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I Série - Número 107

Quarta-feira, 16 de Maio de 1984

DIÁRIO da Assembleia da República

III LEGISLATURA 1.º SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 DE MAIO DE 1984

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral

Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
A Câmara concedeu a prorrogação do prazo concedido à Comissão Eventual de Inquérito aos incidentes ocorridos com o Sr. Deputado Manuel Lopes (PCP) para o referido inquérito, tendo produzido declaração de voto o Sr. Deputado José Manuel Mendes (PCP).

Ordem do dia. - Concluiu-se a apreciação da proposta de lei n.º 63/III, tendo sido concedida autorização legislativa ao Governo para definir em geral ilícitos criminais e penais.
Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (Rui Machete), os Srs. Deputados Nogueira de Brito (CDS), José Magalhães (PCP), António Taborda (MDP/CDE), José Manuel Mendes (PCP), Montalvão Machado (PSD), Costa Andrade (PSD), Hasse Ferreira (UEDS), José Luís Nunes (PS) e Magalhães Mota (ASDI).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Henrique Nazaré Conceição.
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alexandre Monteiro António.
Almerindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.

ntónio Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António José dos Santos Meira.
António Manuel do Carmo Saleiro.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Belmiro Moita da Costa.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Edmundo Pedro.
Eurico Faustino Correia.
Fernando Lourenço Gouveia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Händel de Oliveira
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Hermínio Martins de Oliveira
João de Almeida Eliseu.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim Leitão Ribeiro Arenga.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.

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José António Borja S. dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Bastos Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luís do Amaral Nunes.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
José Maximiano Almeida Leitão.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Angela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.

aria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel de Barras Barral.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Maria de Orneias Ourique Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Evangelista Rocha de Almeida
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Adriano Gago Vitorino.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
José Pereira Lopes.
José Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João António Torrinhas Paulo.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.

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José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino Carvalho de Lima.
Lino Paz Paulo Bicho.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Simões Areosa Feio.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
António José de Castro Bagão Félix.
Amando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
David José Sigurado Ribeiro.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Carlos Dias M. Coutinho Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
José Vieira de Carvalho.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte Goes.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Monteiro Taborda.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Alfreda Cordeiro da Cruz Ribeiro Viana.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (ÜEDS):

Dorilo Jaime Seruca Inácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai proceder à leitura de um requerimento.

Foi lido. Ê o seguinte:

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

A Comissão Eventual de Inquérito aos incidentes ocorridos com o Sr. Deputado Manuel Lopes, tendo concluído ser insuficiente o tempo que lhe foi concedido para o referido inquérito, dado ainda ser necessário continuar as diligências em curso, vem requerer o prorrogamento daquele prazo até 12 de Junho de 1984. Mais solicita a V. Ex.ª a inclusão desta matéria na reunião plenária da próxima terça-feira com vista a que a prorrogação solicitada possa ser votada naquela reunião ou antes de 16 de Maio, data em que expira o prazo fixado pela Resolução n.º 13/84.
Com os melhores cumprimentos.

Palácio de S. Bento, 11 de Maio de 1984. - O Presidente da Comissão Eventual de Inquérito, António da Costa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o requerimento que acaba de ser lido não fazia parte da ordem de trabalhos, mas presumo que há consenso dos grupos parlamentares para que, pelas razões expostas, ele seja hoje apreciado pelo Plenário.
Vamos votá-lo.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faz favor.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, queria pedir que, caso fosse possível, a Mesa procedesse de novo à leitura do texto do requerimento.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

Foi lido de novo.

O Sr. Presidente: - Vamos, pois, votar este requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, do MDP/CDE e da ASDI e a abstenção do PCP, registando-se a ausência da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começamos por lamentar que tenha sido necessário proceder ao pedido de prorrogação do prazo dentro do qual a Comissão deveria apurar os factos e emitir um relatório. Todavia, na Comissão, constatadas determinadas realidades, fomos ao ponto de propor uma data, que se nos afigurava bastante preferível, que era a do dia 31 de Maio.
Isto porque, na previsibilidade de a Assembleia da República encerrar os seus trabalhos desta sessão legislativa no dia 15 de Junho, ficaríamos ainda com o tempo necessário e bastante para todos os processos de agendamento e, anteriormente a eles, para a elaboração do texto do relatório que a Comissão de Inquérito deverá fazer presente a este Plenário.
Tal não aconteceu. Aquilo que acabámos de votar prolonga até ao dia 12 de Junho os trabalhos da Comissão, o que nos parece excessivo. Por isso, a nossa posição de voto é, por um lado, a tradução

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de quanto acabo de dizer e, por outro, o testemunho das nossas preocupações nesta matéria, uma vez que desejamos, de toda a maneira, ver apurada a verdade, elaborado um relatório limpo e fidedigno para apreciação da Assembleia da República em tempo oportuno.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora entrar na ordem de trabalhos prevista para hoje.
Do primeiro ponto consta a apreciação e votação da proposta de lei n.° 63/III, que concede ao Governo autorização legislativa para definir em geral ilícitos criminais e penais.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Rui Machete): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria apenas fazer uma brevíssima intervenção justificativa deste pedido de autorização legislativa.
Como W. Ex.ª sabem, o Governo tem, em concorrência com a Assembleia da República, competência legislativa nas zonas que não são reservadas à sua exclusiva competência, que, portanto, devem ser objecto do normal exercício.
Uma das características das leis é a de serem dotadas de coercibilidade e de terem meios sancionatórios; de não serem aquilo a que os latinos chamavam leges imperfectae.
Esta autorização legislativa destina-se a solicitar à Assembleia da República a permissão a dar ao Governo para este, no exercício da sua competência normal ou autorizada, poder cominar sanções de carácter penal que tornem as suas leis leges perfectae.
É verdade que os termos literais em que o artigo 168.° da Constituição está redigido, no que se refere às autorizações legislativas, introduzem alguma dificuldade no sentido de dar uma autorização legislativa que não defina com inteiro rigor o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização. Mas penso que esta disposição tem de ser interpretada correctamente e em concatenação com as competências que são dadas aos diversos órgãos de soberania, e se fosse interpretada no sentido de nesta matéria só ser possível uma autorização para uma determinada e concreta lei, isso impediria, na prática, que o Governo pudesse exercer a sua competência normal, que lhe é conferida pela Constituição, porque estaria sempre dependente da Assembleia da República para em cada caso lhe ser dada a competência penal.
Isso impediria mesmo, praticamente, o normal funcionamento da Assembleia da República, que se veria assoberbada com sucessivos pedidos ou de autorizações legislativas ou de exercitar a sua competência própria para definir os ilícitos criminais.
Compreende-se, por isso, que se tenha de encontrar um sistema que pondere estas duas exigências da Constituição e que seja algo de exequível.
Quando o Governo pediu, aliás de acordo com uma prática constitucional permanente, a autorização legislativa, foram feitas algumas observações, por parte das bancadas da oposição e até por parte de apoiantes
do Governo, no sentido de se encontrar uma redacção que pudesse ser mais consentânea com esta necessidade de equilíbrio entre estas duas exigências. Assim, posso manifestar, por parte do Governo, a nossa concordância em que se encontre uma fórmula para que, sem impedir o normal exercício da competência legislativa que cabe ao Governo no sentido de elaborar leis que tenham sanções, seja possível dar garantias à Assembleia de que se trata não propriamente de modificar o sistema penal, não de modificar o Código Penal mas, pelo contrário, apenas de completar o conteúdo das leis com os aspectos sancionatórios.
Daí que me pareça perfeitamente aceitável que se refira que a autorização legislativa concede ao Governo a competência para definir ilícitos criminais e, na parte residual, naquilo que ainda existe resultante do anterior Código, contravencionais, consistentes na violação de normas constantes de diplomas que sejam aprovados no exercício da competência do Governo, que, naturalmente, defina as correspondentes penas e ainda que estabeleça as normas processuais correspondentes que se mostrem necessárias. Mas que essas penas tenham um limite que não possa exceder o máximo de 3 anos de prisão e 20 000 000$ de multa, devendo ser doseadas em referência às que no Código Penal correspondam a ilícitos de gravidade semelhante e que na competência penal, que é assim autorizada ao Governo, seja excluída a modificação dos crimes e penas previstos no Código Penal actual e também do agravamento das contravenções que eventualmente ainda subsistam.
As normas do processo penal naturalmente não deverão diminuir as garantias de defesa asseguradas pela legislação penal geral sem prejuízo de poderem introduzir melhorias no que concerne à celeridade dos diversos actos de processo.
Por último, uma norma que reputamos de particular importância, e que, aliás, se insere dentro da política criminal do Governo, é a de que a autorização legislativa deverá ser utilizada seguindo uma orientação ressocializante dos infractores e um sentido descriminalizante das infracções de menor gravidade que não justifiquem a aplicação de uma sanção penal e, sobretudo, de uma sanção penal detentiva da liberdade.
Se esta orientação for aceite, nós pensamos que se encontra uma solução equilibrada que dá simultaneamente satisfação à exigência constitucional de manter a competência que a Constituição confere ao Governo em matéria legislativa e de, simultaneamente, cumprir aquilo que é o núcleo essencial das disposições sobre autorizações legislativas previstas no artigo 168.° da Constituição.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Nogueira de Brito, José Magalhães, António Taborda e José Manuel Mendes.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro da Justiça, ouvi com a atenção possível a sua intervenção, mas porque não me terei apercebido completa-

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de quanto acabo de dizer e, por outro, o testemunho das nossas preocupações nesta matéria, uma vez que desejamos, de toda a maneira, ver apurada a verdade, elaborado um relatório limpo e fidedigno para apreciação da Assembleia da República em tempo oportuno.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora entrar na ordem de trabalhos prevista para hoje.
Do primeiro ponto consta a apreciação e votação da proposta de lei n.º 63/111, que concede ao Governo autorização legislativa para definir em geral ilícitos criminais e penais.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Rui Machete): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria apenas fazer uma brevíssima intervenção justificativa deste pedido de autorização legislativa.
Como VV. Ex.ªs sabem, o Governo tem, em concorrência com a Assembleia da República, competência legislativa nas zonas que não são reservadas à sua exclusiva competência, que, portanto, devem ser objecto do normal exercício.
Uma das características das leis é a de serem dotadas de coercibilidade e de terem meios sancionatórios; de não serem aquilo a que os latinos chamavam leges imperfectae.
Esta autorização legislativa destina-se a solicitar à Assembleia da República a permissão a dar ao Governo para este, no exercício da sua competência normal ou autorizada, poder cominar sanções de carácter penal que tornem as suas leis leges perfectae.
É verdade que os termos literais em que o artigo 168.º da Constituição está redigido, no que se refere às autorizações legislativas, introduzem alguma dificuldade no sentido de dar uma autorização legislativa que não defina com inteiro rigor o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização. Mas penso que esta disposição tem de ser interpretada correctamente e em concatenação com as competências que são dadas aos diversos órgãos de soberania, e se fosse interpretada no sentido de nesta matéria só ser possível uma autorização para uma determinada e concreta lei, isso impediria, na prática, que o Governo pudesse exercer a sua competência normal, que lhe é conferida pela Constituição, porque estaria sempre dependente da Assembleia da República para em cada caso lhe ser dada a competência penal.
Isso impediria mesmo, praticamente, o normal funcionamento da Assembleia da República, que se veria assoberbada com sucessivos pedidos ou de autorizações legislativas ou de exercitar a sua competência própria para definir os ilícitos criminais.
Compreende-se, por isso, que se tenha de encontrar um sistema que pondere estas duas exigências da Constituição e que seja algo de exequível.
Quando o Governo pediu, aliás de acordo com uma prática constitucional permanente, a autorização legislativa, foram feitas algumas observações, por parte das bancadas da oposição e até por parte de apoiantes do Governo, no sentido de se encontrar uma redacção que pudesse ser mais consentânea com esta necessidade de equilíbrio entre estas duas exigências. Assim, posso manifestar, por parte do Governo, a nossa concordância em que se encontre uma fórmula para que, sem impedir o normal exercício da competência legislativa que cabe ao Governo no sentido de elaborar leis que tenham sanções, seja possível dar garantias à Assembleia de que se trata não propriamente de modificar o sistema penal, não de modificar o Código Penal mas, pelo contrário, apenas de completar o conteúdo das leis com os aspectos sancionatórios.
Daí que me pareça perfeitamente aceitável que se refira que a autorização legislativa concede ao Governo a competência para definir ilícitos criminais e, na parte residual, naquilo que ainda existe resultante do anterior Código, contravencionais, consistentes na violação de normas constantes de diplomas que sejam aprovados no exercício da competência do Governo, que, naturalmente, defina as correspondentes penas e ainda que estabeleça as normas processuais correspondentes que se mostrem necessárias. Mas que essas penas tenham um limite que não possa exceder o máximo de 3 anos de prisão e 20 000 000$ de multa, devendo ser doseadas em referência às que no Código Penal correspondam a ilícitos de gravidade semelhante e que na competência penal, que é assim autorizada ao Governo, seja excluída a modificação dos crimes e penas previstos no Código Penal actual e também do agravamento das contravenções que eventualmente ainda subsistam.
As normas do processo penal naturalmente não deverão diminuir as garantias de defesa asseguradas pela legislação penal geral sem prejuízo de poderem introduzir melhorias no que concerne à celeridade dos diversos actos de processo.
Por último, uma norma que reputamos de particular importância, e que, aliás, se insere dentro da política criminal do Governo, é a de que a autorização legislativa deverá ser utilizada seguindo uma orientação ressocializante dos infractores e um sentido descriminalizante das infracções de menor gravidade que não justifiquem a aplicação de uma sanção penal e, sobretudo, de uma sanção penal detentiva da liberdade.
Se esta orientação for aceite, nós pensamos que se encontra uma solução equilibrada que dá simultaneamente satisfação à exigência constitucional de manter a competência que a Constituição confere ao Governo em matéria legislativa e de, simultaneamente, cumprir aquilo que é o núcleo essencial das disposições sobre autorizações legislativas previstas no artigo 168.º da Constituição.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Nogueira de Brito, José Magalhães, António Taborda e José Manuel Mendes.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro da Justiça, ouvi com a atenção possível a sua intervenção, mas porque não me terei apercebido completa-

