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I Série - Número 99

Quinta-feira, 3 de Maio de 1984

DIÁRIO Da Assembleia da República

III LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE MAIO DE 1984

Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais

Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomos
José Manuel Maia Nunes do Almeida
Manuel António do Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão e votação na generalidade dos projectos de lei n.º 169/III (UEDS), 302/III (CDS) e 506/III (PS/PSD), sobre consultas directas aos cidadãos eleitores, que foram aprovados.
Intervieram, a diverso titulo, os Srs. Deputados Lopes Cardoso (UEDS), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Margarida Salema (PSD), António Taborda (MDP/CDE), Nogueira de Brito (CDS), Silva Marques e Marques Mendes (PSD), João Amaral (PCP), Hasse Ferreira (UEDS), Narana Coissoró (CDS), Vilhena de Carvalho (ASDI), Azevedo Soares e José Moniz (CDS), Carlos Lage (PS), Fernando Condesso (PSD) e José Luis Nunes (PS).
Os diplomas baixaram depois a uma comissão eventual para apreciação na especialidade, tendo, a propósito da constituição da mesma, produzido declarações de voto os Srs. Deputados Jorge Lemos (PCP) e Carlos Lage (PS).
Entretanto, o Sr. Deputado José Vitorino (PSD) interpelou a Mesa sobre o estado de saúde do ciclista Joaquim Agostinho, no que foi secundado pelos Srs. Deputados José Luis Nunes (PS), Nogueira de Brito (CDS), Jorge Lemos e Manuel Fernandes (PCP), António Taborda (MDP/CDE), Octávio Cunha (UEDS) e Roque Lino (PS).
Por fim, a Câmara concedeu urgência para a discussão da proposta de lei n.º 63/III, que autoriza o Governo a legislar no sentido de definir, em geral, ilícitos criminais e penais, tendo produzido declaração de voto o Sr. Deputado José Manuel Mendes (PCP).
Foi ainda aprovado Um requerimento sobre a tramitação do processo de urgência da referida proposta de lei. Produziram declarações de voto os Srs. Deputados José Magalhães (PCP) e Carlos Lage (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Henrique N. Conceição.
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alexandre Monteiro António.
Almerindo da Silva Marques.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António José Santos Meira.
António Manuel do Carmo Saleiro.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Belmiro Moita da Costa.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Eurico Faustino Correia.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.

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Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Hermínio Martins de Oliveira
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Leitão Ribeiro Arenga.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja S. dos Reis Borges.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luís do Amaral Nunes.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Martins Pires.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Paulo Manuel de Barros Barral.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
Anacleto da Silva Batista.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Maria de Orneias Ourique Mendes
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís António Pires Batista.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Victor Manuel Ascenção Mota.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida
José Manuel Santos Magalhães.
Lino Paz Paulo Bicho.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.

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Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Simões Areosa Feio.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Gomes de Pinho.
António José de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
José António de Morais Sarmento Moniz.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
José Vieira de Carvalho.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte Coes.
Narana Sinai Coissoró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Monteiro Taborda.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Alfredo Cruz Ribeiro Viana.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em virtude do acordo estabelecido entre todos os grupos e agrupamentos parlamentares, a ordem do dia de hoje foi alterada. Portanto, vamos passar à discussão dos projectos de lei n.ºs 169/III (UEDS), 302/III (CDS) e 306/III (PS/PSD), sobre consultas directas aos cidadãos eleitores.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A revisão constitucional de 1982 veio introduzir no nosso ordenamento jurídico a figura das «consultas directas aos cidadãos eleitores», promovidas pelos órgãos autárquicos.
Forma mitigada de referendo, incidindo apenas sobre matérias da competência exclusiva das autarquias, pode dizer-se quo terá sido quase unanimemente encarada como um primeiro passo no sentido do reforço dos instrumentos daquilo que, com frequência, se designa por «democracia participativa».
Primeiro passo que voluntariamente se quis cauteloso, ao limitar-se de forma rigorosa o seu âmbito e ao condicionar-se de forma, não menos precisa o poder de decisão quanto ao recurso àquele mecanismo.
Mas se as cautelas de que constitucionalmente se rodearam as «consultas locais» se podiam - e podem- justificar pelo carácter «experimental» -se me e permitido usar a palavra - que assumem, já tais cautelas não devem, em nosso entender, conduzir a que se retire todo o sentido e significado ao instituto das consultas locais, transformando-o em simples ferramenta de ratificação das decisões dos órgãos do poder autárquico, que por eles -e só por eles- pode ser utilizada, ao sabor das conveniências próprias.
A procura do equilíbrio, possível no respeito das normas constitucionais e desejável do ponto de vista do funcionamento das instituições, entre os órgãos autárquicos de natureza representativa e a participação directa dos cidadãos na tomada de decisões, sem que se esvaziem os primeiros das competências próprias e sem que se transforme essa participação numa mera figura de estilo, e para nós a questão chave quando se trata de regulamentar as consultas locais.
A essa questão procura dar resposta o projecto de lei que a UEDS trouxe hoje à apreciação da Assembleia da República.
Como se afirma no seu preâmbulo, são 3 as grandes linhas que definem a forma e o alcance como as consultas locais são por ele contempladas: são consultas que procuram traduzir a vontade dos cidadãos expressa por sufrágio directo, secreto, igual e universal, sobre matérias da exclusiva competência das autarquias que as promovem; são consultas que poderão abranger os 3 níveis do poder autárquico que a Constituição define: a freguesia, o município e a região administrativa; são consultas que por deliberação do órgão autárquico competente podem ter eficácia meramente consultiva ou eficácia deliberativa. Destas 3 grandes linhas decorre que o universo dos participantes na consulta local corresponde necessariamente ao corpo eleitoral para o orgão autárquico que a promove; a decisão quanto à consulta cabe sempre a um órgão autárquico, embora a iniciativa da deliberação possa ser suscitada por grupos de cidadãos eleitores; a definição da eficácia jurídica da consulta é da exclusiva competência do órgão autárquico que delibere a sua convocação; a consulta revestirá sempre a forma de uma pergunta que permita uma resposta inequívoca pela simples afirmativa ou negativa.
No que respeita às regras processuais que deverão regular o processo das consultas locais, em face da inexistência de um código contendo as normas gerais comuns a todos os processos eleitorais, optou-se, em vez de uma mera remissão para dispositivos constantes de outros diplomas, pela sua transcrição, quando foi caso disso, ou pela sua adaptação, quando a natureza específica das consultas locais a tanto obrigava.
Diga-se, entre parêntesis, que tal facto não significa que não continuemos a considerar necessária e urgente - e aproveito a ocasião para chamar a atenção para

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este facto - a elaboração de um código que estabeleça um regime uniforme para todas as consultas por sufrágio directo e secreto.
Cabe acrescentar aqui que a adopção da técnica legislativa que prevaleceu na elaboração do nosso projecto de lei ou de outra que remeta para legislação já existente (com as necessárias adaptações) o processo das consultas locais é, para nós, neste momento, problema de somenos importância.
Por isso mesmo sobre ele nos não demoraremos.
Também o projecto de lei prevê a necessária apreciação pelo Tribunal Constitucional da constitucionalidade e legalidade das consultas locais. Para essa apreciação se propõe um processo que se considera relativamente expedito, mas ainda aqui nos não parece que residam os aspectos fundamentais do debate que hoje tem lugar.
Ficam como questões, do nosso ponto de vista essenciais, a eficácia das consultas locais (deliberativa ou consultiva) e a competência para desencadear o processo dessas consultas sem que esteja aqui em causa a competência -limitada constitucionalmente- para decidir sobre a sua efectiva realização.
Sobre este último aspecto, a Constituição não deixa margem para dúvidas: a realização (entenda-se, portanto, a decisão sobre essa realização) de consultas locais cabe em exclusivo aos órgãos autárquicos.
E aqui devo adiantar desde já que uma melhor reflexão nos decidiu a apresentar uma proposta de alteração ao nosso projecto de lei, que vai no sentido de conceder aos órgãos executivos das autarquias--tal como o projecto de lei concede já às assembleias - competência para decidirem da realização de consultas locais.
Na verdade, o n.º 3 do artigo 241.º da Constituição atribui essa competência aos órgãos autárquicos em geral e não pode a lei limitá-la a qualquer um deles.
Mas, dito isto, se a decisão quanto à realização de consultas locais cabe, nos termos da Constituição, aos órgãos autárquicos, nada impede que a lei reconheça aos cidadãos, satisfeitas certas condições, o direito de suscitarem das assembleias representativas do poder autárquico (de freguesia, municipais ou regionais) deliberação sobre essa matéria.
Tal é o mecanismo que se propõe no artigo 6.º do projecto de lei n.º 169/III.
Preferível seria, do nosso ponto de vista, que à iniciativa popular fosse atribuída maior eficácia, sendo-lhe reconhecida capacidade para desencadear obrigatoriamente o mecanismo das consultas locais.
A Constituição afasta, contudo, tal hipótese.
Ir ainda mais longe, negando à iniciativa dos cidadãos o simples poder de obrigar as assembleias locais a deliberar sobre as consultas, é, no fundo, transformar, sem equívoco, essas consultas num instrumento colocado tão-só na disponibilidade dos órgãos das autarquias para dele usarem conforme os seus interesses próprios.
E nem se diga que a fórmula proposta é geradora de conflitos susceptíveis de conduzirem a uma situação de instabilidade do poder local.
Em primeiro lugar, porque se conflito existir ou puder existir entre os cidadãos de determinada autarquia e os seus órgãos próprios, esse conflito não se sanará escamoteando-o, mas terá de ser ultrapassado pelo confronto democrático das vontades.
Em segundo lugar, porque, nos termos da Constituição e do projecto de lei que necessariamente a respeita, aos órgãos autárquicos cabe sempre a decisão final sobre a realização das consultas.
Bem mais grave parece ser a instabilidade, não tão rara quanto possa pensar-se, que tem nascido do facto de os executivos autárquicos funcionarem, com frequência, como mini-assembleias de representações partidárias e dos jogos de poder que por essa via se desenvolvem e conduzem pelo simples manipular do «quórum» ou das demissões em «cascata» à sua queda, não raro à revelia da vontade dos cidadãos, como tantas vezes os factos o vêm a posteriori a demonstrar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O mecanismo proposto, que, nos termos da Constituição, limita a competência para decidir da realização de consultas locais aos órgãos autárquicos mas admite que a iniciativa da decisão possa ser suscitada por grupos de cidadãos eleitores, visa impedir que as consultas fiquem apenas na disponibilidade daqueles órgãos, mas que simultaneamente se não transformem - sobretudo numa fase que se entende deve ser de acumular de experiência- em factor incontrolado de instabilidade.
Retirar neste quadro, de significativas cautelas, toda e qualquer iniciativa aos cidadãos será, ao fim e ao cabo, despir de qualquer significado as consultas locais.
Não foi com certeza com esse objectivo, não foi com certeza com o intuito de dar com uma mão o que depois se retiraria com a outra, que a revisão constitucional acolheu a figura das consultas locais.
A opção que a Assembleia finalmente venha a fazer quanto ao modo como pode ser desencadeado o processo conducente a uma tomada de decisão sobre uma eventual consulta local traduzirá o seu entendimento maioritário quanto ao que pode e deve ser desde já a «democracia participativa» e que caminhos se devem percorrer nesse sentido.
Tão importante como essa decisão é para nós também a que vingar quanto à eficácia das consultas locais.
Aqui entenderam os legisladores constituintes de 1982 desnecessárias grandes cautelas, remetendo para a lei ordinária a determinação da eficácia das consultas directas. Fizeram-no decerto por entenderem suficientes as cautelas com que haviam rodeado a competência para deliberar sobre a efectivação dessas consultas.
O articulado constitucional deixou assim a porta aberta a uma de 3 soluções quanto à eficácia das consultas locais: deliberativa, consultiva ou deliberativa ou consultiva, consoante as circunstâncias, cabendo então à lei definir quando e como a eficácia da consulta assumiria uma ou outra natureza.
O entendimento que temos da participação popular, a necessidade que sentimos de impedir que os instrumentos dessa participação se não transformem numa falsa aparência e em instrumentos de logro, mais do que da expressão da vontade popular, inclinar-nos-ia, à partida, para que às consultas fosse reconhecida sempre a eficácia deliberativa.
Na verdade, pode perguntar-se: a não ser assim, que significado terão elas' afinal? A eficácia deliberativa não está intrinsecamente ligada à própria razão de ser da consulta?

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Que sentido terá inquirir da vontade dos cidadãos para em seguida desrespeitar essa vontade ou admitir a priori e à partida que essa vontade não pode ser respeitada?
Consultar os cidadãos negando sempre qualquer efeito vinculativo à resposta que lhes é solicitada, longe de propiciar uma maior participação colectiva na tomada de decisões, não terá por resultado desmobilizá-los e afastá-los, pelo que significa desde logo de subvalorização da sua vontade?
Também aqui o projecto de lei acabou por optar por uma solução mitigada. Não nos custa reconhecê-lo, mesmo se gostaríamos de avançar mais rapidamente. Ê que julgamos importante que neste domínio se vá construindo um edifício sólido, porque argamassado na experiência.
Assim, o projecto de lei não recusa nem impõe a eficácia deliberativa ou consultiva: admite ambas, consoante as circunstâncias, cabendo ao órgão que decida da sua realização definir-lhe a natureza.
Ao trazermos à Assembleia da República o projecto de lei n.º 169/111 tivemos como objectivo fundamental abrir o debate em torno da regulamentação das «consultas aos cidadãos eleitores» previstas no n.º 3 do artigo 241.º da Constituição, contribuindo para que se não protelasse por mais tempo essa regulamentação, tornando-se possível transferir para a prática política um instrumento inovador trazido pela revisão constitucional de 1982.
O facto de a Assembleia estar a discutir neste momento não só o nosso projecto mas mais 2 projectos (o projecto de lei n.º 302/III, do CDS, e o projecto de lei n.º 306/III, do PS e PSD) permite-nos afirmar sem triunfalismos nem vaidades descabidas que ao menos esse nosso primeiro objectivo já foi alcançado.
Estamos pela nossa parte abertos a discutir, sem preconceitos nem verdades absolutas, o articulado do nosso projecto.
Sabemo-lo imperfeito e acreditamos que outras soluções, que não as que propomos, podem ser encontradas. Para isso, não regatearemos o nosso contributo aos trabalhos da comissão.
Fazemos votos para que desse trabalho possa surgir um articulado permitindo que as «consultas locais» venham a constituir um autêntico instrumento de «democracia participativa», não as esvaziando de sentido, fazendo delas um primeiro passo e um cadinho de experiências no aprofundamento dos mecanismos democráticos de participação dos cidadãos na vida colectiva.

Aplausos da UEDS, do PS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, ouvi atentamente a sua intervenção e gostaria de lhe colocar apenas uma questão. V. Ex.ª disse que o preceito constítucional deixou a porta aberta para a eficácia ser consultiva, ser deliberativa ou ser consultiva e deliberativa.
Mau grado a argumentação aduzida por V. Ex.ª, gostaria que me clarificasse um pouco melhor o n.º l do artigo 4.º do projecto de lei n.º 169/III. Segundo
a opinião do Sr. Deputado, quando é que a eficácia deve ser consultiva e quando deve ser deliberativa? Da eficácia a adoptar, quem determina se ela vai ser consultiva ou deliberativa?
Já agora, gostaria que V. Ex.ª me dissesse se não lhe parece que na fase actual da nossa democracia se deve ser muito claro nesta questão da eficácia consultiva ou deliberativa. Qual é a opinião de V. Ex.ª, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, há mais Srs. Deputados inscritos para lhe formularem pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Salema.

A Sr.ª Margarida Salema (PSD): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, apreciei bastante a sua intervenção, na medida em que, sobretudo na parte final, ela convida esta Assembleia a discutir uma matéria tão importante como é a do referendo local.
Não sei se o Sr. Deputado tem conhecimento de que sobre o projecto de lei apresentado chegou a ser elaborado um parecer a nível da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que, por motivo que desconheço, não foi apreciado. Nesse parecer apontava-se para a necessidade de aprofundamento e discussão global sobre o referendo local, na medida em que a Constituição remete para a lei a regulamentação dos termos, dos casos, da natureza e da eficácia do mesmo.
O projecto de lei apresentado pela UEDS é longo, pois abrange 144 artigos, e a verdade, Sr. Deputado, é que teria algumas questões muito concretas para lhe colocar. No entanto, como estamos apenas no debate na generalidade, gostaria que V. Ex.ª me dissesse se considera que há questões importantes que não foram contempladas no projecto de lei, tais como a das maiorias necessárias para determinar o resultado da apreciação da consulta. Ora, no projecto de lei apresentado pela UEDS não há qualquer referência sobre esta matéria e creio que essa questão é igualmente omitida nos outros projectos de lei que estão em discussão conjunta.
Em segundo lugar, gostaria de saber se é sobre todas as matérias da exclusiva competência dos órgãos autárquicos que pode incidir a consulta aos cidadãos eleitores.
Uma outra questão que penso ser extremamente importante clarificar no âmbito do projecto de lei em apreciação é a que diz respeito à adaptação da legislação eleitoral. Com efeito, dizem os proponentes do projecto de lei n.º 169/III que se optou por «uma técnica legislativa que decorre da inexistência de um código eleitoral que contivesse as normas gerais comuns a todos os processos eleitorais» e que essa técnica consiste na reprodução integral de outros diplomas eleitorais - por exemplo, a Lei Eleitoral para a Assembleia da República e a Lei Eleitoral para as Autarquias Locais -, adaptando-os nalguns casos à natureza especifica das consultas directas aos cidadãos eleitores.

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Considero que o trabalho realizado de adaptação é excelente, e não tenho dúvidas em qualificá-lo como tal. No entanto, é muito difícil saber se deve ser num projecto de lei desta natureza que deve ter lugar o trabalho de adaptação da legislação eleitoral.
De facto, a técnica adoptada tem, pelo menos, dois inconvenientes: o primeiro é o de tornar o diploma excessivamente longo, complexo e de muito difícil aplicação. Não sei se os órgãos autárquicos conseguiriam estudar, executar e aplicar este diploma, tal é a sua natureza complicada e burocratizada - peço desculpa por utilizar esta expressão, mas não me ocorre outra.
O segundo inconveniente, o qual qualificaria como político, é o de saber se num diploma desta natureza deve ou não ser feita a tarefa de reponderação da legislação eleitoral portuguesa.
Creio, pois, que da técnica adoptada decorrem inconvenientes grandes. Assim, gostaria de ouvir um comentário do Sr. Deputado Lopes Cardoso sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE):- Sr. Deputado Lopes Cardoso, ouvi atentamente a exposição feita por V. Ex.ª de apresentação do projecto de lei e considero que dos 3 diplomas em apreciação este é, de facto, o mais completo e é o que traz algumas soluções mais correctas.
Quanto à questão da consulta ter um carácter deliberativo ou consultivo, já o meu colega de bancada se ocupou.
Porém, o que me preocupa na sua intervenção, Sr. Deputado, foi o anúncio de uma proposta de emenda que a UEDS iria interpor junto deste projecto de lei, no sentido de os órgãos executivos locais poderem ter competências para deliberar sobre a consulta local.
Como V. Ex.ª sabe, neste momento há uma grande ambiguidade entre as competências exclusivas dos dois órgãos principais autárquicos, isto é, o executivo e as assembleias. Portanto, dar competência igual aos órgãos executivos e aos deliberativos por excelência, que são as assembleias, para deliberar sobre a feitura e o modo de fazer a consulta local parece-me que irá aumentar essa ambiguidade.
Quanto a mim, uma das vantagens do projecto de lei da UEDS é exactamente essa. ou seja, a de definir claramente que só as assembleias de freguesia municipais ou regionais têm competência para marcar e delimitar a consulta local. Assim, gostaria de saber, Sr. Deputado, qual o tipo de argumentações - para além da que V. Ex.ª desenvolveu, isto é, a das competências que hoje detém estes órgãos nos termos da Lei n.º 77/79- que levaram ou podem levar a essa proposta.
Uma outra questão que queria colocar, e que diz respeito à parte eleitoral do projecto de lei, é a de saber por que é que o contencioso propriamente eleitoral passa a ser, nos projectos de lei da UEDS e do PS/PSD, remetido para a competência do Tribunal Constitucional e não do Tribunal da Relação, tal como acontece hoje nas eleições autárquicas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, V. Ex.ª fez a apresentação do projecto de lei da UEDS que, em termos gerais, não quero deixar de louvar, apontando como característica fundamental - ou, pelo menos, que determinou as preocupações do partido do Sr. Deputado ao elaborar este projecto de lei - uma preocupação de cautela e de cuidado ao dar este primeiro passo no âmbito da democracia directa.
É, pois, nesta perspectiva da cautela e do cuidado que gostaria de colocar 3 questões. A primeira delas, que já de certo modo lhe foi colocada por outras bancadas, diz respeito à natureza da consulta. Entende o Sr. Deputado que fica bem à preocupação de cautela do seu partido a indefinição, à partida, da natureza da consulta, que pode ser deliberativa ou meramente consultiva?
A segunda questão prende-se com a competência dos órgãos que determinarão a realização da consulta. Na intervenção de apresentação do projecto de lei, o Sr. Deputado afirmou uma mudança no vosso diploma. Disse que iam propor uma alteração no sentido de atribuir competências não apenas às assembleias, mas também aos órgãos executivos. Assim, gostaria que V. Ex.ª me esclarecesse em que condições é que o vão fazer. Nas mesmas condições do projecto de lei apresentado pelo PS/PSD? Pensa o Sr. Deputado que esta competência indefinida fica bem à cautela de que quer rodear o seu projecto de lei?
Ouvi atentamente as suas considerações apresentadas sobre a iniciativa popular em matéria de consulta. Conhecendo como conhece a situação actual passada nas várias autarquias e certos problemas desenvolvidos ao nível das autarquias, considera V. Ex.ª cautelosa a atribuição, desde já e logo no início da experimentação do processo, da iniciativa directa às populações para que realmente se realizem consultas directas?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, estamos a abordar uma matéria da maior importância, ligada às questões locais, e convenhamos que ela é da maior importância não apenas por causa das questões locais, mas, inclusivamente, por causa das questões nacionais. É a própria discussão do instituto do referendo que está em causa. V. Ex.ª sabe, Sr. Deputado, que na história das correntes políticas o referendo foi sempre uma proposta daquilo a que tradicionalmente se classificou de direita e foi sempre tradicionalmente rejeitado por aquilo que se classificou e ainda se classifica -em parte, pois outros já abandonaram a classificação- de esquerda?
Eis, pois, uma questão que, como consta da história das correntes políticas, tem sido profundamente debatida ao longo dos anos e hoje estamos a fazer um «meio» debate, na medida em que o fazemos relativamente às questões locais.
Porém, e sem querer ater-me apenas a essa limitação que decorre da iniciativa dos autores dos diplomas em causa, entre os quais também se encontra um do meu partido, não queria deixar de colocar algumas questões.

