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I Série - Número 95 Terça-feira, 17 de Abril de 1984

DIÁRIO da Assembleia da República

III LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE ABRIL DE 1964

Presidente: Exmo. Sr. Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca
Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
António Roleira Marinho
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Magalhães Mota (ASDI) apelou uma vez mais para que se resolva a situação dos militares oficiais do quadro permanente oriundos de milicianos. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Figueiredo Lopes (PSD) e Carlos Brito (PCP).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro (PCP), a propósito da concentração em Lisboa de 5000 agricultores, integrados na Jornada Nacional de Reclamação e Protesto convocada pela Confederação Nacional de Agricultura, condenou a política agrícola do Governo.
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Octávio Cunha (UEDS) lamentou as precárias condições de acesso à saúde existentes no nosso país. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento e protestos dos Srs. Deputados Luis Beiroco (CDS), Fernando de Abreu (PS), Vidigal Amaro (PCP) e João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Bento da Cruz (PS) falou da visita de uma delegação parlamentar a Montalegre.
Finalmente, também em declaração política, o Sr. Deputado Pedro Paulo (PSD) teceu considerações sobre a contribuição açoreana na consolidação do regime democrático em Portugal.
Ordem do dia. - Prosseguiu e concluiu-se o debate da proposta de lei n.º 55/III, sobre enquadramento dos órgãos e serviços do Estado a quem incumbe assegurar a obtenção, tratamento e difusão das informações necessárias à defesa nacional, ao cumprimento das missões das Forças Armadas, à segurança do Estado de Direito e à garantia da legalidade democrática.
Intervieram, a diverso título (incluindo declarações de voto), além do Sr. Ministro da Justiça (Rui Machete), os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), Sottomayor Cardia (PS), Lopes Cardoso e Octávio Cunha (UEDS), Luís Beiroco (CDS).
Acácio Barreiros (PS), Costa Andrade (PSD), João Amaral e Lino Lima (PCP), Angelo Correia (PSD), António Taborda (MDP/CDE), Carlos Brito (PCP), Anacoreta Correia (CDS), José Luís Nunes (PS), César Oliveira (UEDS), Manuel Alegre (PS), António Gonzalez (Indep.), Nogueira de Brito (CDS) e Carlos Espadinha (PCP).
Rejeitado um requerimento do MDP/CDE no sentido de pôr o diploma em apreço à discussão pública, a proposta de lei foi aprovada na generalidade. Procedeu-se depois â votação de um requerimento de baixa do diploma a uma comissão eventual para discussão e votação na especialidade no prazo de 30 dias.

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 2 horas e 25 minutos do dia seguinte.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 5 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Alexandre Monteiro António.
Almerindo da Silva Marques.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António José dos Santos Meira.
António Manuel Carmo Saleiro.

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Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Belmiro Moita Costa.
Bento Elísio de Azevedo.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Luís Filipe Gracias
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Eurico Faustino Correia
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu
João do Nascimento Gama Guerra.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Leitão Ribeiro Arenga.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja S. dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
José Maximiano Almeida Leitão.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito
Luís Silvério Gonçalves Saias
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel de Barros Barrai.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD)

Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinha
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Abílio Costa.
António Maria de Orneias Ourique Mendes.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
João Evangelista Rocha de Almeida
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonel Santa Rita Pires.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro
Mário Martins Adegas.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira
Telmo Silva Barbosa.

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Partido Comunista Português (PCP).

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço
António Guilherme Branco Gonzalez.
Amónio José Monteiro Vidigal Amaro
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida
José Manuel Santos Magalhães.
Lino Carvalho de Lima.
Lino Paz Paulo Bicho.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Ilda Costa Figueiredo
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Paulo Simões Areosa Feio.

Centro Democrático Social (CDS)

Abel Augusto Gomes Almeida.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soarem
António Gomes de Pinho.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
João Carlos Dias M. Coutinho Lencastre.
João Lopes Porto.
José Luís Nogueira de Brito
José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida Vasconcelos
Manuel Jorge Forte Goes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

Helena Cidade Moura.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
António Monteiro Taborda.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.
João Paulo Oliveira.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peco-lhes o favor de ocuparem os seus lugares. Vai proceder-se à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte:

Expediente Exposição

De Pedro Jorge Cipriano da Silva Martins, chamando a atenção para a precária situação em que se encontra, em virtude de ter sofrido um acidente em serviço militar e não conseguir que lhe seja reconhecida a invalidez e a consequente compensação monetária.

Abaixo-sssinado

Com 1308 assinaturas em defesa dos imigrantes africanos, chamando a atenção para a necessidade de se tomarem providências imediatas no sentido de prevenir situações de discriminação.

Cartas

Da Comissão dos Comerciantes Vendedores em Feiras e Mercados no Algarve, a remeter fotocópias da exposição subscrita pela população de Lagos, reivindicando junto da Câmara Municipal o seu histórico mercado semanal, em total apoio aos vendedores que formam o referido mercado.
Da Comissão Permanente da Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica, remetendo uma declaração sobre o ensino de Religião e Moral nas escolas públicas do nosso país.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Dá-me licença. Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário Leonel Fadigas, vamos interromper um momento a leitura do expediente, porque parece que o Sr. Deputado Carlos Lage quer interpelar a Mesa.

O Sr. Carlos Lage (PS): - É apenas para fazer um apelo à Mesa no sentido de que esta apele à Câmara que os Srs. Deputados se mantenham mais silenciosos.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. A Mesa vai mais uma vez apelar nesse sentido.
Pedia, pois, aos Srs. Deputados o favor de ocuparem os vossos lugares e manterem o devido silêncio.
Muito obrigado.
Faça favor de continuar, Sr. Secretário.

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Deu-se conta de mais o seguinte expediente:

Ofícios

Do Conselho de Informação para a Agência Noticiosa Portuguesa, E. P. (ANOP), a enviar o texto de um voto de pesar pelo falecimento do membro daquele Conselho, em representação do CDS, Dr. Joaquim Marçal Carrasca de Castro.
Do Conselho de Imprensa, a enviar fotocópia de um comunicado relativo ao problema do aumento de preço dos jornais e questões com ele relacionadas.
Das Assembleias de Freguesia de Lavra e de São Mamede de Infesta e da Junta de Freguesia de Perafita, com moções nas quais se manifestam a favor da elevação da vila de Matosinhos a cidade.
Do conselho de informação para a Agência Noticiosa Portuguesa, E. P. (ANOP), a enviar fotocópia do seu relatório de actividades relativo ao trimestre Janeiro/Março de 1984.
Da Câmara Municipal de Torres Vedras, dando conhecimento do teor de uma moção, aprovada por unanimidade em reunião de 27 de Março, manifestando o seu apreço à actividade desenvolvida pelo Dr. Alberto Manuel Avelino, enquanto presidente daquele Município.
Da Assembleia Regional da Madeira e cartas da Região de Turismo do Douro Sul e de António Rodrigues Canelas, ex-deputado pelo PCP à Assembleia Constituinte, manifestando o seu pesar pelo falecimento do deputado Nuno Rodrigues dos Santos.

Telegramas

Dos proprietários e director pedagógico e do pessoal docente e discente do Instituto Vaz Serra, em Castelo Branco, informando terem de suspender as suas actividades face às condições insustentáveis provocadas pelo não envio de verbas respeitantes ao contrato de associação 1983-1984.

Inversos

Telex da Embaixada de Cuba em Lisboa, transcrevendo o teor de uma declaração conjunta dos Governos da República Popular de Angola e da República de Cuba.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, is seguintes requerimentos:
No dia 3 de Abril de 1984, a diversos Ministérios (21), formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado José Vitorino, à Secretaria de Estado da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Nunes da Silva; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Martins de Oliveira; à Secretaria de Estado das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado António Roleira Marinho; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Jorge Goes.
No dia 5 de Abril de 1984, ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado António Roleira Marinho; ao Ministério da Educação, formulado pela Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados:
Tomás Espírito Santo, na sessão de 14 de Setembro; Magalhães Mota, nas sessões de 14 e 16 de Setembro; José Tengarrinha, na sessão de 22 de Setembro; Carlos Espadinha, na sessão de 23 de Setembro; José Manuel Mendes, na sessão de 6 de Outubro; Manuel Fontes Orvalho e Paulo Barrai, na sessão de 10 de Novembro, respectivamente; Nunes da Silva, na sessão de 21 de Novembro; Gomes de Pinho, na sessão de 18 de Dezembro; Ruben Raposo, na sessão de 13 de Janeiro; Anselmo Aníbal, na sessão de 19 de Janeiro; Joaquim Miranda e Carlos Cai valhas, na sessão de 20 de Janeiro; Octávio Teixeira, na sessão de 26 de Janeiro; Custódio Gingão e António Gonzalez, na sessão de 27 de Fevereiro, respectivamente; Gaspar Martins e Manuel Fernandes, na sessão de 10 de Fevereiro.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uso a fórmula solene da declaração política - e uso-a, creio eu, apropriadamente - porque uma semana antes do 10.º aniversário do 25 de Abril venho trazer à Assembleia da República uma questão de honra. Questão de honra no sentido em que Alain dizia que a honra é vizinha da consciência; atormenta-nos no segredo e na solidão sentir que se faltou à honra e julgar que não se pode viver sem hipocrisia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que venho aqui dizer por esta forma é que não podemos sem vergonha manter silenciada, 10 anos depois de Abril, a questão dos militares dos oficiais do quadro permanente oriundos de milicianos.
Sobre a matéria, oportunamente - e há meses - requeri informações ao Governo. Estou, portanto, à vontade para falar.
A guerra determinou que se procurasse obviar à falta de oficiais, digamos para simplificar, de carreira. As vicissitudes posteriores são conhecidas: certo é que no período que antecedeu o 25 de Abril considerou-se imperioso fazer justiça aos capitães oriundos do quadro de complemento, profissionalmente prejudicados em matéria de promoções e antiguidades, sem igualmente prejudicar os oficiais oriundos de cadetes

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Tal solução terá naturalmente que consistir, a exemplo do que se fez após a I Grande Guerra, na criação de um quadro de supranumerários, permitindo-se assim o acompanhamento em termos de promoções entre os oficiais oriundos do quadro de complemento abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 353/73, cuja antiguidade deverá reportar-se à data do assentamento de praça e os oficiais oriundos de cadetes incorporados nesse mesmo ano.

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A questão e connosco! Como disse logo de início, é uma questão de honra! Nem o Ministro da Defesa nem o Governo poderão esquecê-lo uma semana antes do 10.º aniversário do 25 de Abril, que tem uma comissão de honra para lhe organizar as comemorações.

Aplausos da ASDI e de alguns deputados do PS, do PSD e do PCP.

O Sr. Presidente! - Tem a palavra o Sr. Deputado

Figueiredo Lopes para pedir esclarecimentos.

O Sr. Figueiredo Lopes (PSD): - Embora utilizando a figura regimental de pedido de esclarecimento, na qualidade de ex-militar, de militar de reserva do quadro permanente da Força Aérea, quero saudar o Sr. Deputado Magalhães Mota pela coragem que demonstra em vir aqui hoje apresentar este problema.
Na verdade, há que tomar qualquer medida que faça justiça junto dos oficiais oriundos de milicianos. Cies ajudaram a fazer a Revolução, trabalharam na guerra do ultramar, trabalharam como todos os outros e vêem-nos passar à frente sem que seja resolvida a sua situação.
Portanto, quero apoiar solenemente a posição assumida pelo Sr. Deputado Magalhães Mota e por todos os deputados que estejam interessados em ver este problema solucionado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Magalhães Mota, há outro podido de palavra, penso que igualmente para pedir esclarecimentos.
Deseja responder imediatamente ou no fim?

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - No fim. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Magalhães Mota, ouvi com atenção a questão importante que aqui trouxe e quero fazer-lhe muito simplesmente o seguinte pedido de esclarecimento: tem o Sr. Deputado Magalhães Mota em perspectiva alguma iniciativa legislativa no sentido de fazer a justiça que entende ser necessária nesta matéria? Ou melhor, tem alguma sugestão a transmitir à Câmara relativamente a uma iniciativa que pudesse ser eficaz neste domínio?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, agradecer as palavras do Sr. Deputado Figueiredo Lopes; em segundo lugar, tal como ele salientou, quero lembrar que entre os oficiais na situação que descrevi um deles foi agraciado com a Ordem da Liberdade e outros merecem-no igualmente.
Quanto à questão posta pelo Sr. Deputado Carlos Brito, não é naturalmente, como o Sr. Deputado não ignora, uma questão fácil, na medida em que a lei-travão nos impede de criar disposições que acrescentem encargos orçamentais.
Parece-nos que a questão é urgente. Ê da máxima urgência resolvê-la. Perdemos já demasiado tempo nestes 10 anos em que não foi feita justiça e por isso mesmo eu gostaria de ver já no próximo 25 de Abril este problema resolvido.
Mas se ele não for resolvido a nível do Governo ou da República, que não tem a mesma lei-travão que nós temos, então apresentaremos aqui uma iniciativa legislativa no sentido de contemplar a situação, ainda que nessa iniciativa legislativa ela tenha de estar limitada pelas disposições orçamentais e, portanto, só possa ser aplicável com um próximo orçamento.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.

O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando milhares de agricultores pisam as ruas de Lisboa é porque a situação actual da nossa agricultura é verdadeiramente alarmante, algo de anormal se passa.
Quando milhares de agricultores são capazes de vencer enormes distâncias - ao preço que estão as viagens - e aceitam o sacrifício de um dia de trabalho, e porque têm consciência das causas desta situação e das medidas concretas necessárias para vencer as dificuldades; é porque são capazes de um grande esforço comum de organização.
É desta perspectiva que deverá ser avaliada a importância e o significado profundo da concentração em Lisboa de profissionais dos diversos sectores da agricultura no passado dia 19 de Março de 1984. Foram mais de 5000 agricultores que, dos mais variados pontos do País, acorreram a Lisboa na Jornada Nacional de Reclamação e Protesto, convocada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Esses milhares de agricultores vieram manifestar-se pelos seus direitos legítimos, pela economia portuguesa, contra o abandono acintoso a que o poder político os condenou. Ali mesmo, eles afirmaram que só se lembram dos agricultores quando das campanhas eleitorais.
O agravamento da situação económica dos agricultores e as perspectivas de aprofundamento da crise que a política agrícola do Governo já tornou claras fizeram-lhes compreender com clareza a demagogia das promessas com que o Partido Socialista lhes levou os votos na campanha eleitoral, e que este governo PS/PSD não tomou em conta nenhuma das principais reivindicações que têm vindo a ser feitas pela lavoura, como não tem tido em conta os interesses da economia nacional.
Assim, a concentração em Lisboa, em frente à sede do Governo, tem o significado muito claro da redução da base de apoio social e político dos partidos da actual maioria.
Quando o Governo recusou o diálogo e lhes fechou a porta na cara, ficou claro para os agricultores que este governo está surdo para os seus interesses e reivindicações. Por isso se ouviram ali mesmo os protestos de que os agricultores não são cidadãos de segunda, são cidadãos como outros, embora crestados pelo sol e pela chuva, mãos calejadas, que não sabem o que são férias, que não têm horas para o trabalho, que sabem unicamente usar a linguagem directa da verdade.
Ao longo das dezenas de intervenções proferidas pelos agricultores durante a concentração, passaram

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iodos os principais problemas dos sectores agrícola, pecuário e florestal.
Foi traçado o verdadeiro panorama geral da agricultura portuguesa nos dias que correm.
As reclamações e os protestos defendidos pelos agricultores constituem um verdadeiro programa de emergência para salvar da ruína a nossa agricultura.
Falta de coragem foi o que demonstraram as autoridades, que não os receberam. Falta de coragem para enfrentar cara a cara a verdade da situação dramática dos agricultores, a justiça das suas reclamações concretas, o confronto das promessas que fizeram com a falta do sou cumprimento.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

O Orador: - As organizações unitárias de pequenos e médios agricultores e o movimento camponês vêm denunciando esta política agrícola como gravemente lesiva não só dos interesses de todos os que trabalham a terra, mas também dos interesses nacionais, pois está a conduzir ao aumento de áreas incultas e a uma grande quebra da produção, quer global quer unitária.
Consequentemente, aumenta a importação de produtos agrícolas e o seu peso relativo no défice da balança do comércio externo (as importações de produtos agrícolas passaram de 14,3 % do total das importações em 1982 para 14,7 % em 1983).
Perante o avolumar do descontentamento do campesinato e da sua concretização em movimentações e lutas, o governo Soares/Mota Pinto começa a sentir que está a reduzir-se a sua base de apoio nas zonas rurais.
Assim, a poucos dias da anunciada Jornada Nacional de Reclamação e Protesto da Lavoura Portuguesa, o Governo veio a público com promessas demagógicas de que iria pagar os subsídios de gasóleo e do arroz (no Baixo Mondego), algumas indemnizações, nomeadamente da peripneumonia, e reajustar alguns preços dos produtos agrícolas.
Algumas direcções regionais de agricultura também começaram a prometer a reabertura das feiras.
As demagógicas promessas feitas aos agricultores pelo Sr. Ministro da Agricultura tiveram o objectivo de desmobilizar a sua vinda a Lisboa, mas representam de facto um recuo, com receio da movimentação, recuo que deve ser interpretado como um primeiro e importante êxito das reivindicações do movimento camponês, provocado pelo próprio anúncio da Tornada, jornada que viria a ser um dos maiores protestos da lavoura portuguesa de todos os tempos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa agricultura está arruinada e continua a ser desprezada. Ainda há poucos meses tinham subido os preços dos produtos essenciais para a lavoura.
Pois voltaram a aumentar os preços do gasóleo, dos pesticidas, da electricidade, da batata de semente, etc., e há ameaças de novos aumentos nos preços das rações, dos adubos, das sementes e outros.
As organizações dos agricultores apresentaram propostas para combater o contrabando e as doenças do gado. As entidades responsáveis desprezaram essas propostas.
Milhares de cabeças de gado foram abatidas.
As indemnizações são insuficientes para repor o efectivo (e na maior parte dos casos os agricultores ainda não receberam essas indemnizações).
Não há crédito apropriado para a compra de novos animais. As feiras foram encerradas, mas não foram criadas condições para a saída do gado que os agricultores precisam de vender.
O contrabando e o trânsito ilegal do gado continuam.
Quem ganha são os negociantes e os aproveitadores sem escrúpulos. Quem perde são os agricultores e o País.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os vitivinicultores precisam de vender o vinho, mas a Junta Nacional de Vinho (JNV) não garante o escoamento.
Muitas adegas cooperativas estão em situação crítica. Ainda por cima a Junta ameaça agravar a taxa do vinho e está a enviar cartas aos agricultores, caso eles não paguem a taxa de $20. Há muitos casos em que os produtores são ameaçados com acções de execução fiscal com retroactividade de 13 anos. No entanto, vê-se no mercado vinho que não é vinho e uma garrafa de 7,5 dl custar mais de 100$, enquanto o produtor o vende, em muitos casos, a menos de 20$.
Os produtores precisam de vender as madeiras, mas não há garantia efectiva de escoamento, principalmente das madeiras queimadas.
Os preços oficiais não foram publicados a tempo e horas.
As promessas de criação de parques de recepção de madeiras junto às áreas florestais ficaram por cumprir.
Os agricultores precisam cada vez de mais dinheiro para continuar a cultivar.
Mas, em vez do apoio necessário, nem sequer lhes pagam pontualmente aquilo que lhes devem.
Atrasam há mais de 1 ano o pagamento do subsídio de gasóleo, atrasam o pagamento do bónus para o arroz do Baixo Mondego, atrasam o pagamento dos subsídios do leite às cooperativas. Muito atrasado está também o pagamento das indemnizações pelos animais abatidos por doença. À espera de pagamento estão ainda muitos produtores de resina e hortofrutícolas entregues à indústria.
A própria JNV deve ainda a algumas adegas cooperativas parte da colheita de 1981.
Ora, quando são os agricultores a comprar têm de pagar a pronto, ninguém lhes perdoa os juros.
A juntar a toda esta situação, o Governo e os partidos que o compõem ameaçam de novo retirar os baldios aos povos e alterar a Lei do Arrendamento Rural.
A nova portaria referente aos arrendamentos de campanha não trouxe nada de novo, os senhorios continuam a fazer aquilo que muito bem querem o entendem, pedindo valores de renda exorbitantes. Este governo continua a dizer que está com os agricultores, no entanto os rendeiros da Fundação Bissaya Barreto, Carvide, Leiria, continuam a viver uma situação gritante, em que a instituição lhes vai buscar o fruto do seu trabalho anual sob forma de renda, não havendo contemplações para casos flagrantes de famílias numerosas e pobres a viverem em casas sem o mínimo de condições e que a instituição está a deixar degradar dia a dia.

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É o escandaloso caso dos foreiros da Várzea Fresca e Califórnia, Foros de Salvaterra de Magos, em que nada se vislumbra para a solução.
É o vergonhoso caso do emparcelamento de Cabanelas, no distrito de Braga, onde os agricultores se juntaram e os serviços oficiais os abandonam. Ali, cerca de 300 ha de terra fértil não estão a ser aproveitados como regadio só porque não é feito um pequeno arranjo no canal.
Outro escândalo e o aumento brutal do preço da água de rega na zona de Alvalade-Sado, que teve uma subida de 850 %, sem que os agricultores fossem consultados.
Um exemplo: 22 435$ é quanto a Direcção-Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos quer que um agricultor pague pela água de rega que este gastou em meio hectare de terra de tomate no ano de 1983.
Escandalosa é também a afirmação do Governo que diz que a verba atribuída a alguns créditos não foi gasta porque os agricultores não se inscreveram.
É preciso ter lata para tamanhas afirmações, quando se sabe que os agricultores reclamam crédito acessível e em boas condições, quando há muitos processos pendentes e que não foram despachados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O assoreamento e a poluição dos nossos rios são outra preocupação dos nossos agricultores. Quantas vezes, para minimizarem os perigos da poluição, têm de fazer poços junto aos rios para filtragem das águas que servem para regas.
De várias zonas do País surgem reclamações dos agricultores e das populações pelo plantio indiscriminado de eucaliptais em boas terras agrícolas, pelas celuloses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A gravidade destas situações que acabei de descrever, e que não são mais do que uma parcela do que se passa na agricultura deste País, tem levado nos últimos tempos a uma multiplicação de acções, movimentações e concentrações, algumas das quais chegaram a paralisar o trânsito, como aconteceu em Paredes de Coura, Braga, Caldas da Rainha, Canas de Senhorim, Covilhã, Vila Franca de Xira, Rio Maior, São João da Pesqueira, Baixo Mondego, etc., etc.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Este crescer de lutas do campesinato exprime por um lado a gravidade dos problemas e, por outro, o aumento da consciência entre os agricultores de que este governo e esta política não servem.
O desenvolvimento das lutas do campesinato prova que sectores sociais cada vez mais vastos, alguns dos quais há pouco tempo ainda incluídos nas áreas do PS e do PSD, se levantam contra o Governo e exigem outra alternativa política.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é a primeira sessão da Assembleia da República depois da comemoração, no dia 7 de Abril, do Dia Mundial da Saúde.
A Organização Mundial de Saúde entendeu que este ano deveria ser dedicado à «Saúde da criança - riqueza do futuro». E na sua introdução diz que:
O nascimento de uma criança representa um investimento considerável de amor, de energia e de esperança para os pais e para a sociedade no seu conjunto.
Hoje, apesar dos conhecimentos científicos e da tecnologia imensa de que a humanidade dispõe, 17 milhões de crianças com menos de 5 anos morreram em 1983. 14 milhões destas mortes foram provocadas pela fome ou por doença evitáveis.
1200 milhões de crianças vivem hoje em condições sub-humanas, com fome, sem ensino, sem habitação digna, cronicamente infectadas e parasitadas, suspensas num tempo, numa outra dimensão, onde a ternura não tem tempo de por lá passar e o pão não existe.
Hoje 400 milhões de crianças sofrem de bócio (facilmente tratável), 300 milhões de anemia (facilmente tratável) e 100 milhões de cegueira por carência em vitamina A (facilmente tratável).
A maioria destas crianças quase não teve tempo de nascer e já morreu na África, na Ásia e na América Latina, no que se convencionou chamar o Terceiro Mundo. Na semana passada responsáveis políticos aqui reunidos chamaram a atenção para este problema.
Na semana passada, enquanto aqui se discutia sobre a estratégia para acabar com os desequilíbrios que se criam nos Terceiro e Quarto Mundos, peguei em mim, comprei um bilhete de autocarro e fui até ao Terceiro Mundo.
O Terceiro Mundo fica ali mesmo ao lado da minha casa no Porto. Pelas muralhas da Sé, da Vitória, de Miragaia, pelas ilhas do Porto, autênticos ghettos, escorrega lentamente de dentro dos corpos sujos e magros das crianças a vida que se lhes deu e que a sociedade lhes retira em vida.

O Sr. Presidente: - Desculpe interrompê-lo, Sr. Deputado, mas quero pedir à Câmara o favor de ouvir a intervenção do Sr. Deputado Octávio Cunha com o silêncio que ela merece.
Faça favor de continuar.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Espécie de subproletariado sem identidade, desconfiado, escondido, vivendo dos restos que a sociedade rica rejeita, aprendendo a revolta e a violência.
Tinha razão o Sr. Primeiro-Ministro, quando aqui afirmou que a fome é hoje um escândalo.
Hoje, dia 16 de Abril de 1984, em Portugal 2,5 milhões de pessoas não comeram o suficiente. Vamos ter de acabar com este escândalo!
Hoje é altura para lembrar de novo que a saúde é um direito fundamental, que existem graves desequilíbrios no que se refere à saúde das populações entre os países desenvolvidos e os não desenvolvidos e que mesmo no interior de um mesmo país, como o nosso, essas desigualdades são enormes.
Lembrar que os governos tem a obrigação de agir com urgência, implementando em particular os cuidados primários de saúde a fornecer particularmente à mulher grávida, à criança e ao velho. Afirmar que é possível atingir o objectivo «Saúde para todos no ano 2000»

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mediante uma melhor e mais completa utilização dos recursos mundiais, dos quais uma parte considerável se destina a fabrico de armamento.
Hoje e bom lembrar que um míssil de médio alcance daria para construir 40 000 pequenas farmácias de aldeia, que um destroyer pagaria a electrificação total de um país como Portugal, que um tanque daria para construir 500 escolas primárias, que as despesas militares de meio dia pagariam o programa de irradicação da malária da superfície do Mundo e que as despesas militam» de 1 ano suportariam, aos preços actuais, durante 25 anos, um programa de assistência ao Terceiro Mundo.
A um nível bem mais pequeno, que é o do nosso país, diria que uma viagem de helicóptero a Trás-os-Montes de um membro do Governo daria para comprar duas incubadoras para o Hospital Central Universitário de Santo António, no Porto, a segunda cidade do País, que não possui nenhuma.

Vozes da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Diria que o pagamento em menos de l mês de 30 000 contos à RTP para a transmissão de 180 minutos de futebol daria para comprar todo o material necessário para equipar uma unidade de cuidados intensivos para recém-nascidos, que serviria, no meu hospital, uma população de cerca de 1 000000 de habitantes.
Diria que nada disto seria muito importante se de facto o meu país não tivesse a maior taxa de mortalidade infantil da Europa. Que nada disto teria importância se não morressem 20 em cada 1000 recém-nascidos; pior, que dos que sobrevivem muitos são aqueles que, por falta de assistência adequada, ficam definitivamente lesados no seu sistema nervoso central.
Diria ainda mais, que estranho país é este, que é o nosso, em que o mais alto responsável da Nação, S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, em vez de assumir as suas responsabilidades por inteiro, prefere dar ao País uma prova de indecisão e irresponsabilidade - já que me recuso a acreditar que por trás da sua recente posição sobre uma lei aprovada pelos representantes eleitos do povo português se escondam motivações de política pessoal-, que estranho país é este, que é o nosso, dizia, quando de repente se verifica que se fizeram pagar impostos sobre medicamentos, quando tal não era constitucionalmente possível.
Que estranho país é este, que é o nosso, quando de repente se verifica que, segundo a Constituição, a velha Lei do Serviço Nacional de Saúde, de Arnaut, deveria estar em prática e não está, e que, entretanto, se fez pagar ao cidadão aquilo que legalmente ele não tinha de pagar. Que estranho país é este, onde os que maiores responsabilidades têm parecem preocupar-se mais com os seus pequenos futuros pessoais do que com o presente do nosso povo.
Que estranho país e este, que é o nosso, onde responsáveis se preocupam tanto com a política das políticas e tão pouco com a política do quotidiano.
Que estranho país é este, que é o nosso, que adia permanentemente a discussão e solução dos reais problemas que nos afligem com álibis pretensamente éticos e pretensamente respeitadores das liberdades dos cidadãos.
Que estranho país é este, que tanto se preocupa com o que não há ou com o que não é e tão pouco se preocupa com o que já cá está, vivendo mal e morrendo pior.

Aplausos da UEDS e de alguns deputados do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Octávio Cunha, ouvi a sua intervenção nesta Câmara com a atenção que ela objectivamente merecia e também com a atenção que era devida à personalidade de V. Ex.ª
Penso que o escândalo da miséria e das necessidades não é uma questão que divida a esquerda e a direita. Trata-se de uma questão que preocupa as pessoas bem formadas, quer elas sejam de esquerda ou de direita, e, portanto, penso que esse escândalo tanto preocupa V. Ex.ª, que é uma pessoa de esquerda e que sempre o foi, como me preocupa a mim, que fui sempre uma pessoa de direita.
Mas, Sr. Deputado, o que lhe pergunto é se é possível pensarmos que podemos contribuir para anular esse escândalo e para melhorar a condição de vida de todos os portugueses apenas com intervenções do tipo daquela que V. Ex.ª acabou de fazer.
Pergunto a V. Ex.ª se, quando fala, por exemplo, no preço de um destroyer, não considera que garantir a segurança externa é, como foi sempre na história, a primeira missão de uma comunidade política e se, portanto, considera que isso se pode eliminar.
É evidente que eu desejaria - como certamente também o desejaria V. Ex.ª - que não fosse preciso gastar nada em destroyers ou em outros meios. Mas pergunto-lhe, Sr. Deputado: isso é apenas um alto ideal que V. Ex.ª prossegue - e eu acho muito bem - ou a própria experiência histórica nos ensina que é alguma vez possível as sociedades dos homens abdicarem dos problemas de segurança e, portanto, gastarem alguns meios nessas questões?
É este o problema real, Sr. Deputado. Não acha, Sr. Deputado Octávio Cunha, que a única forma de eliminarmos esse escândalo é conseguirmos que as sociedades onde nos inserimos produzam mais?
Não é possível distribuir aquilo que não existe e, nessa perspectiva, a única forma de melhorarmos a situação de todos nós e sobretudo dos mais desfavorecidos - preocupação de que, certamente, ambos comungamos - é conseguirmos que a nossa sociedade produza mais, a fim de podermos dispor de melhores meios para obviar todos esses problemas e, nomeadamente, para que o Hospital de Santo António possa dispor das duas incubadoras de que necessita, assim como todos os hospitais deste país, e para que se possa criar uma situação em Portugal onde não haja ninguém com fome e, sobretudo, onde não hajam crianças com fome.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Cunha, há mais inscrições para pedidos de esclarecimento, pelo que desejaria saber se V. Ex.ª pretende responder já ou apenas no fim.

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O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Se me permite, respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Quero desde já agradecer ao Sr. Deputado Luís Beiroco pelas questões que me colocou.
Antes de mais, gostaria de dizer-lhe que, de facto, o assumir-se como um homem de direita não retira em nada o prestígio que lhe e devido nem a consideração que lhe tenho, antes pelo contrário. Penso que uma das coisas que neste país não tem acontecido e as pessoas assumirem-se como tal e daí também algumas das reflexões que fiz durante a minha intervenção.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Acho que as pessoas devem assumir-se frontalmente tal como são e não devem ter medo de se afirmarem e de afirmarem os seis princípios, batalhando por eles.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª perguntou-me se não será necessário produzir mais. É evidente, e todos estamos de acordo, que é necessário produzir mais.
Porém, diria que antes de produzir mais e para produzir mais seria, talvez, mais correcto começar por fazer nascer e desenvolver na nossa sociedade a capacidade de solidariedade nacional, que não existe e que tem sido sistematicamente perturbada por pessoas com altas responsabilidades no nosso país, que deveriam olhar mais para os problemas reais da nossa terra do que para os seus interesses meramente pessoais e transitórios, que levam pouco tempo na memória das pessoas. Penso que 6 essencialmente por aí que deve começar o esforço. Ê um esforço cultural, mas se ele não começa pelos responsáveis, pelos eleitos, pelas pessoas que, efectivamente, têm os meios que lhe foram fornecidos para poderem tomar decisões de uma maneira mais adequada, se não começa por eles, então por quem é que vai começar? Se eles dão o exemplo de irresponsabilidade, de desinteresse nacional, de falta de solidariedade nacional, então não podemos de maneira nenhuma pedir aos trabalhadores que produzam mais.
No que diz respeito à segurança nacional, é evidente que eu vejo com mais interesse um barco que sirva para proteger os nossos pescadores e a nossa costa, que é continuamente devassada, do que propriamente um barco de guerra para combater não sei quem. Vejo também com um pouco de dificuldade que se façam, por exemplo, despesas militares por vezes sem um interesse imediato - ou pelo menos que me escapa a mim - e que não se faça uma outra coisa que me parece ser fundamental neste país. Primeiro, a definição de políticas nos vários sectores. Neste caso concreto, uma definição clara de política de saúde.
Andámos aqui não sei quantos anos a pensar que não havia uma lei de saúde quando afinal havia uma Lei do Serviço Nacional de Saúde. Como é que se compreende que este país ande a ser desde há 5 ou 6 anos, inconstitucionalmente governado no que diz respeito a este aspecto, como em tantos outros? Estas coisas são inaceitáveis!
Os responsáveis políticos têm de prestar mais atenção a estes aspectos, nomeadamente no que diz respeito à aplicação das leis que nós aqui aprovamos, em vez de andarem em jogos de pequeno poder, que, como disse há pouco, é um poder transitório que quebra a solidariedade nacional.
Penso que, para além da definição de políticas, é necessária uma definição de prioridades, o que não existe. Há pouco dinheiro, mas ainda há dinheiro para pagar 30 000 contos à Televisão para transmitir 190 minutos de futebol. Esses 30000 contos, como já disse aqui, chegam para equipar uma unidade de cuidados intensivos que já está construída, que já tem !á as pessoas, os médicos e os enfermeiros, e na qual só falta ligar as máquinas.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Peço a palavra para protestar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Deputado Octávio Cunha está a responder individualmente, dou-lhe já a palavra para um protesto, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Octávio Cunha, permita-me que, dentro da tradição desta Câmara, use a figura de protesto apenas para poder continuar por mais uns escassos minutos, ou melhor, segundos, o diálogo com V. Ex.ª
Por um lado, e no que respeita ao problema das despesas militares que V. Ex.ª invocou, é evidente que compreendo perfeitamente que o Sr. Deputado diga que é desejável que essas despesas sejam afectadas, por exemplo, à defesa dos nossos pescadores do que ao combate contra inimigos que não sabemos quais são.
Permita-me, Sr. Deputado, que lhe recorde que a política e em larga medida a escolha do amigo e do inimigo e que nem sempre está nas nossas mãos definir o inimigo. Não é por dizermos que não temos inimigos que não os temos realmente. Isso depende também dos outros e é evidente que não vivemos sozinhos no mundo, mas sim com outros homens e com outras organizações políticas. Inserimo-nos numa certa geocomunidade - permita-me a expressão - e por isso teremos de ser, quer queiramos quer não, solidários com certas condições de vida que sozinhos não definimos.
Daí a razão das despesas militares e de segurança, questão que creio não se poder pôr em termos tão simples como aqueles em que o Sr. Deputado a colocou.
Por outro lado, e no que respeita propriamente à questão que julgo ser a que mais o preocupa, é evidente que estou de acordo consigo quando prefere o custo de certas coisas que todos lamentamos e acerca do que pensamos: quanto mais útil seria aplicar esse dinheiro noutro sentido!
No entanto, penso que o custo da transmissão de um desafio de futebol não é um bom exemplo, na medida em que, no fundo, essas são despesas internas que, de uma forma ou de outra, não afectam grandemente a contabilidade nacional, ao contrário do que aconteceria, porventura e infelizmente, com as despesas que o Sr. Deputado, tal como eu, desejaria que

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pudessem ser feitas e que têm em si uma larga componente externa.
É evidente que só produzindo mais é que conseguiremos ter os meios para fazer face a essas despesas, muitas das quais têm uma elevada componente externa, visto não termos ainda competência tecnológica para as poder satisfazer internamente.
Penso que todos - e agora independentemente das divergências partidárias - devemos trabalhar para que a situação do nosso país melhore nessa perspectiva e nesse campo e para que essas questões, que são questões vitais para a população portuguesa, possam ser satisfeitas e cada vez mais de uma forma completa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Deputado Octávio Cunha, gostaria de felicitá-lo pela coragem que demonstrou ao trazer aqui um problema que não podemos de maneira nenhuma ignorar ou deixar esquecido.
O problema das crianças pobres em geral e em especial o problema das crianças pobres do nosso país devem-nos, de facto, merecer uma atenção, mais do que especial, de todos os dias.
Sem pretender entrar na discussão das prioridades das verbas gastas, como algumas que o Sr. Deputado acaba de citar, gostaria de lhe dizer que estou na realidade de acordo consigo quando diz que este problema deve merecer uma atenção mais cuidadosa do que tem merecido até aqui.
Em todo o caso, gostaria de lhe fazer um pequeno pedido de esclarecimento neste sentido: gostaria de saber se, no seu entender, a acção dos centros de saúde que estão a ser implementados por todo o País, e sobretudo a restauração da valência materno-infantil nesses centros, que, para além de exercer uma acção no campo médico, deverão exercer uma acção fundamental no campo da higiene, nomeadamente no campo da higiene alimentar, etc., é suficiente para, a curto, prazo, modificar o panorama das crianças no nosso país.
A este propósito quero também fazer-lhe um leve comentário sobre o que acaba de dizer acerca da Lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde.
Penso que o actual Governo não está, neste momento, muito preocupado com a declaração de inconstitucionalidade da lei que suspendeu a Lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde, visto que, ao fazer a apresentação do seu programa, foi aqui declarado que a Lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde enquadrava perfeitamente o Programa do Governo. De resto, a recente criação da Direcção-Geral dos Cuidados Primários, bem como da Direcção-Geral dos Assuntos Farmacêuticos, e a implementação das direcções regionais de saúde e dos centros de saúde, tudo isso não é mais do que a implementação do Serviço Nacional de Saúde.
Assim, penso que não é correcto dizer que o Serviço Nacional de Saúde não existe neste país, porque, na verdade, ele está a ser implementado discretamente, mas com eficácia.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Dá-me licença. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª deseja usar da palavra para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Para pedir esclarecimentos. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Lamento não lhe poder dar u palavra, mas a verdade é que estão encerradas as inscrições para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Octávio Cunha.
Para responder tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu e meu querido colega, começo por lhe agradecer a questão que me colocou.
Efectivamente, ao Governo compete essencialmente um papel de estimulo e de apoio a uma série de iniciativas. Nos últimos 2 anos verificaram-se no nosso país avanços enormes no que diz respeito à organização hospitalar, mas em contrapartida sofremos um imenso recuo no que diz respeito aos centros materno-infantis e de cuidados primários de saúde.
Como sabe, o grupo que colabora com os centros de saúde da região de Trás-os-Montes, do qual faço parte, desloca-se regularmente a essa região e na última deslocação que fizemos no Verão do ano passado verificámos que, por exemplo, em Bragança a administração de vacinas tinha praticamente cessado, devendo-se este facto e isto passava-se no mês de Abril ou mais de 1983 - a uma desorganização na interligação entre os centros de saúde e os organismos que entretanto se quiseram integrar. Também sabe que os Serviços Médico-Sociais deveriam ser integrados e, nessa altura, todo esse programa, seja por ineficácia do Governo seja por razões que ficaram por esclarecer, não foi levado para a frente, o que levou a que os centros e em particular a valência materno-infantil tivessem chegado ao fim do ano de 1983 numa péssima situação.
Parece-me que, nesta altura, compete ao Governo, e concretamente ao Sr. Ministro da Saúde e aos organismos que dele dependem, incentivar aspectos particulares, tais como a melhoria dos cuidados primários, pondo os centros de saúde de cuidados primários materno-infantis a funcionar, a obrigatoriedade do cumprimento das recentes leis aprovadas nesta Câmara, nomeadamente sobre a protecção à maternidade, paternidade e infância, que se revestem de uma importância extrema para o avanço da qualidade de vida do nosso povo e que são diplomas-chave no que diz respeito ao futuro da saúde no nosso país. Pensamos igualmente que é absolutamente urgente reorganizar os hospitais, em particular os hospitais distritais, munindo-os de meios que permitam fazer aquilo que é fundamental. E lembro aqui que a maioria dos hospitais distritais não tem nem pediatras nem obstetras que assegurem o serviço durante as 24 horas diárias semanais, o que leva a situações de tremenda gravidade.
Outro aspecto que achamos que é extremamente importante é o da criação e implementação de um serviço médico-hospitalar em tempo exclusivo, pois só assim se poderá vir a garantir uma melhor assistência nos hospitais. Entre as várias medidas que consideramos urgentes, posso ainda referir a criação de serviços de pediatria planeados para assistir crianças

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desde que nascem até à adolescência, pois, como sabe, no nosso país as crianças só são crianças até aos 7 anos de idade, mentalidade que tem de ser ultrapassada; a existência nos hospitais centrais de médicos treinados para apoiar os centros de saúde; a constituição de equipas itinerantes que vão aos centros de saúde dar apoio regularmente, no sentido de reciclar o pessoal médico; a implementação do apoio técnico aos centros de saúde; o desenvolvimento de uma melhor rede de transportes, em particular para os recém-nascidos; a prevenção da paralisia cerebral que no nosso país ainda é a causa de problemas terríveis; a implementação da alimentação materna; enfim, o cumprimento do programa nacional de vacinas e de um programa de prevenção do acidente.
Estes são todos aspectos que, ao fim e ao Cabo, furão da acção do Ministro da Saúde, dos departamentos que dele dependem, dos centros de saúde e dos profissionais de saúde implicados neste problema qualquer coisa de positivo para a saúde do nosso povo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, para que efeito deseja usar da palavra?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para interpelar a Mesa no sentido de saber se, depois da intervenção do Sr. Deputado Ferraz de Abreu, a Mesa, com toda a sua argúcia e conhecimento, não encontra uma figura regimental que me permita interpelá-lo sobre o alcance que ele atribui à recente decisão do Tribunal Constitucional no que respeita à última legislação sobre o Serviço Nacional de Saúde.
Se V. Ex.ª, Sr. Presidente, não encontrar nenhuma figura regimental ao abrigo da qual eu possa pôr a questão, lerei que me remeter ao silêncio, embora o lamente porque o Sr. Deputado Ferraz de Abreu introduziu elementos novos na discussão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é uma questão de argúcia, é uma questão de Regimento e nele não está prevista a intervenção que V. Ex.ª desejava fazer.
Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao orador seguinte, convoco para as 16 horas e 30 minutos uma conferência de líderes parlamentares, que será presidida por S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da República.
Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

Q Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Deputado Octávio Cunha, foi com bastante interesse que ouvi a sua intervenção, mas gostava de lhe dar mais umas «pinceladas».
É bom que esta Câmara tenha conhecimento da situação realmente catastrófica que se vive no campo da saúde.
Hoje em dia as crianças morrem novamente - e já tinham deixado de morrer- de «ataques de lua»! Repito, há crianças que morrem de «ataques de lua»!
No século XX, em Portugal, num país da Europa, ainda se morre de «ataques de lua»! E atrás do «ataque de lua» estão as diarreias, o sarampo, a difteria e a fome! Há crianças no nosso país que morrem de fome e isto é catastrófico!
Foi bom ouvirmos a intervenção do Sr. Deputado, mas pergunto: por que é que as crianças morrem de fome no nosso país? É só por não haver dinheiro?! Não!

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Deputado, não quero que V. Ex.ª ou a Câmara pense que estou a fazer blague com este assunto, e confesso a minha ignorância. Se fosse possível, eu gostaria que V. Ex.ª explicasse o que é o «ataque de lua», pois eu, francamente, não sei.