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criminais para quem violar essas leis, que, em princípio, nada têm de leis criminais.
Nesta medida, o que lhe pergunto é como concatenar isto com o n.º 3 do artigo 168 º da Constituição, isto é, uma vez que a autorização legislativa deve ser, em princípio, exercida por uma só vez sem prejuízo da sua execução parcelada, gostaria de saber se V. Ex.ª entende que fazer várias leis sobre matérias completamente diferentes e em cada uma delas existir 1, 2 ou 3 artigos que definam a violação dessas leis como ilícitos criminais é ou não uma execução parcelada, ou se não é, desde logo, o esgotar desta autorização legislativa em cada uma das leis.
A segunda pergunta que lhe quero fazer diz respeito à afirmação, suponho que feita pelo Sr. Ministro, de que o Governo iria mexer nas contravenções que ainda permanecem no Código Penal. Se, de facto, o Governo tem legitimidade constitucional para o fazer, porquê este pedido de autorização legislativa nesse campo?
A terceira e última questão genérica que lhe quero colocar é esta: se o próprio Governo está de acordo em que esta autorização legislativa, porque é uma autorização em branco, ofende directamente o artigo 168 º da Constituição, porquê fazer este remendo? Por que não desistir desta autorização legislativa e apresentar uma outra em que o sentido seja muito mais concreto e possa ser percebível por esta Assembleia?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Ministro da justiça, temos produzido largas intervenções no domínio destes debates porque pensamos que se trata de uma questão elementar e de grande importância para os cidadãos portugueses, uma vez que se trata de saber se é a Assembleia da República que define os crimes, de acordo com a lógica e os preceitos constitucionais, ou o Governo, que vai fazê-lo quando entender, como entender e sem qualquer controle.
O Sr. Ministro invocou a competência legislativa do Governo e, por isso, não estranhará que eu invoque, antes de mais nada, a competência legislativa da Assembleia da República, que entendo ter sido violada, nesta matéria, inadvertida e abusivamente, pelo Governo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Começava por lhe perguntar se, face ao estabelecido no n.º 2 do artigo 168 º da Constituição, o Sr. Ministro crê estarem preenchidos todos os requisitos e se pensa que, pela dosimetria aludida e por critérios dosimétricos, consegue delinear-nos com clareza qual o objecto, o sentido e a extensão do pedido de autorização legislativa que nos é presente.
O Sr. Ministro traçou-nos o retrato robot ou a caveira daquilo que poderá ser uma eventual segunda via deste pedido de autorização legislativa, com alterações em relação àquilo que nos foi fornecido da primeira vez, e fez a afirmação de que esta autorização legislativa não iria servir para que o Governo pudesse alterar normas do Código Penal. Ora, como o Sr. Ministro sabe; isso aconteceu com a autorização legislativa aqui aprovada em Julho de 1983 e importará saber se se trata agora de uma autocrítica do Sr. Ministro - perfeitamente aplaudível - ou apenas de uma formulação retórica, vazia e sem ter sequer o senso de vir a ser cumprida algum dia.
Uma outra questão ainda é a seguinte: como o Sr. Ministro não ignora, o uso feito da autorização legislativa anterior não se conforma com os fins para que foi pedida nem com as prescrições constitucionais. Prestou para aprovar o Decreto-Lei n.º 396/83, sobre infracções cambiais; o Decreto-Lei n.º 398/83, que estabeleceu o regime jurídico de suspensão do contrato de trabalho (lay-of); o Decreto-Lei n.º 422/83, que estabelece disposições sobre defesa da concorrência; o Decreto-Lei n.º 14/84, que altera o regime de julgamento de punições dos cheques sem provisão; o famigerado Decreto-Lei n.º 65/84, feito em homenagem ao Sr. Primeiro-Ministro aquando da sua visita a Coimbra, e o Decreto-Lei n.º 103/84, que redefine as competências policiais dos governadores civis, alterando o Código Administrativo. Pergunto aos Srs. Deputados e ao Sr. Ministro, uma vez que é a pessoa que directamente interpelo neste momento, o que é que isto tem a ver com uma autorização legislativa genérica ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... e se, de facto, é este procedimento que vai continuar para o futuro com o pedido de autorização legislativa que o Governo aqui traz para os Srs. Parlamentares da maioria o carimbarem às cegas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, devo dizer que todas as perguntas e pedidos de esclarecimento que me foram formulados andaram fundamentalmente - aliás, como era natural - à volta da mesma questão e, por isso, talvez não valha muito a pena estar a individualizar os interpelantes. No entanto, vou tentar ser extremamente claro na minha resposta.
Em primeiro lugar, aquilo que referi como modificações aceitáveis pelo Governo está, segundo suponho, consignado numa petição que foi entregue na Mesa traduzindo uma proposta de alteração apresentada pelo Partido Socialista e pelo Partido Social-Democrata. VV. Ex.as poderão, portanto, lê-la em letra de forma.
Em segundo lugar, o problema importante que estamos a tratar aqui é este: temos uma disposição da Constituição que consigna a necessidade de as propostas de lei de autorizações legislativas deverem definir o objecto, sentido, extensão e duração da autorização, a qual poderá ser prorrogada nos termos in fine do n.º 2 do artigo 168.º Ora, se essa disposição for interpretada não sistematicamente, esquecendo a competência concorrente do Governo consignada no artigo 201.º da Constituição, isso significa uma amputação extremamente significativa da competência legislativa do Governo.
Penso que nenhum jurista ignora que os preceitos da Constituição devem ser interpretados sistematicamente, sob pena de, no fundo, inviabilizarmos a actuação da própria Constituição e, neste caso concreto, amputarmos a competência do Governo de uma

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maneira grave. Por outra parte, a melhor maneira de inviabilizar o funcionamento do sistema é justamente criar à Assembleia da República uma tão grande pletora de diplomas que ela acabe por não ser capaz de ter o débito legislativo que essa pletora exige e impossibilitar o Governo, por outro lado, de completar as disposições normativas nas matérias administrativas, comerciais, civis, do trabalho, etc., com disposições sancionatórias de carácter penal.
Penso que, deste modo, prestaremos um péssimo serviço ao sistema instituído pela Constituição, e, mais do que isso, não é exigido por uma correcta hermenêutica das normas constitucionais.
Julgo que isto tem de ser dito claramente e se o Partido Comunista está interessado em criar dificuldades ao funcionamento normal das instituições, acabando por seguir uma prática que se traduz, em última análise, em desprestígio para a Assembleia e para o Governo, pois este é um bom caminho para seguir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Já agora, gostava de referir que não houve nenhuma alteração às disposições do Código Penal.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Isso não é assim!

O Orador: - Mesmo o diploma citado, relativo a um preceito que prevê as ofensas a membros dos órgãos de soberania, não revogou nenhuma disposição do Código Penal.
Também gostava de esclarecer a Assembleia de que não se trata de promover alterações ao Código Penal através deste pedido de autorização legislativa. Tenciono, efectivamente, submeter à Assembleia da República, na altura oportuna, um pedido de autorização legislativa devidamente instruído com as alterações que o Governo pretende introduzir no Código Penal. Portanto, essa matéria não tem nada a ver com o que neste momento se encontra em discussão.
Quanto à referência às contravenções, quero apenas dizer que se trotou apenas de uma precisão. Como VV. Ex.as sabem, o novo Código Penal não prevê contravenções. Contudo, existem contravenções ainda em vigor, resultantes das disposições penais anteriores que não foram objecto de revogação e, embora não pensemos que isso seja uma matéria importante nem pretendamos introduzir novas contravenções, julgamos que a supressão das anteriores, por uma questão mais formal do que substantiva, deve ser consignada na autorização legislativa.
Tentando responder cabalmente às questões que me foram postas, gostaria ainda de dizer que tanto para mim como para o Governo é claro que a interpretação do artigo 168 º, n.º 2, da Constituição tem de ser feita em conjunção com o artigo 201 º da Constituição, na parte que prevê a competência legislativa do Governo. Ora, isso envolve uma certa, se quiserem, interpretação correctiva da Constituição, nomeadamente no que respeita ao n.º 2 do artigo 168 º, sob .pena de, obviamente, o sistema ficar engarrafado e, para além disso, de se amputar o Governo de uma competência extremamente importante -.
Por outro lado, gostaria. de sublinhar claramente que, para além de hermenêutica jurídica, se trata de um problema político de grande importância e julgo que não é, obviamente, falho de relevância e de significado político a posição que, neste momento e a este propósito, o PCP toma.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que pediram a palavra para protestar os Srs. Deputados José Magalhães, José Manuel Mendes e Nogueira de Brito.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP). - Sr. Ministro da justiça, não é, na verdade, falho de significado político que o Governo tenha apresentado e ousado manter perante à Assembleia da República um pedido de autorização legislativa genérica e inconstitucional e que, para cúmulo, ao fim de duas sessões de trabalho sério, nos mande o Sr. Ministro da Justiça dizer aquilo que já estava dito no início dos debates, sem acrescentar um ponto ou um argumento que seja, apenas reafirmando, com agravamento, algumas das imputações menos aceitáveis e mais incorrectas que já tinham sido feitas em tom menor.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Isto parece-nos lamentável mas também significativo da atitude que preside ao funcionamento actual da maioria, isto é, uma governamentalização que vai ao ponto de estarmos a discutir aqui propostas de alteração que o Sr. Ministro conheceu em primeira mão e que até este minuto exacto ainda não foram reveladas às bancadas dos partidos da oposição. Por outras palavras, o Sr. Ministro sabe aquilo que nos é vedado a nós saber.

O Sr. Jorge (Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E dizemos que se trata de uma manifestação de governamentalite aguda por esta razão: o Governo não se acomoda à Constituição e, achando que ela precisa de correcção, quer à viva força que lhe concedamos o que a Constituição que temos nos impede de lhe conceder.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro vem dizer-nos que é preciso fazer uma correcção e que quer fazê-la por via interpretativa, Ora, o Sr. Ministro sabe perfeitamente que isto não é legítimo em termos constitucionais e sabe também que aquilo que o Governo propõe não lhe pode ser concedido por mais boa vontade que a maioria tenha. Porquê? Porque não há forma nenhuma de se conceder uma autorização genérica que obedeça aos requisitos de definição do sentido, extensão, etc., que a Constituição imperativamente prescreve.
Em face de tudo isto, o argumento último que resta ao Governo é o de que, sem esta autorização legislativa, ele fica desarmado, a ordem jurídica corre perigo e o Governo teria de vir à Assembleia da República a todo o momento pedir autorizações para cominar sanções. A isto dizemos que, pura e simplesmente, não é verdade!
No caso concreto, o Governo não tem recorrido a esta autorização mais do que 6 vezes ao longo de

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6 meses e em todos e cada um dos casos poderia e deveria ter vindo à Assembleia da República explicar exactamente o que pretendia, se não já propor materialmente ou, pelo menos, pedir uma autorização específica. Não o fez e, infelizmente, por péssimas razões. Ê que o Governo pretende atacar de lado e às escondidas questões que se tivesse que atacar aqui de frente e perante a opinião pública teria bem mais dificuldade. Foi assim que foi criado o lamentável decreto-lei que, como o Sr. Ministro capciosamente disse, não revogou o Código Penal porque se limitou a criar um novo tipo criminal, que é um híbrido entre o ultraje e a difamação e que não tem o mínimo sentido e está descabidamente formulado para resolver o problema resultante do facto de o Sr. Primeiro-Ministro ignorar que o crime previsto no artigo 168.º do Código Penal depende de queixa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É para isto que o Governo pretende estas autorizações legislativas. E agora eu pergunto: está o Governo desarmado?
Sr. Ministro da Justiça, esta questão não pode ser tratada assim. O Governo tem competência contra-ordenacional, tem aqui uma maioria, tem o processo de urgência e, portanto, pode vir à Assembleia de um dia para o outro obter autorizações. Será que isto é encalhar e engarrafar o Parlamento? Não, Sr. Ministro da Justiça, é respeitá-lo, o que é uma coisa que o Governo manifestamente não sabe o que seja.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, queria apenas informar V. Ex.ª de que, relativamente à observação que fez quanto ao facto de ainda não possuir fotocópia dos elementos respeitantes às propostas que foram apresentadas, o mesmo se deve, infelizmente, a um atraso dos serviços, pois eles já foram entregues para fotocopiar há cerca de meia hora e ainda não estão presentes.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, passando por cima de algumas imputações bastante incorrectas que fez à bancada do PCP e indo directamente à questão que gostaria de lhe colocar, suscitava o seguinte problema: a circunstância de se proceder a uma interpretação sistemática das normas constitucionais, que articula a regra do n.º 2 do artigo 201.º com a norma do n.º 2 do artigo 168.º, liberta o Governo do cumprimento dos termos precisos e estritos em que esta segunda prescrição está formulada?
Se não liberta - e suponho que qualquer jurista dirá que não -, então como é que o Sr. Ministro da Justiça pode, sem cair em grave incredibilidade, vir defender perante esta Câmara que aquilo que urge fazer é uma interpretação correctiva?
Em tempo próprio o Sr. Ministro poderá proceder a todas as alterações da Constituição que quiser, de acordo com as normas que regem a revisão constitucional - por quatro quintos neste momento-, mas o que não pode é ir fazendo, na prática, revisões da Constituição todos os dias, porque isso tem um nome concreto, que é inconstitucionalidade, e é à sombra dessa mesma inconstitucionalidade que o Governo tem andado a agir.

