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I Série- Numero 123

Quinta-feira, 14 de Junho de 1984

DIÁRIO da ASSEMBLEIA da REPUBLICA

I LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 12 DE JUNHO DE 1984

Presidente: Exmo Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais

Secretários: Exmo Srs.
Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Mala Nunes de Almeida
Manuel António do Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão 10 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia. - Procedeu-se à leitura do expediente e deu-se conta de requerimentos e das respostas a uns outros.
Foram discutidos e aprovados dois votos de pesar pelo ente falecimento do dirigente do Partido Comunista Italiano, Eurico Berlinguer, apresentados um pelo PS e outro pelo PCP. Intervieram no debate, a diverso titulo, os Srs. Deputados Jorge Lemos (PCP), Silva Marques (PSD), Carlos Lage (PS), Carlos Brito (PCP), Gomes de Pinho (CDS) e João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
Em declaração política, o Sr. Deputado Vidigal Amaro (PCP), considerando existir uma total ausência de uma verdeira e efectiva política de saúde, acusou o Governo de o principal responsável por esta situação. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento e a protestos dos Srs. Deputados Ferraz de Abreu (PS), Alexandre Reigoto e Luís Barbosa (CDS) e João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Belmiro Mota (PS), abordando a existência, ainda hoje, de um sector primário estagnado de sobrevivência, estrutural e regionalmente desequilibrado, considerou urgente que se inicie a dinamização e desenvolvimento deste sector, com relevo para a Agricultura.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Gaspar Pacheco (PSD), referiu-se a diversos anseios e problemas das elites do distrito de Viana do Castelo, considerando vital para o seu desenvolvimento a construção de uma via rápida Porto-Valença, a conclusão do porto de Viana do Castelo, a construção da ponte sobre o rio Lima, bem como a construção da estrada Valença-Melgaço.

Ordem do dia. - Foi discutido e aprovado, na generalidade, tendo baixado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o projecto de lei n.° 59/III, representado pela ASDI, relativo à transmissão pela rádio e televisão de produções dramáticas portuguesas. Intervieram no iate, a diverso título, os Srs. Deputados Vilhena de Carvalho (ASDI), Gomes de Pinho (CDS), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), José Manuel Mendes (PCP), António Costa (PS), Magalhães Mota (ASDI), Amélia de Azevedo (PSD) e Igrejas Caeiro (PS).
Procedeu-se à discussão e votação, tendo sido rejeitado, do projecto de resolução n.° 23/III, relativo à assunção pela Assembleia da República de poderes extraordinários de revisão constitucional, apresentado pelo CDS. Intervieram no debate, a diverso titulo, os Srs. Deputados Luís Beiroco (CDS), Sottomayor Cárdia (PS), José Manuel Mendes e Octávio Teixeira (PCP), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Carlos Lage e Jorge Lacão (PS), José Magalhães (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Costa Andrade (PSD). César Oliveira (UEDS), Fernando Condessa (PSD), Azevedo Soares (CDS), Lopes Cardoso (UEDS), Marques Mendes (PSD), Bagão Félix e Narana Coissoró (CDS), Hasse Ferreira (UEDS), Magalhães Mota (ASDI), José Vitorino (PSD), António Taborda (MDP/CDE), Santana Lopes (PSD), Lucas Pires (CDS) e Belmiro Marques (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 2 horas e 5 minutos do dia seguinte.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 55 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alexandre Monteiro António.
Almerindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro.

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António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António José Santos Meira.
António Manuel Carmo Saleiro.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Belmiro Moita da Costa.
Bento Elísio de Azevedo.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Ferdinando Lourenço Gouveia
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João de Nascimento Gama Guerra.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Martins Pires.
José Maximiano Almeida Leitão.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Paulo Manuel de Barros Barrai.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
Jorge Nélio Ferraz Mendonça.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Ferreira Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Fernando Gonçalves Riquito.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.

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Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Augusto Santana Lopes.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Telmo Silva Barbosa.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.

arlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Costa Campos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino Paz Paulo Bicho.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Simões Areosa Feio.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Joel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Gomes de Pinho.
António José de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João António de Morais Silva Leitão.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
José Augusto Gama.
José Henrique R. Meireles de Barros.
José Luís Nogueira de Brito.
José Vieira de Carvalho.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte Góes.
Narana Sinai Coissoró.
Rui Manuel Correia de Seabra.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Monteiro Taborda.
Helena Cidade Moura.
João Corregedor da Fonseca.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que VV. Ex.ªs estarão de acordo em que, passados 55 minutos sobre a hora marcada para o início dos nossos trabalhos tenhamos, à risca, o quorum necessário para abrir a sessão.
Numa próxima conferência de presidentes dos grupos e agrupamentos parlamentares, vou solicitar para que se tomem as medidas necessárias que impeçam a continuação deste sistema de iniciarmos os nossos trabalhos, isto é, bastante mais tarde do que a hora prevista, o que prejudica o funcionamento das agendas estipuladas.
Vai proceder-se à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte:

Expediente
Abaixo-assinado

De praças reformados da Guarda Nacional Republicana, cujo primeiro subscritor é Joaquim Maria Guerreiro, solicitando o empenhamento desta Assembleia para que seja feita uma rectificação ao estatuto daquela Corporação, de molde a que lhes seja concedida a reserva dentro da brevidade possível.

Ofícios

Da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim a remeter fotocópia da acta da reunião efectuada em 8 de Maio, referente à delimitação do domínio público marítimo e terrenos contíguos, na freguesia de Aver-o-Mar, daquele concelho.

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Da Federação dos Sindicatos das Indústrias de Alimentação, Bebidas e Tabacos e da Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos, manifestando-se contra o teor do Decreto-Lei n.º 124/84, de 18 de Abril, por considerarem que o mesmo pode levar a entidade empregadora a pressionar o trabalhador a não se inscrever na segurança social.
Da Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola Secundária do Feijó, a enviar uma moção na qual fazem sentir a preocupação dos pais pela falta de escolas nos concelhos de Almada e Seixal.
Da Assembleia Municipal da Moita, das Juntas de Freguesia de Alhos Vedros, São Brissos, Vila Franca de Xira e Damaia e das Câmaras Municipais de Castelo Branco e Viana do Alentejo, com moções manifestando-se contra a nova legislação sobre o poder local.

«Telexes»

Do presidente da Assembleia Nacional do Poder Popular da República de Cuba, Flávio Bravo Pardo, enviando saudações por ocasião das comemorações do Dia de Portugal e formulando votos pelo desenvolvimento das relações no campo parlamentar, contribuindo para a paz mundial e o progresso da humanidade.
Do presidente da Câmara Municipal de Paredes, em nome dos presidentes das Câmaras Municipais do Agrupamento dos Concelhos do Vale do Sousa manifestando a sua posição relativamente à elaboração das redes de transportes escolares relativos ao 1.º trimestre do ano lectivo de 1984-1985.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Nas últimas reuniões plenárias foram apresentados os seguintes requerimentos:
Na reunião do dia 5 de Junho de 1984: ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Fernando Figueiredo e Cardoso Ferreira; aos Ministérios do Equipamento Social e da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado José Vitorino; ao Ministério da Saúde formulado pelos Srs. Deputados Domingos Lima, Eleutério Alves e Paulo Areosa; à Secretaria de Estado das Florestas, formulado pelo Sr. Deputado José Lello;
Na reunião do dia 6 de junho de 1984: ao Ministério da Agricultura, Florestas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado Araújo dos Santos; ao Ministério da Educação, formulado pela Sr.ª Deputada Zita Seabra; aos Ministérios da Administração Interna e da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Barral e outros; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Araújo Guedes; ao Ministério das Finanças e do Plano, formulado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo; aos Ministérios da Agricultura, Florestas e Alimentação, do Equipamento Social e da Administração Interna (2), formulados pelo Sr. Deputado Gomes dos Santos;
Na reunião do dia 7 de Junho de 1984: ao Governo e ao Ministério da Justiça (4), formulados pelo Sr. Deputado José Magalhães e outros; ao Ministério da Educação e à Secretaria de Estado da Emigração (3), formulados pelo Sr. Deputado Paulo Areosa; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formula pelos Srs. Deputados Guerreiro Norte, Antunes da Silva e Ascensão Mota; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Fontes Orvalho;
Na reunião do dia 8 de Junho de 1984: Governo, formulado pelo Sr. Deputado Alvt Brasileiro; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado António Mota; aos Ministérios da Educação e do Equipamento Social (2), formulados pelo Sr. Deputado Paulo Areosa; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e à Secretaria de Estado das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Hasse Ferreira; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Machado Lourenço; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Coelho.

Foram ainda recebidas as seguintes respostas requerimentos: do Governo, aos requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados: Joaquim Gomes Jorge Lemos, na sessão de 23 de Junho; Dinis Alves na sessão de 14 de Setembro e 16 de Abril; José Tengarrinha e outros, na sessão de 22 de Setembro Manuel Fontes Orvalho, na sessão de 10 de Novembro João Amaral e Octávio Teixeira, na sessão de 17 Janeiro; Helena Cidade Moura e outros, na sessão de 31 de Janeiro; Jorge Lemos e outros nas sessões de 31 de Janeiro e 20 de Março; Magalhães Mota nas sessões de 2 de Fevereiro, 21 de Março, 3 e 16 Abril; João Abrantes, na sessão de 3 de Fevereiro Gaspar Martins e Francisco Manuel Fernandes, sessão de 10 de Fevereiro; Avelino Rodrigues, Ricardo Barros e Lacerda de Queirós, na sessão de 8 de Março; António Gonzalez, na sessão de 27 de Março; João Góis, na sessão de 3 de Abril; Duarte Lima, sessão de 26 de Abril; José Vitorino, na sessão 2 de Março.
5 câmaras municipais responderam a requerimento apresentados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na mesa um voto de pesar subscrito por vários Srs. Deputados do PS, do seguinte teor:
Tendo falecido o dirigente do Partido Comunista Italiano, Enrico Berlinguer, grande personalidade da política italiana e destacada figura pensamento político europeu dos nossos dias, a Assembleia da República exprime, ao Presidente da República e ao Parlamento Italiano seu profundo pesar.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para comunicar à Câmara que nós próprios vamos entregar na mesa um voto de pesar, que não é contraditório com o que acabou de ser lido, mas que gostaríamos que fosse considerado e analisado mesmo tempo.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

Pausa.

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Srs. Deputados, deu entrada na mesa um voto pesar subscrito por vários Srs. Deputados do PCP, de seguinte teor:
Ao tomar conhecimento do súbito falecimento de Enrico Berlinguer, secretário-geral do Partido Comunista Italiano e membro do Parlamento Italiano, a Assembleia da República manifesta o seu mais profundo pesar e exprime a sua solidariedade aos comunistas e ao povo italiano.

Srs. Deputados, creio que VV. Ex.ªs estarão de acordo em que, logo que esteja presente o número suficiente de deputados, se proceda à votação destes tais votos de pesar.
Assim, para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A total ausência de uma verdadeira e efectiva política de saúde, virada para os interesses do povo português, é o balanço real que se pode fazer de 1 ano do Governo PS/PSD. Tal conclusão é admitida pelo próprio Governo. Basta consultar as pg. 89, 90 e 91 do «Balanço das principais medidas tomadas pelo IX Governo Constitucional» distribuído nesta Câmara durante a discussão da recente discussão da recente moção de confiança. De tal relatório constam no que respeita à saúde 8 medidas. Destas, apenas 3 tiveram reflexo directo nos utentes. Uma, foi a reformulação das taxas moderadoras nos serviços de saúde, outra as «novas comparticipações dos medicamentos» e a terceira a abertura de 2 hospitais distritais. Todas as outras medidas tomadas ou são «estudos a realizar» ou «reformulação de serviços».
Para 1 ano de actividade é não só muito pouco como também bastante mau!
A eliminação das taxas de hospitalização, radioterapia e anatomia patológica, constituiu simplesmente um acto de reposição de justiça social, pois tais taxas, além de ilegais eram inconstitucionais. Mas o Governo devia e poderia ter ido mais longe. Ainda hoje se continua a exigir o pagamento dos serviços prestados nas urgências e não foram abolidas as taxas
para análises clínicas e raios X.
Ao ser considerado inconstitucional a taxa de 25$ a pagar por medicamento, o Governo apressadamente criou legislação. Então, vá de catalogar os medicamentos em óptimos, bons, maus e assim... assim, e sobre cada um destes grupos vá de lançar uma comparticipação. Só, que quem paga é o doente. E este não sabe quais são as drogas de que são boas, as que são más ou as que são assim ... assim.
Porque não encarou o Governo de frente o problema? Todos sabemos que existem no nosso mercado muitos placebos e conhecemos mesmo muitas «drogas» de efeito farmacológico duvidoso ou mesmo prejudicial. Porque não proibir então a comercialização desses produtos? Porque espera o Governo para a publicação do Formulário Nacional de Medicamentos?
Fazer isso era o mínimo que havia a esperar. Mas para também bulir com o interesse das multinacionais a indústria farmacêutica, que lançam no nosso mercado diariamente toda a espécie de produtos e que ao fim do ano sacam milhões de contos de lucros.
A medida tomada pelo Governo é pura e simplesmente a mais cómoda, a que serve os interesses do capital, mas é de uma injustiça social flagrante. É hoje comum os doentes pedirem ao farmacêutico para escolher 1 ou 2 medicamentos dos prescritos pelos médicos, pois não têm dinheiro para aviar toda a receita. Esta uma realidade que qualquer dos Srs. Deputados pode constatar. Para isso basta passar algum tempo (pouco) numa farmácia.
Não pode ser o doente a saber se os medicamentos são maus, bons ou assim ... assim e, muito menos, deverá ser o doente a ser penalizado por tal desconhecimento.
No folheto de propaganda a que o Governo chamou balanço, é referido que foram abertos 2 novos hospitais distritais (Viana do Castelo e Chaves). Não é referido nestas 18 medidas quantas unidades de saúde encerraram e como se encontram a funcionar as restantes. E é pena.
Alguns dos Srs. Deputados é capaz de dizer que na sua região os serviços de saúde funcionam bem?
É capaz, em boa consciência, de dizer que funcionam melhor do que há 1 ano? Diariamente nos chegam queixas de norte a sul do País do mau funcionamento e mesmo do encerramento de postos de saúde, serviços hospitalares e de centros de saúde. Tal situação é devida a múltiplos factores, dos quais se podem salientar a deterioração das instalações e equipamento e a falta de pessoal.
«O pacote Almeida Santos» prevê o despedimento progressivo de milhares de trabalhadores e o encerramento de serviços de saúde essenciais. Em vez de prosseguir uma política que vise a clarificação das relações de trabalho e de vínculo dos trabalhadores contratados a prazo para suprir as necessidades permanentes dos serviços de saúde, através do preenchimento de muitos lugares vagos dos quadros ou do seu alargamento face às crescentes necessidades, o Governo opta pelo despedimento puro e simples.
A política de pessoal não tem corrigido as assimetrias na distribuição de técnicos pelo país. É exemplo gritante a falta de colocação de médicos. Os concursos para médicos policlínicos, para assistentes hospitalares (especialistas) e para chefes de clínicas, têm sido inexplicavelmente e sucessivamente adiados, desconhecendo-se ainda nesta data para quando a sua realização. Assim, os médicos continuam concentrados nos hospitais centrais, acotovelando-se, quantas vezes sem nada fazerem, enquanto as vagas nos hospitais distritais permanecem por preencher e os doentes são enviados diariamente para Lisboa, Porto e Coimbra.
Não existem em praticamente nenhum hospital ou serviço planos definidos de orientação de formação pós-graduada. Os médicos policlínicos são encarados como mão-de-obra para satisfazer as necessidades de funcionamento dos serviços, sendo os aspectos formativos negligenciados ou mesmo omitidos.
Por outro lado, o ensino pré e pós-graduado mantêm-se numa perspectiva hospitalo-cêntrica, sendo flagrante a falta de uma área curricular de clínico geral na fase pré-graduada e gritante a impreparação dos médicos repentinamente lançados como clínicos gerais. Nesta carreira a maior das frustrações. Muito dos médicos colocados na periferia aguardam transferência já há quase 1 ano, não encontrando qualquer estímulo para executarem um trabalho capaz e útil junto das populações.

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Por outro lado, e na grande maioria dos casos, a falta de programação, a falta de directrizes das administrações regionais de saúde e a «caixificação» dos centros de saúde transformam o seu trabalho apenas e tão-só na realização de umas tantas consultas.
Não admira, pois, que desta política resulte a desmotivação dos profissionais, bloqueamento dos serviços e agravamento das já graves deficiências existentes nos serviços de saúde.
A vasta rede de cuidados primários de saúde não funciona. Os indivíduos deixam de ser vistos na comunidade em que se inserem para serem apenas os doentes da «tensão» ou dos «bicos de papagaio». Não há qualquer trabalho planeado e executado com programas de Educação para a Saúde e de Prevenção da Doença.
Nos centros de saúde, o caos. Em muitas vilas e aldeias formam-se bichas à porta dos postos de saúde desde madrugada pois só os 12 primeiros doentes obtêm uma senha para a consulta. A marcação para consultas de especialidade (oftalmologia, otorrino, urologia) chegam a demorar mais de 1 ano. Certos meios complementares de diagnóstico (raios X do estômago, urografia) só se conseguem recorrendo ao privado. A saúde escolar deixou praticamente de se realizar. Nem sequer l vez por ano as crianças em idade escolar são observadas. Os rastreios não se realizam. A vacinação decresce, as valências de saúde infantil, saúde materna e planeamento familiar encontram-se bloqueadas. Ao serem retirados os médicos de valência dos centros de saúde, acabou-se com a possibilidade de uma vigilância periódica e de uma educação eficaz. Hoje, a triste realidade é que apenas se recorre aos cuidados de saúde quando se está doente. Por isso, o sarampo, a difteria, as gastro-enterites continuam a grassar entre nós e a mortalidade infantil tem cifras que nos colocara entre os países do Terceiro Mundo. E não diga o Sr. Primeiro-Ministro que não vê situações de fome no nosso país. Elas existem, elas são reais, elas resultam do agravamento das condições de vida imposta por este governo ao povo português. A demonstrá-lo aí está o aumento da morbilidade, dessa doença social, que é a tuberculose. Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados vejamos o que dizia o Programa do Governo no que respeita à saúde:

De imediato: Concretização da cobertura do País com uma rede de cuidados primários de saúde; definição de programas de educação sanitária; elaboração da carta hospitalar do País; regulamentação das Administrações Regionais de Saúde e revisão da regulamentação dos centros de saúde; lançamento dos estudos necessários à elaboração de programas de formação de pessoal, sempre que possível, através de estruturas regionais; elaboração de um projecto de regulamentação da carreira de saúde pública.

Estas as medidas a tomar de «imediato». Já passaram 12 meses e nada foi feito nem uma única promessa cumprida!
Pelo contrário, o que se tem verificado é uma degradação constante e contínua dos serviços. O que significa é que uma grossa fatia do orçamento da saúde passa para o sector privado através de convenções. Quantos milhões se pagam ao privado em raios X, análises clínicas e fisioterapia? Porque não põe o Estado a funcionar os serviços de raios X e análises clínicas existentes nos serviços oficiais? Como se pode permitir que os nossos serviços de saúde incluindo os hospitais centrais continuem a funcionar (mal) só algumas (poucas) horas por dia? Como pode admitir que alguns médicos façam clínica privada nos seus consultórios, nas horas em que são pagos para estarem nos serviços públicos? Como se pode continuar a ignorar que clínicos recebem honorários a utentes nos próprios serviços públicos? Para quê continuar a fechar os olhos ao não cumprimento de horários?
Por outro lado, persistem situações de flagrante injustiça em relação a vários grupos profissionais. Continuam por aplicar as disposições regulamentares das carreiras ou não se emendam erros na sua aplicação, congelam ou não se aplicam quadros deficitários e ameaçam-se com o desemprego centenas de técnicos necessários.
A participação da comunidade na gestão continua a ser ignorada. Os conselhos gerais dos hospitais, órgãos com representação das autarquias, não são convocados e o Ministério da Saúde assiste impassível a esta violação da lei.
Tais situações só têm uma justificação. Também neste sector há que deixar degradar o que é público para poder bradar que o que é privado é que é bom1

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A bandeira agitada pelo PS da Liga do Serviço Nacional de Saúde encontra-se também ela enrolada e metida em qualquer gaveta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já tivemos um Ministro de Saúde, de triste memória, que nesta Câmara nos disse «quem quer saúde, paga-a»!
Hoje, temos no Governo um ministro que afirma «Não podemos aceitar um Serviço Nacional de Saúde estabelecido em termos de universalidade, de generalidade e gratuitidade ... Primeiro porque é irrealizável! É estúpido e irrealizável».
Com gente desta, com esta política, como podem os portugueses ter direito à saúde? Por isso, dizem que a imediata demissão do Governo Soares/Mota Pinto é uma exigência da sanidade de todos nós.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do Sr. Deputado Independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Deputado Vidigal Amaro, ouvimos atentamente a sua intervenção sobre os problemas da saúde em Portugal.
É evidente que não vamos dizer que tudo se passa bem no sector da saúde em Portugal. Estamos de acordo em que há muito que fazer e muito que corrigir. Porém, também estamos de acordo quanto ao facto de que os problemas da saúde em Portugal foram herdados por este Governo numa situação de grade degradação - degradação essa que não é de hoje nem de ontem, mas que já vem de longe.
Foram aqui feitos alguns comentários, entre os quais a afirmação de que a acção do Governo te-

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ido totalmente negativa nesta matéria. Consideramos que isso é profundamente injusto e que talvez haja bastante demagogia nessa afirmação.

O Sr. Deputado sabe - até pelos conhecimentos profissionais que tem - que quando se alterou a comparticipação dos utentes nos medicamentos, tal acto não teve nada que ver nem com a declaração ia inconstitucionalidade que surgiu posteriormente, nem com a protecção de multinacionais ou coisa parecida.
Todos sabemos que os medicamentos essenciais, aqueles que são indispensáveis para o tratamento de situações de verdadeira doença, são gratuitos na sua grande maioria. Porém, aqueles que não são gratuitos passaram a ser muito mais comparticipados do que eram anteriormente. Houve medicamentos que passaram a ter uma comparticipação menor, mas não foi
Pelo facto de serem «maus, bons ou assim assim», nas sim porque não são tão essenciais para o tratamento de situações de doença autêntica, verdadeira,
que é necessário combater.
Em relação ao problema do pessoal, reconhecemos que há um atraso na saída dos concursos. Mas isso deve-se ao estudo profundo que tem estado a ser feito por uma comissão coordenadora de internatos para conseguir o maior número de vagas possível para atribuir aos médicos.
Dentro da capacidade de formação dos hospitais, esse levantamento tem estado a ser feito e pela informação que tenho, ele deve estar praticamente terminado e os concursos devem estar a ser anunciados.
No entanto, os médicos não têm sido prejudicados com isso, porque os seus vencimentos têm sido mantidos enquanto aguardam pelos respectivos concursos. O Sr. Deputado também fez uma afirmação relacionando a fome com a tuberculose. Ora, V. Ex. Sabe que essa afirmação é meramente jornalística, pois a tuberculose não tem como causa a fome.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - A fome pode ser um actor!

O Orador: - A fome pode ser um factor que crie condições nas pessoas para facilitar o aparecimento de uma tuberculose. Porém, desde a vida desregrada = Para terminar, gostaria de dizer que fui informado pelo Ministério da Saúde de que está para breve a saída de um conjunto de medidas que têm estado a ser preparadas com honestidade e com seriedade.
De resto, o Sr. Deputado sabe que a remodelação de estruturas que citou na sua intervenção eram fundamentais para começar a dar os primeiros passos na alteração de uma situação nos serviços beneficiários de saúde, que todos desejamos ver mudada. E a criação da Direcção de Cuidados Primários, que está agora a ser implementada, começa já a dar os seus frutos.
Portanto, esperamos que a curto prazo o Sr. Deputado Vidigal Amaro venha aqui afirmar -e esperamos que seja capaz disso - que a saúde em Portugal está a melhorar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vidigal Amaro, há mais oradores inscritos para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): -No fim. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Reigoto.

O Sr. Alexandre Reigoto (CDS):- Sr. Deputado Vidigal Amaro, V. Ex.ª atacou o serviço de saúde, principalmente o Sr. Ministro da Saúde.
Não tenho procuração nenhuma para vir aqui defender o Sr. Ministro da Saúde, mas é legítimo, e creio que seria da minha parte uma cobardia se não referisse alguma coisa que viesse abonar a honestidade e o trabalho produzido pelo Sr. Ministro.
O Sr. Deputado que me antecedeu no uso da palavra já expôs claramente quais as medidas que estavam a ser tomadas no campo da saúde e, por conseguinte, vou abster-me de as referir porque esse assunto já foi abordado.
Devo dizer-lhe que o Sr. Ministro da Saúde tem procurado contemplar os médicos em todos os sectores, assim como dotar os hospitais distritais com os médicos necessários para que se possa fazer uma clínica a sério. Porém, como o Sr. Deputado sabe, tudo isso demora o seu tempo, tudo isso tem que ser muito ponderado e não é de um dia para o outro que estes problemas se podem resolver.
Em Vila Real, por exemplo, foram subsidiados 6 médicos com bolsas de estudo e foram-lhes pagas todas as despesas com os cursos que eles tiraram na Escola de Medicina Dentária do Porto, tendo sido também accionado um acordo com a Administração Regional de Saúde para que no fim do curso eles pudessem optar entre pagar as despesas que tinham feito, ou então irem trabalhar para lá durante 2 anos.
Aliás, devo dizer que l ano antes, em conversa com esses médicos, verifiquei que todos eles se mostravam interessados em ir cumprir aquilo a que se tinham comprometido fazer. Porém, destes 6 médicos todos eles repuseram o dinheiro e nem sequer voltaram a Vila Real.
Ora, é evidente que quando se trata de casos como estes não podemos atribuir culpas ao Ministro da Saúde, pois os médicos também têm uma larga quota--parte de responsabilidade por não cumprirem o que previamente tinham acordado.
As leis necessárias estão para sair o mais breve possível, mas têm que ser muito meditadas, muito pensadas para que não caiamos em novas desgraças.
O Sr. Deputado entende que se pode brincar com o serviço de saúde, ou entende que ele se deve levar a sério para que o povo português se sinta mais compensado nos sacrifícios tanto por parte do médico como por parte do Sr. Ministro da Saúde?

Aplausos do CDS e do PS.

O Sr. Presidente: - Também para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado. Luís Barbosa.

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O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Sr. Deputado Vidigal Amaro, gostaria de começar por fazer um pequeno comentário de ordem geral quanto a este assunto.
Julgo que enquanto em Portugal não tivermos a humildade de aceitar e pegar no trabalho que está feito para lhe dar alguma continuidade e teimarmos permanentemente em voltar ao princípio para redefinir o trabalho a fazer, não daremos um passo em frente seja em que sector for. Assim, creio que, mais uma vez, estaremos a assistir um pouco a isso no domínio da saúde.
Andam iludidos aqueles que pensam que os problemas da saúde ou outros quaisquer se vão resolver centralizando e organizando os serviços centrais. E digo isto, porque temos longas décadas de experiência sem resultados visíveis. É na descentralização que esses problemas se vão resolver. Isto é, a nível hospitalar os problemas da saúde resolvem-se na gestão dos hospitais e não na Direcção-Geral dos Hospitais, onde nunca se resolveu nem se resolverá nada.
Os problemas dos cuidados primários resolvem-se a nível distrital, a nível concelhio e não a nível da Direcção-Geral de Cuidados Primários. Esses problemas nunca se resolveram nem nunca se resolverão no futuro com a Direcção-Geral de Saúde. Portanto, há aqui algumas contradições que teremos que encarar seriamente se quisermos resolver os problemas da saúde em Portugal.
Com a segurança social passou-se o mesmo: descentralizou-se, ganhou-se eficiência. Assim, no campo da saúde passar-se-á forçosamente a mesma coisa.
Devo dizer que quando fui Ministro dos Assuntos Sociais, intencional e conscientemente não considerei como prioridade organizar os serviços centrais do Ministério, na medida era que daí não vinha nenhum bem imediato e considerável para os utentes quer da segurança social, quer da saúde. Creio que esta é uma questão importante!
Contudo, vou retomar aquilo que atrás estava a referir: se cada governo que surge se não dispuser na gestão destes programas concretos a pegar na situação a que se chegou, aperfeiçoa-la, melhorá-la, desenvolvê-la, afeiçoá-la um pouco às características de cada um e continuar a voltar atrás, ao ponto zero, e a tentar redefinir desde o princípio, não passaremos de uma política que agora está muito em moda no domínio da economia, que é a do stop and go. E eu diria que mais do que do stop and go, Portugal está no stop and stop.

O Sr. Presidente: - Ainda para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Vidigal Amaro, gostaria que V. Ex.ª me dissesse -se tiver paciência para isso-.qual é o comentário que faria sobre a proposta de revisão constitucional que o CDS pretende impor ao País, nomeadamente no que diz respeito ao Serviço Nacional de Saúde que, segundo ele, deixaria de ser concebido como necessário e absolutamente universal, geral e gratuito, comportando a integração de elementos privados e de pagamento de custos mínimos em certos serviços.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): -Sr. Presidente Srs. Deputados: Começo por referir o facto de, dr minha intervenção, não terem sido suscitadas quaisquer dúvidas. Á Câmara deu assim por assente que aquilo que eu disse era verdadeiro e, portanto, que os serviços de saúde do nosso país se encontram num estado caótico, que o Programa do Governo não foi cumprido, encontrando-se toda a política de saúde em estudos e reformulações.
Este foi o primeiro facto a salientar dos pedidos de esclarecimento que me fizeram os deputados das diferentes bancadas.
O Sr. Deputado Ferraz de Abreu acabou por se circunscrever simplesmente à política de medicamentos, tendo referido que existem medicamentos que não são essenciais, sendo esses os menos comparticipados.
Sr. Deputado, colocava-lhe 2 questões muito simples: como é que o Sr. Deputado trata uma cólica renal ou uma doença ciática? São ou não são doenças? Necessitam ou não de tratamento? Os medicamentos para essas doenças não são essenciais? Qual a comparticipação que eles têm?
Pergunto isto, Sr. Deputado, para já não falar no tratamento, por exemplo, das «bichas» das crianças.
Em relação a este ponto dizia-lhe apenas isto, para não nos alongarmos mais.
O Sr. Deputado relaciona também a tuberculose com a vida degradada. Ë evidente que isso é verdade, mas os casos de tuberculose registam-se entre os trabalhadores. São estes que têm a sua vida degradada ou são as suas más condições sociais? Não será a falta de salários que leva a uma má alimentação e à falta de condições de higiene e de medicina do trabalho?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Então no nosso país é na alta burguesia que aparece a grande maioria dos casos de tuberculose? O Sr. Deputado não conhece as estatísticas nem a realidade do povo português? Será que a tuberculose é uma consequência de um alto nível de vida, do luxo?
Não, Sr. Deputado, é precisamente ao contrário. E digo-lhe mais: é realmente triste a situação que atravessamos no nosso país com a morbilidade por tuberculose a aumentar.
Da parte do CDS, intervieram 2 Srs. Deputados que curiosamente tinha 2 opiniões completamento diferentes! Fiquei sem saber qual é a opinião do CDS em matéria de política de saúde.
O Sr. Deputado Alexandre Reigoto veio dizer que o Ministro da Saúde era honesto. Mas eu também não pus em causa a sua honestidade. O que disse foi que, até agora, a política de saúde conduzida durante 12 meses não foi realizada, não foi sequer cumprido o Programa do Governo, nem as medidas imediatas.
O Sr. Deputado diz que não vai falar das medidas. Mas dessas é que devia falar! Devia referir-se às medidas que este governo tomou. Dir-lhe-ei, no entanto, que nenhumas foram tomadas, continuando a não haver estudos e reformulações de serviços.

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O seu colega, Sr. Deputado Luis Barbosa, diz isso, ou seja, que o que se nota é uma reestruturação dos serviços. E manifesta o seu desacordo, referindo que se está a centralizar em vez de descentralizar.
No entanto, o Sr. Deputado Luís Barbosa começa de uma maneira muito especial, quase parecendo que não foi Ministro dos Assuntos Sociais. Diz ele que não se pode avançar no campo da saúde enquanto se destruir o que os outros governos fizeram. Mas isso, Sr. Deputado, foi o que o Sr. Deputado fez de imediato quando foi Ministro da Saúde, ou seja, destruiu tudo o que estava realizado nesse campo! Esta é que é a realidade!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E mais, Sr. Deputado: agravou extremamente todo o serviço de saúde do nosso país, tendo inclusivamente tomado medidas que eram inconstitucionais, como mais tarde se veio a confirmar.
O Sr. Deputado fala de descentralização, mas também nada fez quanto a isso enquanto foi Governo. O Sr. Deputado não fez uma carta hospitalar do País, não criou programas de descentralização, não criou esse tal célebre regulamento dos centros de saúde, de que fala agora e não deu oportunidade nem regulamentou as carreiras de saúde pública.
Quando o Sr. Deputado Alexandre Reigoto nos vem dizer que não se pode brincar com estas coisas de saúde, dir-lhe-ia que não brinco. Trabalho! Sou Delegado de Saúde no Concelho de Portei, onde ainda hoje continuo, na medida do possível, a tentar fazer o melhor que posso. Só que é muito difícil fazer-se alguma coisa com a legislação existente.
Portanto, o Sr. Deputado quando fala comigo em serviços de saúde, não pode falar de brincadeiras. Tenho provas dadas, conheço a fundo os problemas e tenho, inclusivamente, dados seguros e certos do que se pode realizar no nosso país com uma política honesta e capaz à frente de um serviço de saúde.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca levanta o problema da revisão da Constituição. Queria dizer ao Sr. Deputado que aquilo que o CDS diz é dito também por um ministro deste governo. Este ministro diz o seguinte: «Não podemos aceitar um Serviço Nacional de Saúde estabelecido em termos de universalidade, de generalidade e de gratuitidade. Primeiro, porque é estúpido e irrealizável...». Repito que estas frases foram ditas por um ministro deste governo e não há dúvida que estão realmente de acordo com a revisão do CDS.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP):- O que é grave! Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu para um protesto.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Vidigal Amaro: Quando entro num debate sobre problemas que são sérios, gosto de ser sério e gostava também que me fossem dadas respostas com seriedade.
Quando o Sr. Deputado diz que estou de acordo com as suas declarações de que o estado da saúde é caótico, não está a dizer a verdade porque não concordei com isso, nem o disse.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Ai não é!

O Orador: - Não, não é caótico Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ê um mar de rosas!

O Orador: - Também não é um mar de rosas, mas não é caótico.
Em segundo lugar, quando o Sr. Deputado vem citar l caso ou 2 em que os benefícios concedidos através da nova comparticipação talvez não se comprovem, omite as centenas ou milhares de casos que beneficiaram com as novas comparticipações. E isso, a meu ver, também não é sério.
Em terceiro lugar, não gosto de entrar num tipo de polémica em que as coisas sejam deformadas, porque senão poderia dizer ao Sr. Deputado Vidigal Amaro que talvez as coisas na sua delegação corram mal por o Sr. Deputado estar lá muito pouco tempo!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Essa é miserável! É abaixo de cão!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Reigoto.

O Sr. Alexandre Reigoto (CDS):- Sr. Deputado Vidigal Amaro, quando fiz a minha curta intervenção acerca de umas curtas questões não pus em causa, porque não o está, a política do CDS no sistema de saúde.
O que quis dizer e volto a afirmar é o seguinte: O Sr. Deputado estava a ser injusto para com o Sr. Ministro Maldonado Gonelha, uma vez que ele tem sido incansável para resolver os problemas da saúde, é um homem extremamente honesto, válido, acolhedor e, principalmente, extremamente cuidadoso.
Volto a repetir que não está em causa a política do CDS, mas sim um ministro que tenho obrigação de defender porque sei quanto vale, do que é capaz e do que tem feito para bem da saúde.
Era isto que queria que ficasse aqui bem frisado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Barbosa.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): -Sr. Deputado Vidigal Amaro, o meu comentário foi de ordem geral e não vou, portanto, responder às suas insinuações directas, até porque não esperava que dessa bancada me viessem elogios à acção que desenvolvi como Ministro dos Assuntos Sociais! Isto embora tivesse sido criticado, nessa altura, por ser justamente pouco criticado pelo PCP, enquanto fui ministro! Os médicos mais conservadores consideravam-me muito progressista. Veja lá como as coisas são! Mas apesar disso não estava à espera de ter daí incómios.
De qualquer forma, gostaria de lhe dizer que o que se fez foi a continuidade do que se tinha feito.

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Refiro-lhe, a mero título de exemplo, que um problema de carreiras medicas que andava por decidir há não sei quantos anos e que tinha deixado acumular cerca de 4000 médicos ao nível dos hospitais, que estavam amontoados sem sequer haver espaço físico para se poderem sentar, foi resolvido. Talvez sem pretensão de perfeições. Mas resolveu-se o que era uma situação praticamente insustentável.
Julgo por isso que antes de se procurar o óptimo, o melhor será encontrar e resolver aquilo que é possível. Ê que à procura do óptimo andamos todos há cerca de 10 anos e estamos cada vez mais a encontrar um mal pior.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP):- Sr. Presidente, começo por responder ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
Gostava de saber como é que o Sr. Deputado me pode censurar pelo facto de eu, nos momentos livres que tenho como deputado, ir trabalhar para um centro de saúde, voluntariamente, onde não ganho um tostão, saindo-me pelo contrário da algibeira o dinheiro que pago em transportes para me deslocar para lá. Gostava de saber como é que o Sr. Deputado Ferraz de Abreu censura um deputado nesta Câmara por nas suas horas, que deveriam ser de ócio e de lazer, ir trabalhar para um serviço público de saúde!
O Sr. Deputado Ferraz de Abreu não sabe que desde 1975 exerço apenas e tão-só o lugar de delegado de saúde de Portei, que não faço clínica privada e que atendo qualquer doente a qualquer hora?
O Sr. Deputado sabe isso perfeitamente, assim como esta Câmara sabe que cumpro com as minhas obrigações.
De maneira que essa insinuação do Sr. Deputado é tórrida e não merece qualquer consideração.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Alexandre Reigoto diz que o ministro é sério. Ora bem, esse problema também o é. Sr. Deputado!
Diz que ele é honesto e, a esse propósito, refiro-lhe que não pus em causa a honestidade do ministro.
A única coisa que ponho em questão é que a política apregoada para este governo, que está escrita no seu Programa, não foi executada e isso ninguém me desmente. Todos aqueles pontos que estavam para ser realizados no dia imediato por este Governo não o foram.
O Sr. Deputado diz que conhece o ministro. Ora pela minha parte, conheço os serviços de saúde que temos e, portanto, conheço as bichas que diariamente existem nos postos de saúde, as horas que se perdem para realizar uma consulta, a dificuldade que há em obter uma consulta de especialidade.
Sei que para se fazer uma simples radiografia ao estômago ou uma orografia se tem que recorrer a serviços privados porque os serviços públicos de saúde não cumprem. Sei que as taxas de morbilidade de muitas doenças continuam a aumentar, que as vacinações não se fazem, estando pelo contrário a decrescer. As doenças infecto-contagiosas -o sarampo, as meningites, as difterias, as gastrenterites - continuam a encher os nossos hospitais. Os hospitais concelhios estão sem funcionar, o pessoal é despedido, os quadros não são preenchidos.
Mas acerca de tudo isto os Srs. Deputados não dizem nada. Apenas me vêm dizer que o Sr. Ministro é uma pessoa honesta. A realidade dos nossos serviços não conta? Os Srs. Deputados têm ido aos serviços de urgência dos nossos hospitais? Passem uma noite por S. Tose ou Santa Maria, para verem como os doentes se acotovelam dentro dos corredores, como as macas continuam nos serviços, como para fazer uma radiografia se demora horas, como se perdem noites inteiras para suturar uma cabeça.
Estas realidades, Srs. Deputados, são indesmentível e fazem parte da realidade do nosso país.
Mas quanto a isto os Srs. Deputados estão calados e dizem que os serviços estão a funcionar muito bem! Isto é, não dizem que estão a funcionar muito bem. mas que se estão a fazer estudos para funcionarem melhor O problema é que já lá vão 12 meses, a situação tem-se agravado, estando os hospitais à beira da ruptura, tanto do ponto de vista financeiro como de pessoal.
Os Srs. Deputados não lêem os requerimentos que os nossos colegas diariamente fazem acerca dos serviços de saúde das nossas regiões a todas as bancadas, desde o CDS ao PCP?
Todos os dias ou, pelo menos, todas as semanas chegam requerimentos de deputados a dizerem que os serviços de saúde não funcionam, que não há médicos, que não há pessoal de enfermagem, que os serviços fecharam e que as urgências não funcionam.
Isto não é a realidade que se vive? Ê isto que está bem no nosso país?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Luís Barbosa parece que também concorda que isto não vai bem. No entanto, disse que deu continuidade aos serviços.
Sr. Deputado, a primeira medida tomada pelo senhor como Ministro da Saúde foi revogar todos os decretos-leis do anterior Governo que regulamentavam a Lei do Serviço Nacional de Saúde. E, inclusivamente, fez um despacho, que agora também foi considerado inconstitucional, acabando com essa lei.
Isto é que e dar continuidade?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr, Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Belmiro Moita.