O Orador: - Ainda bem que o Sr. Deputado pergunta, mas isso é sinal de que V. Ex.ª não vive neste país, porque se vivesse neste país sabia que quando as criancinhas não vão ao médico nem têm outros cuidados de saúde e morrem a família diz que elas morreram de um «ataque de lua». É uma causa de morte neste país, mas o Sr. Deputado não tem conhecimento disso, e ainda bem.
Os «ataques de lua» são uma causa de morte neste país e são as crianças que não têm qualquer acompanhamento médico que são as suas vítimas. Quando o médico pergunta o que é que o menino teve, a família responde que foi um «ataque de lua», que morreu de um «ataque de lua».
É bom o Sr. Deputado perguntar, porque isto faz parte da realidade portuguesa. Essa pergunta foi muito bem posta. Muito obrigado, Sr. Deputado!
E diz o nosso ministro que temos médicos e enfermeiros a mais, que há hospitais a mais! Mas não há, Sr. Deputado, há para alguns, mas para outros não!
Há muitas crianças neste país que não têm acesso ao médico. Ainda ontem estive no Hospital de Évora - porque tive que acompanhar um doente - e vi crianças que se tinham deslocado de aldeias a mais de 50 km para ir ao médico, porque estavam com febre, porque tinham diarreia, porque estavam constipadas ou porque tinham outra doença. Aquelas crianças tinham percorrido mais de 50 km, e eu vi-as ontem! Ë esta situação catastrófica que existe no nosso país no campo da saúde.
Mas já houve tempo em que isto não foi assim, e a bancada em que o Sr. Deputado está sentado tem altas responsabilidades nesta situação. Foi um ministro dessa bancada que acabou com as valências de saúde infantil nos centros de saúde.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Isso é da responsabilidade dessa bancada e da bancada que está ao lado, a do PSD!
Foi a AD que acabou com a Lei do Serviço Nacional de Saúde, e agora pego nas palavras do Sr. Deputado do PS que disse que a questão da constitucionalidade não tinha razão de ser, que não fazia mal nenhum!
Sr. Deputado, é evidente que para este governo a lei não tem grande influência, porque ele vive sem lei, ou à margem da lei, não sei. No princípio desta legislatura apresentou um pedido de autorização legislativa para legislar sobre a Lei do Serviço Nacional de

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Saúde, mas acabou por o retirar, e, assim, parece-me que nesta altura vive sem lei.
A Lei do Serviço Nacional de Saúde rinha que ser regulamentada, como foi, mas a AD acabou também com essa regulamentação; hoje em dia falar nos centros de saúde e referir que foram criadas as valências não vale de nada, porque criaram-se valências, mas não se pôs médicos a funcionar nessas mesmas valências, e isso não resolve nada!
A vacinação continua hoje sem se fazer, porque não se vai às aldeias vacinar, e esta é que é a situação real do País.
Sr. Deputado Octávio Cunha, a pergunta que lhe quero fazer é esta: nesta altura não há no nosso país meios humanos e técnicos capazes de melhorar de forma significativa a saúde infantil?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha, para responder.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Deputado Vidigal Amaro, importa-se de repetir a parte final da questão que me colocou?

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Deputado Octávio Cunha, o que perguntei foi se, com os meios humanos e técnicos existentes e se houvesse vontade política, não se poderia melhorar significativamente o campo da saúde infantil no nosso país?

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Vidigal Amaro.
É evidente que para executar qualquer programa a nível nacional é necessário vontade política e é necessária também uma certa solidariedade nacional.
Acredito que os profissionais de saúde do meu país estão dispostos a trabalhar, mas é verdade que sei que eles não têm condições adequadas nos hospitais centrais. Acabei de dar o exemplo do hospital onde trabalho, que não possui uma única incubadora para tratar de crianças, apesar de lá se fazer ensino universitário!
É necessário um congregar de esforços de todos os técnicos, médicos e paramédicos para que as coisas avancem neste domínio. Mas para que as coisas avancem também é necessário produzir e ter mais dinheiro.
No entanto, creio que com os meios que temos - com o número de médicos e com os meios técnicos existentes, que são pobres - poderíamos fazer melhor e, portanto, trata-se também de uma questão de organização e de vontade política. Assim, esperamos, com certa ansiedade, que S. Ex.ª o Sr. Ministro da Saúde venha apresentar a esta Câmara aquilo que tem sido a sua actividade e aquilo que ele pretende fazer nos meses mais próximos, pois parece-nos que já tarda a discussão nesta Assembleia de um problema tão importante como este.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Octávio Cunha, ouvi atentamente a sua exposição, e estou de acordo com ela, como estou de acordo com a afirmação de que há despesas sumptuárias para mera propaganda política e governamental, esquecendo as necessidades básicas deste país.
O Serviço Nacional de Saúde previa uma acção que se coadunava com as necessidades do País. Porém, governos de triste memória e de que todos nós nos recordamos destruíram-no, mas acontece que existe agora uma decisão do Tribunal Constitucional que volta a trazer para a ordem do dia o Serviço Nacional de Saúde, facto que, como é evidente, a Ordem dos Médicos, através dos seus dirigentes elitistas, rapidamente passou a criticar.
A Ordem dos Médicos insurge-se contra o Serviço Nacional de Saúde, e o seu bastonário, ou um dos seus principais dirigentes, referiu, como dizia o ex-ministro da Saúde da AD, Luís Barbosa, que a saúde é para quem tiver dinheiro.
Sr. Deputado, três breves perguntas: como classificar o conceito de «saúde é para quem tiver dinheiro», que, na prática, tem sido seguido pelo actual governo?
O Sr. Deputado julga que existem ainda condições para se implementar o Serviço Nacional de Saúde no nosso país ou receia novos processos dilatórios para impedir um Serviço Nacional de Saúde em Portugal?
Finalmente, gostaria de saber se V. Ex.ª considera ou não que o Ministério da Educação nacional deveria ter um papel muito activo a desempenhar para que as crianças cresçam num ambiente mais sadio?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha para responder, se assim o desejar.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - É evidente que a saúde é para todos, porque a doença toca os ricos e os pobres, mas, infelizmente, mais os pobres, muito particularmente os grupos de alto risco - as crianças, as mulheres grávidas e os velhos-, e o profissional de saúde não vai inspeccionar a conta bancária do cidadão que a ele recorre antes de o tratar. E se o fizer terá, evidentemente, a minha condenação!
A saúde é para todos, e eu comecei por dizer aqui que um dos objectivos da Organização Mundial de Saúde é a saúde para todos no ano 2000. Parece-me que estamos muito longe disso, pois Portugal atingiu em 1974 aquilo que se convencionou chamar o «ponto de civilização» em termos de saúde, quando países da Europa Central o atingiram em 1951-1952. Ora, este atraso, de certo modo, agravou-se nos anos de 1982 e de 1983; vamos ainda ser vítimas das repercussões do atraso desses dois anos durante 1984 e 1985 - disso não tenho dúvidas nenhumas -, e, além disso, vejo com certa apreensão o aumento de certos índices no nosso país, sobretudo os de morbilidade, e não tanto os de mortalidade.
Pergunta-me ainda o Sr. Deputado se existem condições para implementar o Serviço Nacional de Saúde. O Serviço Nacional de Saúde foi sempre um problema extremamente polémico, visto muitas vezes de um modo extremamente emocional, e, passados vários anos sobre a aprovação da Lei do Serviço Nacional de Saúde, seria útil que o País e os deputados desta Assembleia pudessem de novo pronunciar-se sobre uma lei deste tipo para o nosso país e pudessem apresentar novas perspectivas, tendo em conta dados actuais sobre aquilo que deve ser um Serviço Nacional de Saúde neste país.

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Não me permito agora nem criticar nem apoiar de maneira formal a lei conhecida como «Lei Arnaut», pois creio que nesta altura, depois de tudo o que foi feito e dito, será necessário revermos ou mantermos as nossas posições face aos novos dados que existem.
É evidente que o Ministério da Educação tem um papel enorme no que diz respeito à prevenção da doença. Como se sabe, a nós, mais do que tratar, interessa-nos prevenir, e a prevenção da doença começa efectivamente na escola, começa nos programas de rádio e de televisão, e mais de uma vez temos visto que os meios de comunicação social se ocupam relativamente pouco e de maneira transitória com estes problemas. Aliás, até aqui no Plenário só se falou disto no dia 8, Dia Mundial da Saúde, e não se voltou a falar, nem se teria falado mais, com certeza, senão houvesse aqui este ripo de intervenções!
Penso que há uma grande responsabilidade a nível de ensino no que respeita ao ensino dos hábitos de higiene alimentar, etc., e no que respeita à informação. Mas aí, mais uma vez, chamo a atenção para os dois diplomas - sobre planeamento familiar e protecção à maternidade, paternidade e infância - que foram recentemente aprovados nesta Câmara e que, continuo a dizer, são dos maiores contributos que este Parlamento já deu ao País.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política tem a palavra o Sr. Deputado Bento da Cruz.

O Sr. Bento da Cruz (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No dia 27 de Fevereiro do ano em curso, uma delegação parlamentar visitou Montalegre. Dias depois, passando casualmente pela capital do Barroso, perguntei como havia corrido a visita.
Ninguém dera por ela. Um outro ouvira falar vagamente numa reunião havida na Câmara entre deputados, o presidente do Município, o presidente da Cooperativa Agrícola, o director dos Serviços da Direcção Regional de Trás-os-Montes, l ou 2 vereadores.
Lamentavam que a visita não tivesse sido anunciada com a devida antecedência, que para ela não tivessem sido convidados os lavradores. Depois, aproveitando a minha presença, os barrosões incumbiram-me de transmitir a este órgão de soberania um recado em duas palavras.
Primeira, agradecer à Assembleia da República e aos deputados visitadores o interesse manifestado pelo Barroso. Esperam que esse interesse não fique pelo passeio ...
Segunda, acrescentar algumas notas explicativas aos brindes urbanamente trocados entre os autarcas de Montalegre e os parlamentares de São Bento.
É o que passo a fazer, se VV. Ex.ªs me dão licença.
No aspecto físico, o concelho de Montalegre é um planalto, assente em 4 serras principais: Larouco ao norte, Cabreira ao sul, Alturas do Barroso a leste, Geres a poente.
Neste planalto nascem e ganham vulto 3 rios de primeira grandeza, além de vários outros de segunda.
São eles o Cávado, o Rabagão e o Bessa, águas das melhores trutas de Portugal.
Serras, rios, fauna e flora fazem do Barroso uma das mais belas regiões da Península. A má sina da terra fronteiriça condenou-o ao esquecimento. Sc alguma vez o Terreiro do Paço se lembrou do Barroso, foi para o espoliar.
Seria longo o rosário das espoliações. Ficar-me-ei per meia dúzia de avé-marias. Seja a primeira o roubo dos baldios.
Os baldios constituíam um dos principiais esteios da economia barrosã, essencialmente agro-pastoril. Neles se apascentavam, só no concelho de Montalegre, para cima de 200000 cabeças de gado caprino, à média de 1500 richelos por aldeia.
Vieram os serviços florestais, inundaram os montes de penisco, proibiram os rebanhos. Por outras palavras: levaram 40 % do rendimento familiar de cada lavrador sem lhe terem oferecido nada em troca.
Bem, em troca desfiguraram a paisagem! Em vez de carvalhos, castanheiros e bétulas, árvores indígenas, de uma beleza antiga, quase mística, mancharam o rosto das montanhas com nódoas de pinheiros enfezados, comidos da morrinha, de uma fealdade que repele os olhos.
Mas não é propriamente a beleza dos montes que preocupa os lavradores.
O que, desde há uns anos a esta parte, lhes faz perder o sono é o boicote sistemático feito pela Câmara, mancomunada com os Serviços Florestais, aos Decretos-Leis n.ºs 39/76 e 40/76 que mandam instituir os baldios aos povos, seus legítimos donos e usufrutuários desde há séculos. É a ameaça de que a administração dos baldios vai ser entregue às autarquias!
As 135 aldeias do concelho de Montalegre mandam perguntar a esta Câmara, ao Governo e ao País: afinal em que lei vivemos? Em teoria, prometem-nos reforço do poder local, regionalização administrativa e económica, melhoria de condições de vida das comunidades rurais e, na prática, roubam-nos bens que os nossos antepassados pacífica e proveitosamente administraram e usufruíram?!
A resposta, só pode ser uma: a restituição incondicional e definitiva dos baldios às aldeias.
O segundo mistério deste rosário de queixas barrosão relembra a malfadada Junta de Colonização Interna. Basta este nome Junta de Colonização- para concluir que o Terreiro do Paço de há 40 anos colocava os habitantes do Barroso em pé de igualdade com os indígenas das colónias e vá de estabelecer um colonato em pleno coração do Alto Barroso!
O processo foi o mesmo dos Serviços Florestais: roubo, à má cara, dos baldios aos povos.
Os barrosões não reclamam hoje a restituição destes baldios colonizados, por solidariedade com os colonos, a quem, desde o princípio, trataram como irmãos.
O que eles reclamam, no pressuposto de que os ventos da história mudaram de rumo, é que o Terreiro do Paço jamais decrete medidas deste teor, contrárias à vontade e aos direitos dos povos, sem primeiro os ouvir.
No caso vertente, se o Governo queria as terras cultivadas, mandasse-as arrotear às aldeias donas, que elas o fariam. O País passaria a dispor dos frutos que o colonato produz, sem a necessidade de desperdiçar as salomónicas quantias gastas na construção de novas aldeias, subsídios a colonos, compra de máquinas e alfaias, ordenados a um nunca mais acabar de técnicos, directores e subalternos.
A prova de que tudo isto foi um desperdício está no facto de muitos colonos, desiludidos, terem abandonado as terras e posto pés a caminho da emigração.

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Após a floresta e o colonato, veio a Hidro-Eléctrica do Cávado, hoje integrada na EDP, e expropriou, por critérios mais que duvidosos, o melhor das terras barrosãs ribeirinhas.
Nessa altura, prometeram-nos barragem de meia encosta para criação de novos lameiros, como alternativa aos submersos.
As 5 grandes albufeiras do Barroso - Salamonde, Venda Nova, Paradela, Pisões e Sezelhe- produzem energia há uns bons 30 anos. As tais albufeiras de meia encosta ou de regadio, ainda ninguém as viu!
Barragens, Serviços Florestais, Junta de Colonização Interna e consequentes dificuldades económicas atiraram com mais de dois terços dos Barrosões para as 7 partidas do Mundo.
Se as estatísticas não mentem, só no Estado de Massachussets, América do Norte, vivem actualmente mais barrosões do que no Barroso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o Governo não quer, a breve trecho, todo o Barroso de pouco (porque, em grande parte, já o está), tem de avançar algumas reformas agrárias inadiáveis. À cabeça de rol: o emparcelamento dos terrenos, condição sine quo non da sobrevivência da agricultura barrosã.
Sem dimensão adequada, impossível tirar rendimento das máquinas. Sem industrialização, impossível competir!
Os barrosões compreendem a dificuldade e o melindre desta medida. Por isso, enquanto ela não chega, pedem alguma protecção para os únicos 2 produtos que as magras terras do planalto produzem: a batata e o gado.
A batata de Montalegre, além da fama, lembra uma história de proveito e exemplo:
Durante a II Grande Guerra, os habitantes fornecedores de semente estrangeira a Portugal ficaram impossibilitados de o fazer. Então o Governo fomentou a cultura da batata no concelho de Montalegre, com particular incidência nas terras situadas a uma cota igual ou superior a 800 m de altitude.
Por dinheiro quem os poderá censurar por isso? -, mas também por patriotismo, os barrosões sacrificaram os lameiros, e as vacas que neles pastavam, a favor da batata.
Acabada a guerra, o Governo retomou a importação da estrangeira. E os barrosões, que tudo haviam sacrificado por amor da nacional, tomaram-se um joguete indefeso na mão dos importadores.
Desde então, o esquema tem sido mais ou menos este: um ano, vende-se bem a batata; nos 2 ou 3 anos seguintes, ninguém a procura.
Este ano foi um dos tais anos de vacas gordas: venderam a batata entre 20$ e 30$, preços nunca dantes atingidos. O diabo é que, pouco depois, apareceu no mercado a 50$ e 60$. Conclusão: ganha mais o intermediário, pelo facto de ter dinheiro, ou simplesmente crédito, do que o pobre lavrador todo o ano a mourejar nos campos ...
É realmente de um homem partir a enxada e abandonar a terra! ...
Para que tal não aconteça, os barrosões produtores de batata de semente reivindicam o seguinte: que, antes da campanha, lhes seja fixado um preço justo e garantido o escoamento da colheita; assistência técnica séria; linhas de crédito a juros compatíveis; que a Cooperativa Agrícola de Montalegre seja dotada com um fundo de maneio que lhe possibilite o pagamento da batata aos sócios no acto da entrega; que o Governo não autorize que se importem quantias de batata estrangeira superiores à diferença entre a produção nacional e as necessidades do País; que a Junta Nacional das Frutas, ou organismo afim, intervenha, directa e eficazmente no circuito comercial da batata, de molde a dele eliminar o intermediário açambarcador e sem escrúpulos, o qual, como este ano mais uma vez se provou, aufere lucros escandalosos à custa do suor dos lavradores.
Tudo coisas simples e justas, como vêem. fustas e necessárias, para que o planalto se não despovoe, planalto onde, através dos séculos, se foi depurando a raça de gado bovino mais bela do mundo. Cornos em lira, pelagem doirada, elegância de gazela. Uma legenda... Infelizmente, em vias de extinção...
Está em moda falar-se no levantamento e defesa do património nacional.
A raça bovina barrosã, única no mundo, faz parte desse património. Daqui lanço um apelo às entidades oficiais para a não deixarem extinguir.
Todos hoje choramos lágrimas de crocodilo sobre a extinção irremediável da cabra do Geres, também ela com características que a diferenciavam de qualquer outra cabra do globo.
Para que o mesmo não aconteça ao gado barrosão, 3 medidas urgentes se impõem, separadas ou em conjunto: uma reserva, instalada, por exemplo, na parte transmontana do Parque da Peneda-Gerês, onde passaria a ser mais uma atracção turística; preço especial para a vitela barrosã, uma vez que, no dizer dos entendidos, ela e, qualitativamente, a melhor da Europa; um subsídio aos criadores.
A este propósito, recordo a seguinte história: há uns 7 anos, apareceram no Baixo Barroso os senhores da pecuária a inscreverem num canhenho. pomposamente intitulado Livro Genealógico, as melhores cabeças de gado barrosão, pois que iam dar um subsídio por cria. Os lavradores ficaram entusiasmados ... Sol de pouca dura: o subsídio não passou de uma promessa ...
Sem subsídios nem protecção no mercado, ninguém pode levar a mal que os lavradores substituam o gado barrosão, ou português, como eles dizem, por raças mais corpolentas e de crescimento mais rápido. Peso, é dinheiro!
Mas a história é sempre a mesma: no gado, como na batata, o lucro vai todo para o intermediário.
Há mais de 50 anos que uma sociedade de marchantes detém o monopólio do comércio do gado do Barroso. Na falta de concorrentes, exploram u mina à vontade. Compram a olho e sempre com grandes margens de lucro. Um escândalo inacreditável às portas da CEE.
Também aqui se impõem duas ou três medidas urgentes: que o gado seja vendido a peso e a um preço justo, fixado com antecedência, para o agricultor saber aquilo com que pode contar; o encerramento dos 7 matadouros particulares a funcionar no concelho de Montalegre, por onde passa a maioria do contrabando de gado vindo de Espanha; a construção imediata do matadouro municipal, prometido há mais de 40 anos. O que existe, e os Srs. Deputados visitaram, e uma possilga imunda, do tempo dos afonsinhos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabo por onde principiei, pelo isolamento do Barroso, má sina de terra fronteiriça, isolamento que as projectadas via rápida

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Porto-Bragança, auto-estrada Porto-Braga-Valença, ligação Chaves-Porto pela estrada nacional n.º 311, vão agravar cada voz mais.
Do fundo desse isolamento, a voz dos barrosões cl::rr.n pela aberlura de uma fronteira em Sandim, porta liberta na muralha de 70 km de raia seca.
O Barroso e um planalto, já o disse. Solo magro, acidentado, difícil de trabalhar, clima impiedoso, os tais 9 meses de inverno e 3 de inferno».
O admirável poeta do Só desabafou um dia: «Que desgraça nascer em Portugal [...] Pior do que nascer em Portugal e ter nascido no Barroso: Triste da ave que nasce em fraca arriba [...]».
Vão para lá com essas! Os Barrosões orgulham-se da sua terra, amam-na e querem continuar a fecundá-la com o suor do seu rosto. O que eles não querem nem podem é continuar a ser os parentes pobres da agricultura nacional.
Por isso, pedem a esta Câmara que, à semelhança do que já se faz nos países da CEE, o Barroso seja considerado zona de montanha, pulmão da cidade e protegida como tal por leis específicas, uma das quais lhe confira o direito a uma indemnização compensatória anual.
Eis algumas das medidas mais urgentes a tomar, se não queremos que o Barroso se transforme em terra sem homens e os barrosões em homens sem terra e saudosos dela onde quer que estejam.
Em nome de todos os Barrosões, obrigado pela atenção prestada.

Aplausos do PS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para formularem pedidos de esclarecimento, ficam inscritos os Srs. Deputados Custódio Gingão, Álvaro Brasileiro, António Taborda, Pedro Silva e Abílio Guedes.
Para uma última declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Paulo.

O Sr. Pedro Paulo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Trago hoje a esta Câmara um pouco da nossa memória como nação livre, que nem sempre' e terá sido mas que sempre o quis ser.
Há 10 anos, por esta altura, os Açores estavam colocados na primeira linha da luta pela liberdade, que, na aurora revolucionária de 25 de Abril de 1974, havia de florir de esperança o coração dos Portugueses.
Os Açores desde muito cedo estiveram na vanguarda dos movimentos políticos e sociais fundamentais da nossa história. Assim foi na luta pela implantação do regime liberal, em que a participação dos açorianos foi decisiva para a vitória militar de D. Pedro IV sobre as tropas miguelistas estacionadas no Mindelo. Assim foi na luta pelas ideias republicanas, cujos principais paladinos foram os açorianos Teófilo Braga e Manuel de Arriaga, que de 1910 a 1915 presidiram a então jovem república, igualmente assim foi em 1931, através da revolta militar de oposição ao regime de Oliveira Salazar, e em 1960, com a obtenção pela oposição, no então distrito de Ponta Delgada, do segundo melhor resultado da oposição democrática em todo o País.
Outrossim, nos dias que imediatamente antecederam o dia 25 de Abril de 1974, os Açores foram palco de clandestina mas intensa actividade revolucionária, liderada por Vasco Lourenço, que para ía fora deportado depois do frustrado movimento de Infantaria 5, nas Caldas da Rainha, em 16 de Março, e por Melo Antunes, ligado aos Açores por laços familiares, que tão relevante papel teve na preparação do movimento militar vitorioso em 25 de Abril.
O nosso isolamento no meio do Atlântico, sendo a nossa fraqueza, é também a nossa força. Se é o isolamento que explica as nossas profundas insuficiências económicas e sociais, é também ele que reforça a nossa vontade de liberdade e a nossa ideia do progresso, em síntese, a nossa consciência nacional. Nós também somos Abril, pois Abril também para nós significa libertação do jugo fascista e reconhecimento do nosso direito histórico à autonomia político-administrativa, que esta Câmara patrioticamente soube compreender, aprovando em 1980, por unanimidade, o nosso estatuto de autonomia.
E é por isso, mas não apenas por isso, que eu, na qualidade de representante do povo açoriano, não podia deixar passar este momento sem manifestar perante esta Assembleia da República, espelho da liberdade e do pluralismo que a democracia encerra, o mais profundo empenho dos Açorianos na consolidação do regime democrático em Portugal.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento relativamente a esta intervenção, fica inscrito o Sr. Deputado César Oliveira.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar o período da ordem do dia, do qual consta a continuação da discussão e votação da proposta de lei n.º 55/III. Na última sessão o Sr. Deputado Sottomayor Cardia produziu uma intervenção sobre esta matéria, tendo-se inscrito nessa altura, a fim de formularem pedidos de esclarecimento a este Sr. Deputado, os Srs. Deputados Tose Magalhães e Lopes Cardoso e, para formular um protesto, o Sr. Deputado Lino Lima.
Para formular um pedido de esclarecimento, para o qual se inscreveu em tempo oportuno, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, já passaram alguns dias desde o momento em que produziu a sua intervenção. Em lodo o caso, mantém-se, reforçada pela sua leitura no Diário da Assembleia da República, a impressão que colhi quando produziu a intervenção perante o Plenário, pelo que passarei de imediato a descrever tal impressão.
Se estivéssemos perante um seminário, um foro científico ou uma assembleia de sábios que debatessem um tema como este que aqui está em discussão seria possível dizer que há algumas diferenças relevantes entre aquilo que definiu na sua intervenção e o texto que o Governo nos submeteu. Designadamente, encontrei na intervenção que produziu algum eco das preocupações que têm sido suscitadas durante este debate não só pela minha bancada, mas também pela opinião pública e por diversas forças democráticas.

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Acontece que esta proposta vem deste Governo e aparece nesta conjuntura política fundamentada nos termos em que aqui lamentavelmente nos foi apresentada por alguns membros do Governo. E existe um salto, um fosso, entre aquilo que enunciou e as possibilidades de concretização. A proposta surge-nos aqui - se esta a questão que neste momento gostaria de suscitar - enquadrada em pressupostos e para ser executada, com uma determinada mentalidade ou filosofia, por forças ou agentes que têm dado provas que merecem inquietação e preocupação da parte de todos os sectores democráticos.
Por isso, creio que vale a pena o Sr. Deputado confrontar aquilo que aqui exprimiu - e não sabemos como o vai concretizar durante o debate na especialidade - com as condições em que esta lei vai ser aplicada. Achamos que, nas condições ou nos termos indelimitados em que surge, existe um risco fortíssimo da sua perversão antidemocrática. E é em nome desse risco que respondemos negativamente a esta proposta.
Chamo-lhe a atenção para 3 questões. Em primeiro lugar, o Sr. Deputado conhece as dificuldades - também já aqui suscitadas - de conter a instrução e a investigação criminais que temos dentro dos limites impostos pela Constituição, ou seja, dentro do respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. O próprio Sr. Deputado Magalhães Mota teve ocasião de suscitar, tal como a nossa bancada, estas dificuldades. Não acha o Sr. Deputado que esta nova estrutura ainda é mais susceptível de perversão e de desvios do que os mecanismos que já são tão difíceis de controlar?
Por outro lado, existem entre nós corpos policiais cujos estatutos nem sequer estão claramente definidos, como acontece, por exemplo, com o COE. E, neste campo, os inconvenientes do secretismo são patentes. Tal qual esta proposta surge delimitada, as suas estruturas caracterizam-se precisamente pelo secretismo. Não acha o Sr. Deputado que, em matéria de serviços de informações, tal secretismo possui potencialidades antidemocráticas e perigos que não podem ser subestimados?
Por último, o Sr. Deputado Sottomayor Cardia referiu na sua intervenção, com ar perfeitamente normal: «continua sob escuta telefónica». Sr. Deputado, existem relatórios oficiais sobre escutas telefónicas e medidas que foram recomendadas e que, pelos vistos, a atermo-nos à sua intervenção, não foram aplicadas. Não acha que, nas condições aqui propostas, a criação dos serviços provoca riscos acrescidos de intervenções indébitas nesta esfera? Como é que o Sr. Deputado encara a anunciada, e não desmentida, lei sobre segurança interna, em que, de forma absolutamente inconstitucional, insólita e particularmente chocante, e anunciada a abertura de possibilidades de intercepção de comunicações e de buscas em condições que são absolutamente vedadas pela nossa Constituição? Como é que foi possível que circulassem na própria Administração Pública e na Mesa do Conselho de Ministros propostas tão concebidamente inconstitucionais e violadoras do que é mais elementar, até na própria sensibilidade democrática, que está profundamente enraizada entre nós?
Em conclusão, para além das questões que lhe coloquei e, em particular, das relacionadas com esta absurda e chocante legislação sobre segurança interna.
não acha o Sr. Deputado Sottomayor Cardia que, nas condições em que nos vem proposta, a criação dos serviços é potenciadora de riscos que já existem na nossa sociedade e que vem criar novos riscos para os quais o regime democrático não está nem armado nem defendido? Não considera isto muito preocupante para a própria evolução e trajectória do regime que possuímos e que desejamos conservar?

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, salvo erro, a sua intervenção tem o mesmo alcance que, embora mais desenvolvidamente, teve a do Sr. Deputado Carlos Brito. E já respondi ao Sr. Deputado Carlos Brito...

O Sr. José Magalhães (PCP): - A esta, Sr. Deputado?

O Orador: - ... pelo que, quanto à parte inicial das suas considerações, dou por reproduzida a resposta que dei ao Sr. Deputado Carlos Brito em relação às questões que o Sr. Deputado José Magalhães agora me colocou.
No entanto, o Sr. Deputado afirmou que a mentalidade, as forças e os agentes que estão a ser preparados para actuarem na concretização destes serviços merecem inquietação. Ora, o que se me afigura relevante é que VV. Ex.ªs demonstrem que de facto a mentalidade, as forças e os agentes não são consentâneas com a democracia. A minha intervenção referiu-se a aspectos relativos à finalidade dos serviços. Não é razoável que, de uma formulação diferente que apresento quanto à finalidade dos serviços, se deduza que esteja apreensivo com a mentalidade subjacente à proposta, com as forças que eventualmente a apoiem ou com os agentes que a irão executar. Até agora, os Srs. Deputados não fizeram a prova de que tal mentalidade, tais forças e tais agentes são antidemocráticos. Aí reside o problema.
Por isso, se me permite, devolvo-lhe a questão para que os Srs. Deputados me respondam na altura própria, dizendo-me documentadamente porque é que a mentalidade, as forças e os agentes são merecedores de desconfiança.
Relativamente às questões sobre investigação criminal que me colocou, devo dizer-lhe sinceramente que não possuo formação para responder convenientemente a tais questões, uma vez que não sou jurista e não conheço esta matéria. Admita-me pois esta confissão de ignorância.
Quanto à questão das escutas telefónicas, estou convicto de que elas existem. Mas se V. Ex.ª coloca o problema talvez seja conveniente fazer um inquérito parlamentar sobre as escutas telefónicas. Não me parece que se deva fazer senão isso nesta Assembleia.
Quanto à última questão que me colocou sobre a Lei da Segurança Interna, não conheço tal lei. E tenho a experiência suficiente para saber que não devemos avaliar pelos jornais aquilo que estará a ser estudado nos órgãos de soberania. Se surgir alguma proposta de Lei de Segurança Interna que mereça a minha desaprovação, di-lo-ei na oportunidade própria.

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O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, permita-me que comece por lhe dizer que estou sem dúvida de acordo com 90 % da sua intervenção, para não dizer que estou totalmente de acordo com ela. O Sr. Deputado suscitou algumas interrogações em relação à proposta que nos foi reme toda pelo Governo e, nomeadamente, abordou a necessidade de serem apreciadas certas questões na discussão na especialidade.
Referiu-se, entre outros, ao problema da regulamentação da lei que cria o Serviço de Informações, designadamente no que se refere à estrutura, organização e funcionamento desse Serviço. Pareceu-me que se contentaria - passe a expressão - se essa regulamentação assumisse a forma de decreto-lei, de modo a permitir que esta Assembleia viesse a exigir a sua ratificação.
A primeva questão que lhe coloco é se o Sr. Deputado não considera que seria bastante preferível, dadas as limitações que na prática o instituto da ratificação sempre comporta, que o Governo assumisse a decisão de apresentar uma proposta de lei sobre organização e funcionamento dos Serviços de informações a esta Assembleia que fosse debatida em toda a sua extensão, pela importância que essa organização e estrutura representa, porque, no fundo, ela condicionará largamente o uso que possa vir a ser feito desse Serviço de Informações.
Outros 2 aspectos - que, se porventura não é falha minha, o Sr. Deputado não referiu, mas que deveriam ser também, na minha opinião, objecto de ponderação e de alteração na discussão na especialidade - são os que dizem respeito à ligação entre o Serviço de Informações e os agentes com funções judiciais e policiais, que me parece maltratada na proposta de lei, e à fiscalização do funcionamento do Serviço de Informações, que, tal como vem esboçada na proposta de lei, me parece não passar de um falso controle por esta Assembleia, não havendo na prática qualquer fiscalização, mas apenas uma aparência de fiscalização. Este último aspecto constitui um dos pontos da proposta de lei que deverá ser alterado, de modo a conferir um mínimo de consistência ao poder fiscalizador do Parlamento em relação ao funcionamento dos serviços de informações.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, congratulo-me com a concordância de V. Ex.ª em relação à minha intervenção e desejo responder muito sucintamente às questões que me colocou.
Quanto à primeira questão - regulamentação por decreto-lei ou por lei -, afigura-se-me realista que seja por decreto-lei. Parece-me que seria inconveniente, irrealista e moroso que fosse por lei. Não se me afigura que existam os perigos que foram admitidos. Se for caso disso, poder-se-á pedir uma ratificação, com um mecanismo de urgência, e far-se-ão as alterações que forem consideradas oportunas. Parece-me que seria irrealista realizar tal regulamentação por lei. Sei que essa é a opinião do Sr. Deputado Lopes Cardoso -li atentamente a sua intervenção, da qual constava esse aspecto -, mas não estou de acordo consigo quanto a este ponto.
Relativamente às outras questões que me colocou, dou-lhe a resposta que já dei ao Sr. Deputado Luís Beiroco. É que, na minha intervenção, não contemplei os aspectos orgânicos.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, é para formular um protesto, dado que é a figura regimental que posso utilizar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - De facto, a figura regimental que usarei é a do protesto, mas peço ao Sr. Deputado Sottomayor Cardia que o entenda.
Sr. Deputado, exactamente porque não contemplou esses aspectos na sua intervenção é que eu me permiti pedir um esclarecimento suplementar. Se os tivesse contemplado, com certeza que da forma sempre extremamente clara e transparente das suas intervenções, eu teria ficado perfeitamente elucidado e não teria necessidade de lhe colocar o pedido de esclarecimento complementar. Foi, portanto, porque V. Ex.ª não os abordou que eu lhe pedi que me esclarecesse sobre a sua posição em relação a estes 2 pontos.
Se o Sr. Deputado entende que não é oportuno fazê-lo, é a sua opinião e eu não tenho nada que me pronunciar sobre ela.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, V. Ex.ª tomará o meu contraprotesto nos mesmos termos em que eu tomei o seu protesto.
De facto, o que eu lhe quero dizer, repetindo aliás o que já disse na parte anterior deste debate, ou seja, aqui há 10 ou 15 anos, é que a minha intervenção excedeu o tempo que eslava previsto e não me parece que em relação a uma intervenção sobre determinada matéria seja razoável pedir ao interveniente esclarecimentos sobre uma matéria que, embora relacionada, é outra. De resto, eu não estou a encerrar o debate. E para isso que me permito chamar a atenção do Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Estava seguidamente inscrito para um protesto o Sr. Deputado Lino Lima, mas uma vez que não se encontra no hemiciclo, dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No princípio tudo parece límpido, transparente.
A democracia, por muito jovem que seja, é geradora de esperança e retira a sua força da confiança que tem no homem. A democracia acredita, partilha, dá

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e quando está no poder admite que possa deixai de o exercer porque aceita a vontade expressa da maioria.
A democracia e liberta e libertadora. Nos tempos de hoje a democracia é em si o milagre, mas só e fazedora dos milagres que a vontade dos homens quiser.
A democracia é forte e frágil simultaneamente, mas será tanto mais frágil quanto o sejam as infra--estruturas culturais e sociais do País.
Para sobreviver e se solidificar a democracia necessita de saber utilizar a autoridade não o autoritarismo e através do exemplo em particular dos dirigentes políticos fazer crescer o respeito que os homens devem a si próprios, condição primeira para poderem respeitar os outros os direitos dos outros os nossos deveres.
A democracia dissolve-se sempre que necessita de utilizar a força para se afirmar. A única força permitida à democracia é o diálogo.
Coisas distintas autoridade e força. A primeira nascida da razão, a segunda do desespero e da prepotência.
Porque a democracia é frágil está sujeita diariamente a ser subvertida pelos seus inimigos, pelos grupos organizados - uns revestidos de uma camada de verniz fresco que lhes dá um aparente aspecto de respeitabilidade, outros vestidos à pressa de fato-macaco comprado de novo.
Para liquidarem a democracia uns e outros usem a linguagem da própria democracia.
Conhecedores dos seus pontos fracos, atingem-na com facilidade explorando as tensões sociais e as necessárias contradições que se estabelecem em qualquer sociedade democrática, recorrendo ao suborno, à corrupção, à intriga. Utilizando a violência das armas ou a violência da exploração, ou das duas simultaneamente, uns e outros trabalham com um objectivo único: liquidar a democracia.
Ambos tem a nossa condenação.
Sendo o Estado Português responsável pela segurança dos cidadãos, compete ao Governo evitar essa doenças sociais que são, entre outras, o terrorismo e o golpe de listado. Mas que não se confunda terrorismo, esse condenável, com a agitação social dos que lutam por direitos constitucionalmente estabelecidos. E porque não confundimos as duas coisas, não admitimos e abrimos aqui um parêntesis, não admitimos a repressão cega que sobre os últimos por vezes tem caído nos tempos mais recentes. Compete, pois, ao Governo saber distinguir entre terrorismo ou sabotagem das instituições democráticas e lutas sociais, mesmo quando estas não se inscrevem num quadro legal nítido. Não pode confundir-se quem trabalha na sombra para liquidar a democracia com quem luta à luz do sol pela garantia dos seus direitos conquistados, pela sua sobrevivência digna.
Disse neste Assembleia o Sr. Ministro da Administração Interna que 1984 seria um ano em que se poderia verificar uma multiplicação de actos terroristas. É possível. Não faltarão neste país pessoas dispostas a isso, até porque o regime nascido em 1974 sempre foi tolerante. As nossas prisões ao contrário de se encherem esvaziaram-se rapidamente de todos aqueles que de um ponto de vista legal e moral talvez lá devessem permanecer. A verdade é que o antigo regime só foi julgado na consciência dos homens livres. Por isso eles perdoaram, embora não tenham esquecido.
Mas não faltarão, dizia eu, indivíduos ou organizações interessadas em minar o longo trabalho de diálogo e tolerância desenvolvido desde 1974 em Portugal.
Por outro lado. a outro nível, o Estado Português tem responsabilidades internacionais que tem de assumir.
Parece não restarem dúvidas de que o nosso país e tornou o campo preferido de grupos terroristas e agitadores internacionais, que, aproveitando as condições óptimas de impunidade que lhes são oferecidas, transitam, estacionam, intrigam e se organizam no sentido de liquidarem em particular o que resta de democrático, particularmente nos países africanos e da América Latina.
Parece-nos, pois, ingenuidade manter-se a porta aberta a todo o tipo de actividades ilegais que vão contra os interesses nacionais e que fazem perder a respeitabilidade que devemos merecer de países amigos.
É necessário controlar, travar e fazer desaparecer dentro do possível tal tipo de actividades.
Para atingir esse objectivo evidentemente não será nunca aceitável que se crie uma polícia política. É sem dúvida necessário criar um serviço de informação digno, dignificado e controlado pelo poder democrático Pensamos também que será errado e demagógico dizer-se que tal serviço de informação não é mais do que uma nova polícia política.
Srs. Deputado -, não somos tão ingénuos que não saibamos que mesmo a um nível bem mais pequeno se criam serviços de informação. Por que impedir então o Estado de organizar um serviço de informações que garanta os direitos dos cidadãos portugueses e a democracia?
Talvez seja necessário, mais uma vez, que dentro de cada um de nós se liquidem os fantasmas da polícia política. Liquidar fantasmas não é esquecer os crimes cometidos, que todos conhecemos e condenamos. Liquidar fantasmas é sobretudo procurar novas formas de relacionamento entre os cidadãos do nosso país, é tentar criar uma consciência nacional colectiva que retire de si própria a força para lutar contra a desagregação das ideias e da vida económica e social portuguesa. C criar cultura Ë reaprender ou aprender uma solidariedade nacional nunca encontrada ou há muito tempo esquecida.
Voltando mais concretamente ao problema que hoje aqui está em discussão, diríamos ainda que, ao contrário de alguns, nós não temos dúvidas que o Primeiro-Ministro de hoje é um homem que sempre lutou pela democracia. Não está em causa discutir-se se estamos ou não de acordo com as suas actuais opções políticas. Estamos convictos que o actual Primeiro-Ministro nunca apoiará premeditadamente soluções que visem liquidar as liberdades conquistadas em Portugal. E talvez para muitos, paradoxalmente, é por isso mesmo que vemos com preocupação o aparecimento da presente proposta de lei.
E que partindo dos pressupostos anteriores, somos obrigados a constatar que com esta proposta, se aprovada sem as modificações avançadas pela UEDS, se arrisca o Primeiro-Ministro a ser a primeira vítima, quem sabe o primeiro preso ou o primeiro exilado amanhã.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recusaremos sempre frontalmente o sectarismo e a demagogia quando defendemos os nossos princípios. Serviços de informação existem em todos os países, sobretudo nos de regime

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democrático, já que nos outros, nos de regime totalitário, existem, aí sim. polícias políticas.
Mas o que esta proposta de lei nos traz, e e isso que não queremos, e que deixa em aberto a possibilidade de criação de uma nova fonte de poder que não seja adequadamente controlada pelos cidadãos e pelas instituições democráticas nascidas de eleições livres.
C uma proposta mal definida, o que sobre matéria tão grave não é aceitável Amanhã poderá ser a arma «legal» que Torças antidemocráticas apontarão às ideias livres de pessoas livres.
A experiência que nos vem da história dos povos mostra que um serviço de informações, se não devidamente controlado e definido o seu âmbito de acção, rapidamente se auto-organiza para servir interesses obseuros, para se transformar em poder paralelo bem maior que o poder democrático que o fez nascer.
Esta proposta de lei. tal como nos aparece, não poderá ter a nossa aprovação, li que em democracia os governos mudam, as polícias vão ficando e, feitas as contas, são mais as vezes em que as polícias mudam os governos que as vezes que os governos mudam as polícias.

Aplausos da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Luís Beiroco, a quem concedo de imediato a palavra.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Octávio Cunha, tenho de pedir-lhe desculpa por duas vezes na mesma reunião o interpelar, o que não me é imputável, mas sim à sua grande participação nos trabalhos desta Câmara.
O Sr. Deputado Octávio Cunha reconheceu na sua intervenção várias coisas: reconheceu que a democracia, como qualquer regime político, tinha o direito e até o dever de se defender - a democracia ate mais do que qualquer regime político, visto que e ela quem dá a possibilidade a toda a gente de livremente a poderem combater, o que muitos outros não dão; reconheceu ainda que a autoridade se devia defender, mas que a autoridade não tinha nada a ver com a força - em seu entender a autoridade derivava da razão: aceitou que era necessário criar um serviço de informações e no entanto disse que o seu partido não poderia votar este serviço de informações por vícios que no seu entender constavam da presente proposta de lei.
Penso que, num debate na generalidade, não e fácil analisarmos em pormenor todas as implicações de uma proposta de lei como esta que está a ser presente e, portanto, a questão que lhe quero colocar é a de saber se no fundo a votação na generalidade deste diploma não tem sobretudo a ver com a necessidade, que todos sentimos, da criação de um sistema de informações em Portugal, sem prejuízo de, na especialidade, todos nós procurarmos colaborar para aperfeiçoar substancialmente esta proposta de lei e, portanto, de criarmos um serviço de informações que seja compatível com a defesa dos direitos, liberdades e garantias que todos professamos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Deputado Luís Beiroco, agradecendo-lhe as questões que me colocou, começo por esclarecer que de facto na minha intervenção disse que o meu partido não poderia apoiar, mas não disse como e que irá votar. Veremos isso no decorrer da discussão, que ainda agora vai no começo.
Se realmente surgirem garantias de que as propostas de alteração que o nosso partido apresentou, para que esta proposta de lei apresente como mais razoável a nossos olhos, com certeza que na altura da votação exprimiremos a nossa vontade efectiva de na especialidade o completarmos de maneira a que ele possa ser um instrumento legal de protecção da democracia e não qualquer coisa que possa virar-se contra os direitos, liberdades e garantias já adquiridos pelos cidadãos portugueses.
Tal como nos foi presente, este diploma deixa-nos muitas dúvidas e, evidentemente, se se mantiver tal como está, não terá a nossa aprovação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Deputado Octávio Cunha, devo dizer que concordo quase integralmente com a sua intervenção, nomeadamente com a forma lúcida como analisou a situação e a necessidade de criação de serviços de informação.
No entanto, na parte final da sua intervenção há um aspecto que não ficou claro. O Sr. Deputado fez um elogio ao actual Primeiro-Ministro, dizendo que enquanto ele for Primeiro-Ministro ou como ele qualquer antifascista de longa data não haverá problemas, que no entanto poderiam surgir caso a normal alternância em regime democrático viesse a colocar (o que é normal em democracia) outro Primeiro-Ministro em Portugal.
Ora, eu entendo que a força do regime democrático, a sua vitalidade, advém da vitalidade das instituições democráticas e do sistema de democracia representativa, o que obviamente implica a alternância em regime democrático que é ditada pela vontade dos votos.
Daí que eu não esteja a ver muito bem as suas objecções e são essas que eu lhe peço que explicite. Isto e, como e que se pode encarar essa alternância como alternância de regime?
De facto, em democracia a alternância e normal, porque não é alternância de regime mas sim alternância que advém da vontade popular, o que inclusivamente e fundamental ao reforço do próprio regime democrático. Portanto, não estou a ver como e que numa legislação que está a ser feita para funcionar em regime democrático se poderiam introduzir limitações ou alterações que funcionassem de uma maneira ou de outra conforme o partido político ou o Primeiro-Ministro que estivesse em exercício de funções. É esta dúvida que o Sr. Deputado manifestou que eu gostaria de ver esclarecida.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Deputado Acácio Barreiros, o Sr. Primeiro-Ministro não precisa dos meus elogios; a sua vida fala por ele. Eu apenas constato o que foi no passado e certamente no presente - a posição do Sr. Primeiro-Ministro face às liberdade dos homens.