Aplausos do PCP.

Por outro lado - e esta é a última questão que, sob a forma de protesto, lhe queria colocar -, o Sr. Ministro entende que a Assembleia ficaria gravemente lesada na sua funcionalidade se aqui aparecesse uma pletora de diplomas emanados do Ministério da Justiça. No entanto, já aqui foi dito que, quanto muito, teriam aparecido até este momento 6. Pergunto ao Sr. Ministro se, bem pelo contrário, a Assembleia fica ou não obviamente reduzida com a circunstância de quase todos os dias aqui chegarem pedidos de autorização legislativa, canhestros mal instruídos e inadequados como este que o Sr. Ministro aqui vem trazer hoje.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro da Justiça, protesto, em primeiro lugar, contra a resposta que o Sr. Ministro deu a propósito do Decreto-Lei n.º 65/84. Com efeito, dizer pura e simplesmente que o decreto não revogou o Código Penal não nos satisfaz. O Sr. Ministro sabe perfeitamente que o Governo publicou este decreto porque o Código Penal não lhe dava, nesta matéria, inteira satisfação e, também, porque foi pressionado por uma exigência concreta emanada do gabinete do Sr. Primeiro-Ministro. Portanto, V. Ex.ª não engana a Assembleia quando diz que o decreto-lei não revogou nenhuma disposição do Código Penal.
Em segundo lugar, gostaria de, neste meu protesto, lhe colocar a seguinte questão: o Sr. Ministro sente, realmente, que se não puder definir crimes e respectivas punições nos decretos-leis a competência legislativa do Governo resulta amputada, obrigando-o a publicar decretos-leis imperfeitos?
O Sr. Ministro não pode prever com uma certa antecipação quais são os diplomas em que isso se vai tornar necessário, ou o Sr. Ministro prevê, por outro lado, que se vai necessariamente fazer isso em todos os diplomas emanados do Governo, ao abrigo do disposto no artigo 201.º da Constituição?
Sr. Ministro, V. Ex.ª terá de concordar que, não conhecendo nós qual é a política penal do Governo, este cheque em branco que lhe passamos representa realmente um risco bastante grande. E tem de reconhecer também, Sr. Ministro, que a competência que é cometida à Assembleia da República no artigo 168.º, alínea c), se refere a uma das matérias mais nobres da competência desta Câmara e que não é adequado que, em relação a essa competência, aceitemos interpretações correctivas do n.º 2 do mesmo artigo 168.º
Essas interpretações correctivas concedidas em benefício do Governo são particularmente perigosas quando conhecemos os intuitos do Governo em matéria de aproveitamento elástico ao máximo da Constituição, tal como já aqui foi revelado.
Por isto tudo, Sr. Deputado, não estamos no nosso grupo parlamentar inclinados a conceder-lhe esta autorização legislativa.

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O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Justiça, tem V. Ex.ª a palavra, para contraprotestar, se assim o desejar.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de, muito sucintamente e em forma de contraprotesto, que é a forma regimental que posso usar neste momento, dizer que este pedido de autorização legislativa, que suscita neste momento tão graves dúvidas e reacções por parte do CDS e do PCP, corresponde a uma tradição constitucional e não consta que, mesmo já após a revisão da Constituição, o CDS quando esteve no Governo tenha suscitado o tipo de problemas e o melindre que agora foi objecto de comentários por parte do Sr. Deputado Nogueira de Brito.
Em segundo lugar, penso que, efectivamente, é exacto que a competência legislativa do Governo fica amplamente amputada quando ele não pode prever sanções em matéria penal, as quais envolvem não apenas os crimes punidos com penas detentivas mas também as sanções de multa.
A experiência que tem vindo a ser acumulada nesta matéria demonstra abundantemente que sem essa competência há efectivamente uma importante limitação da acção da competência do Governo. Não se trata de um problema do Ministério da Justiça nem de diplomas emanados a partir dele. Trata-se, sim, de diplomas do Governo emanados através dos diversos ministérios.
Por outro lado, como Vv. Ex.ªs sabem, encontram-se pendentes nesta Câmara diversos pedidos de autorização legislativa e não penso que o trabalho do Parlamento fosse facilitado pela circunstância de haver uma avalanche de outros pedidos desta natureza. Pelo contrário, penso que isso criaria dificuldades e julgo que as instituições devem ser geridas em termos do cumprimento das suas missões e não em termos de estas lhes serem dificultadas.
Agora, o que não entendo é como é que os Srs. Deputados do PCP e do CDS consideram que uma interpretação correctiva da Constituição representa uma inconstitucionalidade. Na realidade, a interpretação da Constituição envolve vários aspectos em que a interpretação correctiva é perfeitamente admissível. Ela é, aliás, de acordo com a doutrina constitucional, uma das melhores fórmulas de salvaguardar o cumprimento do essencial da Constituição e não creio que esta matéria tenha melindres particulares, no que concerne a este ponto concreto, para que aqui seja proibida uma interpretação correctiva.
Naturalmente que a Câmara decidirá, mas penso que o problema está claramente posto.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi oportunamente aprovado na Câmara o processo de urgência para a proposta de lei n.º 63/III, na qual o Governo solicita autorização legislativa para definir em geral os ilícitos criminais e penais.
Importa agora entrarmos no fundo da questão: discutir o problema e aprovar ou desaprovar o pedido que nos é feito pelo Governo.
O texto primitivo da proposta de lei mereceu da banda de alguns Srs. Deputados da oposição acervas críticas, que, em resumo, se continham quer no seu significado de ela representar um cheque em branco ao Governo em matéria tão sensível como esta, quer na possibilidade até que a mesma proposta poderia representar de verdadeira autorização para, inclusive, modificar o próprio Código Penal.
Pareceu-nos, e por isso aqui o dissemos na altura, que esses receios eram infundados. Nem a proposta de lei tinha esse significado nem o Governo o queria.
O Governo queria e quer aquilo que é indispensável a qualquer governo: a possibilidade de, legislando no exercício da sua competência, ter o poder de enunciar os novos ilícitos decorrentes desse exercício e estabelecer-lhes necessariamente as sanções competentes.
De outra forma, a função governativa ficaria manifestamente coarctada quer na sua eficiência ou eficácia, já que, proibindo sem poder sancionar os prevaricadores ou impondo sem o direito de punir quem não cumpra, tudo se resumiria a uma função governativa sem alcance positivo ou sem alcance prático.
As normas legislativas do Governo serviriam apenas como ideias, sem possibilidade de concretização na prática.
Porque assim é, votamos a urgência e iremos votar a proposta de lei com as alterações agora propostas. Sentimos a necessidade daquela urgência, conhecemos a necessidade governamental da autorização pedida e temos no Governo a confiança bastante para de antemão saber que ela vai ser usada com o peso e a medida das necessidades e com a sensatez e a equidade que são apanágio de quem quer servir o País com respeito pelas liberdades, pelos direitos e pelas garantias dos cidadãos.
Mas porque o texto da proposta podia dar lugar a dúvidas, que, como já dissemos, nós não tínhamos, para que desapareçam de uma vez por todas os receios dos que atacam a proposta de lei pelo eventual perigo que para alguns ela podia representar, a maioria desta Câmara apresentou um novo texto através da fórmula regimental.
Esse texto é mais claro, mais elucidativo sobre o significado da autorização que o Governo pede e afasta, a nosso ver, todas e quaisquer dúvidas.
Por um lado, diz-se muito clara e expressamente que da competência penal prevista na autorização legislativa é exclusiva a modificação dos crimes, contravenções e penas previstas no Código Penal.
Assim ficarão sossegados e serenos aqueles que, a nosso ver e sem razão plausível, diziam que a autorização dava, inclusive, o direito de o Governo alterar o Código Penal.
Fiquem, pois, sossegados, Srs. Deputados, pois o Governo não vai, com esta autorização, alterar nada, mesmo nada, do Código Penal. Essa alteração virá necessariamente em outro momento, como acabou de dizer ainda há poucos instantes o Sr. Ministro da Justiça.
O novo texto é também explícito em dizer que a autorização legislativa, para definir ilícitos criminais ou contravencionais, se refere apenas aos consistentes na violação de normas constantes de diplomas aprovados no exercício da competência do Governo.
É uma explicitação que seria praticamente desnecessária, dado que estas alterações são para esse campo

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de aplicação. Isso já resultava do texto anterior e é agora expresso no novo texto.
De realçar igualmente a preocupação em dizer expressamente que as eventuais novas normas do processo penal previstas na autorização «não devem diminuir as garantias de defesa que são asseguradas aos cidadãos pela legislação geral em vigor», sem prejuízo, diz-se, de poder imprimir-se maior celeridade aos diversos actos do processo. E ainda bem que assim é. A celeridade processual é um dos elementos da boa justiça e não prejudica em nada, absolutamente em nada, repito, os direitos dos cidadãos, antes os protege, e de que maneira.
Também o parâmetro de uma nova alteração, que é á do artigo 2.º, se nos afigura altamente louvável, pois é como que um indicativo a demonstrar que não há intenção de sair do âmbito significativo do Código Penal.
Por último, o Governo irá cometer a si próprio a imposição de dever utilizar a autorização legislativa seguida em orientação ressocializante dos infractores e no sentido discriminalizante das infracções de menor gravidade que não justifiquem aplicação judicial de uma sanção penal. Ainda bem que assim é.
Numa sociedade consciente e civilizada o que importa é salvar, sempre que possível, quem delinquiu, reintegrar no seu seio aqueles que tantas vezes por caso ímpar dela se afastaram e, do mesmo passo, acabar, na medida do possível e justificável, com os ilícitos de gravidade quase ridícula.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por tudo quanto deixei dito, o meu grupo parlamentar irá votar afirmativamente a autorização solicitada.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma vez mais o tema do debate é a proposta de lei n.º 63/III. Já houve lugar à apreciação da impugnação da admissibilidade, interposta, pela ASDI, e, por desvairada insistência governamental, à discussão do pedido de urgência na segunda quinzena de Abril.
O que caracterizou essas duas jornadas parlamentares de escura memória?
A falta de argumentos atendíveis, por parte das bancadas da maioria, que fizeram ouvidos de mercador às críticas e proposições da oposição; o comportamento do Executivo, que, após as longas auto-epanáforas iniciais, admitiu a necessidade de reponderar a sua iniciativa e arrepiar caminho, para vir agora dar mais umas quantas pancadas no cravo, reiterando o erro; a abstrusidade de todo este processo, marcado por crispações e desconformidades constitucionais.
Ficou claro que o- Governo não pode beneficiar da sua solícita maioria de apoio para violar normas da lei fundamental do País, que não tem cabimento constitucional numa proposta de lei de autorização genérica para criar novos - ilícitos penais, nos termos e na formulação desta, de tal modo, pelo expeditismo irresponsável com que aparece elaborada, desatende às exigências do artigo 168.º, n.º 2: não define o objecto nem o sentido e a extensão do que se. pretende.
Convém recordar que a revisão da Constituição, clarificando o regime de funcionamento da Assembleia da República, alargou a reserva de competência desta em matéria criminal, remetendo para o Governo a capacidade de criar ilícitos de mera ordenação social as correspectivas coimas, no quadro de uma inequívoca adstrição das possibilidades das autorizações legislativas.
Não se vê, pois, como possa conjecturar-se a hipótese de uma autorização penal genérica, ademais em período de normal actividade do Parlamento, instruída coro os elementos que enformam esse absesso que dá pelo n.º 63/III. Ainda houve quem tentasse, em nome do Executivo ou no discurso tatibitate dos deputados governamentais, configurar o objecto e o sentido, estabelecidos na regra do artigo 168 º, a partir da indicação da dosimetria e do uso comedido que se alegou seria timbre do Sr. Ministro da justiça.
Bem se compreende que tais defesas, por tão más, comprometem, provam de mais, deixam a nu a perfeita inconstitucionalidade da proposta de lei. Nem se advogue a causa moribunda de uma administração que, sem este instrumento de inovação nos domínios penal e contra-ordenacional, se veria impedida de governar. O Conselho de Ministros pode lançar mão de legislação na esfera dos ilícitos contravencionais, e se quer agir noutros terrenos conforme-se com a Constituição e com as leis, faça jogo limpo, não adultere o papel da Assembleia da República tia arquitectura do Estado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: Na verdade, do que se trata é mesmo de anemiar gravemente os poderes da componente parlamentar do regime. A governamentalização das instituições tem aqui uma expressão meridianamente significativa, na linha, aliás, do que vem acontecendo, desde o início da sessão legislativa, por obra e graça do PS e do PSD.
Senão vejamos: o que é que ocupou, de forma dominante, a actuação do hemiciclo, nos meses que vão contados de existência cambaleante do bloco central? A apreciação de copiosos pedidos de autorização legislativa, em boa dose considerados urgentes, da responsabilidade do Executivo; o debate do Orçamento do Estado e das grandes opções do Plano; a rejeição de um número elevadíssimo de iniciativas legiferadoras da oposição, como sucedeu, escandalosamente, com as do PCP sobre salários em atraso; a fuga permanente, por parte da direita no Poder, ao ,confronto, em sede de laboração qualificada, das proposições políticas, designadamente do PCP.
A par, haverá que constatar que a maioria veda, em, grossa medida, o exercício das competências fiscalizatórias do Parlamento. Pergunta-se, no entanto: apresentou ela quaisquer impulsos legislativos? As promessas de Lagos continuam por cumprir.
Ainda agora, como é sabido, encontra-se a Assembleia reduzida à operação de revisão do Regimento, com a finalidade , de desmuniciar os partidos da oposição do multiplicai das suas vias de intervenção, assim fragilizando este órgão de soberania, cada vez mais perigosamente identificando-se como uma câmara de ressonância das volições, mesmo as inconstitucionais e as canhestras, de um punhado de ministros.

