectuais que lhe peço que faça à volta das questões.
O que peço é que as veja em profundidade e na sua complexidade. V. Ex.ª não pode dizer que uma atitude destas é desligável da acção, porque uma acção correcta pressupõe, de facto, um aprofundamento da realidade. Foi isso que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro nos deu a ideia de que não estava aqui, no seu discurso, a fazer.

O Orador: - Sr.ª Deputada, partilho da sua necessidade de aprofundar os problemas, mas quando chega a hora de dar respostas é a hora de dar respostas. Quanto ao protesto feito pelo Sr. Deputado Sottomayor Cardia, apreciei a sua minúcia. Pois bem, é evidente que todos sabem que existem as chamadas estratégias indirectas. Portanto, a agressão do exterior contra a independência nacional, contra a integridade ou contra a segurança dos portugueses pode ser perpetrada por acções do inferior e isso pode, evidentemente, ser analisado por um serviço dependente do Ministério da Defesa.
Mas o que acontece é que este serviço dependente do Ministério da Defesa pode apenas apreciar e analisar à evolução e não mandar prender, investigar.
Isso, portanto, parece que contribui também - e agradeço-lhe a oportunidade que me deu para dar este esclarecimento sob a forma de contraprotesto -, porque, efectivamente, é possível que um serviço deste teor tenha que analisar um comportamento verificado dentro de Portugal. Toda a gente sabe que há estratégias indirectas para realizar agressões indirectas, de realizar agressões e, como tal, pôr em causa a defesa nacional.
Finalmente, mais uma vez, quero contraprotestar porque não há em Portugal muitos outros serviços de informações. Não confundam com serviços de informações especializados nessa actividade os departamentos que, para as suas necessidades específicas e no fundo para reproduzirem a memória colectiva da polícia A ou da polícia B, têm os seus arquivos; isso não são serviços de informações. A não ser os Serviços de Informações Militares, não conheço mais nenhum.
A não ser que o Sr. Deputado Carlos Brito se queira referir a outros que eu não conheço e que sejam serviços de informações particulares. Serviços de informações públicos não conheço.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares é que informou!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa 2 recursos, um apresentado pelo MDP/CDE e outro pelo PS, de impugnação da admissibilidade do projecto de lei n.º 305/III - alterações à Lei n.º 75/79, de 29 de Novembro (Lei da Radiotelevisão). Por ter dúvidas sobre a sua constitucionalidade, decidi suspender a admissão destes 2 recursos, pelo que remeto o assunto a VV. Ex."'
Vão ser lidos os 2 recursos.

Foram lidos. São os seguintes:

Impugnação da admissibilidade do projecto de lei n.º 305/III

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

Nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º 2 do artigo 157.º do Regimento da Assembleia da República, os deputados do Grupo Parlamentar do Movimento Democrático Português (MDP/CDE), vêm interpor recurso para o Plenário da decisão de V. Ex.ª, que admitiu o projecto de lei n.º 305/III, de alterações à Lei n.º 75/79, de 29 de Novembro (Lei da Radiotelevisão).
De facto, a alínea a), do n.º 1 do artigo 130.º do Regimento não permite a admissão de projectos e propostas de lei «que infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados».
É o caso deste projecto de lei, ao permitir a concessão da gestão privada de canais de televisão, violando assim o princípio da proibição de propriedade privada da televisão (n.º 7 do artigo 38.º da Constituição) e a obrigação da existência do pluralismo ideológico e livre expressão e informação dos meios de comunicação social pertencentes a entidades públicas, constante do n.º 1 do artigo 39.º da Constituição.
Nestes termos, requere-se a V. Ex.ª que, de acordo com o n.º 3 do artigo 137.º do Regimento, seja agendada a apreciação do presente recurso.

Palácio de São Bento, 21 de Março de 1984. - Os Deputados do MDP/CDE, António Taborda - Helena Cidade Moura - João Corregedor da Fonseca.

Recurso

Os deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista abaixo assinados vêm, ao abrigo do n.º 2 do artigo 137.º do Regimento da Assembleia da República, interpor recurso do acto de admissão do projecto de lei n.º 305/III, com os seguintes fundamentos:

1.º Nos termos do artigo 150.º n.º 1, alínea a), do Regimento, não são admitidas propostas de lei que infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados;
2.º O referido projecto infringe, pelo menos, os artigos 38.º, n.º 7, e 39.º, n.º 1, da Constituição.

Nestes termos, requerem a V. Ex.ª se digne admitir o presente recurso para os devidos efeitos.

Assembleia da República, 22 de Março de 1984. - Os Deputados do Partido Socialista, José Luís Nunes e mais 10 signatários.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Para cada um destes recursos, o Sr. Presidente exarou o seguinte despacho:

Publique-se e distribua-se. Agende-se para a 1.ª parte da ordem do dia da reunião de 27 de Março de 1984.