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O que eu disse é que o Sr. Primeiro-Ministro poderia ser amanhã, dia 17, com o Serviço de Informações criado, a primeira vítima, a ser o primeiro Primeiro-Ministro preso, pelos seus próprios serviços. Isto é o que habitualmente acontece, ou seja, o desenvolvimento em regime democrático de forças ligadas aos serviços de informação que podem ir tão longe, se não forem controladas -a Itália é um exemplo-, que levem a que quem estiver no poder seja a primeira vítima daquilo que criaram para manter a democracia.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Octávio Cunha, é já corrente a ideia de apreciação à sua intervenção. Eu também comungo dessa atitude de espírito, pelo menos na sua maioria quantitativa. Penso que a parte que suscita alguma reserva é, no cômputo global da intervenção, relativamente escassa, mesmo no plano quantitativo.
Também eu, à semelhança do que um orador antecedente acaba de expressar, esperava - pelo ritmo da sua intervenção e pelo teor da sua argumentação - uma conclusão diferente, no sentido de, dada a necessidade de dotar o País, o Estado e o poder democrático de um serviço de informações, haver total disponibilidade para aprovar na generalidade uma lei - porque de generalidade se trata -, reservando-nos naturalmente a tomar uma atitude adequada na discussão na especialidade. Parece-me que não é possível nesta fase.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Penso que isso será fazer um paralelo entre uma proposta ou um projecto de lei que é discutido na generalidade e a sopa da pedra e não propriamente a pedra da sopa. Quando aprovamos um diploma na generalidade, não estamos a aprovar a pedra que irá depois dar o caldo consoante os ingredientes que iremos adicionar. Estamos a aprovar algo mais do que uma pedra. Portanto, não 6 pelo facto de considerar necessário um serviço de informações que vamos aprovar qualquer lei que na generalidade diga que é criado o serviço de informações.

O Orador: - Salvo melhor entendimento, há na comparação com a sopa da pedra um certo salto lógico. Na verdade, quando fazemos a sopa da pedra já sabemos que primeiro metemos a pedra e só depois os ingredientes. Ora, parece-me que aqui é ligeiramente diferente, pois há a constatação de um certo vazio do Estado democrático no sentido de dotar o País e o poder democrático de uma lei de segurança. Esta é que e a grande questão que neste momento está em causa, esta é que é a pedra que está em causa. Depois virá o problema da especialidade a seu tempo.
Dizia eu que tinha concordado com a intervenção do Sr. Deputado Octávio Cunha, pelo menos na sua maioria quantitativa. Tenho, no entanto, algumas reservas. Confesso, aliás, que o Sr. Deputado já nos acostumou - com algum brilho - a vê-lo defender ideias que raiam um certo «utopismo». Penso que na sua intervenção há ideias que emergem desta atitude.
Não compreendo que seja possível a existência de autoridade - que é precisa, que é uma nota essencial ao poder democrático- sem força. Não compreendo como a autoridade possa prescindir da força, pois num Estado de direito a força é uma componente essencial do direito. Tem de haver força, sob pena de o direito não ser direito, mas sim qualquer utopia, um idílio, enfim, acreditarmos que vivemos numa sociedade de anjos, fechando os olhos à conflitualidade real das pessoas.
Dizem os sociólogos -e eu propendo um pouco a acreditar que sempre que se acredita à partida em modelos de não conflito, sempre que se aceitam modelos de consenso, normalmente acabam por se introduzir modelos verdadeiramente ditatoriais. Esta é, como o Sr. Deputado sabe, a tese do sociólogo Ralf Dahrendorf, nosso contemporâneo agora muito em moda, segundo o qual é mais realista abrir-mo-nos aos conflitos e aceitá-los do que pressupor uma sociedade de consenso.
A pergunta que lhe quero fazer relaciona-se com o facto de o Sr. Deputado dizer que a experiência ensina-nos que os Estados democráticos acabam por ser ultrapassados - peço desculpa pela incorrecção da citação e podem ser subvertidos pela existência de um sistema de informações. O Sr. Deputado baseou esta afirmação na experiência.
Ora, peco-lhe que explicite um pouco melhor esta afirmação, pois tenho para mim que certo tipo de serviços de informações são próprios de Estados totalitários, mas não me parece que Estados democráticos consistentes, armados de efectivos serviços de informações - que implicam necessariamente, não tenhamos medo de dizê-lo, algumas limitações aos direitos fundamentais corram esse perigo. A simples convivência também implica sacrifícios para a integridade total dos nossos direitos.
Aqui fica, portanto, a minha pergunta: quais os casos que lhe permitem fazer essa afirmação generalizada, segundo a qual os Estados democráticos têm acabado - como ensina a experiência - por ser subvertidos pela acção dos serviços de informações?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, quanto à caracterização que fez das minhas intervenções, creio que quando o homem perder a capacidade de imaginar e uma certa capacidade de utopia, o melhor será ir «dar uma volta». Mesmo nesta casa, onde se tratam problemas concretos, não ficará mal a ninguém ter a certeza de vez em quando que é possível, apesar de tudo. Ora, essa certeza eu ainda não a perdi e, como tal, continuarei no seu dizer - a ser utópico e talvez um pouco fora do tempo. Mas eu sou assim ...
Relativamente à necessidade da força, é evidente que ela é necessária. Mas tora de ser uma força que não vem seguramente do cassetete nem da mentira. O Sr. Deputado sabe muito bem que essa é muitas vezes a força que e utilizada mesmo dentro do regime democrático, que a dado passo já não a controla.

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A este propósito, aliás, nós tivemos nesta Assembleia - e o meu partido era nessa altura o partido interpelante- uma discussão acesa, há cerca de 2 anos, sobre algo que foi dito, mas que não aconteceu, ou seja, que o País teria estado à beira de uma guerra civil quando nada acontecia. O Sr. Deputado tem conhecimento desse problema. Portanto, estes serviços nada têm que ver com o Estado e eu acredito que ate era democrático -, pois criam a suspeita de que qualquer coisa está a acontecer e de que há clima para que qualquer coisa aconteça. Ê disso que eu tenho receio.
Aliás, isto aconteceu em Itália e, mais recentemente, sucedeu com os serviços secretos alemães, que deixaram entender que um general - de que não me recordo o nome - era homossexual, para o retirarem do posto que ocupava, quando tudo não passou de um golpe montado.
Estes são pequenos exemplos, mas são exemplos do quotidiano que, mais uma vez, tornam real a nossa preocupação em relação à existência de um serviço de informações e que nós, que aqui o vamos votar, não sabemos o que poderá ser. Quando eu voto nesta Assembleia um diploma, faço-o com o sentido da responsabilidade que esse diploma implica. Quando votámos um diploma que torna lícita a interrupção da gravidez, tive a consciência de assumir uma grande responsabilidade. Tive aqui possibilidade de dizer que o fizemos com muitas dúvidas no espírito, mas que o assumíamos porque estávamos e estamos convictos de que era justo fazê-lo. Ora, quando hoje digo que votarei a favor de um serviço de informações, quero estar convicto de que esse serviço não se irá voltar amanhã contra o Sr. Deputado, contra mim ou contra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Octávio Cunha, o meu protesto e formal, no sentido de que é uma fórmula para usar da palavra.
O Sr. Deputado tem o direito - e mesmo o dever - de cultivar os valores da utopia. Mal de nós e das sociedades quando deixarmos de sacrificar algo à utopia. Seria o sinal de que nos conformaríamos com a paz dos cemitérios.
Mas parece-me que não é possível levar essa utopia a certas zonas, como o Sr. Deputado acaba no fundo por concluir. Refiro-me à contraposição que fez entre autoridade e força. Acabo por concluir que o Sr. Deputado entende que já não se trata de uma antinomia, mas pelo contrário de uma certa associação moderada e equilibrada. Também eu assim penso e, portanto, alguma razão teve a minha intervenção.
Quanto à resposta do Sr. Deputado, V. Ex.ª avançou com alguns exemplos do perigo de certas mentiras e certo tipo de calúnias criarem uma dinâmica própria, de bola de neve, a ponto de se tornarem praticamente imparáveis no sacrifício de direitos fundamentais. Disse o Sr. Deputado há pouco que o serviço de informações tinha esmagado alguns sistemas democráticos, mas agora referiu apenas alguns casos pessoais, designadamente o caso de um general alemão. Também aqui houve uma certa correcção.
Eu penso que há mais perigo de os direitos dos cidadãos serem sacrificados por bolas de neve formadas por calúnias, por estigmas e por manchas que se lançam num estado que não tenha modelos racionalizados de informação e que não tenha pontos de referência fixos e democraticamente legitimados do que havendo-os. Na verdade, na confusão total, no carácter desorganizado da própria sociedade e do próprio poder o «diz-se», sem capacidade de controle e sem sistemas de referência nas mãos do Estado democrático, parece-me muito mais perigoso. Talvez a história recente legitime mais este tipo de receios. Quando não há qualquer sistema de segurança que, no fundo, são sistemas de autodefesa da democracia -, então sim, os direitos dos cidadãos são mais ameaçados.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, a calúnia é sempre grave e leva a situações por vezes extremamente delicadas e perigosas. Mas, mais que a calúnia, a nível do Estado, é o complot organizado. O complot organizado muitas vezes nasce desses serviços de informação, que são um contrapoder antidemocrático dentro do poder democrático. É esse que me preocupa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos fazer agora o nosso intervalo regimental. Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.

Está inscrito para uma intervenção o Sr. Deputado João Amaral.
Como o Sr. Deputado não se encontra no Plenário, peço ao Grupo Parlamentar do PCP que resolva esta situação.

Pausa.

Chamo a atenção da Câmara para o facto de estarmos a acelerar os trabalhos. Pelas inscrições que temos, vamos acabar a sessão muito tarde. Por isso, peco-vos um esforço para tentarmos acabar os trabalhos em tempo útil.
Sr. Deputado João Amaral, penso que o Governo ainda não está representado, mas talvez V. Ex.ª, se assim o entender, possa começar a sua intervenção.
Como me parece que acham ser melhor aguardar algum tempo para que o Governo se faça representar, vamos esperar uns momentos.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
Neste momento tomavam parte na bancada do Governo o Sr. Ministro da Justiça (Ruí Macheie) e o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Vitorino).

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Decorre-

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ram já largas semanas desde que se iniciou o debate na generalidade da proposta de lei n.º 55/III.
Tal facto retirou naturalmente sequência ao debate. Mas tem uma vantagem: permite hoje, de fornia desapaixonada, fazer uma apreciação crítica do que foi dito, tornando mais claro o que pretende o Governo, qual o conteúdo real da proposta de lei e como o aprecia e vê este Parlamento e a opinião pública.
Através da intervenção do meu camarada Lino Lima, o Grupo Parlamentar do PCP deixou claras as suas profundas críticas e reservas à proposta de lei n.º 55/III.
Apontámos os erros de concepção, alertámos para os perigos, demonstrámos o paralelo com a dramática experiência histórica que o povo português viveu com a PI DE/DGS, evidenciámos os potenciais desvios antidemocráticos, situámos a presente iniciativa no quadro da acção repressiva que o Governo vem desenvolvendo sobre o movimento operário, sobre o movimento sindical, sobre os que, no uso dos seus direitos constitucionais e legais, criticam a política governamental.
O debate confirmou todas essas prevenções, reservas e críticas.
É possível confirmar 5 evidências a partir do debate:

1.º Que são falsos os pressupostos com que o Governo tentou enformar a necessidade de criação destes serviços, particularmente que é falso que eles se relacionem com o combate à criminalidade e ao seu aumento, problema que afecta e preocupa os Portugueses;
2.º Que é, assim, falso que as razões da invocada urgência para a discussão da proposta tenham aí na criminalidade a sua matriz, devendo antes buscar-se noutras zonas, particularmente nos interesses próprios do Governo;
3.º Que nada pode justificar o facto de a proposta de lei ser discutida separadamente das propostas de lei sobre segurança interna, sobre protecção de dados e outras propostas com esta intimamente conexionadas;
4.º Que a proposta se apresenta imaturamente discutida, com leituras contraditórias (no seio do próprio Governo e da própria maioria) sobre o seu real alcance e contornos;
5.º Que a proposta não satisfaz ninguém, que na definição dos objectivos e competências dos serviços, quer na estrutura, quer no campo das relações com outras funções do Estado, quer quanto às garantias dos cidadãos, quer. finalmente, no que respeita à orgânica e regras de pessoal dos próprios serviços.
Perante este quadro, invocações como as que chegaram a ser feitas do caso da D. Branca, «a menina de ouro», para justificar a criação destes novos serviços de informações não podem senão pertencer e ficar com o- epitáfio adequado no anedotário político.
A questão da criminalidade é de facto demasiado grave e interessa demasiado a todos os cidadãos para que pudesse ser brandida tão grosseiramente come instrumento de pressão da opinião pública e desta Assembleia.
E é bom que se diga que se há quem não tenha legitimidade para o fazer é precisamente o Governo.
De facto, quem, se não o Governo, além de agravar todos os factores gerais de insegurança dos cidadãos, é responsável pela não adopção atempada das medidas preventivas e outras tendentes a garantir o eficaz combate às diversas formas de criminalidade? Quem, se não o Governo, através da sua política no campo económico e social, se converteu num poderoso elemento impulsionador dos factos criminógenos?
Recorde-se, além do mais, que o sistema penitenciário funciona simultaneamente como escola primária, secundária e universidade do crime e a reinserção social é uma impossibilidade no concreto e uma ficção legal; que a criação, nestes anos, de corpos especiais de polícia com fins repressivos dependentes do MAI se fez à custa de restrições ao normal desempenho das funções da PSP em defesa da tranquilidade dos cidadãos; que a cobertura do País pela Polícia judiciária continua insuficiente e se acumulam, por falta de meios, muitas dezenas de milhar de processos, que os tribunais enfrentam restrições orçamentais que agravam a sobeja escassez de meios humanos e técnicos, sem. os quais a impunidade campeia; e, finalmente, que as acções de investigação criminal, instrução penal e julgamento são tolhidas pela penúria orçamental e pela falta de medidas legislativas (substanciais e organizadas).
Recorda-se isto tudo, mas recorda-se também que a Polícia Judiciária tem, entre outras, secções especializadas no combate ao banditismo e no combate ao tráfico da droga e que mantém nessas secções serviços especializados de informações (com ligações internacionais, especialmente à INTERPOL) que permitem actuações adequadas. Diga-se aqui, claro e bom som, que a questão é que não as impeçam ou não as condicionem o poder político.
Entre parêntesis, é bom que se diga que ninguém aqui questionou que em matéria e sede de criminalidade os serviços policiais não tenham ou não devam ter secções de informações.
Ninguém se atreveu aqui a dizê-lo.
O que se questionou é que os serviços policiais possam ter secções de informações que abranjam as actividades não delituosas dos cidadãos - a sua opinião política, a sua inscrição sindical, a sua presença vista naquela reunião ou manifestação, o exercício dos seus direitos e liberdades.
A confusão foi aqui deliberadamente introduzida. O que se pretendeu com essa confusão foi precisamente encontrar na interdição às forças policiais de recolherem informações políticas sobre os cidadãos, partidos e sindicatos, a justificação para serem constituídos outros corpos especiais, precisamente com essa missão de recolher informações políticas sobre os cidadãos, os partidos, os sindicatos, o movimento popular!
É por tudo isto que as profundas reservas e críticas que já fizemos à proposta são forte e decisivamente acentuadas quando se faz a análise detalhada do seu articulado concreto (c do novo sistema de informações nele contido) e quando se faz a análise detalhada dos argumentos que os seus defensores aqui trouxeram ao longo do debate.
Vejamos a questão dos objectivos.
O que é característico na proposta (e foi sublinhado durante o debate) e que ela não só não circunscreve

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os objectivos como, na prática, contem cláusulas tendentes, à sua ampliação, viabilizando, sem controle possível, toda a espécie de entendimentos sobre o objecto e finalidades dos serviços criados.
O rigor exigia que se respondesse com clareza às perguntas: Informações para quê? Informações sobre quê? Informações sobre quem e em que circunstâncias? E que informações e permitido e é proibido obter, tratar e difundir?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A resposta do Governo a estas perguntas é monstruosa: os serviços podem recolher todas as informações, sem limite, sem controle e por todos os meios, acerca de tudo o que respeite a coisas tão confusas e indefinidas como «a garantia da legalidade democrática», a «defesa da Constituição», a «segurança do Estado de Direito», o ^cumprimento das missões das Forças Armadas».

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Um escândalo!

O Orador: - Neste quadro, o que fica de fora? A resposta, Srs. Deputados, é que, com este âmbito, nada fica de fora.
O que é mais grave é que, por cima de tudo isso, a proposta é assumida pelo Governo como tal, ou seja, como completamente indefinida nos conceitos usados. Não é fado que foi aqui explicitamente dito que a moção não estava explicitada, nem técnica nem legalmente?
A ausência de margens e balizas nos objectivos torna-se ainda particularmente gritante quando da análise da proposta resulta:
Em primeiro lugar, que ela articula as missões a exercer pelas Forças Armadas no quadro da defesa nacional com uma nebulosa actividade de contornos policiais em torno da acção política concreta desenvolvida internamente no quadro democrático. Na prática, introduzindo, assim, sub-repticiamente a noção do «inimigo interno» e recuperando a noção de «estratégias indirectas», como explicitamente foi afirmado pelo Ministro da Defesa Nacional, a proposta procura instrumentalizar e amarrar as Forças Armadas à defesa do Governo e da sua política, negando e descaracterizando o conceito de defesa nacional, tal como resulta da Constituição da República;
Em segundo lugar, que a proposta, apontando encapotadamente para a subordinação das polícias de prevenção e investigação criminal (cf. artigo 11.º) aos serviços de informações, as transforma antes numa super central, que por extensão vem a exercer os poderes de detenção e instrução criminal que lhe são aparentemente negados no artigo 13.º

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, que, actuando os serviços de informações na zona das actividades necessárias à garantia da ordem democrática, acabam por ser vagados dentro da própria esfera de competência dos tribunais, criando-se uma perigosa e conflitual situação, em que é a própria independência e liberdade de acção dos tribunais que fica em risco.
Serviços de informações definidos desta forma são por natureza monstros omnipresentes e omniscientes, actuando acerca de tudo e informando-se acerca de tudo.
E o mundo da ficha a que se está a abrir a porta desta forma.
O mundo da ficha, de acordo com as orientações da «política nacional de informações», definida exclusivamente pelo Governo e pelo Primeiro-Ministro e executada sob a direcção e responsabilidade exclusivas do mesmo Governo e do mesmo Primeiro-Ministro.
Onde estão as garantias de que amanhã, porque se é dirigente político, não se tem automaticamente ficha?
E as garantias de que não vai ser aberta ficha só porque se é activista sindical, só porque se fez uma greve, só porque se participou numa reunião 011 numa manifestação, só porque se foi visto num comício?
Tudo isto, Srs. Deputados, para quê?
Para, nas pitorescas expressões do mérito, os serviços («libertos da pressão, da execução e cia influência política transitória») elaborarem «análises imparciais» e «estudos da situação»; para, diziam ainda, prepararem a «decisão» e darem «conselhos sobre linhas de acção» (libertos da mesma pressão cia execução); ou, como mais brutalmente aqui foi dito pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional e pelo Sr. Deputado Ângelo Correia, para ajudar o Governo a governar, este governo a governar.
Nos termos propostos, nada seria alheio à actividade dos serviços de informações. Há mesmo quem já tenha claramente lançado um alerta público para a necessidade de estudos específicos sobre novos ramos a investigar. Quais? A resposta está abertamente nos escritos de alguns defensores dos serviços de informações: o ramo sindical, os ramos das movimentações laborais, o ramo partidário - este taxado como um dos mais recentes ramos do sector de informações.
Srs. Deputados, as fundas e frontais objecções que fazemos à proposta no que respeita à definição dos objectivos dos serviços de informações reforçam-se. Srs. Deputados, quando s>c analisa a sua estrutura.
Apresenta-se a proposta da criação de 3 serviços, um de «informações estratégicas de defesa», outro de «informações militares» e outro de «informações de segurança».
Sobre estes 3 serviços de informações é construído artificialmente um órgão interministerial denominado «conselho superior de informações», com uma espécie de executivo, a «comissão técnica».
Em toda esta estrutura há pelo menos 5 características comuns:

1.º Todos estão subordinados ao Primeiro-Ministro: directamente o «serviço de informações de segurança», indirectamente os restantes;
2.º Nenhum outro órgão de soberania tem qualquer poder sobre esses serviços nem acesso à sua produção directa;
3.º Sobre nenhum deles e instituído qualquer sério sistema de controle parlamentar ou jurisdicional;
4.º Nenhum deles define quaisquer regras quanto a pessoal, quadros, formação, acesso e responsabilidades;

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5.ª Nenhum deles tem as suas funções e objectivos delimitados.

Quanto a este último ponto, o debate tornou efectivamente claro ... que nada estava claro!
Sobre os 2 serviços da área Defesa Nacional/Forças Armadas ficou a imprecisão de conceitos, de objectivos e de articulação. E o melhor que se pode apurar é que premeditadamente se estabelecem distinções nas actuações e missões das Forças Armadas, com vista a empurrar os serviços de informações estratégicas e o serviço de informações militares para a pesquisa de informações de «segurança», numa área de política interna enformada pelas teorias das «estratégias internas» e do «inimigo interno».
Quanto aos «serviços de informações de segurança», alarga-se de tal modo o leque que se prevê explicitamente a sua actuação e controle sobre todo o aparelho de Estado, dando-lhe competência para planear e coordenar medidas de segurança e para definir normas que (isso é ainda explicitamente dito na proposta) abarcam a própria zona «pessoal»!
Com o controle de todas as informações e com a possibilidade de as multiplicar indefinidamente não é preciso ter muita imaginação para ver que dentro de pouco tempo também haverá uma ficha para cada trabalhador da função pública!
Isto é o que resulta da proposta.
Só que, Srs. Deputados, esta aparente indefinição de objectivos não é mais que a reprodução, caso a caso, das propositadas indefinições e ambiguidades que caracterizam a proposta em geral.
O que é novo e característico quanto à estrutura é o afunilamento no Governo, e dentro deste no Primeiro-Ministro, de toda a direcção, controle e aproveitamento da actividade dos serviços de informações.
Dos outros órgãos de soberania, o Presidente da República e completamente excluído, ficando quando muito com uma ideia sobre a «condução da política de informações», com a ideia que o Primeiro-Ministro lhe entenda transmitir - se e como lha entenda transmitir ...
E, naturalmente, para que o Presidente da República não entrasse pela «porta do cavalo» dentro dos serviços de informações, houve, da parte do Governo, o cuidado de excluir o Conselho Superior de Defesa Nacional de todo o circuito, negando-lhe qualquer controle ou acesso a todos os serviços - nomeadamente ao serviço de informações estratégicas . de defesa nacional!

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Louvável cuidado!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É uma vergonha!

O Orador: - Quanto à Assembleia da República, a chamada «Comissão Parlamentar de Fiscalização» é uma pura mistificação. Não há comissão parlamentar quando os deputados que a integram não podem prestar contas à Assembleia; não há representação parlamentar quando, restringindo-se inconstitucionalmente, como aqui foi claramente demonstrado, o número de membros a 3 deputados, logo à partida se estão a excluir forças políticas representadas no Parlamento.

Aplausos do PCP.

Não há fiscalização quando a única actividade desses deputados sigilosos é lerem o relatório anual que os próprios serviços de informações lhes fornecem!
É um escândalo!
Com um conselho superior de informações todo ele constituído por membros do Governo e pelos altos responsáveis dos próprios serviços de informações (a que se acrescenta o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas), como é possível deixar de falar dos serviços secretos do Governo, para defesa do Governo e da sua política?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Com tal figurino para serviços de informações, maiores e mais fundas são as preocupações, que resultam do facto de a proposta vir corripletamente desacompanhada das medidas de garantia dos direitos e liberdades fundamentais, deixando-os à mercê de todos os abusos e ilegalidades, em que serviços deste tipo são useiros e vezeiros.
São 3 as vertentes em que a questão se coloca.
Por um lado, inexistem completamente mecanismos de protecção própria e de defesa dos cidadãos.
Nada sobre o acesso às informações que sobre o próprio cidadão existam; nada sobre os mecanismos da correcção de informações; nada sobre a extracção e apagamento de informações indevidas, desnecessárias ou ilegais; nada sobre as garantias de reposição da legalidade e reparação de danos, nos casos de uso indevido ou ilegítimo; nada, ao fim e ao cabo, sobre o sistema de tutela jurisdicional dos direitos dos cidadãos face a serviços de informações.
Noutro plano, não pode ser esquecido em momento algum que as tendências persecutórias inerentes à filosofia de actuação dos serviços de informações não admitem, em regime democrático, que se omita a prevenção e punição de um largo campo potencial de ilegalidades e de violações dos direitos e liberdades fundamentais.
São as escutas telefónicas, fora dos casos e sistemas previstos na lei. É a interrupção e violação da correspondência. São as redes de grupos e informadores, base material da denúncia e da calúnia sem moral e sem princípios, etc., etc.
Finalmente, em terceiro lugar, a proposta não responde à questão central de definir e garantir o modo de cumprimento dos limites constitucionais impostos no artigo 35." quanto à utilização da informática.
Neste quadro, o disposto no artigo 10.º - norma em branco que invoca a existência de direitos, liberdades e garantias - não passa de um voto piedoso, se não for pior que isso, ou seja, um lembrete aos «informadores» de que há direitos para violar, sem o perigo de sanções especiais!

Aplausos do PCP.

Tudo isto pode ser lógico para os que não olham a meios para defender este Governo e esta política, mas não tem nada a ver com o regime democrático nem com o sistema de garantias que ele pressupõe e impõe.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: durante este debate, todos ouvimos críticas de toda a ordem à proposta de lei, críticas que partiram de todas as bancadas. Por outro lado, não foram explicadas as razões que

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levaram a que tivesse sido interrompido o trabalho de análise que vinha sendo realizado na Comissão de Defesa.
Talvez o Ministro da Defesa quisesse oferecer um brinde ao dirigente partidário Mota Pinto antes do Congresso do PSD.
Tenha isso tido ou não influência, o que ficou demonstrado é que a proposta não serve, nem na generalidade nem na especialidade.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Os que recordam o ano de 1982 e a irresponsabilidade como um ministro e os seus serviços de informações privativas inventaram inssurrei-ções, tentaram manipular a opinião pública e se lançaram abertamente numa prática antidemocrática extremamente perigosa; os que tenham seguido com atenção o debate e constatado quão longe nesta proposta se está da defesa da tranquilidade, da segurança e dos direitos dos cidadãos, os que tenham vencido o tabu que o Governo pretendeu criar de que os democratas não podiam aqui invocar a experiência histórica das informações políticas da PIDE/DGS, para esses tudo o que ficou são razões para rejeição de uma proposta que não goza sequer do benefício da dúvida.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta proposta não serve e muitas questões havia a pôr em relação a ela. Ficam 9 perguntas:

Como é que aqueles que vão aprovar esta proposta o vão fazer, se ela não define nem circunscreve os objectivos dos serviços?
Como o podem fazer, se deliberadamente confunde o quadro da defesa nacional com o combate à criminalidade?
Como vai aprová-la quem a aprovar, se a proposta introduz e se baseia num conceito não delimitado - o da segurança interna?
Como aceita esta proposta quem a aprovar, se ela visa introduzir encapotadamente na ordem jurídica a filosofia não delimitada das «estratégias indirectas» para atacar direitos, liberdades e garantias dos cidadãos?
Onde está, para quem aprovar esta proposta, o serviço da República, quando o controle democrático pela Assembleia da República é uma mistificação?
Como encarar estes serviços, quando propositadamente são afunilados no Governo, com exclusão da Presidência da República?
Como aceitam os que pensam aprovar estes serviços, que contendem com as liberdades fundamentais, quando não é definido um quadro de garantias dessas liberdades?
Onde está garantida, para esses Srs. Deputados, a separação da função policial, quando os serviços estão desenhados como uma superpolícia?
Finalmente, que serviços são estes em concreto, quando nada e dito sobre pessoal, quadros, formação e responsabilidades?
A estas 9 perguntas já respondeu alguma imprensa. Um arauto de uma publicação semanal reaccionária via na informação óbvia, dada na Assembleia, de uma organização do PCP que essa organização continha células uma notícia capaz de interessar estes serviços. A divulgação da «inventona» do «não se paga, não se paga», que serviu de pretexto para o recuo governamental nos aumentos de preços, foi fornecida obviamente e isso foi dito em certa imprensa - pelas solícitas «2.ªs Rep's» em que abunda o MAI.
Mais grave que isto tudo são as notícias sobre a lei de segurança interna e as escutas e buscas sem mandato judicial!
A proposta é, assim, apresentada em tais lermos (no que toca aos pressupostos, ao enquadramento, à urgência, à filosofia, aos objectivos, à estrutura, às garantias dos cidadãos e à orgânica interna), que melhor se poderá dizer que não há proposta, mas tão-só uma ideia persecutória, antidemocraticamente persecutória, contra a oposição e o movimento popular, e mais nada.
Isto e um escândalo, Srs. Deputados, a merecer clara e frontal rejeição!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Luís Beiroco, Lopes Cardoso e Lino Lima.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado João Amaral, sei que será, porventura, particularmente difícil e arriscado tentar discutir esta questão com a bancada do Partido Comunista.
É sempre difícil discutir questões de construção do regime com a bancada do Partido Comunista, porque.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O CDS é que é bom!

O Orador: - Diga, Sr. Deputado Carlos Brito? Quer interromper?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O CDS é que e bom!

O Orador: - Não, Sr. Deputado, era preciso que houvesse previamente um entendimento sobre os conceitos de democracia.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - A vossa é orgânica!

O Orador: - A nossa é a do Ocidente. O que ainda não está esclarecido é qual é a vossa.
Mas mesmo havendo esses riscos gostaria de fazer duas perguntas ao Sr. Deputado João Amaral.
A sua intervenção foi muito longa, Sr. Deputado. Abarcou muitos problemas, mas há dois que penso que merecem uma atenção particular.
O primeiro tem a ver com o facto de o Sr. Deputado ter afirmado que a proposta de lei em apreço recupera a noção de «inimigo interno», liga essa questão à das estratégias indirectas, consagrando, no fundo, uma noção de segurança nacional ou de defesa nacional muito mais ampla do que aquela que está consagrada na Constituição.
O segundo problema tem a ver com o facto de esta proposta de lei, no seu entender, dar excessivos pó-

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deres na matéria ao Governo e, portanto, afastar os restantes órgãos de soberania do controle dos serviços de informação.
Ora bem, quanto à primeira questão, o que queria perguntar ao Sr. Deputado João Amaral, se bem que não haja dúvidas nenhumas de que a noção e o conceito de «inimigo interno» foram afastados pela revisão constitucional, era se acha que a noção de defesa nacional, que deve fazer face à agressão e à ameaça externa, afasta, em si, a noção de estratégias indirectas. Isto é, se a ameaça externa não se pode exercer através de formas de estratégia indirectas, e não apenas através de uma estratégia direita e, portanto, de agressão.
A segunda questão é esta: sendo ao Governo que compete conduzir a política interna, a política externa e a política de defesa, não posso compreender a estranheza do Sr. Deputado João Amaral quanto aos poderes quo são conferidos ao Governo nesta matéria.
É evidente que os serviços de informações tem que estar dependentes do Governo, que é o órgão executivo. É que, para além de constituírem um mecanismo fundamental numa democracia representativa, o problema que se pode pôr e o de saber quais são os mecanismos de fiscalização da acção do Governo, que é responsável perante esta Câmara, e que, portanto, tem também que vir aqui prestar contas sobre esta matéria.
É evidente que, independentemente disto, se pode vir a colocar o problema da comissão parlamentar de fiscalização. Penso, no entanto, que os aspectos relacionados com a composição dessa comissão, os seus poderes e o objecto da sua acção podem ser discutidos pormenorizadamente, com grande vantagem para todos nós, durante o debate na especialidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado João Amaral, dir-lhe-ia, para começar, que comungo de muitas ou, pelo menos, de algumas das reservas expressas por V. Ex.ª em relação à proposta de lei que está submetida à Assembleia, mas ficou-me uma dúvida sobre a sua intervenção, que não sei se V. Ex.ª quererá ter a gentileza de ma esclarecer.
Essa dúvida é a de que, independentemente da natureza da proposta de lei que nos foi submetida, o Sr. Deputado entende que é necessário um serviço de informações?
Deixemos de momento as condições necessárias para que esse serviço possa funcionar com as garantias indispensáveis ao respeito dos direitos e liberdades dos cidadãos - penso que nesse ponto estamos de acordo. O que pergunto é se acha que esse serviço é ou não. em si mesmo, necessário ou se o Sr. Deputado considera que bastará aperfeiçoar as diferentes organizações policiais já existentes, nomeadamente os serviços de informações dela dependentes, para se preencher quaisquer lacunas que eventualmente existam nesse campo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Deputado João Amaral, arrisco-me a fazer-lhe uma pergunta, porque não estou muito senhor de mim quanto a este problema das democracias dos pontos cardiais, de forma que tenho sempre uma certas dificuldades em movimentar-me nesse campo.
De facto, lembrei-me de que no tempo da PIDE/DGS - com certeza que alguns dos Srs. Deputados que aqui estão sabem isso existiam nos arquivos os dossiers dos «homens bons».
Então o que era isso?
É que a PIDE ia também tratar da «vidinha» de um conjunto de cidadãos quo considerava «homens bons», para os ter à disposição do Sr. Dr. Salazar.
Quando o Sr. Dr. Salazar precisava de homens, a PIDE ia àqueles arquivos e dizia:
Este senhor é um «homem bom»! Andámos a ver-lhe a «vidinha» toda, e não tem por aqui pecado nenhum!
Ora bem, nada impede que agora o Sr. Primeiro-Ministro, quo fica a superintender nestes serviços todos, lambem se venha a preocupar com os «homens bons» de que venha a ter necessidade. E, nesses casos, manda os serviços saber da vida - sei lá - do Si. Deputado Ângelo Correia, do Sr. Deputado José Vitorino, enfim, de um conjunto de deputados, para saber se eles são «homens bons» de que possa vir a dispor.
Parece-lhes, Srs. Deputados, que isto seja aceitável?
Se entendem que não é aceitável, pergunto-lhes: encontram nesta proposta de lei algum limite para que isto não posso suceder?
Era esta a pergunta que dirigia à Câmara e, fundamentalmente, ao Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Luís Beiroco, não vou comentar as suas dificuldades de diálogo nesta matéria, pois suponho que as resolve abrindo as orelhas e ouvindo o que foi dito - e o que foi dito foi muito simples.
Quanto à questão da confusão, devo dizer que a confusão está estabelecida na proposta de lei. Muitas vezes o Sr. Deputado coloca-se num ponto de vista técnico, fazendo uma conversa de quem fez revisão constitucional, de quem sabe tudo, etc. Então, sabendo tudo, poderá ler a proposta e verificará que a confusão está lá estabelecida e foi confirmada pelo Sr. Ministro Mota Pinto quando aqui veio.
E qual é a confusão? A primeira confusão é a de empurrar serviços que estão na área da defesa nacional e na área das informações estratégicas da defesa nacional para a área da segurança. A segunda confusão é de introduzir um conceito de segurança interna sem que ele esteja definido e discutido e V. Ex.ª, Sr. Deputado Luís Beiroco, sabe isso perfeitamente. Pela leitura dos jornais e por tudo o que aqui foi dito, o Sr. Deputado soube que esta proposta de lei nunca deveria ter sido discutida sem se discutir primeiro a lei da segurança interna.
Talvez isso tenha interessado ao PSD por dificuldades imersas relacionadas com o seu congresso. Admitamos isso!
No entanto, isso não afasta a questão concreta e material, o sentido real que ela tem. E o sentido real é o de que nós já estamos no campo de apreciar - vide

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tornais - uma proposta que tem por detrás de si uma outra onde se admitem escutas telefónicas e buscas domiciliárias sem mandato judicial! Onde é que já chegámos. Sr. Deputado?!
Ao nível das confusões relacionadas com a defesa nacional e a segurança interna, onde é que estamos quando aqui foi explicitamente dito pelo Sr. Ministro Mota Pinto que o serviço de informações estratégicas de defesa nacional tem competência para investigar a vida e a actividade de cidadãos portugueses que exercem direitos constitucionais?!
Quanto à questão da estrutura, penso que o Sr. Deputado conhecerá razoavelmente a Constituição e os poderes do Presidente da República no que toca às relações externas. E conhece-a tão bem como qualquer outra pessoa nesta Câmara que queira ler a Constituição por inteiro, nomeadamente no que toca à possibilidade de declarar a guerra e fazer a paz.
Neste quadro, o que é inadmissível e que tudo o que diga respeito a um ponto central que é o da defesa nacional - seja deliberadamente excluído de qualquer hipótese de aproveitamento directo por esse órgão de soberania, que é a Presidência da República, que tem um campo concreto de competências nessa área. Isso não pode ser feito por acaso. Não há acasos desses em política.
Foi aqui dito por alguém de uma outra bancada, quando se referia à importância desses serviços, que eles serviam simultaneamente o Governo e a Presidência da República. No entanto, não é isso o que está escrito.
É bom que se diga - aliás, foi assim que terminei a minha intervenção - que não é uma ideia que estamos a abordar. Não é a ideia que tem o Sr. Deputado Luís Beiroco, nem a ideia que possa ter qualquer outro Sr. Deputado sobre o que é o serviço de informações e a sua necessidade que se está aqui a discutir. O que está em discussão é esta proposta, qual a filosofia que lhe está subjacente e o que é que o Governo pretende.
Não estamos aqui a discutir o que é que a proposta pode ser depois de ser alterada, no que toca a objectivos, à estrutura, ao modo de funcionamento, à orgânica de pessoal, às garantias dos cidadãos, ou seja, aos seis ou sete pontos que são essenciais nesta lei. Estamos a discutir esta proposta e ela não serve, Sr. Deputado Lopes Cardoso! Como ela não serve e é desta que estamos a falar e não de outra -, então devo dizer que não queremos esses serviços.
O Sr. Deputado perguntar-me-á se aceitamos ou não a ideia de que o Estado Português precisa de informações externas. Devo dizer-lhe que sim, Sr. Deputado! O Estado Português precisa de informações externas que se obtêm através do circuito de embaixadas e através de um serviço adequado de informações militares que, aliás, já existe, precisando que lhe sejam dadas orientações e que se circunscreva a sua actividade.
O Sr. Deputado perguntar-me-á também se o Estado Português não tem que se proteger contra o banditismo, o tráfico de droga, a D. Branca - até contra a D. Branca, como aqui foi citado pelo Sr. Ministro Almeida Santos. Ë evidente que sim, Sr. Deputado! O Estado Português tem que se proteger contra tudo isso, mas para tal tem a Polícia Judiciária com serviços especiais a Direcção Central de Combate ao Banditismo, a Direcção de Serviços de Combate ao Tráfico de Droga, etc. - e, dentro desses, há serviços de informações que precisam de Orientações concretas e que têm ligações legais e justas, nomeadamente com a Interpol.
Quanto a esse aspecto estamos conversados, porque o que se pretende com estes serviços não é isso, mas sim outra coisa: é a criação de serviços de informações políticas sobre a actividade concreta dos cidadãos, dos partidos e sobre a actividade sindical.
Portanto é neste campo que se coloca a questão dos serviços. E não fui eu que o disse, mas sim o Sr. Ministro Mota Pinto e o Sr. Deputado Ângelo Correia quando aqui, preto no branco, disseram que esses serviços serviam para ajudar o Governo a governar em campos específicos da sua actuação, nomeadamente no que loca à possibilidade de internamente, se colocarem questões que ponham em dificuldades o Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Tito de Morais.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi citada parte de uma intervenção que fiz nesta Assembleia sobre uma questão fundamental, que foi deturpada pelo Sr. Deputado João Amaral.
O que eu disse foi que os serviços de informações são necessários para a ajuda à política do Governo nos domínios que relevam da soberania ao mais alto nível, isto é, nos domínios da política externa e da defesa. Só disse isso e não disse mais do que isso.
Portanto, tudo aquilo que o Sr. Deputado João Amaral disse a mais está errado.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado João Amaral, começarei por lhe dizer que pela minha parte não tenho nenhuma dificuldade no diálogo - o que creio já ter demonstrado abundantemente ao longo dos anos em que aqui sou deputado-, mas o que às vezes me interrogo é sobre se valerá a pena abordar certas matérias com certos interlocutores.
Também devo dizer que é evidente que não tenho a pretensão de saber tudo. Se a tivesse, certamente que não lhe colocaria nenhuma questão, Sr. Deputado.
Quanto às questões que V. Ex.ª colocou e sobre as quais voltou a insistir, creio que continuou a não conseguir demonstrar, minimamente, que haja qualquer conflito entre o conceito constitucional de defesa perante a ameaça externa e os conceitos que fazem parte desta proposta de lei. Sobretudo, não demonstrou que haja qualquer conflito entre aquilo que aqui disse o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional quanto à estratégia indirecta e às disposições constitucionais.
No que diz respeito aos poderes do Presidente da República em matéria de relações externas, creio que

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o Sr. Deputado João Amaral conhecerá bem a Constituição, e não apenas razoavelmente como eu a conheço. Por isso, certamente que saberá que a condução da política externa compete ao Governo e que na revisão constitucional de 1982 se incluiu uma norma que diz que compete ao Sr. Primeiro-Ministro informar o Presidente da República acerca da condução interna e externa da política geral do País.
Por isso, creio que o que nesta matéria seria verdadeiramente inconstitucional era pretender atribuir-se novos poderes ao Presidente da República. O estatuto do Presidente da República deriva da Constituição e assim se deve manter.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, há mais um orador inscrito para formular um protesto. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. João Amaral (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado João Amaral, não sei se estarei a fazer uma interpretação abusiva, mas após ouvir a sua intervenção sou levado a concluir que, muito embora V. Ex.ª tenha dito que o que neste momento está em causa não é a discussão teórica da existência ou não de um serviço de informações mas uma proposta de lei muito concreta, acabou por se pronunciar no sentido de dizer que o serviço de informações seria desnecessário dado que a democracia está protegida contra o banditismo, o tráfico de droga, as D. Brancas, etc., por via da Polícia Judiciária, e, portanto, bastaria reforçar os seus mecanismos.
Referiu, também, que quanto às ameaças externas haveria a protecção dos Serviços de Informações Militares e das embaixadas estrangeiras. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que fico um pouco perplexo pela confusão entre embaixadas e serviços de informações, mas, enfim, deixemos isso de lado!
Será legítimo concluir que o Sr. Deputado considera que é inútil um serviço de informações? Será que as únicas ameaças que pesam sobre a democracia portuguesa se situam ao nível do banditismo, do terrorismo, do tráfico de droga e da D. Branca?
O Sr. Deputado pensa que a democracia portuguesa será um caso ímpar no mundo e que não há nem grupos, nem sectores, nem forças, que pretendam subverter as instituições democráticas que contra elas têm de se defender? Será este o exemplo a seguir, então, por todos os países no sentido de que, se utilizarem o modelo da democracia portuguesa, dispensarão todas as polícias políticas e todos os serviços de informações.
Tenho de concluir que, implicitamente, o Sr. Deputado não condena apenas todas as polícias políticas ao serviço de qualquer regime, mas também todos e quaisquer serviços de informações desnecessários num regime autenticamente democrático. Portanto, aqueles em que existem polícias políticas ou serviços de informações são, por definição e por conclusão imediata, regimes que não são autenticamente democráticos e, por isso, não necessitam de serviços de informações.

Aplausos da UEDS, do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Ângelo Correia, muito folgo em saber que dá o dito por não dito e que, portanto, a única coisa que afirmou foi que os serviços de informações se deviam limitar à defesa externa, ou melhor, à defesa nacional perante a ameaça externa.
Foi tudo o que foi dito agora, desta vez, pelo Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Eu não disse nada disso! Não mistifique, nem engane as pessoas! Não aldrabe!

Protestos do PCP.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Quem aldrabou foi você!

O Orador: - O Sr. Deputado Ângelo Correia, tenha calma! Tenha calma, o Sr. Deputado vai lendo o que vai dizendo e tentando acertar! Ê uma dificuldade óbvia, não é?! Talvez não mereça, por isso, as palmas que teve o Sr. Deputado Lopes Cardoso, porque tem algumas dificuldades e porque uma vez diz uma coisa e outra vez diz outra! Pronto, acabou! Mas o ponto está encerrado, desta vez disse isso, e está registado no Diário!
Quanto ao que o Sr. Deputado Luís Beiroco referiu, acho bem que tenha o entendimento de que vale a pena discutir, e suponho que não acrescentou mais nada do que isso.
Disse que não concordava comigo, no que toca à definição de objectivos, na matéria dos serviços relativos à defesa nacional. Bem, eu também não concordo consigo, embora o Sr. Deputado Luís Beiroco não tenha dito bem aquilo que pensava. Portanto, limito-me a dizer: bem, não concorda comigo, pronto! Está o assunto encerrado!
Quanto à questão da condução da política externa e da ausência do Presidente da República, acho que não vamos aqui discutir quem é que conhece melhor a Constituição, mas já falámos de algumas normas e temos de as articular. E, realmente, quem declara a guerra e faz a paz, ...

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sob proposta do Governo!

O Orador: - ... não é alheio a questões relevantes da matéria de política externa, como o Sr. Deputado sabe!

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Declara, sob proposta do Governo!

