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I Série - Número 91 Sexta-feira 30 de Março de 1984

DIÁRIO da Assembleia da República

III LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE MARÇO DE 1984

Presidente: Exmo. Sr. José Rodrigues Vitoriano
Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes do Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente e da apresentação de requerimentos.
O Sr. Deputado Jorge Patrício (PCP) respondeu a pedidos de esclarecimento e protestos que, a propósito da intervenção produzida na sessão anterior sobre o «Dia do Estudante», lhe foram formulados pelos Srs. Deputados Agostinho Branquinho e Luis Monteiro (PSD), Jorge Coes (CDS) e Adérito Campos (PSD).
Sobre o mesmo tema e também na sequência da intervenção que produziu na sessão anterior o Sr. Deputado Laranjeira Vaz (PS) respondeu a pedidos de esclarecimento e protestos dos Srs. Deputados Agostinho Branquinha (PSD) e Jorge Coes (CDS).
Ordem do dia. - Concluiu-se a apreciação dos recursos interpostos pelo PS, PCP e MDP/CDE que foram aprovados sobre a admissão do projecto de lei n.º 305/III, apresentado pelo CDS e relativo a alterações à Lei n.º 75/79 (Lei da Radiotelevisão). Intervieram, a diverso titulo, incluindo declarações de voto, os Srs. Deputados Nogueira de Brito (CDS), Jorge Lemos (PCP), Narana Coissoró (CDS), Fernando Condesso (PSD), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), José Magalhães (PCP), António Taborda (MDP/CDE), José Manuel Mendes (PCP), Luís Beiroco (CDS), e Sottomayor Cardia e Jorge Lacão (PS).

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Alexandre Monteiro António.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura
António José Santos Meira.
António Manuel Carmo Saleiro.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Luis Filipe Gracias.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Fernando Tomás dos Santos Ferreira.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes
Hermínio Martins de Oliveira
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.

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João do Nascimento Gama Guerra
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Leitão Ribeiro Arenga.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja S. dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José Joaquim Pita Guerreiro.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
José Maximiano Almeida Leitão.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel de Barros Barrai.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando Freitas Rodrigues
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Evangelista Rocha de Almeida
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Pedro de Barros.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José António Valério do Couto.
José Augusto Santos Silva Marques
José Bento Gonçalves.
José Mário de Lemos Damião
José Pereira Lopes.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Raul Gomes dos Santos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Manuel Costa Fernandes
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João António Torrinhas Paulo.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.

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José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Lino Paz Paulo Bicho.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Paulo Simões Areosa Feio.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Alberto António Cunha Ferreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Filipe Neiva Correia.
António José de Castro Bagão Félix.
Amando Domingos Lino Ribeiro Oliveira
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Carlos Dias M. Coutinho Lencastre
João Gomes de Abreu Lima
João Lopes Porto.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte Góes.
Narana Sinai Coissoró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Monteiro Taborda.
Helena Cidade Moura.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte:

Certas

De Jacinto da Silva Peixoto, residente no Porto, manifestando o seu desacordo face ao que considera como uma discriminação da CP ao cobrar taxas de transporte de mercadorias variáveis, consoante o lugar a que se destinam.
Da Comissão Nacional Justiça e Paz de Portugal, pedindo a intervenção desta Assembleia, através dos meios mais convenientes, no sentido de apoiar o povo de Timor-Leste e levar a Indonésia a respeitar os seus direitos fundamentais.

Ofícios

Da Assembleia Distrital de Santarém, a remeter fotocópia de moções, nas quais solicita que sejam tomadas medidas pára o arranque das obras de regularização do Tejo e Sorraia e que os concelhos abrangidos pelos temporais sejam subsidiados para fazer face aos prejuízos sofridos.
Das Câmaras Municipais de Redondo, Vendas Novas e Mértola, com moções nas quais se manifestam contra a aprovação do Projecto de Diploma de Reorganização Técnico-Administrativa dos Municípios, por considerarem que o mesmo representa uma ingerência na autonomia do poder local.
Da comissão coordenadora das comissões de trabalhadores do concelho de Almada, repudiando a decisão de encerramento da Companhia Portuguesa de Pesca, por a considerar como uma medida anti-social.

Telegramas

De diversos sindicatos e organizações de trabalhadores, protestando contra a intenção do Governo de alterar a legislação laboral.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Na última sessão foram apresentados os seguintes requerimentos:

Ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Anselmo Aníbal e outros; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Joaquim Miranda; ao Ministério da Agricultura, Florestas e Alimentação, formulado pelos Srs. Deputados Fernando Costa e Joaquim Gomes; ao Ministério do Trabalho, formulado pelos Srs. Deputados António Mota e Fradinho Lopes; ao Ministério da Administração Interna (2), formulados pelo Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ficaram inscritos na última sessão alguns Srs. Deputados para formular

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pedidos de esclarecimento em relação à intervenção do Sr. Deputado Jorge Patrício.
Portanto, para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Sr. Deputado Jorge Patrício, na intervenção produzida na passada terça-feira nesta Câmara, V. Ex.ª fez algumas afirmações sobre as quais quero levantar alguns esclarecimentos.
Quanto ao problema da grave crise em que e o nosso país vive, V. Ex.ª disse que os jovens estão a pagar fortemente os custos dessa crise. Estou de acordo com esta sua afirmação, pois a juventude portuguesa é talvez aquela que hoje e no futuro mais irá pagar os custos da grave crise económica. Porém, talvez importe saber o porquê desta crise económica, quando é que ela surgiu, e o porquê dos problemas com que a juventude portuguesa se debate neste momento.
Assim, a primeira questão que gostaria de lhe colocar, Sr. Deputado, diz respeito às leis do trabalho, àquelas leis do trabalho que neste momento estão em vigor no nosso país e que foram publicadas ou. aprovadas num período em que o partido de V. Ex." tanto dominava o aparelho político do nosso pais. Leis .do trabalho essas que fazem com que os trabalhadores hoje não encontrem locais nem empresas que os possam admitir e que fazem com que vigorem leis que são efectivamente contrárias aos seus interesses, como sejam as leis dos contratos a prazo. Portanto, pergunto se as actuais leis do trabalho não são as que impedem os jovens de poderem encontrar locais de trabalho para vencer a vida.
A segunda questão diz respeito ao ensino. V. Ex.ª diz que o ensino em Portugal está degradado e que os jovens não encontram no nosso sistema de ensino a resposta às suas necessidades. Gostava que o Sr. Deputado me dissesse se também não foi nesses períodos de 1975, quando se criou esse sistema de ensino unificado no sistema secundário, que se começaram a criar as condições para uma maior degradação no nosso sistema de ensino. Não foi nessa altura que se tentou acabar com as escolas técnicas que, efectivamente, funcionavam mal e tinham graves problemas no que diz respeito à filosofia que estava inerente a elas? Não foi nessa altura que se começaram a criar no nosso sistema educativo maiores problemas do que aqueles que então existiam?
Do ponto de vista político, a medida que este Governo tomou -apesar de por vezes ela ter alguns aspectos negativos -, que foi a de criar um ensino técnico-profissional, não poderá ser a saída para a grave crise do nosso sistema educativo?
O Sr. Deputado disse que o PCP é a alternativa. Os estudantes portugueses em geral e a juventude portuguesa sabem perfeitamente qual é a alternativa do PCP. Não estamos esquecidos das tentativas para a formação da célebre UNEP em Í975. Nessa altura, os estudantes portugueses deram a resposta ao seu partido, Sr. Deputado. Porém, estou convencido de que hoje também os estudantes saberão dar a essa pretensa alternativa a resposta adequada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Patrício, há mais inscrições para pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Jorge Patrício (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado Luís Monteiro.

O Sr. Luís Monteiro (PSD): - Sr. Deputado Jorge Patrício, ouvimos com atenção a intervenção produzida por V. Ex.ª na passada sessão e algumas questões e dúvidas se nos afiguram necessárias colocar-lhe.
Por um lado, pareceu-nos que, mais do que apontar no campo educativo para saídas e alternativas para a resolução efectiva dos problemas dos jovens e dos estudantes portugueses, o Sr. Deputado fez mais um repositório, mais um libelo acusatório em relação à política seguida por este Governo, nomeadamente no campo do ensino.
Sr. Deputado, é óbvio que todos nós poderemos concordar ou discordar das medidas tomadas, mas mais do que concordar ou discordar será necessário apoiar as medidas que vêm sendo levadas a cabo, embora elas possam ter alguns aspectos negativos.
O Sr. Deputado entende que independentemente de alguns desvirtuamentos que possam existir em relação ao ensino técnico-profissional; e de alguns problemas existentes na sua efectivação, era mais importante neste momento criar o ensino técnico-profissional ou deixar estar sem saída profissional qualquer os estudantes que actualmente se encontram no ensino unificado?
A questão concreta que gostaria de formular era a de saber se o Sr. Deputado e o seu partido são contra o ensino técnico-profissional ou se são contra as formas em que se assumiu esse ensino.
Parece-me que nas declarações que aqui se fizeram no dia 24 de Março, mais importante do que prestar libelos acusatórios em relação às políticas que vêm sendo seguidas, é apresentar propostas. E nós também temos críticas contundentes, mas mais do que críticas apresentamos propostas concretas para a resolução desses mesmos problemas, e lembro-me que tanto por parte do PSD como do PS apareceram nesta Câmara projectos de legalização das associações de estudantes, projectos esses que há longos anos os estudantes e as suas associações vêm reclamando, coisa que o Partido Comunista Português não fez até ao momento nesta Câmara.
Portanto, Sr. Deputado, é mais importante neste momento avançar com propostas concretas, com propostas de melhoramento do actual sistema educativo, ou fazer tão somente críticas à forma como este vai decorrendo?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Góes.

O Sr. Jorge Góes (CDS): - Sr. Deputado Jorge Patrício, na passada terça-feira V. Ex.ª proferiu nesta Câmara uma intervenção alertando para a gravidade da situação social da juventude portuguesa. Penso, todavia, que o Sr. Deputado não foi capaz de fugir à contradição entre o apontar de uma situação que é nitidamente grave e que a todos nos preocupa e, simultaneamente, com a defesa de uma lógica económica e social que em larga medida explica essa mesma situação que incide sobre as novas gerações portuguesas.

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O sistema económico e social vigente traduz-se, numa perspectiva de juventude, em manter situações e direitos daquilo a que poderíamos qualificar como uma geração instalada, impedindo em absoluto a integração social dos jovens que pretendem integrar a vida activa.
O Sr. Deputado chamou a atenção para a grave questão do desemprego juvenil. Sabe-se que existem hoje em Portugal mais de 200 000 jovens que pretendem encontrar o primeiro emprego. Porém, gostaria de perguntar concretamente ao Sr. Deputado como é que V. Ex.ª resolve esta grave questão. E isto, porque, no fundo, o Sr. Deputado limitou-se a vir aqui denunciar o diploma sobre a lay off e a defender o sector público nacionalizado. Assim, peco-lhe que me diga, Sr. Deputado, quantas empresas em Portugal é que já requereram até ao momento a aplicação da lay off, e quantos novos empregos foram criados até ao momento pelo sector público nacionalizado.
O Sr. Deputado acredita que o grave problema do desemprego juvenil pode ser resolvido à custa da intervenção do Estado ou, pelo contrário, o problema de criação de empregos para responder às necessidades dos jovens não tem fundamentalmente que ser resolvido à custa das empresas, à custa da iniciativa?
O Sr. Deputado alertou ainda para a utilização abusiva da figura do contrato a prazo. É evidente, Sr. Deputado, que este tipo de contrato tem os defeitos inerentes à própria precaridade que lhe está subjacente. No entanto, gostaria que V. Ex.ª me dissesse, a não existir este tipo de contrato a prazo e face à rigidez que actualmente apresenta a legislação de trabalho, quantos novos empregos teriam sido criados em Portugal nos últimos anos. Será que a questão fundamental não está muito mais em flexibilizar toda a regulamentação jurídica do mercado de trabalho do que em fazer incidir apenas as nossas atenções sobre o âmbito exclusivo da contratação a prazo?
No fundo, Sr. Deputado, aquilo que lhe perguntava era se toda a lógica que está subjacente ao actual mercado de trabalho impede ou não que sejam criados novos empregos e se assim impede ou não que os jovens possam ascender à vida activa.
Em relação à questão concreta da educação, o Sr. Deputado começou por exigir um ensino que ligue e prepare jovens para as necessidades das realidades económicas e sociais. Inclusivamente, o Sr. Deputado disse que exige um ensino que assegure a preparação dos jovens para o emprego.
Assim, gostaria que V. Ex.ª me dissesse como é que articula esta preocupação com a condenação que aqui se fez do ensino técnico-profissional. O Sr. Deputado chegou ao ponto de dizer que o ensino técnico-profissional foi uma fraude porque apenas se inscreveram 600 alunos. Porém, o Sr. Deputado sabe tão bem como eu que apenas foram criadas 600 vagas, e daí o facto de somente ter havido a inscrição de 600 alunos.
O Sr. Deputado considera que o ensino secundário, tal como tem vindo a ser praticado nos últimos anos, pode responder às necessidades dos jovens em termos de preparação para vida activa? É ou não um factor de desemprego - talvez o maior factor de desemprego que existe em Portugal -, para além de ser nitidamente um factor de frustração para a grande maioria da juventude portuguesa?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Adérito Campos.

O Sr. Adérito Campos (PSD): - Sr. Deputado Jorge Patrício, algumas das considerações que pretendia apresentar-lhe já foram trazidas a esta Câmara pelos meus colegas de bancada que me antecederam nos pedidos de esclarecimento.
Todavia, gostaria de lhe dizer que não sou eu quem vai negar a validade das suas palavras sobre uma situação difícil que a juventude portuguesa encontra neste momento, mas também julgo que será lícito a esta Câmara dizer-se que muitas dessas dificuldades traduzem desde já algumas dificuldades estruturais que vêm de há muito tempo a esta parte e de cujas responsabilidades o seu partido obviamente não se pode alhear.
Porém, há uma questão que gostaria de lhe colocar, Sr. Deputado, e que se relaciona com as considerações que fez em relação ao sistema de ensino. O Sr. Deputado teceu aqui duas críticas ao ano propedêutico e ao 12.º ano de escolaridade. Também não serei eu quem lhe irá dizer que essas experiências pedagógicas decorreram da melhor maneira ou que seriam as mais positivas.
Todavia, o Sr. Deputado não referiu aqui uma outra que foi utilizada depois de 1975 e que foi o serviço cívico estudantil, que, para além de ter sido inquestionavelmente a mais frustrante das experiências pedagógicas que os estudantes pré-universitários até hoje encontraram em Portugal, foi também uma farsa e uma burla. Criado pelo vosso bem amado coronel Vasco Gonçalves, o serviço cívico estudantil veio dizer aos estudantes do sexo masculino que o tempo que prestassem de serviço cívico estudantil seria contado para efeitos do serviço militar. Porém, meu caro amigo e companheiro, Sr. Deputado Jorge Patrício, a verdade é que nada disso foi concretizado em termos de prática.
Por isso mesmo, gostaria que me dissesse se entende que a solução e a alternativa, quer ao ano propedêutico quer ao 12." ano de escolaridade volto a repetir independentemente das suas imperfeições, que todos sabemos terem existido, é o regresso ao serviço cívico estudantil, a essa solução que na altura foi dada como sendo aquela que permitiria ligar a juventude portuguesa à revolução.
O Sr. Deputado entende que a partir de agora pode estar em condições de dizer que o serviço cívico estudantil, que foi utilizado em 1975, se encontra como a mais perfeita e correcta das soluções que até agora o sistema educativo português encontrou para fazer face a desequilíbrios estruturais existentes no ensino em Portugal?

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Patrício.

O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procurarei responder sucintamente a algumas das questões que foram colocadas e que são fruto de uma intervenção por mim proferida na última terça-feira.
Por considerar desde logo que nenhum dos Srs. Deputados que me interpelou não contestou o que eu

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disse, penso que reconheceram que a juventude portuguesa vive hoje uma situação preocupante que tem incidências no futuro do País. Os Srs. Deputados não conseguiram contestar nem desmentir este facto.
Os Srs. Deputados colocaram-me questões essencialmente sobre o período de 1974-1975.

O Sr. Deputado Agostinho Branquinho disse que os problemas que hoje se vivem no mundo do trabalho, nomeadamente os contratos a prazo, existem por culpa do PCP, invocando ...

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Não disse isso!

O Orador: - Foi isto o que o Sr. Deputado disse, invocando até que o problema dos contratos a prazo é da responsabilidade do PCP. Lembro ao Sr. Deputado que a legislação sobre os contratos a prazo não é da iniciativa do PCP mas sim da iniciativa do PS.
Mas, na verdade, os contratos a prazo são um dos grandes problemas que afectam hoje a juventude portuguesa, afirmação que o Sr. Deputado não consegue contestar, tanto mais que hoje não há em Portugal nenhum jovem trabalhador - se houver é a excepção que confirma a regra - que consiga arranjar emprego sem que seja através de contratos a prazo. Aliás, nem se cumpre já a legislação sobre os contratos a prazo, pois já se celebram contratos ao arrepio dessa legislação, celebrando-se contratos por dias, por semanas, sem qualquer garantia e sem as regalias da segurança social. O Sr. Deputado não consegue contestar isto.
Perante esta situação eu pergunto: mas então o actual Governo e lembro que o PSD está no Governo há alguns anos - não se preocupa em alterá-la? Não será da responsabilidade do PSD a existência e manutenção desta grave situação dos contratos a prazo, que colocam à juventude um grave problema económico e social? O Sr. Deputado devia responder a esta pergunta e não perguntar-me a mim, pois nós não temos nesse aspecto responsabilidade alguma.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Disse o Sr. Deputado que a juventude está a pagar os custos da crise. Mas isso foi exactamente o que eu disse. A juventude está a pagar os custos de uma política que é contrária aos interesses do 25 de Abril.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A juventude paga os custos de uma política que é contrária ao desenvolvimento económico e social. O Sr. Deputado não consegue contestar isto. Se o quiser fazer, faça-o com provas, ou seja, que não acontece isso porque se fez isto, aquilo, etc. Porém, Sr. Deputado, fez-se exactamente o contrário. Tudo aquilo que foi conquistado pela juventude e pelo 25 de Abril em benefício de direitos sociais e económicos da juventude foi destruído pelos governos com a sua política de direita. Esta é que é a realidade.

Aplausos do PCP.

O que os Srs. Deputados querem concluir hoje é que a situação grave e calamitosa em que hoje a juventude vive tem como causa o 25 de Abril, querendo com isso pôr em causa o 25 de Abril, para desculparem a política desastrosa que os vossos governos têm continuado a prosseguir. Esta é que é a questão central.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - É a cassette!

O Orador: - Não diga que é cassette. Conteste o que eu disse, com factos, com números e não diga apenas que é a cassette.
Em relação ao ensino técnico-profissional, já há alguns dias tivemos oportunidade de dizer que para nós é importante e necessário que o sistema de ensino dê saídas profissionais aos jovens. Dissemo-lo e, aliás, consta de um projecto de lei apresentado pelo PCP, que o Sr. Deputado devia conhecer - e se não conhece recomendo-lhe que o leia -, onde o PCP diz claramente que o ensino em Portugal tem necessariamente de ter saídas profissionais para os jovens, quer a nível do ensino superior quer do secundário.
Contudo, o actual ensino técnico-profissional não é nada. O que é que é este ensino? Ninguém consegue explicar o que é que ele é, nem mesmo o Sr. Ministro da Educação. }á alguma vez o Sr. Deputado perguntou ao Sr. Ministro da Educação o que é para ele o ensino técnico-profissional? Obteve alguma resposta? Ele não responde porque não sabe responder. Esta é que é a questão fundamental.
Disse ainda o Sr. Deputado que o PCP não é alternativa, que os estudantes dizem e reconhecem que o PCP não é alternativa. A verdade está à vista: o movimento associativo e as lutas dos estudantes contra a política do Governo, de ensino e deste ministro têm vindo a revelar que os estudantes estão cada vez mais com aquilo que o PCP entende ser necessário e urgente, que é a demissão do Governo e do Sr. Ministro José Augusto Seabra e a fixação de uma nova política para o ensino. Esta é que é a questão fundamental. O Sr. Deputado está a falar não com bases seguras, mas com bases irrisórias e idealistas. Não se trata de saber se os estudantes entendem ou não que o PCP é alternativa, mas sim de discutir as questões do ensino e a política de ensino do Governo - e não há nenhum estudante que consiga defendê-la. Esta é que é a questão fundamental.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Luís Monteiro - creio que já respondi a alguma das perguntas que me colocou - referiu que, mesmo sendo negativas, devemos apoiar as iniciativas. Entendemos que não: isso só deve constituir uma obrigação para o Sr. Deputado, uma vez que faz parte de um partido da maioria, mas não é uma obrigação para nós. Creio, pois, que esta pergunta já está devidamente respondida.
Quanto ao problema do ensino técnico-profissional, creio que ele já foi abordado, pelo que passarei à frente.
Por outro lado, afirmou que o PSD apresentou propostas concretas. Quais foram as propostas que o PSD apresentou para resolver os problemas do ensino? Diga-me quais são, Sr. Deputado, já que, para resolver os problemas do ensino, não conheço nenhuma.