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Sr. Deputado Lopes Cardoso, o referendo, mesmo para as questões locais, é um instituto da maior importância, e no nosso país com a agravante de se tratar de uma inovação. Ele pode ter consequências poderosíssimas no bom ou mau funcionamento das instituições locais. Ora, nessas condições, V. Ex.ª pensa que se poderá deixar claramente definido quem o delibera, como, quando e sobre que matérias? Deverá ter-se a perspectiva de que se poderá realizar um referendo sobre a abertura ou o encerramento de uma janela? E, sendo caso disso, poder-se-á fazê-lo sem qualquer tipo de votação, sem qualquer votação qualificada, sem quaisquer condicionalismos que impeçam que o referendo venha a ser tomado não como um instituto de poder ou de formação de poder, mas como uma simples sondagem? Será que alguns que neste momento propõem o referendo estão a fazer uma certa concessão àquilo que há pouco me referi ter sido uma profunda divisão tradicional entre a esquerda e a direita?
De qualquer modo, e libertando-me dessas classificações tradicionais, devo dizer que tanto eu como a minha bancada temos sido claramente a favor do referendo, porque não tenho uma filosofia política filiada naquilo a que se poderia designar de radicalismo republicano ...

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ..., que considera que os partidos exprimem toda a sociedade, que isso basta e que é a expressão perfeita.
O referendo é um mecanismo compensador dessa óptica de organização do poder político. Por isso somos inequivocamente adeptos do referendo, quer para efeitos nacionais, quer também -e até talvez por maioria de razão- para efeitos locais.
No entanto, não podemos é deixar de ficar surpreendidos que se trate o referendo numa perspectiva de simples sondagem, primeiro, não se abordando com clareza a questão de se ele deve ser consultivo ou deliberativo, e, em segundo lugar -e dando de barato esse dilema -, sem cuidar de o rodear de regras rigorosas quanto à responsabilidade e à forma de o determinar, de o decidir, em que momentos, em que processos e sobre que matéria.
Não estaremos, Sr. Deputado Lopes Cardoso, ao deixar estes aspectos importantíssimos de lado, a condenar o referendo não a um instituto importante da formação do poder mas sim ao destino degradante de simples sondagens, quando para esse efeito a sociedade moderna nos trouxe mecanismos tão aperfeiçoados?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, ouvi a intervenção que acabou de produzir e algumas das questões que queria suscitar foram-no já por outros companheiros.
No entanto, como foi salientado ainda agora pelo meu companheiro Silva Marques, estamos perante um instituto novo, da máxima importância e que a nível local vai ter necessariamente repercussões extremamente relevantes, podendo redundar, se não forem acautelados determinados aspectos, num fracasso para as próprias instituições e para a dignificação do poder local.
Uma das questões que queria suscitar era a seguinte: o Sr. Deputado referiu, na intervenção que acabou de fazer, que a UEDS iria apresentar uma proposta de aditamento quanto aos órgãos executivos.
De facto, não aparecia no projecto uma justificação para se referirem apenas os órgãos deliberativos, quando a Constituição é expressa ao referir «órgãos autárquicos», que, como se sabe, são tanto os executivos como os deliberativos.
Mas neste ponto entronca-se uma outra questão. A Constituição consagra igualmente a expressão «sobre matérias da sua exclusiva competência». Gostaria que o Sr. Deputado tivesse a bondade de dizer se entende que essas consultas tocais, esse referendo, poderá ser utilizado para todas as competências exclusivas do respectivo órgão ou se se deverá antes limitar a determinadas competências que sejam realmente relevantes.
Todavia, surge ainda um outro problema: segundo o projecto agora em apreço, parece que quem define se o referendo é consultivo ou deliberativo é o próprio órgão que o vai aprovar.
Como neste caso nada se diz, aplicar-se-á, segundo penso, a regra geral.
Mas pergunto se, designadamente perante certas competências, certo tipo de referendos e perante certos órgãos, essa maioria poderá ser uma maioria simples dos membros presentes do respectivo órgão ou se se entende que não deverá ser exigida uma determinada maioria e regras mais eficientes, no sentido de acautelar o uso abusivo de tal processo que por vezes se pode verificar.
Para terminar, Sr. Deputado, gostaria de lhe perguntar o seguinte: no artigo 6.º do presente projecto de lei, cuja epígrafe é: «Poder de iniciativa», diz-se no n.º 1 que: «As assembleias [...] poderão deliberar sob proposta de qualquer dos seus membros em sessão ordinária.»
No entanto, no n.º 2 já se exige que a sessão extraordinária tem de ser requerida por uma determinada maioria, que neste caso é de um terço dos seus membros. Estou-me apenas a reportar agora aos órgãos deliberativos, porque ainda não conheço a proposta de alteração quanto aos órgãos executivos.
Gostaria que o Sr. Deputado me esclarecesse, se tivesse a bondade, acerca do porquê desta distinção.
Enquanto numa reunião ordinária um só membro pode desencadear perante o órgão este processo de referendo, numa assembleia extraordinária é preciso que um terço desses membros o faça. Além disso, sabemos que existem alguns órgãos deliberativos que têm um número elevadíssimo de membros.
Qual o motivo desta exigência de um terço? É que é muito fácil esperar por uma sessão ordinária. No entanto, em determinados casos pode acontecer que a assembleia delibere sobre uma certa questão e não se verifique a maioria indispensável de um terço. Nesse caso, aguardará a sessão ordinária e desencadeia o referendo, mas, a ser assim, corre-se o risco de este, apesar de até poder ser um instrumento valiosíssimo de participação das populações, vir a ser tardio.
Gostaria deste modo que o Sr. Deputado fizesse o favor de explicar, realmente, o motivo desta diferença, que parece não ter, perdoe-me V. Ex.ª, razão de ser.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

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O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, vou antecipadamente pedir desculpa aos Srs. Deputados que tiveram a amabilidade de me colocar questões, pela fornia rápida como lhes vou responder. Foram muitas perguntas e, como sabem, estou limitado pelo tempo.
Em relação à primeira questão posta pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca dir-lhe-ia que quem deixa em aberto a questão da eficácia é a Constituição, como poderá ver da leitura do n.º 3 do seu artigo 241.º
Aquilo que propomos e que admito que não esteja claro no articulado, embora tenha resultado claro da minha exposição, é que o órgão que decidir da realização da consulta definirá simultaneamente a eficácia desta. Quando a consulta for feita e decidida deverá ser formulada a questão e definida a eficácia da resposta conjuntamente.
Este é o nosso ponto de vista.
Em relação às numerosas questões colocadas pela Sr.ª Deputada Margarida Salema, deixaria de lado as questões que têm a ver em particular com a especialidade, não porque não as considere interessantes, mas por considerá-las relativamente menos importantes face às limitações de tempo de que disponho.
Houve no entanto uma questão que colocou, bem como outros Srs. Deputados, a que respondo desde já. O referendo, ou a consulta local, poderá incidir sobre quaisquer matérias da competência exclusiva dos órgãos autárquicos?
Penso que se justifica a introdução de certas limitações nessas matérias, nomeadamente algumas das limitações previstas no projecto apresentado pelo PS e pelo PSD. Não me repugna, à partida, o princípio de limitar, dentro das matérias da exclusiva competência dos órgãos autárquicos, aquelas que podem ser objecto de consulta directa.
Em relação ao Sr. Deputado António Taborda, creio que já lhe respondi às perguntas sobre carácter deliberativo e consultivo.
Quanto à questão que levantou em relação ao Tribunal Constitucional, chamo a sua atenção para o facto de que, de acordo com a Lei Orgânica deste e com o novo ordenamento constitucional, o Tribunal Constitucional é já a instância de recurso dos contenciosos eleitorais e não seria apenas do contencioso em matéria de consultas locais se porventura o que se propõe viesse a ser aprovado.
Não há, portanto, nenhuma alteração em relação ao regime de decisão de recursos, em matéria de contencioso eleitoral, diferente daquela que se propõe para este tipo de consultas.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito pôs-me várias questões. A uma delas - a que dizia respeito, no fundo, às matérias objecto das consultas - creio que já respondi.
Diz que não ficou clara a competência quanto à deliberação. Suponho que ela é clara. Quem delibera, na nossa proposta, da realização ou não das consultas são os órgãos autárquicos.
Pergunta se é cauteloso admitir que a iniciativa popular possa desencadear o processo não da consulta mas da deliberação da consulta.
Penso que quando se restringe o poder de deliberar da efectivação da consulta aos órgãos locais tomámos já as cautelas necessárias.
Digamos que a outra até tem um pouco de formal e de dignificação da iniciativa popular, porque nada impede que os grupos de cidadãos, aprovado o princípio das consultas directas, solicitem dos órgãos autárquicos, sejam eles quais forem, uma decisão para a realização dessa consulta. Só que, se nada for dito, os órgãos locais não terão que deliberar sobre esse pedido.
Aqui, o que se exige é que eles façam isso e efectivamente deliberem.
De facto, penso que não corremos riscos nenhuns; é, aliás, o mínimo que se pode avançar, cautelosamente, no sentido de alargar o significado das consultas locais. A menos que se queira criar um instituto em que os órgãos só consultam quando quiserem consultar, para o que quiserem consultar e ainda com a reserva, que não é do nosso projecto, mas de outros, de no fundo fazerem o que muito bem entenderem à resposta que essa consulta suscitar. Ao responder-lhes, como dizia aos outros, para os eleitores que foram consultados, dir-lhes-iam: «Querias? Querias, mas não tens porque foi apenas para saber! ...». E neste ponto respondia de imediato ao Sr. Deputado Silva Marques, sem entrar agora, porque o tempo não me sobra, em grandes considerações teóricas e filosóficas sobre o instituto do referendo.
É que quando o Sr. Deputado disse que o projecto acabava por tender à degradação do instituto da consulta em termos de simples sondagem, interroguei-me a mim próprio se o Sr. Deputado não estaria a fazer confusão entre o projecto de lei da UEDS e o projecto de lei de que é subscritor o seu partido e que, esse sim, restringe a natureza das consultas exclusivamente ao âmbito consultivo, fazendo realmente delas uma mera, pura e simples sondagem, degradando-as e não lhes dando dignidade.
Isto foi o que, aliás, aqui disse um seu companheiro de bancada - o Sr. Deputado Manuel Pereira - quando se discutiu a revisão constitucional. Este deputado acusou na altura a proposta da FRS, que veio a ser aprovada, de ser demasiadamente equívoca, por não obrigar ao carácter deliberativo da consulta local e referindo que, sendo assim, essa proposta não tinha sequer dignidade constitucional para ser integrada na Constituição.
Sr. Deputado Marques Mendes, em relação à questão que pôs dos dois terços, admito que se possa discutir se esta percentagem deve ou não ser precisa para provocar uma sessão extraordinária.
O que se pretendeu com este tratamento diferente é o seguinte: nós sabemos -ou pelo menos julgo saber, pois não sou especialista em matéria do poder local - que requerer o agendamento para uma sessão ordinária, seja de uma assembleia seja mesmo de um orgão executivo, por um único membro pode conduzir a que, na ordem cronológica dos pontos a discutir, esse desejo de que se delibere sobre uma consulta local venha a ser protelado para as calendas gregas.
Por outro lado, também me parecia excessivo que a simples requerimento de um deputado municipal ou de um vereador houvesse que convocar uma sessão extraordinária do órgão para deliberar exactamente sobre essa matéria.
Daí que, e tendo em conta a acuidade de certas questões ...

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

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3 DE MAIO DE 1984 4217

O Orador: - Faz favor, Sr. Deputado ...

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, era só para lhe chamar a atenção de que no artigo 6.º, n.º 1, ao dizer-se que na sessão ordinária pode ser deliberada a proposta de um dos seus membros, necessariamente que o problema não consta da ordem de trabalhos.
Pergunto se, mesmo não constando da ordem de trabalhos, um dos membros da assembleia municipal, de freguesia ou regional pode fazer a proposta do referendo.

O Orador: - Sr. Deputado, admito que haja que corrigir certas redacções.
Evidentemente que se surgir uma proposta e o orgão, por maioria, decidir imediatamente dela, fá-lo-ia. Caso contrário, ela aguardará o momento oportuno de inscrição na ordem de trabalhos para vir a ser debatida.
E justamente para obviar a esse protelamento de questões que podem ter uma oportunidade se deve permitir, desde que o requerimento seja feito por um determinado número de elementos do órgão autárquico - falámos de um terço mas poderá ser outro número -, que seja convocada uma sessão extraordinária sem delongas para que sobre essa matéria se delibere. Estas duas hipóteses que estão aqui contempladas foram-no com este objectivo.
Srs. Deputados, creio que respondi ao essencial ... ou se calhar não respondi. Peço muita desculpa, estou tomado pelo tempo e penso que teremos certamente ocasião de voltar a abordar aquilo que porventura tenha ficado esquecido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Salema, para um protesto.

A Sr.ª Margarida Salema (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Lopes Cardoso: Utilizo a figura do protesto porque é aquela que me dá direito ao uso da palavra neste momento.
A minha intervenção destina-se a fazer um muito breve comentário à intervenção do Sr. Deputado Lopes Cardoso, de resposta às perguntas que lhe fiz.
Não julgo, Sr. Deputado, que as questões que lhe pus sejam de menor importância em relação a outras como a da eficácia do referendo. Isto porque o vosso projecto de lei tem quantitativamente uma atenção à parte da técnica eleitoral que é correspondente a cerca de 120 artigos do total dos 144!
Claro que não lhe fiz perguntas na especialidade em relação a eles - e tive o cuidado de o frisar - porque não estamos num debate na especialidade.
Limitei-me a perguntar-lhe porquê a técnica eleitoral adoptada e se o Sr. Deputado Lopes Cardoso não entende que há nela inconvenientes.
Era esta, tão-somente, a pergunta na generalidade que lhe fiz. Isto porque, a meu ver -e aproveitei para dizer qual era a minha opinião-, a técnica adoptada, sem embargo do excelente trabalho de adaptação feito, colocava problemas relativamente à legislação eleitoral vigente em Portugal, o que de maneira nenhuma me parece que possa ser tratada de ânimo leve, até porque a competência da Assembleia em relação a legislação eleitoral é uma competência reservada, devendo por isso ser discutida com a maior profundidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, realmente eu não estava a fazer confusão entre o projecto da UEDS e o projecto subscrito pelo PS e pelo PSD.
A razão é evidente: o projecto de lei da UEDS não opta pela natureza vinculativa do referendo, mas ao menos não o recusa.
Daí que tenha ficado interessado no diálogo com V. Ex.ª porque ao menos há esse ponto de aproximação relativamente a uma das teses fundamentais do meu partido ao longo destes anos e que tem afinal sido um ponto de clivagem (no sentido salutar do termo) das correntes políticas no nosso país. Por outro lado, já o disse há pouco, tem havido regimes que «caem» e regimes que «sobem» em face do debate sobre o referendo.
De qualquer modo, se o meu partido ou a minha bancada nesta conjuntura entender subscrever um projecto de lei em que faz uma concessão substancial às suas teses que têm sido do passado e que julgo que em termos de partido ainda são do presente e serão de futuro, cia lá terá as suas fortes razões.
De qualquer modo, recebi instruções e só pedi para intervir no debate e não para fazer claque.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE):- Sr. Deputado Lopes Cardoso, vou fazer um pequeno protesto relacionado com a questão do Tribunal Constitucional.
Lendo bem o artigo 94.º do vosso projecto de lei, parece que não se exclui -antes pelo contrário -, no caso do contencioso pós-consulta, o recurso aos tribunais ordinários com recurso final ao Tribunal Constitucional.
Mas, voltando um pouco atrás, estou de acordo com as considerações feitas no preâmbulo deste diploma quanto à necessidade da elaboração de um código eleitoral geral, abrangendo todas as eleições e com as necessárias adaptações a cada acto eleitoral específico. Suponho que esta é uma necessidade e uma premência que esta Assembleia deve tomar em conta.
O meu protesto refere-se à pergunta que formulei - e que, de resto, foi igualmente formulada depois pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito- e à qual o Sr. Deputado Lopes Cardoso não respondeu. Essa pergunta referia-se à proposta de aliteração anunciada na sua intervenção no sentido de os órgãos executivos autárquicos virem a ter também competência para deliberar sobre a elaboração e o modus faciendi da consulta aos eleitores locais. Gostaria ainda de lhe perguntar se o Sr. Deputado - já que falou na sua intervenção que o que se pretende é que se vá constituindo um edifício sólido - não entende que seria mais curial que a consulta a fazer neste estádio fosse meramente consultiva, para depois se avançar para uma consulta deliberativa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, vai-se tornando hábito disfarçar as figu-

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rãs regimentais e desculpá-las. Neste caso -penso que com bastante propriedade- atrevo-me a dizer que é sob a figura do protesto, embora não vá de modo algum protestar, a não ser contra alguma falta de esclarecimento em relação às questões que lhe formulei.
No que se refere à questão relacionada com a natureza da consulta, sustento -pois não fiquei esclarecido com a sua resposta, que foi por remissão- o meu protesto contra a indefinição que, em meu entender, continuará a existir. De acordo com o vosso projecto de lei, caberá -tal como foi esclarecido pelo Sr. Deputado- ao órgão que deliberar fazer a consulta definir a natureza que essa mesma consulta vai revestir: deliberativa ou consultiva.
Sr. Deputado Lopes Cardoso, a importância da consulta directa, do referendo, que transcende o âmbito local em que está a ser colocada, como revelou expressivamente a intervenção do Sr. Deputado Silva Marques, não se compadece nestes primeiros passos com qualquer falta de clareza. O CDS supõe que é necessário que o quadro legislativo dentro do qual se vai processar a consulta directa seja um quadro legislativo muito claro e não aberto, de forma alguma, a quaisquer indefinições.
Neste sentido, mantenho em aberto a questão de saber se essa indefinição -que consiste em remeter para a deliberação do órgão que vai decidir sobre a realização da consulta - não será grave deste ponto de vista.
Por isso mesmo, Sr. Deputado, é que também o CDS estará de acordo com a limitação que se propõe no projecto de lei apresentado pelo PS e pelo PSD - porventura em termos diferentes-, respeitante às matérias sobre as quais poderá incidir a consulta. Adoptar-se apenas - como nós fizemos, aliás - a formulação constitucional será perigoso neste tema.
Quanto à segunda questão, gostaria de ser mais esclarecido. A UEDS entende que é em perfeita alternativa a decisão do órgão executivo ou do órgão deliberativo no sentido de deliberarem e decidirem e realização da consulta? Ou entendera que é um processo sucessivo, como sucede, por exemplo, com o nosso projecto de lei?
Eram apenas estas as questões que lhe queria formular.

O Sr. Presidente: - Para responder aos protestos, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Restam-me 16 minutos para poder intervir no debate, pelo que vou ser telegráfico.
Quanto à Sr.ª Deputada Margarida Salema, devo dizer-lhe que penso que a importância ou a qualidade não se medem pela quantidade. Mas quando me referi a essas questões não pretendia dizer que elas não eram importantes. Parecia-me, para o debate que neste momento se trava, que eram menos importantes.
Qual a razão de ser da técnica legislativa adoptada no nosso diploma? Por que razão não remeter, pura e simplesmente, para uma lei regulamentar do Governo? Pois bem: pela razão simples de que estamos habituados a que, quando isso acontece, termos de esperar mais de 2 anos para termos a lei regulamentar das consultas locais. Portanto, se assim o fizéssemos, não sei quando é que a teríamos regulamentado.
Por outro lado, remeter pura e simplesmente, com «as necessárias adaptações», também nos parece extremamente vago e não sabíamos como é que as autarquias se iriam desembrulhar para cada uma delas fazer as necessárias adaptações desses diplomas.
Portanto, foi pura e simplesmente por uma questão de eficácia, que talvez não se tenha verificado, que resolvemos optar por esta técnica. Pretendíamos que daqui saísse uma lei que tornasse possível a sua aplicação imediata a seguir à sua publicação.
Quanto ao Sr. Deputado Silva Marques, folgo que ele não esteja aqui na claque. Não tenho o hábito de o ver na claque. Verifico que neste caso a clivagem é menor entre mim e o Sr. Deputado do que entre o Sr. Deputado e o seu partido. Mas, estas são questões em que me não quero meter.
Em relação ao Sr. Deputado António Taborda, dir-lhe-ia que a proposta que fazemos se baseia no texto constitucional, que diz que cabem aos órgãos autárquicos determinarem as consultas locais em matérias da sua exclusiva competência. A nossa leitura neste momento é clara: a cada órgão local cabe decidir das consultas locais sobre as matérias da sua competência. Este artigo refere-se ao órgão e não às autarquias em geral, isto é, cada órgão autárquico decidirá da consulta local em matéria da sua competência.
Desta forma respondo também à questão levantada igualmente pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito.
Quanto à possibilidade de se prever agora consultas locais com carácter meramente consultivo, penso que desse modo não estaríamos a caminhar para lado algum. Estaríamos, isso sim, a marcar passo e a fingir que andamos. É isso que eu não gostaria, ou seja, que daqui saísse algo que transformasse as consultas locais num fingir de consultas. Ou nós entendemos que é útil que as populações se pronunciem - com uma contrapartida para elas, ou seja, o respeito pela decisão - ou então não tem sentido algum, pois poderemos fazer sondagens ou o que quisermos, mas não lhes daremos a dignidade constitucional de as inscrever na nossa Lei Fundamental e não lhe chamemos «consultas locais», pois isso seria andar a brincar com a vontade dos eleitores.
Creio que mais uma vez vou deixar de responder ao Sr. Deputado Nogueira de Brito ... o tempo não é muito. Contudo, quero dizer que a indefinição não existe no nosso diploma: quem decide sobre as consultas locais são os órgãos locais.
Em relação à questão de saber se esses órgãos decidem sucessivamente, digo que não. Decidem das consultas locais sobre matéria da respectiva competência, para evitar inclusivamente que as consultas locais se possam eventualmente transformar num objecto de confronto entre uma assembleia municipal e um executivo municipal.
No quadro legal português, a assembleia municipal não tem capacidade de deitar abaixo o executivo municipal. Mas poderia, por via da consulta -se ela pudesse incidir por sua deliberação nas matérias do executivo-, ser um instrumento que pudesse ser desviado dos objectivos para que foram consagrados.
Daí que a deliberação deva ser limitada exclusivamente a consultas sobre matérias da respectiva competência.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

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O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, peça a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, peço-lhe que aguarde um momento, visto que há um Sr. Deputado que pretende interpelar a Mesa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, tenho o máximo prazer em ouvir o Sr. Deputado João Amaral, mas pergunto à Mesa se não há nenhuma apresentação dos outros projectos de lei em discussão.