O Orador: - Resta, para tratar com algum cuidado, a questão que coloca o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
Devo dizer-lhe. Sr. Deputado Lopes Cardoso, que, apesar de tudo, não entendi exactamente aquilo que pretendia dizer. E isto, porque me limitei a constatar o facto de estar aqui a discutir esta proposta, com estes concretos serviços de informações e desenhados tal como eles se encontram nesta proposta de Lei n.º 55/III.

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Quanto à pergunta concreta que o Sr. Deputado teve a amabilidade de me fazer - se eu entendia que o Estado não precisava de serviços de informações -, respondi-lhe nas duas vertentes, defesa externa/defesa nacional e criminalidade, com respostas concretas.
Como é que o Sr. Deputado Lopes Cardoso pode retirar daí a ideia de que o Estado democrático em Portugal deve prescindir ou anular serviços de informações, no âmbito da defesa nacional e no âmbito da criminalidade, ou que deve recusar e rejeitar qualquer ripo de serviços? O que eu disse, muito concretamente, é que aqui não temos serviços de informações que tenham a ver com os fundamentos da proposta. E nestes fundamentos estão as questões da D. Branca - que, quer o Sr. Deputado queira ou não, estão aí -, as questões da droga e as questões do banditismo.
Ora, quanto a essas, temos meios, de modo que a questão que se coloca em Portugal é a de saber se esses meios estão bem dimensionados, se podem ser reforçados e se podem actuar correctamente.
Quanto às questões da defesa externa/defesa nacional, temos também o serviço de informações de âmbito militar, que importa equacionar devidamente.
O que lhe pergunto, Sr. Deputado, é se não acha legítimo da minha parte que, com as condicionantes concretas com que esta proposta é apresentada, com o desenho que dela é feito e com a afirmação explicitada de que se tratava de um serviço para ajudar a governar e que tinha a ver com a acção daqueles que discordavam da política governamental - porque é isso que foi dito pelo Sr. Ministro Mota Pinto-, devo considerar que este é um serviço de informações políticas, que não tem nada com a defesa da democracia, nem tem nada a ver com a defesa da República. E pergunto-lhe se, nesse quadro e como sequência lógica, não é natural a minha posição de, pura e simplesmente, a rejeitar?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso pede a palavra para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Agradecia que o Sr. Deputado fizesse a sua interpelação de forma muito concisa. Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Muito concisamente, Sr. Presidente, acontece que o Sr. Deputado João Amaral num contraprotesto dirigiu-me concretamente uma pergunta.
Ora, como não gostaria de a deixar sem resposta - e a pergunta era mais que retórica! - e não tendo obviamente nenhuma figura regimental que me permita responder-lhe ...

O Sr. Presidente: - Tem sim, Sr. Deputado, inscreve-se para uma intervenção. Aliás, essa é a única maneira que neste momento a Mesa tem de lhe dar a palavra para esse efeito.

O Orador: - Muito obrigado. Sr. Presidente. Vou seguir o conselho de V. Ex.ª e agradeço que dê, desde já, indicações à Mesa para me inscrever para uma intervenção a fazer na altura oportuna.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito, Sr. Deputado. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 55/III levanta um problema de Estado que é simultaneamente uma questão que tem a ver com a independência nacional e os direitos, liberdades e garantias do cidadão.
Por isso, a extrema delicadeza do tema e a sua dificuldade em encontrar o ponto de equilíbrio exacto entre aqueles dois legítimos interesses do Estado e dos cidadãos.
Por um lado é insustentável que Portugal continue a ser, há 10 anos, um Estado «aberto», onde campeiam impunemente todos os serviços secretos estrangeiros, fazendo de Lisboa o paraíso da espionagem, da droga e, quiçá, do terrorismo internacional, sem que o Estado Português tenha meios ou instrumentos para controlar minimamente o que se passa dentro das suas fronteiras.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, os cidadãos portugueses foram durante 40 e tal anos vítimas de uma das mais ferozes polícias políticas do mundo, que permanentemente violava a sua liberdade, a sua consciência e a própria integridade física e psíquica.
Daí a natural resistência e desconfiança dos cidadãos à implementação de qualquer serviço que possa, ainda que tendencialmente, interferir com a sua legítima privacidade e liberdade de cidadania.
Sc, por outro lado, nenhum Estado moderno pode subsistir sem um mínimo de vigilância, ponto é que tal vigilância não afecte os direitos, liberdades e garantias dos. cidadãos, inscritos na Constituição, e que ela tenha como objectivo exclusivo a segurança colectiva e não a de qualquer grupo, partido ou instituição.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - É que, em tais domínios, não só hoje é possível o emprego de meios altamente sofisticados que escapam ao controle efectivo, como existe a apetência não só de tais serviços se autonomizarem e ultrapassarem sistematicamente as balizas legais e constitucionais, como ainda de os seus gestores virem a instrumentalizar tais serviços em proveito próprio ou de grupo e, mesmo, contra outros cidadãos ou grupos de cidadãos.
Daí que a primeira cautela na implementação de um serviço de informações seja a de preservar ao máximo a inviolabilidade dos direitos, liberdades e garantias de todos e cada um dos cidadãos.
Para isso, e desde logo, é indispensável que o articulado legal seja claro, transparente e preciso.
É exactamente o que não acontece logo no artigo 1.ª da proposta de lei n.º 55/III, onde se faz uma referência vaga a «acções atentatórias de ordem democrática», sem se definir concretamente qual o tipo de acções, o seu âmbito e características concretas.
Ora, a definição rigorosa de tais acções é indispensável por se tratar do objecto prioritário dos serviços

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a criar. E o qualificativo proposto de «atentatórias da ordem democrática» é demasiadamente vago para permitir todo o tipo de interpretações subjectivas. O mesmo é dizer que, com tal objecto dos serviços de informações que o Governo pretende criar, estes ficariam com a possibilidade de recolher, praticamente, lodo o tipo de informações, designadamente as que só dizem respeito ao foro íntimo de cada um, quais sejam as suas opções ideológicas, as suas crenças religiosas, políticas ou filosóficas. Daí a necessidade de se precisar com rigor, desde logo, o objecto de tais serviços de informações.
A segunda cautela diz respeito à própria estrutura dos serviços a criar. Não vemos qualquer vantagem na proliferação de serviços propostos e, no entender do MDP/CDE, um único serviço de informações coaduna-se melhor com a unidade do Estado que se pretende preservar.
Na verdade, quanto mais serviços houver maior é a probabilidade de fuga de informações, por um lado, e, por outro, maior a possibilidade de alentados aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Acresce que a proliferação de tais serviços traz, inevitavelmente, choques quanto às áreas de actuação e possibilidade de sobreposição de competências, com rivalidades e fricções entre eles, como acontece lá fora e ate cá dentro com as diferentes polícias.
Por outro lado, não se vê a necessidade da criação de 2 serviços na área da defesa e militar, já que a sociedade portuguesa é só uma - não está dividida em civis e militares - e os conceitos de legalidade democrática e segurança são, ou devem ser, unívocos para toda a sociedade e em relação ao Estado.
Inexistindo, neste momento, um conceito estratégico de defesa nacional e, até, um conceito estratégico militar, não se vê nem se sabe o que sejam ou possam vir a ser as «informações estratégicas necessárias à defesa nacional» referidas no artigo 6.º da proposta de lei.
E isto leva-nos a uma questão mais geral, aflorada no artigo 8.ª da proposta, qual é a de saber o que e a «segurança do Estado», conceito este que se não encontra legalmente definido - a não ser as actividades contra esta segurança tipificadas no Código Pena! - e que também a proposta não define.
Disse o Governo, já durante esta discussão, que tinha aprovado um decreto-lei sobre segurança nacional e que a existência de um só serviço, embora mais barato, poderia torná-lo muito poderoso.
Além de os deputados desconhecerem os termos de tal decreto-lei porque ainda não publicado, o outro argumento aduzido e bem pobre para fundamentar tal proliferação. Além de que o próprio Governo, antes mesmo da criação destes serviços, tem já medo de os não poder vir a controlar.
Com tais suspeitas governamentais esperemos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não se esteja a criar um ou mais monstros capazes de nos devorar a todos.
Para isso mais premente se torna que o controle democrático de tais serviços de informação seja o mais apertado e concreto possível. E ele faz-se por duas vias: tipificando e penalizando as condutas dos funcionários e agentes que ultrapassem as barreiras dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e através desta Assembleia da República.
No primeiro caso estaria o artigo 10.ª da proposta se ela não fosse uma pura norma em branco, na medida em que aí se não típica rigorosamente uma conduta e se não comina qualquer tipo de sanção para a violação da tipicidade aí referida, ainda que esbatidamente.
No segundo caso estaria o artigo 3.º da proposta se ele não fosse excessivamente restritivo quer quanto à composição, quer quanto aos poderes da Comissão Parlamentar de Fiscalização. Restrições essas que, a nosso ver, dão bem o tom do secretismo que o Governo quer imprimir a tais serviços, retirando aos restantes órgãos de soberania a possibilidade de um autêntico controle democrático desses serviços.
Quanto à composição proposta ela é a manifestação clara, por parte do Governo, de impedir que quem podia controlar efectivamente - isto é, a oposição - estivesse arredada e impedida de o fazer. Só que, neste aspecto, aquele artigo 3.ª da proposta ofende frontalmente o n.º 2 do artigo 181.º da Constituição -como, de resto, já o reconheceu aqui o Sr. Ministro de Estado -, pelo que o cumprimento de tal preceito constitucional é, aqui, imperativo e se não compadece com qualquer espécie de «realismos».
Quanto aos poderes conferidos à Comissão Parlamentar por aquele artigo 3.º da proposta, eles são praticamente nenhuns, remetendo-a para um papel inteiramente passivo e inaceitável do nosso ponto de vista. Eu diria que, neste aspecto, tal artigo é, nesta sede, também inconstitucional ao pretender retirar a esta Câmara os seus poderes de fiscalização genéricos, referidos abundantemente na Constituição.
Com efeito, à referida Comissão Parlamentar terão sempre de ser atribuídos os poderes não só de convocar os responsáveis por aqueles serviços de informação quando o entenda, mas ainda os de requerer e obter todas as informações complementares de que careça.
O controle democrático dos serviços de informações deve ainda fazer-se por uma terceira via, esta não já de fiscalização stricto sensu mas da presença de outros órgãos de soberania e personalidades públicas no conselho superior de informações. Referimo-nos, concretamente, ao Presidente da República e ao Procurador-Geral da República.
Antes de mais, excede a nossa capacidade de compreensão que a proposta em discussão negue ao Presidente da República o acesso directo aos dados e informações de segurança, reservando-lhe apenas a faculdade de ser informado da condução da política de informações. Mesmo em sede de guerrilha institucional, não se afigura minimamente correcto e razoável este afastamento deliberado do Presidente da República das estruturas dos serviços de informações.
Não se vê como, sendo o Presidente da República o garante da independência nacional e do regular funcionamento das instituições democráticas, compelindo-lhe ainda exercer as funções de comandante supremo das Forças Armadas e pronunciar-se sobre todas as emergências graves para a vida da República -artigos 123.º e 137.º, alíneas a) e d), da Constituição -, lhe possa ser vedado o acesso directo aos dados e informações de; segurança, estratégicos e militares, e a possibilidade de se pronunciar vinculativamente sobre a política de informações, sem que tal se não configure, desde logo. como clara inconstitucionalidade.
Por tudo isto, entende o MDP/CDE que deve competir ao Presidente da República, até como garante da

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unidade do Estado, presidir ao conselho superior de informações. Conselho que, a nosso ver, é, na formulação do n.º 2 do artigo 4.º da proposta, por um lado demasiado extenso e por outro restritivo. Aí deveriam apenas ter assento, por parte do Governo, o Primeiro-Ministro, os Vice-Primeiros-Ministros e Ministros de Estado, o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e o ou os directores dos serviços de informações. Por outro lado, parece-nos que aí deveria ainda ter assento uma personalidade não governamental, mas a quem compete, na ordem pública e institucional, o especial dever de defesa e vigilância da legalidade democrática, como é o Procurador-Geral da República.
Outras questões levanta ainda a proposta governamental, quais sejam, por exemplo: a competência específica da chamada comissão técnica presidida por um super-ministro, cujo peso e importância podem desequilibrar a vertente governamental; onde inscrever as dotações orçamentais para estes serviços e qual o seu controle; qual a definição da política nacional de informações referida no n.º 4 do artigo 4.º da proposta; a inadmissibilidade de a regulamentação da proposta ser feita pela via do decreto regulamentar; etc., etc.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A extrema delicadeza e complexidade, em termos de vivência democrática, que a proposta governamental implica aconselharia vivamente, na opinião do MDP/CDE, que a sua discussão, além de séria e digna, fosse pública e desse assim ensejo não só à sua máxima transparência, como ainda à desdramatização do seu conteúdo.

Vozes do MDP/CDE: - Muito bem!

O Orador: - Nesse sentido, o MDP/CDE vai entregar na Mesa da Assembleia da República um requerimento a ser votado por esta Câmara, no sentido da discussão pública por 30 dias desta proposta de lei. Assim renovamos, aqui, o apelo do MDP/CDE para que tal discussão pública seja feita, de molde a esconjurar fantasmas e a dignificar a nossa própria discussão parlamentar, discussão esta que, lambem em comissão, deverá ser pública não só no sentido de a ela poderem assistir os órgãos de comunicação social e quem quiser, mas também no sentido de ser registada e posteriormente transcrita no Diário da Assembleia da República.
É o mínimo que nós devemos a todos os outros cidadãos deste País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Para o MDP/CDE é inquestionável a necessidade da criação de um serviço nacional de informações desde que ele não venha sequer bulir com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e possa ser seguramente controlável pelos mecanismos democráticos.
É neste instável ponto de equilíbrio entre a segurança e a defesa de um Estado de Direito democrático que todos deveremos trabalhar para a obtenção do mais alargado consenso.
A proposta de lei n.º 55/III, tal como está redigida, não alcança aqueles desideratos, e, por isso, não merece, para já, o voto favorável do MDP/CDE. Contudo, temos esperança radicada na convicção de que e possível melhorar substancialmente tal proposta em sede de comissão e na especialidade. E tal convicção advém-nos, sobretudo, da intervenção aqui feita pelo Sr. Ministro de Estado Almeida Santos e do peso que a consciência colectiva, estamos certos, ainda tem sobre o nosso destino democrático.
Oxalá, no final deste processo, não nos taxemos a nós próprios de ingénuos, o que significaria um rude golpe para a democracia em Portugal. Disse.

Aplausos do MDP/CDE e da UEDS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Brito pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Para um pedido de esclarecimento. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado António Taborda, ouvi a proposta que anunciou de um debate público em torno desta proposta de lei, mas ficaram-me algumas dúvidas sobre o momento que os Srs. Deputados do MDP/CDE entendem que será oportuno para a votação do requerimento que vão apresentar à Mesa.
Muito provavelmente chegaremos hoje ao termo deste debate, visto que já está feito um acordo para o prolongamento da sessão com um período após o jantar, e com alta probalidade a proposta de lei será hoje votada.
Qual é o pensamento do MDP/CDE a este respeito? Pretende que o seu requerimento, sujeitando esta proposta de lei a um debate público, seja votado antes da sua votação na generalidade que era, aliás, aquilo que teria sentido, pois a Assembleia assim já se pronunciaria e votaria na generalidade a proposta de lei tendo em conta os resultados desse debate público- ou, por outro lado, pensa o MDP/CDE que o momento oportuno para esse debate público é após a aprovação na generalidade desta proposta de lei?
Assinalo que, muito embora o debate e votação na especialidade possa introduzir alterações na proposta, é difícil que a sua linha geral e o seu travejamento sejam alterados em debate e votação nessa sede. Por isso, o debate público já estará um tanto prejudicado se for feito depois da votação na generalidade.
Gostaria que o Sr. Deputado, se assim o entender, esclarecesse esta minha dúvida, que me parece também que é muito importante para Assembleia e para a consideração de toda a questão da votação na generalidade que muito rapidamente vai acontecer.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Taborda deseja responder já ou no fim das outras interpelações que lhe são dirigidas?

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Ângelo Correia pede também a palavra para um pedido de esclarecimento?

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sim, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Pediria desculpa ao Sr. Deputado António Taborda para aproveitar este pedido de esclarecimento, com a sua licença e autori-

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zação, independentemente do conteúdo daquilo que o Sr. Deputado hoje disse e daquilo que já tinha dito na última intervenção que fez a propósito da qual. aliás, já tivemos oportunidade de conversar um pouco - e independentemente também do diálogo que teremos na comissão sobre este problema, para utilizar o tempo do pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado, apenas para um fim: ler uma parte da minha intervenção proferida na Assembleia da República e que foi adulterada pelo Sr. Deputado João Amaral.
Disse eu, se me dá essa licença, a p. 3863 no Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 89, concretamente o seguinte:

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Qualquer Estado precisa de uma estrutura que apoie as decisões que relevam da soberania ao mais alto nível, isto é, o exercício dos poderes que respeitam às matérias da política externa e da política de defesa nacional. Qualquer Estado carece de elementos de apoio e de informações que legitimem, quer a definição, quer a estratégia das áreas da soberania ao mais alto nível. Isso é fundamental e permanente.
Disse isto no dia 22 de Março de 1984. Reproduzi há pouco isto mesmo. Quem fala verdade está à vista!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso pede a palavra para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Era para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Coloquei há pouco ao Sr. Presidente a questão de como responder ao Sr. Deputado que me tinha interpelado, aconselhando-me V. Ex.ª, e justamente, a que me inscrevesse para uma intervenção. Assisti agora com espanto que o Sr. Deputado Ângelo Correia, a propósito de um pedido de esclarecimento que não fez, tivesse dado esclarecimentos que não sei se lhe tinham sido pedidos.
Creio que, dentro do mesmo critério, a Mesa deveria ter aconselhado o Sr. Deputado Ângelo Correia a inscrever-se para uma intervenção para dizer aquilo que disse, pois julgo que não é o Sr. Deputado António Taborda que pode autorizar o uso e o abuso das figuras regimentais, mas sim a Mesa que deve velar pelo uso dessas figuras.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado sabe a Mesa desconhecia o que é que o Sr. Deputado Ângelo Correia ía dizer. O Sr. Deputado Ângelo Correia pediu a palavra para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado António Taborda e foi nessas condições que a Mesa lhe concedeu a palavra.
Era desagradável à Mesa e com certeza para todos os Srs. Deputados cortar a palavra ao Sr. Deputado Ângelo Correia, ao aperceber-se que, realmente, ele não queria dirigir-se ao Sr. Deputado António Taborda. Creio que está na mão de cada deputado intervir de acordo com aquilo que diz o Regimento.
Posto isto, dou a palavra ao Sr. Deputado António Taborda para responder às interpelações que lhe foram dirigidas.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - O Sr. Deputado Carlos Brito colocou-me o problema de saber se o requerimento do MDP/CDE, para que esta proposta de lei n.º 55/111 seja posta à discussão pública, seria no sentido de essa discussão se iniciar antes da votação na generalidade ou posteriormente.
Queria dizer ao Sr. Deputado Carlos Brito que a intenção do MDP/CDE é entregar este requerimento imediatamente na Mesa -de resto ia fazê-lo, mas quando me apercebi que havia pedidos de esclarecimento não fui directamente à tribuna, mas irei logo que acabe esta intervenção -, para que ele seja votado antes da votação na generalidade, porque assim é que terá um conteúdo útil.
No entanto, e apesar disso, mesmo que esta Assembleia entenda que a proposta de lei não deve, por hipótese, ser imediatamente posta à discussão pública, após a votação na generalidade, faremos novo requerimento, para que, pelo menos durante o período em que a proposta de lei estiver na comissão, se possa fazer essa discussão pública.
Era este o sentido da nossa proposta.
Quanto ao Sr. Deputado Ângelo Correia, como acabou por não me fazer qualquer pedido de esclarecimento, nada tenho a responder.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, está inscrito o Sr. Deputado Anacoreta Correia.
Como faltam 10 minutos para as 20 horas, pergunto se a sua intervenção vai para além dos 10 minutos.

O Sr. Anacoreta Correia (CDS): - Não Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Suponho que o sentido da pergunta que V. Ex.ª fez era a de o debate não ter hiatos. Mas, Sr. Presidente, ele existiria sempre se, na sequência da intervenção do Sr. Deputado Anacoreta Correia, fizéssemos o intervalo e só depois recomeçássemos a sessão com os pedidos de esclarecimento.
Gostaria, pois, se me permite, de fazer uma proposta concreta, isto é, que se fizesse desde já o intervalo e recomeçássemos 15 minutos mais cedo do que o previsto, o que permitiria ao Sr. Deputado Anacoreta Correia iniciar a sua intervenção e os pedidos de esclarecimentos teriam uma sequência normal e directa sobre a intervenção.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Anacoreta Correia estiver de acordo com esta sugestão, a Mesa não vê nenhum inconveniente.

O Sr. Anacoreta Correia (CDS): - Com certeza, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Nesse caso, interrompíamos já a sessão e o Sr. Deputado Anacoreta Correia faria a sua intervenção logo que a sessão recomeçasse.
Contudo, antes vou passar a ler um requerimento do seguinte teor:

Os deputados abaixo assinados requerem o prolongamento da sessão até à conclusão da discussão e votação da proposta de lei n.º 55/III, com intervalo para jantar entre as 20 horas e as 21 horas e 30 minutos.
De acordo com a sugestão do Sr. Deputado João Amaral, o intervalo será entre as 20 horas e as 21 horas e 15 minutos.
Vamos então votar o requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, suspendo a sessão, que recomeçará às 21 horas e 15 minutos. Está suspensa a sessão.

Eram 19 horas e 50 minutos

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 22 horas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Anacoreta Correia.

O Sr. Anacoreta Correia (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS não pode deixar de se congratular com o facto de o Governo ter finalmente submetido à apreciação desta Câmara uma proposta de lei tendente a dotar o País dos serviços de informações que permitam aos órgãos de soberania, e muito particularmente ao poder executivo, cumprir plenamente as suas tarefas constitucionais.
Nenhum Estado pode assegurar a sua sobrevivência se os seus governantes não dispuserem de informações seguras. Assim, se a necessidade é comum a todos os Estados, quaisquer que sejam os regimes políticos neles vigentes e quaisquer que sejam os princípios e os valores em que esses regimes se baseiam, ela assume o maior relevo nos Estado de direito democráticos. Por um lado, porque a própria essência do pluralismo e o estrito respeito das liberdades os torna potencialmente vulneráveis, na ordem interna como na externa. Por outro lado, porque o respeito rigoroso dos valores democráticos, designadamente dos direitos fundamentais dos cidadãos, impõe que a construção dos instrumentos que assegurem a defesa do Estado salvaguarde sempre e em todas as circunstâncias os direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagradas. A proposta de lei do Governo, bem como o debate até agora travado, tem demonstrado haver uma larga zona de consenso quanto aos parâmetros que devem balizar esta iniciativa legislativa.
Em primeiro lugar, o facto de o diploma propor uma criação de 3 serviços de informação, o que, sendo uma garantia contra os abusos que sempre podem decorrer da excessiva concentração do poder, resulta, por outro lado, do próprio texto constitucional.
Com efeito, a Constituição da República distingue claramente as funções que cabem à polícia na defesa da segurança interna e dos direitos dos cidadãos (n.º 1 do artigo 272º), dos objectivos da política de defesa nacional enunciados no n.º 2 do artigo 273.º, que o artigo 1.º da Lei de Defesa Nacional transcreve, e da missão das Forças Armadas referida no n.º 1 do artigo 275.º
Assim, o serviço de informações militares servirá «a defesa militar da República». O serviço de informações estratégicas de defesa carreará elementos para uma política susceptível de prevenir «as agressões ou ameaças externas», abrangendo naturalmente os desenvolvimentos da estratégia indirecta que caracteriza a maioria dos conflitos na esfera internacional contemporânea e o serviço de informações de segurança apoia a acção policial da Administração e tem a especial responsabilidade de garantir a legalidade democrática e a segurança do Estado.
E se, para as Forças Armadas, as informações assumem vital importância, susceptível de algum modo de suprir as deficiências de meios materiais cujos custos aumentam incessantemente à medida que avança a sofisticação tecnológica dos armamentos, para as forças que têm de defrontar, prevendo mais do que reprimindo, novas formas de criminalidade violenta, a obtenção tempestiva de informações e o seu adequado tratamento é porventura mais importante que o aumento de efectivos e que a melhoria das técnicas utilizadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O apoio que, na generalidade, o Grupo Parlamentar do CDS dá à proposta de lei em apreço não nos faz esquecer, nem por um momento, a necessidade de ponderar, cuidadosa e exaustivamente, todas as cautelas que nesta matéria se devem tomar de forma tempestiva.
É certo que o Governo se preocupou com o controle e fiscalização dos serviços de informação ao propor a criação, por um lado, do conselho superior de informações, e, por outro, da comissão parlamentar de fiscalização.
Entende, porém, o CDS que não foram devidamente acautelados os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos face à actuação dos serviços, cuja criação e reestruturação se pretende.
Não bastam, com efeito e para além dos controles referidos, a proibição do exercício de actividades própria das polícias, nem o dever de sigilo, aqui tão insistentemente recordados, há dias, pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
É necessário, diríamos mesmo, é indispensável, que a lei consagre, expressamente e em termos adequados, as medidas necessárias à concretização da defesa da reserva da intimidade da vida privada e familiar dos cidadãos face à actividade dos serviços de informações.
É preciso, em suma, que a norma correspondente ao n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República encontre adequada expressão no texto da proposta, em conformidade, aliás, com o que se dispõe no n.º 2 do mesmo artigo.
O CDS desejaria afirmar, a terminar, a sua total disponibilidade para, na sede própria, dar o seu contributo para a melhoria efectiva de um texto inovador e de enquadramento, que tem o maior relevo na estrutura de um Estado de direito contemporâneo que não é uma realidade autónoma e que se encontra envolvido por múltiplas interdependências que, sendo muitas vezes clandestinas, importa descortinar.

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Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Anacoreta Correia, vou anteceder as duas questões que lhe quero colocar de uma consideração de ordem geral, que bem compreenderá.
É um pouco difícil falar com o CDS sobre questões de serviços de informações. É um pouco difícil para partidos democráticos, nomeadamente para o nosso partido, ...

Risos do CDS.

... estabelecer um diálogo com VV. Ex.ªs em torno da questão dos serviços de informações.
Mas, mesmo assim, vou colocar-lhe duas questões muito concretas.
Primeira: na configuração que o Sr. Deputado fez dos serviços de informações colocou algumas reservas no que toca à questão dos objectivos, nomeadamente no que toca à questão da possibilidade de serviços como os que aqui estamos a discutir passarem da área de defesa nacional para a área da segurança interna, sem que esteja definido o que é segurança interna e sem que esteja esclarecido aquilo que deverá ser o âmbito concreto que cada um desses serviços - os que se reportam à defesa nacional e os que se reportam à segurança interna - tem como ponto de referência, digamos assim. Pergunto lhe, pois, como é que, não estando isso definido, é possível aprovar na generalidade uma proposta de lei como a que estamos a discutir.
A segunda questão refere-se à estrutura, que tem a ver, naturalmente, com a configuração de poderes constitucionais que é atribuída aos diferentes órgãos de soberania. Pergunto como é que será possível aprovar na generalidade uma proposta que na prática reduz em benefício do Governo competências que não são só do Governo, nos exactos termos constitucionais.
Esta foi a pergunta que fiz ao Sr. Deputado Luís Beiroco, cuja resposta ele me remeteu para a sua intervenção. É, pois, nesse quadro que espero um esclarecimento mais completo, esclarecimento que há pouco não foi feito.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Anacoreta Correia, como há mais oradores inscritos, pergunto se deseja responder já ou no fim.

O Sr. Anacoreta Correia (CDS): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís Nunes pode dizer-me para que efeito pede a palavra?

O Sr. José Luís Nunes (PS): - É para pôr uma questão ao Sr. Deputado Anacoreta Correia.

O Sr. Presidente: - Desculpe, mas não percebi, rir. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - É para fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Anacoreta Correia.

O Sr. Presidente: - Com certeza. Sr. Deputado. Tem a palavra.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, «pôr uma questão» ou «pedir um esclarecimento» são sinónimos, e eu preferi usar essa linguagem vulgar à erudita linguagem regimental, pelo que peço desculpa a V. Ex.ª e à Câmara.

O Sr. Presidente: - Aprecio muito a sua linguagem erudita. Só que há pouco não ouvi o que disse.

Risos.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado Anacoreta Correia, em estilo telegráfico, queria pôr-lhe uma questão muito simples.
Ouvi com atenção a referência que fez aos direitos da personalidade e à intimidade familiar e devo dizer-lhe que, obviamente, partilhamos do ponto de vista que aqui foi expresso. O princípio da rizervatezza aparece definido no nosso Código Civil e em alguns aspectos na nossa legislação penal.
Há uma questão que, para o debate na especialidade, gostava de pôr ao Sr. Deputado e com a qual eu próprio me debato um pouco. Pensa o Sr. Deputado que bastará uma remissão genérica de principiologia para as disposições existentes na lei portuguesa ou deverá fazer-se uma espécie de conjuntos gerais em relação a essa matéria, inclusive reproduzindo o que existe, mesmo correndo o risco de qualquer coisa ficar omissa, e reproduzi-lo nesta lei?
Devo dizer-lhe que, pela parte que me toca e com os riscos que isto implica - que são limitados -, não temos dúvida nenhuma em reproduzir as normas vigentes sobre os direitos da personalidade na proposta de lei aquando da votação na especialidade.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Na sua intervenção, o Sr. Deputado Anacoreta Correia, em nome da sua bancada, refere que, em torno desta proposta governamental, existiria, como característica fundamental, um enormíssimo consenso. Creio que analisar estas coisas da forma como o fez na sua intervenção não traduz aquilo que o debate tem revelado. Consenso em torno de quê? Em torno de uma ideia, de um princípio, de uma concretização ...
Creio que o debate tem revelado precisamente a enorme dificuldade, nas presentes condições portuguesas, de estabelecer um consenso, que o seja realmente, amplo, representativo, real, em torno de uma proposta que nos é trazida neste quadro e com este conteúdo que em si mesma é, desde logo, motivadora de polémica e engendradora de justíssimas preocupações, inquietações e críticas, como as que a minha bancada tem dirigido à proposta desde o início do debate.
Mas o que tem caracterizado este debate não é só isto; é precisamente o facto de essas críticas à proposta virem de todos os lados e o próprio Governo

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reconhecer que ela vem assinalada por manchas, por vícios, como aqui aconteceu desde o primeiro momento.
Dir-se-ia, pois, que numa matéria em que se exigiria a máxima cautela e uma metodologia adequada, o Governo nem teve cautela nem a metodologia, pelos vistos, é satisfatória.
Creio que o debate provou, e gostaria de o ouvir sobre essa matéria, precisamente que é tudo discutível, a delimitação que a proposta faz é absolutamente imprecisa e perigosa e, por isso mesmo, intolerável, injustificável. Não se compreende, como tal, que seja sequer apresentável à Câmara. De várias bancadas vem esta observação.
Aliás, ouvimos aqui o Sr. Ministro de Estado afirmar que não é indiscutível que sejam 3 serviços. Mas os próprios pressupostos de que vem rodeada esta proposta foram aqui questionados, sem que houvesse da parte do Governo ou das bancadas governamentais uma réplica clara às nossas críticas. Da bancada do CDS e chegada a altura de virem as respostas, uma vez que se afirma subscritor da ideia que não das soluções.
Uma vez que falou na necessidade de ponderar as cautelas, gostaria de lhe perguntar, concretamente, em que cautelas é que o CDS pensa para evitar os males que reconhece decorrerem da proposta, tal qual se encontra redigida e com as características que tem. Quais são as dependências exactas, os meios de controlo exactos e os elementos de delimitação que o CDS se propõe apresentar para evitar, na sua própria lógica de argumentação, os riscos de perversão que, a nosso ver. com mais ou menos cautelas, podem acarretar efectivos danos nas presentes circunstâncias da vida política portuguesa?
Eram estas as perguntas que não queríamos deixar de lhe fazer.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Anacoreta Correia.

O Sr. Anacoreta Correia (CDS): - Ao Sr. Deputado João Amaral, gostaria de dizer que talvez por distracção minha não ouvi o meu colega Luís Beiroco remeter para a minha intervenção uma resposta a uma pergunta sua.
De qualquer modo, devo dizer que pensamos, e entendemos que isso nada tem de dramático, que estes diferentes serviços de informações são efectivamente serviços que devem destinar-se, entre outras finalidades, a prestar um apoio na acção do Executivo e que compete à Assembleia da República acautelar as fórmulas de como é que esses serviços de informações são fiscalizados e utilizados. Portanto, nós estamos no uso da nossa competência ao analisarmos essa matéria.
Quanto à segunda questão, gostaria de dizer que, em termos dos elementos de uma política de defesa nacional e de segurança interna, também entendo que esta proposta seria discutida com muito mais profundidade se já conhecêssemos o ponto de vista do Governo sobre a chamada lei da segurança interna. Esse é, aliás, um dos pontos de discordância que nós temos perante esta proposta de lei e que vamos discutir em sede própria.
Quanto à pergunta do Sr. Deputado José Luís Nunes sobre os problemas da reserva de intimidade, utilizando um termo que agora não sei repetir, gostaria de dizer que, independentemente de haver um largo consenso sobre a necessidade dos serviços de informações, parece-me que pelo menos neste momento estão garantidas três áreas de consenso, se não pela totalidade da Câmara, pelo menos pela grande maioria da Câmara.
Primeiro, a proposta do Governo não é suficientemente profunda no que diz respeito à defesa das liberdades, direitos e garantias. Nós entendemos que aí não deverá apenas haver uma enunciação genérica em termos constitucionais, mas deve ir-se, inclusivamente, para uma descrição daquilo que os serviços de informações não podem fazer e que aqui já foi enunciado, ou seja, não podem exercer actividades policiais, não podem exercer actividades de buscas, não podem exercer escutas telefónicas, etc., etc., a não ser por mandato judicial.
A segunda questão, que me parece ser uma área de consenso adquirida por quase toda a Câmara, tem a ver com o facto de que o Parlamento deve chamar a si a questão da legislação complementar, que não deve ser feita por decreto regulamentar, mas através de um decreto-lei de forma que, em qualquer altura, o Parlamento possa pedir a sua ratificação.
Em terceiro lugar, parece-me que, como área de consenso, se pode também apontar o problema de que há uma pequena inconstitucionalidade - foi essa a palavra dita pelo Sr. Ministro de Estado, embora nós não gostemos muito da terminologia das pequenas e das médias inconstitucionalidades -, no que diz respeito à constituição da comissão parlamentar de fiscalização. Este é um problema que tem que ser analisado em sede própria, ou seja, aquando da discussão na especialidade.
De qualquer modo. há também alguns pontos com os quais não estamos de acordo. Temos as nossas reservas sobre se as dependências dos serviços de informações são as mais adequadas de acordo com a proposta de lei do Governo. De resto, essas dúvidas sobre as dependências dos serviços de informações foram já aqui apresentadas por parlamentares de partidos que apoiam o actual Governo. Temos, também que fazer uma a crítica pelo facto de que a lei da segurança interna não acompanhar esta proposta de lei, havendo ainda vícios de forma na medida em que não são definidas o que são informações e acerca de quo e de quem se podem colher informações.
Entendemos, por outro lado, que o acento tónico da apresentação da proposta de lei com base na criminalidade é uma apresentação defeituosa; trata-se, acima de tudo, de elementos estratégicos e de defesa do Estado democrático. Entendemos também -isto só para citar alguns dos casos que na discussão na especialidade iremos apresentar- que é preciso referir, de uma forma perfeitamente clara, as relações entre os serviços de informações e as diferentes polícias.
Creio que respondi às perguntas que me foram postas e exprimi o ponto de vista do meu grupo parlamentar sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Quase no termo do debate na generalidade da proposta de lei n.º 55/III, que visa a criação de «serviço de informações», podemos dizer que, mau grado as limitações de que a maioria pretendeu rodeá-lo, no início, ele foi bastante esclarecedor para quem quis ser esclarecido.
Parece-nos por isso oportuno salientarmos algumas das conclusões mais importantes que a nosso ver resultam destes dias de discussão antes que a Assembleia adopte a grave decisão de votar esta proposta de lei na generalidade.
Em primeiro lugar, tornou-se de uma total clareza que a criação dos chamados «serviços de informações», ao contrário do que demagogicamente anunciou a propaganda governamental, não se destina a combater a criminalidade, nem a garantir a tranquilidade e a segurança dos cidadãos.
Isto mesmo foi explicitamente reconhecido nas próprias bancadas que sustentam o Governo.
Mais ainda, os «serviços de informações» que o Governo quer criar foram claramente definidos na intervenção do Vice-Primeiro-Ministro (que os Srs. Deputados deviam ter ainda o cuidado de reler antes de votar!) como serviços «que ajudem as entidades competentes a tomar decisões e a conduzir a política e que habilitem as entidades com funções policiais a desenvolver posteriormente as suas funções ...».
O Sr. Deputado Angelo Correia, a quem ninguém negará experiência nesta matéria, foi ainda mais longe ao comunicar à Câmara, com inusitada franqueza, a sua noção de informações. Segundo ele e usando as suas palavras: «a análise daquilo que se consideram a identificação, a possibilidade e as intenções (até as intenções, assinalo eu) de grupos ou indivíduos que se colocam numa situação de hostilidade e que estão ou podem estar empenhados em acções claramente contrárias ao exercício da ordem democrática de um país e que atentem, por isso, contra a sua segurança ...».
Aqui está, sem mais aquelas, a receita para cozinhar «agitadores profissionais» de que tivemos uma amostra simples mas significativa na «insurreição dos pregos» e as tentativas para organizar a grande repressão da primeira greve geral de 1982.

Aplausos do PCP.

Sabemos por uma triste experiência de quase meio século de como se passa deste atestado para a incriminação por atentado contra a segurança interna e externa do Estado ou qualquer delas, o que está presente aliás no discurso do Vice-Primeiro-Ministro quando refere o desempenho posterior das suas funções por parte das entidades policiais.
Vem a propósito dizer que «a intentona», recentemente inventada pelo Governo, para preparar com alta probabilidade novas acções repressivas contra os trabalhadores trouxe à superfície a inquietante questão da continuidade da acção do actual Governo, em relação à acção do anterior Governo da AD, também neste domínio. Resta saber se é só apenas uma questão de continuidade política, ou se os serviços que agora inventam esta «intentona» não são exactamente os mesmos que inventaram outras provocações contra os trabalhadores, as quais foram criadas junto do gabinete do anterior Ministro da Administração Interna.

Aplausos do PCP.

Bem pode o Sr. Ministro de Estado, Almeida Santos, invocar o exemplo da D. Branca, para tentar branquear o carácter pesadamente atentatório das liberdades destes «serviços de informações» que o Governo quer criar. As conclusões da discussão são inquestionáveis e o caso da D. Branca é um bom exemplo de como o combate à criminalidade não é uma questão de «serviços de informações».
O debate confirmou, em segundo lugar, que os «serviços de informações» que o Governo quer criar são serviços de informações políticas, que as actividades que o Governo quer identificar e acompanhar são as actividades políticas, que os grupos ou indivíduos hostis, de que falou o ex-Ministro da Administração Interna da AD, podem ser na verdade todos os adversários políticos do Governo.
Estes «serviços de informações» configurados na proposta em discussão que os oradores governamentais aqui apresentam como garantia da ordem e das instituições democráticas transformam-se rapidamente, como atestam experiências recentes de outros países, em centros de envenenamento, intriga e policiamento da vida democrática e em factores de atrofiamento e perversão da própria democracia.
Isto não é um «mito», como quis fazer crer o Sr. Ministro de Estado, Almeida Santos.
Temos, é verdade, uma sensibilidade particularmente apurada para pressentirmos essa natureza de perigos exactamente porque sofremos a acção de serviços de informações (a PIDE nas suas diferentes designações) que imperaram durante meio século na vida portuguesa e foram um sustentáculo fundamental da ditadura fascista (lembre-se num parênteses que a primeira designação da PIDE foi precisamente a de Polícia de Informações, Decreto n.º 15 195, de 17 de Março de 1982, e a sua acção ficou logo assinalada por uma avalancha de brutalidades e crimes).
É esta experiência que nos leva também, com toda a legitimidade, a interrogar sobre qual a razão da urgência com que o Governo quer «devorar» (para usar uma expressão do Sr. Ministro de Estado) os escrúpulos, as objecções e as discordâncias que contra os seus «serviços de informações» se manifestam na opinião democrática?
Não é a defesa da democracia, está demonstrado! Por alguma razão é unânime o coro de aplausos de toda a direita - mesmo a fascizante e fascista, que nunca negou a sua simpatia pelo fascismo, a da democracia orgânica - por estes serviços. Se fossem serviços para defender a democracia, seguramente que os tradicionais adversários da democracia em Portugal não aplaudiram, entusiasticamente, este serviço como o fazem. Não é com certeza um facto casual que esta pressa devoradora com que o Governo quer criar os «serviços de informações» coincida tanto com a pressa de abrir ao grande capital a banca, os seguros, os cimentos e os adubos, como com a pressa de devorar direitos e conquistas fundamentais dos trabalhadores e o poder de compra do povo português.

Aplausos do PCP.

As grandes iniciativas do governo PS/PSD no campo da segurança e do aparelho repressivo desenvolvem-se a par da intensificação da restauração monopolista.

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Os «serviços de informações» governamentais não visam alertar as defesas da democracia para os propósitos antidemocráticos e restauracionistas dos grupo financeiros, mas visam precisamente prevenir os novos grupos financeiros contra futuros desenvolvimentos da democracia portuguesa.
O que preocupa o Governo não é o patronato reaccionário que não cumpre a lei, descapitaliza as empresas, faz importações fictícias e não paga salários a tempo e horas, que defrauda gravemente a economia nacional e os trabalhadores portugueses. O que o Governo coloca na mira dos seus «serviços de informações» é precisamente detectar a resistência dos trabalhadores contra estes atentados, identificar os alegados «cabecilhas» e desarticular a sua justa e patriótica luta.
A iniciativa do Governo visa criar, de uma penada, os mastins da banca privada e os bufos dos trabalhadores!

Aplausos do PCP.