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O PSD nem sequer apresentou ainda um projecto sobre o sistema de ensino, como o fizeram o PCP, o PS e o MDP/CDE. O Sr. Deputado entende que os problemas do ensino se resolvem com a legislação das associações de estudantes significa resolver os problema ensino superior. Creio que não são esses os problemas fundamentais do ensino. Se entende que legalizar as associações de estudantes significa resolver os problemas do ensino, está evidentemente mal enganado.
O Sr. Deputado Jorge Coes falou-me, entre outros, dos problemas do trabalho, do primeiro emprego e da crise das nacionalizações do sector privado. O Sr. Deputado entende, então, que a culpa do problema do desemprego, dos contratos a prazo e de todas as outras situações que se vivem no mundo do trabalho deve ser imputada às nacionalizações e à Constituição?
Já temos tido várias vezes oportunidade de discutir esta questão, mas continuo a afirmar aqui que o problema não é esse. O problema é que existe - repito - uma política contrária ao desenvolvimento económico-social: não há investimento e, consequentemente, não há criação de novos postos de trabalho. Porque é que isto se passa, Sr. Deputado? É porque, em Portugal, ninguém consegue desenvolver a economia perante a política que está a ser prosseguida, uma política de destruição de tudo aquilo que existe: destroem-se as empresas, não se criam postos de trabalho, aumenta o número de contratos a prazo, o desemprego aumenta. Não pode ser assim! O problema não reside na Constituição ou nas nacionalizações, mas antes na política de direita, na política desastrosa que tem sido consequentemente seguida por este governo e pelo governo de que o CDS fez parte.
Referiu-se também à questão dos contratos a prazo e perguntou-me se constituem ou não alternativa tais contratos. O problema dos contratos a prazo é um problema complexo e, neste momento, existem milhares de trabalhadores contratados a prazo. O que significa o contrato a prazo para o Sr. Deputado? O que é o contrato a prazo para o trabalhador? Para o trabalhador, o contrato a prazo constitui um meio de a entidade patronal poder ter ao seu dispor uma quantidade de trabalhadores - que necessariamente têm mais dificuldades em reivindicar os seus direitos económico-sociais - e uma mão-de-obra dócil e, na maioria dos casos, barata, ao serviço dos interesses de exploração do grande patronato. Esta é que é a questão essencial.
E para a juventude portuguesa os contratos a prazo constituem um grave problema, que é necessário alterar.
Quanto ao problema do ensino técnico-profissional, creio que ele já está tratado.
O Sr. Deputado Adérito Campos também não conseguiu contestar nada daquilo que afirmei, tendo dito inclusivamente que até estaria de acordo com algumas das afirmações que produzi, embora certamente não esteja na íntegra, uma vez que critiquei veementemente o governo PS/PSD e a política que prossegue. Mas referiu um problema -o serviço cívico- que merece abordagem.
Devo dizer-lhes que o serviço cívico não constitui evidentemente uma solução para o momento actual, tendo sido, antes, uma solução que foi encontrada durante um período adequado. Mas, perante tudo aquilo que tem acontecido o 12.º ano de escolaridade, o ano propedêutico, o ensino técnico-profissional -, sempre foi na verdade o melhor daquilo que aconteceu até hoje.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Sr. Deputado Jorge Patrício, protesto pelo facto de V. Ex.ª ter confundido o conteúdo do meu pedido de esclarecimento. Não atribuí ao seu partido a paternidade da lei dos contratos a prazo; sei perfeitamente que tal paternidade pertence ao PS. Aquilo que afirmei foi que um dos principais entraves que se colocam neste momento à criação de novos postos de trabalho é constituído pelas leis do trabalho, como acontece, por exemplo, com a lei dos despedimentos. São essas leis que, parecendo à primeira vista ter sido criadas com o fim de servir os interesses dos trabalhadores, ao fim e ao cabo, foram feitas contra os próprios trabalhadores, como hoje está mais do que provado. E foi essa paternidade que atribuí ao partido de V. Ex.ª: foi efectivamente o PCP que criou essas leis quando esteve no governo, sob a égide do Sr. General Vasco Gonçalves.
E afirma o Sr. Deputado que o seu partido se preocupa com os problemas da juventude. Mas como é que o PCP se preocupa, por exemplo, com as questões do serviço militar obrigatório e dos objectores de consciência, que neste momento atormentam a juventude portuguesa? Onde é que estão as grandes manifestações de luta e as grandes tomadas de posição em defesa das posições de milhares de objectores de consciência e da redução efectiva do tempo de serviço militar? Ou será que o seu partido tem medo dos militares ou pretende viver sempre à custa e à sombra deles?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Uma outra questão que o Sr. Deputado referiu é a da inexistência de propostas apresentadas pelo PSD. O meu partido e a minha própria organização juvenil já apresentaram propostas concretas no sentido de se realizar a revisão da actual lei dos contratos a prazo. É desta forma, criando e propondo alternativas, que poderemos contribuir efectivamente para a resolução dos problemas com que a juventude se debate.
Para terminar, o Sr. Deputado pretende saber se perguntei ao Sr. Ministro se ele sabe o que é o ensino técnico-profissional. Dir-lhe-ei que estou muito pouco preocupado com aquilo que o Sr. Ministro sabe ou não sabe. Aquilo que me preocupa é saber se as medidas que o Sr. Ministro toma defendem ou não os interesses da juventude e os interesses que o meu partido defende no que diz respeito ao sistema educativo. É isto que me preocupa. E, quanto ao ensino técnico-profissional, desde sempre que o PSD tem defendido a criação de um ensino técnico-profissional, a partir do ensino secundário.
Relativamente à afirmação do Sr. Deputado de que não apresentámos uma lei de bases do ensino, dir-lhe-ei que certamente se esquece de que um dos ministros do primeiro governo da Aliança Democrática que pertencia ao meu partido apresentou uma proposta de lei

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de bases sobre a qual a minha organização juvenil apresentou algumas propostas de alteração. Para nós, as questões do sistema educativo não são questões sem importância: pelo contrário, preocupamo-nos muito com tais questões. Aliás, é assim que se vê - e só assim se pode perceber - a importância que os estudantes sociais-democratas representam na direcção do movimento associativo em Portugal. E, Sr. Deputado, o seu partido tem perdido todas as posições; todos os anos os estudantes do seu partido vêem reduzida a sua influência no movimento associativo. Isso constitui a forma positiva como os estudantes portugueses respondem à política negativa que o PCP segue nesta matéria.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Monteiro.

O Sr. Luís Monteiro (PSD): - Sr. Deputado Jorge Patrício, por um lado, quero dizer-lhe que aquilo que colocou na minha boca não foi aquilo que afirmei. Por outro lado, afirmou que nós pouco contestámos aquilo que o Sr. Deputado aqui disse. É natural: quando pouco se diz, pouco tem de se contestar.
De qualquer das formas, quero dizer-lhe que o que afirmei no pedido de esclarecimento que lhe dirigi foi que apoiava a iniciativa da criação de um ensino técnico-profissional. Não afirmei que estava totalmente de acordo com a forma como o ensino técnico-profissional foi criado. Mas também lhe digo que prefiro o ensino técnico-profissional a funcionar com 600 alunos, com os professores que existem neste momento para o ministrar e com as instalações escolares existentes, que possibilitam que ele seja ministrado, do que um ensino técnico-profissional que possa comportar 20 000 alunos, mas que não tenha professores e instalações onde possa ser ministrado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Penso que o realismo é a melhor forma de consubstanciar a política no sistema educativo.
Em relação ao serviço cívico, o Sr. Deputado afirma que o serviço cívico foi o melhor que houve. Não sou dessa opinião. Quando se colocam 20 jovens na praia da Foz do Douro, em Dezembro, a servirem de nadadores-salvadores, poder-se-á dizer que o serviço cívico estudantil foi realmente a melhor forma de servir os jovens estudantes portugueses para prosseguirem a sua formação universitária!?
Por último, quanto à actividade da JCP e do PCP na liderança das lutas estudantis, viu-se no que essa liderança resultou. Ê que, quando começou a contestação em relação aos serviços sociais universitários e à inexistência de iniciativas sobre a autonomia universitária e sobre as prescrições para os estudantes, etc., foram precisamente as direcções associativas afectas à TCP que primeiro se afastaram do processo, contra as direcções associativas maioritariamente reunidas, que conseguiram levar para a frente as suas reivindicações e as reivindicações dos estudantes, tanto nos plenários de Lisboa, como nos de Coimbra e do Porto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Góes.

O Sr. Jorge Góes (CDS): - Sr. Deputado Jorge Patrício, V. Ex.ª centrou todas as suas respostas na base de que ninguém havia contestado a gravidade dos factos que o Sr. Deputado aqui teve oportunidade de expor. O problema não está em desmentir a gravidade da situação com que hoje se confronta a juventude portuguesa, mas sim - e foi nesse sentido que o questionei - em saber quais as funções e perspectivas que o Sr. Deputado defende para equacionar essa grave situação.
E, na minha curta pergunta, coloquei em evidência toda a contradição do seu discurso. O Sr. Deputado fala nos problemas da juventude portuguesa, mas não é capaz de deixar de fazer a defesa acérrima de toda uma lógica económica e social que é responsável por essa situação grave em que se encontra a juventude portuguesa, porque, no fundo, o Sr. Deputado veicula nesta Assembleia a posição da esquerda portuguesa, que tem cada vez mais a noção meramente panfletária e semântica das coisas. Não basta encher a Constituição e as leis com direitos económicos e sociais que, no dia-a-dia, a realidade nega.
A questão que lhe coloquei foi a seguinte: como é que o Sr. Deputado equaciona o grave problema dos candidatos ao primeiro emprego, quando o Sr. Deputado não permite a flexibilização do mercado do trabalho e não reconhece que, apesar de todos os seus defeitos, tem sido a figura jurídica do contrato a prazo a única forma de, no concreto, permitir a criação de alguns empregos? Como é que, face às concretas realidades económicas e sociais de sociedade em mudança, o Sr. Deputado é capaz de responder aos anseios e às carências das novas gerações portuguesas?
E isto tem a ver com uma outra questão. É que o Sr. Deputado vem aqui dizer que todo o mal está na acção governativa e que, de uma forma mítica, todo o bem estaria em repor a pureza do 25 de Abril. Digo-lhe que, se estamos de acordo quanto à liberdade política que o 25 de Abril veio trazer à sociedade portuguesa, não estamos de acordo no que toca à estrutura do actual modelo económico e social, porque, relativamente a este, falta fazer a revolução.
Digo-lhe muito concretamente - e o Sr. Deputado não é capaz de negar esta afirmação- que a juventude portuguesa é a principal vítima desta situação, porque ela sofre hoje um sistema de ensino que não responde às suas necessidades e às necessidades da economia e um sistema económico que está parado, bloqueado, atingido por um estatismo em demasia.
Pergunto-lhe novamente como é que o Sr. Deputado é capaz de satisfazer as necessidades do mercado de trabalho, quando, por exemplo, em França, numa solução governativa que inclui o partido irmão do seu partido, se pensou originariamente que todas as soluções para este problema se poderiam encontrar na base do Estado, tendo sido rapidamente o próprio governo a ter de arrepiar caminho. E, para comparar, indico-lhe as soluções que foram implementadas. Nos Estados Unidos da América, onde se ensaiou uma solução na base da iniciativa e da criatividade das empresas, aí, sim, os índices de desemprego as estatísticas comprovam-no - tem vindo a diminuir. Ê esta a única

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solução - também em Portugal - para resolver o problema.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Adérito Campos.

O Sr. Adérito Campos (PSD): - Sr. Deputado Jorge Patrício, na sua resposta às nossas perguntas, acusou-nos de não conseguirmos rebater as suas críticas sobre a situação difícil em que se encontra a juventude portuguesa. Efectivamente, só quem seguisse a política da avestruz diria que a juventude portuguesa se encontra bem.
Mas quero dizer que o Sr. Deputado não foi também capaz de rebater uma única crítica que fizémos sobre a responsabilidade do seu partido na situação de condições que permitem a continuidade dessa difícil situação da juventude portuguesa. Não houve uma única palavra da parte do Sr. Deputado para contestar esta situação. Mas todos nós já sabemos que o PCP se arvora sempre como defensor único da juventude portuguesa, o que não é verdade, como o comprova o facto indesmentível dos números, que demonstram que, através das eleições que se têm constantemente vindo a suceder no seio do movimento associativo, a Juventude Comunista Portuguesa tem vindo a perder posições. E isso é sintomático perante a realidade, não é um mero encolher de ombros face a uma situação.
Mas o que mais me espanta na sua resposta é o Sr. Deputado afirmar que, ao longo de todas as experiências pedagógicas utilizadas nessa área, o serviço cívico estudantil terá sido a melhor das experiências pedagógicas que a juventude portuguesa já teve.
Por certo que o Sr. Deputado não viveu o serviço cívico estudantil, porque, se o tivesse vivido e se tivesse estado, tal como estiveram milhares de estudantes, debaixo de uma experiência negativíssima, mal coordenada e mal orientada, que destruiu as capacidades dos estudantes para posteriormente prosseguirem os seus estudos, uma vez que os arredou do contacto com os livros e com a experiência directa do ensino, não poderia dizer nesta Assembleia que o serviço cívico estudantil foi a melhor solução. Terá sido para si e para o seu partido a melhor solução; terá sido talvez a solução de tentar destruir na juventude portuguesa a sua capacidade de tentar o progresso e o futuro em democracia, mas não foi certamente a melhor solução para milhares de estudantes que por ele passaram.

Aplausos do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem u palavra o Sr. Deputado Jorge Patrício.

O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muitas coisas já estão ditas e rebatidas. Em todo o caso, valerá a pena colocar mais algumas questões.
Mais uma vez o Sr. Deputado Agostinho Branquinho afirmou que o ensino técnico-profissional constitui uma boa experiência ou que, pelo menos, apoia tal experiência. Vamos ver quais serão os resultados. A verdade é que, hoje, os estudantes que frequentam o ensino técnico-profissional não sabem o que lhes vai
acontecer. O Sr. Deputado sabe? É que ninguém sabe! Pergunto-lhe o que é que é o ensino técnico-profissional. Fizeram uma grande campanha, mas devo dizer-lhe que gastaram mais dinheiro nessa campanha do que o que estão a gastar no próprio ensino técnico-profissional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Então é gastando mais dinheiro numa campanha televisiva e jornalística do que se gasta naquilo que efectivamente é o ensino técnico-profissional que se constrói o ensino em Portugal? E quais são os resultados dessa campanha? O que é que os jovens vão ganhar com essa experiência? O Sr. Deputado entende que o ensino em Portugal se faz com experiências?
Tem de entender que é uma situação diferente. O Sr. Deputado vivia numa época diferente. Ou será que não pensa assim?
Quanto ao serviço militar obrigatório e ao problema da objecção de consciência, disse o Sr. Deputado que o meu partido não tem abordado este tema e que sobre ele não tem uma posição definida. Essa questão já é velha. O Sr. Deputado sabe que esse não é um problema ...

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Não sei!

O Orador: - Se não sabe leia, a culpa não é minha.
Mas, eu ia dizer que esse problema não pode ser abordado assim tão ao de leve. pois é bastante complicado. Devo dizer-lhe, contudo, que as suas posições não abonam nada a discussão do serviço militar obrigatório e da objecção de consciência. Esta é que é a questão essencial.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Luís Monteiro referiu-se novamente ao problema do ensino técnico-profissional, ao qual penso já ter respondido.
O Sr. Deputado Jorge Goes perguntou-me quais seriam as soluções. Digo-lhe muito claramente que a solução é derrubar este Governo e mudar de alternativa e de política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Risos do PS e do PSD.

O Orador: - Esta é que é a questão essencial.
O CDS e o Sr. Deputado Jorge Goes centram o seu ataque às nacionalizações, às leis do trabalho - tal como foi focado pelo Sr. Deputado Agostinho Branquinho. Tudo isso tem a ver com tudo aquilo que foi feito depois do 25 de Abril e com as conquistas que foram conseguidas pelos trabalhadores e pelo seu movimento.
Nós entendemos que não é isso. A prova é essa: na altura não se viviam as condições dramáticas que hoje se vivem, não havia tanto desemprego, não havia tantos contratos a prazo, tantos jovens à procura do primeiro emprego. Isto é verdade ou é mentira? Portanto, a culpa não está na Constituição, nem no 25 de Abril, nem nas nacionalizações. A culpa está na

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política que tem sido seguida e que é contrária ao 25 de Abril e à Constituição. O CDS centra-se numa outra lógica, ou seja, fora da Constituição. Mas aí a culpa é sua e não nossa, pois temos a Constituição que temos, defendemo-la e queremos prossegui-la.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Perguntou-me ainda como é que nós resolvíamos o problema dos candidatos ao primeiro emprego. Pois bem, criando novos postos de trabalho, como é evidente. Mas como é que se criam novos postos de trabalho? É investindo e incentivando. É isso o que tem de ser feito. Sr. Deputado. Contudo, a política que tem sido seguida não é essa, mas sim precisamente o contrário, ou seja, de recessão, de endividamento externo. Assim não se consegue nada, Sr. Deputado.
Disse ainda o Sr. Deputado que os Estados Unidos da América resolveram o problema do desemprego. Sr. Deputado, as estatísticas desmentem-no evidentemente, pois o desemprego aumentou nos Estados Unidos da América. Portanto, deixe-se dessa experiência e desses exemplos, porque todas as estatísticas desmentem o que o Sr. Deputado disse, já que a verdade é que o desemprego aumentou nos Estados Unidos da América.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há vários interpelantes inscritos para pedidos de esclarecimento à intervenção do Sr. Deputado Laranjeira Vaz, produzida também na última sessão.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Sr. Deputado Laranjeira Vaz, a intervenção que V. Ex.ª aqui produziu acerca do Dia do Estudante faz-me levantar algumas questões e fazer algumas considerações sobre ela.
É evidente que o meu partido e a organização juvenil em que muito comemorou condignamente, dando-lhe a importância que merece, o Dia do Estudante, lembrando a luta que os estudantes portugueses travaram contra a ditadura marcelista e fascista antes do 25 de Abril.
No entanto, V. Ex.ª fez algumas considerações que merecem algum reparo. V. Ex.ª disse, nomeadamente, que o movimento associativo atravessa uma crise, dizendo que esta pode levar à sua morte ou ao seu adormecimento, mas que não é palpável em duas associações de estudantes: na Associação Académica de Coimbra e na Faculdade de Direito de Lisboa, ou seja. duas associações cujas direcções são próximas do PS ou da Juventude Socialista.
Sr. Deputado, deixemo-nos desse jacobinismo pedante. O movimento associativo em Portugal está vivo e forte. Ainda recentemente, na luta pela definição de uma correcta política para os serviços sociais, os estudantes e o seu movimento associativo souberam dar a resposta correcta. E não foi apenas a Associação Académica e a Faculdade de Direito de Lisboa, pois há tantas outras - centenas - associações de estudantes no ensino secundário e dezenas no ensino superior em Portugal, que são a prova evidente do pulsar do movimento associativo em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Deixemo-nos desses exemplos, que, ao fim e ao cabo, acabam por ser caricatos e não traduzem a realidade do movimento associativo em Portugal.
Nós aguardamos nesta Assembleia o próximo dia 26 de Abril e aí, penso, estaremos com o mesmo espírito e com a mesma força -, no qual defenderemos a legalização das associações de estudantes. Esse, sim, será o marco que assinalará na história o movimento associativo em Portugal, o ponto mais alto da luta dos estudantes pelo reconhecimento por parte do poder político do seu movimento associativo e, ao fim e ao cabo, será o coroar de uma longa luta, que já dura desde a ditadura.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Laranjeira Vaz, já não dispomos de tempo suficiente para que sejam hoje formulados todos os pedidos de esclarecimento e as consequentes respostas. Assim, a Mesa solicita-lhe que responda separadamente a cada um dos interpelantes, caso V. Ex.ª não se oponha.