O Sr. Presidente: - Não há inscrições para esse fim, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, é evidente que o CDS apresentará o seu projecto de lei. Contudo, estávamos a pensar apresentá-lo no decurso de uma intervenção. Temos o tempo distribuído e, como tal, nesse tempo iríamos fazer a apresentação do nosso projecto de lei.
Suponho que nada haverá contra isso, que não nos retira a qualidade de partido apresentante do projecto. É evidente que na intervenção que fizermos apresentaremos o nosso projecto de lei.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Isso não tem jeito!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, a situação em que nos encontramos é incompreensível.
Quando organizámos e distribuímos os tempos na Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares não levantámos problemas. Aliás, o nosso camarada João Amaral está pronto a intervir. Parece-nos, no entanto, um pouco incompreensível que estejam em debate 3 projectos de lei e que, tendo sido acordado que os autores dos projectos teriam mais tempo para o debate, precisamente para poderem fazer a apresentação dos diplomas, o debate não se inicie com a apresentação desses diplomas.
Contudo, se os partidos que são autores desses diploma não querem assim entender, não será da nossa parte que surgirão dúvidas. Fica, porém, registada a nossa estupefacção face a essa atitude dos partidos que subscreveram os diplomas em discussão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE):- Sr. Presidente, é evidente que se a Mesa não tinha inscrições dos partidos interpelantes não lhes poderia dar a palavra.
Mas a lógica deste debate -uma vez que foi inicialmente agendado apenas o diploma da UEDS e depois entendeu-se que o assunto era comum e que deviam ser agendados mais outros 2 projectos - pressupõe que se faça a apresentação dos 3 projectos e depois se inicie a discussão. Caso contrário, a fazer-se como o CDS propõe, ou seja, que fará a apresentação do seu projecto de lei na intervenção que irá fazer, a discussão anda para trás e para diante. Pareceria mais lógico que os partidos fizessem as apresentações dos seus diplomas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, pretendo dar uma explicação à Câmara em face desta discussão.
Existe na realidade um uso - não há regimentalmente a obrigatoriedade de apresentar um projecto de lei - no sentido de se fazer a apresentação de um diploma quando há uma separação no tempo entre a apresentação e a sua discussão. Ou seja: um partido apresenta o seu projecto de lei, que em seguida baixa à respectiva Comissão ou fica à espera de marcação na ordem do dia.
Quando estes dois momentos se confundem, como sucede hoje, entendemos que para melhor se racionalizar o tempo de que dispomos - não vamos dizer coisas diferentes na sua apresentação e na intervenção que faremos - não vale a pena recorrermos a este formalismo e fazermos no mesmo dia a apresentação e a discussão destes diplomas. Isto justificar-se-ia se houvesse um lapso de tempo entre estes dois actos.
Pareceu-nos ainda que para esta discussão, desde que na nossa intervenção avancemos todos os argumentos, seria preferível apresentar e discutir os diplomas simultaneamente, em vez de fazermos este debate em dois momentos diferentes, embora na mesma sessão.
Finalmente, se esta Assembleia entender que se deve manter este uso de formalmente se fazer apresentação dos projectos de lei e, posteriormente, se fazer a sua discussão - para que todos possamos por duas vezes dizer o mesmo sobre os diplomas, que estão distribuídos há muito tempo-, estamos prontos a fazê-lo.
Contudo, pensamos que será formalismo a mais, pelo que não valerá a pena avançar por esse caminho.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD):- Sr. Presidente, gostaria de começar por dizer que o PSD não tem ainda nenhum deputado inscrito, porque o Sr. Deputado Fernando Condesso, que irá intervir sobre esta matéria, teve de ir a uma consulta médica e ainda não chegou.
Quanto ao problema em causa, o PSD entende que, embora haja tempos distribuídos e, como tal, cada partido os possa administrar como muito bem entender, há uma certa lógica em se fazer a apresentação dos projectos de lei no início do debate, precisamente para situar o debate. Não se trata daquilo que é ou não imposto pelo Regimento, mas sim da ordenação - se assim lhe pudermos chamar - do debate, confrontando-se assim desde o início as várias posições que fundamentam cada um dos projectos de lei.
Pela nossa parte, vamos inscrever em breve o nosso representante.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luis Numes (PS): - Sr. Presidente, irei dar a opinião do Grupo Parlamentar do PS sobre esta questão verdadeiramente surrealista.
Como diria Oscar Wilde, «à apresentação não se segue necessariamente a consumação». Nós não deixaremos de usar da faculdade da apresentação se ela for necessária aos nossos objectivos, que neste caso são simplesmente legislativos. Contudo, deixaremos este aspecto na disponibilidade do Grupo Parlamentar do PS e, sobretudo, abster-nos-emos de intervir neste debate para além daquilo que acabo de dizer.

Vozes do PCP: - Nós falamos!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, regimentalmente não há nenhuma obrigatoriedade em se apresentar qualquer projecto de lei. É um direito, não é uma obrigação.
A Mesa teve o cuidado, quando recebeu inscrições para intervenções dos partidos subscritores dos projectos de lei em discussão, de lhes perguntar se pretendiam apresentar o respectivo diploma ou se desejavam intervir. As respostas foram todas no sentido de fazerem intervenções.
Daí que tenha sido dada a palavra pela ordem de inscrições.
Os tempos de que cada partido dispõe não estão separados para apresentação e para discussão. Parece-me a mim que cabe a cada partido o direito de intervir ou de fazer a apresentação do projecto de lei, conforme melhor entender. Como tal, seguiu-se a ordem das inscrições.
Assim, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é óbvio que o debate teria sido bastante melhor se os partidos que têm projectos - peço ao Sr. Presidente que desconte este tempo- procedessem à sua apresentação.

O Sr. Presidente: - Esse tempo não é descontado, Sr. Deputado.

O Orador: - Lamentamos, pois, que isso não tenha sido feito e vamos agora expor a nossa posição.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: os 3 projectos de lei que estão em debate socorrem-se do disposto no n.º 3 do artigo 241.º da Constituição, número introduzido pela revisão constitucional, e que diz o seguinte:

Os órgãos das autarquias locais podem efectuar consultas directas aos cidadãos eleitores recenseados na respectiva área, por voto secreto, sobre matérias incluídas na sua competência exclusiva, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer.
O artigo 241.º da Constituição está incluído na parte III, título VII, isto é, no título relativo ao poder local.
Obviamente, um debate desta natureza, para atingir os seus objectivos, deveria reflectir aprofundadamente sobre uma dupla realidade: sobre os mecanismos da
democracia participativa, por um lado, mas também sobre a natureza, situação e problemas do poder local.
Esperar-se-ia que os autores dos projectos explicassem os motivos pelos quais a iniciativa tomada e as soluções propostas podiam contribuir para dar expressão à norma constitucional segundo a qual «o Estado [...] respeita na sua organização os princípios da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da Administração Pública» (cf. artigo 6.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
Esperar-se-ia mesmo que os autores dos projectos reflectissem sobre a articulação destas iniciativas com a necessidade de dotar os órgãos representativos das autarquias com os instrumentos adequados à «prossecução de interesses públicos das populações respectivas» (cf. artigo 237.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
Infelizmente, e até agora, nada disto foi feito.
Falou-se abstractamente de referendos e consultas locais, classificaram-se, teorizou-se sobre a democracia directa, vieram loas e críticas, esgrimiram-se excelentes e péssimos argumentos e contra-argumentos jurídicos, mas esqueceu-se sistematicamente o essencial da realidade política que está e deveria ter estado sempre presente neste debate.
Pode dizer-se que se aqui há um grande ausente, ele é nem mais nem menos o principal interessado - o poder local.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pode, é certo, dizer-se que a ausência se deve em primeira linha ao facto de o poder local não se ter feito convidar ... De facto, onde está o movimento de opinião por parte de autarcas e órgãos autárquicos reclamando a institucionalização urgente deste mecanismo? Os Srs. Deputados sabem perfeitamente que esse movimento não existe.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mais: sabem perfeitamente que esta questão não está na ordem do dia da vida do poder local democrático; sabem perfeitamente que são outras, mais instantes, as fundas preocupações de um poder local tão ameaçado que bem se pode dizer que luta pela sobrevivência!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Colocada no quadro e no momento de uma contundente operação contra a autonomia e eficácia do poder local, este debate assume, devemos dizê-lo, o carácter bizantino da discussão do sexo dos anjos quando o «Império» está a arder ...
De facto não se pode falar, como aqui foi feito, de «progresso do poder local» quando o conjunto de diplomas aprovados pelo governo, o chamado «pacote autárquico», aponta para o retrocesso, para o reforço dos mecanismos de tutela governamental sobre as autarquias, espartilha a sua acção e faz da «dissolução» uma arma de pressão com vista à submissão dos órgãos autárquicos às directivas dos Srs. Ministros.
Não tem sentido falar em «maior democraticidade das decisões» quando a revisão da lei de atribuições das autarquias e competências dos seus órgãos restringe

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o número de eleitos, em tais termos que em numerosos órgãos autárquicos, se não for revogado o Decreto-Lei n.º 100/84, deixariam de ter expressão forças políticas minoritárias que obtêm significativas votações e neles hoje têm assento, diminuindo-se assim o alcance do princípio democrático (e constitucional) da representação proporcional. É pouco curial falar em «maior participação das populações» quando neste mesmo tempo através do escandaloso e repudiado Decreto-Lei n.º 116/84 se impõem limites ao número de trabalhadores das autarquias e assim, reflexivamente, se tenta impor despedimentos e limitar drasticamente a realização de obras por administração directa, através das quais em múltiplos casos se concretiza, desenvolve e aprofunda uma efectiva participação das populações.

Aplausos do PCP.

E, finalmente, não é possível concretizar uma «maior estabilidade das decisões» quando precisamente no novo regime de finanças locais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 98/84, não é fixada qualquer percentagem mínima de participação do poder local nas despesas globais do Estado, colocando assim as autarquias na total dependência dos governos e das sucessivas maiorias políticas e colocando os órgãos autárquicos na permanente incerteza e instabilidade sobre qual o volume da receita de que poderão dispor no ano seguinte!
Atulhado de problemas, sem meios financeiros, a pagar altos juros, a receber competências sem os correspondentes meios, ameaçado por uma legislação espartilhante, o poder local tem sido aqui o grande ausente.
Nada disse o poder local sobre as soluções propostas, sobre a oportunidade de iniciativa. Não se manifestou, nem a favor nem contra.
Pura e simplesmente, não se manifestou.
É difícil conceber como é possível alguém meter-se a regulamentar uma questão tão delicada sem conhecer o ponto de vista dos interessados, das autarquias locais.
É, infelizmente, o que está a suceder ao tomar-se como único ponto de referência as questões relativas à problemática da democracia participativa.
Analisemo-las, portanto.
É bom que, em primeiro lugar, fique claro que as consultas locais (ou os referendos) não são o alfa e o omega da democracia participativa. São uma entre múltiplas formas.
O artigo 2.º da Constituição refere como princípio fundamental do Estado de direito democrático o «aprofundamento da democracia participativa» e o capítulo n do título i denomina-se mesmo «Direitos, liberdades e garantias da participação política».
Numerosas disposições da Constituição referem múltiplas formas de participação «na vida política e na direcção dos assuntos públicos do País». Recordem-se, entre outros, o artigo 48.º (direito de participação directamente ou por via eleitoral), o artigo 49.º (direito de sufrágio), o direito de informação dos cidadãos (artigo 48.º, n.º 2), o direito de petição (artigo 52.º, n.º 1), o direito de acção popular (artigo 52.º; n.º 1), o direito de constituição de organizações populares de base territorial (artigo 263.º), o direito de participação na administração da justiça (artigo 217.º, n.º 2).
Noutro plano, recordem-se, entre outros, os direitos das organizações de trabalhadores de participarem na elaboração da legislação do trabalho, o direito de participação na gestão das instituições de segurança social, a gestão participada do serviço nacional de saúde, o reconhecimento da iniciativa popular nas questões do ambiente e qualidade de vida, a participação democrática no ensino, a participação na elaboração dos planos económico-sociais.
Não vale a pena, Srs. Deputados, perder muito tempo a descrever o estado lastimoso de desrespeito em que se encontram muitos destes direitos de participação (directa ou indirecta) na vida política, económica, social e cultural do País!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Estes são direitos, inscritos desde 1976 na Constituição, a que as sucessivas práticas governamentais têm obstado, e que estão longe (e por vezes cada vez mais longe) de obter concretização.
Apesar de tudo - e já que se fala de participação na vida política - é bom recordar que, com a nossa oposição, o concelho municipal (o órgão consultivo do município, onde deveriam ter «adequada representação as organizações económicas, sociais, culturais e profissionais existentes na respectiva área» - artigo 253.º da Constituição) passou a ser, após a revisão constitucional, um órgão simplesmente facultativo, o que não se pode considerar propriamente um reforço do sistema de participação dos cidadãos e das organizações que os representam na vida pública ...

Aplausos do PCP.

É óbvio que, nas formas de participação conhecidas doutrinalmente, há também as que são excluídas. Dois exemplos:

1.º A Constituição não prevê a iniciativa popular, que numa das suas vertentes permite aos cidadãos requererem aos seus mandatários, aos eleitos, a elaboração de determinado texto legislativo;
2.º A Constituição não prevê também o chamado recall, ou seja, a cessação de funções de eleitos titulares de cargos públicos por iniciativa dos cidadãos.
A questão está assim naturalmente circunscrita.
Trata-se não de votar uma ideia geral - a de que, dentro de certas regras e baias, existem consultas directas aos cidadãos eleitores a nível local. Essa ideia, essa proposta já foi votada na revisão constitucional, que instituiu (artigo 241.º, n.º 3) consultas directas aos cidadãos eleitores da respectiva área, efectuadas pelos órgãos das autarquias locais, por voto secreto, sobre matérias incluídas na sua competência exclusiva e com fiscalização prévia da constitucionalidade e da legalidade do Tribunal Constitucional.
Do que se trata agora é do resto, do que foi remetido para a lei, da definição de quais os casos, quais os termos e qual a eficácia dessas consultas directas.
É isso que importa analisar, é isso que se vai votar... E não é pouco, Srs. Deputados!
É que estamos numa zona onde nenhuma prudência é excessiva e nenhuma cautela é desnecessária.
O referendo, é sabido, não é intrinsecamente democrático ou antidemocrático. Pode ser uma coisa ou outra. Depende das condições em que é efectuado. De-

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pende da iniciativa da matéria, do modo, das circunstâncias, da garantia da campanha, do controle.
Loewenstein, tilado por Gomes Canotilho, diz: «[...] é portanto conforme o ambiente em que ele aconteceu, ou uma forma altamente refinada ou um instrumento primitivo da formação da vontade do povo ou do Estado.»
Para defesa do referendo, cita-se, e cita-se muitas vezes, a Confederação Helvética, como exemplo de uma democracia consolidada onde a participação dos cidadãos atingiu alta expressão através do uso do referendo. Assim seja. Mas por que se ignora que noutros países, também europeus, e também da democracia consolidada (pelo menos na óptica dos que invocam a Suíça), o recurso ao referendo não tem qualquer tradição?
Na Inglaterra, por exemplo, que outro referendo que não o realizado acerca da adesão à CEE, referendo, aliás, só consultivo, e que. por isso, não vinculava o Parlamento?
Não se esqueça que foi através de um referendo, organizado sob a tutela de Hitler, que a Áustria aclamou a sua anexação pela Alemanha!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E na União Soviética!?...

O Orador: - É neste quadro, complexo do ponto de vista histórico e do ponto de vista doutrinário, que. sem participação dos interessados, sem a opinião e posição dos órgãos do poder local, imputará analisar os 3 projectos de lei que visam regulamentar o artigo 241.º, n.º 3, da Constituição.
Deve dizer-se que essa análise demonstra que não há condições para fazer as opções necessárias e que toda a matéria está imatura e insuficientemente escalpelizada - tudo a confirmar que este debate só se deveria ter realizado a partir de uma ampla intervenção e participação das autarquias locais.
Quanto a todos os pontos chave da regulamentação, reina a dúvida, a contradição e a falta de clareza nas opções.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Assim sucede quanto à iniciativa da consulta, quanto ao órgão competente para deliberação, quanto ao âmbito, quanto à sua natureza, quanto à eficácia, quanto aos prazos, quanto à extensão regulamentador da lei.
Quanto à iniciativa: só dos membros dos órgãos autárquicos, como quer por exemplo o CDS, tão avesso à iniciativa popular que exauturou a proposta pelo Grupo Parlamentar do PCP de, em certas circunstâncias, as petições serem obrigatoriamente apreciadas por este Plenário, descobrindo aí uma «perigosa» intromissão dos cidadãos na vida política efectivada aqui na Assembleia? Ou, ao contrário, admitir certas formas de iniciativa dos cidadãos, como faz a UEDS? Restringir ou ampliar o direito de iniciativa?
Quanto ao órgão competente: um projecto propõe que só os órgãos deliberativos o possam fazer - as assembleias; outro, esses ou os órgãos executivos, conforme as competências respectivas; o terceiro pretende que a deliberação tenha de ser sempre dos dois órgãos, do executivo e do deliberativo. E a questão é tão delicada que num dos projectos, em preâmbulo, se «destapa» um dos graves problemas subjacentes a toda a esta questão - que é a possibilidade de as consultas locais servirem para a criação artificial e desvirtuada de conflitos entre os diferentes órgãos e, porque não acrescentar, entre os cidadãos e os órgãos por eles eleitos.
A questão das matérias está totalmente em aberto todas as matérias ou só algumas? Pode perguntar-se excluir quais e porquê? Mas também se pode perguntar: incluir quais e porquê? É uma análise que não está feita - e é um ponto central, sobre o qual as autarquias e principalmente elas têm tudo a dizer.
Sobre a natureza e eficácia, há no essencial, um pesado silêncio. A expressão «consultas directas» têm origem no projecto de revisão constitucional da FRS, que, recorde-se, se opunha neste campo ao projecto da AD, onde de forma encapotada se acabava por introduzir o referendo nacional, desde logo pela não delimitação rigorosa da entidade competente para desencadear o processo (que poderia até ser o Governo!); e, depois, pela não delimitação das matérias - tudo permitindo a realização do referendo nacional sob a forma de realização simultânea de... 300 referendos municipais! Com a expressão «consultas locais» visavam os seus autores, na expressão do então deputado Almeida Santos: «em primeiro lugar para nos distanciarmos do próprio conceito de referendo e em segundo lugar para usarmos um conceito que não nos vinculasse desde já a um tipo de consulta que pode ser um entre vários e até, em cada caso, o mais adaptado às circunstâncias». [Almeida Santos - debate na CERC, Diário da Assembleia da República, 2.ª série. n.º 49, p. 1020 (85), de 4 de Fevereiro de 1984.1
Do que se trata então? São afinal completamento legítimas as dúvidas colocadas no relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relatório (subscrito pela Deputada Margarida Salema) onde se pergunta: «se a Constituição optou pelo termo 'consulta' é possível que a sua eficácia seja deliberativa no sentido de o seu resultado vincular os órgãos que a suscitaram?»
Mais, ainda neste campo, que tipo de consultas estão a ser propostas? Constitutivas ou ratificativas? Suspensivas, de confirmação ou de sanção? Ou, como resulta dos textos propostos, não se fazem opções e fica o menu completo à disposição de quem delibera? Mais uma vez: qual a opinião das autarquias sobre toda esta matéria?
Muitas outras questões estão também em aberto. Por exemplo: a exigência ou não de maiorias qualificadas para a deliberação, a regulamentação ou não do processo eleitoral, a definição dos agentes da campanha eleitoral (nomeadamente a acção dos órgãos autárquicos envolvidos), etc.
A UEDS regula todo o processo, adaptando a partir do essencial do processo eleitoral para a Assembleia da República (apesar de tudo, aproveita para meter o alargamento do período em que é possível fazer sondagens e para limitar a liberdade de propaganda no período da campanha nos famosos 100 m em volta das mesas de voto ...); o CDS remete tudo isso para as leis eleitorais; o PS e o PSD regulam alguns pontos do processo eleitoral e remetem outros para regras comuns das leis eleitorais.

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E assim, ou são 144 artigos, ou são 9, ou são 48 ...
O que vai ser votado, Srs. Deputados, não é se deve ou não ser prevista a existência de consultas directas aos cidadãos eleitores, de âmbito local. Isso está já resolvido. O que se vai votar é uma regulamentação, e sobre esta regulamentação não há ideias claras, não há a imperiosa participação do poder local, não há suficiente maturação, como ficou demonstrado.
Um debate travado nestas condições não serve, não pode servir, o poder local. Afirmámo-lo no início: não há condições para fazer opções tão importantes e tão delicadas quando está totalmente ausente o principal interessado, o poder local.
Nestas condições, não poderemos votar nenhum dos projectos.
Presume-se que um ou mais desses projectos serão votados favoravelmente pelos Srs. Deputados. Toda a questão passa para especialidade.
Aí, são fundamentadas duas coisas:

Primeiro: que se realize o «debate aprofundado», reclamado - e bem - no relatório da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias e Assuntos Constitucionais;
Segundo: que se faça, finalmente, entrar no debate o poder local, para que deixe de ser o grande ausente, e para que com a sua opinião a sua experiência, o seu interesse se possam encontrar soluções adequadas.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O poder local democrático é uma das grandes conquistas do Portugal de Abril, que deveria ser consolidada nas suas diferentes componentes, particularmente o reforço da autonomia, a garantia da devolução dos meios financeiros necessários, o aprofundamento da democraticidade no funcionamento e na composição dos órgãos.
É isso tudo que está posto em causa no brutal «pacote» feito fora da discussão na Assembleia, feito ao arrepio das opiniões dos órgãos autárquicos, feito com uma pseudoconsulta que não passou de uma mistificação.
Para os democratas, para os que querem o aprofundamento da democracia, a questão do poder local e do ataque que está a sofrer não pode deixar de estar no centro das atenções.
É o apelo que aqui fica: os que estão com o 25 de Abril não podem demitir-se dessa acção decisiva - a defesa do poder local democrático!
O poder local democrático tem de merecer um tratamento diferente por parte desta Assembleia.
O chamado «pacote autárquico» está todo aqui na Assembleia.
Requeremos a sua apreciação, para efeitos de recusa da ratificação ou da alteração.
Requeremos já, e voltamos a fazê-lo agora, que esse debate se faça com urgência antes de terminar esta sessão legislativa, antes de 15 de Junho.
São centenas as moções dos órgãos autárquicos que, de inúmeras formas, reclamam a intervenção da Assembleia da República nesta questão central para o poder local.
Saiba a Assembleia corresponder a este desafio!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Hasse Ferreira pede a palavra para que efeito?