O Sr. Belmiro Moita (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Herdou a nossa jovem democracia um sector primário estagnado, de sobrevivência e estrutural e regionalmente desequilibrado.
Decorridos, no entanto, 12 anos sobre o 25 de Abril, pode afirmar-se, sem quaisquer rodeios, que não se verificaram mudanças dignas de registo no sector, quer a nível do aumento e racionalidade da produção quer a nível da melhoria das condições de vida das pessoas que nele trabalham, apesar de todos os governos prometerem soluções e considerarem nos seus programas prioritário o seu desenvolvimento.
Tal situação tem contribuído, como VV. Ex.as sabem, não só para acentuar o desequilíbrio da nossa

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balança comercial alimentar, mas também o desequilíbrio entre o nível de vida dos meios rurais e urbanos.
É, portanto, urgente -para não dizer que ia é tarde, quando se fala na entrada na CEE - que se inicie a dinamização e desenvolvimento do sector primário, com relevo para agricultura, subsector essencial para o equilíbrio económico, social e ecológico do País.
Reconhecemos todos, com certeza, a necessidade tal desideratum. Sabemos todos que o seu desenvolvimento é fundamental -talvez até prioritário- para o relançamento da economia nacional. Mas se todos temos conhecimento da realidade do sector, qual a razão porque não avança o nosso país na resolução dos graves problemas que o afectam, principalmente a agricultura?
É evidente que a pergunta levanta de imediato algumas questões pertinentes:
Como desenvolver a nossa agricultura? Qual o seu ordenamento? Quem concretizará esse desenvolvimento? Que políticas de aprovisionamento e de comercialização? Que política de preços agrícolas? Que política de crédito para o sector? Numa palavra: que estratégia a adoptar para que haja um crescimento da produção e aumento da produtividade agrícola e uma melhoria do nível de vida - pelo menos Idêntico ao dos outros sectores - dos nossos agricultores.
Perante tal conjunto de questões, admito que não é fácil encontrar soluções que funcionem como panaceia para o nosso problema agrícola. Mas não tenho dúvidas que só é possível uma melhoria significativa do sector se existir a necessária vontade do poder político em definir, a curto prazo, uma política agrícola que melhore e racionalize a produção, comercialização e transformação.
Assim não quero, por um lado, deixar de alertar todos os responsáveis deste país que é preciso, sem demora, com realismo e ousadia «agarrar» de vez a nossa agricultura, porque se não o fizerem aqueles que os elegeram classificá-los-ão, com toda a certeza, de inoperantes.
Por outro lado, quero manifestar alguns pontos de vista - que estou certo que serão tidos em conta pelo Governo - indispensáveis para a consecução de uma política de crédito ao sector e às suas dificuldades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é certamente novidade para nenhum responsável deste país que a nossa agricultura se encontra na actual situação não só pelas razões afloradas atrás (com relevo para a falta de uma política agrícola coerente), mas também pelo estado de descapitalização em que se encontra (veja-se, por exemplo, o valor da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) a decrescer em percentagem do Produto Agrícola Bruto (PAB), melhoramentos fundiários a terem cada vez menos relevância, etc.).
Pensa-se também, embora não seja um fim, que só é possível o crescimento da produção e o aumento da produtividade se existirem explorações economicamente dimensionadas e investimentos racionais. Mas para dimensionar economicamente as explorações agrícolas portuguesas, são necessárias medidas correctoras que permitam ultrapassar estrangulamentos, quer de natureza fundiária quer de natureza empresarial.
Aplicá-las, no entanto, à realidade agrícola portuguesa exigirá bom senso, capacidade técnica de formular os modelos mais adaptáveis a cada circunstância e, principalmente, definir claramente que perspectivas de desenvolvimento. Julgo no entanto, atendendo a certas características e tradições da grande maioria da nossa população agrícola, que a opção não deve ser tomada sem que se tenha em referência um conjunto de valores e acções, tais como: o desenvolvimento agrícola português deve evitar, tanto quanto possível, o afastamento das populações do seu meio ambiente natural, caso contrário corre-se o risco de condená-las ao desemprego ou forçá-las a mudarem-se para ambientes desumanizados, quer em termos físicos quer culturais; fomento do associativismo agrícola, como facto de utilização racional dos meios de produção; implementação duma extensão rural actuante, que permita a formação de novos agricultores e reciclagem de outros; renovar, sem complexos, os serviços do Ministério da Agricultura, isto é, pôr os técnicos ao serviço do aumento da produção e produtividade agrícola e não ao serviço da burocracia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seja qual for no entanto a perspectiva de desenvolvimento da nossa agricultura, o investimento será sempre uma variável estratégica para esse desenvolvimento.
Ele só é possível, todavia, através do autofinanciamento pelas instituições de crédito ou de subsídios.
Como sector em grande parte de auto-subsistência, a agricultura não tem tido possibilidade de gerar quaisquer meios financeiros endógenos, pelo que a única saída será ainda por muito tempo o financiamento e concessão de subsídios em condições adequados.
No entanto, razões de ordem histórica, aversão da grande maioria dos nossos agricultores aos assuntos burocráticos, questões de ordem cultural, uma certa independência dos agricultores em relação a terceiros, actividade com elevados riscos e altas taxas de juro numa agricultura de fraca rentabilidade económico-financeira, têm contribuído para que o crédito tenha desempenhado acção pouco significativa na agricultura, apesar do esforço daqueles que através das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo tentaram e tentam mobilizar poupanças internas para aplicar no sector. Deve, entretanto, reconhecer-se que com a criação do SIFAP (Sistema de Financiamento à Agricultura e Pescas), nos finais da década de setenta e de diversos diplomas que definiram as normas relativas ao refinanciamento e bonificação de juros de empréstimos a curto, médio e longo prazo, deu-se uma certa expansão do crédito agrícola. Tal aumento resultou essencialmente do sistema permitir taxas de juro mais baixas que as praticadas em financiamentos normais; pagamento postecipados de juros; alargamento da natureza dos beneficiários, etc.
É evidente que ao criar o SIFAP, o legislador teve em mente que o crédito para cumprir a sua missão como instrumento de desenvolvimento, não pode ser simplesmente um canalizador de meios financeiros para as unidades agrícolas; pelo contrário, teve presente que terá de assegurar-se que a sua aplicação se fará ao serviço de normas de produção e de eficiência sócio-económica. É portanto neste contexto, que a sua concessão em situações mais vantajosas, isto é, com bonificações máximas, depende não só da viabilidade técnica e rentabilidade económico-financeira do investimento, mas também, em certos casos, de critérios de ordem cambial e da sua adaptação a normas orientadoras do Ministério da Agricultura.

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Todavia ta] filosofia de crédito, baseada essencialmente na viabilidade técnico-económica do investimento, não tem, infelizmente, contribuído para o crescimento da produção e produtividade do sector, tendo o crédito para ele canalizado funcionado muitas vezes como instrumento de influência política sob a capa de desenvolvimento e ou de redistribuição de rendimento- o que é muito pouco e de difícil controle.
A meu ver, as razões da referida inoperacionalidade do crédito canalizado para a agricultura, assentam nos factos seguintes:
Inexistência de uma planificação e ordenamento agrícola correcto do País, o que implica falta de resposta a questões importantes, com relevo para: o que produzir e onde produzir.
Processo bastante moroso na concessão do crédito;
Concessão de crédito mais baseado nos valores patrimoniais e confiança no beneficiário do que na viabilidade técnico-económica do projecto, o que tem prejudicado os pequenos e médios agricultores e beneficiado os agricultores empresários.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Informações inseridas nos projectos que não correspondem à realidade, a fim de os viabilizar técnica e economicamente; desvios de crédito bonificado para outros fins, que não o desenvolvimento da agricultura, situação que é grave e que tem beneficiado aqueles que tem tendências especulativas e não aqueles que amam e trabalham as suas terras. Esta situação faz-me lembrar uma história que não gostaria deixar de contar. «Se todo o crédito canalizado para vacas leiteiras fosse efectivamente aplicado, teria o Ministro da Administração Interna de aumentar o número de sinaleiros para controlar os seus movimentos nas estradas deste país ou o Ministro da Defesa ordenar a ocupação de uma parte de Espanha para as alojar.» Embora exagerada esta história dá-nos infelizmente, a ideia do que se passa no domínio da aplicação do crédito canalizado para a agricultura.
Esta é, pois, Srs. Deputados, a análise sumária e despretensiosa do actual sistema de financiamento à agricultura. Porque incompleto e inoperacional, há portanto que proceder a ajustamentos de modo que ele se torne, de facto, num instrumento de desenvolvimento. Para que tal aconteça, como é evidente, terá de se definir a curto prazo, como já referi, a estratégia de desenvolvimento da nossa agricultura, pois só assim o financiamento será orientado para cumprir os objectivos definidos -crédito orientado-, ao contrário do actual que visa ou pretende visar, essencialmente, uma utilização mais eficiente dos recursos.
Assim, no domínio da política de crédito agrícola - como instrumento de apoio à agricultura e não como instrumento para a suportar- são, em minha opinião, indispensáveis, entre outras, as seguintes acções:
Como compensação pelas condições adversas da agricultura, quer no domínio da produção - onde o homem põe e a natureza dispõe -, quer no domínio da comercialização, deveriam fixar-se taxas de juro mais baixas e constantes durante o período do empréstimo;
Exigir uma relação capitais próprios/capitais alheios com um valor mínimo, como suporte de um são equilíbrio financeiro e ponto de partida para uma boa rentabilidade financeira;
A atribuição de maiores ou menores bonificações e subsídios deve estar associada aos objectivos pretendidos com o investimento e ou localização da exploração agrícola e ou tipo de beneficiário. Tal filosofia de acção, poderá permitir não só o aumento da produção e rendimento dos agricultores, mas também evitar o abandono de certos meios rurais;
Flexibilidade de reembolso dos empréstimos, quando acontecimentos anormais provocam perdas na exploração;
Prazos de reembolso mais dilatados e subsídios para investimentos específicos, quer pela sua natureza quer pelo seu interesse no sector;
Atenuar os processos burocráticos e lentos que acompanham os pedidos de crédito e respectivas garantias, principalmente quando os beneficiários são pequenos agricultores e ou o montante do investimentos é reduzido;
Atenuar ou extinguir a tendência actual de bonificações de juros para crédito de campanha e tesouraria, em virtude do seu difícil controle;
Atitudes intransigentes para os que desviam para outros fins o crédito bonificado e penalizações para os que não o utilizam racionalmente. Daí, para que o Estado salvaguarde os seus interesses, deva existir um instituto fiscalizador específico.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Motivar e apoiar a organização administrativa e contabilística das unidades do sector, para melhor estabelecer o montante e critérios de financiamento, bem como permitir um melhor controle do critério e um mais profícuo acompanhamento da exploração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É necessário termos consciência de que as acções referidas exigirão algum tempo, meios financeiros importantes, enquadramento na política orçamenta], financeira e monetária definida pelo Governo, bem como outra acções complementares. Estou certo, no entanto, que o Governo mostrará imaginação suficiente para superar as dificuldades e vontade política de proporcionar, àqueles que de sol a sol nos campos deste país têm como política o trabalho, um nível de vida que dignifique a sua profissão e que os faça sentir agentes económicos tão importantes e preponderantes como os dos outros sectores.

Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.

Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Fernando Amaral.

O Sr. Presidente: - Pediram a palavra, para pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Cunha e Sá, Rogério de Brito, Custódio Gingão, Alexandre Reigoto, Álvaro Brasileiro e António Gonzalez. Sucede que, terminado que está o período de antes da ordem do dia, não é possível formular hoje esses pedidos, pelo que ficam com a palavra reservada.

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Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Gaspar Pacheco.

O Sr. Gaspar Pacheco (PSD):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como deputado eleito pelo círculo de Viana do Castelo, cumpre-me trazer a esta Assembleia os anseios dos povos do distrito.
A actividade principal deste distrito é a agricultura dedicando-se 63 % da população activa ao sector primário.
As principais produções agrícolas são o milho, feijão, vinho, pecuária - leite e carne - e floresta.
Ao analisar, verificamos que as produções de milho e vinho têm vindo a diminuir nos últimos anos e apenas o feijão tem tido um pequeno acréscimo. No sector de pesca também se verifica que, entre 76 e 78, houve uma diminuição do número de embarcações da ordem das 92, pois havia 677 em 1976 e 585 em 1978 e toneladas de arqueação bruta de 15475 em 1976 para 13827 a 1978. Mas é interessante verificar que no peixe descarregado na lota todas as espécies têm vindo a decrescer, de 4341 em 1976 para 3599 em 1978 excepto os moluscos que apresentam um crescimento excepcional pois têm um aumento de 41 t no período considerado.
Como indústrias que pesem economicamente a nível de distrito temos os Estaleiros Navais de Viana do Castelo que ocupam uma área de cerca de 250 000 m2 e com cerca de 2000 postos de trabalho, o que constitui sem dúvida o maior empreendimento industrial do distrito.
É de notar que estes estaleiros desde 1979 começaram a desenvolver actividades de reparação naval, devido às novas condições que o porto de Viana, em fase de ampliação e renovação, oferece a esta actividade.
Como indústrias transformadoras possui este distrito uma fábrica de pasta de papel em que é feito o aproveitamento do material lenhoso que este distrito possui em grande abundância, mas com uma capacidade de produção muito maior sendo apenas necessário executar as plantações em terrenos incultos.
No sector terciário, o turismo assume principal significado nomeadamente o Parque Nacional da Peneda-Gerês que constitui uma reserva natural a preservar.
Devido ao interesse que este sector tem para o distrito torna-se necessário seleccionar indústrias que não sejam prejudiciais ao meio ambiente.
Dadas as características produtivas deste distrito, torna-se vital para o seu desenvolvimento o arranque de uma via rápida Porto-Valença, a conclusão do porto de Viana do Castelo para que se possa dar escoamento às matérias produzidas neste distrito e, ao mesmo tempo, aliviar o saturado porto de Leixões, a construção da ponte sobre o rio Lima em Viana do Castelo. É também necessário a construção da estrada de Valença a Melgaço dado que a existente não serve para as viaturas que hoje nela passam.
A modernização do porto de Viana e a conclusão da barragem de Lindoso vêm permitir dar início ao desassoreamento e à correcção das margens do Lima onde existem milhares de hectares de solo de aluvião com alta capacidade produtiva em que apenas se pode executar uma cultura e, por vezes, em más condições devido a estarem alagados durante vários meses do ano. Também, não podemos esquecer que, devido às marés, as veigas junto a Viana começam a ter um teor de sal bastante elevado o que as tornará improdutivas dentro de poucos anos, senão forem tomadas providências imediatas.
O Governo deverá dar a máxima prioridade ao projecto elaborado pela Comissão de Coordenação do Norte na parte em que se encontra concluído, como é o caso da componente agrícola.
É um plano de desenvolvimento integrado do Vale do Lima e faz parte dele o plano de reestruturação das explorações e reconversão da vinha no Vale do Lima, que consiste, em essência, na eliminação das vinhas que produzem vinhos de fraca qualidade e colocá-las em zonas de produção de vinhos de alta qualidade.
As potencialidades deste Vale são da ordem dos 3000 ha a reconverter o que dará uma produção média de 225 000 he, o vinho este que deverá ser destinado à exportação e que nos trará em divisas 3 milhões de contos.
Esta reconversão também nos leva à eliminação de vinhas na bordadura dos campos, que não são compatíveis com a actual mecanização, para vinhas contínuas em que os tratamentos fitopatológicos e os amanhos culturais são muito mais fáceis de executar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O orçamento para o ano de 1984 não contempla nenhum destes projectos devido à sua austeridade, mas se não queremos que o distrito de Viana do Castelo seja o mais atrasado temos necessidade de, em 1985, contemplá-lo com o arranque de alguns destes projectos e dar início à elaboração de projectos para as obras que ainda não os possuem com o fim de haver fixação das populações no distrito e não continuarmos como em anos anteriores em que a nossa quota de emigração era de 4 % do total do País.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Reigoto para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Alexandre Reigoto (CDS):- Sr. Presidente, é evidente que V. Ex.ª não tem culpa nenhuma da maneira regimental de se pedirem esclarecimentos.
As perguntas perdem oportunidade se se deixar passar o momento do discurso. Ê o caso respeitante à intervenção do Sr. Deputado do PS que falou há pouco. Apenas lhe queria pôr uma pequena questão, que perde oportunidade se não a fizer agora.

O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado não lhe pode fazer agora a pergunta.

O Orador: - Não vou fazer nenhuma pergunta, Sr. Presidente, o Sr. Deputado falou, e muito bem, acerca da situação do agricultor ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, está lavrado o seu protesto em relação às normas regimentais, mas não vai formular a pergunta, porque não tem depois a possibilidade de obter resposta.

Pausa.

Agradecia aos Srs. Deputados, líderes dos grupos e agrupamentos parlamentares, que fizessem o favor de

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chamar os Srs. Deputados que porventura estejam em trabalho nos corredores, a fim de que possamos proceder a uma votação.

Risos.

O trabalho de corredor por vezes é essencial na vida e na dinâmica parlamentar, sobretudo de ordem política!

Risos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS):- Sr. Presidente, acerca do trabalho nos corredores, só se for o chamado trabalho paripatético.

Risos.

Mas estão realmente reunidos na saia do Conselho de Ministros alguns Srs. Deputados e agradecia ao Sr. Presidente que fizesse a chamada através da Mesa.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Há uma tomada de posse!

O Orador: - Lembra aqui o Sr. Deputado Silva Marques que está também a decorrer uma posse. Talvez se possa fazer uma ligeira interrupção para a chamada.

Pausa.

O Sr. Carlos Lage (PS):- Sr. Presidente, talvez os votos careçam ainda de alguma discussão.
Sugeria assim que ela fosse começada o mais breve possível e passaríamos em seguida à votação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Lage, segundo informações que recebi, penso que haveria consenso no sentido de que os votos seriam votados sem qualquer discussão, até porque o período de antes da ordem do dia terminou. Tratava-se apenas de procedermos à votação.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, não ponho isso em causa. No entanto, em relação ao voto do PCP. gostaríamos de justificar as razões porque vamos votar de certa maneira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD):- Sr. Presidente, se se trata apenas de votar, queríamos previamente chamar a atenção para o facto de lastimarmos que o texto apresentado pela bancada do PCP não seja susceptível de merecer a nossa aprovação. Tem termos que, a nosso ver, colidem com aspectos institucionais.
Temos dúvidas que a Assembleia da República deva expressar a sua solidariedade aos comunistas italianos, aos democratas-cristãos, aos socialistas ou seja a quem a for. Já outra coisa seria endereçar os pesares.
Como o texto está oferece-nos dúvidas. Uma vez que julgo ser essa a vossa intenção, pedíamos que substituíssem a palavra «solidariedade» por «pesar», a fim de que pudéssemos votar sem qualquer dúvida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): -Sr. Presidente, penso que talvez seja melhor começarmos por discutir os votos, enquanto se reúne o quórum.

O Sr Presidente: - Já o estamos a fazer, Sr. Deputado.

O Sr Carlos Lage (PS): - Bom, Sr. Presidente, é que não houve uma abertura formal da discussão. De facto, o que o Sr. Deputado Silva Marques iniciou foi uma espécie de pré-discussão. Se o Sr. Presidente puser em debate estes votos, eu peço a palavra para me pronunciar sobre eles.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Era para dizer, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, que se os pedidos do PSD têm apenas a ver com a palavra «solidariedade», estamos abertos à consideração de uma outra expressão que possa manifestar o pesar que esta Câmara sente aos companheiros de partido de Enrico Berlinguer.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos entende, portanto, que se substitui no voto do seu partido a palavra «solidariedade» por «pesar».

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Exacto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então eu agradecia ao Sr. Deputado Jorge Lemos que fizesse uma rectificação ao seu voto, pelo menos na última parte, para que não haja repetições.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se os Srs. Deputados do PCP me permitem uma sugestão técnica -e nós, tantas vezes temos aceite as vossas - eu sugeria que se eliminasse do voto a expressão «exprime a sua solidariedade» ficando, tão-só, no texto, se for aceite, «... manifesta o seu mais profundo pesar aos comunistas e ao povo italiano».

O Sr. Presidente: - Então, Sr. Deputado Jorge Lemos, o texto do voto ficaria o seguinte: «A Assembleia da República manifesta o seu mais profundo pesar», sem mais nada.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não, Sr. Presidente: seguir-se-ia, «aos comunistas e ao povo italiano».

O Sr. Presidente: - Seria então, assim: «A Assembleia da República manifesta o seu mais profundo pesar aos comunistas e ao povo italiano».

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Exacto, Sr. Presidente.

Pausa.

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Entretanto reassumiu a presidência o Sr. Presidente Tito de Morais.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sob a forma de uma interpretação à Mesa, e procurando ajustar o texto proposto pela bancada Comunista, reflectindo melhor, nós julgamos que talvez não seja, ainda adequada a fórmula que eu sugeri. Os colegas desculpar-nos-ão, mas nós estamos com a preocupação de, por um lado, não querer contrariar a vossa intenção e, por outro, de não querer formulá-la através de uma expressão que, do ponto de vista institucional, nos possa oferecer dúvidas. Assim, a correcção que eu sugeri, não nos parece ainda suficiente; nós precisamos de reflectir mais antes de tomarmos qualquer posição.
De qualquer modo, nós desejaríamos votar favoravelmente o vosso voto, mas não o faremos se o texto não nos parecer adequado e a sugestão que fiz como disse, não satisfaz ainda os requisitos que invoquei.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, eu gostava de saber se, formalmente, já se iniciou ou não um debate acerca dos votos, pois aquilo a que estamos a assistir são tentativas técnicas de o Sr. Deputado Silva Marques ajudar a melhorar o voto do PCP. Nós não nos opomos a isso, mas queremos saber se há discussão ou não.

O Sr. Presidente: - Creio que sim. Sr. Deputado. Creio que já estão em discussão os votos apresentados.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: -Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- Sr. Presidente, creio que poderíamos suspender os trabalhos por 3 minutos, a fim de se chegar a uma redacção que pudesse corresponder ao sentido unânime da Câmara. Pelo nosso lado, vamos tentar encontrá-lo.

O Sr. Presidente: - Como não há objecções, vamos suspender os trabalhos por 3 minutos. Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 11 horas e 13 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram li horas e 18 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o voto apresentado pelo PCP é do seguinte teor:
Ao tomar conhecimento do súbito falecimento de Enrico Berlinguer, secretário-geral do Partido Comunista Italiano e membro do Parlamento Italiano, a Assembleia da República manifesta o seu mais profundo pesar ao Parlamento, ao Partido Comunista e ao povo italiano.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, eu pretendo que se vote em separado os votos apresentados pelo PCP e por nós próprios. Mais uma vez insisto na necessidade de se justificar o conteúdo de ambos porque, antes mesmo de se entrar na explicação do seu conteúdo, introduziram-se correcções e não sei se estas, pelo menos no voto do PCP, correspondem ou não a uma formulação autêntica.
De qualquer forma, e não entrando nesta questão, eu pretendia apenas justificar o nosso voto e dar a nossa explicação relativamente ao sentido da votação deste voto e do PCP.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça o favor. Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, se o Sr. Deputado Carlos Lage suscita a questão de saber se nós estamos de acordo com as alterações sugeridas ao texto do voto que apresentámos, eu diria que sim. Tentou-se ultrapassar uma dificuldade que foi levantada por uma bancada e, uma vez que nos parece que há todo o interesse em que o voto seja votado pelo maior número possível de deputados, demos a nossa aquiescência a elas.
Quando o Sr. Presidente assim o entender, também nós gostaríamos de dizer alguma coisa sobre o voto que apresentámos e sobre o facto funesto que lhe deu origem.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Carlos Lage quer intervir sobre a apresentação do voto que o Partido Socialista formulou, queira ter a bondade de o fazer.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto por nós apresentado tem a seguinte formulação:
Tendo falecido o dirigente do Partido Comunista Italiano Enrico Berlinguer, grande personalidade da política italiana e destacada figura do pensamento político europeu dos nossos dias, a Assembleia da República exprime ao Presidente da República e ao Parlamento Italiano, o seu profundo pesar.
O nosso voto justifica-se em si mesmo e não carece de grandes explicações.
A razão pela qual nós o apresentámos é por ser um sinal de homenagem a esse grande vulto da política italiana e a essa grande figura da política mundial que acaba de desaparecer, que é Enrico Berlinguer. Não é por acaso que se faz um voto de homenagem a um dirigente de um partido comunista, pois não se farão votos de homenagem aos dirigentes de todos os partidos comunistas. Enrico Berlinguer representa qualquer coisa de novo, de original e de importante nos partidos comunistas, numa tentativa, de alguma maneira lograda e conseguida, de democratizar um grande

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Partido Comunista e de optar por uma via de conciliação das liberdades e dos ideais que os comunistas italianos perfilham.
Enrico Berlinguer é um homem inovador e deixará a sua marca na história do movimento operário e do pensamento político de esquerda. Em Itália, todas as reacções conhecidas são de pena e de emoção, desde o Presidente da República Italiana ao próprio Vaticano e, por isso, dispenso-me de tecer os rasgados elogios que tal figura merece.
O nosso voto é, assim, um voto de homenagem ao valor intrínseco de Enrico Berlinguer e não de homenagem a um partido comunista ou a um colectivo.
São exactamente essas as características do voto inicial do PCP que diz:

Ao tomar conhecimento do súbito falecimento de Enrico Berlinguer, secretário-geral do Partido Comunista Italiano e membro do Parlamento Italiano, a Assembleia da República manifesta o seu mais profundo pesar e exprime a sua solidariedade aos comunistas e ao povo italiano.

Assim, não há no voto do PCP uma palavra de apreço ou uma referência elogiosa ao pensamento e à acção de Enrico Berlinguer. Por isso, embora nós votássemos a favor por ser, em qualquer caso, numa manifestação de pesar, não é sem este sublinhar da ambiguidade do voto do PCP que o fazemos.
Deste modo, votaremos também o voto do PCP, mas entendido à luz das palavras que acabo de pronunciar.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Estamos ainda muito emocionados com a morte súbita de Enrico Berlinguer.
Enrico Berlinguer era secretário-geral de um grande partido italiano, profundamente enraizado nas massas e no coração do povo de Itália. Foi com esse partido e com o seu secretário-geral que o PCP manteve e tem mantido num intenso e criador diálogo que tem trazido benefícios a ambas as partes.

Vozes do PSD: - Não se nota, não se nota!

O Orador: - Tive o privilégio de acompanhar Enrico Berlinguer quando ele esteve em Portugal a convite do meu partido. Aqui visitou, apreciou e analisou vários aspectos da realidade portuguesa criada com a revolução de Abril. Este facto permitiu-me testemunhar a sua cintilante inteligência e a sua capacidade de apreender os fenómenos sociais.
Naturalmente que, nesse sentido, a sua morte é uma grande perda para o Partido Comunista de Itália, para o movimento dos trabalhadores e para o povo italiano.
A longa caminhada de diálogo fecundo que prevíamos poder continuar com Enrico Berlinguer e com o PCI, vai ser prejudicada com isso mesmo, pois não mais poderemos contar com a sua inteligência viva e activa. O nosso diálogo com o PCI continuará, mas não podemos, neste momento, deixar de testemunhar todo o nosso pesar pela perda desse grande camarada.

Aplausos do PCP.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS):- Sr. Presidente, peco a palavra.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS):- Nós queríamos manifestar a nossa concordância com o voto apresentado pelo PS porque pensamos que ele traduz o que deve ser o essencial de manifestação de pesar desta Assembleia.
É evidente que a nossa concordância não traduz, de qualquer modo, uma concordância com o pensamento político da pessoa que está em causa. Mas, para além desse aspecto, nós temos o dever de salientar aqui, não apenas a integridade moral e política deste dirigente partidário e desta figura destacada do pensamento político da Itália e da Europa, mas também os importantes contributos que ele deu para a renovação do próprio pensamento comunista internacional.
Penso que isso não foi a menor dimensão da sua personalidade política, penso que ela permanecerá para além da sua própria vida e caso que é, talvez, também, o momento de salientar que isso não foi fácil, nem para ele nem para os que com ele, no quadro do PCI, defenderam as mesmas posições.
Finalmente, gostaria de salientar que a ele, porventura, se deveu o facto de o PCI, ao contrário de muitos outros partidos comunistas europeus, sempre ter assumido, em relação a alguns problemas que para nós são fundamentais para a própria Europa, posições realistas com as quais estamos inteiramente de acordo. Por exemplo, a posição de defesa inequívoca do alargamento das Comunidades Europeias a Portugal e Espanha, de defesa inequívoca da permanência da Itália na OTAN ou do inequívoco fortalecimento das instituições que representam a unidade política da Europa.
É por estas circunstâncias e, muito embora, discordando do seu pensamento político, que nós entendemos que é legítimo, justo e necessário que esta Assembleia exprima o seu pesar às autoridades políticas da República Italiana.

Aplausos do CDS, do PS e do PSD.

O Sr. Silva Marques (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD):- Sr. Presidente, nós queríamos dizer que vamos votar favoravelmente os votos apresentadas pelo PS e pelo PCP. Não temos dúvidas acerca da problemática subjectiva, política e ideológica que pode estar subjacente a estes votos, mas qualquer deles não pode desconhecer essa mesma problemática; cada um deles insere-se, à sua maneira, nessa problemática.
Sem dúvida que o voto do PCP, ao não ter uma nota de apreço por Berlinguer, limita-se a ser um acto protocolar de transmissão de pesar e não tanto um reconhecimento de uma grande figura da história das ideias e das correntes políticas da nossa época.

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Nós não temos, de qualquer modo, qualquer dúvida em votá-lo porque achamos que, trate-se de quem se tratar, havendo razão para isso, não há motivo para deixarmos de transmitir os nossos pesares. Por outro lado, também não temos a menor dúvida de o reconhecer, tratando-se como se trata, de uma grande figura do pensamento político moderno.
Seria lastimável que se passasse sobre este acontecimento sem uma pequena reflexão que tem em vista pôr em relevo a figura de Berlinguer.
Berlinguer deu, talvez, como contributo próprio dele à evolução das correntes políticas na nossa época, o ter apostado, sem reticências, em levar a seu termo, o longo percurso dos seus antecessores de debate ideológico e teórico e de capacidade de tentar na prática as teses teóricas que vêm de figuras como Gramsci ou Tolliagti.
Berlinguer não foi um teórico, pois o desbravamento teórico foi feito pelas grandes figuras do passado que o antecederam, mas Berlinguer foi um político que revelou a coragem de apostar, até às extremas consequências, na tese que defendia. E talvez não tenha sido por acaso que o PCI se transformou na segunda força política de Itália, a seguir à democracia cristã, contrariamente ao que se passou na maior parte dos restantes países.
É bom recordar que os partidos comunistas actuais são todos eles estatutariamente originários da Internacional Comunista e que esta surgiu como uma cisão na tradição operária socialista. E surgiu acerca de 2 pontos fundamentais, a saber: o de considerar o Partido Comunista da URSS como a vanguarda de todo o movimento internacional na sequência da revolução de Outubro e o de entender que a democracia parlamentar -a democracia burguesa, na linguagem da Internacional Comunista- era o alvo a abater e rejeitar. A cisão deu-se sobre estes 2 pontos.
O PCI surge, precisamente, como um partido que vem, ao fim de algumas dezenas de anos, acompanhar a recusa destes 2 pontos. Mas o PCI foi mais longe e cortou, inclusivamente, com outros 2 pontos, o que conduziu muitos outros sectores da tradição operária socialista ao impasse; foram eles a ideia de marxismo como sistema ideológico fechado e rígido e a ideia de socialismo como sistema global a construir após a tomada revolucionária do poder.
Talvez por cortarem, também, com estes 2 pontos, não pararam de crescer e de serem capazes de corresponder à ligação com o povo italiano.
Esta pequena reflexão é útil, neste momento, até porque seria bom que todos nós reflectíssemos sobre as questões do movimento socialista sem preconceitos e sem reticências.
Para terminar, queria pôr em destaque que nós estamos a prestar uma homenagem a um dirigente de um partido que é, de certa forma, aquele que de maneira mais completa cortou com a Internacional Comunista e que acompanham esse voto precisamente aqueles que estão no extremo contrário: aqueles que efectivamente nem um passo deram no sentido do afastamento desse ponto de referência comum e inicial.

Aplausos do PSD, do PS do CDS e da ASDI.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - O Grupo Parlamentar do MDP/CDE vai votar favoravelmente os votos apresentados sobre Enrico Berlinguer por considerar que aquele político italiano era um homem justo, como o classificou o Presidente da República de Itália, Sandro Pertini, que, numa demonstração de grande dignidade de Estado, se deslocou para a cidade onde Berlinguer adoeceu, ocupando um quarto no mesmo hospital, para o acompanhar durante os dias em que Enrico Berlinguer agonizava.
Berlinguer foi um corajoso lutador antifascista e um defensor acérrimo da democracia, tendo conseguido, através da sua personalidade, tenacidade, inteligência e bom senso, impor-se ao conceito de todos os italianos que, independentemente da sua ideologia política, o respeitaram.
A sua morte constitui, sem dúvida, uma profunda perda para a Itália e para o movimento operário, pela elevada componente cultural, abertura ao diálogo e criatividade que introduzia nos seus estudos e posições públicas que assumia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o voto de pesar pela morte de Enrico Berlinguer, apresentado pelo PS e pela UEDS.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar o voto apresentado pelo PCP.

Submetido a votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP, do MDP/CDE, da UEDS. da ASDI e do Sr. Deputado António Gonzalez (Independente) e a abstenção do CDS.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrando no período da ordem do dia, está em discussão o projecto de lei n.º 59/III, apresentado pela ASDI, relativo à transmissão pela rádio e televisão de produções dramáticas portuguesas.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - £ apenas para fixar a interpretação do sentido a dar aos nossos trabalhos.
Porque hoje há uma única sessão e porque há tempos estabelecidos para cada grupo ou agrupamento parlamentar, nós pensamos que este debate vai prosseguir até estarem esgotados esses tempos ou até não haver mais oradores inscritos. Portanto, só se fará a votação no final e não dentro de 20 minutos, como aconteceria se houvesse uma sessão a decorrer apenas da parte da manhã.
É este o nosso entendimento e pensamos que ele terá naturalmente a confirmação de todos os outros grupos parlamentares, aliás, porque é este o sentido da conferência dos líderes parlamentares. Mas, em

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todo o caso, não gostaria de deixar que ele não fosse confirmado antes de darmos início aos nossos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Bem, o entendimento da Mesa é o de que foram realmente fixados tempos para a discussão deste projecto de lei, que se prolongará pelo período da tarde até se esgotar o debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lages (PS): - Sr. Presidente, creio que a interpretação correcta é essa. Mas, precisando melhor, começaremos por discutir e votar o projecto de lei da ASDI, depois inicia-se a discussão e votação do projecto de resolução do CDS, esgotando-se os tempos fixados, mesmo que, se a isso formos forçados, tenhamos de passar para a noite uma parte dessa discussão e, finalmente, teremos a proposta de lei que concede ao Governo autorização legislativa para definir em geral ilícitos criminais e penas, que será discutida ainda hoje, naturalmente à noite, até concluirmos a agenda de trabalhos fixados para esta sessão.
É este o entendimento que damos ao ritmo dos trabalhos de hoje.

O Sr. Presidente: - Penso que estamos de acordo com o que acaba de ser exposto pelo Sr. Deputado Carlos Lage.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, para fazer a apresentação do projecto de lei n.º 59/III.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando se diz que o teatro, como forma de expressão artística, se completa no palco, pretende significar-se, muito simplesmente, que teatro sem representação nem auditório pode ser uma forma de literatura, mas não é, com certeza, autenticamente teatro.
Como diria Brecht, «o teatro a que falta o público, é um contra-senso».
Mas, se estas afirmações são verdadeiras, é caso para nos perguntarmos se o teatro tem, em Portugal, como instrumento de cultura que é, um palco a que tenham acesso os portugueses em geral ou se, pelo contrário, não se tratará de um género de espectáculo a que apenas têm acesso escassas minorias.
A resposta, todos a conhecemos e traduz-se na verificação de como, por razões que são simultaneamente de ordem cultural e de ordem económica, continua o teatro a ser, entre nós, uma vivência de elites ou uma arte de apaixonados, ao encontro dos quais, autores e intérpretes, cumprem mais os ditames de uma vocação, do que usufruem a justa recompensa de um empenhamento profissional.
Ora, nós pensamos que o teatro tem que reencontrar, em Portugal, a sua vocação de um verdadeiro instrumento de cultura à escala de todo um povo.
Na base deste pensamento radica, em grande parte, a iniciativa legislativa que se consubstancia no projecto de lei n.º 59/III, cuja breve justificação me cumpre fazer.
Ao propor-me a obrigatoriedade de apresentação de uma peça de teatro de autor português em cada mês e por estação emissora e ao exigir-se que um mínimo de metade das horas de emissão dedicadas ao teatro serão obrigatoriamente representadas em português, pretende-se, em primeiro lugar, transferir para os centros emissores de rádio e de televisão o palco nacional que o Teatro de D. Maria nunca foi nem o poderia ser.
Nenhuma outra base material, nenhum outro suporte de comunicação poderia atingir tão numeroso público, de efeitos culturais mais rápidos e a custos tão reduzidos, como tudo se torna possível através da utilização desses elefantes da comunicação social como são a rádio e a televisão.
Mas outros objectivos são visados e a nosso ver alcançáveis com o nosso projecto de lei.
O mecenato legalmente reconhecido em favor de quantos criam, interpretam ou, de algum modo, com os mais diversos misteres, contribuem para a comunicação teatral em português, não deixará de funcionar, por um lado, como incentivo a mais e melhor criação e, por outro lado, como mais uma porta aberta aos profissionais do teatro ou e até mesmo aos simples amadores.
Julgamos também importante salientar como, por esta forma, se travará, em parte, a invasão do teatro estrangeiro.
Não é que se desaconselhe de todo a sua exibição ou transmissão. Não é disso que se trata, pois o confronto de culturas até nos pode enriquecer.
Mas não será menos importante, quanto a nós, que se salvaguarde o que nos pertence, o que nos define, o que mais directamente nos respeita, seja na forma, seja na essência, das mensagens culturais que o teatro propicia.
A língua portuguesa será, assim, por esse modo defendida.
Ela nos identifica como povo e como pátria, é mesmo a própria pátria, na versão pessoana. Merece, pois, que utilizemos todos os meios para travar a degradação a que vem sendo sujeita, como ainda, há bem poucos dias, lucidamente, e por forma brilhante, o afirmava nesta Assembleia o Sr. Deputado Agostinho Domingues. Por nós, estamos convencidos que ao serem asseguradas, nos termos que propomos, as transmissões de peças de autores portugueses, através da rádio e da televisão, se prestará um sério contributo para a defesa e a preservação da nossa língua.
Sr. Presidente, Sr. Deputados: Este aparentemente simples projecto, mas no qual depositamos fundadas esperanças de que possa funcionar como autêntico instrumento de cultura, tem um enquadramento constítucional e uma sintonia com o Programa do Governo a merecer alguma referência.
De facto, é reconhecido a todos os portugueses o direito à educação e à cultura. Por sua vez, o Estado deve promover a democratização da cultura, em colaboração, além do mais, com os órgãos de comunicação social. Deve, além disso, apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e colectiva, nas suas múltiplas formas e expressões, e uma maior circulação das obras e dos bens culturais de qualidade.
Por outro lado, tenha-se presente que o Ministério da Cultura, em termos de Programa do Governo e no quadro da cooperação com outras entidades, se propõe «procurar colaborar com a RTP e a RDP a fim de se velar mais eficazmente pela qualidade cultural dos programas transmitidos» e ainda «procurar apoiar a produção de programas de rádio e TV baseados em obras-primas do património nacional, com o duplo objectivo de assegurar produções de qualidade e uma nova e larga difusão dessas obras-primas».

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Com vista à defesa dos valores culturais do País, a definição de normas disciplinadoras da quantificação e selecção qualitativa de programas com base na literatura e, em geral, nos valores da cultura portuguesa, está mesmo prevista no n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 75/79, de 29 de Novembro, ou seja a Lei da Radiotelevisão.
Quer dizer: se o enquadramento constitucional do projecto de lei n.º 39/III é inquestionável; se o próprio Ministro da Cultura se propõe, programaticamente, cooperar com a RTP e RDP no propósito da difusão das obras-primas da cultura portuguesa e se a própria Lei da Radiotelevisão contém uma norma em branco como a que transcrevemos à espera de que o legislador lhe fixe, por forma quantificada, a emissão de programas com base nos valores da cultura portuguesa, então o nosso projecto tem justificação e corresponde a medidas que legislativamente se impõe sejam tomadas.
Tem-se consciência do esforço exigido, designadamente à televisão.
Mas não podemos abstrair da sua natureza de serviço público que ao serviço público se deve votar.

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- Muito bem!

O Orador: - Poderá discutir-se, também, se a quantificação que propomos para a transmissão obrigatória de peças de teatro de autores portugueses é a mais aconselhável de um ponto de vista quer de exequibilidade, quer de razoabilidade.
Mas, neste como nos demais pontos, a nossa proposta é aberta às sugestões e contributos de todos os Srs. Deputados. Entendemos mesmo que, em matérias desta natureza, só é saudável e verdadeiramente útil chegar a soluções que espelhem, na sua formulação, definitiva, o máximo de participação de que a cultura, afinal, será, verdadeiramente, a grande beneficiária.
Nós próprios apresentámos já hoje, na Mesa, uma proposta de substituição do artigo 4.º do articulado, no sentido de tornar mais alargada e mais actuante a fiscalização do cumprimento da lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permita-se-me que termine esta singela apresentação do nosso projecto de lei com a expressão da nossa firme convicção de que, aprovando-o, a Assembleia da República se coloca, mais uma vez, ao serviço e na defesa da elevação do nível cultural do nosso povo valorizando, outrossim, o nosso património cultural.