O Sr. Laranjeira Vaz (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Laranjeira Vaz (PS): - Sr. Deputado Agostinho Branquinho, congratulo-me com as observações que V. Ex.ª aqui quis trazer, bem como com o facto de na generalidade estar de acordo com a intervenção que proferi.
Gostaria de lhe reler partes dessa intervenção, pois que talvez com esta nova leitura lhe retirasse do espírito algumas dúvidas que neste momento tem.
O Sr. Deputado disse que eu teria dito que a crise do movimento associativo pode levar ao seu adormecimento. O que eu disse foi que «a actual crise do movimento associativo deve ser encarada não como a morte do movimento associativo ou como adormecimento generalizado». Portanto, eu disse exactamente o contrário, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado acusou-me ainda de jacobinismo pedante por ter falado da Associação Académica e da Faculdade de Direito de Lisboa. Volto a ler aquilo que eu disse na minha intervenção:
Os jovens estudantes vencerão no futuro próximo a passividade instalada, demonstrando a possibilidade de estar no movimento associativo, como se vem verificando na Associação Académica e na Faculdade de Direito.
Portanto, eu disse «como se vem verificando», sem pretender que este exemplo trouxesse um exclusivo, pois há neste país outros exemplos positivos no movimento associativo deste país. Não se trata de jacobinismo pedante, mas sim de ser rigoroso naquilo que se conhece mais directamente.

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Já agora, eu gostaria que o Sr. Deputado, que conhece outros exemplos, os citasse aqui neste momento Todos nós ficaríamos enriquecidos e o movimento associativo ficaria mais clarificado nesta Câmara. Penso que todos esses exemplos merecerão o apoio unânime de todas as bancadas e desta Assembleia.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Sr. Deputado Laranjeira Vaz, a leitura que V. Ex.ª fez de algumas partes da sua intervenção só veio dar razão às questões que lhe levantei.
V. Ex.ª disse que não tinha dito que o movimento associativo estava adormecido, bem pelo contrário. No entanto, V. Ex.ª disse agora, ao ler. que a «passividade que se vive no movimento associativo» só e desmentida por esses dois exemplos que citou: a Faculdade de Direito de Lisboa e a Associação Académica de Coimbra. Mas então há ou não passividade no movimento associativo? Há ou não há adormecimento no movimento associativo? É V. Ex.ª quem confunde isso na sua intervenção, e não eu nas questões que lhe coloquei.
Volto a colocar-lhe a mesma questão: o movimento associativo está em crise? V. Ex.ª esquece-se da luta que os estudantes universitários portugueses travaram nos últimos meses a propósito, por exemplo, dos serviços sociais, das prescrições? V. Ex.ª chama a essa luta passividade? Será que essa luta é sintoma de uma crise? Para mim é precisamente o contrário, ou seja, virtualidade do movimento associativo.
Colocam-se hoje ao movimento associativo questões novas. O movimento associativo encontra-se numa encruzilhada, mas que não é sintoma de crise, mas sim de enriquecimento e de que ele se prepara para dar um salto qualitativo para algo diferente do que tem sido até agora.
Quanto a citar outros exemplos positivos, devo dizer-lhe que eu não quero cometer a indelicadeza de esquecer as dezenas e dezenas de associações de estudantes do ensino secundário e do ensino superior. Mas a prova do que eu disse está nas últimas reuniões do ensino superior que se realizaram a propósito dos serviços sociais, onde se provou inequivocamente que não são as associações de estudantes que V. Ex.ª citou que são o baluarte, o guia, o estandarte do movimento associativo. Há tantas outras, que eu não quero ter a indelicadeza de as não mencionar. Mas há muitas, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Laranjeira Vaz.

O Sr. Laranjeira Vaz (PS): - Sr. Deputado Agostinho Branquinho, é evidente que estamos numa fase de clarificação e de enriquecimento do movimento associativo.
O Sr. Deputado trouxe-nos aqui uma questão nova, ou seja, a questão da concepção do movimento associativo. E se a riqueza do movimento associativo, a sua virtualidade na transformação da escola e da sociedade, reside apenas na luta concreta por pontos essenciais e de momento, como a questão dos serviços sociais, então terei de lhe dizer que isso não corresponde a um movimento associativo actuante e interveniente nas questões fundamentais. Sem ura movimento associativo a sério não poderemos ter uma escola que seja um factor de mudança, não poderemos ter uma escola que seja factor de formação democrática dos estudantes, que não seja uma mera reprodução de desigualdades.
Esta é a questão essencial que se nos coloca. Os parâmetros do movimento associativo não são em relação a questões pontuais e de circunstâncias, mas sim em relação à perspectiva de intervenção na escola, da sua transformação, na formação democrática dos estudantes, inserindo essa escola na sociedade e na realidade.
Era isto, Sr. Deputado, que eu gostaria de dizer em relação às suas intervenções. Gostaria apenas de acrescentar que não basta hoje em dia dar aos nossos jovens, estudantes ou não, a oportunidade de se fazer declarações de boa intenção. Ê necessário e urgente que se criem medidas que dêem resposta a todas as essas situações.
O movimento associativo está numa fase enriquecedora e vai, na minha opinião, transpor toda essa barreira.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Góes, visto não estar presente o Sr. Deputado Paulo Areosa, que também se encontrava inscrito.

O Sr. Jorge Góes (CDS): - Sr. Deputado Laranjeira Vaz, a intervenção que V. Ex.ª proferiu na passada terça-feira suscitou-me algumas dúvidas, que procurarei sumariamente passar a expor.
O Sr. Deputado disse que se verifica actualmente o vazio na juventude portuguesa. A questão que desde já lhe coloco é a seguinte: estaremos perante o vazio da juventude portuguesa ou perante o vazio na sociedade portuguesa, perante uma autêntica ausência de projecto na sociedade portuguesa? Não será que o empenhamento, a alegria, a mobilização da juventude - que a experiência histórica demonstra ter sido sempre possível perante projectos claros- não se verificam face à actual solução política porque esta nada tem de mobilizadora e não oferece qualquer perspectiva de futuro?
O Sr. Deputado disse ainda que há crise no movimento associativo. A questão que lhe coloco é a seguinte: não estaremos a assistir, pelo contrário, a uma fase de transição no movimento associativo? Será que o modelo associativo que o Sr. Deputado aqui veiculou, com um discurso em que falou da crise académica de 1962 e que teria sido actual em 1962 -, não assume contornos claramente passadistas e que nada têm a ver com os problemas com que a juventude e os estudantes portugueses se defrontam actualmente?
Sr. Deputado, estamos a atravessar no movimento associativo, na minha modesta opinião e eu não tenho nenhum mandato ou procuração para aqui falar em nome do movimento associativo, tal como penso que se verifica em relação aos restantes Srs. Deputados -, uma fase de mudança e de autêntica transição. Os problemas que hoje se colocam nada tem a

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ver com os problemas que o movimento associativo sofreu em 1962. Mais: não podemos pensar que o movimento associativo vive permanentemente fases épicas, de combate, até porque todo o quadro social económico é bastante diferente.
Será que não seria muito mais curial da nossa parte deixarmos que os próprios estudantes e o seu movimento associativo, com a sua energia e com a sua criatividade, resolvessem esse tipo de problema, em vez de estarmos aqui sem qualquer mandato a procurar equacionar questões para as quais, penso eu, não temos a mínima legitimidade?
Se a resposta a este problema for positiva, gostaria ainda de lhe colocar uma última questão, como que antecipando a discussão que terá lugar no próximo dia 26: será que não cabe ao poder político, pelo respeito que o movimento associativo lhe deve merecer, uma posição de não interferência face ao modelo que esse movimento deve adoptar? Será que o poder político, nomeadamente esta Assembleia, deve tentar cristalizar o próprio movimento associativo através de regulamentação minuciosa ou, pelo contrário, deve limitar-se a reconhecer juridicamente uma realidade social dinâmica, como é, por definição, o movimento associativo, limitando-se a fixar meia dúzia de princípios gerais que, escola a escola, academia a academia, os estudantes saberão, concretamente e em face do circunstancialismo de cada escola, adoptar?
O problema é, no fundo, saber qual o papel que esta Assembleia deve assumir face à legalização das próprias associações de estudantes, optando por um esquema demasiado regulamentador como parece acontecer nos vários diplomas que foram apresentados - ou, tão-somente, optando por definir meia dúzia de princípios gerais.
O Sr. Deputado falou, a propósito do Dia do Estudante, que era intenção do Grupo Parlamentar do PS comemorar esse dia através da apresentação de um diploma que oficializasse essa data e essa comemoração. Enquanto membro de um partido da maioria e, como tal, com todas as responsabilidades no apoio e no suporte ao actual governo e, concretamente, ao actual responsável pela pasta da educação -, não seria mais útil para os interesses dos estudantes que o Sr. Deputado exigisse da parte desse responsável ministerial uma política diária que tivesse menos de propaganda e mais de gestão concreta e eficaz, numa lógica nacional, dos interesses que se colocam aos estudantes e às necessidades da sociedade portuguesa, num campo tão estratégico e politicamente importante como é o campo da educação?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Laranjeira Vaz.

O Sr. Laranjeira Vaz (PS): - Sr. Deputado Jorge Góes, penso que não estamos nesta Assembleia a equacionar problemas sem qualquer legitimidade, como o Sr. Deputado acabou de nos dizer. É evidente que o movimento associativo tem força e dinâmica próprias para ultrapassar as questões que se lhe colocam, mas trazer a esta Assembleia uma efeméride que sempre foi, é e será - em nosso entender - o Dia do Estudante não é património nem do PS nem de qualquer partido representado nesta Assembleia. É uma data que é património colectivo da democracia e a todos nós nos deve dizer respeito. O ano de 1962 esteve presente em 1974, pela forma como deu a essa geração o sentido de estar na vida, de luta pela liberdade e pela democracia.
Se formos verificar historicamente, em 1974, muitos daqueles que estiveram em 1962 empenhados nessa luta ocuparam posições chave para que hoje pudéssemos viver numa sociedade diferente, com um novo regime, em liberdade e em democracia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Trazer aqui esta data não carece de legitimidade. Antes pelo contrário, é uma homenagem que deve ser e estar sempre presente em cada um de nós.
Perguntou-me o Sr. Deputado, antecipando o debate do próximo dia 26, algumas questões sobre a legalização das associações, o que é que se passa e como são as propostas que apresentámos. Penso que a riqueza deste debate, tal como disse na minha intervenção, será enriquecida por todos. Muito teria contribuído a Juventude Centrista se já tivesse apresentado o seu projecto de lei sobre essa matéria nesta Assembleia. Mas ainda não o apresentou.
Disse o Sr. Deputado que nós iríamos apresentar um diploma. Srs. Deputados, nós não> vamos apresentar, pois que o PS e o PSD já apresentaram, antes ainda da minha intervenção, um diploma para que se consagre essa data, recuperando-a, pois ela está profundamente ligada ao 25 de Abril e à realidade social e política que hoje vivemos neste país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Goes.

O Sr. Jorge Góes (CDS): - Sob a forma de um protesto, gostava de fazer alguns comentários à resposta do Sr. Deputado Laranjeira Vaz.
Sr. Deputado, se este diálogo, quer motivado pela intervenção de V. Ex.ª quer motivado pela intervenção do Sr. Deputado Jorge Patrício, tem algo de característico, é o facto de ter chamado à primeira linha do debate parlamentar aquilo que poderíamos considerar os «juniores» da Assembleia. É isso impõe a todos nós algumas preocupações de exigência. Assim, o voto que formulava era no sentido de que nós, que não fazemos parte da classe política dominante, tivéssemos a preocupação de nos posicionarmos face a este tipo de questões políticas com um discurso diferente, um discurso menos panfletário, como aquele discurso que V. Ex.ª, mais uma vez, aqui veiculou.
Aquilo que lhe queria dizer, Sr. Deputado, era que 1962, foi 1962. Neste momento estamos em 1984. São demasiado graves os problemas com que se confronta a juventude portuguesa para perdermos tanto tempo e tantas energias acerca de questões que, se em determinado quadro histórico tiveram sentido, hoje têm um significado demasiado passadista, para não dizer folclórico. Mais: a grande maioria, para não dizer a totalidade, dos actuais estudantes portugueses, não faz ideia do que foi 1962.

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O Sr. Jorge Lemos (PCP): - E vocês fazem tudo para que não saibam!

O Orador: - A sua intervenção cívica tem-se tão-somente limitado ao quadro político decorrente do 25 de Abril e é essa a experiência que essa juventude conhece. São precisamente os problemas decorrentes desse quadro que exigem rápida e eficaz resolução.
Nessa perspectiva, coloquei ao Sr. Deputado, nomeadamente, a questão de saber qual a sua posição face à política e face à responsabilidade de gestão do actual Ministro; essa pergunta não obteve resposta. Isso é bastante elucidativo.

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Laranjeira Vaz.

O Sr. Laranjeira Vaz (PS): - Sr. Deputado Jorge Góes, estou de acordo consigo quando diz que a juventude de hoje não faz ideia do que foi 1962. Constato esta triste realidade e acho que tem toda a razão em trazer aqui essa sua preocupação. Creio, no entanto, que dizer que hoje os jovens têm preocupações que nada têm a ver com o que se passou é grave e preocupante, Sr. Deputado. É mesmo muito grave e bastante preocupante.
1962 não foi uma data folclórica: foi uma data que esteve ligada com o 25 de Abril, foi uma data que foi símbolo e que é símbolo da luta que os estudantes tiveram pela liberdade e pela democracia. É uma data que nos permite, hoje, estar aqui a travar este diálogo. Não é, por conseguinte, folclore trazer aqui 1962, como não é um discurso panfletário trazer aqui 1962: é unicamente trazer aqui o que nos possibilita este diálogo e alertar a juventude de hoje para que, se existe democracia e liberdade em Portugal, elas se devem a muitas dificuldades sentidas por estudantes de outrora, que as souberam ultrapassar.
É necessário, como diz, um novo discurso. Mas um novo discurso não pressupõe ruptura com o passado. O processo histórico não tem quebras e existe na continuidade. Eu percebo que o Sr. Deputado queira fazer a distinção entre hoje e 1962, mas para nós, jovens socialistas, e para outras forças políticas desta Câmara, vive-se hoje a consequência de 1962 e camaradas mais antigos do que eu, e que aqui estão sentados, tiveram peso relevante nessa data e foram não só quem abriu caminho para que nós tivéssemos aqui como quem nos legou a continuação de uma luta na defesa da liberdade e no aprofundamento da democracia: a esse legado não podemos fugir.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma próxima sessão, ficam ainda inscritos, para pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Laranjeira Vaz, os Srs. Deputados Luis Monteiro e Paula Ariosa.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar na ordem do dia, com a continuação da discussão dos recursos interpostos pelo PS, pelo PCP e pelo MDP/CDE sobre a admissão do projecto n.º 305/III apresentado pelo CDS.
Para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Jorge Lemos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lemos, registo, antes de mais, a já esperada manifestação fé de nos monopólios públicos que V. Ex.ª, fez e que escusava de ter feito, é claro, porque nós já a esperávamos de si e da sua bancada.
É claro que V. Ex.ª registou algumas excepções: eu interrogo-me o que é que isso significará, vindo de si e da sua bancada. Mas ficará para uma análise mais profunda.
De qualquer maneira, o Sr. Deputado, na sua intervenção, defendeu este esquema -que corresponde a uma interpretação restritiva dos dispositivos constitucionais -, como sendo o único capaz de assegurar o pluralismo na informação televisiva.
Disse, porém, a seguir, que as coisas, tal como estão, não vão bem! A televisão, disse, «é a voz do dono, ou seja, a voz do Governo, e isso terá que mudar».
Sr. Deputado, então com o monopólio público da infra-estrutura da emissão e de tudo o mais que adiante se ouvirá, a televisão não assegura pluralismo de informação? Ê a voz do dono? Ê a voz do Governo? V. Ex.ª acha que, nessa perspectiva, viria algum mal que a televisão perdesse essa característica de monopólio, no que respeita à emissão? Não acha V. Ex.ª que isso é, precisamente, a abertura ao pluralismo?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Eu estaria à espera que da bancada do CDS houvesse alguma contestação à demonstração feita, até este momento, pelas bancadas do PS, do PCP e do MDP/CDE da inconstitucionalidade do projecto de lei do CDS. Vejo que o CDS já aceitou a argumentação de que é inconstitucional e, neste momento, já aceita discutir noutro campo. Vamos então discutir nesse campo.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, a argumentação sobre a inconstitucionalidade é uma repetição ad nauseam de argumentos que começaram com a intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão, que se repetiram com a intervenção do MDP/CDE e que se voltaram a repetir com a intervenção do PCP. Nós questionámos o Sr. Deputado Jorge Lacão, questionámos o Sr. Deputado António Taborda, ficou explícito na Câmara que ninguém tinha a certeza dos argumentos a favor da inconstitucionalidade e vamos produzir ainda uma intervenção.
Agora, Sr. Deputado, o que era verdadeiramente importante na sua intervenção, como homem que estava ligado à questão da informação - creio -, era realçar esta sua afirmação, que fica nos registos: «a televisão é, neste momento, a voz do dono».

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O Orador: - Sr. Deputado, já tivemos também a oportunidade de dizer quanto considerávamos «intragável» e frouxa a argumentação do CDS. E é tão frouxa que nem sequer é respeitada, pois tem tão poucas bases, para não dizer nenhumas, que VV. Ex.ªs já a dão de barato.
Mas vamos à questão do pluralismo. O que dissemos - e voltamos a afirmá-lo - é que o monopólio público consagrado constitucionalmente para a televisão está assegurado pela própria Constituição. Existem órgãos de controle democrático que deveriam assegurar esse pluralismo. E dizemos mais: a não ser praticado, o que está a suceder actualmente, iríamos ter bastante pior, ou seja, o que o CDS pretende é que o grande capital porque seria só esse que teria acesso à televisão, caso a Constituição o permitisse - «intoxicasse» ainda mais a opinião pública portuguesa. Nós dizemos não à pretensão inconstitucional do CDS de abrir a televisão à iniciativa privada e consideramos, Sr. Deputado, que o que acontece neste momento na televisão exige um debate que não estará, por certo, muito longe de acontecer. E se não o fizemos já foi porque o seu partido, quando era Governo, o impediu, pois nessa altura trouxemos aqui um pedido de inquérito parlamentar à RTP.
Os senhores foram poder e quando tinham a administração da televisão a manipulação era igual ou pior àquela que neste momento se verifica.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Em 1975 o que era?

O Orador: - O CDS não tem, assim, razão para falar. Sejamos claros, Sr. Deputado Nogueira de Brito, e não atirem pedras aqueles que têm telhados que facilmente se podem partir. Não atire pedras que vão cair sobre si, Sr. Deputado. Está a atirar pedras ao ar e quem vai sair com a cabeça rachada é o CDS. Estamos esclarecidos.

Risos do PCP e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Neste caso não há eufemismos: é, na realidade, um protesto.

O Sr. João Amaral (PCP): - É uma pedra para o ar!

O Orador: - Sr. Deputado Jorge Lemos, o grande argumento que VV. Ex.ªs aqui produziram, em matéria de inconstitucionalidade, não foi o que respeitava à possibilidade de cisão do serviço da televisão, com argumentos relacionados com o n.º 7 do artigo 38.º da Constituição. O grande argumento que VV. Ex.ªs procuram produzir assenta no artigo 39.º da Constituição e diz respeito à defesa do pluralismo.
Afinal, V. Ex.ª acaba por fornecer os argumentos ao CDS. Eu digo que V. Ex.ª não teve uma argumentação frouxa: teve uma argumentação magnífica, mas foi a nosso favor.

O Sr. Narana Coissoró: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª demonstrou que a solução de proibir a cisão é uma solução que não defende o pluralismo. E eu tenho a impressão de que ao discutir o pluralismo, nós estamos a discutir o vosso principal argumento em matéria de inconstitucionalidade. Quanto ao inquérito, Sr. Deputado, somos nós que temos agora um inquérito: vamos atirar as pedras ao ar e vamos ver em que cabeça elas vão cair.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não é na nossa. Preocupo-me mais consigo!

O Orador: - Não na vossa? Sr. Deputado, se VV. Ex.ªs em matéria de televisão não tivessem telhados de vidro, todos estaríamos mais «desintoxicados» em matéria informativa. VV. Ex.ªs também já tiveram a televisão ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E ainda têm.

O Orador: - ... e ainda têm importantes sectores da televisão.
Vamos ver em que cabeças vão cair essas pedras. Mas, Sr. Deputado, o inquérito está aqui para ser apresentado por nós e vamos ver se contamos com o vosso voto para ver em que telhados de vidro caem as pedras da televisão.
Talvez seja bom VV. Ex.ªs munirem-se de capacetes de segurança para não terem problemas.