A iniciativa de criar os «serviços de informações» surge a par do agravamento das medidas governamentais antipopulares chamadas de «austeridade» -alta vertiginosa dos preços, lay-off, despedimentos, corte de subsídios sociais e aumentos dos impostos - e a par com o alastramento do desemprego, do endurecimento da crise e da miséria e por isso mesmo nem a mais hábil e lustrosa oratória pode disfarçar que não se trata de um instrumento para meter medo aos ladrões e aos bandidos internacionais, mas precisamente de um instrumento para intimidar os honrados cidadãos portugueses indignados com a política do Governo e para desencorajar e amordaçar o protesto das massas.
A ocasião escolhida pelo Governo para fazer nascer os seus «serviços de informações» fica assinalada, aliás, como nenhuma outra depois do 25 de Abril, por uma grave intensificação de acções repressivas, arbitrariedades e brutalidades contra os trabalhadores e o povo em geral, que se desenvolveram mesmo no decorrer deste debate e que por várias vezes tivemos de denunciar aqui na Assembleia da República.
O Governo, que tem deixado transparecer cada vez mais o seu carácter antioperário e antipopular, acentua todos os dias as suas práticas antidemocráticas.
As forças reaccionárias que conspiram contra a democracia sentem-se, por isso, perfeitamente descansadas com estes «serviços de informações» que não estão virados contra elas, mas contra aqueles que lutam decididamente para conservar o 25 de Abril e o regime democrático por ele criado.
Respondendo a um outro «mito», que a propaganda governamental tem pretendido criar, importa esclarecer, como terceira conclusão fundamental, que só por uma absurda ingenuidade poderia alguém acreditar que «serviços de informações» como os configurados na proposta governamental vão fechar o espaço português à intromissão e à acção de serviços secretos estrangeiros. Nas circunstâncias presentes ninguém ousará negar que um dos perigos que cerca a criação de tais «serviços de informações» em Portugal é que eles venham a ser de tal maneira infiltrados do topo à base por agentes estrangeiros que não conservem de português mais nada além do nome.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E assim, tal como existe & Ford Lusitana e a Renault Portuguesa, tínhamos amanhã uma sigla nacional para cobrir serviços que prosseguem os objectivos de governos estrangeiros.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Vem a propósito salientar que a questão da segurança externa e a missão reservada ao serviço de informações estratégicas de defesa foi aqui trazida pelo Ministro da Defesa, de quem, segundo a proposta de lei, dependerá directamente, em termos particularmente inquietantes. Amalgamando, contra o que a Constituição estabelece, as esferas da defesa e da segurança, o Vice-Primeiro-Ministro mostrou como o seu «serviço» pode invadir, à sombra das chamadas «estratégias indirectas», a área dos direitos, liberdades e garantias dos portugueses e até a área de outros «serviços» e se poderá tornar num centro de conspiração contra a democracia portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Vimos como o debate contribuiu para desfazer o «mito» da necessidade de «informações políticas» para o combate à criminalidade e ao banditismo. Pela nossa parte, sublinhamos que este combate tem de ser intensificado pela via normal, que são as forças policiais da República, nada negligenciáveis, nem pela qualidade nem pela quantidade, e que disfrutam, como foi reconhecido pelos membros do Governo, de serviços de informações especializados.
Vimos também como o debate ajudou a desfazer o mito de que os «serviços de informações» que o Governo quer criar são necessários à defesa do regime democrático. Pela nossa parte, pusemos em evidência que a criação de tais serviços não só não defende o regime democrático, como pelo contrário, reflecte e fomenta o atrofiamento e a perversão da nossa democracia.
Neste quadro, o debate revelou uma quarta conclusão fundamental, que é a de que o policiamento da nossa vida política obtido por via dos serviços de informações contenderá gravemente com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos portugueses, que não só com os seus direitos políticos.
A criação dos «serviços de informações» representará só por si a reposição dos factores de constrangimento e desconfiança que afectaram a nossa vida social e política durante meio século. Mas os «serviços de informações» tenderão a incentivar também a generalização e a «oficialização» de práticas ilegais contra os cidadãos, com as escutas telefónicas, a violação da correspondência, as escutas electrónicas, a actuação dos informadores, os enxames de bufos.
Isto, que podia ser apenas uma tendência gerada pela natureza dos serviços que o Governo quer criar, é, com alta probabilidade, a avaliar pelas notícias vindas a público, a tradução afinal das orientações que o Governo pretende consagrar com a lei de segurança interna.
Fica-se abismado com as notícias da imprensa, até agora não desmentidas pelo Governo, de que o Conselho de Ministros está a discutir um projecto de proposta de lei de segurança interna que comporta aberrações anticonstitucionais, desde sempre consideradas pela opinião democrática portuguesa como identificadoras de

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um estado policial, tais como: a possibilidade de serem passadas buscas domiciliárias sem mandato do juiz, a possibilidade de serem autorizadas medidas de escuta telefónica e de fiscalização de correspondência pelo comando das forças de segurança e pelo director-geral da Polícia Judiciária, a atribuição de poderes ao MAI para proibir reuniões ou manifestações desde que considere que envolvem perigo iminente para a manutenção da ordem pública ou para a segurança de pessoas e bens, a delegação ao comandante das forças de segurança do poder de interditar o acesso dos jornalistas aos locais onde decorrem operações.
Isto é muito mais do que a chamada «democracia musculada», em certos aspectos ultrapassa mesmo aquilo que se encontrava legislado durante a ditadura fascista.
Razão tínhamos nós para considerar, quando se discutiu a urgência, que não estavam reunidas as condições para se discutir a proposta de lei sobre os «serviços de informações». A definição do quadro em que a sua actuação se verificará está omissa para a Assembleia da República, mais ainda, aquilo que se conhece ultrapassa as mais pessimistas previsões sobre os propósitos do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Um exemplo claro é ainda a proposta de lei chamada de protecção de dados, que já aí apareceu e que, ao contrário do que foi anunciado e prometido pelo Governo, não dá quaisquer garantias de protecção aos direitos dos cidadãos portugueses contra a organização e tratamento de dados, contra os «SERVIÇOS de informações».
Alguns Srs. Deputados talvez apaziguem as consciências proclamando «mas ainda não é a PIDE», arguindo, como viram fazer a alguns membros do Governo, que a recolha de informações está separada da função policial.
Mas, Srs. Deputados, não esqueçam que a própria proposta estabelece as condições de coordenação dos serviços de recolha de informações e as forças policiais e que, ao contrário do argumento governamental, poderíamos asseverar que as funções estão separadas para adquirirem maior eficácia sobre a vida e actividade dos cidadãos contra quem são dirigidas.
Não esqueçam também que o fim último da acção dos serviços de informações, tal como foi apontado pelo Vice-Primeiro-Ministro, Mota Pinto, é precisamente o de fornecer elementos à acção das entidades policiais - está no seu discurso.
Há, por cima disto, outras formas de perseguição política que nada ficam a dever à perseguição policial. Pensem nas discriminações, nas segregações, nas «interdições» profissionais que um poder intolerante e sectário pode fazer com base nas informações políticas como as que se pretendem recolher e organizar.
Intolerância e sectarismo são a verdadeira marca de origem da proposta do Governo! O debate permitiu por isso mesmo pôr em evidência uma quinta e essencial conclusão: a de que os «serviços de informações» configurados na proposta de lei são de tal maneira governamentalizados que não se podem chamar serviços de informações da República ou do Estado, pois são verdadeiramente serviços de informações do Governo. De acordo com esta lógica, friamente estabelecida, os demais órgãos do poder político - Presidente da República e Assembleia da República- são completamento arredados da direcção e até da fiscalização dos «serviços de informações».
O controle fica exclusivamente nas mãos do Governo e absolutamente centralizado nas mãos do Primeiro-Ministro, que, mais do que uma alta autoridade, se vai prefigurando como um superpolícia que ultrapassa os projectos mais arrojados dos mais ambiciosos ministros do Interior.

Aplausos do PCP.

O Orador: - Concluímos afirmando que, da nossa parte, admitimos a existência, que aliás se verifica, de um serviço relativo à defesa nacional ou à segurança externa, preferencialmente militar, mas com adequada fiscalização parlamentar, como existe noutros países, e a existência, que também se verifica já, de serviços de informações da polícia de investigação criminal correctamente organizados.
Mas aos serviços de informações políticas, como às polícias de investigações políticas, nós dizemos rotundamente não! Já temos a nessa conta, 50 anos bastam!

Aplausos do PCP.

Uma voz do PS: - Não querem serviço de informa coes porque já têm.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não é isso. f á vimos como foi e não queremos mais!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Há pouco o Sr. Deputado João Amaral filiou a posição do Grupo Parlamentar Comunista no facto de verem contra o texto concreto que foi presente à Assembleia emanado do Governo. Agora, V. Ex.ª abandona essa linha de ataque em relação à proposta de lei e remete para a maldade do Governo, não para a maldade do texto concreto que aqui temos. Em que ficamos? É o Governo que é mau e, necessariamente, tudo o que produz é mau ou é o texto que é mau?

O Sr. João Amaral (PCP): - Das duas, três.

O Orador: - O Sr. Deputado quer interromper-me? Faça favor.

O Sr. João Amaral (PCP): - Admito perfeitamente que o Sr. Deputado possa ter interpretado mal, talvez por más condições auditivas, aquilo que eu disse no contexto.
O que eu disse foi, tão-só, que no que toca à proposta de lei n.º 55/III, o que eu estava a analisar não eram as intenções deste ou daquele grupo parlamentar, mas aquilo que estava concretamente escrito na proposta de lei. Isso e nada mais.

O Orador: - Pronto, fiquei esclarecido. Era isso mesmo que eu estava a dizer.
Fiquei com a impressão de que, para o Sr. Deputado Carlos Brito, a bondade ou a maldade e a correcção ou a incorrecção de uma proposta de lei deste

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tipo depende mais da natureza do Governo e de quem está no poder de que do texto concreto que é proposto, ou seja, das condições concretas que afloram e se exprimem no texto apresentado. A questão fundamental e saber quem está no poder. É o inimigo que temos que abater e, portanto, é necessariamente mau. Porque se fossem outros os partidos no poder, o texto já não seria necessariamente mau. O raciocínio do Sr. Deputado Carlos Brito é este.
Permito-me colocar mais duas questões. O Partido Comunista tem dito várias vezes que este governo é pior que o da AD. E dou de barata tal afirmação. Mas pergunto-me: quando é que o Partido Comunista faz a sua autocrítica perante esta Câmara, já que foi ele um dos principais responsáveis na linha de força da luta pública - aliás correctamente, como afirmei - contra o governo da AD? Se cada vez que o Partido Comunista se esforça por deitar abaixo um governo lhe sucede sempre um governo pior, afinal, o Partido Comunista é responsável pelo piorar constante da situação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A nossa oposição ao texto do Governo reside no texto concreto e não nas intenções que estão por detrás dele.
O Sr. Deputado disse que em alguns países havia controle parlamentar sobre as informações para a segurança externa. Pergunto-lhe concretamente quais. É porque é muito importante saber, concretamente, em que países e que há controle parlamentar dos serviços de informações, pois isso foi, exactamente, aquilo que acabámos por propor nas alterações à proposta de lei, porque consideramos que não legislamos para este governo, mas sim para todos os governos, sendo essencial assegurar o controle parlamentar, seja este ou outro governo.
Também acho graça à reivindicação no sentido de o controle sobre o serviço de informações dever ser feito pelo Presidente da República. E quando for outro Presidente da República? O Partido Comunista mantém a necessidade de tal controle?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito obrigado pelas perguntas que me dirigiu. Noto que o Sr. Deputado talvez não tenha acompanhado este debate com a atenção que é habitual da sua parte, em relação aos debates que se produzem na Assembleia, porque senão teria reparado que, desde a intervenção do meu camarada Lino Lima, passando pela do meu camarada João Amaral, até à minha a linha é sempre a mesma. Para nós não se trata apenas do texto que nos é apresentado, isso naturalmente que é grave e têmo-lo criticado, não se trata do governo que actualmente está no poder, mas trata-se, simplesmente disto: serviços de informações políticas. E a nossa resposta é não! A nossa posição é clara. Portanto, se o Sr. Deputado César Oliveira estava distraído e não percebeu que era esta a nossa posição de fundo, fica a saber que, para nós, serviço de informações políticas, não!

O Sr. Raúl Rego (PS): - Neste regime, apenas.

O Orador: - O Sr. Deputado Raul Rego já vai perceber qual é a nossa posição.
Nós admitimos que o Estado Português precisa de ter as suas defesas e. por isso, admitimos um serviço de informações para a segurança externa, se quiser. E é esse serviço - respondo já à sua última pergunta - que configuramos como um serviço militar com controle parlamentar. E cito um país onde existe este modelo: a Suíça. É um bom exemplo.
Com isto já respondo ao essencial das suas perguntas, em relação à matéria da proposta de lei vertente.
No entanto, o Sr. Deputado fez outras considerações, por exemplo, em relação aos governos. Referiu que nós dizemos que este governo é pior do que o governo da AD. Não temos isso como uma formulação rigorosa, dizemos, apesar, que é mau, que continua o que a AD fez. Depois, disse que o PCP é o culpado, porque ajudou a derrubar o governo da AD e que agora vem um governo pior. Mas eu digo: descansem, porque nós estamos a esgotar os governos maus e qualquer dia já não há.

Aplausos do PCP.

Risos do PS e do PSD.

E isto não é só uma piada.

Uma voz do PSD: - É uma ameaça?

O Orador: - Não, estamos a esgotar a probabilidade dos maus governos. Os 2 partidos que constituem o actual governo, neste momento, têm algumas razões para pensar, pois, que os resultados das eleições intercalares para as autarquias locais dão algumas razões para pensar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito obrigado.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Dá-me licença que interrompa?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito obrigado É só para lhe lembrar duas coisas: afinal, os governos bons parecem ser os do CDS, que tem estado a ganhar as eleições municipais; a segunda é que não é por acaso que foi a seguir ao I Governo Constitucional que o CDS esteve no governo, depois foi no da AD e agora, pelos vistos, lá vai fazendo a caminha para o CDS.

Risos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não há dúvida!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - O CDS já lá esteve!

O Orador: - Aprecio o bom humor do Sr. Deputado César Oliveira a esta hora tardia e discutindo-se uma

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questão tão grave como esta, mas quero dizer-lhe que esta experiência, a do CDS no governo, já foi feita e que os resultados foram tanto ou mais desastrosos do que os demais.
Por último, o Sr. Deputado fez uma alusão ao Presidente da República. Efectivamente, pensamos que os 3 órgãos de poder político - Presidente da República, Governo, Assembleia da República -, quaisquer que sejam os seus titulares, terão sempre que ver com os serviços de informações e que Q controle deve ser dos 3 órgãos de poder político.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado, creio que a sua intervenção foi perfeitamente esclarecedora, como, aliás, é habitual, e devemo-nos congratular porque, para esta Câmara, ficaram mais claras as posições dos grupos políticos que participam neste debate.
O Sr. Deputado Carlos Brito, na sua intervenção, faz permanentemente aquilo que, do meu ponto de vista, é uma confusão entre o que são serviços de informações e o que é uma polícia política. Naturalmente da mesma forma que também se podem fazer confusões entre o que é uma ditadura e o que é um regime democrático.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado expressa constantemente uma certa posição maniqueísta em relação aos serviços de informações: os serviços de informações são maus, porque são imbuídos de uma certa concepção de classe e orientados para reprimir uma determinada classe. Por exemplo, o Sr. Deputado falou nas forças reaccionárias que conspiram em Portugal contra a democracia, mas não referiu quais eram. Ora, gostaríamos de saber quais são essas forças que o Sr. Deputado disse que os serviços de informações não irão incomodar.
Por um lado, o Sr. Deputado manifesta uma grande desconfiança em relação à capacidade desta Câmara e das instituições democráticas para controlarem quaisquer usos abusivos dos serviços de informações e para fiscalizarem o Governo actualmente em funções ou qualquer outro, mas, por outro lado, ao longo da sua intervenção, considerou sempre que em relação ao Governo há uma maldade inerente e que em relação ao Sr. Presidente da República há uma bondade inerente.
Portanto, considera lamentável que o Sr. Presidente da República não tenha interferência nesses serviços. Talvez amanhã, com outro Presidente da República, outro seja o discurso de V. Ex.ª Mas neste país já estamos habituados a que, por vezes, se mudem as vontades consoante os tempos.
É evidente que não irei fazer perguntas sobre as posições do seu partido, pois, como toda a gente, nesta matéria, compreendo quais sejam. Em todo o caso, gostaria de lhe perguntar a que experiências negativas estrangeiros aludia na sua intervenção quanto a serviços de informações. Referiu-se aos serviços de informações existentes nos países de democracia pluralista, que são controlados e fiscalizados parlamentarmente, ou a outros? Talvez que em relação a outros países o Sr. Deputado Carlos Brito nos possa dar algumas informações úteis.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ouvi, um pouco decepcionado, o Sr. Deputado Luís Beiroco. Costuma trazer à discussão questões pertinentes e originais, mas desta vez não o fez e até usou as piadas do Sr. Deputado César Oliveira quanto à questão do Sr. Presidente da República. Portanto, acho que está a perder qualidades.
Em relação ao Sr. Presidente da República, repare que o meu partido não mudou muito. O seu partido é que mudou muito mais, pois começou por enaltecer a actual personalidade do Presidente da República. Ainda me lembro da maioria presidencial, que era invocada entusiasticamente por essa bancada como sendo capaz de transformar o País. E os senhores têm hoje uma posição completamente diferente. A nossa posição foi sempre mais moderada e mais coerente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradecia que se cingisse ao assunto que se está a discutir.

O Orador: - É em relação a mim, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - É sim, Sr. Deputado.

O Orador: - Em relação a quê, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Pedia-lhe o favor de se cingir ao assunto que estamos a discutir.

Protestos do PCP.

O Orador: - Isso não ...

O Sr. Presidente: - Acha mal que peça, Sr. Deputado?

O Orador: - Sr. Presidente, mesmo de um ponto de vista inteligente, a questão sobre o Sr. Presidente da República foi-me colocada pelo Sr. Deputado Luís Beiroco. E o Sr. Presidente não interrompeu o Sr. Deputado Luís Beiroco para lhe dizer que não podia falar do Sr. Presidente da República, um órgão de soberania que não estava presente. O Sr. Presidente não disse isso Portanto, tenha paciência.
Como eu ia dizendo.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado percebeu muito bem o que eu lhe queria dizer.

O Orador: - Acho que não percebi.

O Sr. Presidente: - Não percebeu? Então faça o favor de se cingir ao assunto que estamos a discutir.

O Orador: - Sr. Presidente, desculpe, mas eu, aqui intervenho com grande à vontade. Estou aqui há muitos anos, antes de o Sr. Presidente vir para a Assembleia, e, portanto, tenho este à-vontade que me caracteriza habitualmente.
Em relação à questão da democracia, creio que o Sr. Deputado Luís Beiroco exagera e acho que devemos

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ser mais cuidadosos. Admito que o Sr. Deputado se tenha rendido à democracia peio 25 de Abril e por tudo o que ele significou, mas estou convencido que se a ditadura continuasse o Sr. Deputado Luís Beiroco estaria a viver a ditadura ... No entanto, eu e os meus camaradas lutámos contra a ditadura, portanto, pela democracia em Portugal. Assim, acho que devemos ter mais cuidado na discussão quanto à democracia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Concretamente, no que respeita às suas perguntas, nós estabelecemos uma distinção entre a proposta quanto aos serviços de informações e quanto às polícias, mas apontamos é que ligação está prevista na própria proposta de lei.
Repare que uma entidade governamental, com a responsabilidade do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, presidente do PSD, veio aqui para dizer que um dos objectivos é fornecer elementos para que as entidades policiais possam cumprir a sua missão. Portanto, a ligação serviços, recolha de informações, acção policial está patente na proposta de lei e na interpretação que dela aqui foi trazida pela voz autorizada do Sr. Vice-Primeiro-Ministro. Aí, nesse caso, não é confusão, e se há é sua - confusão ou ingenuidade. Há aí uma ligação íntima.
Os serviços de informações políticas têm, efectivamente, neste momento uma conotação de classe. Havemos de voltar em breve a este ponto e veremos se não tem essa conotação. Estarão ao serviço da banca privada e, enfim, de novos interesses que estão a ser desenvolvidos. Não tenha dúvida. Sabemos disso através da experiência dos povos, e isto não é maniqueísmo. Não estabelecemos diferenças entre os bons e os maus. Apenas compreendemos o que é o tecido social e as lutas que aí se estabelecem. Mas estes serviços vão jogar a favor dos ricos, contra os pobres.

Aplausos do PCP.

O Orador: - É só nesse sentido que faço a referência. Se quiser, no sentido cristão da palavra.
Temos muita confiança na capacidade de intervenção da Assembleia e, por isso, aqui trabalhamos e intervimos empenhadamente. Mas o que lhe digo é que estes serviços estão preparados para afastar corripletamente a Assembleia de qualquer fiscalização. Ainda há pouco o seu colega que acabou de intervir reconheceu esse facto, isto é, a Assembleia 6 completamento alijada do processo. O Sr. Deputado conhece experiências de outros países democráticos que têm serviços de informações com fiscalização a esse nível. Acha que é aquela a zona de intervenção que e permitida aos serviços de informações?
Apesar de tudo, se esta proposta for aprovada na generalidade, espero que na especialidade haja modificações importantes.
Mas verá que a orientação do Governo vai ser no sentido de afastar a Assembleia da República de qualquer fiscalização.
Pergunta-me em que país é que os serviços de informações têm conspirado contra a democracia e têm sido centros de envenenamento da vida democrática. Pois, praticamente, em todos os países da Europa Ocidental. Mas temos o exemplo recente da Itália, onde os serviços de informações são um centro permanente de conspiração contra a democracia italiana. O Parlamento Italiano tem desempenhado algum papel, mas têm sido as forças sociais italianas que têm derrotado essas conspirações. Tem também o exemplo recente da Espanha, para não falar de outros países em que as coisas se passam mais secretamente, mas em que se sabe ter havido graves problemas, como ainda recentemente na República Federal da Alemanha, onde houve graves problemas com os serviços de informações, como fonte e centro de envenenamento da convivência democrática.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Ora, no nosso país, com as condições que temos, temos todas as razões para estar preocupados.
Além do mais, nós não dizemos que se desarme o Estado. Dizemos: arme-se o Estado, mas arme-se melhor com um serviço preferentemente, dizemos nós - de militares, mas controlado parlamentarmente. Isto com o objectivo da defesa e da segurança externa do País. Nós defendemos isso. E se esses serviços existem, melhoremos esses serviços. Essa é a melhor garantia de não haver, sequer, intromissão de serviços estrangeiros nos serviços portugueses. E isto é um tributo que nós prestamos às Forças Armadas e aos militares portugueses. De facto, pensamos que essa seria a melhor solução para Portugal e é a que defendemos.
Em relação à criminalidade, defendemos os serviços ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já excedeu muito o seu tempo.

O Orador: - Já acabei, Sr. Presidente, muito obrigado pela tolerância.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Beiroco, para que efeito tinha pedido a palavra?

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Deseja fazê-lo imediatamente ou só no fim, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Como V. Ex.ª entender, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, se o Sr. Deputado não vir inconveniente, seguimos a ordem das inscrições.
O Sr. Deputado Manuel Alegre também deseja pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Carlos Brito?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que não é conveniente confundir-se sistematicamente questões de governo com questões de regime. Infelizmente, e salvo o devido respeito,

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parece-me que o Sr. Deputado Carlos Brito fez, uma vez mais, essa confusão.
O Sr. Deputado Carlos Brito parte do seu desamor a este governo, da sua oposição perfeitamente natural, legítima e constitucional a este governo para a recusa em discutir, a um outro nível, uma questão que é fundamentalmente, uma questão de regime.
Não me parece também que se deva confundir democracia e antidemocracia.
O Sr. Deputado Carlos Brito sabe tão bem como eu qual é a fronteira entre democracia e antidemocracia, a diferença entre um estado democrático e um estado fascista. E sabe-o tanto melhor, quanto é certo que sofreu a perseguição policial do regime fascista e lutou corajosamente contra ele.
Sabe, portanto, perfeitamente que vivemos numa situação democrática, num regime democrático. E a prova é que estamos aqui a discutir e o Sr. Carlos Brito pode falar livremente numa assembleia livremente eleita pelo povo português.
Em terceiro lugar, penso que o Partido Comunista Português não aderiu a uma concepção anarquista do Estado.
O Sr. Deputado Carlos Brito sabe, tão bem como eu, que em nenhum país se verificou a célebre tese do deperecimento lento e progressivo do Estado, mesmo após a revolução. Muito pelo contrário, a tendência em todos os estados, independentemente dos regimes, é para o reforço e aperfeiçoamento de certos mecanismos.
O Sr. Deputado referiu-se a determinados exemplos em que polícias políticas ou serviços de informações têm conspirado. Posso lembrar-lhe outros exemplos, nomeadamente o daqueles processos em que foi eliminada a maioria do Comité Central do Partido de Lenine, ou o processo Slansky ou Rajk, ou o caso de Arthur London, que V. Ex.ª conhece tão bem como eu.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em relação a problemas que o Sr. Deputado aqui levantou de uma eventual lei de segurança com disposições anticonstitucionais, quero tranquilizá-lo porque se aqui vier uma lei de segurança que contenha disposições que ponham em causa os direitos e as liberdades dos cidadãos, pode ter a certeza de que tal lei contará, da parte desta bancada, com a mais firme oposição e com a mais firme recusa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, penso que não é legítimo confundir um serviço de informações de um Estado democrático com uma polícia política de um Estado autoritário, E essa é que é a questão de fundo: saber que tipo de serviço de informações.
É esta a pergunta que lhe faço: o Sr. Deputado aceita ou não que o nosso Estado, à semelhança de todos os outros Estados modernos, e independentemente do conteúdo de regimes, precisa ou não de um serviço de informação que, evidentemente, não ponha em causa os direitos e as liberdades dos cidadãos, mas se destine a defender o Estado, no plano externo e no plano interno?
Essa é que é a questão de fundo. Essa é a questão perante a qual não adianta estar a fazer confusões da natureza daquelas que me parece terem sido feitas pelo Sr. Deputado no seu discurso.
Está ou não de acordo com a necessidade da parte do Estado democrático português de um serviço de informações?
É esta a questão que tenho para lhe colocar. Sr. Deputado.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, se deseja responder ao pedido de esclarecimento formulado pelo Sr. Deputado Manuel Alegre, tem a palavra.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Manuel Alegre, quero dizer-lhe que colocou essa questão tardiamente, pois já respondi quando a mesma me foi colocada pelo Sr. Deputado César Oliveira.
Portanto, a questão está respondida.
Eu disse claramente: serviços de informações políticas, não. É esta a nossa posição. E é uma questão de regime.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O regime democrático português está configurado na Constituição da República. O Sr. Deputado não encontra no travejamento do regime democrático português o reconhecimento da necessidade da existência de serviços de informações. Não encontra isso.
O regime democrático português existe há 10 anos e passou por grandes provações sem serviços de informações, como este que se lhe pretende criar! Mas tem havido serviços de informações e toda a gente o sabe: no Estado-Maior das Forças Armadas, o INFO, que o senhor conhece.
Portanto, o Estado Português não tem estado assim desarmado naquilo de que necessita. Efectivamente, tem tido serviços de informações.
Agora, acerca deste serviço de informações, nós dizemos: não é necessário isto e uma questão de regime e sobre este assunto estamos consigo.
Mas dizemos mais: isto é a perversão do regime democrático português.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Isto é a perversão do nosso regime.
Portanto, nós não dizemos «não» por ser este governo, não dizemos «não» apenas por ser esta proposta de lei, mas dizemo-lo porque entendemos que estes serviços de informações vão atrofiar a democracia portuguesa e são a perversão da democracia portuguesa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, também pediu a palavra para um pedido de esclarecimento?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, pedi a palavra, simultaneamente, para um protesto e para um pedido de esclarecimento.

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O Sr. Presidente: - Tem de escolher, Sr. Deputado.

Risos.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não vou agora discutir com a Mesa se tenho de escolher ou não. Acho que tenho o direito de protestar e o direito de pedir esclarecimentos e acho também que as duas figuras não se confundem.

O Sr. Presidente: - Acontece que o Sr. Deputado não pode juntar os tempos das duas figuras regimentais.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Farei o protesto, silenciar-me-ei e o Sr. Presidente dar-me-á a palavra para um pedido de esclarecimento no momento que julgar oportuno, ou vice-versa.
De facto, penso que tenho o direito de protestar e o direito de ser esclarecido.

O Sr. Presidente: - Então o Sr. Deputado fará o favor de pedir o esclarecimento protestando, e terá para isso 3 minutos.

Risos.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Não, Sr. Presidente. Continuo a reivindicar o direito de pedir o esclarecimento e o direito de protestar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de escolher.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, então inscrevo-me.

O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado, mas inscreveu-se para pedir esclarecimentos na devida altura, de forma que tem 3 minutos para o fazer.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Inscrevi-me na devida altura para fazer um pedido de esclarecimento e um protesto.
Não vamos discutir, Sr. Presidente. Procurarei resumir nos 3 minutos que V. Ex.ª me concede os pedidos de esclarecimento, mas que fique também registado que o faço contrariado, pois penso que vi cerceado um direito que o Regimento me concede.
Mas, se V. Ex.ª me permite, vamos adiante, para não fazermos a Assembleia perder mais tempo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não sou eu quem lhe concede o tempo, mas o Regimento. Tem a palavra.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o meu protesto tem a ver com a forma maniqueísta como o Sr. Deputado Carlos Brito acabou por colocar a questão. Para ele tudo é simples: de um lado há os democratas, os que resistiram ao fascismo, os que resistiram à ditadura, os que dizem não à proposta de lei do Governo e que dizem não a qualquer serviço de informações, e do outro lado há os antidemocratas que dizem que não têm a posição do Sr. Deputado Carlos Brito, que não dizem liminarmente «não» ao serviço de informações, que o admitem, mesmo se porventura têm reservas quanto à proposta de lei.
O Sr. Deputado sabe muito bem que o Partido Comunista não tem nem o exclusivo nem o monopólio da democracia, sabe muito bem que entre aqueles que não têm a posição que o Partido Comunista tem nesta munista não tem nem o exclusivo nem o monopólio esta e contra a ditadura. Não tem, por isso, o direito de ofender dessa forma maniqueísta a dignidade desses deputados.

Aplausos da UEDS, do PS, do PSD e da ASDI.

Por outro lado, se eu usasse os mesmos critérios maniqueístas, diria que, curiosamente, neste momento temos, de um lado, aqueles que dizem não, radical e liminarmente, ao serviço de informações, mas que nunca disseram não ao SDCI, ao Serviço de Detecção e Controle da Informação, célebre em 1974 e 1975, e que do outro lado temos os outros.

Aplausos da UEDS, do PS, do PSD, do CDS e da ASDI.

Só que me recuso a colocar as questões dessa forma maniqueísta ou simplesmente, como lhe quiser chamar.
O Sr. Deputado Carlos Brito terminou a sua intervenção dizendo: «50 anos bastam». Pela minha parte, digo-lhe também que 50 anos bastam. E é por isso que direi sempre «não» a qualquer tipo de polícia política e estarei sempre aberto a dotar o regime democrático dos mecanismos que, no quadro da democracia e do respeito dos direitos fundamentais, garantam a sobrevivência do regime democrático contra aqueles que, sob que pretexto for, queiram pôr em causa esse regime democrático.

Aplausos da UEDS, do PS, do PSD e da ASDI.

Passando ao pedido de esclarecimento, a questão que lhe queria colocar é esta, sem medo das palavras: o Sr. Deputado considera que os únicos riscos que o regime democrático português corre são de ordem externa e que essa concepção militarista estrita da segurança externa que eu não discuto estaria já muito bem assegurada e, por isso, o assunto estaria arrumado?
Considera que os únicos riscos que o regime democrático português corre são aqueles que consubstanciam os delitos que caem no foro da Polícia Judiciária, e não sendo assim, reforce-se a Polícia Judiciária, reforce-se - curiosamente - um serviço de informação ligado a uma polícia, com tudo o que isso tem de extremamente perigoso?
Mas considera o Sr. Deputado que não há nenhum risco de complot de forças da extrema-direita - para falar apenas daquelas a que o Sr. Deputado porventura será mais sensível - que possa pôr em perigo o regime democrático? Não temos de nos precaver contra esse risco? Não há informações de natureza política - e não tenho receio de colocar a questão nestes termos - que têm de ser recolhidas por um governo democrático para defesa das instituições democráticas, porque as tentativas de golpe de estado e de subversão e volto a frisar apenas aquelas a que o Sr. Deputado é sensível, as da ex-

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trema-direita, o que não significa que eu considere que são esses os únicos riscos- não existem e o regime democrático, através de um serviço que possa controlar esse tipo de riscos, não tem legitimidade e não deve existir? Ou vamos dar à Polícia Judiciária e aos serviços de informações ligados a uma polícia competência em matéria de informação, que, quer o Sr. Deputado queira quer não, são informações de natureza política. Eu, que não tenho medo das palavras, não me recuso a classificá-las como tal.

Aplausos da UEDS, do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, tem a palavra para responder.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, apreciei muito a sua exaltação democrática, mas devo dizer-lhe que ela não foi suscitada e lamento-o- pela minha intervenção.
Isso estava preparado de trás. Portanto, foi um impulso que eu não lhe dei porque na minha intervenção não há, objectivamente, nada de maniqueísta.
Eu nunca disse «nós, os democratas; nós, os perseguidos». Não há na minha intervenção uma palavra nesse sentido. Disse: «Nós, o povo português; nós, a opinião democrática ...».

Risos.

Em muitas coisas, a opinião democrática tem um património, tem afirmações que são conhecidas, pois foram proferidas ao longo dos anos. E qualquer um de nós se pode referir a elas, porque o faz com rigor e sem estar a usurpar coisa que não é sua.
Portanto, não há nada de maniqueísta na minha intervenção. Aliás, ela pretende ser uma contribuição para uma reflexão de todos nós e nela não pus de um lado, e contra outros, os que não lutaram contra a ditadura, etc.
Tudo isto é uma experiência colectiva do nosso povo. Uns estiveram presos, outros não, mas estes sofreram, de qualquer maneira, o constrangimento da existência de serviços de informações políticas, associados a uma polícia política.
Esta foi, portanto, a primeira questão levantada pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso.
Depois, queria dizer-lhe não sei se o Sr. Deputado tem observado - que a extrema-direita está contentíssima com esta proposta de lei.

Protestos do PSD.

Uma voz do PCP: - É por acaso!...

O Orador: - Por alguma razão é, que diabo!
Leia toda a imprensa, a mais taxadamente de direita e vê que não a recusa. Estão contentes, aplaudem, querem, acham que é urgente!
Por alguma razão isto é assim, Sr. Deputado Lopes Cardoso.
Finalmente, o Sr. Deputado perguntou-me se eu não considero que além de riscos externos, não há riscos que ameacem a democracia portuguesa. Digo-lhe, Sr. Deputado Lopes Cardoso, que há riscos: por exemplo, a criação destes serviços de informações.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ângelo Correia, para que efeito pediu a palavra?

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Angelo Comia (PSD): - Quem acompanha este debate e as intervenções do Partido Comunista não pode deixar de ficar relativamente perplexo com a intervenção do Sr. Deputado Carlos Brito, porque ela introduz uma mudança profunda no pensamento do seu partido.
As intervenções dos Srs. Deputados Lino Lima, José Magalhães e João Amaral foram, no seu cerne, contrárias à existência de serviços de informações. Pelo contrário, a intervenção do Sr. Deputado Carlos Brito não o foi, e enquanto nas intervenções anteriores se diagnosticava o perigo de neste diploma se ver uma coisa que não está lá, que é a existência eventual do inimigo interno, o Sr. Deputado Carlos Brito finaliza a sua intervenção com duas propostas - e aí está a inovação!
A primeira é curiosamente a cópia do modelo norte-americano em vigor nos Estados Unidos da América, que é o único país democrático do mundo onde uma polícia de investigação criminal tem meios de jurisdição para actuar na segurança interna.
Curiosamente, o Sr. Deputado Carlos Brito reedita essa proposta no sentido de formular a hipótese da doação de meios especiais à polícia de investigação criminal, que e a Polícia Judiciária, que, por lei, tem o monopólio da investigação criminal em domínios considerados de crime contra a segurança do Estado. Este princípio está tipificado por lei e nem sequer foi contestado na Assembleia da República.
O Sr. Deputado Carlos Brito faz a afirmação da necessidade de reforço da Polícia Judiciária e outorga-a de meios para domínios adicionais à investigação criminal, ou seja, reconhece implicitamente a emergência possível do chamado inimigo interno, o qual é necessário colmatar através de meios adicionais a uma polícia. Por outras palavras, pela primeira vez o Sr. Deputado Carlos Brito admite a junção do poder de uma polícia com um serviço de informações.
Por outro lado, e em segundo lugar, o Sr. Deputado Carlos Brito afirma a necessidade de um segundo serviço dado às Forças Armadas, e que é um serviço de informações noutras áreas que não as respeitantes à investigação criminal.
Por isso, queria, muito simplesmente, perguntar ao Sr. Deputado Carlos Brito qual é o alcance, a natureza e a sua definição de informações nas áreas vertidas neste serviço de informações militares que cobriria tudo o que não respeita à Polícia Judiciária. Gostaria ainda de saber para quem é que está a verter a hipótese de ameaça que se consagra numa necessidade que o Sr. Deputado sente de dotar esses serviços quando admite a outorga de meios à Polícia Judiciária no domínio exterior à investigação criminal? Para quem se destina e qual é a sua definição de informações para esse caso, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Angelo Correia, devo dizer que apreciei e compreendo o encanto com que o Sr. Deputado se entrega a estas questões sobre serviços de informações, bem como a maneira como especula facilmente nesta área (porque, de facto, de especulação se trata!).
Aquilo que anunciei que admitimos são duas coisas que seriamente reponho para que não haja equívocos a esse propósito: em primeiro lugar, serviços de informações, preferentemente constituídos por militares, para a defesa ou segurança externa e fiscalizados pelo Parlamento, tal como existe na Suíça.
O Sr. Deputado colocou-me ainda uma questão relativamente à Polícia Judiciária. Oh, Sr. Deputado Ângelo Correia, não venha para aqui brincar! Quem dotou a Polícia Judiciária de meios poderosos foi o Governo de que V. Ex.ª era ministro da Administração Internai Não somos nós que estamos aqui a defender uma opinião, e não venha agora o Sr. Deputado transferir essa responsabilidade!
A respeito dessa questão pensamos que há um problema de banditismo e de criminalidade que é completamento diferente dos problemas da segurança interna e do inimigo interno. Trata-se da tranquilidade dos cidadãos e, efectivamente, esse problema existe e é real e, quanto a nós, tem de ser debelado.
Por isso é que, nesse domínio restrito, admitimos que a Polícia Judiciária tenha poderes fortalecidos, bem como serviços apropriados para o combate contra a criminalidade e o banditismo, ou seja, serviços apropriados para garantir a segurança dos cidadãos.
É isto que defendemos e quanto ao resto, Sr. Deputado Angelo Correia, apenas lhe posso dizer que não sei com que intenções é que V. Ex.ª dotou a Polícia Judiciária desses meios. Portanto, eu é que lhe pergunto - porque enquanto eu estou aqui a discutir, o Sr. Deputado agiu com os meios que tinha, dando poderes à Polícia Judiciária quais são as suas intenções a esse respeito. Se V. Ex.ª levanta essa suspeita em relação a uma opinião que dei integrada naquilo que existe e se o Sr. Deputado é que esteve lá dentro e acompanhou e votou no Governo, então eu é que lhe devo perguntar com que intenções o fez. Essa é que é a questão que está aqui subjacente.
Para nós está tudo muito claro. Repare que só admitimos estes serviços em relação às questões que se prendem com o inimigo interno, etc. Porém, não colocamos essa questão porque dizemos: serviços de informações políticas, não! Serviços de informações para perseguir os cidadãos portugueses, não!
Essa é a pior ameaça e o pior perigo que pode pôr em causa a democracia em Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, já aqui foi dito, e penso que é correcto, que a sua intervenção, desprendendo-se ligeiramente da lei em discussão, colocou o debate em termos gerais. Com efeito, o Sr. Deputado discutiu o problema praticamente em termos de regime. Não estávamos habituados a ouvir o Partido Comunista defender com tanta convicção os valores de uma sociedade aberta, da democracia e, de certa maneira, do pluralismo, das liberdades ilimitadas e dos direitos fundamentais sem limites.
Recordava-me, enquanto o ouvia, quantum mutatus abillo, ou quanta mudança desde aquele tempo em que o Partido Comunista não. quis acompanhar, quando votámos na Assembleia Constituinte o capítulo dos direitos, liberdades e garantias, os outros quadrantes na votação desse importantíssimo capítulo. Mas, enfim, é uma conquista da democracia e oxalá que seja sincera.
Porém, discutindo a questão em termos de regime, em termos gerais e em termos de modelo de sociedade aberta, põe-se-nos esta perplexidade em termos gerais o Partido Comunista continua ou não fiel aos valores, à metodologia, aos modelos de sociedade, de organização e de relações entre o Estado e os cidadãos e entre a sociedade e o Estado que são próprios dos partidos comunistas? Ainda neste plano dos grandes modelos de sociedade, será que o Partido Comunista deixou de os considerar para passar agora a ser adepto dos modelos de sociedade aberta onde não haja nenhuma polícia política?
A ser assim, teremos o Partido Comunista na primeira linha das manifestações contra os regimes que ainda têm polícias políticas? E não nos diga, Sr Deputado, que estamos em Portugal, porque o Partido Comunista seria naturalmente o último, por força da vocação internacionalista, a recusar a sua legitimidade para intervir em questões de carácter internacional. De resto, quando se trata dos direitos, liberdades e garantias e dos modelos fundamentais de uma sociedade, parece-me que não devemos ter limites. Somos homens ...

O Sr. Presidente: - Desculpe-me, Sr. Deputado, mas agradecia que se cingisse ao assunto que está em discussão e que formulasse o pedido de esclarecimento que deseja.

O Orador: - Sr. Presidente, salvo melhor entendimento, que decerto respeito, considero que estou inteiramente dentro do plano da discussão.
Efectivamente, eu próprio comecei por referir as coordenadas em que ia formular a minha pergunta, para as quais fui atraído pela intervenção do Sr. Deputado Carlos Brito, que disse que ia discutir a questão em termos gerais e em termos de modelo de regime. No fundo, o que está aqui em causa é isto: queremos uma democracia e um regime político democrático legitimado e com possibilidades de defesa ou, pelo contrário, queremos um regime político aberto e débil aos ataques dos inimigos?
Foi neste plano que comecei por equacionar as premissas da minha pergunta e, portanto, penso que estou dentro do plano da discussão, salvo melhor entendimento do Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Apesar de tudo, agradecia que o Sr. Deputado fosse mais conciso.

O Orador: - Nesse caso, em termos mais concisos, a minha pergunta é esta: vamos a partir de agora passar a contar com o Partido Comunista nos votos que aqui forem formulados contra todos os regimes

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políticos que têm polícias políticas ou vamos continuar a ver apenas uma face da Lua, a face da Lua do antifascismo?
Aliás, ninguém contesta ao Partido Comunista esse antifascismo, mas a verdade é que as suas atitudes levam-nos a legitimar se o antifascismo do Partido Comunista tem o complemento necessário de adesão total e integral à democracia ou se esse antifascismo não foi proclamado em nome doutra coisa em relação à qual os democratas devem continuar visceralmente anti.
Portanto, a pergunta aqui fica: vamos também contar com o Partido Comunista na primeira linha destas manifestações contra todos os regimes que ainda têm sistemas opressivos liderados pelas polícias políticas ou, pelo contrário, vamos, por ironia do destino, continuar a ter que lamentar, como o presidente Mitterrand, que os mísseis estão de um lado e os pacifistas do outro, tal como as polícias políticas estão de um lado e as vozes contra elas estão do outro?

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, para responder.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, ouço-o aqui na Assembleia há já uns bons 9 anos e, particularmente quanto aos últimos anos, quero dizer-lhe que quando o Sr. Deputado se levanta para falar há da minha parte um movimento de interesse. Mas depois é geralmente uma decepção.

Risos do PS e do PSD.

O Sr. Deputado tem todo o direito de falar, mas eu também tenho o direito a ter a minha opinião. O Sr. Deputado não fala daquilo que sabe, fala precisamente daquilo que não sabe e esta intervenção é um modelo disso.
Pode contar com o PCP para defender sempre, em todas as circunstâncias, o regime democrático português e nestas circunstâncias b PCP está contra a proposta de lei que estamos a discutir o que é perfeitamente legítimo- porque considera que ela é contrária aos interesse do regime democrático português.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Carlos Brito, nas palavras que teve a bondade de dirigir em resposta à minha intervenção há 2 pontos que merecem da minha parte um protesto. Talvez que o segundo ponto merecesse mais do que isso, mas já vai ver por que é que me fico pelo protesto.
O primeiro ponto que merece o meu protesto é uma questão circunstancial, mas que, em todo o caso, não deve ficar sem um reparo.
Quando interrogado sobre quais os regimes de democracia onde os serviços de informação tinham posto em causa o regime político, o Sr. Deputado Carlos Brito, depois de dizer que isso acontecia em todos, acabou apenas por citar o caso da Itália, da Espanha e da Alemanha. Mas, mesmo nesses, eu dir-lhe-ia, Sr.. Deputado, que as forças democráticas, como historicamente se comprova, têm tido a força suficiente para fiscalizar os serviços de informação e para triunfar de eventuais complots em que os serviços de informação, porventura, tenham sido partes.
A segunda questão - referi que talvez merecesse a invocação do direito de defesa, mas, pelo respeito que tenho por esta Câmara, e sobretudo por este direito, achei que não valia a pena usá-lo refere-se ao facto de o Sr. Deputado Carlos Brito, talvez por não ter mais argumentos, me ter pretendido dizer que eu estava rendido recentemente às excelências da democracia, enquanto o Sr. Deputado e o seu partido se tinham batido longamente por ela.
Sr. Deputado, esse tipo de argumentos não me impressiona minimamente, quer porque, graças a Deus, não tenho nada em matéria política de que me arrependa, nem antes nem depois do 25 de Abril.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - ..., quer sobretudo porque seria com certeza a sua bancada aquela a quem eu menos concederia legitimidade para dar lições de democracia a mim ou a alguém do meu partido.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E isto pela simples razão de que o conceito de democracia que V. Ex.ª professa e aquele que nós professamos não são idênticos, embora possa haver alguns pontos avulsos de convergência.
A terminar, devo dizer-lhe ainda, Sr. Deputado Carlos Brito, que, para mim, como para muitos homens da minha geração, se algumas dúvidas tivéssemos e se os exemplos aprendidos, quer pela experiência quer pelo estudo, não fossem suficientes, a actuação do seu partido em 1974 e em 1975 tinha contribuído e contribuiu efectivamente - para reforçar as nossas convicções democráticas, e isso o devemos com certeza ao PCP!

Aplausos do CDS.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Luís Beiroco, não houve da minha parte nenhuma intenção em o melindrar, e repare que não fui eu que trouxe a questão, não fui eu que pretendi dar lições de democracia. O Sr. Deputado é que persistiu nesse propósito, uma vez que já quando fez perguntas ao meu camarada João Amaral começou por fazer uma introdução em que disse que o diálogo com o PCP era difícil em certas circunstâncias porque os senhores tinham um conceito de democracia que não sabiam se nós também tínhamos. E depois, quando me fez perguntas a mim, também insistiu nisso.
Bem, Sr. Deputado, mais devagar! Compreenderá que nós também não temos lições de democracia a receber do CDS, e foi apenas isto que lhe quis dizer.

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Portanto, não tente dar lições de democracia ao PCP, pois o PCP não aceita lições de democracia do CDS.
Passando a coisas mais concretas, diz o Sr. Deputado que em Itália as forças democráticas tem sido capazes de fazer abortar as tentativas conspiratórias que têm partido de serviços de informações. Mas isso não invalida o facto de o perigo existir! O Sr. Deputado quer criar um perigo só para ter o prazer de depois derrotar e eliminar esse perigo?
Nós dizemos que eles são um perigo e vamos evitá-lo, vamos defender a democracia de outras maneiras e isso é possível! Aliás, até aqui em Portugal, depois de 40 anos de ditadura, os capitães de Abril e outras forças democráticas derrotaram a ditadura e instauraram a democracia!
Portanto, as forças democráticas são sempre vencedoras historicamente. Mas para quê pô-las à prova? Para quê pôr à prova o regime democrático em Portugal? É essa a questão!
Bem, e quanto a conceitos de democracia ...