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Governarmentalizar o Parlamento é, na prática, esvaziá-lo de poderes, inocular-lhe os germes da degenerescência, com tudo o que isso acarreta de desprestígio aos olhos do povo. É de reflectir, Srs. Deputados, sem cegueira, no que se tem passado nos últimos dias: as sucessivas faltas de quorum, os tropeções e a insegurança do bloco PS/PSD no debate, a imagem de desoladora inanição que se vem oferecendo do funcionamento da Câmara.
Neste quadro, sumariamente delineado, surge a proposta de lei n.º 63/III, de feição insistente, insensível a fundadas observações críticas, circunspecta e olímpica no bolo da sua suficiência medíocre. Visa ela obter no contrabando da maioria a matéria base para criminalizar a bel talante do Executivo, à revelia, conforme se demonstrou - e não só pelo PCP, é bom recordar tia Constituição da República.
As chamadas válvulas de segurança - o instituto da ratificação, o controle parlamentar por outros mecanismos - são, à luz do que conhecemos da acção dos deputados dos dois partidos coligados no poder, uma pura flor de retórica, ineficiente, hipócrita, desautorizada.
Prepara-se a aprovação de um pedregulho que mereceu, das próprias hostes governamentais, algumas dúvidas. E tudo isto sem que aqui se houvesse analisado a política penal do Governo. Em lugar desse debate urgente, necessário, fundamental, aquilo a que assistimos é à aspiração do Governo de, escamoteando a sua política na esfera criminal, guardar, em bom recato, os meios que cá recolhe para prosseguir um plano cujos contornos não quer traçar com clareza pois poderiam suscitar-lhe amargos de boca nesta Casa.

Vozes do PCP- Muito bem!

O Orador: - É-nos viável, contudo, apurar os vectores nodais da orientação penal da administração PS/PSD. As leis dos serviços de informações e de segurança interna, os riscos de policialização da instrução preparatória, regredindo de muito do que foi um adquirido progressista do regime democrático, as limitações dos direitos dos cidadãos nas suas relações com as forças paramilitares, a violação das disposições legais sobre liberdade de reunião e associação, os brados tendentes a constranger o direito à greve, a revisão dos Códigos Penal e de Processo Penal, à margem do Parlamento, confirmam uma matriz repressiva que a outorga de competências policiescas aos governadores civis ilustra clarividentemente.
Entretanto, o Executivo incha o regime das contra-ordenações, usando e abusando delas, invadindo com elas a fronteira da dignidade criminal, com tudo o que tal representa de diminuição dos direitos de defesa dos cidadãos, de arbítrio pelas ruas e ruelas do procedimento burocrático-administrativo, de situações hipotéticas de brutal lesão das garantias dos arguidos, como advertimos na altura em que a Assembleia consentiu nesta operação.
Hoje, as contra-ordenações, transformadas em verdadeira arma penalizatória do Governo, constituem uma área que nos suscita as mais sérias apreensões e sobre a qual bem importaria se procedesse, nesta Casa, a um estudo profundo e qualificado. Tanto mais que o Executivo acaba de exportar o surto contra-ordenacional para as autarquias locais, propiciando uma explosão de posturas e outros regulamentos, frequentemente com carácter restritivo de liberdades e direitos, cominando elevadas coimas a cobrar de imediato pelo aparelho burocrático local. É bom de ver aonde isto pode conduzir.
É, pois, na moldura que acabo de percorrer, que o Governo intenta a obtenção de amplíssimos poderes em matéria penal. Ocorre indagar: que uso foi
feito da autorização legislativa concedida, em Julho de 1982, com as mesmas características e finalidades do que irá votar-se esta tarde?
Dela resultaram 6 diplomas, e, à duvidosa excepção de um, nenhum poderá ser reputado como legislação conformada aos fins para que foi aprovada a autorização legislativa n.º 27/83. Houve, isso sim, a abusiva alteração do Código Penal, por exemplo, o que é absolutamente inaceitável. E também, saliente-se de novo, até pelo ridículo que envolve, para lá das questões de constitucionalidade, o decreto-lei nascido dos mimos com que, em Coimbra, foi recebida a visita do Primeiro-Ministro.
Já o afirmámos, Sr. Presidente, Srs. Deputados; aos 180 dias pedidos em Julho do ano transacto irão somar-se - se a maioria votar este pedido de autorização legislativa e tudo leva a crer que o irá fazer novos 180 dias agora solicitados. Se continuarmos a juntar a este itinerário novos segmentos temporários de 6 meses, onde irá parar o princípio da reserva, prescrita pela Constituição, da competência da Assembleia da República nesta matéria? Onde irá ter o respeito pelas competências dos órgãos de soberania e a inequívoca governa mentalização do Parlamento a que nos vimos opondo? Onde levarão, a que maiores abismos, as instituições democráticas que nos regem?
E não se hasteiem as flâmulas do paladinismo pela interpelação correctiva dos preceitos constitucionais. Tal interpretação só teria justificação, se alguma coisa houvesse para corrigir. E não há. Seria louco, ou irresponsável, ou grotesco admitir que uma Assembleia pudesse passar ao 'Governo - a um qualquer governo - perfeitos cheques em branco, conceder-lhe meios de intervenção sem, pelo menos, conhecendo o objecto, o sentido e a extensão do que se pede, definir regras centrais do jogo legislativo.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro teve a oportunidade de voltar a falar-nos em várias epanáforas e glosando de modo muito diverso a célebre questão da limitação dos poderes do Governo, como se este governo, que apenas produziu 6 diplomas legislativos ao abrigo da autorização concedida em Julho passado - já o salientei - ficasse interditado de agir na esfera em que tem competência para reprimir a delitualidade, uma vez que é sabido que pode e deve lançar mão do regime contra-ordenacional e que pode e deve lançar mão de outros instrumentos de tipo criminal, mas submetendo-se às regras dos artigos que a Constituição prescreve como sendo fundamental acatar para o equilíbrio correcto dos órgãos de soberania.
Trata-se de um argumento que prova exactamente a insuficiência de toda a outra argumentação expendida e que é tão insignificante e, em alguma medida,
tão ridículo, permita-me que lhe diga, que quase não merecia comentários.
Entretanto, chega-nos agora à mão, não muito antes, como deveria ter acontecido - e nisto não vai

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nenhuma crítica ao Sr. Presidente da Assembleia da República nem aos serviços, é óbvio - o texto alternativo daquilo a que o Sr. Ministro da Justiça chamou uma petição. Folheámos, e constatámos que não há modificações sensíveis, a situação permanece no mesmo pântano em que se achava antes do papelete que acaba de ancorar na nossa bancada.
Diz-se, a determinada altura, no artigo 3.º, que «da competência penal prevista nos artigos anteriores é excluída a modificação dos crimes, contravenções e penas previstos no Código Penal», mas, por alguma coisa, não se exclue a inovação nesta matéria.
O Sr. Ministro considera que o decreto-lei que assinalou a passagem por Coimbra do Sr. Primeiro-Ministro é alguma coisa de inovatório e é bom que haja capacidade, do ponto de vista do Governo, para inovações deste jaez, que, a nosso ver, são bem lamentáveis sob todos os ângulos, desde o técnico ao legislativo e ao político.
Mais adiante vem dizer que se trata de uma legislação que não deixará de atender a uma orientação ressocializante dos infractores e a um sentido discriminalizante das infracções de menor gravidade, o que, de certa maneira, era óbvio. Não é isto que vem dar uma definição correcta do sentido do pedido de autorização legislativa de acordo com a lógica do n.º 2 do artigo 168.º
Enfim, a tal petição que nos foi entregue pode tentar morigerar, de alguma forma, a abstrusidade com que inicialmente a proposta de lei nos foi submetida, mas não altera, de modo nenhum, o conteúdo, a substância dos proventos críticos que aqui adiantamos. Por isso mesmo não haverá que estranhar que o PCP, uma vez mais, coerentemente e na conformidade, no respeito pelas normas constitucionais, vote contra esta operação, como de resto era inteiramente de esperar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, ouvimos com natural atenção e apreço a sua intervenção, mas confesso que ela nos deixa extremamente perplexos. Compreende-se o quadro que traçou e toda a história que fez do ano que foi esta sessão legislativa, embora com uma interpretação que é a sua. Mas quanto àquilo que efectivamente está em debate confesso que ficamos confusos, porque o Sr. Deputado falou em duas coisas que, salvo melhor entendimento, nos parecem ser inconciliáveis.
O Sr. Deputado diz - aliás numa nota que fez no fim da sua intervenção - que o Governo não precisa de recorrer à criação de ilícitos criminais, porque tem à sua disposição o vastíssimo e amplo domínio contra-ordenacional. Ë um facto que o Governo pode recorrer ao ilícito contra-ordenacional sponte sua, portanto por forca de legitimidade originária. Ora, o Sr. Deputado disse também que o Governo está a abusar desse recurso - não o disse mas subentendeu-se - em manifesta fraude material, porque está a atingir a fronteira da dignidade penal contra a contra-ordenacional de forma abusiva.
O Governo não deve recorrer ao ilícito contra-ordenacional, mas sim às formas de criminalização.
Portanto, o que se apura é que o Sr. Deputado José Manuel Mendes disse, na sua intervenção, duas coisas completamente inconciliáveis.
Ora, suponho que o Sr. Deputado acredita, como eu aliás, que não é possível em todos os domínios da vida contemporânea, da vida de um Estado - que com todas as nossas limitações é o Estado de uma sociedade moderna e complexa, onde é preciso multiplicar as intervenções normativas - que seja sempre a Assembleia Legislativa a acorrer a toda a produção legislativa e normativa e a toda a criação de direito. Sendo assim, é o Governo que tem de responder a essa necessidade da sociedade técnica. Só que, diz o Sr. Deputado, nem à custa de crimes, porque o não deve fazer, nem de contra-ordenações, porque pisa o risco da dignidade penal.
Então o que é que se há-de fazer, Sr. Deputado José Manuel Mendes? o Sr. Deputado advoga um regresso a uma sociedade liberal onde não haja intervenção de qualquer direito? Quer que o Governo não produza direito? E coloco estas questões porque continuo a acreditar - pressuposto, aliás, que está na base deste meu pedido de esclarecimento - que a Assembleia da República, por si só, não está preparada para dar resposta a toda a produção legislativa.
Em que ficamos? Utilizam-se as contravenções, que são fraudes aos direitos e aos limites materiais do ilícito, como o Sr. Deputado preconizou? Ou recorre-se a esta forma mais autêntica e mais correcta que consiste, no fundo, em chamar as coisas pelo seu nome e que permite que, em caso de necessidade, se possa ter à mão a possibilidade de criminalizar, o que pode inclusivamente aumentar as garantias dos próprios cidadãos.

O Sr. Presidente: - Queira abreviar, Sr. Deputado. O tempo de que dispunha terminou.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Eram fundamentalmente estas as perguntas que gostava de lhe fazer e que, no fundo, se sintetizam nisto: sim ou não, crimes ou contra-ordenações?
Há que optar. Agora, o Sr. Deputado não pode é recusar ambas as coisas ao Governo, e afinal parece que a atitude do Governo é a mais correcta: permite-se a possibilidade de recorrer a contra-ordenações, mas na medida em que seja duvidoso. Por outro lado, é preciso não nos esquecermos de um parâmetro importante que é a Constituição, que exige que os sacrifícios e as penas sejam proporcionais aos ilícitos - e julgo que o Sr. Deputado conhece o princípio da proporcionalidade. O Governo tem pois de ter à mão esta autorização legislativa.
Por último, dou de barato, uma vez que já aqui o discutimos variadas vezes, a questão do objecto, do fim, etc. Em matéria penal, excepto se se tratar de um código penal ou de uma lei que já tipifique as infracções, e nomeadamente no caso de uma alteração legislativa prospectiva como esta em que o Governo quer ter na mão a possibilidade de dar eficácia coactiva às suas normas, não é possível chegar a uma ordem de concretização maior do que a desta autorização legislativa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

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Entretanto, para poder administrar o tempo de resposta, informo V. Ex.ª de que dispõe apenas de 1 minuto.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Efectivamente 1 minuto é pouco tempo, mas vou tentar não o exceder ...