Risos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Quanto ao inquérito à televisão, creio que é melhor avisar a bancada de V. Ex.ª para estar presente quando for votado o inquérito porque, quanto à nossa bancada, pode estar descansado, pois nunca votámos contra qualquer tipo de inquérito parlamentar que visasse apurar responsabilidades. E se há alguém que já o tenha feito, a sua bancada sabe-o bem: na altura, com factos concretos, VV. Ex.ªs votaram contra.
Quanto a utilizarmos apenas um único argumento para a defesa da inconstitucionalidade, não foi isso que sucedeu: demonstrámos como o vosso projecto viola, pelo menos, 3 artigos e vários números da Constituição. Eu tive também o cuidado de dizer que, neste momento, o que está em causa é a vossa tentativa inconstitucional.
Mas há mais: os Srs. Deputados do CDS quando trouxeram esta questão sabiam que não iam ganhar. Mas sabiam, também, que estavam a jogar com «múltiplas»: não ganhando o vosso projecto, ganhava o vosso objectivo. VV. Ex.ªs ou conseguiam partir a maioria, e tinham o CDS do vosso lado e era a primeira vitória -, ou o PSD ficava ligado ao PS e votava contra o vosso projecto, e ficavam com as bases do PSD do vosso lado. Vocês partem, portanto, não com o objectivo de conseguir fazer passar o projecto mas como o tal objectivo político que é claro e que fica demonstrado. Isto é o que os senhores querem. Mas então falemos clarinho ...

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Aplausos do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Que inteligente!

O Orador: - ..., falemos clarinho, porque não estamos aqui para ser enganados: isto é uma Câmara política.
VV. Ex.ªs quererão, talvez, atirar poeira para os olhos de alguém, mas compreendem que golpes desse tipo nem no totobola passam.

Risos do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Tão inteligente e ainda não foi à Sibéria!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado, quando o vejo Ião entusiasmado a discutir problemas jurídicos, digo para mim próprio: por que o lançaram às feras?

Risos gerais.

Gostava também de prestar uma explicação: V. Ex.ª diz, no seu arsenal argumentativo, e a certo passo, que a favor da solução do CDS se destacam 5 razões: «razões de princípio, de carácter técnico, de bom senso, de prudência e de pragmatismo». Muito bem, Sr. Deputado Jorge Lemos, nunca nós ouvimos do PCP tanta homenagem.
Gostava ainda de lhe perguntar o seguinte: se tanta prudência, se tantas razões de jurisdicidade, se tanto carácter técnico, se tanto bom senso, por que não discutir a fundo o nosso projecto? E com esses bons argumentos e com as intenções que V. Ex.ª nos imputou de querer meter uma cunha no PSD ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Viu, viu!? ...

O Orador: - .... não interessará também ao PCP verificar se esta nossa estratégia de dividir o PSD pega? Ê assim o PCP tão amigo do PSD que não o quer dividir numa questão tão simples e o quer manter todo, todo como ele saiu de Braga?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Volto a dizer que, quanto à argumentação sobre a inconstitucionalidade trazida pelo nosso partido a este debate, o CDS já a aceitou. Portanto, temos como dado adquirido que o projecto do CDS é inconstitucional e, neste momento, há que falar de outras coisas.

Vozes do CDS: - Olhe que não!

O Orador: - Estamos a apreciar um recurso de constitucionalidade e, quanto a isso, os senhores não rebateram um ponto que fosse.
O Sr. Narana Coissoró diz que o meu partido me lançou às feras: eu folgo muito que V. Ex.ª se considere um leão. Eu não o considerava um animal tão antipático, considerava-o, até, uma pessoa simpática, mas, para o futuro, vou precaver-me.

Risos do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Tigres de papel é o que vocês são!

O Orador: - Quanto ao argumento que produzimos quanto às razões invocadas no decreto-lei do CDS, o Sr. Deputado, antes de me vir colocar o problema, devia ter lido o seu próprio projecto. É que as 5 razões que indico no meu discurso são as 5 razões que constam do preâmbulo do texto apresentado pelo CDS. E leio:
Em primeiro lugar, uma razão de princípio; em segundo lugar, uma razão técnica; em terceiro lugar, uma razão de bom senso; em quarto lugar, uma razão constítucional, em quinto lugar, uma razão de prudência e pragmatismo.
Sr. Deputado leia, ao menos, o preâmbulo do projecto que vem defender para não fazer tão má figura como a que acaba agora de fazer.
Finalmente, Sr. Deputado, ao PCP interessa neste debate, e fundamentalmente, que a Constituição não seja violada por um projecto que os senhores querem fazer passar e que este Governo, esta maioria, seja substituída e dê lugar a uma maioria que represente os interesses do povo português e que seja capaz de pôr em prática uma política que responda às necessidades, aos anseios desse mesmo povo português.
Estes são os nossos objectivos, claros, límpidos e transparentes.
A objectivos e métodos como os que o CDS está neste momento a utilizar dizemos: não, obrigado!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito rapidamente, quero dizer ao Sr. Deputado Jorge Lemos que quando o adversário faz seus os argumentos de tese para rebater é porque esses argumentos são tão sólidos que ele não pode fugir.
Nunca o Partido Comunista os evocaria se não os aceitasse! Isto é uma regra elementar de crítica, pelo que não vale a pena dizer mais nada.
Quanto ao tal Governo democrático, este e aquele, que desde há 7 anos nós ouvimos todas as semanas, também faço minhas as palavras de alguém:
Quem as diz todas as semanas desprestigia-se semanalmente.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Creio que o Sr. Deputado Narana Coissoró demonstrou ignorar as regras mínimas de um debate democrático. É que para poder desmontar os argumentos do adversário não se podem sonegar esses argumentos. Têm de se expor e de se desmontar ponto por ponto.

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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Estão aceites!

O Orador: - Se leu a minha intervenção viu que ela os desmonta ponto por ponto.
Quanto às afirmações do meu partido, Sr. Deputado Narana Coissoró, a política não é tão simples ou não é tão evidente como os senhores às vezes pretendem fazer crer.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Cabe numa cassete!

O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, a política da cassette é a de VV. Ex.ªs, que há 7 anos. dentro ou fora do Governo, insistem em praticar uma política contrária ao texto constitucional e à vontade do nosso povo. Essa 6 que é uma política de cassette, porque já demonstrou estar errada. A nossa assenta fundamentalmente no desenvolver das nossas capacidades próprias, das capacidades do nosso povo, dos seus interesses e dos seus anseios.
Isso é que os senhores pretendem sistematicamente ignorar! E quando nos vêm atacar de cassette é porque sabem que a razão e o futuro estão do nosso lado e que o vosso tempo está a passar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PSD, em face de uma resolução recente do Conselho Nacional do Partido, havia preparado dois projectos de lei, um deles com conteúdo algo diferente, mas ambos com um objectivo semelhante àquele que hoje merece uma apreciação política de constitucionalidade, o qual aguardava para apreciação pelo outro partido da actual maioria e eventualmente obtido o acordo no seio desta, para apresentação e aprovação pelo Parlamento.
Já na anterior legislatura, a questão da possibilidade ou não da exploração de canais de televisão por outras entidades, que não o próprio Estado, havia oferecido um debate sério em face de uma proposta governamental. Nós apoiamos essa proposta, aqui brilhantemente justificada em nome do proponente, pelo então Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros e nosso companheiro de partido. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa.
Entretanto, deparamo-nos hoje com este projecto e seus recursos. Em face da radicalização de posições que ele já provocou, como se vê das intervenções já efectuadas, é patente que o projecto não será admitido.
De qualquer modo, cumpre-nos tomar posição, com clareza.
É o que passaremos a fazer:

Os recorrentes invocam, no essencial, para fundamentar a inconstitucionalidade, o n.º 7 do artigo 38.º e o n.º 1 do artigo 39.º in fine.
Aquele, porque diz que a televisão, cujo conceito aliás não define, não pode ser objecto de propriedade privada.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Este porque diz que os órgãos de comunicação social, pertencentes ao Estado, são utilizados de modo a assegurar a possibilidade de expressão e confronto de diversas correntes de opinião.
Ora, a concessão de exploração é diferente da titularidade da propriedade.
Nem colhe tentar usar um conceito de propriedade diferente do que técnico-juridicamente flui da nossa legislação.
Porque é o próprio artigo 89.º do texto constitucional que apenas chama a gestão para, juntamente com a propriedade, classificar os sectores de produção, separando claramente os dois conceitos.
Nos termos do projecto, os meios nacionais de distribuição e transporte de sinais de televisão só poderão ser objecto de propriedade do Estado. Apenas o direito à utilização de tal rede é que poderá ser concedida. Tudo conforme os dispositivos constitucionais invocados.
Quanto ao artigo 39.º, há que constatar que é diferente falar em propriedade dos meios de emissão de sinais de televisão ou falar em órgãos de comunicação social que brotem de concessão do direito de utilização desses meios. Só aos órgãos de comunicação do Estado, entidades públicas ou entidades directa ou indirectamente sujeitas ao seu controle económico se aplica o normativo constitucional. Basta ler o preceito.
De qualquer modo, sempre diríamos que nada impede o estabelecimento legal da concessão conforme à exigência constitucional referida, sendo certo que o Estado, num contrato deste tipo, pode sempre impor condições, e pode mesmo retirar a concessão quando terminar o prazo inicialmente previsto ou as condições não forem respeitadas.
Vêm agora alguns partidos invocar também argumentos fora do texto constitucional, quer porque na revisão de 1982 não se inseriu uma norma que previsse a concessão de canais de televisão a entidades privadas quer porque se aditou um preceito que se refere às estações emissoras de radiodifusão, que diz só poderem funcionar mediante licença a conferir nos termos da lei. Daqui pretende-se concluir que só em relação a estações de emissão de radiodifusão podem ser concedidas licenças e que não se tendo previsto nada para a televisão e tendo-se mesmo rejeitado uma proposta da AD para que se consignasse a possibilidade de concessão de canais, isso fica constitucionalmente proibido.
Mas é evidente que a argumentação é ridícula porquanto não é proibido o que a Constituição não prevê. Só é proibido o que a Constituição proíbe, pois a Constituição não esgota o universo legislativo, nem nada no seu texto impede que, apesar de o legislador ter querido, embora sem necessidade, vincular-se desde logo, na lei fundamental, a um modo de encarar as coisas no domínio da radiodifusão, ele optasse por deixar para posterior ponderação, ao nível da legislação ordinária, tudo o que diz respeito à concessão do direito de utilização da rede televisiva.

O Sr. Lacerda Queirós (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, a argumentação aduzida não colhe em absoluto. Aliás, referiria uma afirmação

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de Jorge Miranda, que pode ler-se no Diário da Assembleia da República, de 6 de Novembro de 1981, segundo a qual dos trabalhos preparatórios da Constituição e debates na Assembleia Constituinte se deduz que se quis vedar a propriedade privada, mas se abriu hipóteses a formas jurídicas como a concessão, não havendo intenção de consagrar a gestão exclusiva por parte do Estado.
Isto é, a norma constitucional, no próprio pensamento do legislador constituinte de 1976, deixara à lei ordinária liberdade para permitir a concessão de gestão a entidades privadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS tem uma posição de voto diferente da nossa, que aliás já vem de trás. O PS é contra, nós somos a favor da possibilidade de concessão de canais de televisão a entidades privadas.
Não sendo possível conformar posições, a maioria aceitou que cada um votasse conforme as suas convicções sobre as razões invocadas pelos diferentes impugnantes.
E quanto a nós, não há inconstitucionalidade no projecto em apreço.
Aliás, contestamos uma prática de que sempre nos alheamos, a qual se traduz em tentar fugir-se aos debates reais sobre um dado tema, à decisão política que ela pressupõe, com questões processuais ou com argumentos prévios.
Não que não sejam legítimos. Só que havendo em Portugal um Tribunal Constitucional, criado na revisão constitucional recentemente efectivada, órgão com características completamente distintas do anterior Conselho da Revolução, que justamente merecia reservas a parte do leque partidário, tribunal ao qual incumbe apreciar da constitucionalidade, em momento prévio ou mesmo posterior à promulgação de qualquer diploma legislativo, parece-nos que é um ataque ao espírito do legislador reconstituinte, por abuso de disposições regimentais, evitar os verdadeiros debates políticos.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Nisto como em tudo. mais importante do que dizer é fazer.
Nós nunca o fizémos e desde já ouso crer que damos um exemplo, que exortamos outros a seguirem.

Aplausos do PSD.

Só os casos de frontal e inequívoca inconstitucionalidade (o que a acontecer não deixará de aparecer desde logo na contestação do amplo leque dos partidos desta Câmara) que faça presumir que nem o debate na especialidade poderá corrigir, levando a concluir da total inutilidade do trabalho parlamentar, nos parece dever ser objecto deste expediente liminar.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Aqueles que invocam a inconstitucionalidade deveriam ser, por princípio, mais prudentes e deixar que o órgão próprio para o efeito funcionasse em vez de quererem antecipar-se.
É que, ao fazê-lo, confessam uma de duas coisas: ou que admitem a constitucionalidade e pretendem evitar que o diploma se faça, para evitar que, deixado em pé pelo Tribunal Constitucional, se torne ou se mantenha lei, ou instrumentalizar o recurso com o objectivo de se furtarem a um debate político em que teriam de impor uma posição contra a razão e contra a maneira como o seu próprio eleitorado pensa. Com medo, pois, do debate sobre a decisão política que o diploma imporia.
Nós sempre preferimos a afirmação frontal do que pensamos para que os portugueses, ouvindo-nos e ouvindo os nossos objectivos e razões que os fundamentam, nos possam julgar com clareza.
Por isso, votaremos contra os recursos.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se vários Srs. Deputados para pedir esclarecimentos.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - O Sr. Deputado Fernando Condesso disse que o seu partido vai votar contra as impugnações levantadas pelo MDP/CDE, pelo PCP e pelo PS.
Gostaria, no entanto, de saber se o PSD está ou não mal disposto com o CDS pelo simples facto de este grupo parlamentar ter tomado a iniciativa de apresentar um projecto de lei no sentido de entregar a TV a grupos privados, ou seja, mais claramente, a grupos de pressão económica.
Será que V. Ex.ª entende que o CDS lhe retira espaço de manobra, já que, pelo que vem sendo tornado público, o Grupo Parlamentar do PSD, que V. Ex." dirige, está na disposição de entregar canais de TV ou de promover uma legislação de forma que algum desses canais seja entregue à Igreja? Ou, pelo contrário, a iniciativa do CDS serviu para aplanar caminho de forma a ver o comportamento da Câmara em relação a um futuro projecto de lei nesse sentido?
Gostava, pois, de saber, Sr. Deputado, se se confirma ou não a intenção do PSD em apresentar um projecto de lei com o sentido de conceder à igreja católica um canal de televisão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Fernando Condesso, todos nós. sabíamos que o Conselho Nacional do PSD de 4 e 5 de Fevereiro tinha aprovado um conjunto de moções, uma pedindo a demissão do conselho de gerência da RTP o que não sucedeu até à altura, aliás «ainda mal!» -, outra pedindo a demissão do Sr. Dr. Palma Ferreira - o que também ainda não sucedeu - e, finalmente, uma que reivindicava um canal de TV para a igreja católica.
Todos sabemos também que o CDS, conhecendo isto, não faz neste debate senão o papel de Salomé, dançando a dança dos véus para seduzir o PSD ou para tentar obrigar o PSD a afirmar aquilo que todos nós sabemos que ele pensa, disse e deliberou.
Só que aconteceu uma coisa porventura inesperada: é que o PSD, de tentado e tímido, transformou-se ainda em mais audaz do que o provocador - salvo seja! -, do que o CDS, no caso concreto. E vem-

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-nos dizer que não está aberto à concessão de um canal de TV à igreja católica, o que já suscitava dificuldades terríveis e até problemas de instrumentalização de uma instituição que não deve ser instrumentalizada ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas este zelo em defender a igreja católica e comovente!

O Orador:- ... mas está aberto a mais: agora o PSD aparece-nos aqui disponível a ir até tão longe quanto o CDS propõe que se vá, de forma completamente inconstitucional.
E ouvimos aqui o Sr. Deputado Fernando Condesso dizer: sim senhor, é legítima, é constitucional a concessão de redes de distribuição a entidades privadas; o Estado livremente concede, o Estado livremente revoga a concessão, não haverá nenhum obstáculo constitucional!
Esta e uma afirmação espantosa!
Nós passámos aqui horas e horas, durante a revisão constitucional e na comissão específica para esse efeito, a discutir a proibição constitucional! O Sr. Deputado Fernando Condesso, de memória curta, defendia a supressão da proibição constitucional. Não o conseguiu. A proibição mantém-se. A proibição até foi reforçada e corroborada com vários argumentos que aqui expendemos e que não reproduzo. Não há lacuna nenhuma, não há nenhuma dúvida de interpretação, haverá quando muito uma questão que o Sr. Deputado poderia desejar colocar em sede de revisão constitucional.
Aquilo que o CDS propõe é um escândalo! É a concessão de um maná às entidades privadas, que ficariam com infra-estruturas de graça ou a bom preço e, com poucos meios económicos concedidos «a olho» por um governo favorável, exerceriam actividades que lhes estão vedadas.
Posto isto, o único argumento que o Sr. Deputado Fernando Condesso invoca é o de que a Constituição não excluiu isso. É um argumento espantoso, que é contradito por dezenas e dezenas de páginas do Diário da Assembleia da República e pela memória comum de toda a gente. É perfeitamente inconstitucional!
E a pergunta que lhe fazia é a seguinte: porquê esta mudança de posição, já que a inconstitucionalidade é patente? O que é que aconteceu, entre o Conselho Nacional e este Congresso do PSD, para o seu partido não só ultrapassar neste momento, na posição que nos trouxe, aquilo que tinha proposto em 4 e 5 de Fevereiro, como até para se mostrar disposto a ir tão longe inconstitucionalmente quanto o CDS pretende ir?
Como e que enquadra isto tudo num comportamento minimamente responsável de um partido que, por acréscimo, pertence a uma coligação em que um dos partidos acaba de interpor um recurso bem, aliás - sobre esta matéria?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O Sr. Deputado Fernando Condesso, na sua argumentação, falou que a Constituição, ao ter definido expressamente o regime
e admitido a concessão de exploração e de licenciamento para as empresas de radiodifusão, não o tinha excluído em relação à televisão.
Gostava que V. Ex.ª me dissesse se não o excluiu porque não foi possível conseguir a tal maioria de dois terços para que a proposta da AD apontava, pois ia no sentido de consagrar constitucionalmente que a televisão era o objecto de propriedade pública, mas que podia ser cedida em regime de concessão a entidades privadas, ou, se era esse o espírito dos constituintes, por que razão não se consagrou essa solução.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, creio ser tempo de, neste debate, chamar a atenção para outra coisa. Quando fizémos a nossa intervenção, dissemos que uma das razões por que o pluralismo não estava a ser assegurado era porque os mecanismos expressamente previstos na Constituição não estavam a funcionar, ou pelo menos não estão a funcionar como deveriam.
E como V. Ex.ª faz parte de uma maioria, caberá perguntar o que se passa em relação às eleições em atraso para o Conselho da Comunicação Social.
Também é importante falar disto neste debate porque também passa por aí assegurar aquilo que o CDS não quer ver assegurado, tanto mais que exclui a obrigatoriedade do pluralismo televisivo nos canais que quer atribuir às entidades privadas.
Finalmente, V. Ex.ª citou o artigo 89.º da Constituição. Nós sempre dissemos que em relação à sede de direitos, liberdades e garantias não se aplica o regime de propriedade previsto para a estrutura de propriedade dos meios de produção. Mas, ainda assim, o Sr. Deputado Fernando Condesso sabe tão bem como nós que a revisão constitucional também veio clarificar esse ponto, porque passou a considerar que - e cito-lhe o n.º 3 do artigo 89.º - «o sector privado é constituído pelos bens e unidades de produção cuja propriedade ou gestão pertençam a pessoas singulares ou colectivas privadas [...]».
Os senhores sabem que não têm nenhuma razão, mesmo neste campo, que nós nunca admitimos como um campo possível, e que o vosso objectivo de quererem dar canais privados de televisão é inconstitucional.
O Sr. Deputado Fernando Condesso sabe que parte derrotado para este debate! Está, pura e simplesmente, a querer agradar às suas bases, porque sabe que razão não tem!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Deputado Fernando Condesso, fiquei de certo modo surpreendido com a sua intervenção, porque julguei que, ao menos, vinha defender aquilo que publicamente tem sido a posição do PSD sobre este assunto, que é - tão-só - a concessão da gestão de canais de televisão a entidades públicas e não a entidades privadas. V. Ex.ª disse que este projecto de lei do CDS, que prevê não só a concessão a entidades privadas, é perfeitamente constitucional. E é perfeitamente constitucional - diz o Sr. Deputado -, porque é ridículo vir aqui afirmar que, por exemplo, o argumento a

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contrario da rejeição da proposta da AD não tinha influência sobre isto.

