O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 4835

Quarta-feira, 30 de Maio de 1984

REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE MAIO DE 1984

Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais

Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes de ordem do dia. - Procedeu-se à leitura do expediente, de requerimentos e das respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Octávio Cunha (UEDS), a propósito da comemoração no dia 1 de Junho do Dia Mundial da Criança, referiu-se às condições sub-humanas em que vivem as crianças internadas em Instituições dependentes do Ministério do Justiça, Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Vidigal Amaro (PCP), Helena Cidade Moura (MDP/CDE) e Rocha de Almeida (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Azevedo Soares (CDS), ao exigir que o Sr. Presidente da República, o PS e o PSD dessem conta da situação real da crise em que o País se encontra, fez uma análise da natureza dessa mesma crise, No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento e a protestos dos Srs. Deputados Hasse Ferreira e César Oliveira (UEDS) e José Luís Nunes (PS).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP). a propósito do recente aumento de preços decretado pelo Governo, considerou estes aumentos de bens e serviços como sendo mais um ataque às condições de vida do povo português.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Lemos Damião (PSD), a propósito do Dia Internacional da Criança, teceu algumas considerações sobre a responsabilidade do Estado na manutenção do exercício dos direitos básicos de cada criança.
Finalmente, em declaração política, o Sr. Deputado Domingues Azevedo (PS) referiu algumas carências com que se debatem as populações do Minho, terminando por reivindicar a urgente construção da auto-estrada Porto-Braga, a fim de se permitir o escoamento rápido dos produtos de uma das maiores zonas industriais do País.

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão e votação, na generalidade, do Projecto de Lei n.º 258/III (MDP/CDE), sobre a fixação prévia de preços à colheita e garantia de escoamento, que foi rejeitado.
Intervieram no debate, a diverso título (incluindo declarações de voto), os Srs. Deputados António Taborda (MDP/CDE), Soares Cruz (CDS). Cunha e Sá (PS), Vasco Miguel (PSD),

Lopes Cardoso (UEDS), Gaspar Pacheco (PSD), Alexandre Reigoto (CDS), Vilhena de Carvalho (ASDI), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Rogério de Brito (PCP), João Eliseu e Ângela Correia (PS).
O Sr. Presidenta encerrou a sessão eram 20 horas o 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Henrique Nazaré Conceição.
Acácia Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alexandre Monteiro António.
Almerindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa. António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António José Santos Meira.
António Manuel Carmo Saleiro.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Belmiro Moita da Costa.
Bento Gonçalves da Cruz.

Página 4836

Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Eurico Faustino Correia.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catando de Menezes.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja S. dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luís do Amaral Nunes.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
José Maximiano Almeida Leitão.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel de Barros Barral.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD)

Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira
Fernando Monteiro do Amarai
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Evangelista Rocha de Almeida
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
Jorge Nélio Ferraz Mendonça.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís de Figueiredo Lopes
José Mário de Lemos Damião
José Pereira Lopes.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís Silvério Gonçalves Saias
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís António Pires Baptista.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguei Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.

Página 4837

Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Lino Paz Paulo Bicho.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Simões Areosa Feio.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Gomes de Pinho.
António José de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
João Carlos Dias M. Coutinho Lencastre.
José António de Morais Sarmento Moniz.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
José Vieira de Carvalho.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Narana Sinai Coissoró.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Monteiro Taborda.
Helena Cidade Moura.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte:

Expediente

Abaixo-assinados

Do conselho directivo dos baldios da freguesia de Ansiães, Amarante, e do conselho directivo do lugar de Zebral, concelho de Vieira do Minho, ofícios do conselho directivo de baldios de Salamonde, da assembleia de compartes dos baldios da Ermida e do conselho directivo dos baldios de Fridão e telegramas dos conselhos directivos dos baldios de Sequeiros, Sete Fontes, Nodar, Ameixoeira, Travassos de Orgens, Lousã, Moinho, Mamouros, Castro Daire e Granja e do secretariado dos baldios do distrito de Coimbra, repudiando a tentativa de entrega dos baldios às autarquias e exigindo o respeito pela lei em vigor.
De José Francisco Gonçalves Lourenço, residente em São Marcos da Serra, concelho de Silves, dando cones da injustiça de que foi vitima com a não atribuição de um subsídio, concedido a outros que, tal como ele, viram os seus bens devastados pelos incêndios ocorridos naquela zona entre os dias 26 e 28 de Setembro de 1983, e pedindo providências.
Da ASPA - Associação para a Defesa, Estudo e Divulgação do Património Cultural, remetendo fotocópia de uma carta aberta dirigida a S. Ex.ª o Ministro da Cultura.
De Vitorino Garrett, residente em Vergada, Feira, remetendo duplicado de um parecer dos jovens trabalhadores portugueses sobre as consequências mais imediatas resultantes do desemprego e da inflação.
De Margarida Brito, residente em Lisboa, tecendo considerações acerca do que diz serem privilégios cedidos a quem desempenhar as funções de Presidente da República.
Do Serviço do Provedor de Justiça, informando que ordenou o arquivamento do processo organizado com base na reclamação apresentada a esta Assembleia por José Vítor da Costa Loreto, uma vez que não cabe ao Provedor de Justiça Interferir nas decisões judiciais.

Página 4838

Do Sindicato dos Trabalhadores de Seguros do Norte, da Assembleia Municipal de Sesimbra, de trabalhadores da Mútua dos Pescadores, em Lisboa, e telegramas e telexes da União dos Sindicatos do Distrito de Faro, da Comissão Sindical e da Comissão de Trabalhadores da Tranquilidade Seguros, da FESTRU e do Sindicato Rodoviário do Centro, manifestando-se contra os acontecimentos ocorridos na Mútua dos Pescadores.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Nas últimas sessões foram apresentados os seguintes requerimentos:
Na reunião do dia 23 de Maio de 1984: ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Barral; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Figueiredo Lopes; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelos Srs. Deputados Reis Borges e Raul Brito; ao Ministério das Finanças e do Plano, formulados pelos Srs. Deputados Reinaldo Gomes, Ilda Figueiredo e José Manuel Mendes; ao Ministério da Administração Interna e à Secretaria de Estado do Tesouro, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Espadinha, e ao Ministério da Indústria e Energia, formulados pelos Srs. Deputados Maria Angela Pinto Correia, Reis Borges e Manuel Fontes Orvalho.
Na reunião do dia 24 de Maio de 1984: ao Governo e aos Ministérios do Trabalho e Segurança Social
das Finanças e do Plano (4), formulados pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo; ao Ministério da Educação, formulado pelos Srs. Deputados Maria Angela Pinto Correia e Manuel Jorge Goes; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Agostinho Branquinho e Luís Monteiro; ao Ministério da Agricultura, Florestas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Brasileiro; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Frederico de Moura e outros; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Lopes; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Gaspar Pacheco e Anacleto Baptista; aos Ministérios das Finanças e do Plano e do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Reis Borges; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Fradinho Lopes; aos Ministérios da Educação e da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado José Vitorino; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Jaime Ramos e outros, e ao Ministério do Equipamento Social e à Secretaria de Estado dos Desportos (2), formulados pelo Sr. Deputado Oliveira e Sousa.
Na reunião do dia 25 de Maio de 1984: a diversos ministérios (2), formulados pelo Sr. Deputado Silvino Sequeira; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Jaime Ramos e outros; ao Ministério das Finanças e do Plano, formulado pelo Sr. Deputado Oliveira e Sousa; ao Ministério da Agricultura, Florestas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado Moreira da Silva; ao Ministério do Comércio e Turismo e à Secretaria de Estado dos Transportes, formulado pelo Sr. Deputado José Vitorino, e ao Ministério da Saúde, formulado pelas Sr." Deputadas Ilda Figueiredo e Zita Seabra.
Foram ainda recebidas as seguintes respostas a requerimentos: do Governo, aos requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados: Gaspar Miranda Teixeira, na sessão de 14 de Setembro; Furtado Fernandes, Álvaro Brasileiro e outros, na sessão de 19 de Setembro; Manuel Almeida Pinto, na sessão de 8 de junho, Silva Domingos, na sessão de 5 de janeiro; Amadeu Pires, José Magalhães e José Manuel Mendes, na sessão de 17 de Janeiro; Octávio Teixeira, na sessão de 25 de Janeiro; Jaime Ramos e outros, na sessão de 9 de Fevereiro; Gaspar Martins e Francisco Manuel Fernandes, na sessão de 10 de Fevereiro; João Corregedor da, Fonseca, na sessão de 21 de Fevereiro; Magalhães Mota, na sessão de 23 de Fevereiro; António Costa, na sessão de 1 de Março; Carlos Espadinha, na sessão de 2 de Março; Gomes de Pinho, na sessão de 9 de Março, e Jorge Lemos e outros, na sessão de 21 de Março.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, em 21 de Maio dirigimos ao Gabinete de V. Ex.ª um ofício que acompanhava um voto de protesto apresentado pelo meu grupo parlamentar sobre a visita oficial a Portugal do Sr. Primeiro-Ministro da República da África do Sul.
Nesse mesmo ofício chamávamos a atenção e pedíamos a V. Ex.ª e que o voto fosse urgentemente considerado. Tivemos oportunidade de colocar a questão na conferência de presidentes dos grupos parlamentares realizada durante a semana passada e pensávamos que o voto de protesto pudesse ser discutido e votado hoje, uma vez que estava prevista para ontem a realização de uma conferência de presidentes dos grupos parlamentares, precisamente para se estabelecer o modo de funcionamento quanto aos votos pendentes.
A não realização dessa conferência e a não inscrição na ordem do dia desse voto de protesto obriga-nos a interpelar a Mesa no sentido de saber se V. Ex.ª tenciona ouvir os grupos parlamentares para saber se ainda será possível para hoje o agendamento do voto. Caso tal não venha a ser possível, que diligências tenciona V. Ex.ª efectuar?
De qualquer modo, nesta interpelação à Mesa não poderíamos deixar de referir que é com profundo protesto que assistimos a que o nosso país e o seu Governo tenham convidado a primeira figura do regime do apartheid.

O Sr. Carlos Carvalhas

(PCP): - Que vergonha!

O Orador: - Porém, neste momento queremos dizer que nos regozijamos pelo facto de não termos de ser confrontados com a visita de uma tal figura a esta Assembleia da República.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, não tinha sido convocada para ontem nenhuma conferência dos presidentes dos grupos e agrupamentos parlamentares. Segundo a súmula que li, essa conferência não estava prevista, mas estava marcada uma para a próxima segunda-feira. Porém, isso não significa que não tencione fazer uma reunião dos presidentes dos grupos parlamentares antes dessa data, caso seja possível.
Quanto ao voto a que V. Ex.ª se refere, devo dizer que ele ficou incluído nos votos que esta Assembleia

Página 4839

tem de apreciar. Se, entretanto, houver uma conferência de líderes parlamentares que decida dar-lhe prioridade, ela ser-lhe-á dada.
Porém, não vejo hipóteses de ainda hoje se fazer uma conferência dos grupos parlamentares para ver esse e outros assuntos que há para decidir.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, não vamos questionar a explicação de V. Ex.ª.
Contudo, apenas quero dizer que, pelo nosso lado, tivemos a certeza de que tinha sido convocada uma conferência de presidentes dos grupos parlamentares para ontem, às 16 horas, com esse objectivo.
Também gostaria de manifestar a nossa disponibilidade para reunir neste preciso momento com os representantes dos outros grupos parlamentares para, se for caso disso, ainda hoje podermos tratar do voto, sob pena de ele perder qualquer eficácia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso só depende dos presidentes dos grupos parlamentares.
Porém, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que há 5 oradores inscritos para declarações políticas durante o período de antes da ordem do dia, o qual está previsto não ser prolongado. Daí que eu não possa assistir neste momento a nenhuma conferência de grupos parlamentares que se realize.
Portanto, só por uma solicitação unânime dos grupos parlamentares se poderá realizar a conferência. Assim, se o Sr. Deputado Jorge Lemos quiser consultar os presidentes parlamentares, faça favor.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Comemora-se no dia 1 de Junho o Dia Mundial da Criança. Em Portugal, em 1984, há 3 grandes tipos de prisões para crianças: a casa, onde as crianças, porque ais mães não têm onde as deixar, ficam presas às camas ou fechadas em quartos, com todos os riscos que isso comporta; as prisões de mulheres, onde as crianças ficam fechadas nas celas com as mães, e os internatos.
Os internatos para crianças preocupam um grupo. de trabalho que a si próprio se denominou «grupo de reflexão e intervenção sobre internatos e instituições tutelares e orfanatos».

Ora, há cerce de 1 ano que este grupo, numa certa clandestinidade, recolhe informações, que de outro modo seriam impossíveis, sobre as instituições onde crianças são internadas na zona do Porto. Lembro que no Porto está concentrado o maior número de internatos deste pais, o que torna este problema talvez ainda mais importante.
Do nosso trabalho, de que hoje será dado conhecimento à imprensa, através de uma conferência que vai decorrer dentro de momentos no Instituto de Abel Salazar, no Porto, trago-lhes, em nome do grupo, um texto que penso vos deverá fazer reflectir.
Ontem mesmo tive ocasião de visitar uma instituição do Ministério da Justiça onde crianças com menos de 16 anos são presas, espancadas e vivem em condições sub-humanas. Sobre isso terei oportunidade de me referir em outra ocasião.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: é necessário romper o silêncio dos internatos.

Fechados sobre si próprios, com um quotidiano cujo funcionamento permanece impenetrável ao mundo exterior, os internatos constituem um universo em que é urgente penetrar e que é urgente compreender. Mas considerando quão inacessíveis eles são a um estudo directo e objectivo, iremos recorrer a uma estratégia que nos facilitará essa compreensão, começando por entrar nestas instituições «pela mão» dos que delas são responsáveis, vendo o que se passa através da imagem por eles fornecida, escutando as palavras que traduzem os conceitos, lamentos e opiniões por eles emitidos. Essa estratégia consistirá em construir um texto com extractos de documentos actuais relativos a internatos. Será, pois, através das palavras ditas por eles mesmos que iremos compreender com que espírito nestas instituições são expressos os problemas que estão na origem dos casos sociais, quais as finalidades que os internatos dizem procurar atingir, alguns métodos ali utilizados e, finalmente, a avaliação que fazem dos resultados obtidos. E o mais doloroso de tudo será o desvendarmos um pouco, ainda guiados pela sua mão, como a criança é aqui encarada: nem como um ser humano, nem como um cidadão cujos direitos urge fazer respeitar - direito à saúde, à educação, à alegria, ao amor, ao desenvolvimento integral, à ocupação de um lugar que lhe pertence na sociedade -, mas sim como um objecto de piedosa e condescendente caridade, portador de taras morais e sociais hereditárias, verdadeiro «rebotalho dos sem eira nem beira», campo onde o «vício e o pecado» proliferam, e a quem «bondosamente, abnegadamente, se condescende um oferecer as «trilhas da redenção» e do bom comportamento social.

Não serão evidentemente os aspectos mais cruéis, mais dramáticos e também os mais ocultos que aparecerão referidos nesta introdução. Alguns desses serão por nós tratados noutros lugares e noutros textos. Mas é bem elucidativo o que se irá referir, sobretudo se atentarem a que são transcrições exactas (e bem referenciadas) das suas próprias palavras em textos publicados por instituições como o Centro Social Oliveira Martins: Padre Oliveira, «O Libertador - obra de promoção humana em justiça e caridade»; Lúcia de Jesus, «O Libertador - obra de promoção humana em justiça e caridade, etc.

Vejamos, pois, o que eles dizem:

Quem há pois aí que não fique enternecido perante a miséria de uma criança pobre e indefesa deixada ao abandono, uma ou outra encontrada no lixo.

Mães que se portam mal; pais desnaturados que nunca deveriam ter casado; mulheres heróicas que sofrem maus tratos; casais em crise e muitas [...] (crianças) filhas de pais separados e desavindos, mães que vão para a gandaia da Via Norte deixando os filhitos a treinar-se para a roubalheira são problemas que, entre outros, desencadearam o aparecimento de internatos numa tentativa de lhes dar solução.

Para trabalhar em casas destas é necessário amar tudo: desde as crianças às coisas. (E por isso que nem toda a gente serve para trabalhar em obras deste género). É que estas crianças são portadoras, na maioria, de estigmas, de taras e costumes corruptos, provindas de meios de promiscuidade acentuada, com impurezas graves no

Página 4840

organismo. E, pois, necessário ir plasmando os corações mais rudes e maldosos para uma vida à altura da dignidade humana.
Mas acontece que esta obra não faz milagres. Não consegue mudar o sangue que elas trazem nas veias. E as taras hereditárias quem pode curá-las de raiz? Tarde ou cedo vem a resurgência dessas taras que dormem no subconsciente do seio materno. E, então, quantos problemas!
Não é por acaso que todos esses pequenos que não têm família têm mau aproveitamento escolar e são hiper-irrequietos. Há algo de muito grave que lhes falta, além, é claro, de uma boa alimentação e higiene nos primeiros tempos de vida, para já não falar da hereditariedade [...]
Nestas obras, nestes depósitos de menores, como foram já chamados, procura dar-se instrução física, moral, religiosa, e profissional a crianças órfãs, pobres e ou abandonadas e assegurar aos menores hábitos de trabalho e aperfeiçoamento das aptidões que lhes permitam angariar meios de honesta subsistência.
Tudo isto montado para que a estas raparigas não faltem os apoios necessários à concretização dos seus sonhos. Para além da escola, desde cozinha, lavandaria, rendas, trabalhos manuais, costura, até à ajuda à mais novinhas, tudo se realiza no sentido de formar boas donas de casa, sabedoras da sua missão na sociedade que as espera. Quanto a rapazes, proporciona-se-lhes também formação moral, hábitos de trabalho, aperfeiçoamento das aptidões que lhes permitam angariar os meios de subsistência, bem como as artes e ofícios que as suas forças e recursos permitirem: desde já, porém, são ensinados, pela sua ordem e antiguidade, os de sapataria, alfaiate, encadernador, marceneiro, torneiro, tipógrafo, impressor e outros.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas a intervenção do Sr. Deputado Octávio Cunha não consegue ser ouvida nas condições necessárias.
Portanto, peço a V. Ex.ª que diga aos Srs. Deputados para fazerem menos barulho ou que solicite aos responsáveis pela instalação sonora o favor de aumentarem o som. Caso contrário, é impossível seguir com o mínimo de atenção - aqueles que realmente estejam interessados em fazê-lo - aquilo que o Sr. Deputado que está no uso da palavra tenha para dizer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já várias vezes fiz essa solicitação à Câmara e, portanto, estava à espera que esta acedesse ao pedido que dirigi.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Bem sei que para muitas pessoas talvez seja incómodo falar nestas verdades. Se assim for para alguns Srs. Deputados, eles poder-se-ão retirar. Não verei nisto nenhuma falta de interesse naquilo que estou a dizer, mas poderei tirar outras ilações.

Tudo isto se consegue pelo recurso a diferentes métodos. Em algumas instituições recomenda-se: evite-se um absoluto bater de qualquer forma que seja, pôr de joelhos, puxar as orelhas. Recomenda-se que se procure evitar como a peste toda a sorte de afeições ou amizades particulares e se tomem as devidas providências para que os alunos nunca fiquem sós. Recomenda-se ainda que haja a maior vigilância para impedir que se introduzam no ambiente companheiros, livros imorais ou pessoas que provoquem más conversas. A escolha de um bom porteiro é um tesouro para uma casa de educação. Para além disso, as crianças depois de admitidas em internato não poderão sair sob pretexto algum.
Nestas instituições também se produzem publicações, de entre as quais podem referir-se: Amor e Dor, Lágrimas de Mãe, Almas Heróicas, Sangue de Correr, A Novena do Coração Doloroso de Maria, O Reino de Felicidade, o jornal da Salvé-Rainha, etc., etc. E fazem-se festas como, por exemplo, - a festa de Natal e então é o momento para reflectir: muitas de nós talvez pensem com ou sem razão que seria muito melhor e seriam muito mais felizes se passassem esta tão linda festa em casa de suas famílias. Mas seremos nós tão vis e ingratos que não nos lembremos de passar também um Natal junto de quem tão bondoso e sacrificadamente nos arrancou da mais baixa miséria e do escárnio do mundo e nos tem dado, sem nada nos exigir, o pão, roupa, medicamentos, em suma, tudo o que precisamos, até a forma moral.
Mas no final «o saldo é positivo», dizem, «mesmo muito positivo», reafirmam. De uma só instituição saíam, por exemplo, professoras primárias, muitas raparigas com empregos, outras já casadas, algumas, dada a sua aptidão, têm ficado funcionárias do centro.

Num estudo relativo à eficácia de aplicação de medidas de internamento num estabelecimento de reeducação publicado na revista Infância e Juventude, Maria Cecília Monteiro Campos e colaboradores referem que de 1976 a 1979, numa população de 256 crianças que estiveram em institutos, 53 saíram sem preparação profissional. Quanto às 203 restantes, deve notar-se que a formação profissional adquirida, «em muitos casos não significa que houve verdadeira profissionalização, mas apenas mera iniciação profissional». E essa iniciação consiste nas artes de serralheiro, marceneiro, carpinteiro, trolha, padeiro, pintor, etc., dignas mas talvez demasiado restritivas.
Para além da fome, dos maus tratos, dos isolamentos, das humilhações e dos medos - lembro-lhes que há cerca de 15 dias os jornais trouxeram a notícia, que eu pude confirmar, de uma criança internada num centro da responsabilidade do Ministério da Justiça que tentou suicidar-se queimando o colchão da cela onde estava ilegal e inconstitucionalmente presa, pelo que foi internada no Hospital de Santo António com queimaduras graves -, que flagelam durante muitas crianças e que noutros documentos serão referidos, dos textos anteriormente transcritos uma das coisas que mais choca é a dramática limitação de expectativas com que é encarado o futuro destes meninos pobres órfãos e ou desamparados. Esta limitação enunciada como natural, até como fatal, pelos responsáveis, evidentemente irá comunicar-se aos «educandos» das referidas instituições, contribuindo para o condicionamento da sua futura situação na sociedade. Entregues a funcionários que geralmente não têm qualquer preparação

Página 4841

30 DE MAIO DE 1984

literária ou pedagógica, cujo comportamento com as crianças justificou terem sido designados pelo director de uma instituição como «esses guardadores de vaca», a estas crianças é oferecido um níve,1 de convivência tão deficiente, uma tão grande falta de estímulos, que por si só garante à partida a permanência para toda a vida na «sua condição social de origem», E, pois, denotar como a função reprodutora da estratificação social de que a escola em geral é acusada por alguns sociólogos actuais (na medida em que propicia o êxito aos já favorecidos e marginalisa, marcando com insucesso, os desfavorecidos) a-parece neste caso não só reforçadíssima como também, ao abrigo da impunidade certa, enunciada de uma fornia bem explícita. Em instittiições fechadas até Fisicamente, em que, ao contrário das escolas, não se chocam teiidências e posições divergentes, enriquecedoras, veiculadas por professores de diferentes posiçõcs, onde a solução dos problemas sociais é ainda pei-spectivada exclusivamente numa óptica de caridade, onde os direitos da criança pai-ecem não ter chegado, onde não se compreende que, para além da higiene e boa alimentação - tanibéni ausente em niuitos dos casos-, o bt-incar, o rir e o ser feliz são factores essenciais num desenvolvimento normal. O que constítui o quotídiano destas crianças é, afinal, o peso do sofrimento, do pecado, do medo, do trabalho e do tédio.
Meninos pobres orfãos e ou desamparados são, como vimos, olliados conio infelizes portadores atávicos de «taras» e «impurezas». Dentro desta lógica, o melhor que o futuro lhes poderá reservar será, naturalmente, a «salvação» por uma «liumílde mas dígna» prorissão manual. Neste contextoeducativo os meninos interiorizarão e aceitarão passivamente o horizonte possível do seti ftitlro, horizonte esse ainda diferente conforme for rapaz ou rapariga. Virão, assim, a constituir docilmente, e na melhor das hipóteses, uma reserva de mão-de-obra barata, um contributo para que se acentue a estratificação social existente. Porém, para muitos deles, nem este «bonrado e humilde» futuro existe. E, por exemplo, do conliecimento geral que muitas dos raparigas saídas dos internatos vão para a prostituição. Sabe-se, mas não oricialmente. E nem se indaga por que razão isto sucede ... Para quando um sério e desassombrado estudo longítudinal do que aconteceu e acontece com os jovens que frequentaram os internatos nestes últimos anos?
Quem se preocup-a real e honestamente, quem se sente obrigado, nem que mais não seja por um mero sentimento de solidariedade humana, a pensar nestes problema6 e a indagar objectivamente o que se passa em instituições que se consideram, a elas próprias, o «caixote do lixo da sociedadc»? Quern vê o que aconteceu e acontece aos jovens que eram, em ternpos, as criancinhas «pobres e abandonadas» e que «piedosamente» foram amontoadas em internatos que a nossa sociedade e afinal todos nós lhes oferecemos?

Aplausos da UEDS, elo PS, do PSD, do PCP do MI)PICDE, da ASDI e do deputado indepeniente António Conzafez.

O Sr. Prcsidente: - Para um pedido de esclarecimento, tern a palavi-a o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Octívio Cunlia: A sua intervenção teve o dom de trazer a esta Câmara um

problema que este ano ainda não tinha sido abordado. O ano passado fizémo-lo, mas superficialmente; fatou-se numa visita que a Comissão de Saúde fez à Mitra de Lísboa e as situações chocantes aí verificadas cabern integralmente na sua intei-venção.
Alertados os organismos ofir-iais para esse problema, parece nada ter sido resc>lvido. Na Mitra continuam ci-ianças, desde recém-nascidas até à adolescência, sem quaisquer condições. A unidade de natalogia da Miti-a é constituída por meia dúzia de berços num pavílhão que constituí uma carnarata com 2 pisos, onde vivem na maior promiscuidade centenas de pessoas. Esses berços encontram-se a um canto dessa enfermaria, onde nem entra a luz solar. O cheiro é natis(abundo. Essa constitui a unidade de recém-nascidos da Mitra,
As crianças dos 3 aos 7 ou l0 anos, que têm uma pseudo-escola - e digo «pseudo» pois não têm professores nem exístem educadoras de infância -, estão tambéin dentro dos rnuros da Mitra. São crianças que se encontram presas durante os 365 dias do ano, seni professoi-es e sern educadoras. As suas brincadeiras são lutar umas com as outras -a luta pela sobrevivêiicia.
Nessa e-scola não existe um único pátio coberto, pelo que na altura do recreio as crianças vêm para a rua, apanhando chuva e frio no Inverno, ou ficam nas instalações, que se resumem a meia dúzia de metros quadrados. As ct-ianças maiorcs, rapazes e rapaiigas, vivem dentro das casernas com os outros internados, misturados com centenas de pessoas, alimentando-se pessimamente, sem professores, sem edticadoras e sem qualquer típo de formação profissíonal. E isto que se vive hoje em Lisboa no ano de 1984.
Ao perguntar por que é que aquelas crianças lá estão, por que é que não vão para outras instituições, foi-nos respondido não haver outras. Disseram-nos quc a Casa Pia não podia receber essas crianças, pois está hoje transformada num colégio de externato, não admítíndo pois cstas críanças. Uma situação destas é inconcebível neste ano de 1984.
Perguntaria muito simplesmente ao Sr. Deputado que medidas poderiam ser tomadas -não haveria me didas extremamente simples9 -, inclus-ivamentc pela Comissão de Saúde da Assembleia da República, por deputados, através de propostas concretas ao Governo, no sentído de se tirarem estas crianças da prisão e da misória.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Deputado Octávio Cunha, o conhecimeiito que V. Ex.º tem dos internatos levou-o a fazer aqui uma explanação que todos nós, mais ou menos, conhecenios. Tive a desdita de trabalhar no exercícío da minha função de psico-pedagoga 3 anos com crianças internadas. Penso que fazer um inquérito a nível nacional às causas de internamento faria uma certa luz sobre as razões pelas quais as crianças são intet-nadas. Muitas delas não o são por pobreza, mas sim por razões de ordem moral, que remetem para vários problemas, que depois logo se detectariain quais.
De todos os casos de internatos que conlieço, citarei um, que me apraz, por ser típico: trata-se do caso de uma criança de 7 anos internada num internato da Foz do Douro que nunca tinha visto o mar ...