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22 DE MARÇO DE 1984

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, gostava de comunicar à Mesa que também nós recorremos da admissibilidade do projecto de lei em referência, pelo que solicitávamos que o requerimento de recurso que vai ser imediatamente entregue fosse agendado para a mesma ocasião.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. O Sr. Secretário vai proceder à leitura dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Deram entrada na Mesa os seguintes projectos de lei: n.º 306/111, da iniciativa do Sr. Deputado Carlos Lage, do PS, Francisco Antunes da Silva, do PSD, e outros deputados do PS e do PSD, sobre consultas directas aos cidadãos eleitores, o qual foi admitido e baixou à 1.º Comissão; n.º 307/111, da iniciativa do Sr. Deputado Manuel Laranjeira Vaz e outros do PS e do PSD, sobre o dia do estudante, que foi admitido e baixou à 4 º Comissão.
Também entrou na Mesa uma comunicação do Grupo Parlamentar do PS, apresentando a candidatura do Sr. Deputado do PS, Carlos Lage, a vice-presidente da Assembleia da República para a 1.º sessão legislativa da 111 Legislatura. O Sr. Presidente marcou para a ordem do dia da reunião do dia 27 a eleição do Vice-Presidente em falta da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Entrou neste momento na Mesa o recurso da admissibilidade do projecto de lei n.º 305/111, apresentado pelo PCP e há pouco anunciado pelo Deputado Jorge Lemos, que vai ser lido.

Foi lido. É o seguinte:

Recurso de admissibilidade do projecto de lei nº 305/111 Alterações à Lei n .º 75/79, de 29 de Novembro (Lei da Radiotelevisão).

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

Ao abrigo do disposto no artigo 137 º do Regimento da Assembleia da República, os deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP recorrem para o Plenário da Assembleia da República quanto à admissibilidade do projecto de lei n.º 305/111 - alterações à Lei n.º 75/79, de 29 de Novembro (Lei da Radiotelevisão) -, apresentado por deputados do Grupo Parlamentar do CDS, por o mesmo violar o disposto na Constituição da República, designadamente o n.º 7 do artigo 38 º e o nº 1 do artigo 39 º

Assembleia da República, 21 de Março de 1984. - Os Deputados, Jorge Lemos - João Amaral - José Magalhães - Carlos Brito.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Sobre este recurso recaiu despacho idêntico ao dos recursos anteriormente apresentados pelo MDP/CDE e pelo PS.

O Sr. Presidente: - Vai ser lida a ordem do dia para a reunião de amanhã, que se inicia às 10 horas.

O S. Secretário (Leonel Fadigas): - Do período da ordem do dia constam os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 55/111 - enquadramento dos órgãos e serviços do Estado a quem incumbe assegurar a obtenção, tratamento e difusão das informações necessárias à defesa nacional, ao cumprimento das missões das Forças Armadas, à segurança do Estado de direito e à garantia da legalidade democrática; apreciação do pedido de ratificação n.º 8/111, do PCP - Decreto-Lei nº 508/80, de 21 de Outubro, que regulamenta o contrato de serviço doméstico, e projecto de lei n.º 177/111, do PSD- prazo de caducidade em acções de resolução de contratos de arrendamento.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI). - Sr. Presidente, agradeço que a Mesa proceda à leitura da ordem das inscrições para o debate do primeiro ponto da ordem do dia de amanhã.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, vai proceder-se à leitura.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Estão inscritos os seguintes Srs. Deputados, por esta ordem: Ângelo Correia, Magalhães Mota, José Luís Nunes, Octávio Cunha. João Amaral, Hernâni Moutinho e José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais nada a tratar, declaro encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

José Bento Gonçalves. Mariana Santos Calhau Perdigão. Rui Manuel de Oliveira Costa.

Centro Democrático Social (CDS):

Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares. João Lopes Porto.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues. Bento Elísio de Azevedo. José António Borja S. dos Reis Borges. José Manuel Torres Couto. Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo. Rui Fernando Pereira Mateus. Victor Manuel Caio Roque.

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Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Agostinho Correia Branquinho. Amadeu Vasconcelos Matias. Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo. António Augusto Lacerda de Queiroz. António Maria de Ornelas Ourique Mendes. Cecília Pita Catarino. Fernando José Alves Figueiredo. Fernando José da Costa. Fernando dos Reis Condesso. José Luís de Figueiredo Lopes. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro Almeida. Manuel Pereira. Nuno Aires Rodrigues dos Santos. Pedro Augusto Cunha Pinto. Reinaldo Alberto Ramos Gomes.

I SERIE -NÚMERO 88

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto Gomes Carvalhas. Domingos Abrantes Ferreira. Joaquim Gomes dos Santos. Maria Ilda Costa Figueiredo. Mariana Grou Lanita. Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida. Adriano José Alves Moreira. Francisco António Lucas Pires. José António de Morais Sarmento Moniz. José Augusto Gama. José Vieira de Carvalho. Luís Eduardo da Silva Barbosa.

PREÇO DESTE NUMERO 140$00

IMPRENSA NACIONAL--CASA DA MOEDA

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