Aplausos da ASDI. do PS, do PSD, do PCP e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero pôr o seguinte problema à Câmara: inscreveram-se vários Srs. Deputados para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Vilhena de Carvalho mas, uma vez que faltam apenas 6 minutos para a hora regimental de suspensão dos nossos trabalhos, talvez fosse preferível suspendermos agora a sessão e recomeçarmos depois do almoço, fazendo um apelo a todos os Srs. Deputados para que estejam aqui às 15 horas, de modo a evitarmos uma sessão noctuma muito prolongada.

Pausa.

Como não há oposição, está suspensa a sessão.

Eram 12 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, tem a palavra o Sr. Deputado Comes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Vilhena de Carvalho: Gostaria em primeiro lugar de salientar a oportunidade da iniciativa que a ASDI tomou sobre esta matéria, particularmente no momento em que a crise do teatro de tal modo grave que começa a pôr em causa a sobrevivência desta actividade em Portugal. Não é apenas a crise da produção; e a crise da montagem dos espectáculos, a crise de espectadores, é uma crise que é parte importante da própria crise da cultura em Portugal.
Penso, pois, que é uma matéria de inegável interesse e oportunidade, sobre a qual auguro um amplo consenso nesta Câmara.
Não gostaria, em todo o caso, de deixar de formular ao Sr. Deputado uma ou duas questões que, nesta fase, me parecem de interesse para podermos emitir sequentemente a nossa opinião.
A primeira questão é a seguinte: não considera o Sr. Deputado que a necessidade sentida pelo seu agrupamento parlamentar de aqui apresentar um projecto de lei deste tipo não é em si mesma uma manifestação do lamentável estado a que chegou a programação dos mais importantes meios de comunicação social do Estado e, designadamente, da televisão? Não é lamentável e simultaneamente sintomático que seja preciso aprovar numa lei o número de emissões de teatro por mês, ou por semana, ou por ano, do principal orgão de comunicação estatizada em Portugal? Não deveria isso, aliás na lógica que decorre do próprio Estatuto da Televisão, ser uma matéria interna de organização da produção?
Gostaria que desse algum esclarecimento sobre esta matéria porque, sem pôr em causa o mérito da iniciativa, eu diria que ela demonstra o lamentável estado a que chegámos em Portugal, relativamente à participação da cultura no nosso principal meio de comunicação social.
Em segundo lugar, gostaria de lhe pôr a seguinte questão: qualquer que seja a formulação final a que venhamos a chegar -e o Sr. Deputado demonstrou já aqui enfim, um salutar espírito de humildade ao dizer que estão abertos à introdução de alterações -, não será um pouco contra natura estar a estabelecer normas que vão introduzir uma rigidez, porventura inadequada, à gestão de empresa - que, apesar de tudo são- como a televisão e a radiodifusão? Não estaria esse tipo de normas melhor situadas ao nível dos programas dessas empresas ou das orientações gerais que o Governo deveria dar-lhes e não ao nível de uma lei com a estabilidade e com a rigidez que essa lei terá de ter?
Não estaremos a introduzir factores de artificialidade no funcionamento das empresas públicas só porque há uma lei que impõe determinadas obrigações? Ou pelo contrário, não estaremos nós a cair numa situação semelhante àquela que se criou em relação à música portuguesa ao introduzir, também por via

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legal, determinadas obrigações que depois, ultrapassado um período de euforia a que porventura essa lei dos programas de cariz nacional que essa televisão deve obviamente conter? Eram estas as perguntas lhe queria formular.
Não será porventura mais negativo que a lei acabe por não ser cumprida, porque ela não corresponde a uma realidade social, a uma realidade cultural, do que não haver lei nenhuma e, pelo contrário, responsabilizarmos quem tem responsabilidade de facto para organizar a programação da televisão, pela introdução dos programas de cariz nacional que essa televisão deve obviamente conter?
Eram estas as perguntas que lhe queria formular.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Deputado Gomes Pinho, agradeço-lhe pela oportunidade que me dá de precisar o meu pensamento sobre esta matéria manifestar o meu acordo com o Sr. Deputado quando afirma que há uma crise generalizada no sector do teatro, seja no campo da produção, da montagem e dos espectadores.
Só que me parece que essa crise não é uma crise, de agora. E não é para responder a essa crise, aparentemente de agora, que surge o nosso projecto. Essa crise vem de longe. Foi por pensarmos já de há muito que a cultura de um país se pode, de algum modo, aferir pelo nível e necessidade de sentido do seu teatro, que nós fomos levados também a elaborar este projecto de lei que não é, apesar da oportunidade que o Sr. Deputado teve a gentileza de salientar, de agora. Este projecto de lei é até de um tempo em que V. Ex.ª, Sr. Deputado, era Secretário de Estado da Cultura. Quer dizer, na nossa ideia, o sentido de oportunidade e da necessidade de implementar aquela reforma que nós entendemos necessária vem já de longe, vem até do tempo que eu acabo de referir.
Portanto, estamos de acordo quanto à necessidade, de facto, de fazer alguma coisa para debelar ou para diminuir a crise do teatro, para que ela não continue instalada entre nós.
Mas V. Ex.ª faz uma observação que tem a sua pertinência, reconheço quanto à necessidade de a RTP concretamente - embora V. Ex.ª se tenha referido inicialmente, de uma maneira geral, aos órgãos de comunicação social com a importância da rádio e da televisão-, por sua própria iniciativa, dever adoptar aquelas medidas que viessem de encontro às preocupações que manifestamos com a apresentação deste projecto. Aí eu estou de acordo, Sr. Deputado. Só que a realidade concita-nos efectivamente a elaborar normas.
Devo, aliás, dizer-lhe que há um ponto em que estou de acordo com o Sr. Deputado: quando V. Ex.ª me propõe apenas que o Governo elabore normas de orientação geral à RTP para se conseguir aquilo que nós queremos através de regras objectivas fixadas na lei, eu devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que a minha opção seria por fixar na lei as orientações, porque serão então orientações legais -e não de um qualquer governo, mutável como todos os governos - em relação a direcções da televisão mutáveis, e tão mutáveis quanto isso acontece entre nós. Assim, eu preferiria optar - e este projecto de lei é uma manifestação dessa opção - em que se consigne na lei determinadas normas que, do nosso ponto de vista, embora carecidas naturalmente de aperfeiçoamento, poderão contribuir para a melhoria de programas nesta área, particularmente nos interesses, do teatro.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, o projecto de lei apresentado pela ASDI é um diploma que merece, em princípio, o nosso total apoio.
O que se passa, tanto na rádio como na televisão, embora nesta seja muito mais grave, tem de ser profundamente alterado, de forma a possibilitar uma programação cultural mais evoluída do que a verificada até agora. Ê possível que este projecto de lei venha a concorrer para isso.
Aqui entronca-se, Sr. Deputado, um problema bem sério que, ou nos enganamos muito, ou esta lei, a ser aprovada, também não resolverá, Sr. Deputado: como garantir a qualidade dos programas teatrais? Ê que há autores e há autores - há os autores que são pela cultura e há outros que não o são, para sermos muito claros. E estes normalmente são os que a televisão escolhe, Sr. Deputado, e nós temos bons exemplos disso.
Recordo a propósito, Srs. Deputados, que a televisão não chega a cumprir com as suas próprias decisões - desrespeita-as, como aconteceu há uns 2 ou 3 anos, quando promoveu um concurso para autores teatrais, sendo um dos prémios atribuídos a encenação e transmissão da peça vencedora. Nesse caso o autor é Fernando da Costa que, até agora, não viu cumprida essa cláusula do concurso.
E não é só este exemplo; há mais, Sr. Deputado. O mesmo ocorreu com a gravação da peça «Os Emigrantes», do Teatro Experimental do Porto, que nunca foi transmitida, bem como com a gravação «Um Cálice de Porto», êxito que teve mais de 300 representações, mas em relação ao qual os responsáveis pela programação da televisão pretendiam seleccionar as partes menos críticas ao Governo, fosse ele qual fosse. As gravações prometidas, no tempo da Sr.ª D. Maria Elisa ao Teatro Estúdio de Lisboa, não foram efectuadas e tantos outros exemplos.
A televisão continua, como é evidente, a importar aquelas séries incríveis de inferior qualidade, e não divulga os autores portugueses, como todos nós sabemos. Como dizia o Sr. Deputado Gomes de Pinho, chegámos ao extremo de ser necessário, por lei, obrigar a televisão e a rádio a transmitir peças portuguesas, de autores portugueses.
Vou colocar-lhe, Sr. Deputado, duas simples perguntas.
O artigo 2.º, n.º l, deste diploma prevê apenas a obrigatoriedade de transmitir uma peça por mês. Não seria possível, já agora que temos de fazer esta lei, propor mais do que uma peça por mês? Em tantas centenas e centenas de horas de transmissão da televisão, não seria possível transmitir mais do que uma peca de teatro nacional por mês?
No n.º 2 do mesmo artigo diz-se que, no total da programação da televisão, um mínimo de metade das

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horas de emissão dedicadas ao teatro serão obrigatoriamente representadas em português. Eu desejava ser esclarecido. Sr. Deputado, sobre se este «obrigatoriamente representadas em português» quer dizer autores portugueses, ou peças de autores estrangeiros encenadas e representadas em português, às quais evidentemente somos também favoráveis, até porque possibilitam que os nossos realizadores, encenadores, cenógrafos e autores - que os temos e de boa qualidade - pudessem realmente trabalhar e efectivamente fazer face à crise de teatro que nós temos.
Por outro lado, perguntaria também se não seria de prever a gravação de tantas e tão boas peças que tantos e tão bons grupos de teatro, que surgiram depois do 25 de Abril, e que são homericamente desconhecidos pela RTP ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: -... não seria realmente de também se fazerem gravações dessas peças e transmiti-las ao País, a horas convenientes. Muitas delas, são de grande valor cultural e a nossa juventude precisa realmente de ter fácil acesso a espectáculos culturais dessa natureza.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP):- Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, ouvi a intervenção que produziu apresentando o projecto de lei da ASDI e comungo, em boa parte, das preocupações, por outro lado, e dos enunciados, por outro, que teve oportunidade de nos comunicar. De todo o modo, gostaria de confrontá-lo com algumas questões que, desde já, reputo essenciais.
Assim sendo, a primeira dessas questões refere-se ao facto - que suponho ser originário de um lapso - de no artigo 1.º se não referir que os textos dramáticos estarão vocacionados para serem radiodifundidos também, e não apenas radiotelevisionados como se consagra no último texto que nos chegou às mãos.
Na primeira versão, como sabe, dizia-se: «A difusão de textos dramáticos sob a forma de teatro, teleteatro, teatro radiofónico, telenovela ou romance radiofónico, pelas emissoras portuguesas de radiodifusão ou radio-televisão, fica sujeita à presente lei.» No texto que agora aqui tenho, caiu a expressão «radiodifusão» o que, de todo em todo, não faz sentido, julgo ser um lapso e gostaria que nos esclarecesse relativamente a este problema.
Segunda questão, que se prende com os mecanismos de fiscalização na aplicação da presente lei. A ASDI foi pelo caminho de considerar regime contra-ordenacional a violação do aqui prescrito, e, portanto, cominando, de certo modo, à Administração Pública, o conhecimento obrigatório ou oficioso das falhas e das infracções cometidas, o que se me afigura, de entre as diferentes soluções possíveis, uma solução correcta, avançando, de resto, com um sistema de coisas já mais elevado do que aquilo que estava previsto em diplomas anteriores, não apenas para acompanhar o surto inflacionário, mas, justamente, para obter algum efeito dissuasor, para além de tudo, através de um tipo de disciplina mais exigente. Pergunto-lhe se, com efeito, à luz das normas do decreto-lei das contra-ordenações e, designadamente, do seu artigo 17.º, o montante desta coima não poderá ter-se por desnecessariamente não limitado, ou seja, se o Sr. Deputado não entende que talvez fosse vantajoso prescrever um qualquer limite para que a infracção não pudesse nunca vir a ser cominada com uma coima desproporcional em relação, por um lado, à capacidade económica das empresas visadas e, por outro, à própria natureza do que aqui se pretende.
Uma última questão, uma vez que terei oportunidade, em sede de intervenção, de acrescentar outros elementos, prende-se com a circunstância de perguntar ao Sr. Deputado Vilhena de Carvalho se crê, ou não, que o facto de se determinar que deve proceder-se à transmissão de uma peça de teatro por mês e por estação emissora é, em si mesmo, um valor razoável, não excessivo e, como tal, não passível de ser alargado, sob pena de tornarmos a lei perfeitamente piedosa, bizantina e inteiramente ineficaz.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Costa pediu a palavra para que efeito?

O Sr. António Costa (PS): - Era também para formular um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado deveria ter-se inscrito até ao final da intervenção do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. António Costa (PS):- Sr. Presidente, como os pedidos de esclarecimento e as respectivas respostas foram reservadas para a parte da tarde, eu pensei que seria ainda oportuno. Mas se realmente o não é, eu desisto Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Alguns dos Srs. Deputados se opõe a que o Sr. Deputado António Costa faça o seu pedido 'de esclarecimento?

Pausa.

Visto não haver objecções, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Vilhena de Carvalho: Penso que o projecto de lei que a ASDI apresenta merece a boa recepção desta Câmara, porque ele se filia na defesa da língua, da cultura, dos agentes culturais, dos autores e dos intérpretes portugueses.
A minha posição talvez não seja coincidente ou talvez seja um pouco, digamos, contrária, embora eu tivesse desejo que fosse igual ou superior à do Sr. Deputado José Manuel Mendes. Eu perguntava ao Sr. Deputado Vilhena de Carvalho se acha possível, em razão da existência de originais e da existência de meios materiais, que nós cumpríssemos o artigo 2.º, exibindo mensalmente uma peça de teatro português.
É que, Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, eu penso que quando as leis procuram ser bastante exigentes, elas talvez não se ajustem na sua aplicação. E eu não sei se esta terá possibilidade de, efectivamente, se ajustar.
Por outro lado, eu queria fazer-lhe uma outra pergunta, que é a seguinte: há 2 aspectos a considerar no seu diploma. Um refere-se à exibição de uma peça

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teatral por mês, outro refere-se à exibição de um terço da programação anual. O Sr. Deputado Vilhena de Carvalho acha que, realmente, a coima para o seu não cumprimento deve ser igual? Uma deve ser aplicada pontualmente, no fim de cada mês, outra no fim de cada ano? Acha isso bem?
Por outro lado, não pensa o Sr. Deputado -e estou aqui como franco-atirador a dizer umas coisas - que seria bom, na defesa dos interesses para os quais o projecto procura realmente olhar, que este produto das coimas revertesse em benefício do objectivo final do diploma?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): -Em primeiro lugar, eu responderia ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, que teve a bondade de me interpelar, procurando satisfazer as suas dúvidas sobre se esta lei resolverá ou não alguns dos problemas que me solicitou.
Penso que alguns desses problemas não só não os resolverá, como os não deve resolver. Quando V. Ex.ª me põe a questão de saber como garantir a boa selecção das peças teatrais, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que a nossa preocupação foi a de quantificar peças de teatro de autores portugueses e não a de dar orientações sobre o tipo de peças a representar. Julgo fazer-me compreender nesta distinção.
Já agora, aproximo um pouco a observação do Sr. Deputado Gomes de Pinho, com a observação do Sr. Deputado Corregedor da Fonseca, que não são inteiramente coincidentes, mas pareceu-me -e se na minha observação estou a ser incorrecto farão o favor de me desmentir- que o Sr. Deputado Gomes de Pinho propenderia para directrizes do Governo, enquanto que o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca propenderia para que essas directrizes fossem consignadas numa lei da Assembleia da República Quanto a mim essas directrizes não devem existir nem da parle do Governo, nem da parte da Assembleia da República. Deixemos, depois de quantificado o número de peças a representar, que a RTP e a RDP estejam, pelo menos, à altura de uma boa selecção das peças. Se não estiverem, naturalmente, aqui ou noutro lugar, ou noutra tribuna, estaremos naturalmente dispostos a fazer a crítica respectiva, mas não, naturalmente, em sede legislativa.
Relativamente ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, começarei por agradecer as suas referências e, perante as questões concretas que me colocou, dir-lhe-ei que, quanto ao lapso que apontou, e que agradeço, do artigo l.º, trata-se, efectivamente, de um mero lapsus calami.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Muito bem!

O Orador: - Relativamente à segunda questão, quanto ao método adoptado, do critério das violações contraordenacionais e quanto aos limites da coima para que propenderia, dir-lhe-ei que, com satisfação, aderirei à sua sugestão, na discussão em sede de especialidade.
Para além dos limites da coima, pretendia perguntar se não será, se bem registei, excessiva uma peça por mês. Bom, eu penso que não, Sr. Deputado. Eu penso que não e bastaria lembrar-nos de que a RTP já teve um período de alguma maior atenção pelo teatro ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Era uma por semana!

O Orador: - .. , em que tinha uma sessão semanal de teatro.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Exactamente!

O Orador: - E com esta minha resposta, estou também já a responder ao Sr. Deputado António da Costa, quando me punha a questão de saber da possibilidade do cumprimento desta lei, quanto à exigência que é formulada da exibição de uma peça por mês. Bastaria, portanto, renovar a minha lembrança de que já houve tempo em que a televisão tinha programas de teatro uma vez por semana.
Claro que me pôs uma outra questão, à qual eu vou responder, que é a de saber se teremos originais portugueses. Sr. Deputado, felizmente que temos. Poupe-me agora, efectivamente, a indicação, que eu nem referi um só autor teatral para não distinguir nenhum. Mas temos muitos e bons autores teatrais e, sobretudo, desejaríamos contribuir para que eles fossem cada vez maus e para que, a partir do incentivo que com este diploma também se pretende criar, eles não venham interromper toda uma larga e importante tradição teatral do nosso país.
Relativamente às outras questões que me pôs sobre as exigências de ordem material que esta lei implicará na sua execução, eu penso que não Sr. Deputado. Caberá, naturalmente, às empresas que ficarão obrigadas por esta lei encontrar as melhores soluções. Para além de tudo isso, não nos esqueçamos que qualquer delas tem um serviço público a desempenhar, ainda que isso represente algum encargo, mesmo para o erário público - e eu tive ocasião de lembrar na minha intervenção que o próprio Ministério da Cultura se propõe colaborar com a RTP e com a RDP. Em qualquer uma dessas empresas deve realizar-se inteiramente aquilo que delas se espera. Como serviços públicos que são.
Portanto, até a partir de um problema de acção do Ministério da Cultura e da colaboração com essas identidades, se o problema for de ordem material, naturalmente que não deixará de se encontrar a maneira de o resolver. Para além disso, bastaria lembrar que é muito possível que nós até tenhamos possibilidade e abertura para que possamos vender o nosso produto teatral, como até já temos feito. Desejável seria que essas vendas continuassem e em maior volume para os países de expressão portuguesa, porque seria mais uma forma de nós contribuirmos para a difusão e para a defesa da língua portuguesa.
Quanto ao facto de se distinguirem no nosso projecto duas coimas diferentes para a violação do preceito que impõe determinadas exibições mensais ou de programação anual que atingirá um terço, naturalmente que elas terão de ser diferentes -e compreende-se que o sejam - e aplicadas em épocas diferentes porque o cômputo da terça parte da programação anual terá de ter em conta toda a programação anual. Pode muito bem acontecer que a RTP esteja interessada, por exemplo, num período teatral, digamos, de transmissão massiva de várias peças e esteja depois 2, 3 ou 4 meses, afastada desse tipo de actividade, procurando portanto

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privilegiar determinada época para fazer, digamos, um autêntico festival de teatro.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, quando eu falava na necessidade de preservar a garantia não pretendida com isto dizer que seria a Assembleia da República, e muito menos o Governo, a darem directrizes à televisão, de forma a garantir a qualidade. Contudo, Sr. Deputado, talvez pudéssemos consignar nesta lei que a televisão deveria constituir um grupo consultor de programação cultural - que de momento não tem-, formado por elementos de reconhecido valor cultural, capazes, esses sim, de fazer uma boa selecção de peças teatrais.
Estou de acordo com V. Ex.ª quando diz que tivemos e temos muitos e bons autores teatrais.
É claro que, como todos nós sabemos, dentro de muito pouco tempo, deixará de haver fronteiras para a televisão. O espaço vai ser invadido por programas de televisão europeus, e não só, e, como tal, arriscar-nos-emos a ver em directo a televisão japonesa. Por isso, temos de preservar essa qualidade porque iremos, com certeza, ter necessidade de exportar programas televisivos de alto valor cultural e não do tipo anti-cultural que a televisão normalmente, apresenta. Daí a minha preocupação pelas questões culturais e pela qualidade dos programas teatrais que possam ser transmitidos, uma vez que se pode transformar numa arma de 2 gumes. Na verdade, esta lei sairá e, se não houver um bom grupo de consultores na Radiotelevisão Portuguesa, arriscamo-nos a ter transmissões de verdadeiras «bacalhaus» anticulturais que não queremos.
E já agora, eu fazia uma pergunta que não tem muito a ver com isto: Sr. Deputado não seria de encarar, talvez futuramente, a apresentação de uma lei idêntica para o cinema português, já que temos muitos e bons realizadores de cinema? Temos dezenas de filmes de televisão fechados em gavetas porque os monopólios de transmissão cinematográfica recusam-nos, por não serem famosos, preferindo a importação de filmes inferiores e de valor cultural altamente duvidoso. Eu perguntava se também não seria de encarar futuramente qualquer coisa deste género, de forma a possibilitar a transmissão de filmes de jovens realizadores, uma vez que são já muitas as dezenas de filmes que estão fechados e sem possibilidades de serem rodados em cinemas comerciais.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Relativamente ao seu protesto, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, eu registo com agrado que as preocupações de V. Ex.ª, que eu há pouco tinha registado, não pretendiam dar orientação à televisão quanto à selecção das peças a transmitir.
Feito esse registo, fazia também um outro. Ê que agora dá-me uma outra sugestão ou faz-me uma pergunta: se não deveria ser criado, nos quadros da televisão, um grupo consultor de escolha das peças de teatro. Vem a dar quase ao mesmo! Eu também não embarcarei em dar conselhos à televisão, independentemente de saber se seria bom ou mau existir na televisão um grupo consultor para escolher peças de teatro. No entanto, acho que isso fica muito bem ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
Para além do seu protesto, faz ainda uma pergunta relativa não às questões de teatro que proeuro tratar neste projecto de lei, mas aos problemas do cinema. Aí está, efectivamente, um bom tema para o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, em nome do seu partido, propor aqui num projecto de lei que, provavelmente, terá todo o nosso apoio.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A produção dramatúrgica portuguesa, tem vindo a demonstrar potencialidades em qualidade, que, nem de perto nem de longe, pudemos ver consagradas, quer no que toca à transmissão pela rádio ou pela televisão, quer mesmo no que concerne à efectivação de espectáculos teatrais.
Uma peça de teatro cumpre verdadeiramente a sua vocação, quando é levada ao palco ou quando é levada ao contacto com os espectadores através do pequeno écran ou das ondas da rádio. De outro modo, como já várias vezes se tem salientado, acabará ineficaz, permanecendo apenas como um texto literariamente valorável.
Ora, importa considerar, em primeiro lugar, essa produção de textos que os autores portugueses têm sido capazes de elaborar ao longo dos anos, ç, em seguida, interrogarmo-nos sobre se tal produção é, em si mesma, bastante para justificar um projecto de lei como o que a ASDI nos submete à apreciação.
O preâmbulo do texto da Acção Social-Democrata Independente elenca um conjunto de nomes que são significativos, embora não devam nunca ter-se por um repositório exaustivo, pois muitos autores não estão lá, o que por si só responde afirmativamente à questão que levantei. Há uma produção de textos dramáticos, no nosso país, que garante uma regular apresentação teatral ou a fim, por parte da Radiotelevisão Portuguesa ou da rádio, naturalmente adequada às expressões que cada um desses órgãos especificamente detêm.
E respondo, também indirectamente, ao segundo problema que formulei, ou seja: uma vez que tal produção é rica, é óbvio que poderá sempre, através do instrumento legislativo que a esta Assembleia compete, determinar-se que ela não continue estancada, estiolada, apodrecida numa literariedade ainda que valiosa, mas passe à sua mais directa ligação com o público e com o povo.
Convém agora indagar sobre qual tem sido, neste domínio, o trabalho operado pela Radiotelevisão Portuguesa e pela Radiodifusão.
Todos sabemos que a RDP tem programas de textos radiodifundidos, sejam eles de natureza originariamente dramatúrgica, sejam adaptações de romances ou de estruturas narrativas sem dificuldade identificáveis, sobretudo através das modalizações do diálogo. Mas sabemos, do mesmo modo, que essa programação ou se alimenta de escritos de autores estrangeiros, mesmo que imensamente qualificados, ou então, de autores

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portugueses do passado, sem que lhe assista a preocupação de acolher o que há de inovador em todo o trabalho dos dramaturgos vivos em Portugal.
O que se passa com a RTP é mais grave. Para além da experiência telenovelesca, passível de muitas abordagens, e que não vou agora considerar, abstraindo de um ou outro programa do estilo do «l, 2, 3» ou, só para referir mais um, da «Festa continua» - de resto, positivos -, não há um espaço essencialmente dedicado ao teatro, como já houve e como se impõe que volte a haver, em homenagem não só aos nossos actores e autores, como às necessidades indiscutíveis do povo português neste domínio.

Aplausos do PCP.

O presente projecto de lei da ASDI responde, de um modo sério, às necessidades que acabo de enumerar, de um modo muito sumário, e pode contribuir para um renovamento do repertório - que é essência , o que implica, desde logo, o cumprimento das regras constitucionais do pluralismo e uma prática fundamentalmente anti-sectária, bem como o combate ao que ainda existe de mau gosto, de pirosismo, de retrogradismo, e de ausência de um espírito de inovação, ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: -... que não faz sentido persistam ainda 10 anos depois do 25 de Abril, e que não está em consonância com o que vem sendo o trabalho dos escritores dramáticos portugueses.

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: - Pode, ainda e igualmente, ajudar à erradicação de um fenómeno extremamente grave, que é o da subocupação de actores e de trabalhadores do teatro, tantos deles qualificados, lançados, por inacção do Estado ou por incapacidade dos órgãos da RTP ou da RDP, em situações de desemprego tecnológico.
Por outro lado, uma lei com estas características tenderá a estimular o investimento nas realizações de teatro, criando um clima propício à melhoria qualitativa do próprio labor empreendido, e não apenas apostando na apresentação quantitativa, significativamente maior, de autores nacionais. Todavia, pergunta-se: pode esta lei vir a ser tomada letra morta pelos órgãos a quem incumbe cumpri-la, tal como aconteceu com a lei da protecção da música?
É legítimo fazer esta pergunta, como é legítimo admitir que as preocupações dos Srs. Deputados da ASDI, no articulado, designadamente aumentando os custos da infracção e aumentando também o leque das entidades fiscalizatórias, já visam, de certa maneira, dar um cunho mais activo na detecção das violações e no seu sancionamento tempestivo. Mesmo assim, num país onde a actividade desenvolvida pelo Ministério da Cultura está longe por titubiante, por inconsequente, por inimaginativa, de prestar um claro, afoito e decisivo apoio ...

Vozes do PS: - Não apoiado!

O Orador: - ... a muito do que viceja por toda a parte, coloca-se a questão de saber se basta esta lei, ou se não será urgente avançar para a criação de
uma verdadeira lei do teatro que albergue muitas das preocupações aqui expressas ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... e contenha outros aspectos complementares capazes, inclusivamente, de dar mais funda e mais ampla expressão ao que, sectorialmente, aqui se pretende. A resposta, a meu ver, é afirmativa.
Dado que eu não tenho muito mais tempo para intervir - embora muitas questões gostasse de lançar para o debate - passo às formulações finais, com a paciência do Sr. Presidente, uma vez que não penso demorar mais do que 30 segundos.
Pois bem, apesar das soluções tecnicamente discutíveis, apesar de, a meu ver, ser possível integrar normas que, de um ponto de vista do controle necessário, levem mais longe o que aqui se prevê, entende o Grupo Parlamentar do PCP que a presente iniciativa é correcta e vantajosa, pelo que não terá dificuldade em sufragá-la. Por isso, como é evidente, aceitamos trabalhar empenhadamente, em sede de especialidade, para a melhoria do texto até à sua aprovação final.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): -Sr. Presidente Srs. Deputados: Uma outra perspectiva julgamos importante introduzir neste debate.

Desde o princípio do século, mas acentuadamente nos últimos anos, o desenvolvimento tecnológico verificado nos processos de comunicação social tornou-se espectacular.
Entrámos na era a que costuma chamar-se de «comunicação multidirecional» em que a mensagem perde o carácter parcelar. Melhor dizendo, perde o carácter que lhe resultava de ser distribuída em pontos reconhecidos (o teatro, a biblioteca, o museu, a sala de concertos, etc) e através de instrumentos bem identificados (jornal, livro, revista, cartaz).
Na fórmula sugestiva de um sociólogo da comunicação de massa: «Sem se sair de casa passeia-se pelo mundo - é a televisão - ou carrega-se a casa nos passeios pelo mundo- são as viagens».
O mundo fez-se mais curto e mais amplo e isto simultaneamente.
Que admira que o teatro perca as suas paredes convencionais, que a metáfora se torne realidade, e o nosso seja o tempo de um autêntico teatro do mundo?

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Uma segunda perspectiva de reflexão importa assinalar, igualmente, desde início.
Refiro-me à influência que os meios de massa exercem sobre o gosto popular.
É evidente que as novas técnicas, abriram às artes em geral um mercado tão ampliado que houve quem se apressasse a falar também de arte de massa.
Há todavia, uma diferença fundamental que é a que deriva de antes aquilo que era uma elite cultural constituir virtualmente todo o público, enquanto é hoje uma simples fracção de um todo.

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Daí a responsabilidade própria de uma televisão estatal, relativamente a assumir-se - e a assumir-se por inteiro - como um acto de cultura. Passar da pistola para a cultura, tinha e tem um significado mais amplo que o literal. A propaganda é uma tirania. E como anotou um homem da resistência «A tirania que se contenta em exigir a obediência material sem se preocupar com o que dela se
pensa, é uma injúria à dignidade humana mas, pelo menos, deixa a liberdade interior intacta. Pelo contrário, a propaganda parece respeitar a dignidade do homem apelando para a sua adesão íntima, mas penas macaqueia o respeito, porque quer obter essa adesão desprezando a liberdade. Exerce assim uma redobrada tirania, pois vai até ao interior e visa dar ao cativo a ilusão de que é livre».

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, a televisão de propaganda é, por si só, um acto anticultural, com o qual são consequentes todas as outras formas de mediocridade, todos os outros atentados à inteligência e à sensibilidade dos portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema do teatro português na RTP poderia ser um longo rosário de coisas espantosas.
A televisão abre um concurso, premeia uma peça ... e continua sem exibir o «jeep em segunda mão». Os teatros do Estado não ampliam o seu público através da gravação obrigatória e da transmissão televisiva dos espectáculos que levam à cena. Isto é, sob pena de o mesmo Estado ter duas políticas culturais, havemos de concluir que é a RTP a colaborar, pelo seu silêncio, com uma política contrária à descentralização cultural.
Mas não é do passado, ainda que próximo, ou do presente, que importa essencialmente falar.
Um dos grandes problemas da produção é a falta de infra-estruturas com que a RTP se debate. A ideia do provisório que se arrasta e permanece, é também essencial à história da nossa televisão.
Da Feira Popular para o Lumiar, é uma televisão sem estúdios aquela que temos. A RTP é um prédio só com fachada.
Na verdade, a televisão dispõe em Lisboa - centro de quase toda a actividade dá produção televisiva nacional - de 3 ou 4 estúdios, com uma área global de 600 m2.
Como a informação monopoliza os restantes, a realidade é de que, no Lumiar há 1 único estúdio grande para a produção nacional. E, porque não há infra-estruturas, designadamente qualquer estrutura de pré-produção, o estúdio acaba por ser, essencialmente ou maioritariamente, uma oficina de carpintaria ou uma oficina de adereços, etc.
Ê aliás por isso que se vão ocupando outras salas e gastando não só o preço da sua ocupação, como obrigando a soluções caríssimas do ponto de vista de produção, já que o espaço continua a ser fundamentalmente utilizado a montar e desmontar cenários e adereços.
A produção obrigatória pode assim consistir no desafio salutar que a falta de visão de sucessivos gestores foi incapaz de prever e resolver.
Na verdade, a nossa produção é pesada nas estruturas utilizadas. O figurino é demasiado rico (a BBC ou a RFA em vez do Brasil ou da Áustria) e raramente se recorre à câmara às costas, ao maior esforço de montagem e pós-produção. Vão longe os tempos em que Cotineli Teimo faria um dos primeiros movimentos verticais da história do cinema, metendo a câmara num cesto tradicional em Lisboa para receber as compras, depois cuidadosamente puxado pelo cordel ...
A verdade é que se está a tornar necessária a construção de estúdios.
Só que essa necessidade, pode traduzir-se num apoio decisivo para o cinema português e não só directamente como pela possibilidade - que é real, basta atentar nos pedidos existentes - para co-produção ou apenas para a utilização de instalações portuguesas.
Não foi assim que se fez o cinema espanhol e, não é assim que apenas proporcionando a utilização do sol e de algumas paisagens actuam já a Tunísia, Marrocos e Argélia?
A produção para os mercados de língua portuguesa - que o Brasil tenta monopolizar - passa por aqui.
Como a possibilidade de a produção em vídeo, em particular de video-cassetes, que é uma realidade carregada de possibilidades mais que previsíveis.
A produção de bens culturais é, aliás, como se sabe uma das tecnologias de ponta da terceira revolução industrial. Acontece que é um sector em que condições geográficas (o meio caminho entre a Europa e os Estados Unidos da América) e climatéricas são importantes vantagens concorrenciais de que podemos dispor.
Um rápido investimento em meios e estruturas de produção audio-visual não só é urgente para satisfação de necessidades próprias como será, pela existência de numerosas oportunidades externas, de alta rentabilidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma última nota quereria deixar no curto tempo de que ainda disponho.
O progresso técnico confrontar-nos-á, muito em breve, com a possibilidade de acesso directo à produção de outros países difundida via satélite.
O nosso desafio é, assim, também o da sobrevivência e adaptação da nossa herança cultural a este quadro novo.
Creio, muito sinceramente que só seremos capazes de resistir se capazes de dialogar, isto é, de construir uma relação em que ao mesmo tempo nos afirmamos na nossa originalidade e somos capazes de entender e imaginar os valores alheios.
Talvez a história dos homens, seja cada vez mais, como a entendia um grande pensador do nosso tempo «uma vasta explicação em que cada civilização desenvolverá a sua percepção do Mundo face a face com todas as outras».
Por isto, julgamos que a iniciativa legislativa que propomos, é urgente e importante, a vários títulos.

Aplausos da ASDI, do PS. do PSD. do CDS, do MDP/CDE e da UEDS.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra, Sr. Deputado?

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O Sr. Jorge de Lemos (PCP): -Para pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Magalhães Mota, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O seu partido já não tem tempo, Sr. Deputado. Tenho muita pena.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 59/III, sobre a transmissão pela rádio e televisão de produções dramáticas portuguesas, apresentado pela ASDI, determina a inclusão obrigatória na programação na rádio e televisão de peças de autores portugueses e apresentadas em português.
O Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata está de acordo com os objectivos gerais propugnados pelos autores do projecto de lei, uma vez que a preocupação subjacente a esta iniciativa legislativa se reveste de interesse cultural e educativo para o povo português. Podemos mesmo afirmar que se enquadra na recomendação da UNESCO sobre educação de adultos na perspectiva de um desenvolvimento integral do homem e da sua participação num projecto global de educação permanente, que visa, além do mais, desenvolver todas as possibilidades de formação fora do sistema educativo formal. Nesta concepção, a educação deve abranger todas as dimensões da vida, contribuindo, designadamente, para o aproveitamento do tempo livre de forma criadora.
Ora, actualmente, verifica-se que o teatro português, por diversas razões, entre as quais, por exemplo, a concorrência do cinema, da televisão e até pelos custos económicos que comporta - e por muitas razões que agora acabam de ser expostas, e muito bem, pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, entre as quais o desenvolvimento tecnológico-, vem perdendo, de forma progressiva, a sua função de instrumento de cultura, tornando-se acessível apenas á certas camadas da população dos mais importantes centros urbanos.
Assim sendo, há que encontrar meios de fazer ressurgir o teatro português, transpondo o seu restrito auditório dos palcos lisboetas para o grande auditório nacional, tornando-o acessível aos grupos mais desfavorecidos do povo português.
Este é, sem dúvida, um objectivo social a que o meu grupo parlamentar não pode deixar de ser sensível e favorável. Por outro lado, na medida em que fomenta a criação artística nacional, pelo encorajamento que dá ao aparecimento de novos valores e de novas obras, pelo apoio que presta aos homens já consagrados, pela perservação da genuídade da nossa língua, cremos bem que vale a pena legislar sobre matéria de tão relevante interesse cultural.
Dever-se-ão mobilizar, pois, todos os meios possíveis nessa perspectiva. Um dos meios mais eficazes é, sem dúvida, a Radiotelevisão. Meio eficaz e adequado, por certo. Será, portanto, correcto fixar a obrigatoriedade de um mínimo de tempo de emissão dedicado à produção dramática portuguesa, tendo em atenção critérios de qualidade. Resta saber se, na apreciação na especialidade do referido projecto de lei, as soluções apresentadas são as acertadas, no contexto da programação das referidas emissoras, em termos de modalidades e quantificação. Eu penso que será aconselhável ouvir técnicos e responsáveis.
Em todo o caso, não temos dúvidas em conceder-lhe o nosso voto favorável, na generalidade, para ume baixa à Comissão de Educação e Cultura, na especialidade.

Aplausos do PS, do PSD, da ASDI e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem palavra o Sr. Deputado Igrejas Caeiro.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Sr. Presidente Srs. Deputados: Saúde-se antes de mais a recuperação da iniciativa legislativa da ASDI, trazendo a este plenário o projecto de lei n.º 153/III, agora actualizado com o n.º 59/III.
E saúde-se, por quê? Porque é uma justa e opor tuna tomada de posição contra o escândalo do quotidiano radiofónico e televisivo deste país, onde a nossa língua e, a cada passo, malbaratada, a nossa cultura subservientemente postergada, de cócoras perante importações nem sempre recomendáveis.
País aberto a todas as culturas? Evidentemente! Povo nada xenófobo? Claro!
Mas daí a deixar passar, sem veemente protesto, o sistemático desprezo pela nossa língua e pela nossa cultura é que não pode aceitar-se.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As sucessivas tentativas de legislação visando morigerar rádio e televisão em Portugal, aponham, como fundamental a obrigação desses poderosos meios de comunicação defenderem a língua e a cultura portuguesas. Cita-se: Promover e difundir a música, o teatro, a poesia, a ciência e outros valores da cultura, tendo em conta a criatividade dos diversos estratos da população portuguesa [alínea c) do artigo 6.º do Decreto n.º 261/I].
Como têm cumprido os programadores da rádio e da televisão instalados no Quelhas ou no Lumiar?
Não se importando com o normativo e escancarando as portas a quanto tantas vezes agride o saudável princípio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tristemente se verifica o regredir.
Lembro-me bem que, nos seus primeiros anos, a RTP nos proporcionava, pelo menos uma vez por mês, uma obra teatral representada em português e eram muito menores os meios da nossa televisão. Por esse tempo os portugueses beneficiavam igualmente de atraentes programas de variedades, com apoio em excelentes textos de autores portugueses, interpretados por populares e saudosos artistas do nosso teatro.
A rádio está praticamente reduzida a repetições. Terão o mérito de nos permitir voltar a ouvir grandes intérpretes, infelizmente já desaparecidos. Estão, no entanto, bem longe da intensa produção das mais diversas formas de adaptação radiofónica da literatura originalmente dramatúrgica ou viavelmente tea-tralizável.
A televisão, reconheça-se, tem-nos proporcionado as grandes obras da dramaturgia mundial, em magistrais interpretações de ingleses, franceses ou italianos, em emissões para portugueses que não sabem ler as legendas ou mal têm tempo de as seguir.
Qual é, nestas circunstâncias, o enriquecimento cultural da maioria do povo português?
Com uma literatura rica e diversificada, Portugal tem matéria-prima excelente para alimentar as neces-

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sidades culturais de uma televisão e de uma rádio, minimamente interessadas em servir efectivamente o povo que as suporta, esportulando pesadas taxas./Argumenta-se a falta de quem adapte a escrita por-/tuguesa às exigências das específicas técnicas da televisão e da rádio.
É a mesma tecla caluniosa dos que afirmam não estar ainda o povo português apto para viver em democracia. Esquecendo-se de que é no elemento líquido que se aprende a nadar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Existem escritores muito capazes de escrever para a rádio e para a televisão e também aptos a adaptar obras modernas contemporâneas e clássicas, com vista à especificidade audio-visual.
Será curioso recordar aqui a situação insólita de a RTP ter aberto concurso para textos dramáticos destinados à televisão, de que decorreu a atribuição do l.º prémio a um original do escritor e jornalista Fernando Dacosta, que há anos aguarda realização e transmissão televisiva...
Pretendem desculpar-se os responsáveis pela RTP com o argumento de que lhes sai mais barato adquirir no mercado internacional material enlatado para servir morno, frio, às vezes mesmo intragável, aos desprotegidos telespectadores portugueses.
Dão-nos mesmo o exemplo gritante de que um episódio de telenovela brasileira custa apenas 200 contos enquanto similar portuguesa ronda o milhão de escudos.
Se for esta a realidade, é necessário ajustar a gestão da RTP à necessidade imperiosa da defesa da língua e da cultura portuguesas.
Mas pergunta-se, Sr. Presidente e Srs. Deputados:
Estão os cacheis pagos aos colaboradores da RTP de acordo com a situação de crise que atravessamos? Quando os trabalhadores portugueses ainda não são retribuídos aos níveis dos países da CEE, como 6 que se entendem as verbas astronómicas que nos dizem custar a produção de programas portugueses?