Página 4842

A sugestão que deixaria ao seu trabalho é esta: um estudo feito pelo Estado sobre as causas de internamento. O Gabinete de Estudos Sociais da Dr. Manuela Silva, onde trabalhei, começou a fazê-lo, mas as coisas depois perderam-se. Penso, porém, que deveriam ser retomadas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passando ao lado dos impedimentos que me foram postos, esperei, à saída de algumas destas instituições, por crianças que de lá saiam. As crianças têm uma imaginação muito grande, as crianças podem contar coisas que talvez não sejam inteiramente verdade. O Paulo disse-me que «a ele o obrigaram a mijar e a beber depois, de castigou. O Joaquim respondeu-me, quando lhe perguntei o que ali aprendia: «Aprendo a apanhar porrada.» O Manuel, quando lhe perguntei que fazia ali, se estudava, respondeu-me, «Estudo, estudo na cela de segurança, onde me dão a comida por um buraco.»
Que medidas, pergunta o Sr. Deputado Vidigal Amaro? Pois é urgente que o pessoal destas instituições seja pessoal com formação. Ele existe e está no desemprego. Nestas instituições, a maior parte das vozes, talvez a culpa não seja inteiramente do pessoal, mas sim da sua falta de formação, pois não é nem formado nem reciclado para isso. Depois, do ponto de vista de segurança social, não há apoio a estas instituições, e aquelas que dependem, por exemplo, do Ministério da Justiça, como as que visitei no Porto, estão numa situação de degradação total.
Quando numa casa daquelas me dizem como justificação que a criança vai para o quarto de segurança, com lhe chamam, porque pode fugir, o comentário só poderá ser um: depois de ver aquela casa também eu fugia. Aquilo que ali se oferece é uma miséria de instalações e de alimentação. Talvez as pessoas que lá trabalham não sejam as mais culpadas. Não as culpo directamente, e espero que isto fique bem claro.
Evidentemente que é necessário promover actividades essenciais a um desenvolvimento equilibrado nestas crianças, é preciso dar-lhes alternativas que não sejam apenas o castigo e o medo do pecado, de cometer um erro. É necessário humanizar estas instalações, criar espaços onde a criança possa desenvolver-se e sentir-se com vontade de lá ficar, e não de fugir para a rua, como é habitual ver-se,
Com certeza que também é necessário fazerem-se inquéritos. É necessário fazer inquéritos às crianças que para lá vão, saber-se porquê. Encontrei algumas que lá estavam apenas por que tinham mau aproveitamento escolar - pelo menos foi a informação que me deram - e, no entanto, andavam a trabalhar, a lavar roupa às 10 horas da manhã em vez de estarem a aprender com uma professora. É necessário também saber o que acontece a estas crianças depois de internadas: para onde vão? O que vão fazer? O que são hoje, todas elas?
Lembro-me de uma vez, numa época tumultuosa, numa região também tumultuosa, em que várias casas andavam a ser destruídas à bomba, eu e o Sr. Governador Civil do Porto, o Sr. Dr. Cal Brandão, termos ido à força, com bastantes riscos, retirar cerca de 50 crianças de uma destas instituições, onde eram

exploradas e onde viviam num sistema sub-humano, e colocá-las numa casa do Estado onde, felizmente, ainda hoje estão, sendo bem tratadas e bem acompanhadas.
É necessário que todos os deputados vão visitar estas casas. É preciso responsabilizar as pessoas e é essencialmente esse o apelo que aqui deixo: vamos todos ver estas casas e verificar que aquilo que aqui hoje trago não é mera especulação, nem tem qualquer outro objectivo senão transformar a situação. Não se pretende castigar ninguém, a não ser quem tenha motivos para o ser. O que se pretende é criar condições novas para que as crianças que estão nos internatos - e na zona do Porto isso é um problema grave possam vir a ter uma vida digna, e tenham já hoje essa vida.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rocha de Almeida.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Sr. Deputado Octávio Cunha, ouvi-o com interesse; e conhecendo também o que o Sr. Deputado aqui referiu, o trágico e o terrível que existe, entendo não se poder falar sobre o Dia Mundial da Criança nesta Assembleia deixando passar em claro o reconhecimento de trabalhos e obras meritórias, de respeito, de consciência, e também de pessoas preocupadas com as crianças. Penso que seria trágico deixarmos passar este dia apenas com as palavras do Sr. Deputado Octávio Cunha, não referindo centros paroquiais, centros de dia abertos pela generosidade e vontade de populações, em que as crianças são tratadas como devem, como merecem, com o respeito de futuros homens e mulheres de amanhã.
Falo-lhe concretamente porque penso que neste dia deveria também levantar a minha voz expressando o respeito que me merece um homem devotado a um centro, centro esse com o qual todos os dias estou em contacto, o Centro Paroquial de S. Bernardo, no concelho de Aveiro, em que 300 crianças, desde os 3 meses até à idade escolar, com aproveitamento dos tempos livres, todas elas se sentem ali respeitadas, sendo formadas para uma vida com dignidade, com respeito, e principalmente no sentido de que os homens de hoje têm consideração e se preocupam com as pessoas de amanhã.
A pergunta que lhe faria, Sr. Deputado Octávio Cunha, é esta: não entende V. Ex.ª que, além do aspecto, não direi doentio, mas pessimista, apesar de verdadeiro, que mencionou, mereceriam também aqui uma palavra de reconhecimento, de carinho e de apoio as pessoas que por este Portugal fora se chegam a substituir às obrigações do próprio Estado, conseguindo dar condições às nossas crianças, e dizer aqui, no Dia Mundial da Criança, que a Assembleia da República está com elas, incentivaras, e poderá também, por estas palavras, ter o reconhecimento exacto da generosidade e da compreensão para esses problemas?
Era esta a pergunta que lhe queria fazer.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Deputado, não trouxe aqui uma visão pessimista, mas sim realista. Disse aquilo que vi, aquilo que está escrito, nada

Página 4843

mais. De mim, aqui, não há nada, não criei absolutamente nada. Limitei-me a juntar as peças de um puzzle que tem as referências que V. Ex.ª poderá consultar.

Em relação a tudo aquilo que há de bom neste país no domínio da protecção à criança e à maternidade, mas em particular à criança, é evidente que V. Ex.ª, todos os deputados desta Casa e todos os cidadãos deste puís ter-me-ão sempre ao lado no sentido de incentivar essas obras. Entendi, no entanto, que há muito de negativo que é necessário denunciar e é necessário que nós, cidadãos com responsabilidades, tomemos consciência disso e sintamos a obrigação de, nas zonas onde estamos e nos distritos por onde fomos eleitos, irmos ver o que se passa. V. Ex.ª traz aqui o testemunho de algo que é correcto. Muito bem, é óptimo que isso aconteça. Gostaria que daqui a 1 ano todos os deputados pudessem dizer que tudo aquilo que aqui hoje disse está ultrapassado e corrigido. Isso seria o ideal.

Sem querer fazer humor disto, pois trata-se de um assunto extremamente sério, direi apenas, para quem me quiser entender, que muitas destas crianças não conhecem o pato Donald.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O Sr. Presidente da República foi recentemente convidado pelo presidente do CDS a proferir um discurso sobre o estado da Nação.

No passado fim de semana, a Comissão Política do CDS decidiu, igualmente, exigir que o Governo dê conta ao País da situação real a que o conduziu em vez de continuar a renovar velhas promessas e a inventar novas desculpas. E isto porque a crise generalizada que o País vive é já por todos comentada, glosada, serve para patrocinar todas as estratégias, todas as posições, todas as ambições, como se essa mesma crise já só tivesse a ver com interesses imediatos e não tivesse a ver com graves consequências para o futuro próximo do próprio País.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Não vou hoje aqui, nesta Câmara, trazer mais sinais, mais números, mais elementos dessa crise; por hoje pouparei aos Srs. Deputados mais esse abalo de consciência.

Mas é importante que hoje se analise, se pense qual é a natureza dessa mesma crise, porque se de algum modo todos estaremos de acordo quanto aos sinais e à evidência da crise, muitas vezes, ao empolá-la, ao desvirtuá-la, se procura esquecer a sua origem e a sua natureza. E a verdade é que esta crise é única e exclusivamente a crise da esquerda, a crise do socialismo.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Essa é boa, não é nova mas é boa!

O Orador: - 10 anos de governo de esquerda, 10 anos de socialismo, não podem ...

Risos do PCP.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Mas vocês agora já são de esquerda? É que também estiveram no Governo!

O Sr. Anacoreta Correia (CDS): - Devagar para compreender.

O Orador: - ... deixar de considerar-se como indissociavelmente ligados à própria génese da crise. Crise de esquerda, pois aquilo a que assistimos é a sucessivas discussões entre grupos dessa mesma esquerda, procurando ultrapassarem-se uns aos outras, roubando bandeiras, invertendo posições, agrupando-se ora de uma forma ora de outra, mas sempre à busca do sinal que perderam, da esperança que mataram, da competência que não provaram.
E essa crise é hoje também já uma crise do próprio regime, porque a esquerda, na irresponsabilidade com que tem governado o País, não hesita hoje em trazer para as próprias instituições do Estado o mesmo espírito de discussão interna, de negócio interno. E hoje a esquerda já negoceia as próprias instituições, e foi possível, sem que tal fosse claramente denunciado, ouvir um ministro dizer em público, propor em público, um negócio em que estão envolvidas nada mais nada menos do que a Presidência da República e a chefia do Governo. A que ponto chegou o desespero e a fuga para a frente dessa mesma esquerda!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Aonde irá o despudor, a falta de noção de Estado dessa mesma esquerda? Já não quer, já não se contenta em gerar crise, em administrar a crise, em distribuir cargos públicos; já tem uma tal ideia de identificação com o próprio Estado, de identificação com as próprias instituições, que as manipula, as instrumentaliza, as negoceia, como se fossem sua coisa própria. Este é o limite a que poderia chegar esse negócio em que a esquerda é fértil.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Mas procuram disfarçar essa mesma crise. Procuram desde logo, através da antecipação da própria questão da eleição presidencial; procuram outros, a quem não foi dado o benefício do poder ou que foram afastados do poder, inventar novos partidos, novas organizações, numa face da mesma moeda, procurando, no fundo, ao aparecerem de novo, reeditar tudo o que já é velho.
Novos partidos, eleições presidenciais e remodelação do Governo têm sido os três tópicos com que a esquerda vem procurando disfarçar a sua própria crise, gerando dentro de si as oposições a si mesma, procurando ser, simultaneamente, poder e oposição, discursando à direita e agindo à esquerda ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É mais ao contrário!

O Orador: - ... , confundindo todas as acções com a sua própria vontade de manutenção e captura do poder.
Mas, curiosamente, todos os dirigentes políticos olham para a crise, olham para a realidade, olham para o próprio sistema político como se nada tivessem a ver com ele. Proferem análises, criticam o sistema, de-

Página 4844

nunciam a crise. Mas cabe aqui perguntar: ninguém responsável pelo sistema? Ninguém fez este sistema? Ninguém administrou esta crise? Ninguém governou Portugal durante estes 10 anos?

Vozes da PS: - Vocês! ...

Vozes do PCP: - Durante vários anos o CDS! ...

O Orador: - É caso para perguntar: afinal o sistema é de geração espontânea? E é esse sistema de geração espontânea o responsável por todos os actos
de governação até agora?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É preciso ter lata!

O Orador: - A classe política, hoje, já não é uma classe dirigente, mas uma simples classe de analistas. Olham a realidade, o País e a política de uma forma descomprometida, como se houvesse alguma entidade estranha a eles superior que conduzisse todos os caminhos da vida política portuguesa.
Há, no entanto, uma coisa que é certa: o PS, o PSD e o general Ramalho Eanes foram - e são - a génese e a permanência, o suporte e a acção do actual sistema político; têm, por isso, responsabilidades acrescidas. Fugir a isso será fugir à sua própria natureza e ao destino do próprio País. E quando personalidades e grupos, como a Associação 25 de Abril e a CNARP, vão paulatinamente construindo organizações, movimentos e até partidos, o silêncio do Sr. Presidente da República afasta-o das suas responsabilidades do Estado e torna-se, obviamente e objectivamente, cúmplice de tais acções ou intenções.
Daí não resultará nada de novo para o sistema político ou para o sistema partidário. Não é mais do que a outra face da mesma moeda, não são mais do que duas realidades da mesma essência de socialismo e de esquerda, não poderão conduzir, por isso, a qualquer alteração profunda da vida política portuguesa.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E o governo da maior maioria - do PS e do PSD, dos irmãos ideológicos do socialismo e da social-democracia - por que espera para fazer uma balanço realista? Por que espera para fazer o balanço que todos já fizeram, que as centrais sindicais fizeram, que as confederações patronais fizeram, que o CDS já fez? Que espera? Em vez de renovar as mesmas promessas que não cumpre, em vez de inventar as desculpas que gera para se auto-alimentar, por que espera o Governo para falar com verdade, dizer a situação real do País e poder, por essa forma, as>surnir também a sua responsabilidade?
Daqui diríamos ao Sr. Presidente da República, ao PS e ao PSD que tenham a coragem de falar verdade ao País e de assumir, cada um, as suas responsabilidades. E urgente que isso seja feito, porque sem isso não poderá haver esperança nem recuperação e porque, Srs. Deputados, o País não pode esperar mais.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Deputado Azevedo Soares, não posso negar, do meu ponto de vista, que V. EX.ª tem alguma razão quando fala de crise da esquerda. Essa crise, assumimo-la. Mas pensamos - isso é importante - que é através da discussão interna, designadamente no seio da esquerda, que se pode contribuir para a sua superação. Daí que nos pareça algo estranho que, por um lado, se refira a crise da esquerda e, por outro lado, se critique que haja discussão interna. Então não há-de ser pela discussão interna que essa crise se pode superar?!

Mas não se pode omitir nem escamotear que, no caso português, essa crise da esquerda enxerta numa crise mais profunda. Enxerta numa crise estrutural da economia portuguesa, numa crise que, se por um lado é devida a factores exógenos da Europa Ocidental, tem por outro lado factores específicos da sociedade portuguesa, crise para cujo agravamento muito contribuíram, designadamente, os 2 últimos governos em que VV. Ex.as participaram, para já não falar do antigo regime, que é uma problemática sensível e que neste momento não valerá a pena abordar, para não perder os 3 minutos do meu pedido de esclarecimento.

O Sr. Nogueira de Brito (CUS): - Dos governos provisórios temos as mãos limpas!

O Orador: - Onde a crise e grave e não parece ter possibilidades de superação é na Inglaterra da Sr.ª Thatcher, que os meus amigos amam. Aí, sim, o desemprego aumenta, não se vêem perspectivas de relançamento, e se não fossem as Falkland-Malvinas a Sr.ª Thatcher não tinha sido salva de uma derrota eleitoral. Estamos convictos, que com uma nova direcção o Partido Trabalhista ou o Partido Social-Democrata e Liberal - que VV. Ex.as, se calhar, em Inglaterra, também acham que está à esquerda - vão efectivamente derrubar estas políticas conservadoras, que não levam a parte nenhuma. O monetarismo misturado de neo-liberalismo que VV. Ex.as têm tentado defender não tem levado a parte nenhuma no Mundo, a não ser à ditadura, ao fascismo e à miséria nos países subdesenvolvidos e à aplicação de políticas que nos países desenvolvidos da Europa Ocidental trazem também o desemprego.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Isso nem parece seu!

O Orador: - Esta parece minha, Sr. Deputado Soares da Cruz, porque se V. Ex.ª não está convencido disto visite o nordeste de Inglaterra, visite as velhas zonas têxteis de Manchester, visite a Escócia e veja qual é a percentagem de desemprego, que aí passa os trinta e tal por cento e em que o desemprego juvenil ultrapassa os 70 % nalgumas zonas. Se V. Ex.ª não conhece, visite a Grã-Bretanha e verifique o que se passa e, o resultado das aplicações da maravilhosa Madame Thatcher que, no entanto, tem um programa que VV. Ex.as não têm, a não ser que o vosso governo-sombra - caso não passe tanto tempo à sombra, como o meu camarada Octávio Cunha há dias desejava o venha aqui apresentar.

Portanto, para resumir, nós aceitamos a crise da esquerda, o que não entendemos é que V. Ex.ª se rebele por existir uma discussão no seio da esquerda.

Página 4845

Por outro lado, como é que vocês tiram o «cavalo da chuva» e não se lembram que estiveram no governo, para já não falar do antigo regime - mas adiante -, e por que é que VV. Ex.ªs tentam sempre radicar tudo na Constituição? VV. Ex.ªs, neste momento, não são um partido político, mas sim um grupo de tomba-constituições.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Azevedo Soares deseja responder já ou no fim?

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Privilegiaria o Sr. Deputado Hasse Ferreira, respondendo-lhe individualmente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Deputado Hasse Ferreira, registo que reconhece a existência de uma crise na esquerda. Já é bom que o País fique a saber que quanto a esse aspecto, pelos vistos, estamos todos de acordo, dado que V. Ex.ª se situa numa posição de ponte e que, portanto, abrangerá todas essas áreas possíveis de definição de esquerda.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Nem todas!

O Orador: - O problema, Sr. Deputado, é outro. É que se a esquerda reconhece que está em crise tem o dever moral e político de deixar o Governo para quem não tem crises.

Risos.

... resolvê-las fora dessas instâncias, em vez de procurar levar essa mesma crise para o nível das instituições, para o nível do próprio Estado, corromper este e a capacidade de exercício do poder político para poder camuflar e disfarçar a sua própria crise. Essa é que é a questão.

Aplausos do CDS.

O Sr. Deputado falou em variadíssimos países estrangeiros, disse imensas coisas sobre eles. Só lhe perguntaria, se isso é tanto assim, por que é que o Sr. Dr. Mário Soares veio do Presidente Reagan e vai agora ao liberal Japão pedir ajuda para o socialismo português.

Risos do CDS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Hasse Ferreira deseja protestar?

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sim, Sr. Presidente, é para um rápido protesto.
Sr. Deputado Azevedo Soares, agradeço a sua atenção. Se o Sr. Deputado emprega a expressão «ponte» no sentido de eu ou a UEDS sempre termos procurado contribuir para o diálogo entre as diferentes forças da esquerda democrática, isso sim. Mas não pode daí tirar a ilação de que o que eu diga ou o que diga a minha bancada seja representativo do que pensa a esquerda - essa ilação parece-me, digamos, um pouco abusiva.

No entanto, a mesma ilação não se pode tirar quanto a este governo, pois é um governo de coligação entre um partido de esquerda - enfim, de centro-esquerda no máximo - com um partido que, para não ser polémico, diria que está à direita dele.
Portanto, quando VV. Ex.as se coligaram com o PSD não o consideravam de esquerda. Agora consideram-no? Isto começa a ser um pouco confuso, a avaliar pela geometria política que vai na mente dos dirigentes do Centro Democrático Social - que se chamam centro, mas se posicionam à direita; é ma direita que marcha para o centro, como diss. o Dr. Lucas Pires. Ora, começam a tornar-se um pouco confusos os vossos conceitos de esquerda e direita.
A diferença está em que na esquerda muita gente assume que há crise, enquanto que parece que das vossas bandas - da direita ou do centro-direita, como queiram - não se assume que há uma crise. Talvez por isso, por não terem percebido ou assumido que existia uma crise económica estrutural, a vossa comparticipação nos governos anteriores tenha sido tão catastrófica. Assim, é melhor assumir que há uma crise política e que há uma crise das força políticas: - Só que quem está armado e percebe que se está a passar essa crise tem condições para a superar; quem não está não tem condições para o fazer, como é o vosso caso, pelo que o povo português, felizmente, nas últimas eleições reconheceu-o e espero que nas próximas o continue a reconhecer.
Só falei de um país - a Inglaterra - porque me parece ser o vosso modelo. O problema do Japão é completamente diverso, a estrutura social e política japonesa é completamente diversa da nossa. Noutra altura em que isso seja focado, aqui ou noutro forum, estarei disposto, efectivamente, a discutir. Se calhar, o que há no seio da sociedade japonesa são factores de consenso que VV. Ex.as, quando Governo, tenho a impressão que nunca souberam dinamizar suficientemente.

O Sr. Anacoreta Correia (CDS): - Pergunte aí aos parceiros do lado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira, para pedir esclarecimentos.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Azevedo Soares, não sou eu quem vai negar qualidade ao seu aparente improviso. É que foi tão bem improvisado que suspeito que V. Ex.ª tenha tido um trabalhão enorme a decorar o discurso antes de o proferir aqui.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Vê-se que é historiador!

O Orador: - O Sr. Deputado veio aqui, pretensamente e com ar cândido, dizer que a culpa é da esquerda, assimilando, como já disse o meu camarada Hasse Ferreira, o Partido Social-Democrata à esquerda - espero que eles refutem tão ignominiosa acusação que V. Ex.ª lhes está a fazer -, que a culpa é dos outros, tendo até começado por dizer que há gente que se aproveita da crise económica, política e social para estabelecer a sua estratégia. Ora, V. Ex.ª não fez outra coisa no seu discurso senão isso. Ou seja, V. Ex.ª

Página 4846

disse que a culpa é dos outros, que sobre a democracia que existe o CDS não tem culpa nenhuma, que há uma grande crise, mas que nós cá estaremos como os autêntico salvadores da pátria, visto que S. Ex.ª o Sr. Presidente da República e o eanismo não o são, a CNARPE também não, donde a reserva moral para salvar o País da catástrofe onde a esquerda - com a manipulação de esquerda que fez- acabou por o meter será o CDS, com os desígnios que espero que não sejam da providência divina.

Vozes do CDS: - Muito bem dito!

O Orador: - O seu discurso é também, ele próprio, uma mistificação, pois aproveita-se da crise económica, tentando empolar o futuro papel que o CDS venha a desempenhar. E faz isto tentando asseverar aos deputados que o CDS não tem responsabilidades nenhumas, que o CDS nunca esteve no Governo e que foi sempre marginalizado.
Sr. Deputado Azevedo Soares, se fizer bem as contas - e não me quero armar em defensor do Partido Socialista -, V. Ex.ª verificará que o CDS tem tanto tempo de governação como o Partido Socialista ou, se calhar, um bocadinho mais.
Portanto, estranho muito que V. Ex.ª venha agora dizer que a culpa é dos outros e não do CDS, tendo ainda o Sr. Deputado acusado a família socialista e social-democrata - e eu subscrevo a expressão do meu camarada Hasse Ferreira. Mas, então, como é que VV. Ex.as explicam a vossa insistência, em 2 ou 3 governos, na aliança com um dos pretensos parceiros dessa família? Como é que explicam a estratégia que o CDS tem vindo a desenvolver de uma nova AD, que certamente será com o seu antigo parceiro da AD?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não necessariamente I

O Orador: - Como é que, Sr. Deputado Azevedo Soares, explica isso tudo.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Lage pediu a palavra?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, creio que antes da minha inscrição e mesmo antes das dos Srs. Deputados da UEDS, o Sr. Deputado José Luís Nunes tinha pedido a palavra.
Por isso, deve ser dada a palavra ao Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem)

O Sr. Guerreiro Norte (PSD) : - É verdade!

O Sr. Presidente: - A Mesa não se apercebeu do pedido de palavra do Sr. Deputado José Luís Nunes, do que pede desculpa.
Se o Sr.- Deputado José Luís Nunes se inscreveu, tem a palavra.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vamos falar aqui dos exemplos dos países estrangeiros, pois aos portugueses interessa aquilo que se passa em Portugal.

Vozes do PCP: - Ah!...

O Orador: - No que nos toca, pessoalmente, somos responsáveis perante o povo português. O CDS é responsável perante o povo português, não é responsável perante o povo alemão, americano ou inglês.
Isto significa que não concordo com a exposição que aqui foi feita pelo Sr. Deputado Hasse Ferreira.
No entanto, o que o Sr. Deputado Azevedo Soares acaba de dizer reveste-se de uma extraordinária gravidade. O Sr. Deputado pede que o Sr. Presidente da República faça um discurso sobre o estado da Nação. Se quisesse ironizar sobre o assunto poderia falar numa fábula de La Fontaine intitulada «As rãs que pedem um rei» - «Les grenouilles qui demandent un roi». Quem faz, neste momento, um pedido ao Sr. Presidente da República - repito, neste momento, pois nós fizemo-lo numa conjuntura completamente diferente - para que faça um discurso sobre o estado da Nação, atribui ao Sr. Presidente da República, muito claramente, algumas virtudes de carácter institucional, que vou passar a relatar.
Primeiro, que se trata de um órgão independente; segundo, que se trata de um órgão equidistante em relação aos diversos partidos e às diversas correntes que dividam a Nação; terceiro, que se trata de um órgão autónomo de intervenção e decisão no poder político.
Se o CDS pensa assim, então o CDS tem um projecto institucional diferente daquele que está na Constituição da República, o que não é nenhum crime nem nenhum erro, mas ficamos a saber o que é.
Em segundo lugar, o CDS fala de «crise de esquerda» e de «crise do socialismo». Não vou entrar nessa conversa. A esquerda e o socialismo estão em crise desde que existem, o que significa que crise não é um processo destrutivo, mas um proso de transformação criadora. É um debate ideológico, que estou disposto a ter com os meus camaradas de partido, mas que acho mal que se tenha aqui na Assembleia da República.
Fala o Sr. Deputado Azevedo Soares numa coisa de uma gravidade extrema, que é o ataque à classe política. O ataque à classe política é uma expressão que, na melhor das hipóteses, tem um sabor tipicamente maurrasiano e que, na pior das hipóteses, é a expressão usada por certos submundos da política e do jornalismo para atacar aquilo a que se chama, impropriamente, a classe política, como algo que está separado da Nação.
Portanto, quando um partido político ataca outros partidos, ao falar na classe política, assume claramente a crítica, com as consequências decisivas, que o povo costuma afirmar numa única frase: «Quando alguém cospe para o ar, o cuspo acaba necessariamente por lhe cair em cima».

Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Se são classe política os que estão nesta bancada, também são classe política os nossos colegas do CDS. E à classe política só se contrapõem duas formas: o populismo da direita ou o populismo da esquerda. Entre os dois que os leve o diabo!
Vou utilizar, depois da resposta do Sr. Deputado Azevedo Soares, a figura do protesto - desde já o aviso -, porque tenho mais coisas a dizer.
Uma dessas é a questão do «despudorado negócio» em que se discute quem é o Presidente da República

Página 4847

ou a quem compete a chefia do Governo. Não vou referir-me a factos exteriores a Portugal, mas sim a um facto português, que foi criticado nesta Assembleia da República, nos mesmos termos, pelo Sr. Deputado Cunha Leal, na altura do PSD, que estava na oposição, quando nós, como proposta de Estado, em acordo com partidos políticos, pensámos que o presidente do CDS dessa época poderia talvez ocupar o seu lugar, um lugar de Presidente da Assembleia da República. Nessa altura o PSD, através do Sr. Deputado Cunha Leal, falou também de «despudorado negócio»; nessa altura o CDS e o PS estavam de acordo.
Os senhores mudaram de opinião no que diz respeito a acordos entre partidos políticos; chamam-lhe «negócios». Quero dizer-lhes que nós não mudamos de opinião; não há democracia sem acordos entre partidos políticos.
O resto que tenho a dizer direi a seguir.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - A intervenção do Sr. Deputado José Luís Nunes justifica plenamente que lhe responde de imediato.
Ao Sr. Deputado César Oliveira lamento não lhe poder conceder o mesmo privilégio, porque fez alguns raciocínios e silogismos, brincou com algumas palavras. Apenas retenho da sua intervenção a questão da culpa. O problema é este: o CDS não enjeita a sua responsabilidade, como não enjeitou, assumiu-a nas últimas eleições, definiu qual era o novo caminho que rinha de trilhar, foi julgado nessa altura pelas suas responsabilidades e já está a ser premiado pelas suas novas opções,

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado José Luís Nunes, o discurso sobre o estado da Nação foi também pedido pelo Sr. Dr. Mário Soares aquando da constituição do actual governo. Pergunto sé nessa altura o Presidente da República não era Independente, equidistante e autónomo. Quer-me parecer que, consoante. as circunstâncias e as conveniências, V. Ex.ª acha ou não que o Presidente da República deve ser Independente, equidistante e autónomo. Isto é, V. Ex.ª acaba de formular uai terrível juízo de intenção ao secretário-geral do seu partido, ao querer dizer que, quando fez esse desafio ao Presidente da República, estava a querer agarrá-lo à política que ia seguir e à estratégia do partido que liderava; estava, no fundo, a querer envolver a Presidência da República, a mais alta magistratura do País, numa política partidária e numa política do Governo.

