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I Série- Número 96

Quarta-feira, 18 de Abril de 1984

DIÁRIO Da Assembleia da República

III LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE ABRIL DE 1984

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral

Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas

Reinaldo Alberto Ramos Gomes

José Manuel Maia Nunes de Almeida

Manuel António de Almeida da Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Ordem do dia. - Foi lido, discutido e aprovado o relatório da Comissão de Regimento e Mandatos, autorizando o Sr. Deputado Nogueira de Brito (CDS) a depor em tribunal como testemunha.
Procedeu-se à apreciação do processo de urgência para o projecto de lei n.º 295/III, do PCP -incidência penal do não cumprimento atempado da retribuição-, que foi rejeitado.
Intervieram, a diverso titulo (incluindo declarações de voto), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Rocha de Almeida e Fernando Condesso (PSD), António Taborda (MDP/CDE), Ruben Raposo (ASDI) e Carlos Lage (PS).
Foi discutido o processo de urgência solicitado pelo Governo para a discussão da proposta de lei n.º 63/III, que concede ao Governo autorização legislativa para definir em geral ilícitos criminais ou penais.
Intervieram, a diverso titulo, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Vitorino), os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), Montalvão Machado (PSD), António Taborda (MDP/CDE), Magalhães Mota (ASDI), Nogueira de Brito (CDS), Ribeiro de Almeida (PSD) e Carlos Lage (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Alexandre Monteiro António.
Almerindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa
António José Santos Meira.
António Manuel Carmo Saleiro.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Belmiro Moita da Costa.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Eurico Faustino Correia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira
Gaspar Miranda Teixeira.

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Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Leitão Ribeiro Arenga.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja S. dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luís do Amaral Nunes.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
José Maximiano Almeida Leitão.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel de Barros Barrai.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Maria de Orneias Ourique Mendes
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso
Fernando Manuel Cardoso Ferreira
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro
José Adriano Gago Vitorino.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Bento Gonçalves.
José Luís de Figueiredo Lopes
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires M. Raimundo.
Mário Martins Adegas.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Telmo Silva Barbosa.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha

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18 DE ABRIL DE 1984

Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Mário Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Sá mus Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Paz Paulo Bicho.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Simões Areosa Feio.

Centro Democrático Social (CDS)

Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Gomes de Pinho.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
João Carlos Dias M. Coutinho Lencastre.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
José Vieira de Carvalho.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte Coes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Monteiro Taborda.
Helena Cidade Moura.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
João Paulo Oliveira.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido, discutido e votado um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos acerca da possibilidade de o Sr. Deputado Nogueira de Brito depor em tribunal como testemunha.

Foi lido. Era o seguinte:

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

De acordo com o solicitado no ofício n.º 464 (processo n.º 56/84-OP, 1.ª série), de 23 de Março último, do 9.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, comunico a V. Ex." que esta Comissão Parlamentar deliberou emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Luís Nogueira de Brito a depor como testemunha no processo judicial em causa.

O Sr. Presidente: - Como não há inscrições para a discussão deste relatório, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Carvalhas pede a palavra?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Peço sim, Sr. Presidente, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade de a fazer, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP):- Sr. Presidente, como todos sabemos, pelo artigo 91.º da Constituição da República a organização económica e social do País é orientada e disciplinada pelo Plano. Pelo artigo 93.º, o plano anual constitui a base fundamental da actividade do Governo e tem a sua expressão financeira no Orçamento do Estado. Pelo artigo 94.º, compete à Assembleia da República aprovar as grandes opções correspondentes a cada plano e apreciar os respectivos relatórios de execução.
A pergunta que queria fazer à Mesa é se já recebeu do Governo o Plano para 1984.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como a Mesa não está, de momento, habilitada a dar uma resposta, vamos pedir aos correspondentes serviços uma informação e logo que aqui chegue qualquer esclarecimento teremos todo o prazer em informar V. Ex.ª

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - De facto, Sr. Presidente, o Plano não apareceu ainda no Conselho Nacional do Plano e não foi publicado no Diário da República. Mas há mais: Como V. Ex.ª sabe, aprovámos aqui a Lei do Enquadramento do Orçamento Geral do Estado -Lei n.º 40/83, de 13 de Dezembro-, que no seu artigo 13.º, n.º 4, diz que o Governo está obri-

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gado a apresentar os orçamentos cambiais do sector público administrativo e do sector empresarial até 31 de Março do ano económico a que diz respeito. Por outro lado, pela Lei do Orçamento do Estado aprovada na Assembleia da República - Lei n.º 42/83 -, o Governo é obrigado a informar trimestralmente a Assembleia das condições em que as operações, quer de concessão de empréstimos, quer da sua obtenção, são realizadas.
Se o Governo - e já se passou 1 trimestre - não apresentou nem os orçamentos cambiais, nem o Plano, nem as informações sobre a concessão e obtenção de empréstimos, nem o PISEE, nem o PIDDAC, nós temos de chamar a este governo um governo relapso, que não tem consideração ou respeito por esta Assembleia, pois o Governo pode fazer os planos que quiser, para efeitos de propaganda ou não, pode-lhes chamar planos de modernização, planos de reestruturação, planos de estabilização, mas o que não pode é eximir-se ao cumprimento constítucional de elaborar o Plano e os relatórios de execução.
Srs. Deputados, nós estamos confrontados com esta situação: não podemos controlar ou fiscalizar na actividade económica, nomeadamente na esfera do planeamento, o que se passa nessa esfera, porque não há Plano e, não havendo Plano, não há relatórios de execução.
O Governo não se pode eximir de tal tarefa e nenhum deputado desta Câmara, pertença a que bancada pertencer, pode ficar insensível a esta questão.

Voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em consequência, pedia ao Sr. Presidente que diligenciasse no sentido de saber o que se passa, pois não é só em relação a requerimentos que tal acontece, mas também em relação a estas leis que estão em vigor, que foram aprovadas pela Assembleia da República e que o Governo deliberadamente não cumpre.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, a Mesa agradecia o favor de nos fornecer os índices que apontou quanto ao aspecto legislativo, para podermos fundamentar a pretensão da Mesa junto dos respectivos serviços.
Entretanto, Sr. Deputado, chegou-nos a informação de que o gabinete não tem conhecimento de que tivessem dado entrada os elementos que V. Ex.ª referiu.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, eu vou apresentar a V. Ex.ª uma cópia da minha intervenção e do requerimento que faço, hoje mesmo, ao Governo.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos entrar no segundo ponto da ordem de trabalhos, que respeita à apreciação do processo de urgência solicitado pelo PCP para a discussão e votação do projecto de lei n.º 295/III, sobre incidência penal do não cumprimento atempado da retribuição.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos hoje a urgência do projecto de lei n.º 295/III, cujo conteúdo constava já de um projecto de lei, também do PCP, que, de uma forma global, combatia o flagelo dos salários em atraso. A admissão deste projecto não foi impugnada. Não há assim qualquer razão válida que justifique uma recusa do pedido de urgência.
Sabemos que o projecto de lei n.º 295/III não resolve globalmente o problema, mas é bom que, a este propósito, recordemos que as iniciativas legislativas que continham a solução global do mesmo foram apresentadas pelo PCP e sistematicamente rejeitadas por esta Câmara.
Recordemos o projecto de lei n.º 14/III, que esta Câmara recusou e que instituía um sistema de garantia pública do pagamento dos salários em atraso. Esta Câmara não admitiu também a discussão do projecto de lei n.º 268/III, sobre medidas de emergência para pagamento dos salários em atraso, garantia dos direitos dos trabalhadores, salvaguarda do funcionamento e recuperação das empresas. Esta Câmara rejeitou ainda, não os admitindo a discussão, os projectos de lei n.04 296/III, que instituía medidas para efectivação da retribuição, e 297/III, que continha um programa nacional de emergência para a situação de calamidade dos trabalhadores com salários em atraso.
No final da interpelação do PCP sobre salários em atraso, que fez irromper, brutal, a miséria que se abateu sobre quem trabalha e não recebe, o Sr. Ministro Almeida Santos pediu um pouco mais de paciência, anunciando uma série de medidas (como a da criação do serviço de informações) que seriam, segundo ele, ainda não um tornado, mas um vento novo.
Pediu um pouco mais de paciência para continuar a sofrer; pediu um pouco mais de paciência para continuar a viver sempre cada vez menos.
Longos meses (e que longos meses, Srs. Deputados, para quem não recebe!), longos meses se esgotaram na recusa das propostas do PCP.
O vento novo prometido pelo Sr. Ministro deu lugar a um tornado, um verdadeiro vendaval, que, abatendo-se sobre os trabalhadores, pretendeu abater o regime democrático.
E veio a repressão contra a fome, vieram as prisões e veio mesmo a bastonada.
As árvores resistiram, de pé; a democracia, apesar de tudo, resiste.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Incapaz de calar a opinião pública, sentindo a censura generalizada sobre tal situação, o Governo esboça um apanhado das situações de atraso no pagamento de salários. Um esboço incompleto que não abarca toda a realidade.
Mas ter de vir reconhecer, como o fez o Governo, que os salários em atraso atingem em Portugal os 21,6 milhões de contos, envolvendo 92299 trabalhadores ao serviço de 600 empresas, é uma vergonha para um governo que assinala o 10.º aniversário do 25 de Abril com a recusa de adopção de medidas de emergência que garantam aos trabalhadores o direito ao salário, o direito a uma prestação- alimentícia, o próprio direito à vida.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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A Oradora: - Perante a realidade brutal, a incomodidade instalou-se nas próprias fileiras dos deputados governamentais.
Notícias vindas nos jornais falam-nos de ura projecto de lei de deputados do PS, retido na gaveta, que ninguém sabe quando verá a luz do dia.
E só perguntamos: quando? Hoje? Amanhã? Só reflectimos amargamente, perante o conteúdo anunciado, que não valia a pena ter furtado à discussão os projectos de lei do PCP, ter deixado escorrer, meses e meses e meses, enquanto se corre o perigo de ver fenecer a vida!
E só concluímos que, mais uma vez, foi a luta dos trabalhadores quem forcou o reconhecimento da necessidade de reposição da legalidade e quem chamou a atenção para a justeza das propostas do PCP.
Pedimos hoje urgência para o projecto de lei n.º 295/III, sobre a incidência penal do não cumprimento atempado da retribuição. Em boa verdade, disposições como a que inserimos no nosso projecto já deveriam ter sido contempladas no novo Código Penal.
Sendo irrecusável o carácter de ordem pública social de um conjunto de normas de direito do trabalho, entre as quais se incluem, inequivocamente, a proibição de despedimentos sem justa causa e o direito ao salário, é evidente que o Estado não pode recusar a criminalização de infracções a estas normas.
Assim lhe assegura a sua eficácia, caracterizando mais claramente o direito do trabalho como um direito imperativo, um direito que tem de assumir um carácter repressivo, pois que se defronta com conceitos tradicionais e arcaicos sintetizados na frase tantas vezes repetida: «Na minha empresa mando eu.»
Mas é evidente que na empresa não pode mandar apenas o dono da empresa, ou o seu representante.
Ë evidente que todos os seus actos, uma gestão fraudulenta ou uma gestão negligente, se vão repercutir sobre a própria economia nacional, sobre a vida da parte mais fraca na relação laboral, sobre o estômago vazio de quem trabalha e não recebe.
Fica assim claro que o Estado não pode recusar a sua intervenção no sentido de criminalmente fazer cumprir as normas laborais.
Em conferência proferida nas fornadas de Direito Criminal o Prof. Jorge Figueiredo Dias, a respeito da proposição básica de política criminal, disse:
A política criminal própria de um Estado de direito material, de cariz social e democrático, deve exigir do direito penal que só intervenha com os seus instrumentos próprios de actuação ali onde se verifiquem lesões insuportáveis das condições comunitárias essenciais de livre realização e desenvolvimento da personalidade de cada homem.
E mais adiante:
A ordem axiológica jurídico-constitucional constitui o quadro de referência e, simultaneamente, o critério regulativo e delimitativo do âmbito de uma aceitável e necessária actividade punitiva do Estado.
Ora a Constituição da República reconhece o direito ao trabalho no seu artigo 59.º e o dever, por parte do Estado, de execução de políticas de pleno emprego.
A Constituição da República reconhece um direito, corolário do direito ao trabalho -o direito à retribuição do trabalho -, no seu artigo 60.º E impõe ao Estado, nesse mesmo artigo, o dever de assegurar aos trabalhadores a retribuição a que têm direito.
Aqueles direitos constituem, com muitos outros, condições essenciais da vida em comunidade, condição sine qua non do desenvolvimento da personalidade do trabalhador. Eles são, assim, um bem jurídico que o direito penal deve proteger, e deve proteger criminalizando as infracções a tais normas, pela danosidade social que representa a sua lesão.
Danosidade que se reflecte não só sobre o indivíduo, o trabalhador, privado no caso de atraso do pagamento de salários dos meios necessários à sua subsistência, mas que se reflecte também no colectivo dos trabalhadores, que assim se vêem ameaçados nos seus direitos que em colectivo exercem (o direito à greve, o direito à negociação colectiva), danosidade que, em última análise, se reflecte sobre toda a sociedade sobre a qual pairam, em consequência, ameaças dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Não é verdade que o não pagamento da retribuição a quem trabalha e que já não pode reaver o trabalho que prestou é, no dizer de Prof. Figueiredo Dias, uma lesão insuportável das condições comunitárias essenciais de livre realização e desenvolvimento da personalidade de cada homem? Não é verdade que a danosidade social que tal actuação provoca, que é uma lesão de bens jurídicos tutelados constitucionalmente, impõe uma criminalização inequívoca?
Por último: não é verdade que à censura generalizada quanto às situações de atraso no pagamento de salários não tem correspondência no nosso direito penal laboral?
A insuficiência de protecção penal para os direitos dos trabalhadores nem sequer é colmatada pela ameaça que constitui a certeza subjectiva de se ser punido.
A inoperância da Inspecção do Trabalho, a zona do esquecimento para que são remetidos os tribunais do trabalho - ainda hoje, apesar da Constituição e da lei, os parentes pobres da justiça -, retira qualquer intimidação à legislação existente.
Hoje, a entidade patronal que falta com o pagamento de salários tem a certeza subjectiva de não ser punida, tem a consciência de que não corre risco, soçobrando assim a já débil ameaça da lei existente.
A prová-lo, as próprias palavras do Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, que num dos primeiros debates sobre os salários em atraso desafiava o PCP a provar a veracidade dos números que apontava. O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social desconhecia; a Inspecção do Trabalho desarrumada e poeirenta ignorava. O infractor tinha a certeza de não ser descoberto, de não ser punido.
Ao apresentarmos o projecto de lei sobre criminalização de certas infracções laborais, cremos serem criadas as condições para que à intimidação resultante do agravamento das penas, e que necessariamente decorrem da nossa ordem jurídico-constitucional, se junte a intimidação resultante do receio de se ser descoberto.
A urgência do projecto de lei reside precisamente no efeito dissuasor que resultará da criminalização de infracções laborais.
Assim haja vontade política de exercer a acção penal, que é o mesmo que dizer, assim haja vontade política de reconhecer que o Estado deve pôr cobro