Vozes do PS, da UEDS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - É escandaloso!

O Orador: - Não se entendem as ilimitadas quantias pára certas reportagens além-fronteiras, enquanto se posterga o que à cultura portuguesa diz respeito.
Porquê buscar exclusivamente na grande roda do mundo individualidades estrangeiras em prejuízo dos intelectuais portugueses cujo acesso às câmaras da nossa televisão é escandalosamente raro.

Vozes do PSD e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Verifica-se portanto que a gestão da RDP e da RTP, por estas ou por outras razões, não cumpre os objectivos fundamentais que lhes são indicados em todas as tentativas de legislação.
Logo, faz falta um texto legal, claro, explícito, que responsabilize as direcções de programação radiofónica e televisiva no sentido de dar aos portugueses textos dramáticos de autores portugueses para intérpretes portugueses igualmente aptos a servir seus talentos em favor de obras universais correctamente traduzidas.
Só assim a rádio e a televisão cumprirão seu dever de preservar a nossa cultura e permitir o indispensável entendimento de outros mundos e outras civilizações.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - É assim mesmo!

O Orador: - Pelo que aqui fica se entende a saudação à iniciativa legislativa da ASDI que nos leva a equacionar o problema.
É a lei ideal? Claro que não. Em matéria de cultura e muito difícil contingentar, como quem pretende equilibrar balanças de pagamentos.
Muito há a discutir e aperfeiçoar no articulado proposto pela ASDI. Afigura-se-me, no entanto, que o diploma merece a atenção especializada da. respectiva comissão, para estimular nas entidades visadas a consciência de quanto todos nós devemos ao povo português e que é urgente atender aos seus direitos.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Deputado Igrejas Caeiro, ao ouvir a sua intervenção fiquei um tanto perplexo - aliás, é uma situação a que os deputados da maioria nos habituaram com alguma frequência -, porque V. Ex.ª analisa a situação da Radiotelevisão como se o seu partido e o actual Governo nada tivessem a ver com isso. V. Ex.ª reconhece, com grande coragem, que se regrediu na televisão portuguesa, ultrapassando inclusive os períodos iniciais da sua criação, numa situação em que a produção portuguesa atinge níveis dos mais baixos de sempre na história da televisão portuguesa.
V. Ex.ª diz que há meios humanos e meios materiais, nomeadamente equipamentos, etc. Estamos de acordo com isso, embora haja, por outro lado, algumas deficiências de infra-estruturas, que foram aqui apontadas pelo Sr. Deputado Magalhães Mota. Mas a verdade é que tudo isto se passa como se a administração da Radiotelevisão Portuguesa aparentemente não tivesse nisso nenhuma responsabilidade e o Governo, que é responsável por essa administração, pudesse ser ilibado da situação actual. Parece-me realmente uma situação estranha porque não me posso esquecer que ainda há pouco tempo o Sr. Deputado, em declarações públicas, exprimiu de forma evidente a sua solidariedade com a política governamental neste domínio.
Gostava entretanto de lhe pôr a seguinte questão: entende o Sr. Deputado que a situação a que a televisão chegou se deve, não apenas à incapacidade da sua administração, à forma errada de como é feita a gestão desse importante meio de comunicação social, mas fundamentalmente à inexistência de uma verdadeira concorrência neste sector?
Não entende V. Ex.ª que, se houvesse uma televisão privada em Portugal, os vícios que aqui apontou teriam obviamente deixado de existir? Porque das duas, uma: ou a televisão pública constituiria um encargo tal para a comunidade que esta não estaria mais disposta a suportá-la, ou então a televisão pública teria de concorrer, mostrando o que vale, teria sobretudo que fazer uma programação de acordo com os interesses profundos da comunidade portuguesa. Não será essa verdadeiramente a questão de fundo a que este debate nos conduziu?

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Era esta, Sr. Deputado, a questão que lhe queria colocar.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Não é uma questão, é uma obsessão!

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Igrejas Caeiro.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Devo dizer-lhe. Sr. Deputados Gomes de Pinho, que a sua perplexidade é também minha. Já aqui há pouco foi exactamente posto o mesmo problema: parece que V. Ex.ª tem iguais responsabilidades, se é que considera que também nessa altura interferia na televisão, como parece que é hábito em todos os governos e em todas as situações. E logo interferiu, porque não a moralizou, porque também não conseguiu dar esta resposta à necessidade da cultura portuguesa. Ora, acontece que eu ou qualquer dos meus camaradas de bancada não estamos incapazes de apontar o que está mal, e Fazêmo-lo constantemente quando é necessário.

Vozes do PS, da ASDI e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, ao contrário, a minha perplexidade é claramente compreensível por V. Ex.ª ter esquecido todo o seu passado e toda a sua influência na Radiotelevisão.

Vozes do PS, da UEDS e da ASDI: - Muito bem!

O Orador: - Quando V. Ex.ª fala no regredir, é o regredir que vai muito mais longe, e não vai pensar que estou a fazer a apologia dos tempos da «outra senhora»; estou só a dizer que no momento de pioneirismo na televisão se faziam grandes sacrifícios, e sem os meios materiais que hoje existem nós conseguíamos
- digo «nós» porque fui chamado muitas vezes a interpretar algumas peças - fazer milagres para representar em directo uma peça de teatro a satisfazer essa grande ânsia dos portugueses, desta maioria de analfabetos, que quando se lhes fala a sua língua sentem realmente orgulho de ser portugueses. Ora, isso vai rareando na televisão que nos oferecem presentemente. E não queira o Sr. Deputado julgar que se trata de uma culpa deste Governo. Compreende-se o aproveitamento político, é essa a vossa missão -a política permanente para estar a desmontar aquilo que não é desmontável. O que não há dúvida, Sr. Deputado, é que todos nós, seja qual for a nossa opção política, temos de lutar por isto que é o importante: dar ao povo português aquilo que ele merece no domínio da cultura.

Aplausos do PS, do PSD, da ASDI e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Queria apenas lembrar ao Sr. Deputado Igrejas Caeiro que eu assumo a minha quota-parte de responsabilidades de correcta interferência, se assim lhe quiser chamar, na televisão enquanto fui Secretário de Estado da Cultura.
Lembro-lhe, por exemplo, que foi nessa altura que a televisão passou a transmitir, por acordo com o Ministério da Cultura, um programa que se chamou «Cartaz dos Espectáculos». Este foi o primeiro tempo de antena reconhecido oficialmente pela televisão para as actividades culturais e que permitiu, numa altura extremamente crítica para a actividade teatral, trazer ao conhecimento dos telespectadores portugueses de forma sistemática e diária o que se passava na actividade teatral e nos outros tipos de espectáculos.
Infelizmente regrediu-se, pois esse curto, embora importante, espaço de programação desapareceu e com isso creio que se prejudicou imenso a actividade cultural portuguesa. E poderia citar outros exemplos, como a organização de um festival de música, a organização de contratos de criação teatral, é até como um clima de participação activa na televisão na difusão da cultura.
Portanto, não tenho dúvida nenhuma em assumir essa responsabilidade que o Sr. Deputado me quis imputar e que eu noutras circunstâncias não traria para aqui.
O que lhe digo, Sr. Deputado, é que nessa matéria infelizmente nada se fez e ficaria muito contente que se tivesse feito mais do que aquilo que se fez no passado. O que eu lhe diria é que a realidade actual da televisão não é comparável, como o Sr. Deputado reconheceu, com a realidade da televisão em qualquer outra fase da sua história. Nunca como até agora se atingiram cotas nas baixas de produção nacional. Por que é que isto acontece se as pessoas no essencial são as mesmas, se os quadros são os mesmos, se os meios técnicos são os mesmos, senão melhores?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -São melhores!

O Orador: - Era sobre isso que convinha que nós aqui reflectíssemos e encontrássemos uma resposta séria.
Esta é a situação actual da televisão e o Sr. Deputado pode crer esconder as suas causas da forma que quiser, ou melhor lhe convier, mas não pode ignorá-la, nem pode aqui apresentar outra. Essa é de facto a realidade que nós criticamos e queremos ver mudar. Não apenas e necessariamente pela via de uma lei, que em si mesmo é boa, mas que do nosso ponto de vista dificilmente irá resolver os problemas estruturais, mas sobretudo por uma outra maneira de encarar a televisão, que tem de começar no Governo, que é o responsável pela nomeação dos seus dirigentes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Igrejas Caeiro, informo-o que só dispõe de 2 minutos no total e se responder ao Sr. Deputado Gomes de Pinho não poderá responder aos outros pedidos de esclarecimento.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Muito obrigado Sr. Presidente. Deixo então ao protestante ... católico, o momento mais oportuno para lhe responder.

Risos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo, tem a palavra para um pedido de esclarecimento.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): -Sr. Deputado Igrejas Caeiro, ouvi atentamente a sua intervenção e estou de acordo com ela. O Sr. Deputado fala, em determinado ponto da sua intervenção, no problema da transmissão pela televisão de filmes estrangeiros legen-

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dados em português. Ê óbvio que a legenda é dificilmente perceptível e entendível por uma certa camada da nossa população, uma vez que muitos portugueses são analfabetos e outros são mesmo feridos de analfabetismo funcional. Logo, é evidente que há muitos portugueses que não podem acompanhar as legendas.
Ora, na sua qualidade de profissional da rádio durante muitos anos, gostaria de saber a sua opinião acerca deste problema. Que lhe parece Sr. Deputado? As peças de autores teatrais, por exemplo Sheakespeare, devem ser transmitidas em inglês e legendadas em português, ou acha que tal como se faz em muitos países estrangeiros, os filmes, as peças de teatro e as telenovelas são dialogadas na língua desses países em que são transmitidas, ou pensa que o processo que actualmente é seguido pela nossa televisão é o mais recomendado? Este é um problema que gostaria de lhe pôr e saber a sua opinião.
Outro problema é este: o projecto de lei apresentado pela ASDI pretende salvaguardar o teatro de autores portugueses, representado por actores portugueses e falado em português, mas se existir uma preocupação marcadamente linguística e cultural, que me diz da transmissão de peças de teatro, telenovelas ou filmes, embora estrangeiros, falados em português? Estou a lembrar-me do caso do Brasil e eventualmente dos outros países de expressão oficial portuguesa.
Será que neste caso não estaremos também a enriquecer o universalismo da nossa língua e da nossa cultura?
Penso que na base deste projecto de lei da ASDI estão problemas conexos com este.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para responder o Sr. Deputado Igrejas Caeiro.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Sr. Deputado Gomes de Pinho, devo dizer-lhe que não merece a pena sublinhar tanto o seu «Cartaz de Espectáculos», porque vários anos antes fiz eu um programa que se chamava «TV-Palco», que certamente serviu ainda melhor o teatro português. Peço desculpa da minha vaidade.

Aplausos do PS e do PSD. Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, tal programa deixou de se fazer por intervenção do Sr. Dr. Proença de Carvalho, que também modificou imensas coisas e até acabou com aquilo que o Sr. Deputado recomenda: a concorrência. Mas a concorrência na própria televisão, entre dois canais, que ele fez o possível por diluir para evitar essa mesma concorrência -e isso foi durante a vigência do Governo AD.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O Proença de Carvalho foi nomeado como ministro!

O Orador: - Agora em relação à nossa colega Amélia de Azevedo, devo dizer-lhe que é um problema grave aquele que nos pôs. Essa é talvez uma das fragilidades deste projecto de lei, visto ele definir para ambos os canais determinada percentagem de peças portuguesas. Para mim o 2.º canal, dada a sua categoria, deverá permitir-se apresentar as peças estrangeiras nas suas línguas de origem. Contudo, não me assusta que as obras de Sheakespeare sejam traduzidas para português desde que sejam bem traduzidas. Mal iriam os actores portugueses se não pudessem representar Sheakespeare e mostrar ao povo português essa glória da literatura mundial.
Eu próprio já tive o orgulho de representar Sheakespeare para o povo português, que o entende desde que seja representado numa tradução correcta.
Existe portanto, uma dualidade: o aspecto da adaptação de peças estrangeiras, ou a sua tradução correcta para serem interpretadas em português e o respeito efectivo por coisas notáveis que são feitas nas línguas originais.
Penso que terá de haver uma forma equilibrada de resolver o problema. Não nos privarmos das representações originais, e conseguir que o povo entenda as obras portuguesas e as obras universais.

Vozes do PS, da UEDS e da ASDI: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou referir os tempos que cada partido ainda tem disponível: o PS esgotou o seu tempo; o PSD dispõe de 10 minutos; o PCP esgotou o seu tempo; o CDS dispõe de 3 minutos; o MDP/CDE dispõe de 3 minutos; a UEDS esgotou o seu tempo porque o cedeu à ASDI, que dispõe de 5 minutos.
Não havendo mais inscrições, penso que chegámos ao final do debate. Assim, vamos em seguida votar na generalidade o projecto de lei n.º 59/111, sobre a transmissão pela rádio e televisão de produções dramáticas portuguesas, apresentado pela ASDI.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrou na Mesa um requerimento, cujo primeiro signatário é o Sr. Deputado Carlos Lage, e é subscrito por deputados do PS, do PSD e da ASDI, que vai ser lido.

Foi lido. É o seguinte:

Os deputados abaixo assinados requerem a baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, do projecto de lei n.º 59/III, sobre a transmissão pela rádio e pele televisão de produções dramáticas portuguesas, para que aí se proceda à sua discussão e votação na especialidade, fixando-se à Comissão o prazo de 20 dias, para tal efeito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes para uma interpelação à Mesa.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, pela leitura que acaba de ser feita do requerimento, fico com a ideia de que se pretende fazer baixar à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o texto que acabámos de aprovar na generalidade.
Afigura-se-me que a comissão competente seria a Comissão de Educação, Ciência e Cultura, e obviamente, a sua componente, a subcomissão de Cultura, pelo que não vejo muito bem o sentido do critério apresentado pelo requerimento que nos foi submetido.

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Interpelava a Mesa no sentido de pedir ao Sr. Presidente que indagasse junto dos autores se poderiam dar-nos uma explicação relativamente às razões pelas quais optaram por essa via e, em alternativa, se não consideram a possibilidade de qualquer outro caminho que fosse mais correcto, por exemplo através da criação de uma comissão eventual, como já aqui se fez para coisas de bem menor relevo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, um requerimento não tem discussão. Se houver uma interpretação igual ou um desejo igual ao aqui expresso pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes, não terão mais do que apresentar um outro requerimento na Mesa para que ele seja votado.
O facto de este requerimento baixar à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, só para esclarecimento, não impede que qualquer outra comissão requeira também o estudo deste documento.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não pode ser, Sr. Presidente! Isto não são maneiras de se conduzir uma Assembleia!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento de baixa à comissão de projecto de lei n.º 59/III.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS. do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI e as abstenções do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente (António Gonzalez).

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- Sr. Presidente, peço a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - O PCP já não dispõe de tempo para usar da palavra. Mas se a Assembleia não vir inconveniente nisso, concedo-lhe a palavra para fazer a sua declaração de voto, Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- Sr. Presidente, em primeiro lugar, no nosso entender, os tempos que são atribuídos aos debates devem ser entendidos como englobando a sua matéria concreta. Quando se 'trata de questões processuais elas não podem ser logicamente enquadradas no tempo global dos partidos.

or outro lado, manifestamos a nossa estranheza face à atitude da Mesa, de não ter possibilitado uma troca de opiniões que seria rapidíssima sobre a comissão a que deveria baixar o projecto de lei que acabou de ser votado na generalidade. No nosso entender a votação que acabámos de realizar acaba de esvaziar de conteúdo uma subcomissão permanente que, por unanimidade, criámos nesta Assembleia - a Subcomissão de Cultura.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Igrejas Caeiro, para uma declaração de voto.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS):- Esta declaração de voto tem mais a pretensão ou a preocupação de esclarecer um pouco o problema aqui levantado. Não creio que o Sr. Deputado Jorge Lemos possa dizer que foi esvaziado o conteúdo deste projecto de lei, porque há também uma outra subcomissão, tão digna como aquela, que é a Subcomissão da Comunicação Social. O problema que aqui foi abordado é um problema de falta de cumprimento de deveres por parte de órgãos de comunicação social, a objectivos que estão determinados. Logo trata-se de um problema de comunicação social, e achámos inteiramente legítimo que baixe à Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos. Liberdades e Garantias...

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- - Não é isso!

O Orador: - ... e baixe consequentemente à subcomissão de comunicação social.

O Si. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peco a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, nos termos regimentais, solicito meia hora de interrupção dos trabalhos e sugeria, Sr. Presidente, que juntássemos esta meia hora ao intervalo que se seguirá.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS):- Sr. Presidente, antes da segunda parte da intervenção do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, eu ia sugerir que a meia hora se substituísse ao intervalo e por isso antecipássemos este. Contudo, a proposta do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca é muito concreta: ele quer somar ao intervalo a meia hora. É um direito que lhe assiste. Só quero recordar que estamos a encurtar o tempo do nosso debate ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Há tempo!

O Orador: - ... portanto, ele vai-se prolongar para a noite.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Isso já está adquirido!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputados, vamos suspender a sessão até às 17 horas e 55 minutos. Está suspensa a sessão.

Eram 16 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar o debate sobre o projecto de resolução n.º 23/III - Assunção pela Assembleia da República de poderes extraordinários de revisão constitucional -, apresentado pelo CDS.

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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao propor à Assembleia da República que, nos termos do n.º 2 do artigo 286.º da Constituição, assuma poderes extraordinários de revisão constitucional, o CDS, ao mesmo tempo que assim prossegue um combate político, lança um desafio ao Parlamento e ao país.
O combate pela revisão constitucional - que o CDS sempre assumiu com coerência, coragem e tenacidade de que legitimamente se orgulha - iniciou-se no próprio dia 2 de Abril de 1976 em que a Constituição, foi aprovada com a oposição do CDS. Na declaração de voto que então proferiu, em nome do Grupo Parlamentar do CDS, Vítor Sá Machado teve ocasião de exprimir, por um lado, «o inconformismo e a frustração pela oportunidade que, na lei fundamental, se perdeu de mais democracia e de mais autêntico pluralismo» e de afirmar, por outro lado, «a esperança de que Portugal e os portugueses não mais se afastarão da democracia apesar de todas as dificuldades que tenham de enfrentar».
A frustração e o inconformismo são compreensíveis para todos quantos atentem no carácter dogmático e ideológico do texto de 1976, que ainda hoje perdura, embora de forma mais mitigada, após a primeira revisão constitucional. Mas foi em nome da esperança, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o CDS se empenhou no combate pela revisão constitucional e é em nome da esperança que hoje aqui estamos, perante esta Câmara que detém a legitimidade e representa a soberania popular, a propor a revisão extraordinária da Constituição.

O Sr. Gome de Pinho (CDS): -Muito bem!

O Orador: - A Constituição de 1976, nascida num período particularmente conturbado da nossa vida colectiva, reflecte as contradições dessa época e a luta que então se travou entre os que pretendiam continuar a Revolução, impedindo a sua institucionalização, e os que, reclamando-se dos valores da cultura política europeia e mantendo-se fiéis ao primitivo Programa do MFA, teimavam em construir uma democracia pluralista, baseada no sufrágio popular, nas instituições representativas e na mediação dos partidos políticos.

Aplausos do CDS.

As contradições do processo político português exprimem conflitos de valores que acabaram por transitar para o texto constitucional, traduzindo-se na coexistência de princípios fundamentais (ou «princípios jurídico-políticos constitucionalmente estruturantes») que, por serem contraditórios, são dificilmente conciliáveis. É o que sucedia, por um lado, como princípio democrático face ao princípio revolucionário expresso na «Aliança Povo/MFA» e, por outro, com o mesmo princípio democrático face ao princípio socialista.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Ê certo que há quem pense que, uma vez que não se trata de normas directamente aplicáveis, os efeitos da contradição não se revestem de grande relevância prática, cabendo ao legislador ordinário compatibilizar, quando não mesmo hierarquizar, os princípios conflituantes. Orientação que, levada até às últimas consequências, significaria a revisão constitucional através da lei ordinária ou, pelo menos, o enfraquecimento da força normativa da Constituição, que assim tenderia a transformar-se numa mera constituição semântica.

esejamos deixar claro que não perfilhamos este entendimento. Em primeiro lugar, porque consideramos que os princípios fundamentais, na medida em que exprimem os valores dominantes numa determinada comunidade política, constituindo aquele a que um eminente constitucionalista chama o «cerne político de uma constituição política», são elementos essenciais na caracterização do regime político. Em segundo lugar, porque pensamos que os princípios fundamentais vão naturalmente conformar o conteúdo e o sentido de numerosas normas constitucionais, programáticas ou de aplicação directa, exercendo uma real influência em todo o ordenamento jurídico. Em terceiro lugar, porque defendemos que a consolidação da democracia pluralista, no quadro de um Estado de direito democrático, passa, não pela destruição da força normativa da Constituição, mas antes pelo seu reforço resultante da consagração na lei fundamental de princípios estruturantes que correspondam a valores enraizados na nossa tradição cultural e que, por isso mesmo, sejam susceptíveis de interiorização pela grande maioria dos portugueses.

Aplausos do CDS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A revisão constitucional de J 982, em que o CDS se empenhou, no quadro da Aliança Democrática, foi globalmente positiva. A primeira das contradições a que fizémos referência foi eliminada, o que se reveste de inequívoco significado político. Mas a segunda permaneceu, não obstante todos os esforços que, juntamente com o PSD, então realizámos no sentido de convencer o Partido Socialista a ir mais longe na procura de um consenso que, compreendendo as questões relativas à organização e ao exercício do poder político, pudesse ainda abranger os que, directa ou indirectamente, têm a ver com a organização económica e social.
A eliminação do conflito entre o princípio democrático e o princípio revolucionário traduziu-se na vitória da legitimidade democrática sobre a legitimidade revolucionária e na transição de uma democracia tutelada para uma democracia plena. Ë este, do nosso ponto de vista, o significado mais relevante da primeira revisão, expresso na supressão do Conselho da Revolução e na subordinação das Forças Armadas ao poder político democrático, cessando o sistema de independência e autogoverno em que a instituição militar vivera desde 1974. Tudo t) resto, incluindo as alterações (aliás pouco profundas, por muito que se diga o contrário) introduzidas no sistema de governo, ou deriva directamente dos factos referidos ou é meramente acessório.
O conflito entre o princípio democrático e o princípio socialista, esse permaneceu. E em consequência não se alterou significativamente a parte II da Constituição relativa à organização económica. O que eu próprio tive oportunidade de sublinhar, em nome da minha bancada, aquando da votação final global

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da lei de revisão, dizendo que «a redacção da parte económica da Constituição não nos satisfaz, na medida em que mantém o dogma marxista da apropriação colectiva dos principais meios de produção, na medida em que conserva uma concepção demasiado rígida do plano e do Conselho Nacional do Plano e na medida em que não permite excepções ao princípio da irreversibilidade das nacionalizações».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O conflito que assinalámos existir entre o princípio democrático e o princípio socialista e que a revisão não eliminou, constitui um elemento bloqueador da modernização do país e da superação da crise profunda em que a sociedade portuguesa se encontra mergulhada.
Não ignoramos que os adeptos do socialismo democrático - e só estes importam, porque com os outros não há diálogo possível - dizem, por vezes, que «não há liberdade sem socialismo, nem socialismo sem liberdade», o que, fazendo inteiro sentido no combate doutrinário e na luta política, é inaceitável no plano da Constituição. Efectivamente, a Constituição, enquanto estatuto jurídico do político, deve ser um quadro aberto a todas as opções ideológicas, doutrinárias e políticas, não discriminando contra ninguém. Uma constituição democrática aceita igualmente socialistas e não-socialistas, o que só acontece se estes últimos, quando ganharem as eleições, puderem governar de acordo com os seus princípios sem poderem ser acusados de violar a Constituição.

Aplausos do CDS.

Só assim se evita que a Constituição se transforme numa bandeira que periodicamente metade do país empunha contra a outra metade, tornando-se em vez de um factor de integração política um factor de agravamento e de polarização dos conflitos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A história do constitucionalismo não é outra coisa que não seja, simultaneamente, uma luta incessante pela limitação do poder e a procura continuada de justificações no plano espiritual ou ético da autoridade e do poder. Durante muito tempo, a luta travou-se contra o poder absoluto e daí a teoria da separação dos poderes e a fórmula famosa de Montesquieu faut que le pouvoir arrete le pouvoir; o nosso tempo viu, porém, o poder do Estado crescer continuadamente, com o desenvolvimento da ciência e da técnica e o correspondente aumento das necessidades humanas que ao Estado incumbia satisfazer.
O que levanta novas questões que têm a ver com as funções do Estado e com as relações entre Estado e sociedade. Ê também neste plano que o conflito entre o princípio democrático e o princípio socialista ganha em ser analisado. É este o desafio que propomos ao Parlamento e ao País, certos de que o Partido Socialista não se poderá indefinidamente furtar a um verdadeiro debate com as restantes forças democráticas, liberto de preconceitos doutrinários e de alguns mitos do século XIX, que os factos, que são teimosos, se têm encarregado de desmentir um a um.
Termino, Sr. Presidente e Srs. Deputados; citando as palavras, já então de esperança, com que Francisco Lucas Pires iniciava uma obra que em 1975 dedicou ao problema da Constituição: «Ao princípio não era o Estado mas o Homem» - «era o Homem, o espírito e o barro . . É esta uma verdade em função da qual será o Estado a ter de se humanizar - não o Homem quem tem de se estadualizar ...»

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): -Sr. Deputado Luís Beiroco, creio que não dou nenhuma surpresa a V. Ex.ª se lhe disser que não morro de amores pela totalidade do texto constitucional. Na realidade, também eu não gosto do fundo doutrinário de muitas das disposições sobre matéria económica e social.
No entanto, discordo do Sr. Deputado quando afirma que a Constituição tem uma inspiração marxista. Se porventura algo houve de marxismo no texto de 1976, praticamente nada disso se mantém no texto revisto. Na verdade, uma componente que era já muito importante no texto de 1976 é hoje basicamente a componente inspiradora do pensamento doutrinário constitucional em matéria da organização económica e de direitos sociais. Mas essa inspiração não é marxista, é sim proudhoniana.
Aliás, já um comentador da Constituição, o Professor Marcelo Caetano, assinalou - e muito bem - o fundo anarquista da Constituição de 1976.
Mas, deixando esta questão entre parêntesis, gostaria de dizer, para tratar do que está verdadeiramente em apreço neste momento, que não responsabilizo a Constituição pela crise nacional, nem por aspectos relevantes desta. Discordo, portanto, dos considerandos do vosso projecto.
Por outro lado, não considero urgente a revisão da Constituição.
Mas, o essencial do motivo por que tomei a palavra não é naturalmente para dizer isto. Ê para dizer que estou desolado com o desinteresse do CDS no que se refere à questão da revisão constitucional.
E estou desolado porquê?
Estou desolado, em primeiro lugar, porque o CDS não tem nenhum projecto de revisão constitucional, ou seja, não tem projecto sobre uma questão que considera urgente. Em segundo lugar, estou desolado porque o CDS parece ser insensível às consequências de uma eventual aprovação daquilo que propõe. Tudo o que é sério, Sr. Deputado Luís Beiroco, deve discutir-se no concreto e não na ideologia.
Ora, a revisão constitucional deve discutir-se no concreto, e ainda ontem, dia 11, o CDS não tinha nenhum projecto de revisão constitucional, a avaliar por documentos que nos foram facultados, designadamente uma carta do Sr. Deputado Lucas Pires dirigida ao Sr. Deputado Nogueira de Brito.
Nesta conformidade, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Luís Beiroco o seguinte: por que razão o CDS não adia o agendamento do projecto de resolução n.º 23/III, pelo menos, para quando os trabalhos preparatórios da revisão constitucional estiverem concluídos e forem públicos?
Tomei a liberdade de pôr esta questão em primeiro lugar porque ela é, a meu ver, uma questão prévia neste debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Beiroco, uma vez que há mais inscrições para pedidos de escla-

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recimentos, gostaria de saber se V. Ex.ª deseja responder já ou só no fim.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Se me permite, Sr. Presidente, respondo já ao pedido de esclarecimento formulado pelo Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Beiroco (CDS):- Sr. Deputado Sottomayor Cardia, quanto à primeira questão que levantou, de que a Constituição depois de revista em 1982 deixou de ter qualquer inspiração marxista, permita-me que conteste essa afirmação. Penso que bastará ter presente, por um lado, que a apropriação colectiva dos principais meios de produção continua a ser um limite material de revisão inserto no artigo 290.º da Constituição, que não sofreu qualquer alteração, e, por outro, que o artigo l.º continua a dizer que «Portugal é uma República [...] empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes». Creio que quanto a essa matéria, isto é suficiente para contestar a sua afirmação.
No que diz respeito à questão da oportunidade da revisão constitucional pretendida pelo meu partido e ao conteúdo da mesma, desejava dizer-lhe que a minha intervenção não esgota, obviamente, as intervenções da minha bancada nesta matéria e, portanto, o Sr. Deputado vai ter oportunidade de ouvir e de pedir esclarecimentos sobre intervenções que versarão matérias mais concretas.
Além disso, e quanto à questão de o CDS não ter um projecto de revisão constitucional, devo dizer-lhe que, ao contrário, o CDS tem, de facto, um projecto de revisão constitucional, que terei muito prazer em lho oferecer neste preciso momento.
Neste momento, o Sr. Deputado Luís Beiroco dirige-se ao Sr. Deputado Sottomayor Cardia e entrega-lhe o referido texto.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Encontram-se ainda inscritos, para pedirem esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Beiroco, os Srs. Deputados José Manuel Mendes, Octávio Teixeira, João Corregedor da Fonseca e Carlos Lage.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP):- Sr. Deputado Luís Beiroco, ficámos a saber que o CDS tem um projecto de revisão da Constituição. Aliás, já tínhamos em nosso poder uma epístola enviada pelo Sr. Deputado Lucas Pires aos seus apóstolos ...

Risos do PS.

..., na qual se preconizam algumas linhas que suponho terem sido mantidas para essa revisão.
De todo o modo, esperávamos que da sua intervenção, que produziu ali do alto da Tribuna, resultasse, com meridiana clareza, um conjunto de vectores anunciatórios daquilo que o CDS pretende. E digo isto porque suponho que o CDS não terá nenhum pejo em assumir, neste momento, como assumiu no passado, a sua cruzada contra a Constituição de Abril, e em afirmar, preto no branco, o que deseja, embora muitas vezes envergonhadamente se fique pelas meias palavras, como tem sido o caso de muitas das declarações feitas pelos seus dirigentes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - De qualquer modo, não resisto à tentação de referir o quanto a intervenção do Sr. Deputado Luís Beiroco é, ela própria, profundamente contraditória.
Acusa a Constituição, tal como está, de ser uma Constituição com uma infinita carga ideológica. Em contraposição, surge com alguns enunciados, de tipo mais ou menos programático, que não são senão uma outra ideologia: a ideologia de uma classe opressora, contra aquela que está expressa (e muito bem!) na Constituição da República, que é uma ideologia libertadora, fruto natural do 25 de Abril.

Aplausos do PCP.

Mas há uma outra questão que gostaria de lhe colocar, para além mesmo de um dos núcleos centrais deste debate, que tem a ver com o problema da constituição económica, a seu tempo devidamente tratado pela minha bancada, e que é esta: o CDS não ignora certamente que as tomadas de posição públicas por parte de responsáveis do Partido Socialista vão no sentido de uma indisponibilidade, nos próximos 5 anos, para aceitar qualquer ideia de revisão constitucional. O CDS, por outro lado, também conhece quais são as posições definidas no interior do PSD pelas diferentes sensibilidades - e suponho que o PSD não ficará aborrecido por eu usar esta palavra -, todas elas concorrendo, muito clara e indisfarçada-mente, no sentido de que a revisão constitucional é urgente e que se ela se fizer os problemas do País, agora sim, vão ser resolvidos porque a crise, toda ela, segundo essa mexerufada ideológica da direita, resulta apenas da circunstância de termos a Constituição que temos.
Não desaproveitaremos a oportunidade de provar a insubsistência completa destes pontos de vista.
A pergunta que queria formular-se, desde já, era esta: o que faz correr o CDS?
Antes do congresso de Braga do PSD, o CDS apresentou na Mesa da Assembleia da República o seu projecto de resolução. Após a moção de confiança, aqui aprovada pela maioria governamental, em relação ao caduco Governo do Dr. Mário Soares e do Dr. Mota Pinto, surge o CDS, uma vez mais, puxando lá do fundilho dos seus bolsos o pó da revisão constitucional.
O que é que o CDS espera deste debate? Quais são as verdadeiras intenções com que parte para ele? O que visa, em última análise, adquirir, aqui, no hemiciclo, onde, à partida, sabe que parlamentarmente vai ser derrotado?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Luís Beiroco, retomaria uma questão já levantada pelo meu camarada José Manuel Mendes, que é esta: quando o

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Sr. Deputado faz o desafio para a eliminação do dogma marxista da apropriação colectiva dos principais meios de produção, não estará, de facto, o Sr. Deputado do CDS interessado em substituí-lo pelo dogma da apropriação privada, pelos detentores do grande capital, da totalidade dos meios de produção? Será isto ou não?

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - É sim senhor!

O Orador: - Por outro lado, na epístola, já aqui referida, do Sr. Deputado Lucas Pires são propostas algumas alterações na parte económica da Constituição, entre as quais recordo a eliminação da chamada concorrência coexistencial. Não será que o CDS está interessado em concorrência, mas só entre monopólios e latifúndios?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -UCP!

O Orador: - Afirma-se ainda aí que é necessária uma maior abertura da economia e dar maior lugar à iniciativa empresarial, sem renunciar aos instrumentos de intervenção do Estado. A este respeito, gostava de saber o que e que o CDS pretende com a intervenção do Estado. Será que pretende a intervenção do Estado no sentido de melhorar a rentabilidade da riqueza dos detentores do capital? Ou será que, quando se trata de favorecer a generalidade dos povos, o CDS pretende a anulação dessa intervenção, no sentido de não combater a apropriação privada do grande capital?
Por último, refere-se ainda na epístola que a experiência portuguesa mostra que a actual constituição económica é totalmente irreal. Não será mais certo, Sr. Deputado, dizer-se que a experiência portuguesa vivida ao longo de dezenas de anos mostra que aquilo que o CDS pretende ver consagrado na Constituição não resolve os problemas do País? Não será que o que é irreal é essa pretensão do CDS, face à natureza e aos interesses do País e do povo?

Voltes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Luís Beiroco, ouvi atentamente a sua intervenção e depois de ter lido aquela carta do Sr. Deputado Lucas Pires, que ontem fizeram o favor de nos entregar, cumpre-me dizer que, afinal, o CDS, ao contrário cio que foi tornado público, não pretende apenas rever a Constituição no seu capítulo dedicado à organização económica.

O Sr. Narana Coissoró (CDS):- Também é um apóstolo!

O Orador: - Com efeito, o CDS vai muito mais longe, como aliás era de prever. Praticamente nada escapa às suas pretensões, desde os princípios fundamentais da Constituição até ao artigo 290.º, onde se impõem os limites à revisão constitucional.
O CDS pretende dever 28 artigos e eliminar ou absorver outros 14 dos preceitos constitucionais. Ou seja, ao todo o CDS quer destruir 42 artigos da actual Constituição.
É evidente que não é por acaso que o CDS apresenta este pacote, que visa a ampla revisão constitucional. No fundo, o que quer é alterar completamente toda a filosofia da nossa Constituição e fazer uma nova - ao contrário do que se diz - porque a actual já não lhe serve.
Inicialmente o CDS bramia contra a Constituição de 1976 e insistia na urgência da sua revisão para, segundo afirmava, relançar o País. Ao mesmo tempo, considerava o Conselho da Revolução o responsável pela inoperância governamental até então desenvolvida- e recordo a V. Ex.ª que o CDS nessa altura estava no Governo.
Pois bem, a revisão foi feita, mas para o CDS há que ir muito mais longe. Nova e urgente revisão extraordinária no texto constitucional é agora exigida pela bancada do CDS. E a pergunta que lhe faço. Sr. Deputado, é simplesmente esta: porquê? Que novos circunstancialismos suscitam esta vossa actuação? Será que o CDS joga nas contradições patentes da actual maioria?
Quanto ao capítulo económico que o CDS referiu há um mês para justificar a revisão constitucional, gostaria de lhe fazer uma só pergunta: considera V. Ex.ª que a agudização dos problemas económicos e financeiros e a sua não solução realista e democrática, que o desemprego e a inflação são devidos à Constituição ou aos sucessivos erros consequentes do desenvolvimento de uma má governação? Até que ponto considera o Sr. Deputado que pode ser assacada à Constituição a responsabilidade pela não aplicação de um planeamento democrático da economia, aliás, contra a qual VV. Ex.as estão?
Por outro lado, os Srs. Deputados pretendem eliminar o princípio das nacionalizações irreversíveis. É evidente, mas penso que seria melhor que explicassem o porquê desta alteração. Será que consideram que a situação grave de algumas das empresas nacionalizadas se deve à Constituição ou, ao contrário, à má gestão por parte dos gestores, nomeados por acordos partidários sem se olhar à competência desses mesmos gestores?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS):- Sr. Deputado Luís Beiroco, embora não morra de amores ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -- E vão 2!

O Orador: - ... pela Constituição de 1976, tenho-lhe algum amor porque ela foi a Constituição da liberdade. E esse amor não foi diminuído, muito pelo contrário, com a revisão subsequente.
Porém, o que agora se teme e que o CDS queira descaracterizar algo que tem não só força na defesa da liberdade, como tem um simbolismo histórico e cultural que interessa preservar.
O Sr. Deputado Luís Beiroco começou por afirmar que a Constituição mantém o seu carácter dogmático, embora atenuado.
Ora, esta afirmação parece-me contradizer aquelas que foram largamente produzidas e glosadas quando foi feita a revisão constitucional, isto é, de que a Constituição tinha sido desdogmatizada e desmarxizada; tinha sido feita, enfim, a sua descarga ideológica. Julgo

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que há uma nota dissonante entre a posição expressa, neste momento, pelo Sr. Deputado Luís Beiroco e outras anteriormente tomadas.
Há um belo pensamento de um conhecido escritor e moralista francês, Montaigne, que dizia: «Tem-se uma bela harmonia quando o fazer e o dizer andam a par.» O nosso receio é o de que, nesta questão, o dizer do CDS não ande em harmonia perfeita com a revisão constitucional e com o momento actual.
Por isso, gastaria de perguntar ao Sr. Deputado Luís Beiroco, concretamente o seguinte: o Sr. Deputado mantém a afirmação que produziu na declaração final de voto que fez sobre a revisão constitucional, de que «quase todos es objectivos por que o CDS e a Aliança Democrática se bateram nesta revisão constitucional foram, felizmente, alcançados»? Mantém esse ponto de vista, Sr. Deputado?
Por outro lado, gostaria de saber como é que o Sr. Deputado explica que na carta que o Sr. Deputado Lucas Pires enviou ao presidente do seu grupo parlamentar se afirme a dada altura que «a actual Constituição económica é irrealista» e que «é um factor de empobrecimento colectivo». Qual é também a explicação para a afirmação sobre matéria económica que fez o vosso porta-voz, o Sr. Deputado José Alberto Xerez, aquando da discussão da revisão constitucional: «em resumo, estamos, assim, perante uma nova ordem económica e social aberta, pluralista e demarcada, em que a eficiência global do sistema é complemento essencial e onde o Estado desempenha funções relevantes no sentido do reforço dessa eficácia e da prossecução dos objectivos políticos e sociais, mas cujas actuações devem sempre desenvolver-se dentro do pressuposto de uma adequação e de uma compatibilização com o sistema pluralista e com o mercado pré-existente».
Como compatibilizar as afirmações anteriormente produzidas com as realizadas hoje, neste Plenário, pelo Sr. Deputado Luís Beiroco e com as que estão inseridas no texto que acompanha o vosso pedido de revisão antecipada da Constituição?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Beiroco, se deseja responder, tem a palavra.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito obrigado. Sr. Presidente, começaria por responder ao Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Deputado Carlos Lage diz que não morre de amores pela Constituição e já registámos que é a segunda declaração da sua bancada .

Protestos do PS.

O Sr. Carlos Lage (PS):- Sr. Deputado Luís Beiroco, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Eu disse que não morria de amores pela Constituição de 1976, porque era a Constituição da liberdade. Acho que o Sr. Deputado Luís Beiroco compreendeu perfeitamente isso.