Recordo que o projecto de lei de revisão constítucional - o n.º 2/II - propunha, concretamente, a possibilidade de a televisão ser objecto de propriedade pública, sem prejuízo da possibilidade de concessão de exploração a entidades privadas ou cooperativas.
Ora, tendo este projecto de lei sido rejeitado pela Câmara, não vejo o que e que tem de ridículo dizer que, face a essa rejeição, não mais se tornou possível fazer a concessão da televisão a entidades privadas ou cooperativas.
Uma outra questão que me parece mais grave: V. Ex.ª teceu várias considerações sobre o processo em curso neste momento. Pelos vistos, V. Ex.ª entenderia que o Tribunal Constitucional era o único que tinha o exclusivo da constitucionalidade das leis e que esta Assembleia se deveria demitir da fiscalização da constitucionalidade das leis que vai elaborar.
Parece-me bastante grave esta concepção. Quanto a mim, esta questão não é puramente processual - é-o formalmente, mas não o é em substância -, é uma questão de fundo e esta Assembleia não pode nem deve demitir-se do seu poder de fiscalização da constitucionalidade das leis.
Eram estes os dois pontos que gostava de ver abordados por V. Ex.ª.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Fernando Condesso, não vou deter-me na questão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do projecto de lei apresentado pelo CDS. A questão está inteiramente esclarecida e tudo o que neste momento se dissesse, da parte desta bancada, em refutação dos argumentos por si defendidos, apenas valorizaria esses argumentos, que são de todo em todo insustentáveis. Em defesa do prestígio das instituições, recusamos ser levados para um debate desse género.
Deixemos então isso de lado e vejamos apenas um aspecto concreto daquilo que há pouco por si foi dito.
Entendeu que era de todo em todo ilegítimo que a Assembleia da República apreciasse a constitucionalidade dos diplomas e acabasse, segundo disse, por indeferir, in limine, determinadas iniciativas, impedindo assim o debate político que deveria travar-se, uma vez que subjazeria a cada um desses projectos conteúdo no qual não estaríamos dispostos a entrar.
O problema muito claro que lhe coloco é este: como é que a bancada do PSD procedeu aquando das iniciativas legislativas do PCP em torno da resolução do grave problema nacional dos salários em atraso?
Que política é essa de dois pesos e duas medidas a que, sistematicamente, a direita vai recorrendo...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - .... que, não sendo capaz de maneira nenhuma embrulhar a bancada do PCP com argumentos que não colhem, serviu, infelizmente, para bloquear um instituto e uma iniciativa que resolveria graves problemas nacionais?
Por outro lado, o Sr. Deputado esquece um facto muito importante: a esta Câmara deverá, por princípio de sensibilidade, de pura cautela, de tratamento correcto e equânime das situações, colocar-se a questão de alguma ponderação face a problemas de constitucionalidade que nela se levantem, mas nunca em casos em que essa inconstitucionalidade é tão clara, tão rotunda, tão pedregulhesca ...

Risos.

...como aquela que neste momento caracteriza o projecto do CDS.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, a Câmara deverá ter um de dois comportamentos: ou deixa passar o projecto do CDS, e deste modo viabiliza o crescente desprestígio das instituições, ou não o deixa passar, e assim defende, por um tempo, a dignidade dos institutos de que lançamos mãos para fazer leis e a dignidade do Parlamento e de tudo o que ele significa na arquitectura do Estado Português.
Como é que o Sr. Deputado Fernando Condesso pode, pois, arguir contra o exercício, por parte desta Câmara - de resto, de acordo com regras constitucionais e regimentais -, da fiscalização da constitucionalidade de determinados diplomas, quando eles violam, de modo frontal e inequívoco, prescrições a que todos estamos obrigados?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Fernando Condesso, tem a palavra para responder, se o desejar.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Respondo ao que tem resposta neste debate e não ao que alguns Srs. Deputados entendam que ele deve ser.
Já sobre uma outra minha intervenção - uma declaração política em 13 de Março -, mas mais uma vez, alguns Srs. Deputados da oposição tentam a habilidade de confundir aquilo que se diz para tirarem conclusões diferentes daquilo que se disse e do que se pretende, efectivamente, dizer.
Diria, em relação ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, que o PSD não tem de estar bem ou mal disposto com um partido que não tem parte num acordo de maioria só porque ele apresentou um projecto de lei. Esse partido é livre de o apresentar. No entanto, podemos é fazer um juízo pior ou melhor sobre a oportunidade de ele ser ou não ser apresentado. Em questões fundamentais, em questões importantes, quando entendemos que algo é importante, julgamos que, mais do que um exercício parlamentar, o que deverá é procurar-se agir de modo que haja, à partida, uma certa garantia de êxito para que se obtenha um resultado.
No fundo, era esse já o sentido da minha declaração política em relação à temática da revisão constitucional, que foi, em geral, apreciada de uma maneira distinta e muitas vezes contrária do conteúdo daquilo que eu disse. Hoje aqui se tenta, outra vez, chamar este aspecto para confundir as coisas, mas não vale a pena porque o que eu disse está dito nos termos em que o disse.

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Quanto ao conselho nacional, Sr. Deputado José Magalhães, ele teve várias resoluções esse, como todas as reuniões do conselho nacional do meu partido -, porque essas reuniões são produtivas e as suas resoluções são conhecidas. V. Ex.ª citou algumas, pois elas são, desde logo, publicamente conhecidas.
Quanto à resolução sobre o canal de televisão para a igreja, ela não trazia nada de novo. Já na anterior legislatura aqui defendemos a possibilidade de a igreja poder ter um canal de televisão. Não há, hoje, nada de novo sobre isto, como no momento anterior a esse conselho nacional havia.
V. Ex.ª refere problemas de memória curta. Diria que V. Ex.ª não terá memória nenhuma, porque não esteve na revisão constitucional. Se tivesse alguma memória, saberia que a memória era certa, pois nunca se defendeu a supressão do preceito constante do n.º 7 do artigo 38.º - que era antes do n.º 6 -, que diz respeito ao facto de a televisão ser privada ou não na sua propriedade. O que se defendeu foi o aditamento de uma nova norma que previa, constitucionalmente, a possibilidade de concessão.

Vozes do PCP: - Mas é isso!

O Orador: - Foi o que se disse, mas isso é totalmente diferente.
Já agora vou a outro argumento que V. Ex.ª e outros deputados aduziram: pelo facto de não se constitucionalizar uma coisa, isso não quer dizer que ela tenha de ter uma consagração ao contrário no mundo legislativo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Neste caso quer!...

O Orador: - Por exemplo, se a Constituição não dissesse nada sobre a televisão ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Mas diz!

O Orador: - ... e se aparecesse uma proposta de VV. Ex.ªs dizendo que a televisão tinha de ser pública, no caso de ela não ser aprovada, a lei ordinária tinha de dizer que era privada? Não, pois o legislador ordinário, mais tarde, em face de uma ponderação futura, diria o que entendesse. Claro que quanto à radiodifusão diz-se algo que já era uma verdade, pois há já emissoras de radiodifusão que não estão nas mãos do Estado, consagrou-se o que estava. Quanto à televisão não havia e deixou-se para uma ponderação futura.
É isso o que se passa, é esse o entendimento quê se deve fazer da Constituição. Se não, cairemos nisto: sempre que há uma proposta para se constitucionalizar e se ela não é constitucionalizada, evidentemente que o que tem de ficar no ordenamento jurídico futuro é o contrário. Ora, dizer que nem era preciso fazê-lo, pois já estava, só porque não se rinha constitucionalizado, é aberrante e ridículo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Deputado Jorge Lemos, além de também ter referido estas questões, falou no problema de um artigo da Constituição que não se aplicaria à parte dos direitos. Sr. Deputado, não chamei aqui à colação a questão da aplicação. Eu usei o artigo, para com base no seu articulado ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Mas usou mal! Isso é que é importante que se diga. Não soube ler sequer.

Vozes do PSD: - Deixe falar!

O Orador: - ... clarificar conceitos. Foi apenas isso.
O Sr. Deputado fará o favor de ler a Constituição, pois eu leio a Constituição da República Portuguesa, que é aquela que possuo e sigo.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - A sua deve ter gralhas!

O Orador: - O Sr. Deputado José Manuel Mendes afirmou que nós tínhamos dito que era ilegítimo apresentar aqui recursos de inconstitucionalidade. O Sr. Deputado e outros Srs. Deputados deveriam ouvir melhor aquilo que se diz. Fui muito claro, dizendo que não é que não sejam legítimos. Só que há um Tribunal Constitucional e, portanto, só em casos crassos e evidentes de inconstitucionalidade é que se deverá usar este recurso.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Este é, exactamente.

O Orador: - A menos que se tenha medo do tribuna! Constitucional. Para W. Ex.as este é um caso grave, para nós não é. Ê evidente que pelos argumentos que aqui foram aduzidos, de parte a parte, se vê que esta questão não é líquida. Quanto muito, VV. Ex.ªs tenham a humildade de reconhecer que não é líquida; pelo menos, intelectualmente, não cometam o erro crasso de virem para aqui fazer afirmações em que nem no plano teórico acreditam. Têm interesses? Pois se tem, defendam-nos numa perspectiva política de fundo e não através desses expedientes.

Aplausos do PSD.

Vem, depois, V. Ex.ª deitar água na borralha, falando nos salários em atraso. Não recorremos nessa altura, mas digo-lhe já que concordámos com o recurso, apoiando-o. Mas isso é totalmente distinto. Era uma questão que dizia respeito a um diploma já rejeitado, que VV. Ex .º11 partem em 3 ou 4 partes, julgando que enganam os outros. Ë totalmente distinto, não tem nada que ver uma questão com a outra. Além disso, nem a questão da constitucionalidade tinha que ver com o fundo da vossa matéria. Tinha que ver, apenas, com o facto de quererem repetir numa mesma sessão legislativa aquilo que o Regimento diz que não é repetível.
Portanto, Srs. Deputados, a vossa argumentação cai completamente pela base. É que VV. Ex.ªs, além de terem interesse em excluir que a televisão possa ser gerida pelas outras entidades que não o Estado, têm sempre o interesse de «dizer», «argumentar e argumentar», para fazer com que o Parlamento tenha muito que falar sobre a mesma matéria. Nós pretendemos passar avante, temos outras coisas a tratar.
A nossa posição está clarificada e creio que respondi e desfiz aquilo que W. Ex.ªs pretenderam confundir.

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um protesto, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Fernando Condesso, muito obrigado pela resposta que me deu. Foi, apesar de tudo, uma resposta parcelar, porque não me respondeu ao que lhe perguntei.
Ficamos a saber que o Sr. Deputado não nos quer dizer se está ou não bem disposto com o CDS. Pois muito bem, mas diz, contudo, que podemos fazer um juízo sobre a oportunidade da iniciativa.
Gostava de saber se para o seu partido, Sr, Deputado, é ou não oportuna a iniciativa do CDS ao apresentar este projecto de lei. Prejudicou ou não prejudicou o PSD esta iniciativa do CDS?
Também não me respondeu a uma pergunta concreta, embora se tenha referido à questão da igreja muito levemente. Queria saber, Sr. Deputado, se está disposto a responder-me ao seguinte:
Vai ou não o seu grupo parlamentar apresentar um projecto de lei sobre a concessão de um canal de televisão à igreja e se está para breve esse projecto? Com que apoios contará o PSD nesta Câmara para um projecto de lei de entrega de um canal de televisão à igreja?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Fernando Condesso, como há mais protestos, V. Ex.ª quer responder já ou no fim?

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Surgiu-me uma dúvida sobre qual é de facto a Constituição que vigora. Na minha Constituição tenho um texto e o Sr. Deputado Fernando Condesso parece que tem outro.
Parece, por outro lado, que o Sr. Deputado Fernando Condesso não percebeu que o problema que se discutiu aqui em relação aos salários em atraso não foi um problema regimental mas sim um problema constitucional referente ao n.º 3 do artigo 170.º da Constituição.
Ora, como não era um problema regimental, mas sim constitucional, começo a ficar baralhado com isto tudo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para um protesto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nem por ser verdadeiramente iracunda, furibunda e com excesso de decibéis a intervenção do Sr. Deputado Fernando Condesso respondeu às questões colocadas.
Em 1982, isto foi aqui dito, o PSD propôs, no quadro da AD, a concessão de um canal de TV, não a qualquer entidade privada, mas, com cinquenta cautelas, que aqui foram delimitadas, a concessão de um canal de TV à igreja católica, por razões que tinham a ver com o exercício das suas actividades e só por essas - excluindo, portanto, a concessão a quaisquer outras entidades. Nós dissemos que havia um obstáculo constitucional inultrapasável e que, em termos políticos, se tratava de uma manipulação inaceitável de uma instituição que não deve ser manipulada.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Ai que defesa da igreja católica! ...

O Orador: - No debate, o PSD aceitou o melindre da matéria, vários deputados seus reconheceram que a proposta, tal qual estava formulada, colocava questões inultrapassáveis de desigualdade de tratamento, de afrontamento do princípio de separação igreja-Estado, e, na sequência de tudo -importa sublinhar-, a proposta de lei foi directamente para a gaveta da comissão, e lá jazeu até ao enterro da AD.
Subitamente, em 1984, o Conselho Nacional do PSD, por proposta daqueles sectores que querem, aliás, acabar com a «querida coligação», apareceu com a proposta de reentrega do canal de TV à igreja católica. E nós dirigimos as mesmas críticas a esta proposta.
Só que aquilo que o Sr. Deputado Fernando Condesso aqui «berrou» intensamente, foi que está disposto a ir muito além. Já não quer só o canal de TV para a igreja católica, pois o Sr. Deputado está disposto a abrir a todas as entidades privadas virtualmente e supostamente as que tenham meios financeiros, como diz o projecto do CDS -, como às testemunhas de Jeová, a outras confissões religiosas, a grupos económicos - eu sei lá! - a clubes, a grupos recreativos, a entidades, as mais estrambóticas.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E ao PC!...

O Orador: - Isto é o salto entre este continente e outro, há uma diferença de léguas entre uma posição e outra. O Sr. Deputado aduz em abono da sua posição dois e apenas dois argumentos: a revisão constitucional não existiu; porque eu não estive na revisão constitucional não tive memória e os portugueses que lêem o Diário da Assembleia da República não conseguem ler o que o Sr. Deputado lê, pois tem uma versão supostamente especial. Mas não! Todos nós lemos que foi rejeitada a vossa proposta, no sentido de viabilizar que entidades privadas exercessem a actividade televisiva. E daqui concluiu-se com uma lógica, que só numa outra lógica romboédrica exclui, que as entidades privadas não podem exercer a actividade televisiva, até que o Sr. Deputado Fernando Condesso promova, se o conseguir, uma revisão constitucional que altere o que a anterior revisão constitucional não alterou. Isto é meridiano e o CDS o que veio colocar aqui foi uma tentativa de levar o PSD a definir-se, no sentido em que - creio que ultrapassando todas a expectativas, da maneira mais inconstitucional e destraquejada - o Sr. Deputado Fernando Condesso o fez.
Mas isto é, sem dúvida, uma posição que tenho grandes dúvidas em considerar que, embora seja ter-

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rivelmente «berrada», possa ser responsável. Temos muita curiosidade em saber como é que o PSD, a partir deste momento, poderá propor coerente e honestamente o que quer que seja nesta matéria, uma vez que acaba de admitir o mil quando propunha aquilo que já era suficientemente grave.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Muito mal!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Fernando Condesso, das duas uma: ou é o Sr. Deputado que tem uma Constituição em que há uma gralha ou a versão oficial publicada no Diário da República tem gralhas.
Ora, o que o Sr. Deputado disse na sua intervenção é totalmente diferente do que diz a Constituição - e o senhor sabe-o.
Só lhe fazia uma última pergunta: a continuar por este andamento o PSD está disposto a substituir o maquinista do comboio?

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Fernando Condesso, boa parte das questões centrais deste debate estão já adiantadas, pois foram colocadas no terreno próprio pelos meus camaradas que me precederam.
De todo o modo, gostaria de chamar a atenção para um facto que considero extremamente relevante na sua resposta.
Ó Sr. Deputado veio dizer que só em casos de crassa inconstitucionalidade é que esta Assembleia deveria assumir um papel fiscalizador que lhe compete e não remeter o julgamento da constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, exactamente na esteira do que eu havia dito na pergunta que lhe formulei.
Ora, a minha bancada considerou, com fundos irrebatíveis e irrebatídos argumentos, que a inconstitucionalidade do projeto de lei do CDS é total, ortorrômbica e indisfarçável. Bom, mas o Sr. Deputado Fernando Condesso vem dizer-nos que não, pois «crassa é a inconstitucionalidade dos projectos de lei do PCP relativamente à resolução do problema dos salários em atraso».
A pergunta que obviamente haverá que formular é esta: onde está a natureza da duplicidade de atitude do PSD? É que quando se trata de distribuir e liberalizar os lucros por uma meia dúzia de príncipes, aí o PSD não tem pejo em dizer que não há inconstitucionalidade e nem sequer tem dúvidas de consciência para levar as coisas ao Tribunal Constitucional.

Aplausos do PCP.

Quando se trata de pôr cobro ao pesadelo que recai, dia após dia, sobre os trabalhadores e sobre a consciência democrática portuguesa, o PSD, esconjurando propostas idóneas, vem dizer «aqui del-rei, que é inconstitucional, não se debata, sequer, no Plenário o fundo da questão». E com esta agravante: o Sr. Deputado Fernando Condesso sabe que a maioria, primeiro, rejeitou o projecto de lei do PCP com base na violação do n.º 3 do artigo 170."; seguidamente, veio a admitir 2 projectos, dos 4 em que esse mesmo projecto de lei se desdobrou, que eram justamente aqueles que já haviam, pela matéria que continham, sido derrotados anteriormente.
Revela-se assim, de modo inequívoco, que a razão estava do nosso lado e não do lado de uma maioria cega e incapaz de atender às razões políticas e verdadeiramente nacionais que essa questão coloca, e de se comportar no quadro da constitucionalidade com um mínimo de princípios defensáveis e não de modo leviano, como tem estado a comportar-se até aqui.
Sr. Deputado Fernando Condesso, entende que é possível, à luz dos argumentos constitucionais, das normas perfeitamente imperativas da Constituição, defender essa tese verdadeiramente laxista de que cabe tudo e de que todas as entidades privadas - possivelmente o próprio Sr. Deputado Fernando Condesso com mais 3 ou 4 amigos - podem ter nas mãos os lucros de aceder à difusão gratuita do seu produto televisivo e à exploração não onerosa do espaço radioeléctrico, ficando as despesas a cargo do Estado? Como é que consegue, do ponto de vista democrático, defender uma tal tese?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Lacerda Queiroz (PSD): - Muito mal!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, embora tenhamos chegado à hora regimental do intervalo, vou dar ainda a palavra ao Sr. Deputado Fernando Condesso para contraprotestar, a fim de não se interromper o diálogo.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Vou responder muito rapidamente aos protestos que me foram dirigidos, até porque alguns deles repisam perguntas que já foram feitas.
Respondendo ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, diria mais uma vez que, num plano político, não se trata de se estar bem ou mal disposto.
Quanto às perguntas que V. Ex.ª fez acerca das posições do meu partido, apenas lhe posso dizer que terá de ter paciência e aguardar pelo momento em que o meu partido indicar qual é a sua posição, porque em política ninguém é obrigado a manifestar a sua posição antes do momento em que entende dever fazê-lo.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No que diz respeito à tal apresentação de um projecto de lei, dir-lhe-ia apenas que o meu partido estudará esse tema oportunamente. Simplesmente, V. Ex.ª compreenderá que, estando nós integrados numa maioria, a questão da oportunidade da apresentação destes ou de outros projectos põe-se em termos de um acordo com essa maioria que garanta o êxito desses mesmos projectos.