O Sr. Luís Beiroco(CDS): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Carlos Brito, muito obrigado pela interrupção. Em primeiro lugar, queria referir que não disse sequer que em Itália tinha havido conspirações. Admiti que isso tivesse acontecido, dentro da sua lógica.

O Orador: - Até foi noticiado pela imprensa!

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Mas o exemplo vale não para criarmos focos de conspiração, obviamente, mas porque, no caso italiano, as forças democráticas tiveram força para reagir contra essas tentativas, o que não aconteceu noutros lados, designadamente em 1948, em Praga, quando os serviços de informação também estiveram metidos numa conspiração.
O Sr. Deputado Carlos Brito diz que as forcas democráticas triunfam sempre e eu, no fundo, penso que sim, que no futuro, historicamente, isso se passará. Mas, de facto, infelizmente, nem sempre tem sido assim face a processos totalitários, como ambos sabemos e muito bem!

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Muito bem!

O Orador: - Apreciei a elegância com o Sr. Deputado Luís Beiroco aproveitou a interrupção que lhe permiti e acho que introduziu factores de esclarecimento no debate. A sua intervenção foi realmente útil e não estou arrependido, mas devo dizer-lhe que em Praga, em 1948, estava nas ruas cerca de l milhão de trabalhadores e, para serviços de informação, há-de reconhecer que é demasiado. Não eram serviços de informações, mas outra coisa que não vem agora a propósito discutir, mas que podemos discutir francamente em qualquer outra altura e sem qualquer receio da minha parte.
Agora, quanto a conceitos de democracia, quero dizer-lhe que não basta proclamar ser-se democrata e defender-se a democracia.
Salazar, em 1946 - e para citar uma data próxima da que o Sr. Deputado citou -, também proclamou o conceito da democracia orgânica e tivemos cá democratas orgânicos! Mas esses eram fascistas!

O Sr. Presidente: - Para protestar tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado Carlos Brito acabou por não responder à pergunta que lhe coloquei e resolveu retirar-se com este argumento: a extrema direita está contentíssima.
Bem, é um argumento que conheço e que vai na linha por exemplo destes: «está a fazer objectivamente o jogo da direita», «isso serve objectivamente a direita», e nós infelizmente sabemos quantas condenações se pronunciaram em muitos países deste mundo por crimes cometidos «objectivamente»!
Mas se eu comungasse do mesmo tipo de argumentos, perguntar-lhe-ia onde vai o nosso país, cujos últimos dias tão faustos têm sido para a extrema direita, e dir-lhe-ia ainda que a extrema direita está contentíssima com a atitude do Sr. Presidente da República ao pronunciar-se pelo referendo em relação à questão do aborto!

Aplausos da UEDS, do PS, do PSD, da ASDI e de alguns deputados do CDS.
Mas a questão que lhe pus não foi essa, Sr. Deputado, não foi a questão de saber dos contentamentos da direita, pois estou fundamentalmente preocupado em saber das razões que a esquerda e os democratas têm para estar contentes, quais as razões do seu contentamento.
E daí a questão é saber se as forças democráticas tem razão para estar contentes por não haver um serviço de informações ou se as forças democráticas deveriam estar contentes havendo um serviço de informações que, funcionando no quadro constitucional e respeitando os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, garantisse simultaneamente a sobrevivência do regime democrático. E a resposta que o Sr. Deputado não me deu foi a de saber, finalmente, se o Sr. Deputado e o PCP entendem que o regime democrático deve ou não ter um serviço de informações funcionando democraticamente e sob o controle democrático, serviço esse que nos cabe a nós, Assembleia da República, construir, se porventura a posição maioritária ou unânime desta Assembleia for a de que se deve dotar o regime democrático desse serviço.

Aplausos da UEDS, do PS, do PSD, da ASDI e do Deputado do CDS Luís Beiroco.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, parece-me que hoje o Sr. Deputado está realmente muito desatento ...

Risos do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI.

... porque não falei de nenhuma base objectiva para o contentamento da direita. Falei de informações dos jornais da direita. O Sr. Deputado, que é uma

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pessoa que gosta de estudar os assuntos políticos, lê provavelmente esses jornais e encontra lá isso. Portanto, é objectivamente e subjectivamente que estão contentes. Admito que também estejam contentes com a decisão tomada pelo Sr. Presidente da República. Não recuso isso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Peço-lhe imensa desculpa, mas, se estive desatento, o Sr. Deputado não esteve menos desatento do que eu terei estado às suas palavras, porque não disse que o Sr. Deputado não se tinha baseado em elementos objectivos para produzir a afirmação de que a extrema direita estava contentíssima. Não contestei isso. O que afirmei foi que o argumento, com o fim de condenar liminarmente o serviço de informações, de a extrema direita estar contentíssima me fazia lembrar um outro tipo de argumentos que nos são dirigidos com frequência, que consistem em se afirmar que estamos objectivamente a fazer o jogo disto ou daquilo, argumentos que - todos sabemos serviram ao longo dos anos, em certos regimes, para condenar aqueles que, segundo esses regimes, faziam o jogo dos que em tais regimes eram considerados de direita, de esquerda, de centro, em suma, contrários a esses regimes. Queria realçar o perigo das acusações de, objectivamente, se fazer isto ou aquilo. Era, pois, isto que pretendia afirmar.

O Orador: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, agora o argumento não é esse. O Sr. Deputado trazia essa resposta preparada, mas agora o argumento não é esse, porque não falei nada de «objectivamente». O Sr. Deputado é que foi buscar o «objectivamente». Portanto, a sua intervenção não colhe.
Mas explico-lhe melhor: é que, ao longo destes difíceis anos para o regime democrático, a extrema direita tentou várias vezes golpear tal regime, não o tendo, porém, conseguido realizar. A extrema direita - e se o Sr. Deputado reflectir seriamente irá concordar comigo- vê nestes serviços de informações um instrumento para conter a luta da classe operária dos trabalhadores, vê uma forma de conter, de minar por dentro e de, nesse sentido, enfraquecer o movimento democrático. E mais: a extrema direita sonha com a possibilidade destes serviços de informações como um instrumento da sua própria conspiração contra o regime democrático.
Sr. Deputado Lopes Cardoso, a experiência da luta pela democracia ensina alguma coisa e ensina também isto. E a extrema direita está contente com estes serviços de informações porque vê neles um instrumento contra o movimento operário e contra o movimento democrático e um instrumento a seu favor que ela pode manipular e instrumentalizar contra a democracia portuguesa.
Mas o Sr. Deputado insiste e ainda pergunta se entendemos que são necessários serviços de informação políticos. A nossa resposta é clara e frontalmente negativa. Não são necessários serviços de informações políticos na democracia portuguesa. Esta é a nossa resposta. E mais: esses serviços são a perversão do
regime democrático português, são um perigo para a segurança e tranquilidade dos cidadãos e para o regime democrático português. Ê esta a nossa posição clara.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - É para exercer o direito de defesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Se se sentiu ofendido por qualquer expressão do Sr. Deputado Carlos Brito, o Sr. Deputado tem esse direito, mas qualquer expressão ofensiva passou despercebida por parte da Mesa. O Sr. Deputado compreenderá que temos de evitar o diálogo permanente, porque senão não terminamos este debate.
Apesar de tudo, tem a palavra, Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Carlos Brito, V. Ex.ª produziu por duas vezes uma afirmação cujo conteúdo não apreendi: fiquei sem saber se se tratava de um elogio ou se pretendia de alguma forma «ofender-me». E que, por duas vezes, disse que eu tinha trazido o meu primeiro pedido de esclarecimento preparado, tendo dito depois que eu tinha esta resposta preparada. Sr. Deputado, costumo preparar as minhas intervenções na Assembleia, mas não costumo preparar os pedidos de esclarecimento, já que não possuo o dom de conhecer os discursos dos outros - nem tenho nenhum serviço de informações à minha disposição para que tome conhecimento deles - ...

Risos do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI.

.... e muito menos os argumentos que vou usar. Não venho, como regra, trazer o recado de ninguém - pode ser que outros venham - e tenho procurado comportar-me sempre nesta Assembleia com uma grande independência.
O Sr. Deputado disse que a democracia portuguesa não necessita de serviços de informações políticos. Sublinho «a democracia portuguesa», porque me leva a pensar que, para o Sr. Deputado, existem outras democracias que necessitam de serviços de informações e, talvez, outras democracias não portuguesas, mas populares, que até precisam mais de serviços de informações do que polícias políticas.

Aplausos da UEDS, do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, vou utilizar a figura de dar explicações ao ofendido.
Sr. Deputado Lopes Cardoso, conhecemo-nos há muitos anos e certamente que não me atribui a intenção de magoá-lo quando usei aquelas expressões: apenas as usei em réplica às expressões utilizadas pelo Sr. Deputado. E quem argumenta por analogia arrisca-se a ter respostas como as que lhe dei.
O Sr. Deputado disse: «é como aquele que dizia». Só que eu não tinha dito isso, e, portanto, quem ar-

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gumenta por analogia tem de se sujeitar a receber as réplicas que a analogia consente. Foi o que se passou. Quanto às insinuações e agora penso que posso falar assim com propriedade - das suas últimas palavras, devo dizer que da democracia portuguesa sabemos alguma coisa, das outras sabemos menos. Mas vê-se quem é democrata e como se é democrata, vê-se quem defende os interesses da classe operária, dos trabalhadores, da gente pobre do nosso país.

Protestos do PS e do PSD.

Vê-se isso nas situações concretas. Ora, esta é uma boa situação concreta para dar provas desse facto: o resto pode ser blá, blá, blá ...

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Angelo Correia.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, o meu protesto formula-se em 3 notas muito curtas.
Em primeiro lugar, V. Ex.ª não respondeu às questões que lhe coloquei.
Em segundo lugar, desejo diagnosticar o primeiro equívoco do PCP. É que o PCP é totalmente contra esta lei e contra os serviços de informações, mas vai dizendo -disse-o o Sr. Deputado e a Câmara ouviu que é a favor de serviços de informações nas áreas da defesa e da segurança externa. Ou seja, o Sr. Deputado Carlos Brito é a favor do serviço de informações estratégicas e do serviço de informações militares: logo, o Sr. Deputado e o PCP não são totalmente contra esta proposta de lei. Há aqui um equívoco: o Sr. Deputado taça completamente a proposta de lei, mas acaba por dizer que está a favor de 2 serviços fundamentais, apenas não estando a favor do terceiro.
Mas, curiosamente e aqui está o segundo equívoco, para não dizer a segunda hipocrisia, do PCP -, quando diz e o Sr. Deputado afirmou-o em nome da sua bancada- que é a favor de um serviço de informações nas áreas da defesa e da segurança externa, afirma-o porque o Sr. Deputado admite a existência de inimigos externos, contra os quais o Estado Português tem de se prevenir. Mas se o Estado Português se previne na ordem externa, porque não admitir que tais inimigos não só actuam na ordem externa, extramuros, mas também interiormente? Por que é que o Sr. Deputado parte do princípio, cândido em política, de que fora das fronteiras podem fazer tudo, mas que interiormente nada fazem? Ou seja, fora de Portugal os serviços de informações portugueses podem actuar, mas no interior, para defender a democracia como corolário do inimigo externo que V. Ex.ª diagnosticou, tendo até considerado necessário um serviço de informações-, a democracia portuguesa já não precisa de um serviço de informações!? Seria melhor que o Sr. Deputado não tivesse produzido a última parte da sua intervenção, porque ela no mínimo é demagógica e no normal é hipócrita.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Angelo Correia, começo por responder às suas últimas palavras dizendo-lhe que, em matéria de hipocrisia, não temos certamente nenhuma lição a dar ao Sr. Deputado Angelo Correia.
Mas, relativamente aos aspectos mais sérios do seu protesto, quero dizer-lhe que quem rejeitou esta confusão entre defesa e segurança e a noção do inimigo interno não fomos nós, mas sim a revisão da Constituição da República realizada em 1982, como qualquer dos seus colegas deputados que participaram mais intensamente nos trabalhos da revisão constitucional o pode ilustrar. E bem precisa, Sr. Deputado Angelo Correia! O Sr. Deputado gosta de discutir estes problemas - todos nós lhe reconhecemos uma grande experiência nesta matéria -, mas para os discutir bem precisa de conhecer a Constituição. Leia e estude a Constituição para, ao menos na Assembleia da República, poder intervir nestas matérias com alguma propriedade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, formulei-lhe uma pergunta mas o Sr. Deputado limitou-se a dizer que falo do que não sei.
Tenho-me por uma pessoa honesta e como honesto que sou não costumo burlar ninguém, muito menos o Regimento. Eu falava de uma coisa que não sabia e por isso usava a figura regimental da pergunta. Eu estava a fazer um pedido de esclarecimento, não costumo burlar ninguém.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Também não tenho de mim a concepção de um Sócrates capaz de utilizar uma maiêutica para, através de perguntas, levar o adversário para determinados objectivos, e portanto a acusação que o Sr. Deputado me fez tomo-a como um elogio.
Quando perguntei não sabia, mas fiquei a saber. A partir de agora, pelo menos pela boca do Sr. Deputado Carlos Brito, temos aqui a garantia de que teremos também o Partido Comunista na primeira fila na luta pelos valores fundamentais da democracia, do pluralismo e dos direitos do homem; na luta contra todos os regimes, mesmo que de lutas simbólicas se trate através de um simples voto de protesto.
Quando, por exemplo, esta Câmara erguer a sua voz - simbolicamente, pois já sabemos que não temos armas, não temos canhões, não temos mísseis - contra todos os atropelos, contra todos os sacrifícios dos direitos fundamentais, contra a acção de todas as polícias políticas de todos os regimes, de todos os quadrantes, o Partido Comunista estará também na primeira linha. O Sr. Deputado Carlos Brito garantiu isso e eu também o tenho por uma pessoa séria.

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, devo confessar que depois de o ouvir até digo: felizmente que não temos mísseis, nem esses grandes exércitos, porque senão com esse calor com que o Sr. Deputado Costa Andrade falou iríamos libertar essa Europa inteira com o Sr. Deputado Costa Andrade à frente, qual um novo Napoleão!...

Risos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois desta discussão, que teve aspectos épicos e até surrealistas, sobre o serviço de informações, vamos tentar dizer algumas coisas tendo presente, o que não contava, alguma das poucas coisas que aqui foram ditas - há sempre um privilégio em falar em último lugar.
A informação justifica-se pela necessidade de habilitar os governantes com os elementos necessários a uma decisão fundamentada, nomeadamente no que se segue à definição, caracterização e irradiação de ameaças.
É evidente que a informação existe a vários níveis: existe ao nível do aparelho administrativo, existe ao nível do aparelho fiscal, existe ao nível do aparelho financeiro, existe ao nível do aparelho judiciário e existe ao nível da necessidade de combater aquelas ameaças que se dirigem ao regime democrático.
A questão é velha como a história. Desde o imperador Ciro da Pérsia, que tinha uma polícia que se intitulava «os olhos e os ouvidos do imperador», até à data de hoje, passando por alguns episódios de que em breve falaremos - porque talvez seja importante falar deles -, as coisas evoluíram muito.
Hoje não se discute a necessidade dos serviços de informação porque todos os serviços do mundo têm serviços de informação, como têm fisco, como têm justiça, como têm polícia. O que se discute é a sua natureza e a sua urgência.
Que natureza devem ter num Estado democrático e porque é que em Portugal são urgentes? Ê a isso que vou tentar responder muito rapidamente.
Primeiro ponto: a actividade e organização das informações no Estado democrático.
As vulnerabilidades do Estado democrático constituem a sua força e são as liberdades públicas.
O Estado democrático é um Estado que tem de ser encarado na sua globalidade.
Quando se diz que nos serviços de informações houve conspirações contra a democracia - sem nos debruçarmos sobre o que se passou em Itália ou na Espanha, pois não disponho de informações sobre isso, ao contrário do que parece acontecer com alguns Srs. Deputados!... -, está-se a dizer um requintado disparate, porque não foi só nos serviços de informações que houve conspirações contra a democracia: houve nas Forças Armadas e ninguém propõe a dissolução das Forças Armadas; houve no aparelho de Justiça e ninguém propõe a dissolução do aparelho de Justiça; houve na alta administração e ninguém propõe a dissolução da alta administração.
O que significa é que a qualquer nível do Estado democrático pode haver conspirações, mas o estado democrático, ao contrário do estado totalitário, pelo peso da opinião pública, pela diversificação dos poderes, pela existência de liberdade de imprensa, pela existência das liberdades fundamentais consegue de, um modo geral, salvas as conhecidas excepções da História que não vale a pena estar aqui a discutir, só se for absolutamente necessário fazê-lo, consegue, dizia eu, pôr em causa essas tentativas.
Não pode criticar-se os serviços de informação porque há conspiração nos serviços de informação como não pode criticar-se a existência de Forças Armadas porque há e tem havido conspirações nas Forças Armadas. Isto seria tão absurdo como se, por exemplo, por ter havido em Portugal o golpe de Estado de 28 de Maio se propusesse, consequentemente, a dissolução das Forças Armadas Portuguesas.
A defesa do estado democrático é, acima de tudo, a defesa das liberdades públicas.
Há, porém, inimigos do Estado democrático que ascendem a um tipo de criminalidade que visa o próprio Estado democrático e que, num período de formação - e aqui é que radica muito da urgência - dos grandes espaços económicos, políticos e geoestratégicos, adquire uma expressão internacionalizante. Vamos falar só em duas: uma é o terrorismo internacional.
O terrorismo internacional dificilmente identificável para uns, facilmente identificável para outros, é uma das ameaças mais terríveis que têm sido dirigidas ao Estado democrático. Chame-se Brigadas Vermelhas na Itália, chama-se Grupo Baader-Meinhoff na Alemanha, chame-se Acção Directa em França, o terrorismo internacional, que curiosamente aparece ligado a objectivos e a visões geo-estratégicas, é um dos grandes cancros que tenta corroer as democracias ocidentais.
O outro caso mais curioso porque menos falado, e só a título exemplificativo, é o da transferência tecnológica. O que significa? A espionagem internacional, a apropriação ilegítima da tecnologia, a transferência da tecnologia dita para fins pacíficos utilizada para fins militares.
É muito curioso este tema de transferência tecnológica, e eu não sei se é a isto que chamam informações políticas, mas se é, então é necessário que as pessoas se debrucem claramente sobre a transferência tecnológica não só nos países de tecnologia avançada - o que não é o nosso caso - mas naqueles - que é o nosso caso- em que, através de acordos bilaterais, se tenta transferir para Portugal o conhecimento e o know-how necessários.
Há enfim um outro factor: é que a existência da internacionalização e da formação destes grandes espaços influi também na existência da criminalidade comum; na criminalidade de uns certos «homens de mão» que aparece muitas vezes imbricada e ligada à criminalidade contra a democracia.
Neste contexto os dois fenómenos chegam a convergir como temos visto na actualidade.
Quais devem ser as características de uns serviços de informação num Estado democrático?
Em primeiro lugar, importa fazer uma clara distinção entre serviços de informação e policias: os primeiros pesquisam informações, nomeadamente a informação aberta, mas não tem, em princípio - e eu digo «em princípio», já vamos ver porquê -, actividades de polícia.
Actualmente só acontece nos países totalitários. Peguemos em 3 exemplos: em primeiro lugar, na Alemanha nazi, a Gestapo: em segundo lugar, em Por-

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tugal a PIDE; em terceiro lugar, na União Soviética, o KGB. Quando se fala nestas coisas é bom chamar os bois pelos nomes! ...
Este tipo de polícias transformadas em serviços de informação é contrário à tradição dos Estados democráticos da Europa Ocidental, e não é por acaso que em nenhum país da Europa Ocidental um director de um serviço de informação foi jamais primeiro-ministro.
Nos países da Europa Ocidental a existência dos serviços de informação tem outros perigos e outros riscos, que são a utilização de dados conhecidos dos serviços de informação para exercer pressões e chantagem sobre pessoas e muitas vezes sobre homens políticos.
E se nos debruçarmos sobre alguns factos passados em, Portuga! no nosso tempo concreto, talvez tenhamos a prova, pela evidência, de que existem em Portugal serviços privados de informações. E ficamos por aqui.
Segundo ponto: num Estado democrático os serviços de informações devem ter pluralidade. Devem haver vários serviços pelas seguintes razões: em primeiro lugar, um só serviço pode dar uma visão unilateral aos governantes, pois só a pluralidade permite uma confrontação; em segundo lugar, um só serviço é permeável às infiltrações, pois se for infiltrado a informação chega inquinada; em terceiro lugar, um só serviço permitiria concentrar demasiado poder numa só mão. O Prefeito de Paris em 1848 dizia que quando se reuniam 4 anarquistas, um era informador da polícia.
Os países totalitários têm, porém e geralmente, um só serviço, excepto, curiosamente, na vizinha Espanha, em que havia, para além de cerca de 30 polícias, uma polícia formada por 8 pessoas - a Polícia dei Pardo -, conhecida apenas do general Franco e que controlava todos os outros serviços de informações.
A pluralidade de serviços é regra nas democracias ocidentais e essa regra demonstra que, aqui, devemos mais aprender com os outros e procurar menos ser originais, porque nesta matéria as originalidades podem custar bastante.
Enfim, a necessidade da cooperação europeia é internacional, é absolutamente sentida. Necessitamos rapidamente de poder cooperar com os países democráticos no combate a estas diversas formas de criminalidade. De resto, a este respeito, com a autoridade moral que se lhe reconhece e com as reservas justas que põe, o Conselho da Europa tem uma posição bem definida - e e bom falar no Conselho da Europa não de vez em quando, mas sempre, pois é uma autoridade moral em qualquer caso, e não só para certos casos.
Quanto à característica de um serviço de informações num estado da Europa Ocidental, é que ele é controlado por parte dos órgãos de Estado, nas não e controlado por parte do Presidente da República em parte nenhuma, porque o Presidente da República não é um órgão de controle ou, pelo menos, não deve ser. Um serviço de informações pode ser controlado ou ter um controle do Parlamento, mas não deve ter só um controle do Parlamento, porque num Estado democrático há outros controles.
Vejamos o que a este respeito será conveniente pensar.
Em geral, os serviços de informações são controlados, pelos tribunais, como qualquer órgão da administração, na base da punição dos actos que ofendem os direitos dos cidadãos.
Na sua actividade normal os serviços de informações são controlados pelos órgãos de Estado de que dependem, nomeadamente do governo (que depende dos parlamentos, e não de um partido), a quem devem fornecer os elementos susceptíveis que permitam a tomada de decisões fundamentadas.
Porquê o controle? Ou melhor, porquê mais controle?
Porque desde há muito as sociedades sentem a necessidade de responder à antiga máxima latina Qui custodiai nos custodes ipsos? Quem nos guarda dos nossos próprios guardas?
As democracias têm sabido conjurar este perigo pelo normal funcionamento das instituições, por aquilo que chamava há pouco de «carácter globalizante do Estado».
Mas nos países totalitários, nomeadamente nos países de Leste, como são conhecidos, têm-se criado as duas formas convergentes de defeitos: primeiro, os serviços de informações estão fundidos em polícias e, segundo, não se inibem de utilizar as conhecidas figuras da pressão, da calúnia, da chantagem política e, sobretudo, da invasão da esfera familiar dos cidadãos.
Foi por isso que há bocado ouvi com muito gosto a intervenção do Sr. Deputado Anacoreta Correia.
Aí, a violação dos direitos individuais pelas polícias que se dedicam também a informações são uma regra de funcionamento normal e muitas das críticas que ouvimos de certos quadrantes dirigem-se mais a serviços de países totalitários e menos a serviços de países democráticos.
Sabe-se que em França, sabe-se que em Itália, sabe-se que em Espanha, sabe-se que noutros países houve abusos claros dos serviços de informações e sabe-se porquê. Porque há uma imprensa livre, porque há uma justiça livre, porque há instituições livres, porque os Estados Unidos da América não hesitaram em demitir o presidente Nixon por causa do caso Watergate.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS e da ASDI.

Obviamente essa é a força das democracias, essa é a superioridade moral das democracias. Noutros países não há justiça livre, não há instituições livres, não há imprensa livre, não há liberdades democráticas individuais. O que há é um Estado de polícias, em que os polícias dominam a cúpula do Estado. Ê por isso que essas coisas não são conhecidas pelos cidadãos, que não têm o direito de expressão, porque não tem parlamentos e só conseguem ser conhecidos através das notícias que filtram dos campos de concentração.

Aplausos do PS e do PSD.

Estas questões que se deixam à guisa de introdução poderiam ter sido evitadas se não houvesse, por parte de alguns Srs. Deputados, a intenção de as discutir. E nós não temos receio nenhum de o fazer.
Vamos agora tentar analisar, na generalidade, o diploma em apreço, tocando nalguns aspectos que penso que devem ser modificados.
Em primeiro lugar, o diploma prevê uma estrutura de serviços de informações que se afigura correcta. A coordenação das polícias é feita a nível interministe-

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rial e a coordenação dos serviços de informações é feita também a nível interministerial.
Um dos maiores riscos são os serviços de informações que a si próprios se coordenam. Aqui a autogestão é criticável.
Em segundo lugar, define-se um dever de cooperação das polícias.
Em terceiro lugar, define-se ainda uma coordenação feita pelo Ministro da tutela.
Vejamos agora, em concreto, os serviços que são previstos.
Em primeiro lugar, na sua pluralidade, os Serviços de Informações Militares não deveriam, talvez, estar nesta lei, a não ser como uma referência, porque já existem e estão previstos na Lei de Defesa Nacional com competência específica. A ninguém passa pela cabeça, e é um rematado disparate, que um parlamento faça o controle directo de serviços de informação militar, porque esses se encontram enquadrados dentro de uma cadeia de comando.
Em segundo lugar, quanto aos Serviços de Informações de Segurança, importa garantir a legalidade democrática e a segurança do Estado.
Quanto aos serviços de informações de defesa -e aqui há algumas críticas graves a dirigir ao diploma - vemos que estes se destinam à obtenção, tratamento e difusão das informações estratégicas necessárias à defesa nacional.
Simplesmente, os contornos constantes do diploma em apreço estão errados. Em primeiro lugar, há uma confusão nítida entre o conceito lato de defesa nacional e o conceito de defesa nacional referido aos Serviços de Informações Militares. Em segundo lugar, não compete ao Ministro da Defesa Nacional assumir - porque senão muito mal iríamos - a defesa global da sociedade considerada no seu conjunto. Todas as actividades humanas implicam uma ideia de defesa, implicam os diversos ministérios, pelo que compete às diversas actividades governamentais procederem elas próprias nos pontos em que devem ser defendidas. Ora, atribuir a um só ministério esta ideia de que tudo deve ser defendido é conceitualmente errado e politicamente poderia ser uma tragédia.
Enfim, importa distinguir entre serviços de informações e serviços de polícia. O artigo 13.º proíbe a mistura dos dois campos, mas era necessário ser mais claro.
Um último ponto que não foi por ninguém aqui referido. É um ponto fundamental, em que a proposta de lei deve ser louvada, porque proíbe a existência de outros serviços de informações.
Aqui, em relação aos serviços de informações, somos a favor do monopólio do Estado é da unicidade.
O controle, em termos gerais, dos órgãos de Estado dos eventuais ilícitos é feito pelos tribunais; o controle do Governo é feito pelo Primeiro-Ministro, pelo Conselho Superior de Informações e pelos Ministros da tutela.
Quanto ao controle do Parlamento, é obvio que a lei não prevê nenhum controle deste tipo.
Falou-se em pequena inconstitucionalidade. Dizia um constitucionalista americano que a pequena inconstitucionalidade é como a gravidez - tem sempre tendência a aumentar.
Não há nenhum controle parlamentar e aquilo a que a lei chama controle parlamentar não é um controle parlamentar, mas simplesmente a existência de uma comissão que pode nem sequer ser formada por deputados e que deve ser eleita por maioria de dois terços. É qualquer coisa semelhante àquilo que é a nossa presença em diversos órgãos exteriores a este Parlamento, mas que será importante ponderar na comissão se esse é ou não o melhor caminho.
É esta natureza de controle que importa melhor definir.
Finalmente, que pontos é que urge desenvolver nesta proposta de lei?
Em primeiro lugar, urge definir melhor as competências recíprocas, as competências dos ministérios da tutela e do Primeiro-Ministro com definição da natureza da estrutura parlamentar de controle.
Em segundo lugar, urge modificar e melhor definir os mecanismos de coordenação. E preciso estruturar melhor a consulta e a coordenação interministerial, especialmente no que diz respeito ao Conselho Superior de Informações (artigo 2.º).
Em terceiro lugar, é definir melhor a caracterização do dever de cooperação das polícias - artigo 11.º -, que, tal como está redigida, se afigura fluida e com pouco conteúdo prático. Enfim, importa definir melhor a competência dos Serviços de Informações Estratégicas de Defesa, que, tal como está redigida, parece apontar para uma duplicação civil dos Serviços de Informações Militares.
Já aqui foi dito -e é um ponto de consenso - que a regulamentação e estruturação dos serviços deverá ser definida em decreto-lei para, se necessário, ser ratificado por esta Assembleia e não em decreto regulamentar.
A democracia defende-se com mais democracia! Os defeitos da democracia curam-se com rasas democracia! Simplesmente, não sejamos ingénuos, pelo menos até ao ponto a que certos sectores pretendem.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Fernando Amaral.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (INDEP.)-. - Sr. Deputado José Luís Nunes, gostaria que V. Ex.ª me dissesse se tem indicações de que neste momento se recorre a escutas telefónicas sobre cidadãos que não têm nada a ver com perigos internos e externos para a democracia portuguesa nem com criminalidade, droga, etc.
Recebi há dias um aviso de que, realmente, isso se verifica neste momento. Em consequência disso, e como o aviso está lançado - e não tenho dúvidas em relação às pessoas que me deram essa informação-, o Sr. Deputado não está de acordo com a criação de uma comissão ou de uma subcomissão saída, por exemplo, da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para analisar o nível de informações actualmente recolhidas e os processos que são utilizados, neste momento, sobre essa recolha de dados, principalmente para acompanhar as respectivas integrações nas estruturas que se pretendem criar neste momento?

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, há mais oradores inscritos para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª pretende responder já ou no fim?

O Sr. Pose Luís Nunes (PS): -Sr. Presidente, pelo menos em relação a este pedido de esclarecimento prefiro responder já.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): -Sr. Deputado António Gonzalez, não tenho informações algumas sobre escutas telefónicas. No entanto, pressinto que os telefones são escutados em Portugal! Eram escutados antes do 25 de Abril, começaram a ser escutados imediatamente após o 25 de Abril e hoje devem continuar a ser escutados. Mas não são só as mesas de escuta e as gravações! São as notas avulsas que se tomam em relação a essa matéria e que devassam a vida íntima, pessoal, privada e política dos cidadãos. Só não sabemos quem é que faz isso.
Penso, pois, que os serviços de informações a criar, os tribunais e a Assembleia da República devem tentar informar-se sobre quem é que faz esse tipo de coisas.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP):- Sr. Presidente, não me inscrevi para formular pedidos de esclarecimento mas sim, sob a forma de protesto, para declarar que fiquei encantado com a sabedoria do Sr. Deputado José Luís Nunes. Depois de ouvirmos o seu discurso é mesmo caso para dizer: «Isto é que é saber, carago!»

Risos.

Antes de o ter ouvido pensava que quem sabia mais disto aqui no Parlamento era o Sr. Deputado Angelo Correia, mas o Sr. Deputado José Luís Nunes bateu-o, e de longe! Além disso, bateu-o com uma destas autoridades!...
Não sei se repararam, Srs. Deputados, mas quem não estiver de acordo com o que o Sr. Deputado afirmou diz «disparates». Esta é uma palavra que não estou muito habituado a ouvir aqui nesta Assembleia, mas no entanto ouvi-a agora por duas vezes da boca do Sr. Deputado José Luís Nunes.
Portanto, tudo o que aqui se disse e que não coincide com a opinião do Sr. Deputado José Luís Nunes foram disparates. Isto não é só saber, mas é ainda ter autoridade! Quem lha deu é que eu não sei.
No entanto, há uma coisa que para mim é muito interessante. É que ainda nunca tinha ouvido em toda a minha vida uma defesa da PIDE tão bem feita como aquela que foi feita pelo Sr. Deputado José Luís Nunes.

Protestos dos deputados do PS e do PSD, batendo com as mãos nos tampos das carteiras.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luis Nunes. V. Ex.ª deseja contraprotestar?

O Sr. José Luís Nunes (PS): -Não, Sr. Presidente,

pretendo responder a estas perguntas.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS):- O Sr. Deputado Lino Lima disse que ficou encantado com a minha sabedoria. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que sou uma pessoa modesta, embora reconheça que a modéstia é uma virtude de difícil exercício.
No que respeita à expressão «disparates», é evidente que a utilizei, apontando duas coisas que eram perfeitos disparates. O Sr. Deputado disse que essa expressão nunca aqui foi ouvida, mas eu também acabei de ouvir da boca de V. Ex.ª uma expressão que nunca tinha sido ouvida nesta Assembleia. Mas enfim!...
Quanto à expressão «defesa da PIDE», devo dizer que em relação às informações que vêm a esse respeito da sua bancada, Sr. Deputado, há pessoas que têm a minha posição política e costumam responder indignadamente, dizendo que fizeram isto e aquilo antes do 25 de Abril. Porém, não vou responder & isso porque penso que os homens não se definem de onde vêm, mas para onde vão.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Lino Lima (PCP):- Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lino Lima (PCP): -Sr. Deputado José Luís Nunes, não sei para onde é que V. Ex.ª vai. Mas eu, que estou a chegar ao fim da minha vida, sei muito bem por onde andei e sei para onde vou. Vou para o cemitério como um homem sério e decente.
Relativamente àquilo a que alguns Srs. Deputados muito aereamente se tomaram de dores, devo dizer que toda a intervenção inicial do Sr. Deputado José Luis Nunes, a explicação e a defesa que ele fez dos serviços de informações pode ser aplicada sem tirar nada à PIDE. Esta é uma verdade exacta. Aquilo que o Sr. Deputado disse, com grande ar e com autoridade, em defesa dos serviços de informações pode perfeitamente ser aplicado à PIDE.
Para onde o Sr. Deputado vai, oxalá eu tenha tempo para ver, mas não dou grande coisa pelo caminho que vai levar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. José Luís Nunes (PS): -Sr. Presidente, peço a palavra para contraprotestar.

O Sr. Presidente: - Certamente será para dar explicações, Sr. Deputado!

O Sr. José Luís Nunes (PS):- Então não peço a palavra, porque ofender-me não me ofende quem quer! Dar explicações, não tenho explicações a dar!

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Já os vi mais arreganhados e caírem!

Vozes do PS: - Vocês estão é tapados!

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Risos do PS e do PSD.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP):- O Sr. Deputado José Luís Nunes, acaba a sua intervenção com a expressão «mas» e acaba por dizer o seguinte ...
Neste momento verificou-se um aparte inaudível de um Deputado do PS.
O Sr. Deputado provavelmente terá de fazer bem a digestão do seu jantar e quando a acabar - isto não é consigo, Sr. Deputado José Luís Nunes ficará tudo em silêncio nesta Assembleia.

Vozes do PS: - Cala a boca!

O Sr. José Lello (PS): -O que é difícil é digerir o que os senhores dizem!

O Orador: - Retomando o «fio à meada», o Sr. Deputado José Luís Nunes acaba com um «mas» que tem este sentido: o Estado democrático deve ser democrático, e nomeadamente deve ser democrático quando defende a democracia, mas não sejamos ingénuos.
E é esse «mas» que, apesar de tudo, enquadra a sua intervenção.
Sr. Deputado José Luis Nunes, trata-se de um «mas» que acaba por dizer que o Estado democrático, dito, como o Sr. Deputado o diz, para se defender tem de usar meios antidemocráticos.
É essa a questão central, Sr. Deputado José Luís Nunes, que caracteriza, em minha opinião, a sua intervenção, nomeadamente quando diz: «fui obrigado aqui a dizer coisas e a colocar questões que era bom que se evitassem».
Não há questões a evitar nisto, Sr. Deputado! Se o Sr. Deputado José Luís Nunes entende fazer críticas à forma como nós criticamos a proposta, que as faça. Mas que não se evitem as questões centrais desta proposta de lei e todas as outras que ela levanta - e, desde logo, questões que o próprio Sr. Deputado levantou aqui no Plenário.
Levantou a questão do quadro de objectivos e, nomeadamente, do quadro de competências dos serviços. Mas há outras questões: a questão da estrutura, a questão do pessoal ao serviço destes organismos, a questão da formação desse pessoal e muitas outras.
Então, Sr. Deputado, não é legítimo que, feitas as críticas que foram dirigidas a todos esses aspectos da proposta, nós duvidemos daquilo que realmente se pretende? Existe alguma questão de fundo, algum problema, que não nos faça aqui encarar com frontalidade esse conjunto de questões que caracterizam realmente esta proposta?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Luís Nunes: Socorreu-se o Sr. Deputado, a certa altura, da expressão «aceitemos as recomendações do Conselho da Europa por inteiro». Devo dizer-lhe, antes de mais, que aceitando-as por inteiro, aceitaríamos, por exemplo, aquela que reconhece a sindicalização da PSP, e isto não é excrescente neste debate.
Porque o que lhe pergunto é isto, Sr. Deputado: no quadro da aceitação, por inteiro, das recomendações do Conselho da Europa, qual é o equilíbrio que encontra entre essa recomendação que aponta para a democratização das forças de segurança e para o seu enquadramento no exercício concreto de direitos, liberdades e garantias e uma outra recomendação, que o Sr. Deputado aqui procura trazer enformada na proposta de lei n.º 55/III, que aponta precisamente para uma indefinição completa de qual o quadro de pessoal, de qual a via de acesso a esse quadro de pessoal dos serviços de segurança e de informação, de qual o tipo de formação que é dada a essas pessoas ou o tipo de garantias que são dadas aos cidadãos como defesa contra a sua acção em concreto?
Finalmente, Sr. Deputado José Luís Nunes, e mesmo a concluir, considerando que na sua opinião são necessários serviços de informações, qual o quadro concreto que entende adequado para os Serviços de Informações Militares, que já hoje existem, e para - e é esse o ponto que essencialmente lhe quero colocar - os serviços de informações que no quadro da acção policial desenvolvem a sua actividade na luta contra o banditismo, contra a droga e outras actividades criminais que aparecem e preocupam realmente os Portugueses?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente:- Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Bom, Sr. Deputado João Amaral, ouvi a sua intervenção, que agradeço, mas em relação à qual me permito fazer algumas correcções.
Ponto um: quando eu digo «mas não sejamos ingénuos» estou a dizer isso mesmo, isto é, «mas não sejamos ingénuos». Não estou a dizer que devemos defender a democracia por métodos antidemocráticos, pois o terrorismo não se combate tornando-se o Estado, ele próprio, terrorista.
O único país no mundo que até à data conseguiu erradicar o terrorismo não foi a Argentina - este país de resto, ... bom, isso é uma questão marginal onde não vale a pena entrar. De qualquer modo, como ia a dizer, a erradicação do terrorismo não se deu no Uruguai, nem no Chile, mas em Itália. A Itália, que os senhores tanto criticaram, é o único país que por métodos democráticos liquidou o terrorismo.
Eu que perdi tempo a defender controles, a fazer críticas a leis, a dizer como é que as coisas, no meu entender, deveriam ser feitas, de acordo com os conhecimentos acerca desta matéria que, não sendo muitos nem muito vastos, têm, pelo menos, o mérito de terem sido honestamente adquiridos pelo estudo, nunca esperei que ficasse qualquer dúvida de que eu penso que o Estado democrático não deve ser de forma nenhuma defendido por métodos antidemocráticos, senão ele próprio se transforma em Estado antidemocrático.
Todos nós conhecemos esses casos dos «grandes males, grandes remédios», para «males não tão grandes, não tão grande remédios», etc., etc.
Segundo ponto: também fui mal compreendido quando falei em questões que desejaria não tratar.

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Quando o referi, significava que não desejava estar aqui a fazer um estendal acerca das formações ou do tratamento dos países totalitários do Leste, nomeadamente da União Soviética, etc.
Não é porque não considere isto tudo detestável, repugnante, miserável! É que há uma maneira de fazer política por interpostas pessoas, que eu recuso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Acho que devíamos aqui discutir os serviços de informações, a proposta de lei do Governo, e abstermo-nos de falar do que se passa na Rússia, na Itália, na China, etc., de que geralmente se fala quando não se sabe ou não se quer discutir a matéria em questão - deixo as duas hipóteses. Simplesmente, obrigaram-me a fazer isso.
A parte da intervenção que considero essencial é aquela em que faço a crítica completa -crítica no sentido que não é só dizer mal, pois pode também significar dizer bem pela sua relação com a expressão «crise» - ao articulado do Governo. Ora, eram essas outras questões que achava que seria necessário evitar. Por exemplo, eu não disse que deveríamos seguir as recomendações do Conselho da Europa. O que disse é que quando se invoca a autoridade moral do Conselho da Europa para umas coisas, não se pode deixar de a invocar para outras.
Eu, por exemplo, sou contra a sindicalização da polícia. Sempre fui e quando fiz parte do Conselho da Europa ataquei isso na Comissão jurídica.
Simplesmente, devo dizer que, quando vejo pessoas autorizadíssimas, democratas e democratas-conservadores defenderem a sindicalização da polícia, tenho de considerar que essa é uma posição que deve ser meditada, porque essa instituição, tenho a certeza, corresponde a pessoas com boas intenções que adquiriram honestamente os seus conhecimentos e que representam uma experiência democrática real.
No que diz respeito, enfim, à questão muito simples de qual o conceito que tenho sobre os serviços de segurança, respondo-lhe da seguinte forma: um conceito extremamente restrito.
Os Serviços de Informações Militares, como é o próprio desejo das Forças Armadas portuguesas, devem limitar-se às pesquisas de informações no campo militar. O que é que isto quer dizer? Devem funcionar, ou melhor coordenar, aquilo a que se chamava ou a que se costuma chamar em gíria o Deuxième Bureau, isto é, as 2.as Repartições dos Estados-Maiores e do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
Quando as Forças Armadas vão além da sua missão e pesquisam informações no campo civil vamos muito mal. Posso dizer-lhes que as Forças Armadas portuguesas não querem, nem desejam, ter essa competência, como tive ocasião de ouvir da boca dos mais altos chefes militares deste país quando, na altura da discussão da Lei de Defesa, com eles contactei. Eles não querem ... e ainda bem!
Quanto aos serviços de informações no quadro da acção policial, é evidente que as polícias pesquisam e obtêm informações. Mas as polícias pesquisam e obtêm informações predominantemente porque outras coisas podem vir na rede. Por isso, na proposta de lei se fala numa coordenação, aliás um ponto que eu esperava que os Srs. Deputados comunistas atacassem, contudo não o fizeram.

O Sr. João Amaral (PCP): - Eu ataquei!