O Orador: - Pois, Sr. Deputado Carlos Lage, o que lhe ia dizer é que, é exactamente, a revisão constitucional que o CDS propõe é uma forma de reforçar
as liberdades. Em primeiro lugar, não se propõe qualquer alteração significativa quanto aos direitos liberdades e garantias e quando há é no sentido de os reforçar.
Em segundo lugar, é evidente, e todos sabemos que e assim, que as liberdades só florescem e só se desenvolvem quando a organização económica é livre.

O 5r. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Lage pretendeu dizer que havia contradições entre o que eu hoje aqui afirmei e aquilo que declarei quando fiz a declaração de voto do CDS na votação final global da lei de revisão. É óbvio que mantenho, pois foram alcançados quase todos os objectivos. Mas exactamente aquele que não foi alcançado foi o da eliminação da conflitualidade entre o princípio socialista e o princípio democrático que se reflecte de uma forma negativa na organização económica social. Por isso pude citar na declaração que há pouco fiz, uma parte da intervenção que então produzi, em que muito claramente se diziam as razões por que não estávamos satisfeitos com a redacção que a revisão constitucional deu à parte segunda da Constituição.
Quanto à citação que fez de uma declaração do meu antigo companheiro de bancada e meu amigo, Dr. José Alberto Xerez, tenho a dizer-lhe o seguinte: é óbvio que, por um lado, as declarações de voto tem algum alcance interpretativo -c isso foi bem patente no cuidado que todas as bancadas tiveram, aquando da revisão constitucional, em por vezes fazerem declarações de voto entre si bastante contraditórias, quanto ao alcance de certos preceitos -, mas sobretudo o que o Dr. José Alberto Xerez pretendia dizer e salientar é que mesmo aí na organização económica houve algumas melhorias. É que de um regime de transição passou-se para um regime fixado constitucionalmente.
É evidente que nós não temos dúvidas que a economia portuguesa não é, mesmo neste momento, uma economia de direcção central, ela e uma economia de mercado. Simplesmente, é uma economia de mercado com um amplo sector público que não está na disponibilidade do legislador ordinário. E isso e extraordinariamente grave, porque conduz, como resultará mais claramente de intervenções, que se seguirão da minha bancada, a uma rigidez muito grande da política económica.
É que assim como defendemos que pode haver circunstâncias que aconselhem novas nacionalizações, teremos que admitir que tem de estar na disponibilidade do legislador ordinário o desnacionalizar empresas. Ora, isso é vedado pela Constituição, e essa rigidez consubstancia-se, realmente, em tentar fixar, de uma vez por todas, o fluir natural das sociedades. É esse o maior defeito da Constituição nesta matéria e é a este defeito que urge pôr cobro.
Quanto às intervenções e aos pedidos de esclarecimento feitos pelos Srs. Deputados José Manuel Mendes e Octávio Teixeira, começarei por dizer que não há qualquer contradição na proposta de revisão do CDS. O CDS não pretende eliminar da Constituição uma determinada ideologia para lá pôr outra. O CDS pretende apenas que a ideologia da Constituição seja a ideologia do estado de direito democrático, que seja,

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portanto, um conjunto de princípios que possam ser aceites e interiorizados por uma grande maioria dos portugueses, ía sabemos que não será por todos os portugueses, mas por um grande maioria dos portugueses.
Quanto ao facto de me perguntar o que faz correr o CDS, Sr. Deputado, creio que a minha intervenção foi muito clara, no sentido de explicitar que o combate do CDS pela revisão constitucional tem sido um combate continuado e um combate coerente. Não são, efectivamente, razões de conjuntura que nos fazem trazer aqui hoje a questão da revisão constitucional.
Se nós, eventualmente, pretendêssemos criar clivagens, se fosse esse o nosso objectivo político, com certeza que teríamos outras matérias onde seria muito mais fácil produzir esse tipo de efeitos políticos.
Quanto ao que disse o Sr. Deputado Octávio Teixeira, sobre a apropriação privada da totalidade dos meios de produção, é evidente que não, Sr. Deputado. Haverá, com certeza, um sector público em Portugal, mas o que entendemos é que a dimensão do sector público é uma coisa que deve estar em cada momento na disponibilidade dos governos, na disponibilidade da Assembleia da República, de acordo com os interesses da economia portuguesa num determinado momento. E isto porque nós, efectivamente, rejeitamos certas teorias sobre a evolução social, segundo as quais ela se processa, sempre, de acordo com modelos mecanicistas e pré-estabelecidos. Nós não aceitamos isso, para nós o futuro não está escrito em parte nenhuma. Para nós é em cada momento que se podem avaliar as necessidades do País em matéria económica, como noutra qualquer. Por isso é que os órgãos da representação nacional terão, em cada momento, que ter na sua disponibilidade a possibilidade, que de nacionalizar, quer de desnacionalizar.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, pediu a palavra para um protesto, Sr. Deputado Faz o favor!

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): -Sr. Deputado Luís Beiroco, aquilo que disse em resposta à interpelação que lhe fiz confirma, a muitos níveis, o quanto tive oportunidade de afirmar anteriormente.
Com efeito, eu pergunto-lhe o que é senão a clara proposição de uma ideologia, para caracterizá-la apenas de uma maneira, regressiva, que está proposta na carta do Sr. Deputado Lucas Pires, se o que se propõe não é mais nem menos do que: a ruptura completa do actual sistema eleitoral, a concessão à exploração privada da Radiotelevisão, a proibição constitucional do aborto, a pulverização do artigo 290.º, a completa eliminação das linhas centrais da constituição económica? Tudo isto é ou não é clara desfiguração do núcleo central de uma constituição democrática que resultou, efectivamente, de uma base compromissória emanada da sociedade portuguesa, e que, agora o CDS pretende eliminar, assim repristinando, como já tive oportunidade de lembrar uma vez ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, a Constituição de 1933? Ou seja, Sr. Deputado Luís Beiroco: isto não é ideologia? Com isto não se pretende confundir a ideologia, em si mesma burgueza, embora qualitativamente superior do estado de direito? Pergunto-lhe: onde vamos parar, em termos de rigor terminológico e conceptulógico?

Aplausos do PCP.

O Orador: - Por outro lado e para que as coisas fiquem desde já muito aclaradas, pergunto ao Sr. Deputado Luís Beiroco uma vez mais -na esteira do que há pouco adiantei -, sendo certo que o vosso combate contra a Constituição vem, de facto, do dia 2 de Abril de 1976, senão mesmo de antes, porquê este o momento eleito para fazer, no hemiciclo, um debate de antemão particularmente perdido? Quais são 55 razões determinantes do CDS? Ë que eu penso que era extraordinariamente importante que o povo português conhecesse com precisão quais são- os objectivos que trazem hoje o seu Partido a esta Câmara. Era essencial que o CDS, sem subterfúgios e com toda a naturalidade, os enunciasse desde já.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS):- Contraprotestando, Sr. Presidente, eu direi ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, que se ele considera que a Constituição de 1933, era informada por um princípio democrático, nós não consideramos

O Sr. José Mendes (PCP): -Eu não disse isso!

O Orador: - O juízo de valor é seu.

Protestos do PCP.

Quanto à questão de saber por que é que o CDS traz aqui hoje este projecto de resolução já lhe respondi, Sr. Deputado: o CDS desde Setembro, que propõe a revisão extraordinária da Constituição, não é de hoje.
O CDS tem travado um combate continuado contra os conflitos de valores que existem nesta Constituição e quando o Sr. Deputado pretende dizer que isso é uma forma de regressão, dir-lhe-ia que o que é, realmente, uma forma de regressão política, é nós termos uma Constituição que constantemente divide os portugueses e que é, constantemente, usada como uma bandeira política e ideológica como tive ocasião de dizer - por metade do País contra o outro.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejo iniciar estas minhas palavras louvando-me naquelas outras que o deputado Almeida Santos proferiu nesta Câmara ao celebrar em 12 de Agosto de 1982, a primeira revisão constitucional:
Que a Constituição possa ser, não machado de guerra, mas instrumento de paz;
Que a democracia pluralista de base partidária possa ser algo de tão inerente às nossas vidas

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como estar vivo e respirar. Algo que se não discute porque faz parte de nós mesmos como cidadãos e como povo. Que é, muito simplesmente, a nossa maneira de sen
Que não podendo a Constituição da República resolver todos os problemas, nem sequer a maioria deles, não seja ela própria um problema e um factor de divisão dos portugueses;
Lavrada esta geira, semeemos nela preocupações construtivas. Convalidada a Constituição Portuguesa, em democracia e liberdade confirmemos Portugal.
Srs. Deputados: Os votos há 2 anos proferidos pelo deputado Almeida Santos continuam perfeitamente actuais nos dias que correm. Eles ajudam a relembrar, através da atitude do legislador de então, a importância e o significado da primeira revisão constitucional. Com ela, fechou-se um ciclo da transição para uma democracia plenamente civilista, firmada no primado da soberania popular. Com ela deveria abrir-se um ciclo supostamente construtivo na exaltante tarefa de desenvolver Portugal. De então para cá muitas foram, porém, as ocorrências que comprometeram um empenhamento efectivo na solução dos problemas nacionais. Para justificar sucessivos fracassos inventaram-se sucessivos bodes expiatórios. E parece que de novo se quer voltar à Constituição para fazer dela alibi para as nossas dificuldades, apesar do tema da revisão constitucional ter estado corripletamente arredado das últimas eleições legislativas. Este não é o método que melhor calha à consciência dos socialistas. Pela razão ética de quem reconhece na Constituição o essencial dos valores políticos, sociais e culturais da democracia. Mas, igualmente, por uma razão de Estado, segundo a qual o ordenamento constitucional não pode tão frequentemente ser posto em causa que comprometa a sua finalidade essencial: garantir a estabilidade das instituições e o regular exercício das atribuições e competências que lhes são próprias.
Poderão objectar-me que, na circunstância, não há motivo para preocupações, que o projecto de resolução do CDS tem objectivos delimitados e que a sua iniciativa de rever a Constituição não visa pôr em causa a actual arquitectura e modo de funcionamento dos órgãos essenciais do Estado.
Farei, no entanto, notar duas ordens de razões para fundamentar uma discordância expressa quanto à oportunidade e ao mérito da iniciativa do CDS.
Em primeiro lugar, uma deliberação da Assembleia da República no sentido de assumir poderes extraordinários de revisão constitucional confere-lhe, nos termos dos artigos 286.º e 287.º da Constituição, plenos poderes de revisão. A qual necessariamente toma como base, além do projecto apresentado pelo partido promotor da iniciativa, todos os demais presentes no prazo de 30 dias. Os fundamentos da revisão, sustentados na resolução do CDS, só possuem, como se vê, significado para o próprio CDS. Não vinculam a Assembleia da República e não delimitam o objecto, o sentido e o alcance dos demais projectos de revisão que, sendo o caso, poderiam ser apresentados. Se a Assembleia da República assumisse poderes extraordinários de revisão abriria, em pleno, um novo período de revisão constitucional. Demonstrar que os eventuais aspectos positivos desse facto poderiam sobrepor-se aos seus efeitos negativos é exercício que o Grupo Parlamentar do CDS, com os seus 30 deputados, não está em condições políticas de poder fazer.
A segunda razão de discordância decorre, naturalmente, da primeira: aceitar, no presente momento, por forma precipitada e sem avaliação prévia dos concensos possíveis, o risco de abrir e dilatar intermináveis polémicas de sentido ideológico, na ordem da superstrutura jurídica, quando o que mais se impõe são soluções pragmáticas e concertadas na ordem da estrutura social, seria uma imprudência, talvez uma irresponsabilidade. Comparável à atitude de alguém que, achando a casa a arder, julgasse ser essa a melhor oportunidade para se entregar à discussão das melhores técnicas de combater incêndios.

Vozes do P§: - Muito bem!

O Orador: - O PS não tem vocação para pirómano mas igualmente não herdou a vocação de Nero.

Aplausos do PS.

Basta-se, no combate às dificuldades, com o bom senso e a moderação que lhe têm permitido esbater os radicalismos frequentemente exibidos pelos extremos parlamentares. Tem uma atitude tranquila perante a Constituição, porque nunca a interpretou de forma radical. Lamenta que o CDS não saiba conviver com a Constituição por não saber lê-la de forma moderada.
Neste, como noutros aspectos, o PS limita-se a evitar que se malbaratem as energias pedidas pelas tarefas de recuperação nacional que, de outro modo, se poderão perder em discussões de efeitos duvidosos ou por demais dilatados no tempo, que tantas vezes não semeiam nem colhem senão motivos de pessimismo, típicos de quem contempla, impróprios de quem actua.

Aplausos do PS.

Não resulta desta atitude que o Partido Socialista tenha uma postura dogmática ou fechada relativamente à consideração dos problemas subjacentes ao ordenamento constitucional, seja na área da economia, seja na da Administração Pública ou em qualquer outra. Os problemas existem e a gravidade deles só agora começa a ser conhecida em total extensão, sobretudo por efeito do levantamento sistemático das situações encontradas pelo IX Governo. Mas, justamente, por os problemas serem muitos e serem graves, é que o Partido Socialista se mantém na firme disposição de salvaguardar o quadro da estabilidade institucional e da disponibilidade de cooperação política, comprovadamente necessário para viabilizar uma governação eficaz, ainda que com prejuízo, pela sua parte, das sempre pertinentes especulações sobre a melhor forma de organizar os governos ou de governar as organizações.
Isto dito, importa naturalmente reafirmar a disponibilidade dos deputados do PS para participarem no debate e na apreciação das soluções realmente necessárias, tanto à recuperação e modernização da estrutura produtiva nacional como à reforma e eficácia do aparelho administrativo do Estado.

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Que destino para o acervo das pequenas e médias empresas indirectamente nacionalizadas? Que potencialidades poderão caber na adopção de esquemas de exploração concessionada? Quais as formas de interessar os capitais particulares no investimento das empresas públicas? Como potencializar as virtualidades resultantes da aplicação da nova lei dos sectores? Como protagonizar, sem demagogia, os princípios de descentralização e de regionalização consignados na Constituição da República?
Eis, a título demonstrativo, algumas questões, em torno das quais, representantes da maioria ou da oposição, dentro e, fora da Assembleia da República, julgo que melhor gastaríamos a atenção e o tempo que lhes dedicássemos. Na medida em que o que fundamentalmente imporia é identificar os problemas concretos para apresentar soluções efectivas.
Então, e só então, e se as conclusões e propostas de solução se revelassem tão concludentes no mérito como decisivas para o futuro do País, e ainda se a sua aplicação se mostrasse de constitucionalidade impossível, poderia ter sentido colocar o problema da revisão.
Simplesmente, vistos do ângulo mais alio do interessa nacional, que só um largo consenso político pode aferir, não há problemas nem soluções para os quais o CDS lenha justificado, minimamente, a urgência de rever a Constituição - agora, já, e não a prazo ou no prazo que nela se prevê. Creio, deste modo, poder concluir que a iniciativa do CDS ou é irreflectida, e seria o menos, ou e ditada por uma intenção político-partidária incompatível com o interesse nacional, e será o mais. O CDS sabia, antecipadamente, não poder realizar a maioria de quatro quintos indispensável para o êxito da sua proposta. Porque lerá, então, persistido nela?
Alguém já afirmou que «o testemunho dos que crêem numa coisa estabelecida não tem força para apoiá-la, mas o testemunho dos que nela não crêem tem força para destruí-la». Pergunto: lerá o CDS consciência plena de que o testemunho contra a Constituição, nas presentes circunstâncias, pode resultar num testemunho contra o esforço de combate à crise e num contributo para a destruição dos factores psicológicos da confiança, indispensável em qualquer processo de recuperação?
Poderemos, lamentavelmente, ter de acabar por concluir que o CDS, ao instrumentalizar as dificuldades que no governo não resolveu, ou procura intempestivamente justificar-se aos olhos da opinião pública ou procura dar satisfação a clientelas porventura ávidas de alcançar desforra das sequelas que a revolução deixou.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se a estabilidade constitucional instabiliza o CDS, não caímos na facilidade de assacar à Constituição os desconcertos de um partido à procura da sua própria identidade. E tão carecido dela que, ao arrogar-se perante o País o direito a ser reconhecido como alternativa, não invoca melhor argumento do que o de ler ganho meia dúzia, se tanto, de eleições autárquicas. O CDS é a alternativa do campanário!
O País real tem, aliás, pouco a esperar deste género do manifestações que alguns dirigentes políticos parecem exibir para consumo próprio, em atitude de «crítico, logo existo» ou de «bota-abaixismo» cuja razão de ser, se a há, se limita a cobrir, por uma espécie de dialéctica da negatividade, a incapacidade política da direita para se mostrar realista, pragmática e - porque não? - construtiva.
O Partido Socialista, pela sua parte, procura promover uma avaliação serena e certa dos problemas nacionais. Por isso reconhece a urgência de introduzir factores de racionalidade, sobretudo no domínio do sistema económico, com realce para o sector público empresarial do Estado. Afirmá-lo não significa, todavia, que o PS esteja disposto a contribuir para reforçar o coro daqueles que visam, em afectado estilo, precipitar o desenvolvimento da acção para uma pré-concebida finalidade trágica - no caso vertente, a desintegração,, pura e simples, do sector público da economia.
Na história recente, os socialistas já contribuíram - outros o têm reconhecido- para evitar roturas na sociedade portuguesa. Semelhante é o nosso objectivo no presente e dispostos estamos a não claudicar pelo caminho. Temos um norte e revelamos uma atitude de disponibilidade e de moderação na sociedade portuguesa. Se recusamos entoar o cântico dos cânticos ao colectivismo, igualmente recusamos a oscilação pendular que queira exigir de nós a celebração de quaisquer Contratos de adesão às teses do Sr. Milton Friedman e demais respeitável parentela ideológica.
A dura experiência a que nós, socialistas, temos sido submetidos, aconselha-nos a atitude sábia da prudência: avaliar, primeiro, todos os dados que preparam e fundamentam as decisões, sem recurso a discussões bizantinas ou a polémicas abstractas, tantas vezes alimentadas por uma retórica, que em nada releva das realidades e dos interesses profundos do País.
Gostaria, a propósito, de chamar a atenção para as observações de um conhecido historiador, Pierre Chaunu, certamente insuspeito para o pensamento conservador: «em vez de se ver o progresso na continuidade do passado, pretende-se que ele seja uma libertação do passado (...) ao perder-se o passado perde-se o futuro porque se não tem conhecimento do futuro senão enquanto transposição do passado» - que melhor síntese para justificar, senhores deputados do CDS, uma atitude reformadora, prudente e controlada que não hipoteque a exigência da continuidade à obsessão da mudança?
Tal proposição ajuda bem a evidenciar o erro histórico que constituiu, a 11 de Março, o processo atrabiliário das nacionalizações. Mas ajuda, igualmente, a compreender o erro que consistiria em pretender realizar, agora, por motivos ideológicos de sinal contrário e visando diferentes clientelas, uma simples inversão do processo.
Na verdade, sistemáticas roturas com o passado significam sempre uma ameaça de graves roturas com o futuro.
Ora, se numa sociedade aberta e pluralista como e a sociedade portuguesa, os factores de conflito são inerentes à própria ideia de progresso e a globalidade do desenvolvimento não pode imaginar-se sem manifestações de tensão no seio das forças produtivas, verdade é que tais conflitos e tensões devem poder ser mantidos no quadro do próprio sistema, como condição indispensável ao seu regular funcionamento. De contrário, a anomia social, o desequilíbrio entre os agen-

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tes produtivos e a desagregação dos factores económicos acabariam por impor a desregulação do sistema político.
Esse perigo, procura o PS evitá-lo quando dá tanta ênfase no processo, globalizado, de concertação social que o CDS desvaloriza, ou quando desvaloriza, por intempestiva e infundada, a iniciativa de revisão constitucional a que o CDS dá tanta ênfase. Ao contrário cio CDS, o PS entende que o desenvolvimento só possível num clima de confiança e de cooperação, numa base de equilíbrio e de justiça social e sem novas roturas que venham agravar a carga dos males que nos legaram
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que os lições da história devem servir para algo mais do que para encher compêndios. Em Portugal, as agitações constitucionalistas geraram algumas vezes colapsos de regime. Dir-me-ão, naturalmente, que os problemas da República de hoje não repetem cismas históricos. Estou pronto a fazer fé nesse sentido, com a condição de sermos capazes de assumir, na paz pública e na paz institucional, a regeneração de que o País carece. Cooperando para transformar as realidades onde as realidades são transformáveis, sem a todo o tempo erguer o pendão e a bandeira das virtudes prometeicas da Constituição, quando de tal milagre só o trabalho é capaz, ou a todo o tempo a exorcizar como se, por culpa da Constituição, estagnassem as energias criadoras do País. Quando pudermos ter por neutralizados es maximalismos de sinal contrário, estaremos em melhores condições de dar resposta ao que verdadeiramente importa -e o que verdadeiramente imporia, creio bem - é cumprir os compromissos politicamente expressos, para esta legislatura, no Programa do IX Governo Constitucional, cuja confiança vimos de ratificar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente:- Sr. Deputado José Magalhães, pediu a palavra para um pedido de esclarecimento? Tem a palavra Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Jorge Lacão: Estava a ouvi-lo e estava a parecer-me que o Sr. Deputado veio ressarcir-se das tentativas de lições que o CDS tem andado a tentar dar ao PS, desde remotos meses.
Na verdade, o Dr. Lucas Pires, dizia a certa altura, de olhos postos no PS, digamos até mesmo em postura de oração, que o Governo do PS queria fazer uma revolução liberal sem ter capacidade para isso e apontava ao PS o caminho. O PS vem agora, ao que parece, apontar ao CDS, o verdadeiro caminho e fá-lo numa postura que nos inspira algumas preocupações. Registamos, por um lado, que o Sr. Deputado confirmou aqui as conclusões, assim me pareceu, das jornadas parlamentares de Lagos. Isto e, o PS não apresentou o projecto sobre salários em atraso, não apresentou o projecto sobre a defesa das empresas públicas, mas confirma, ao menos, a sua posição quanto à revisão constitucional, ou seja, quanto à avaliação da importância da Constituição como lei básica; quanto ao diagnóstico das causas das actuais dificuldades, afirma, em resultado dessas jornadas, que não estão na Constituição, abordando outros aspectos que constam doutamente, quanto a nós muito bem, da resolução das jornadas parlamentares -eis um primeiro aspecto. Mas tudo isto é feito a meia-cara, numa postura um tanto retráctil, havendo até elementos do PS que se sentem obrigados a dizer que não morrem de amores pela Constituição embora gostem bastante dela. Ora bem, é aqui que quanto a nós reside o busílis, porque na verdade não traduz excessivo amor à Constituição nem excessiva coerência, admitir aquilo que nos pareceu ser admitido, mas que importaria que fosse clarificado na intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Deputado diz: «revisão não, mas ... por razões mais de oportunidade e por algumas razoei de mérito». Mas depois diz - isto é que e a réplica à oração do Sr. Deputado Lucas Pires: «o caminho para fazer aquilo que os senhores dizem que querem fazer talvez seja outro. O caminho é aquele que está a ser seguido pelo Governo». Então o Sr. Deputado Lacão vem dizer-nos que- a casa está a arder, que o Sr. Deputado Lacão não é Nero - coisas de que já tínhamos desconfiado-, que também não é pirómano -coisa que ainda falta confirmar-, mas que está fortemente apostado em explorar o que se pode explorar dentro de uma violação envergonhada da Constituição, dentro de uma revisão que não é formal, mas é lateralizante, é enviesada, é à sucata é uma forma sotuma e subterrânea de socavar um tanto toupcirescamente aquilo que não se ousa fazer à luz do dia e que é obsceno politicamente, com demonstra cabalmente a carta-epístola do Sr. Deputado Lucas Pires à bancada do CDS. O PS diz não à operação destruição, que consta da epístola, mas sim a quê, Sr. Deputado Lacão? Era isso que importava que ficasse aqui claro. Sim, a quo? Sim à revisão de facto? isto é, o que o Sr. Deputado Lacão considera útil é continuar a fomentar a criação de bancos privados nas condições em que ela se desenha hoje, com financiamento de capitais públicos às sociedades financeiras concorrendo com a banca nacionalizada? O Sr. Deputado Jorge Lacão acha excelente, belo, os aumentos e participações de capital privado em empresas com capital maioritário do Estado. Isso é que acha bem? Acha excelente ceder posições ao capital privado de sectores e serviços rentáveis de empresas nacionalizadas, como tem sido feito até agora? Acha bom continuar a desmantelar sectores e empresas a pretexto daquilo a que se chama a reorganização - revisão não, reorganizações todas?
É isto que o PS acha adequado? Acha adequado continuar a ofensiva contra a reforma agrária, ainda que dizendo não ao projecto que o CDS aqui já apresentou?
É que isto Sr. Deputado Jorge Lacão é atingir o mesmo objectivo por um outro meio. Da nossa parte e da parte de todos os que defendem coerentemente a Constituição de Abril, é preciso dizer não a esta operação golpista, mas é preciso dizer também não às operações que na prática governativa ou qualquer esfera, desfigurem na sua configuração concreta a Constituição que temos e que é também, em grande parle, a sua própria aplicação. Era isto que importava que o PS esclarecesse neste debate, sem ambiguidades, qualquer que sejam a opções do PSD e do CDS.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente:- Sr. Deputado Jorge Lacão, há outros Srs. Deputados inscritos. Deseja responder já ou no fim?

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O Sr. Jorge Lacão (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Lage tinha pedido a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, é para um protesto relativamente ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado José Magalhães.

Sr. Presidente, se achar bem posso fazê-lo no final.

O Sr. Presidente: - Ê preferível, Sr. Deputado. O Sr. Deputado Nogueira de Brito pede a palavra para que efeito?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, era pedir um esclarecimento ou talvez mais para protestar contra a intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão.
O PS tem insistido, ultimamente, em transformar esta Câmara numa câmara de ressonância de afirmações que nada têm a ver com a realidade portuguesa nem com a sua prática na vida política. Diz o Sr. Deputado Jorge Lacão, que o PS, mais do que rever a Constituição, está apostado num caminho de dinamização da concertação social. Estamos a ver os resultados, Sr. Deputado Jorge Lacão. São magníficos os resultados da vossa preocupação com a concertação social.
O PS é um partido que, mais do que rever a Constituição, está apostado numa política de prudência - só se for prudência em relação à Constituição, mas vamos já ver como é que se desmonta essa atitude de prudência. Quanto ao mais, a vossa atitude política, a vossa actividade política, é desconcertada, é imprudente, é desconchavada, o País já está certo disso, Sr. Deputado. Mas agora queria dizer-lhe, Sr. Deputado Jorge Lacão, que deputados do seu partido tiveram o cuidado de salientar hoje aqui que não morriam de amor por esta Constituição; depois houve aí umas pequenas hesitações, é a de 1976, não é a de 1982, ficaram a meio. No fundo, não morrem de amores por esta Constituição e o esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Lage foi concludente. E mais: os esclarecimentos que os vossos ministros no Governo nos têm dado, a propósito desta Constituição e a propósito dos entraves que desta Constituição resultam para a actividade governativa, são concludentes e são claros, Srs. Deputados. Mas agora percebe-se porque é que os Srs. Deputados se apostaram em declarar o vosso desamor à Constituição: é que na realidade os Srs. Deputados querem dar cabo da Constituição: os Srs. Deputados querem fazer à Constituição a pior obra. O CDS, Srs. Deputados, quer rever a Constituição e quer revê-la claramente nesta Assembleia; o PS, pelos vistos, quer interpretar habilmente a Constituição. Quer ter olhos de habilidade para interpretar a Constituição, quer desvirtuar a Constituição, na prática. Realmente, Srs. Deputados, é uma feia atitude e é contra isso que vai o meu protesto.
No fundo, respeitamos mais a Constituição, quando frontalmente pomos aqui um projecto de revisão, apesar de o Sr. Deputado Lacão ter tido o cuidado de nos vir dizer que o nosso projecto poderia ser deles. Ë verdade isso, pois nessa altura do seu discurso até nos parecia querer dizer que ia votar a favor desta resolução. Afinal tudo mudou, pois o Sr. Deputado mudou também de uma parte do seu discurso para a outra parte do seu discurso.
Mas na realidade, Sr. Deputado, a diferença entre a vossa atitude e a nossa é esta: frontalmente nós queremos rever a Constituição, vocês querem rever a Constituição por portas e travessas através de decreto-lei, de decreto regulamentar, quiçá de portaria. Não jogamos esse jogo.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, V. Ex.ª está farto de ouvir esta bancada dizer que, para o PS, a Constituição não é naturalmente um texto sagrado. £ aliás por isso que, ao contrário do PCP, não gostamos de chamar à Constituição, como os senhores fazem, a Constituição de Abril. Chamamos-lhe simplesmente a Constituição da República Portuguesa.
E justamente porque, para nós, a Constituição não é um texto sagrado -e aproveito para avançar com uma resposta ao Sr. Deputado Nogueira de Brito - é que estamos disponíveis para fazer todos os esforços necessários no sentido de interpretar a Constituição, precisamente porque temos perante a Constituição uma postura moderada, ao contrário do CDS, que tem perante a Constituição uma atitude radical. Ora, a atitude radical do CDS perante a Constituição é uma atitude maximalista perante a sociedade portuguesa, porque o CDS vem apresentar este projecto de revisão constitucional sem cuidar previamente de saber se sobre esta questão havia consenso com as forças que necessariamente poderiam dar consenso à iniciativa do CDS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - As direcções partidárias!

O Orador: - A meu ver, isto, tal como procurei desmontar na minha intervenção, não revela senão o sentido último da intenção do CDS: procurar um certo espaço de afirmação na sociedade política portuguesa, para que os portugueses se não distraiam e não cuidem de pensar que o CDS desapareceu do cenário político-partidário.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS):- Sr. Deputado Jorge Lacão, não acha que é aqui, no debate do nosso projecto de resolução, que se devem formar as maiorias necessárias à sua aprovação ou reprovação?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, naturalmente que sim, se pudéssemos, previamente, estar suficientemente convencidos da oportunidade para o País, e não para o CDS, de iniciar um período de revisão constitucional.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Deixe os bastidores!

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O Orador: - Ora, no que o CDS não conseguiu convencer o PS - e estou convencido de que não terá conseguido convencer o País - é em que haja razões tão concludentes que façam com que o período da revisão constitucional fosse aberto desde já. Esta é a questão essencial, para a qual o CDS, a meu ver, ainda não nos conseguiu dar resposta.
Gostaria ainda, embora tivesse sido o primeiro a colocar-me a questão, de responder ao Sr. Deputado José Magalhães. Ê evidente que nu bancada do PS não há vocação de pirómanos. Infelizmente, nesta bancada, temos algumas vezes que fazer de bombeiros para os incêndios que o seu partido procura atear na sociedade portuguesa.
Era também desejável que os Srs. Deputados pudessem ter, na sociedade portuguesa, um outro comportamento que não ajudasse a maximalizar os radicalismos que hoje vimos serem maximalizados pelo CDS. As vezes, os extremos parlamentares tocam-se e os resultados são sempre negativos para o equilíbrio constitucional e institucional, no qual se movem naturalmente as principais preocupações do PS.

Aplausos do PS

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Lage pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Lage (PS):- Sr. Presidente, pedi a palavra para formular um pretexto em relação à intervenção do Sr. Deputado José Magalhães e outro protesto, do mesmo teor, em relação à intervenção do Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem-se tentado jogar com as afirmações que eu e o Sr. Deputado Sottomayor Cardia proferimos sobre a questão dos afectos e das paixões face à Constituição. Evidentemente que utilizei as expressões que usei em sentido metafórico,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Eufórico, não metafórico!

O Orador: - ... e os Srs. Deputados sabem isso perfeitamente. Disse o seguinte: não morro de amor pela Constituição, mas tenho amor à Constituição. Isso é muito simples, pois não se morre fisicamente, não se tem uma paixão, não se vai às últimas consequências, mas tem-se estima, tem-se amor. É perfeitamente evidente.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É a paixão física!

O Orador: - Assim como, com certeza, o Sr. Deputado Nogueira de Brito não morre de ódio pela Constituição.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Estou vivo!

O Orador: - Não gosta da Constituição e até terá algum ódio à Constituição, mas estou convencido de que não morre de ódio por ela e de que não era capaz de se bater até morrer para que esta Constituição fosse desvirtuada e destruída - creio bem que não.
Da mesma maneira, o Sr. Deputado José Magalhães também não seria capaz de morrer fisicamente de amor por esta Constituição, de lutar até à perda da vida. Poderá gostar dela, defendê-la e tentar preservá-la.
Naturalmente que este foi o sentido que dei às minhas palavras. Já agora, melhor do que este só o tratado das paixões da alma, de Descartes.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Deseja usar da palavra para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - É para formular um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Deseja formular um protesto contra quem e contra o quê, Sr. Deputado?

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, é um protesto contra o mau entendimento de palavras claras que proferi nesta Assembleia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, vou primeiro ver em que preceito do Regimento é que poderei incluir o seu pedido de palavra, pelo que agora não lhe posso conceder a palavra.
Para formular um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lamento muito mas não vou falar de paixão, nem sequer das paixões da alma, Não é isso que está em causa, mas sim a questão do respeito pela Constituição. Obviamente que há um limite para as metáforas, sendo esse limite aquele em que, precisamente, a metáfora perturba o exame frio e sereno da questão que devemos debater fria e serenamente.
O PS vem-nos aqui dizer, com metáforas e sem metáforas, o que passo a explicitar e que me parece ter percebido bem. Em primeiro, o PS reafirma que não há uma crise de regime condicionante da crise económica e financeira, que a Constituição da República não é responsável pelas dificuldades do presente nem constitui obstáculo à sua superação no futuro e acha que não há Constituições perfeitas. Isto foi o que o PS disse em Lagos e que aqui reafirmou.
Mas o PS veio dizer uma outra coisa, que nos parece profundamente inquietante, que não pode deixar de merecer críticas e que exige clarificação. O PS veio dizer que a Constituição não é um texto sagrado. Já o sabíamos. Sabemos das diferenças existentes entre a Tora ou a Bíblia e a Constituição da República ou uma lei, que é um instrumento jurídico. Õ que está em questão não é isso, mas sim que, como texto jurídico que é, como estatuto fundamental do político e como disciplina da organização económica e social, a Constituição estabelece balizas e limites. Há soluções que são constitucionais e soluções que são inconstitucionais.
Neste sentido, a Constituição é claramente uma linha de demarcação, de fronteira. Ora o que o PS faz é

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dizer que a linha pode estar aqui, mas talvez esteja ali; a linha talvez esteja por um lado, mas talvez esteja pelo outro; talvez se possa saltar por debaixo da linha, mas talvez se possa saltar por cima da linha. E então vem dizer-nos que não, que o que há que fazer é explorar as potencialidades de reorganizar as empresas públicas no sentido de desmantelar algumas. Quais e como? O que é preciso é interessar o capital privado pelas empresas públicas. Como? Por forma a subverter o seu estatuto, a sua função constitucional e o peso e o papel do sector público ou por outra forma? Onde é que está o projecto do PS que qualificaria isso, definindo preto no branco as posições? Onde é que está o anunciado projecto de lei sobre o sector público que as jornadas parlamentares de Lagos tanto propagandearam? Não se sabe! Do que se sabe é da acção governativa de desmantelamento do sector público, da acção ilegal de venda a desbarato de participações, das tentativas de venda de partes rentáveis Disso sabemos e, em relação a tudo isto, diz-me o Sr. Deputado Jorge Lacão que a Constituição não é um texto sagrado. Quer dizer isso, então, que é um texto violável e que não é preciso rever a Constituição, desfigurando-a brutalmente, como o CDS propõe, porque é preciso subvertê-la pedacinho a pedacinho, deixando-a submetida à gula do parceiro, o PSD, e dos próprios sectores no interior do PS que apoiam isso? Em que é que ficamos, Sr. Deputado Jorge Lacão?
É nesse sentido que vai o protesto da minha bancada parlamentar. É fundamental que o PS e todos os democratas se definam, tanto em relação à revisão -inconstitucional - de direito, como em relação à revisão de facto, revisão à sucapa, que é uma forma vergonhosa e inconstitucional de destruição da Constituição, pela qual os senhores não morrem de amores, mas que amam modestamente.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Basílio Horta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, há mais um Sr. Deputado inscrito para lhe formular um protesto. V. Ex.ª deseja contraprotestar já ou no fim?

O Sr. Jorge Lacão (PS): -No fim. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para formular um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito

O Sr. Nogueira de Brito (CDS):- Sr. Deputado Jorge Lacão, o nosso problema neste debate é que estamos extremamente condicionados pelo tempo, o que, na. realidade, prejudica muito a nossa intervenção
No entanto, muito rapidamente, gostaria que o Sr. Deputado esclarecesse definitivamente a Assembleia sobre o que é uma postura moderada perante a Constituição.

Risos do CDS e do PCP.

Isso tem de ser esclarecido. A postura moderada perante a Constituição do PS e, porventura, do bloco central tem de ser esclarecida. Temos de ser definitivamente esclarecidos sobre isso.
Quais são as consequências dessa postura moderada em matéria de revisão da Constituição? É a revisão lá mais para o Verão, é a revisão no Outono, é a revisão quando for caso disso ou é nunca mais a revisão? f. a adulteração através da actividade do Governo ou da actividade desta Assembleia? É a tentativa de passagem aqui de tantos diplomas inconstitucionais, como temos visto?
Temos de saber o que é a postura moderada. É principalmente neste sentido que quero saber qual é a vossa posição, a não ser que, em termos de imagem médica, a postura moderada signifique que ao PS a Constituição não provoca mais do que uma ligeira gripe.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Costa Andrade pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, quero formular um protesto em relação à intervenção que acabou de ser feita, na qual se faz uma referência ao nosso partido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, conceder-lhe-ei mais tarde a palavra, depois de o Sr. Deputado Jorge Lacão ter contraprotestado.
Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): -Sr. Deputado José Magalhães, tranquilize-se quanto aos problemas de inconstitucionalidade, por parte da bancada do PS.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não me diga!

O Orador: -Há, em Portugal, alguém que tratará dessas inconstitucionalidades, quando as houver; não será o PCP, ...

O Sr. João Amaral (PCP): -O Santo António!

O Orador: - .. mas sim e Tribunal Constitucional.
Relativamente ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, pelas mesmas razões de celeridade relativamente ao pouco tempo que tenho, quanto à nossa postura moderada, só moderadamente lhe posso responder. Vá tendo a paciência de acompanhar as iniciativas legais que o PS e o PSD desenvolverem nesta Assembleia, para compreender o que é a postura moderada do PS perante a Constituição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS):- Nessa matéria já estou esclarecido!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Até demais!

O Sr. Presidente: - Para formular um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero recordar o que disse a respeito de uma pequena frase que me foi atribuída. Disse, salvo erro - e o Diário da Assembleia da República o registará -, o seguinte: não morro de amores pela totalidade do texto constitucional. Obviamente que

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não vou agora dizer, porque seria despropositado, qual a minha atitude pessoal em relação à eventualidade de as liberdades públicas e o regime democrático consignados nesta Constituição serem postos em causa no nosso país.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para formular um protesto, tem y palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD):- Sr. Deputado Nogueira de Brito, ousei acreditar - e continuo, apesar de tudo, nessa rota - que o CDS toma a sério o debate sobre a iniciativa de revisão constitucional.
E tomá-lo a sério implica, naturalmente, que o debate se assuma como tal, com a capacidade e a vontade para transcender o nível daquilo que é relativamente conjuntural no funcionamento e no livre jogo da Constituição e com a assunção da verdadeira perspectiva de um horizonte constitucional onde os partidos se confrontam com os valores e com os projectos, que são os seus, para a Constituição, independentemente das soluções concretas.
Penso que é isto o que tem sido prometido pelo CDS ao País, pelo que tomámos esta discussão, não sei se com excessiva ingenuidade, a sério. Mas começo a duvidar se, no fundo, por detrás deste debate, não se pretende intervir a nível da conjuntura.
Veio isto a propósito de uma declaração do Sr. Deputado Nogueira de Brito - num debate onde o PS se assume como tal, na perspectiva da Constituição, e onde nos vamos também assumir como tais, com a nossa própria identidade-, onde, a propósito de uma intervenção de um deputado do PS, se dirige aos deputados do bloco central e coenvolve, na crítica, que estava a fazer ao deputado do PS, os deputados do PSD.
Sinto que é meu dever, em nome do PSD, dizer que isto não pode ser, que isto não é sério. Se se quer assumir o debate da Constituição como tal e se se quer ter a capacidade e a elevação para transcendermos e para colocarmos o debate onde deve ser colocado, há que moderar intervenções deste género.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito ainda não ouviu, neste debate, a voz do PSD, pelo que não tinha ainda legitimidade para dizer aquilo que disse. Este não é um debate a nível de conjuntura, mas um debate onde nós, deputados do PSD, nos assumiremos em nome daquilo sobre o qual é necessário assumirmo-nos, isto é, em nome das nossas convicções quanto ao que deve ser um projecto de revisão constitucional.
O que o CDS acaba de fazer é um confusionismo, no mínimo negligente, que não podemos deixar de perdoar. Penso que não seria justo da parte de ninguém dizer que, quando o CDS fez uma coligação de Governo com o PS, o CDS e o PS perfilhavam o mesmo projecto de constituição, de relações de ordenamento jurídico, político e económico. Penso que isto não estava no espírito de ninguém e o CDS não tem, sequer, o direito de continuar a fazer jus à nossa consideração de que tomam o debate a sério após este tipo de confusões.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira,.