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No que diz respeito ao problema levantado pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso - cuja intervenção, aliás, não entendi -, que diz que a questão do recurso sobre o diploma dos salários em atraso, que referi como sendo uma questão regimental, não é uma questão regimental mas sim constitucional, gostaria de lhe dizer que embora ela seja constitucional também é uma questão de direito parlamentar.
É muito simples, Sr. Deputado: e realmente a Constituição que diz -e aqui respondo também ao Sr. Deputado Jorge Lemos - que os projectos e as propostas de lei definitivamente rejeitadas não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa. Este é um direito parlamentar, é uma norma processual que a Constituição contem, assim como o Regimento.
Portanto, e muito simples, Sr. Deputado Jorge Lemos. Não queira V. Ex.ª confundir as coisas, comparando as situações. Esta norma visa fazer com que, uma vez rejeitado um projecto, VV. Ex.ªs não venham repeti-lo todos os das, não fazendo nós mais nada do que aturar o PCP em questões que estão mais que debatidas. Não queira confundir as coisas porque a nós não nos confunde. O Sr. Deputado pode demorar os trabalhos do Plenário com essa questão, mas pode ter a certeza de que a nós não nos confunde.
O Sr. Deputado José Magalhães fala em berrar. Pois penso que V. Ex.ª é que esbarrou com a nossa abertura na possibilidade da concessão - e sublinho que é a possibilidade dos direitos de utilização. Nós somos assim, Srs. Deputados, não temos medos! ...
O Sr. Deputado falou ainda de lucros, ao que VV. Ex.ªs até bateram palmas. Vejo que se VV. Ex.ªs fossem governo davam esse direito de utilização gratuitamente - não seria aos particulares, seria aos vossos! ...
Em meu entender a concessão não tem de ser gratuita, Sr. Deputado. As coisas têm de ser feitas nos termos de um contrato que efectivamente viabilize e permita que elas se façam.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso também se aplica à Igreja Católica?

O Orador: - Na sua intervenção o Sr. Deputado José Magalhães fala novamente na transcrição da Constituição. Sr. Deputado, acabei de ler, em resposta ao Sr. Deputado Lopes Cardoso, o texto a que me reportava, que, decerto, é o mesmo texto de que V. Ex.ª dispõe. De qualquer maneira, o Sr. Deputado mais uma vez tentou confundir as coisas. Li o texto que corresponde à sua Constituição e à minha e, portanto, o sentido do que eu dizia estava correcto. Mais uma vez o Sr. Deputado tentou fugir da argumentação.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Confunde o «e» com o «ou», e isso é grave!

O Orador: - O Sr. Deputado vem também falar no problema do papel fiscalizador deste Parlamento. Ele tem de facto um papel fiscalizador mas, voltando ao que disse há pouco, se efectivamente não há dúvidas de inconstitucionalidade, pois muito bem que não se impeça um debate. Se as houver e para nós não há -, então deixemos que o Tribunal Constitucional o decida. Os Srs. Deputados dizem que é absolutamente garantido que não há constitucionalidade mas se assim é, então por que é que têm medo que o Tribunal Constitucional se pronuncie? Esta é uma pergunta que lhes gostaria de fazer, pois não se compreende. Ê que quem não tem medo não corta as coisas à partida!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Convoco os Srs. Presidentes dos grupos parlamentares para uma conferencia, que será presidida pelo Sr. Vice-Presidente Carlos Lage, a realizar às 18 horas.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Para fazer um protesto em relação à intervenção do Sr. Deputado Fernando Condesso, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado Fernando Condesso entendeu comentar a minha interpelação à Mesa e o meu protesto tem uma intenção, atrevo-me a pensar, louvável.
O Sr. Deputado não entendeu o que lhe disse, mas o defeito deve ser meu. No entanto, vou fazer um grande esforço para explicar-lhe clarinho, clarinho, clarinho, tão clarinho que o Sr. Deputado consiga entender.
A questão é pura e simplesmente esta: o Sr. Deputado Fernando Condesso, interpelado por um dos Srs. Deputados da bancada do PCP sobre o comportamento da sua bancada em relação a um recurso que impugnava a admissibilidade dos projectos de lei sobre os salários em atraso apresentados pelo PCP, afirmou que nesse caso não havia contradição nenhuma com o que tinha dito momentos antes, porque se tratava pura e simplesmente de uma questão regimental. Por outro lado, em matéria de impugnação por inconstitucionalidade, a posição da sua bancada também era clara, isto é, davam sempre o benefício da dúvida e remetiam isso para o Tribunal Constitucional.
O que eu quis chamar à atenção foi que, mais uma vez, ou o Sr. Deputado tinha lido mal ou possuía, de facto, um exemplar gralhado da Constituição. Para além disso, também tinha lido mal a impugnação do Partido Socialista que, aliás, era clara. Releia-a, Sr. Deputado!
Com efeito, o Partido Socialista impugnava a decisão da Mesa de ter admitido os projectos de lei apresentados pelo PCP, por considerar que essa admissão era inconstitucional, na medida em que feria o n.º 3 do artigo 170.º da Constituição.
Tratava-se, pois, de uma questão pura e simplesmente constitucional, e não regimental, como o Sr. Deputado pretendeu insinuar para escapar à observação que lhe tinha sido feita.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, eu não falei numa questão puramente

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regimental. Aliás, da resposta que dei ao Sr. Deputado e pela leitura que fiz do texto deduzia-se que, para nós, tratava-se de algo que tinha de ser votado em conformidade com o n.º 3 do artigo 170.º da Constituição, como V. Ex.ª invocou, e com o Regimento.
Trata-se aqui de uma questão literal e, aliás, basta ler o texto. A matéria em causa, apesar de cindida, era a mesma, Sr. Deputado! Se não fosse assim, estaríamos aqui todos os dias a debater permanentemente a mesma matéria, já rejeitada no dia anterior.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É falso!

O Orador: - Será que isto não é entendível?
Agora, que é uma questão de direito parlamentar, constitucionalizado ou não, não tenha dúvidas. Sr. Deputado!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

O Sr. Santa Rita Pires (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Santa Rita Pires (PSD): - Sr. Presidente, ao abrigo das disposições regimentais, pedimos a interrupção dos trabalhos por 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, está suspensa a sessão.

Eram 18 horas e 21 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 19 horas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Grupos Parlamentares do PS, do PCP e do MDP/CDE interpuseram recurso da admissão do projecto de lei n.º 305/III, que visa alterar a Lei n.º 75/79, de 29 de Novembro, com o fundamento da violação do n.º 7 do artigo 38.º e do n.º 1 do artigo 39.º da Constituição da República.
Rejeitamos totalmente este entendimento.
O projecto de lei, que tenho a honra de subscrever, assenta numa clara distinção entre dois conceitos de televisão que, por vezes, andam confundidos. Assim, e em primeiro lugar, televisão é «a distribuição e transporte por intermédio de ondas electromagnéticas de imagens permanentes e sons destinados à recepção directa pelo público». Em segundo lugar, televisão é um órgão de comunicação social que produz e difunde programas concretos de conteúdo diversificado.
A Constituição determina no n.º 7 do artigo 38.º que «a televisão não pode ser objecto de propriedade privada». Mas qual o conceito de televisão que está subjacente à norma constitucional? Pensamos que é claramente o primeiro dos conceitos referidos. Efectivamente, o texto constitucional não pretende organizar um serviço público de televisão, enquanto órgão de comunicação social dotado de um monopólio de emissão, mas tão-somente garantir o controle do Estado ou de outras entidades públicas sobre a televisão, enquanto meio de comunicação social, através da proibição da apropriação privada dos instrumentos e das infra-estruturas necessárias à emissão de programas.
Só assim se pode entender, com sentido útil, o significado da revisão constitucional de 1982, ao rejeitar simultaneamente a proposta de alteração apresentada pelo MDP/CDE no sentido de proibir não apenas a propriedade como também a gestão privada e a proposta de alteração subscrita pelos partidos que integravam a Aliança Democrática e que pretendia consagrar, de forma explícita, a possibilidade de concessão. O legislador constituinte pretendeu assim significar - e bem - que uma coisa é a propriedade da televisão no primeiro dos sentidos já referidos, outra coisa - e bem diferente, Sr. Presidente e Srs. Deputados - são as modalidades de emissão de programas, matéria que reservou à disponibilidade do legislador ordinário.
Ora, e se bem que a matéria em apreço se reconduza, neste momento, a um juízo de constitucionalidade, a circunstância de nos encontrarmos numa Câmara política e não num tribunal não nos deve conduzir a esquecer as questões essenciais.
Não ignoramos a força da televisão na informação e na formação da opinião pública, qualquer que seja o regime político em que a sua acção se desenvolva e quaisquer que sejam os valores dominantes na sociedade onde opera. Mas não ignoramos também que o problema que debatemos só se põe nas sociedades abertas que entendem preservar o pluralismo cultural, político e ideológico e que se interrogam sobre a melhor forma de alcançar este objectivo.
A grande questão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é saber se o monopólio é a melhor forma de manter o pluralismo e de cultivar as diferenças. Pensamos que não, como a nossa experiência colectiva claramente inculca, por vezes de forma dramática, e como experiências alheias vêm demonstrando à saciedade.
Sempre pensámos, e continuamos a pensar, que era preciso encontrar uma forma intermédia entre o monopólio de Estado e o liberalismo extremo. Por isso defendemos, e continuamos a defender, a existência de um serviço público de televisão nos mesmos termos em que existe um serviço público de radiodifusão, sem prejuízo de existirem a seu lado órgãos de comunicação social privados. Mas também pensámos, e continuamos a pensar, que a questão não pode nem deve ser deixada à plena autonomia privada, pois que sempre estaria presente o interesse público que o Estado directa ou indirectamente tem o dever de acautelar.
O contrato de concessão, que é um contrato de direito público, permite acautelar esse interesse da comunidade, já que ao concedente caberá sempre fis-

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calizar a actividade do concessionário, verificando se as finalidades da concessão são ou não convenientemente respeitadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o debate que temos estado a travar tem uma aparência e uma realidade.
A aparência tem a ver com a conformidade ou não conformidade do projecto de lei em apreço com a Constituição da República. A realidade tem a ver com o projecto de sociedade que queremos para Portugal.
O que está verdadeiramente em causa é saber se esta Câmara quer ou não quer desenvolver e aprofundar o princípio da liberdade de expressão do pensamento «pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio» que o n.º l do artigo 37.º da Constituição consagra, ou se, pelo contrário, se quer refugiar numa posição conservadora e imobilista, assente embora em doutas considerações jurídico-constitucionais.
A posição conservadora pode triunfar nesta Câmara, mercê de efémera conjugação de vontades. Mas não tem futuro num campo e num tempo em que a invenção tecnológica progride todos os dias, desafiando assim a própria soberania dos estados nacionais.
Pode esta Assembleia continuar fiel aos seus mitos que nem por isso o zelo dos Srs. Deputados conseguirá impedir, num futuro que 6 já quase presente, a recepção de programas transmitidos por satélites, como hoje já não consegue impedir que grande parte dos portugueses assistam quotidianamente aos programas da TVE.
Resta saber qual o verdadeiro sentido das normas constitucionais, qual a sua força normativa.
Para nós, nenhuma dúvida é admissível.
O que importa é preservar os valores plurais de uma cultura, não nos restando dúvidas que o pluralismo de programas é a forma mais simples e mais eficiente de o conseguir, sem prejuízo - acrescente-se uma vez mais- do papel fiscalizador que cabe ao Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, ao dirimir esta questão essencial da democracia portuguesa, a Assembleia da República assume as suas responsabilidades. Julgamos ter demonstrado que não está apenas, nem sobretudo, em causa uma questão de coerência do ordenamento jurídico. O que está em causa é a construção do futuro.
O Grupo Parlamentar do CDS votará pela liberdade assente na diversidade e no pluralismo contra todas as tentações de unitarismo ou de unicidade que outros como nós não se têm cansado de combater e denunciar.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Luís Beiroco, como sempre, ouvi com muita atenção a sua intervenção e, devo dizer, apreciei a contenção dos seus argumentos.
No entanto, afigura-se-me que sobre esta questão da definição do conceito televisão, o CDS, talvez por ser um partido de pessoas excessivamente inteligentes, enveredou por um caminho que é de ginástica puramente intelectual sem qualquer suporte. Direi mesmo - se me permite e no que se refere ao bom senso relativo ao uso das palavras - que este exercício jurídico do CDS é talvez mais propriamente um exercício de filosofia analítica da linguagem do que um projecto legislativo.
Seja como for, o projecto de lei do CDS faz-me lembrar aquele lema francês de Maio de 68: «a imaginação ao poder». Efectivamente, o CDS representa neste aspecto «a imaginação ao poder». Por mim não me considero conservador, mas naturalmente que não sou tão revolucionário como V. Ex.ª

Risos do PS.

De concreto, pôr-lhe-ia várias questões, Sr. Deputado Luís Beiroco.
Em primeiro lugar, a televisão é ou não uma modalidade de visão? Isto parece importante. O Sr. Deputado aceitaria, por exemplo, que se confundisse o conceito de visão com o de globo ocular ou com o de sistema nervoso ou o de cérebro? Certamente que não.
O Sr. Deputado aceitaria que se confundisse o conceito de visão com o de objecto visto ou visível? Certamente que não.
Então por que razão aceita e, mais do que aceitar, preconiza que se confunda o conceito de visão e o conceito de dispositivo produtor de sinais visuais?
Se não admitimos isto para a noção de visão, por maioria de razões não o podemos admitir para o conceito de televisão, porque a televisão, afigura-se-me, é uma forma de visão.
Por outro lado e felicito o CDS pelo exercício de filosofia de linguagem que praticou ao apresentar, na sessão anterior, o projecto de lei -, depois de tanta subtileza intelectual como a que está contida na elaboração do projecto de lei, fiquei um bocadinho desiludido quando ouvi, se não erro, o Sr. Deputado Nogueira de Brito - nosso ilustre colega e pessoa que nos tem habituado a intervenções sempre tão lúcidas e tão seguras ter admitido, mantendo a noção de televisão, que o facto de se manter o exclusivo da transmissão televisiva podia ter alguma coisa a ver com o exclusivo da recepção televisiva.
Como é possível, depois de tanta subtileza quanto a necessária para criar um novo conceito de televisão, ter feito esta confusão entre transmissão televisiva e recepção televisiva?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Beiroco, como há mais oradores inscritos, pergunto se deseja responder já ou no fim.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Luís Beiroco, gostaria de começar por salientar, nas questões que lhe queria pôr, a seguinte constatação: verificámos, através das reflexões feitas pelo CDS nas perguntas que tiveram oportunidade de dirigir ao longo deste debate a outras bancadas parlamentares e agora através da intervenção do Sr. Deputado Luís Beiroco, que o CDS coloca a questão do seu projecto muito mais em termos da política global que o CDS defende para a televisão do que propriamente na demonstração

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necessária de que este projecto tem cabimento no quadro da Constituição.
Ou seja, mesmo não o confessando expressamente, o CDS, acabou, implicitamente, por reconhecer que este seu projecto, com mais ou menos valor, é um diploma que leria cabimento no quadro de uma pós-revisão constitucional que alterasse o actual normativo. Contudo, não foi capaz de demonstrar à Câmara que ele tem, de facto, real cabimento no quadro da actual Constituição.
E tanto assim e que o Sr. Deputado, no início da sua intervenção, começou por distinguir aquilo que, em seu entender, podem ser dois conceitos de televisão - de um lado, a distribuição e transporte dos sinais de televisão; de outro lado, o órgão de comunicação social - para concluir que acha que a Constituição apenas se refere aos meios de distribuição e transporte.
Mas esqueceu-se, por exemplo, que o artigo 38.º tem como epígrafe apenas isto: «Liberdade de imprensa e meios de comunicação social», o que certamente significa, no seu n.º 7, quando fala de televisão, que se fala obviamente num meio audiovisual de comunicação social que a televisão é. Ora, é este conceito óbvio e certo no n.º 7 do artigo 38.º da Constituição que o Sr. Deputado repudia como não estando lá, o que me parece, como eu disse numa intervenção que produzi, que é fazer geometria constitucional.
Na sequência de questão levantada pelo meu camarada Sottomayor Cardia, pergunto se não é uma operação de radioteievisão aquilo que o repórter da televisão presente nesta Sala emite para o microfone através de alguém que capta numa câmara e daqui emite para o Lumiar. Na ideia do Sr. Deputado não é, e por isso admite que possam ser concessionados os meios de exploração dos sinais de distribuição. Mas isto, que é um fenómeno essencial da televisão como meio de comunicação social, o Sr. Deputado exclui do conceito da Constituição.
Ora nós, neste momento, temos sobre televisão um conceito cuja validade constitucional, essa sim, já foi testada: é o conceito da Lei n.º 75/79. E se é verdade que o legislador constituinte não definiu na Constituição um conceito, a verdade é que o conceito definido com interpretação na Constituição colheu toda a validade constitucional.
No mínimo, o conceito da Lei n.º 75/79, formalmente, seria tão legítimo como aquele que o Sr. Deputado defende; só que na prática e materialmente o conceito do Sr. Deputado esquece aquilo que é o fenómeno essencial em televisão.
Gostaria, pois, que me dissesse se a operação de televisão que começa nesta Casa com a transmissão das notícias sobre os trabalhos parlamentares não é um acto de radiotelevisão.
Outras perguntas gostaria de lhe fazer, mas, para não abusar do tempo de que disponho para pedir esclarecimentos, ficaria por aqui.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Luís Beiroco, creio que, com a sua intervenção, veio iluminar um pouco mais a resposta àquela pergunta angustiante sobre o que é que o CDS queria com a apresentação deste projecto consabidamente inconstitucional. A verdade e que deu alguns subsídios para a resposta a essa questão.
Disse que o monopólio público está consignado na Constituição. Quanto a nós isso é certíssimo e é, aliás, generalizadamente reconhecido. Não houve alteração da Constituição: houve sim alteração é importante sublinhá-la - da coligação que queria em Portugal a televisão privada. Essa realmente já não existe, mas o CDS queria mostrar que nesta matéria a velha coligação continuava e que a nova não funcionava, que nesta matéria o PSD estaria com o CDS e não com o PS e que a Constituição estaria inteiramente errada. Aliás, o discurso que o Sr. Deputado Condesso há pouco berrou responde a isso tudo ...

Vozes do PSD: - Berrou!?...