O Sr. Presidente: - É claro que V. Ex.ª poderá contar sempre com a generosidade da Mesa, tal como tem vindo a suceder.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Era exactamente isso que estava a insinuar.
Sr. Deputado Costa Andrade, há de facto um equívoco da sua parte e não da minha. Ê óbvio que o Governo pode lançar mão de legislação com as características da produção contra-ordenacional, sempre que queira. Ë igualmente óbvio que pode recorrer a leis que tenham a ver com a área dos ilícitos criminais, desde que - e fui bem claro ao longo da minha intervenção neste domínio - se não exima ao cumprimento integral daquilo que a Constituição prescreve na matéria.
Portanto, ninguém pretende vedar ao Governo a intervenção legislativa, para além daquela que já tem e que é a de natureza contra-ordenacional. O que se pretende é impedir que o Governo tripudie sobre normas constitucionais, as não respeite, as violente, governamentalizando claramente esta Assembleia, quando pode, cumprindo essas leis, obter o mesmo efeito.
De resto, a verdade é que o Governo pode obter autorizações legislativas específicas, solicitar para debate todo o processo de urgência, fazer, através de uma tramitação correcta, aquilo que pretende, de acordo com princípios normativos e com uma lógica de trabalho da Assembleia que não ponham em causa o equilíbrio de poderes e o sistema previsto na Constituição do ponto de vista da arquitectura do Estado.
Não é isso o que acontece como bem sabe. O que acontece é qualquer coisa de bem distinto: é que esta autorização legislativa nos vem submetida sem responder às exigências previstas no n.º 2 do artigo 168.º da Constituição da República, no que toca ao objecto, ao 'sentido e à extensão. Ora, a nosso ver, é inconcebível - para além do nosso próprio voto contra, que traduzirá uma posição claramente assumida - que a Assembleia da República se permita passar cheques em branco desta natureza e se permita dar a um governo mais do que aquilo que a Constituição permite, deste mesmo modo auto-amputando-se das suas competências e caminhando para autodesprestigiar a própria instituição que é.
Nós não deixámos, nos debates já realizados, de tornar claros quais os nossos pontos de vista sobre esta matéria, isto é, aquando do debate da impugnação da admissibilidade, no debate do pedido de urgência e neste agora pretensamente situado em área substantiva.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Suponho que o Sr. Deputado Costa Andrade ficará esclarecido de qual foi o sentido de base da intervenção produzida pela minha bancada e que, doravante, não tenha nenhumas dúvidas em acompanhar o seu raciocínio e em estar comigo nas objecções fortíssimas que levanto ao Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Costa Andrade, devo informar a Câmara de que o Sr. Deputado José Manuel Mendes, como me apercebi pelos sinais feitos, usou da palavra com tempo concedido pela UEDS.
Tem a palavra, para um protesto, o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, pedi, de facto, a palavra para, num curto protesto, dizer o seguinte ao Sr. Deputado José Manuel Mendes: compreendo parcela a parcela as peças do seu raciocínio, só que não consigo juntá-las todas em termos coerentes. Acontece que agora o Sr. Deputado trouxe mais uma achega que introduz mais ilogismo dentro da sua intervenção porque acaba por dizer isto: durante este ano, pouco mais se fez do que conceder autorizações legislativas ao Governo; isto é o pântano da governamentalização da Assembleia da República.
O Sr. Deputado acaba por dizer agora que o Governo não devia pedir esta autorização legislativa genérica - que já consumiu 3 sessões -, mas que devia trazer aqui autorizações específicas. Faço-lhe justiça de acreditar que o Sr. Deputado contínua a pensar como eu que o Governo precisa de legislar e que, como precisa de legislar, precisa de dar força coactiva às suas normas.
A seguirmos o seu raciocínio, Sr. Deputado, e mantendo-se estes pressupostos, não fazíamos outra coisa senão conceder autorizações legislativas ao Governo!
Então o Sr. Deputado, que passou toda a sua intervenção a dizer que não fazemos mais nada do que dar autorizações legislativas, acaba de fazer a proposta de que este pedido de autorização legislativa, que nos levou 3 sessões, fosse substituído porventura por uma miríade de autorizações legislativas que nos levariam todo o ano!
É contra isto que eu protesto.
Aproveito também a oportunidade para dizer que não nos deixamos mover pelos fantasmas que o Sr. Deputado acaba de esconjurar quanto a cheques em branco e aos abusos da parte do Governo. Estamos num Estado de direito democrático, temos instituições capazes de pôr limites aos eventuais abusos do legislador, temos um Tribunal Constitucional que tem consciência muito clara - como prova já a jurisprudência da Comissão Constitucional e como começa a prová-lo a primeira jurisprudência do Tribunal Constitucional- de que há um limite fundamental. O Sr. Deputado está, de certeza, perfeitamente identificado com o princípio da proporcionalidade, que foi, de resto, pela primeira vez e com algum relevo introduzido e utilizado entre nós por dois seus camaradas de partido, hoje ilustres intelectuais de direito, os Drs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua Constituição Anotada, onde muito claramente se referencia o princípio da proporcionalidade como um princípio limite à imposição de sacrifícios e à imposição de penas no que toca aos ilícitos. Pois este é um

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limite fundamental - e o Tribunal Constitucional aí está para actuar em caso de abuso do Governo e não esquecendo as válvulas de segurança de que a Assembleia também dispõe,- para nós nos deixarmos comover muito com os fantasmas que o Sr. Deputado esconjura.
Esta autorização legislativa é perfeitamente razoável, pois o Governo tem de legislar.
Penso que o Sr. Deputado José Manuel Mendes, como membro de uma bancada do Partido Comunista, está talvez em condições de compreender isto muito melhor do que eu, pois penso que o seu pendor, a sua costela intervencionista, é manifestamente mais acentuada do que a minha. Eu ainda tenho uns graves pecados de liberalismo e, portanto, ainda viveria com um certo à-vontade num mundo relativamente vazio de direito em certas áreas: aquelas áreas onde, manifestamente, o Governo vai intervir, que não é na área dos consensos fundamentais nem na dos direitos fundamentais, que esses estão estabelecidos nos grandes diplomas.
Portanto, posso concordar com o consenso do Sr. Deputado, louvando-me, enfim, do seu pendor mais intervencionista do que do meu para acreditar que este pedido de autorização legislativa é perfeitamente razoável.

Aplausos de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, creio que deseja contraprotestar continuando a usar tempo cedido pela UEDS, não é verdade?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente.

U Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Começo por agradecer ao nosso colega da UEDS a circunstância de me ceder algum tempo para eu poder responder à questão formulada pelo Sr. Deputado Costa Andrade.
Não há qualquer ilogismo da minha parte, mais uma vez.
Há, sim, da parte do Sr. Deputado Costa Andrade, um exercício extremamente difícil no sentido de dar lógica ao que não tem lógica e de defender o que indefensável é.
Acontece o seguinte: quando se defende que o Governo tem instrumentos que se conformam com a Constituição, dos quais pode lançar mão, não se está a dizer que ele tem essa via apenas para agir ou, sequer, a cominar-lhe um determinado tipo de metodologia concreta. O Governo tem um quadro de opções, dentro do qual deve mover-se. Ele lá sabe as linhas com que se cose. Nós temos, da nossa parte, a atitude que considerarmos a mais correcta, caso a caso, em relação às atitudes que ele tome.
O que censuramos ao Governo é que aja de modo inadequado às normas constitucionais. Demonstrámo-lo neste debate e foi demonstrado por nós e por outros deputados de diferentes bancadas em debates anteriores.

Condenamos o Governo por ele fazer mal. Pior, condenamos o Governo por ele fazer mal aquilo que pode fazer bem feito.

É óbvio que, dentro de uma tal compreensão do fenómeno da intervenção governativa em matéria legislativa, não estamos a colocar ao executivo restrições a mais do que aquelas que a própria Constituição estabelece. E se o legislador constituinte, mesmo em sede de revisão constitucional, quis clarificar o sistema das autorizações legislativas, restringindo-o e apertando a malha em tudo quanto concerne à matéria criminal, é óbvio que não deve esta Assembleia corroborar um acto de inconstitucionalidade como é o de conceder ao Governo aquilo que, de acordo com a proposta que nós temos em mãos, não se conforma com a Lei Fundamental do País.
Disse isto desde o início. Mantenho-o e não há aqui qualquer ilogismo. O argumento de que estaríamos a fazer que a Câmara ficasse completamente repleta com autorizações legislativas se tivesse de debatê-las uma a uma, perdendo assim todo o seu tempo, não colhe. E o Sr. Deputado Costa Andrade sabe que não colhe.
Vamos com 3 sessões a discutir esta proposta de lei do Governo, o pedido de autorização legislativa que tem o n.º 63/111. Se o Governo fizesse bem e se adequasse à Constituição e às leis, certamente não suscitaria da parte das bancadas da oposição as objecções sérias e ponderadas que tem suscitado e certamente que o tempo do debate seria mitigado.
Por outro lado, o Sr. Deputado Costa Andrade não pode ignorar, até porque já lho disse durante as minhas intervenções de hoje, que apenas 6 decretos-lei foram produzidos ao abrigo da autorização legislativa de Julho de 1983 ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Só prova que não há abusos!

O Orador: - em tudo similar a esta, que a Câmara aprovou para que o Sr. Ministro da justiça tivesse nas mãos a alegada possibilidade de legislar sem peias.
Acontece que esses 6 decretos-lei foram urdidos à revelia do próprio fim para que se criou a autorização legislativa de julho e de maneira técnica e politicamente condenável.
Para concluir dir-lhe-ia o seguinte: a teoria das válvulas de segurança foi escalpelizada por mim na intervenção que produzi. Não faz sentido, a não ser por pura ironia - e o Sr. Deputado Costa Andrade pode fazer ironia, pois nós aqui também temos o culto da ironia, ela é bem-vinda, mas vale o que vale -, que se venha advogar que as válvulas de segurança existem e, como tal, aí estão para impedir pedregulhos inconstitucionais e formas de actuação menos adequadas às leis.
Sabemos que, com uma maioria destas, incapaz de assumir as suas próprias posições, completamente governamentalizada, mecanismos deste género não têm qualquer eficácia. São uma perfeita flor de retórica, pura hipocrisia no sistema que nos rege, o qual convém alterar o quanto antes, até para prestígio da Assembleia.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado: É uma curta intervenção, porque, na realidade, trata-se já da terceira oportunidade que temos de debater a questão colocada por esta proposta de autorização legislativa.
Continuamos convencidos, na bancada do CDS, de que o pedido, tal como foi formulado, contraria o disposto no n.º 2 do artigo 168 º da Constituição.
Consideramos que o Sr. Ministro, nos esclarecimentos que deu à Câmara, não foi convincente neste domínio; não respondeu designadamente à objecção que lhe foi levantada e que se centrava na possibilidade da utilização do regime contra-ordenacional pare evitar a publicação de diplomas imperfeitos. Consideramos, portanto, que pela via da inconstitucionalidade e da infracção do n .º 2 do artigo 168 º resulta também violada a alínea c) do n º 1 do mesmo artigo. E resulta seriamente violada a distribuição de poderes entre o Governo e a Assembleia, em matéria de maior sensibilidade.
O Sr. Deputado Montalvão Machado, na sua intervenção de hoje, acabou por ter, nesta .matéria, uma posição acertada neste sentido: trata-se de uma questão de fé. A maioria confia no Governo e como confia no Governo passa-lhe uma autorização legislativa em branco. Aliás, não é a primeira vez que o faz.
Nós não confiamos no Governo. Votámos contra a confiança no Governo quando ele a pediu a esta Assembleia no momento da sua investidura. Portanto, não lhe passamos autorizações legislativas em branco.
Aliás, a autorização do mesmo teor e com o mesmo sentido que lhe foi dada na última sessão legislativa não foi utilizada em termos que inspirassem a confiança da nossa bancada.
Por outro lado, é sintomático que apesar de tudo, apesar da confiança manifestada pelas vossas bancadas, tenham tido necessidade de introduzir as alterações que introduziram no pedido de autorização legislativa, de modo a moderarem o uso que dela possa fazer o Governo.
Concordamos que alguma coisa se adiantou nesse sentido, mas essa moderação não é suficiente, como já aqui foi demonstrado. Portanto, continuamos decididos a votar contra o pedido de autorização legislativa.

O Sr. Presidente: - Ao que julgo para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - O Sr. Deputado Nogueira de Brito acaba por reconhecer procedência ao modo como o meu colega de bancada colocou a questão. O problema é um problema de confiança e penso que ó Sr. Deputado concordou com a procedência desta postura.
Ora, isto leva-me a perguntar-lhe o seguinte: mantém o argumento da inconstitucionalidade ou, pelo contrário, considera que o relevante neste facto é confiar ou não confiar? É que o Sr. Deputado está no seu pleno direito de não confiar, mas deve fundamentar um pouco mais os argumentos em nome dos quais advoga a inconstitucionalidade:
Por outro lado, o Sr. Deputado disse que o Governo terá abusado, isto é, não terá utilizado em termos que merecessem do CDS a plena concordância as anteriores autorizações legislativas.
O Sr. Deputado acaba, de certa maneira, de passar uma censura mais ou menos expressa ao Governo, e eu pergunto-lhe: a tomar a sério essa opinião, que fez o CDS para evitar que essas autorizações legislativas se consumassem?
Toma ou não o CDS a sério as críticas que faz à intervenção legislativa do Governo? Se toma, porque se cala?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, há mais inscrições para pedidos de esclarecimento.
Deseja responder já ou só no final?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso tem a palavra, também para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, pretendo fazer-lhe um breve pedido de esclarecimento.
Em seu entender, Sr. Deputado - desculpe-me se volto à «vaca fria», mas é para que isto fique bem claro -, quais serão os motivos essenciais pelos quais isto aparece aqui sob a forma de pedido de autorização legislativa e não sob a forma de proposta de lei?
Gostaria de saber a sua, opinião sobre isso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado, Nogueira de Brito, queria apenas dizer-lhe que eu, na minha intervenção, não disse que a questão era uma questão de fé. Disse, muito claramente, que era uma questão de confiança, o que para mim é muito diferente de fé.
Disse ainda que uma das razões que me levava a votar a autorização legislativa era uma questão de confiança e não de fé. E não é uma questão de caridade, como jocosamente ouvi dizer lá para aquelas bandas.
O Governo não precisa da caridade de ninguém.
Queria também dizer-lhe, Sr. Deputado, que os deputados da maioria, ou alguns deles, entenderam que o texto primitivo da autorização pedida pelo Governo não era, talvez, suficientemente claro e, por ter merecido da parte de alguns deputados da oposição algumas objecções, alguns deputados da maioria deram-se ao trabalho de introduzir alterações nesse texto, por forma a acabar com as dúvidas levantadas por esses Srs. Deputados da oposição.
Não há ali nenhum cheque em branco. Diz-se claramente qual é a matéria em que se pode legislar, enquadra-se a actuação do Governo no âmbito da sua actividade normal, que não pode alterar o Código Penal. Enfim, dá-se ao Governo aquilo de que ele precisa, única e exclusivamente, para governar.
Foram estas as razões da minha intervenção e suponho que V. Ex.ª as deve ter compreendido muito bem, dadas as altas qualidades que possui.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito para responder.