O Sr. César Oliveira (UEDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate poderia constituir a oportunidade que conduzisse à explicitação pública das verdadeiras opções das forças políticas representadas nesta Câmara, à assumpção, por cada uma delas, da inteireza do seu verdadeiro rosto, a uma mais completa adequação entre as palavras e a prática política. Temo, no entanto, que mais uma vez, e agora a pretexto do projecto de resolução apresentado pelo CDS, a simulação se sobreponha à autenticidade, a mistificação à clareza e a transparência de comportamento político ceda lugar à «habilidade táctica» de pacotilha.
O projecto de resolução apresentado pelo CDS começa, ele próprio, por constituir uma enorme mistificação e não se vê que possa propiciar um debate que implique aqueles objectivos. O projecto de resolução do CDS começa, deliberadamente, por ignorar o longo processo de formação da sociedade portuguesa contemporânea. Idealiza propositadamente uma «livre iniciativa», plena de potencialidades e ávida de uma dinâmica de progresso e afirmação, que não pode concretizar, porque a Constituição da República lhe tolhe os movimentos, impede a expressão da sua capacidade e lhe diminui as faculdades de empreendimento.
Contudo, o CDS não tem, nem no projecto de resolução nem na carta que o seu líder enviou aos grupos e agrupamentos parlamentares, uma palavra que demonstre que esta iniciativa privada que existe em Portugal, e trata-se desta e não de outra, possa constituir o fulcro do relançamento do desenvolvimento económico-social do País, caso fossem acolhidos os vectores desta nova revisão constitucional que o CDS pretende. O CDS, no seu afã de afirmar-se como o portador de um projecto radical neoliberal que pouco terá a ver com a democracia cristã, faz tábua rasa da história da implantação e desenvolvimento do capitalismo na sociedade portuguesa contemporânea, cuja trave mestra residiu, sempre, em formas diversas de proteccionismo. E, se o proteccionismo teve vários nomes e várias expressões políticas (desde a «Regeneração» ao «Estado Novo»), não é menos verdade que as estruturas fundamentais da sociedade portuguesa são, hoje, o produto de um processo longo, sinuoso e complexo que o CDS ou qualquer outra força política não pode transformar por via de um decreto-lei ou de uma revisão da Constituição. Mais de 70 % das unidades industriais registadas como tais empregam até dez operários e apenas uns escassos 2 % dessas mesmas unidades empregam mais de 100 operários. Grande parte das unidades industriais, e não só unidades industriais, é constituída por unidades de tipo artesanal ou familiar e não parece que seja neste sector que o neoliberalismo radical do CDS possa depositar as esperanças para materializar o seu projecto. O CDS, onde há gente inteligente e avisada, certamente não vai conseguir demonstrar que a iniciativa privada que existe na sociedade portuguesa é outra daquela que buscámos, ainda que sumariamente, caracterizar.
Guardadas as devidas distâncias, podemos comparar o CDS de 1984 à geração de 70: esta criticava uma sociedade determinada por um liberalismo que de facto não existia, tal como era prefigurado na mente dos promotores da geração de 70 na sociedade portuguesa. O CDS parece acreditar que a sociedade portuguesa é outra diversa daquilo que de facto é e, por isso, vem a esta Câmara com um projecto de resolução que não tem em conta a força e o enraizamento das realidades

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estruturais da sociedade portuguesa. E, como não pensamos que o CDS seja destituído de senso político, teremos de concluir que este projecto de resolução visa objectivos que o CDS não quer ou não pode exprimir. E elas são, a meu ver, essencialmente 2: a médio prazo, a tentativa de construir uma alternativa em torno de um processo de ruptura com a globalidade do sistema constitucional e, no imediato, promover a identificação entre o socialismo democrático e as dificuldades por que passam os cidadãos portugueses, tentando obrigar os parceiros da coligação no poder a definir-se perante uma Constituição que o CDS erigiu, mormente desde o seu último congresso, como a matriz de todos os males que afligem a sociedade portuguesa. O objectivo imediato está, assim, ligado ao objectivo a médio prazo.
Não quero centrar-me no facto de o CDS ter integrado o Governo do País, antes e depois da revisão constitucional, durante 1356 dias, e só há cerca de 6 meses ter começado a evidenciar a descoberta de que a Constituição era a fonte que impedia -e cito o CDS - «o livre desenvolvimento da sociedade portuguesa». Não quero, também, afirmar, e usando de metáforas tão ao gosto do Dr. Lucas Pires, que o CDS faz lembrar um ilusionista impenitente, ensaiado sempre tirar um novo coelho da cartola para conquistar um público cada vez mais desconfiado.
Penso que este projecto é mais alguma coisa que o coelho do ilusionista.
Era, contudo, importante que o CDS explicasse algumas questões que, de resto, não constituem o cerne deste seu projecto de resolução. Assim seria bom que o CDS explicasse em que é que o texto constitucional tem impedido a manifestação do pluralismo e da liberdade de expressão; em que é que o texto constitucional conduziu à partidarização da Administração Pública; em que é que o texto constitucional inviabiliza as «mais autênticas manifestações de pluralismo e solidariedade». E era bom que o CDS esclarecesse estes desígnios do seu projecto de resolução, porquanto pensamos que estes objectivos são apenas uma manobra de diversão para envolver o grande objectivo: a procura de uma alternativa política de ruptura com a globalidade da Constituição da República.
Pensamos que o caminho que o CDS vem trilhando e que faz do processo da ruptura com o sistema constitucional um dos seus mais importantes vectores, é um caminho perigoso para a consolidação da democracia portuguesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não invoquem, Srs. Deputados, a necessidade de uma Constituição asséptica, ideologicamente neutral, perfeitamente não programática, que parece ser a filosofia central deste vosso projecto de resolução; o exemplo da Constituição de Weimar (considerada a constituição das constituições) aí está: Hitler e o nazismo conquistaram o poder no quadro da sua perfeição e da sua neutralidade.
Não penso que seja este o objectivo do CDS, mas também quero reafirmar solenemente que o problema central da sociedade portuguesa não é aquele que o CDS traz hoje aqui com este projecto de resolução.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS):- Sr. Deputado César Oliveira, a administração do escasso tempo do meu partido não me permite ir tão longe no diálogo consigo quanto gostaria, depois desta sua intervenção.
Portanto, vou referir-me apenas a uma questão, das muitas que a sua intervenção poderia suscitar. Foi a sua invocação da Constituição de Weimar e do seu neutralismo.
Não defendemos nunca uma Constituição neutral. O que pretendemos dizer é que a ideologia da Constituição devia ser uma ideologia que obtivesse um consenso suficientemente alargado em Portugal.
Mas já que o Sr. Deputado referiu a Constituição de Weimar, gostava de lhe perguntar se não considera que o grande problema que houve em Weimar não foi propriamente a neutralidade da Constituição, mas exactamente a construção dos blocos centrais que acabaram por conduzir às maiorias negativas dos extremos e à inviabilização do próprio sistema político democrático.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Luís Beiroco, a sua questão permitir-me-ia, se tivesse muito tempo, responder-lhe cabalmente, mas V. Ex." compreenderá que não tenho tempo.
Fala V. Ex.ª numa constituição que procure consubstanciar o consenso mais alargado possível. Ê o caso desta Constituição, que teve dois terços do consenso na Assembleia da República.
Por outro lado - e era esta uma das questões que gostaria que fosse discutida neste debate -, o problema não está em Constituições -diria, para encurtar quimicamente puras. E V. Ex.ª, na sua intervenção, quando se referiu ao poder que o Estado adquiriu nas sociedades hodiernas da Europa e do mundo industrializado, acabou por reconhecer e por contradizer o próprio projecto de resolução que o CDS apresentou. Isto é, V. Ex.ª acabou por reconhecer que o Estado tem de ter um papel incompatível com o neoliberalismo radical, que o projecto de resolução que VV. Ex.as apresentaram acaba por advogar.
Há aqui uma contradição que VV. Ex.as não conseguem nunca assumir plenamente.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): -Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Dou, Sr. Deputado, mas desde que se contabilize no seu tempo.

O Sr Luís Beiroco (CDS): - Com certeza, Sr. Deputado.

O Orador: - É que time is money.

O Sr Luís Beiroco (CDS):- Sr. Deputado César Oliveira, exactamente porque o Estado cresceu muito nas sociedades modernas é que, hoje, é necessário reflectir novamente sobre as funções do Estado.

Aplausos da UEDS e do PS.

O Sr José Vitorino (PSD): -Muito bem!

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O Sr. Luís Beiroco (CDS): - É exactamente por isso que é necessário saber aquilo que cabe e não cabe ao Estado fazer. Obviamente que não está em causa, no projecto do CDS, nenhum modelo ultraliberal. Reconhecemos o papel do Estado e da sua intervenção e se advogamos a liberdade económica, advogamos também a solidariedade social. Neste campo da solidariedade social, está aí com certeza um papel importante do Estado.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Luís Beiroco, concordo inteiramente que é preciso um novo modelo de civilização que procure ultrapassar as sequelas do excessivo industrialismo, do excessivo papel das multinacionais, etc. Simplesmente, longe de mim a ideia de propor o regresso a uma situação pré-capitalista. O que me admira é que o CDS proponha o regresso, de algum modo encapotado e cuidadoso, como V. Ex.ª fez agora, ao liberalismo novecentista.

Vozes do CDS: - Nada disso!

O Orador: - Isso é que me parece de todo inviável e desajustado para a sociedade portuguesa.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Leia os livros.

O Orador: - Leio, leio!

O Sr. Presidente: - Tem, agora, a palavra para uma intervenção o Sr. Deputado Fernando Condesso.
O Sr. Deputado, antes, peco-lhe o favor de me dizer qual é o tempo que pensa gastar na intervenção que vai produzir.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Cerca de 5 minutos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sendo assim, penso que poderíamos ouvir o Sr. Deputado Fernando Condesso antes de efectuarmos o intervalo para o jantar. Não há objecções, Srs. Deputados?
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, não queremos de modo nenhum impedir que o Sr. Deputado Fernando Condesso possa usar da palavra nos 5 minutos que faltam para as 20 horas.
De qualquer modo, tem sido entendido que o debate é mais vivo quando a seguir à intervenção se podem fazer os pedidos de esclarecimento e as respectivas respostas. Nesse sentido, talvez seja melhor anteciparmos o intervalo, porque certamente que o Sr. Deputado Fernando Condesso terá uma intervenção polémica que irá suscitar várias perguntas, pelo que talvez seria melhor guardar a intervenção e as perguntas para a «sessão noctuma».

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, por uma questão de gestão dos nossos trabalhos, penso que poderíamos, se não houvesse oposição da Assembleia, prolongar um pouco mais este período, uma vez que temos bastantes inscrições.
Consequentemente, poderíamos ouvir o Sr. Deputado, a formulação das perguntas e as respostas e, a seguir, interromper, a sessão. Ê que o trabalho da parte da noite vai ser bastante longo.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS):- Sr. Presidente, proponho até que os trabalhos se prolonguem até às 22 horas.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Isso não é cristão!

O Orador: - Esta sugestão já esteve de pé na reunião de líderes dos grupos parlamentares, quando se tratou deste debate. Tendo em atenção que hoje é véspera de um feriado com um significado especial em Lisboa, poderíamos continuar os trabalhos até às 22 horas e suspender depois o debate, se as- restantes bancadas concordassem, que prosseguiria sobre esta matéria na próxima sexta-feira. Parece-me que esta seria a sugestão mais razoável para o desenvolvimento deste debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, se V. Ex.ª o desejar, peco-lhe o favor de fazer chegar à Mesa, em forma legal, um requerimento nesse sentido, que será votado pela Assembleia.
Srs. Deputados, informo VV. Ex.as de que há 173 minutos de tempo disponível para o debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 13 de Março passado, em declaração política, a propósito da passagem de mais um aniversário do 11 de Março, afirmávamos que esta coligação tem uma responsabilidade histórica fundamental: compor pontos de rotura e destruir zonas de bloqueamento no plano institucional e na vida real.
E, apesar de considerarmos que o debate sobre a oportunidade da revisão constitucional, em que não há hoje acordo entre os maiores partidos nem houve no passado qualquer compromisso entre os partidos da maioria, não pode ser desculpa para inércias da governação, dissemos no entanto claramente que, sem prejuízo de não ser possível aceitar-se que um país ande permanentemente suspenso de iminentes alterações de enquadramentos constitucionais, somos pela assunção nesta Legislatura de poderes excepcionais que nos permitam fazer, de modo rápido e em zonas de amplo acordo, sobretudo na parte da organização económica, as alterações convenientes.
Isto afirmámos em 13 de Março, quando o CDS revelou no Parlamento a sua intenção de fazer agendar proximamente este projecto de resolução.
Já o meu partido ía em preparação do seu congresso e havia dado ao público um conjunto de moções em que se defendia a revisão da Constituição.
O Sr. Presidente do Grupo Parlamentar do CDS disse então que era seu objectivo, dado que a revisão de 1982 ficara aquém das expectativas, trazer para a Assembleia um debate que não devia ficar a aguardar por decisões tomadas em qualquer congresso.

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Queria perfilar-se, como se vê, em face do nosso Congresso de Braga.
Só que, porque a ideia de uma revisão já apenas contava com o apoio do PSD e do CDS, e não conseguindo convencer o PS, a votação de qualquer projecto não passava de um mero exercício parlamentar clarificador de que já era claro: que os partidos, que na anterior legislatura apresentaram o projecto de revisão da AD entendem necessário rever a Constituição e os outros, que impediram na altura algumas alterações que propugnamos, continuam fechados a essa hipótese. Tudo claro, tudo velho.
Em Março, como agora, nada mudou.
O PS tem declarado entender que não há razões excepcionais para uma revisão excepcional e, enquanto assim o considerar, apenas aceitará preparar-se para uma revisão normal, no período normal, ou seja em 1977, no início da próxima legislatura.
O exercício parlamentar que o CDS não impôs em Março, estamo-lo a fazer agora.
Pelas posições dos diferentes partidos, pela inexistência de um consenso material de alteração pré-elaborado, sabemos que não será nesta Sessão Legislativa que serão assumidos poderes de revisão constitucional.
Pensamos, aliás, que e errado abrir um processo para dar poderes excepcionais importantíssimos ao Parlamento numa legislatura normal sem haver esse consenso material mínimo sobre as áreas a debater.
E assim se lê na moção aprovada no nosso último congresso: «o PSD propõe-se desencadear as acções legislativas tendentes à revisão antecipada da Constituição.
Para tanto, procurará obter o indispensável consenso de todas as forças democráticas, sem o qual este objectivo -o da regeneração e revitalização nacionais - não poderá ser concretizado. Encaramos este propósito não com o fim de mudar por mudar, mas mudar para melhor, para resolver, para clarificar as regras da nossa vida colectiva e aumentar o progresso e o bem-estar dos portugueses.»
Por isso, nesta legislatura apenas apresentaremos um projecto de resolução nesse sentido quando o PSD, o PS e o CDS tiverem gerado esse acordo, sem o qual tudo está condenado ao malogro.
Mas, como esta coligação, para se manter, terá de revelar abertura de espírito, nós, em todos os temas, como neste, estamos dispostos a revelá-lo sempre.
E como é entendido que muitos problemas de Estado, que se mantêm há longos anos sem solução, tem que ver com o sobredimensionamento do sector empresarial deste, o que vem sendo reconhecido não só por parlamentares, mas mesmo por governantes (c sabido que somos pela eliminação já do artigo 83.º, que impõe a irreversibilidade das nacionalizações directas de empresas, enquanto tais, efectivadas após o 25 de Abril). Como temos defendido a concessão de canais de televisão a outras entidades que não o Estado. Como temos defendido a necessidade de alterar a Lei Eleitoral, de modo quer a permitir a aproximação dos deputados ao eleitorado quer a propiciar a existência de partidos maioritários, o que a todos os títulos pode ser fulcral no encaminhamento de soluções governativas mais estavelmente conseguidas e programaticamente executantes. Como temos mantido continuamente a nossa proposta de que o Presidente da República seja eleito por todos os cidadãos
portugueses, mesmo que emigrados. Como temos sugerido um ponderado sistema de governo autárquico no que respeita à composição e legitimação dos executivos.
Este não pode deixar de ser o momento de o reafirmar, independentemente de muitas destas questões serem apenas debate para uma análise e aprovação em momento normal de revisão.
Não podemos chamar que o texto constitucional seja a causa da crise económico-social que vivemos, mas entendemos que ele tem normativos programático-ideológicos inaceitáveis num país pluralista e que poderão revelar-se bloqueadores a este governo, como já o foram considerados por governos anteriores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, que fique bem definida, hoje e aqui, a nossa posição: Não culpabilizamos o texto constitucional. Culpabilizamos sim os que sempre se desculpam com ele e culpabilizamos igualmente aqueles que nele impõem normativos que não são pacíficos e podem ser invocados como bloqueadores deis melhores soluções na perspectiva de quem tenha responsabilidade de governar.
É por isso que, abertos, hoje e sempre, a eliminar o que e polémico e a burilar o que a experiência for revelando passível de aperfeiçoamento, votaremos a favor de uma revisão antecipada da Constituição.

Aplausos, do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães

O Sr. José Magalhães (PCP):- Sr. Deputado Fernando Condesso, embora breve, foi uma estranha oração esta que acabou de proferir.
Nós já sabíamos que não era possível pedir qualquer coerência ao PSD, mas talvez se lhe pudesse pedir algum decoro político.
Na verdade, o PSD foi o partido que, no passado, disse na declaração de voto na Constituinte, pela boca do próprio Prof. Mota Pinto, que achava que «os princípios de organização e direitos económicos e sociais, susceptíveis de orientar uma acção governativa e parlamentar eficaz e inspirados pelos interesses de uma verdadeira reforma agrária das classes trabalhadoras e das camadas sociais mais desfavorecidas, estão nesta Constituição». Não noutra, nesta! O PSD loi o partido que, pela boca do Prof. Barbosa de Melo, disse: «Votámos a Constituição porque, no essencial, ela lambem recolhe o fundamental do nosso - vosso - programa, que ainda não foi mudado. E foi Mota Pinto que disse: «fiel à defesa de uma vida social-democrata de reformas progressivas e em liberdade para o socialismo, acabámos de votar uma Constituição pelo povo português e para o povo português.»
Isto foi há muitos anos, mas recentemente, ainda, o mesmo professor, recuperando da amnésia, dizia de maneira solene aos microfones de uma emissora: «em tese. a revisão constitucional é necessária, é desejável. Contudo, o PSD não faz da revisão constitucional uma bandeira. Existem muitas virtualidades a explorar na actual Constituição e não devemos estar na vida portuguesa a fugir permanentemente para a frente.»
Ora bem, nós sabemos que o Sr. Deputado Condesso está normalmente um passo atrás, uma passo à

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frente, um passa ao lado, em relação àquilo que as istâncias do seu partido definem.

Risos do PCP.

No entanto, há matérias que, pela sua gravidade, consentem pouco estas danças, contradanças e certos passos descompassados, nomeadamente em matéria melindrosa e mitroglicerínica, como esta.
Quando ouvimos o Sr. Deputado Condesso culminar a sua oração, que se diria uma prece ao parceiro da coligação, com aquilo que é tudo menos uma prece, mas é mais uma forma, um pouco brutal, de colocar em cima da mesa as chaves e dizer «pega ou larga, se queres continuar», depara-se-nos uma cena passional -a paixão tem sido hoje invocada- e ficamos a pensar quais são realmente os rumos do PSD.
Interessante seria saber qual é a posição do presidente do Grupo Parlamentar do PSD, já que é impossível saber qual é a posição daquela bancada, sobre esta questão fulcral. O que quer o PSD, afinal de contas? Porque nos parece -e digo-lhe isto francamente - que o PSD tem uma gula que é enorme, mas a prazo e por etapas. Quer agora tudo o que o PS lhe quer dar, a propósito das chamadas reformas estruturais, isto é, quer a revisão da legislação laboral, quer a destruição do sector público, quer tudo o mais que venha a calhar e ao mesmo tempo diz: «para já ficas a saber, PS, que votamos a favor da revisão antecipada.» Assim, temos este monumento de pressão - como lhe hei-de chamar, Sr. Deputado Fernando Condesso - apontado ao peito de um PS que nos diz a nós: «rever a Constituição, formalmente, como quer o CDS, não! Mas alterar, na prática, este ou aquele aspecto, sim! Quanto à revisão antecipada, talvez.»
S. Deputado Fernando Condesso, é esta a orientação de uma bancada responsável numa matéria que é de regime? Uma operação de pressão banal, corriqueira e um pouco acintosa, somada a uma declaração profundamente incoerente em relação às posições do próprio Congresso do PSD que, como o Sr. Deputado referiu, apontava - e com isto concluo - que «o PSD deveria obter o indispensável consenso de todas as forças democráticas».
A forma que o Sr. Deputado Fernando Condesso considera ideal «para obter o consenso de todas as forças democráticas» é colocar em cima da bancada de PS um discurso de 5 minutos, que é uma peça de pura chantagem política, e sentar-se cofiando a barba? É esta a posição do PSD?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O, Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS):- A intervenção do Sr. Deputado Fernando Condesso, bem como as posições do PSD ao longo do tempo, fazem lembrar-me a fala de um alcaide da Andaluzia, após a vitória das eleições da Frente Popular em 1936. Dizia o alcaide: «todo parecia que iban a triunfar las derechas, pêro resulta que han triunfado Ias izquierdas.» O alcaide continuou! Ê esta a filosofia do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): -Sr. Deputado Fernando Condesso, de alguma maneira estávamos na expectativa de saber se o PSD, nesta fase dos trabalhos, já tinha cedido à Eva tentadora do CDS - que lhe acenava com todos os seus perfumes e com todos os seus véus dizendo: «eis o caminho que desejais» - e se, efectivamente, neste momento, entoava com ela, em coro, as mesmas preces e as mesmas profecias.
Conhecíamos essa longa tradição de incoerências e de reiteradas cambalhotas do PSD em matéria que se prende com a revisão constitucional. De modo que tudo resultava no problema de conhecer qual ia ser, em concreto, o discurso assumido pelo líder parlamentar desse partido, aqui, no hemiciclo, quando está em discussão a proposta de resolução apresentada pelo CDS.
Vem o Sr. Deputado Fernando Condesso e diz-nos que, por um lado, há muitas questões que continuam por resolver na sociedade portuguesa, justamente porque uma Constituição como aquela que temos não permite que elas sejam resolvidas. Mas, logo a seguir, vem proclamar «nós culpabilizamos esta Constituição». Saudável contradição em 5 minutos de discurso, o que não pode deixar de ser referido e realçado.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Ê o alcaide!

O Orador: - Sabemos que a Constituição é um bode expiatório, que tem as costas largas, para o Sr. Deputado Fernando Condesso e para o PSD. Assim, vai invectivando o texto fundamental e vai propugnando uma série de coisas que nós percebemos: a televisão privada, a ruptura do sistema eleitoral, a completa pulverização do artigo 290.º da Constituição, o esfacelamento do sistema económico, a erradicação da Reforma Agrária, das nacionalizações, do adquirido de Abril, enfim, pequenas bagatelas, pequenas coisas que não têm importância nenhuma e que quase se diria serem de natureza semântica. Se o deputado Adriano Moreira aqui estivesse, com certeza que concordaria consigo.
O Sr. Deputado Fernando Condesso entende que aquilo que propõe, que o CDS formalmente assume e que o PSD, enfim, vai, de certa maneira, coonestando é ou não é uma clara subversão do texto constitucional, ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... uma inequívoca adulteração de um quadro de valores que é o traço de união, apesar das desfigurações introduzidas em 1982, mais autentico da sociedade portuguesa? Em que ficamos, Sr. Deputado Condesso?
Bom, já não vale a pena entrar nas questões que tão pouco tive oportunidade de discutir com o Sr. Deputado Luís Beiroco acerca das ideologias, uma vez que, quanto a isso, estamos esclarecidos e nada mais há a apreciar.
Mas pergunto-lhe ainda, e a finalizar, se, na realidade, a postura actual do PSD é aquela que resulta das suas palavras, ou a que, em novos incidentes e novos patamares de afirmações, vamos ouvir até ao

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final do debate e nos próximos dias. A que novos desastres nos querem conduzir, apesar de sabermos que nessa barca não embarcamos e nela não naufragaremos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Ainda bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Carlos Lage.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Deputado Fernando Condesso, vamos ver se falamos claro. Estamos habituados ao seu discurso, discurso de sim, não, sim, não. E a curiosidade é só saber se termina no sim ou se no não, como vimos no último debate da moção de confiança.
O Sr. Deputado interpretou aqui o pensamento do Partido Socialista e depois disse que era errado dar poderes constituintes sem que, previamente, se gerasse um consenso suficiente para a revisão constitucional. Logo, o Sr. Deputado disse: é errado, vamos votar contra. Mas a seguir diz: não, o que é errado é pedir pouco, vamos rever muito mais. Logo, vamos rever a Constituição. Logo, vamos votar sim.
Confesso que desta vez não consegui perceber se o seu discurso terminou no sim se no não, mas talvez seja esse o seu mérito formativo, o de nos deixar nesta dúvida até ao juízo final.
Agora, vamos à seguinte questão: o Sr. Deputado preside ao grupo parlamentar do partido que tem desencadeado nos últimos tempos um forte combate político no seio da sua maioria e do Governo no sentido da necessidade de reformas estruturais. Elas têm sido sempre prometidas, sempre adiadas. Veremos daqui a 50 dias como é que estarão essas reformas.

Uma voz do PSD: - 60 dias!

O Orador: - 10 já lá vão!
Mas se essa é uma questão essencial, se a presença do PSD nesta maioria socialista e social-democrata tem a ver com a resolução desses problemas e se considera que na sua linha ideológica e programática elas são indispensáveis, a questão que se coloca é esta: a revisão da Constituição, nos termos em que é proposta pelo CDS, corresponde ou não, a essa linha? Isto é, a revisão da Constituição para o PSD é, apenas, um motivo de discurso por esse país fora, ou é efectivamente uma questão de fundo?
Porque se é uma questão de fundo, Sr. Deputado Fernando Condesso, falemos claro, quid jures, depois da resolução desta Assembleia. O que o Sr. Deputado nos tem que dizer é o sentido da posição do seu grupo parlamentar em função daquilo que disser.
Queremos saber o que pensa sobre esta matéria, bem como o que pensa uma parte da maioria que apoia o Governo, para que este debate seja claro e para que aqui e em toda a parte, ontem, hoje e amanhã, aceitemos a responsabilidade objectiva e subjectiva das posições que tomamos politicamente. Isto para que a vida política possa funcionar com maior clareza e transparência e possamos todos saber o que andamos a fazer, o que pretendemos e o que propomos.

Aplausos do CDS.

O Sr. José Magalhães (PCP): - São lições inúteis ao Condesso.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca,

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Condesso, também estou um bocado perplexo, aliás como todos nós.
V. Ex.ª diz que a Constituição não pode servir de desculpa para a inércia da governação e que não vai culpabilizar o texto constitucional, culpabilizando antes quem com ele se desculpa. Diz que só quando o PS, PSD e CDS estiverem de acordo é que está de acordo que haja uma revisão constítucional, acabando, finalmente por dizer que vai votar a favor desta revisão constitucional, depois de citar alguns aspectos que, no seu entendimento, devem ser alterados, como a lei eleitoral, a questão da televisão, etc.
Isto parece uma peça teatral humorística. Perguntaria a V. Ex.ª o que está em jogo: tentar empurrar o Partido Socialista para a revisão? Ou será que já está em causa, seriamente, a própria coligação? O PSD quer ou não quer terminar com a coligação? Seria muito bom que o País fosse esclarecido quanto a este aspecto.
Já agora leria 2 pequenos textos:
Já ninguém acredita que os maiores problemas do País advenham da Constituição. A crise económica não se vence com uma qualquer revisão constitucional, como pretende o CDS, cujos grandes temas se têm resumido a questões que nada têm a ver com a governação em si, quais sejam, o bramir periódico com aspectos menos aceitáveis da Constituição e aproveitar certas posições da Igreja em colagem instrumentalizante e contestável. Mas o nosso eleitorado não compreenderia a perda de tempo que significaria o apoio a intenções infantis da revisão não previamente negociada entre todas as forças democráticas ou avançar com qualquer iniciativa que não esteja vocacionada ao êxito pela garantia de um consenso minimamente aceitável.
O Sr. Deputado, com certeza, que se recorda destas palavras. Estão publicadas a partir da p. 3677 do Diário da Assembleia da República, e foram proferidas por V. Ex.ª faz aqui a 2 dias 3 meses.
Portanto, Sr. Deputado, em que é que ficamos? Nós precisamos de ser claramente esclarecidos sobre a sua posição.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD):- Comecei por ouvir alguns pedidos de esclarecimento que foram feitos por deputados do Partido Comunista Português. Só que me interroguei se realmente era o Partido Co-

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munista Português que tinha os seus deputados a falar hoje aqui, porque em matéria de Constituição, eles no fundo falavam de coerência e de decoro.

O Sr. José Magalhães (PC?): - Que é isto?!...

O Orador: - Ou estou enganado ou em 1975 o vosso partido já falava em não haver Assembleia Constituinte e em não haver eleições. O vosso partido fez em 1976 uma Constituição que apoiou, que em 1982 já não apoia e agora já tem medo. VV. Ex.as são deputados do mesmo partido, só que VV. Ex.as conhecem a vossa filosofia base: há que esgrimir para um lado ou para outro. O que importa são os objectivos.

O Sr. José Magalhães (PCP):- A sua explicação é abstrusa.

O Orador:- Os Srs. Deputados compreendem o que eu quero dizer. VV. Ex.as não podem dar lições de coerência nem de decoro.

Vozes do PSD: - Muito bem?

O Orador: - A posição da minha bancada é a posição do meu partido.
VV. Ex.as começaram por colocar uma questão que acaba por ser comum às questões postas por outras bancadas: o que é que significa dizermos que estamos de acordo em relação ao fundo da questão.
Reconhecemos - e isso consta da posição do nosso congresso - que se imporia uma revisão para efectivamente se fazerem algumas alterações. Só que isso é uma questão de processo. Entendemos é que não se trata de dar poderes constituintes para depois discutir. O que eu queria dizer é que o processo de se vir aqui tentar transformar este Parlamento, numa legislatura que não tem poderes para rever a Constituição, sem a garantia por parte dos partidos que são necessários para lhe dar esse voto e para rever a Constituição, é um exercício parlamentar.

O Sr. José Magalhães (PCP):- De exercício?!...

O Orador: - É uma questão de processo que nós aqui levantamos.
Evidentemente que quem o faz tem toda a legitimidade. Agora nós não somos obrigados a fazê-lo e não o faremos. Só apresentaríamos aqui, por nossa iniciativa, um projecto de resolução se à partida tivéssemos a garantia de que ele tinha o apoio do CDS e do PS.

O Sr. César Oliveira (UEDS):- É o alcaide!

O Orador: - É que esta não é uma legislatura de revisão constitucional, é uma legislatura normal, que só excepcionalmente terá poderes de revisão. Se já houvesse um conjunto de áreas que merecessem acordo para que esta legislatura tivesse esse tal enxerto, que teria de ser algo de bem combinado, evitaríamos estar permanentemente em Portugal, nas legislaturas de revisão e nas que não são de revisão, a tratar de matérias que são de regime.
Portanto, a questão de fundo é bastante clara. Se VV. Ex.as trazem aqui à colação coisas colaterais e que apenas têm que ver com o processo, pretendem confundir, mas não confundem nada.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Para confundir está cá o Sr. Deputado Condesso.

O Orador: - Diria ao Sr. Deputado César Oliveira que não faço protestos em nome de pessoas já mortas, que nem sequer deverei comentar. Acredito que possa ter sido assim, mas V. Ex.ª compreenderá que não me compete comentar essa sua afirmação. V. Ex.ª gosta do comentário que fez. É um comentário, mas não um protesto.
O Sr. Deputado José Manuel Mendes diz que nós cedemos à tentação do CDS. V. Ex.ª esteve na revisão constitucional e sabe que nós votámos vencidos na questão muito simples do artigo 83.º, sobre a reversibilidade das empresas nacionalizadas directamente. Já nessa altura dissemos que essa era uma matéria importante e que entendíamos que não havia razão nenhuma, independentemente do que entendessem os Governos, porque é uma matéria que é uma opção que tem a ver com certos leques partidários, para ficar na Constituição.
Portanto, não podem admirar-se que estejamos hoje aqui a dizer que somos a favor dessa eliminação. Isto não constitui a nossa posição, que é de princípio, num debate onde sabemos, pelas posições que já se previam e que aqui foram reditas, que este projecto de resolução não ía ser aprovado.
A nossa posição é de princípio e é clara e não pretendemos fazer pressão sobre o PS. Nós temos esta posição, o PS tem a sua. Ê sabido que existe um acordo constitutivo desta maioria, com incidência parlamentar e governamental, e isto não foi objecto de nenhum acordo e não obriga a maioria a uma tomada de posição. Só que nós temos o direito de tomar a nossa posição, porque o futuro julgar-nos-á em face das posições que viermos a tomar.
Mas nem o PS nem nós estamos obrigados a tomar uma posição, seja ela a favor ou contra. Não há pressão de ninguém nem contra ninguém.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. César Oliveira (UEDS):- É assim mesmo!

O Orador: - Os Srs. Deputados falaram na subversão do texto constitucional. Confesso que não compreendo o que é falar em subversão do texto constítucional no (momento em que se fala de revisão do texto constitucional.

O Sr. José Magalhães (PCP):- Não me diga!...

O Orador: - Fui bem claro ao dizer que a parte da organização económica era algo que, para nós, se afigurava dever ser já revisto. E dissemos, também, que existiam outros temas que têm sido objecto de debate no nosso seio e que poderiam ser objecto de uma preparação para uma próxima revisão no período normal. Foi isso que aqui se disse.
Sr. Deputado Azevedo Soares, pelos vistos o meu discurso incomoda o CDS.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito ...

O Orador: - Não sei porquê. Penso que V. Ex.ª não tem razão quando diz que eu teria referido que seria errado dar poderes. Penso que esclareci há bo-

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cado que não foi isso o que eu disse. Se o meu partido defende que se deveria assumir um poder de revisão antecipado, é evidente que é certo dar poderes. Agora, o que V. Ex.ª não dá é poderes, pelo simples facto de vir aqui com o PSD dizer que está de acordo, uma vez que nós não somos suficientes para impor esta resolução e para fazer esta revisão.
V. Ex.ª entendeu o que eu queria dizer. V. Ex.ª nem é sim nem é não, V. Ex.ª é efectivamente aquilo que quer dizer e que quereria que os outros dissessem. Mas o que eu disse è, efectivamente, é e o que V. Ex.ª disse não tem nada que ver com aquilo que eu disse.

Risos.

Quanto ao Governo e às medidas estruturais que pedimos, Sr. Deputado, nós ainda pedimos medidas estruturais, porque aceitamos patrioticamente ir para o Governo. Agora VV. Ex.as, não quiseram ir para o Governo, podem pedi-las da maneira que entenderem. Mas não nos critiquem por pedirmos medidas estruturais.
Pedimos medidas estruturais, aceitamos medidas conjunturais, muitas delas impopulares e temos a coragem de dizer que as aceitamos. Mas mesmo assim fomos para o Governo por objectivos patrióticos, como temos dito.

O Sr. César Oliveira (UEDS):- Aceitam tudo!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Até aceitam o Sousa Tavares para o Governo.

O Orador: - O Sr. Deputado também quer ir para o Governo? Não é comigo. Foi o Partido Socialista que convidou o PSD e por razões patrióticas aceitámos. Se não convidou o seu partido não é connosco essa questão.
Quanto ao Sr. Deputado Corregedor da Fonseca, refiro que não está em causa a coligação. Não pretendemos empurrar ninguém para parte nenhuma. V. Ex.ª recordou o discurso de 13 de Março, e lembrar-se-á que comecei esta minha intervenção por uma parte desse discurso.

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- Se fosse a 13 de Maio!...

O Orador: - O eixo fundamental do discurso de 13 de Março, está no pensamento do discurso que acabei agora de fazer: é que somos pela revisão. Só que um processo, em que à partida não há a garantia de apoio, não só dos quatro quintos, mas dos dois terços necessários para as alterações, está condenado. Esperamos que não seja um processo que vá radicalizar posições e que dificulte uma proposta de resolução futura que, embora necessária e provavelmente mais aceitável, possa vir a ser preterida.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, apesar de estarem inscritos vários Srs. Deputados para formularem protestos, creio ter chegado a hora de fazermos o intervalo regimental para o jantar.
Entretanto, deu entrada na Mesa l requerimento, subscrito por Srs. Deputados do CDS, sendo primeiro subscritor o Sr. Deputado Nogueira de Brito, do seguinte teor:

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

Os deputados abaixo assinados vêm requerer, ao abrigo do disposto no artigo 74.º do Regimento, o prolongamento dos trabalhos até às 22 horas, prosseguindo o presente debate na próxima sexta--feira, às 10 horas.

Srs. Deputados, vamos votar este requerimento.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do PCP e do MDP/CDE, votos a favor do CDS e as abstenções da UEDS e do deputado independente António Gonzalez

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que o requerimento apresentado pelo CDS foi rejeitado, mantém-se o esquema de trabalho previsto, sendo certo que, neste momento, temos ainda cerca de 2 horas e 30 minutos de debate.
Ficam inscritos para protestarem depois do intervalo, os Srs. Deputados que entretanto se inscreveram.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Sr. Presidente, peço a palavra pára interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa no seguinte sentido: há pouco, por consenso, chegámos à conclusão de que o debate em curso seria prejudicado pelo facto de não ser possível ouvir a intervenção e prestar os respectivos esclarecimentos logo de seguida.
Creio que poderíamos perder mais 15 minutos, isto é, poderíamos prolongar os trabalhos por mais 15 minutos, de modo a que o Sr. Deputado Fernando Condesso ouvisse os protestos e lhes respondesse de seguida - ainda antes do intervalo - retomando-se os trabalhos depois do jantar, cerca das 22 horas, com um novo orador.

Protestos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, o clamor da Sala foi bastante desfavorável ao seu pedido. Penso, por isso, que será melhor regressarmos ao esquema inicial.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): -Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, como não costumo pronunciar-me clamando nesta Assembleia e fiquei silencioso à espera de ter oportunidade de me pronunciar, quero dizer que não me associo aos clamores, na medida em que estava de acordo com a proposta do Sr. Deputado Jorge Lemos e que daríamos o nosso assentimento.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos então interromper a sessão.
Retomaremos os nossos trabalhos às 22 horas, com os protestos à intervenção e aos esclarecimentos prestados pelo Sr. Deputado Fernando Condesso.
Está suspensa a sessão.

Eram 20 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para formular protestos aos esclarecimentos prestados pelo Sr. Deputado Fernando Condesso, os Srs. Deputados Tose Magalhães e João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Deputado Costa Andrade, que não está presente, tinha-se inscrito, ao que creio, para formular um protesto relativamente a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Azevedo Soares.
O Sr. Deputado César Oliveira também se tinha inscrito antes do intervalo, mas a Mesa ignora para que efeito.
Sr. Deputado César Oliveira, importa-se de esclarecer para que efeito tinha pedido a palavra.

O Sr. César Oliveira (UEDS): -Para exercer o direito de defesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Sr. Deputado César Oliveira, agradeço-lhe que esclareça a Mesa sobre que afirmações deseja exercer o direito de defesa, utilizando o microfone, pois é mais ritual falar para o microfone.

O Sr. César Oliveira (UEDS):- Sr. Presidente, embora não seja muito dado a rituais, acedo à sua solicitação e falo ao microfone.
Desejo exercer o direito de defesa em relação a afirmações proferidas pelo Sr. Deputado Fernando Condesso e dirigidas à minha pessoa - não digo pessoa humana porque não conheço «pessoas galinhas».

Risos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado sabe que isso pode suscitar um protesto da sociedade protectora dos animais?!

Sr. Deputado, tem a palavra para exercer o direito de defesa.

O Sr. César Oliveira (UEDS):- Sr. Presidente, aguardo que o Sr. Deputado José Vitorino deixe de manipular -ou deixe de tentar manipular- a imprensa para poder intervir.

Protestos do PSD.

Neste momento, um jornalista em serviço na bancada de imprensa e que se encontrava junto do deputado do PSD Fernando Condesso, abandona a Sala.

O Orador: - O Sr. Deputado Fernando Condesso falou há pouco -e perdoe-me estar em mangas de camisa mas o calor aperta - «desta coisa do Governo» e disse que «eu queria ir para o Governo».
Sr. Deputado, posso garantir-lhe que se há coisa de que eu não tenho qualquer apetite, é do poder. A minha citação do tal alcaide, que há bocadinho o Sr. Deputado disse ter morrido - é verdade que morreu-, significava apenas, e tão-só, isto: é que o PSD fará tudo, e sempre - considerará que ganhou ele, como direita, e considerará que ganhou como esquerda - para ficar no poder. Ë um partido do poder.
Às vezes interrogo-me no sentido de responder a mim próprio a esta questão: qual será o objectivo do PSD para fazer sistematicamente o mal e a caramunha e sair sempre vitorioso dos imbróglios em que se mete? Penso que o PSD é, de algum modo, o espelho de tudo o que há de mau na sociedade portuguesa.

Protestos do PSD.

E é por isso que o PSD consegue, sendo esse espelho lamentável, ganhar sempre, sejam quais forem os resultados das lutas eleitorais.
O Sr. Deputado Fernando Condesso é o exemplo típico do que acabo de dizer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Fernando Condesso pretende responder já ao Sr. Deputado César Oliveira?