O Orador: - ... de forma espantosa, dando ao CDS aquilo que ele pretendia, suponho que com alguns juros e alguns trocos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Só que isso não altera a questão tal qual ela está colocada sob o ponto de vista constitucional e creio que o seu discurso é uma confirmação disso: V. Ex.ª acabou de expender alguns argumentos contra o monopólio público que constitucionalmente está consagrado.
Em todo o caso, faço-lhe uma pergunta de jure condendo, uma pergunta a benefício de uma eventual revisão constitucional, que aliás o CDS também quer e considera necessária neste ponto, o que, aliás, é contraditório. O CDS acha que a televisão privada libertaria ... Mas libertaria o quê? O poder dos grupos económicos? O CDS acha que só eles é que teriam acesso a esses instrumentos e a esses meios de difusão?
Foi precisamente por essa razão que, em sede constitucional, não se consagrou o acesso de entidades privadas a este meio, ao contrário do que se fez em relação às actividades de carácter radiodifusivo, em que se estabeleceu uma distinção, uma destrinça, uma gradação entre uma coisa e outra. Isto parece inquestionável.
Por outro lado, não deixa de ser surpreendente que o CDS apareça agora a considerar inovadora uma tese que nunca tinha passado pela cabeça de ninguém, isto é, a de defender uma nova noção bizarra e restrita da televisão que permitiria isto que seria um maná: o de que o Estado suportaria os custos das infra-estruturas, suportaria os milhões de contos que isso implicaria, e as entidades privadas teriam o encargo de utilizar os meios mais escassos para produzirem parte da mensagem televisiva.
Não há a mínima cobertura constitucional para uma tal solução, embora eu compreenda que o CDS desejasse que isso fosse possível. Mas isso não prova o ponto de vista que o CDS gostaria de provar e que era muito simplesmente o de que o projecto de lei que apresenta não é inconstitucional.
O CDS sabe que ele é inconstitucional e reconheceu nesta intervenção que ele era instrumental. Instrumento que era, produziu os seus efeitos e ite missa est está resolvido o problema.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Luís Beiroco, desde o início deste debate que temos colocado com clareza uma questão ao CDS. O CDS quer que a Assembleia da República assuma poderes de revisão constitucional e uma das questões para que invoca essa necessidade é precisamente para que seja posto fim à disposição constitucional que veda o exercício de actividades privadas de radiotelevisão.
Ora, apesar de reconhecer que a Constituição não permite abrir o serviço de televisão à iniciativa privada e antes de uma revisão que eventualmente altere as coisas, o CDS apresenta um projecto de lei cujo objectivo e o de abrir a televisão à iniciativa privada.
Então em que ficamos, Sr. Deputado Luís Beiroco? É necessário ou não haver revisão constitucional para que a televisão possa ser aberta à iniciativa privada?
Quanto ao conceito de televisão, creio que as perguntas anteriormente formuladas deixaram claro ser impossível fazer a separação feita pelo Sr. Deputado na sua intervenção.
A ideia que V. Ex.ª quis dar de que a abertura da televisão à iniciativa privada pode significar um reforço de pluralismo tem de ser desmistificada. O vosso projecto apenas exige pluralismo e independência à estação e ao serviço que for público, pois o serviço que for privado não está sequer obrigado, na sua programação ou informação, a qualquer tipo de pluralismo.
O CDS pretende, afinal, que a televisão privada não esteja sujeita às regras de controle democrático a que actualmente está sujeita a televisão do sector público. O que o CDS pretende - e di-lo com clareza, pois só atribuirá canais de televisão às entidades que tiverem condições técnico-financeiras, ou seja, a entidades com grandes capacidades económicas não é o pluralismo mas sim uma fonte de intoxicação da opinião pública da parte de quem tiver dinheiro para ter uma estação de televisão.
Ora, foi isso mesmo que a Constituição quis impedir e daí não poderemos sair, Srs. Deputados do CDS!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Luís Beiroco e os deputados da sua bancada, que tão preocupados se manifestaram quando aqui se discutiram outros projectos, afirmando que o Governo se devia pronunciar quanto a eles, já não são da opinião que, nesta questão, o Governo também deveria ter a oportunidade de dizer uma palavra?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Deputado Luís Beiroco, ouvi com muito gosto e atenção a sua intervenção, como sempre brilhante, mas não posso deixar de lhe fazer algumas perguntas.
O Sr. Deputado começou por fazer uma distinção subtil sobre o conceito de televisão, distinção aliás, incita na proposta de alteração do CDS à Lei n.º 75/79. Há, porém, uma questão que ainda não compreendi e por isso gostaria que o Sr. Deputado Luís Beiroco me elucidasse: esta nova redacção do artigo 1.º tem ou não como intenção retirar do conceito de televisão a televisão por cabo, já que ela era expressamente referida no artigo 1.º da Lei n.º 75/79?
O Sr. Deputado defendeu a sua proposta usando também o argumento de que o CDS sempre esteve e está de acordo em que exista um serviço público de televisão como existe um serviço público de rádio. Todavia, como V. Ex.ª muito bem sabe, quanto à rádio houve efectivamente uma hipótese mas não para o serviço público, pois o argumento do Sr. Deputado Luís Beiroco era o de que deviam existir serviços públicos de rádio e de televisão mas que isso não impediria que houvesse também serviços particulares de rádio e de televisão.
Penso que V. Ex.ª não desconhecerá ter sido acrescentado um número ao artigo 38.º exactamente para permitir a possibilidade de estações de rádio privadas - de resto existia já, pelo menos, uma.
Referiu-se depois o Sr. Deputado a uma proposta de revisão constitucional do MDP/CDE que explicitava a proibição da concessão a entidades privadas, dizendo ter esta sido rejeitada. V. Ex.ª recordar-se-á que tal proposta não foi rejeitada pois não chegou a ser votada. É que dada a clarificação entretanto feita ao n.º 7 do artigo 38.º - clarificação que, no entender do MDP/CDE, se mostrava perfeitamente cristalina quanto a não ser possível a concessão do serviço de televisão a entidades privadas - entendemos dever retirá-la pois era uma tautologia relativamente ao texto constitucional.
Por último, V. Ex.ª disse que o CDS era pelo princípio da liberdade de expressão do pensamento e que quem era contra a concessão privada de televisão se colocava numa atitude conservadora, citando a questão da recepção de outros programas estrangeiros pelos portugueses, etc.
Gostaria então de perguntar ao Sr. Deputado se entende ou não que esta liberdade de expressão de pensamento será melhor conseguida através de l, 2 ou 3 canais de televisão do Estado que tenham programas diversificados e onde possam intervir todos os grupos sociais, económicos, etc., do que se existir uma pretensa liberdade de expressão, de concessão de um canal de televisão a entidades que têm necessariamente de ser economicamente poderosas para poderem, e só essas, fazer emissões de televisão.
Isso não será, pelo contrário, Sr. Deputado, limitar a liberdade de expressão na medida em que só os grupos economicamente poderosos poderão ter acesso à televisão?

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Irei começar pelo pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Sottomayor Cardia, a quem agradeço as amáveis palavras que me quis dirigir. Começarei por lhe dizer que não sei quem é mais conservador ou revolucionário. Ambos fizemos já um grande percurso político. Admito que, globalmente, o Sr. Deputado Cardia seja mais revolucionário que eu porém, nesta matéria não o é.

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Se entendermos, como dizia um autor que li e que V. Ex.ª de certeza teu também, que a clivagem entre a esquerda e a direita se faz entre o partido da ordem e do movimento, direi aqui que o Sr. Deputado defendeu as posições da ordem, posições essas estabelecidas pelos constituintes de 76 e relativamente às quais existe uma enorme resistência a que sejam alteradas.
O Sr. Deputado Sottomayor Cardia falou de mero exercício de filosofia de linguagem, falou mesmo da «imaginação ao poder» e do Maio de 1968, mas penso que, no fundo, apenas pretendeu afastar o cerne deste debate. Não nego nem neguei na minha intervenção que em matéria de televisão existe um interesse público que o Estado deve defender.
A questão está em saber se a melhor maneira de defender esse interesse está no facto de haver apenas um exclusivo da emissão de televisão, eventualmente, 1, 2 ou 3 canais públicos que façam entre si concorrência ou se, pelo contrário, deverá haver, a par do serviço público de televisão, um outro serviço de televisão privado para melhor se assegurar o pluralismo e se defender um certo número de valores, sabendo-se, no entanto, que, mesmo em relação às televisões privadas, o Estado continua a ter um poderoso instrumento de fiscalização que ele próprio define no contrato de concessão. Esta é que é a questão fundamental.
Evidentemente não considero que o essencial na televisão seja a parte instrumental, correspondente às infra-estruturas. O essencial é a emissão, e aqui respondo também ao Sr. Deputado Jorge Lacão. Mas o facto é que a propriedade das infra-estruturas permitiria ao Estado manter um suficiente poder de fiscalização e de controle sobre o conteúdo das emissões, permitindo, simultaneamente, a existência de um sistema que assegurasse um são pluralismo e uma concorrência entre vários canais, uns públicos e outros privados.
É evidente que a pergunta que o Sr. Deputado Sottomayor Cardia me fez só tem sentido como uma blague muito inteligente.
Ê evidente que não está em causa controlar a recepção, mas é também evidente que quando se quer o monopólio de emissão, o que se pretende é que na recepção haja só aquela informação ou haja só programas com aquele conteúdo e não outro.
O Sr. Deputado Jorge Lacão pretende circunscrever a discussão ao âmbito jurídico-constitucional e referiu que eu pretendi dizer que o artigo 38.º apenas diz respeito aos meios de transporte e não à emissão.
É evidente que isto não é verdade e o que pretendo dizer é que o intérprete tem que alcançar qual o sentido em que «televisão» é utilizado naquela norma e é nela que especificamente se proíbe a apropriação privada. Não está em causa que noutras normas insertas no artigo 38.º, como também no artigo 39.º, possa estar compreendida a televisão enquanto meio de comunicação social, pois são questões perfeitamente distintas.
É claro que o Sr. Deputado Jorge Lacão pode entender que não e que naquela norma se refere televisão como um órgão de comunicação social. Mas eu considero que não, considero que se o legislador constituinte quisesse, de facto, consagrar constitucionalmente um exclusivo de um serviço público de televisão o tinha feito com toda a clareza e sem quaisquer problemas, atentas as circunstâncias em que a Constituição foi elaborada e que são por demais conhecidas.
O fenómeno essencial é o fenómeno da emissão, mas isso não está em causa. E o que ninguém demonstrou foi que, através da propriedade dos meios técnicos, dos meios instrumentais e dos meios de infra-estruturas, o Estado não possa ter um controle suficiente da emissão, e é isso que está em causa.
É claro que podem preferir uma interpretação dogmática de todas as disposições constitucionais, uma interpretação pouco actualista, dizendo que o que lá se refere e que não pode mesmo haver emissões de televisão e assim o problema está, de uma vez por todas, resolvido.
Mas a nossa forma de interpretar a Constituição não é dogmática e procura ser actualista para tornar úteis os dispositivos constitucionais, pois pensamos que é esse o caminho que se deve seguir na sociedade portuguesa para evitar que, cada vez mais, a Constituição seja um espartilho da sociedade civil.
O Sr. Deputado José Magalhães diz que o CDS veio trazer aqui a este debate não a questão da constitucionalidade, mas outra questão.
Bom, ao Sr. Deputado José Magalhães tenho a dizer que quando queremos conversar com o PSD, estando coligados com ele ou estando em oposição, o fazemos e não costumamos chamar o PCP para testemunhar essas conversas!

O 3r. Jorge Lemos (PCP): - Até parece!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso pressupunha que aceitássemos!

O Orador: - Quanto à questão dos custos e dos benefícios, o Sr. Deputado José Magalhães trouxe aqui um velho argumento, já muito conhecido, do seu camarada Vital Moreira, mas é evidente que isso pode ou não ter razão de ser, dependendo das condições em que o Estado negoceia as suas concessões.
Se o Sr. Deputado tem a ideia de que o Estado negoceia sempre mal as suas concessões, dentro da visão maniqueísta de que, quando o PCP não está no poder, tudo o que o Estado faz é mau, bem isso é a sua ideia - fica com ela e tirará daí as consequências que entender -, mas não é a minha nem a do meu partido.
Quanto ao que disse o Sr. Deputado Jorge Lemos, que o CDS traz um projecto que antecipa a revisão constitucional, é evidente que não. Pensamos que é perfeitamente possível com o actual texto constitucional conceder a possibilidade da gestão privada de órgãos de comunicação social que emitam programas de televisão. E quanto ao facto de pretendermos alterar a Constituição nessas matérias, o Sr. Deputado Jorge Lemos terá ocasião de verificar oportunamente que as nossas alterações são mais profundas do que pensa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Já tínhamos percebido!

O Orador: - No entanto, quanto ao que referiu no sentido de um determinado órgão de comunicação privado não estar obrigado ao pluralismo, quero dizer-lhe que consideramos que não. É a lógica evidente do nosso projecto! O pluralismo aí é assegurado pela concorrência entre as várias estações privadas e públicas. E foi exactamente por isso que o CDS, em vez de fazer um projecto que visasse abrir a televisão a uma determinada entidade - fosse ela uma entidade tão rele-

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vante na sociedade portuguesa como a Igreja Católica -, fez um projecto que permite abrir a gestão da televisão, enquanto órgão de comunicação social, a qualquer entidade privada que apenas terá que, mediante concurso público, se habilitar e ser julgada pelo Estado, a quem cabe o papel de definir as concessões.
Finalmente, o Sr. Deputado António Taborda perguntou, em primeiro lugar, se a nova redacção tem a intenção de retirar a televisão por cabo.
Embora eu não seja um técnico dessas questões, quero dizer-lhe que não há qualquer intenção de retirar do conceito de televisão que se estabeleceu a transmissão por cabo.
Quanto à questão que põe relativamente ao paralelismo entre a existência de um serviço publico de televisão e de um serviço público de radiodifusão, é evidente que o CDS defende isso e até nem compreende que para questões no fundo tão semelhantes existam lógicas diferentes. Só se a diferença deriva do facto de haver, à data do 25 de Abril, uma radiodifusão privada e não haver uma televisão privada! Talvez seja essa a lógica, pois não vemos que haja outra razão para haver regimes diferentes quanto a estes poderosos meios de comunicação social!
Aliás, se a televisão é um meio muito poderoso de comunicação social, a rádio não o é menos, e em certas zonas do País e em certos tipos de comunidade terá até, porventura, mais impacte.
Mas o que se fez na revisão constitucional - e certamente que o Sr. Deputado António Taborda se recordará dos debates havidos- foi consagrar realmente, quanto à rádio, uma solução que já existia e foi, sobretudo, tentar definir o regime jurídico em que operavam as rádios privadas. E com certeza que o Sr, Deputado António Taborda se recorda da grande discussão que houve para saber se se tratava de uma licença ou de uma autorização, questão em que os administrativistas tiveram ocasião de expender largamente argumentos pró e contra, ao longo de muitas horas.
Agora, o que se passou quanto às propostas de alteração subscritas pelo MDP/CDE e pela AD foi que o projecto do MDP/CDE não chegou a ser votado formalmente e, portanto, não foi rejeitado formalmente. Porém, é evidente que a rejeição das propostas do MDP/CDE na Comissão Eventual de Revisão Constitucional resultou claramente da forma como os debates se processaram e da opinião que alguns deputados aí tiveram ocasião de expender - designadamente e por exemplo o então deputado Jorge Miranda de que a norma devia ficar como estava, porque assim ficaria uma norma aberta e seria o legislador ordinário que teria que analisar das vantagens ou inconvenientes de um sistema ou de outro em concreto.
Quanto à última questão que me põe, de se garantir a liberdade de expressão através de 2 ou 3 canais de um serviço público de televisão, considero que é um caminho positivo haver 2 ou 3 canais que tenham inteira autonomia, quer administrativa e financeira quer de programação. Mas isso não exclui que a liberdade de pensamento, o pluralismo cultural e a diversidade das posições sejam melhor asseguradas se junto com esses canais houver mais 2 ou 3 canais privados.
Nesse caso, o que é importante é que o Estado não se demita das suas funções de fiscalização e de defesa do interesse público e só conceda canais privados de
televisão a quem, além da capacidade técnica e financeira, detenha também a idoneidade moral e cultural para poder emitir programas de televisão.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Luís Beiroco, na verdade tenho de protestar porque o Sr. Deputado não respondeu de todo à minha questão.
Se me permite, começo por lhe dizer que, na verdade, sou um homem de ordem e de mudança e tenho disso muito orgulho! Mas sou um homem de ordem, sobretudo e a começar pela ordem dos conceitos. E sou um homem de mudança no respeito pela realidade das coisas. Neste sentido, considero-me um homem de ordem e de mudança!
Diz-me que noutros aspectos serei mais revolucionário. De facto, não sou revolucionário, Sr. Deputado, mas conservador é que também não sou!
V. Ex.ª e o seu partido é que foram revolucionários neste particular!
Em todo o caso, não sendo eu conservador, sou mais conservador do que V. Ex.ª porque conservo o sentido do uso corrente das palavras e foi tão somente disso que se ocupou a minha intervenção e de nada mais!
Efectivamente, a questão que coloquei e a que V. Ex.ª não respondeu é uma questão relativa à ordem, mas à ordem dos conceitos e do uso das palavras! Na verdade, Sr. Deputado, à ordem não se contrapõe apenas e basicamente mudança, mas também a anarquia e a desordem.
Ora, afigura-se-me que a definição de televisão que o CDS propõe é, por demasiado inteligente, um caso de desordem linguística.

Risos do PS.

Finalmente, gostaria de lhe fazer uma pequena observação, se me permite: o Sr. Deputado falou em blague e em «blague inteligente». Bom, a blague não foi minha e, neste caso, o que me surpreendeu foi que a observação não era suficientemente inteligente.
Na verdade, foi o Sr. Deputado Nogueira de Brito quem confundiu, imputando essa confusão ao Partido Socialista, o exclusivo público da transmissão de televisão, que resulta dos termos constitucionais, e o exclusivo público da recepção, que seria obviamente uma aberração absolutamente incrível e inaceitável. De facto, não seria de esperar, da parte de um colega tão rigoroso como é o Sr. Deputado Nogueira de Brito, que viesse insinuar uma tal confusão, mesmo imputando-a à parte contrária.

O Sr. Presidente: - Igualmente para um protesto tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Penso que o Sr. Deputado Luís Beiroco, neste debate que está a ser, em minha opinião, verdadeiramente elucidativo, nos ajudou a resolver um mal entendido, para finalmente nos colocar perante uma situação em que corremos o risco de cair num segundo mal entendido.
O primeiro deles que, como eu disse, o Sr. Deputado nos ajudou a resolver foi o seguinte: finalmente o CDS

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reconheceu, pela sua palavra, que não nega que a emissão é parte essencial do conceito de televisão.
Só que, no exacto momento em que o Sr. Deputado não o nega, reconhecendo que a emissão é parte essencial do conceito de televisão, vem dizer que essa parte essencial, afinal, não cabe no referido conceito tal como ele se encontra consignado no n.º 7 do artigo 38.º da Constituição.
Daí o segundo mal entendido: aquilo que em termos materiais o Sr. Deputado reconhece ser parte essencial da televisão, não o quer reconhecer como tal em termos constitucionais.
Então, é como se chegássemos a esta situação absurda de, ao lermos no n.º 4 do artigo 37.º que a liberdade de imprensa implica o direito de fundação de jornais, apenas aí quiséssemos ler que essa liberdade implicava o direito de fundação de tipografias.
Obviamente que essa leitura seria abstrusa em relação ao texto constitucional; tal como é abstrusa a leitura que o CDS no seu projecto pretendeu fazer, na qual, apesar de reconhecer como essencial que a emissão é parte do conteúdo de televisão, quer que apenas lá estejam os meios de distribuição e transporte dos sinais televisivos.
Depois disto, o Sr. Deputado quer fazer finalmente a insinuação de que designadamente por parte do Partido Socialista há uma atitude conservadora, no sentido em que este não permite a liberdade e a possibilidade de existir concorrência entre vários canais de televisão. Mas foi também o Sr. Deputado que expressamente reconheceu que, com a propriedade do Estado são possíveis 1, 2, 3 ou mais canais de televisão em perfeita concorrência entre si.
Então, se isto é possível, o pluralismo estará também salvaguardado pela Constituição, mas o que não está é a liberdade de existência de mais de uma empresa. E é esta a questão essencial.
O liberalismo que o Sr. Deputado aqui veio defender, não é o liberalismo dos canais e da possibilidade de concorrência entre eles. É apenas, e só, a possibilidade de haver várias empresas de televisão. Foi isso que aqui negámos ao CDS pois, segundo penso, fica totalmente claro que é aquilo que a Constituição não permite.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Neste grande concurso da revolução aberto pelo Sr. Deputado Luís Beiroco, não temos dificuldade nenhuma em dar o prémio aos que defendem esse imobilismo singelo que se traduz em defender coerentemente a Constituição.
Não daremos é certamente o prémio -se nos couber a tal- aos que defendem o movimento, mas o movimento para trás!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Aos que querem fazer marcha atrás!

O Orador: - Porque, realmente, é nisso que se traduz a proposta que o CDS nos apresentou, com os objectivos que ficaram consabidamente demonstrados ao longo do debate.
O CDS surge aqui dizendo, com ar inocente, que é preciso uma interpretação actualista, antidogmática e útil da Constituição tudo muito bem sublinhado a corpo negro -. para evitar que ela seja um espartilho.
Só que o único espartilho da Constituição que lobrigamos nesse ponto é aquele que impede a violação do pluralismo, isto é, aquele que se consubstancia nas regras de conduta - e para isso serve o Direito e a Constituição- que garantem o pluralismo nas suas diversas expressões e que impedem que um qualquer governo atribua um canal de televisão a entidades privadas inominadas, em detrimento doutras.
É este o pluralismo que a Constituição consagra, mas para o Sr. Deputado Luís Beiroco, bem para os constituintes e, mais ainda, para aqueles que tiveram o encargo de rever a Constituição em 1982-neste ponto, pelo menos, bem!
Mas aquilo que aconteceu neste debate tem, ainda, uma outra vantagem: é que o Sr. Deputado confirmou, cabalmente e um por um, os riscos da interpretação actualista - que tem um nome mais simples, refiro--me à expressão inconstitucional - que propunha a esta Câmara, quando disse que o Estado só deve conceder canais privados a quem tenha:

a) Capacidade financeira;
b) «Idoneidade moral» (sic).

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O que é isso?