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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado não há, na minha intervenção, qualquer contradição.
Reafirmo que o vício primeiro desta autorização é o vício da inconstitucionalidade. Ponho em causa o disposto nos n º 1 e 2 do artigo 168.º da Constituição.
A autorização viola as competências desta Assembleia num dos seus aspectos mais sensíveis.
Simplesmente, Sr. Deputado, o que acontece é que, para além dessa inconstitucionalidade, VV. Ex.as confiam em que o Governo não fará uso da autorização inconstitucionalmente concedida em termos danosos.
Aí se coloca a questão da confiança.
Diria, portanto, que o nosso voto contra se alicerça em 2 planos: o respeito pela Constituição e pela distribuição das competências entre a Assembleia e
o Governo; a falta de confiança que temos no Governo e que, na realidade, foi já, nesta matéria, confirmada.
É evidente que não falei quanto ao que se passa em relação ao Decreto-lei n.º 65/84.
Sr. Deputado, esta Câmara requereu a ratificação do Decreto-lei n.º 65/84. Não foi a minha bancada que o fez, mas, sabedores de que a ratificação estava
pedida, seria inútil fazer 2 pedidos de ratificação.
Vamos ter oportunidade de nos pronunciarmos sobre esse diploma, quando o fizermos V. Ex.ª vai ver qual é a nossa posição sobre ele,.
Não nos calaremos quando tivermos essa oportunidade.
É claro que, quando falei de fé, Sr. Deputado, queria referir-me à confiança que VV. Ex.as têm no Governo e suponho que esclareci a Câmara nesse sentido. Pus, aliás, em contraposição as duas atitudes.
Não falei em caridade.
Quanto à circunstância de o Governo não necessitar da caridade de ninguém, nos dias que correm tenho algumas dúvidas sobre a verdade dessa afirmação,
Sr. Deputado.

Risos do CDS.

Suponho que o Governo anda carecido de várias caridades!...
Sr. Deputado Hasse Ferreira, não me interrogue a mim sobre as razões que terão levado o Governo a pedir uma autorização legislativa e não a apresentar
uma proposta de lei.
Suponho que o Governo, além do mais, não estava preparado para o fazer. Mas o governo está presente e, realmente, com caridade ou sem caridade, dar-lhe-á
resposta que o satisfaça.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um curto protesto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - É para constatar o seguinte: o CDS alarma-se com o abuso do Governo em matéria de autorizações legislativas. Avança a ideia de que o Governo vai, com toda a certeza e com toda a probabilidade, utilizá-las mal, pois já assim o tem feito no passado.
Interrogado sobre as autorizações que o Governo terá utilizado mal, o CDS limita-se a constatar que uma lhe suscitou algumas dúvidas e que pôs o problema
da ratificação, mas, como este já havia sido feito por outros - se bem me recordo o PCP -, o CDS acha por bem esse pedido e a seu tempo dirá, atrás do PCP. o que tem a dizer.
Chama-se a isto a alternativa global do CDS.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para contraprotestar.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, o seu protesto não tem nada a ver com o meu esclarecimento e até me estão aqui a sugerir que teria sido uma brincadeira de mau gosto. Mas o Sr. Deputado não vem para aqui brincar, com certeza. Não nos podemos arriscar a vir para aqui brincar, Sr. Deputado.
Não é com certeza uma brincadeira de mau gosto 0 comentário que o Sr. Deputado fez à economia processual utilizada neste caso, e bem, pelo CDS.
Quanto à alternativa global de que V. Ex.ª fala, quero dizer-lhe que temos costas largas para esses seus mimos de linguagem.
Não há problema nenhum ... Nem sequer somos nós que temos complexos nessa matéria!... Por isso aguentamos bem esse seu tipo de comentários.
Quanto à nossa posição, Sr. Deputado, mais uma vez lhe reafirmo que a vai conhecer quando discutirmos a ratificação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda, para uma intervenção.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da justiça, Srs. Deputados: Vou fazer uma curta intervenção já que fizemos várias outras intervenções ao largo dos outros 2 processos referentes a esta mesma proposta de lei.
Legislar sobre ilícitos criminais é uma tarefa ao mesmo tempo extremamente importante e complexa do Estado, pois vem bulir com a liberdade dos cidadãos e pressupõe, depois, opções filosóficas, políticas e sociais que irão ser impostas à sociedade em nome dela.
Daí que tal tarefa seja sempre rodeada de especiais cautelas, não devendo ser deixada ao bel-prazer dos executivos nem aos seus critérios de mera oportunidade. Na verdade, a liberdade de cada um não pode, em caso algum, estar à mercê dos caprichos de tal ou tal governo, por ser, além de um direito constitucional fundamental, o próprio pilar da democracia.
Ora, os ilícitos criminais atentam em primeira linha contra a liberdade individual, coarctando-a e, nos casos previstos, eliminando-a mesmo. Daí que a definição de tais ilícitos deva ser feita na base de um alargado consenso, sob pena de, se assim não se fizer, não vir a ser acabada ou considerada como uma ilegítima vingança de uma determinada facção, de um certo poder contra outra ou outros. Daí que, dentro da economia constitucional, se tenha definido claramente as várias competências legislativas. Se há uma competência legislativa ordinária, isto é, não criminal, entre a Assembleia da República e o Governo, o mesmo não acontece quanto aos ilícitos criminais.

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Aí claramente se reservou, embora com reserva relativa, à Assembleia da República toda esta matéria dos ilícitos criminais.
Dirão, e dirá o Governo, que fazer leis ordinárias ou decretos-lei em determinados casos sem propor ao mesmo tempo, para a violação dessas leis, ilícitos criminais, é deixar menos perfeita essa lei.
Mas, na sistemática constitucional, parece dever retirar-se a
conclusão de que ao Governo compete fazer a legislação ordinária e o tipo de sanção que deve aplicar em princípio - e que está na sua competência -
é uma sanção de tipo contravencional.
Por isso, na revisão constitucional lhe foi dado expressamente essa mesma competência contravencional, o que não acontecia anteriormente.
No caso concreto dos ilícitos criminais, e por tudo quanto disse anteriormente, é óbvio que as propostas de autorização legislativas deveriam ter e ater-se o
mais possível ao rigor do n.º 2 do artigo 168.º da Constituição. E porquê?
Porque se uma autorização legislativa em branco é, já em si, uma inconstitucionalidade flagrante, uma proposta de autorização legislativa sobre ilícitos criminais em branco seria então uma super-inconstitucionalidade,
já que o legislar sobre ilícitos criminais é, como já disse, a função talvez mais importante do Estado.
Daí que, neste caso concreto, especiais cautelas devam ser exigidas nas propostas de autorização legislativa.
É certo que, neste momento do debate, a proposta legislativa inicial do Governo não é já exactamente a mesma. Foram há pouco distribuídas as propostas
de substituição de alguns artigos da proposta de lei inicial, apresentadas pelo PS e pelo PSD, que, naturalmente, irão ser discutidas na comissão em sede de especialidade.
A verdade é que elas não dizem ainda qual é o sentido exacto da proposta de autorização.
Diria que no artigo 1 º da proposta de substituição não se dá o sentido das condutas que vão ser sancionadas, mas propõe-se um critério de anexação.
Quer dizer, a única coisa que se avança é que o Governo é autorizado, quando necessário, em determinadas leis ou decretos-lei que não se especificam,
a prever condutas que sejam ilícitas do ponto de vista criminal.
Isto não nos diz o sentido, porque o que interessava saber, concretamente, era quais as condutas que o Governo pode vir a entender serem ilícitas.
Esse é o cerne do problema que aqui nas propostas de substituição não está a ser tratado.
Daí que, em princípio, o MDP/CDE mantenha a posição, reafirmada nos outros 2 debates, de votar contra esta proposta de autorização legislativa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís Nunes pediu a palavra para uma intervenção. Devo informar V. Ex.ª de que faltam 5 minutos para o intervalo. Pretende, mesmo assim, usar da palavra, Sr. Deputado?

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Pretendo sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS como partido democrata-cristão que é, introduziu esta discussão na base das virtudes teologais, que não a fé, a esperança e a caridade.

Risos do PS.

Tudo se passaria, portanto, como se na Assembleia da República votassem as propostas do Governo aqueles que nele. tem fé, isso c, os partidos da maioria, se abstivessem aqueles que nele apenas têm alguma esperança e votassem contra aqueles que têm em relação a ele um sentimento de caridade.
Deixando de lado estas questões teológicas menos próprias, talvez, dos debates da Assembleia da República e mais próprias numa suma teológica que não tenho competência para examinar, gostaria de me cingir, muito brevemente, ao problema constitucional. Parece-me que os Srs. Deputados que estão contra a proposta do Governo confundem 2 planos: o plano de jure condito e o plano de jure condendo - isto aplicado ao plano estritamente constitucional.
O artigo 168.º da Constituição, ao definir as regras de competência exclusiva da Assembleia da República, não utiliza uma concepção unívoca, uma terminologia unívoca. Quando a sua alínea a) se refere a coisas extremamente concretas, como estado de capacidade das pessoas, a alínea b) é extremamente genérica, referindo-se a direitos, liberdades e garantias; a alínea g), extremamente concreta, refere-se a bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural, enquanto as alíneas c) e d) se referem à definição de crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal.
Pergunta-se: nesta matéria não seria conveniente que fossem produzidas maiores precisões?
Talvez fosse conveniente, mas não o é constitucionalmente exigível e no plano da constitucionalidade própria o pedido do Governo é constitucional.
No que diz respeito ao problema de termos ou não fé, esperança ou caridade em que o Governo usará com prudência esta autorização legislativa que agora lhe concedemos, preferimos utilizar uma outra terminologia mais política e mais centrada nas nossas próprias preocupações.
O que é que isto quer dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados?
Quer dizer que o n.º 2 do artigo 168.º toma, ou poderia tomar, como pontos de referência a terminologia clara usada nas alíneas do n.º 1 do mesmo artigo 168.º
Pergunta-se: seria desejável que em relação a esta matéria se precisasse mais? Seria desejável que em relação a este ponto de vista houvesse uma maior precisão?
A minha opinião e a de que no futuro, em face da experiência prática e em termos de revisão constitucional, se poderá considerar esse tipo de problemas.
Mas tudo se passa como se se devesse ler no n.º 2 do artigo 168.º que as leis de autorização legislativa devem definir o objecto, podendo esse objecto ser a simples remissão para a alínea do n.º 1 na redacção que a própria Constituição lhe dá.