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Era para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): -Sr. Deputado João Amaral, apreciei, como sempre, a sua intervenção, embora a considere parcialmente deslocada neste debate. O Sr. Deputado tentou, inicialmente, de forma mais ou menos hábil, fugir às questões em debate e escamotear a análise das propostas apresentadas. Focou
- e razoavelmente - algumas divergências existentes entre os projectos, mas esqueceu-se de falar de algumas das convergências e, de qualquer forma, o que não deu, pelo menos com clareza, foi a sua posição sobre esses pontos centrais, sobre as questões em debate.
Com efeito, fez-me lembrar um ministro do PSD que aqui falou sobre questões como os salários em atraso. Teve esse ministro, em meu entender, uma atitude simétrica: disse que havia uma certa confusão, propostas diversas, etc., mas, no fundo, não se pronunciou sobre questão nenhuma.
Para mim - e não sei se posso interpretar essa sua intervenção como expressão da sua bancada-, no fundo, fica a ideia de que isto da democracia directa, da democracia representativa, só a contragosto é aceite por VV. Ex.ªs. Os senhores tem uma proposta política - que consideram democrática - de institucionalização que não á nossa, estão adaptados e inseridos numa estrutura de trabalho parlamentar, mas com o estilo do que VV. Ex.ªs consideram uma construção democrática. Era isto que gostava de ver clarificado.
Gostaria ainda de ser elucidado em relação a outro ponto. O Sr. Deputado enquadrou este debate numa estratégia maquiavélica de combate ao poder local. Não sei se o Sr. Deputado João Amaral tem presente que o primeiro projecto neste sentido é da UEDS - e não me estou a gabar por esse facto, até porque o presente diploma foi redigido antes de eu ser eleito deputado-, mas gostava que o Sr. Deputado clarificasse se considera também que este está inserido numa estratégia desse tipo.
Quanto ao poder local, a analogia que me veio à ideia foi a seguinte: será que o Sr. Deputado quererá introduzir na análise deste processo alguns expedientes, quando, na discussão de outro caso, como o de Vizela, deputados do seu partido o fizeram, batendo-se para que esse tipo de expedientes de consulta não fosse utilizado? E que os representantes dos interessados estão efectivamente aqui presentes, pois os interessados, aqui, são os cidadãos e não apenas o poder local.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral pediu a palavra para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Eu queria só obter da Mesa a informação relativa ao tempo de que ainda disponho.

O Sr. Presidente: - Dispõe de 10 minutos, Sr. Deputado.
Tem a palavra Sr. Deputado Silva Marques.

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, o projecto da AD a que se referiu, e por maioria de razão o do PSD, por força do pensamento de Sá Carneiro, não pretendia introduzir o referendo de forma encapotada. Protesto contra esta afirmação, Sr. Deputado: a verdade é que pretendia introduzi-lo de forma clara!
Posto isto eu diria - e V. Ex.ª esclarecer-me-á sobre o assunto- que a sua intervenção entrou desprogramada, visto que se referiu a uma abundância de teses e contraditas que ainda não chegaram.
De qualquer forma, V. Ex.ª fez-nos uma sugestão maliciante: aprofundar o debate sobre os mecanismos da democracia participativa. Só que aprofundou pouco, sobretudo, até porque se referiu a tudo menos ao tema que estava em discussão.
Não obstante, trouxe algum esclarecimento a sua tese acerca da bondade do referendo e ficámos a saber que o Partido Comunista nem é contra nem é a favor, antes assim, antes assado, mas, sobretudo, que o admite em certas circunstâncias e essas sabemos nós quais são. São as circunstâncias em que o Partido Comunista aceita todos os mecanismos participativos, mesmo aqueles que em princípio não pertencem à sua filosofia, quando os pode organizar.
De qualquer modo, V. Ex.ª referiu-se, em termos acusatórios, a imensas coisas e, em vez de contribuir para discutir de forma concreta esta questão, preferiu um discurso lateral ao problema. Eu não vou pedir a V. Ex.ª que nos esclareça melhor a sua posição acerca desta questão, até porque o Partido Comunista, desde há bastante tempo, nunca esclarece as suas posições definitivas, pois dá uma na teoria e outra na prática. É o que, aliás, se viu: sobre esta questão, hoje, disse aqui que sim, que não e que talvez e quando se votou, em sede de revisão constitucional, absteve-se. Sr. Deputado João Amaral, por este andar o Partido Comunista, o seu pensamento e o marxismo-leninismo estão transformados num monstruoso camaleão -de tal forma camaleão que não tem cor- que de pertinácia apenas tem a violência linguística!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvimos a intervenção do Sr. Deputado do Partido Comunista e poderíamos dizer que, no fundo, há diatribe contra a falta de ideias claras em questões que poderão ser discutidas e ter solução final no debate da especialidade. No fundo há uma diatribe contra a falta de audição das autarquias. Nós apresentámos, conjuntamente com o PS, um projecto que é, sobretudo, uma procura, uma vontade de afirmação da importância da matéria, que não é, sem dúvida, e desde logo, um conjunto de opções, de afirmação de ideias claras que tenham de vencer, mesmo na própria especialidade. E, no fundo, o revelar da importância dessa mesma matéria. Todos os projectos terão coisas piores e melhores, todos eles poderão ser, até, complementares e poderão ser votados na generalidade e posteriormente, na especialidade, chegar-se à melhor solução.
No entanto, o discurso do deputado do Partido Comunista é para nós algo de incompreensível: aflora o problema de ideias no que diz respeito aos casos e à
matéria. A Constituição, no fundo, permite-nos ponderar e debater isto; pessoalmente penso que deverá ter-se uma interpretação lata do sentido do texto constitucional. Não falo apenas de matérias cuja decisão cabe, em última instância, à autarquia, mas daquelas, até, sobre que se possa também pronunciar. Nós, na lei quadro da criação de municípios, até pomos a possibilidade do referendo para a criação de autarquias, para ouvirmos a opinião das populações -e aqui seria de carácter consultivo-, apesar de a decisão final caber ao próprio Parlamento. Não vejo, aliás, que haja qualquer inconstitucionalidade nisso.
No campo da eficácia, falamos no nosso projecto na possibilidade de o referendo ser consultivo, mas porque não também deliberativo? Até porque pode ser a solução mais adequada para, numa experiência que se inicia, não criar a possibilidade de, sobretudo em domínios importantes, pôr, desde logo, em oposição o órgão representativo da vontade directamente consultada.
No que diz respeito à competência, a Constituição fala nos órgãos. As soluções dos vários projectos não são corripletamente iguais, mas porque não acatarmos outra solução que nos pareça mais adequada? Estamos prontos a debater a questão de ser a Assembleia o órgão que, no fundo, delibera a nível autárquico, embora, para não se expropriar a competência dos executivos, sempre que se trate de matéria da sua competência, a proposta possa ter que vir destes órgãos. Porque não? Isto é, todos os projectos são uma boa base de debate para um projecto final e coerente. Agora, em relação à consulta das autarquias, nós temos consultado os nossos autarcas. Em relação & outros diplomas, já depois de um primeiro debate e primeira apreciação, se tem feito consultar as autarquias. Porque é que neste caso isso não pode acontecer? Aqui fica a minha pergunta: porquê a questão da falta de ideias claras, quando o debate da especialidade as pode trazer? Porquê esta diatribe quanto à falta de audição das autarquias, incompreensível em face ao paralelismo de outras situações?

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Começo por me congratular pela desnecessidade que pelos vistos houve da apresentação dos projectos. Estes estavam distribuídos e o Sr. Deputado João Amaral mostrou-se perfeitamente conhecedor do seu conteúdo.
A atitude do CDS, ao colocar-se à disposição da Câmara para intervir na apresentação ou não do seu projecto, dado que o tempo global não é assim tão abundante que permita duas intervenções, foi a de deixar bem marcado que a iniciativa propriamente dita deste processo se deve à UEDS e que os autores dos outros projectos deveriam inserir-se na discussão deste conjunto de iniciativas.
Portanto, na apresentação cabia um discurso da UEDS, e quero deixar bem marcado que ela é que tinha a primeira iniciativa e que as outras intervenções deveriam fazer-se durante a discussão.
Mas não houve grande mal, porque a primeira intervenção de um não apresentante, a do Sr. Deputado

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João Amaral, mostrou-se esclarecida e até, talvez, um pouco esclarecida de mais nesta matéria.
Devo dizer que não estou de acordo com o Sr. Deputado Silva Marques porque, concluída a intervenção do Sr. Deputado João Amaral, que fez aqui o processo do referendo como instituto democrático de consulta directa às populações em geral e não apenas no âmbito local, deixando-o enterrado, o Sr. Deputado ficou por uma posição mal definida. É que o Sr. Deputado João Amaral e o seu grupo parlamentar manifestaram-se contra o referendo, embora estranhamente se tenham manifestado a favor da abstenção quando foi introduzido o n.º 3 do artigo 241.º da Constituição de 1982.
Sr. Deputado, o que eu queria deixar como pergunta era pedir-lhe que se pronunciasse claramente sobre os pontos divergentes e os pontos comuns que encontrou nos vários projectos' e apontasse as suas críticas concretas e não a crítica vaga de que a matéria está mal definida.
Sr. Deputado, estamos ou não perante uma norma constitucional à qual tem de ser dada sequência através da lei ordinária? Como é que a bancada do Partido Comunista Português se pode imiscuir nesta matéria de ser ela a fixar as prioridades para o desenvolvimento das normas constitucionais? A UEDS utilizou ou não um direito seu? Marcou ou não esta sessão, no uso de um direito seu, para tratar desta matéria? É ou não verdade que o Partido Comunista Português, assim como os outros partidos, tem à sua disposição o instituto da ratificação para chamar a esta Câmara o célebre pacote autárquico? É ou não verdade que podem também usar o direito de marcação para se discutir, tão brevemente quanto possível, esse pacote autárquico?
O Sr. Deputado João Amaral iludiu a Câmara e iludiu as pessoas que vão ter conhecimento deste debate com a intervenção que acabou de produzir.
É bom que fiquem bem claras as suas posições e era neste sentido que lhe pedia estes esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Sr. Deputado João Amaral, naturalmente que a quem ouviu a sua intervenção a primeira pergunta que lhe ocorre é esta: por que é que o PCP tem medo das consultas directas? Porque todo o miolo da sua argumentação é dizer: «sim senhor, está muito bem, as consultas directas são uma forma de participação, mas não já; há muitas coisas para fazer, deixemos esta para mais tarde, porque o poder local não precisa dela».
Nós compreendemos o medo que o Partido Comunista tem das consultas locais às câmaras onde ele tem a maioria absoluta e da maneira como usa esta competência contra as próprias populações. Isso seria uma das formas de trazer à razão -trazer ao livro, como se costuma dizer- essas mesmas autoridades locais, que usam e abusam do poder através das consultas directas. E nós compreendemos este receio do PCP ...
Mas, já que também estamos a tratar deste problema, perguntava o seguinte: é preciso, Sr. Deputado, que todos os partidos sigam a mesma técnica que o seu segue? Ao elaborar um projecto de lei, é preciso que um partido organize primeiro as chamadas movimentações populares com um braço e depois, com o seu braço parlamentar, venha dizer que, «porque existe aquela movimentação popular que eu organizei, agora preciso de fazer uma lei e por isso é que apresento este projecto»?
Já que está em discussão quem é que desprestigia mais esta Câmara, eu perguntava: ao lado de outras autoridades que aqui ouvimos há poucos dias, o PCP também está apostado em desprestigiar esta Câmara?
Então os deputados não podem apresentar, por sua livre iniciativa, qualquer projecto de lei no legítimo direito que lhes cabe de representar o seu eleitorado? São precisas outras manifestações? São precisos «poderes locais»? Ê preciso que as pessoas andem a pintar as paredes com os ditos que vão nos envelopes e através dos controleiros para depois virem cá apresentar as leis?

Risos do PCP.

Nós não precisamos de controleiros, não precisamos de pintar as paredes antes de apresentarmos qualquer projecto de lei!
E digo-lhes mais: desde o momento que um deputado tenha a plena consciência de que com o seu projecto de lei pode satisfazer algum interesse nacional tanto basta, sem qualquer movimentação ou contra movimentação, fazê-lo. Aí é que está a legítima defesa dos deputados e não abrindo inquéritos sobre falsos problemas de deputados.
Em terceiro lugar, queria perguntar-lhe o seguinte: pensa ou não que, estando em aberto uma norma constitucional, é dever desta Assembleia da República regulamentar quanto antes esta lei, principalmente tratando-se de leis que aprofundam a democracia social e que dão voz directa às populações a fim de tratarem dos seus próprios problemas?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Vou referir-me a uma questão de pormenor, uma das muitas que gostaria de lhe colocar, se porventura tivéssemos tempo para as aprofundar.
O Sr. Deputado João Amaral colocou uma dúvida suscitada pela Sr.ª Deputada Margarida Salema para se interrogar se a própria Constituição não conteria já uma resposta quanto à eficácia das consultas locais ao ter optado pelo termo «consultas» em vez do termo «referendos».
Sr. Deputado, acha que nessa matéria pode haver qualquer dúvida? Dúvida de que a Constituição não se pronunciou? Penso que não pode haver dúvida nenhuma porque se a Constituição optou por consultas locais também diz, no n.º 3 do artigo 241.º, que a eficácia será definida por lei regulamentar. Isto é, não há nenhuma opção, nenhum constrangimento da Constituição nesta matéria.
Não percebo, pois, como é que essa dúvida pode ter sido levantada e retomada. Se a retomou apenas para encher o seu discurso, está bem, mas se a retomou é porque a considerou minimamente fundamentada. E como não tive ocasião de a colocar à Sr.ª Deputada Margarida Salema, coloco-lha a si, porque, seguramente, não a levantou para nos fazer perder o nosso e o seu tempo.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): -Vou tentar responder às questões centrais de uma forma sintética.
Devo dizer que o que nós procurámos na intervenção que produzi foi sublinhar que o que estava em discussão era aquilo que estava para além do artigo 241.º, n.º 3, ou seja, a regulamentação dos casos, dos termos e da eficácia das consultas directas aos cidadãos eleitores. É isto que, claramente, está em discussão e não votar esse artigo, que ia foi votado a seu tempo, na revisão constitucional.
E como disse alguém da bancada do CDS, nós tivemos uma posição de abstenção em relação a esse artigo, justamente à espera da regulamentação.
O que está, pois, em discussão é a regulamentação. E neste ponto procurámos sublinhar duas coisas: não se trata só de analisar esta questão do ângulo da concretização da democracia participativa mas também do ângulo do capítulo onde se insere, do ângulo do poder local. E porque os 2 ângulos têm de estar presentes é que é necessário que a análise tenha em atenção as duas componentes da realidade que está subjacente ao artigo 241.º, n.º 3.
Ora, nós pensamos, naquilo que aqui foi dito como lateral, que hoje o poder local democrático sofre uma grave ofensiva e pensamos que este debate legítimo, da iniciativa da UEDS, e de marcação legítima - tão inquestionável que não vale a pena falar-se nisso-, do nosso ponto de vista, carece de um pressuposto, que é o mais largo, ou seja, o de ele próprio se inserir numa actuação global da Assembleia em defesa do poder local democrático.
Por isso é que pus a questão da urgência da discussão do pacote anti-autárquico.
Não pus a questão de que se adiasse este debate. Perguntei: algum dos projectos passará? Presumo que sim!
Pus a questão central na especialidade, e na especialidade é necessário o debate aprofundado que reclama o parecer submetido à apreciação da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias.
Esse debate aprofundado tem a ver, em primeiro lugar, com a elencagem das questões submetidas à apreciação desta Câmara.
E, ao fim e ao cabo, Srs. Deputados, a iniciativa é de quem? A deliberação é de quem e sobre que matérias? Deliberação em que termos? Com maioria qualificada ou não? Regulamentação completa ou não? Etc., ... Srs. Deputados, comparando os 3 projectos está tudo em aberto e nada está amadurecido, portanto deve-se fazer aqui um debate aprofundado, e também com o poder local.
Não nos podemos esquecer que podemos e devemos aprofundar os mecanismos de democracia participativa, que, aliás, têm muitas vertentes da Constituição, tendo eu sublinhado não só esta mas muitas outras como a gestão do Serviço Nacional de Saúde, o direito de participação dos trabalhadores na elaboração da legislação de trabalho, etc. Todos eles são mecanismos de participação dos cidadãos na vida pública, que devem ser aprofundados.
Mas, Srs. Deputados, não podemos fazer deste problema concreto uma arma contra ou a favor do poder local. Ele tem de ser visto como constituindo um compromisso com o poder local para sua defesa, para garantia da autonomia, para garantia do seu aprofundamento, para garantia da realidade de Abril que e fundamental que se exiba para o Portugal democrático.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ultrapassámos já a hora regimental do intervalo, pelo que declaro suspensa a sessão por 30 minutos.

Eram 17 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Basílio Horta.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- Dá-me licença que interpele a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, penso que o debate que estamos a travar tem uma grande importância, que, aliás, já foi referida ao longo de diversas intervenções, e julgo que não será dignificante para esta Assembleia que o nosso colega Vilhena de Carvalho use da palavra quando não há nada que se pareça com o quórum de funcionamento necessário para que a Assembleia possa reunir. Creio que um esforço por parte das direcções dos grupos parlamentares, no sentido de chamar os Srs. Deputados ausentes da Sala, seria necessário antes de se dar a palavra ao Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu comungo das suas preocupações e tanto assim é que fiz dois apelos nesse sentido. Acontece, porém, que os nossos trabalhos estão 30 minutos atrasados e eu não gosto de presidir à Assembleia sem método nem rigor.

Pausa.

Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é sabido, a Assembleia da República, quando da revisão constitucional operada em 1982, admitiu, proclamou e reconheceu expressamente o instituto do referendo a nível autárquico com a denominação de «consultas directas aos cidadãos eleitores».
Os debates que, a este propósito, tiveram lugar quer no âmbito da Comissão Eventual de Revisão da Constituição, quer no Plenário, entre outros méritos, permitiram aclarar a questão que para muitos era, pelo menos, equívoca, sobre se, no silêncio da Constituição, o referendo nacional era ou não legítimo e possível.

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Se lembramos o facto, é apenas para registar com agrado o exercício correcto de memória feito pela maioria dos partidos representados nesta Assembleia sobre a conhecida e recente consulta que a este respeito lhes foi feita.
Ora, os projectos de lei sobre que recai a nossa apreciação relevam, todos eles, da unívoca interpretação do texto constítucional, no sentido de que este apenas contempla o referendo a nível local, na consagrada fórmula de «consultas directas aos cidadãos eleitores»
Trata-se, pois, de dar conhecimento, através da fixação dos contornos do respectivo instituto, ao preceituado no artigo 241.º, n.º 3, da Constituição e apraz-nos reconhecer que, sendo esta matéria da competência exclusiva da Assembleia da República, como decorre do artigo 167.º, alínea f), do texto constítucional, 4 dos partidos representados nesta Assembleia, através de iniciativas próprias, desencadearam o competente processo legislativo em curso, o que parecia ignorado em declarações aqui prestadas a alto nível, há bem poucos dias.
Está-se dando, assim, uma eficiente resposta e um cumprimento, que se não tem por retardado, a obrigações que impendem sobre esta Assembleia por imperativo constitucional.
Julgamos ser também de registar que a Assembleia da República, em sede de revisão da Constituição e apesar de o nosso sistema político ser marcada e caracterizadamente um sistema que se reclama dos princípios da democracia representativa, não só não receou como ousou, por iniciativa própria, abrir mão de fórmulas tributárias dos sistemas de democracia directa, como é o caso do referendo.
Não será ainda de abstrair, no momento em que discutimos os «casos, os termos e a eficácia» em que as consultas directas aos cidadãos eleitores podem ter lugar, que estas não têm, por um lado, tradição jurídica entre nós; por outro lado. que nem a sua constitucionalização nem a sua regulamentação se apresentam como expressão reivindicativa das autarquias locais, mas, apenas, como resultado da vontade política maioritária desta Assembleia, claramente significativa, de dar cada vez mais voz e mais acentuada participação na vida pública a todos os cidadãos, embora se ponham de algum modo em causa, a âmbito local, os princípios de democracia representativa também presentes no momento da construção do poder autárquico.
A invocação destas circunstâncias tem para nós o sentido de que se deverá procurar, nesta matéria, o mais alargado consenso possível quanto às soluções a adoptar, já que se trata de uma experiência cujo êxito ou inêxito terão a ver, à sua dimensão, com o sistema democrático que erigimos depois do 25 de Abril.
Se os parlamentares são, em regra, contra os referendos pela desconfiança que sobre eles próprios o referendo pode traduzir, há-de acautelar-se, ao legislar sobre referendos locais, quanto a não se instituir um processo de desconfiança contra os legítimos representantes dos cidadãos dos órgãos de poder autárquico.
A preocupação que nesta Assembleia tem desde sempre predominado, no sentido de dar ao poder local a importância que lhe cabe no estado de direito cujas regras nos cumpre sucessivamente aperfeiçoar, de certo vai estar presente no estabelecimento dos contornos do instituto do referendo a nível local.
A verdade, porém, é que os 3 projectos de lei submetidos à nossa apreciação se distanciam em pontos fundamentais.
Coincidindo embora quanto ao fazer-se incidir o referendo apenas sobre matérias incluídas na competência exclusiva dos órgãos das autarquias locais, como decorre, aliás, do imperativo constitucional, já a questão da sua iniciativa e do órgão ou órgãos com competência para o ordenar é tratada de maneiras diferentes.
Assim, tanto se exclui, como se admite, a iniciativa popular para a realização das consultas directas; tanto se exclui, como se admite, a competência dos órgãos executivos para deliberarem sobre essa mesma realização.
Ora, a nós parecer-nos-ia que, na fase iniciática do processo do referendo, o poder de deliberar deveria caber exclusivamente às assembleias e não aos órgãos de carácter predominantemente executivo e que, excluir para já a iniciativa popular seria reduzir possíveis situações de conflito entre os cidadãos eleitores e os órgãos legitimamente eleitos.
Um outro ponto importante que encontra soluções diferentes nos 3 projectos de lei, respeita à eficácia das consultas directas.
Por um lado, o CDS atribui sempre às consultas directas uma eficácia deliberativa; por outro lado, o PS e o PSD conferem-lhe sempre uma eficácia meramente consultiva e a UEDS faz depender de deliberação prévia a eficácia consultiva, pelo que estabelece, como norma, a eficácia deliberativa das consultas.
A solução para que propendemos é esta última ...

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS):- Muito bem!