O Orador: - Ora, isto abre um dossier vastíssimo, de consequências dificilmente discerníeis neste ponto e um rosário de discriminações e de arbítrios de atribuição que, felizmente, a Constituição exclui liminarmente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Exclui liminarmente quanto a nós positivamente, e, a advinhar pelas intenções que brotam daquilo que anunciou da sua bancada, bem e muito bem e que assim continue, mesmo depois de alguma eventual revisão constitucional na qual possa apresentar aquilo que agora quis propor, mas que não pode, nem poderá conseguir, como se verá, aliás, pelos resultados dos recursos entretanto interpostos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim das 2 horas regimentais atribuídas à primeira parte do período da ordem do dia.
Creio, porém, que todos estaremos de acordo - já que são praticamente 20 horas - em quo o Sr. Deputado Luís Beiroco use ainda da palavra para responder aos protestos formulados.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Depois dar-lhe-ei a palavra Sr Deputado Nogueira de Brito.
Agora tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco, para contraprotestar.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Contraprotestando em primeiro lugar em relação à interpelação que o Sr. Deputado Sotto-

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mayor Cardia me dirigiu, diria que o Sr. Deputado falou aqui do perigo da anarquia dos conceitos, mas eu não vejo, realmente, onde está esse perigo.
Não nego que televisão, em sentido comum, seja aquilo que o Sr. Deputado referiu. Mas daí não tenho necessariamente de deduzir que a palavra televisão não possa estar utilizada no texto constitucional em dois sentidos e que não haja ainda a possibilidade de um terceiro.
E isto porque o que creio que o texto constitucional tem em vista é, tão somente, conseguir o objectivo de, considerando que a televisão é um meio de informação extremamente poderoso, garantir que o Estado tenha um electivo controle sobre as emissões.
Ora, este objectivo pode ser alcançado - e não o nego - através do monopólio ou do exclusivo da emissão, mas pode também ser conseguido, provavelmente com melhores garantias de pluralismo, através da existência simultânea de um serviço público de televisão e de televisões privadas que o Estado controla e fiscaliza.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Dá-me licença que o interrompa Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - V. Ex.ª está a ter a gentileza de me responder, mas fazendo-o em relação a argumentos e posições que não sustentei nem deixei de sustentar.
Outros senhores deputados terão dito isso, mas eu apenas lhe perguntei se a televisão é ou não uma modalidade de visão, e também se o conceito de televisão que eu exprimi é admissível ou não, segundo o seu ponto de vista.
Para mim é só isso, Sr. Deputado.

O Orador: - Mas, Sr. Deputado Sotomayor Cardia, creio que isso nunca esteve em questão, porque eu próprio, na minha intervenção, referi que havia 2 conceitos de televisão: um deles, que é justamente aquele que a linguagem comum normalmente retém e que o Sr Deputado sublinhou; mas há outro, só que a questão deste debate não é propriamente essa.
Não estamos numa academia a definir conceitos apenas, estamos a interpretar um texto constitucional e a tentar tirar dele todas as virtualidades que ele contém. E é isso que o projecto de lei do CDS tentou e tenta fazer, não mais do que isso!
O Sr. Deputado Jorge Lacão diz que para o CDS o que está em causa não é, de facto, o pluralismo das emissões, mas a liberdade de empresa. É evidente que não, Sr. Deputado!
Já disse que o pluralismo se melhora um pouco se amanhã houver em Portugal 2 ou 3 canais com autonomia que façam concorrência entre si.
Mas o Sr. Deputado Jorge Lacão sabe tão bem como eu as dificuldades que tem havido, nos países que têm optado por estas soluções, em assegurar a verdadeira autonomia dos canais e a sua independência face aos poderes públicos, designadamente face aos governos.
Muitas vezes o que acontece é que os canais que deviam fazer concorrência apenas glosam em tons diversos -uns em «lá maior», outros em «dó menor» - as mesmas temáticas e as mesmas instruções que recebem desses governos.
E é por isso que a existência de canais privados contribui para o aumento do pluralismo e para que este, afinal, seja verdadeiramente assegurado.
O que é preciso é que esses canais privados não sirvam para outras coisas, porque também há exemplos disso. Daí a importância que sempre atribuímos ao papel fiscalizador do Estado.
Quanto ao Sr. Deputado José Magalhães, e à questão do movimento para trás, é evidente e não só evidente, como às vezes até um pouco comovedor - que o Partido Comunista vem agora sempre para aqui defender este texto da Constituição.
Na altura da revisão constitucional o PCP gastou aqui horas e horas a dizer que se estava a «rasgar a Constituição», escreveu isso por todas as paredes do País e agora vem defender a Constituição.
Mas quando esta voltar a ser revista com o tal movimento que o Sr. Deputado José Magalhães considera que é para trás, com aquela confusão que o PCP habitualmente fez sobre os movimentos da história, o PCP virá cá outra vez defender os novos conceitos que ficarem na Constituição. Mas isso é um problema do PCP e não da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Sottomayor Cardia: V. Ex.ª diz que cometi um atentado à inteligência na medida em que pus no pensamento do PS um absurdo, que seria o de considerar que o PS pensava ou defendia que a radiotelevisão devia ser entendida como um todo desde a infra-estrutura dos meios técnicos necessários à emissão, incluindo a própria emissão e incluindo a recepção de televisão.
Sr. Deputado Sottomayor Cardia, o problema é este: o seu partido sustentou com grande afã a incindibilidade entre as infra-estruturas técnicas e a emissão, tendo dado até o exemplo dos carris e do caminho de ferro. Em seguida disse mais: referiu que só assim seria possível defender correctamente o interesse público ligado ao pluralismo da informação e da comunicação na televisão.
Pela minha parte sustentei que, por um lado, não se está a defender assim, correctamente, o pluralismo, como vários testemunhos dados a esta Câmara puderam confirmar. Por outro lado, Sr. Deputado, o que acontece é que nas circunstâncias actuais não chega monopolizar a emissão pára realmente ter uma única emissão de televisão disponível no nosso país. Há o caso dos nossos concidadãos que habitam na raia e que vêem a televisão espanhola e haverá dentro de muito pouco tempo aqueles que realmente vão poder ver as emissões privadas ou públicas de vários países da Europa.
Perante esta situação, perguntei como é que fica o PS. Neste caso, para assegurar o monopólio, só haverá uma solução, que é assegurar o monopólio da própria recepção e controlar os próprios aparelhos através dos quais se recebe a televisão.
Esta conclusão. Sr. Deputado Sottomayor Cardia, parecia lógica em relação àquilo que estava a ser defendido pelo PS. Foi isto realmente que defendi e

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parece-me que nesta sequência não constitui um atestado à inteligência.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado Jorge Lacão para um contraprotesto.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, no contraprotesto que fiz há pouco à intervenção do Sr. Deputado Luís Beiroco referi o segundo mal-entendido do CDS. Este é porventura o terceiro!
O CDS continua deliberadamente a confundir aquilo que é a propriedade do Estado dos meios de emissão de televisão com aquilo que são os meios de recepção de televisão. E quanto a estes não se diz na Constituição ou em qualquer outro diploma legal que tem que haver um regime unitário de recepção de emissões de televisão em Portugal.
O problema da televisão espanhola ao invadir a fronteira portuguesa é simétrico ao problema da televisão portuguesa, se tiver emissores nessa zona, invadir o território espanhol.
A televisão espanhola é propriedade do Estado, mas não é essa a questão para o nosso debate.
O problema do acesso dos canais ao satélite que se porá no futuro é também um problema diferente, uma vez que o satélite é um retransmissor.
O problema está em saber sobre quem pode, a partir do território português, emitir para este território e quem pode ter acesso ao satélite.
Essa questão é a que o CDS continua a querer confundir com os meios de recepção. Acerca disso não impomos nada e pensamos que a aquisição do satélite é uma garantia tecnológica interessante.
Só que o que o Sr. Deputado verificará é que nem por isso a maior parte dos países europeus que vão ter acesso ao satélite deixarão de o ter através das televisões de propriedade do Estado, continuando o regime generalizado na maior parte desses países a ser um regime em que essas televisões continuarão a ser propriedade do Estado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está na Mesa um requerimento no sentido de se prolongar a sessão até à votação deste diploma, desde que não se ultrapassem 30 minutos para além da hora regimental.
No entanto, chega-me ao mesmo tempo a informação de que há consenso. Ora, se o há, é escusado submeter o requerimento à votação.
Desta maneira, o prolongamento está automaticamente aprovado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, é só para perguntar que consenso é que existe.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, vai-se então votar o requerimento.
É que tinham-me informado que havia consenso.

Submetido à votação, foi aprovado com votos a favor do PS, do PSD, do PCP. do CDS e da ASDI e com as abstenções do MDP/CDE e da UEDS.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Peço a palavra para uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, a razão da nossa abstenção deve-se ao facto de entendermos que este prolongamento da primeira parte do período de antes da ordem do dia, que é afixado regimentalmente, não poderia ter sido decidido senão por consenso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, para uma intervenção.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A circunstância de um despacho de admissão de um projecto de lei apresentado nesta Assembleia ter suscitado simultaneamente 3 recursos, de outros tantos grupos parlamentares, constitui, ao que supomos, a mais forte e ampla reacção por via de recurso até agora interposto para o Plenário: tão forte que os recorrentes podem contar, à partida, com a procedência dos seus recursos, dado que dispõem, todos juntos, da maioria de votos desta Assembleia.
A singularidade do caso não reside, porém, apenas no número dos recorrentes e na sua expressão conjunta de voto.
Será também de assinalar, por um lado, que, dos recorrentes, 2 grupos parlamentares são da oposição ao Governo; que o outro recorrente é o principal partido da maioria governamental; que o grupo parlamentar que teve a iniciativa do projecto de lei sobre que incidiu o despacho recorrido é também da oposição e que o segundo maior partido da maioria não se associou à petição de recurso do seu parceiro de coligação e, ao que parece, face ao que foi dito, irá votar em sentido radicalmente oposto.
Esta variedade de posições parece demonstrar, só por si, que estamos perante uma questão complexa e polémica.
Parafraseando Novalis, diríamos que uma situação quanto mais polémica mais verdadeira, e como, para nós, não há verdades absolutas, não iremos abrigar-nos cómoda e silenciosamente sob o guarda-chuva dos vencedores nem ficar à esquina a ver passar os argumentos: vamos também entrar na polémica, sempre numa posição goethiana de procurar mais luz e o melhor entendimento das coisas.

Situemos, pois, os recursos em debate:

Com voz única e sem explicitação de razões, dizem os recorrentes na sua petição de recurso que o projecto de lei n.º 305/III, do CDS, viola o disposto nos artigos 38.º, n.º 7, e 39.º, n.º 1, da Constituição e a alínea a) do n.º 1 do artigo 130.º do Regimento, o que acarretaria a sua rejeição in limine, posição esta reiterada e desenvolvida através de aliás brilhantes intervenções produzidas por parte de representantes de todos os recorrentes.
Isto faz-nos colocar a seguinte questão prévia: qual o verdadeiro sentido e alcance da alínea a) do n.º 1 do artigo 130.º do Regimento?

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Por outras palavras:
Toda e qualquer infracção da Constituição ou dos princípios nela consignados, detectável num projecto de lei, acarreta como consequência a impossibilidade de admissão desse projecto, na sua globalidade?
E isso acontece, ou terá de acontecer, sempre, ou há-de fazer-se depender um tal efeito da essencialidade da norma inconstitucional, na economia do respectivo projecto de lei?
Sabendo-se, como se sabe, que desde a apresentação de uma projecto de lei até à sua votação final global, longo é o percurso da sua gestação como diploma legal, e indiscutível que vários são os momentos em que esta Câmara pode expurgar de um projecto as normas que contenha em contrário do que se dispõe na Constituição e é também sabido como o próprio Tribunal Constitucional pode destacar, de cada diploma, as normas inconstitucionais que contenha, sem que o diploma seja posto em causa, quanto às demais normas, de um ponto de vista da sua constitucionalidade.
Parece-nos, assim, que os recursos em debate suscitam uma tomada de posição prévia quanto ao exacto sentido e alcance do disposto no artigo 130.º do Regimento.
Uma breve leitura do projecto de lei n.º 305/III permite-nos as seguintes observações: dos seus 20 artigos, 18 deles, independentemente de se concordar ou não com o seu conteúdo, não parecem colidir com o que se dispõe na Constituição. Quanto aos 2 restantes, o n.º 2 tem uma redacção ambígua, que o não põe a salvo de uma interpretação conflitual com o que se dispõe no artigo 38.º, n.º 7, da Constituição, e do artigo 5.º pode também fazer-se uma leitura em contrário do artigo 39.º, n.º 1, da lei fundamental.
Concorde-se ou não com o projecto de lei, os pontos destacados são de tal maneira essenciais que devam pôr em causa a sua admissibilidade, ao ponto de impedir a sua discussão futura?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além da questão regimental que colocámos há, naturalmente, toda uma outra questão de fundo, em que se distinguem e se opõem, à partida, os autores do projecto de lei e os recorrentes do despacho de admissão que sobre o mesmo recaiu.
Trata-se, afinal, da interpretação do artigo 38.º, n.º 7, da Constituição.
Para nós é indiscutível que a televisão se encontra vedada à propriedade privada, e, pessoalmente, inclinamo-nos mesmo à inconveniência da sua exploração por parte de entidades privadas, no tempo e nas circunstâncias presentes.
Todavia, é também nosso entendimento que aquele preceito é susceptível de interpretação menos rígida, ou seja, que nele se contém a suficiente abertura a uma pluralidade de soluções que o legislador ordinário entenda, em cada momento, por conveniente, no respeito, naturalmente, das regras seguintes: em primeiro lugar, pela regra básica da vedação absoluta da propriedade privada; em segundo lugar, pelas regras gerais sobre o pluralismo dos meios de comunicação social estatizados e, finalmente, pelo respeito das regras básicas do ordenamento jurídico, designadamente as que consagram princípios de não discriminação.
Tendo de haver, sempre, propriedade pública da televisão, já assim nos não parece que tenha de ser, sempre e necessariamente, a sua exploração, através de uma ou mais empresas públicas. O artigo 38.º, n.º 7, da Constituição garante a propriedade pública da televisão, mas não mais do que isso.
Se se recordar a aprovação daquele preceito na Constituinte, sem votos contra e com uma única abstenção, encontraremos como única declaração de voto a do falecido Deputado Amaro da Costa, que, sem contestação, salientou o seu carácter aberto.
Já que muito se lembrou o que se passou na Constituinte, eu aconselharia, a quem muita memória alardeou, que relesse esses debates.
Por outro lado, se se recordarem os trabalhos da Comissão Eventual de Revisão da Constituição, notaremos que foram apresentadas duas propostas sobre o artigo 38.º, n.º 6: uma da Aliança Democrática, dizendo, pela positiva, que a concessão do serviço público da televisão era admissível, e outra do MDP/CDE, proibindo expressamente a concessão.
Como se sabe, nenhuma dessas propostas foi aceite (embora não tenha havido votação, o que é certo é que o MDP/CDE retirou a sua proposta), o que para nós tem o claro significado de que é o intérprete e o legislador ordinário que, confrontados com o problema, hão-de formular, no momento azado, o respectivo juízo de constitucionalidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os recursos interpostos pressupõem, da parte dos seus autores, uma interpretação rígida do disposto no artigo 138.º, n.º 7, da Constituição.
Trata-se, quanto a nós, de um juízo que tem a ver, sobretudo, com a solução julgada, no momento presente, mais adequada para resolver o problema da televisão em Portugal. Mas não mais do que isso.
Por outro lado, os autores do projecto de lei não estão imunes de que se considere a sua iniciativa legislativa como visando objectivos que se situam fora do âmbito estrito do seu próprio projecto e, com este, não oferecem também alternativa credível, nem de eficácia presumível para que a televisão portuguesa venha a ser o que dela é exigível. A livre ponderação de todas as questões suscitadas ditará o nosso voto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação dos recursos de admissão deste projecto de lei. Tratar-se-á de uma votação única, havendo consenso quanto a este ponto dos três partidos recorrentes.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PS, do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do Sr. Deputado Independente António Gonzalez, votos contra do PSD e do CDS e abstenção da ASDI.

O Sr. Presidente: - Foi assim rejeitada a admissão do projecto de lei do CDS que tem o n.º 305/III.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco para uma declaração de voto.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da votação que acabou de ter lugar nesta Câmara temos necessariamente que tirar quatro conclusões.
Em primeiro lugar, verifica-se uma tendência para a Assembleia da República se transformar num órgão

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guardião de uma pretensa ortodoxia constitucional com prejuízo das funções que a Constituição lhes reserva e com prejuízo da muito melhor apreciação de questões desta natureza pelo órgão que é competente para as apreciar em definitivo, o Tribunal Constitucional.
Em segundo lugar, verifica-se a utilização de um expediente processual, embora legítimo, para evitar a discussão de uma questão de fundo que por diversas vezes tem sido suscitada na sociedade portuguesa e que ganhava tudo em ser calmamente debatida nesta Assembleia com base no projecto do CDS e noutros projectos que eventualmente viessem a dar entrada nesta Câmara.
Em terceiro lugar, verifica-se também a existência, que começa a ser preocupantemente frequente, de maiorias avulsas e eventuais para dirimir questões importantes, embora aqui se possa dizer que se trata de uma mera questão processual; creio que, quer da minha intervenção quer desta declaração de voto, se pode concluir com inteira clareza que afinal não se tratava de uma questão processual, que isso era apenas a aparência, mas que a realidade era outra.
Finalmente, e em quarto lugar, mais uma vez se verifica que o meu partido tem inteira razão ao ter oportunamente apresentado um projecto de revisão constitucional. Não obstante tudo aquilo que se possa dizer em contrário, cada vez é mais patente que a Constituição é um factor de divisão entre os Portugueses, é até um factor de divisão entre as maiorias que servem para suportar um governo. E é ainda cada vez mais patente - e nós nunca o ignoramos - que a revisão constitucional de 1982, sendo muito útil, não foi suficiente e precisa urgentemente de ser completada, sob pena de a sociedade portuguesa estar cada vez mais presa num colete de forças e sob pena de, afinal, se vir a verificar que aqueles que tanto apregoam defender uma determinada ideologia de uma forma não dogmática não conseguem depois, na prática, dar passos concretos e consentâneos com as posições que defendem em teoria.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Malato Correia.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas informar a Câmara que, dado o adiantado da hora, a bancada do meu partido fará entregar amanhã na Mesa uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Quero exactamente informar o Sr. Presidente e a Assembleia de que faremos igualmente a mesma diligência amanhã.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, a minha declaração de voto será muito rápida.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE votou favoravelmente os recursos interpostos pelo MDP/CDE, pelo PS e pelo PCP, que tinham de resto a mesma fundamentação, por entender que a argumentação apresentada nos recursos e certa e razoável no sentido de assim se defender o espírito e a letra da Constituição.
Congratulamo-nos por que esta Câmara tenha mais uma vez defendido a letra e o espírito da Constituição. Não entendemos que nesta votação tenha havido, como se disse, uma maioria avulsa, e a esperança do MDP/CDE é que esta maioria que hoje rejeitou o projecto de lei do CDS se torne mais sólida.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos para uma declaração de voto, que espero seja breve.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, quero igualmente informar a Câmara que depois farei chegar à Mesa a declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. O Sr. Secretário vai informar a Câmara dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa os projectos de lei n.ºs 309/III, 310/III e 311/III, da iniciativa do Sr. Deputado Ferdinando Lourenço Gouveia, do PS, respectivamente sobre a criação das freguesias de Carvoeiro, no concelho de Lagoa, de Espiche, no concelho de Lagos, e de Tunes, no concelho de Silves, que foram admitidos e baixaram à 10.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a sessão de amanhã terá lugar às 10 horas, não haverá período de antes da ordem do dia e terá como ordem do dia a continuação da agenda marcada para a sessão de hoje.

Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 25 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Gonçalves Janeiro.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

José Ângelo Ferreira Correia.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Almerindo da Silva Marques.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Bento Elísio de Azevedo.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Maria Helena Valente Rosa.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.

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António Maria de Orneias Ourique Mendes.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso
Fernando Monteiro do Amaral.
Gaspar de Castro Pacheco.
João Maurício Fernando Salgueiro.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José Luís de Figueiredo Lopes.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mário Martins Adegas.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.

Partido Comunista Português (PCP):

Joaquim Gomes dos Santos. Mariana Grou Lanita.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Gomes de Pinho.
Joaquim Rocha dos Santos.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Vieira de Carvalho.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos enviado à Mesa para Publicação

Em reunião realizada no dia 29 de Março de 1984, pelas 15 horas, foram solicitadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:

Arménio dos Santos (círculo eleitoral de Lisboa) por João Domingos Fernandes de Abreu Salgado (esta substituição é pedida para os dias 29 de Março corrente a l de Abril próximo, inclusive);
Guido Orlando de Freitas Rodrigues (círculo eleitoral do Porto) por Serafim de Jesus Silva (esta substituição é pedida para o próximo dia 2 de Abril, inclusive);
Joaquim Eduardo Gomes (círculo eleitoral de Setúbal) por Francisco Mendes Costa (esta substituição e pedida para os dias 29 de Março corrente a 1 de Abril próximo, inclusive).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.

Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Manuel Fontes Orvalho (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Manuel Portugal da Fonseca (PSD) - Leonel Santa Rita Pires (PSD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Francisco Manuel de Menezes Falcão (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

As REDACTORAS, Cacilda Nordeste - Leonor Caxaria.

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