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ao flagelo social dos salários em atraso, utilizando todos os meios ao seu alcance.
O autêntico tornado que se abateu sobre os trabalhadores não é um fenómeno natural, perante o qual o Estado seja impotente. Há medidas urgentes a tomar. É hoje irrecusável que as propostas do PCP, rejeitadas por esta Câmara, combatiam o flagelo.
É hoje irrecusável que esta Assembleia tem de debruçar-se urgentemente sobre as propostas rejeitadas, sobre as medidas para efectivação da retribuição emergente do contrato de trabalho, sobre as medidas de emergência para reparar a situação de atraso no pagamento de salários, constantes, respectivamente, dos projectos de lei n.ºs 296/III e 297/III, do PCP, que a maioria governamental não admitiu sequer a discussão.
Pela nossa parte, anunciamos que voltaremos a encarar o problema e a tomar as necessárias iniciativas legislativas.
Porque é necessário que na relação laboral o Estado assuma o papel de protector da parte mais fraca que foi exigido e conquistado pelas lutas dos trabalhadores.
Porque é escandaloso que o 10.º aniversário do 25 de Abril surja num horizonte cerrado de milhares de trabalhadores.
Porque é necessário rasgar de novo esse horizonte, destruindo as barreiras que toldam a democracia e que escondem a aurora libertadora do 25 de Abril.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr.ª Deputada Odete Santos, nós sabemos que a bancada do seu partido apresentou várias iniciativas legislativas sobre a matéria dos salários em atraso.
Depois das várias vicissitudes que sofreram essas iniciativas, acabaram por ficar de pé duas delas, para uma das quais nos é hoje pedido, aqui, o processo de urgência. O que está em causa, portanto, é, e apenas, discutir o processo de urgência para esta iniciativa, que é uma iniciativa de carácter penal em relação ao não cumprimento doloso do pagamento dos salários.
Eu só queria perguntar a V. Ex.ª se considera que esta medida, desinserida do conjunto que foi concebido pela sua bancada para a temática dos salários em atraso, terá eficácia em relação ao tratamento do problema. E se, a ser assim, merece a urgência que está a ser pedida pela sua bancada.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP):- Sr. Deputado Nogueira de Brito, na minha intervenção disse claramente que considerava que este projecto de lei não ia resolver a globalidade do problema, mas se isso acontece é certamente por nossa culpa, Sr. Deputado. V. Ex.ª até votou juntamente com os deputados da maioria contra um projecto de lei, do PCP, para regularizar a situação do pagamento dos salários em atraso.
Eu disse claramente - e pensei ter sido suficientemente explícita- que a criminalização de infracções a leis laborais pode ter um efeito de dissuasão e o efeito de levar a pagar, pela intimidação, salários que estão em atraso, porque, creio, a diferença entre a posição de V. Ex.ª e a minha reside no facto de eu não acreditar que todos os casos de falta de pagamento de salários sejam devidos a dificuldades reais das empresas.
Há muitos e muitos casos -e cito-lhe, por exemplo, o caso da Torralta, que num mês se atrasou uma semana, no mês seguinte, 15 dias, etc.- em que estão em causa empresas rentáveis, que não é por não disporem de fundos que não pagam os salários. Fazem-no propositadamente, para desmobilizar os trabalhadores e para enfraquecer a sua luta.
Tudo isto faz parte de um plano concertado, Sr. Deputado, e sobre estas empresas é que o efeito dissuasor deste projecto se vai fazer sentir.
Num aparte, Sr. Deputado, considero que já há normas que tipificam criminalmente a violação de leis laborais, mas tal facto não está suficientemente claro e, normalmente, a doutrina e a jurisprudência consideram tratar-se de contravenções.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito pede a palavra para que efeito?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Dou-lhe a palavra, Sr. Deputado, mas tenho o dever de informar que a Sr.ª Deputada Odete Santos já não tem tempo disponível para poder dar a resposta através da figura regimental do contraprotesto.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, o MDP/CDE cede-me gentilmente alguns minutos do seu tempo.

O Sr. Presidente: - Ainda bem que, em função da solidariedade do MDP/CDE, V. Ex.ª passa a ter tempo para fazer o contraprotesto.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Bom, de qualquer maneira, eu também suponho que o meu protesto não tem resposta.
No entanto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que eu queria dizer é que a Sr.º Deputada Odete Santos deu uma informação não inteiramente correcta sobre o sentido de voto do CDS nesta matéria. De facto, o CDS votou sempre em coerência com as posições que sobre o problema da constitucionalidade que se levantou aqui tinha tomado, designadamente em anteriores legislaturas.
Quanto ao mais, V. Ex.ª falou ainda das diferenças entre as nossas posições. Eu queria dizer que ainda não discutimos o fundo da matéria para V. Ex.ª conhecer qual a diferença das nossas posições.
Uma coisa parece certa: o CDS está convicto de que só a recuperação da nossa economia é que vai resolver o problema dos salários em atraso. Em Portugal, neste momento, são várias as prestações, no âmbito da vida económica, que estão em atraso.

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Queria dizer também a V. Ex.ª que não me parece adequado, a propósito da urgência, discutir o problema com referências concretas a esta ou aquela empresa. Não temos elementos, de momento - nós ou a bancada de V. Ex." -, que nos permitam julgamentos e apreciações da empresa A, da empresa B ou da empresa C.
Não estamos aqui a defender nenhuma empresa. Estamos preocupados com a economia do País e com a situação dos trabalhadores que não recebem os salários.

O Sr. Presidente: - Para um curto contraprotesto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Vou ser muito breve, porque estou a utilizar o tempo que me foi cedido pelo Grupo Parlamentar do MDP/CDE.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, o seu protesto tem realmente resposta, porque o Sr. Deputado falou nos projectos de lei que foram impugnados por questões de constitucionalidade, mas esqueceu-se do projecto de lei n.º 14/III, que foi sujeito a votação e relativamente ao qual não se levantou qualquer problema desses - foi admitido, discutido e votado. Como é que o CDS votou nessa altura?

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Em relação ao resto do seu protesto, não queria ofender o Sr. Deputado Nogueira de Brito nem pensava que se ofendesse tanto por eu invocar aqui a Torralta.
Por acaso tenho dados sobre essa empresa e conheço a situação que aí se vive.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Eu não conheço!

A Oradora: - Os trabalhadores denunciam essa situação e, portanto, não vejo o que quer que seja que me impeça de aqui usar dados concretos, uma vez que até já foram usados muitos mais aquando da interpelação ao Governo sobre salários em atraso.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não foram, não!

A Oradora: - Para terminar, quero dizer que o Sr. Deputado utiliza a linguagem que o Governo e os deputados governamentais usaram durante a interpelação, quando disseram que o problema era de médio e não de curto prazo, que o problema era de recuperação da economia e que o Estado não tinha nada que intervir.
Entretanto, Sr. Deputado, passaram-se meses e meses e a economia está cada vez pior. Foi anunciada a revisão da legislação laboral, e pergunto se é com despedimentos que o Sr. Deputado pensa que a economia se reergue. Ê com a revisão da legislação laboral, nomeadamente a Lei da Greve, que a economia se reergue?
A situação piora constantemente e os dados oficiais sobre desemprego revelam que o Sr. Secretário de Estado Rui Amaral já não tem razão para estar aflito, como estava, porque a nossa taxa de desemprego era inferior à da CEE. Neste momento, a nossa taxa de desemprego ultrapassa-a, os trabalhadores continuam com salários em atraso e a situação não foi resolvida.
Sr. Deputado, é assim que V. Ex.ª pensa que a situação se resolve?

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Para usar do direito de defesa em nome da minha bancada. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado é que é o portador desse interesse e V. Ex.ª julgará da oportunidade de exercer esse direito. Portanto, tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Sr.ª Deputada Odete Santos, creio que V. Ex.ª, no entusiasmo da sua argumentação relativamente ao protesto do Sr. Deputado Nogueira de Brito, não se apercebeu que acabou por ofender a minha bancada, referindo, nomeadamente, que o Sr. Deputado Nogueira de Brito usou aqui argumentos que o Governo trouxe e que os deputados governamentais também usaram.
Sr.ª Deputada, quero dizer-lhe que, aquando da discussão sobre este assunto, intervieram deputados do PSD não dependentes de qualquer posição governamental, porque na minha bancada prezamo-nos e zelamos em não estar na dependência do Governo. Entendemos que devemos dizer aquilo que é justo, a palavra justa, e fazer a defesa da doutrina que a minha bancada entende que deve defender.
Sr.ª Deputada, queria deixar-lhe este reparo - porquanto só posso desculpar as suas palavras como resultantes do ardor posto por V. Ex.ª no debate com o Sr. Deputado do CDS - e, da parte dos deputados do PSD que intervieram nessa altura, devo dizer que eles não o fizeram como deputados governamentais, mas sim como deputados que têm consciência do que dizem, voltam a afirmá-lo se for preciso, e não é a Sr.ª Deputada que pode vir aqui cognominá-los de «Deputados disto ou daquilo», que não de deputados do PSD.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Sr." Deputada, presumo que continuará a usar tempo cedido pelo MDP/CDE.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, disseram-me que o tempo para exercer o direito de defesa e a respectiva resposta não era descontado no tempo global de que dispomos.

O Sr. Presidente: - Só um momento, Sr.ª Deputada. Vou procurar esclarecer essa questão junto dos outros membros da Mesa.

Pausa.

Sr.ª Deputada, é entendimento da Mesa -por informações recebidas e embora com algumas dúvidas - que o tempo gasto ao abrigo da figura regimental do

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direito à defesa e respectiva resposta não conta para o cômputo do tempo atribuído a cada grupo parlamentar.
Tem V. Ex.ª a palavra para dar explicações, que é a figura regimental que se segue ao direito de defesa.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O Sr. Deputado Rocha de Almeida começou por afirmar que eu, nas palavras que usei, acabei por defender a sua bancada.
Bom, Sr. Deputado, se defendi a sua bancada, não havia razão para usar o direito de defesa.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - A Sr.ª Deputada ofendeu a minha bancada, não a defendeu! Eu disse v ofendeu»!...

A Oradora: - Ah, o senhor disse que eu ofendi a sua bancada por ter usado a expressão «deputados governamentais»? Então o Sr. Deputado tem reflexos atrasados, porque usei também essa expressão durante a minha intervenção ...