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Temos confiança política no Governo e estamos convencidos de que ele utilizará com prudência e com a necessária moderação esta autorização que lhe é concedida.
Os argumentos utilizados pela oposição não devem, penso eu, cair em saco roto e encontrarão um momento azado para serem ponderados quando se proceder, nos prazos normais e na base da experiência adquirida, à necessária revisão constitucional.
Nesta mistura dos 2 planos - de jure condito e de jure condendo - radica-se, creio eu, uma das oposições aqui deduzidas.
Não caminharemos nesse sentido. Consideramos a autorização constitucional e vamos, obviamente, ou se quiserem, manifestamente votar a favor.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Luís Nunes, ouvi atentamente a sua intervenção em que discorreu brilhantemente sobre as virtudes teologais. Nessa matéria só lhe queria perguntar: dado o estado a que chegou este Governo, pode-se ter nele confiança sem ser inspirado na fé?
Quanto ao mais, Sr. Deputado, queria perguntar-lhe o seguinte: o Sr. Deputado entende que se dará cumprimento à exigência de definição de autorização legislativa se se fizer uma remissão pura e simples para qualquer das alíneas do n.º 1 do artigo 168.º?
Suponho que foi isto que o Sr. Deputado afirmou.
O Sr. Deputado considera satisfatória essa remissão no que toca, por exemplo, ao caso da alínea j) do n.º 1?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Deputado José Luís Nunes, a sua intervenção, do ponto de vista constitucional, deixou-me alguma perplexidade.
V. Ex.ª disse que, nos termos do n.º 2 do artigo 168.º, o objecto podia ser referido a qualquer das alíneas do n.º 1, mas o n.º 2 não fala só do objecto. Fala do objecto, do sentido, da extensão e da duração da autorização.
Quando V. Ex.ª vem dizer que é necessário, ou se torna necessário, do seu ponto de vista, para melhor clarificação, rever este inciso constitucional, parece ignorar toda a discussão que se travou sobre este n.º 2 e que foi exactamente no sentido de precisar ao máximo possível o conteúdo das autorizações legislativas e por isso se acrescentou ao n.º 2 primitivo as palavras «sentido» e «extensão». Isso foi feito para que não se levantassem os problemas que agora se estão a levantar e que já se levantavam antes da revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes para responder.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Bom, Sr. Presidente e Srs. Deputados, responderei muito brevemente ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, dizendo-lhe o seguinte: quanto a saber se se pode ter, alguma vez, confiança neste governo sem ser inspirado pela fé, dir-lhe-ei, como racionalista que sou, que esse problema não é nosso, mas ficaríamos muito satisfeitos se, mesmo inspirado pela fé que move montanhas, o CDS tivesse confiança no Governo.
Importa-nos a confiança e não a razão mais ou menos subjectiva dos agentes históricos.
Em segundo lugar, o problema que o Sr. Deputado Nogueira de Brito coloca é importante quanto à alínea j). Simplesmente a Constituição é um todo e não pode ser lida sozinha. A alínea/) tem de ser lida em conjugação com os artigos 80.º a 88.º e, nomeadamente, com o artigo 85.º em que se insere a organização económica do Estado.
Nessa base, lendo em conjugação, terá de ser obviamente dita mais alguma coisa neste caso.
O Sr. Deputado António Taborda põe-me o problema das expressões «sentido» e «extensão».
Pois bem, Sr. Deputado António Taborda, essas expressões «sentido» e «extensão», que visavam mais explicitar o antigo normativo constitucional do que criar Direito novo, têm de ser lidas em conjugação com as alíneas c) e d). Se se especificasse, dentro do conteúdo da competência exclusiva da Assembleia da República quanto à definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal, o que é que era ou não competência exclusiva da Assembleia da República, essa distinção podia e devia, obviamente, fazer-se.
Mas o que aqui está é a transferência de uma competência exclusiva da Assembleia da República, globalmente assumida, para o próprio Governo. A alínea c), por exemplo, tem a mesma dignidade que a alínea i), onde se fala da criação de impostos e sistema fiscal, ou que a alínea q), sobre a organização e competência dos tribunais e do ministério público e estatuto dos respectivos magistrados.
Agora, o que penso é que as considerações do Sr. Deputado António Taborda, como as de outros Srs. Deputados, devem ser consideradas, em termos de jure condendo, em sede de revisão constitucional e atenta a experiência que se vier a processar nestas matérias. Pode a experiência aconselhar que se devam introduzir formas mais restritivas no texto constitucional. Então as considerações do Sr. Deputado teriam razão de ser. O facto é que o actual texto constitucional não as exige.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado José Luís Nunes, aquilo que está a dizer contende directamente com o que é a história da revisão constitucional.
O Sr. Deputado José Luís Nunes não ignora certamente que, exactamente porque se teve em conta a excessiva genericidade do que estava formulado no artigo correspondente a este é que houve, consensualmente, a intenção -e mais do que isso, a preocupação normativa - de introduzir o inciso «sentido».
Como sabe, tal não constava da Constituição antes da revisão. Com a revisão introduziu-se a palavra «sentido» que tem um conteúdo jurídico-normativo, como o Sr. Deputado reconhecerá. Como vê, já houve, de

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jure condendo, a possibilidade de apreciar esta situação e de introduzir uma cláusula de exigência eminentemente restritiva.

O Orador: - Dizia eu - e agora também como resposta ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, que, com a minha autorização, teve ocasião de me interromper, interrupção que agradeço - que o elemento histórico da interpretação é extremamente limitado na ordem jurídica. O Prof. Pereira de Coelho, no prefácio às suas Lições de Direito de Família, tem uma frase luminosa em que diz o seguinte: «Os livros são como os filhos, autonomizam-se em determinada altura em relação aos seus pais» - isto, combatendo o demasiado historicismo da interpretação.
Que possa ter ido nesse sentido uma opinião desta Assembleia, é difícil de dizer, mas admissível. Porém, que ela não se expressou concretamente no texto constitucional e que na expressão «sentido» não cabe esse sentido restritivo que os Srs. Deputados querem dar, parece-me evidente porque ela não corrigiu, tal como se impunha, esta alínea d), utilizando na enumeração termos que me parecem equívocos.
É por isso que eu digo, de jure condendo: teve o legislador ocasião de se pronunciar sobre esta matéria, mas não o fez de forma plena e satisfatória.
No entanto, Sr. Deputado, o debate que aqui se travou não é um debate a que eu tenha sido estranho, nem é um debate que caia em saco roto.
Penso, pois, que muitos problemas que os Srs. Deputados colocaram devem ser ponderados na altura própria. Mas, com toda a franqueza o digo, tal como os normativos estão formulados - ou como os incisos, como os Srs. Deputados gostam de dizer e que até me parece melhor em certos momentos, porque «incisos» marca, pelo menos, a tradição do direito romano - parece-me que existe constitucionalidade do texto legal, do texto que lhes é proposto pelo Governo. Ora, isso não quer dizer que à luz da experiência dos próximos 3 anos não se deva ponderar se será necessário modificar, corrigir ou adaptar conforme aquilo que essa mesma experiência constitucional indicar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é chegada a hora regimental de fazermos o intervalo.
Devo informar a Câmara de que sobre esta matéria há apenas um orador inscrito para usar da palavra, que é o Sr. Deputado Magalhães Mota, pelo que em seguida se procederá à votação.
Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em primeiro lugar, quero informar das razões por que só agora reiniciamos os nossos trabalhos: aconteceu que a determinada altura do intervalo os Srs. Deputados Jorge Lacão, do Partido Socialista, e Portugal da Fonseca, do Partido Social-Democrata, vieram pedir meia hora de prorrogação do intervalo para cada um dos respectivos partidos, na medida em que tinham necessidade de proceder a uma reunião para discussão de determinados problemas.
A Mesa, aliás através da minha pessoa, concedeu o que lhe fora peticionado, embora não de uma forma regimental porque para tanto deveria estar o Plenário reunido. Porém, para não obrigar os Srs. Deputados a virem à Sala apenas para ouvirem esses requerimentos e, sobretudo, para lhes poupar esse esforço, concedi essa prorrogação.
Eis, pois, a razão por que só agora vamos reiniciar os nossos trabalhos, no convencimento de que W. Ex.ªs aceitarão aquilo que foi decidido pelo Presidente da Assembleia em exercício.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste momento do debate sobre a proposta de lei n.° 63/III, já tudo ou quase tudo foi dito. Como tal, permitir-me-ei abreviar as considerações que iria produzir. Em todo o caso, não poderei deixar de anotar algumas questões que o desenrolar do debate me suscitou.
Em primeiro lugar, como foi várias vezes lembrado ao longo deste debate, o Agrupamento Parlamentar da ASDI teve ocasião de impugnar a admissibilidade da proposta de lei n.º 63/1II. Dissemos, então, que ela era flagrantemente inconstitucional e cremos que o debate a tal propósito travado e a própria tentativa de emendar a proposta de lei confirmam, amplamente, o bem fundado desta afirmação.
A proposta de lei é realmente inconstitucional. É-o, essencialmente, porque não obedece às limitações estabelecidas pelo n.° 2 do artigo 168.° da Constituição. De facto, ao contrário do que se pretendeu dizer, o artigo 167.° da Constituição, quando estabelece uma reserva de competência legislativa, faz claramente uma reserva de matérias. O artigo 168.° da Constituição, quando enumera a possibilidade de autorizações legislativas, não está a conferir ao Governo poderes legislativos que pertencem à Assembleia da República.
No nosso ordenamento jurídico-constitucional, o Governo tem competência legislativa ordinária. Quando faz decretos-leis sobre matérias reservadas da competência da Assembleia, também aí o Governo age em nome próprio e não em nome da Assembleia da República. Isto é, não há nem nunca houve no nosso direito constitucional - e hoje isso é claramente expresso pela diferença entre os artigos 167.° e 168.° da Constituição - nenhuma possibilidade de se invocar a transferência de poderes da Assembleia da República para o Governo quando legisla em termos de autorização legislativa.
Aliás, para verificarmos que assim é, bastaria verificar a possibilidade de ratificação que têm os diplomas elaborados ao abrigo de uma autorização, que não existiriam se a delegação de competências tivesse cabimento no nosso ordenamento constitucional.
Porque assim é, quando tratamos de autorizações legislativas, havemos de as examinar não como uma delegação de competências do Parlamento para o Governo, mas como alguma coisa que a Assembleia permite que o Governo faça, determinando-lhe, no entanto, um objecto e um sentido.
Isso resulta dos limites substanciais das autorizações legislativas, e sabemos que pelo objecto a Assembleia da República indica qual é a matéria da sua competência em que autoriza o Governo a legislar. Sabemos também que pelo sentido - e outra interpretação não

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é possível após a revisão constitucional- a Assembleia da República fixa princípios base, directivas e critérios que devem orientar o Governo na sua produção legislativa. Ou seja, a limitação constitucional impede o Governo de nos apresentar aqui pedidos genéricos de autorização legislativa, como este que aqui está, que são verdadeiros cheques em branco.
E não é uma questão de moção de confiança de segunda espécie que agora acabasse por ser criada. A autorização legislativa é algo de diferente da moção de confiança. Não é uma questão de confiança que aqui se coloca, mas sim uma questão de constitucionalidade da autorização legislativa.
E também não se diga que por uma interpretação sistemática da Constituição é possível chegar a conclusões que, pura e simplesmente, fariam tábua rasa do próprio preceito constitucional.
A única coisa que é possível ao intérprete concluir do texto constitucional é que a Assembleia da República quis reservar para si a competência de criar ilícitos penais. Desse preceito não se pode deduzir que, ao contrário do que a lei constitucional claramente expressa, ao contrário da própria letra da lei, a Constituição reserva em pé de igualdade à Assembleia e ao Governo a possibilidade de criação de ilícitos penais.
De facto, a conclusão a que nos levaria a alegação do Sr. Ministro da justiça, com essa interpretação sistemática da Constituição, era a de que a Constituição, ao atribuir ao Governo capacidade legislativa própria, estava ao mesmo tempo a atribuir-lhe capacidade para a criação de ilícitos penais e, portanto, tal matéria não seria da competência exclusiva da Assembleia da República.
Essa interpretação é absurda, contradiz a própria letra da lei e, portanto, não tem o nosso assentimento.
Cremos que a autorização legislativa era e continua a ser inconstitucional. Cremos, também, que não colhe mais o argumento usado, de acordo com o qual o Governo ficaria desarmado se não obtiver esta autorização legislativa. Se algum dos Srs. Deputados se der à curiosidade de ler o Diário da República hoje publicado verificará que- os decretos-lei publicados este ano são 152 - este é o número mais alto que consta do Diário da República de hoje - e que as portarias são 29?. Quer dizer que o Governo, que se considera desarmado e que só usou uma autorização legislativa nos mesmos termos 6 vezes durante um período que até abrange parte do ano de 1983, conseguiu - mesmo desarmado - fazer 152 decretos-lei.
Creio que não é preciso maior argumentação para demonstrar à evidência que assim não é, ou seja, que o Governo não está desarmado, não pode escudar-se na falta desta autorização legislativa para invocar outras necessidades e outras desculpas para as suas não actuações neste ou naquele domínio.
Mas, Srs. Deputados, creio que aquilo que de algum modo está em causa hoje - estamos a discutir a substância - da proposta de lei - é o conteúdo da própria autorização legislativa. Também aqui estamos em discordância com a proposta formulada.
Na verdade, o princípio da legalidade ou da tipicidade, que a Constituição da República garante no seu artigo 29.º, é consagrado rio Código Penal (artigo 1º), que numa inovação da maior importância dispõe no seu artigo 31º que um facto não é criminalmente punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica. considerada na sua totalidade». Quer dizer, quando se fixa como limite da ilicitude criminal objectiva a ponderação da ordem jurídica no seu conjunto, o que está em causa é uma política criminal em que se procura garantir a unidade total do direito.
É isto o que esta proposta de lei põe em causa. É essa concepção global, que esta ideia casuística de criar ilícitos penais sempre que as circunstâncias o possam justificar, que é aqui concretamente posta em causa.
Creio que a legitimação da criminalização no contexto de uma sociedade pluralista e aberta, para que o campo do Direito Penal se não transforme numa arma de ideologias e projectos de poder conflituantes, obriga a que só possa criminalizar-se o que de forma inequívoca mereça o predicado de socialmente danoso. Isso obriga ao debate, à clarificação da discussão e a que, tal como o texto constitucional prescreve, o debate sobre a criação de ilícitos penais tenha o seu lugar próprio na Assembleia da República.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que nos parece - apesar das melhorias introduzidas na proposta- é que através de um pedido de autorização legislativa que não corresponde, sequer, ao mínimo constitucionalmente exigido quanto à definição do seu 'objecto e da sua extensão, o Governo se pretende arrogar o direito de criminalizar, quando e se lhe convier, quaisquer condutas.
É em relação a esta autorização assim concedida que não podemos dar o nosso assentimento. Por isso, votaremos contra o pedido formulado.

Vozes da UEDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições na Mesa, estai encerrado o debate.
Assim, vai proceder-se à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 63/III, que concede ao Governo autorização legislativa para definir em geral ilícitos criminais e penais.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do PSD e votos contra do PCP, do CDS, do MDP/CDE, da UEDS. da ASDI e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão na especialidade...

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, não posso deixar de recordar à Mesa que, quando discutimos o processo de urgência, houve nessa altura insistências para que os diversos grupos parlamentares tivessem tempo de estudar melhor a proposta na Comissão respectiva. Aceitámos então que, em vez de imediatamente após a votação na generalidade ser discutida na especialidade no Plenário, esta proposta de lei baixasse à Comissão para aí ser discutida na especialidade, uma vez que terá de ser votada na especialidade no Plenário - creio eu.