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, se há mais algum Sr. Deputado inscrito, não importa ao abrigo de que figura usará da palavra em relação à minha intervenção ou aos meus esclarecimentos, preferia responder no final.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado fará como quiser.
No entanto, a figura do direito de defesa tem um tratamento próprio.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): -Parece-me que o Sr. Presidente me está a sugerir que responda já. Sendo assim, responderei de imediato ao Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra.

O Sr. Fernando Condesso (PSD):- Sr. Deputado César Oliveira, penso que V. Ex.ª não terá levado a mal o facto de eu ter respondido naqueles termos.
V. Ex.ª sabe que tentou, de uma maneira agradável e, no fundo, própria do seu estilo, ser agressivo dizendo que o PSD estava com as diferentes posições.
Ora bem, quanto a isso dir-lhe-ei que é um comentário e o Sr. Deputado ficará com o seu comentário.
Eu não quis ser agressivo, só que não entrei na contenda porque, realmente, o problema não é estar com as várias posições. A questão é esta: o acordo PS/PSD não tem incidência para questões de ordem constitucional - questões de regime -, mas apenas para a governação.
Portanto, independentemente de estarmos de acordo (PS e PSD), ou devermos convergir no que diz respeito à governação quanto a esta matéria, ninguém pode admirar-se que, tal como aconteceu numa legislatura anterior em que nesta matéria da revisão constitucional o CDS e o PSD convergiram, designadamente

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nesta parte da organização económica, essa posição apareça agora perante nós.
Eu sei que em termos de estilo o Sr. Deputado falou muito bem, mas entendi que não valia a pena responder. Dei aquela resposta, que não pretendeu ser engraçada mas que não foi, de modo nenhum - e V. Ex.ª entenderá-, agressiva.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, mantém o seu pedido de palavra?

O Sr. Costa Andrade (PSD):- Desisto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães para protestar relativamente aos esclarecimentos prestados pelo Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. José Magalhães (PCP):- Sr. Deputado Fernando Condesso, os esclarecimentos prestados por V. Ex.ª confirmam a enormíssima ligeireza com que o PSD encara questões tão importantes como estas que têm vindo a ser abordadas.
Votar a revisão antecipada da Constituição é simples. O Sr. Deputado encolhe os ombros e diz: «não está no acordo de regime. Não está no acordo com o PS». É facílimo. O PSD actua como entender.
A votação que vamos efectuar daqui a minutos é um simples exercício parlamentar! Portanto, o PSD vota com o CDS.

Protestos do PSD.

Ó Srs. Deputados, consultem as actas ou, se não estavam aqui, confrontem-nas e estudem. Mas não se excitem pois ainda podem pedir a palavra.
Mas já que estão tão encrespados e excitados, proponho-vos o seguinte exercício - segundo raciocínio: vamos admitir que era decretada a revisão antecipada e que os Srs. Deputados, daqui a alguns dias, tinham que apresentar aqui um projecto de revisão constitucional.
Que projecto teríamos então?
O Sr. Dr. Jardim diria que é preciso escavacar a Constituição toda, de cabo a rabo.
O Sr. Dr. Sousa Tavares, que agora ingressou no Governo, diria: «isso são brincadeiras de garotos; isso da revisão antecipada está perfeitamente na periferia da realidade dos problemas, pois são exercícios da classe política. Os senhores perderam todos a cabeça, vão curar-se.» Foi o que disse em «fundo» do jornal que foi seu até há pouco.
O Sr. Dr. Mota Amaral diria que é preciso rever também a parte da Constituição política -não se esqueçam, da Constituição política- que está bastante errada sendo, por isso, preciso alterar o seu conteúdo.
E o Dr. Mota Pinto não diria mais do que aquilo que lhe permitisse o máximo denominador comum da última reunião do último Conselho Nacional, depois de ouvir o Dr. Mário Soares e acordar qualquer coisa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Costa Andrade (PSD):- É o diabo! Aqui fala-se!

O Orador: - É este o estado actual do PSD. E este PSD que se apresenta aqui dizendo que votar a favor do projecto de resolução do CDS ...

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - E que está de acordo com a nossa filosofia!

O Orador: - ... é coisa brejeira, corriqueira, comum e sem importância.
Está de acordo com a nossa (deles) filosofia?
Não sabemos de quem, porque no vosso partido têm mais filosofias do que barões!

Risos.

Portanto, e em síntese, se é possível apurar qualquer coisa, será talvez isto: em primeiro lugar, para o PSD não constitui infracção nem delito ao acordo político PS/PSD, chegar aqui à Assembleia e votar uma resolução antecipando a revisão constitucional, que no Congresso tinham dito que queriam fazer com jeitinho, isto é, negociando com o vosso parceiro.
Agora chegam aqui e prantam-lhe em cima da mesa uma votação a favor de uma resolução deste teor.
Em segundo lugar, o PSD não faz mas apoia; o PSD não semeia, mas está de acordo com os enxertos do CDS; o PSD não cede à tentação, mas vai dando o seu pé e o seu voto às resoluções do CDS.
Isto é que é, sem dúvida, uma coligação coesa e unida.
Em conclusão, Srs. Deputados, podemos admitir que o projecto de resolução do CDS é uma arma descarregada. Não tem balas porque nem o PCP nem o PS lhe põem as balas que seriam necessárias.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): -Balas só tem o PS Está cheio de presunção!

O Orador: - Mas não deixa de ser significativo que o PSD ouse, numa matéria deste melindre, vir disparar ao gatilho numa arma que está sem balas, não por falta de vontade política do PSD mas porque não pode ainda fazê-lo. Aspirava a fazê-lo e pressiona de uma forma abusiva para que isso aconteça, com um pé na revisão, de facto, mas empurrando e pressionando para a própria revisão, nos termos em que é proposta pelo CDS. Isto é escandaloso, Sr. Deputado Fernando Condesso, esteja ou não em sintonia com A, B, C ou D dentro do seu partido, se é que há sintonia possível dentro de um partido tão partido!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Fernando Condesso, estava também inscrito para protestos o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca que neste momento não está presente na Sala. Sendo assim, dou-lhe a palavra para responder ao protesto formulado pelo Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, penso que a nossa posição é muito clara.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Vê-se!

O Orador: - Em relação a fazer-se ou não a revisão antecipada, o que foi dito foi que somos por ela, mas

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não no sentido de transformar esta legislatura numa legislatura de «pôr tudo em causa». Não é isso. Mas quanto a um ou outro ponto que nos parece importante, somos pela revisão constitucional antecipada.
Relativamente ao processo - e aí VV. Ex.as não têm razão em relação a tudo quanto aqui têm levantado de confusão pela maneira como perspectivam as coisas-, eu disse que o modo útil para se conseguirem as coisas seria haver, à partida, quatro quintos deste Parlamento abertos a votar um projecto de resolução e depois dois terços com capacidade para fazer as tais alterações que nós defendemos.
Se não for assim, será, realmente, um exercício parlamentar.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Vê-se!

O Orador: - Eu não disse isso em termos pejorativos, mas sim e apenas, neste sentido: é algo que não vai traduzir-se em dar esses poderes.
Portanto, estando nós de acordo em transformar esta legislatura numa legislatura com poderes de revisão para esses pontos concretos, nunca faremos isso, ou seja, nunca apresentaremos um projecto de resolução sem essas garantias.
Isto é o miolo do que aqui explanei e que já esclareci, ao fim e ao cabo, em várias respostas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Qual miolo! O miolo é nulo!

O Orador: - No fundo, a questão que V. Ex.ª levantou em último lugar é, por certo, a questão que mais interesse tem para a sua bancada: não é uma infracção nem é um delito a maioria vir aqui votar a favor de um projecto de resolução de revisão constitucional? Sr. Deputado, se em termos de maioria não temos, realmente, vinculação a uma determinada posição, se neste momento sabemos, porque dialogamos, que o PS e nós não podemos conformar as nossas posições, não é por isso que vamos subjugar as nossas posições às do PS, como o PS não tem que subjugar as dele às nossas.
Isto não está dentro do acordo que nos levou a fazer uma maioria para governar o País.

O Sr. Malato Correia (PSD): -É isso!

O Orador: - Portanto, não há infracção da nossa parte a nenhum acordo da maioria, como não há infracção da parte do PS para connosco, independentemente do juízo de valor que, sobre esta temática, cada um possa fazer da sua posição e o outro possa fazer da posição do seu parceiro e que o eleitorado, ao fim e ao cabo, fará das posições que todos aqui estamos a tomar.
VV. Ex.as dizem: mas está a desprezar este acto. Ê um acto importante, com certeza.

O Sr. José Magalhães (PCP):- Vê-se!

O Orador: - E se VV. Ex.as, que ainda não intervieram - o PS não, claro-, vierem aqui dizer que vão votar a favor do projecto de resolução, então sim, isso será importante.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PCP):- Vê-se!

O Sr. Presidente: - Pêra uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ciclicamente, confrontada com a impossibilidade própria de resolver os problemas do País, mercê da prática de uma política sem horizontes, a direita portuguesa encontra na Constituição da República um álibi, o alvo a abater. Já não se trata, hoje, de verter, no muro das lamentações que elegia no texto da Lei Fundamental, copiosas lágrimas crocodilescas.

Risos do deputado do CDS Nogueira de Brito.

É agora a vez de o discurso assumir clareza e arre ganho em prol da desvirtuação do regime.
Vem de longe, com efeito, a pugna das forças restauracionistas contra a Constituição. Várias têm sido as glosas, das menos pedestres às sibilinas, ao mote central: o ataque, por todas as vias, à democracia nascida com o 25 de Abril. Do socialismo personalista, camaleónico, de outrora, passa-se à defesa de um liberalismo requentado, que outra coisa não é do que a versão possível de uma arquitectura de Estado centralista e repressiva.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Das proclamações de adesão a um diploma que se tinha por livre, avançado e democrático, mesmo no seu confronto com a Europa capitalista, saltou-se para o advogar de soluções autocráticas sem disfarce.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Ora essa!

O Orador: - Uma vez mais, no quadro da luta pela ruptura constítucional, aparece a encenação de uma revisão urgente demiúrgica e iluminada, chave insuprível para levar de vencida os nossos padecimentos colectivos. Á operação não merece sobrevalorização, é óbvio. Ainda assim, importa desmontá-la.
O que faz correr tão afobadamente o CDS desde o último desaire eleitoral? Porque insiste no presente debate sabendo-se, como se sabe, que ele está parlamentarmente condenado ao fracasso?

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- Muito bem!

O Orador: - Com a desconjuntada barca governativa a abrir rombos não calafetáveis através de qualquer panaceia do tipo da moção de confiança, o CDS intenta reconquistar a Olivença dos seus pretéritos devaneios: ...

Aplausos do PCP.

Risos do CDS.

... um PSD irmanado nos mesmos objectivos de classe contra os trabalhadores e o povo, disponível para uma sonhada nova AD, animado de uma vis destruidora maior do que a que acalentou a defunta. Mas, de igual forma, exercer mediante instrumentos

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deste jaez, uma enorme chantagem, uma pluríforme pressão sobre o Partido Socialista, de maneira a impelir o seu movimento de revisão constítucional de jacto para a frente e levá-lo tão longe quanto possível.

Vozes do PCP: - Muito bem! Risos do CDS.

O Orador: - O CDS recorda, seguramente, o elóquio do Dr. Mário Soares, no encerramento da sua interpelação económica, e espera, vigilante e dinâmico, o cumprimento de velados ou descobertos propósitos no trilho da recomposição do aparelho monopolista e latifundiário.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E pretende, a seu tempo, consagrar, preto no branco, o adquirido de facto da grande marcha contra os êxitos populares de Abril.
Isto dito, apreciemos o significado da discussão que estamos a travar. O projecto de resolução n.º 23/III deu entrada na Mesa da Assembleia da República em Março último, nas vésperas do Congresso do PSD, o que não pode ter-se por inocente. A direcção política deste partido emitiu, em réplica, um comunicado em que, curiosamente à revelia de afirmações de destacados membros seus, se reputava a iniciativa de inoportuna e desadequada. Já depois, nas jornadas de Lagos, o Grupo Parlamentar do PS declarava-se indisponível para, nos próximos 5 anos, acolher sugestões visando a revisão das normas constitucionais vigentes. Findo o estratagema, montado pelo Governo, da moção de confiança, aí está o CDS, como que sofrendo de reflexos condicionados, a puxar dos seus planos longamente maturados. Fala-se em crise e logo o CDS, co-responsável por ela, rapa da sua pistola e aponta-a ao coração das transformações operadas com a revolução, à sua matriz prescrita, à lei-base que rege a nossa vida como povo.

Aplausos do PCP.

Agitando velhos espantalhos, fruto de um capital anticomunista que tende a dar ainda os seus resultados, conquanto se vá inelutavelmente perimindo, o CDS zurze aquilo que qualifica como aliança PS/PCP contra os seus intuitos de regressão. A cortina, como se depreende, esconde num gato façanhudo com o rabo de fora: o que se pretende é, em boa verdade, o efeito formalmente simétrico: reaglutinar velhíssimas hostes, um CDS repressado à sua posição de representante inequívoco das forças saudosistas do passado com um PSD que, confundido e dividido, não deixará de revelar bem fartas potencialidades na campanha contra os ganhos do povo português.
Falhada, no plano parlamentar, a acção do CDS visa lucros na esfera das soluções políticas, designadamente impulsionando uma orientação governamental que acolha e leve à prática o que ele não conseguiu, quando partilhou o poder, adquirir.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma vergonha!

O Orador: - Mas também, numa outra vertente, aproveitando as brechas no interior do seu coligado de outrora.
Com efeito, o que quer o PSD? Melhor: o que almejam os PSD's?
Mota Pinto, proclamava em Março, que «existem sectores da Constituição cuja revisão o PSD julgava necessária». Um mês antes considerava «indispensável alterar a Lei Fundamental sobretudo em relação à irreversibilidade das nacionalizações», e, numa sessão de esclarecimento em Lisboa, repetindo a fórmula, declarava-se empenhado em procurar sensibilizar o PS. Entretanto, com o priapismo antiprogressista que o caracteriza, Ângelo Correia atroava os ares com um petardo teratológico: «1984 deverá ser um ano decisivo para alterar a Constituição, não no domínio político mas no domínio económico», ao contrário, como se vê, das afirmações repetidas do Dr. Mota Amaral.

Vozes do PCP: - É assim!

O Orador: - Nisto sintonizava Ângelo Correia, obviamente, com Marcelo Rebelo de Sousa e com Lucas Pires, que vem espadeirando contra as conquistas irreversíveis e os traços perduradoiros da Constituição de 1976. Quando o líder do CDS assim peronava, Fernando Condesso objurgava, inconvictamente ...

Risos do PCP.

... do alto da tribuna deste hemiciclo, os precipitosos caminhos para que era sondado pelos seus ex--parceiros, advertindo os actuais para um mote forte: revisão, sim, mas a seu tempo.

Risos do PCP.

Cedo se soube que o bom seria que essa brevidade fosse a de uns dias.
André Gonçalves Pereira, ombro a ombro com Pinto Balsemão, exortava, em Maio, os inábeis: «o que se pretende na revisão constitucional não é no sentido quantitativo, mas da restrição dos grandes princípios». Recentemente, em reunião do Instituto Sá Carneiro, sabia-se que os homens de Mota Amaral propinam em prol de uma revisão, mas a prazo.
Valerá recordar as investidas de Alberto João Jardim contra a ordem constitucional para se aquilatar, em síntese escorreita, do que, sem máscaras, quer o PSD. De resto, a moção C, do Congresso de Braga, identificadora da linha oficial do mesmo Partido, estabelecia claramente: «O PSD propõe-se desencadear as acções legislativas tendentes à revisão da Constituição» para que o será indispensável o consenso de «todas as forças democráticas», sem o qual «este objectivo de regeneração e revitalização nacional não poderá ser concretizado». Não obstante este palavreado requentadíssimo viu-se, há bocado, pela intervenção do Sr. Deputado Condesso, que o PSD resolveu dar um passo em frente e votará a favor do projecto de resolução do CDS.
Escandalosamente, contudo, Mota Pinto vem admitindo que, no âmago do Executivo a que pertence, existem condições necessárias e suficientes à consumação dos seus propósitos imediatos, e, em certa medida, mais remotos.
É nesta moldura que surge o projecto de resolução do CDS em debate, antecedido de uma epístola de Lucas Pires aos seus deputados, com evidentes intuitos de eficácia externa. O documento, destinado, ao pé

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da letra, a colher elementos, no Grupo Parlamentar do CDS, para o que designa «uma versão definitiva do texto» foi-nos remetido prontamente pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito. Estamos, assim, em boa medida a apreciar um borrão interno ...

Risos do PCP.

... que traz em si um fermento picante: o enunciado das alterações sonhadas, tendentes a centrar um debate rido por imperioso, segundo as fanfarrónicas linhas iniciais.
O que se deseja modificar? O que se busca introduzir? «Pequenas bagatelas», Sr. Presidente, Srs. Deputados, como: a completa subversão da Constituição Económica, pulverizando nacionalizações, reforma agrária, tudo quanto traduz mudanças estruturais profundas operadas no nosso país após o desmembramento do fascismo,...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Exacto!

O Orador: - ... concessão da exploração da televisão a entidades privadas,...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Exacto!

O Orador: - ... a anulação dos direitos económicos sociais, culturais e políticos dos trabalhadores e, num sentido mais amplo, dos portugueses; a erradicação do serviço nacional de saúde; o abastardamento da concepção democrática do ensino e da cultura; a eliminação do papel do Plano; a descaracterização do sistema financeiro e fiscal; algumas passamanarias envelhecidas noutros domínios pontuais ...

Aplausos do PCP.

... o esfacelar do conteúdo democrático do artigo 290.º, tornando-o insignificante e desfalecido como guardião da ordem jurídico-constitucional.
E afirmam-se, após tudo isto, duas desvergonhas sem nome. Primeira mental que se visa desideologizar a lei fundamental.

O Sr. José Magalhães (PCP): -É óbvio!...

O Orador: - Como se não resultasse pura decorrênrência do sinóptico roteiro que acabo do desenhar o carácter profundamente ideológico das propostas adiantadas. O que se refigura não é desideologizar a Constituição. É, sim, substituir a ideologia democrática dos trabalhadores e das camadas antimonopolistas lá onde ela subsistiu após as malfeitorias de 1982,...

Aplausos do PCP.

... pela mais apodrecida mexerufada do reaccionarismo, do corpus político-mental dos opressores. Tão descreditada se revela esta postura que não vale a pena prosseguir a sua escalpelização.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Acho bem!

O Orador: - Segunda: que «não se trata de fazer uma nova Constituição, ainda que, restrita aos aspectos económicos e sociais de vida colectiva - até porque essa nova Constituição só por processos contra ou extraconstitucionais poderia ser aprovada e logo como tal teria que ser recusada por um partido democrático».
Aqui, o presidente do CDS esticou a corda da sua propensão para a anedota. A ironia é de mau gosto, o cinismo intragável, a mistificação um despautério.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Muito bem!

O Orador: - Propalar, que todo este processo e o projecto que lhe subjaz constituírem um factor de união dos portugueses é um acto gratuito, ou, precisando, mal intencionado.

O Sr. José Magalhães (CDS): -Muito bem!

O Orador: - já não engana, porém. Posto a nu, o CDS exibe a sua marca indelével, o bojo donde promana, o futuro ao qual visiona amarrar o nosso povo. Não conseguirá, no entanto, coroar de êxito a sua golpada de desespero e a sua inapelável derrocada histórica, por muito que, jogando em todas as frentes - na revisão de facto, na revisão formal, numa reconstituição do espólio negregado da AD - congemine o contrário. O tempo o comprovará. Pela nossa parte, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ajudaremos o tempo na sua acção profiláctica e purgadora.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para formularem pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Tose Manuel Mendes, os Srs. Deputados Nogueira de Brito e Marques Mendes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS):- Sr. Deputado José Manuel Mendes, a ideia das lágrimas foi a que eu mais retive da sua intervenção.

O Sr. José Magalhães (PCP): -É masoquista!

O Orador: - Não eram crocodilescas mas seriam lágrimas de riso, tão bem humorada foi a sua intervenção.
Uma coisa é certa, Sr. Deputado: estamos em posições diametral e claramente opostas.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP):- Ainda bem!

O Orador: - V. Ex.ª identificou o que eram os nossos objectivos em matéria de revisão da Constitui Mas o que V. Ex.ª não conseguiu demonstrar, foi que nós pretendíamos uma Constituição não democrática.
Nesta matéria, VV. Ex.as tiveram várias posturas. Na realidade, nenhuma moderada, como dizia há pouco o Partido Socialista. Começaram por não querer Constituição nenhuma, acabaram por aderir a esta Constituição, resistiram à primeira revisão e agora estão a resistir à segunda revisão.

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Sr. Deputado, ainda lhe queria dizer que ficou claro que quem lidera, corajosamente, o processo anti-revisionista são VV. Ex.as.
Está certo e estão identificados nessa postura.
Mas, Sr. Deputado, só lhe queria pedir um esclarecimento: V. Ex.ª fala em golpadas quando nós pretendemos rever democraticamente a Constituição. V. Ex." fala em iniciativas inúteis, quando diz que esta iniciativa está condenada a não ter êxito nesta Assembleia. Quer isto dizer que nesta Assembleia, VV. Ex.as são um partido completamento inútil, pois ainda não trouxeram aqui nenhuma iniciativa com êxito!
Era isto que eu pretendia deixar registado.

Aplausos do CDS.

Protestos do PCP.

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- Muito fraco. Fraquinho!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não tenho tempo!

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- São só 11 horas da noite!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, deseja responder já ou só no final?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Respondo no final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, vou colocar-lhe muito brevemente uma questão. Ouvi com atenção essa prosa bem tecida, com comentários à mistura muito bem elaborados, mas que, ao fim e ao cabo, nada trouxeram de novo.
O Sr. Deputado citou várias personalidades do meu partido. Devo dizer-lhe que fico satisfeito por isso, pelo facto de ver que no meu partido os problemas se discutem e são debatidos e que as pessoas têm direito a ter as suas opiniões.

Risos do PCP.

Porque será que no PCP ninguém sabe o que cada um pensa?

O Sr. Costa Andrade (PSD): -Todos pensam igual!

O Orador: - Pensam todos pela mesma cabeça?

Aplausos do PSD.

O Sr. Costa Andrade (PSD):- É tudo igual.

O Orador: - Gostaria de perguntar-lhe porque está tão preocupado com uma possível - esta ou outra - revisão da Constituição, quando o seu partido foi o único, nesta Assembleia, que votou contra a última revisão constitucional.

O Sr. Costa Andrade (PSD): -O último presidente do Presidium foi eleito por unanimidade!

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, já é masoquismo rir a chorar o riso que em si mesmo consegue encontrar!
Enfim, cada qual chora com aquilo que pode e o Sr. Deputado Nogueira de Brito, pelos vistos, vai chorando com o próprio riso.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Olhe o enfarte! Risos do CDS.

O Orador: - A questão que me colocou foi basicamente a de saber porque é que eu falava em golpada.
Aproveito para o esclarecer do seguinte: no texto está «galopada». Enganei-me e disse «galopada», mas ainda bem que me enganei.

Aplausos do PCP.

Porque, na realidade, Sr. Deputado, trata-se verdadeiramente de uma tentativa golpista de subverter a ordem jurídico-constitucional.

Risos do PSD.

E já tive oportunidade de sinalizar, ao longo deste debate, como é que isso seria conseguido. Disse-o ali, do alto da tribuna e repito-o agora.
A pulverização completa do artigo 290.º da Constituição, que não é nada. Por outro lado, a concessão à exploração privada da televisão. Mais grave do que isso é a proibição do aborto, que não aparece por acaso nesta epístola do Sr. Deputado Lucas Pires aos seus apóstolos! E ainda, para além de tudo, a destruição do sistema económico.
Acha o Sr. Deputado Nogueira de Brito que isto é pouco?
Os princípios informadores da Constituição de Abril não aparecem ali por acaso. É certo que espelham uma realidade conflitual, mas trata-se de uma realidade plúrima e assumida, digna e democraticamente, nesta Câmara em 1976. E por muito abastardada que tenha sido em 1982, mantém os aspectos centrais que os senhores consideram, ainda hoje e para o futuro, deverem ser inteiramente destruídos, jogando, como afirmei, na revisão de facto, que está a operar-se através de legislação inconstitucional que vem saindo do bojo do Governo, e, paralelamente, procurando obter na Câmara a chancela formal para uma revisão de quatro quintos que não deixasse pedra sobre pedra de tudo quanto foi edifício construído no 25 de Abril após uma tão longa e sofrida luta pela liberdade.
E aqui está porque é que é uma golpada, Sr. Deputado Nogueira de Brito e porque é que temos efectivamente muito orgulho em continuar a batermo-nos por valores que, sendo os valores democráticos inerentes à sociedade portuguesa, são, basicamente, os da luta dos trabalhadores, da classe operária, do nosso povo num caminho que é absolutamente inarrepiável até ao futuro vitorioso.

Vozes do PSD: - Muito bem?

Aplausos do PCP.

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O Sr. Marques Mendes coloca-me a questão da novidade do meu discurso.
Fiquei compungido depois de ter verificado a extrema novidade dos discursos do PSD, e, sobretudo, a espantosa novidade da posição de voto que nos foi comunicada pelo Sr. Deputado Condesso antes do jantar. Admito que ele a mantém depois do jantar.
Mas a questão que lhe coloco, Sr. Deputado Marques Mendes, é a seguinte: se amanhã tivesse que apresentar um projecto de revisão constitucional, quem é que o PSD ia ouvir e sufragar?

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): -Os seus órgãos competentes!

O Orador:- O Dr. Alberto João Jardim? O Dr. Marcelo Rebelo de Sousa? As tentativas de afirmar, justamente, uma linha diferente destas, do Dr. Sousa Tavares? A posição do grupo Mota Amaral? A posição do Sr. Deputado Marques Mendes? Lá atrás, a do Sr. Deputado Condesso? (afinal não é lá atrás porque não está na sala!).
Sr. Deputado Marques Mendes, o que se passa dentro do PSD, a aquilatar pelo que conhecemos, não é uma discussão, é uma zaragata! Discussão democrática temo-la nós no interior do nosso partido, a propósito destas e doutras matérias!

Aplausos do PCP.

O Sr. Costa Andrade (PSD): -Têm é que andar direitinhos senão o Cunhal!...

O Orador: - Pergunta-me porque é que estou preocupado. Pois bem, pela simples razão de que, aqui, nesta bancada, todos sofremos que bastasse para que o 25 de Abril existisse e a liberdade vingasse em Portugal.
Estamos profundamente inquietos com os caminhos absolutamente irresponsáveis para que muitos, neste momento, querem conduzir o futuro da nossa Pátria.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD):- Sr. Presidente, era para um breve protesto.

O Sr. César Oliveira (UEDS): -Pode ser longo, Sr. Deputado!

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Sr. Deputado José Manuel Mendes, no fundo, desejava responder à pergunta que indirectamente me colocou.
Dir-lhe-ia, Sr. Deputado, que não iríamos consultar apenas uma pessoa ou uma entidade qualquer situada lá longe!...
Ouviríamos os órgãos que temos no próprio partido, contribuindo cada um, ao exprimir livremente a sua vontade, para formar a vontade colectiva do partido.

Vozes do PSD: - Muito bem?

O Orador: - Fique-se com esta, Sr. Deputado. Aqui pratica-se a democracia e a democraticidade interna.

Vozes do PCP: - Democratice!

O Orador: - E não tenha medo da zaragata, Sr. Deputado, VV. Ex.as estão muito preocupados e lutaram muito por essa Constituição, mas nem por isso o povo nas eleições vos recompensou através do voto. Não se vê nada!
Em relação aos aumentos, agradecia que fizessem o favor de nos dizer quais eles foram.
No entanto, aqueles que votaram viram aumentada a sua votação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito para um protesto.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Como o Sr. Deputado José Manuel Mendes insistiu tanto na golpada, tenho que lá voltar!

Risos do CDS.

Sr. Deputado, para o seu partido, o PCP, suponho que a primeira golpada terá sido, ao fim e ao cabo, aprisionar na própria Constituição de 1976 o processo tumultuoso de conquistas revolucionárias que VV. Ex.as tinham em marcha e em curso.
Golpada foi, para os senhores, aprovar aqui a Constituição, mas não era golpada cercar a Assembleia Constituinte!
Golpada, Sr. Deputado, terá sido rever a Constituição em 1982 e também, como o Sr. Deputado diz, propor limpa e democraticamente a revisão, novamente nesta Assembleia, com ai extensão que tenha, propondo que ela assuma poderes constituintes!
Pois, Sr. Deputado, para nós isso não é golpada e não nos envolva em processos de revisão de facto da Constituição. Já marcámos aqui claramente a nossa posição. Não é nesse processo que nós estamos, mas sim no da frontalidade.
Quem estará e continuará a estar, como o tem demonstrado, com as acções permanentes de rua no processo da golpada será o vosso partido!

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes para um contraprotesto.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Em relação ao que disse o Sr. Deputado Marques Mendes há uma coisa que importa salientar desde já: é que, seguramente, teriam imenso trabalho de triagem para conseguir chegar a uma qualquer conclusão, à volta do problema da revisão constitucional, que fosse idónea, técnica política, moral e juridicamente. Mais ainda; aquilo que é preciso afirmar neste momento é que o PSD vem assumir hoje, perante a Câmara, uma posição que nem sequer respeita as decisões do seu Congresso de Braga.

Protestos do PSD.

O que significa que, por outro lado, com toda a limpidez, com esta história de revisões constitucionais o PSD vem brincando à vontade, como se, ao cabo e ao resto, não se tratasse de uma questão extremamente séria.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito fez várias glosas em torno da palavra «golpada».
É óbvio que eu demonstrei porque é que se trata efectiva e redondamente de uma golpada.
Mas, para não alongar, uma vez que a noite é propícia a muitas coisas, diria ao Sr. Deputado Nogueira de Brito que, para o CDS, talvez a maior de todas es golpadas não tenha sido de facto esta que hoje nos propôs para apreciação. Talvez a maior de todas elas tenha sido aquela que sofreu com o 25 de Abril. Talvez que, para vocês, o 25 de Abril é que tenha sido uma golpada.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix para uma intervenção.

O Sr. Bagão Félix (CDS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Depois do conjunto harmonioso e galopante de adjectivos e de neologismos do Sr. Deputado José Manuel Mendes, vamos ao assunto concreto que aqui nos traz. Srs. Deputados, apesar da revisão de 1982, o texto constitucional mantém parte substancial da Constituição económica de 1976, a qual -é bom não esquecê-lo- foi condicionada ao cumprimento do pacto MFA/Partidos, imposto após o 11 de Março como condição de realização das eleições em 25 de Abril de 1975.
Continuamos assim, Srs. Deputados a ter constitucionalmente consagrados: «uma República empenhada na transformação de Portugal numa sociedade sem classes» (artigo l.º); um «Estado democrático que tem por objectivo a transição para o socialismo» (artigo 2.º); a «socialização dos principais meios de produção como tarefa fundamental do Estado» (artigo 9.º) ...

Aplausos do PCP e da UEDS.

... Batam palmas que já levam a seguir a recomendação própria!

Risos do PSD e do CDS.

«A apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos bem como de recursos naturais e o desenvolvimento da propriedade social como princípios fundamentais da organização económico-social» (artigo 80.º); a «irreversibilidade das nacionalizações» (artigo 83.º); a «excepcionalidade da integração no sector privado das pequenas e médias empresas indirectamente nacionalizadas» (artigo 83.º); a «coordenação e disciplina da organização económica pelo Plano» (artigo 91º); a «repartição igualitária da riqueza como objectivo principal do sistema fiscal» (artigo 106.º);

Aplausos do PCP.

Ao menos, Srs. Deputados do PCP, tenho a grata recordação de pela primeira vez ter tido palmas do vosso partido!

O Sr. Calos Brito (PCP):- Só como locutor!

O Orador: - A sujeição de qualquer revisão constitucional futura ao respeito pelo princípio da apropriação colectiva dos principais meios de produção (artigo 290.º).
- Agora vão deixar de bater palmas! - E, pelo contrário, continuamos a ter uma Constituição que não consagra com a relevância adequada a iniciativa económica privada como direito fundamental dos cidadãos, garantindo plena igualdade de oportunidades na economia; que não defende os cidadãos do Estado tributário; que não estabelece regras de actuação ao sector público mormente no que se refere aos limites das suas despesas e do seu défice.
Srs. Deputados para o CDS a revisão económica da Constituição é, no não só necessária como oportuna. Quando tanto se fala de bloqueamentos estruturais na nossa economia, temos uma Constituição que é, em si mesma, um desses bloqueios. Quanto a crise económica e social nos atinge gravemente, permanece um texto fundamental programático, dogmático e profético, em vez de uma constituição realista, definidora de um modelo económico aberto e maleável onde o poder político e os agentes económicos possam cumprir, cada um a seu modo, as tarefas do progresso e da justiça.
Estimulado pelos preceitos constitucionais, por práticas de apego ao estatismo e por atitudes voluntaristas e românticas, o Estado português transformou-se, nos últimos 10 anos, numa figura simultaneamente providencial, proprietária, gestora, produtora, intermediária e limitativa da concorrência e das iniciativas dos particulares. Passou a ser um verdadeira chapéu de protecção da inércia acomodatícia que não da criatividade, da fraqueza que não da pobreza, da incapacidade que não da eficácia, da burocracia que não do risco.
Valorou-se excessivamente a economia normativa, ou seja a economia que o Estado entende que deve ser, em detrimento da economia positiva tradutora da realidade de uma sã economia de mercado.

Aplausos do CDS.

Daí as características dirigistas e intervencionistas dos poderes públicos, através nomeadamente do papel estratégico da despesa estatal, de uma política de rendimentos espartilhada, do reforço da carga fiscal e da gestão pretensamente planeada do longo prazo alicerçada na ideia de que o mercado é míope, isto é de que só age em função do curto prazo.
Todos sabemos que o Estado vem absorvendo um volume de recursos nacionais muito acima das necessidades de expansão da economia e desproporcionado em relação aos bens e serviços que fornece e presta aos seus cidadãos. O custo global do sector público administrativo ascende já a 44,6 % do produto nacional, o que significa Srs. Deputados, que nos primeiros 5 meses e meio de cada ano os portugueses trabalham apenas para o Estado, o qual obriga, no entanto, os agentes económicos a uma competição arbitrária pelo remanescente.

Vozes do CDS: - É um escândalo!

O Orador: - O financiamento global da economia e o financiamento público tornaram-se assim realidades indissociáveis pelo excessivo peso deste último. Por isso, somos colectivamente obrigados a suportar um

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Estado que administrativa e empresarialmente gasta mais do que recebe ou produz, vivendo em parte, à custa das gerações futuras (endividando-se) ou das gerações passadas (pagando com riqueza acumulada). Por isso também e em bom rigor, se poderá dizer que a verdadeira carga fiscal é a despesa pública e não apenas os impostos como tal chamados, na medida em que o Estado, produtor de poupança negativa, cobre os seus elevados défices através da emissão de moeda (leia-se imposto de inflação) e da emissão de dívida pública (leia-se valor actualizado de impostos futuros).

Vozes do CDS: - É uma vergonha!

O Orador: - Recorrendo a formas ilusórias e anestesiantes para o financiamento das suas despesas, o sector público é a principal causa, no nosso país, do elevado défice externo, das altas taxas de inflação, do baixo nível de investimento, da atrofia do sector privado.

Vozes do PCP: - É falso!

O Orador: - Por tudo isto, se torna inadiável consagrar na constituição princípios e regras basilares relativos à limitação do consumo público e da carga tributária, de que citaria, como exemplo, a proibição dos impostos retroactivos a fixação de limites ao financiamento dos défices públicos por emissão de moeda, a obrigatoriedade de todos os projectos de lei visando aumentar os impostos serem acompanhados de um balanço dos verdadeiros beneficiários e dos pagadores das correspondentes transferências, o reforço da fiscalização da actividade do Estado por parte da Assembleia da República.

Aplausos do CDS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também em nome da subordinação do poder económico ao poder político se identificou parte apreciável do poder económico com o poder político.
O Estado não é o juiz, o impulsionador, o regulador, mas o proprietário de substancial fatia da nossa economia, concentrando em si todas as funções, pondo e dispondo dos gestores, fornecendo capitais próprios, cobrindo défices, impondo mercados, avalizando créditos, fixando preços.
A lógica da administração do sector empresarial do Estado pouco tem tido a ver com o objectivo de afectação óptima dos recursos. Não existe sanção para as decisões não eficientes; o lucro apresenta um carácter distante e pretensamente neutro; os preços não exercem sempre as suas funções básicas de transmissão de informação.
Por tudo isto, se vão verificando os enormes custos sociais de uma filosofia de «não lucro» e de «serviço público». Os beneficiários do sistema não são os consumidores, mas antes grupos fechados e restritos de protecção mais ou menos corporativizantes, mais ou menos keynesiana. Uma série de transferências sociais regressivas, ocultas e anestesiantes são desencadeadas sem que a colectividade possa contabilizar directamente os seus custos.
Interpretam-se as exigências do interesse geral em função da concepção mais ou menos pessoal do interesse público. A subalternização da função social do lucro esbate a ideia de empresa, reduz o bem-estar global e implica uma menor eficiência dos recursos. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora se não deva ignorar a componente social de algumas empresas públicas, importa aqui trazer à evidência alguns dados concretos sobre tão desmesurado sector empresarial público:

a) O total de subsídios e dotações atribuídos directamente pelo Orçamento do Estado às empresas públicas industriais entre 1976 e 1983 foi, a valores deste último ano, de 410 milhões de contos;
b) O passivo exigível das principais 18 empresas industriais do Estado passou de 143 milhões de contos em 1977 para 730 milhões em 1983;
c) Para o mesmo universo, e para o mesmo período, os encargos com juros subiram de 7 para 96 milhões de contos;
d) Os resultados (positivos antes das nacionalizações) foram, por exemplo, de 35 milhões de contos negativos em 1983.

O próprio Ministro socialista Veiga Simão reconheceu publicamente que entre 1977 e 1983 os investimentos mal feitos rondaram os 200 milhões de contos e que os fundos necessários para o seu saneamento financeiro ultrapassariam os 450 milhões de contos.
E por tudo isto que a situação actual da nossa economia reclama em nome do bem comum, da eficácia e da racionalidade não mais grupos de trabalho, comissões interministeriais ou novos serviços públicos de diagnósticos ou suporte das empresas públicas, mas um claro e frontal processo de alteração da nossa constituição económica, ainda que com o bom senso, realismo e prudência de que não deram provas os revolucionários do 11 de Março.

Aplausos do CDS.

Embora não tendo a visão maniqueista de que tudo o que é privado é bom e de que tudo o que é público é mau, o CDS entende que só a adopção de um novo sistema económico, com menos intervenção estatal e mais iniciativa, pode ser a alavanca do progresso e da modernidade.
Mas se o CDS quer uma economia mais competitiva e eficaz, quer igualmente uma sociedade mais solidária. A nossa Constituição deve traduzir, no plano social, uma mais clara e inequívoca afirmação do papel da sociedade civil, por um lado e do Estado por outro, na concretização dos direitos sociais fundamentais.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Uma Constituição também aqui menos programática e dogmática na sua definição, que consagre prioritariamente a defesa dos mais vulneráveis em vez de excessos de universalismos igualitários de protecção de tudo para todos e que não se limite a tolerar a iniciativa das pessoas e da sociedade, mas que estimule é fortaleça o primado da pessoa humano e da família.

Aplausos do CDS.

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Uma Constituição que promova a equidade em vez do igualitarismo, que promova a igualdade de oportunidades para compatibilizar o esforço e o mérito com a justiça social.
Uma Constituição que, finalmente, não identifique sistematicamente progresso social com as despesas públicas destinadas à protecção social.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: São estas algumas das razões porque o CDS entende ser este o momento adequado para proceder à revisão da parte económica e também social do nosso texto constitucional. Com a consciência de que não se trata de uma condição suficiente, mas em qualquer caso necessária para retirar o nosso país da grave crise em que está mergulhado.
Uma Constituição que se fundamente no princípio da liberdade nas relações entre portugueses e entre estes e o Estado, mas que não sacrifique a pessoa ao Estado, que não confunda justiça com igualdade, que consagre uma economia de mercado, eticamente orientada e socialmente compensada, que reabilite a ideia de empresa como esteio de colaboração activa para o progresso e não como um espaço de expressão totalizante de carácter patronal, laboral ou tecnocrata.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.

Não se trata, pois (estejam descansados os deputados do PCP!), de advogar a supressão de todas as intervenções públicas, nem de desejar o regresso ao Estado zero na economia, mas de combater as suas contraprodutividades e ineficiências e de desmistificar a ideia de que o que hoje é do Estado tem de continuar a sê-lo só por essa razão, só por essa acção conservadora.
Não está também em causa a fragmentação do Estado mas o seu reforço. Não se deve ter a tentação de confundir a força do Estado com a sua dimensão. O que faz a autoridade de um Estado é o grau de adesão da sociedade às instituições colectivas de decisão que àquele compete garantir e salvaguardar.

Aplausos do CDS.