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Dá-me licença, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Faça favor.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Muito obrigado, Sr.ª Deputada.
Não é que fique muito ofendido por a senhora dizer que tenho os reflexos atrasados, porque mais vale que eles sejam atrasados do que não os ter!
De qualquer das maneiras, quero dizer que V. Ex.ª, como estava entusiasmada com o seu discurso, não viu quando é que entrei na sala. Eu não estava na sala -peço muita desculpa por isso e lamento-o, porque tinha muito gosto em ouvir a sua intervenção- quando a Sr.ª Deputada usou da palavra.

A Oradora: - Bom, Sr. Deputado, então quero apenas dizer-lhe que se tivéssemos tempo poderíamos discutir aqui estilística, poderíamos discutir as imagens usadas na literatura, o que são metáforas, o que são eufemismos, etc. Mas se o Sr. Deputado não entende e se sente ofendido com uma imagem, então o problema é seu!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos para usar da palavra, vamos votar o pedido de urgência, solicitado pelo PCP, para a discussão e votação do projecto de lei n.º 295/III, sobre incidência penal do não cumprimento atempado da retribuição.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e da ASDI e votos a favor do PCP, do CDS, do MDP/CDE e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu grupo parlamentar votou contra o pedido de urgência para a discussão do projecto de lei n.º 295/III e fê-lo não porque não esteja preocupado com toda a problemática que, no fundo, decorre daquilo que aqui terá sido referido pela Sr.ª Deputada
Odete Santos. Não foi isso que nos fez votar contra este pedido de urgência.
Um diploma semelhante a este foi debatido, foi feita nesta Câmara uma interpelação sobre esta matéria, e desde logo o Governo e a maioria disseram que se opunham à filosofia de base destes diplomas do PCP, mas que, efectivamente, estavam a avançar e iriam continuar a estudar as medidas - não de modo isolado, mas sobretudo numa perspectiva económica global - que possibilitassem a resolução de tudo o que é problema de desemprego, seja ele patente ou oculto.
A Sr.ª Deputada falou aqui no 10.º aniversário do 25 de Abril e eu pergunto: nos 10 anos que desde então decorreram quantas foram as formas de destruição do sistema e da economia, quantos os bloqueamentos a empresas, quantas situações se criaram que propiciaram as condições que deram origem à situação social e económica em que hoje vivemos e contra a qual V. Ex.ª aqui vem pugnar? Quantas dessas situações não terão origem numa certa irresponsabilidade de actuação do próprio PCP?

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Essa não é uma argumentação séria!

O Orador: - VV. Ex.ªs falam também -desde logo avançando argumentos de fundo do vosso diploma - na criminalização de infracções ao pagamento de salários. Estamos de acordo quanto à criminalização e mesmo quanto à sua acentuação quando estão em causa falências culposas ou outras situações dolosas.
Mas por certo que VV. Ex.ªs não quererão culpar inocentes, que, em face da crise e das dificuldades das empresas, não só não têm dinheiro para pagar aos trabalhadores como nem sequer têm dinheiro para eles próprios subsistirem.
VV. Ex.ªs falam na urgência. Mas que urgência? Dirão que não há razão para não conceder este pedido de urgência, uma vez que não foi rejeitada a admissão deste projecto de lei.
Srs. Deputados, este projecto de lei é, no fundo, semelhante a um outro que já aqui foi rejeitado, e se o foi, esta é a melhor prova que não há razão para se votar este pedido de urgência. Por estas razões. Sr. Presidente e Srs. Deputados, votámos contra.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Note-se que faço esta declaração de voto não intimidado pela intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos, que talvez nos tenha ofendido mais a nós, ao chamar-nos deputados governamentais ou copiadores dos argumentos governamentais, do que ao PSD. Mas deixamos passar porque os processos já são conhecidos!...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é sabido, a Câmara admitiu já a possibilidade de discutir e votar o projecto de lei apresentado pelo PCP. Está, portanto, inteiramente fora de causa a questão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da iniciativa desse grupo parlamentar.
Nesta Câmara já todos reconhecemos a urgência que há no tratamento deste problema, de tão graves consequências para tantos portugueses, e já todos admi-

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timos também que a verdadeira solução deste problema há-de residir, no fundo, na recuperação da economia e nc restabelecimento da confiança dos vários agentes económicos, que foi destruída a partir de processos seguidos no período mais agudo de 1975.
Mas não está agora em causa discutir isso, nem mesmo discutir a eficiência dos dispositivos contidos neste projecto de lei concreto -que agora estamos a apreciar através do pedido de urgência da sua discussão -, principalmente a sua eficiência quando desacompanhado de outras medidas que tenham como objecto o mesmo tema.
Queremos, porém, recordar que se trata apenas de uma parcela de uma iniciativa recusada por esta Câmara e, por outro lado, recordarmos também que, depois dessa recusa, vários grupos parlamentares se pronunciaram no sentido de virem a propor a esta Câmara medidas semelhantes, com o mesmo objectivo.
Pensamos por isso que o que está em causa é que não podemos, neste domínio, adiar por mais tempo o início da discussão do problema que nos preocupa e, assim, votámos a favor do pedido de urgência. Trata-se, sem dúvida, e já todos o sentimos, de um problema urgente e premente para todos os portugueses.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE votou favoravelmente a urgência solicitada para a discussão do projecto de lei n.º 295/III, apresentado pelo PCP, por sempre ter entendido que a questão dos salários em atraso é dos escândalos mais incríveis que existem no nosso país.
E, infelizmente, este é um caso de triste originalidade de Portugal em relação a todo o mundo civilizado. Em mais nenhum país do mundo existe um flagelo como este e, dentro do mundo laboral - e principalmente dentro do mundo económico e laboral português -, a experiência dos trabalhadores e de toda a gente que gira no mundo do direito do trabalho permite reconhecer que as entidades patronais, escudando-se em todas as desculpas possíveis, têm vindo a não querer cumprir o mínimo dever de uma entidade patronal, que é o pagar o salário a quem trabalha.
É evidente que se poderá discutir teoricamente se esta falta deveria ser tipificada como uma contravenção ou como um crime. Mas é também evidente - e é esse o nosso entendimento- que não há outra hipótese de obrigar as entidades patronais a cumprirem os seus deveres mínimos se não o tipificar todas estas condutas como crime.
Só a ameaça de os gestores e directores poderem ir para a prisão -que ainda é hoje na nossa sociedade, e sobretudo em determinados estratos, uma pena extremamente gravosa- poderá obrigá-los a cumprir o seu dever mínimo, o dever inicial de qualquer gestor, que é o de pagar a quem trabalha.
Por isso entendemos que, no actual contexto, o problema é ião grave e é tão urgente a sua solução que se justifica plenamente este pedido de urgência, e daí o nosso voto favorável.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben Raposo.

O Sr. Ruben Raposo (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A ASDI votou contra o processo de urgência requerido pelo PCP, em relação ao projecto de lei n.º 295/III.
Com este debate travado no plano processual refez-se mais uma vez uma discussão parlamentar sobre os salários em atraso.
Infelizmente são hoje muitas as empresas que vêm atravessando graves dificuldades financeiras, penalizando os seus trabalhadores pelos atrasos no recebimento dos salários.
Esta omissão de remunerar a tempo não é, excepto em situações pontuais, uma omissão deliberada. Pelo contrário, é fruto da baixa conjuntura, da diminuição de encomendas, da contracção da procura e do consumo.
Como já afirmámos nesta Casa em anterior debate, para nós, sociais-democratas, o salário é um dos elementos fundamentais do contrato individual de trabalho.
É a principal obrigação da entidade patronal revestindo a contrapartida dos serviços prestados ou a disponibilidade da força de trabalho obtida durante certo lapso de tempo.
O salário não é a mesma coisa para o trabalhador e para o empresário.
Para o trabalhador é meio de subsistência e correlação entre a penosidade do trabalho e o grau de satisfação de necessidades pessoais e familiares.
Para o empresário, ao invés, o salário é um preço que se incorpora nos custos de produção.
Assim, o salário é um crédito a que o trabalhador tem todo o direito.
Para o empresário o salário não é mais que um preço do factor produtivo, salário este que não pode ser negado ao trabalhador.
Daí que toda a forma de trabalho gratuito seja afastada do conceito de contrato individual de trabalho.
Daí também as medidas de protecção ao salário insertas na Ordem Jurídica Portuguesa, recentemente alargadas com a ratificação da Convenção n.º 95, de 1949, da OIT, relativa à protecção do salário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No debate travado sobre os salários em atraso o que importa aquilatar é se o não pagamento dos salários aos trabalhadores pelas empresas é devido por impossibilidade objectiva de os pagar ou se estas o fazem por fraude.
O que importa, pois, de lucidar é se as empresas não têm capacidade para pagar ou se, tendo-a, alegam que a não possuem, com manifesto dolo. Só a Inspecção do Trabalho o pode determinar.
Por isso importa que a Inspecção do Trabalho continue a desenvolver as suas atribuições, visitando as empresas, investigando, levantando os autos, cumprindo a sua missão.
A haver dolo, naturalmente que os responsáveis têm de ser sancionados.
Contudo, a omissão do dever de remunerar a tempo não é, na sua generalidade, uma omissão deliberada.
Pelo contrário, radica na crise económica geral verificada em muitas empresas.
A garantia do direito ao salário terá de ser conseguida através de medidas tomadas pelo Governo, reestrururando as empresas, proporcionando a comer-

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cialização dos seus produtos, viabilizando as unidades produtivas viáveis.

Daí os votos contra da ASDI neste debate.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage, também para uma declaração de voto.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação dos salários em atraso é, de facto, anómala sob o ponto de vista de funcionamento de uma economia e sob o ponto de vista do funcionamento das empresas. Ê uma situação socialmente iníqua e eticamente condenável, já o dissemos aqui e voltamos a sublinhar esta nossa opinião.
O Grupo Parlamentar do PS não está insensível a este problema, longe disso, não está de braços cruzados. Por isso aprovou nas suas jornadas parlamentares, que decorreram no último fim de semana em Lagos, um anteprojecto sobre esta matéria, que, em devido tempo, pensamos que entrará nesta Casa, transformado e convertido em projecto de lei.
O assunto é, assim, para nós, urgente. O problema é efectivamente urgente, mas a iniciativa do PCP não o é porque tem uma formulação incorrecta, com a qual não podemos concordar. E não podemos conceder urgência a uma iniciativa que consideramos incorrecta, pois desse modo conceder-lhe-íamos a prioridade e a simplificação processual que daí decorrem.
Foi apenas por isso que votámos contra o pedido de urgência solicitado pelo PCP e não por considerarmos o assunto menos urgente ou adiável, pois, para nós, não o é.
Podemos até dizer à Câmara que estamos a trabalhar no nosso projecto, que contamos apresentar em breve, e estamos também em diálogo com o Governo - que sobre esta questão tem iniciativas - e com o PSD, no âmbito da maioria.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta atitude do Grupo Parlamentar do PS não tem outro significado senão aquele que acabo de referir.
Entre nós tudo se encaminha para que uma iniciativa correcta e equilibrada contribua para a solução desse problema.
Além disso quero assinalar também, de passagem, que estava prevista uma conferência dos líderes parlamentares onde se deverão organizar os diversos assuntos (projectos de lei e outras iniciativas legislativas desta Câmara), para lhes dar maior ritmo e rapidez na sua discussão e aprovação.
Pensamos que nesses blocos de assuntos deverá entrar esta matéria e daí também, de alguma maneira, o considerarmos que este processo de urgência tem pouco interesse imediato para o funcionamento da Câmara.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos favoravelmente o pedido de urgência e entendemos que não foram aqui colocadas questões que levassem a Câmara, em conjunto, a votar de outra maneira. Isto por 3 razões: primeira, não foi posto em discussão nem em dúvida que a situação de não pagamento dos salários provoca uma danosidade social; segundo, porque também ninguém pôs em dúvida que há um bem jurídico, tutelado constitucionalmente, que é o direito ao salário; terceiro, porque também ninguém pôs em dúvida que, verificadas estas condições, o Estado tinha o poder de punir criminalmente quem infringisse a disposição laboral que obriga as empresas a pagar atempadamente o salário.
Foram aqui entarameladas algumas considerações em declarações de voto - e é pena que o tenham sido em declarações de voto por que não basta sob essa forma fazer a afirmação genérica de que se discorda das soluções propostas pelo PCP - no sentido de que a destruição da economia teria começado há muito tempo e foram assacadas responsabilidades a quem as não tem, porque a verdade é que o PSD, durante 10 anos depois do 25 de Abril, esteve sete anos e meio no Governo ...
Assim todas as afirmações que a este respeito aqui foram feitas equivalem, de facto, a lágrimas de crocodilo, nomeadamente quando se diz que se reconhece que a situação dos salários em atraso é um flagelo social, porque logo a seguir se acrescenta: «Nós estamos a estudar». Mas a estudar até quando, Srs. Deputados?
A estudar ainda depois da discussão entre o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social e o Partido Socialista? Depois de, enfim, aclararem os pontos de divergência que nesta matéria têm?
Em devido tempo, dizem os senhores, apresentaremos um projecto de lei, mas o «devido tempo» já passou há muito tempo, hoje já o ultrapassámos.