O Orador: -.... pelas seguintes e breves razões: conceder às consultas directas, sempre uma eficácia meramente consultiva, seria minimizar, à partida, a importância da participação dos cidadãos eleitores na vida colectiva; seria também colocar os órgãos insatisfeitos com os resultados das consultas, perante uma das seguintes situações: ou acatavam a contragosto esses resultados, não lhes restando, honore causa, senão demitirem-se, ou os não acatando, dando lugar, inevitavelmente, a conflitos, que de todo se devem evitar, entre os órgãos eleitos e os eleitores.
Inculcar a ideia, como já temos visto sustentar, de que a eficácia meramente consultiva decorre da própria expressão constitucional «consultas directas», é ignorar, além de outras, duas coisas: por um lado. que o próprio texto constitucional deixa ao legislador ordinário a liberdade de, nos termos que entender, fixar a eficácia das consultas; por outro lado, é ignorar que em termos de doutrina se faz equivaler a expressão «referendo» à de «consulta popular directa», o que pode ver-se em qualquer manual de ciência ou de sociologia política.
O referendo local deve, pois, como regra, ser deliberativo e vincular, portanto, todos os órgãos da autarquia em cujo âmbito tiver lugar.
Dizer que a eficácia deliberativa deve funcionar como regra, é deixar implícito que, a título excepcional e em situações que acautelem devidamente os inconvenientes que apontámos para uma solução que estabelecesse sempre os efeitos meramente consultivos do referendo, já estes efeitos poderão e talvez devam ser fixados na lei em elaboração.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um outro ponto que nos parece carecido de alguma reflexão é o do conteúdo das consultas directas.
Os projectos de lei da UEDS e do CDS bastam-se com a transcrição do texto constitucional quanto à possibilidade de as consultas poderem incidir sobre matérias incluídas na competência exclusiva dos órgãos das autarquias locais.
Mas parece dever perguntar-se: pode ou não e vai ou não o legislador ordinário fixar quais as matérias da exclusiva competência dos órgãos autárquicos que podem ser objecto de consulta?
Quanto a nós, o legislador ordinário tem legitimidade para excluir, de entre as matérias referidas, as que não podem ser objecto de consulta.
Foi, aliás, o critério adoptado pelo PS e pelo PSD.
Só que a exclusão das «questões financeiras», sem qualquer especificação, poderia conduzir à exclusão de todas as questões, pois dificilmente se poderá idealizar o caso de uma consulta que não tenha implicações de carácter financeiro.
Por outro lado, sustentar-se, pela negativa, que não podem ser objecto de consultas locais aquelas questões que, pela sua natureza, sejam insusceptíveis de tais consultas, é, em vez de definir, confundir.
De que «natureza» se trata e quais os casos que possuem essa mesma natureza é o que os executores da lei não deixarão de nos exigir, a nós, que nos achamos a elaborá-la.
Cumprirá, assim, que se antecipem as respostas a perguntas inevitáveis e já previsíveis.
Uma outra questão que a própria Constituição se preocupou em tratar foi a que respeita ao processo de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade das consultas directas.
Trata-se de um assunto de grande importância, sobretudo porque através dessa fiscalização, cometida ao Tribunal Constitucional, se evitarão situações incómodas como seriam as criadas por referendos realizados a respeito de matérias fora das competências das autarquias locais e que, previsivelmente, dariam lugar a confrontos entre as autarquias e os próprios órgãos de soberania.
Mas, como muito bem se acentua no parecer da Sr.º Deputada Margarida Salema, produzida no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, importará «desburocratizar» o sistema que nos é proposto, «para que se não alongue excessivamente a apreciação preventiva da consulta, sob pena de esta perder a sua utilidade».
Por excesso se pecará também, se a opção for a de regulamentar, até à saciedade, toda a matéria que respeita ao processo eleitoral, no caso das consultas directas, por simples transposição dos preceitos da Lei Eleitoral.
Proceder assim é correr o risco de, a cada revisão da Lei Eleitoral, ver desactualizada a lei sobre as consultas directas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As observações, ligeiras aliás, que acabamos de fazer a respeito dos projectos de lei em debate não põem de nenhum modo em causa o voto favorável que a todos eles vamos dar, na generalidade, e não tem outro sentido que não seja o de acentuar que é no aprofundamento das questões suscitadas por todas as bancadas que se poderá originar o consenso que, em matérias desta natureza, é não só possível como desejável.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, queria apenas colocar-lhe uma questão pelas incidências que, no aspecto geral, ela tem em matéria de referendo, e por aquilo em que se pode traduzir o referendo em termos de aperfeiçoamento do próprio sistema político português. A minha questão tem, pois, a ver com a natureza meramente consultiva ou deliberativa do referendo.
Sendo certo que o referendo que aqui estamos a discutir neste momento tem a ver apenas com questões de natureza local e havendo uma proximidade bastante grande entre as assembleias e os órgãos executivos locais, julgo que abrirmos, ainda que excepcionalmente, a possibilidade de essas consultas terem uma natureza meramente consultiva pode vir a criar ou situações de impossibilidade dos próprios órgãos poderem afirmar a sua vontade política autónoma, que é legalmente reconhecida, ou então, ao nível local, situações semelhantes ao veto de bolso, isto é, pode acontecer que, perante uma situação em que um corpo eleitoral muito restrito se pronuncia num determinado sentido, seja essa mesma vontade politicamente bloqueada pelo órgão que igualmente os representa.
Julgo que este é um risco que, do ponto de vista político geral do País, deverá ser evitado. É preferível a manutenção da sua natureza deliberativa, que colocará os órgãos locais numa ponderação mais exigente acerca dos momentos e dos casos em que essa consulta deverá ser feita, evitando, assim, esses inconvenientes.
Parece-me que não é correcto analisar do ponto de vista puramente teórico qual o melhor caminho para definir a natureza do referendo. A realidade é, portanto, esta, e julgo que seria boa pelo menos alguma jurisprudência de cautelas.
Gostaria, pois, de saber se o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho partilha de alguma forma destas minhas preocupações.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, dado não haver mais inscrições para lhe pedir esclarecimentos, concedo-lhe de imediato a palavra para responder, se assim o desejar.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Gostaria de começar por agradecer ao Sr. Deputado Azevedo Soares o pedido de esclarecimento que me dirigiu, mas penso que a resposta estava contida na minha intervenção. Porque durante uma boa parte da minha intervenção o barulho que se fazia sentir na sala era um pouco desusado, talvez V. Ex.ª não tivesse atentado aos meus pontos de vista a este respeito. No entanto, tenho muito gosto em repetir-lhos.
Na realidade, não me coloquei num plano meramente teórico quando propendi para a eficácia deliberativa do referendo. Dei até exemplos de como a prática nos poderia conduzir se o referendo fosse, como se pretende no projecto de lei do PS e do PSD, sempre consultivo -que é, digamos, o caso extremo-, pois isso poderia dar lugar a situações - e aqui procurei antecipar-me à realidade - que

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nos poderão efectivamente oferecer exemplos (que dei) que, de todo em todo, contra-indicam, mesmo teoricamente, o sustentar-se que o referendo deve ter eficácia meramente consultiva. Mas, se por esta via fui levado a aceitar a eficácia oposta -a eficácia deliberativa-, como regra também não quis fechar definitivamente a porta à possibilidade de, em certos e determinados casos - e referi quais -, o referendo ter uma eficácia meramente consultiva. E quais são esses casos? Seriam todos aqueles em que os riscos que eu pretenderia acautelar pela não consagração da eficácia consultiva se não verificassem.
Claro que o Sr. Deputado Azevedo Soares pode dizer-me: isso é muito lindo teoricamente, mas na prática quais são as situações que vamos prever e cujos contornos vamos fixar na lei para, por uma forma eficaz, prevermos apenas o efeito meramente consultivo sem quaisquer inconvenientes? Bom, quanto a isso deixo um pouco à imaginação do Sr. Deputado, que certamente vai participar nos trabalhos da comissão, o prefigurar ou, melhor, o condicionar o efeito consultivo àqueles casos que bastante apertadamente forem mencionados na lei a elaborar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Moniz.

O Sr. José Moniz (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O n.º 3 do artigo 241.º da Constituição da República, na redacção que lhe foi dada pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, veio consagrar o instituto do referendo local, sob a designação, que poderíamos classificar como de bacteriologicamente pura, de «consultas directas aos cidadãos» ...
Mas, porque «por dentro das coisas é que as coisas são», como diz um poeta do nosso tempo, ninguém duvida que o que o legislador constituinte introduziu no nosso ordenamento jurídico foi efectivamente o referendo local, incidindo «sobre matérias incluídas na competência exclusiva das autarquias locais, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer». A Assembleia da República, ao exercer a competência legislativa indelegável que lhe é conferida pela alínea f) do artigo 167.º da Constituição, preenche, assim, a reserva de lei prevista no texto constitucional, delimitando com precisão os contornos do instituto referendário que constitui, em matéria de organização do poder local, a mais relevante inovação da primeira revisão constítucional.
O CDS, ao apresentar um projecto de lei alternativo, não pode eximir-se a prestar publicamente homenagem à UEDS, esclarecendo desde já que não é movido por outro propósito que não seja o de dar o seu contributo a um debate que se deseja amplo sobre uma matéria de indiscutível relevo político e de considerável alcance prático.
E fá-lo animado por uma profunda convicção de que o legislador ordinário deve ser prudente e usar das maiores cautelas se quiser contribuir para que o instituto ganhe raízes entre nós, afastando do horizonte quer as ambições desmedidas quer as tibiezas paralisantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República é confrontada com a tarefa de recortar, com nitidez e precisão, um novo instituto que o legislador constituinte apenas delimitou quanto ao seu objecto.
deixando tudo o resto na inteira disponibilidade do legislador ordinário. Pondo de lado os aspectos técnicos ou meramente processuais a debater em sede de discussão na especialidade, ou a remeter para um diploma regulamentar, esta Câmara tem de se pronunciar sobre questões relativas à eficácia do referendo - deliberativa, como sustenta o CDS, meramente consultiva, como defendem o PS e o PSD, ou ambas, como defende a UEDS -, à capacidade de iniciativa susceptível de desencadear o mecanismo referendário, à competência para deliberar a realização do referendo, à natureza constitutiva ou apenas ratificativa da consulta. São estas, do nosso ponto de vista, as principais questões que, politicamente, se colocam à Assembleia da República. E o CDS entende que a resposta a essas grandes questões deve ser dada tendo sempre presente o País que somos e a realidade da nossa vida local, onde sobressai claramente o papel das câmaras municipais, ainda que isto nos leve a afastar-nos de alguns princípios abstractos, por mais atractivos que eles sejam conceptualmente, bem como de algumas experiências estrangeiras, cujo mérito se não nega, mas que não são transponíveis sem necessárias adaptações.
Por isso mesmo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o CDS preconiza um sistema de co-responsabilização ou de colaboração dos órgãos deliberativos - as assembleias- e dos órgãos colegiais executivos das autarquias locais na decisão de realizar o referendo, reconhecendo muito embora que, nesta matéria, a solução proposta pelo PS e pelo PSD é claramente preferível à sustentada pelo projecto de lei apresentado pela UEDS. Pensamos, no entanto, que a melhor forma de evitar desnecessários conflitos entre órgãos diferentes da mesma autarquia, sobretudo a nível municipal, que é o que mais importa, é a iniciativa caber ao órgão executivo e a decisão final à assembleia. Assim se preserva melhor a supremacia dos órgãos executivos que as populações geralmente reconhecem quando não mesmo estimulam, mantendo-se na íntegra a plenitude da capacidade fiscalizadora das assembleias. Por outro lado, e agora noutra perspectiva, não nos parece prudente nem curial admitir desde já, antes de adquirir uma certa experiência colectiva, a iniciativa popular, que poderá ser um factor de agravamento de rivalidades, às vezes ancestrais, entre comunidades vizinhas, além de ser também um factor de constante pressão sobre os órgãos autárquicos, que actuam num sistema que por si próprio não fomenta nem a rapidez nem a eficácia do processo de tomada de posições.
Finalmente, e quanto à eficácia do referendo, pronunciamo-nos claramente pela eficácia deliberativa. É que tememos que a mera eficácia consultiva conduza a uma multiplicação de «sondagens em tamanho natural», a que os órgãos autárquicos frequentemente recorram sempre que tenham de tomar decisões susceptíveis de serem polémicas, ou de ferirem os interesses de grupos sociais mais organizados ou dotados de maior poder reivindicativo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS reafirma a sua inteira disponibilidade para participar num amplo debate sobre esta matéria, que poderá ser utilmente realizado aquando da discussão na especialidade. Mas quer deixar aqui claramente expressa a sua firme convicção de que o referendo só será ver-

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dadeiramente útil à consolidação da autonomia local se for um instrumento excepcional de consulta da vontade das populações sobre questões em que os órgãos das autarquias locais sintam especial dificuldade em tomar uma decisão. O referendo não deve nunca servir para enfraquecer a democracia representativa, mas antes para a completar e aprofundar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensamos que, nesta matéria, como em outras, que têm mais a ver com a construção do Estado democrático do que com as naturais divergências ideológicas ou doutrinárias que caracterizam as sociedades abertas, será possível obter nesta Câmara um consenso alargado que supere as barreiras que habitualmente separam maioria e oposição.

Aplausos do CDS, da ASDI e do Sr. Deputado César Oliveira.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): -Sr. Deputado José Moniz, V. Ex.ª fez finalmente a intervenção de apresentação do projecto de lei do CDS. É a respeito deste que gostaria de lhe colocar alguns problemas que ele próprio me suscita.
V. Ex.ª disse que, como efectivamente consta do projecto de lei do CDS, a iniciativa da consulta prévia aos cidadãos eleitores deve pertencer ao executivo e a deliberação à assembleia, justificando a não iniciativa por parte de cidadãos eleitores por não existirem ainda neste momento condições para esse efeito. Contudo, admite que talvez mais tarde o CDS possa aceitar isso.
O problema que lhe ponho é este: porquê retirar à própria assembleia de freguesia, municipal ou regional o poder de iniciativa da consulta? Se ela já tem o poder de deliberar, porquê restringir só ao executivo a iniciativa da consulta?
Por outro lado, V. Ex.ª falou, defendendo ainda o vosso projecto de lei, dos problemas que poderiam existir com as comunidades vizinhas e terminou dizendo que o que interessa é completar a democracia representativa e não enfraquecê-la. A este respeito, punha-lhe o problema de saber se a eficácia exclusivamente deliberativa que o projecto de lei do CDS propõe não irá enfraquecer esta própria democracia representativa. Há aqui, como se costuma dizer, um entrosamento com o referendo entre a democracia directa e a democracia representativa.
Dando de barato que assim seja - o que pessoalmente não acredito, porque não me parece que o referendo seja a efectivação concreta da democracia directa no tipo de sociedade que temos -, e só por uma questão de análise, o que lhe pergunto é se efectivamente, se a consulta não tiver eficácia deliberativa, não será isto tirar representatividade à própria democracia representativa, isto é, não será fazer entrar uma nova fonte legislativa no sistema jurídico quando a fonte legislativa no caso da autarquia estava -e está até ao momento- só nos seus órgãos autárquicos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Tose Moniz, dado que há mais um Sr. Deputado inscrito para pedir esclarecimentos, gostaria de saber se V. Ex.ª deseja responder já ou apenas no fim.

O Sr. José Moniz (CDS): - Se me permite, respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS):- Sr. Presidente, gostaria de, em primeiro lugar, solicitar à Mesa que me informe do tempo de que disponho.

O Sr. Presidente: - Dispõe de 11 minutos. Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado José Moniz, permita-me que comece por lhe agradecer as palavras amáveis que teve para com a UEDS e que, em seguida, vá directamente apenas a uma das questões que me suscitou a sua intervenção - isto por falta de tempo para abordar outras - e que diz respeito à iniciativa dos cidadãos no desencadear do processo das consultas locais.
Disse o Sr. Deputado que seria ainda demasiado cedo para admitir essa iniciativa por parte dos cidadãos eleitores. Devo entender aí que o CDS não é, em princípio, contra a atribuição num futuro mais ou menos longínquo dessa capacidade de iniciativa aos cidadãos. Justificando essa posição, o Sr. Deputado disse ainda que era demasiado cedo porque se corria o risco de, ao conceder-se essa iniciativa, estar-se a criar um insuportável instrumento de pressão sobre os órgãos autárquicos.
A questão que lhe coloco é esta, Sr. Deputado: a partir do momento em que esteja regulamentado e, portanto, tomado viável na prática o instituto das consultas locais, essa pressão não poderá sempre exercer-se através do simples direito de petição - que não pode ser negado aos cidadãos - junto dos órgãos autárquicos no sentido de que eles promovam essas consultas locais, com a desvantagem de a pressão - que se não evitou - se exercer de forma totalmente desregulada?
Se ela estivesse regulada e definidas as condições para que se pudessem exercer, ao contrário do que o Sr. Deputado parece recear, talvez se reduzissem, de facto, as possibilidades de usar essa iniciativa concedida aos cidadãos como um instrumento de pressão «ilegítima» sobre os órgãos locais. Talvez eu admita que, numa primeira fase e por uma questão de cautela, se devam rever os números mínimos previstos no nosso projecto de lei para que essa iniciativa tenha lugar, mas penso é que não é cauteloso nem favorável o adquirir de uma experiência que vá também nesse sentido recusar liminarmente nesta fase a possibilidade de qualquer tipo de iniciativa por parte dos cidadãos no quadro das consultas locais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Moniz, se desejar responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra.

O Sr. José Moniz (CDS): - Desejo sim, Sr. Presidente.

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Começando por responder ao Sr. Deputado António Taborda, que me colocou a questão de saber o porquê de a iniciativa pertencer a um órgão executivo e não à assembleia, gostaria de dizer-lhe que, em nosso entender, este instituto de democracia, que é o referendo ou consulta directa, pressupõe e exige uma certa prudência e umas certas cautelas.
Sabendo como nós sabemos que o poder local não tem ainda muitas vezes aquele poder autonómico e de respeito mútuo pelas competências dos seus órgãos, convém, por mera cautela, não criar rivalidades nem guerrilhas institucionais entre órgãos desse mesmo poder autárquico.
É por isso que entendemos que, cabendo ao órgão executivo a condução directa das grandes questões a nível autárquico, deve pertencer ao órgão executivo a iniciativa e à assembleia municipal e à assembleia de freguesia a deliberação quanto a essa consulta. Essa é uma mera questão de cautela e de prudência para um novo instituto que se pretende regulamentar.
Quanto à outra questão levantada, acerca de a eficácia ser deliberativa ou meramente consultiva, entendemos também, aliás como dissemos, que a consulta directa aos cidadãos eleitores -ao referendo local - deve ter carácter meramente excepcional e só para as grandes questões em que haja uma certa impossibilidade ou em que se levantem graves problemas e que se torne, de certa maneira, melindroso que os próprios órgãos autárquicos decidam uma questão. Portanto, só nessa altura e com um âmbito e regras que terão de ser definidas na especialidade deverá ser feita essa consulta aos cidadãos eleitores.
Penso que não há aqui -por a consulta ter efeito deliberativo- uma denegação da competência dos órgãos, porque ao fazer-se essa consulta ela faz-se exactamente pela gravidade da questão que se pretende consultar.
Não sei se me fiz entender, Sr. Deputado.
Só em casos excepcionais e em casos graves em que haja manifesta impossibilidade de os órgãos com competência própria decidirem é que se deve consultar os cidadãos eleitores. Logo, não haverá denegação das competências próprias dos respectivos órgãos.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso perguntou-me por que é que entendemos ser ainda cedo para que se tivesse contemplado a iniciativa popular para esta consulta aos cidadãos eleitores. Poderia responder-lhe exactamente da mesma maneira como respondi ao Sr. Deputado António Taborda: é uma questão de prudência e de cautela. Nós não somos contra essa iniciativa que poderá vir a ser contemplada na regulamentação da lei.
De qualquer das maneiras entendemos que há muitas questões comunitárias, muitas vezes de meros vizinhos, que podem subverter e inverter o verdadeiro sentido da legislação autárquica e do poder autárquico. £ por isso e nesse sentido que entendemos que só depois de haver uma prática corrente referendária e de haver já prática democrática do referendo é que se deve abrir mão às iniciativas meramente populares.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Vitorino, para que efeito está a pedir a palavra?

O Sr. José Vitorino (PSD): -Sr. Presidente, pretendo usar a figura da interpelação para, com viva emoção e consternação, comunicar a esta Assembleia,
se V. Ex.ª mo permitir, que o ciclista Joaquim Agostinho acabou de falecer há poucos minutos.
O Partido Social-Democrata prepara um voto de pesar que poderá ser discutido e votado amanhã de manhã, mas queríamos, desde já, assinalar este triste acontecimento. Aliás, se o Sr. Presidente estiver de acordo, solicitamos também l minuto de silêncio a propósito deste triste acontecimento.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS):- Sr. Presidente, perante o que acaba de ser comunicado, penso que podíamos fazer algo que já foi feito nesta Casa e que consagraria todas as opções que aqui foram feitas.
O voto de pesar dispensa considerandos. Assim, e se todos estivéssemos de acordo, V. Ex.ª proporia desde já o voto de pesar que seria aprovado imediatamente.
O Sr. Deputado José Vitorino referiu-se à morte de Joaquim Agostinho. Gostaria de dizer, acerca disto, uma breve palavra.
Foi muito hábito em Portugal louvarem-se aquilo que se chamava «os heróis populares». Não é nesse sentido que intervimos, mas de outra forma.
Durante muitos anos, eu e muitos rapazes da minha geração dos quais alguns estão aqui, nesta Assembleia, sentíamos uma certa humilhação nacional quando verificávamos que ficávamos nos últimos lugares em todos os momentos em que competíamos internacionalmente. Aconteceu que com este homem, começámos a ficar nos primeiros lugares no desporto: no ciclismo, no hóquei em patins.
É altura de ficarmos também nos primeiros lugares na investigação científica, na economia, etc. É nesse sentido da promoção nacional no nosso país que penso que há um pesar sentido pelos Portugueses e que a Assembleia interpreta correctamente.
Nesse sentido proporia, se houver o consenso de toda a Assembleia, que este voto de pesar seja imediatamente votado e que, depois disso, continuássemos a trabalhar para que o nosso país seja, tanto quanto possível, o primeiro em todas as competições, contra o subdesenvolvimento, pelo desenvolvimento económico, etc., em que estamos empenhados.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que VV. Ex.ªs compreendem a razão desta interrupção da matéria que estávamos a discutir.
É uma razão que fere os nossos sentimentos e, por isso, continuo a dar a palavra aos Srs. Deputados que pediram para se pronunciar sobre este assunto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para dar o acordo da nossa bancada à sugestão feita de votação imediata do voto de pesar apresentado pelo Sr. Deputado José Vitorino, do Partido Social-Democrata.
Ainda há dias, poucos, dias, tivemos ocasião de, nesta Câmara, nos congratular-mos cora a vitória de um desportista. Hoje, infelizmente, em circunstâncias que são trágicas e que revelam uma situação trágica de alguns aspectos da assistência social e da saúde do

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nosso país, estamos a lamentar-nos pela morte de um desportista. Desportista que deu várias alegrias e vitórias ao País, como se congratulou o deputado José Luís Nunes.
É evidentemente um sinal de progresso - progresso lento -, Sr. Presidente, que a disputa entre as nações se esteja hoje a deslocar frequentemente para este terreno do desporto. É um progresso que devemos salientar num momento em que manifestamos o nosso profundo pesar pela morte trágica do grande vitorioso português que foi Joaquim Agostinho.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, pelo nosso lado, expressamos também a grande emoção e o sentido do luto, neste momento. Chamamos ainda a atenção de V. Ex.ª para que possamos obter a confirmação sobre este infeliz acontecimento.
Sr. Presidente, queria pedir-lhe que concedesse a palavra ao meu colega de bancada Manuel Fernandes, que, sendo vereador da Câmara Municipal de Torres Vedras e tendo sido responsável pelo pelouro do desporto nessa mesma Câmara Municipal, acompanhou desde sempre Joaquim Agostinho e que não quereria deixar passar este momento sem tecer algumas considerações, nesta hora de luto para a Assembleia, para o desporto e para Portugal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Fernandes.

