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4342 I SÉRIE-NÚMERO 103

que passará a ser uma constante ao longo da sua vida e da sua obra multimoda.
Essa independência e poder próprio de afirmação, em defesa de valores culturais e políticos que considera os mais ajustados ao progresso da sociedade portuguesa, haveriam de sujeitá-lo, em diversas e prolongadas ocasiões da sua vida e desde a juventude, a prisões, ao exílio e até a muitas incompreensões de camaradas e correligionários.
É assim que o vemos acusado de anarquista e de libertário, ainda mesmo quando era, como foi, um homem de partido. É assim que o vemos independentizar-se do partido a que pertencia, quando se deu conta de que se devem seguir ideias e não homens. É assim que o vemos sobressair na greve dos estudantes de 1907 e, lutador pela República, achar-se preso à data da implantação desta. Ê também assim que, mal regressado da guerra, onde foi gravemente ferido e se bateu galhardamente pela Pátria, em terras de França, sofreu como prémio uma estada na Penitenciária de Coimbra.
E, não obstante, a sua acção pedagógica, a sua luta pela elevação da cultura do povo, a sua reiterada confiança no progresso e na melhoria das condições e qualidades de vida dos seus concidadãos, são uma constante preocupação da sua acção como escritor, como historiador, como político, que não só nunca se vergou à ditadura, como esta o teve como um dos seus primeiros conspiradores, e que lhe valeu décadas de exílio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo lugar esta homenagem a Jaime Cortesão numa Câmara de deputados, parece-me que devemos ter presente que também ele se distinguiu como membro da Câmara de Deputados da 1.ª República, para onde foi eleito, pelo círculo do Porto, em 13 de Junho de 1915 e onde se manteve até meados de 1917.
Fez parte das Comissões do Orçamento e Previdência Social, nas quais emitiu diversos pareceres.
Apresentou, individualmente, um projecto de lei regulando o número de agentes de emigração existentes no País, visando diminuir a emigração e aumentar as receitas do Estado.
Apresentou uma importante proposta de emenda a um projecto de lei sobre o ensino, com a justificação de que, «nas pátrias, é o sentimento patriótico e de um ideal colectivo que constitui a origem de todos os progredi mentos nacionais».
Apresentou um projecto de lei sobre matéria de assistência social, visando a ultrapassagem da situação de miséria em que ficaram muitas famílias dos mortos e feridos em resultado da revolução de 14 de Maio de 1915.
Chama a atenção do Governo para factos graves passados no hospital de S. José.

Faz o elogio do poeta Joaquim Araújo e do historiador Barbosa Colen, por ocasião da sua morte.
Da sua acção parlamentar, de que dei alguns exemplos, sobressaem, no entanto, as suas intervenções de cunho altamente patriótico, em defesa da nossa participação na Grande Guerra; a insustentação do dever de prestação de serviço militar por parte dos que dele se viram isentos por o haverem remido a dinheiro; na defesa dos aspectos morais que ilegitimariam a dispensa de mobilização dos deputados e, coerente com as posições assumidas, escreve uma carta ao Ministro da Guerra, Norton de Matos, oferecendo-se como voluntário e, apesar de há vários anos não exercer a medicina, reinicia a sua prática e parte para as linhas da frente, com o posto de alferes médico.
Do que foi ou parte do que foi essa sua missão ao serviço da Pátria nos deu conta nessa preciosa obra que são as Memórias da Grande Guerra.
Sr. Presidente, Srs Deputados: No parcimonioso e breve elogio que a memória de Jaime Cortesão me impõe e na certeza de que muitas outras facetas do seu talento serão salientadas pelos meus ilustres colegas, gostaria ainda de me referir ao seu engenho de poeta, pois que, quanto a mim, há em toda a sua vida, como em toda a sua obra, mesmo a de historiador, dramaturgo, pedagogo e até a de político, muita da sensibilidade que cedo ele revelou poeticamente.
O que não passou despercebido ao seu contemporâneo e grande poeta Fernando Pessoa, que em carta dirigida a Jaime Cortesão lhe asseverava que era «o primeiro dos poetas da novíssima geração», chamando «novíssima geração àquela que apareceu posteriormente à de Pascoais, Correia de Oliveira e Lopes Vieira, à que é propriamente já e apenas, do século XX». E ainda que ninguém, mais do que ele, Fernando Pessoa, admirava «a alma do poeta e de português, de Jaime Cortesão», a cujo «alto e religioso sentimento de natureza e ao subtil sentimento do espírito» caracterizador dos novos poetas, juntava Jaime Cortesão «um sentimento heróico que o ergue acima deles».
Esta apreciação crítica de Fernando Pessoa, a propósito de um poeta como Jaime Cortesão, cuja obra se iniciava com A Morte da Águia, Esta História é para os Anjos e A Sinfonia da Tarde, contém já em si mesma as características que haveriam de permanecer ao longo de toda a obra e a respeito da individualidade poética do nosso homenageado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas uma nota final, que pode traduzir o voto de que a nossa homenagem de hoje se torne, verdadeiramente, digna de Jaime Cortesão. E esse voto é o de que, na leitura da obra de Jaime Cortesão, saiba cada um de nós retemperar o espírito de amor pátrio, a solidariedade que devemos para com todos os nossos concidadãos e a energia na acção que nos faça merecer a liberdade por que ele sempre lutou e sofreu e que também cantou:

LIBERDADE

Não és a flor da beira do caminho. Bem sei que é necessário conquistar-te A cada novo dia e a duro preço. Por ti tenho sofrido quanto os homens Podem sofrer. Por isso (e mereço.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que me seja permitido, até porque de mais não seria capaz, falar-lhes hoje de Jaime Cortesão através da palavra escrita de. intelectuais de hoje que muito admiro: Rui Feijó e Vitorino Magalhães Godinho. São palavras escritas por homens cuja cultura me ultrapassa e que traduzem o que o homem que sou sente, mas não saberia nunca exprimir de modo tão correcto.