Aplausos do PCP.

O nosso projecto de lei, como é evidente, contemplava os casos de dolo, os casos de negligência, e ao senhor deputado que aqui disse que nós não contemplávamos os casos dos que agem sem culpa, dos que agem por impossibilidade real e concreta de pagar os salários, eu remetê-lo-ia para o Código Penal, que contém disposições que resolvem esse problema.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Por último, farei esta consideração final: esta resposta da Assembleia equivale efectivamente a uma afirmação feita pelo Sr. Ministro Almeida Santos de que o Estado não tinha a ver com a questão dos salários em atraso. Foi o que esta Câmara respondeu e tem vindo a responder continuadamente. Ê o virar de costas, é a recusa mesmo da actual posição do direito laboral, é a recusa da publicitação do direito laboral.
Srs. Deputados, continuem a estudar, continuem a achar a resolução do problema, porque entretanto há trabalhadores que trabalham e não recebem!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como é do vosso conhecimento, às 16 horas e 45 minutos chega ao Parlamento o Primeiro-Ministro inglês.
S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da República, que o irá receber, informou-me que os trabalhos do Plenário deveriam ser interrompidos às 16 horas e 30 minutos.

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Ê chegada a hora e precisamente por causa desse facto interrompo os trabalhos até à saída do Primeiro-Ministro inglês.

Eram 16 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas.

O Sr. Presidente: - No reinicio dos nossos trabalhos ...

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, em tempo oportuno o meu grupo parlamentar apresentou na Mesa da Assembleia da República um requerimento pedindo o agendamento urgente da proposta de lei sobre a criação, modificação e extinção de municípios. Esse requerimento não teve ainda resposta e acontece que a proposta de lei, que baixou à Comissão de Administração Interna e Poder Local, viu os seus prazos completamente expirados, vivendo-se neste momento em clima de contra-regimentalidade em quanto concerne ao processo e do seu debate natural no Parlamento.
Fazendo jus de cláusulas consagradas, quer no Regimento da Assembleia, quer na Constituição, o Grupo Parlamentar do PCP, junto da entidade idónea do Sr. Presidente da Mesa da Assembleia da República, suscitou a questão do seu agendamento.
Entendemos que a situação, tal como se configura, não pode continuar por mais tempo, pois viola expressamente disposições legais, defrauda da maneira mais mesquinha elementares expectativas de populações às quais tudo foi prometido - e refiro-me concretamente às populações de Vizela.
Assim, o Grupo Parlamentar do PCP interroga V. Ex.ª, fazendo, em absoluto, uso da figura regimental da interpelação à Mesa, sobre se tem conhecimento da resposta que a Mesa tem para lhe dar ou se envidará quaisquer esforços no sentido de o informar - ainda hoje, se for possível - sobre qual o teor das decisões havidas em relação à nossa pretensão, isto é, qual o despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, embora eu não possa dar uma resposta cabal, como certamente importaria, à interpelação que me é dirigida, por informação do Sr. Secretário tive conhecimento de que o problema que V. Ex.ª suscitou se encontra na pasta do Sr. Presidente para ser tratado na conferência de líderes a realizar amanhã, quando porventura começarem a tratar do agendamento das próximas reuniões plenárias.
É esta a única informação que lhe posso prestar, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entramos agora na apreciação do processo de urgência solicitado pelo Governo para a discussão da proposta de lei n.º 63/III, que concede ao Governo autorização legislativa para definir em geral ilícitos criminais e penais.
Estão abertas as inscrições.

Pausa.

Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assentos Parlamentares (António Vitorino): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: O pedido de urgência referente à proposta de lei n.º 63/III apresentado a esta Câmara pelo Governo obedece a uma dupla ordem de preocupações. Por um lado, visa-se habilitar o Governo com competências sancionatórias que se insiram no quadro do exercício das suas competências legislativas comuns ou normais e, por outro lado, viabilizar, por esta via, a adopção daquelas medidas de política legislativa que contenham em si o correspondente quadro sancionatório e cuja premência resulta do natural desenvolvimento do Programa do Governo e das necessidades quotidianas da governação.
Os condicionalismos que envolvem a apreciação substantiva da presente proposta de lei foram já antecipadamente explanados com detalhe aquando do debate do recurso de impugnação da admissibilidade desta proposta de lei interposto pelo agrupamento parlamentar da ASDI.
Por isso e para não maçar a Câmara, dou agora por reproduzidos os argumentos que então tive ocasião de aduzir e que se resumem, ao fim e ao cabo, na necessidade de, através desta proposta de lei, fornecer ao Governo os instrumentos sancionatórios que constituem a razão de ser existencial do exercício da função legislativa própria e dos poderes legislativos de que disfruta, nos termos constitucionais, ao abrigo da competência concorrencial com a Assembleia da República.
O pedido de urgência que o Governo solicita à Câmara visa abrir as portas para o debate de fundo da autorização legislativa por forma a que se estabeleçam as condições ou apreciações do seu articulado e que sejam introduzidas as alterações e os melhoramentos que permitam obter o desiderato pretendido pelo Governo, que é o de estar habilitado com competências sancionatórias através de uma sã e escorreita fórmula jurídica.
Estas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as razões do pedido de urgência.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados José Magalhães e Magalhães Mota.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Secretário de Estado, devo dizer que muito teria gostado que tivesse maçado a Câmara. Está cá para isso, uma vez que a autorização que nos é pedida foi objecto de um debate, creio eu, aprofundado na altura em que, como bem referiu, aqui tivemos de apreciar o pedido de impugnação oportuno e correctamente deduzido pela ASDI e favoravelmente votado pela minha bancada.

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Creio que as dúvidas que então aqui ficaram situadas, as críticas, o exame do quadro constitucional após a revisão da Lei Fundamental, são a demonstração, que fizemos, de que instrumentos com esta natureza têm sido objecto não de utilização num sentido pretendido ou invocado, mas, bem pelo contrário, no sentido de um abuso que é preocupante.
Ponderado tudo isto, é pelo menos surpreendente que o Governo surja aqui com um pedido de urgência, porque um pedido de urgência, como a Câmara toda bem sabe, não traduz - ao contrário do que o Sr. Secretário de Estado disse- um passo para o debate de fundo da autorização legislativa. Esse debate de fundo é sempre possível, é sempre necessário, sobretudo devidamente ponderado. Traduz, sim, um encurtamento do debate, uma restrição do campo do debate, e nós realmente não entendemos que esta autorização - que bem poderia ter ficado na gaveta! ... isso seria bom para todos nós, sobretudo para a República - tenha vindo a ser precipitada para o primeiro plano das preocupações da Câmara (aliás, chegou a estar inscrita uma outra matéria - a lei sobre protecção de dados).
O Governo, num súbito golpe de rins, aparece aqui a propor que se conceda urgência a esta autorização, sobre a qual recaem todas as dúvidas. O Sr. Secretário de Estado teve até ocasião de dizer que o Governo estava disposto a ponderar a forma de, através de uma sã e «escorreita autorização legislativa, conseguir o desiderato que o Governo se propõe», o que é confessar implicitamente que a forma que o Governo agora propõe não é nem sã nem escorreita.
Nós temos dúvidas de que seja possível tornar escorreito um diploma que se afigura frontal e irremediavelmente contrário ao que a Constituição dispõe.
Em todo o caso, gostávamos de saber melhor das razões desta pressa governamental em cercear o debate para podermos intervir ulteriormente ao abrigo das disposições regimentais.
É esta a pergunta que deixamos ao Governo.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, dado que há mais inscrições para pedir esclarecimentos, gostaria de saber se V. Ex.ª pretende responder já ou apenas no fim.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Se me permite. Sr. Presidente, respondo no fim.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, dou a palavra ao Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, em relação a este pedido de urgência gostaríamos de saber, em primeiro lugar, que tipo de processos de urgência o Governo pretende, ou seja, se pretende a aplicação da regra supletiva do artigo 246.º se qualquer das fórmulas consignadas no artigo 245.º do Regimento da Assembleia da República.
Esta é, naturalmente, uma matéria importante para nós. Precisamos de saber exactamente o que é que o Governo pretende com a delimitação deste processo de urgência, e uma vez que é o Governo o interessado no processo, deverá ser ele, naturalmente, a apresentar uma proposta sobre a qual a Assembleia da República terá de deliberar. Precisamos, portanto, de a conhecer.
Em segundo lugar -e não com menor importância -, põe-se a questão de saber para quê esta urgência. Quando do debate do processo de admissão desta proposta de lei o Governo sustentou, pela voz de V. Ex.ª, que não era possível determinar exactamente qual o conjunto de necessidades em relação às quais o Governo usaria desta autorização legislativa.
Ora bem, parece-me que quando se pede um processo de urgência tem-se um exacto conhecimento das necessidades que esse processo de urgência implica. Um processo é urgente porque se pretende resolver alguma coisa com ele. Será que o Governo já está neste momento habilitado a dizer-nos para que é que precisa de utilizar este processo? Ou, pelo contrário, continua na ignorância das necessidades que vai satisfazer pela utilização desta autorização legislativa? Se assim for, continuaremos na mesma nebulosa e vaga indefinição da utilização de uma autorização legislativa que virá, ou não, a ser necessária para alguma coisa que desconhecemos. Para quando a sua utilização? Também é um motivo de indeterminação?
Gostaríamos, pois, de saber exactamente se o Governo tem algum objectivo concreto com esta urgência ou se, pelo contrário, quer uma urgência apenas por querer.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que poderemos começar por reeditar o debate havido aquando do recurso de impugnação da admissão desta proposta de lei sobre os fundamentos da constitucionalidade da iniciativa legislativa que o Governo submete à apreciação da Assembleia da República.
Supunha que esse debate - até porque foi relativamente recente - estava presente no espírito de todos os Srs. Deputados e, pela parte do Governo, dou por reproduzidos os argumentos que então tive ocasião de explanar.
Ou seja, ao contrário do que foi afirmado, neste agendamento não houve nenhum golpe de rins. Nunca esteve agendada a proposta de lei sobre protecção de dados e, portanto, não houve nenhuma substituição de última hora daquela proposta por esta que concede ao Governo autorização legislativa sobre ilícitos criminais e penais.

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- O Sr. Secretário de Estado anda com lapsos!

O Orador: - Evidentemente que não houve alteração nenhuma. Aliás, há mais de 2 semanas que a conferência dos líderes parlamentares agendou para hoje, com prioridade e urgência, o projecto de lei do PCP sobre salários em atraso, bem como esta proposta de lei em apreço.
Quanto à forma jurídica adoptada, tive ocasião de explicar à Câmara, na altura, que estas autorizações legislativas sob a forma genérica não eram autorizações legislativas em branco. Eram, sim, autorizações legislativas que visavam habilitar o Governo de usufruir de poderes sancionatórios, cujo universo seria