Aplausos do CDS.

Sr. Deputado, a questão é outra. E que o Presidente da República, seja ele qual for, o que não pode é, com o seu silêncio, deixar de se pronunciar, em momentos graves da vida política portuguesa, sobre a natureza dessa mesma crise; não pode deixar de emitir juízos claros e precisos sobre o que pensa da vida política, para que não haja outros a falar intencional, autorizada ou não autorizadamente, em seu nome sobre estas matérias. O que não é possível é que, sob a capa desse silêncio, se prolonguem situações dúbias. O que é necessário é clareza e que quem tem responsabilidades institucionais as assuma.
Com certeza que o Sr. Deputado não nega essas responsabilidades ao Presidente da República, porque senão não teria defendido a sua eleição directa. Não pode negar que o Presidente da República tem a obrigação estrita de o fazer, para que a vida política portuguesa seja clara, cada um assuma as responsabilidades do cargo para que foi eleito e o Pais possa ajuizar das posições relativas de cada um.
Isto nada tem a ver com o problema do negócio político, porque quando os partidos políticos chegam a acordo ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Azevedo Soares, peço-lhe o favor de concluir a sua resposta.

O Orador: - Sr. Presidente, se me permitisse, descontaria o meu tempo em futuras respostas que provavelmente terei de dar aos outros Srs. Deputados.

Vozes do PS: - Não pode!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Azevedo Soares, V. Ex.ª vai-me desculpar, mas é uma contabilidade um bocado difícil de fazer.

O Orador: - Sr. Presidente, estou a responder a dois Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Azevedo Soares, V. Ex.ª disse que não queria responder ao Sr. Deputado César Oliveira.

O Orador: - Sr. Presidente, não foi isso que aconteceu. Tanto queria que respondi.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Foi só um bocadinho!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Azevedo Soares, depois V. Ex.ª fez o que quis, mas é verdade que declarou que não queria responder.
Mas concedo-lhe a palavra, a fim de terminar a sua resposta, Sr. Deputado Azevedo Soares,

O Orador: - Respondendo ao Sr. Deputado César Oliveira, direi ao Sr. Deputado José Luís Nunes que o que está errado aqui é que se está a negociar um cargo que é de eleição directa com um cargo que resulta da escolha dos deputados desta Assembleia e em que também o próprio Presidente da República tem intervenção. O que não é passível é que o País, o eleitorado, assista impavidamente a declarações de altos responsáveis de um partido, dizendo: «Belém para ti, S. Bento para mim», ou a inversa. O que não pode ser é que o eleitorado, quando for votar em 1985, esteja, no fundo, apenas a sufragar negócios dessa natureza. Isto é que não pode ser.
E evidente que têm de haver acordos entre partidos - e era bom que, para a semana, o Sr. Deputado tivesse bem presente a necessidade de estabelecer acordos entre partidos para aquilo que é essencial. Naquilo que é essencial para o Pais, sempre os te-

Página 4848

mos defendido e sempre neles temos participado.
Hoje estamos a propor esses acordos; esperamos ver, para a semana, qual é a resposta do Sr. Deputado.
Quanto à classe política, assumamos todas as nossas responsabilidades. Aquilo que referi foi que a classe política já não é dirigente e que se transformou em
classe política de analistas. Isto porque exactamente não assumem essas responsabilidades - e quem tem de as assumir em primeiro lugar é quem tenha responsabilidade de governar, dirigir e administrar o País. Essa responsabilidade, a não ser que a enjeite, é a do PS e a do PSD. E é exactamente nesses partidos que temos ouvido sistematicamente dirigentes políticos, que se colocam como se não tivessem nada a ver com o poder que exercem e com a responsabilidade que detêm, criticarem tudo, destruírem tudo e cruzarem as suas próprias posições, como se nada fosse a ver com eles.

Aplausos do CDS.

É este o espírito de demissão de responsabilidades que não é aceitável num regime político democrático normal. Assumam e definam posições, mas tirem então todas as consequências das posições que publicamente defendem.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís Nunes pediu a palavra para que efeito?
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, é para formular um protesto, que é a única forma que tenho de intervir neste debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, vou-lhe conceder a palavra, embora já tenhamos terminado o período de antes da ordem do dia, sobre
o qual estava decidido não haver prolongamento, para terminar este debate com o Sr. Deputado Azevedo Soares. Os outros Srs. Deputados ficam inscritos para
a próxima sessão em que houver período de antes da ordem do dia.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero manifestar desde já a VV. Ex.ªs a minha frustração, frustração que tem mais a ver
comigo do que com a Câmara, porque é regimental, em que, quando aparece um assunto verdadeiramente importante, ele não pode ser discutido.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - A culpa é da Câmara e do Regimento; não é de V. Ex.ª nem de nenhum de nós, a não ser na medida em que não somos capazes, de o modificar.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Com esta revisão do Regimento vai ficar pior!

O Orador: - Dito isto, quero sublinhar que o Sr. Deputado Azevedo Soares dá uma tonalidade diferente nas suas respostas daquela que dá na sua intervenção. De qualquer forma, a sua intervenção não é menos grave. É uma intervenção confusa, mas daquela confusão - e muito importante - pode nascer a luz. Vamos ver que luz é que vai nascer daí ...
Em primeiro lugar, falou-se em «negociar um cargo de eleição directa». Não houve, até à data, nenhuma eleição para a Presidência da República em Portugal, nos 2 casos, que não fosse negociada. Os Srs. Deputados sabem bem, porque intervieram pessoalmente, como partido, na negociação da primeira eleição do Sr. General Ramalho Eanes.
Em segundo lugar, ninguém diz «Belém para ti, São Bento para mim». Poder-se-ia buscar ou procurar alguns casos deste estilo noutros países estrangeiros.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Nem Belém nem São Bento!

O Orador: - Ouvi agora alguém do PCP dizer que «nem Belém nem São Bento». Se se ouvisse daquela banda este tipo de críticas, perceber-se-ia porquê; ouvi-las da sua bancada, para além de tudo o resto, parece-me negativo.
Diz o Sr. Deputado que a classe política já não é dirigente, mas analista. A classe política não é analista. Quem faz análises geralmente são membros que estão fora da classe política no activo. Fico-me por aqui.
Mas o que se passa é que, em relação ao problema da autoridade e do Governo, o meu partido e eu próprio temos sido daqueles que defendem o princípio da autoridade. Não compreendo de forma nenhuma a demissão. Lembro-me do que dizia o general De Gaulle quando chamava a atenção para o facto de que na oposição importa enfrentar corajosamente os poderes públicos, mas estar sempre alheio às pressões de rua e às paixões desencadeadas. Por torto o lado temos procurado estar acima e contra as pressões de rua e as paixões desencadeadas. O Sr. Deputado sabe que, em relação a este ponto, o nosso partido é sistematicamente alvo de críticas e de ataques vindos dos mais diferentes quadrantes políticos - infelizmente também! Enfim - uma última reflexão -, quando fomos eleitos ou fizemos a campanha eleitoral dissemos que vivíamos num estado de crise nacional e defendemos aquilo que nós julgávamos útil para reforçar a democracia e tornar o País um pais ocidental, economicamente desenvolvido. Chegámos hoje ao momento em que o Sr. Deputado faz um autêntico libelo acusatório, que, em muitos aspectos - e pese embora as suas boas intenções, que não se discutem -, é um libelo acusatório menos contra o PS e mais contra o regime, tal como ele está definido na Constituirão. Tenho a certeza - para parafrasear um excelente livro de um dirigente do seu partido- que nós não estamos de forma nenhuma em tempo de vésperas, mas estamos em tempo de futuro. Os profetas da desgraça, Sr. Deputado, não têm, até ao momento, conseguido grande êxito na vida política nacional. Desejo esse mesmo inêxito a V. Ex.ª, não pelas suas qualidades pessoais, que são inquestionáveis, mas pelo bem do nosso pais e da democracia.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

Página 4849

O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito,
Sr. Deputado Carlos Brito?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - É para interpelar a
Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, tinha-me
inscrito para formular um pedido de esclarecimento
ao Sr. Deputado Azevedo Soares. Considero que seria importante formulá-lo, mas já ouvi, da parte do Pausa.
Sr. Presidente, o anúncio de que vai encerrar o período de antes da ordem do dia para pedidos de esclarecimento.
Quero deixar claro perante a Câmara que fiz menção de fazer pedidos de esclarecimentos ao Sr. Deputado Azevedo Soares, mas vão provavelmente perder
a oportunidade, visto que só para a semana é que haverá um novo período de antes da ordem do dia e, nessa altura, já não terão grande razão de ser. Acho
que é importante fazer esse pedido de esclarecimento

O Sr. Presidente: - Desculpe-me interrompê-lo,
Sr. Deputado Carlos Brito, mas a ordem dos trabalhos
foi decidida numa reunião dos líderes parlamentares.
Daí que lhe peça o favor de não formular o seu
pedido de esclarecimento.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, não ia
fazer o pedido de esclarecimento e até ia dizer o
contrário. Isto é, provavelmente até vou ter oportunidade de o fazer, porque o CDS já anunciou uma
moção de censura e um debate em torno de uma
moção para a revisão da Constituição, pelo que ha
verão essas oportunidades. Só quero perguntar ao
Sr. Presidente, em face da discussão que aqui se
esboçou, da circunstância de a UEDS ter feito 2 pedidos de esclarecimento e de o PS ter podido exprimir
o seu ponto de vista, através dos pedidos de esclarecimento formulados pelo presidente dó seu grupo par
lamentar, se não considera a possibilidade de amanhã - por exemplo, e para não alterarmos a ordem
do dia de hoje- haver um período que pudesse
contemplar os pedidos de esclarecimentos pendentes,
que, em face de um declaração política como a que
acabamos de ouvir, seria realmente importante poderem ser formulados.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, da
parte da Mesa não há inconveniente nenhum, mas
peço ao Sr. Deputado o favor de se entender com
os outros presidentes dos grupos parlamentares. Se
estiverem todos de acordo, far-se-á esse período
de antes da ordem do dia para amanhã. A Mesa não
pode decidir sobre essa resolução.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente,
suponho que as considerações que já aqui foram
desenvolvidas pelos Srs. Deputados José Luís Nunes a palavra.
e Carlos Brito são de molde a justificar que V. Ex.ª
interrogue aqui mesmo, no Plenário, os presidentes
dos grupos parlamentares e que se decida prolongar
o pedido de antes da ordem do dia, porque nenhuma
das outras soluções é uma solução razoável. Mesmo
fazer amanhã o período de antes da ordem do dia,
que não estava previsto, ou então prolongá-lo para a semana não tem sentido. E entendemos que esta discussão, que é uma discussão sobre um tema importante, como se demonstra pelo teor das intervenções, deveria continuar e acabar hoje.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há algum grupo parlamentar ou agrupamento parlamentar que se oponha ao prolongamento da ordem do dia, conforme foi sugerido pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra porque, uma vez que fui eu que suscitei esta questão, me parece que devemos ponderar uma circunstância, que é esta: temos hoje agendada pela terceira vez creio, no período da ordem do dia, uma Fixação pedida pelo MDP/CDE, que tem sido prejudicada por perturbações da ordem do dia em anteriores reuniões da Assembleia da República.
Ora, pela minha parte e pela parte do meu grupo parlamentar, não queremos de maneira nenhuma prejudicar o agendamento feito pelo MDP/CDE e dal a minha sugestão de que a consideração de um período excepcional de antes da ordem do dia fosse previsto para amanhã e não para hoje.

O Sr. Presidente: - Não havendo unanimidade quanto ao prolongamento da ordem do dia, não se fará, então, esse prolongamento.
Quanto à ordem do dia para amanhã, peço aos Srs. Presidentes dos grupos e agrupamentos parlamentares o favor de se informarem entre eles e darem à Mesa a solução encontrada no sentido de fazer ou não, amanhã, um período de antes da ordem do dia.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, queria ainda referir-me a este assunto de hoje.
De facto, é a terceira vez que o MDP/CDE tem este projecto de lei agendado, mas se o prolongamento não fosse além de 10 minutos não veríamos inconveniente nisso.-

0 Sr. Presidente: - Mas prolonga-se com certeza, Sr. Deputado, até parque ainda há declarações políticas a fazer.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, é do conhecimento da Câmara e em particular de todos os que têm estado presentes nas reuniões de líderes que

Página 4850

entrámos, desde há algumas semanas, em agendamentos da ordem do dia bastante apertados, face à aproximação do final da sessão legislativa.
Esta semana não fugiu à regra. Há até uma «noitada» na quinta-feira e, portanto, o PSD entende que, como aliás já vem sendo seguido desde há tempos, há apenas um dia por semana com período de antes da ordem do dia.
Pela nossa parte, haverá disponibilidade para algum prolongamento hoje, mas não haverá disponibilidade para um período de antes da ordem do dia amanhã.
Pensamos que, apesar de tudo, com o tempo de que ainda dispomos, mesmo com algum prolongamento do período de antes da ordem do dia de hoje, poderia resolver-se o problema se a sessão terminasse meia hora ou três quartos de hora depois das S.
Se não se resolver hoje, amanhã a ordem do dia desenvolver-se-á, pela parte do PSD, como está previsto.

O Sr. Presidente: - Vamos cumprir a ordem do dia tal e qual como está estabelecida para hoje. Para amanhã, se houver alguma alteração, agradecia que a comunicassem à Mesa.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, pelo a palavra para, finalmente, contraprotestar.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Deputado José Luís Nunes, vou fazer 2 curtos comentários a esta sua intervenção.
O primeiro é este: na primeira eleição do general Ramalho Eanes houve um acordo entre 3 partidos para apoiarem essa eleição. Não há aqui negócio nenhum. Haveria negócio se os partidos, simultaneamente, fizessem alguma partilha de outros órgãos de soberania e de outros poderes. Nada disso se verificou.
Aquilo que agora nos foi dado ouvir, Sr. Deputado, foi o seguinte: «Elejam o meu secretário-geral que eu dou-vos o órgão de soberania governo». Isto é um negócio que não é possível ao nível das próprias instituições.
Mas o mais grave, Sr. Deputado, foi ter-me imputado não a intenção, mas o resultado de ter feito um libelo contra o regime. Nada disso, Sr. Deputado. Isso é uma tentativa sua de fugir ao libelo que fiz à esquerda, ao PS e ao PSD, neste momento, porque defender o regime é pôr o dedo na ferida nestas questões.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado Azevedo Soares, mais uma vez aqui fica a minha frustração de não poder continuar a discutir estes assuntos tão importantes para o País com V. Ex.ª.
V. Ex.ª fez objectivamente um libelo contra o regime e depois fez aquilo que se faz habitualmente, ou seja, uma ideologia de justificação. Deu pancada na esquerda e no Presidente da República. Mas isso não é o essencial no seu discurso.

O essencial no seu discurso é isto: ele é, objectivamente, nalguma confusão - e espero que dessa confusão nasça a luz -, um libelo contra este regime. Vamos ver o que vem a seguir.

O Orador: - Sr. Deputado José Luís Nunes, julgo ter sido eu, talvez, a primeira pessoa que defendeu aqui, nesta Assembleia, a necessidade de se proceder rapidamente a uma alteração no funcionamento do sistema político, económico e social do País para que se pudesse salvar o regime. Disse isto, se não erro, em Setembro do ano passado. A partir daí tem-se confundido muita coisa, têm-se feito muitos libelos acusatórios contra o sistema que são, de facto, contra o regime. Da minha boca e nas minhas intenções nunca encontrará isso. Antes pelo contrário, é melhor prevenir do que remediar e, se V. Ex.ª está assim tão interessado em defender o regime, tenha mais cuidado com o sistema que defende,
A verdade, Sr. Deputado José Luís Nunes, é que o que o PS e a maioria que neste momento está no Governo, com a sua política, com a sua forma de encarar o Estado e a organização da própria Nação, estão a fazer é a criar condições para pôr em causa esse mesmo regime, porque aquilo que se está a passar, Sr. Deputado José Luís Nunes, é simplesmente isto: o Dr. Mário Soares, o Dr. Mota Pinto, o PS e o PSD são objectivamente, neste momento, os melhores e os mais eficazes executores de uma estratégia de crescimento do Partido Comunista.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Temos de agradecer ao PS e ao PSD!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira, para uma declaração política.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP). - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Indignação e revolta, a que logo se sucedeu a exigência de anulação, eis a resposta imediata que por todo o País se fez ouvir ao mais recente aumento de preços decretado pelo Governo. E outra coisa não seria de esperar, já que os novos e gravosos aumento de preços de bens e serviços essenciais constituem mais um ataque às condições de vida do povo português, já em situação de profunda degradação ao fim de 1 longo ano de desgovernação PS/PSD. E o Governo tem consciência clara desse ataque impiedoso. Por isso decretou os aumentos de preços pela calada de um fim-de-semana, temendo e procurando fugir à reacção imediata dos Portugueses.
Contidos durante quase 2 meses em resultado do descontentamento e da luta populares, os aumentos de preços agora decretados, incidindo directa e imediatamente sobre os mais essenciais dos bens essenciais, como o pão e o leite, não só confirmaram o completo desprezo do Governo PS/PSD pela angustiante situação que a maioria das famílias portuguesas já diariamente enfrenta, como comprovaram, mais uma vez, que da continuidade do actual governo só podem esperar-se mais dificuldades, mais descalabro económico para o País, mais miséria para os Portugueses.
O profundo ódio de classe que o Governo nutre pelos trabalhadores não estava ainda saciado com a existência de 500 000 desempregados, com o desfal-

Página 4851

que de 28% do 13.º mês; com o drama dos salários em atraso que flagela muitas dezenas de milhar de famílias portuguesas; com a diminuição dos salários reais de 7% e 12% nos 3.º e 4.º trimestres de 1983, e com uma quebra não menos brutal nos primeiros 5 meses do ano corrente. Não bastava ao governo de Mário Soares e Mota Pinto que a carne e o peixe fossem já inacessíveis à bolsa da grande maioria do povo português, e que a batata e os legumes tivessem atingido preços de bens de luxo. Este governo é insaciável na degradação do nível de vida dos mais carenciados, Daí mais uma brutal ofensiva, integrada na guerra que desde a sua tomada de posse o Governo desencadeou contra as camadas laboriosas. Daí a nova escalada de aumentos de preços incidindo sobre bens e serviços essenciais como o pão, o leite, o açúcar, a água e os transportes, e sobre produtos básicos, como os cereais e as oleaginosas, que a curto prazo conduzirão a uma nova e generalizada onda de aumentos de preços, degradando a limites até agora desconhecidos o nível de vida da população, provocando uma ainda maior retracção do mercado interno, com a consequente recessão das actividades produtivas e o agravamento dos problemas de fundo da economia nacional.
O incomportável ritmo inflacionista registado nos primeiros 4 meses do ano, de 30,9%, projecta-se já, com a maior segurança, como taxa média anual do aumento de preços no consumidor para 1984, pulverizando o anterior recorde de 27,3% em 1977, da responsabilidade de um governo também ele liderado pelo actual Primeiro-Ministro.
E que razões apresenta o Governo para um tão elevado nível de inflação? A por demais apregoada seca foi chão que já deu uvas. O tão decantado excesso da procura interna não pode agora servir de desculpa, pois afundamo-nos numa forte e indesmentível recessão e o consumo foi drasticamente reduzido. O falso e sempre usado argumento do excessivo aumento dos encargos salariais só por manifesto humor negro pode agora ser invocado, face à dramática redução dos salários reais, ao galopante aumento do desemprego e ao flagelo dos salários em atraso. Resta ao Governo, na sua campanha de desinformação sobre as causas da inflação que impõe aos Portugueses o argumento, já utilizado pelo Primeiro-Ministro, da revalorização do dólar. Para além de continuarmos à espera que o Dr. Mário Soares explique cabalmente a influência que o dólar teve no aumento de 72% do preço de água em Lisboa, cabe-nos perguntar: mas trata-se da revalorização do dólar ou da desvalorização do escudo?

Aplausos do PCP.

Se confrontarmos a sua cotação face ao dólar no mercado de Londres, entre o início do ano e a passada semana, verificamos que a libra se desvalorizou 2,4%, o marco alemão e o franco francês se valorizaram 1,3% e 0,8%, respectivamente, ao passo que o escudo se desvalorizou 6,2%! Isto é, neste período de 5 meses é errado e mistificador falar-se numa revalorização do dólar. O que se verificou foi uma acentuada desvalorização do escudo, decorrente de uma política cambial, financeira e económica da exclusiva responsabilidade do Governo PS/PSD.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - As causas profundas e reais do forte agravamento da inflação radicam em realidades bem diferentes das propagandeadas pelo Governo. A redução da actividade produtiva, a especulação desenfreada, o aumento das lucros do grande capital, a fuga de capitais, ao fim e ao cabo, toda uma política de restauração do capital monopolista e de submissão a interesses estrangeiros, essa, sim, a causa do agravamento da inflação que, atingindo brutalmente as trabalhadores, os reformados e os pensionistas, se abate igualmente sobre os pequenos e médios agricultores, comerciantes e industriais, os quais, por imposição de uma política de desastre, cada vez produzem e vendem menos, com o consequente cortejo de falências que, no ano transacto, registou um aumento de 28%.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Primeiro-Ministro Mário Soares recusa-se a admitir que em Portugal haja fome. Para o Primeiro-Ministro a miséria que grassa nos lares dos desempregados e dos sem salários, a miséria vivida pelas centenas de milhar de reformados e pensionistas que recebem pensões inferiores a metade do salário mínimo nacional, não é ainda miséria suficiente para gerar a fome.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Escândalo!

O Orador: - Bem podem a CGTP-IN e o MDM oferecer-se para conduzirem o Primeiro-Ministro a ver, in loco, famílias que passam fome; bem podem a CARITAS, a Cruz Vermelha e alguns prelados alertar para a dramática - situação que se vive em certas zonas do País; bem podem as duas mães de Alhos Vedros, e outras tantas mães por esse país fora, no próprio Dia da Mãe, ser obrigadas a oferecer a outros os filhos que acabam de dar i3 luz, por não terem comida para lhes dar. Para o Primeiro-Ministro Mário Soares só se poderá falar de fome quando se atingirem níveis idênticos aos do nordeste brasileiro e de certas regiões de África e da Ásia. Para Mário Soares só existirá fome em Portugal quando pelos campos e cidades de Portugal aparecerem crianças de barrigas inchadas.

Vozes do PCP: - E um escândalo!

O Orador: - Há dias um membro da Comissão Nacional da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) afirmava publicamente: «Não penso que exista má nutrição no sentido global e progressivo, podendo levar à morte, embora também não possa garantir que não haja. Verifica-se, contudo, que crianças vão para as escolas primárias com uma pequena ferida no canto da boca, o que é provocado por falta de vitamina B2 que se encontra, por exemplo, no leite.»
Mas o Primeiro-Ministro não acredita. São apenas vozes desestabilizadoras.
A ferida ao canto da boca das crianças não é cieiro, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados. Essa ferida resulta de má nutrição, resulta de fome. O que não é de espantar quando o preço do leite aumenta, em 11 meses, como sucedeu com este Governo, 120%!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Escândalo!

Página 4852

SEROE -1VUMERO 115

O Orador: - lnfelizinente a realidade vivida no llaís é bem diferente da que o Primeiro-Ministro e o Governo pretendem fazer crer. A fome já mora em milliares de lares pcrtugueses e tende a alastrar! C uma situação moral, socíal e políticaniente inaceitável!
Os trabalhadc>res, os Portugueses, têm todo o direito de se oporem e exigirem o fim de tal situação. É necessário, é urgente que se tomem medidas imediatas, de emergêncía, que se dê resposta ao amplo movimeno pop.uiar de protesto e oposição que exige a revogação das recentes medidas do Governo que determínarani o auniento de preços de bens e serviços esseiiciais, nomeadamente do leite, do pão, da água e dos transportes. Ninguém se poderá adrnirar que, enquanto essa exigência não for satisfeita, se multipliquem as formas de protesto, as manifestações e grandes concentrações populares.

Aplausos do PCP.

Não será com i-etoques de fachada, com remodelaçõcs governamentais, que se dai-á i-esposta adequada ao scntir popular. O que o nosso povo exige, no imediato, é a toniada de medidas concretas e eficazes, designadamente a revogação dos aumentos de preços agora decretados e um aumento geral dos salátios para fazer face ao incomportável nível a que a inflação chegou nos últimos ll meses. Mas exige também, como medida de fundo, uma profunda mudança de política, o afastamento do Governo PS/PSD e a formação de um governo de.moerático capaz de eliminar as causas da fome, capaz de resolvei- os problemas do povo e do País.

Aplausos do PCP.

O Sr. erónimo dc Sotisa (PCP): - A televisão está muda!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - C só para o CDS!

O Sr. Nogticira de Brito (CDS): - Essa foi muito mal metida!

O Sr. Presidente: - Ficaram ainda ínscritos, para para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Azevedo Soares, os Srs. Deputados Carlos Lage, Lopes Cardoso, Reis Borges e Carlos Bi-ito.
Para pedidos de esc)arecimento ao Sr. Deputado Octávío Teixeira ficani inscritos os Srs. Deputados José Vitorino, Helena Cidade Moura e José Luís Nunes.
Teni agora a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião, igualmente para uma declaração política.

0 Sr. Lemos ®amião (PSD): -Sr. Presidcnte, Srs. Deputados: O Ano Internacíonal da Criança que acabou no dia 31 de Dezembro de 1979 abanou muitas estruturas sociais e polítícas.
Não se realizando em vão, não pertencendo ao passado, temos que assumir, quer a nível individual, quer a nível colectívo, a responsabilidade de prosseguir tima responsabilidade acrescida, à niedida quc vamos ganliando consciêiicia dos múltiplos problemas que afligem a criatiça.
Esta mobilização, qtjer a nível ext-erno quer intcrno, foi um grande passo em frente numa tomada de

consciência para a partir dela. gradual rnas intensivamente, ti-abalfiai- a favor do bem-estar social da criança.