O Sr. Manuel Fernandes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vivemos todos, neste momento, com profunda emoção a triste notícia que nos chegou.
Compreenderão com certeza a emoção que neste momento sinto porque, como torriense, conheci Joaquim Agostinho quando ele ainda não era ciclista, ainda não era conhecido dos Portugueses nem do mundo e era um trabalhador rural do concelho de Torres Vedras.
Joaquim Agostinho, que chegou tarde para o ciclismo - já tinha cerca de 25 anos de idade -, foi encontrado para a modalidade por um outro campeão português, também torriense, João Roque. Imediatamente se tornou um nome grande, não só do ciclismo português como também um nome grande de todo o desporto nacional. Agostinho, em breve fez as malas e caminhou para terras de França, onde igualmente foi uma bandeira de Portugal e onde, devido à sua força de vontade, ao seu querer e às suas capacidades atléticas foi um símbolo do desporto português.
Joaquim Agostinho, pelos vistos, não conseguiu levar em frente esta sua dura etapa, este seu duro contra-relógio e foi, de facto, vencido pela morte.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, neste momento, é difícil dizer mais do muito que todos nós conhecemos do grande Joaquim Agostinho, o homem conhecido pelo Joaquim das Bregenjas - era assim que ele era conhecido em França.
Joaquim Agostinho acabou, mas o seu exemplo como atleta perdurará com certeza.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais gostaria de dar uma informação.
Segundo fonte fidedigna, acabo de saber que Joaquim Agostinho foi dado como clinicamente morto, mas contínua ligado à máquina, chamemos-lhe assim. Só a família, no prazo de 48 horas, é que poderá mandar desligar a máquina.
De todo o modo, o MDP/CDE não queria deixar de se associar a este voto de pesar expresso, suponho, por toda esta Assembleia e relembrar que, como se disse já, Joaquim Agostinho foi um dos heróis populares deste País, que muita gente admirou e continua a admirar, principalmente pela sua grande força de vontade.
Joaquim Agostinho foi um homem que, tendo chegado tarde ao ciclismo, como já alguém disse, exclusivamente pela sua força de vontade, conseguiu muitas e honrosas vitórias.
Queria lembrar também que, em 1972, Joaquim Agostinho foi dos primeiros a fazer uma greve de ciclismo numa volta a Portugal: uma greve reivindicando melhores condições de vida para os desportistas portugueses.
Joaquim Agostinho morreu -ou está clinicamente morto -, numa circunstância extremamente trágica.
Mas a tragédia também tem motivações. Motivações que neste caso são extremamente graves para a sociedade portuguesa em geral. Possivelmente, Joaquim Agostinho não estaria clinicamente morto se, em primeiro lugar, as provas desportivas no nosso país tivessem maiores condições de segurança.
Não estaria morto, também, se a saúde neste País estivesse e fosse um bem essencial para os cidadãos.

Vozes do MDP/CDE e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se houvesse, por exemplo, a possibilidade de ele ter sido operado imediatamente após o fatal acidente.
Era isto também que quereríamos lembrar aqui, não esquecendo nunca a memória de Joaquim Agostinho.

Vozes do MDP/CDE e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): -Sr. Presidente, estamos um bocado preocupados com esta situação e não queremos ser nós a tomar aqui, neste hemiciclo, a responsabilidade de desligar uma máquina que nesta altura mantém -ou não- a vida de um homem, que é Joaquim Agostinho.
Em Joaquim Agostinho há, ao fim e ao cabo, um bocado do menino que somos todos nós e da vontade de o sermos.
Joaquim Agostinho corre e correu pela Europa fora à procura daquilo que não encontrou em Portugal.
Acabará, talvez, por morrer estupidamente neste País por falta daquilo que cá não há, em termos de saúde.
Nesta altura, parece-me extemporâneo estarmos a tomar uma responsabilidade sobre algo que, neste momento, é da responsabilidade de outros.

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Vozes da UEDS, do PCP e do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino.

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que é com grande emoção que acabamos de ter conhecimento deste acontecimento que, aliás, já esperávamos há cerca de 48 horas. Com efeito, quando reunidos em sessão de direcção, anteontem, às 11 horas da noite, foi-nos dado a conhecer que, provavelmente, Joaquim Agostinho não atingiria as 48 horas de vida.
Joaquim Agostinho é um homem que, estando morto, certamente deixa de luto todo o povo português e o ciclismo nacional. Deixa de luto, afinal, cada um de nós todos.
Mas penso que mais importante do que isso, ó recordar aqui que o exemplo de Joaquim Agostinho irá frutificar para o futuro. É que estou convencido que a carreira de campeão de Joaquim Agostinho irá, certamente, servir de exemplo para outros ciclistas e outros desportistas que irão forjar novos valores, novos símbolos no desporto em Portugal.
Não quero deixar também de apoiar aqui uma afirmação extremamente importante do Sr. Deputado António Taborda porque, de facto, o que se passa em Portugal é que muita gente vai morrendo por falta de condições básicas de assistência médica.
Mas também quero deixar aqui um alerta - alerta que, naturalmente, é dirigido a esta Câmara e em especial a todos os responsáveis pelo desporto em Portugal -, que é o seguinte: enquanto continuarmos a consentir que os ciclistas, como outros desportistas, pratiquem as diversas modalidades amadoras sem terem minimamente em conta os cuidados de segurança - e estou, naturalmente, a referir-me ao caso dos ciclistas que habitualmente já instalaram uma certa permissividade na forma como praticam desporto -, teremos situações como esta.
Por isso mesmo, por não ter posto o capacete, Joaquim Agostinho pagou caro a ousadia. Ousadia que não lhe criticamos, ousadia que, apesar de tudo, fez dele um homem ímpar no desporto em Portugal mas que é, também, uma causa fundamental de tudo isto ter acontecido.
Para finalizar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a minha profunda emoção - que aqui fica neste microfone - e que é também a emoção do Sporting Clube de Portugal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não tem informações concretas sobre este triste acontecimento. Embora todos tenhamos, infelizmente, convicção de que não há esperança em relação ao Joaquim Agostinho, creio que é preferível adiarmos esta homenagem que já está a ser prestada por todos os Srs. Deputados e amanhã, com informações mais concretas, tomarmos uma decisão.
Penso que estão todos de acordo e, sendo assim, voltamos ao nosso debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage para uma intervenção.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão dos projectos de lei que visam regulamentar o direito de proceder a consultas locais,

por iniciativa dos órgãos das autarquias locais e sobre matérias incluídas' na sua competência exclusiva, traduz-se numa contribuição para o aperfeiçoamento e reforço do nosso sistema democrático.
Consolidada a democracia representativa, entendeu-se, aquando da revisão constitucional, dever prever-se este mecanismo característico da democracia directa.
Sempre entendemos que as formas e mecanismos da democracia de base e da democracia representativa deviam ser articulados.
A primeira sem a segunda abre caminho à inoperatividade e à anarquia.
A segunda sem a primeira corre o risco de se afastar do povo, privado de uma participação mais directa e imediata na vida política.
Foi por isso que encarámos como muito positivo o aditamento do n.º 3 do artigo 241.º da Constituição, prevendo a possibilidade de se realizaram consultas locais, cuja regulamentação pretendemos fazer através do projecto de lei n.º 306/III, subscrito por nós e pelo PSD.
Este preceito, consagrando as consultas populares locais, na senda daquilo que foi o projecto de revisão constitucional da FRS, como já foi aqui, aliás, sublinhado, representa um passo no aperfeiçoamento do nosso sistema democrático, particularmente positivo para quem encara com simpatia as experiências de socialismo democrático e autogestionário.
As consultas locais são um importante afloramento do princípio da participação directa e activa dos cidadãos na vida política consagrado no artigo 112.º da Constituição e que constitui, de facto, condição e instrumento fundamental de consolidação e enriquecimento do sistema democrático.
A democracia consagrada na Constituição integra e clarifica uma prática de participação popular, no que tem, aliás, paralelo na existente noutros países europeus ocidentais.
E, pois, uma preocupação comum dos estados democráticos contemporâneos integrarem o pluralismo conflituante dos grupos existentes na sociedade civil.
Não estando em causa a supremacia deliberativa das instituições representativas, o que se procura é propiciar uma melhor comunicação entre o Estado e a sociedade civil.
Ao prever as consultas locais em sede constitucional, o legislador reconheceu-lhes grande dignidade, mas foi prudentemente evolutivo.
Com efeito, as consultas directas da população, não ignoramos, encerram o risco de subversão plebiscitária da própria democracia política - risco esse que me parece ter sido exageradamente acentuado pelo Sr. Deputado João Amaral.
Há, pois, que rodear de algumas cautelas a sua realização de forma a serem expressões da vontade popular dotadas de autenticidade.
Há, por outro lado, que começar por experimentar estes mecanismos da democracia directa, numa escala «humana» - isto é, a nível local.
Assim o entendeu o legislador em sede constitucional, ao prever a realização de consultas populares apenas a nível local.
Com a aprovação do n.º 3 do artigo 241.º «ficou mais uma vez claro -como então referiu Jorge Miranda, que cito- que o povo exerce o poder nos termos da Constituição, e, assim, qualquer referendo

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a nível nacional, fora da Constituição, não é admitido» e representaria -volto a citar- «uma rotura contra a Constituição».
Essa mesma prudência se manifestou no exclusivo reconhecimento aos órgãos das autarquias locais do direito de desencadearem consultas de âmbito exclusivamente local.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Feitas estas considerações de ordem genérica, passo, rapidamente, a debruçar-me sobre alguns problemas concretos que aqui foram aflorados.
Votaremos favoravelmente todos os projectos dada a sua importância para a consolidação do poder local e para alargar a esfera de participação dos cidadãos na vida pública. Com isto o PS tem uma atitude não só de abertura mas também de construção, pretendendo contribuir, ao aprovar todos os projectos, para que se encontrem as soluções mais equilibradas e aquelas que melhor sirvam a regulamentação e a definição dos contornos e objectivos deste instituto constitucional.
Estamos a legislar em domínio que não tem tradição próxima no nosso ordenamento jurídico (também já aqui isso foi sublinhado): trata-se apenas de consultas de âmbito local e não se cura de criar o referendo à escala nacional, uma vez que este não tem cabimento constitucional.
É evidente a natureza experimental desta iniciativa, tal como se assinalava quando a Assembleia da República, na revisão constitucional, consagrou este mecanismo no texto constitucional.
Por outro lado, a iniciativa do PS/PSD não É um texto acabado.
Longe disso, é um contributo para reflexão ponderada e prudente que a importância e o melindre da questão impõe e que, aliás, parece ter sido reconhecido por todos os intervenientes neste debate parlamentar.
é na comissão que teremos de estudar as soluções concretas, eventualmente recorrendo à consulta dos órgãos das autarquias (algo próximo de uma consulta semelhante à lei quadro dos municípios).
Esta consulta não só não está inviabilizada pela aprovação na generalidade dos projectos como também, com a sua aprovação, se criam condições mais concretas - textos aprovados - para que esta consulta seja eficaz e, permitindo a recolha de elementos úteis para a elaboração final da lei. Por isso somos favoráveis a um prazo dilatado de baixa à comissão especializada, pois entendemos que é desejável o mais vasto consenso nesta matéria, não obstante a atitude provavelmente prematura, de carácter negativo, do PCP.
Insisto nesta ideia de uma convergência fundamental em tal matéria, como também um Sr. Deputado do CDS.
Há que definir questões fundamentais neste processo legislativo, no estrito cumprimento do texto constitucional, evitando, no modelo legal, eventuais conflitos entre a manifestação da vontade popular através da consulta e os poderes de decisão inalienáveis dos órgãos das autarquias.
Esta questão tem de ser tratada com todo o cuidado que merece.
Quanto ao conteúdo das consultas, o artigo 2.º do projecto de lei PS/PSD - limitações às matérias objecto da consulta, como aliás, é costume em todas as democracias representativas, para evitar demagogias.
Parece-nos que a redacção do CDS neste ponto é insuficiente e a solução tem de ser encontrada no ponto de equilíbrio entre o projecto PS/PSD e o projecto da UEDS.
Relativamente à eficácia jurídica das consultas há questões a ponderar: a UEDS propõe eficácia consultiva e deliberativa, ou seja, uma dupla eficácia e a possibilidade de uma dupla consulta; o CDS só admite a eficácia deliberativa; o nosso projecto consagra apenas a eficácia consultiva.
Há que encontrar, mais uma vez, o justo ponto de equilíbrio. Também não estamos satisfeitos com a eficácia meramente consultiva da consulta local. Reconhecemos que o princípio Já eficácia deliberativa é válido e estamos abertos à sua consagração no debate na especialidade.
Com efeito, já aqui foi sublinhado que, se a consulta local é destituída, por sistema e por regra, de eficácia deliberativa, isso pode conduzir ao esvaziamento do próprio instituto, na medida em que o cidadão eleitor se interrogará sobre a utilidade do seu voto, visto que os órgãos deliberativos ou executivos da autarquia que promovem a consulta sempre têm a última palavra.
Logo, este instituto de mera consulta é um pouco ambíguo, porque também se pode pôr a questão a outro lado: será que uma autarquia se atreverá a contrariar os resultados de uma consulta devidamente organizada segundo um processo eleitoral transparente em que se manifesta uma vontade popular? Não será esta vontade popular soberana?
Bom, estas questões são importantes e, como já disse, estamos dispostos a considerar estes problemas na discussão na especialidade e pensamos que a consagração da dupla consulta com efeitos meramente consultivos ou deliberativos deverá, com contornos melhor definidos, figurar na lei que a Assembleia da República aprovar em votação final global.
Quanto à organização das perguntas que são colocadas ao cidadão eleitor da autarquia, no artigo 7.º do projecto de lei PS/PSD, procura-se encontrar uma forma de organização das perguntas que não falseie a expressão da vontade popular. Daí a importância do juízo de fiscalização prévia da legalidade e da constitucionalidade das consultas a cargo do Tribunal Constitucional, nos termos do capítulo n do nosso projecto, e os cuidados que colocamos nessa regulamentação.
Outra questão importante é a da iniciativa da consulta. Será constitucional a solução do CDS que afasta as assembleias municipais da convocação das consultas, podendo apenas deliberar sobre proposta dos executivos, restringindo-se a estes a hipótese da consulta?
Não ficarão, assim, fora das consultas as matérias da competência exclusiva das assembleias municipais?
A solução do projecto de lei PS/PSD e também a do da UEDS são flexíveis. Admitimos melhoramentos, nomeadamente a exigência de maioria qualificada nos órgãos que convocam a consulta para a sua realização.
Aqui fica uma hipótese a explorar para se encontrar uma maioria qualificada de dois terços para se desencadear a consulta. Para aqueles que têm fortes

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receios de que estas consultas assumam um sentido de lateralizar as iniciativas dos órgãos autárquicos, creio que, com esta ideia, se poderia afastar tal risco ou tal fantasma.
Foram também aqui colocadas questões de técnica legislativa, designadamente pela Sr.ª Deputada Margarida Salema, e nós também admitimos um estudo mais aprofundado.
Não se trata de fazer um código eleitoral novo a propósito das consultas populares locais - estamos de acordo.
Não é através da elaboração desta legislação das consultas locais que se chega à elaboração de um código eleitoral.
O projecto de lei PS/PSD faz as adaptações estritamente necessárias, dentro do espírito da legislação eleitoral actualmente em vigor. É uma solução transitoriamente aceitável, que importa reformular quando elaborarmos um autêntico código eleitoral, como, aliás, é necessário e desejável. Estamos de acordo com isso. Esses serão o momento e o local azados para definir um regime uniforme para todos os actos eleitorais, entre os quais o das consultas populares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que está dito o essencial e está definida a nossa posição.
Sublinhamos, mais uma vez, as convergências que se estão a tornar notórias entre vários intervenientes de várias bancadas e a flexibilidade por todos demonstrada, dada a acuidade e a delicadeza da matéria, salvo, provavelmente, a posição negativa do PCP, que, no entanto, segundo entendi, não é definitiva, podendo alterar-se na especialidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fazemos votos de que estes projectos, depois de aprovados na generalidade, sirvam para a Comissão de Administração Interna e Poder Local, à qual, muito provavelmente, baixarão, elaborar um texto comum que prestigie esta Câmara e que propicie aos órgãos autárquicos um instrumento útil para a realização de consultas de carácter local. Este processo, como já disse, deve ser feito com toda a prudência, mas, sendo um imperativo constitucional e sendo um instrumento válido para a auscultação da vontade popular ao nível das comunidades de base, pensamos que é útil e que a Assembleia da República, pela mão do Sr. Deputado Lopes Cardoso, que fixou esta ordem de trabalhos - e quero também aqui cumprimentá-lo por esta iniciativa-, se prestigia hoje ao aprovar tão importante instrumento de consulta local.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Carlos Lage, ouvi atentamente a sua intervenção e fiquei um pouco perplexo com uma passagem na qual declara que é sensível à argumentação dos que defendem a eficácia deliberativa, quando no artigo 5.º do projecto de lei PS/PSD se defende a eficácia consultiva.
Pergunto, pois, ao Sr. Deputado em que ponto ficamos: será que o PS vai, realmente, propor a alteração do artigo 5.º? E vai propô-lo como? Alterando-o para eficácia deliberativa afastando a consultiva ou, como a UEDS, alterando-o para eficácia consultiva ou deliberativa?
Gostava de ser esclarecido sobre esta matéria.
Também queria fazer uma outra pergunta muito rápida, Sr. Deputado Carlos Lage: no artigo 2º do vosso projecto de lei diz-se, nomeadamente, que não podem ser objecto de consultas locais questões financeiras, nem quaisquer outras que, pela sua natureza, sejam insusceptíveis de tais consultas.
Pergunto: Porquê?
Que razão impede a população de ser consultada em questões financeiras?
Que razão é que determina, no vosso projecto, que se impeça tal consulta e quais são, no entendimento do PS, as outras questões insusceptíveis de tais consultas?
Gostava de ser esclarecido sobre esta matéria, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral, também para pedir esclarecimentos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Carlos Lage, registei a sua afirmação final de que equacionamos a questão em termos de especialidade.
Obviamente que a nossa posição em relação ao problema não trata de questionar a norma constitucional - essa está votada -, mas, tão-só, de considerar as questões que se devem pôr aqui em sede de regulamentação - os casos, os termos e a eficácia da norma. Foi nesse quadro estrito que me movimentei na minha intervenção, suponho que com toda a legitimidade, e gostaria de o ter ouvido, na sua intervenção, dizer como essas questões têm de ser aprofundadas, discutidas e, apesar de tudo, que não têm reflexão suficiente.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado Carlos Lage, um pouco neste sentido, qual é a sua opinião e a do PS acerca do tempo das consultas directas que aqui estamos a tratar. Por exemplo, admite o Partido Socialista que essas consultas directas possam ser feitas em cima dos actos eleitorais normais que ocorrem nas autarquias?
Entende ou não o Sr. Deputado que esta é uma questão totalmente omissa deste debate e dos projectos de lei e que deveria ter sido, atempadamente, objecto de ponderação em termos de não se transformar este processo das consultas directas num processo de influenciar os processos eleitorais em que estão envolvidas as autarquias locais?
Tudo isto, Sr. Deputado, serve para lhe explicar o nosso ponto de vista: a matéria não está amadurecida e esta é mais uma prova de que o não está.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir um esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Carlos Lage, pretendia saber, no seguimento das questões postas pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, o que significa para V. Ex.ª estar sensível, visto que o Parlamento não pode orientar-se por uma linguagem impressionista, nem o podemos fazer cada um de nós, deputados.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

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O Sr. Carlos Lage (PS):- O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca ficou perplexo com a passagem da minha intervenção em que me referi à nossa abertura quanto à admissão do princípio da eficácia deliberativa das consultas locais. Na minha intervenção expliquei quais as razões pelas quais considerávamos possível adoptar esse princípio e afirmei que estaríamos dispostos, no âmbito da comissão, a aceitá-lo, visto que muitos dos argumentos aqui utilizados - e que, naturalmente, já não nos são estranhos - nos indicam que esse princípio é válido e não deve ser afastado.
Não vamos agora aqui entrar num debate académico sobre essas questões, mas parece desejável consagrar esse princípio. Se não está no nosso projecto, isso decorre naturalmente da apreciação um pouco unilateral que fizemos sobre a questão. Mas os projectos encontram-se em discussão na generalidade e na especialidade precisamente para serem modificados. Além disso, tais debates visam também o estabelecimento de um diálogo que nos leve a modificar o nosso ponto de vista - e esta modificação é essencial ao próprio debate democrático.
Quanto às questões financeiras, pergunta o Sr. Deputado porque razão as excluímos. Achamos que devemos estabelecer alguns limites à consulta local. E provável que também a definição desses limites que apresentamos no projecto não seja a mais correcta, mas também estamos dispostos a apreciar essa questão. Por isso é que, no âmbito da comissão, o debate na especialidade constituirá evidentemente um debate muito importante. Será que as autarquias poderão elaborar um referendo sobre transferências do Estado de carácter financeiro, lançamento de impostos de carácter local, utilização das verbas relativamente a certo tipo de aplicações, etc.? Creio que esta questão deve ser examinada no âmbito da comissão e que talvez seja necessário introduzir uma moderação e um princípio mitigador que impeçam que se realizem consultas sobre todas as matérias que caem dentro do âmbito de competência das autarquias.
O Sr. Deputado João Amaral pergunta-me se as consultas directas se podem realizar em cima dos actos eleitorais normais, uma vez que este problema não consta do projecto. Entendo naturalmente que isso não pode acontecer, constituindo este problema mais uma questão a ser apreciada na discussão na especialidade. Com certeza que, coincidindo ou integrando-se num processo eleitoral, a utilização da consulta local iria introduzir distorções na formação da vontade democrática.
O Sr. Deputado Silva Marques afirma que eu uso uma linguagem - se bem entendi - impressionista, sensível. Sr. Deputado, é a minha linguagem; o Sr. Deputado usa sempre uma linguagem intelectual e objectiva. São dois estilos diferentes.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito deseja usar da palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Silva Marques (PSD):- É para formular um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): -Sr. Deputado Carlos Lage, independentemente da linguagem de um e de outro, quando disse que a sua era impressionista queria dizer que, para mim, não rinha ficado clara a postura política, o sentido da opção política do Sr. Deputado. O Sr. Deputado classificou a minha de intelectual, o que lhe agradeço imenso.
Mas volto à questão: entende o Sr. Deputado que efectivamente o projecto apresentado pelo PS e pelo PSD deve ser alterado no sentido de introduzir o referendo deliberativo ou, em alternativa, pelo menos consultivo, ou seja, no fundo, a base proposta pelo projecto da UEDS?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Deputado Silva Marques, antes de mais, peco-lhe desculpa, porque na altura em que V. Ex.ª me dirigiu uma pergunta ultra-sintética eu estava a trocar impressões com os meus colegas de bancada - e aí fui realmente impressionista -, não tendo conseguido captar a sua pergunta.
Mas naturalmente que também sobre esta matéria seria relevante ouvir a opinião do Sr. Deputado Silva Marques, porque o PSD também é autor deste projecto e, sem estarmos aqui a fazer uma troca de galhardetes, seria interessante que, em vez de me perguntar, me dissesse até, como preâmbulo a essa pergunta, qual é a sua opinião.
Adiantei que estamos abertos à consagração desse princípio. Fomos claros. Creio que a posição do PSD se orienta também nesse sentido e que, por conseguinte, os autores deste projecto não estão em contradição nesta matéria.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Carlos Lage, quanto ao pedido de esclarecimento, que não deveria ter tido lugar agora, o Sr. Deputado respondeu mesmo. Relativamente à posição do PSD, ela é clássica. Mas quem estava a ser interrogado no sentido de prestar esclarecimentos era o Sr. Deputado e, por isso, agradecia-lhe que respondesse ao pedido de esclarecimento.