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indirectamente determinado através dos limites estatuídos na própria autorização legislativa quanto à dosimetria das penas previstas e susceptíveis de serem aplicadas aos novos ilícitos criminais, que não eram integralmente discriminados nesta proposta de lei.
Não se trata de, com esta iniciativa legislativa, alterar o Código Penal. Trata-se, isso sim, de conferir ao Governo uma competência não discriminada de cominar sanções no exercício das suas competências legislativas próprias e no exercício da competência legislativa concorrencial que exerce com a Assembleia da República.
A urgência da existência deste instrumento jurídico decorre exactamente do facto de, no exercício das competências legislativas normais, surgirem situações em que o Governo sente necessidade de completar as normas que estatui através da correspondente sanção.
Não há norma sem sanção, e a eficácia, a razão de ser e o sentido do direito dependem, naturalmente, das forças cominatórias da estatuição normativa. Por isso mesmo, a única urgência que existe é a de habilitar o Governo a poder legislar.
Trata-se, pois, de uma opção política fundamental. Se a Câmara entende que o Governo não deve poder cominar sanções no quadro da sua actividade legislativa normal, então recusará esta proposta de lei. Se a Câmara entender que o Governo deve estar habilitado com tal poder sancionatório -e o poder sancionatório em causa será sempre utilizado através de actos legislativos do Governo, que estão sujeitos ao controle preventivo e sucessivo da constitucionalidade e à ratificação por parte da Assembleia da República -, então a urgência deve ser concedida e a proposta de lei deverá ser objecto de aprovação pela Câmara.
Quanto à fórmula jurídica sã e escorreita a que fiz referência, não só por formação jurídica, entendo que os objectivos políticos devem ser sempre vertidos em forma de lei de maneira sã e escorreita.
Já tive ocasião de, no debate da impugnação da inconstitucionalidade da proposta de lei, apreciar quais eram os condicionalismos que envolviam o articulado desta proposta de lei. Manifestei nessa altura a minha disponibilidade para, em sede de debate da questão de fundo, reapreciar o problema e verificar da possibilidade de encontrar uma fórmula legislativa que seja mais conforme às preocupações oriundas de diversos quadrantes da Câmara, que, no fundo, são as preocupações do Governo. Isto é, de sermos capazes de definir uma fórmula legislativa que permita o exercício das competências legislativas normais do Governo em plena, absoluta e total conformidade com o texto da Constituição.
Portanto, neste contexto, a urgência deriva do facto de o Governo carecer deste instrumento legislativo para poder exercer as funções que lhe estão constitucionalmente cometidas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, esta sua intervenção confirma todas as apreensões que nos acometeram quando soubemos que o Governo pedia urgência para esta proposta de lei.
Durante o debate que tivemos ocasião de travar anteriormente discutiu-se a questão de se saber se é possível a Assembleia conceder autorizações em branco, ou seja, autorizações que não obedecem por forma alguma aos requisitos que a Constituição imperativamente impõe e que são definição do objecto, do sentido, da extensão, da duração, etc.
Não há maneira nenhuma de fazer caber autorizações genéricas deste tipo na grelha constitucional e a Assembleia está, em absoluto, impedida de o fazer.
Em todo o caso, o Sr. Secretário de Estado diz que a Pátria está em perigo e que o Governo corre riscos de paralisação. Diz ainda o Sr. Secretário de Estado que esta Assembleia divide-se entre aqueles que acham que o Governo deve poder cominar sanções - e esses estão do lado do Sr. Secretário de Estado- e os outros, insensatos e anárquicos, que acham que o Governo não deve poder cominar sanções.
Quanto a nós, esta é uma forma ilegítima e incorrecta de colocar esta questão, porque o Governo pode cominar sanções e tem competência para criar ilícitos contra-ordenacionais nos termos da Constituição. Foi aditada expressamente à Constituição uma norma que viabiliza isto, e, portanto, o Governo não está desarmado para cominar sanções.
Agora, o que o Governo - este ou qualquer outro- não pode fazer é chegar à Assembleia da República e pedir uma autorização legislativa para criar ilícitos criminais, isto é, ilícitos com dignidade penal e penas até ao limite de 3 anos -que são bastante substanciais-, sem definir exactamente o objecto, o sentido e a extensão.
O Governo não pode fazer isto. Se, por acaso, tem urgência, pensamos que deve justificar caso a caso - até porque tem uma maioria nesta Assembleia - para que fins legislativos pretende obter o instrumento que nos pede. Agora, o que não pode fazer é levar para casa uma autorização que serve para tudo!
Concluía este meu protesto, Srs. Deputados, referindo os objectivos para que tem servido a autorização genérica que a maioria concedeu, nesta Câmara, ao Governo no passado mês de Junho. Serviu para o exercício da competência normal do Governo, que está supostamente desarmado no linguajado do Sr. Secretário de Estado? Não! Serviu para aprovar o Decreto-Lei n.º 396/83, sobre infracções cambiais, o Decreto-Lei n.º 398/83, que estabeleceu o regime jurídico de suspensão do contrato do trabalho - lay-off -, o Decreto-Lei n.º 422/83, que estabelece disposições sobre defesa da concorrência, o Decreto-Lei n.º 14/84, que altera o regime de julgamento de punição dos cheques sem provisão, o Decreto-Lei n.º 65/84, que é o tal que foi feito em homenagem ao Sr. Primeiro-Ministro e que foi, muito conturbadamente, discutido aqui no passado debate, e o Decreto-Lei n.º 103/84, que, pura e simplesmente, redefine as competências policiais dos governadores civis, alterando o Código Administrativo e regendo inteiramente de novo o processo de elaboração, aprovação, entrada em vigor e sanções aos regulamentos dos governadores civis.
Pergunto a todos os Srs. Deputados e a cada um em particular o que é que isto tem a ver com uma autorização genérica? Que significa isto quando um governo agarra de uma autorização genérica para criar

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ilícitos e penas e revê o Código Administrativo, regulando ex novo a competência regulamentar dos governadores civis em matéria policial, reforçando-lhe os poderes - é claro! - e aplicando-lhe o regime das contra-ordenações, que, como os Srs. Deputados sabem, têm carácter administrativo e que só em segundo grau é que permite aos cidadãos o recurso aos tribunais, para além de permitir outros mimos, tais como apreensões, encerramentos transitórios, suspensões, detenções até 24 horas e outras coisas deste género.
Pergunto aos Srs. Deputados como é que o Governo ousa lançar mão de uma autorização genérica para uma operação desta envergadura. Ou não será o contrário -e esta é que é a questão que se nos suscita: não será precisamente para operações deste género (que se o Governo não ousasse vir aqui de face inteira propor receberia, sem dúvida, a crítica e até, quiçá, poderia vir a ter dificuldades no seio da sua própria maioria) que o Governo quer uma autorização genérica e absolutamente sombria, como a que agora pede com carácter urgente?
Esta é que é, de facto, a nossa grande dúvida.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É natural que o Sr. Deputado José Magalhães, que tem uma inegável, notável e apreciável vocação caricaturista, tenha pretendido dizer que a minha intervenção era uma intervenção tremendista, porque, segundo ele, eu teria dito que a Pátria está em perigo.
Bom, naturalmente que se eu tivesse utilizado as expressões que o Sr. Deputado utilizou teria feito a defesa da proposta de lei de forma ilegítima e incorrecta. Só que a diferença exacta que existe entre mim e o Sr. Deputado José Magalhães é que eu não utilizei essa forma que V. Ex." entende ilegítima e incorrecta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Olhe que há outras, graças a Deus!

O Orador: - Direi que, em relação às utilizações antecedentes, se trata de instrumentos legislativos constantemente sujeitos a ratificação por parte da Assembleia da República - não há qualquer expoliação das competências legislativas da Assembleia - e, portanto, a Câmara pode ser chamada a qualquer momento, por iniciativa de qualquer que seja o grupo parlamentar, nomeadamente do PCP, a apreciar a forma como o Governo utilizou essas autorizações legislativas.
Pela sua parte, o Governo submete-se à apreciação que a Câmara entender dever fazer.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente proposta de lei vem instruída com uma nota justificativa assaz curiosa, que não deixa de merecer, logo à partida, um comentário indispensável por parte da minha bancada. Ouçamos:
Na presente proposta de lei solicita-se à Assembleia da República a habitual autorização legislativa genérica para elaborar diplomas em matéria penal definindo crimes e penas dentro de parâmetros determinados.
A «habitual» sublinha bem o seu carácter reincidente, delinquencial, acrescento, fazendo lembrar-me um indivíduo que frequentemente aparecia nos tribunais onde fiz o meu estágio de advocacia, que, depois de ter praticado uns furtos em supermercados, entrando sempre pela porta do cavalo, quando lhe perguntavam porque razão é que lá se encontrava, dizia: «O habitual, Sr. Dr. Juíz!»
Pois bem, o Governo aparece-nos aqui a pedir a habitual autorização legislativa genérica. No entanto, sabemos - pois já aqui foi largamente debatido em sessões anteriores - que um tal pedido de autorização legislativa não tem hoje nem nunca teve cobertura constitucional.
Sabe-se que a Câmara foi, desde sempre, particularmente cuidadosa na concessão de autorizações legislativas ao Governo em matéria penal. Aliás, justifica-se bem tal atitude, pois estamos em sede daquilo que bem se pode considerar uma das reservas fundamentais das garantias dos cidadãos, a competência inconcorrente da Assembleia da República para criar ilícitos criminais. E não é por acaso que em sede de revisão constitucional se aperfeiçoou todo este regime, tornando-se claramente restritivo.
Acentuou-se - e valerá a pena lembrar agora - que à ideia de autorização legislativa subjaz o princípio da especificidade, que é qualquer coisa de contrário à regra da genericidade, mesmo penalmente entendida, mas ainda que assim não fosse, entendida com toda a latitude que pudesse dar-lhe o Governo. Por outro lado, sabe-se que as exigências do n.º 2 do artigo 168.º da nossa lei fundamental apontam claramente para que pedidos com este jaez tenham que vir municiados com a clara indicação de qual o objecto e quais os limites daquilo que se pretende, qual o sentido concreto e quais os princípios orientadores da pretendida intervenção legislativa.
Porém, o que é facto é que isso não ocorre com a presente proposta de lei, pois ficam por responder as exigências do preceito constitucional, uma vez que, considerando o texto nos foi presente, cabem à sua luz todos e quaisquer decretos-leis que ao Governo pareça bem produzir sem qualquer conhecimento por parte dos Srs. Deputados desta Assembleia, decretos em termos mais gravosos ou menos gravosos, a belo talante das inspirações de momento de um qualquer ministro ou de um qualquer conselho de ministros. E viu-se o que até hoje tem sido possível recolher desse tipo de inspirações que acomete de quando em quando os senhores ministros do governo PS/PSD.
Haja em conta - tal como já aqui foi recordado e nunca será de mais lembrar- o decreto-lei que fica para a posteridade como o fruto amorável recolhido pelo Sr. Primeiro-Ministro na árvore da sua doce visita a Coimbra, o quanto ele significa de abstrusidade legal, de incompatibilidade com as normas constitucionais e de irresponsabilidade legislativa para podermos ter bem a ideia do que é que um governo como este pode fazer com um cheque em branco como aquele que os Srs. Deputados da maioria se preparam para lhe conceder.

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Mas vem o Sr. Secretário de Estado falar nas válvulas de segurança - hoje com outra terminologia - e vem dizer-nos que há institutos: a apreciação da constitucionalidade com carácter prévio ou sucessivo, a ratificação a impulso dos grupos parlamentares, esta ideia pode colher junto de pessoas menos informadas. Em todo o caso, gostaria de dizer desde já ao Sr. Secretário de Estado que a bancada do PCP lança ao Governo o seguinte repto: está ele na disposição de vir aqui sujeitar à apreciação cabal, por parte da Câmara, o decreto-lei que produziu, inteiramente esconso e eivado de vectores repressivos relativamente aos governadores civis? Está o Governo na disposição de vir a esta Câmara discutir a sua política penal?
Ao cabo e ao resto, é também disso que se trata, da circunstância de continuar a ser escamoteada a política penal do Governo, que se acoberta através de pedidos de autorização genérica, para não definir, caso a caso e de modo inteiramente claro, quais são os objectivos que presidem à sua actividade concreta e quotidiana.
É importante, pois, que se saiba o que é que o Sr. Ministro da Justiça pretende fazer com pedidos de autorização legislativa deste tipo. O que vai este governo realizar de novo que corte com a tradição - verdadeiramente pouco lisonjeira para qualquer governo - que há pouco foi enunciada pelo meu camarada José Magalhães através da enunciação dos decretos-leis que o Governo tem produzido?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo pede 180 dias, os quais terão que ser somados aos 180 dias de um pedido de autorização legislativa em tudo simular anteriormente elaborado. Então pensamos nisto: quando chegarmos a Outubro, quem nos garante que o Governo - se ainda for Governo - não aparecerá com um novo pedido de autorização legislativa por novos 180 dias para legislar genericamente em matéria penal? Então, pergunto aos Srs. Deputados, onde é que chegaríamos com uma prática deste género? Estamos ou não em sede de completo esvaziamento dos poderes dos parlamentares, de inegável adulteração daquilo que a nossa Lei Fundamental determina como sendo competências inalijáveis do Parlamento e, como tal, fundamentais do ponto de vista da arquitectura do regime?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Governo não utilizou - e é importante que se refira ainda o que foi dito por várias vezes - uma só vez, para o fim invocado, os pedidos de autorização legislativa que a maioria lhe tem outorgado de modo benévolo e a granel.
Depois de todo o debate que aqui foi travado em sessões anteriores, depois de ter sido reconhecido o carácter inconstitucional e mal enforcado de toda a intervenção do Governo nesta matéria, aquilo que se esperava era que o presente pedido de autorização legislativa fosse para a gaveta, uma qualquer gaveta, que poderia muito bem ser aquela em que o Dr. Mário Soares encarcerou o seu socialismo para todo o sempre.

Vozes do PS: - Não apoiado!

O Orador: - Srs. Deputados, não se inquietem. Podia perfeitamente ser noutra gaveta!

(Risos do PCP.)