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Assim, a discussão no Plenário seria apenas para preparara votação na especialidade, a realizar depois e também no Plenário.
Ora, como apresentámos nessa altura um requerimento nesse sentido, não voltamos atrás, embora apelássemos aos Srs. Deputados para que o debate na especialidade seja feito o mais breve possível.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem toda a razão. O Sr. Secretário vai ler o requerimento apenas para relembrar a matéria.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Srs. Deputados, é do seguinte teor o requerimento:

Os deputados abaixo assinados propõem que o processo de urgência solicitado pelo Governo para a proposta de lei n.º 63/III tenha a seguinte tramitação: a constante da alínea a) do artigo 246 º do Regimento da Assembleia da República; a baixa à Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, após a sua eventual aprovação na generalidade, com o prazo de 15 dias.
Este requerimento foi aprovado em 2 de Maio de 1984, com os votos a favor do PS e do PSD, os votos contra do PCP, do CDS e do Sr. Deputado Independente António Gonzalez e a abstenção do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta proposta vai, portanto, baixar à Comissão, nos termos que foram requeridos e aprovados, como acabou de ler o Sr. Secretário.
Vai ser lido um requerimento agora apresentado na Mesa.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Srs. Deputados, é do seguinte teor o requerimento:

Os deputados abaixo assinados requerem a prorrogação da sessão até às 22 horas.

Este requerimento é apresentado pelo Grupo Parlamentar do CDS e tem como primeiro subscritor o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito deseja usar da palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, gostaria de fundamentar o requerimento que acaba de entrar na Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é necessário, porque um requerimento não precisa de fundamentação, mas, no entanto, pode ser que traga alguns esclarecimentos ao Plenário.
Tem a palavra, Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que acontece é que tínhamos hoje um programa de trabalhos a cumprir, o qual incluía o início da discussão e votação do processo respeitante à criação de várias autarquias ao nível de freguesias e à elevação de algumas vilas a cidades. Esse processo
estava previsto na ordem de trabalhos de hoje e previa-se que se prolongasse para a ordem de trabalhos de amanhã, ocupando a parte da manhã e, à tarde, entraríamos novamente na discussão do Regimento.
Por razões que são alheias à maioria dos deputados desta Assembleia, a sessão de hoje acabou por se ver interrompida no seu funcionamento e estamos a ver, na realidade, que se torna impossível iniciar este processo de discussão da criação de autarquias.
Ora, o mínimo de respeito por esta Câmara e pelas pessoas que conheciam esta ordem de trabalhos, algumas das quais se deslocaram de fora de Lisboa para assistir aos nossos trabalhos e à discussão e votação dos assuntos desta ordem de trabalhos,...

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - ... impõe que iniciemos, de qualquer modo, a discussão desse tema, que o façamos até às 22 horas de hoje e que continuemos, conforme estava previsto, amanhã de manhã. É esse o sentido do nosso requerimento.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Brito pediu a palavra para se pronunciar sobre o requerimento?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Foi sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas dizer que, para a nossa bancada, as explicações que o Sr. Deputado Nogueira de tirito acaba de dar são muito convincentes.

Risos do PSD.

Na verdade, a nessa reunião de hoje foi prejudicada pelo período de 1 hora, devido aos 2 pedidos de suspensão que foram feitos pelo PS e pelo PSD. Temos de votar, se não estou em erro, 72 projectos de lei - é verdade que temos todo o dia de amanhã destinado a essa tarefa, mas ó uma tarefa pesada, pois todos sabemos quanto são pesadas as votações -, há pessoas que aqui se deslocaram hoje e há uma grande expectativa no País relativamente aos resultados das nossas votações. São localidades que vão ser promovidas a cidades e a vilas, 51 freguesias que vão ser criadas e certamente que, em torno disto, se gerou uma grande e justa expectativa no País, a que a Assembleia da República deve corresponder. E esta a nossa posição e que ê, portanto, favorável ao requerimento apresentado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta questão não é nem mais nem menos dramática do que qualquer outra, pelo que não teríamos dívida nenhuma em aceder ao requerimento do Sr. Deputado Nogueira de Brito. Simplesmente,

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acontece que, como é público e notório, temos hoje marcada, para as 21 horas, uma actividade política que consideramos prioritária. Nesse sentido vamos votar contra o requerimento do Sr. Deputado Nogueira de Brito, na medida em que temos já marcado para hoje algo, no plano político, que está programado há mais de 1 mês e a que desejamos estar presentes.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Isto não é uma maioria, é uma tristeza!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que, na primeira parte da sua exposição, o Sr. Deputado Nogueira de Brito tem toda a razão e acho que - perdoem-me os colegas - o que se passou hoje não é, de facto, muito prestigiante dos trabalhos desta Assembleia. Mas quero dizer que, se o que é invocado pelo Sr. Deputado José Luís Nunes pode ter toda a nossa atenção, suponho também, de qualquer maneira, que, para o debate se iniciar e independentemente da posição que tomarmos perante o requerimento do Sr. Deputado Nogueira de Brito, nada impede que a seguir se vote um requerimento de prolongamento da sessão até às 21 horas, que permitiria, pelo menos, iniciar o debate. Alguma coisa há que sacrificar: as reuniões, o Plenário, o jantar mais tarde ou as conferências.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero só evidenciar que nada disto afecta a questão da votação da criação de vilas, cidades e novas freguesias, porque quando discutimos na conferência dos líderes dos grupos parlamentares esta questão, tínhamos mais ou menos o seguinte horizonte: que hoje concluiríamos o processo de autorização legislativa e que, muito provavelmente, o debate e a votação sobre as questões autárquicas se faria no dia de amanhã. Era um pouco esta a previsão e nós, que sempre damos a nossa concordância a que haja prolongamentos do Plenário, pelas razões já referidas pelo Sr. Deputado José Luís Nunes e não havendo nenhum prejuízo para o nosso trabalho, não vemos razões para hoje darmos o nosso acordo. Penso, pois, que os Srs. Deputados deviam compreender as nossas razões.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então votar o requerimento do prolongamento da sessão até às 22 horas.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do. PS e do PSD, votos a favor do PCP, do CDS, do MDP/CDE, do Deputado do PSD Bento Gonçalves e elo Deputado Independente António Gonzalez, e as abstenções da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como estamos a chegar ao termo dos nossos trabalhos, presumo que não valerá a pena entrarmos no segundo ponto da ordem do dia. Em consequência, pedia a vossa atenção para a leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas):- Deram entrada na Mesa os diplomas seguintes: projecto de resolução n.º 27/III, que garante o eficaz acompanhamento das medidas financeiras, técnicas e administrativas necessárias ao prosseguimento e conclusão do Alqueva, que foi admitido; projecto de lei n.º 341/III, da iniciativa do Sr. Deputado Silvino Sequeira e de outros Srs. Deputados do PS, sobre a criação da freguesia de Além da Ribeira, do concelho de Tomar, que foi admitido e baixou à 10.ª Comissão: o projecto de lei n.º 342/III, da iniciativa do Sr. Deputado Américo Salteiro e outros Srs. Deputados do PS, respeitante à criação da freguesia do Cruzamento de Pegões no concelho do Montijo, que também foi admitido e baixou à 10.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a ordem do dia para amanhã compreende o «pacote autárquico», a iniciar pelas 10 horas, e, às 15 horas, as alterações do Regimento.
O Sr. Deputado Jorge Lemos quer sugerir alguma coisa?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, a correcção já foi remetida, por carta, pelo meu grupo parlamentar à Mesa e ao Sr. Presidente. No nosso entendimento, o que ficou acordado é que amanhã se discutiriam os vários projectos de criação de freguesias e de elevação de diversas povoações a vilas e de vilas a cidades e que, se houvesse tempo, se iniciaria a discussão do Regimento.
No quadro hoje traçado, dada a extensão das matérias que nos ocuparão amanhã, parece irrealista anunciar para as 15 horas de amanhã o início da discussão do Regimento.

O Sr. Presidente:- O Sr. Deputado tem toda a razão, pois a previsão mais exacta é certamente essa. Em todo o caso, limitei-me a ler a ordem dos trabalhos que tinha sido aprovada na conferência de líderes e, pela informação que me foi dada, a discussão do «pacote autárquico», por certo, durará todo o dia.
Srs. Deputados, estão encerrados os trabalhos.

Eram 20 horas.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

José Manuel Pires das Neves.

Centro Democrático Social (CDS):

Francisco António Lucas Pires.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Socialista (PS):

Alberto Rodrigues Ferreira Camboa.
António Domingues Azevedo.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Francisco Igrejas Caeiro.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.

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Joaquim José Gatanho de Menezes.
José de Almeida Valente.
José Manuel Torres Couto.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
João Luís Malato Correia.
João Pedro de Barros.
Jorge Nélio Ferraz Mendonça.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.

Partido Comunista Português (PCP):

António da Silva Mota.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Rodrigues Vitoriano.
Maria Margarida Tengarrinha.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):

Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Gomes de Pinho.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
João António de Morais Silva Leitão.
Joaquim Rocha dos Santos.
José António de Morais Sarmento Moniz.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Poppe Lopes Cardoso.
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos enviado à Mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 15 de Maio de 1984, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:
José António Valério do Couto (círculo eleitoral da Guarda) por José Manuel Henriques Pires das Neves (esta substituição é pedida para os dias 15 a 25 de Maio corrente, inclusive);
João Maurício Fernando Salgueiro (círculo eleitoral de Braga) por Telmo da Silva Barbosa (esta substituição é pedida para os dias 16 a 18 de Maio corrente, inclusive);
João Pedro Antas de Barros (círculo eleitoral de Viseu) por Luís Fernando Gonçalves Riquito (esta substituição é pedida para os dias 16 a 25 de Maio corrente, inclusive);
Adérito Manuel Soares Campos (círculo eleitoral de Aveiro) por José Augusto Ferreira de Campos (esta substituição é pedida para os dias 16 a 18 de Maio corrente, inclusive).

2) Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

José Miguel Nunes Anacoreta Correia (círculo eleitoral de Leiria) por David José Leandro Duarte Ribeiro (esta substituição é pedida para os dias 15 a 25 de Maio corrente, inclusive).

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nanes ele Almeida (PCP) - Secretário, Amarando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - António da Costa (PS) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Manuel Fontes Orvalho (PS) - Adérito Manuel Suares Campos (PSD) - Joaquim Eduardo Gomes (PSD) - José Mário, Lermos Damião (PSD) - Leonel Santa Rita Pires (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lermos (PCP) - Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Declaração de voto enviada para a mesa para publicação, relativa ao projecto de lei n .º 320/III- Estatuto patrimonial do Presidente da República.

O CDS votou favoravelmente, na generalidade, o projecto de lei n.º 320/III, relativo ao estatuto patrimonial do Presidente da República, pelas razões que, de imediato, passa a aduzir:
Não negando que a situação remuneratória do Presidente da República se não compatibiliza com a sua posição face aos outros órgãos de soberania e, logo, entendendo que importa corrigir as disparidades existentes, entende o CDS que a Assembleia da República deveria aproveitar a oportunidade para normatizar inovadoramente, como é da sua exclusiva competência, «o estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, do Conselho de Estado e do Provedor de justiça, incluindo o regime das respectivas remunerações».
Os grupos parlamentares da maioria, no entanto, promoveram rapidamente esta iniciativa particular, cujo conteúdo precisa, sem dúvida, de ser aperfeiçoado, o que, de certo, não deixará de ser feito na comissão parlamentar competente. Aí o CDS apresentará propostas alternativas que permitam, desde já, sistematizar prospectivamente o futuro estatuto dos

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titulares de órgãos de soberania e dos órgãos previstos na alínea j) do artigo 167.º
Foi esta a posição que norteou o nosso voto favorável na generalidade. Voto que atende à situação particular do Presidente da República, que importa dignificar no actual sistema de governo, mas que lamenta a iniciativa atomista tomada pelos grupos parlamentares da maioria. A lógica e a coerência não podem obnobilar, contudo, a premência e a razoabilidade. Daí o nosso voto.

Voto apresentado na sessão de 15 de Maio de 1984

Hoje, Dia Internacional do Objector de Consciência, não podemos deixar de apresentar um voto no sentido de alertar esta Assembleia para o facto de, no nosso país, não ter sido aprovado, até à presente data, o estatuto regulamentador da objecção de consciência perante o serviço militar.
Existem vários projectos e uma proposta de lei do Governo nesse sentido.
Existe uma comissão especial nomeada para tratar desta matéria. Mas ainda não vimos indícios de que haja a vontade política de se marcarem audiências públicas e debates de forma que a objecção de consciência, para além de ser reconhecida constitucionalmente, o seja publicamente. Gostaríamos de ver amplamente discutidos os projectos e a proposta existentes e difundidos pelos órgãos de comunicação social, pois pensamos que a sua discussão à porta fechada pretende reprimir e silenciar a existência do direito do cidadão à objecção de consciência.
O Estado deve reconhecer o direito aos cidadãos que por convicções de ordem moral, humanística, ética, religiosa, filosófica, deontológica ou similares decidam ser objectores de consciência.
Estes cidadãos que decidiram que a prestação do serviço militar ou militarizado ofenderia a sua personalidade têm o inegável direito natural e humano universalmente reconhecido de serem objectores de consciência.

Assembleia da República, 15 de Maio de 1984. - O Deputado Independente do Partido Os Verdes, António Gonzalez.

Os Redactores de 1.ª Classe: Leonor Ferreira - José Diogo.

PREÇO DESTE NÚMERO 60$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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