O Orador: - Não, não atacou. O Sr. Deputado não atacou este ponto essencial. Como é que se coordenam, no mesmo plano, as polícias com serviços de informações? Os Srs. Deputados não levantaram este problema. Tenho resposta para ele; contudo, como ninguém o levantou, não respondo.
Ora bem, diz-se que são apanhadas coisas que ficam residuais. As informações da polícia devem dirigir-se essencialmente para actos delituosos cometidos, devem dirigir-se essencialmente para actos delituosos em preparação, mas já não se devem dirigir essencialmente para actos que podem não consistir em actos delituosos, porque são cometidos ou planeados fora das fronteiras do território nacional.
Quanto à formação do pessoal, à estrutura, etc., tenho algumas ideias sobre isso e espero que o Governo faça a sua proposta. Mas há uma coisa que devo dizer: o polícia que funcionava na base do informador terminou na polícia moderna. O serviço de informações moderno, em 80 % ou mesmo 90 % da sua informação, funda-se na pesquisa da informação aberta. Nesta matéria, aos processos artesanais sucederam, como noutros casos, os sofisticados processos tecnocráticos e de ordenação.
É evidente - aliás, eu já disse isto há pouco em pergunta ao Sr. Deputado Anacoreta Correia - que isso constitui um perigo e que devem, ser transcritas nesta lei as normas constitucionais contra a informática, de imputação em relação à informática e outras normas, nomeadamente, no que se refere aos direitos individuais, ao princípio da rizervatezza, à intervenção na esfera privada dos cidadãos. Elas devem ser todas transcritas e se, por omissão, alguma não for transcrita, não deixará de ser aplicada.
Sr. Presidente, abusando da sua paciência, era isto o que gostaria de responder ao Sr. Deputado João Amaral.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado José Luís Nunes, obviamente que estava fora de questão saber se foi honestamente ou não que adquiriu a ciência que tem em torno dos serviços de informações. Não é essa a questão nem foi essa a questão que me levou a dizer que foi infeliz quando disse que o desenvolvimento do debate, a franqueza com que ele aqui foi posto e a profundidade que atingiu levaram a que o Sr. Deputado tivesse de falar de questões que podiam ser evitadas.
O Sr. Deputado entendeu isso como eu me tendo referido às suas apreciações acerca de certos serviços de informações. Entendeu muito mal, porque concretamente o que se passa é que o Sr. Deputado continua a deixar nebulosas e sem explicação suficiente certas questões que não deviam ser evitadas. Quais são elas?
A primeira relaciona-se com a questão da garantia dos cidadãos, nomeadamente no que toca à garantia dos cidadãos perante a informática e a sua utilização abusiva, que o Sr. Deputado tratou muito levemente. Veja a proposta de lei chamada de protecção de

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dados que já está agendada. Constate a inexistência completa de normas que permitem o acesso de cada um dos cidadãos à informação ou às informações que sobre cada um são produzidas nos serviços de informações. Veja a impossibilidade concreta de anular essas informações, veja, concretamente, a impossibilidade de responsabilizar quem as produziu e a impossibilidade de reparar os danos que, com essas informações, possam eventualmente ser produzidos.
O nível de omissões e imprecisões não cabe no curto espaço de tempo de que disponho neste contraprotesto, pois já vejo a luz vermelha.
Por isso, Sr. Deputado, o que fica claro, completamento claro, no contexto deste meu curto contraprotesto é que, quando quis sublinhar que o seu «mas» era um «mas» em relação às forças democráticas, era um «mas» em relação às regras democráticas, foi no sentido da sua afirmação: existe democracia, a democracia defende-se com a democracia; existem regras democráticas, as regras democráticas defendem-se com as regras democráticas, mas não sejamos ingénuos - eu, pelo menos, não sou ingénuo, pois entendi aquilo que disse-, defendamos a proposta de lei n.º 55/III.
Defenda-a o Sr. Deputado, já que ela propõe e abre caminho à utilização de regras e formas antidemocráticas, formas que são condenáveis e que são um dos fundamentos para a rejeição que fazemos da proposta.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado João Amaral, eu, por deficiência minha, julguei que se referia àquilo que eu lhe tinha dito, isto é, às questões que eu queria evitar e que eram essas que referiu. Queria debruçar-me sobre as outras.
No que diz respeito ao problema da protecção da informática, devo dizer que é um problema grave. Simplesmente, na lei dos serviços de informações não há que pôr todas essas coisas, porque a protecção da informática aplica-se a tudo: aplica-se ao uso abusivo da informática a todos os níveis e não só aos serviços de informações. Os serviços de informações não se exceptuam das leis gerais do País. Este é que é o ponto fundamental.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Estou de acordo consigo quando diz que a questão da informática se aplica a tudo. Mas então por que é que toda a gente, nomeadamente o Governo e o consenso global de todas as intervenções que aqui foram produzidas até este momento, a liga -e devo dizer que a liga umbilicalmente- à questão dos serviços de informações?

O Orador: - Não vi aqui ninguém fazer isso!

O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Deputado Magalhães Mota!

O Orador: - Eu não sou - primeiro porque não sou; segundo porque ele não precisa disso porque é um excelente deputado - o advogado do Sr. Deputado Magalhães Mota e não creio que ele tenha dito uma coisa dessas, que seria um perfeito, desculpem-me a expressão, disparate.
Em 1976, a Constituição da República já rinha uma norma em que se defendia as pessoas contra a informática, quanto aos perigos que ela tem. E essa norma é directamente aplicável a este caso.
O que penso é que será necessário incluir no articulado alguns princípios gerais, enfim, uma norma ou uma afirmação.
No que diz respeito aos problemas de critérios de pessoal, estrutura de serviços, volto a repetir, para que fique bem claro, que quando o Governo fizer o decreto--lei regulamentar, debruçar-nos-emos sobre isso. Não se peçam aos deputados da maioria que se debrucem sobre coisas que não estão neste momento em discussão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS):- Sr. Deputado José Luís Nunes, a sua intervenção constituiu para mim um motivo de satisfação e simultaneamente a fonte de algumas perplexidades.
Constituiu um motivo de satisfação porque a sua intervenção veio reafirmar a larga zona de consenso desta Assembleia. Isto é, nenhuma bancada nesta Assembleia discorda da necessidade dos serviços de informações e nenhuma bancada está de acordo com o diploma em discussão.
Devo dizer-lhe que o Sr. Deputado requintou neste desacordo, porque V. Ex.ª, que pertence ao grupo parlamentar do partido que maioritariamente constituiu a maioria, não deixou pedra sobre pedra.
Portanto, retiro a convicção de que na especialidade vamos introduzir alterações importantes neste diploma.
O facto de não ter deixado pedra sobre pedra criou-me algumas perplexidades, Sr. Deputado, as quais passo a expor.
O Sr. Deputado começou por não concordar com o enquadramento que é feito dos serviços de informações neste diploma. E aí levanta-se-me uma primeira questão. O Sr. Deputado José Luís Nunes criticou o enquadramento dos serviços de informações de defesa no Ministério da Defesa e eu pergunto ao Sr. Deputado para onde é que aponta o enquadramento desses serviços: directamente para o Primeiro-Ministro, dado que se apressou a sublinhar a globalidade das questões que hão-de ser tratadas pelo serviço de informações de defesa? O conceito lato de defesa foi expressamente sublinhado pelo Sr. Deputado. Ë nesse sentido que o Sr. Deputado se inclina? Para nós era conveniente sabê-lo.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado não concordou com a inclusão no diploma -foi essa, pelo menos, a impressão que me ficou- dos Serviços de Informações Militares. Disse que não tinham nada que estar neste diploma, porque estavam sujeitos a uma cadeia de comando, e não tinham que estar sujeitos a controles, nomeadamente, parlamentares. É este, realmente, o sentido da sua afirmação, Sr. Deputado? Ó Sr. Depu-

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tado José Luís Nunes entende que os Serviços de Informações Militares, precisamente porque estão sujeitos a uma cadeia de comando, não necessitam de estar sujeitos a controles?
Finalmente, refiro o problema do controle parlamentar. Ficaram-me dúvidas, Sr. Deputado, se para além da questão posta em relação aos Serviços de Informações Militares o Sr. Deputado concorda ou não com o controle parlamentar. E se concorda com o controle parlamentar, que ripo de controle parlamentar é que o Sr. Deputado entende que deve ser exercido sobre esses serviços? Através de que tipo de instituição? Através de uma comissão especial ou de outro tipo de instituição parlamentar? Gostaria que o Sr. Deputado fosse mais preciso nesta matéria.
Eram estas as questões que lhe queria colocar.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Agradeço a satisfação do Sr. Deputado Nogueira de Brito e aceito as suas perplexidades.
Em primeiro lugar, refiro que há aqui soluções que não adiantei, porque penso que a zona de consenso, em relação a esta matéria, deve ser ainda mais alargada do que aquela que se obteve. Penso que devemos ter serviços para o País e não serviços para a maioria, para o Governo ou para quem quer que seja. Os serviços são da República, são serviços de Portugal.
Portanto, é intenção do meu partido alargar, tanto quanto possível, a zona de consenso.
O Sr. Deputado diz que não deixei pedra sobre pedra, mas o facto é que deixei. Houve pontos importantes que eu referi, nomeadamente o do controle interministerial e não o controle das polícias, que é uma das coisas magníficas que está neste diploma. Porque polícias em autogestão, ou que a si próprias se controlem, não pode ser. Este é um dos pontos chave deste diploma e que merece aplauso.
Depois pergunta: dependência do Primeiro-Ministro ou não? Isso nada tem a ver com o conceito lato de defesa, e se tiver é muito pouco. Prefiro não entrar nessa discussão teórica. Devo dizer que tenho dúvidas, as quais o debate na comissão especializada ajudará a resolver. Porque se a pontaria é feita para aí, como se aponta em muitos países da Europa Ocidental, ou seja, a necessidade de o controle ser feito pelo Primeiro-Ministro, isso tem um inconveniente que é o de vulnerabilizar excessivamente a figura do Primeiro-Ministro, qualquer que ele seja.
Depois, há o problema dos Serviços de Informações Militares. Não disse que eles não deviam ter cabimento neste diploma. Penso que eles podiam não ter cabimento neste diploma. No entanto, teria que lá estar uma referência no que respeita à coordenação.
Respondo agora à pergunta sobre o controle parlamentar dos Serviços de Informações Militares. O controle parlamentar existirá sempre, mas o Sr. Deputado terá de ter em consideração que o carácter restrito, cada vez mais restrito, do campo dos Serviços de Informações Militares tem uma contrapartida que é uma certa prevalência da cadeia de comando. Eu explico: o Sr. Deputado tem uma 2.º repartição que depende do chefe do estado-maior de um ramo das Forças Armadas e que, por exemplo, é chefiada por um oficial com a patente de coronel. Pensa o Sr. Deputado que é possível, para controlar o que se passa nessa 2." repartição, passar por cima do chefe do estado-Maior? Não podemos, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Através dos chefes do estado-maior.

O Orador: - Ah! Precisamente, é o que eu lhe digo. Isso caminha dentro da cadeia de comando normal.
Quanto ao controle parlamentar, não conheço o exemplo da Suíça - e penitencio-me, porque foi aqui muito falado -, mas conheço dois exemplos na Europa, que são a Holanda e a Alemanha, em que um certo controle é confiado às Mesas do Parlamento.
Penso que é necessário precisar melhor os direitos e os deveres do mecanismo de controle e que a proposta de lei é singularmente omissa nesta matéria. Não basta dizer «ouvir a leitura de um relatório», embora nisto esteja implícita muita coisa. Ê necessário que tudo fique explícito.
Penso que a solução que se aponta de uma comissão poderá ser uma solução possível, desde que se dê a essa comissão uma competência muitíssimo alargada. Mas não será, obviamente, uma comissão parlamentar. Isto foi aqui dito. Ê uma inconstitucionalidade e, se me permite a expressão, é uma inconstitucionalidade do tamanho da Torre dos Clérigos.
Um último ponto: controle, através de que instituições? Para já, a minha convicção é que o Parlamento deve ter um controle específico. Tenho também uma ideia sobre a forma de exercer esse controle, que, aliás, já expus, mas penso que é um dos pontos em que o consenso deve ser o mais alargado possível nesta Assembleia. Sublinho o alargado, que é um limite, e sublinho o possível, que é outro limite.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - O Sr. Deputado, logo no início da sua intervenção, para justificar o serviço de informações e a questão do terrorismo internacional citou as Brigadas Vermelhas e outras centrais terroristas europeias. A este propósito queria colocar-lhe uma dúvida que me assalta, porque isto não é tão fácil nem tão linear como isso. Também entendo a necessidade de um serviço de informações, por motivo do terrorismo internacional. Mas será que Portugal tem sido, ou não, campo de atracção destas centrais terroristas, exactamente, porque não tem um serviço de informações do Estado? Não será que a implementação desse serviço poderá fazer nascer questões como a das Brigadas Vermelhas, etc.? Esta é uma dúvida séria.
Talvez tenha sido com a fogosidade da defesa do serviço de informações, mas o Sr. Deputado disse que em nenhum país do mundo os serviços de informações são controlados pelo Presidente da República. Suponho que é demasiada generalização. Penso, por exemplo, no caso do Presidente dos Estados Unidos da América, que controla os serviços secretos americanos, quer o FBI, quer a CIA, e que nomeia ou demite os directores daquelas instituições. Isso é público.
O Sr. Deputado fez duas afirmações que me parecem ser graves. Por um lado, a revelação de que existem em Portugal serviços particulares de informações, até

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com características de chantagem política e ficheiros próprios. Essa é uma informação grave e gostaria até de saber se dispõe de mais dados, porque essa informação deve ser levada até às suas últimas consequências.
No entanto, já no fim, e parece-me que para contrabalançar essas afirmações, o Sr. Deputado adiantou um argumento que ainda ninguém aqui tinha levantado e que, segundo me recordo, o Sr. Ministro Almeida Santos também precisou: é que uma das vantagens da criação de um serviço de informações legal aberto e à luz do dia era a de permitir proibir qualquer outro serviço de informações que não aquele que estivesse previsto na lei.
Por último, e no sentido de uma pergunta feita pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, e que não passa pela cabeça de ninguém que o Parlamento possa controlar os Serviços de Informações Militares, que estão sujeitos à cadeia de comando.
O Sr. Deputado também já disse que tinha essa convicção, porque os mais altos chefes militares deste pais lhe tinham afirmado que não era sua intenção sair da órbita militar.
Na verdade -e é esta a última pergunta que lhe faço-, como é que nós, Assembleia da República, nós, cidadãos deste país, sabemos se estes serviços militares exorbitam ou não da sua competência específica, se não houver um controle destes serviços.

O Sr. Presidente: - Deseja responder já, Sr. Deputado?

O Sr. José Luís Nunes (PS): -Sim, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Pose Luís Nunes (PS):- O Sr. Deputado António Taborda falou na fogosidade. É o único ponto em que me permito discordar, pois a minha intervenção foi uma intervenção extremamente serena.
Põe, no entanto, um problema grave: o da provocação política. A provocação política é velha como a história do Mundo. Temos alguma experiência da provocação política; muitas vezes fomos vítimas dessa provocação política, em variadíssimos períodos da nossa história e a diferentes níveis.

Uma voz do PS:- Muito bem!

O Orador: - E, infelizmente, sabemos o que pensar disso.
Mas a provocação política não é monopólio dos serviços de informações. Tem havido casos de provocação política feita por serviços de informações e Cem havido casos de provocações políticas feitas por partidos políticos - e nem por isso vão ser dissolvidos os partidos políticos.
Em segundo lugar, quanto à acção das centrais terroristas, mais vale prevenir que remediar. Mesmo assim, já houve em Portugal dois casos gravíssimos e um desses casos gravíssimos foi a forma como se aceitou o julgamento do assassinato do Dr. Issam Sartawi, em que uma absolvição, feita como se sabe - que eu não critico porque nunca critico decisões dos tribunais -, foi aceite com naturalidade quando, muitas vezes, não sabemos se a absolvição ou a pequena pena correspondem a uma realidade ou a ameaças de pressão ou receios.
Quando um Estado é paralisado pelo medo, tal significa que o Estado está em riscos de morrer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, um ponto muito curioso. Na II Guerra Mundial dizia-se que Portugal era o paraíso dos serviços secretos de informações. Receio bem que o Portugal de hoje seja, também, o paraíso dos serviços de informações, não só o paraíso dos serviços de informações de quaisquer inimigos geoestratégicos, mas, curiosamente, também o paraíso dos serviços de informações dos nossos amigos.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - A existência de serviços de informações em tempo de paz, como a existência de forças armadas em tempo de paz, destina-se também a defender-nos dos nossos amigos.
A estratégia do Estado Português deve ser, nesta matéria e de acordo com os diferentes níveis de actuação, uma estratégia a todos os azimutes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que significa que o Estado Português não deve permitir em Portugal a actuação de serviços de informações estrangeiros, quaisquer que eles sejam, mesmo os serviços dos nossos amigos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quem nos defende dos nossos próprios guardas, quem nos defende dos nossos próprios amigos? Em tempo de paz, os serviços de informações também servem para isso!
Em segundo lugar, lemos o problema dos serviços de informações dos Estados Unidos. Sr. Deputado, não se confundam as duas coisas, o Bureau Federal de Investigação (FBI) e a Agência de informações (CIA).

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe o favor de concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr Presidente. Mas, estas questões são suficientemente importantes para que eu não queira ler, amanhã, nalgum dos jornais de desinformação que enchem este país, que eu não respondi às questões levantadas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ê que, nos Estados Unidos, não há só esses serviços de informações. Há mais uns tantos. Esses, são os que aparecem nos filmes de 007, e que são muito interessantes, mas há outros.

Risos.

Esses serviços são coordenados por um Conselho Nacional de Segurança, os seus coordenadores e directores, embora nomeados pelo Presidente da República

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- como, de resto, acontece nos Estados Unidos -, têm um papel claro e evidente, porque tornaria demasiado vulnerável a figura do Presidente da República se ele se ocupasse directamente deste assunto.
Nomear um director não significa controlar. São coisas diferentes.
É evidente, também, que há o controle do Congresso. Esse controle do Congresso é fundamental, porque no Congresso americano o senador e o deputado, ou melhor o representante da casa dispõe de poderes próprios extremamente latos.
Mas não vamos agora discutir este assunto, porque estamos ultrapassados pelo tempo.
Quanto ao problema do controle directo dos Serviços de Informações Militares, noto que a sua intervenção - como, de resto, foi claro- é muito diferente das intervenções do Partido Comunista Português, que aqui defendeu serviços de informações formados, se possível, ou, predominantemente, por militares.
Todos os Srs. Deputados estão suficientemente preparados e conscientes de tudo isto, para saberem que isto não é um erro, não é um disparate, não é um lapsus linguae, não é um lapsus calami. Para mim, é uma opção política.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Rui Machete): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem cabido a este Governo, na hora difícil que o País atravessa, pôr aos Portugueses com toda a frontalidade os problemas que temos de enfrentar, propor-lhes as soluções que se lhe afiguram correctas e pedir-lhes o esforço e a cooperação indispensáveis para levarmos de vencida a crise económico-financeira e também moral com que nos debatemos.
A proposta de lei sobre os serviços de informações agora em debate representa uma importante pedra na reconstrução do Estado e insere-se na política de verdade que o Governo prossegue.
Num País em que ainda muitos slogans e mitos ideológicos obscurecem uma perspectiva serena e reflectida sobre a segurança do Estado, seria certamente mais cómoda a inércia. Não cumpriria, porém, ao Governo o seu estrito dever de velar para que um dos fins do Estado - ao lado da justiça e do bem-estar- seja alcançado.
O Estado de direito democrático assenta na vontade dos cidadãos, expressa no voto livre, e na supremacia da lei elaborada pelos representantes do povo. Todos os estados pretendem o monopólio do uso da coacção, mas só nas sociedades democráticas pluralistas existe a autoridade que legitima o emprego da força. Só em democracia, sob o império da lei e o controle político e jurídico dos diversos órgãos de soberania, a obediência dignifica o homem e a punição dos actos de rebeldia e da violação da lei tem uma justificação ética.
Para garantir a sua própria existência e da ordem jurídica, para assegurar aos cidadãos o exercício dos seus direitos, o Estado democrático tem de possuir a autoridade necessária e os meios indispensáveis para a defender.
Sem essa autoridade e sem esses meios, os direitos dos cidadãos e a sua segurança ficarão à mercê das minorias activas sem escrúpulos morais que ou imponham pela força física as suas fórmulas pretensamente salvíficas ou, mais prosaicamente, se apoderem dos bens alheios.
Portugal é, desde 25 de Abril de 1974, de novo um Estado democrático. Essa transmutação essencial operada no nosso país permite ultrapassar sem complexos o síndroma da Pide-DGS compreensivelmente ainda sentido por muitos. A dolorosa experiência passada justifica que sejamos particularmente vigilantes quando tratamos de criar os instrumentos indispensáveis à defesa do Estado de direito, de modo a evitarmos e controlarmos eventuais «efeitos perversos». Mas constituiria um erro doloso confundir a polícia política de uma ditadura com um serviço de informações próprio de um Estado de direito democrático.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A razão determinante da criação deste serviço de informações é assim a defesa da segurança interna e externa do Estado. Têm perpassado, ao longo desta discussão na Assembleia, algumas dúvidas sobre a extensão do seu objecto e sobre a sua separação da actividade policial, designadamente daquela que incumbe especificamente à Polícia Judiciária. Houve Srs. Deputados que se interrogaram sobre se o aumento da criminalidade em geral justificava a constituição destes serviços e outros manifestaram a sua preferência para que fosse a Direcção Central do Combate ao Banditismo da Polícia Judiciária que tomasse sobre si o encargo que a proposta de lei comete ao serviço de informações de segurança, outros ainda criticaram a falta de clareza na articulação entre a actividade de informar e a actividade policial.
Sem procurar ser exaustivo e reconhecendo que os conceitos de segurança externa e interna têm, no seu conteúdo, pela sua própria natureza teleológica, para além de um núcleo firme, uma certa indeterminação nos contornos marginais, vamos tentar contribuir para o melhor esclarecimento das questões e, sobretudo, para afastar algumas interpretações infundadas.
O relacionamento que se faz entre o incremento da criminalidade e a necessidade premente de serviços de informação eficazes circunscreve-se obviamente à criminalidade de alta violência, mormente à praticada com fins políticos. Os actos de terrorismo e os praticados por organizações terroristas, os crimes de espionagem, sabotagem, sequestro e rapto de membros de órgãos de soberania e as conjuras constituem exemplos destes tipos de crimes, enquadrados, no actual Código Penal, na categoria de crimes contra a paz pública - artigos 285." e seguintes - e nos crimes contra a segurança do Estado - artigos 334.º e seguintes. Não são assim pessoas envolvidas em actividades preparatórias ou indiciadoras de quaisquer crimes que são objecto dos serviços de informações, mas tão-só aquelas de que seja razoável temer-se, pelos comportamentos assumidos, que vê-

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nham a pôr em risco a integridade do Estado pela prática de crimes dirigidos contra a sua segurança ou contra a paz pública e assim mesmo reconhecidos no Código Penal.
Por outra parte, a luta contra o terrorismo, tal como se tem vindo a desenvolver na República Federal da Alemanha, na Itália, na Grã-Bretanha e na Irlanda do Norte, tem evidenciado, como ressalta do relatório apresentado por Richard Clutterbuck à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, que a existência de serviços de informações eficientes constitui um elemento determinante para o êxito da erradicação do terrorismo.
Não seria certamente impensável que coubesse à Polícia Judiciária, em união real, o serviço de informações de segurança. Algumas estruturas organizatórias dos serviços de informação de países democráticos seguem esse modelo. A maioria, porém, prefere a separação institucional, aplicação ao caso concreto da velha e sábia ideia de Montesquieu.
Oferece, na verdade, maiores garantias dividir os serviços que colhem e pesquisam informações e os que tem uma actividade de investigação propriamente dita. Só às polícias, designadamente à Polícia Judiciária, caberá, porém, preparar os inquéritos preliminares, realizar buscas e interrogatórios, fazer detenções, sob o controle e a direcção do juiz de instrução. Ao serviço de informações é vedado qualquer acto instrutório. Deste modo, fica certamente melhor salvaguardada a legalidade da actuação de uns e outros serviços e os direitos dos cidadãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A proposta de lei tem de certo lacunas e imperfeições. Já o Sr. Ministro de Estado e o Sr. Vice-Primeiro-Ministro tiveram ocasião de apontar a necessidade de reformular a figura da comissão de fiscalização. Pretende-se que a fiscalização política dos serviços se faça não apenas pelo lado do Governo, mas também através da Assembleia da República, via participação dos deputados num órgão de controle. Esse órgão não se limitará a receber um relatório anual e a comentá-lo criticamente, mas, para poder exercer a sua função, terá de acompanhar assiduamente os serviços. Os deputados designados pela Assembleia da República deverão também, a meu vê?, integrar o conselho superior de informações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, ao longo do debate na generalidade na Assembleia foram feitos muitos comentários e sugestões pertinentes que certamente serão tomados em consideração na análise na especialidade que vai fazer-se do diploma.
É, designadamente, o caso da melhor forma de estruturar a comissão técnica prevista no artigo 4.º, n.º 4, do projecto de lei. Não penso, porém, que se deva antecipar nesta matéria o necessário debate em comissão.
Um ponto apenas, de filosofia geral, gostaria de referir aqui. Foi mencionado pelo Sr. Deputado Angelo Correia, entre outros, a conveniência de explicitar que os serviços de informações se não destinem apenas à protecção interna do Estado, mas também à externa, e ainda a necessidade de indicar claramente qual o serviço que se deveria ocupar dessa actividade.
Todos nós conhecemos, na verdade, como na vida internacional moderna, polarizada em bloco», se desenvolvem as chamadas estratégias indirectas e como alguns Estados não têm rebuço em recorrer não só a práticas de espionagem, mas a acções de intoxicação e até de terrorismo para desestabilizarem as situações internas de outros países. Recentemente ainda a jornalista Claire Sterling demonstrou, com rara sagacidade e cópia de argumentos, toda a complexa trama de insídias que gizaram o atentado de que foi vítima o Papa João Paulo II, em 13 de Maio de 1981. E esse é apenas um exemplo entre muitos.
Na economia da proposta, o trabalho do campo de recolha de informações cabe ao serviço de informações de segurança, salvo se for especialmente concernente a questões militares, caso em que é do âmbito do Serviço de Informações Militares, mas todos os elementos civis e militares são examinados e ponderados, numa perspectiva global, pelo órgão de staff, que e o serviço de informações estratégicas de defesa, ao qual cumpre traçar os cenários adequados e propor as políticas que considere ajustadas.
Em conclusão, quero reafirmar que a lei dos serviços de informações agora em discussão, em conjunto com a lei de segurança interna, cuja proposta será em breve apresentada à Assembleia, representam instrumentos indispensáveis à protecção do Estado português, de um Estado de direito democrático, o mesmo é dizer, afinal, dos direitos e liberdades dos cidadãos.
Poder-se-á certamente discordar deste ou daquele ponto da estrutura organizatória ou mesmo discutir-se se o desenvolvimento das instituições já existentes não seria preferível, mas só os que pensam derrubar por meios violentos e criminosos o regime democrático pretenderão que o Estado português continue como até aqui inerme perante as ameaças ou os ataques que lhe possam mover inimigos externos ou minorias antidemocráticas que se agitam no seu interior.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Estou por isso confiante em que esta Assembleia, onde por definição todos os partidos prezam a democracia, saberá encontrar, apesar da diversidade de opiniões, as soluções mais capacitadas para ultrapassar o actual estádio de indefensão do Estado português.

Aplausos do PS do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amarai (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, suponho que ficará como um dos grandes mistérios e um dos grandes equívocos deste debate que, a terminar esta discussão, seja V. Ex.ª a vir demonstrar que o que estava em discussão não tinha nada a ver com a criminalidade. Será realmente de registar a sua boa vontade em trazer aqui o seu nome, a sua posição ministerial e a sua presença para tentar dar um bocadinho de tom cor-de-rosa àquilo que já é bastante negro e que nem com a sua presença se consegue de alguma maneira esconder.
Pensamos que talvez fosse esta a ocasião para o Sr. Ministro nos trazer aqui informações sobre o seu departamento em concreto. Julgámos que a sua intervenção viria responder a questões como estas para

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quando o alargamento da Polícia Judiciária de acordo com as necessidades nacionais? Para quando a estruturação dos diferentes serviços de investigação criminal de acordo com as necessidades concretas da criminalidade em Portugal? Quais os resultados obtidos até este momento com as polícias existentes?
Muitas outras informações teria, naturalmente, o Sr. Ministro para nos dar. Contudo, nada disso foi feito.
A posição em que se colocou foi a de considerar ...

Pausa.

Sr. Ministro, parece-me que a sua bancada está extremamente nervosa!...

Risos do PSD.

Suponho que eles não pensam que o Sr. Ministro se irá portar mal perante aquilo que lhe vou perguntar e que é muito simples.

Risos do PSD.

A bancada do Sr. Ministro continua nervosa ...

O Sr. Manuel Moreira (PSD):- Feliz, feliz!...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pedia-lhes o favor de não interromperem.

Uma voz do PSD: - Ele é que se interrompeu!

O Orador: - A pergunta que queria fazer ao Sr. Ministro da Justiça, no quadro em que apresentou esta proposta de lei, é só esta: o Sr. Ministro entende que a proposta de lei n.º 55/III, que aqui nos foi apresentada com o quadro de serviços de informações, acrescenta alguma coisa de útil ao combate contra a criminalidade concreta que preocupa os Portugueses? Ou, de outra forma, considerando que p que preocupa os Portugueses é a situação de instabilidade perante o aumento dos roubos, das acções de intimidação na rua, etc., o Sr. Ministro da Justiça pensa que esta proposta de lei tem alguma coisa a ver com isso ou, ao contrário, é na área da acção da defesa nacional -como a própria proposta diz e como o Sr. Ministro teve a bondade de aqui reafirmar- e nas ligações desta com as estratégias indirectas que a proposta deve ser equacionada?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, visto que há mais inscrições para pedir esclarecimentos, gostaria de saber se V. Ex.ª deseja responder já ou no fim, em conjunto.

O Sr. Ministro da Justiça: - Se me permite, respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Carlos Espadinha.

O Sr. Carlos Espadinha (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, ouvi com interesse as loas do Sr. Ministro ao Estado democrático. Como deve saber, se há pessoas que prezam a democracia e o Estado democrático, elas são os trabalhadores, que, para defender essa democracia, têm acorrido a formas diversas de organização que funcionam democraticamente.
A este propósito, vale a pena perguntar ao Sr. Ministro o seguinte: a proposta que o Governo aqui traz não terá como objectivo recolher informações para impedir o exercício dos direitos democráticos dos trabalhadores? É ou não é assim, Sr. Ministro da justiça?

Vozes do PSD: - Não!

O Orador: - O que se tem vindo a passa? luta dos pescadores desde o 25 de Março é exemplo desta vossa democracia, Sr. Ministro.

Protestos do PSD.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP):- Muito incomodados ficam vocês quando se fala nos trabalhadores!

O Orador: - Aquilo que se passou nalgumas ruas de Lisboa e nas imediações da Voz do Operário foi que a Polícia de Segurança Pública, a mando do Sr. Ministro da Administração Interna do Governo de que faz parte, invadiu as instalações da Vos do Operário, não deixando que os pescadores da pesca artesanal levassem até ao fim a segunda sessão da sua assembleia geral para eleição dos seus corpos gerentes.

Protestos do PSD.

É para impedir esta forma democrática de os trabalhadores resolverem os seus problemas que é criado este serviço que hoje aqui vai ser votado, Sr. Ministro?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, observei na sua intervenção que, ao falar da fiscalização, V. Ex.ª usou não a expressão «fiscalização parlamentar» - que tem sido a expressão utilizada entre nós-, mas a expressão «fiscalização política». E depois, nas observações que formulou, falou de um órgão de fiscalização e da participação de deputados no conselho superior de informações. Aliás, já tinha reparado que há pouco, na sua intervenção, o Sr. Deputado José Luís Nunes, também sobre a questão da fiscalização parlamentar, havia sido muito parco em considerações, tendo inclusivamente admitido que não seria propriamente uma comissão parlamentar, mas um órgão eleito pela Assembleia da República, podendo até ser composto por outros que não parlamentares.
Acresce que, para além de Ministro da Justice e Membro do Conselho de Ministros, com toda a influencia que tal facto pode ter ainda no decorrer de debates, V. Ex.ª é também vice-presidente do seu partido, influenciando também naturalmente toda & posição do PSD sobre esta questão. Por esta razão e pelas razões acima expostas, coloco-lhe a seguinte questão: como é que o Sr. Ministro da Justiça vê a questão da fiscalização parlamentar?
Gostaria também que o Sr. Ministro me pudesse esclarecer esta questão: no seu pensamento, está com-

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pletamente arredado que a fiscalização parlamentar se faça por um organismo parlamentar, isto é, por uma comissão parlamentar? Em que termos poderia então a Assembleia da República intervir, fiscalizar, participar nas garantias que o Estado democrático tem de assegurar em relação a serviços como este?
Relativamente à questão da intervenção dos órgãos do poder político, pergunto-lhe se o Sr. Ministro acha adequado e correcto que o Sr. Presidente da República não tenha acesso directo aos serviços. Não se trata de uma questão de controle, como já hoje aqui alguém a colocou, mas de acesso. Acha correcto que o Sr. Presidente da República só tenha acesso aos serviços por intermédio do Sr. Primeiro-Ministro?
Finalmente, o Sr. Ministro falou da lei da segurança interna, tendo prometido que ela seria brevemente proposta nesta Assembleia. Temos sabido, através dos jornais, que a proposta de lei da segurança interna tem estado em discussão no Conselho de Ministros, tendo o Sr. Ministro de Estado chegado a afirmar nesta Assembleia que ela tinha sido aprovada. Entretanto, vieram a lume em vários jornais diversas considerações sobre a lei da segurança interna, que o Governo não desmentiu e que são aterradoras pela sua expressão anticonstitucional e antidemocrática. Tendo falado desta questão, tendo ela uma implicação tão directa com a proposta de lei que vai ser votada daqui a instantes e sendo a lei de segurança interna que, ao fim e ao cabo, estabelecerá o quadro institucional em que irão actuar os serviços de informações, não poderia o Sr. Ministro da Justiça adiantar mais alguma coisa em relação à lei da segurança interna e confirmar ou desmentir certas informações extremamente preocupantes que têm vindo a lume através da imprensa? Ê o mínimo que podemos pedir ao Governo, já que não fez acompanhar a proposta de lei que vai ser votada daqui a pouco da proposta de lei da segurança interna, como seria curial, indispensável e minimamente exigível.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Ministro da Justiça, devo confessar que também eu esperaria que nos tivesse referido matérias que são da sua pasta - t não só- e que têm estado no centro destes debates e que, ainda por cima, foram objecto de uma larguíssima campanha governamental, usando toda a influência legítima e ilegítima que detém junto de meios de comunicação social. O Governo mistificou propositadamente - e, em nossa opinião, com responsabilidades gravíssimas - os termos em que a questão da criminalidade se coloca no nosso país e proeurou utilizá-la para justificar a criação, nestes termos, do serviço de informações.
Em todo o caso, não tivemos ocasião de lhe ouvir uma palavra que fosse sobre esta matéria, tendo ficado sem resposta os requerimentos que em devida data lhe endereçámos no sentido de clarificar, de forma séria, objectiva e rigorosa, os termos em que este problema se coloca. Esperamos não sair deste debate sem ouvir da boca do Sr. Ministro da Justiça afirmações que, se não responsabilizarem o Governo, pelo menos informem a Assembleia e a opinião pública sobre esta questão, que não pode estar sujeita a campanhas demagógicas e bastante irresponsáveis, explorando os sentimentos de insegurança dos cidadãos.
A segunda questão que lhe quero colocar é se é este o momento que o Governo considera azado para revelar à Assembleia da República e ao País em que estado é que se encontra o processo de elaboração da famosa lei da segurança interna, que se vem revelando, por aquilo que dela se sabe, como uma ameaça perigosa ao exercício das liberdades dos cidadãos, assinalada por uma descaradíssima inconstitucionalidade. Isto apenas surpreende pela seguinte razão: como é que é possível que ao Conselho de Ministros do Portugal democrático tenha alguma vez sido apresentada uma proposta com as características que vêm assinaladas ao texto que o Governo tem em gestação?
Esperamos ficar com algumas respostas também sobre esta matéria, dada a articulação que existe entre ela e os serviços de informações.
Finalmente, Sr. Ministro, quero-lhe colocar 3 breves questões. Em primeiro lugar, dizemos que a criação destes serviços acarreta intoleráveis riscos de perversão antidemocrática e que tal afirmação não representa um processo de intenções, mas antes o que resulta do juízo que formulamos sobre esta proposta - que é má, como o Sr. Ministro reconhece em relação a alguns pontos e a maioria reconhece quanto a outros -, de uma apreciação relativamente às características do Governo e da apreciação da maneira como os diversos corpos que existem têm funcionado e do afastamento que há entre a sua actuação e os objectivos que presidiram à sua própria criação. Por isso, pergunto-lhe concretamente se considera ou não que. neste caso dos serviços de informações, se colocam com muito mais agudeza os problemas que já neste momento existem a nível de instrução e investigação criminais, para mante-las dentro dos limites da lei» evitando-se que os cidadãos cadastrados sejam perseguidos para além do limite estabelecido pela lei e que a suspeição legitime investigações que invadam a esfera da intimidade da vida privada.
A segunda questão é a seguinte: não considera o Sr. Ministro que, em relação aos serviços de informações, se agravam muito mais os riscos de secretismo, de manipulação e de intoxicação que já existem em relação a outros corpos que não possuem lamentavelmente estatuto legal assinalado?
Finalmente, não considera o Sr. Ministro que as ameaças à intimidade dos cidadãos e ao livre exercício dos seus direitos, na falta de cautelas que o Sr. Ministro não especificou - e bom seria que adiantasse algo sobre este aspecto -, correm riscos que não podem ser aceites face ao regime democrático-constitucional que temos?
São estas as questões que gostaríamos de ver respondidas pelo Sr. Ministro perante esta Assembleia, uma vez que tem dado entrevistas desencontradas e declarações avulsas contraditórias com comunicados do Conselho de Ministros, mas que infelizmente não tem esclarecido a Assembleia nos termos rigorosos a que temos direito.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem também a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Sr. Ministro da Justiça, na realidade V. Ex.ª fez uma justificação genérica do diploma e no que respeita propriamente à sua regedoria, digamos assim, o Sr. Ministro fez incidir um pouco mais de atenção sobre o serviço de informações de segurança. Aí disse-nos que, realmente, não se tratava de substituir os serviços de informações das polícias, designadamente da Polícia judiciária, que está sobre a sua jurisdição, mas tratava-se apenas de obter informações no que respeita ao combate à criminalidade de alta violência prevista e punida no Código Penal.
Concretamente o Sr. Ministro usou a expressão «informações que seja razoável conexionar com a prática de crimes de alta violência previstos e punidos no Código Penal». Mas, Sr. Ministro, quem é que nos vai assegurar esse critério de razoabilidade e como é que ele vai funcionar?
Os serviços de informações das polícias continuam a funcionar? Qual é rigorosamente a delimitação entre os serviços de informações de segurança e os serviços de informações das polícias?
Esse critério que o Sr. Ministro acaba de nos dar enquadra-se perfeitamente, em seu entender, naquilo que se diz no artigo 8.º?
Eram estes os esclarecimentos que eu lhe queria pedir. Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da PUS t iço: - O Sr. Deputado João Amaral, depois de tecer algumas considerações em matéria de «arco-íris» ...

Risos.

... põe-me um certo número de problemas acerca do alargamento da Polícia Judiciária a todo o território e da coordenação das actividades da Polícia de Investigação. São uma série de questões que, salvo o devido respeito, nada têm a ver com o debate que hoje aqui nos ocupa.

O Sr. João Amaral (PCP): - Ahh!...

O Orador: - O único ponto que me parece ter a ver com este debate é a questão de saber se este serviço de informações beneficia, acrescenta alguma coisa (suponho que foi a expressão que utilizou) ao combate à criminalidade em concreto. A resposta é clara: beneficia, sim senhor, e extremamente importante, só que não é a criminalidade em geral que temos de considerar aqui.
Eu tive ocasião de referir numa intervenção -que é feita na generalidade e que, portanto, não é feita para discutir na especialidade os problemas - que efectivamente o problema da criminalidade que aqui se põe é o da criminalidade contra a segurança do Estado e a paz pública que vem previsto no Código Penal -eu até citei alguns tipos de crimes- e de que o exemplo mais claro e mais perigoso é o do terrorismo, que, aliás, também vem previsto e punido no Código Penal.
Nessa matéria - e não é segredo para ninguém - em Portugal, nos últimos anos, tem havido um crescendum da actividade terrorista que, sem ser preocupante em excesso, todavia leva a que se reconheça que com as actuais estruturas o Estado Português está indefeso para combater seriamente essa actividade.
É por isso que existe uma correlação entre o problema da criminalidade de alta violência e o serviço de informações. Ê óbvio que todas as confusões que. se pretenderam estabelecer para ligar o serviço de informações ao problema dos conflitos em matéria laboral ou de outro tipo de actividades de carácter político trata-se, a meu ver, de um erro dolorosamente cometido e perfeitamente injustificável.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Foi o Governo que o fez!

O Sr. João Amaral (PCP): - Faça uma autocrítica!

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Espadinha perguntou-me se este serviço de informações não se destina no fundo a dificultar ou a impedir o exercício dos direitos democráticos dos trabalhadores. A resposta é simples: não se destina, não senhor.
O Sr. Deputado Carlos Brito pôs-me a questão de saber se ao falar em fiscalização política e não em fiscalização parlamentar eu não tinha uma certa intenção de minimizar a intervenção do Parlamento. Não é essa a minha intenção e não creio que tivesse sido isso que resultou das minhas palavras na medida em que eu utilizei a expressão fiscalização política para englobar que essa fiscalização política abrangia não só a fiscalização parlamentar como também a fiscalização do Governo.
Mas perguntou mais o Sr. Deputado Carlos Brito: como é que eu perpectivava a intervenção do Parlamento no controle do serviço de informações. A minha resposta é esta: penso que a Assembleia da República tem naturalmente as suas competências definidas na Constituição e esta lei não pode limitá-las, e nesse aspecto não pode acrescentar ou alterar as competências.
O que se trata é de, de algum modo, em termos paralelos ao que aconteceu com a Lei de Defesa, encontrar fórmulas que permitam intensificar esse controle e especializá-lo, levando deputados a participarem em organismos especializados no meio do serviço de informações.

nesse sentido que me parece que esta fiscalização política, além de ter de um lado a via do Governo, terá a via da Assembleia no exercício das suas competências normais e, a acrescentar a esta, terá deputados que acompanhem com maior assiduidade e com uma maior especialização o serviço de informações. É, aliás, assim, que habitualmente nos países democráticos se procura garantir que estes serviços funcionem.
Já agora, importa dizê-lo com toda a clareza, estes serviços são não só absolutamente imprescindíveis à defesa do Estado democrático como, pela sua própria natureza, oferecem alguns riscos de aqui ou além violarem a lei, pelo que é necessário que se encontrem as garantias de defesa e de controle imprescindíveis para que, afinal de contas, não tenham efeitos, também eles, perversos.
Mas todas as instituições podem ser pervertidas aqui e além nas suas funções se não tomarmos as devidas precauções. Assim, não percebo porque é que o serviço de informações haveria de fugir a esta regra própria da natureza das coisas.

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Quanto ao Sr. Deputado José Magalhães, para além de algumas afirmações que não percebi lá muito bem, acerca de declarações contraditórias que eu terei feito quanto à criminalidade ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - É natural! Foi O senhor que as fez!...

O Sr. Carlos Brito (PCP): -Custa a entender!...

O Orador: - ... e quanto à segurança interna, que aliás, no fundo, tal e qual como os outros deputados do PCP, tem uma visão «tremendista» do serviço de informações, põe-me em última análise a questão de saber se este secretismo do serviço não envolve um risco de intoxicação e se não ameaça a intimidade dos cidadãos.
Penso que também nesta matéria é preciso ser perfeitamente claro e não ter medo das palavras. O serviço de informações não se destina a fiscalizar todos os cidadãos, não se destina a fazer quaisquer confusões com uma polícia política; destina-se a realizar uma actividade de pesquisa em relação às pessoas de que seja razoável temer-se, por comportamentos assumidos, que venham a pôr em risco a integridade do Estado pela prática de crimes dirigidos contra a sua segurança ou contra a paz pública, como, aliás, se encontram previstos no Código Penal. Ê assim que acontece em todos os países do mundo onde reinam democracias pluralistas.
É evidente que a intimidade dos cidadãos deve ser protegida na medida em que eles exerçam direitos legítimos, mas também é exacto que a intimidade dos cidadãos não pode ser protegida quando eles praticam crimes, e nesse sentido não exercem na realidade direitos.
O risco que existe de se cometerem alguns erros é um facto e é por isso que devemos garantir que este serviço de informações tenha um controle adequado para que os eventuais prevaricadores sejam exemplarmente punidos.
No entanto, o que não podemos é, através da homenagem que fazemos a uma concepção nominalista dos direitos fundamentais, acabar por permitir que esses mesmos direitos fundamentais, no seu conteúdo essencial, venham a ser sacrificados por não sermos capazes de combater acções terroristas.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito fez uma crítica acerca da justificação de que eu terei feito do diploma, qualificando-a como genérica, mas a verdade é que estamos numa discussão na generalidade.
Também me perguntou como se determina esse critério de razoabilidade que permite distinguir a zona de pesquisa dos serviços de informação e a zona de pesquisa dos serviços de polícia. Penso, pois, que não é possível estabelecer com rigor absoluto uma fronteira inteiramente clara e nítida. No entanto, poder-se-á dizer com alguma segurança que as actividades de polícia no que se refere às informações destina-se, em primeiro lugar, à averiguação de crimes já cometidos - portanto, é uma averiguação de carácter histórico - e, em segundo lugar, em relação a tentativas ou a actividades muito próximas da comissão de crimes. Ë assim que normalmente acontece em todas as polícias.
A actividade de pesquisa de informações é uma actividade de carácter mais genérico. Se o Sr. Deputado ler o que se passou no combate às brigadas vermelhas e aos grupos terroristas na Alemanha, verificará que de uma maneira muito clara houve durante muito tempo uma pesquisa cuidadosa das informações em matéria de casas onde esses terroristas se albergavam e dos hábitos que tinham pessoas que estavam conexionadas com os elementos que, de uma maneira clara, eram identificados como pertencentes a essas organizações terroristas. Foi, pois, essa pesquisa longa e metódica que, num determinado momento, permitiu a polícia actuar.
Portanto, como estava a dizer, não é possível estabelecer uma fronteira nítida. Tem de haver um critério de razoabilidade mas, no fundo, não há outra forma de distinguir as coisas senão utilizar este tipo de critérios tendenciais para permitir essa separação.
Por último, gostaria de dizer que estou inteiramente confiante de que se soubermos, como devemos, rodear estes serviços das cautelas e dos controles necessários, tal como acontece em outros países europeus de democracia pluralista - e não me estou a referir aos países onde reina um partido único, porque aí os problemas dos serviços de informações põem-se em termos de polícia política -, conseguiremos dotar o Estado Português de um meio indispensável para que não se passe este fenómeno perfeitamente ridículo a que temos vindo a assistir, que é o de Portugal ser um campo de actuação livre dos diversos serviços secretos de vários Estados estrangeiros, quer amigos, quer adversos. Certamente, muito se terão divertido esses serviços ao assistir a este debate na Assembleia e aos comentários que alguns dos Srs. Deputados fizeram.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

A propósito da lei de segurança interna, esqueci-me de referir duas coisas que reputo importantes. Em primeiro lugar, que o Governo não costuma apresentar propostas de lei à Assembleia através de semanários. Portanto, aquilo que W. Ex.as leram no Expresso não corresponde a uma proposta de lei. Em segundo lugar, devo dizer que o essencial da lei de segurança interna é a coordenação das actividades das diversas polícias.
Além disso, não existe - e quando existir VV. Ex.as terão conhecimento privilegiado, porque são os destinatários da proposta de lei- uma proposta de lei aprovada pelo Governo. Existem, sim, diversos trabalhos, e VV. Ex.as, através da imprensa, tiveram acesso apenas a um desses trabalhos preparatórios que não mereceu a chancela do Governo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Um trabalho que demonstra bem as pessoas que o Governo tem e as mentalidades dessas mesmas pessoas!