Como resultado, as organizações mundiais debruçaram-se pi-ofundamente sobre os problemas urgentc-. e de niaior gravidade.
A sua actuação fc>i tão activa que preparou e sensibilizoti as populações para as enormes carências que afectam a criança, proclamando a Assembleia Geral das Naçõcs Uiiidas, em 1981, o Ano Internacional da Criança Deficiente.
Desde então, todos os anos se dedica à criança um dia poniposaniente denorninado «Día ínternacional da Criança», que entre nós se celebra no próximo dia 1 de Junho. Porém, condicíonado pelo calendário estabelecido para os trabalhos parlamentares, tal dia não permite que a lomenageemos.
Decidiinos, por isso, aiitecipar a nossa intervenção, ou melhor, as nossas interrogações, as nossas preocupações.
Sr. ]"i-esidente, Srs. Deputados: Volvidos anos, succderido-se as comemoraçces dos días internacionais, e recordar a declaração assinada em 20 de Novembro de 1959, verifica-se que, passado quase um quarto de século ` Portugal ainda não assegura o exei-cício das dircíto.s básicos de cada criança.
Realmente, cc>ntinuamos a ser um dos países que inaíor íiidice de mortalidade infantil apresenta (38%), em coniparação com a França (12 %), Itália (22 %), Holanda (10%) e Suécia (8%), valores aproximados. Isto é sintomático e, pGr isso, pergunta-se:

Num país onde os adultos continuam a violcntar as crianças, reproduzindo nelas a sua própría experiência educativa, onde é vulgar muitos pais exigirem aos filhos a concretização de projectos quc eles mesnios não realizaram e onde se punem os fillios para aliviar os seus próprios sentinientos de frustração, que se pode espcrar?
Num país onde muitos casais vivem sob tremcndas tensões psíquicas, cada vez mais acentuadas, provocpdas pela iiistabilidade sócio-cconómica com que se defrontam quer a nível de eniprego quer a nível acentuado de desíguald,ides sociais, que se pode esperar que não seja a traiisferência para os filhos da sua angústia e das stias frustrações, sob fonna de hostilidade?
Num país onde a assistência à família não tem lido significado e onde as instituições que se ocupam da e-ducação e instrução da criança funcionam deficientemente será de estranhar que a sua integridade física e psicológíca não seja defendida? Não residirá numa das causas da vic>lêncía e da agressivídade da críança dos nossos dias o facto de os adultos levarem para junto dela os scus problenias, as suas angústias e a sua ínsegurança, descarregando sobi-e ela as suas fi-tisti-ações?
Num país onde a criança é gerada sob o signo da irresponsabilidadc, debaixo do slogan da críse, onde a iiiiprovisação campeia, a planificação é inexistente, o automatisnio se tornou fastidioso, artificial e o que ímpressiona é o verbalismo, que se pode csperar de palpável, de real, de objectivo para a criança?

Página 4853

30 DE MAIO DE 1984

4853

Sr. llresidente, Srs. Deputados: Dissc um dia o director da UNICEFE, lames Grant: «Se uma catástrofe atómica se produzisse ria Ai-nérica Latina, todos pi-otestai-iani contra o massaci,e. Mas as crianças morrem silenciosarnente.»
E niorrem poi-quê?
Morrem fruto da ii-responsabilidad-e de adtiltos que no prazer eféi-,iei-o colocam o seu egoísmo, implicando miséria, igiic;-âiicia e analfabetismo e agravando o efeito da falta de infra-estruturas, de carência de condições sócio -econóniicas e até da i rresponsabil idade dos governaiites.
No nosso pjís a laxa de mortalidade infantil é e continuará a sei- assustadora enquanto mantivermos a sitiiação dramática de famílias em condições de alojamento chocintcs, enquanto não existirem redes de esgotos, nieios de comunicação, áglia potável, cc)ndiçõcs Iiigiénicas, etc., etc.
Enquanto as pessoas do interior continuarem a procurar nas grandes cidades a falsa felicidade que os bairros de lata e «illias» proporcionam na periferia
no coi-,ição das mesm,-ts.

O Sr. wcrrciro Norte (PSD): -Muito bem!

O Orador: - Enquanto se não desenvolver um verdadeiro poder autóctone e não se estancar o movimento inigratório do in'tcrior para os grandes centros pei-iféricos, oncle não existem condições para acollier tal excesso de l)opulação.
Neste contexto, n«o é nem sei-á pc>ssível uma mulher gerar em condições dc segtirança um filho, ou um recém-nascido -obi-eviver, no meio de lixeiras, vitima de subalimeniação, exposto a uma falta de higiene elementar e sujeito ao contacto permanente de doenças infecto-contagiosas.
Assim, não admii-ará que o índice de mortalidade infantil em Portugal se equipare quase à do Terceiro Mtindo.
Verifica-se que a pei-centagem de óbitos em crianças de idade infet-ior a 5 anos, em relação ao conjunto de todos os óbitos, tem cntre nós uma taxa praticamente dupla de qualqtier das registadas nas 4 zonas consideradas para a Europa.
Se considerarmos que estamos com um pé na Europa, também neste campc> as nossas preocupações Éerão de ser ii-nensas, pois devem ser asseguradas a todas as crianças condições para ser saudável.
Infelizmente entre nós isto ainda é um privilégio só acessível a uma minoiia das crianças pc>rtuguesas.
Em abono da verdade, diga-se que os últimos governos têm d"envolvido alguns esforços no sentido de espalhai- pelo País, não só na periferia das grandes cídades, mas em todo o interior, centros de saúde, dispensários, caixas de previdência, hospitaís, escolas, etc., para além de difundireni técnicas sobre o planeamento familiar e educação sexual.
Porém, o problema é bem mais fundo.
As assiiiictrias acentuam-se, as classes desfavorecidas são cada vez niais carenciadas e a vítima é semprc a m"ma-a criança.
Enquanto não se criarem hábitos civilizacionais idênticos aos meios evoluídos em todas as regiões do País, enquanto se mantiverem os índices actuais de aiialfabetismo, enquanto vigorar a ignorância das pessoas em relação aos perigos que correm os seus descendentes, não tenhamos ilusões, a situação manter-se-á.

C iniperioso dar às famílias condições habitacionais e de higiene compatíveis com a sua natureza humana.
Só iim trabalho colectivo das autoridades competzntes que vise preparar a ftitura mãe para ser acompanhada durante a gestação lhe permitirá dar à luz fillios saudáveis, com possibilidades de desenvolvimcr.to liarmónico, tanto a nível sonlítico, cornc) psíqu:co .e iiltelectual.
N Jãu iios podemos iiem devemos csqtiecer que na cri)ilca tudo se reflectc, niesmo aiites de ela ter nascido.
L tudo isto que muitos adultos sabem e que nao i)i-uticani, iião difundem, não descilvolvem.

f tudo isto que me leva a reflectir se os adultos merecem as crianças e se alguns países scrão dignos de dizer que têm crianças e de festejar um dia que, sendo mundial, é de todos, mas não é para todos.
Que felz foi Fernaiido Pessoa quando disse que o maíor bem do Mundo é a criança.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao aproximar-se o Dia Mundial da Criança seria bom que todos nós os z:dultos ?-ecuássemos no tempo, voltássemos ati-,ís, à i,ossa condição de criatiça, e, se iosse possível, nos .n'errogássei-nos:

l'arn qtie serve o Dia lntertiacional da Criança e por que existe?

Se o fizermos, facilmente estamos de acordo com as crianças de hoje, dizendo que não serve para nada, e se existe é por mera liipocrisia.
Oi-a, isto é mau, muito mau.
Vmos então mudar de coniportaniento e, no futuro, fazer algo de palpável, de concreto.
Para analisarmos o problema, não será conveniente sabcr-se, primeiro que tudo, que levantamento se fez, nos anos internacionais da criança e dos deficientes?
Quando pensam os responsáveis pela educação deste país divulgar tais conclusões?
Não seria uma boa prenda para as crianças se no p.-óximo dia 1 de junho publicassem tais conclusões e se co-responsabilizissem os adultos nas soluções dos seus pi-oblernas9

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Que bom seria esquecer o que não se fez e se seguisse o que dis>se, certo dia, João Abranches: «Entre mim e o acabar, está alguém que me diz: Vamos recomeçar.»
Vamos então recomeçar, analisando as insuficiêiicias das crianças, descendo ao seu mundo, procurando saber qtie relação cxiste entre estruturas mentais «perturbadas» de uma criança e as estruturas sociais quc podem ser para elas «perturbantes»?
Vamos sittiar-nos no ponto de encoiiti-o das duas, para, deste modo, as compreendei-mos e as ajudarmos.
Vamos, Srs. Deputados, analisar bem o que podemos fazer pelas crianças e com elas.
Mas deixem-me perguntar:

Que comportamento podcremos esperar das crianças se só iios lembrarmos delas um dia por ano?
Que comportamento e rendimento cscolar podercmos esperar de uma criança que vê os seus progenitores permanentemente embriagados?

Página 4854

Que comportamento e rendimento escolar poderemos esperar de uma criança que vê constantemente o pai a espancar a mãe e esta, por vezes, doente, vítima de maus tratos e má nutrição?
Que comportamento e rendimento escolar poderemos exigir a uma criança onde o chefe de família está desempregado há longos meses, escasseia o pão e a higiene e abunda a miséria moral e económica?
Que comportamento e rendimento escolar poderemos exigir a uma criança que coabita com a degradação moral dos pais, a prostituição das irmãs e a droga entre os irmãos mais velhos?
Que comportamento e rendimento escolar poderemos exigir a uma criança, filha única, superprotegida que, de repente, é atirada para um mundo onde ela deixou de ser o centro das atenções de todos?
Que comportamento e rendimento escolar poderemos esperar de uma criança em cuja família a desordem é a técnica predominante?
Que comportamento e rendimento escolar poderemos esperar de uma criança que vive na promiscuidade em «ilhas», barracas, bairros de lata, tugúrios, etc., etc.?

Esperar resposta é perder tempo, tão evidente ela é, e nós propusemo-nos recomeçar.

Porém, deixem-me fazer mais interrogações a todos os responsáveis actuais do País.
Que futuro está a ser preparado para as crianças de hoje quando a imaginação dos adultos não encontra outra forma de resolução dos seus próprios. problemas que não seja a realização de empréstimos a longo prazo que àquelas cumpre depois pagar?
Assente nestas realidades bem amargas, que autenticidade pode haver em bem-sonantes palavras como: apoio materno-infantil, assistência na gravidez, protecção à criança, direito ao trabalho?
Com o desenvolvimento de uma política de verdadeiro hipotecamento nacional, como se pode garantir às crianças de hoje o exercício de direitos, como o direito à família, em cujo seio o seu desenvolvimento se deve processar em clima de equilíbrio e harmonia; o direito a habitação condigna, onde encontre condições favoráveis para garantir o seu bem-estar mínimo; o direito à assistência na doença de forma que esta não constitua um pesadelo para ela; o direito a uma vida feliz e despreocupada, que o receio da fome não perturbe e unia alimentação racional e cuidada garanta; o direito à educação em estabelecimentos adequados, onde as suas potencialidades se revelem ao ritmo do seu próprio desenvolvimento; o direito à integração social sem discriminações de natureza rácica, económica, de sexo ou de origem; o direito a não serem exploradas pelos adultos na realização de tarefas que prejudiquem o seu desenvolvimento normal; o direito a jardins-de-infância que as acolha a partir dos 3 anos de idade; o direito à segurança, seriamente ameaçada pela ausência de saídas pós-escolares e de vias de ingresso no trabalho; o direito à prática desportiva e ocupação de tempos livres; o direito a exigir que as mães não se demitam das suas responsabilidades.

Em suma, o direito a crescer e a viver com dignidade de cidadania plena.
É preciso evitar o desenvolvimento das madrastas e dos pedintes! ...
Mas é preciso que não nos esqueçamos que as crianças são o suporte de uma cultura que se comunica, e cuja continuidade resulta de uma aposta a perder ou a ganhar, consoante os dados que forem lançados desde já.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque o amanhã começa hoje.

Aplausos do PSD do PS e de alguns deputados do CDS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Carlos Lage.

O Sr. Presidente: - Ficam inscritos, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado que acabou de intervir, os Srs. Deputados António Gonzalez, Luísa Cachado e Helena Cidade Moura.
Finalmente, também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues de Azevedo.

O Sr. Domingues de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É sempre uma tentação perfeitamente compreensível a subida a esta tribuna para dela, perante o País, reivindicarmos a clareza das nossas opções políticas, ou, por outro lado, veicular, através dela, perante VV. Ex.as, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as carências com que todos os dias se debatem as região que para esta Câmara nos elegeram.
Na riqueza da nossa imaginação, aliada à perspicácia dos nossos raciocínios, enriquecida pela argúcia da nossa observação, construímos num grande número de vezes, através das palavras, o que bem gostaríamos que fosse uma realidade para o nosso povo.
Nesse enlevamento parece que tudo fica a depender do que formos capazes de, através das palavras, comunicar e convencer, esquecendo muitas vezes a realidade concreta das coisas e da vida, a realidade concreta do nosso país e do nosso povo.
Se o exercício do poder tomasse em linha de conta os discursos nesta Câmara produzidos, poderíamos facilmente concluir que ele seria aleatório e porquanto desconexo do país real a que se destina.
Não se poderá de ânimo leve afirmar que o poder tem sido insensível a esta retórica, mas devemos afirmar com mais força que o poder terá de se reger pelos aspectos práticos do País e não pelos seus aspectos aleatórios.
Este breve preâmbulo é o suficiente para me definir como homem do Minho, um Minho que conhece mais o trabalho, a luta pela vida, do que os paliativos fáceis, embelezados pela erudição das palavras, mas que se assemelham ao fogo-de-artíficio que, uma vez consumido, agrada à vista, mas nada deixa atrás de si.
No extremo sul deste milenário e sempre jovem Minho situa-se o concelho de Vila Nova de Famalicão, que com uma população a rondar os 115 000 habitantes vai construindo com o seu esforço e suor aquele que alguns já designam como um dos mais produtivos concelhos do País.

Página 4855

Sentimo-nos orgulhosos do nosso trabalho, sentimo-nos orgulhosos por pertencermos a um dos mais laboriosos concelhos desta pátria, que amamos, mas sentirmo-nos sós na luta que empreendemos neste Portugal de Abril.
Sentimos que em muitos casos os governantes se encontram de costas voltadas para nós. Sentimos que os impostos que pagamos, e somos o quarto distrito do País que mais impostos paga, estão a beneficiar outros que, em nosso entender, não experimentam as mesmas dificuldades que nós experimentamos.
Sentimo-nos, enfim, órgãos de uma mãe que nos conhece para o cumprimento das nossas obrigações perante ela e não nos reconhece o direito à satisfação das nossas necessidades, como membros desta grande família portuguesa.
Desde 1961 que vem sendo nesta Câmara reivindicada por homens do Minho a urgência e a utilidade da construção da auto-estrada Porto-Braga, mas particularmente numa primeira fase Farnalicão-Porto, a fim de permitir um acesso rápido para o escoamento dos produtos de uma das maiores zonas industriais do País.
A estas constantes solicitações, a tão almejada auto-estrada, para todos aqueles que fizeram do Minho o seu lar, existe apenas couto uma miragem que até hoje não foi assumida em termos de lhe dar foros de realidade. Realidade que o Minho encara como a mais urgente obra do País.
A confirmar este facto está o consenso criado em torno desta obra e levado a cabo pelos autarcas mais representativos do Minho: Braga, Guimarães, Vila Nova de Famalicão, Vila do Conde, Porto e Santo Tirso, que nas pessoas dos seus presidente e liderados pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão têm constantemente insistido junto do poder central na urgência de que esta obra seja um facto.
Promessas têm surgido ultimamente, mas se as mesmas fossem cumpridas já há vários anos que a referida auto-estrada estaria aberta ao tráfego.
No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em 1984 o que temos para nos deslocar de Vila Nova de Famalicão ao Porto é uma estrada que, desde há décadas, deixou de corresponder às necessidades da região, que, desde há décadas, vem sendo o cemitério onde quase todos os dias pessoas perdem a vida, a grande maioria dos utentes a paciência e os nossos industriais sornas fabulosas em desgaste dos seus veículos e tempos mortos, sem nenhuma contrapartida.
Somos um povo ordeiro, um povo que embalou nos seus braços a mãe gigante que se impôs ao mundo, construímos no trabalho e sacrifício o nosso querer, mas uma vez o querer querido, não vendemos a nossa face, porque ela é a nosso própria história, aquilo que para nós vale a pena, o saber que estamos certos no caminho certo.
Por isso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, não abrandaremos a nossa luta enquanto a auto-estrada não for uma realidade.
Mas poderiam os Famalicenses considerar-se felizes se o único problema com que se debatem fosse a auto-estrada.
Poderia concluir-se que Vila Nova de Famalicão cresceu à revelia do poder central, tantos são os problemas com que se debate. No campo do ensino, sem instalações suficientes e condignas para albergar as crianças do concelho, ao ponto de, durante vários anos, vermo-nos obrigados a ministrar aulas na antiga cadeia concelhia, substituindo marginais e delinquentes nas celas por crianças a despertar para a vida. No concernente a equipamentos desportivos a nossa juventude não tem onde passar os seus tempos livres e é triste, Sr. Presidente, Srs. Deputados, vermos es alternativas que ela encontra, refugiando-se em soluções que os destroem como jovens e diminuem as esperanças no Portugal de amanhã.
As forças de ordem, Guarda Nacional Republicana e Policia de Segurança Pública) encontram-se instaladas em condições que não lhes permitem minimamente o cumprimento das suas funções e os serviços de saúde fazem um esforço sobre-humano para corresponder às necessidades da população.
De todos estes inúmeros problemas tem vindo a equipa da Câmara Municipal a fazer uma acção de sensibilização junto do poder central para os graves problemas com que o concelho se debate.
As promessas são muitas, as acções escasseiam e em cada dia que passa os Famalicenses sentem crescer o desespero e a revolta peio esquecimento em que são votados e confiam que os problemas explanados encontrarão pronta e eficaz solução e que destas soluções haja menos discursos e mais acções, que é das acções que depende a confiança dos Portugueses.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Ficam inscritos, para interpelar o Sr. Deputado Domingos de Azevedo, os Srs. Deputados Armando Oliveira, Lemos Damião e Sérgio Azevedo.
Vamos, de seguida, proceder ao nosso intervalo regimental, pelo que está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrando na ordem do dia, vamos proceder à discussão e votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 258/III - Fixação prévia de preços à colheita e garantia de escoamento de produtos agrícolas -, apresentado pelo MDP/CDE.
Para a sua discussão e votação foi fixado um tempo global de 3 horas e 35 minutos. Em face disso, chamo a atenção dos responsáveis pelos diversos grupos parlamentares para o seguinte problema: se todos os grupos e agrupamentos parlamentares consumirem integralmente o seu tempo esta sessão durará mais 3 horas e 35 minutos; como neste momento são l8 horas e 20 minutos, a sessão irá, aproximadamente, até às 22 horas.
Estive a fazer uma pequena consulta a várias bancadas e fiquei com a ideia de que alguns grupos parlamentares não vão consumir integralmente o tempo que lhes foi atribuído. Nessas circunstâncias, julgo

Página 4856

4856

I SÉRIE-NúMERp 115

que poderíamos entrar na discussão do projecto de lei rcferido e que um pouco antes das 20 horas faríamos um balanço da situação.

Ninguém se opondo ao qtie acabeí de sugerir, dou a palavra ao Sr. Deputado António Taborda, para proceder à apresentição do projecto de lei n.º 258/111.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): -Sr. Presídente, Si-s. Deputados: Ao apresentar o seu projecto de lei sobre a fixação prévia dos preços (à colheita) e garantia de escoamento dos pi-odutos agrícolas, o Grupo Parlimentar do Moviniento Democrático Português - MDP/CDE pretende contribuir para a resolução de prob!cmas que vêm assumindo gravidade crescente no seio da nossa vida colectiva, como sejam os da i-ctt-ibuição e segurança da actividade dos agricultores e do tbastecimento ao consumidor e da nossa crescente dependência exterior para o fc)rnecimento dc bens alimentares, bem como reafirmar a sua determinação eni prosseguii- as vias abertas pela Constituição da República, para uma articulação harmoniosa entre o Estado e os sectores público, cooperativo e privado da economia, a que se reconhecem amplas potencialidades de desenvolvimento e de colaboração.

Tem sido repetidamente evidencíado nesta Assenibicia a fraca dimensão da maioria das explorações agrícolas nacionais e a impreparação, envelhecímento e difictildade dos nossos agricultores para, sem estímulos e ipoios exteriores, reconv,,rterem e modernizarem as explorações, e a sua imp

reni s;do repetidamente chamada a atenção dos Srs. Deputados e desta Câniara para casos evidentes de iiecessidade de escoamento de produções ocasionalmente excedentárias de vinho, de batata, de ovos, de fruta, como também de sazonais carências destes ou de otitros produtos no abastecimento dos principais centros urbanos, quantas vezes agravadas por práticas especulativas de intermediários que ocupam posições deten-ninatites nos circuitos de distribuição.

Mas pc>uco se tem avaiiçado, na prática, para a resolução destes problemas, pese embora a consciência generalizada de que ao Estado cabe a responsabilidade de assegurar o abastecimento do País e uma remuneração justa aos agricultores, a elaboração de trabalhos sobre a niatéria - como seja o esquecido Plano de Médio Prazo 1977-1980, que parece não ter merecido a devida apreciação do governo pelo mesmo responsável - e a existência de infra-estruturas, de que salientamos as dos orgailisnios de coordenação económica e não só, que, melhor ou pior, mostraram a sua utilidade aiites e depois de 25 de Abril de 1974.

Por outro lado, o esforço financeiro a que o País tem estado submetido com vista, nomeadamente, à aquisição no exterior dos bens agrícolas e alimentares de que cronicaniente carece tem-se repercutido numa cada vez maior austeridade e restrição do consumo já incomportável para as possibilidades reais da nossa economia, cuja deterioração se mostra, por demais, preocupante.
A nossa dependência externa relativamente a alguns bens essenciais atingiu, em 1982, os 74 % para os cereais, os 90 % para as oleaginosas, os 100 % para

o açúcar e os 10 º.ó para a carne. Como exportações nacionais de prodtitos agrícolas só em pai-te diminuta cobrem as importaçõcs, o défice da balança comei-cial agrícola vem atingindo valores expressivos e crescentes.

No ano de 1970 esse défice foi de 580 000 contos; em 1977, 21 mi!iiões de contos, eni 1980, 52 rnilhões de contos, e, em 1983, espera-se que ultrapasse os 100 milhões de contos, ou seja, mais de 170 vezes o valor de 1970.
Em face deste quadro desastroso, para travarrnos o cndividamento externo, atimentar a percentagem de auto-abastecimento do País e a produção de bens alirnentares, o MDP/CDE considera urgeiite a tomada de um conjunto articulado e coerente de medidas, complementadas e aprofundadas com a colaboração dos próprios agricultores, de que se salientam:

Um planeamento agro-florestal assente no ordenamento físico que norteie, com base técnico-científica, a distribuição geográfica das culturas e respectivas activídades transformadc)ras, tendo enl conta as capacidades de uso do solo, as necessidades de abastecimento da população e da economia (incluindo a exportação), o peso da mão-de-obra agrícola, a nceessidade de fixação das populações ao meio rural e a defesa do meio amliente e da natureza;
A adopção de uma política de crédito virada para o apoio aos pequenos e médios agricultores e às assc>cjaçoes de produtores ou de trabalhadores rurais, cuja concessão seja baseada em critérios de utilidade técnico-económica e sc>cial articulada com o plano de desenvolvimento da agricultura.
O crédíto em natureza de factores de produção propoi-cionadores de maiores níveis de produçao e de prc)dutividade da terra (tais como sementes, adubos, animais reprodutores e outros) deverá sobressair sobre as restantes modalidades, designadamente para as culttiras previstas no Plano, conforme o Grupo Parlamentar do MDP/CDE já defendeu em projecto específico apresentado a esta Câmara;
Assistência técnica, através de uma densa recle de extensionistas, apoiados por especialistas de diferentes campos de actividade, que desempenhem simultaneamente o duplo papel de divulgadores de técnícas culturais e de foi-mas de organização do trabalho, por um lado, e de mobilizadores dos camponeses no cumprimento da sua função de co-autores do deseíivolvimento das coniunidades rurais;
Apoio ao associativisnio agrícola, possibílitando às associações de produtores agrícolas a íntegração das actividades de transforrnação e comercialização dos seus produtos, seni o gtic os agricultores portugueses continuat-ão a ver escapar das suas mãos a parte mais importante dos valores por si criados.
Arrolamento das actuais estruturas para o anuazenamento, embalagern, transformação e comercialização da produção agrícola e florestal com vista ao seu rnáximo aproveitamento.
Apoio à reestruturação de certas realizações cooperativas de elevado interesse económico e sc>cial que, por dificuldades de vária ordem,

Página 4857

30 DE MAIO DE 1984

estão ainda em situações de degi-adação com pesados custos para o País e grave despres, tígío para o cooperativismo agi-ícola.

O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, agradeço que prestem ateiição à intervenção do Sr. Deputado Ant6nio ]'aborda ou então que façam silêncio, pois cliega aqui à Mesa um ruído de fundo bastante desagradável. Faz favor de continuar, Sr. Deptitado.

O Orador-

Com base no planeamento agrário e no odenamento físico do teri-itório, a criação de novas estruturas, onde a sua falta o justificat-, de armazenamento, ti*ansfoi-mação e comercial ização.

Deste modo, o pt-ojecto agora apresentado deverá merecer o apoio dos Srs. Deputados, porque, assegurando, ã partída, a participação dos agricultorcs e das suas associações, quer através da livre celebração de contratos de produção com o Estado, quer através da sua participação no planeamento agro-florestal, meiximiza o aproveitamento das estruturas existentes, melhora o abastecimento público e orientíi o consumo para produtos que o País pode mais facilmente e com menores custos produzir.
Por outro lado, não poderá argumentar-se que a experiência seja inovadora e de resultados incertos: na CEE, 70 % dos produtos agrícolas beneficiani de garantias de escoamento e de preços.
Em Portugal, vários organismos já têm tido acção, iiinis ou menos relevante, no i-nesmo seiitido.
A EPAC, dispondo de infra-estruturas significativas como de armazenamento e transporte, tem realizado trabalho importante ao garantir o escoamento e o pi-eço dos cereais e a sua distribuição pelos diversos circuitos, pese ernbora a necessidade de ampliar a sua capacidade, modernizar o equipamento e racionalizar e dinamizar a sua actuação.
Uma carência intensamente sentida é a falta de ínfra-estruttiras dc secagem de míiho e de capacídade para o seu armazenamento, condicíonantes de indíspensável intensificação de uma cultura cssencial pai-a o fomento da produção pecuária nacional, de cuja importação esta-.-nos dependentes em mais de 60 %.
A Junta Nacional do Vinho, utilizando capacidade de armazenagem própria ou alugada (às adegas cooperativas), tem intervido no mercado do vinho, garantindo preços, adquirindo qtiantidades excedcntárias que cncaminha sempre que possível para a exportação ou, na falta desta, para «queima», apesaida stia cr6nica insuficiência de meios financeiros para uma íntervenção verdadeiramente eficaz.
O lnstituto do Azeite e Pi-c>dutos Oleaginosos, qtie, não obstante a falta de capacidadc de armazenagem, de equipamentos e a insuficiente capacidade financeira, tem contribuído positivamente para o escoamento do azeite.
A Junta Nacional das Frutas, que apoiou dccisivamente a criação das cooperativas de fruticultores e o fomento das estações fruteiras destinadas tl concentração, embalagem, calibragem, conservação pelo frio e expedição oportuna pai,a os centros de consumo, que em alguns anos teve pnpel, cinbora limitado, no sentido da correcção de situações excedentárias de algumas frutas - como a pêra, a maçã, o melão, etc. -

e que chegou a realizar acções no sentido da ti-ansparência e regularização do mercado das frutas e legumes, fomentou a produção de alguns produtos hortícolas através da inti-odução de um sistema de contrato com os produtoj-es, com preços mínimos garantidos an teci pndaniente.
Algumas indisti-ias transfoi-niadoi-as utilizain ainda o sistema de conti-atos de produção, poi- interinédio da Junta Nacional das Frtitas, pai-a o seu aprovisionamento em inatérias-primas, como é o caso da ci-vilha.
Cabe aqui referir o problema mais do que iiutica actual da batata, resultante do persistente desajustamento entrc a sua produção e o coiisumo para tim nível de preços aceitável, preocupação pei-manente de governantes dado o seu peso na economia dos agricultores e dos consumidoj-es, e que poderia ser resolvido através do ordenamento e planificação da cultura, em colaborição com os agricultores e as suas ssociações, garantindo o escoaniciito a pi-eços mínimos p produção i-esultante dos acoi-dos previamente realizados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não temos a estultícia de com este projecto de lei i-esolvermos os problemas da agricultura em Poi-tugal.
No entanto, disso estamos plenamente convencidos, com a sua aprovação muito beneficiaria não só a pi-odução agrícola como os consuniidores, que somos todos nós, desde que se faça um planeamento adequado e correcto, se tente diversificar a dieta portuguesa e sc inventarie, de uma vez por todas, as nossas carências e as nossas possibilidades.
O agricultor o que deseja, acima de tudo, é a segurança no seu labor e a certeza de que os produtos agrícolas que produz tenham uma justa remunci-ação.