O Orador: - Sr. Deputado Silva Marques, como lhe digo, o projecto é comum ao PS e ao PSD. Consagramos esta solução, que é obviamente parcial e unilateral. Parece que evoluímos todos para a admissão do princípio da eficácia vinculativa e creio que, no âmbito do debate na especialidade, essa questão pode ser resolvida tranquilamente, uma vez que esta matéria não constitui objecto de grandes confrontos ideológicos ou programáticos.
Poderá muitas vezes um debate desta natureza estar também muitas vezes ligado aos circunstancialismos, mas penso que nos devemos erguer acima deles e consagrar princípios válidos não só para o momento, mas que comportem também uma visão a mais longo prazo.

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O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, pretendo apenas obter da Mesa, se for possível, uma informação quanto ao modo como irão prosseguir os nossos trabalhos, isto é, pretendo saber se se esgotarão os tempos previstos para o debate antes de se passar à votação, porque, caso contrário, antes de atingirmos a hora do termo regimental da sessão, e no uso dos direitos regimentais, terei de requerer a votação do nosso projecto de lei, agendado por nossa iniciativa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, o total disponível neste momento é de 82 minutos

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, creio que os 82 minutos referidos por V. Ex.ª representam o tempo de que todos os grupos parlamentares, em conjunto, poderão dispor, só que o meu grupo parlamentar não vai gastar mais tempo. Se acontecer isso com outros grupos parlamentares, exceptuando o PSD, que ainda não usou da palavra, podemos, mediante o prolongamento da sessão até, por hipótese, às 20 horas e 30 minutos -prolongamento que, aliás, já estava mais ou menos previsto -, votar esta matéria. Portanto, a informação que transmito à Mesa é a de que não gastaremos mais tempo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas transmitir à Mesa e ao Sr. Deputado Lopes Cardoso o nosso entendimento.
Quando se distribuíram os tempos houve um acordo no sentido de que, após terem sido gastos os tempos atribuídos, se votaria, sem haver necessidade de se requerer, às 20 horas, tal votação. Foi com esse entendimento que aceitámos esta distribuição de tempos. Pelo nosso lado a questão não se coloca, uma vez que -creio- dispomos apenas de 2 ou 3 minutos para intervir. Portanto, não será por nossa causa que a sessão se prolongará.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se não estou em erro, o que ficou assente na reunião dos presidentes dos grupos parlamentares foi que a sessão se prolongaria até cerca das 20 horas e 30 minutos, com a ideia de que seria votado este número da ordem do dia até essa hora. Dadas as inscrições para intervir, creio que estamos nesse limite, pelo que a sessão será prolongada para além das 20 horas, até cerca das 20 horas e 30 minutos, a fim de se proceder à realização das duas votações que estão em causa.
Está satisfeito com a informação, Sr. Deputado Lopes Cardoso?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa legislação quase não acolhe o exercício do poder através dos institutos da democracia directa. Não se permite a iniciativa legislativa através de propostas de um conjunto de cidadãos, que só seria possível pela inclusão de um normativo constitucional que expressamente o previsse, e impede-se a realização de qualquer referendo a nível nacional, na medida em que, apesar de a concepção de soberania acolhida pelos constitucionalistas apontar nessa direcção, a verdade é que a economia do texto em face do inciso final do artigo 111.º exclui a possibilidade de o legislador ordinário poder avançar na criação de tal instituto.
Quando em 1981 apresentámos, juntamente com outros partidos, um projecto de revisão constitucional, apontávamos para a aceitação do referendo, não só a nível local, mas também a nível regional e nacional. A conjuntura da relação de forças parlamentares pró e contra o referendo isolou a nossa posição e apenas vimos aprovado, no seio da Comissão de Revisão e posteriormente neste Plenário, um normativo, que é hoje o n.º 3 do artigo 241.º da Constituição, o qual diz expressamente: «Os órgãos das autarquias locais podem efectuar consultas directas [...] sobre matérias incluídas na sua competência exclusiva, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelece.»
Estamos hoje fazendo um debate em que, numa primeira abordagem -como é o debate na generalidade-, se pretende visionar o conteúdo daquilo que será a futura lei quadro do referendo local. O documento foi preparado pela bancada do PS e, devido à importância do instituto, foi também subscrito por alguns deputados do PSD, assim mostrando, com este acto, a importância da existência de uma lei quadro para prever e regulamentar este instituto.
É evidente que nem esse documento em si nem os outros documentos que aqui estão terão ou comungarão de todo da filosofia que nós, PSD, sempre temos defendido. Por isso, queremos aqui deixar bem clara a nossa posição sobre este tema. Vamos votar na generalidade todos os projectos, mas nenhum dos documentos é o nosso diploma. Só apoiaremos uma lei que permita realizar realmente a democracia directa, isto é, em que o eleitorado possa pronunciar-se de modo vinculante.
Aliás, não deixarei de chamar a atenção para o perigo de se iniciar uma experiência de aplicação deste instituto através de um instrumento cujas conclusões pudessem ser posteriormente postas em causa. Ou o órgão segue a consulta, e tudo se passará como se essa consulta tivesse tido uma eficácia deliberativa, ou o orgão municipal ou outro órgão autárquico não a segue, e o poder local poderia ficar desprestigiado em face do início de experiências de choque entre esse órgão e o eleitorado.
A vontade do eleitorado fica claramente expressa, podendo, no entanto, vir a ser ignorada por decisão posterior do órgão que representa esses mesmos cidadãos, esse mesmo eleitorado. Este é um ponto de reflexão, e, por isso, não aceitamos que a futura lei que venha efectivamente a ser aprovada seja revolucionista do conteúdo dado pelas próprias possibilidades do texto constítucional. Segundo este normativo, há

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quo referenciar interpretativamente a expressão «consulta popular» com a parte final do preceito («nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer»).
Também nos parece que, na especialidade, se deverá acolher uma redacção que não restrinja as matérias passíveis de serem sujeitas a referendo, em termos que tirem qualquer interesse ao diploma e ao instituto. Quando os constituintes falaram em matérias de exclusiva competência dos órgãos de que faziam parte tinham em mente um entendimento para evitar - dado que o autor deste normativo era o próprio PS, que não queria um referendo nacional - que, pela conjugação de vários referendos locais, se obtivesse um referendo sobre matéria de interesse nacional. Tinham apenas esta opinião e não o entendimento restrito que viesse a impedir que se fizessem referendos sobre matérias cuja decisão final não competisse apenas aos órgãos locais, mas pudesse competir, por exemplo, ao Parlamento - e estou a pensar na lei quadro da criação de autarquias, sobre a qual os órgãos locais se pronunciam, mas cuja decisão final cabe a este Parlamento.
Por outro lado, será de reflectir sobre o melhor processo de deliberar o desencadeamento do referendo, em termos que, respeitando as competências dos órgãos deliberativos e executivos locais, melhor acolha a natureza de cada um. A deliberação pelas assembleias, embora sob proposta dos executivos, nos casos em que a matéria seja da competência destes, não permitindo a expropriação, pelas assembleias, das competências destes executivos, quando eles queiram decidir por si, pode efectivamente acautelar os diferentes interesses, respeitando a natureza dos diferentes órgãos.
Para nós, a lei do referendo terá de ser feita com o fim de permitir a realização do referendo em matérias de importância fundamental para as autarquias e não deverá ser uma lei para preencher apenas as folhas do Diário da República, isto é, tem que ser algo muito diferente e muito melhor do que os textos sobre os quais nos debruçamos neste momento, que apenas entendemos como um princípio de debate. O diploma ou será diferente ou não será: será diferente ou nós nada teremos que ver com ele. Para nós, sociais-democratas, irá ser diferente para bem da democracia.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado Fernando Condesso, ouvi e aplaudi a sua intervenção, tão equilibrada e tão dentro dos princípios constantes do texto que aqui apresentamos.
No entanto, porque alguma terminologia aqui foi usada, desejaria pôr-lhe algumas questões para que houvesse um entendimento geral em relação a este debate.
O n.º 1 do artigo 3.º da Constituição diz que: «A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição.» O que significa que, e gostava de saber se é esse o entendimento do Sr. Deputado Fernando Condesso - penso que é, mas faço-lhe este pedido de esclarecimento-, o n.º 3 do artigo 241.º, ao utilizar a expressão «consultas directas», não está a definir uma forma de exercício da soberania que seja desenvolvimento do artigo 3.º da Constituição. O que está a definir é uma forma de exercício do poder local.
Portanto, penso que estaremos de acordo -e é uma primeira questão que lhe ponho- em não usarmos a terminologia do referendum em relação à consulta directa do n.º 3 do artigo 241.º
O segundo aspecto é que, dentro deste espírito, o ponto de vista que nós apresentamos, juntamente com o PSD, do referendum vinculativo ou consultivo, em qualquer das formas, é constitucional, embora possa adoptar-se qualquer das outras formas. É que, se por acaso estivéssemos no âmbito de um exercício de um poder de soberania, os poderes não são consultivos, são actos decisórios, definitivos e executórios.
Nesse sentido, o nosso projecto, em relação ao qual o meu camarada Carlos Lage disse que estaremos abertos a discutir a sua modificação, é constitucional. Repito que, se por acaso se entendesse que se aflorava aqui o princípio do exercício de um acto de soberania, este não pode ser, em si, consultivo.
A minha questão é esta, Sr. Deputado Fernando Condesso.
Dando a minha adesão a muitos aspectos da sua intervenção, que contribuíram para clarificar este assunto, devo dizer que deveríamos abandonar a expressão referendum em relação a este ponto e substituí-la pela expressão constitucional «consultas directas» e, a partir daí, não há aspectos dramáticos na discussão destes projectos de lei.
Louvando-me naquilo que disse, também pensamos que da redacção final dependerá muito do sentido que esta Assembleia quiser dar a essas consultas directas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Fernando Condesso, há outros Srs. Deputados inscritos para pedir esclarecimentos.
Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Fernando Condesso, procurei ouvir com atenção a sua intervenção, mas chegado ao fim fiquei com dúvidas se ela me teria, de facto, merecido a atenção que lhe devia.
Será que é verdade que o Sr. Deputado disse que o seu partido só votaria uma lei que desse às consultas locais eficácia deliberativa que comprometesse os órgãos de modo vinculado (creio que foi aquilo que disse)?
Penso ter ouvido bem, mas a questão que lhe ponho é como é que o seu partido propõe a esta Assembleia um projecto de lei que concede, apenas, eficácia exclusivamente consultiva nas consultas locais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Fernando Condesso, a intervenção que produziu tem algo

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que, deverá reconhecê-lo, é, pelo menos, insólito. O Sr. Deputado disse que iria votar 3 projectos de lei que não assumia, nomeadamente aquele que u seu grupo parlamentar subscreveu.
Suponho que isto é inédito e terá, pelo menos, esta vantagem: a de demonstrar -e estará de acordo comigo nisso- que, de facto, há muita coisa por discutir nesta matéria e que a atitude mais sensata não seria, naturalmente, a de aprovar projectos que não estão amadurecidos, não seria a de aprovar uma ideia que já está aprovada pela revisão constitucional e que é inquestionável, é um património, mas a de encontrar, em sede de discussão na Comissão, a formulação adequada à Constituição.
De qualquer forma, fica-me esta pergunta: afinal qual é a posição do PSD nesta matéria, Sr. Deputado Fernando Condesso? É a de reassumir o projecto referendatário nacional que teve em 1980 e que propôs na revisão constitucional? Ou é conformar-se ao texto constitucional, nos exactos limites por ele definidos e que refere concretamente «consultas directas aos cidadãos eleitores ao nível local, determinadas pelos órgãos sobre matéria da exclusiva competência», e não, como o Sr. Deputado disse, «sobre matérias de relevante interesse local».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Fernando Condesso deseja responder, faça favor.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente, e desde já, em relação à primeira questão posta pelo Sr Deputado José Luís Nunes.
Dir-lhe-ia que a linguagem não importa, pois o que importa é aquilo que se pretende. V. Ex.ª poderá usar a linguagem que Meou consagrada na Constituição, em face do normativo do projecto do partido do Sr. Deputado. Eu poderei, sempre, usar a linguagem que é comum na doutrina e mesmo no direito comparado. O termo do «referendo» também se usa mesmo para o «referendo consultivo». Consultivo, deliberativo ou ratificativo são 3 formas pelas quais, efectivamente, se pode processar este instituto e não importa a linguagem que está ou não consagrada na Constituição. Eu prefiro o termo da doutrina, do direito comparado, que é o termo ao qual o meu partido sempre se agarrou e que tem, efectivamente, tradições.
V. Ex.ª pretende o termo «consulta»; pois muito bem, usemos esse termo. Por aí creio que não haverá problema nenhum.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Estou de acordo com o Sr. Deputado Fernando Condesso, quanto aos termos.
Mas a questão não é essa. A questão é, sim, outra. É que, qualquer que seja a terminologia utilizada - e não vamos entrar nesse tema-, a questão que lhe ponho é esta: pensa o Sr. Deputado Fernando Condesso que, tal como está a Constituição redigida, o n.º 3 do artigo 241.º é um exercício de soberania ou não? É que, desde que nos entendamos que não se trata de nenhum exercício de soberania, porque o exercício desta não pode ser deitado Mear para lei regulamentar, ou decreto-lei ou lei da Assembleia, aquilo que o Sr. Deputado disse na sua intervenção é extremamente correcto e desdramatiza completamento o problema. E chamar-lhe referendo ou não também não tem importância. O que tem importância é entendermo-nos sobre este ponto.

O Orador: - Sr. Deputado, concluiria dizendo que, posta a questão em termos de soberania, do que estamos a falar é de questões, de matérias e de competências do poder local. Se efectivamente estivéssemos a falar em questões de âmbito nacional, de referendo nacional, pois, dizendo-se que a soberania reside no povo e que esta será exercida segundo as formas previstas na Constituição, se esta previsse o referendo aqui estaria uma forma de a exercer.
Estamos a tratar de questões locais e eu não poria a questão segundo a forma técnica em que V. Ex.ª a coloca.
A questão importante e fundamental não é essa, mas sim a de saber se, independentemente do termo «consulta» e depois do acrescento que foi aceite fazer quando tentámos um acordo em sede constitucional, de que a eficácia seria estabelecida em lei quadro, pois essa eficácia pode ser deliberativa.
Decidida essa questão no sentido afirmativo e aberta a possibilidade de a lei quadro vir a ter assim, pois a questão está resolvida.
Quanto ao problema que o Sr. Deputado Lopes Cardoso levantou, repito que o projecto não foi elaborado por deputados nossos, foi assinado por cortesia.

Risos do PCP e do MDP/CDE.

E é uma base de trabalho em relação à qual nós, conforme aqui expressei, partimos para dar um contributo, no sentido de que o diploma final possa ser um diploma que, realmente, seja mais completo e possa responder àquilo que deve ser a sua verdadeira filosofia.
V. Ex.ª defende que o referendo tenha não só carácter consultivo mas deliberativo. Nós vamos, em sede de especialidade, fazer essa defesa e, como o PS já aqui disse que também está aberto a isso, pois essa eficácia será consagrada.
O Sr. Deputado do PCP refere que há algo de insólito em se ir votar 3 diplomas, não se considerando nenhum como perfeito. É evidente, Sr. Deputado, que isso não tem nada de insólito, pois isto é uma base. V. Ex.ª fala no trabalho da Comissão, pois vamos para lá trabalhar.
E porque é que vamos votar hoje? Vamos votar porque a UEDS, ao abrigo de um direito regimental especial, quer a sua votação e, por isso, votamos. Mas na especialidade vamos fazer o seu aperfeiçoamento.
V. Ex.ª não deixou, na parte final, sem passar uma certa aversão - não sei se de V. Ex.ª se do seu partido- ao referendo, quando referiu o «projecto referendário nacional de 1980». O medo do referendo nota-se assim. Srs. Deputados, quem dá representação e mandato para outros poderem decidir por si porque é que não há-de poder decidir directamente? Temos medo de quem?

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Certamente que para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Suponho que não seria descortês da minha parte reproduzir ao Sr. Deputado aquilo que ele próprio disse.
Do que estamos a tratar aqui são, e tão-só, das consultas directas aos cidadãos eleitores e da execução do preceito constitucional contido no n.º 3 do artigo 241.º
Por isso, a minha pergunta tem toda a legitimidade! é isso que os senhores querem, ou é outra coisa?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Deputado, se V. Ex.ª quer aqui levantar a questão de saber qual é a nossa posição em relação aos referendos nacionais ...

O Sr. João Amaral (PCP): - Não quero!

O Orador: - .... fui muito claro: somos a favor. Só que nesta lei quadro não é isso que está em causa, mas sim uma lei quadro do referendo local, cujo nome assumimos nestes mesmos termos e que para nós não pode ser puramente consultivo.
Está dito e não vale a pena repetir.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No preâmbulo dos 3 projectos em análise fala-se, para justificar a regulamentação do n.º 3 do artigo 241.º da Constituição, insistentemente na aplicação da democracia directa.
Não entendemos que a consulta directa ou o referendo, como quiserem, seja uma expressão da democracia directa, pois sabemos que historicamente o exemplo clássico da democracia directa é o da Grécia antiga. Ora, não estamos nas condições da Grécia clássica, não temos escravos e não somos uns patrícios especiais.
O MDP/CDE entende que democracia directa ou representativa é sempre, e antes de tudo, a discussão dos problemas e a deliberação final desses problemas.
É evidente que no caso do referendo ou das consultas directas não há, em nosso entender, discussão - não digo propriamente do tema, porque essa existe sempre na fase da propaganda ou na fase pré-eleitoral ou pré-deliberativa - concernente à alteração do tema. Os eleitores são chamados a dizer «preto» ou «branco», «sim» ou «não», não podendo introduzir alterações, não podendo dar um outro sentido que não seja o sim ou o não.
Mas que fique bem claro que nós, MDP/CDE, entendemos que as consultas directas são um elemento importante para a decisão dos órgãos autárquicos. Tanto assim é que votámos favoravelmente, aquando da revisão constitucional, o n.º 3 do actual artigo 241.º da Constituição.
Só que entendíamos e entendemos que as consultas directas devem servir para uma melhor ponderação e deliberação dos órgãos autárquicos e não devem ser, elas próprias, mais uma nova fonte de direito. Isto é, em resumo, a consulta directa deve ter, em nosso entender, uma eficácia meramente consultiva, pelo menos no estádio actual da nossa democracia.
São os 3 problemas nucleares que apresentam estes projectos: a questão da eficácia, a questão da iniciativa e a questão da competência.
Na questão de eficácia, ela deverá ser consultiva e não vinculativa da decisão, na medida em que a consulta pode ou não contemplar parâmetros essenciais da decisão, impossíveis de equacionar no momento da consulta, ou então o colectivo de eleitores pode não estar suficientemente elucidado para emitir mais do que simples opinião sobre a generalidade da questão sobre a qual é consultado.
Em todo caso, a consulta nunca deve constituir - e isto parece-nos extremamente importante- alibi para que qualquer órgão autárquico se demita de assumir as responsabilidades de decisão que lhe são específicas, remetendo-as, indevidamente, para a opinião pública.
O que o cidadão eleitor deve ter é o direito de emitir a sua opinião sobre as questões que lhe forem presentes, saber em que medida essa opinião é ou não comum à maioria dos cidadãos e em que medida o órgão autárquico deliberativo que elegeu decide ou não correctamente face à opinião expressa. O que o cidadão eleitor tem é o direito de progredir da opinião para a posição esclarecida, inquirindo a razão dos desvios entre a decisão que lhe parecer mais favorável e a que foi assumida, argumentar e elucidar-se nos órgãos locais propícios à discussão, que são as assembleias, isto é, participar conscientemente das decisões dos órgãos eleitos. Nessa senda, a consulta deve ser um passo e não uma alternativa.
Assim, em nosso entender, as consultas directas aos cidadãos eleitores deverão: ter eficácia consultiva; ser decididas pelo órgão deliberativo da autarquia, sendo que a decisão deve comportar a definição da questão e a dos termos da consulta; ser sempre objecto de apuramento, publicamente dado a conhecer aos eleitores; ser tidas em consideração na fundamentação da decisão pelo órgão competente para resolver o problema.
A decisão deverá ser fundamentada tendo presentes e devidamente ponderados o apuramento explícito da consulta e os factores objectivos que possam não ter sido considerados pela opinião pública veiculada por aquela consulta.
Quanto à iniciativa, entendemos que pode partir de qualquer dos órgãos autárquicos e ainda de cidadãos eleitores suficientemente representativos. A competência para deliberar estas consultas, no entender do MDP/CDE, deve ser exclusivamente das assembleias de freguesia, municipais ou regionais, se as houver, as quais entendemos ser o órgão deliberativo por excelência. Dar a outros órgãos autárquicos a competência para esta deliberação é continuar a contribuir para a confusão & ambiguidade das competências.
Entendemos que uma lei deve clarificar as questões e não suscitar interpretações subjectivas. Nessa medida, entendemos que esta deliberação deve ser to-

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mada, exclusivamente, por um órgão deliberativo, o das autarquias.
Em resumo, direi que são estas as nossas preocupações quanto aos 3 projectos de lei.
No nosso entender, o projecto de lei apresentado pela UEDS é o que mais se aproxima dos parâmetros que acabamos de definir. Quanto aos projectos de lei apresentados pelo CDS e pelo PS/PSD, pelas razões que apontamos, consideramo-los bastante afastados daqueles mesmos parâmetros. Com o projecto de lei apresentado pelo PS/PSD, depois das intervenções feitas pelos líderes daqueles partidos, não sabemos até se o projecto de lei é ainda aquilo que lá está escrito ou se é aquilo que está na mente dos deputados daquelas bancadas.