O Sr. João Amaral (PCP): -Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP):- Sr. Ministro, após a intervenção de fundo que V. Ex.ª proferiu e a parte que se permitiu ler, aproveitando as respostas aos pedidos de esclarecimento -portanto, temos a intervenção completa -, ficamos esclarecidos acerca do seu pensamento.

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Julgávamos que V. Ex.ª iria colocar as questões da criminalidade no âmbito do seu Ministério, mas, na verdade, tal não aconteceu. Portanto, ao não o fazer, deixou em aberto - e não venha dizer que são questões irrelevantes, não se colocam no infravermelho ou no ultravioleta deste arco-íris que e a questão que competia a V. Ex.ª trazer à Câmara- o que é que o Ministro da Justiça, com toda a informação que tem a carrear para este debate, poderia acrescentar em relação ao que aqui estamos a discutir.
As questões que se colocam são muito simples, Sr. Ministro. A primeira delas é que existia uma segunda vertente em que era possível V. Ex.ª intervir, que era a das garantias dos cidadãos. Regista-se a palavra «garantias» que V. Ex.ª utilizou. Mas, Sr. Ministro, onde é que estão essas garantias na proposta de lei n.º 55/III?

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: - É ou não é verdade que essa proposta deixa os cidadãos sem qualquer espécie de garantia - garantias quanto ao acesso à informação que sobre cies é produzida, garantias quanto à questão central da informática, garantias quanto a toda a problemática dos agentes que vão prestar serviços nesses serviços de informações?
Regista-se também aquilo que já se disse sobre as questões irrelevantes. Mas, Sr. Ministro, como coaduna V. Ex.ª essa irrelevância das questões de criminalidade geral com a afirmação feita pelo seu colega de Governo, Ministro Almeida Santos, de que um dos signatários da proposta de lei n.º 55/III, era, nem mais nem menos, que a menina de ouro, Sr.ª D. Branca, a senhora que acumula dinheiro sobre dinheiro, e que isso era um problema que ocupava de tal maneira o Estado que tinha que criar serviços de informações.
Sr. Ministro, os serviços que dependem de si, nomeadamente a Polícia Judiciária, não sabem que existe a D. Branca?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, há mais oradores inscritos. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro da Justiça: - Prefiro responder no fim. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Espadinha.

O Sr. Carlos Espadinha (PCP): - Sr. Ministro, o protesto que desejo formular é devido a V. Ex.ª não ler respondido às questões que lhe coloquei e que tem muito a ver com os direitos e as liberdades dos trabalhadores.
Na base deste inqualificável papel que tenho na minha frente, que é uma resolução do Conselho de Ministros, verifica-se que ontem a polida, a mandato do Governo, actuou contra trabalhadores, tal e qual como actuava antes do 25 de Abril!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe o favor de se cingir ao assunto que está em discussão.

O Orador: - Sr. Presidente, estou a cingir-me ao assunto que está em discussão, porque ele tem a ver com os direitos, as liberdades e as garantias dos trabalhadores. Portanto, já no final desta discussão que tem a ver com as garantias dos trabalhadores -e com a presença do Sr. Ministro da Justiça na Assembleia da República -, não posso deixar de denunciar o que ontem se passou junto à Voz do Operário.

Sr. Presidente, usaram os mesmos métodos que usavam no fascismo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe o favor de medir as suas palavras e de se cingir ao assunto que está em discussão.

O Sr. Deputado tem outras ocasiões para fazer na Assembleia o protesto que está agora a fazer.
Pedia-lhe, mais uma vez, o favor - e estou a pedir-lhe um favor- de se cingir ao assunto que está em discussão.

O Orador: - Sr. Presidente, V. Ex.ª está a interromper-me e não me deixa ir directamente ao assunto que está em discussão.
Para ir directamente ao assunto tenho que denunciar aqui o que se está a passar em relação aos direitos e garantias dos trabalhadores.
É muito perigoso o que se está a passar neste momento e nem sequer está ainda aprovado o serviço de informações.
Sucede que neste país se estão a usar métodos que nós, os trabalhadores, não queremos que existam.
Estamos no 10.º aniversário do 25 de Abril e não e admissível que este Governo utilize métodos que outros governos de antes do 25 de Abril utilizavam.
Estes serviços de informações não têm outro sentido senão o de proibir e agravar ainda mais os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores.

Aplausos do PCP.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Ministro da Justiça, eu bem compreenderia que V. Ex.ª se tivesse dirigido à nossa bancada de mão estendida, ar grave, veemente, dizendo: «Os senhores são confusionistas! não esclareceram nada!», se previamente tivesse tido o cuidado de nos trazer com alguma limpidez, transparência e rigor de informação aquilo mesmo que lhe tinha sido solicitado, isto é, informação mínima, séria, documentada - e Ministro e por isso tem esses dados- sobre a criminalidade nas suas diversas formas.
Não o fez!
E se não o fez não foi por acaso. O Governo tem, nesta matéria, recusado de forma sistemática à Assembleia da República as informações que lhe são solicitadas.
V. Ex.ª chega aqui, diz algumas generalidades - «a criminalidade tem causas económicas, sociais e políticas várias»-, diz aquilo que e o vulgar, o banal de «Lincu», na expressão corrente de qualquer manual, e não dá dados concretos, não fornece uma só informação.
Tivemos outra vez a repetição desse espectáculo habitual.
É compreensível. O Governo onde está o PSD - que teve um dos seus ministros como responsável

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pelo actual Código Penal - subscreve comunicados do Conselho de Ministros em que se diz que os excessos de permissividade do Código Penal são responsáveis pela actual situação criminal do País e lambem subscreve comunicados em que se diz que estamos num estado semi-artesanal em matéria de combate ao crime e outras coisas que são verdadeiramente disparatadas 1'acc ao reforço da máquina policial. Daí que o Sr. Ministro corra, dias depois, ao Porto para dizer à Polícia Judiciária que não a queria ofender. Bem, tivessem pensado antes naquilo que escreveram no comunicado.
Mas o Governo não atina e não atina nem com o Código Penal. Não nos propôs ainda nenhuma reforma. O Sr. Ministro disse aos jornais que talvez lá para o fim do ano, mas aqui não disse nada.
Quanto ao Código de Processo Penal, tem uma comissão a trabalhar. Não sabemos nada. Está pendente aqui na comissão a ratificação respectiva e ninguém lhe toca. A maioria bloqueia e o Sr. Ministro não vai lá. Passa à margem da Assembleia, em vez de passar pelo centro das atenções dos deputados, todo o processo de discussão destas coisas.
Depois vem um jornal dizer que há um documento espantoso levado a Conselho de Ministros em que inconstitucionalmente se propõem restrições aos direitos dos cidadãos e o Sr. Ministro Rui Machete chega à Assembleia da República e diz: «Mas os senhores lêem os jornais?»
Sr. Ministro, lemos os jornais à falta dos projectos e das propostas que o Governo não nos apresenta.

Aplausos» do PCP.

Concluía, Sr. Ministro, dizendo que temos que ler esse debate. Aliás, amanhã, na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, vamos propor a convocação das entidades (policiais para que clarifiquem elas o que o Sr. Ministro recusa.
Veremos o que resulta desta diligência.
Em todo o caso, da sua intervenção depreende-se - e com isto concluiria, na pergunta final- a ideia de que o Governo estaria disponível para corrigir certos aspectos gravosos.
Resta saber que lei de segurança interna e que também irá apresentar.
Quando ouço isto, Sr. Ministro, sinto uma impressão incómoda. Ouvi-o aqui há tempos, durante o debate de autorização legislativa que viabilizou a aprovação do actual estatuto da Ordem dos Advogados, admitir 6 vícios (nós apontávamos 10, 13 ou 14) ao diploma que estava em gestação. Lido o decreto final constatamos que, do ponto de vista das correcções, a taxa de incumprimento era verdadeiramente escandalosa (não sei se de 0,2 %).
Queria fazer, neste debate e neste protesto, se me for permitido, com algum cepticismo, o voto de que, desta vez, não suceda com a dimensão com que sucedeu da vez anterior o lamentável incumprimento daquilo que eram promessas governamentais feitas pela boca de um ministro. Lutaremos para que, desta vez, isso não aconteça.
É esse o voto com que termino este protesto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça

O Sr. Ministro da Justiça: - Em relação ao Sr. Deputado João Amaral, limitar-me-ia a dizer-lhe que as garantias dos cidadãos são, naturalmente, objecto de normas de carácter geral que têm aqui, igualmente, aplicação e que não se justificaria, para além daquilo que está previsto e que pode ser aperfeiçoado no projecto, outro tipo de garantias.
É evidente que a referência que o Sr. Ministro Almeida Santos fez à D. Branca deve ser tomada como uma caricatura e só uma certa falta de sentido de humor 'é que pode levar a pensar-se de outra maneira.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Caricatura é o fenómeno!

O Orador: - Em matéria de informática leremos, a seu tempo, oportunidade de discutir o problema. Agora vejo que o Sr. Deputado João Amaral, como aliás, o Sr. Deputado José Magalhães, tem uma grande propensão marginal para se tornarem Ministros da Justiça.
Bom a seu tempo, se alguma vez isso acontecer, terão oportunidade de mostrar as suas habilidades e a sua competência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): -O Sr. Ministro está sem sentido de humor!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado José Magalhães, dir-lhe-ia apenas que as estatísticas de criminalidade são publicadas e, nessa matéria, V. Ex.ª já poderá ter acesso às estatísticas de 1982, e também já estão parcialmente publicadas as de 1983.
Terei muito prazer em lhe fornecer as estatísticas de que disponho. Não creio que valha a pena, neste momento, estar aqui a lê-1as, mas não são nenhum segredo de Estado. São documentos que nem sequer têm o rótulo de confidencial.
Portanto, não vejo nenhuma razão para essa constante referência ao problema das estatísticas que existem, que são documentos de trabalho normalmente facultados, aos Srs. Deputados e que não tem, repito, nenhum aspecto confidencial.

O Sr. José Magalhães (PCP):- Acabou?!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um requerimento que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - «Considerando a forte implicação na vida colectiva individual que o cumprimento da proposta de lei n.º 55/III pressupõe, considerando que a dignidade dos cidadãos implica um esclarecimento directo e mesmo a participação efectiva nos assuntos públicos, que objectivamente lhe dizem respeito; considerando que a debilidade da democracia obriga o Governo a ter uma atenção especial perante a criação de serviços potencialmente perigosos, de que eventualmente poderá perder o domínio, o Grupo Parlamentar do MDP/CDE requer que a proposta de lei n.º 55/III, sobre enquadramento dos órgãos "e serviços do Estado a quem incumbe assegurar a obtenção, tratamento e difusão das informações necessárias u defesa nacional, ao cumprimento

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das missões das Forças Armadas, à segurança do Estado de Direito e à garantia da legalidade democrática, seja posta à discussão pública pelo prazo mínimo de 30 dias».

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação deste requerimento.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do CDS e da ASDI, votos a favor ao PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do Deputado Independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar agora, na generalidade, a proposta de lei n.º 55/III que esteve em debate.

Submetida à votação, foi aprovada com os votos a favor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI, com os votos contra do PCP e do Deputado Independente António Gonzalez, e com as abstenções do MDP/CDE e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa 2 requerimentos, um apresentado pelo agrupamento parlamentar da UEDS e o outro do Grupo Parlamentar do PS.
Entretanto, o Sr. Deputado Lopes Cardoso pede a palavra?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): -Sr. Presidente, pretendia, em muito poucas palavras, definir o exacto sentido do nosso voto de abstenção.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O sentido exacto do nosso voto de abstenção, não é outro senão o de que reservamos a nossa posição definitiva sobre esta matéria para a votação final global, momento esse em que poderemos avaliar da natureza, do significado e da extensão das alterações que eventualmente venham a ser introduzidas na proposta de lei que esteve em discussão.
Dissemo-lo ao longo do debate, e repito-o agora, que não somos por princípio contra a criação do serviço de informações. A questão, para nós, não se coloca a esse nível, mas sim no plano de saber que serviço, como funcionará e que garantias serão dadas quanto ao seu funcionamento, matérias estas que serão objecto de discussão na especialidade.
Da solução que para elas for encontrada dependerá o nosso voto, sendo certo que se a proposta de lei não for profunda e significativamente alterada a nossa posição na votação final global não poderá ser outra senão votar contra.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A abstenção do MDP/CDE fundamenta-se no facto de que entendemos que é indispensável a criação de um serviço de informações em Portugal, mas também pensamos que a proposta de lei sobre esse serviço de informações que foi presente à Assembleia da República não contém as indispensáveis garantias de defesa das liberdades dos cidadãos. No entanto, porque o MDP/CDE entende que ele é necessário, não votou contra.
Só que esta abstenção é, também ela, o voto de confiança na consciência cívica dos deputados desta Câmara e fundamenta-se nalgumas intervenções de alguns Srs. Deputados da maioria e do Sr. Ministro Almeida Santos, no sentido do aperfeiçoamento profundo do articulado da proposta de lei. Temos ainda a esperança de que o trabalho em sede de Comissão vai ser fecundo e capaz de modificar substancialmente a proposta de lei do Governo.
Se assim não for, é evidente que na votação final global ela não poderá ter o nosso voto concordante.

Aplausos do MDP/CDE e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Acácio Barreiros pretende igualmente usar da palavra para uma declaração de voto?

O Sr. Acácio Barreiros (PS): -Sr. Presidente, pretendo apenas informar que o Partido Socialista apresentará por escrito, amanhã, a sua declaração de voto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Beiroco pretende usar da palavra, para que efeito?

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Para uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o CDS votou favoravelmente a proposta de lei do Governo sobre a criação dos serviços de informações pelas razões que passarei a enunciar.
Em primeiro lugar, por considerar que e urgente dotar o Estado português dos meios de defesa necessários para permitir o cumprimento pelos órgãos de soberania das tarefas constitucionais que lhes incumbem em matéria de segurança.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, por entender que a existência de 3 serviços de informações e desde logo uma garantia contra eventuais abusos que ponham em causa os direitos e liberdades dos cidadãos portugueses, bem como contra uma excessiva concentração de poder que inevitavelmente resultaria da existência de um único serviço.
Finalmente, e em terceiro lugar, por o debate havido nesta Câmara ter demonstrado que, quer o Governo, quer os partidos da maioria, estão disponíveis para que, durante a discussão na especialidade, se introduzam no diploma alterações que reforcem a garantia de respeito pelos direitos fundamentais e que clarifiquem e aprofundem o controle parlamentar dos serviços e que, simultaneamente ainda, se delimite com maior

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precisão o objecto da actividade de cada serviço, bem como a reponderação das dependências face ao Governo, tal como o CDS teve ocasião de defender.

Vozes do CDS e do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral pede a palavra também para uma declaração de voto?

O Sr. João Amaral (PCP): -Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra a proposta de lei n.º 55/III pelas razões abundantemente expostas ao longo do debate.
Entretanto, vamos dizer que toda a questão agora está na discussão e votação na especialidade.
É importante desde já definir onde, como e com que prazo, essa discussão na especialidade vai ser feita.
Do nosso pomo de vista, a discussão na especialidade deve ter em atenção o debate aqui feito em todos os pontos que foram abordados e desde logo, nas diferentes vertentes que aqui foram discutidas.
Não podemos considerar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que esta questão pertença exclusivamente à Comissão de Defesa Nacional, como alguns poderão ter a tentação de propor. Temos de considerar que esta questão deve, no mínimo, pertencer simultaneamente à Comissão de Defesa Nacional e à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Nestes termos a proposta que fazemos para discussão da proposta de lei na especialidade é a de que a discussão seja feita, à semelhança do que já sucedeu nesta Assembleia, com, outras propostas, conjuntamente pela. Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e pela Comissão de Defesa Nacional. Esse, é o primeiro ponto quanto a questões de especialidade que temos a discutir.
O segundo ponto, um ponto diferente, é o do prazo de discussão. Um prazo inferior ao normal, isto é, inferior a 30 dias seria insuficiente. Consideramos que o prazo mínimo será sempre o de 30 dias, sendo mesmo, do nosso ponto de vista, esse prazo insuficiente. Consideramos que era desejável um prazo de 60 dias. Não consideramos que esta questão possa ser discutida, com tempo e eficácia, em prazo diferente do de 60 dias.
Colocadas as questões como devem ser, quanto ao requerimento de baixa à Comissão, teremos então duas votações diferentes: primeira, a de saber a que comissões deve a proposta de lei baixar; segunda, a do prazo de exame do diploma.
Em relação à primeira questão, propomos que a proposta de lei baixe simultaneamente à 'Comissão de Defesa Nacional e à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Em relação à segunda questão, propomos que o prazo seja de 60 dias.
São estas duas questões que agora teremos de decidir e esperamos, Srs. Deputados, que decidamos de acordo com a importância da matéria que aqui tem estado a ser abordada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão na Mesa 3 requerimentos que, como sabem, não estão sujeitos a discussão e que vão ser lidos para, posteriormente, serem votados.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): -Sr. Presidente, peço a palavra para solicitar da Mesa uma alteração ao requerimento que é subscrito por mim e pelo meu camarada Octávio Cunha.
Nesse requerimento propõe-se a baixa da proposta de lei à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Se o Sr. Presidente me permitisse, acrescentaria também a Comissão de Defesa Nacional.

O Sr. Presidente: - Desejava então acrescentar ao requerimento a expressão «e à Comissão de Defesa Nacional». É isso?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): -É sim, Sr.ª Presidente.

O Sr. Presidente: - Vão ser lidos os 5 requerimentos apresentados.

O Sr. José Luís Nunes (PS):- Peço a palavra, Sr. Presidente.

O. Sr. Presidente:- Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - É evidente que fazer baixar uma proposta de lei destas a duas comissões é, pura e simplesmente, condená-la a nunca mais ser votada.
Por outro lado, há colegas nossos que são sensíveis à necessidade de não deixar esta questão exclusivamente na Comissão de Defesa Nacional.
Nesse sentido, e na base da afirmação que fiz de que devíamos procurar o máximo consenso possível, estarei disposto a aceitar uma solução igual à que foi aceite quando se tratou da lei 'do Tribunal Constitucional, ou seja, uma comissão mista, cuja competência e número de membros serão definidos em reunião de líderes parlamentares e que integre elementos da Comissão de Defesa Nacional e de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Vozes do PSD, do CDS e do PCP:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, por uma questão formal, vamos ler os requerimentos que estão na Mesa.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, acho que podemos ler os requerimentos que estão na Mesa,

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mas como eles estão subvertidos pelo consenso a que aparentemente se chegou pela Assembleia, pouparíamos tempo se V. Ex.ª me permitisse que eu alterasse o requerimento apresentado em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Onde se lê «Comissão de Defesa Nacional» passaria a ler-se «comissão eventual formada por membros da Comissão de Defesa Nacional e da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, cujo número de membros será definido em conferência de líderes parlamentares». Os outros requerimentos são retirados.

O Sr. Presidente: - Eu ia sugerir ao Sr. Deputado que apresentasse na Mesa um requerimento de acordo com a sua sugestão.
Pergunto, contudo, se se mantém o prazo de 30 dias.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, no quadro da proposta de substituição agora apresentada pelo Partido Socialista, requeiro que o prazo seja votado separadamente.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, não tenho dúvida nenhuma em aceitar que o prazo seja votado separadamente. Simplesmente, para que a votação se faça separadamente, farei o requerimento por alíneas. Está de acordo, Sr. Deputado João Amaral?

O Sr. João Amaral (PCP): - Com certeza!

O Sr. Presidente: - A Mesa aguarda uns instantes para que o Sr. Deputado José Luís Nunes faça o requerimento e considera sem efeito os outros requerimentos entrados na Mesa.
Se não houver objecções, aguardaremos uns instantes.

Pausa.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, poderá parecer -gostava de sublinhar isto- menos regimental a referência ao prazo de 30 dias, porque se nada se dissesse seria esse o prazo normal. Simplesmente, a referência é feita de acordo com o consenso que se estabeleceu com o Sr. Deputado João Amaral, de forma que os Srs. Deputados possam votar o requerimento separadamente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o requerimento subscrito pelo Sr. Deputado José Luís Nunes (PS) e José Vitorino (PSD) é do seguinte teor:
Requere-se que a proposta de lei n.º 55/III:

a) Baixe para votação na especialidade a uma comissão eventual formada por membros da Comissão de Defesa Nacional e Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, cuja composição será definida na próxima conferência de líderes parlamentares;
b) O prazo concedido para exame será de 30 dias.

Vamos então votar a alínea a) do requerimento. Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade. O Sr. Presidente: - Vamos votar a alínea b).

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI e as abstenções do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente. - Srs. Deputados, por consenso, a sessão de hoje, visto já passar das 24 horas, terá lugar as 15 horas e não às 10 horas como estava previsto.
O Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que entraram na Mesa.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): -Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: um voto, da iniciativa da UEDS, em que e primeiro subscritor o Sr. Deputado Lopes Cardoso, condenando a minagem de portos na Nicarágua, por acções directas ou indirectas do Governo dos Estados Unidos da América do Norte; projecto de resolução n.º 24/III, da iniciativa do PCP, em que e primeiro subscritor o Sr. Deputado Belchior Pereira, sobre a adopção de medidas financeiras, técnicas e administrativas necessárias ao prosseguimento e conclusão do empreendimento do Alqueva; projectos de lei n.ºs 314/III e 315/III, da iniciativa do Sr. Deputado Vieira Gomes, do PS, sobre a criação, respectivamente, das freguesias de Bom Sucesso e de São Pedro, concelho da Figueira da Foz, que foram admitidos e baixam à 10.º Comissão; projecto de lei n.º 316/III, da iniciativa do Sr. Deputado Rocha de Almeida, do PSD, sobre a criação da freguesia de Salgueiro, que foi admitido e baixa à 10.ª Comissão; projecto de lei n.º 317/III, da iniciativa do Sr. Deputado Manuel Jorge Góes e outros, do CDS, sobre o reconhecimento jurídico das associações de estudantes, que foi admitido e baixa à 4.ª e 13.ª Comissão.
Deram ainda entrada na Mesa os seguintes pedidos de ratificação: n.º 89/III, da iniciativa do Sr. Deputado Nogueira de Brito e outros, do CDS, sobre o Decreto-Lei n.º 99/84, de 29 de Março, que permite aos municípios que venham a interessar-se pela criação de associações de municípios de âmbito nacional, a opção entre a constituição de uma pessoa colectiva de direito público ou, ao contrário, a constituição de uma associação de direito privado; n.º 90/III, também da iniciativa do Sr. Deputado Nogueira de Brito e outros, do CDS, sobre o Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, que revê a Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro, no sentido da actualização e reforço das atribuições das autarquias locais e da competência dos respectivos órgãos no uso da atribuição conferida ao Governo pela alínea a) do artigo 1.º da Lei n.º 19/83, de 6 de Setem-

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bro; n.º 91/III, da iniciativa do Sr. Deputado Nogueira de Brito e outros, do CDS, sobre o Decreto-Lei n.º 102/84, de 29 de Março, que estabelece o regime jurídico da aprendizagem; n.º 92/III, da iniciativa do Sr. Deputado Nogueira de Brito e outros, do CDS, sobre o Decreto-Lei n.º 98/84, de 24 de Março, que aprova o novo regime das finanças locais; n.º 93/III, da iniciativa do Sr. Deputado Carlos Brito e outros, do PCP, sobre o Decreto-Lei n.º 86/84, de 19 de Março, que institui um gabinete coordenador para o acompanhamento da execução e controle e gestão de cada programa integrado de desenvolvimento regional, incluído no Plano; n.º 94/III, da iniciativa do Si. Deputado Carlos Brito e outros, do PCP, sobre o Decreto-Lei n." 103/84, de 30 de Março, que dá nova redacção ao artigo 408.º do Código Administrativo, no sentido de alterar o valor limite das coimas a prever pelos governadores civis nos regulamentos' por eles próprios aprovados; n.º 95/III, da iniciativa do Sr. Deputado Carlos Brito e outros, do PCP, sobre o Decreto-Lei n.º l 16/84, de 6 de Abril, que revê o regime de organização e funcionamento dos serviços técnico-administrativos das autarquias locais, no uso da autorização conferida ao Governo pela alínea d) do artigo l.º da Lei n.º 19/83, de 6 de Setembro.
Todos os pedidos de ratificação foram admitidos pelo Sr. Presidente.
A ordem do dia de amanhã, fixada pelo Sr. Presidente, é a seguinte: No período da ordem do dia, leitura, discussão e votação do relatório da Comissão de Regimento e Mandatos, autorizando o Sr. Deputado Nogueira de Brito a depor em Tribunal, como testemunha; apreciação do processo de urgência solicitado pelo PCP, para a discussão e votação do projecto de lei n.º 295/III, sobre incidência penal do não cumprimento atempado da retribuição; apreciação do processo de urgência solicitado pelo Governo para a discussão e votação da proposta de lei n.º 63/III. que concede ao Governo autorização legislativa para definir em geral ilícitos criminais e penais; projecto de resolução n.º 10/III, sobre alterações ao Regimento da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais nada a tratar, declaro encerrada a sessão.
Eram 2 horas e 25 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Gonçalves Janeiro.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
José Luís do Amaral Nunes.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Domingos Duarte Lima.
Fernando Monteiro do Amaral.
João Domingos Abreu Salgado.
João Maurício Fernandes Salgueiro.
José Adriano Gago Vitorino
José António Valério do Couto.
José Bento Gonçalves.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.

Partido Comunista Português (PCP):

António da Silva Mota.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Manuel Correia Lopes.

Centro Democrático Social (CDS):

Alexandre de Carvalho Reigoto.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
José Augusto Gama.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados':

Pai tido Socialista (PS):

Armando Augusto M. Maia.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Maria Helena Valente- Rosa.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro Almeida.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

João António Torrinhas Paulo.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Mariana Grou Lanita.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António José de Castro Bagão Félix.
Francisco António Lucas Pires.
Horácio Alves Marçal.
João António de Morais Silva Leilão.
João Gomes de Abreu Lima.
João Silva M. Morgado.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Luís Cruz Vilaça.
José Vieira de Carvalho.
Narana Sinai Coissoró.

Declaração de voto enviada para a Mesa para publicação

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista votou favoravelmente a proposta de lei n.º 55/III «Enquadramento dos órgãos e serviços do Estado a quem incumbe assegurar a obtenção, tratamento e difusão

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das informações necessárias à defesa nacional, ao cumprimento das missões das forças armadas, à segurança do Estado de Direito e à garantia da legalidade democrática», antes de mais porque a criação de Serviços de Informação se revela indispensável para a definição, caracterização e erradicação de ameaças à soberania nacional e ao regime democrático.
Isto mesmo foi reconhecido pela generalidade dos grupos e agrupamentos parlamentares. Mesmo o PCP considerou importante a actuação desses Serviços em território estrangeiro, sem que se perceba a sua oposição e acção desses serviços na ordem interna. Menos ainda se percebe que o PCP pretende que na ordem interna se alargue a esfera de actuação da Polícia Judiciária.
Queremos deixar claro que entendemos que uma das grandes qualidades desta proposta de lei reside no facto de ela fazer uma distinção clara entre os Serviços de Informação e as actividades judiciais e das forças policiais.
Esta é, aliás, a regra nos regimes democráticos como o nosso. As polícias políticas são, pelo contrário, a regra dos regimes totalitários.
Outras críticas e propostas foram feitas à presente proposta de lei, que merecerão da nossa parte a maior atenção no debate na especialidade na respectiva Comissão.
Queremos deixar claro que o Partido Socialista entende que a extrema importância deste assunto exige que seja encontrado o mais amplo consenso possível, e nesse sentido nos empenharemos na discussão na especialidade.
Entendemos que esse debate deverá ser processado com brevidade e nesse sentido apresentámos um requerimento fixando o prazo máximo de 30 dias à respectiva comissão especializada.
Os Serviços de Informação eram urgentes ontem. São indispensáveis hoje. Assim o exige a defesa do regime democrático e da soberania nacional.
Pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, Acácio Barreiros.

Voto de protesto referido pela Mesa

Considerando que a minagem dos principais portos da Nicarágua constitui uma flagrante violação da soberania deste país;
Considerando que as acções empreendidas pela Administração Norte-Americana nas águas territoriais da Nicarágua tem sido objecto de condenações diversas entre as quais cumpre destacar as do Congresso de Deputados dos Estados Unidos, do Governo Britânico e da Internacional Socialista;
Considerando que o anúncio das recentes medidas no sentido de pôr termo à minagem dos portos não exclui a firme tomada de posição face a um caso concreto de violação de um Estado soberano;
A Assembleia da República decide, na linha da sua actuação que se tem expresso pela defesa intransigente da soberania dos estados, qualquer que eles sejam e do direito inalienável dos povos determinarem livremente os seus destinos, condenar a minagem dos portos da Nicarágua por acções directas ou indirectas do Governo dos Estados Unidos da América do Norte.
Palácio de São Bento, 16 de Abril de 1984.- Os Deputados, {Assinaturas ilegíveis.)

Relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos
enviados à Mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 16 de Abril de 1984, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitadas pelo Partido Socialista:

Amadeu Augusto Pires (círculo eleitoral de Bragança) por Armando Augusto Martins Vara (esta substituição é pedida para os dias 9 e 16 de Abril corrente, inclusive);
José Joaquim Pita Guerreiro (círculo eleitoral de Viana do Castelo) por José Luís Diogo de Azevedo Preza (esta substituição é pedida para os dias 16 de Abril corrente a 15 de Junho próximo, inclusive);

2) Solicitada pelo Partido Social-Democrata:

António Joaquim Bastos Marques Mendes (círculo eleitoral de Braga) por Telmo Silva Barbosa (esta substituição é pedida para os dias 6 a 18 de Abril corrente, inclusive);

3) Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

José António de Morais Sarmento Moniz (círculo eleitoral de Viseu) por João da Silva Mendes Morgado (esta substituição é pedida para os dias 16 e 17 de Abril corrente, inclusive);

4) Solicitada pelo Agrupamento Parlamentar da União de Esquerda para a Democracia Socialista:

Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira (círculo eleitoral de Setúbal) por João Paulo Oliveira (esta substituição é pedida para os dias 16 e 17 de Abril corrente, inclusive).

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Manuel Fontes Orvalho (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Amadeu Vasconcelos Matias (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - Leonel Santa Rita Pires (PSD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Luís Filipe Paes Beiroco (CDS) - Francisco Menezes Falcão (CDS) -

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João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Em reunião realizada no dia 16 de Abril de 1984, pelas 17 horas e 30 minutos, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitada pelo Partido Social-Democrata:

Nuno Aires Rodrigues dos Santos (círculo eleitoral de Lisboa) por João Domingues Fernandes
Abreu Salgado (esta substituição é feita a partir do passado dia 5 de Abril corrente, em virtude do falecimento do referido Sr. Deputado);

2) Solicitadas pelo Partido Comunista Português:

Jaime dos Santos Serra (círculo eleitoral de Coimbra) por João Carlos Abrantes (esta substituição é pedida por um período não superior a 6 meses a partir do próximo dia 17 de Abril, inclusive);
Raimundo do Céu Cabral (círculo eleitoral de Santarém) por Maria Luísa Raimundo Mesquita Cachado (esta substituição é pedida por um período não superior a 6 meses a partir do próximo dia 17 de Abril, inclusive);

5) Solicitada pelo Movimento Democrático Português/CDE:

José Manuel Marques Mendes do Campo Tengarrinha (círculo eleitoral de Lisboa) por António Mota Redol (esta substituição é pedida para o próximo dia 26 de Abril corrente);

4) Solicitada pelo Agrupamento Parlamentar do Partido da Acção Social-Democrata Independente:

José António Nunes Furtado Fernandes (círculo eleitoral de Santarém) por Ruben José de Almeida Martins Raposo (esta substituição e pedida por um período não superior a 6 meses a partir do próximo dia 19 de Abril, inclusive).

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos- eleitorais.

Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Manuel Fontes Orvalho (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - Maria Margarida Salema Moura Ribeiro (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Rectificações ao «Diário»

l - Ao n.º 73, de 10 de Fevereiro de 1984 .

(Intervenção do deputada do PSD Carvalho Ribeiro)

Na p. 3225, col. 1.º, 1. 46 a 50, onde se lê «os cooperadores grande esforço têm feito - muitos, diga-se em abono da verdade, um autêntico trabalho de apostolado - para superar esta transição tão breve quanto possível, para que se alcance a fase da consolidação do sector.» deve ler-se «os cooperadores grande esforço têm feito; muitos, diga-se em abono da verdade, num autêntico trabalho de apostolado, para superar esta transição tão breve quanto possível, para que se alcance a fase da consolidação do sector.»
Na mesma página, col. 2.a, antes das 2 últimas linhas, deve acrescentar-se o seguinte: «Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal atravessa agora uma situação de preocupantes carências, que não são apenas económicas e financeiras.»
Na p. 3230, col. l.º, l. 2 a 5, onde se lê «também no sector cooperativo há empresas que não estão em situação caótica, mas são empresas que, como outras, não têm vida económica pujante» deve ler-se «também no sector cooperativo há empresas que estão em situação difícil, isto é, são empresas que, como outras, dos sectores público e privado, não têm vida económica pujante».
Nas mesmas página e coluna, 1. 7, onde se lê «o sentido de um cooperador» deve ler-se «o sentido de um potencial cooperador».

2-Ao n.º 80, de 2 de Março de 1984 (Intervenções do deputado do PCP Carlos Carvalhas)
- Na p. 3554, col. 2.ª, 1. 8 e 9, onde se lê «em que nos encontramos» deve ler-se «e porque nos encontramos».

Nas mesmas página e coluna, 1. 10, onde se lê «Depois disso» deve ler-se «Depois disse».
Nas mesmas página e coluna, 1. 30 e 31, onde se lê «alguns bancos estavam a sabotar a economia nacional» deve ler-se «alguns bancos e o grande patronato estavam a sabotar a economia nacional».
Nas mesmas página e coluna, 1. 38 e 39, onde se lê «Não se tratou de uma questão ideológica.» deve ler-se «Não se tratou de uma questão ideológica. Tratou-se da defesa da democracia.»
Nas mesmas página e coluna, 1. 40, onde se lê «E se este sector público» deve ler-se «E se o sector público».
Nas mesmas página e coluna, 1. 43 e 44, onde se lê «estaríamos hoje numa situação diferente» deve ler-se «estaríamos hoje numa situação bem diferente».

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Nas mesmas página e coluna, 1. 49 e 50, onde se lê «o sentido das suas palavras de ontem são totalmente diferentes das de hoje» deve ler-se «o sentido das suas palavras de ontem e totalmente diferente do das de hoje».
Nas mesmas página e coluna, l. 52 a 54, onde se lê «No entanto, se esta intervenção tivesse sido feita o ano passado o Sr. Deputado tê-la-ia aplaudido.» deve ler-se «É que, se esta intervenção tivesse sido feita o ano passado, o Sr. Deputado e o seu partido tê-la-iam aplaudido.»
Nas mesmas página e coluna, 1. 56 a 58, onde se lê «o PSD esteve também dois anos e meio e o CDS esteve dois anos?» deve ler-se «que o PSD esteve também dois anos e meio e o CDS dois anos?».
Na p. 3555, col. 1.ª 1. 5 e 6, onde se lê «Disse o Sr. Deputado que a minha intervenção estava fora do sentido» deve ler-se «Disse o Sr. Deputado que a minha intervenção estava fora da realidade».
Nas mesmas página e coluna, 1. 11 a 16, onde se lê «Desse modo, o Partido Socialista desdramatiza a situação, não tem complexos quanto à abertura do sector público, da banca e dos seguros, ao sector privado, como já fez, nem quanto ao encerramento da GELMAR e às brilhantes participações do IPE.» deve ler-se «Conhecemos as palavras do Sr. Primeiro-Ministro quando refere que o 'o Partido Socialista desdramatiza a situação não tem complexos quanto à abertura do sector público, da banca e dos seguros, ao sector privado, como aliás já fez, nem quanto ao encerramento da GELMAR e à venda das participações do IPE.»
Nas mesmas página e coluna, 1. 17 e 18, onde se lê «Como é que podemos entender as palavras de Veiga Simão, que afirmou que estava contra a Constituição ...» deve ler-se «E como 6 que podemos entender as palavras de Veiga Simão, que afirmou, como ministro, que estava contra a Constituição ...?».
Nas mesmas página e coluna, 1. 23 e 24, onde se lê «querendo situar-se na virtude do meio das questões ideológicas» deve ler-se «querendo situar-se na virtualidade da bissectriz das questões ideológicas».
Nas mesmas página e coluna, 1. 36, onde se lê «c e «respeito» deve ler-se «e que é no respeito».
Nas mesmas página e coluna, 1. 38, onde s>c lê «c da sua dinamização» deve ler-se «e na sua dinamização».
Nas mesmas página e coluna, I. 47 e 48, onde se lê «que seriam causa da situação das empresas públicas.» deve ler-se «que seriam a causa da situação das empresas públicas.»
Nas mesmas página e coluna, 1. 53 a 55, onde se lê «E é o Sr. Deputado, que quer manifestar preocupações sociais, que vem fazer uma afirmação destas!» deve ler-se «E é o Sr. Deputado, que pretende manifestar preocupações sociais, que vem fazer uma afirmação destas!».
Nas mesmas página e coluna, 1. 56 a 58, onde se lê «Quando quiser discutir questões sobre a Polónia nós estamos prontos a fazê-lo.» deve ler-se «Quando quiser discutir as questões da Polónia, nós estamos prontos a fazê-lo.»
Nas mesmas página e coluna, 1. 62, onde se lê «a recorrerem ao crédito externo, o que acontece hoje» deve ler-se «a recorrerem ao crédito externo e o que «acontece hoje».
Na mesma página, col., 2.º, 1. l e 2, onde se lê «do aumento das taxas de juro internas» deve ler-se «do aumento das taxas de juro».
Nas mesmas página e coluna, 1. 8 e 9, onde se lê «ao Estado é que deveria ter recorrido dos financiamentos.» deve ler-se «o Estado e que deveria ter recorrido aos financiamentos externos.»
Nas mesmas página e coluna, 1. 10 e 11, onde se lê «O Banco de Portugal pode pedir dinheiro, o Governo Português pode pedir dinheiro, e se o Estado Português ...» deve ler-se «O Banco de Portugal pode fazê-lo e o Governo Português pode pedir dinheiro e, se o Estado Português ...».
Nas mesmas página e coluna, 1. 39 e 40, onde se lê «esse Fundo serve apenas para as empresas privadas» deve ler-se «esse fundo tem servido apenas as empresas privadas».
Nas mesmas página e coluna, 1. 46 e 47, onde se lê «de que não quero citar o nome» deve ler-se «de que não quero citar o nome, para não o comprometer». ^ Nas mesmas página e coluna, 1. 53 a 55, onde se lê «De qualquer maneira, o Sr. Deputado Nogueira de Brito fez outra confusão quando falou nos 25 milhões de contos que foram transferidos» deve ler-se «Mas o Sr. Deputado Nogueira de Brito fez outra confusão quando falou nos 25 milhões de contos que foram transferidos para as empresas públicas».
Na p. 3556, col. 1 .a, 1. 5, onde se lê «O que se sucede é que o Estado ...» deve ler-se «O que sucede, o que e exacto é que o Estado ...».
Nas mesmas página e coluna, 1. 28, onde se lê «e quem afirma isto são estudos estaduais» deve ler-se «e quem afirma isto são estudos oficiais».
Nas mesmas página e coluna, 1. 36 e 37, onde se lê «Quer significar» deve ler-se «Significa».
Nas mesmas página e coluna, 1. 38 e 39, onde se lê «O Estado quer subsídios, quer impostos, quer lucros» deve ler-se «O Estado dá alguns subsídios e recebe muito mais em impostos e em lucros».
Na p. 3557, col. 2.º, 1. 34 a 36, onde se lê «porque se as tivessem nas suas mãos de imediato reivindicavam do Estado os fundos de garantia, os créditos, os investimentos» deve ter-se «e logo que as tivessem nas suas mãos de imediato reivindicavam do Estado os fundos de garantia, os créditos, os investimentos que agora lhes são negados».
Nas mesmas página e coluna, 1. 40 a 43, onde se lê «É o tal capitalismo monopolista de Estado - associação íntima do capital e dos grupos económicos no desenvolvimento capitalista -, que é conhecido» deve ler-se «Seria o capitalismo monopolista de Estado - associação dos grupos económicos e do Estado num aparelho único no desenvolvimento capitalista-, que é conhecido».
Nas mesmas página e coluna, 1. 44, onde se lê «Portanto, o «liberalismo» é isso» deve ler-se «Portanto, o liberalismo destes senhores é isto».
Nas mesmas página e coluna, 1. 48, onde se lê «os privilégios, as fortunas» deve ler-se «os privilégios e as fortunas».
Nas mesmas página e coluna, 1. 49, onde se lê «associados aos latifundiários e ao imperialismo estrangeiro» deve ler-se «associados aos latifundiários, ao capital financeiro e ao imperialismo estrangeiro».
Nas mesmas página e coluna, I. 55 e 56, onde se lê «A minha intervenção foi contra o Governo, contra

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a sua política e em termos ideológicos» deve ler-se «A minha intervenção foi contra a política do Governo, no terreno pragmático e ideológico»./Na p. 3558, col. l .º, 1. 7 e 8, onde se lê «contra os interesses dos moageiros» deve ler-se «contra os interesses dos pequenos moageiros».
Nas mesmas página e coluna, 1. 12, onde se lê «é contra a revisão constitucional» deve ler-se «está contra a revisão constítucional».
Nas mesmas página e coluna, 1. 30 e 31, onde se lê «e o Fundo Cambial 5 milhões de contos» deve ler-se «e o Fundo Cambial conta com 5 milhões de contos».
Nas mesmas página e coluna, l. 41 e 42, onde se lê «as empresas públicas teriam de recorrer ao crédito externo» deve ler-se «as empresas públicas tiveram de recorrer ao crédito externo».
Nas mesmas página e coluna, 1. 54, onde se lê «resta-me dizer isto» deve ler-se «resta-me dizer-lhe isto».
Na mesma página, col. 2.J, 1. 14 e 15, onde se lê «Precisavam era que não houvesse estes furos e este crédito contraído» deve ler-se «Precisavam era de que não houvesse estes juros e esta política de contracção de crédito».
Nas mesmas página e coluna, 1. 19 a 21, onde se lê «Por isso eu afirmei e repito que aqueles que aqui falam em defesa da iniciativa privada falam no grande capital» deve ler-se «Por isso eu afirmei e repito que aqueles 'que em nome do Governo aqui falam em defesa da iniciativa privada falam na defesa do grande capital».

3 -Ao n.º 82, de 9 de Março de 1984

(Intervenção do deputado do PS Sottomayor Cardia)

Na p. 3630, col. l.º, I. 26 a 30, onde se lê «Neste contexto, recordo nesta Tribuna que as acções ficam com quem as pratica e que é na vida que se vai conhecendo o modo como é exercida a autoridade, acima da qual permanecem as instituições» deve ler-se «Neste contexto, recordo nesta Tribuna que as acções ficam com quem as pratica e que é na vida que se vai conhecendo o modo como é exercida a autoridade. Acima do qual permanecem as instituições».

4 -Ao n.º 88, de 22 de Março de 1984

(Intervenção do deputado do PS Sottomayor Cardia)

Na p. 3856, col. 2.a, 1. 24 a 27, onde se- lê «Pode um facto praticado em Portugal por um cidadão português interessar um serviço de informações estratégicas de defesa dependente de um ministro da Defesa Nacional?» deve ler-se «Pode um facto praticado em Portugal por um cidadão português interessar um serviço de informações estratégicas de defesa dependente de um Ministério da Defesa Nacional?».

5 -Ao n.º 90, de 28 de Março de 1984 ;

(Intervenção do deputado do MDP/CDE António Taborda)

Na p. 3912, col. l.º,- 1: 46 a 48, onde se lê «De resto, toda a justificação feita no preâmbulo do projecto de lei n.º 305/III, é no sentido da sua constitucionalidade que se tenta contornar» deve ler-se «De resto, toda a justificação feita no preâmbulo do projecto de lei n.º 305/III é no sentido da sua inconstitucionalidade, que se tenta contornar».

Os Redactores: Ana Maria Marques da Cruz - José Diogo.

PREÇO DESTE NUMERO 185$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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