Essa é, também, uma das intenções primeiras deste projecto de lei.
E o que há que perguntar, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é se queremos ou não garantir o abastecimento público nacional com os pi-odutos agi-ícolas necessários à nossa dieta; se querenios ou não garaiitir a segurança e a justa remuneração dos produtos agrícolas; se queremos ou não diminuir a nossa dcpendência externa no campo alinientar, poupar milliões de contos em divisas e cori-igirmos a nossa estratégia de defesa; se queremos, então, pai-a além de mesquinhos interesses partídáríos, devei-emos, como primeiro passo para resolver estes e outros problei-nas, viabilizar, complementar e aperfeiçoar este projecto de lei, quc, em nosso entender, vai de encontro ao essencial do interesse público,

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

U Sr. Presidente: - [nscreveram-se, para pedír esclarecimentos ao Sr. Deputado António Taborda, os Srs. Deputados Soares Cruz, Cunha e Sá. Vasco Miguel, Lopes Cardoso e Gaspar Pacheco.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz,

O Sr. Soares Cruz (CDS): -Sr. Deputado António Taborda, infelizmente, a tal «vaga de fundo» a qiic o Sr. Presidente aludiu fez-me perder alguns aspectos interessantes da sua intervenção.
E já que falamos em fundo, gostat-ia de saber - tanto mais que V. Ex º é um ílustre jurista se já pensou se, no fundo, este projecto de lei iião

Página 4858

briga com a actual Lei Fundamental; se não verá nele algum conflito com a já conhecida lei-travão.
No domínio das atenções, que eventualmente mereceria o meu aplauso porque se prende com uma nova questão fundamental para a agricultura, julgo que
V. Ex.ª coloca essa questão de uma forma tão vaga, apontando tão poucas estruturas, que me é difícil imaginar uma lei deste tipo, perfeitamente suspensa no ar, sem qualquer apoio, sem qualquer estrutura que, no mínimo, a possa tornar realizável.
Algumas questões de pormenor: V. Ex.ª falou na idade exagerada dos empresários agrícolas, o que é um facto por todos nós conhecido. Mas pergunto: essa questão passa só e apenas pelo aspecto «estímulo» para que haja um rejuvenescimento na agricultura, para que os potenciais jovens empresários possam dedicar a sua actividade a este sector fundamental da economia portuguesa?
Diz ainda V. Ex.ª que há profundas e enormes distorções no mercado. De facto, isso é de todos nós conhecido. Mas onde é que se indicam, neste projecto de lei, os horizontes para essas estruturas? Preocupou-se o MDP/CDE em mostrar-nos esses horizontes?
Por outro lado, perguntava-lhe se pelo articular deste projecto de lei com um outro que o MDP/CDE tem para apresentar, que devido ao labirinto parlamentar ainda não conseguiu vir à luz do dia e que diz respeito ao crédito em natureza, haverá hipóteses de ultrapassar a situação grave em que se encontra a agricultura.
Diria que o grande mérito deste projecto de lei será o de nos lembrar que é necessário e urgente repensar as estruturas da comercialização dos produtos agrícolas. Só que não é este o caminho! VV. Ex." deram o grito no eseuro e nós agora temos de ir procurar onde é que está o núcleo desse grito para que possamos repensar tudo isto de uma forma conveniente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cunha e Sá.

O Sr. Cunha e Sá (PS): - Sr. Deputado António Taborda, irei colocar-lhe 3 questões.
A garantia dos preços pressupõe a existência de capacidade de armazenamento e transporte na devida oportunidade. Pergunta-se: como entende que. se deve proceder para alcançar esse armazenamento face aos exíguos instrumentos de frio de que se dispõe? Como sabe, o parque de frio é extremamente limitado.
Quais os circuitos de comercialização que pretende criar para evitar as distorções que referiu tia sua intervenção?
Uma última pergunta: o que são, e qual o critério para os definir, o produto essencial e o produto estratégico?

O Sr. Presidente: - Igualmente para um pedido de esclarecimento, tem apalavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Deputado António. Taborda, estes temas são sempre apaixonantes, mas, quanto a mim, o projecto de lei que o MDP/CDE apresenta, apesar dá bonita retórica do Sr. Deputado, é um tanto ou quanto incoerente.

Passo a exemplificar, Sr. Deputado. No artigo 1.º do projecto, o MDP/CDE propõe: «E fixado ao produtor [...] os preços mínimos por produto em cada região ou a nível nacional.» O Sr. Deputado, já viu qual não seria o problema dos produtos que tivessem preços marcados abaixo dos outros com preços superiores? Como é que o Sr. Deputado ia impedir que esses produtos a preços mais baixos não entrassem nas zonas onde os preços para os mesmos produtos estivessem fixados a níveis altos?
Ter-se-ia então que levantar barreiras ou, eventualmente os produtos passariam a ser portadores de um passaporte.
E ainda no que se refere ao artigo 1.º do projecto de lei diz-se que é fixado o preço ao produtor. O Sr. Deputado, também temos de ter um mínimo respeito pelo consumidor! Então não fala aqui no consumidor?!...
No artigo 2.º, refere-se que «é garantido o escoamento, aos preços fixados, dos produtos abrangidos, sem prejuízo da liberdade de iniciativa comercial dos agricultores e das suas organizações económicas». Que liberdade, Sr. Deputado? A liberdade de comprar ao Estado quando este já não tiver capacidade de escoamento - e então será a qualquer preço - ou a liberdade de comprar os produtos quando já não houver capacidade de intervenção do Estado - e então, também, comprar a qualquer preço à lavoura?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No artigo 3 º, o MDP/CDE propõe. «A garantia de preços mínimos e de escoamento é aplicada, no mínimo, aos produtos essenciais e aos produtos estratégicos [...] » Quais produtos, Sr. Deputado? O Sr. tem de dizer a que produtos se refere, porque nós sabemos que o Governo também já definiu quais eram esses produtos! De modo que, primeiramente, o Sr. Deputado terá de dizer se concorda ou não com essa definição feita peto actual governo, pois em relação a esses produtos já foram inclusivamente estabelecidas tabelas.
E que, se o Sr. Deputado não exemplificar com clareza o que propõe, nós andamos para aqui a perder tempo com este diploma!
A seguir, no artigo 4.º, propõe: «E implementado um sistema de contratos [...] » O Sr. Deputado,, que contratos? O Estado não pode mandar nas estruturas comerciais, associativas ou cooperativas dos agricultores! O que o Estado tem é de dotá-las dos meios técnicos e financeiros para as montar e estruturar capazmente, por forma que eles tenham meios comerciais, e nada mais!
O Estado não tem de se meter em mais nada, Sr. Deputado.
Quanto à fixação dos preços de garantia relativamente aos produtos essenciais, o que se passa é que o Governo já os fixa e por imperativo directo da Constituição, não sendo por isso necessário, quanto a mim, a aprovação de qualquer projecto de lei do MDP/CDE com objectivos idênticos.
Acresce que a discussão sobre os temas desenvolvidos; no projecto de diploma podem, com vantagem, ser discutidos nesta sede em outras ocasiões como.

Página 4859

por exemplo, na discussão do Programa do Governo, na aprovação do Orçamento do Estado ou do Plano, onde se discutem as directivas de política agrícola.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Era sobre estes pontos que gostaria que o Sr. Deputado me esclarecesse, para que pudéssemos então passar à discussão séria deste diploma que o MDP/CDE propõe.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente. - Como o Sr. Deputado António Taborda já manifestou o propósito de responder apenas no final aos pedidos de esclarecimento que lhe são dirigidos, passo a dar a palavra, para o mesmo efeito, ao Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado António Taborda, o projecto de lei que o MDP/CDE trouxe hoje a esta Assembleia aponta para objectivos que penso serem meritórios e em relação aos quais duvido que houvesse algum colega nosso capaz de manifestar a sua discordância.
Esses objectivos são: garantir o escoamento da produção agrícola, garanti-lo a preços mínimos e dar ao agricultor o conhecimento antecipado das condições mínimas de preço em que ele iria eventualmente escoar a sua produção.
Mas o Sr. Deputado acredita que esse problema se resolve com o seu projecto de lei? O Sr. Deputado António Taborda seguramente não acredita e de resto, na sua intervenção, ao levantar todos os problemas conexos com esta questão e sem cuja resolução isto não passará de um voto pio, acabou por confessá-lo.
O problema não se resolve através de uma lei, não se resolve através da pura e simples fixação dos preços; implica, de facto, capacidade por parte dos organismos de intervenção, capacidade essa que dê sentido, a essa classificação de «organismos de intervenção» - isto é, capacidade real de intervenção, capacidade real de armazenamento, capacidade real de adquirir os produtos pelos preços que, eventualmente, tenham sido fixados.
O que temos aqui é uma mera petição de princípio e se entendermos desta maneira o acto de legislar, então, Sr. Deputado, talvez pudéssemos substituir com vantagem este projecto de lei por outro muito mais vasto que diria assim:

Artigo 1.º E aumentado o nível de vida dos portugueses.
Art. 2.º Esta lei será regulamentada no prazo de 120 dias.

Risos do PS e do PSD.

E, assim, sairíamos daqui todos muito satisfeitos, pois creio que, por uma vez, teríamos a unanimidade desta Câmara, já que creio bem que todos estaremos de acordo em que o nível de vida dos portugueses seja aumentado!

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Igualmente para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Gaspar Pacheco.

O Sr. Gaspar Pacheco (PSD): - Sr. Deputado António Taborda, deu-me nitidamente a ideia que V. Ex.ª defendeu mais uma lei de ordenamento rural ou de ordenamento agrícola do que um projecto de lei de garantia de escoamento e de fixação de preços.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Muito bem! Essa é que é a questão de fundo!

O Orador: - Com efeito, todos os seus argumentos se basearam na política de crédito, no planeamento agro-florestal, no «crédito em natureza» e assistência técnica.
Ora, dá-me ideia que isso não cabe num projecto que propõe a fixação prévia de preços.
Por outro lado, Sr. Deputado António Taborda, gostaria de saber como é que V. Ex.ª resolveria o caso de um excesso de batata? O que é que o Sr. Deputado faria quando houvesse um excesso de batata em Portugal?

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Essa era boa!

O Sr. Presidente: - Por último, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Taborda, tem a palavra o Sr. Deputado. Alexandre Reigoto.

O Sr. Alexandre Reigoto (CDS): - Sr. Deputado António Taborda, ouvi com atenção a sua intervenção e recordo que disse que este projecto de lei não visa resolver o problema da agricultura em Portugal.
E uma grande verdade, Sr. Deputado, porquanto não me parece que as entidades competentes estejam em condições de assegurar o escoamento dos produtos ao produtor.
Por outro lado, perguntaria ao Sr. Deputado se entende que os produtos têm todos o mesmo valor ou se, pelo contrário, há que classificá-los. E, em caso afirmativo, como é que o Sr. Deputado entenderia essa classificação?
Garantir o preço e o escoamento dos produtos, conforme se propõe neste projecto de lei, é de facto um propósito meritório. Mas como? Por que meios? Com que medidas? Como classificar os produtos? Como fixar um prazo limite para o escoamento, etc.?
Sobre todos estes pontos, gostaria que V. Ex.ª me esclarecesse melhor, para que depois me possa pronunciar sobre este projecto de lei.

O Sr. Presidente: - Para responder aos esclarecimentos pedidos, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por responder ao Sr. Deputado Soares Cruz, mas antes gostaria de deixar muito claro aquilo que parece não ter ficado bem esclarecido na minha exposição.
É evidente, Srs. Deputados, que não pretendemos com este projecto de lei resolver os problemas da agricultura em Portugal.
Seria estultícia, depois de centenas de anos - quase tantos como este país tem de independência - de permanentes e graves crises agrícolas, tentar resolver através de um simples projecto de lei todos os problemas da agricultura em Portugal.

Página 4860

Não me parece que em sede de projecto de lei -isto é, de lei de base neste sector a aprOVaT por esta Assembleia- se pudesse ir muito mais longe do que aquilo que nós fomos.
E evidente que se trata de uma matéria extremamente complexa, de uma díversidadi-- de centenas ou milhares de produtos, de épocas de colheita completaniente diferenciadas, dc, possibilídades de conservação que variam sensivelmente de produto para produto, e não é possível, por tudo isto, abarcar todas estas hipóteses numa lei.
É o Goverjio quem tem os dados necessários para poder iniplementat-, sector a sector, tanto a fixação dos preços como o cscc>amento dos produtos, de modo que um pi-ojecto de lei d"te tipo não pode deixar de ser mais do que um princípio orientador dessas medidas.
O Sr. Deputado Soares Cruz pergunta-me se este projecto de lei não briga com a Lei Fundamental. Suponho que não, Sr. Deputado, pois ele não prevê nada que não esteja previsto na própria Constituição.
Também aqui rizemos apelo aos 3 sectores produtivos que se encontram na agricultura, isto é, o sector público, o sector privado e o sector cooperativo, e pensamos que será na interligação destes 3 sectores que será possível resolver o problema com que ela se debate, apesar de, como é evidente, haver sempre uma questão de ordem financeira que condiciona a sua resoltição.
Todos os Srs. Deputados interpelantes referíram que temos pc>ucas estruturas, e aproveito para lhes dizer que, no nosso entender, os organisrnos de coordenação ecoilómica que existem não serão suficientes para a fixação de preços e para assegurar o escoamento dos produtos, mas são aquilo que temos. O ideal, e até certo ponto o indispensável, seria criar mais e melhores organismos, mas se vamos querer o óptimo nunca mais conseguimos sequer o bom!
A opinião do MDP/CDE é a de que os organismos de coordenação económica já existentes têm dado provas de que poderão, pelo menos, numa primeira fase -e sector a sector-, ir implementando estas políticas de fixação de preços e de escoamento.
Alguns dos Srs. Deputados refcriram que não havia, talvez, hipótese de todos eles assegurarem esse escoamento, porque não dispõem de possibilidades de armazenamento. De facto, isso acontece em relação a alguns desses organismos, não já em relação a outros sectores, mas é sempre possível -e isso está a ser feito por alguns organismos de coordenação econói-nica - o aluguer, quer a entidades privadas quer a cooperativas, de locais destinados ao armazenamento de produtos, para depois, a partir daí, se proceder ao escoamento dos mesmos.
E, para acabar de responder às perguntas do Sr. Deputado Soares Cruz, acrescentaria que há, em minha opinião, uma perfeita articulação entre o nosso projecto de crédito em natureza e este projecto que apreciamos. Na verdadc, são coisas que se complemeiitam, pois a fixação de preços e a garantia do escoamento dos pi-odutos agrícolas têm muito a ver com o crédito em natureza, também por nós proposto.
Perguntam-nie também vários Srs. Deputados, a
propósito, segundo suponho, do artigo 3.º do projecto
de lei que ipresentamos, quais são, no entender do
MDP '/CDE, os produtos cssenciais e os produtos
estratégicos.

I SERIE-N~R0 115

Pensarmos que as produções básicas ou estratégicas são aquelas cujos índices de auto-abastecimento medem a independência alinientar de um país, isto é, aquel,is que têm a ver não só com o abastecirnento público, mas trmbém com a iiidependncia desse país em caso de coji!!',o ou de bloqi-ieio de fronteiras.
Nesse sentido, é comum e internacionainiente reconhecido que são pi-odutos estratégicos os cereais, as forrageiis, as oleaginosas e o açúcar. Em qualquer destes pi-odutos somos altamente dependentes - no açicar, como já referi, sonios dependentes a 100
e nos ccreais, ou nielhoi-. em alguns deles, estamos próximos dos 70 -/o.
Portanto, um dos objectivos deste projecto de lci era tentar diminuir esta dependência em relação a estes pi-odutos estratégicos.
Para além destes, consideramos também como produtos importantes e essenciais pai-a o abastecimento público, entre outros - e em relação à dieta portuguesa, como é evidente -, o vinho, o azeite, a batata, as fi-ut,-.s e os produtos florestais.
Era iieste sentido que falávamc>s em produtos estratégicos e produtos essenciais, embora, claro, muitos otiti*os existam. Na nossa óptica, porém, seriam exactamente estes.
O Sr. Deputado Vasco Miguel fez algumas perguntas em relação aos vários artigos do projecto de lei e perguntou o que se passaria no caso de, por exernplo, tendo em conta o que se encontra no artigo 1.º, num determinado mercado de uma região se estarem a praticar preços mais baixos do que se praticam nessa mesma região.
Devo dizer a este propósito, Sr. Deputado, que no art:lculado se prevê a fixação de preços mínimos -e só mínimos - por produto em cada região ou a nível nacional, conforme os prc>dutos e conforme as regioes. Portanto, o que se pretende aqui é a fixação de preço mínimo com a garantia de escoamento, mas isso não quei- dizer que o agricultor vá vender os seus produtos por esse preço mínimo que está fixado. É evidente que se ele tiver possibilidade de vender por preço mais alto, é natural que vai vender!
Estc instrumento só tem interesse quando haja excedente de um produto e, fundamentalmente, para que o agricultor não se veja obrigado a vendê-lo abaixo dos custos de produção ou até a inutilizá-lo.
Perguntou-me ainda que liberdade é que os agricultoi-es têm -em referência ao artigo 2 º do projecto de lei -, e eu respondo-lhe, Sr. Deputado, que a liberdade de iniciativa comercíal é total, poís estas normas pretendem funcionar como uma prevençao para o próprio agricultor e não constituem uma obrigação. Ele se quiser faz os contratos de produção ou vende o produto àquele preço mínimo aos organismos de coordeiiação económica, mas, se não quiser, é livi-c de colocar o produto noutro sítio qualquer.
Não há, portanto, aqui nenhuma obrigação; há, ao ínvés, uma libei-dade total para o agricultor.
Em relação às questões postas pelo Sr. Deputado Cunha e Sá, penso que já respondi. No que toca à pergunta que o Sr. Deputado Gaspar Pacheco me fez, isto é, como é que eu resolveria um caso de excesso de batata, gostar;a de dizer o seguinte: como sabe, o problema da batata em Poritigal varia quase de ano para ano, ou de época para época, de modo que nuns anos há excedentes e noutros carências grandes, como se registou, por exemplo, neste ano.

Página 4861

30 DE MAIO IDE 1984

Tudo isso, tal como referi na minha intervcnção, me pai-ece que i-estilta de uma falta de planificação e de organização dos próprios agricultores do ramo, mas, no caso do excesso de batata, há, como sabe, duas v,,-s imediatamente visíveis para absorver esse excc,o, um cam,nho é, ou pode ser, a exportação; outro, é a industriilização da batata, através das 1'áb?-*c,ts de amido ou de puré, conio já se faz.
Suponho que tambéni já respondi genericamente ao Sr. Deputado Alexandre Reigoto quanto às condições de escoaniento, quanto is eiitidades compctentes que, neste ciso, p-,irccci-n sei- os oi-ganismos de coordenação económica e quaiito à classificação dos prc>dutos.
f evidente que liá prazo limite para determinados produtos e tz.,i-nbéin é evidente que umas das coisas cssenciais para tudo isto, e de que o País é altamente cai,enlc, é a rcde dc frio, pari que se possam armazenar em cond:.ções determ:nados produtos agrícolas.
Mas a verdade é esta, Srs. Deputados, ou começamos tim dia ou nunca mais começamos.

O Sr. ['residente: - Sr. Deputado Cunha e Sá, para que eleito pediu a palavra?
O Sr. Cunha e Sá (PS): - Para tim protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente-. - 1'eni a palavi-a.

O Sr. Cunha e Sá (PS): -Sr. Deputido António Taborda, V. Ex." faloti em fixação de preços, em definição de preços, mas que preços? Os que vigoram na CEE?
Prcços indicativos, tipo preços-padrão ou preços de inteiveiição quando há excesso de oferta, funcionando coniç> prcços estabilizadores do mercado? Em que momento e como é que sc faria essa iiitcrvenção?
Lembro-lhe que falou apenas na batata. Como faria para os produtos essenciais, designadai-nente para o açúcar, os cereais, etc.?

O Sr. Presídcntc: - Sr. Deputado António raborda, est.1 inscrito pjra protestar mais um Sr. Deputado.
V. Ex.º descja responder já ou só no rinal?

O Sr. Aiitónio Taborda (MDP/CDE): - Respondo no final, Sr. Pi-esidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra, parl um protesto, o Sr. Deputado Gaspar Paclieco.

O Sr. Gaspar Paehcco (PSD): - Sr. Deptitado António Taborda, concordo consigo quando diz que há falta de organização por par[c dos agricultores; isso é uma grande verdade!
O agricultor porttiguês precísa de se organizar, precisa de se associar.
Quanto à sua resposta sobre a questão da batata e sobre o problema da industrialização, parece-me que seria mais fácil qtje em vez 'de ser o Estado a garantir fosse o próprio agricultor a associar-se e a fazer contratos com as fábricas que hoje trabalharn e produzem ?midos. lsso seria muito mais fácil do que irmos pari tima soluç,~io em qtie o Estado tein a sua pi-ópría orgatlízação e a sua própria fábríca para trabalhar a batata, ano sim ano não, como o Sr. Deputado acaboii de dizer.

tl

O Sr. Presidentc.: - Sr. Deputado António Taborda, antes de lhc dar a palavra, permita-me que infon-ne o MDP/CDE de que dispõe de 13 iiiinutos.
Tcm agot-a a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): -Vou seiniuito rípido no meti contraprotesto.
O Sr. Deputado Cunha e Sá perguntou-me: mas que preços? Os que vigoram na CEE ou outros e em que momento se faria essa intervenção?
A nossa ideia, que me par-ece estar bem expi-essa no projecto de lci, é a seguinte: anies da própria sementeira, através das ussociaçõcs de agricultores e dos or,-anisnios dc coordenação ccon6mica, fixar-se-ia o pi-cço justo e não preços de intervenção neni preços Fixados depois de sc sabei- que liavia excesso.
A fixação desse preço far-se-ia-antes do ciclo, digamos tssim, airavés dos agi-icultores e em diálogo com as suas assocíações e os organismos de coordenação eco.ilómica. Ou então, podia fazer-se como já se faz hoje com o lcite ou com outros produtos a nível nacional, unia fixação antecipada do preço.
O Sr. Deputado Gaspar Pachcco tem razao, pois, pai-a além da soluçãc) da exportação da batata em bruto ou de ser o Estado a implemen(ar o fabrico de amido, podiam ser -e devem scr- os agricultores a fazê-lo.
Isso é fundaniental, mas o problema reside no facto de, niuitas vezcs, os agricultores não se movcrcrn para os seus próprios interesses, se não forem alertados pai-a tanto. Por isso eu falava no problema dos extensionistas, que é um problema importante.
Se os agricultores se associarem e fizerem essa fábrica de amido ou de puré de batata, é evidente que isso é melhor e está dentro dos circuitos.
Parece-me ímportante realçar que o nosso projecto de Ici não pretende sobrepor-se à iniciativa dos agricultorcs, pretende suplementar essa iniciativa quando ela não exista.

O Sr. Presidente: - Teili a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDl): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando se tem presente a debilidade do nosso sector agrícola, como reflexo, sobretudo, das carências e vícios estruturais de que padece e que ainda não fomos capazes de suprir nei-a superar e quando se sabe como essa debilidade se inscreve no quadro geral de toda uma economia em crise, não podem as questões agrárias deixar de a todos preocupar.
São muitas as razões. E a agricultura uma actividade à qual se acha ainda ligada uma desmcsurada percentagem da população activa do País, precisamente aquela que sempre conheceu e continua a conhecer os mais baixos níveis de rendimento e de vida.
Por outro lado, todos somos tributários dessa actividade, na medida em que dependemos fortemente, de um ponto de vista da subsistência de cada um, dos bens alimentares que a mesma produz.
Somando ao que acaba de dizer-se a arirmação de que somos deficitários em cerca de metade dos bens de que ca-recenios para a nossa alirnentação, bem se compreende que as questõ)es agrárias sejam inscritas, como, aliás, o Governo o faz no seu Pi-ograma, como primeira prio-ridade na planificação do dcsenvolvimento da economia em geral.

Página 4862

O aumento da produção de bens alimentares torna-se, pois, absolutamente indispensável como forma primeira de garantia do máximo de auto-aprovisionamento, na medida do possível, e, quanto a alguns dos produtos produzidos, contribui mesmo para a elevação do nível das nossas exportações.