Mas o Governo insiste, reincide, vem agora munido de pedido de urgência e quer que os Srs. Deputados lhe passem um cheque em branco para que ele criminalize, a esmo, no período de 6 meses, criando não se sabe muito bem o quê, nem quando, nem como.
A nosso ver trata-se de um claro enfraquecimento dos poderes dos parlamentares. A bancada do Partido Comunista, que não reconhece a mínima urgência a esta iniciativa do Governo, não deixará de votar contra a pretensão formulada de modo absolutamente frontal e de, mais uma vez, recolocar aqui as questões de fundo que presidem ao seu comportamento.

Aplausos do PCP.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE):- Sr. Presidente, peço a palavra para, nos termos regimentais, requerer a suspensão da sessão por 30 minutos.

O Sr. Presidente: - É regimental. Está suspensa a sessão.

Eram 18 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 19 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo solicita processo de urgência para a proposta de lei n.º 63/III, ou seja, como se define, em título, concessão de autorização legislativa para definir em geral ilícitos criminais e respectivas penas.
Em causa, neste momento, está apenas o problema da urgência. O problema de fundo, se o quisermos discutir aprofundadamente, e se disso tivermos necessidade, fá-lo-emos a seu tempo, sem receio e com & seriedade e serenidade que são necessárias a todos os problemas criminais e às suas punições.
Vamos votar favoravelmente a urgência que nos é solicitada e são várias as razões que nos conduzem a essa posição.
A autorização legislativa que nos é pedida destina-se a poder vir a definir, em geral, ilícitos criminais ou contravencionais, no exercício da actividade legislativa do Governo, e respectivas punições. Ilícitos criminais ou contravencionais novos, ainda não previstos em lei própria, nomeadamente no Código Penal ou em diploma semelhante.
Esta autorização legislativa genérica é habitual, como bem se diz na nota justificativa que precede a proposta de lei, habitual não por vício do Governo ou desejo de usurpar funções, mas antes, e tão-só, por necessidade: a necessidade de legislar nesta matéria é, as mais das vezes, senão sempre, tão urgente que não se compadece com o ainda moroso processo normal legislativo desta Câmara. Daí a compreensão da urgência que nos é solicitada.

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O Governo, no exercício da actividade legislativa que lhe é própria e permanente, não pode estar à espera, caso a caso, da apreciação normal desta Câmara de uma definição de um acto ilícito criminal ou de uma nova contravenção. Para o Governo há como que uma necessidade permanente de ter à mão um instrumento legal que lhe permita classificar de imediato como crime ou contravenção determinada actuação de um cidadão que se encontre divorciado da ordem geral do País e aplicar-lhe a devida sanção.
Não pode o Governo estar à espera que esta Câmara, caso por caso, lhe dê autorização legislativa especial para esse efeito e, menos ainda, estar à espera que esta Assembleia se pronuncie, em processo normal, pela justeza ou injusteza da definição de novo tipo criminal e da sua punição.
Daqui o carácter habitual de autorizações genéricas em matérias deste sector. Daqui igualmente a urgência que nos é pedida para este diploma, com este governo ou com qualquer outro governo, seja qual ele for, desde que seja democrático.
É evidente que o Governo, com este diploma e com este pedido de urgência, não pretende um cheque em branco passado por esta Assembleia. Em democracia, os governos nunca têm cheques em branco. Cheques em branco só os têm os governos totalitários, que nada têm de pedir aos representantes do povo e ao qual não só não prestam contas como nem sequer admitem que lhas peçam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo o que pretende é autorização para legislar em matérias novas, em novos tipos de ilícitos criminais ou contravencionais. necessariamente à medida do que lhe for preciso. Essa autorização, apesar de vir rotulada como genérica, é para actualmente de parâmetros determinados.
Esses parâmetros vêm claramente marcados na proposta de lei e de modo nenhum assustam os que estão habituados a estas matérias. São sensivelmente aquilo a que, na técnica do novo Código Penal, corresponde às balizas do processo correccional.
O pedido de autorização legislativa que nos é feito, e cuja urgência agora nos é colocada, é uma medida indispensável para assegurar a função governativa. Nos mais variados sectores da sua actividade o Governo precisa de ter o poder de dizer que, quando impõe uma actuação ou proíbe outra, tal permissão ou abstenção são passíveis de sanção adequada. Se esta Câmara lhe recusa o que ele agora pede, bem podemos dizer que, em larga medida, o impediremos praticamente de governar. Será isso que porventura alguns querem: mas são muito poucos, pois não é isso o que a maioria esmagadora desta Câmara pretende.
O Governo, como diz, não deixará de fazer um uso comedido da autorização genérica que agora solicita. Acreditamos que assim será, e todos nós sabemos que, se assim não for, esta Câmara tem poderes para imediatamente travar essa eventual actuação excessiva ou reprovável. Também esta possibilidade nos distingue dos outros, em que o Governo não é fiscalizado nem pode ser nunca travado por quem quer que seja. Mais uma vez é a democracia a impor a sua vontade e o seu significado.
Tudo isto basta para nosso sossego e, por isso, vamos votar favoravelmente.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos, a fim de formularem pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados José Magalhães, José Manuel Mendes, António Taborda e Magalhães Mota.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, mas informo-o de que dispõe apenas de 1 minuto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Montalvão Machado, há algo que me surpreende na intervenção que acaba de produzir.
Em primeiro lugar, sustentou V. Ex.ª que o Governo tem uma necessidade permanente de ter à mão instrumentos que lhe permitam criar novos ilícitos criminais -presumo que se trata de ilícitos criminais, pois de outra forma não faria qualquer sentido- sem esperar por autorização legislativa específica. Sucede que, neste momento, o Governo pode criar ilícitos contra-ordenacionais e até -há quem o sustente, como o Sr. Deputado muito bem sabe - ilícitos contravencionais. Está-lhe apenas vedado criar crimes e penas correspondentes. Isto significa que o Governo não está desarmado para exercer a sua função. Mas se o Sr. Deputado entende que o Governo deve poder ter à mão a possibilidade permanente de criar ilícitos criminais, resta-lhe propor em sede própria - isto é, em sede de revisão constitucional - que tal possibilidade seja aditada à Constituição: só que, no actual momento, isso não é possível.
Pergunto-lhe se não admite este raciocínio, que nos parece inultrapassável, e como é que pode, com tanta serenidade e simplicidade, sustentar precisamente o contrário. Ficamos perplexos.
Em segundo lugar, afirmou que, as mais das vezes, isto é tão urgente que não se compadece com a morosidade do processo legislativo: é uma medida indispensável para assegurar a função governativa. Pergunto-lhe se realmente a experiência anterior corrobora essa afirmação.
O Governo apresentou-nos um pedido de autorização legislativa em Junho, que deu origem à Lei n.º 27/83. O Sr. Deputado sabe, tão bem como eu, que até agora isso originou 6 diplomas. Mas o que mais suscita perplexidade em tais diplomas é que, porventura com excepção da lei sobre o lay-off, nenhum deles se pode qualificar como o Sr. Deputado os qualificou, isto é, como legislação em que a utilização de autorização legislativa surge subsidiariamente, exercendo o Governo a sua competência própria, estabelecendo certas normas e, depois, cominando sanções para garantir a sua efectivação. Todos eles são diplomas que nada têm a ver com isto e através dos quais o Governo até ousou alterar frontalmente o Código Penal, ao contrário do que o Sr. Deputado parecia pressupor na sua intervenção.
Perguntamos-lhe se isto que tem sido o uso prova a necessidade que o Sr. Deputado exaustivamente invocou aqui. Quanto a nós, além de nada provar, até prova o contrário, ou seja, prova que o Governo não usa este tipo de autorizações para aquilo que invoca, mas precisamente para o contrário, o que, num governo que tem uma política criminal, como a que

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este parece ter, de criação de instrumentos repressivos crescentes à margem da Assembleia, é muito grave e preocupante.
Finalmente, o seu argumento de que com um governo democrático num regime democrático não há autorizações em branco prova, porventura, demasiado?! A Constituição não se basta com isto, estabelecendo o artigo 168.º um conjunto de regras bem apertadas que, independentemente da superdemocraticidade ou infrademocraticidade do Governo, impede que lhe sejam concedidas autorizações.
Por isso, colocadas todas estas questões, pergunto-lhe se realmente encontra razões para eu ter o sossego que invocou no termo da sua intervenção. Em nossa opinião não há qualquer razão para o sossego e há iodas as razões para o desassossego, acrescidas por esta insólita urgência.

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Montalvão Machado, como há mais oradores inscritos, pergunto se deseja responder já ou no fim.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Manuel Mendes inscreveu-se para pedir esclarecimentos. Acontece, porém, que não dispõe de tempo e, portanto, não lhe poderei conceder a palavra.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Deputado Montalvão Machado, V. Ex.ª disse que iria só falar na questão da urgência e que o fundo do problema poderia ser discutido aprofundadamente na altura própria.
Gostaria de saber se V. Ex.ª não entende que o próprio processo de urgência não deixa que a Assembleia possa discutir aprofundadamente o problema, isto é, se não põe determinadas baias muito estreitas para a discussão. De resto, parece que -e é óbvio - não foi ainda definido qual é o processo de urgência, se é o supletivo, se e outro qualquer.
De todo o modo, a parte que mais me impressionou da sua intervenção diz respeito a uma determinada concepção filosófica e política da actuação de vários órgãos de soberania. V. Ex.ª disse que o Governo tinha absoluta necessidade desta autorização legislativa para legislar continuamente sobre a criação de ilícitos penais, porque a própria acção governativa necessitava de, permanentemente, poder dispor deste instrumento para uma melhor eficácia.
V. Ex.ª sabe que não é esse o nosso quadro constitucional, sabe que é da competência reservada da Assembleia a criação de ilícitos criminais e que ao Governo compete, em princípio e dentro da sua actividade mais executiva do que legislativa, criar ilícitos administrativos, chamemos-lhe assim, e não criminais. Daí, talvez a necessidade de se modificar o artigo respectivo da Constituição.
Por outro lado, V. Ex.ª disse que o Governo irá fazer o uso comedido desta autorização legislativa. Como sabe, a norma só não é completamente em branco na parte da dosimetria das penas.
O Sr. Deputado tem confiança no Governo e, portanto, acha que ele poderá fazer um uso comedido. Mas, dada a norma em branco, como é que o cidadão ou qualquer deputado desta Assembleia que não pertença à maioria poderá saber de antemão, para além do aspecto da confiança partidária e política, que esse uso irá ser comedido?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota

O Sr. Magalhães Mota (ASDI):- Sr. Deputado Montalvão Machado, a sua intervenção acrescentou algumas perplexidades àquelas que eu já tinha.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, a Assembleia cia República votou, por unanimidade, as alíneas c) e d) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 168.º da Constituição ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... que V. Ex.ª, e de uma só penada, parecia ignorar todos juntos e ao mesmo tempo. Este é, portanto, o meu primeiro motivo de perplexidade.
Mas um segundo se lhe acrescenta: é que quando o Governo nos solicita um pedido de autorização cujo objecto não é definido, isto é, que não se sabe para quê, V. Ex.ª vem acrescentar-lhe que ele é urgente, também sem saber para quê. Quer dizer, a Assembleia da República deveria conceder uma autorização sem saber a que se destina, mas rapidamente porque pode ser precisa se por acaso se vier a saber para quê chi e necessária.
Terceira perplexidade ainda: V. Ex.ª parece supor que a política criminal deste Governo é determinada não pelo próprio Governo, mas pela prática de actos ilícitos na nossa vida social. Ou seja, o Governo não seria governante, mas governado, pelo menos em termos de política criminal; verificaria práticas que ele considera delituosas depois de elas se terem verificado. Por isso, é incapaz de prever situações. A seguir a elas vinha reagir, criava um ilícito criminal e então dizia «daqui para o futuro estamos prevenidos».
Quarta perplexidade ainda: o Sr. Deputado integra-se na maioria que apoia o Governo e diz-nos que- ele está desarmado. Diz-nos que este governo está paralisado e incapaz de actuar porque não dispõe deste instrumento, que é esta autorização legislativa urgente, necessária, absolutamente imprescindível. Será uma crítica, Sr. Deputado Montalvão Machado?

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - O Sr. José Magalhães veio falar no meu sossego e faz bem, porque, efectivamente, quando estou sossegado C- sinal de que V. Ex.ª está desassossegado e quando V. Ex.ª está sossegado estou eu desassossegado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É um caso de sado-masoquismo!

O Orador: - Ora, é isso que efectivamente nos diverte. São concepções diferentes da vida e da socie-

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clade. É um problema de sossego só com uma diferença: é que eu estou muito mais vezes sossegado do que V. Ex.ª

O Sr. José Magalhães (PCP): - Lá saberá!