Aplausos do MDP/CDE.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): -Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): -Sr. Presidente, não é hábito do meu grupo parlamentar protelar os trabalhos da Câmara, mas acontece que, sem prejuízo da votação que a seguir se terá de fazer, temos absoluta necessidade de reunir. Assim, solicitamos um intervalo de 10 minutos.

O Sr. Presidente: - O pedido é regimental, pelo que suspendo a sessão.
Eram 20 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 20 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 169/III, apresentado pela UEDS.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI, votos contra do PCP e abstenções do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 302/III, apresentado pelo CDS.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI, votos contra do PCP e do MDP/CDE e a abstenção do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Segue-se a votação do projecto de lei n.º 306/III, apresentado pelo PS/PSD.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI, votos contra do PCP e do MDP/CDE e a abstenção do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Passo a ler um requerimento que deu entrada na Mesa:
Os deputados abaixo assinados requerem a formação de uma comissão eventual, integrando deputados das Comissões Especializadas de Direitos, Liberdades e Garantias e Administração Interna e Poder Local, para que esta proceda ao debate e votação na especialidade dos 3 projectos já aprovados na generalidade, no prazo de 60 dias.

A composição da comissão será a seguinte:

PS - 4 deputados;
PSD -3 deputados;
PCP -2 deputados;
CDS - 2 deputados;
UEDS, ASDI e MDP/CDE- 1 deputado cada.

(Seguem-se as assinaturas.) Srs. Deputados, vamos votar este requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI e votos contra do PCP e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Sr. Presidente e Srs. Deputados: Antes de votarmos este requerimento quisemos chamar a atenção da Mesa para o facto de a referida proposta não respeitar, na composição da comissão, o princípio da proporcionalidade, ao contrário do que sucede com outras comissões eventuais, que já aqui foram criadas, em que esse princípio está garantido, designadamente a comissão eventual que foi criada há dias para tratar da discussão e votação na especialidade do Serviço de Informações.
Se nos tivesse sido dada a oportunidade de manifestarmos este ponto de vista e de a proposta ser corrigida, certamente teríamos votado a favor.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Nós preocupamo-nos em salvaguardar as proporções da representação nesta Câmara. Assim, a maioria, que possui 68 % cios deputados, neste caso tem o mesmo número de representantes que todos os outros partidos em conjunto, ou seja, 7 deputados. Não houve, portanto, da nossa parte, qualquer iniciativa tendente a prejudicar os restantes grupos desta Câmara.
Onde o Partido Comunista pode pôr reticências é no facto de ter 2 deputados na comissão, tal como tem o CDS, mas se fôssemos preservar integralmente o princípio da proporcionalidade também nós, socialistas, que temos 4 representantes, teríamos de ter mais. Acontece e que, levando a proporcionalidade às últimas consequências, se chegam a soluções extremamente pesadas e que não funcionam. A nossa intenção não foi criar embaraços ao Partido Comunista. Podia-se, no entanto, ter proposto outra fórmula, a qual teríamos ponderado se tivesse surgido a tempo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar o processo de urgência requerido pelo Governo

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para a proposta de lei n º 63/III, que concede ao Governo autorização legislativa para definir em geral ilícitos criminais e penais

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do PSD e votos contra do PCP, do CDS, do MDP/CDE, da UEDS, da ASDI e do deputado independente António Gonzalez

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra o pedido de urgência solicitado pelo Governo para a discussão da proposta de lei n.º 63/III pelas razões que expendemos no decurso do debate e agora importa, em síntese, recolocar. A Assembleia da República não pode abrir mão das suas competências, conceder autorizações genéticas do tipo da que lhe foi solicitada.
Após quanto se havia afirmado nesta Câmara na sessão que aplicou a impugnação da iniciativa legislativa do Governo, a este mais não restaria, se pautasse á sua actuação por critérios de respeito pela Constituição e de idoneidade intelectual, do que retirar o eu pedido. Não o fez. Ancorou-se mais ainda nas posições insustentáveis que aqui exibira e apareceu disposto a obter a todo o custo o que pretendia. Uma dócil maioria, incapaz de reflectir no quanto tudo isto representa de efectivo esvaziamento dos poderes do Parlamento, fez-lhe o jeito. E, assim, uma proposta de lei que não se subordina aos ditames constitucionais do artigo 168.º, n.º 2, que não define o objecto, nem o sentido, nem a extensão, ou mesmo a duração daquilo que intenta, que fornece ao Governo poderes, que ele não pode ter, para criminalizar quando, como e nos termos que lhe aprouverem, passa na Câmara com os votos solícitos do PS e do PSD.
Ora, isto é de extrema gravidade. Já em Junho do ano transacto o Executivo obteve instrumento idêntico. Utilizou-o como se sabe, isto 6, para, a coberto dessa autorização genérica, lançar, por via administrativa, autênticos petardos sobre a legalidade democrático-constitucional, os direitos e garantias dos cidadãos.
O caso do decreto-lei que teve como mentor o Sr. Primeiro-Ministro e o modo como reagiu aos agradecimentos populares conimbricences é significativo, inquietante, embora ridículo e caricato. Igualmente preocupante é o decreto-lei que reforça os poderes dos governadores civis numa óptica de limitação das liberdades públicas.
O que o governo de Mário Soares visa, a nosso 'ver, com este tipo de autorizações genéricas, é - mercê da conivência dos seus acrílicos apoiantes - legislar de modo sombrio e sempre repressivo sem ter de sujeitar-se à discussão nesta Casa, em concreto, de cada um dos seus planos de intervenção legislativa.
Fica assim subtraída à Assembleia da República a definição que lhe cabe da política criminal. É pura e simplesmente inadmissível, Srs. Deputados.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não nos ficam quaisquer dúvidas quanto ao perigoso alcance do mecanismo de que, pelas mãos dos seus deputados, o Governo passaria a dispor. Mas esse mecanismo e de tal forma inconstitucional que bem se exige nunca lhe seja confiado. Pela nossa parte usámos todos os argumentos e envidaremos todos os esforços para que tal não aconteça.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Magalhães Mota pede a palavra para que efeito?

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - É apenas para comunicar que atendendo à hora e à extensão da nossa declaração de voto enviá-la-emos, por escrito, para a Mesa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Lage pediu a palavra paia que efeito?

O Sr Carlos Lage (PS): - É por causa de um requerimento que nós chegámos a formular na sessão anterior sobre o processamento do pedido de urgência, pois não está definido na proposta. Nós estamos a discutir um mero processo de urgência e a proposta do Governo não define exactamente os termos desse processo de urgência. Essa questão colocou-se aqui na sessão anterior e creio que chegámos a fazer um requerimento. Se ele não estiver na Mesa, nós fazemos outro.

O Sr. Presidente: - Eu informei que estava na Mesa um requerimento nesse sentido, Sr. Deputado.
Para que efeito pediu a palavra, Sr. Deputado Nogueira de Brito?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Apenas declarai que, pelas mesmas razões invocadas pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, nós entregaremos amanhã na Mesa a nossa declaração de voto.

O Sr Presidente: - Está um requerimento na Mesa, que é do seguinte teor:

Os Srs. deputados abaixo assinados propõem que o processo de urgência solicitado pelo Governo para a proposta de lei n.º 63/III tenha a seguinte tramitação:

A constante da alínea a) do artigo 246.º do Regimento;
A baixa à Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, após a sua eventual aprovação na generalidade, com o prazo de 15 dias.

(Seguem-se as assinaturas.) Srs Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado com os votos favoráveis do PS e do PSD, votos contra do PCP, do CDS, da ASDI, da UEDS e do deputado independente António Gonzalez e a abstenção do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra paia que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Para uma declaração de voto, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra porque a proposta se nos afigurou, desde logo, insólita. Já não bastava que o Governo se apresentasse com uma proposta de lei marcadamente inconstitucional - como 2 debates sucessivos já demonstraram - como, quando tudo aconselhava reflexão, ponderação, pausa bastante, nos aparecem deputados da coligação governamental a propor - julgávamos nós- um regime de urgência.
Constatámos, Sr. Presidente, que aquilo que acabou de ser proposto e, infelizmente, aprovado nem sequer e um regime de urgência: é o regime que se aplicará quando a proposta de lei for aprovada na generalidade. Portanto, aquilo que acabámos de fazer em sede de urgência é a aprovação de um regime de baixa à comissão na generalidade que deveríamos aprovar, obviamente e nos termos regimentais, após a eventual votação na generalidade.
Chama-se a isto antecipar, num momento em que se exigiria, escorreitamente, adiar e adiar muito. De onde, o requerimento que foi apresentado e que, em substância, é inoportuno, extemporâneo e, na parte em que tem alguma coisa a ver com o processo de urgência, e redundante e inútil, uma vez que diz o mesmo que a alínea a) do artigo 246.º do Regimento.
Digamos que, para culminar de um processo em que a maioria governamental «fechou olhos» à Constituição, não está mal. Infelizmente, está mal e muito mal face à Constituição e ao Regimento que temos em vigor e, nesse sentido, não poderíamos deixar de ter votado contra, como votámos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Lage pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Para uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Queria assinalar que nós, relativamente à questão de fundo da autorização legislativa, ainda não definimos qualquer posição. Assim, qualquer interpretação é prematura, pois apenas nos pronunciámos sobre o processo de urgência e, sobre isso, nem sequer expendemos argumentação, pois consideramos que os processos de urgência, nesta Câmara, não nos devem levar sessões legislativas inteiras.
Quanto à tramitação do processo de urgência, eu penso que o Sr. Deputado Tose Magalhães digeriu mal o nosso requerimento.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Realmente era duro!

O Orador: - O Sr. Deputado tem boa dentadura; neste caso não conseguiu mastigar o granito!

O Sr. José Magalhães (PCP): - É que é duro de roer!

O Orador: - O que nós verdadeiramente propusemos foi que, em vez de se dispensar, em definitivo, a baixa à Comissão, essa baixa ficasse garantida. Ficou assim garantida a baixa à Comissão. O que ficou dispensado foi o exame prévio em Comissão; e todos nós sabemos que a maioria dos diplomas que se discutem nesta casa nem sequer têm exame prévio em Comissão - ainda agora discutimos 3 que não tiveram exame prévio.
Portanto, garantimos que, depois da aprovação na generalidade, haja uma baixa à Comissão para uma discussão no prazo de 15 dias, ou seja, e uma conquista - passo a expressão- relativamente àquilo que era possível fazer em termos de levar o processo de urgência às suas últimas consequências, como os Srs. Deputados sabem.
Garantimos deste modo que haja uma baixa à Comissão por um período de 15 dias, bem como que o debate na generalidade, esse sim, se realize nos termos da alínea a) do artigo 246.º, ou seja, em concreto e para que se entenda melhor.
Quanto à dispensa do exame em comissão não o fizémos, apenas eliminámos a discussão prévia e introduzimos a discussão em Comissão por um período de 15 dias; quanto ao prazo de discussão na generalidade, remetemo-nos à alínea b) do artigo 246.º, que diz o seguinte:

Na discussão na generalidade os representantes de cada grupo parlamentar e do Governo poderão usar da palavra por um período não superior a 1 hora cada um e os representantes de cada partido não constituído em grupo por período não superior a meia hora.
Por conseguinte, só adoptamos do processo de urgência a limitação dos tempos na generalidade porque, quanto à especialidade, já não é a primeira vez que se dá também um prazo de 15 dias.
Creio, assim, que a interpretação que o Sr. Deputado José Magalhães deu é uma interpretação exagerada ou, se quisermos, um pouco fantasista...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Antes fosse!

O Orador: - ..., na base da fantasia área, que não é granítica, que o Sr. Deputado muitas vezes dá.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vão ser anunciados os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: da iniciativa do PS, do PSD, do CDS, do PCP, da UEDS e da ASDI e de que é primeiro subscritor o Sr. Deputado Silva Marques, o projecto de lei n.º 327/III, que revoga a Lei n.º 69/79, de 11 de Outubro, sobre o Serviço de Apoio do Conselho de Imprensa, que baixa à 3.ª Comissão, e o projecto de lei n.º 328/III, do PS, e que tem como primeiro subscritor o Sr. Deputado Agostinho de Jesus Domingues, sobre a Lei de Bases do Sistema Educativo, que baixa à 4.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião plenária terá lugar amanhã, dia 3 de Maio de 1984, pelas 10 horas, não havendo prolongamento no período de antes da ordem do dia e constando respectivamente da primeira e segunda partes do período da ordem do dia a apreciação e votação do

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projecto de resolução n.º 5/III, do CDS, sob o inquérito à situação que se vive actualmente na RTP, e a apreciação do projecto de lei n.º 320/III, do PS/PSD, sobre o estatuto patrimonial do Presidente da República.
Como os Srs. Deputados sabem, o Sr. Presidente do Conselho de Ministros da Itália visita amanhã a Assembleia da República pelas 17 horas.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

José Augusto Fillol Guimarães.
José Maria Roque Lino.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Victor Hugo Jesus Sequeira.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Eleutério Manuel Alves.
Francisco Antunes da Silva.
João Domingos Abreu Salgado.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Victor Manuel Pereira Gonçalves.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alfredo de Brito.
João António Torrinhas Paulo.

Centro Democrático Social (CDS):

João Lopes Porto.
José Augusto Gama.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Ruben José de Almeida Raposo.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados. Partido Socialista (PS):

Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Amadeu Augusto Pires.
António Domingues Azevedo.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
João Joaquim Gomes.
Jorge Alberto Santos Correia.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Nelson Pereira Ramos.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Gaspar de Castro Pacheco.
Jorge Nélio P. Ferraz Mendonça.
José Luís de Figueiredo Lopes.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Paulo Carvalho Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
João António de Morais Silva Leitão.
João Carlos Dias M. Coutinho Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
Joaquim Rocha dos Santos.
Luís Filipe Paes Beiroco.

Declaração de voto sobre a proposta de lei n.º 63/III enviada à Mesa para publicação

1 - O Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente teve, em tempo oportuno, ocasião de impugnar a admissibilidade da proposta de lei n.º 63/III, por flagrante inconstitucionalidade.
O debate a tal propósito travado veio confirmar - e de modo inequívoco - o bem fundado da impugnação.
A autorização legislativa solicitada não tem sentido. O próprio Governo não sabe para que a quer e isso declarou, expressamente, no debate.
Oscila entre o pensar que sem possuir a competência para a definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos é um governo desarmado, assim prenunciando a inviabilidade do actual texto constitucional e o sugerir que autorização legislativa sim mas para ficar disponível para qualquer momento futuro, imprevisto, incerto, mas, assim mesmo, imprescindível.
Por isso, quase se compreende que o deputado Montalvão Machado veja a concessão desta autorização como um exercício de virtudes teologais por parte da maioria que, no Governo, tem fé e esperança e, perante tal pedido, certamente caridade.
Certo e que, o debate o confirmou, a autorização legislativa solicitada não tem, também, extensão. O Governo mesmo o confessa ao enunciar a propósito de dela usar «comedidamente».
A inequívoca violação do n.º 2 do artigo 168.º da Constituição da República ficou, insofismavelmente, patenteada.
2- A proposta é, para além de inconstitucional, ao arrepio de qualquer política criminal séria.

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Na verdade, a política criminal subjacente ao novo Código Penal merece, a tal propósito, ser recordada.
O princípio da legalidade, ou da tipicidade, que a Constituição da República garante - artigo 29.º - é, consagrado no Código Penal (artigo 1.º) que, numa inovação da maior importância, dispõe no seu artigo 31.º que um «facto não é criminalmente punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade».
Isto é, quando se fixa como limite da ilicitude criminal objectiva e ponderação da ordem jurídica no seu conjunto, existe uma política criminal em que procura garantir-se a unidade total do direito.
É esta mesma concepção global que revela uma política e uma ideia, que a presente proposta de lei de autorização legislativa displicentemente ignora.
E se o debate haveria de revelar que o Governo não sabe sequer, pelo menos ainda, para que precisa desta autorização legislativa, não é menos certo que a sua apresentação é também reveladora de que longe de ter uma concepção de política criminal o actual governo pretende actuar casuisticamente, ao sabor dos acontecimentos e circunstâncias, dirigido e não dirigente, a reboque dos factos em vez de os prever.
O Governo parece, com esta proposta de lei de autorização legislativa, ignorar totalmente o esforço dos autores modernos para identificar um conceito material de crime.
A legitimidade da criminalização no contexto de uma sociedade pluralista, aberta (veja-se ARNDT ou LISTL), para que o campo do direito penal se não transforme «numa arma de ideologias e projectos de poder conflituantes» e o próprio direito penal se não degrade «num instrumento nas mãos do grupo ou estrato social em cada momento dominante» obriga a que só possa criminalizar-se «o que de forma inequívoca mereça o predicado de socialmente danoso» (cfr. MÜLLF.R-DIETZ in Strafe una Staat, a p. 24, aliás citado expressamente por Costa Andrade in/ornadas de Direito Criminal: O novo Código Penal Português e Legislação Complementar, edição do Centro de Estudos Judiciários, a p. 202).
Ao furtar-se ao controle e debate parlamentar, através de um pedido de autorização legislativa, não correspondendo sequer ao mínimo constitucionalmente exigido da definição do objecto e extensão da autorização, o Governo parece, ao arrepio das próprias consequências de um pluralismo assumido, arrogar-se o direito de vir a criminalizar-se, quando e se lhe convier, quaisquer condutas.
De igual modo, colocando-se ao invés de qualquer modernidade, o Governo ao pretender criar novas contravenções põe em causa o passo em frente que significou a autonomia do ilícito de mera ordenação.
Ao contrário de Figueiredo Dias (in Jornadas de Direito Criminal, citadas, a p. 326) para quem uma essencial condição é a de que «o legislador futuro não deverá criar nem mais uma contravenção» o Governo pede, à Assembleia da República, uma autorização para, durante meses, criar um número indeterminado de contravenções, na ideia, que ressalta quer da justificação que deu, quer da intervenção do deputado Montalvão Machado, que e um governo «desarmado» aquele que apenas disponha, de imediato, do direito das contra-ordenações, como se este não fosse um direito sancionatório de carácter punitivo.
Isto é: subjacente ao pedido de autorização legislativa ora formulado não há apenas uma ausência ou indefinição de política criminal por parte do Governo.
Há a ideia, mais grave, de que este pode, por si só, ultrapassar a vivência de uma sociedade plural para, pelo verdadeiro «cheque em branco» que é uma autorização legislativa sem balizamentos, substituir o consenso social inerente à criminalização pelo simples uso da força de uma maioria.
3 - É, assim, para uma autorização legislativa inconstitucional, que não sabe para quê vai ser necessária, se o for -o que exclui desde logo a possibilidade de, com um mínimo de boa fé e honestidade políticas, ser usada para rever o Código Penal -, mas talvez vá ser usado tantas vezes quantas o conceito de «comedimento» governamental permita, que é solicitada urgência.
Para quê, não se sabe, mas é urgente - o Governo o diz.
Estará a reproduzir-se a queiroziana história do moço de recados tão demasiado diligente que saía a correr sem saber para onde, logo que se lhe dizia «Você vai» ...?
Tais foram, como aliás o debate evidenciou, as razões que determinaram os deputados da Acção Social Democrata Independente a votar contra o processo de urgência solicitado.
Acresce o facto de o Governo proponente de urgência não ter sequer concretizado se pretende a aplicação da regra supletiva do artigo 246.º do Regimento ou alguma modalidade em concreto.

Relatórios e pareceres da Comissão da Regimentos e Mandatos enviados à Mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 2 de Maio de 1984, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:

José Pereira Lopes (círculo eleitoral de Castelo Branco) por Vítor Manuel da Ascenção Mota (esta substituição é pedida para os dias 2 a 11 de Maio corrente, inclusive);
Mário Martins Adegas (círculo eleitoral de Aveiro) por José Júlio de Carvalho Ribeiro (esta substituição é pedida por um período não superior a 45 dias a partir do dia 1 de Maio corrente, inclusive);
Rogério da Conceição Serafim Martins (círculo eleitoral de Lisboa) por Vítor Manuel Dias Pereira Gonçalves (esta substituição é pedida para os dias 27 de Abril a 14 de Maio corrente, inclusive);

2) Solicitada pelo Partido do Movimento Democrático Português/CDE:

José Manuel Marques Mendes do Carmo Tengarrinha (círculo eleitoral de Lisboa) por Maria Alfredo Cordeiro da Cruz Ribeiro Viana (esta substituição é pedida por um período não superior a 6 meses, a partir do dia 2 de Maio corrente, inclusive).

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Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Manuel Fontes Orvalho (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - Maria Margarida Salema Moura Ribeiro (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP)- Francisco Menezes Falcão (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Em reunião realizada no dia 2 de Maio de 1984, pelas 17 horas e 30 minutos, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitada pelo Partido Social-Democrata:

António Abílio Costa (círculo eleitoral de Bragança) por Eleutério Manuel Alves (esta substituição é pedida ao abrigo da Lei n.º 1/79 a partir do dia l de Maio corrente, inclusive);

2) Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

José Luís da Cruz Vilaça (círculo eleitoral de Coimbra) por Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró (esta substituição é pedida por um período não superior a 45 dias, a partir do dia 2 de Maio corrente, inclusive);

3) Solicitada pelo Agrupamento Parlamentar da União de Esquerda para a Democracia Socialista:

Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira (círculo eleitoral de Setúbal) por João Paulo de Oliveira (esta substituição é pedida para o dia 4 de Maio corrente).

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - António da Costa (PS) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - Leonel Santa Rita Pires (PSD)- João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Alexandre Carvalho Reigoto (CDS) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS).

As REDACTORAS: Cacilda Nordeste - Leonor Ferreira.

PREÇO DESTE NÚMERO 95$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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