O Sr. Ruben Raposo (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Partindo desta ideia e ainda da consabida insegurança dos agricultores relativamente aos preços e escoamento da futura colheita, o que não é difícil obter aceitação generalizada, os autores do projecto de lei em discussão fazem depender, todavia, ao que se lê na sua exposição de motivos, o aumento da produção de bens agrícolas da garantia de preços mínimos e do seu escoamento por parte do Estado.
E vão mais longe no diagnóstico da situação, ao referirem que é o desconhecimento prévio dos preços e a ausência de garantia do seu escoamento que está na base da retracção da produção.
Reduz-se, contudo, o âmbito de aplicação do projecto à garantia de preços mínimos e do escoamento dos chamados produtos essenciais, dos produtos estratégicos para a economia nacional e para o abastecimento público ou para aqueles que se apresentem com boas perspectivas de exportação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dir-se-ia que o projecto de lei n.º 258/III, que o Grupo Parlamentar do MDP/CDE agendou, seja na sua formulação inicial, seja na versão que ganhou o n.º 350/III, apesar do erro técnico confessado e as irregularidades formais cometidas, se limita a dar desenvolvimento ao que se dispõe no artigo 103 º da Constituição.
De facto, este preceito impõe ao Estado que assegure o escoamento dos produtos agrícolas, fixando no início de cada campanha os respectivos preços de garantia.
Tendo esta matéria obtido dignidade constitucional, a obrigação do Estado seria ainda mais forte e os governos forçados a dar-lhe cumprimento.
Só que o escoamento dos produtos agrícolas e a fixação dos seus preços de garantia no início de cada campanha, na economia do citado preceito constitucional, devem inscrever-se no âmbito da orientação definida para as políticas agrícola e alimentar.
A ser assim, há que perguntar se o Governo tem ou não e se prossegue ou não uma política alimentar e se, dentro do respectivo âmbito, pratica ou não a fixação de preços de garantia e assegura ou não o escoamento dos produtos considerados abrangidos por essa política.
A primeira das questões responde-nos o Programa do Governo, aprovado maioritariamente nesta Assembleia, estabelecendo como principais medidas para a promoção de uma verdadeira economia alimentar as seguintes:

Integração progressiva da produção, transformação e comercialização dos produtos alimentares num modelo coerente e eficaz, a permitir previsões, de acordo com uma nova orientação agrícola;
Política de produção de alimentos segundo padrões de qualidade compatíveis com os níveis europeus,
Política de importação e consumo de bens alimentares fundamentada no conhecimento científico e técnico das carências em nutrientes da população e que possibilite satisfazê-las pelas formas mais racionais e económicas, isto é, acautelando a saúde em simultâneo com importantes economias directas e indirectas;
Adequação da estrutura, dos objectos e da actuação dos ex-organismos de coordenação económica em matéria de intervenção e de comércio dos produtos agrícolas e alimentares às regras do mercado decorrentes da perspectiva de adesão à CEE e às exigências da política agrícola comum, designadamente a sua transformação em organismos regulares do mercado com gestão participada pelas associações profissionais representativas dos produtores.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fui longo na citação, só para referir que o Governo adoptou um certo tipo de política e tem como programa de acção a implementação de medidas para a promoção de uma verdadeira economia alimentar.
É, assim, nesse âmbito que pode e deve perguntar-se se essas medidas estão a ser tomadas e é ainda nesse âmbito que, por decorrência do preceituado no artigo 103.º da Constituição, deve ser assegurado o escoamento dos produtos agrícolas exigidos e, bem assim, a fixação prévia dos respectivos preços no início de cada campanha.
Estamos, porém, a discutir o projecto de lei do MDP/CDE e não a política do Governo, embora tenhamos chamado esta à colação para nos perguntarmos se o mesmo projecto pressupõe esta, adoptando medidas para a implementar ou se se insere numa política alternativa, quiçá mais válida, que esta Assembleia deva reconhecer e aceitar.
Na sua formulação inicial, o projecto de lei do MDP/CDE aponta para a fixação anual e atempada dos preços mínimos de todos e cada um dos produtos agrícolas e para a garantia, por parte do Governo, do seu escoamento aos preços fixados.
Um esquema destes pressupõe uma visão englobante da economia agrícola, um dirigismo total voltado quer para o comando da produção quer para a organização de um certo tipo de mercado que de todo em todo se opõe, por um lado, à política agrícola e alimentar que nos foi proposta pelo Governo e, por outro lado, abstrai da inexistência de estruturas que a realização de uma tal política pressuporia, pelo que, à partida, se nos apresenta eivada de uma vulnerabilidade e ineficácia tais que nos faz propender para a inaceitabilidade da iniciativa legislativa que nos foi proposta.
O próprio MDP/CDE reviu a formulação inicial da sua iniciativa e agora apenas nos propõe que a garantia de preços mínimos e de escoamento se circunscreva ao que chama produtos essenciais e produtos estratégicos para a economia nacional e para o abastecimento público.
Todavia, nada nos é dito nos projectos, embora nos tenha adiantado alguma coisa a esse respeito o Sr. Deputado António Taborda, sobre o que se entenda quer por produtos essenciais, quer por produtos estratégicos, bem podendo até sustentar-se, à míngua de quaisquer linhas de orientação e de critérios definidores, que os produtos agrícolas cujo escoamento já está ou vem sendo consabidamente garantido e cujos preços têm vindo a ser fixados, se inscrevam dentro daquelas categorias de produtos. E até poderia acon-

Página 4863

tecer que se sustentasse que nenhuns outros, além dos que até agora têm gozado da garantia de escoamento e da fixação de preços, podem ou devem ser considerados essenciais ou estratégicos. Tudo dependeria, claro, da óptica própria.
Mas tudo isto se torna possível também à luz do projecto de lei do MDP/CDE, o que de todo em todo o faria logo pressupor inútil e ou repetitivo de legislação já existente.
Ainda na sua segunda versão, pressupõe o projecto de lei do MDP/CDE uma posição incompreensivelmente conservadora e imobilista, que se traduz no facto de partir da ideia de que os actuais organismos de coordenação económica deveriam funcionar como estruturas adequadas ao pretendido escoamento de produtos agrícolas.
Equivale isto a ignorar, de todo em todo, a evolução por que estão a passar esses organismos e até a previsão de extinção de alguns deles, como aliás decorre da próprio Programa do Governo onde se propende a considerá-los como organismos em que devem ter participação as associações profissionais representativas dos produtores e vocacioná-los para a concretização de objectivos de intervenção e de comércio dos produtos agrícolas e alimentares em termos de adequação à política agrícola comum europeia de que queremos ser parceiros e que, de qualquer modo, nada perderíamos se a tivéssemos vindo já a ter em conta há muito tempo.
Não se ignora, nem se nega, a importância do problema da justa remuneração que é devida aos agricultores na sua actividade, o que implica a prática efectiva de preços compensadores em relação aos preços agrícolas.
Não ignoramos, também, que a par de preços que mal cobrem, ou nem sequer cobrem, os custos de produção se assiste, por parte dos consumidores, ao pagamento de preços muitas vezes especulativos dos produtos agrícolas.
Haverá, necessariamente, na economia de mercado que se elegeu que introduzir os mecanismos necessários para que nem produtores nem consumidores sejam vítimas de um estado de coisas que, sendo real, reclama providências.
Só que não nos parece, nem pela concepção que o enforma nem pela impossibilidade do seu pleno implemento, que o projecto de lei em discussão possa alcançar, minimamente que seja, nem o objectivo de remunerar melhor os agricultores, nem aumentar a produção agrícola, nem assegurar - o que seria também desejável - a defesa dos consumidores.

Aplausos da ASDI e do PSD.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos, presumo que para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados António Taborda e João Corregedor da Fonseca.
Antes de dar a palavra a estes Srs. Deputados, informo a ASDI de que, neste momento, dispõe de 4 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - É muito curto o pedido de esclarecimento que vou fazer, pois o nosso tempo também é diminuto.
Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, para além de outros problemas que levantou em relação ao nosso

projecto de lei, só queria colocar-lhe uma questão, com a qual, como é óbvio, não concordo.
O Sr. Deputado falou na política agrícola europeia e disse que era para aí que deveríamos tender. Como sabe, na política agrícola da CEE - e eu disse-o na minha intervenção - cerca de 70% da generalidade dos produtos agrícolas têm preços fixados previamente e é-lhes garantido o escoamento. Eu pergunto-lhe: como é que o nosso projecto não está conforme à política agrícola da CEE?

Queria colocar-lhe ainda uma segunda questão. Falou nos organismos de coordenação económica cujo objectivo está a ser desvirtuado e alterado, digamos assim, por este governo. Como o Sr. Deputado sabe - e como eu disse aqui -, a nossa proposta assenta fundamentalmente também nestes organismos de coordenação económica que têm - e terão sempre - um papel fundamental a desenvolver na fixação dos preços.

Mas essa fixação dos preços não deve ser feita - insistimos nisto - de cima para baixo, isto é, pelos técnicos desses organismos no seu gabinete mas sim resultarem sempre de acordos prévios com as associações de agricultores existentes.

Portanto, não vejo que, mesmo entrando para a gestão desses organismos associações de agricultores, isso não seja possível ou até mais rentável neste aspecto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, V. Ex.ª citou, entre outras coisas, o Programa do Governo. Na nossa opinião, não se afigura que o Governo tenha posto em prática a política anunciada.
A ideia do MDP/CDE não é globalizante, como V. Ex.ª reparou no nosso projecto, por isso se fala em planeamento com a participação de agricultores que, entre outros objectivos, terá o de indicar quais os produtos cujo escoamento se garante.
V. Ex.ª falou na questão da falta de estruturas e essa será uma das razões pela qual não está de acordo com a nossa proposta.
A verdade, Sr. Deputado, é que V, Ex.ª sabe que há possibilidade de alugar armazenamento, quer a cooperativas quer a entidades privadas, muitas das quais estão desejosas de alugar os seus armazéns.
Por outro lado, também há a possibilidade de recorrermos a apoios externos. V. Ex.ª sabe que é possível aproveitar-se de apoios externos que, pelo menos em parte, não se têm aproveitado, nomeadamente linhas de financiamento através do Banco Mundial, do Banco Europeu de Investimentos e, inclusive, ajudas de pré-adesão - nestes incluo até apoios financeiros do governo alemão que não têm sido devidamente aproveitados.
V. Ex.ª referiu, logo de início, que é necessário aumentar a produção de bens alimentares. Como V. Ex.ª sabe, o grau de independência de um país mede-se, como já foi dito, pela sua maior ou menor capacidade em bastar-se a si próprio, em sobreviver pelos seus próprios meios. Ora Portugal é um país extremamente dependente: importa elevadas percentagens de produtos essenciais, Posso citar, por exemplo, que em 1977 importámos 33 milhões de contos; em 1980 im-

Página 4864

portámos 60 milhões de contos; em 1981 importámos 81 milhães de contos; em 1982 importámos 100 milhões de contos, e até Setenibro de 1983 mais de 90 milhões de contos.

Portanto, Sr. Deputado, pergunto-lhe: perante este desastroso panorama da nossa agricultui-a, acha ou não que a implementação de uma lei desta natureza poderá fazer aunientar a nossa produção, uma vez que os nossos agrícultores têm a garantia quer do preço quer do escoamento dos produtos agrícolas?

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento forrnulados, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, a quem entretanto informo de que dispõ)e de 4 minutos.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASI) l): -0 Sr. - Deputado António Taborda coloca-me uma primeira questão relativamente à qual poderia parecer que eu teria caído em contradição, na medida em que, apontando eu para a nossa inserção na CEE e praticando-se no domínio da CEE preços previamente fixados relativamente aos produtos agrícolas, parece que eu estaria discordante e, porta..nto, colocando-rne numa posição contraditória. Mas isso só aparentemente porque eu não discordo da fixação prévia do preço de certos produtos. Eu coloco-me é na posição de achar que fixar preços de produtos sem estar garantido o seu escoamento é, efectivamente, uma atitude de boas intenções e porventura de um certo platonismo.

Por outro lado, há ainda que i-eferir-lhe o seguinte: é que a política da Comunidade Europeia, relativamente aos produtos agi-ícolas, não pode abstrair do conhecimento que temos - e o Sr. Deputado também tem - do auto~abastecimento de produtos agrícolas no seio da Coinunidade, o que não é o caso de Portugal re.lativamente a bens alimentares. Aqueles produtos que V.º Ex." ainda há pouco considerava como sendo essencia.is e estratégioos são, precisamente, aqueles pro-dutos que nós importamos e que, portanto, escaparão à tal política integrada das Comunidades.

De mc)do que tem aqui uma explicação a uma resposta relativamente à primeira *questão que me colocou.
Guanto à questão dos organisrnos de coordenação económica, quero dizer-lhe o seguinte: VV. Ex.a' afirmam no preâmbulo do projecto de lei que depositam as vossas grandes esnranças nos organismos de coordenação económica e, embora agora já resulte do debate a neccssidade de csses organismos servm sujeitos a certa transfon-naão, saliento que eles hoje não estão niinimamente em condições de responder perante as exigências que a aprovação do vosso projecto, com a amplitude que tem, traria, ou então seria, mais uma vez, estarmos -embora com boas intenções - a legislar praticamente para a gaveta.

O Sr. António ')('aborda (MDP/CDE): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

0 Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

0 Sr. António Taborda (MDP/CDE): -Sr. Deputado, queria só perguntar-lhe se entende ou não que se os organísmos de coordenação económica existentw fossem melhor geridos e melhor aproveitadas as suas potencialidade, recorrendo-se à possibilidade de alugar

i sÊntE-NÚMERO rts

arinazens a outi-as cooperativas e a outras entídades que tivessem a possibilidade de armazenamento, poderia fazer-se correctamente, numa prirneira fase, a fixação dos preçc>s e, fundamentalmente, o escoamento dos produtos.

O Orador: - Rcspondo-lhe a essa questão, Sr. Deputado, colocando-o perante esta situação: poderíamos passar em revista, um a um, os organismos de coordenaçao economica de que dispomos mas, começando pela Junta Nacioiial dos Vinhos, pergunto-lhe o que é que "te organi.smo pode receber nos seus annazéns para além de vinho. Poderá, porveiitura, a Junta Nacional dos Vinhos pôr-se à disposição de outro produto agrícola? Ora, conio o Sr. Deputado sabe, em relação ao vinlio são, habitualmente, fixados preços mínimos e, tanto quanto as possibilidades financeiras do orgaiiisnio o permitem, têm-se vindo a fazer, num ou outi,0 ano, intervcnções no m-ercado do vinlio - embora nino tanto quanto as necessidades o impõem -, precisamente pai-a se obter o escoamento deste produto.

Este raciocínio que estamos a fazer ern relação à Junta Nacional dos Vinhos pode ser igualmente feito em relação ao Instituto do Azeite. O Sr. Deputado sabe perfeitamente que ainda há 2 anes tivémos uma produção de azeite que ultrapassou, de longe, as produções médias dos últimos 20 anos e que aqucle organisrno recebeu o azeite excedente a preços previamente estabclecidos. Certo é, porém, que se trata dc tim produto que só em anos excepcionais, como foi o de há 2 anos, carece desse tipo de intervenção. Aliás, nos anos mais próximos a -sua produção, possivelmente, não suprirá sequer as carências alimentares.

O Sr. Presidcnte: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A in-iciativa do MDP/CDE, apresentando um projecto de lei que visa a fixação prévia de preços à colheita e a garantia do escoamentg, ocorre em pleno agravamento da situação de agonia da nossa agricul,tura.

Qttebra acentuada das produções vegetais e pecuárias; redução do investimento técnico-económico e consequente diminuigão dos já extremamente baixos níveis de produtividade; esgotamento do sectoi-, incapaz de criar excedentw com razoáv,-is taxas de rentabilidade, são alguns dos traços fundamentais que marcam uma agricultura, cada vez mais, amai-rada ao subdesenvolvimento.

Neste contexto, o projecto dc lei em apreço assume particular significado, dada a importância que as polílicas de preços e comercialização assumem iio quadro da política agrícola. Nelas assentam funções tão vitais quanto a distribuição do rendiniento, a oi-icntação ou afectação de recursos e a inter-relação da oferta e da procura.
Durante décadas o regime fascista impôs uma política de preços que visava, no fundamental, a contenção dos prcços e salários nos meic>s urbanos e industi-iais, a transferência de recursos do sectc>r primário para actimulação de capital nas agro-indústrias e a deslocação de mão-de-obra rural para as zonas industriais ou para a emigração.

Página 4865

30 DE MAIO DE 1994

4865

Esta política era servida por uma estrutura de intorvenção corporativa, através da qual o Governo actuava sobre um conjunto de produções estratégicas para o constimo alimentar básico.
Em paralelo, desenvolveram-se circuitos de mercado longos, distc.rcidos, dominados por grandes intermediários e armazen!istas, actuando em áreas onde a perecibílídade e a rcíação oferta-proctira se tornava decísiva, tanto mais quanto desorgan.izada era a oferta.
Os resultados destas políticas sectot-iais, logicamente não dissociáveis de uma política global em que o crédito, os investimentos públicos e o proteccionismo aos grandes proppietários e absentis,tas assumiram, e contínuam a assumir, importância determinante, traduzirarn-se em profundos estrangulamentos sociais e econ6micos que, poi- demais reconhecidos, não carecem de aqui ser enunciados.
Foi esta, em bi-evcs traços, a situação herdada em 25 de Abril de l974.
Situação que exigia, como resposta, uma política agrícola democrática capaz de impulsionar um verdadeiro desenvolvimento sócio-econ6mico.
Nesta perspectiva, era indispensável uma política de pmços agrícolas e de factores que contribuisse decisivamente, para: fazer crescer a produção global do sector; orientar a produção segundo critérios de selectívidade integrados num planeamento global da produção; aumentar a oferta de produtos alimentares através da intensificação cultural e do incremento da parcela disponível para além do autoconsumo das pequenas explorações; aumentar a parte do rendimento nacional que deverá caber aos meios rurais.

A Sr." lida Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Logicamente que esta política de pi-eços teria de ser acompanhada, para ser exequível, de uma política de comercíalização que possíbíli-tasse o encurtamento dos circuitos de mercado, eliminando o parasitismo e a especulação, e assegurando o escoamento dos produtos agrícolas, pecuários e florestais, em devido tempo.

A Sr." lida Figueíredo (PCP): - Muito beni!

O Orador: - Co,-no implementar e orieniai- então estas políticas?
Encarando a agricultura estritamente romo um dos diversos sectores económicos? Aplicando-lhe os triviais métodos de diagn6stico e modelos econoi-nétricos ditados pelas receitas monciaristas? Ou, pelo contrário, atendendo à sua complexidade, ao esgotamento econ6mic4:>-Financeiro para que foi conduzida e à ileccssidade do seu desenvolvimento?!
Aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, i-eside o problema.
Como conjugar a política de preços agrícolas com critérios de selectividade na produção se, pura e simplesmente, não existe planeamento global da mesma?! Se não se avançou no oi-denamento e regionalização da pro-dução?! Se não há uma esti-atégica definida, por exemplo, para a substítuíção progre"íva de matérías-primas importadas através de p-rodutos alternativos da produção nicional?! Se não há um programa integrado de aproveitamento integral de cotnpostos orgânicos- tratados e dos subprodutos da nossa indústria, designadamente para a alimentação animal e fertiliza-
ção dos solos?!.

Por outro lado, fazer crescer a produção global na agi-icultura exige uma política de preços dos factores com o máximo dc estabilidade, pelo menos ao longo do ano agrícola. Esta é condição indispensável para elevar o nível de incorporação tecno16gica e aumentar. a pi-odutividade, e não se venha com o argumento de que se não pode continuar a subsidiar a agricultura. É um falso argumento. A questão não é subsidiar por subsidiar, ou subsidiar para alímentar uma política artificial de contenção dos preços agrícolas e de estagnação do sector; a questão é subsidiar para libertar as potencialidades dispoiiíveis e indispensáveis para o desenvolvimento produtivo. De outra forma, o que se poupa no itnediato com o insupo,rtável aumen,to do custo dos factoms, pagar-se-á, eni seguída, a dobrar e em divisas, com a redução da produção e o recu.rso a crescentes importações.

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: - Uma correcta política de pi-eços agrícolas tem de as>ssentar no pressuposto de que a agricultura não pode continuar a ser objecto de saque permanente de recursos e que os preços devem desempenhar uma função incentivadora na distribuição do rendimento.
E necessário desenvolver as indústrias a montante e a jusante, mas este desenvolvimento não pbde continuar a ser feito na base da persistente sobrexploração da agricultui-a.
Tão pouco o valor criado na agricultura pode continuar a ser apropriado pelo parasitismo e a especulação que dorninam o mercado, à sombra da fragmejitação e i-solamento da oferta, ou através de situaçõ" de escassez, na maioria dos casos, provocada por sonegação ou açambarcamento dos p-rodutos.
C evidente que uma correcta política de preços é indissociável de uma adequada política de comercialização, na qual a intetvenção do Estado e o saneamento das estruturas de rnercado são factores indispensáveis, havendo que distingu,ir os p-rodutos que estão na origem, dí.recta ou indirectamente, dos bens alímentares essenciais, que representam grandes volumes do consumo global e per capita, e que exigem uma combinação óptima dos factores; daqueles onde a relação oferta-procura de curto prazo é decisiva.
Em i-elação ao primeiro grupo de produtos, o Governo dispõe de um segmento de natureza públíca (EPAC, TAPO, AGA, ]NV, ¡NF e 1NPP) que lhe permitiria intervir com eficácia quer ao nível dos preços quer do escoamento, possibilitando-lhe pôr em p,rática uma política ericaz de fomento e protecção da produção interna, fundamentalmente no quc respeita às produções estratégicas (cereais, oleaginosas, açúcar, leguminosas proteicas, carne e certos derivados), devendo ainda proceder à implantação de uma indispensável rede de recolha e abate de gado (e não à sua entrega aos grandes industriais).
No que respeita ao segundo grupo de produtos, aqueles em que a relação «oferta-procura» de curto prazo é decísiva e potencialmente geradora de situações de desequilíbrio, de especulação no afluxo de produtos aos mercados e de aviltamento dos preços, a acção do Estado, na pr~cução de uma correcta política de preços e de escoamento dos produtos, passa fundamentalmente pela correcção e reforço das estrutui,as e círcuitos de mercado a par de uma política de inter-

Página 4866

venções oportunas na regularização de preços e escoamento de certos produtos, sempre que situações de circunstância ou conjunturas o exijam, em defesa da produção e dos consumidores.
Para tal dispõe o Governo dos actuais organismos de coordenação económica, cuja gestão e meios deverão adequar-se a esta acção interventora.
Ainda neste contexto, é inadiável a implantação de uma rede nacional de freio a par da estruturação dos mercados abastecedores dos centros urbanos, dotando-os de infra-estruturas de recepção e acondicionamento dos produtos e privilegiando o acesso directo da produção aos mesmos.
Também o segmento cooperativo carece de uma nova política. Herdámos do fascismo uma estrutura cooperativa na maior parte dos casos corporativizada, pelo menos quanto às funções a desempenhar, remetida na sua maior parte às funções de concentração, preparação e conservação (assumindo assim as áreas e funções que só aplicam custos de investimento tecnológico, de armazenagem e de refugos) e cedendo aos grandes intermediários e grossistas as áreas de menores riscos, mais lucrativas e onde se define, ao fim e ao cabo, a formação dos preços.
O segmento cooperativo traduz a debilidade da agricultura, tão isolado e descapitalizado quanto esta, carecendo, pois, de ser firmemente apoiado técnica e financeiramente, para que se possa projectar e exercer as funções de utilidade - lugar e tempo - que lhe devem caber.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Com esta finalidade (tal como para a actividade agrícola em geral), a política de crédito não pode ser a mesma que se aplica a quem, tendo uma máquina, mete de um lado o aço e do outro logo lhe saem parafusos.
E posto isto, cabe perguntar: que política tem desenvolvido este Governo e os que o procederam? Exactamente a contrária da que se tornava indispensável e imperiosa.
Invocando a necessidade de organizar os mercados agrícolas na perspectiva da adesão à CEE - e por este caminho antes de lá entrarmos (e provavelmente nem entraremos) utilizaremos já todos os mecanismos como se tal acontecesse -, as suas políticas têm conduzido: ao esvaziamento progressivo dos organismos de intervenção económica, não intervindo no mercado ou, quando o fazem, tardiamente e de formas pouco eficazes no que respeita ao escoamento da produção; ao estabelecimento de preços de intervenção regra geral abaixo dos preços de mercado e com enormes atrasos nos pagamentos ao produtor, o que propicia a especulação e aviltamento dos preços, contribuindo para alargar a área de manobra dos grandes intermediários e armazenistas, sendo crescente o domínio destes sobre as estruturas e pontos estratégicos dos circuitos de mercado.
A fobia da «denominada» liberalização de toda a actividade económica, incluindo sectores estratégicos do comércio e importação de produtos essenciais, despreza os interesses nacionais em benefício do grande capital interno e de grupos económicos que controlam o comércio mundial agro-alimentar.

Vozes do PCP. - Muito bem!

O Orador: - A chamada política de preços reais apenas tem servido para acentuar a descapitalização. do sector agrícola, traduzindo-se as transferências do valor criado na agricultura para outros sectores em. mais de 40 % do produto agrícola bruto.
Em conjugação, as políticas de preços de comercialização conduziram a um brutal agravamento nas relações intersectoriais. Os preços reais pagos aos produtores vêm registando consecutivas quebras, enquanto as margens de comercialização se alargam desmesuradamente, contribuindo para taxas de inflação recordes (depois diz-se que a culpa é do dólar!). Os rendimentos médios reais dos agricultores têm sofrido, entretanto, uma diminuição superior a 6% ao ano desde 1976.
As consequências desta política são desastrosas e as responsabilidades não podem deixar de ser assumidas por aqueles que a executam.
Sr Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que q conteúdo do projecto de lei do MDP/CDE, visando a «Fixação prévia de preços à colheita e garantia do escoamento», não podia deixar de ser analisado nas suas causas e consequências desinserido das políticas de preços e de comercialização que temos, e daquelas que deveríamos ter. As medidas propostas traduzem uma exigência constante - e até um imperativo constitucional, constante do artigo 63.º - por parte dos agricultores e das suas organizações, confrontados, não raras vezes, com situações de escassez nos mercados consumidores, enquanto os produtos que aqui faltam lhes apodrecem em casa ou nas suas cooperativas.

Uma voz do PCP: - E verdade!

O Orador: - Situações que permitem que o consumidor tenha de pagar 50$ ou 60$ por um produto, enquanto o agricultor apenas recebeu, por esse mesmo produto, 15$ ou 20$, quando não apenas 10$. Situações que permitem que num ano o agricultor receba 20$ ou 30$ por um produto, para no ano seguinte, pelo mesmo produto, apenas receber 10$ ou 15$.

O projecto de lei em apreço, se aprovado na generalidade, pode e deve ser beneficiado na especialidade. Quanto ao êxito da sua aplicação, ele depende da vontade política de o executar, até porque se impõe um conjunto de medidas indispensáveis para concretizar uma correcta política, agrícola, na qual os preços e a comercialização são apenas componentes.

Entretanto, é bom que todos tenhamos presente, que o Governo tenha presente, que querer extrair diariamente de uma vaca 30 l de leite, quando ela só tem 15 l para dar, é dar cabo, primeiro das tetas, depois da vaca. E por fim não teremos nem teta, nem leite, nem vaca.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Rogério de Brito, não fora a parte final da sua intervenção em que o Sr. Deputado fez um meritório esforço para a recolocar no quadro do debate que aqui se está a travar, teria sido tentado a perguntar-lhe o que é que tem a ver a sua intervenção com o projecto de lei apresentado pelo MDP/CDE. E não estou aqui a re-

Página 4867

tírar qualquer mérito à sua intervenção; devo dizer, aliás, que substancialmente estou de acordo com ela.
O Sr. Deputado fez um inventário de muitos dos males de que padece a nossa agricultura. Falou-nos da importância da política de preços no quadro do desenvolvimento agrícola; criticou a política de fomento agrícola do Governo - eu falaria antes de política de fomento da especulação dos açambarcadores e dos intermediários -, mas não nos disse em que é que o projecto de lei do MDP/CDE contribuirá para uma melhor política de preços e para dar qualquer tipo de resposta à série de questões que o Sr. Deputado colocou.
De facto, pela nossa parte não vemos como é que este projecto de lei poderá dar qualquer resposta, na medida em que ele não traz rigorosamente nada de novo ao nosso enquadramento jurídico-constitucional.
Com efeito, o projecto de lei do MDP/CDE limita-se a repetir o consignado no artigo 103.º da Constituição, o princípio da garantia do escoamento e da fixação antecipada de preços, procurando ir um pouco mais longe; - de modo coxo e mal - ao restringir de uma forma vaga e imprecisa, deixando, no fundo, tudo em aberto na medida em que remete para um decreto regulamentar quais os produtos que deverão ser objecto e que deverão beneficiar, na prática, do disposto no artigo 103.º da Constituição,
Sr. Deputado Rogério de Brito, gostaria que me explicasse em que é que a situação, mesmo no plano puramente legal, será minimamente alterada se, porventura, dentro de 15 ou 30 minutos aprovássemos o projecto de lei do MDP/CDE,

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, o nosso apoio ao projecto de lei do MDP/CDE e às suas virtualidades assenta no pressuposto de que o mesmo contribui para definir o enquadramento das funções que uma política de preços, designadamente da fixação prévia de preços à agricultura, pode ter, exactamente no que respeita à distribuição do rendimento, ao incentivo da produção e ao próprio fomento dos recursos.
Concretamente, tentei na minha intervenção definir o que me parece ser o conjunto de produtos considerados estratégicos e essenciais.
Defini-los como produtos que, directa ou indirectamente, estão na origem de bens essenciais que representam grandes volumes do consumo global e per capita e que exigem uma combinação óptima dos factores. Portanto, trata-se de produtos que, através de uma incorporação tecnológica, podem ter uma resposta rápida que, para atém de aumentar os rendimentos físicos, permite, também, baixar os custos de produção.
Significa isto que a política de fixação prévia doa preços pode exactamente funcionar - dentro logicamente de uma política global de ordenamento da produção - como um instrumento de fomento de selectividade dessa mesma produção.
Por outro lado, ela também pode evitar que se registem quebras acentuadas da produção em produtos que são realmente essenciais, pelas razões que já apontei e pelo estado extremamente adiantado de nossa dependência externa.

Como tal, consideramos que aqui os preços prévios

e o escoamento devem funcionar. Aliás, poderá dizer-se que já hoje o Governo toma medidas nesse sentido, o que também não é novidade, pois, como disse na minha intervenção, já no tempo do fascismo havia políticas de preços e de escoamento que visavam, de algum modo, assegurar esses mecanismos. A ex-Federação Nacional dos Produtores de Trigo e posteriormente a EPAC são a demonstração disso, bem como a junta Nacional dos Produtos Pecuários, que intervém em determinadas circunstâncias e que tem um papel importante. Simplesmente, estas estruturas, e sobretudo os organismos de coordenação económica, têm funcionado e continuam a funcionar como estruturas corporativas, não respondendo às necessidades de uma política de intervenção do Governo tendente a garantir a correcção dos mecanismos do mercado e o escoamento dos produtos sempre que situações de circunstância ou de conjuntura o tornem exigível e aconselhável.