O Orador: - Não falei aqui noutra coisa - e muito claramente- que não fosse o facto de esta autorização legislativa pretender atribuir ao Governo o poder de criar novos tipos de ilícitos criminais quando eles surgirem como necessidade da sua actividade legislativa própria. Foi isto que disse, mantenho, repito e não retiro.
O Governo não vai, como já disse, receber um cheque em branco. Disse aqui que o Governo vai agir tal como diz na nota explicativa inicial da proposta de lei, isto é, vai agir comedidamente.

O Sr. José Magalhães (PCP):- Vê-se pelos antecedentes!

O Orador: - E eu acredito nisso precisamente porque as autorizações legislativas são para ser usadas à medida que forem precisas. Se o Governo não precisar até nem a vai utilizar. Se precisar de utilizá-la muito vai utilizá-la muito e se precisar de utilizá-la pouco vai utilizá-la pouco.
Com governos democráticos, como disse há pouco, não há cheques em branco, porque os governos estão sujeitos a uma fiscalização de uma Assembleia da República - como é a nossa -, que tem, sempre que quiser, o direito de lhe ir à mão, de lhe pedir contas, de suspender aquilo que põe em execução, de chamá-lo aqui à Assembleia, reviver o assunto, tornar a discuti-lo e, porventura, derrubá-lo. É isto que não existe em muitos outros países, como V. Ex.ª sabe, e de que, porventura, gosta mais do que eu.
Em relação ao Sr. Deputado António Taborda, vem V Ex.ª fazer reviver a questão que há tempos foi aqui posta em discussão, ou seja, os problemas da urgência e do fundo das questões, ou seja, se não há que entrar também no fundo da questão quando se fala da urgência.
Efectivamente, entendo que são dois momentos diferentes, embora possa aceitar -e aceito- que para discutir seriamente a urgência há que entrar um pouco no fundo da questão. E, de facto, não deixei de o fazer, juntamente com a promessa solene, que mantenho, de que se quisermos e for preciso entrar no fundo da questão - inclusive no ponto de vista constitucional - a seu tempo o faremos, porque o podemos fazer, mas não neste momento, do problema da urgência.
Disse também V. Ex.ª, se bem entendi, que estas autorizações legislativas são como que uma demissão, digamos assim, da função legislativa desta Câmara para com o Governo, ou seja, que há como que uma intromissão das funções específicas dos órgãos de soberania.
Em princípio concordo com V. Ex.ª em como as autorizações legislativas devem ser excepcionais e não regra geral. É evidente! Mas quando nós, Assembleia da República, formos capazes, através de um regimento capaz, de um regimento que sirva os interesses do País que servimos, de fazer diplomas legais em 2 ou 3 dias, em vez de andar aqui anos seguidos para discutir um diploma com um artigo único, então, necessariamente, o Governo terá muito menos necessidade de pedir autorizações legislativas e nós teremos muito mais razões para não lhas conceder.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Enquanto tivermos este Regimento, enquanto tivermos aqui «pendurados» -desculpem a expressão - projectos de lei que cá andam há anos e que daqui não saem por culpa da morosidade dos nossos trabalhos e por o Regimento ser tão antiquado e anquilosado que não produz coisa nenhuma, o Governo tem que estar, necessariamente, a pedir autorizações legislativas para estas coisas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O melhor é fechar a Assembleia!

O Orador: - O Governo promete que vai fazer um uso comedido desta autorização legislativa e aqui é caso para se dizer que se é preso por ter cão e preso por não ter.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Da parte do Partido Comunista dizem-me: «Em Junho foi-lhe concedida uma autorização legislativa e aqui d'El-Rei, ou aqui Presidente da República, que só produziu 3 ou 4 diplomas.»

O Sr. José Magalhães (PCP): - Abusivos!

O Orador: -Disse eu há pouco que o Governo não produziu mais porque não precisou. O Governo vai fazer um uso comedido desta medida e acredito nisso porque tenho confiança no Governo e me integro numa maioria que é o sustentáculo desse Governo. V. Ex.ª está integrado numa pequena minoria, não tem essa confiança no Governo e por isso as nossas posições são antagónicas.
Por último e em relação ao Sr. Deputado Magalhães Mota, consegui uma coisa extraordinária: considero tão difícil, tão difícil, tão difícil, aumentar as perplexidades do Sr. Deputado Magalhães Mota, mas afinal parece que o consegui fazer.
Não vou aqui discutir, Sr. Deputado, como é evidente, o problema da base constitucional deste pedido. Isso fica para o fundo da questão. Vou apenas dizer-lhe que a política criminal e sempre ditada, a meu ver, pelos comportamentos das sociedades e pelas exigências em cada momento, em cada hora, às vezes. Não em períodos longos, mas sim em período curtos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Para um curto protesto, Sr. Presidente, com base em tempo que me tinha sido cedido há pouco pelos Srs. Deputados do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - E brevíssimo, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Montalvão Machado expôs à Câmara a seguinte filosofia, em dois graus, por assim dizer.
Primeiro, que o Governo precisa muito de criar novos ilícitos criminais» e como isso é da competência reservada - reservadíssima- da Assembleia da República para garantia dos direitos dos cidadãos não faz mal, concedem-se-lhe alterações genéricas, embora elas sejam expressamente vedadas pela Constituição, numa disposição que foi aprovada por unanimidade na recente revisão constitucional. «Não faz mal, o Governo e democrático, tenho confiança nele, estou sossegado, sossegados estamos todos!» Digamos que, como filosofia, é preocupante, para lhe chamarmos filosofia.
Em segundo lugar, isto é «necessário» porque a Assembleia da República é «paralítica», pois andam por aqui iniciativas anos e anos sem serem discutidas e o culpado é o Regimento, que é mau!
Creio que este segundo grau do raciocínio que o Sr. Deputado expendeu ainda é mais censurável que o primeiro. E isto porque se há alguma coisa paralisada são as iniciativas da oposição que, para as fazer debater, tem recorrido sistematicamente ao seu direito de marcação de ordem do dia, esgotando-o, enquanto que o Governo ou os partidos governamentais o bloqueiam, mas bloqueiam-no secamente; aplicam o ferrolho da maneira menos imaginativa que é possível conceber, ao mesmo tempo que não accionam os mecanismos que têm para debater as propostas e projectos ou, quando o fazem, é para aprovar a «linda» legislação que tem estado à vista, com 3 excepções. Não marcaram ordens do dia, nem accionam sequer os mecanismos regimentais de que dispõem.
O Sr. Deputado e «pai» de um projecto - aliás, muito bem lhe fica - que anda para aqui para debate ha anos, que inclusivamente recebeu agora a prevenção crítica de várias associações da sua área política, considerando-o bastante perigoso e pernicioso - e, portanto, este tempo de espera até foi bom para agudizar a reflexão. Mal teria sido se ele tivesse sido aprovado de um momento para o outro. Enfim, o Sr. Deputado e «pai» de um projecto, tem as «dores de pai», mas devo dizer-lhe que o senhor não accionou os mecanismos que estão ao seu dispor e se a culpa é de alguém ou de alguma coisa, ela será da direcção do seu grupo parlamentar, não do Regimento da Assembleia da República.
Posto isto, Sr. Deputado Montalvão Machado, sossego, cada qual tem o que tiver, quem o tem chama-lhe seu. Porém, o sossego do Sr. Deputado Montalvão Machado parece-nos particularmente sossegado, mas muito inquietante - não o queremos para nós, muito obrigado!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Montalvão Machado pretende contraprotestar?

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Muito brevemente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Tose Magalhães, eu não disse em parte nenhuma da minha intervenção que o Governo precisa muito de criar novos tipos criminais. Não disse!

O Sr. José Magalhães (PCP): - De lei a possibilidade de ...

O Orador: - Não, Sr. Deputado. O que eu disse foi uma coisa totalmente diferente e vamos a ver se, de uma vez por todas, tiramos a «cera dos ouvidos», de modo a ouvirmos correctamente aquilo que todos nós dizemos uns aos outros.
O que disse foi que o Governo precisa de ter a possibilidade de, sempre que seja necessário...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não pode!

O Orador: - ... criar novos tipos criminais.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Constitucionalmente não pode, Sr. Deputado!

O Orador: - Se constitucionalmente pode ou não pode, e outro problema que neste momento não estou a discutir.

O Sr. José Magalhães (PCP):- Mas é a questão chave, Sr. Deputado!

O Orador: - Neste momento estamos a discutir a urgência e não o fundo do problema.
Quanto à paralização dos trabalhos desta Câmara, e V. Ex.ª trouxe à colação um projecto meu que anda para aí há anos e ao qual o Sr. Deputado me atribui u paternidade - e do qual, efectivamente, sou «pai» -, veja V. Ex.ª como sou independente e como o meu partido e o meu grupo parlamentar são independentes! Ate nem nos importamos com as críticas que pessoas da nossa área, ou da vossa área, dirijam a esse diploma! Tenho recebido críticas de um lado e de outro. Recebo-as democraticamente e respondo-lhes também democraticamente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas a culpa não é do Regimento!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Pura uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É uma intervenção curta que queremos fazer neste debate e que vai, fundamentalmente, no sentido de esclarecer o alcance do nosso voto.
A posição do CDS nesta matéria do pedido de urgência será tomada em coerência com aquela que aqui tivemos quando se discutiu a admissibilidade do pedido de autorização legislativa.
Então o meu colega de bancada Luís Beiroco tornou claro que o pedido de autorização legislativa era inconstitucional porque o seu sentido não estava mi-

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nimamente esclarecido e, portanto, não obedecia ao que se dispõe no artigo 168.º, n.º 2, da Constituição.
Suponho que este mesmo sentimento, que não obteve então vencimento na Câmara, é o sentimento do Governo. E, independentemente de dar razão ao aforismo do «preso por ter cão, preso por o não ter», não posso deixar de tomar em consideração a expressão da consciência de culpa que tem o Governo ao afirmar na nota justificativa do diploma que apresentou que «não deixará de fazer uso comedido da autorização legislativa».
Porquê esta confissão? Porquê esta promessa de fazer uso comedido se a autorização fosse realmente correcta e fosse constitucionalmente conferida? Não e o caso, e por isso tem de se fazer uma promessa de uso comedido! Mas aí, peço desculpas ao Sr. Deputado Montalvão Machado, mas nós não temos, obviamente, a mesma opinião sobre o Governo daquela que tem a maioria que o apoia! Desconfiamos do Governo e não lhe manifestamos confiança!
Nós, aliás, fundados no uso que foi feito pelo Governo de anterior autorização legislativa do mesmo tipo -ela própria já inconstitucional- conferida na passada sessão, lemos todas as razões para desconfiar de que não vai ser comedida a utilização que o Governo vai fazer desta autorização legislativa.
Por outro lado, Sr. Deputado Montalvão Machado, consideramos, na linha do que foi aqui defendido pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, que é completamente incompatível a noção de urgência com o carácter genérico que tem a autorização legislativa. É legítimo perguntar urgência para quê! Contudo, não se sabe para quê!
Finalmente, e em relação às intervenções aqui produzidas pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, gostaria de salientar o seguinte. O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares garantiu-nos aqui que esta autorização não seria utilizada para alterar o Código Penal. E eu pergunto, Sr. Secretário de Estado: o que e que nos garante na redacção do pedido de autorização legislativa que realmente não irá ser assim? Será a sua alínea b) que nos garante que não irá ser assim? Suponho que não, Sr. Secretário de Estado! E o que é que nos garante, na prática anterior do Governo, que não vai ser assim? Não foi a anterior autorização legislativa a que me referi utilizada precisamente para alterar ilícitos referidos no Código Penal?
Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, era esta a pergunta que queria deixar feita a V. Ex.ª nesta minha intervenção.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, não gostaria de deixar sem resposta a insistente pergunta que o Sr. Deputado Nogueira de Brito me dirigiu, ate porque a resposta que lhe gostaria de dar é muito sucinta.
Quando se tratar de discutir a questão de fundo, como V. Ex.ª sabe melhor do que eu, é à Câmara que compete definir os limites da autorização legislativa. Basta que V. Ex.ª proponha que não pode ser utilizada a referida autorização legislativa para efeitos de alteração do Código Penal. Se a sua proposta obtiver vencimento, tal facto passará a constituir um limite inultrapassável da utilização da autorização legislativa pelo Governo e, consequentemente, essa é uma proposta possível, essa e também a intenção do Governo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que neste momento do debate e possível estabelecermos algum enquadramento para o pedido que nos e formulado pelo Governo.
Soubemos, a propósito do pedido de admissão, que não era possível ao Governo definir com antecipação o objecto desta autorização legislativa. Ou seja, que o Governo não estava em condições de cumprir o n.º 2 do artigo 168.º da Constituição. Soubemos, pela própria nota justificativa - como ainda há pouco foi salientado pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito -, que o Governo Lambem não está em condições de definir a extensão da autorização legislativa quo nos pede. Por isso quer usá-la comedidamente.
Sabemos que à Assembleia da República, ao distinguir as alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição, atribui-se a possibilidade de ser cia a definir os crimes, as penas e as medidas de segurança e atribui ao Governo a possibilidade de definir actos ilícitos de mera ordenação social. Isto é, o que o Governo pretende, de uma penada, através desta autorização legislativa, é - e ainda por cima de modo urgente e enviesado - uma revisão deste preceito constitucional, visto que a Assembleia da República se esvaziaria, progressivamente, por delegação, da sua competência para a definição de crimes, de penas e de medidas de segurança.
E o Governo acrescenta mais: a sua impossibilidade de governar sem este instrumento, ou seja, diz-nos que a actual Constituição, ou pelo menos, a alínea c) do n.º 1 do artigo 168.º, lhe não serve.
Bom era que o dissesse de modo mais claro, porque nem se diga que é o processo de fiscalização a posteriori que resolve as situações. Estamos um pouco na linha do condutor imprevidente que dizia que todos os dias ultrapassava todos os sinais vermelhos, porque de duas uma: ou chocava ou o polícia o multava. Não creio que esta .seja uma atitude prudente ou legítima dentro do Código da Estrada, menos ainda o será para um governo dentro da Constituição.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, no fundo o que aqui está em causa e também a subversão de uma política criminal por parte do Governo ou um modo também enviesado, de confessar não a ter. Em primeiro lugar, porque nos é pedida a autorização, e autorização urgente, para estabelecer novas contravenções. Quer dizer, acabou-se a dicotomia entre o direito criminal e o regime de mera ordenação e volta a criar-se, para além do regime transitório já definido como um mal pela maior parte dos penalistas, novo regime contravencional. Quer-se uma autorização para ainda estabelecer mais contravenções, para ainda estabelecer mais confusão.
Estamos ainda longe de uma política criminal definida. Ou seja, quando devemos entender que uma política criminal, numa sociedade aberta, implica consensos sociais, um processo legislativo ponderado e, por isso, a competência da Assembleia, da República