Julgo que a resposta está dada mas gostaria ainda de acrescentar que, como também disse na minha intervenção, este projecto de lei e os mecanismos que ele poria em andamento não pode ser atendido de uma forma isolada, requerendo, logicamente, a vontade política do Governo e a adequação e criação de mecanismos que possibilitem uma regularização e correcção das estruturas e dos circuitos de mercado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos a aproximar-nos das 20 horas, ou seja, do final da sessão e
põe-se o problema de saber se se faz o seguimento ou o encerramento deste, debate. Se forem totalmente esgotados os tempos ainda disponíveis, os trabalhos tardarão mais ou menos 2 horas e 15 minutos. No entanto, fez-se uma pequena sondagem e é possível fazer um cálculo de 40 minutos para as diversas intervenções previstas, não contando com os eventuais pedidos de esclarecimento, respostas, protestos e contrapropostos. Os Srs. Deputados que vão intervir deram-nos a indicação, ainda que por alto, dos tempos que pensam gastar e isso permite-nos pensar que a sessão se prolongará por mais 50 ou 60 minutos.
Assim, pretendemos saber se o MDP/CDE quer requerer que se faça a votação às 20 horas, de acordo com o n.º 4 do artigo 71.º do Regimento ou se, no caso de haver consenso, quer que prolonguemos a sessão para que todos os Srs. Deputados inscritos façam as suas intervenções com a garantia de que haverá votação. Assim, ou prosseguimos os trabalhos até concluir o debate, ou passamos para a noite, ou para amanhã.
A opinião da Mesa seria a de se prolongar a sessão, tentando que o cálculo feito seja mais ou menos concretizado e fazendo a votação pelas 21 horas, mais ou menos.
Se estiverem de acordo, precisamos apenas de um requerimento no sentido de se prolongar a sessão, pelo que solícito a um Sr. Deputado, de qualquer bancada, o favor de o redigir, de forma a que d8 entrada na Mesa antes das 20 horas.

Pausa.

Como não há objecção da Câmara, seguimos o debate.
Para uma intervenção, dou a palavra ao Sr. Deputado Gaspar Pacheco.

Página 4868

O Sr. Gaspar Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do MDP/CDE apresentou a esta Assembleia o projecto de lei n.º 258/III, sobre a fixação prévia de preços à colheita e garantia de escoamento.

Ao analisarmos o que se tem passado nos últimos anos verificamos que os governos têm fixado preços e garantido o escoamento dos produtos que consideram essenciais tais como: cereais de Primavera; cereais de Outono; oleaginosas e azeite. E também têm utilizado o sistema de intervenção pontual, por exemplo, para os suínos, bem como o estabelecimento a preços contratuais entre industriais, e agricultores - que é o caso do tomate, leite, ervilha - e o sistema de proibição de importações.

Se é certo que os sociais-democratas, como filosofia política, defendem este sistema e entendem que
mesmo deve ser ampliado, parece-me que pela via do projecto de lei do MDP/CDE tal não se consegue e que, ao contrário, nos encaminharíamos num sentido de uma exagerada burocratização e estatização, incompatíveis com aquilo que é a nossa realidade social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Este projecto de lei conduzir-nos-á, no seu limite, a um só comprador e a, um só vendedor e também quando considera preços diferenciais para diferentes regiões, levar-nos-ia ao transporte desses produtos de uma região para outra em que são melhor pagos. Como exemplo, teríamos o caso do arroz que nas zonas em que se recebe subsídio, dado que se encontra a cultura em zona limite, são aquelas que na prática apresentam melhores rendimentos por hectare, o que nos leva a concluir que houve transferência física do produto.

Também este projecto de lei pode conduzir-nos a que os agricultores produzam os produtos que lhes dêem maior rentabilidade ou aqueles que utilizem maior mão-de-obra, o que se traduziria num desequilíbrio total da nossa agricultura, com graves consequências para a nossa balança comercial.

Este projecto de lei não apresenta nenhuma inovação; antes pelo contrário, limita as diferentes técnicas de controle de preços e escoamento que o Governo tem utilizado, como atrás foi referido, que de algum modo têm contribuído para a melhoria da produção e abastecimento do mercado.

Este projecto de lei apresenta-se como uma interferência limitativa ao poder do Executivo. Por outro lado não conhecemos nenhum país que tenha todos os produtos contemplados por um sistema de intervenção preconizado naquele projecto de lei. Talvez, apenas, nos países de economia dirigida ...!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As considerações tecidas levam o PSD a votar contra o projecto de lei apresentado pelo MDP/CDE, o que não contraria o nosso princípio de uma real política de fixação atempada de preços à colheita e garantia de escoamento dos produtos, mas representa uma demarcação do PSD relativamente à demasiada burocratização e limitação dos movimentos que o projecto de lei do MDP/CDE contém.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado conseguiu ver neste projecto de lei coisas espantosas. O defeito deve ser meu, mas o Sr. Deputado deu-lhe um conteúdo que eu não tinha encontrado.
Como é que conseguiu concluir que isto tenderia a uma situação monopsónica em que o Estado deteria o poder de comprar todos os produtos? Isso é completamente omisso, Sr. Deputado!
No fundo, o que é que diz esse projecto de lei a mais do que diz o artigo 103.º da Constituição?

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem também a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): O Sr. Deputado Gaspar Pacheco declarou que o nosso projecto de lei é uma interferência limitativa aos poderes do Executivo; só que não fiquei perfeitamente esclarecido sobre quais esses poderes que nós poderemos limitar e gostava que V. Ex.ª me esclarecesse.
Também gostaria de saber se acha que o Governo tem feito cumprir o seu programa, nomeadamente, a eficácia no disposto no artigo 103.º da Constituição de que tanto aqui se tem falado.
Como V. Ex.ª sabe, o produto agrícola bruto mantém-se em baixíssimas taxas de crescimento e estagnou, segundo o Plano de 1977-1980 no diagnóstico da situação do sector. Os rendimentos unitários em relação ao trigo, milho e batata, em 1979, por hectare e em quilos são os que passo a enunciar. Trigo: em Portugal, 881; na CEE, 4600; em Espanha, 1500, e na Grécia 2100. Milho: Portugal, 1228; na CEE, 5690; Espanha, 3400, e na Grécia, 5700. Batata: Portugal, 9400; na CEE, 29 000; Espanha, 15 100, e na Grécia 15 100. Gostaria de saber se são ou não necessárias medidas capazes de implementar a produção da agricultura no nosso país.

Queria ainda perguntar se o Sr. Deputado acha ou não que uma medida deste género pode, através de acordos com os produtores, em certa medida, promover o produto agrícola bruto do nosso país.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Gaspar Pacheco.

O Sr. Gaspar Pacheco (PSD): - E fácil de explicar o problema que o Sr. Deputado Lopes Cardoso me põe sobre a tendência de o Estado ser o único comprador e o único vendedor. Pergunto, por exemplo, numa situação limite em que todos os agricultores resolvessem florestar o País ou produzir batata, quem é que compraria e quem venderia?
Quando o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca me levanta o problema da falta de rendimentos, comparando com os do Mercado Comum, Espanha e França, posso dizer-lhe que, no caso do trigo, isso é fácil de entender visto estarmos normalmente a praticar essa cultura em zonas limites. Por outro lado, o Sr. Deputado também sabe que os factores utilizados para a produção de trigo, milho e batata, normalmente, são aplicados em doses menores de que os utilizados na CEE. A quantidade de adubos, a matéria orgânica e o tipo de solos são totalmente diferentes e por isso

Página 4869

é absolutamente impossível obter as mesmas produções de trigo em determinadas zonas do Alentejo - onde essa cultura está a ser feita - do que em zonas francesas, por exemplo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrou na Mesa um requerimento, subscrito por deputados de todas as bancadas, que passo a ler:

Os deputados abaixo assinados, requerem o prolongamento da sessão até final do debate e votação do projecto de lei n.º 258/III, até às 21 horas.

Vamos votar este requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Eliseu.

O Sr. João Eliseu (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Debate-se, neste momento, o projecto de lei n.º 253/III, subscrito por deputados do grupo parlamentar do Movimento Democrático Português, sobre a Fixação prévia de preços à colheita e garantia de escoamento.
Não deixa, porém, de ser estranho que se apresente neste projecto de lei, com carácter de inovação, a fixação de preços mínimos para os produtos agrícolas, quando existem preços de intervenção para alguns desses produtos, como é o caso dos cereais e das oleaginosas. E se, por vezes, esses preços foram fixados tardiamente, entendemos que tem havido a preocupação de os estabelecer em tempo útil, não deixando, para isso, os serviços oficiais de ouvir as organizações representativas dos agricultores.
Por outro lado, neste mesmo projecto de lei propõe-se que os preços sejam estabelecidos por regiões, o que, no nosso entender, não pode deixar de contrariar uma correcta distribuição de culturas. Com efeito, quando se fizesse o seu fomento, em regiões que não eram propícias, através de preços mínimos favoráveis, estava a impedir-se que esses terrenos tivessem uma mais correcta e produtiva utilização. E, mais ainda, se as diferenças de preços fossem acentuadas, pois só assim as culturas seriam rentáveis em condições marginais de desenvolvimento, isso poderia provocar uma permanente deslocação de produtos, para que a sua entrega se processasse nos locais onde o seu preço era maior, com todas as consequências de desorganização de um sistema produtivo e comercial.
Propõe-se, também, neste projecto de lei que seja garantido o escoamento dos produtos agrícolas produzidos. Para isso, e porque esses produtos não são de consumo imediato, teriam que existir as estruturas indispensáveis, quer em número quer em capacidade, que assegurassem a sua recepção, armazenamento, acondicionamento e comercialização. Só que essa intervenção não seria possível estabelecer-se, a curto prazo, pois iria exigir um estudo aprofundado do problema. Com efeito, haveria que determinar o tipo de produtos a armazenar, as suas quantidades, o tempo durante o qual teriam de ficar armazenados, o período em que se processaria esse armazenamento, o escalonamento que se verificaria na entrada e na saída dos produtos, a possível interligação entre as várias estruturas para a sua mais racional utilização e, até, a evolução previsível da produção ao longo dos anos. Mas se este estudo, desde que cuidadoso e criterioso, teria forçosamente que ser demorado, que dizer-se da implantação das estruturas que de forma nenhuma poderia deixar de ser escalonada ao longo de muitos anos, quanto mais não fosse, por subordinação às dotações orçamentais?
Sabendo-se que se importam mais de 60 % dos produtos alimentares de que necessitamos e que alguns deles têm, entre nós, preços mínimos e escoamento assegurado, não podemos deixar de considerar insólita a afirmação de que o que se pretende estabelecer, através deste projecto de lei, era «contribuir fortemente para a correcção daquele desequilíbrio e para a melhoria do abastecimento interno».
Pelo que, fica dito, consideramos que o projecto de lei em discussão nos aparece mais como a ressonância de um descontentamento e como uma recomendação ao Governo. Efectivamente, é a este que compete coordenar o problema dos preços dos produtos agrícolas c; do seu possível escoamento por forma a que seja assegurado um regular abastecimento público para o que, algumas vezes, são apenas suficientes intervenções de âmbito pontual. Por outro lado, a solução dos problemas que afectam a nossa agricultura não se obtém pela simples fixação dos preços dos produtos agrícolas e pela garantia do seu escoamento pois, se assim fosse, há muito podia estar planeada.
Na verdade, o agricultor português espera mais do que isto, e bem o merece, na longa e penosa caminhada que vem fazendo para alcançar uma vida mais digna.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

U Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): O Sr. Deputado falou na preocupação do Governo em fazer o escoamento dos produtos, em garantir preços, etc. Não é bem esse o nosso entendimento, mas, enfim, passemos adiante.
V. Ex.ª referiu a necessidade de haver estruturas indispensáveis e declarou que uma lei desta natureza obrigaria a um estudo aprofundado do problema relacionado com a garantia de preços, o escoamento desde o armazenamento, etc. É isso, que nós pretendemos, Sr. Deputado Eliseu. E claro que temos de exigir o estudo aprofundado de tudo o que diz respeito à nossa agricultura, de forma a que ela seja mais sã, porque actualmente não é.
Gostaria, portanto, de saber se acha que um projecto de lei destes vai ou não garantir melhor o abastecimento público.
V. Ex.ª quer uma remuneração mais justa dos produtores ou quer manter a dependência externa? E que, como V. Ex.ª disse, nós importamos 60 % dos produtos que consumimos!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - São apenas duas questões muito rápidas mas que podem ter relação com

Página 4870

a própria filosofia com que este projecto de lei é analisado por parte dos partidos da maioria.
O Sr. Deputado referiu o problema dos preços diferenciados e deu a entender que isso seria, de algum modo, a forma de custear a inadequação de uma série de produtos a determinadas regiões.
Mas eu colocaria o problema de outra forma. Porque não admitir que os preços diferenciados seriam uma forma de compensar os custos da própria interioridade e que se devia assentar na perspectiva dos necessários inadiáveis e imperiosos planeamento, ordenamento e regionalização da produção no País? Porque não perspectivar neste sentido?
Uma outra questão tem a ver com a dificuldade das estruturas. É perfeitamente possível definir, no contexto da intervenção do Estado, duas áreas de produtos quer em matéria de preços quer em matéria de escoamento. Aliás, tentei diferenciá-las. Gostaria de saber se é difícil para o Sr. Deputado imaginar que, em relação ao conjunto de produtos que classifiquei com estratégicos - não fiquei na indefinição, caracterizei-os, defini-os, precisei-os -, é perfeitamente viável a fixação prévia dos produtos e garantia do seu escoamento.
No seu entender é ou não indispensável uma política de fixação prévia de preços como instrumento de fomento das produções e de defesa da própria produção interna em relação ao exterior? Esta questão terá de ser equacionada conjuntamente com as que se relacionam com as estruturas, bem como outros níveis, ou seja, intervenção a produtos com carácter de perecibilidade, níveis de oferta/procura, problemas de curto prazo, etc. O Sr. Deputado tem, por exemplo, a noção das capacidades de armazenamento e frio que estão neste país completamente abandonadas e sem serem utilizadas? Se quiser, indico-lhas, porque são aos montes. E isso é importante.
O Sr. Deputado tem a noção de que neste pais se utilizam as adegas cooperativas - e há bocado essa questão já foi focada- para armazenamento? Será que a Junta Nacional dos Vinhos - ou outras quaisquer - vai armazenar outras coisas? Ainda o ano passado, quando o Governo teve aquele acto magistral de subida dos preços do azeite - que já não estava no produtor, já estava nos armazenistas -, havia milhares e milhares de hectolitros armazenados exactamente nas adegas.

O Sr. Paulo Barral (PS): - Então, e já não há?

O Orador: - Ainda há.
Portanto, não ignoremos as situações de facto e entendamos que os problemas da fixação dos preços e da garantia de escoamento para certos produtos - que na especialidade são perfeitamente passíveis de ser definidos, foi essa a proposta que fizemos - tem que ver com uma política global. É evidente.
Não resolvem os problemas? Pois não, mas são uma componente indispensável para a sua resolução.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Eliseu.

O Sr. João Eliseu (PS): - Em relação à questão que me foi posta pelo Sr. Deputado Corregedor da Fonseca, responderia que o Governo, tanto quanto sei, está preocupado com estes problemas. Simplesmente, o Governo apresentou um programa para ser cumprido em 4 anos e neste momento apenas passou 1 ano. E não se pode exigir que um programa estabelecido para 4 anos possa ser efectivamente executado num curto espaço de tempo. Todo o problema do armazenamento e da comercialização exige um estudo, o qual, julgo, está a ser feito. No entanto, não pode ser realizado em pouco tempo, pois tem de ser feito com muito cuidado, porque estes problemas exigem estudos cuidadosos.

O Sr. Deputado Rogério de Brito colocou o problema de os preços não deverem ser utilizados para compensar um problema de interioridade, Como tive ocasião de dizer, creio que os preços têm de ser fixados de acordo com as características do terreno onde os vários produtos são produzidos. Ainda há pouco foi citado o caso das fracas produções que existem no nosso país, em comparação com as de outros países, exactamente porque no nosso país as condições de produção não são as melhores.

Nós temos que fazer um planeamento acertado das culturas no nosso país,

Quanto às estruturas, existem algumas, mas não são suficientes.

Colocou também o problema de existirem grandes armazéns de frio com capacidade para armazenar muitos produtos, mas já dois deputados afirmaram que a rede de frio é insuficiente. Pode haver, nalguns locais, capacidade de armazenamento para alguns produtos, mas não é suficiente para os produtos que haveria necessidade de armazenar. Aliás, muitos desses armazéns não estão colocados nos sítios mais correctos para um ordenamento adequado das culturas no nosso país.

O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - É evidente que ha sempre o recurso a dizer que o Governo está preocupado, está a estudar, está a fazer, e que fez um programa para 4 anos mas que ainda só passaram 2. Mas eu diria que ainda só passaram menos 2 anos e que os malefícios feitos em relação à distorção das estruturas e circuitos de mercado, ao crescente domínio por parte dos grandes intermediários e armazenistas, ao crescente domínio, inclusive, dos monopólios internacionais do sector agro-alimentar, são crescentes. Provavelmente, já nem nos próximos 2 anos esses malefícios serão corrigidos, antes pelo contrário, serão agravados. Ou seja, uma promessa para fazer benefícios em 4 anos, e 2 anos para ter já feito tantos malefícios.
Por outro lado, diria que o que falta são diplomas e medidas legislativas que não são cumpridas. E os senhores quando falam neste projecto de lei argumentam não ser possível executá-lo na sua plenitude. Num país onde tanta legislação não é cumprida, aceitemos que ela comece a ser aplicada gradualmente e na medida das possibilidades. Mas que comece a ser aplicada!
Uma outra questão: falei no problema da interioridade e referi que não há que compensar a interioridade pela inadequação da ocupação das culturas do solo. Disse que há que ter em conta a interioridade numa perspectiva de planeamento e ordenamento regional da produção.

Página 4871

Por que é que os Srs. Deputados não dizem: Sim, senhor, vamos admitir a fixação de preços tendo em conta a interioridade, mas apenas na medida em que se defina um quadro de ordenamento e de regionalização da produção?
Mas se isso estivesse na lei, ao menos, iria impor ao Governo a implementação desse planeamento global, desse ordenamento, dessa regionalização da produção.
Isto é tudo uma questão de perspectiva na forma de encarar os problemas.
Não se abordem os problemas na perspectiva da «lei do funil», em que o que importa é apenas marcar um determinado caminho que a. maioria pretende adoptar, mas tenha-se. a capacidade de inverter o funil, de se ver a possibilidade de alargar a análise dos problemas e de encontrar, mesmo que muitas vezes não seja tão fácil como. isso, devido à própria complexidade dos problemas que se levantam, os aspectos em que podemos contribuir para o desenvolvimento da agricultura neste país.
Repito, se o problema não tem que ver exclusivamente com preços e comercialização, tem que ver com uma perspectiva de política global, essa sim, está condicionando todo o processo produtivo da agricultura no nosso pais. Isto pode contribuir para fazer evoluir esse processo.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado João Eliseu.

O Sr. João Eliseu (PS): - Foi aqui apresentado pelo Sr. Deputado Rogério de Brito o problema do crescente domínio dos armazenistas. Talvez seja verdade, mas sempre que p Comissão de Agricultura. se deslocou pelo país - e já foram várias as deslocações- tivemos ocasião de verificar que cada vez mais as cooperativas entraram em descrédito, cada vez recebem menos produtos agrícolas dos próprios agricultores. Talvez seja porque os agricultores não sabem assumir devidamente as suas responsabilidades que os armazenistas estão a aumentar a sua capacidade de movimentação de certos produtos agrícolas.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Gostaria de levantar uma questão.
O problema por si focado sobre a situação das cooperativas é extremamente importante, mas julgo que tive o cuidado de realçar a importância do sector cooperativo e a sua. situação na intervenção que fiz.
Aqui está uma das formas de analisar o problema: poder-se-á dizer que as cooperativas estão neste estado porque os agricultores não têm «capacidade para». Mas por que é que não o colocamos doutra forma: as cooperativas estão neste estado e falo na globalidade do sector cooperativo e não apenas especificando o sector das adegas cooperativas- porque às cooperativas é atribuída uma função em que só lhe são exigidos elevados custos de investimento tecnológico, elevados custos de armazenagem, elevadas perdas de refugos, tendo de suportar isso com taxas de juro como se estivessem a fazer um investimento de imediata resposta, em termos de criação de capital, quando, no fim de contas, os grandes intermediários, os grandes grossistas se limitam a ir buscar a produção e a colocá-la no mercado retalhista. E evidente que em casos destes as cooperativas não podem sair de tal situação.
O problema não é de capacidade dos agricultores, mas sim que o cooperativismo, embora muita gente fale dele, tem pouco a ver com a vontade política de o desenvolver e tem, sobretudo, que ver com a marca que de si sempre tem sido dada: utilizar o cooperativismo para servir os interesses dos grandes instrumentos do capital, para servir os interesses dos grandes intermediários, dos grandes grossistas, etc. E só para isto que o sistema cooperativo tem sido utilizado.

O Orador: - O Sr. Deputado Rogério de Brito acusa os armazenistas de se limitarem a ir buscar a produção e a colocá-la no mercado retalhista. Se é assim tão simples, não percebo por que é que grande parte dos agricultores não faz isso. E realmente estranho.
E evidente que há descontentamento e choque permanente de interesses. Muitas vezes se ouve dizer em relação aos produtos agrícolas, por exemplo, que não são pagos par preços que compensem os seus custos de produção, mas ainda há bocado o seu colega de bancada Octávio Teixeira, ao referir-se às medidas recentemente tomadas pelo Governo, falava da nova escalada de aumento de preços em produtos básicos como os cereais e as oleaginosas, que considerava produtos essenciais.
É evidente que é difícil dar satisfação a todas as queixas. O Governo tem que funcionar como um árbitro, pelo que muitas vezes se torna difícil tomar posições que dêem satisfação a todos os sectores.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Uma coisa não tem nada a ver com a outra?

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a minha intervenção vai ser necessariamente muito rápida.
Discutiu-se aqui muito e acerca de coisas seguramente muito importantes: as estruturas de comercialização, os problemas de ordenamento agrário, o cooperativismo, a política de preços. De tudo isto se discutiu muito, mas, em meu entender, discutiu-se muito pouco daquilo que deveria ser concretamente o objecto desta discussão, isto é, o projecto de lei apresentado pelo MDP/CDE.
O que está em causa não é saber se somos ou não favoráveis a uma política de preços, não está em causa saber se. somos ou não favoráveis & fixação antecipada dos preços dos produtos agrícolas e às garanti-as de escoamento da produção. Isto não está em causa por múltiplas razões e não está em causa fundamentalmente porque isso é um imperativo constitucional. Para aqueles Srs. Deputados que estejam esquecidos, permito-me reler o artigo 103.º da Constituição que diz:
O Estado promoverá uma política de ordena mento de reconversão agrária, de acordo com

Página 4872

os condicionalismos ecológicos e sociais do País, e assegurará o escoamento dos produtos agrícolas no âmbito da orientação definida para as políticas agrícola e alimentar, fixando no início de cada campanha os respectivos preços de garantia.
É evidente que subjacente a isto, à fixação dos preços, está uma política agrícola, mas isso também está no projecto do MDP/CDE. É exactamente por isso que este projecto não adianta uma vírgula à situação actual. Pretender transformar a discussão em torno deste projecto numa discussão em torno da política agrícola do Governo ou em torno do princípio da fixação dos preços dos produtos agrícolas ou dos circuitos comerciais é estar a distorcer a discussão fundamental e pretender, por forma ínvia, dar eventualmente um sentido diferente ao voto que cada um aqui exprimir.
Concretamente, Srs. Deputados, direi que a UEDS votará contra o projecto do MDP/CDE, muito embora seja favorável à fixação antecipada de preços e às garantias do aumento da produção; votará contra o projecto do MDP/CDE, embora seja totalmente desfavorável à política agrícola conduzida por este Governo. Só que não é isso que está em causa e nós, pela nossa parte, não estamos dispostos a deixar que a discussão resvale para este terreno ambíguo e equívoco.
Concretamente, o que aqui está é um projecto de lei que, no essencial, retoma os dispositivos constitucionais e não dá um passo em frente no sentido de concretizar e dar um mínimo de eficácia à disposição do artigo 103.º da Constituição. É por isso mesmo uma lei inútil, e inútil porque redundante, em relação ao dispositivo constitucional.

Por esta razão - e só por esta razão, embora ela para nós seja a bastante - votaremos contra o projecto de lei do MDP/CDE.

Aplausos da UEDS e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Deputado Lopes Cardoso, tenho reparado nas intervenções de V. Ex.ª ao longo deste debate. Dir-se-ia que V. Ex.ª é o grande defensor do Governo nesta matéria, já que o Executivo não se dignou, até este momento, dar uma única palavra a esta Assembleia sobre o projecto.
O Sr. Deputado diz que votará contra este projecto mas, ao mesmo tempo, diz-se favorável à fixação de preços.
Gostava que me esclarecesse claramente sobre essa posição, visto que não estou a entendê-la muito bem.
Por outro lado, referiu o imperativo constitucional e citou o artigo 103 º Queria perguntar-lhe, Sr. Deputado, se acha que o Governo tem cumprido com essa determinação constitucional.
O Sr. Deputado, depois das suas intervenções, ainda não me esclareceu sobre as medidas que, neste domínio da garantia dos preços e do escoamento de produtos agrícolas, acha essenciais para a nossa agricultura.
Por último, queria saber se acha que os agricultores têm motivos para se mostrarem satisfeitos perante a necessidade de, inúmeras vezes e todos os anos, terem de recorrer aos grandes intermediários, exactamente por falta de uma política de fixação de preços e da garantia de escoamento dos produtos agrícolas.

O Sr. Presidente: - Para responder, se desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Afinal parece-me que o Sr. Deputado terá ficado com dúvidas e que eu não terei sido tão grande defensor da política do Governo, na medida em que me vem perguntar se estou de acordo com a política do Governo! O Sr. Deputado deve ter percebido mal, de facto!

Não lhe vou explicar neste momento e a esta hora da note quais serão as medidas que, do meu ponto de vista, se poderiam tomar nesta matéria e, sobretudo, não vou fazer aqui o projecto de lei que o MDP/CDE talvez gostasse de ter feito mas, pelos vistos, foi incapaz de fazer. É tarde para isso.
A questão de saber se estou de acordo e se acho que o Governo tem cumprido o dispositivo constitucional sobre a fixação de preços de uma maneira efectiva, eficaz e de modo a corresponder aos interesses dos agricultores, devo dizer-lhe desde já, muito simplesmente e com uma única palavra: não! O que acho, Sr. Deputado, é que a situação continuaria a, ser exactamente a mesma se o projecto de lei do MDP/CDE porventura viesse a ser aprovado, na medida em que não altera uma vírgula ao condicionalismo jurídico-institucional em que este governo se movimenta.

O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Deputado, ouvi atentamente a sua explicação, e quanto à legislação agrícola nós ficaremos à espera que V. Ex.ª, como antigo ministro da Agricultura e, por tanto, um expert nesta matéria, apresente essa legislação nesta Câmara, sem ultrapassar os limites da Constituição.

Fiz uma pergunta à qual o Sr. Deputado não respondeu: acha que os agricultores têm razões para se mostrarem satisfeitos perante a necessidade que têm de se vergar aos grandes intermediários, devido à política governamental que tem sido levada a efeito?

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado desculpar-me-á, mas isto tem que ser explicado clarinho, clarinho para o Sr. Deputado entender!
Se é evidente que lhe disse que entendia que a política do Governo, longe de satisfazer os interesses dos agricultores e de corresponder aos imperativos constitucionais, caminhava em sentido contrário, obviamente que estava a responder de forma implícita à segunda pergunta. Os agricultores, a menos que sejam masoquistas, não terão, do meu ponto de vista, razão nenhuma para estar satisfeitos.

Página 4873

Sr. Deputado, espero que desta vez eu tenha sido claro, tão clarinho, tão clarinho que até o Sr. Deputado foi capaz de entender!

Risos.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE):

Seria bom que referisse a palavra intermediários!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz, último orador inscrito para este debate.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Eu quase diria que esta ordem de trabalhos, no que diz respeito ao período da ordem do dia, foi um artifício. Pese embora o muito respeito que tenho por todos os interventores nesta discussão, julgo que aproveitámos a oportunidade de ter em discussão um projecto de lei do qual ainda não consegui, apesar de a discussão ter sido aturada, vislumbrar nada de concreto, para discutir alguns aspectos que dizem respeito à agricultura e que são bastante importantes.

Julgo, no entanto, que seria mais interessante que marcássemos uma ordem de trabalhos para discutir este assunto de uma forma mais concreta, aturada e preocupada. Isto porque, efectivamente, a fixação dos preços para a agricultura e muito importante, sendo um dos aspectos que podemos responsabilizar pela sua crise. Mas esta, que dura na realidade há séculos, não depende, como é lógico, única e exclusivamente disso.
Perguntava eu quem é que tem culpa do tipo de solos que temos.
Tê-lo-ão com certeza os responsáveis pela política agrícola, por não terem conseguido nunca determinar uma ocupação cultural conveniente e racional.
E com certeza igualmente responsável a dimensão da propriedade, o nível e a preparação do empresário, o apoio técnico a este e à empresa, o tipo de crédito concedido à agricultura e a sua racionalização e fiscalização, isto é, o seu acompanhamento conveniente.
É com certeza responsável por tudo isso o vazio que existe no que diz respeito ao ordenamento agrícola e cultural, bem como ao aproveitamento racional dos solos.
Mas, enfim, foi aqui afirmado ao longo da discussão que, aquando da apresentação do Governo, era referida com uma grande preocupação, a prioridade das prioridades, a política agrícola. Como até agora nada se viu e já lá vai um ano, quase me arriscava também a ser subscritor do projecto aqui adiantado pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso, Vamos, sim, substituis este projecto por aquele que diz para melhorarmos o nível de vida do povo português. Aliás talvez eu adiante até um outro que diga: «Cumpra-se a Constituição.»

Não vale a pena estarmos a discutir projectos isolados, que mais não são que transcrições dos preceitos constitucionais.

Este projecto hoje apresentado é totalmente vazio, sendo totalmente descabida a forma como aqui foi discutido.

É um facto que é de todo o interesse para o empresário agrícola poder - acautelar os seus rendimentos, disciplinar a sua actividade ao longo do ano, sabendo os preços dos seus produtos de uma forma mais ou menos garantida.
Mas também não vamos ao ponto de sacrificar todos os intermediários, dizendo que eles são os grandes papões da economia, porque, na realidade, Srs. Deputados, se não fosse muitas vezes o intermediário, o que é que seria do empresário agrícola? São muitas vezes os intermediários que pela sua actuação conseguem normalizar e ser os esteios de toda a rede de comercialização dos produtos agrícolas.
Não me queria alongar muito mais, mas apenas dizer ainda - e com certeza já o perceberam pelas minhas palavras - que o meu grupo parlamentar votará, sem qualquer espécie de dúvidas contra este projecto, porque na realidade ele não contém nada que nos possa sequer dar-lhe o direito da abstenção.

O Sr. Presidente. - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, para um pedido de esclarecimento.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Lopes Cruz ...

Vozes: - Não é Lopes Cruz, mas Soares Cruz.

O Orador: - Perdão, Sr. Deputado Soares Cruz, ouvi atentamente a sua intervenção.

V. Ex.ª, que é um deputado que conhece profundamente a temática da agricultura, dir-me-á o seguinte: deve-se ou não à falta de garantia de preços e de escoamento o facto de inúmeros agricultores cada vez abandonarem mais as terras e não as cultivarem de acordo com as suas possibilidades?

V. Ex.ª falou na política de solos e é evidente que estamos totalmente de acordo em relação i1 necessidade de haver uma política de solos realista com um ordenamento agrícola e cultural multo claro e concreto.

O Sr. Deputado disse que estava contra projectos isolados. Não entende V. Ex.º que, uma vez que não existe uma política global agrícola deste governo, projectos isolados desta natureza, como um outro, por exemplo, que já foi aqui por nós apresentado - o projecto de crédito agrícola de emergência -, poderão, de uma maneira muito real, concorrer para a melhoria da nossa agricultura?

O Sr. Deputado disse que não se deviam crucificar todos os intermediários, tocando assim um dos cernes da questão.

Em relação aos intermediários perguntava-lhe se não será a falta de uma política global agrícola do Governo e de garantia de fixação de preços e de escoamento que leva exactamente à existência desses intermediários, muitos dos quais forçam os agricultores a aceitar preços abaixo de todos os mínimos aceitáveis.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito, também para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era apenas para dizer que, no fim de contas, o Sr. Deputado começou por fazer uma

Página 4874

crítica dizendo que a discussão deste projecto de lei tinha sido um artificio para se abordarem problemas mais vastos da agricultura.
Eu diria que, se foi um artifício, o Sr. Deputado também o utilizou, porque acabou exactamente por fazer o mesmo.
Provavelmente isto acontece porque a oportunidade de discutir as questões sobre a agricultura não abunda nesta Assembleia e, por outro lado também, porque me parece perfeitamente legitimo que ao abordar um problema de políticas de preço e de comercialização - porque a fixação prévia de preços e a garantia de escoamento têm a ver com essas políticas - se as enquadre no contexto global dessas mesmas políticas sectoriais. Foi isso que se fez em muitos cargos.
Dir-me-á provavelmente que vou continuar a usar um artifício, mas neste caso será para responder ao seu.
É preciso atenção em relação ao problema da discussão da propriedade, porque, se formos ver em termos de produtividade, o Sr. Deputado chegará, se calhar, à conclusão de que a distorção da propriedade se encontra fundamentalmente ao nível do latifúndio e não propriamente ao da pequena exploração, a qual participa para o produto agrícola bruto com uma percentagem largamente superior à das explorações neste País com mais de 50 ha.
Haveria ainda, por outro lado, de entender a política de preços no contexto de se tratar de um instrumento para libertar a parcela disponível da produção para lá do autoconsumo das pequenas explorações.
O Sr. Deputado falou no nível do empresário agrícola. A este respeito, gostaria de lhe perguntar se considera que o nível do nosso empresário agrícola é uma causa ou uma consequência, visto que se tratam de 2 aspectos substancialmente diferentes.
Parece-me que será extremamente difícil não reconhecer que a situação a que se chegou em termos de médias etárias dos nossos agricultores e de formação intelectual e profissional foi, exactamente, a consequência de uma política que amarrou a nossa agricultura ao subdesenvolvimento e que estrangulou todo o tecido social e económico dos meios rurais. E aqui também cabia perguntar se a política que este Governo vem fazendo não tem ela contribuído também para o agravamento desta situação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz para responder aos pedidos de esclarecimento formulados.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Corregedor da Fonseca: Espero bem que V. Ex.ª não tivesse ficado baralhado por causa de me ter tornado subscritor do projecto do Sr. Deputado Lopes Cardoso e daí ter surgido o híbrido Lopes Cruz! Não vale a pena ter esse tipo de equívocos.
É um facto que o abandono das terras tem acontecido e sabe-se porquê: a idade do empresário é cada vez maior e não tem havido condições na política global agrícola para dar garantia aos jovens de se radicarem na terra.
Há legislação que contempla essa situação., mas ela não tem sido posta em prática de uma forma conveniente. Por outro lado, essa actividade não tem sido minimamente disciplinada. O que acontece é que o jovem ao tentar radicar-se na terra esbarra logo com um complicadíssimo processo burocrático, acabando depois por se afastar.
Pena é que muitas dessas parcelas abandonadas não tenham sido aproveitadas para se racionalizar a dimensão das explorações, porque isso, como V. Ex." sabe, acontece fundamentalmente na região do minifúndio.
Respondendo a outra questão que o Sr. Deputado me pôs, dir-lhe-ia que quando falei em projectos isolados não quis dizer que era contra estes projectos que abarcam matérias atinentes à agricultura, mas sim que eram projectos isolados retirados de preceitos constitucionais.
Por outro lado, em relação aos intermediários referi-me àqueles que são honestos - que os há e muitos - que têm contribuído para a moralização das redes de comercialização dos produtos agrícolas. E evidente que há muito oportunista que, utilizando a sua função de intermediário, consegue distorcer essa rede e sugar grande parte do trabalho e do empenho que o empresário agrícola põe nos seus produtos. Mas penso que V. Ex.ª não estava a pensar que eu estava a defender esses casos.
Passo agora a responder ao Sr. Deputado Rogério de Brito,
Sr. Deputado, eu em Roma fui apenas romano! E evidente que senti obrigação de referir alguns aspectos que estiveram em discussão e mal parecia que o não fizesse. O Sr. Deputado conhece bem a minha posição, tenha tomado aqui variadíssimas vezes, e sabe portanto quanto sou contra - eu ia dizer quanto à política, mas não o posso fazer - a não política deste Governo. Sou contra, uma vez que ela é inexistente.
Mas em relação ao projecto de lei, sinto alguma dificuldade em comentar o nada que ele contém. Por isso mesmo, tive de fugir a esses comentários, tendo aflorado alguns aspectos, repetindo-me até talvez em relação às perguntas que fiz aquando da intervenção inicial do Sr. Deputado António Taborda.
Em relação à dimensão da propriedade, estamos completamente definidos. A propriedade no minifúndio é pequena e pequena de mais. É muito difícil, por muita especulação técnico-científica que V. Ex.ª pretenda fazer, pôr a grande maioria das propriedades - que, como sabe, tem muito menos de meio hectare a produzir alguma coisa mais do que a agricultura de mera subsistência. É muito difícil, sabendo aliás quão carentes e fracos são os solos, bem como a nossa tecnologia agrícola.
É evidente que o nível dos agricultores não é uma causa, mas consequência daquilo que aqui acusei. Este Governo, bem como muitos outros, não têm tido o cuidado de preparar tecnicamente os agricultores, de prover os serviços de técnicos que façam uma extensão rural conveniente, nem curado de acompanhar a par e passo os agricultores menos evoluídos, independentemente da sua idade e de uma inserção.

Em relação à grande propriedade também não defendo que ela seja entregue a esmo. Entendo que a propriedade deve estar dimensionada, independentemente do seu aspecto social, de acordo com a capa-

Página 4875

cidade do empresário. Este tem sido sempre o grande ponto de luta do nosso partido e continuará a ser.
Somos por uma propriedade dimensionada de acordo com a capacidade do empresário e só assim é que se pode inverter o esquema produtivo da agricultura e tornar esta produtiva.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca para um protesto.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Deputado Soares Cruz, em resposta à minha pergunta inicial sobre o motivo porque as terras estão abandonadas, o Sr. Deputado referiu-se ao jovem agricultor. Dou-lhe razão, Sr. Deputado. E evidente que é necessário criar estímulos aos jovens agricultores, desde a formação profissional ao desenvolvimento das a infra-estruturas, de escolas, de electrificação rural, de estradas e do tal armazenamento de que tantas vezes aqui temos falado.
O Sr. Deputado também referiu a idade avançada dos nossos agricultores, etc. Mas pergunto-lhe se, independentemente disto tudo, pensa ou não que a falta de garantia de preços e a falta de escoamento dos produtos leva os nossos agricultores a afastarem-se cada vez mais. Isto, repito, independentemente dos problemas resultantes da falta de estimulo dos nossos agricultores e empresários que V. Ex.ª referiu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz para um contraprotesto.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, respondo-lhe muito rapidamente da seguinte maneira: penso que não, se for observada como uma medida extrema. O que julgo é que se trata de uma medida cuja posição, articulada com muitas outras numa escala hierárquica, se encontra do início para baixo. Há, assim, outras medidas mais importantes.
Não pense V. Ex.ª, nem os Srs. Deputados, que sou contra a fixação dos preços. O que penso é que deve ser uma medida convenientemente apoiada. Ora como não é o caso, VV. Ex.ªs têm de ver o vosso projecto de lei ser rejeitado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, vamos proceder è votação do projecto de lei n .º 258/III do MDP/CDE, cuja nova versão consta do projecto de lei n .º 350/III.

Submetido d votação, foi rejeitado, com votos cor. ira do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI e votos a favor do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda para uma declaração de voto.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta discussão e esta votação vieram trazer à tona mais um problema da agricultura portuguesa.
Os resultados da vontade maioritária desta Assembleia, expressos na votação que acaba de ter lugar, significam que, não obstante todos terem reconhecido

que o projecto de lei apresentado pelo MDP/CDE estava em consonância com a Constituição - designadamente com o seu artigo 103.º -, esta Assembleia se recusa a legislar ordinariamente este artigo, bem como se recusa a fixação dos preços dos produtos agrícolas e o abastecimento público, a garantia dada à segurança e à justa remuneração dos agricultores portugueses e a diminuição da nossa dependência externa.

O povo português, os agricultores e os camponeses deste pais tirarão as ilações desta votação.

Vozes do MDP/CDE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Ângela Correia para uma declaração de voto.

A Sr.ª Maria Angela Correia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista votou contra o projecto de lei n.º 350/III, do MDP/CDE, sobre fixação prévia de preços à colheita e garantia de escoamento, por entender que o Governo tem vindo a desenvolver efectivamente uma política adequada na fixação atempada dos preços, assim como a garantia de níveis adequados de remuneração, para além de intervenções temporárias motivadas por variações bruscas no equilíbrio oferta-procura.
O PS entende, também, que não deve ser o Estado a ter a acção total de intervenção e regularização das produções agrícolas, pois não possui as estruturas necessárias nem os recursos financeiros suficientes para se substituir è actividade comercial.

Aplausos do PS.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, interpelando a Mesa informava V. Ex.ª de que apresentaremos na Mesa a nossa declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel, para uma declaração de voto.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre o projecto de lei n.º 350/III, do MDP/CDE, sobre a fixação prévia de preços à colheita e garantia de escoamento, que acabámos de votar, tem o Partido Social-Democrata no seu programa a resposta cabal sobre o objecto que se acabou de tratar. O PSD fez a sua opção sobre o tipo de empresa agrícola familiar, económica e socialmente viável, inserida num quadro de agricultura intensiva, capaz de assegurar o abastecimento alimentar da população ou a produção de matérias-primas essenciais.
No que diz respeito ao problema da comercialização dos produtos agrícolas ou das indústrias agrícolas, assume igualmente importância relevante e implica a intervenção do Estado a nível de produção, orientando-a e fornecendo apoio financeiro e técnico, de modo a assegurar a regularização da oferta, assim com

Página 4876

a definição de uma correcta política de preços com finalidades
anti-especulativas, tendo em conta os tais custos de produção.
A fixação de preços nos produtos deve ser completada com o estabelecimento de margens de comercialização máximas até ao consumidor ou utente, sem impedir a concorrência que possa actuar como factor suplementar de baixa de preços.
Para que toda esta política seja implementada com o rigor que compete, seria necessário a construção de uma rede de infra-estruturas básicas que facilitem o transporte e o armazenamento dos produtos dos quais seja necessário constituir stocks preventivos, ou por necessidade de colheita, seria também prioritário uma nova política para os ex-organismos de coordenação económica em matéria de intervenção e de comércio, passando pela sua transformação em organismos reguladores do mercado, com a participação na gestão de associações profissionais de agricultores.
Temos consciência que não é viável, nem em Portugal nem em qualquer outro país de economia de mercado, que o Estado possa generalizar a intervenção regularizadora ao conjunto das produções agrícolas.

Isto não é viável porque o Estado não dispõe de meios físicos e financeiros para pôr em prática esta política.

Por outro lado, entendemos que, de certa maneira, o Governo tem-se esforçado dentro das suas possibilidades para garantir os preços aos produtos que considera estratégicos como, por exemplo, os cereais de Primavera, cereais de Outono e oleaginosas.

Não obstante o PSD ser um acérrimo defensor de uma política de regularização de preços e mercadorias, pelo atrás exposto não pôde o PSD deixar de votar contra por lhe parecer o voto mais coerente dentro daquela perspectiva de que se deve apenas fazer o possível, pois a demagogia não é o nosso apanágio.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assistimos aqui a uma declaração de voto curiosíssima por parte do Sr. Deputado António Taborda, que não justificou o seu voto, mas s>im o voto dos outros.

Risos do PSD.

Pela minha parte, não vou explicar o voto do Sr. Deputado António Taborda; vou dizer as razões pelas quais a UEDS votou contra.

Pois bem, votámos contra o projecto de lei apresentada pelo MDP/CDE porque somos favoráveis à fixação antecipada dos preços, porque somos favoráveis à garantia do escoamento de produção e porque recusamos a demagogia legislativa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não aceitamos que as iniciativas legislativas tenham como única razão de ser, como única

justificação e como único conteúdo a pura e simples demagogia, de que foi exemplo este caso concreto que hoje aqui esteve em discussão.

Aplausos da UEDS, do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vão ser anunciados os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): --Deram entrada e foram admitidos os seguintes diplomas: ratificação n.º 101/III, da iniciativa do Sr. Deputado João Carlos Abrantes, do PCP, sobre o Decreto-Lei n.º 19/84, de 23 de Maio, que determina as compensações financeiras a atribuir às câmaras municipais relativas à transferência patrimonial dos matadouros e casas de matança para a junta Nacional dos Produtos Pecuários; ratificação n.º 102/III, da iniciativa do Sr. Deputado José Magalhães e outros, do PCP, sobre o Decreto-Lei n .I 146-A/84, de 9 de Maio, que altera a estrutura orgânica do Centro de Estudos judiciários, dando nova redacção aos artigos 1.º, 5.º, 8.º, 9.º, 13.º, 23.º, 24.º, 28.º, 29.º, 35.º, 36.º, 37.º, 45.º, 46.º, 49.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 55.º e 67.º do Decreto-Lei n.º 374-A/79, de 10 de Setembro; ratificação n.º 103/III, da iniciativa da Sr.ª Deputada Zita Seabra e outros, do PCP, sobre o Decreto-Lei n.º 158/84, de 17 de Maio que estabelece e define o regime jurídico aplicável à actividade que, no âmbito das respostas de segurança social, é exercida pelas amas e as condições do seu enquadramento em creches familiares.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, resta-me anunciar a ordem de trabalhos da sessão de amanhã.
A sessão iniciar-se-á às 15 horas, sem período de antes da ordem do dia, conforme o acordado em conferência de líderes dos grupos parlamentares. Para o período da ordem do dia estão agendados os projectos de lei n.os 281/III e 199/III, apresentados pelo PSD e pelo CDS, respectivamente, sobre o mesmo tema. Entretanto, o agrupamento parlamentar da ASDI só licitou à Mesa que seja também agendado um seu projecto de lei respeitante à mesma matéria com o n.º 114/III que não tinha sido considerado na agenda de trabalhos.
Na medida em que se trata de uma fixação da autoria do PSD e na qual se agendaram projectos de lei de outros grupos ou agrupamentos parlamentares com a concordância do partido que fixa a ordem do dia, pergunto aos Srs. Deputados do PSD se não põem objecções a que um projecto de lei conexo com a matéria do vosso seja agendado também para amanhã.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. presidente, dado que não tomei nota, gostaria de saber quando é que esse projecto de lei deu entrada na Mesa.

O Sr. Presidente: - Este projecto de lei já deu entrada na Mesa há muito tempo, Sr. Deputado.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Nesse caso, ele só não foi agendado por lapso.

O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Deputado.

O Orador: - Dado que tem sido esse o critério, não fazemos qualquer objecção a que seja agendado

Página 4877

amanhã, Sr. Presidente. Naturalmente que a questão punha-se só em termos da data de entrada.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, este incidente da introdução de um novo projecto de lei na ordem do dia obriga-nos a dizer o seguinte: quando foi fixado, - em conferência de líderes dos grupos parlamentares, o tempo a atribuir a cada partido para intervir sobre os 2 projectos de lei em questão, reservámos a nossa posição sobre a limitação do tempo do nosso grupo parlamentar. Ora, a introdução de um novo projecto de lei reforça as reservas que tínhamos posto a essa limitação de tempo e, embora não objectemos ao seu agendamento para a sessão de amanhã - até porque o próprio partido que fixou a matéria o aceita -, teremos de estudar, no âmbito do meu grupo parlamentar, a necessidade de tempo para participarmos no debate de amanhã.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, da nossa parte prescindimos de qualquer tempo para além daquele que nos foi atribuído.
Relativamente ao Partido Comunista Português, dado que acaba de ser confessado que o tempo para aquele grupo parlamentar é ilimitado, julgo que dentro daquilo que é ilimitado cabe a limitação do nosso projecto de lei.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, creio que em relação a certos deputados desta Assembleia teremos de começar a usar uma linguagem diferente.
Quando por consenso se chega a limitações de tempo estamos todos de acordo. Porém, quando há partidos que reservam a sua opinião, creio que se deve ter isso em linha de conta e sempre assim aconteceu. De modo algum dissemos que queríamos tempo ilimitado; apenas suscitámos a questão de que, face à introdução de um novo projecto de lei na ordem do dia de amanhã e tendo nós reservado a nossa posição sobre a atribuição de tempos, faremos chegar amanhã à Mesa, antes do início dos trabalhos, a nossa opinião sobre os tempos que foram atribuídos,
Creio, porém, que intervenções do tipo desta que acabou de ser feita não dignificam os trabalhos da nossa Assembleia.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, naturalmente que o PCP tem o direito de invocar os seus direitos regimentais quanto a não se limitar aos tempos distribuídos. Mas, de qualquer forma, também teremos
o direito de requerer a votação no final do período
regimental se assim o entendermos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Para o vosso projecto de lei!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ficam, assim, agendados para a ordem do dia de amanhã os 2 projectos de lei anunciados, bem como o projecto de lei n.º 114/III, apresentado pela ASDI.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 50 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Joaquim Leitão Ribeiro Arenga.
José Barbosa Mota.
Victor Hugo Jesus Sequeira.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

João Maurício Fernando Salgueiro.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José António Valério do Couto.

Partido Comunista Português (PCP):

João António Torrinhas Paulo.
José Manuel Santos Magalhães.

Centro Democrático Social (CDS):

Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
João Gomes de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Manuel Jorge Forte Goes.
Manuel Leão Castro Tavares.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto Rodrigues Ferreira Camboa.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Jorge Alberto Santos Correia.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida .
José Manuel Torres Couto.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Monteiro Picciochi.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Maria de Ornelas Ourique Mendes.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.

Página 4878

Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
João Pedro de Barros.
Joaquim Dias Carneiro.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Serafim de Jesus Silva.

Partido Comunista Português (PCP)

Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Maria Margarida Tengarrinha.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS)

Horácio Alves Marçal.
João António de Morais Silva Leitão.
José Augusto Gama.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.

Relatório e parecer da comissão de Regimento e Mandatos enviado à mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 29 de Maio de 1984, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:

José Bento Gonçalves (círculo eleitoral do Porto) por Joaquim Dias Carneiro (esta substituição é pedida para os dias 29 de Maio corrente a 1 de junho próximo, inclusive);
José Bento Gonçalves (círculo eleitoral do Porto) por Serafim de Jesus Silva (esta substituição é pedida para os dias 2 a 8 de junho próximo, inclusive);
João Pedro Antas de Barros (círculo eleitoral de Viseu) por Luís Fernando Gonçalves Riquito (esta substituição é pedida para os dias 5 a 30 de Junho próximo, inclusive).

2) Solicitada pelo Partido do Centro Democrático-Social:

Joaquim Rocha dos Santos (círculo eleitoral do Porto) por Manuel Leão Rosas Castro Tavares (esta substituição é pedida para os dias 29 de Maio corrente a 1 de Junho próximo, inclusive).

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos Indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Vice-Presidente, António do Nascimento Machado Lourenço (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - Beatriz Cal Brandão (PS) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Manuel Fontes Orvalho (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Manuel Portugal da Fonseca (PSD) José Mário Lemos Damião (PSD) - Leonel Santa Rita Pires (PSD) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) Luís Filipe Paes Beiroco (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Declaração do voto de ASDI, relativa ás propostas de lei
n.º 64/III e de resolução n.º 13/III e ao projecto de lei
n.º 110/III, votados em anterior cessão.

1 - Os deputados da Acção Social-Democrata Independente votaram, como seria natural, favoravelmente o projecto que subscreveram.
Muitas das críticas que sobre ele recaíram terão, aliás, exclusivamente resultado do atraso no conhecimento das alterações entretanto já apresentadas na Mesa.
Propositadamente, colocámos o debate na óptica dos Direitos do Homem e da Defesa das Liberdades. Continuamos a pensar ser este o verdadeiro debate.
O que está em causa não é a informática, que é neste campo apenas um meio mais poderoso de memorização e tratamento, nem a protecção de dados que pressupõe que eles hajam sido recolhidos.
O que está em causa é o direito de exigir que uma sociedade não se transforme, pela memória ampliada, numa sociedade totalitária em que cada homem fique, e em definitivo, amarrado ao seu passado, sem esperança, nem capacidade de progredir, agrilhoado ao mundo mecanicista das estruturas de uma cultura repressiva.
O maniqueísmo da ordem termina, como denuncia Morin (in A natureza da URSS), na fase em que «não só persegue tudo o que é proibido mas também persegue o não conforme com aquilo que é prescrito».
2 - Votámos de igual modo favoravelmente a proposta de lei apresentada pelo Governo.
Em primeiro lugar, porque o debate nos permitiu a convicção de que seria profundamente modificada e corrigida.
A óptica em que se coloca é, tão-somente, a da protecção contra as modificações por acidente ou meios não lícitos de dados, a sua destruição e divulgação.
Pensamos não ser este o espírito dos preceitos constitucionais que apontam para a absoluta interdição de recolha de alguns dados e para o direito de acesso sem restrições aos registos informáticos, qualquer que seja a sua natureza, nem a solução mais correcta.
E, todavia, esta opção que torna explicáveis flagrantes inconstitucionalidades como as que constituem os artigos 4.º, n.º 2, 17.º, alínea d), e 20.º
Reconhecemos, todavia, que as soluções adoptadas se aproximam, na sua maioria, da Convenção do Conselho da Europa sobre esta matéria, que entendemos

Página 4879

dever votar favoravelmente, e dai o voto favorável a proposta governamental, mau grado os muitos defeitos que lhe assacamos.

Rectificação ao n.º 103 do «Diário da Assembleia da República» (Intervenção do deputado do CDS Narana Coissoró).

Na p. 4344, col. 1.ª, 1. 2 f., onde se lê «com o requisito indispensável .. . » deve ler-se «como requisito indispensável ... ».
Na mesma página, col. 2.ª, 1. 15 e 16, onde se lê «Centenário da Independência do Brasil» deve ler-se «Centenário da Descoberta do Brasil».

Nas mesmas páginas e coluna, 1. 19, onde se lê «o seu último testemunho» deve ler-se «o último testemunhou.
Nas mesmas página e coluna, 1. 21 e 22, onde se lê «preparando em terra própria o seu encontro com a morte» deve ler-se «peregrinando em terra própria e preparando o seu encontro com a morte».
Nas mesmas página e coluna, 1. 23, onde se lê «Braudel» deve ler-se «Brudel».
Nas mesmas página e coluna, 1. 26 e 27, onde se lê «Jaime Cortesão é a síntese perfeita do espirito do povo português. Democrata, liberal ... » deve ler-se «Jaime Cortesão é a síntese perfeita do espírito do povo português: democrata, liberal...».

Os Redactores, Carlos Pinto da Cruz - Leonor Ferreira.

Página 4880

PREÇO DESTE NÚMERO 115$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×