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nessa matéria, o Governo o que pretende e legislar ad hoc, caso a caso, de momento a momento, e introduzir novos ilícitos penais, ou seja, uma política criminal que não tem horizontes, que não tem definição, que não tem enquadramento.
Para além disto tudo, ainda nos e pedida urgência. Urgência não para a discussão acelerada do processo, mas para a redução deste debate a limites que não permitam aprofundá-lo.
Creio, com tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que se consideramos, e continuamos a considerar, a proposta como inconstitucional, se nenhum elemento temos que nos permita saber para quo entende o Governo esta autorização, menos ainda podemos conceder-lhe urgência que nenhuma razão tem por justificável.
Por isso, votaremos contra o pedido de urgência que nos é apresentado.

O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, vamos proceder à votação do pedido de urgência solicitado pelo Governo através da proposta de lei n.º 63/III.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do PSD e votos contra do PCP, do CDS. do MDP/CDE e da ASDI.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, é para requerer à Mesa a verificação do quórum.

Vozes do PSD: - É tarde!

O Orador: - Nem é tarde, nem é cedo, è agora! Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para requerer a verificação do voto?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para que efeito está a pedir a palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, para requerer que o quórum seja avaliado e contado por grupos parlamentares.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se a essa verificação, Sr. Deputado.

O Sr. Ribeiro de Almeida (PSD): - Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito está a pedir a palavra. Sr. Deputado?

O Sr. Ribeiro de Almeida (PSD): - Apenas para dizer que vamos fazer a contagem de um quórum que deveria ter sido requerida imediatamente antes da votação. É um péssimo precedente, sabendo-se que depois da votação se verificam muitas vezes ausências da Sala, se contarmos a posteriori um quórum depois de ter sido feita uma votação.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida, o que foi requerido não vai, certamente, implicar com a decisão já tomada, que transitou.
Mas é sempre possível saber qual é o quórum.
Foi requerido e a Mesa vai necessariamente contar o número de senhores deputados presentes, porque pode haver, de imediato, outras votações.
A Mesa vai proceder à contagem dos votos, não para justificar a votação feita - porque essa transitou -, mas apenas, e tão-só, para se assegurar quanto a votações futuras.

O Sr. Ribeiro de Almeida (PSD): -Sr. Presidente, se me permite, queria dizer a V. Ex.ª que era exactamente no sentido de ser esclarecido no entendimento, quanto a nós perfeitamente certo, que V. Ex.ª acaba de expressar, que me permiti solicitar a palavra e levantar as questões nos precisos termos em que o fiz.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.

Pausa.

Srs. Deputados, a Mesa verificou que neste momento não existe quórum para votação. Com efeito, estão presentes 7 Srs. Deputados do CDS, 29 do PSD, 50 do PS, 18 do PCP, 2 da ASDI, 1 do MDP/CDE e nenhum da UEDS e também não se encontra presente o Sr. Deputado Independente António Gonzalez.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, pretendo interpelar a Mesa.
V. Ex.ª afirmou há pouco que a votação estava transitada. Portanto, a verificação do quórum não tinha, em relação a ela, quaisquer efeitos.
Pergunto, pois, se V. Ex.ª ou a Mesa presidida por V. Ex.ª teve o cuidado de verificar a existência de quórum antes da votação, como e dever e obrigação da Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, efectivamente a Mesa não teve esse cuidado.

O Orador: - A Mesa pode garantir-me que a votação foi feita existindo quórum e que, portanto, e válida?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não lhe dou essa garantia, precisamente porque a Mesa se não deu a esse cuidado, uma vez que habitualmente não o fazemos.

Pausa.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito está a pedir a palavra?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, eu coloco à- Mesa, como tal, e à Câmara a seguinte questão: a solução que melhor salvaguardaria a regularidade do Funcionamento da Câmara e o próprio prestígio da Assembleia não - seria - como tem sido interpretação constante- considerar-se que a suspeição e até a evidência da falta de quórum acarreta a realidade absoluta e insuprível de qualquer deliberação?
É simplicíssimo repetir a votação na própria reunião plenária, pois nessa altura já haverá quórum, até porque será necessário votar as alterações ao Regimento por maioria qualificada. Ultrapassávamos, assim, rapidamente este incidente e a questão ficaria resolvida, cremos que de forma sã e escorreita, sem deixar no ar qualquer suspeição.

Pausa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado está a pedir a palavra para lançar alguma luz sobre a questão agora proposta pelo Sr. Deputado José Magalhães e que esteve a ser apreciada pela Mesa?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, antes de me pronunciar gostava de ouvir primeiro a opinião da Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estamos a tentar encontrar o consenso necessário para este efeito.

Pausa.

Srs. Deputados, a Mesa entende que foi efectivamente encerrada a discussão deste pedido de urgência. Mas porque isto pode porventura levantar outras questões e, sobretudo, levantar em relação às deliberações aqui tomadas alguma dúvida quanto à idoneidade com que as mesmas são tomadas, a Mesa entende que a votação do diploma em causa deverá ser repelida em próxima ocasião. Esta é a posição maioritária da Mesa.

Vozes do PCP e do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para dar a minha concordância à decisão da Mesa, na medida em que é melhor confirmar em segunda votação um diploma já votado do que deixar pairar dúvidas sobre a autenticidade da votação efectuada.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Se não houver objecções a esta proposta do Sr. Deputado Carlos Lage, procederíamos a uma segunda votação.

O Sr. Ribeiro de Almeida (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Ribeiro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para esclarecer a Câmara de que o meu grupo parlamentar considera um péssimo, precedente que questões desta natureza, depois de votadas, sejam objecto de censuras que não permitem, de maneira nenhuma, estabelecer em definitivo que houve alguma irregularidade que ferisse a votação feita.
Porque se e certo que não havia quórum a seguir à votação, alguns minutos depois dela, quando o Sr. Deputado do CDS fez o pedido, também ele não fez a demonstração de que o quórum não existia no momento da votação.
Em todo o caso, porque compreendemos a razão de melindre que pode envolver um problema desta natureza, porque pesam perfeitamente no nosso espírito as razões invocadas pelo Sr. Deputado Carlos Lage, a título absolutamente excepcional e em que isso constitua precedente para o nosso grupo parlamentar, porque não o deve constituir para a Câmara, aderimos à posição anunciada pelo Sr. Deputado Carlos Lage, que merece a nossa inteira concordância.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero prestar o seguinte esclarecimento em relação à intervenção do Sr. Deputado do PSD: o nosso pedido de contagem da votação é complementar das funções que cabem exercer à Mesa e foi exercido não mediando alguns minutos após a votação, mas mediando alguns segundos.
De qualquer maneira, era bom que à inconstitucionalidade material que vai ferir esta autorização não se somasse também uma flagrante inconstitucionalidade formal. Por isso, achamos que foi bem avisada a decisão da Mesa presidida por V. Ex.ª

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como neste momento ainda não se verifica quórum, pois estão presentes apenas 121 senhores deputados, não podemos proceder a esta votação, pelo que ficará para uma próxima reunião.
Srs. Deputado, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Deu entrada nu Mesa o seguinte diploma: projecto de resolução tendente à adopção das medidas necessárias ao pleno cumprimento dos regimes de remuneração dos médicos dos ex-Serviços Médico-Sociais, apresentado pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro e outros, do PCP.

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Deu ainda entrada na Mesa um recurso acerca da admissão do projecto de resolução n.º 24/III, relativo à adopção de medidas financeiras, técnicas e administrativas necessárias ao prosseguimento e conclusão do empreendimento do Alqueva, apresentado pelo Sr. Deputado Magalhães Mota e outros, da ASDI.
Deram igualmente entrada na Mesa os seguintes projectos de lei: n.º 318/III, da iniciativa do Sr. Deputado Fernando Condesso e outros, do PSD, relativo à protecção aos animais, que foi admitido e baixou à 1.ª Comissão; n.º 319/III, da iniciativa dos mesmos senhores deputados, que diz respeito à lei quadro da criação de regiões vitivinícolas demarcadas, que foi admitido e baixou à 6.ª Comissão; n.º 320/III, da iniciativa do Sr. Deputado José Luís Nunes e outros, do PS e do PSD, sobre o estatuto patrimonial do Presidente da República, que foi admitido e baixou à 1.ª Comissão; n.º 321/III, apresentado pela Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura e outros, do MDP/CDE, relativo à lei quadro da autonomia universitária, que foi admitido e baixou à 4.ª Comissão.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não sei se por lapso meu ou se por lapso de leitura da Mesa, mas não o ouvi mencionar dois projectos de lei que o meu partido hoje entregou na Mesa, um sobre garantia do direito de associação para os estudantes do ensino secundário e outro sobre defesa e garantia do direito de associação no ensino superior. Não sei se foi por lapso da Mesa ou por lapso de audição da minha parte.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, os projectos de lei que acabou de mencionar foram agora mesmo apresentados na Mesa, depois de terem passado pelo respectivo serviço. Vamos de imediato proceder à sua apresentação.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas):- São os seguintes os projectos de lei apresentados na Mesa que restam enunciar: projecto de lei n.º 322/III - garantia e defesa dos direitos das associações de estudantes do ensino médio e superior -, que foi admitido e baixou à 4.ª Comissão; projecto de lei n.º 323/III -garantia do direito de associação nas escolas secundárias -, que foi admitido e baixou à 4.ª Comissão, e projecto de lei n.º 324/III -regulamentação da utilização de aditivos alimentares -, da iniciativa do PS e do PSD, e cujo primeiro subscritor é o Sr. Deputado Leonel Fadigas. Os dois primeiros projectos de lei enunciados são da iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP e tem como primeiro subscritor o Sr. Deputado Paulo Areosa Feio.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima sessão plenária terá lugar no dia 25 de Abril, às 16 horas, a fim de se realizar a cerimónia solene comemorativa do 10.º aniversário da revolução de 25 de Abril de 1974. Para a sessão do dia 26 de Abril, marcada para as 15 horas, a ordem do dia é constituída pela interpelação ao Governo centrada sobre a opção nuclear, suscitada pelo MDP/CDE.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Comunista Português (PCP):

João António Torrinhas Paulo.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Jorge Alberto Santos Correia.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Maria Helena Valente Rosa.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Pereira Lopes.
José Vargas Bulcão.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Pedro Paulo Carvalho Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

António José de Castro Bagão Félix.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Horácio Alves Marçal.
João António de Morais Silva Leitão.
João Gomes de Abreu Lima.
José Luís Cruz Vilaça.
Narana Sinai Coissoró.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

Octávio Luís Ribeiro da Cunha.

Os REDACTORES: Cacilda Nordeste - Carlos Pinto da Cruz.

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IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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