O CDS defende, pois, mais liberdade económica, no plano da economia, mais solidariedade no plano das instituições sociais, mais autoridade ao nível do Estado.
A todos os níveis da nossa vida económica e social queremos que a iniciativa, o esforço criativo, o êxito, o inconformismo e o direito à diferença deixam de viver numa situação envergonhada ou clandestina e não sejam sacrificados pelo miserabilismo que transforma em realidade aceitáveis e normais a empresa altamente deficitária, o absentismo, o parasitismo do trabalho e do capital, o egoísmo, a uniformidade e a mediocridade.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Queremos que a Constituição não seja mais um factor de conflito, de instabilidade, de concepção estática e conservadora da economia e da sociedade, mas antes um factor de estabilidade, de confiança e de uma nova dinâmica e mobilização de todos os agentes económicos e sociais.
Por tudo isto esperamos desta Câmara a aprovação da resolução que lhe confere poderes constituintes extraordinários.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Sr. Presidente, era para interpelar a Mesa.

Sr. Presidente, gostava de saber por que é que a televisão portuguesa se retirou com armas e bagagens, ...

O Sr. César Oliveira (UEDS):- Armas?

O Orador: -... quando se está a tratar neste hemiciclo de um problema relevantíssimo para o País, que é a discussão sobre a proposta de resolução do CDS.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS):- Foram para Alfama!

O Orador: - Gostaríamos de saber se V. Ex.ª tem alguma indicação a dar sobre essa retirada da televisão.
Só vemos ali o senhor locutor, sentado na banca da ANOP, sem quaisquer meios para poder seguir visualmente esse debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, naturalmente que não tenho nenhuma informação a dar-lhe e quando me formulou a pergunta não contava, com certeza, com uma resposta!
Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira para formular um pedido de esclarecimento.

O Sr. César Oliveira (UEDS):- Sr. Presidente, Sr. Deputado Bagão Félix: Queria-lhe pôr uma questão.
O Sr. Deputado citou muitos números e quase que me atafordou com eles, referentes ao período entre 1977 e 1983, salvo erro. Falou depois em 200 milhões de contos mal investidos, etc.
Sr. Deputado, por que é que não pergunta ao Sr. Deputado Morais Leitão o que é que se passou durante o tempo em que ele foi Ministro das Finanças e do Plano?
O Sr. Deputado fez uma série de acusações, mas não percebo porque não pede responsabilidades a quem as teve. Porque é que em vez da revisão constitucional, nesse vosso afã obsessivo de neoliberalismo radical, não pedem responsabilidades a quem as tem, inclusivamente ao seu próprio colega de bancada, para ver se ele nos podia contar alguma coisa dos tais 200 milhões de contos mais investidos, do tal dinheiro esbanado, das tais contas que deram prejuízos incalculáveis, etc.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma boa oportunidade para o Sr. Deputado Morais Leitão nos poder contar alguma coisa daquilo que sabe, se é que sabe tudo!

O Sr. José Magalhães (PCP): -Bem lembrado!

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): -O Sr. Deputado, se bem ouvi, referiu que o sector público administrativo atingia 44 % do Produto Interno Bruto (PIB). Gostaria de lhe perguntar, em primeiro lugar, se era capaz de decompor essa parcela nas suas componentes essenciais.
Segundo se era capaz de dar a esta Câmara uma ideia de qual a sua variação entre 1980 e 1983.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Não é propriamente um pedido de esclarecimento. Seria mais, no fundo, dizer ao Sr. Deputado Bagão Félix e um pouco aos meus colegas deputados como, de facto, para quem viveu a Constituinte, ouvir estes discursos tem qualquer coisa de extremamente curioso.
Quando há pouco ouvi o Sr. Deputado Bagão Félix, na sua diatribe contra a sociedade sem classes, tive uma vaga reminiscência, fui consultar os papéis, e pasmem Srs. Deputados com o seguinte: o CDS votou a favor da sociedade sem classes!
Mas a curiosidade não fica por aí e passei ao artigo 2.º O PSD votou a favor da transição para o socialismo!
Ficamos por aqui, Sr. Presidente.

Vozes do PSD: - Que triste figura!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Bagão Félix: Por limitações de tempo não vou ter oportunidade de formular a intervenção que tinha previsto.
Mas já que referiu alguns números sobre os pretensos malefícios do sector público, gostaria de lhe colocar algumas questões muito concretas e começaria pelo problema da descapitalização das empresas públicas.
O Sr. Deputado reconhece, com certeza, as contas nacionais publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), que mostrara, por exemplo, que entre 1979 e 1981 os preços dos bens e serviços adquiridos pelas empresas públicas aumentaram 50 %, enquanto que a venda, em termos de aumento de preço do Valor Acrescentado Bruto (VAB) dessas empresas, aumentou apenas 19 %.
O diferencial de 31 % para quem foi? Não terá sido para, a montante e a jusante, os fornecedores e os clientes das empresas públicas, isto é, para o sector privado?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não sei se o Sr. Deputado sabe, mas fala-se muito do facto de as dívidas das empresas públicas terem aumentado assustadoramente. De facto, entre 1976 e 1982, as dívidas delas aumentaram, em termos nominais, 55 %.
Mas saberá por acaso o Sr. Deputado que, nesse mesmo período, os créditos das empresas públicas aumentaram 1000 %? Isto é, que se institucionalizou por culpa dos governos, nos quais o CDS teve grande participação, a política de não pagamento a essas empresas, quer por parte do Estado, quer por parte das empresas públicas?

Vozes do PCP: - Muito bem!

Em relação ao propalado malefício destas empresas em termos da distribuição do crédito interno, sabe o Sr. Deputado que entre 1976 e 1982 o crédito interno às empresas públicas aumentou 100 %, mas que o crédito interno às empresas privadas aumentou 140 %? Sabe, Sr. Deputado, que por essas razões e muitas outras as empresas públicas foram obrigadas -e o Sr. Deputado sabe-o perfeitamente, pois esteve no governo, e tem aí elementos seus que também lá estiveram ou estiveram nelas próprias- foram obrigadas, dizia, por esses factos e outros, a recorrer ao crédito externo? E sabe que da actual dívida externa das empresas públicas, 50 % são decorrentes, exclusivamente, da desvalorização cambial? Sabe, Sr. Deputado, que só nos últimos 3 anos os encargos financeiros suportados pelas empresas públicas somaram 750 milhões de contos? E sabe que se esse crédito tivesse sido obtido no mercado interno, essas empresas públicas teriam poupado «apenas» 300 milhões de contos?
É a isto que o Sr. Deputado chama o malefício das empresas públicas em relação à economia nacional?
Para terminar,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Invente uma piada!

O Orador: -... diria que o chamado aproveitamento das empresas públicas para engordar o sector privado saído do grande capital, chegou já, como sabe, à banca. Um caso característico e significativo é o da TORRALTA.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): -Oh! Só faltava a TORRALTA!

O Orador: - Sobre isso quer-nos dizer alguma coisa? Ê com um saque de 12 milhões de contos à banca nacionalizada que o Sr. Deputado quer resolver os problemas da economia nacional? Ou será que cora isso o que o Sr. Deputado quer é resolver os problemas dos grandes capitalistas?

Aplausos do PCP.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Agora queremos respostas concretas e não poesia!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Eu queria colocar uma questão ao Sr. Deputado Bagão Félix, não com o propósito de um confronto de pontos de vista entre a minha bancada e a do CDS, mas com vista a procurar aprofundar o sentido das próprias convicções do Sr. Deputado.
A questão prende-se com a aprovação da lei dos sectores, donde decorreu que muitas áreas da economia nacional ficaram abertas à disponibilidade da iniciativa privada. Pensa o Sr. Deputado que essa dispo-

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nibilidade é por si só capaz de criar as condições para o fomento do investimento nessas áreas agora abertas? Ou, pelo contrário, está o Sr. Deputado convencido de que, para promover as condições da iniciativa privada que V. Ex.ª defende, é necessário operar, também, a transferência da titularidade jurídica das actuais empresas do sector público?
A minha pergunta funda-se na seguinte razão: é que o CDS não defende agora apenas aquilo que defendia antes da revisão da lei dos sectores. O CDS aparece agora a contestar a própria existência constitucional dos sectores. Se assim é, como parece, queria também pedir ao Sr. Deputado se nos poderia dar algum exemplo concludente de um processo sistemático de desnacionalização que tenha podido ser feito sem acarretar grandes colapsos para a economia do País em que tal facto se produziu.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.

O Sr. Bagão Félix (CDS): - Quanto ao Sr. Deputado César Oliveira, diria que fez uma grande confusão entre a questão constitucional e a questão dos governos, eles próprios. Aliás, isso é grave, tendo em conta o seu perfil de historiador dos movimentos operários e não só.

O Sr. César Oliveira (UEDS):- E da burguesia. Também faço uma perninha na burguesia!

Risos.

O Orador: - O Sr. Deputado Hasse Ferreira perguntou-me sobre a variação do sector público administrativo nos últimos 3 anos. O que lhe posso dizer é que, por exemplo, de 1983 ...

O Sr. Hasse Ferreira: -Sr. Deputado, eu não me interessava tanto os últimos 3 anos, mas nos 3 anos em que VV. Ex.as foram governo.

O Orador: - Sim, sim, era isso que eu queria dizer. Nesses 3 anos, portanto, a percentagem do peso do sector público administrativo relativamente ao PNB não aumentou - basta ver as estatísticas! No entanto, o número que tenho aqui mais concreto, e que se refere a 1983-1984, isto é, desde que este governo tomou posse, indica que o sector público administrativo passou de 42,2 % para 44,6 % do PNB.
Relativamente à questão das empresas públicas e de todos os números que o Sr. Deputado Octávio Teixeira referiu, era caso para dizer: perante todos esses problemas, sendo tudo tão mau, porque não se liberta das empresas públicas?
Porque se agarram de uma maneira conservadora e obscurantista a essas empresas públicas?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - lá que está ali a Sr.ª Deputada Zita Seabra, lembrava que quando há tempos a Sr.ª Deputada focou o aumento da percentagem das pensões dos rurais, dizia que se devia partir da base de incidência. Bem, quando compara os 1000 % do aumento dos créditos das empresas públicas com os 554 % do aumento das suas dívidas, se fizer esses cálculos em montantes absolutos, terá, por certo, outras conclusões.
Gostaria de saber como é que os senhores resolvem todos estes problemas das empresas públicas, como é que resolvem o problema desses paraísos burocráticos, que são a maior parte das empresas públicas. É, com certeza, com recurso ao Orçamento do Estado, isto é, através de emissão de moeda ou de novos impostos.
Para responder globalmente à sua pergunta, punha uma questão que todos os portugueses, como cidadãos clientes, consumidores e contribuintes das empresas públicas põem. Em relação aos números que citei ou aos 400 milhões de contos de dotações e subsídios (só para citar um exemplo), o que seria preferível? Em vez de se estar a despender dinheiros para situações que geram problemas de afectação de recursos, seria preferível termos mais hospitais, melhores reformas, melhores infra-estruturas sociais, rentabilizar as empresas ...

Vozes do PCP: - Era preferível dá-lo aos pobres ou à TORRALTA?!...

O Orador: - Não estejam nervosos, Srs. Deputados, pois seria também preferível que, em vez de VV. Ex.as falarem nos salários em atraso, ...

Vozes do PCP: - Já falamos nisso!

O Orador: -... falassem nas empresas públicas como centros de defesa de situações privilegiadas de pessoas que têm postos de trabalho e que vivem à custa daqueles que têm salários em atraso e daqueles que estão desempregados.

Aplausos do CDS.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - São os vossos gestores! São os homens que lá meteram e que ainda lá estão!

O Orador: - É para esta ineficiência de recursos, é para esta injustiça social, é para este desmembramento das oligarquias e interesses corporativos que se geram nas empresas públicas, que os senhores também têm que estar atentos quando falam em salários em atraso, era desempregados, em pensões de miséria, em dificuldades do sistema de saúde ou em deficiências dos sistemas de infra-estruturas sociais. É para isso que os senhores devem estar atentos e é nessa situação que eu vos gostaria de ver colocados.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. César Oliveira (UEDS):- E então aquela coisa da sociedade sem classes?

O Orador: - Falta-me, ainda, responder ao Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Deixem lá, ele esqueceu-se.

O Orador: - Bom, aquilo que defendemos não está em contradição com a defesa que fizémos acerca da abertura dos sectores.
O que entendemos é que não aceitamos uma economia a três, em departamentos estanques, mas o que desejamos e aceitamos, pela competetividade, pela dinamização, pela eficácia, pela melhor afectação de recursos, é uma economia concorrencial, competitiva.

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O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): -Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito Sr. Deputado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É para rir!

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Ê para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria agradecer ao Sr. Deputado Bagão Félix o seu esclarecimento. Por ele ficámos a saber que os 42 % do sector público administrativo, durante os governos da AD, foi uma percentagem equilibrada e que os 44 % do actual governo, é excessiva.
Se não fosse estarmos na noite de Santo António, diria que tal crítica tinha sido uma boa piada.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, mas dispõe apenas de l minuto para o efeito.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Sr. Deputado, o número que citou, como muitos outros, tenta enganar a questão. Não são subsídios, Sr. Deputado, veja os números oficiais sobre subsídios e indemnizações compensatórias e verá que são muitos diferentes daqueles que referiu.
Quanto à questão da diferença, se o Sr. Deputado tirar os empréstimos financeiros -que não estão na parte dos créditos - as dívidas das empresas públicas aumentam 450 milhões de contos - é uma diferença bastante grande e em sentido inverso àquela que o Sr. Deputado referiu.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Faça contas! Você até é economista.

O Orador: - Mais: o Sr. Deputado pretende passar por cima do facto de que muitos deputados membros do CDS tiveram a gestão e a tutela das empresas públicas, quer a nível financeiro, quer de tutela ministerial, e que grande parte dos gestores que ao longo destes anos as têm vindo a descapitalizar são pessoas do CDS que ganham bastante bem, que não têm problemas em recusar aumentos aos trabalhadores, que lhes vão diminuindo os salários reais e vão aumentando os seus. Assim vão canalizando as mais-valias das empresas públicas para as empresas privadas e, até, em proveito próprio.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão pede a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - É para um protesto, Sr. Presidente.
Sr Deputado Bagão Félix, reparo que o Sr. Deputado não concorda, e o PS também não concorda, com a existência de 3 sectores estanques na área da economia. Mas o Sr. Deputado Bagão Félix concorda com uma «ménage a trois» na área da economia, ou seja, o Sr. Deputado Bagão Félix defende o sector concorrencial entre várias entidades públicas, privadas ou cooperativas. Simplesmente, não foi essa a questão que eu lhe pus. A questão que eu lhe pus era de natureza diferente. Qual era a de saber se, no seu ponto de vista, havia condições para que os investidores portugueses pudessem, agora que estão realizadas as condições para poder investir em variadíssimas e extensíssimas áreas económicas, investir, sem que previamente se tivesse que proceder a uma transferência da titularidade jurídica das empresas do sector público. Esta a primeira questão a que o Sr. Deputado não me respondeu.
A segunda questão que eu lhe tinha sugerido, era que me desse um exemplo de um qualquer país onde tivesse sido experimentado um processo sistemático de desnacionalizações, com clara vantagem para a economia do País onde tal se tivesse realizado.

Q Sr. Presidente: - Para responder aos protestos, tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.

O Sr. Bagão Félix (CDS): -É muito rápido.
Relativamente aos protestos dos Srs. Deputados do PCP não vou responder, porque temos pouco tempo e, além disso, preocupo-me mais com o futuro do que com o passado.

Protestos do PCP.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Quanto aos gestores, nada!

O Orador: - Exacto! Continuem a deixar o País ir para o fundo; continuem a falar da crise e a deixar o País ir para o fundo! Depois vão ver!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Afinal sempre responde!

O Orador: - Os senhores fazem-me lembrar aquela história, a propósito dos trabalhadores das empresas públicas, do trabalhador que na Alemanha saía para o seu emprego. Perguntavam-lhe para onde é que ele ia e ele dizia que ia para o trabalho. Os senhores defendem aqueles senhores que saem de casa para irem para as empresas públicas e que dizem: «vamos para o emprego!»

Uma voz do PCP: - Esses são os gestores do CDS!

O Orador: - Ë nesse sentido que, efectivamente, os senhores continuam a laborar. Continuam a laborar nos postos de trabalho, sem produtividade, como se tudo caísse do céu, como se o dinheiro do Orçamento do Estado fosse um maná, fosse efectivamente qualquer coisa que cai de uma entidade divina, em que, provavelmente, não acreditarão. Enfim, é esse o vosso futuro.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Aí, na sua bancada é que falam disso!

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Vozes do PCP: - Pergunte aí na sua bancada! Olhe que eles estão calados!

O Orador: - Relativamente à questão que o Sr. Deputado ...

Protesto do PCP.

O Orador: - Estou satisfeito por os senhores estarem enervados.
Relativamente à questão do Sr. Deputado Jorge Lacão, o que queria dizer é que, ninguém investe por decreto-lei, única e simplesmente. Ninguém investe por o Estado dizer que agora já se pode investir, porque há um discurso de um Sr. Ministro, ou porque há um discurso de um Sr. Secretário de Estado que diz para investir. Na actividade económica investe-se com racionalidade, quando há confiança no futuro de um país, quando há, efectivamente, condições que possam rentabilizar o capital, que possam fortificar em termos de postos de trabalho, que possam definir, claramente, a função social da empresa, no seu sentido de capital e de trabalho.
Relativamente às experiências, aconselhava-lhe algumas leituras sobre a experiência do Governo Thatcher na Inglaterra.

O Sr. Presidente: - Na sequência do debate, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma revolução é-o também no campo da linguagem e do normativo. Eliminam-se sinais antigos, para instalar novos. Uma constituição aparece, assim, e ao mesmo tempo, como forma de legitimação de um processo realizado e como controle desse mesmo processo.
Por isso, uma constituição é para alguns uma trincheira, uma última defesa, um reduto de resistência.
Para outros, ao contrário, já não é uma guerra de trincheiras, mas de movimento, em que o objectivo tem alguma coisa de contraguerrilha. Até as populações são culpadas ... por não terem entregue os guerrilheiros.
Começarei por dizer que esta não é a nossa «guerra».
Sempre entendemos que a Constituição deveria deixar de ser motivo de controvérsia entre os portugueses ou um pretexto mais para disputas inúteis e sem sentido.
Sendo certo que, no plano jurídico, nada obsta a que se inicie um processo tendente à antecipação da revisão constitucional, bastando que assim o deliberem quatro quintos dos deputados em efectividade de funções, para não ter que aguardar-se o prazo de 5 anos, a questão é o de saber se se justifica ou impõe essa revisão antecipada.
Decorreram 20 meses após a revisão de 1981-1982.
Há cerca de l mês, concluíram-se as eleições para o Conselho de Comunicação Social, constitucionalmente previsto para assegurar o pluralismo e independência dos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado perante o Governo.
Ainda não foi possível rever a legislação respeitante ao Conselho Superior de Magistratura e ao estudo dos juízes, apesar de largamente ultrapassado o prazo fixado na lei de revisão.
De muitas outras leis poderia aliás falar-se como necessárias para actuar o texto constitucional.
Haverá assim que perguntar-se o porquê da nova revisão?
Não é verdade que, após a revisão, foram inequívocas as manifestações de satisfação com os resultados obtidos?
Pois não nos disse então o Partido Socialista:
Longe vão os tempos em que se encomendavam aos filósofos constituições perfeitas. Infelizmente nunca fomos fortes no filosofar. E os poucos filósofos que entre nós discretamente sobre a revisão, fizeram-no por forma tão delirante que nenhum lacedemónio lhes dispensará crédito.
Recorremos, por isso, aos «Licurgos» que tínhamos. E cito, obviamente, o Sr. Deputado Almeida Santos, então. E se não temos razões para nos sentirmos ufanos, dizia ele, como Deus no 7." dia, também não vemos motivos para nos sentirmos frustrados.
Por muito tempo se há-de discutir a revisão conseguida, entre laus demos e palavras de ira. Fiéis, assim, às demasias e ao fetiche que empresta às leis e, por apréstimo, às constituições, a nossa latim dade.
Retocada, a Constituição de Abril vai agora prestar as suas provas. Vai mostrar até que ponto es encontra apta para desempenhar o papel de instrumento da liberdade e da felicidade dos homens. Vai demonstrar o grau da sua adequação ao País e ao momento que lhe cabe reger. Vai, enfim, dar a exacta medida da sua docilidade ao quotidiano dos portugueses.
O pós-25 de Abril atinge, deste modo, a sua maioridade constitucional e política, expurgado que fica da provisoriedade e do paternalismo tutelar que lhe impuserem bem conhecidas razões de conjuntura. Citei (da declaração de voto do deputado Almeida Santos).
E o PSD não afirmava, por sua vez, na sua declaração de voto:
O texto que aprovámos, embora não sendo aquele que havíamos proposto, comporta, no entanto, o suficiente para que possamos, em consciência, votá-lo como representativo das mais caras aspirações dos portugueses. Porque foi com os olhos postos no nosso povo que nos batemos pelos ideais da liberdade, da solidariedade e da justiça social.
O CDS, com algumas reservas, por sua vez, não deixava de dizer:
A revisão constítucional aí está -feita e, de um modo geral, bem feita. O CDS não pode deixar de, a este respeito, registar aqui uma palavra de apoio ao Governo da Aliança Democrática; que atravessou incólume a referida campanha de desestabilização, enfrentando com êxito situações assaz melindrosas a que nenhum outro governo tivera antes que fazer face e precisamente por causa da revisão constítucional que estava era curso.

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Mês a democracia é hoje mais forte do que M ondas que contra ela embatem: a lei de revisão que acabamos de votar é uma prova palpável disso mesmo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. Quase todos os objectivos por que o CDS e a Aliança Democrática se bateram nesta revisão constitucional foram felizmente alcançados.
O que mudou, e já não me refiro, como há pouco o Sr. Deputado Lopes Cardoso, à declaração de voto feita em nome do Grupo Parlamentar do CDS, pelo então deputado Prof. Freitas do Amaral, que dizia textualmente (e é o Diário da Assembleia Constituinte, n.º 28), o seguinte: «o Grupo Parlamentar do CDS deseja declarou que votou o artigo 1.º, porque a referência ao objectivo da transformação da sociedade numa sociedade sem classe, consta da declaração de princípios do CDS, publicada em 19 de Julho, de 1974.»
O que mudou nestes 20 meses? Ou, inclusivamente, neste último ano, já que na última campanha eleitoral a revisão constitucional antecipada passou despercebida como tema, se por acaso o foi.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A justificação da revisão constitucional tem sido procurada na crise com que nos defrontamos.
O que obrigará, e de imediato, a aprofundar a reflexão.
Tem-se dito que a causa da crise, foi, pelo menos, uma explicação «oficial», consistia na seca e na subida do dólar. Se assim é, restará que me digam da influência da Constituição na seca ou na subida do dólar.
Poderei inclusivamente acrescentar que a Constituição não terá igualmente responsabilidades na ausência de uma política de habitação e urbanismo. Não são, pelo menos, conhecidas constituições que tenham animado a construção civil.
E faltar-nos-á uma política agrícola digna desse nome, por falha da Constituição? Permitir-nos-á a sua revisão, gerir melhor o solo de que dispomos e reduzir o volume e custo do que importamos para comer?
É a Constituição que impede a reforma do ensino? Ou a de segurança social? Ou a Administração Pública?
Será ainda a Constituição que se opõe à reforma fiscal?
Foi a Constituição que levou alguns titulares de cargos públicos a furtarem-se a declarar os seus rendimentos?
Creio que ninguém sustenta residirem, na Constituição, os bloqueamentos que impedem, ou adiam, estas (e muitas mais) reformas, cada dia mais necessárias e urgentes.
De igual modo, a Constituição não impede que, sobre o compadrio, prevaleçam a competência e a responsabilidade. Quantos prejuízos - agora invocados como bandeira - teriam sido evitados se as empresas públicas não fossem entendidas, de novo, como o lugar em que qualquer incapaz, só porque é filho ou afilhado do dono, tem direito a um lugar na administração.

Aplausos do Sr. Lopes Cardoso (UEDS).

Um estudo de há 20 anos acusava as empresas industriais de então de em vez de organograma terem árvore genealógica.
Pena é que reproduzam agora os ficheiros dos partidos ...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira prioridade, aqui e agora, é modificar as prioridades actuais. Subalternizar, como merece, tudo o que distrai das questões verdadeiramente sérias que o futuro nos coloca.
Precisamos de resolver, com realismo e eficácia, os problemas dos portugueses.
Não podemos, face a cada normativo, ter como primeiro cuidado, a sua revisão, lançando constantemente o descrédito sobre as nossas leis e, assim, essencialmente contribuindo para que se não cumpram.
Se e quando estivermos convencidos de que é necessária a revisão, nela colaboraremos.
Neste momento, não nos convenceram de que seja a Constituição a fonte dos nossos males. Disse.

Aplausos da ASDI, do PS, da UEDS e do deputado do PSD Fernando Amaral.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS):- Queria começar por agradecer ao Sr. Deputado Magalhães Mota, a escolha criteriosa que fez, na sua citação, da declaração de voto do CDS. Por um lado, porque começou por dizer que o CDS, mesmo no clima de natural euforia da revisão constitucional de 1982 -é inexplicável que fosse .de natural euforia, porquanto se passava de uma democracia tutelada para uma democracia plena, havia pois, razões para isso, apesar de tudo- se tinha congratulado, com algumas reservas, sobretudo quando escolheu aquele bocado onde se diz que o CDS considerou que tinha atingido quase todos os objectivos. Foram efectivamente quase todos, não foram todos. Como não foram todos e nós somos um partido coerente e persistente, é por isso que estamos a lutar pelos outros que faltam alcançar.
Mas, para além disso, queria pôr uma questão, muito simples, ao Sr. Deputado Magalhães Mota e que se refere à citação que fez de uma declaração de voto do CDS na Assembleia Constituinte.
Sr. Deputado Magalhães Mota, conhecendo como conhece perfeitamente o que é o CDS, o que são os princípios do CDS e o que foi sempre a prática política do CDS, e conhecendo, também, porque viveu com grande intensidade esse período, o que foram alguns trocadilhos que houve que fazer na altura, não considera que o facto de o CDS, embora com uma reserva mental ou considerando que essa expressão tinha um conteúdo totalmente diferente do que outros lhe pretendiam dar, ter tido que fazer uma declaração de voto a dizer que votava a sociedade sem classes, não é a prova mais cabal de que a Constituição portuguesa de 1976, foi elaborada em condições não plenamente democráticas, embora, evidentemente, tenha sido feita numa luta pela democracia contra aqueles que, realmente, queriam impedir o estabelecimento em Portugal de uma democracia pluralista?

Aplausos do CDS

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O Sr. José Magalhães (PCP): -Na altura o CDS assinou o pacto!

O Sr. Presidente: - Para responder ao pedido de esclarecimento formulado, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota, apesar de ainda estar inscrito o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Respondo já, se o Sr. Presidente permite, ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Luís Beiroco e faço-o gostosamente.
Em relação à declaração de voto do CDS que li, penso que a explicação dada pelo Sr. Deputado Luís Beiroco seria aceitável se imediatamente antes, na mesma sessão, o mesmo Diário da Assembleia da República, não registasse a declaração de voto do PPD, proferida pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, que diz textualmente isto: «O debate no Plenário» -e é uma justificação de voto contra este artigo l.º- «revelou clara e inequivocamente, que os defensores desta fórmula visam amarrar o artigo l.º da Constituição, à mundividência marxista, imprimindo à sociedade sem classes o sentido de sociedade comunista, correspondente à fase superior do chamado socialismo científico. Neste contexto a expressão torna-se inaceitável para o PPD; é consciente e criticamente que repudiamos as concepções dogmáticas do socialismo marxista».
Quero dizer. Sr. Presidente e Srs. Deputados, que era possível, em 1975, afirmar, com clareza e frontalidade, um voto negativo ao artigo l.º da Constituição.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso pretende a palavra para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Para exercer o direito de defesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Relativamente a declarações do Sr. Deputado Luís Beiroco?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Às declarações do Sr. Deputado Luís Beiroco e como deputado à Assembleia Constituinte.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para repudiar, veementemente, a afirmação, ou, pelo menos, a insinuação, do Sr. Deputado Luís Beiroco de que a Assembleia Constituinte não foi uma Assembleia que funcionou democraticamente e não foi a expressão democrática da vontade do povo português. A prova de que o foi, aliás e concretamente neste caso, foi dada agora pelo Sr. Deputado Magalhães Mota. Se o PPD da altura pôde votar - e votou contra o artigo l.º da Constituição - não venha agora o CDS invocar que o fez porque não tinha liberdade para votar de outra maneira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nunca participei, e espero ter a coragem suficiente para nunca participar, em qualquer assembleia não democrática, em qualquer órgão, seja ele qual for, Governo ou Assembleia, que não sejam a expressão da vontade popular, que não se alicercem, de facto, num regime e num sistema democrático.
A Assembleia Constituinte foi uma Assembleia livremente eleita pelo povo português, foi uma Assembleia que se exprimiu e afirmou democraticamente, foi uma Assembleia em que eu continuo a orgulhar-me de ter pertencido.

Vozes da UEDS e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - O Sr. Deputado Lopes Cardoso não compreendeu, obviamente, as minhas palavras. Eu não disse que a Assembleia Constituinte não era democrática, o que eu disse foi que o poder constituinte estava limitado, como efectivamente estava através de um pacto feito com uma entidade estranha.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Que o CDS assinou!

O Orador: - Que o CDS assinou, obviamente. Que o CDS assinou em nome da defesa da democracia, para que, mesmo assim, houvesse eleições livres.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Assinou com reserva mental!

O Orador: - Mas é evidente que o poder constituinte originário não era inteiramente livre. E isso é indesmentível, Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Tose Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Portugal, frequentemente têm-se a tendência em valorizar o secundário e minimizar o essencial e até brincar com coisas sérias como já aconteceu aqui esta noite, procurando e apresentando intervenções que são autênticas charlas.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ora muito bem! Grande máxima!

O Orador: - Daí a necessidade de que num debate como o de hoje se assuma com clareza e responsabilidade a sua transcendente importância quer pelas consequências terríveis que já resultaram para o sistema económico-financeiro das estatizações ocorridas em 1975, quer pelo que se pode verificar no futuro.

O Sr. José de Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado não olhe para gente; olhe para a bancada do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado José Vitorino pode olhar para onde quiser. Não podem protestar por isso!
O PSD não tem dúvidas em afirmar que, para além da instabilidade política, da crise internacional e outros factores adversos, um dos aspectos que como um garrote mais nos tem estrangulado económica e socialmente é o sector público empresarial, pela indisciplina e excessivo peso que o caracterizam. Recorde-se que o Sector Empresarial do Estado (SEE), é responsável por um quinto do produto interno, um terço do investimento nacional e 7 % do emprego.

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E perante uma crise que se arrasta, é inevitável que os órgãos de soberania com responsabilidades directas ou indirectas na governação, as estruturas políticas e os seus agentes (os políticos), vão tendo uma imagem cada vez mais negativa e de descrédito crescente.
É certo que os homens responsáveis terão cometidos erros, e cada um de nós deve ter a humildade de assumir a sua quota-parte, mas o que é certo é que talvez seja caso para dizer que «tanta incompetência não pode ser».

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dos vossos gestores!

O Orador: - E daí sermos conduzidos a procurar as causas profundas a outro nível, designadamente no plano do sistema político e económico, constitucionalmente previstos. Urge fazê-lo para salvaguarda do próprio regime.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Fazê-lo?

O Orador: - Hoje, propor-me-ia fazer uma reflexão essencialmente no âmbito da evolução e enquadramento económico no contexto político.
E neste sentido, pode dizer-se que a grande revolução ocorreu não em 1974 mas a partir de 12 de Março de 1975. Até lá merece particular destaque o chamado Plano Melo Antunes, aprovado em Fevereiro de 1975, elaborado com a participação de várias forças políticas, e em que quanto a nacionalizações apenas se previa a nacionalização de um banco.
Mas pouco depois surgiu o golpe totalitário e a partir de 12 de Março iniciou-se um período de estatizações, ou melhor dizendo, usurpações de sectores e empresas segundo o lema «Fim aos capitalistas e aos reaccionários, poder ao povo e aos trabalhadores».

O Sr. José de Magalhães (PCP): - E o PSD assinou!

O Orador: - Tudo se fez sem critérios, sem estudos e sem planos.

O Sr. José de Magalhães (PCP): - E o PSD no Governo!

O Orador: - Foi o golpe a pretexto da revolução. As ocupações de terra atingiram o auge.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP):- O auge atingiu-se agora!

O Sr. José de Magalhães (PCP): - E o PSD no Governo!

O Orador: - Economicamente o que sucedeu foi evidente: destruíram-se as estruturas em que assentava o funcionamento da economia e não se criaram quaisquer estruturas alternativas. Era o vazio. Como era inevitável, as empresas públicas e privadas caminharam para a baixa de produtividade e a elevação de custos, consequente da política demagógica de então que levaram à sua progressiva descapitalização.

O Sr. José de Magalhães (PCP): - Tanta asneira junta! É só asneira.

O Orador: - A nível geral esbanjaram-se as dívidas (nos finais de 1975 estavam praticamente esgotadas), iniciaram os pedidos de empréstimos e mais tarde começou a venda do ouro.
Entretanto, a partir do 12 de Março e durante cerca de 8 meses as forças democráticas desenvolveram intensa luta para restaurar as liberdades, o que finalmente veio a concretizar-se em 25 de Novembro.
E é nesta data libertadora que um novo drama e uma profunda contradição se abatem sobre os portugueses.
Fez-se o 25 de Novembro da restauração das liberdades políticas mas não se fez o 25 de Novembro de criação de condições para a eficácia económica.

O Sr. José de Magalhães (PCP): - É uma falsificação histórica!

O Orador: - E a grande pergunta surge inevitavelmente. Porque não lutaram até ao fim as forças a quem se deve o 25 de Novembro, para pôr fim aos desmandos económicos?
Elas que nunca haviam proposto tal tipo de intervencionismo económico por parte do Estado. Complexos de esquerda? Receios eleitorais? Fica para a história o julgamento e a responsabilidade.
Mas o certo é que desde então até agora, e já lá vão quase 9 anos, o País e o Estado arrastaram-se penosamente com o enorme fardo público que as forças golpistas lançaram sobre os seus ombros, partindo a coluna vertebral da economia nacional vergada à desorganização, à burocracia e aos apetites políticos das forças do poder pelo sector estatizado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge de Magalhães (PCP): - E o PSD no Governo!

O Orador: - E é inevitável que perante um sector estatizado o Estado através dos seus representantes é tentado a ocupar estas parcelas de poder, quaisquer que sejam as forças que ocupam o poder, e a historie demonstra-o em Portugal e no mundo.
O PSD sempre teve plena consciência dos graves riscos da manutenção de tal situação,

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Isso é o problema da maçã!

O Orador: - Qual cancro que vai lentamente diminuindo as resistências e agravando o estado de saúde do doente.

O Sr. Jorge Lemos: - Saúde é com o Miranda!

O Orador: - A nós não nos interessa esse poder para repartir clientelas e por isso sempre pugnámos pela mudança.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Mudem, mudem do Governo, rapidamente!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante todos estes anos o PSD tem clamado e procurado soluções políticas que visem libertar o Estado de um sector económico estatal que não serve os trabalha-

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dores; compromete empresários, retira capacidade e tempo ao Governo para reformar a Administração Pública e inovar sectorialmente e usurpa os cidadãos com impostos sobrecarregados para fazer face a défices cada vez maiores de um sector do Estado ineficiente. Pode dizer-se que o poder económico privado está estrangulado e esmagado, ao mesmo tempo que o sector público agoniza, sem vitalidade, sem dinamismo nem rentabilidade e o corpo da Nação cada vez surge mais combalido porque tem que pagar e voltar a pagar a ineficácia do sector público.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Este é que era preciso na qualidade de vida!

O Orador: - E tudo isto é evidente.
Situado em pólos diversos e até opostos: Uns, dirão que é preciso estatizar mais, para evitar todos os males que atribuem à iniciativa privada e garantir em plenitude os benefícios da economia centralizada; Outros dirão, que basta gerir bem o que está, e racionalizar; E ainda outros que o que se justifica é desnacionalizar tudo e assegurar a evolução económico-financeira aos equilíbrios naturais do mercado, segundo as teses mais liberais.

O Sr. João Abrantes (PCP): - E tu o que é que dizes ó Vitorino?!...

O Orador: - O meu amigo não andou comigo na escola nem me conhece de lado nenhum, portanto ponha-se no seu lugar.
Hoje, como sempre, não é nenhuma destas a posição do PSD. Somos e sempre afirmámos pela implantação e implementação de uma economia social de mercado com o dinamismo do sector privado e a defesa dos interesses da colectividade. Fomos contra as nacionalizações que se fizeram em 1975 pela fornia e pela extensão que as caracterizaram.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas aprovaram-nas!

O Orador: - Entendíamos que se podiam ter feito algumas nacionalizações por sectores na perspectiva de cortar certos cordões monopolistas, ou ter assumido partes de capital ou de gestão, mas apenas isso.
Somos contra novas nacionalizações, que a actual Constituição aliás admite, porque isso seria o golpe de misericórdia para a democracia.

Aplausos do PSD.

Achamos que embora sendo possível melhorar a gestão do sector público, este além de distorcer as normas de concorrência interna e externa, ver-se-á confrontado com a falta de dinamismo, flexibilidade e criatividade do Estado, indispensável para pôr tais empresas em produção e produtividade ao serviço dos trabalhadores e do País.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Bem faz o Silva Marques que lê o jornal!

O Orador: - Somos contra uma nova inversão que eventualmente tendesse a repor a situação económica de antes do 25 de Abril na perspectiva do controle que sobre o mercado e o poder político era exercido pelos principais grupos económicos.
Somos ainda contra a marginalização dos trabalhadores quanto à participação consciente na vida das empresas, em especial as públicas, com vista à sua realização pessoal.
Que defendemos então neste momento?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Boa pergunta!

O Orador: - Urgente desestatização de parte do sector público, pondo fim ao Injustificado dogma da irreversibilidade das desestabilizações verificadas após o 25 de Abril.
Manutenção de uma adequada coordenação e intervenção do Estado que lhe permitam garantir o primado do interesse colectivo sobre os interesses individuais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é uma visão geral de um processo que se afigura de grande oportunidade referir para a sua exacta compreensão e para descortinar os fundamentos de uns e as «sem razões» de outros.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Visão geral mas curta.

O Orador: - E é importante fazê-lo porque está em causa o futuro do nosso País e do nosso Povo e daí a necessidade de criar com urgência condições para se encetar uma vida nova no sentido da recuperação. Torná-lo possível implica dar confiança aos vários agentes económicos e aos cidadãos em geral na perspectiva económica e na perspectiva da criação de condições para que as forças da sociedade se assumam livres de garrotes.
E neste contexto o PSD aqui declara formalmente que rejeita dois álibis que considera perniciosos e falsos.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP):- Só dois?

O Orador: - Primeiro álibi: sem alterar a Constituição nada é possível fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Rejeitamo-lo porque ainda assim há acções a explorar, essencialmente no domínio das actuações no campo do sector público, como sejam a revisão do PISE, alienação de empresas indirectamente estatizadas; contratos de exploração; venda de parte de capital; acções globais de reestruturação; melhorias no domínio da gestão, designadamente no campo de uma maior autonomia gestiva e responsabilização.

Vozes do PCP: -Gestiva?!...

O Orador: - Segundo álibi, que também rejeitamos e que não é por causa da Constituição que o País não recupera e ou «deixem de pensar na revisão da Constituição e governem o País», como já se ouviu aqui esta noite.

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- Hoje não pensamos nisso.

O Orador: - Ë um conceito ainda mais perigoso do que o primeiro e que nos conduz, ou conduziria, a

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aceitar o actual quadro do sector público como inevitável e um dado de facto com o qual somos obrigados a viver.
Estamos assim perante posições maximalistas e irrealistas em que quer uma quer outra contribuem para o agravamento dos males. Diria assim que indispensável se torna que o Estado seja menos patrão, através da desestabilização, e que o que ficar seja reestruturado e bem gerido. Mas primeiro o Estado deve definir o exacto quadro da sua intervenção face às características dos sectores e actividades de carácter concorrencial, interno ou externo ou de prestação de serviços sociais. Depois, e só depois, desenvolverá outras acções. O contrário é inverter a ordem natural das coisas e assumir custos económicos e sociais eventualmente desnecessários e penosos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eventualmente chocantes!...

O Orador: - E numa outra perspectiva, por exemplo que sentido faz irem criar-se novos bancos e companhias de seguros e não permitir que alguns dos actuais bancos ou seguradoras sejam desestatizados? Que critérios objectivos? Se o argumento era não permitir a existência de bancos privados, então ela já deixou de existir porque eles aí vêm.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O que é preciso é dar aos tubarões!

O Orador: - Sabe-se que há bancos em situação difícil, pergunta-se então como vão resistir a técnicas de gestão e tecnologias avançadas de outras instituições a criar? Ë preferível correr o risco de irem à falência ou seria preferível desestatizar?
As vantagens da abertura da banca ao sector privado são claras, designadamente pelo maior dinamismo e agressividade, menor fuga de capitais e maior confiança de investimento estrangeiro, mas a banca estatizada na actual estrutura pode ressentir-se disso, e, muito especialmente se não for feita uma reestruturação profunda.
A desestabilização de parte do sector público permitiria ainda fazer face ao elevado montante da dívida pública interna do Estado a particulares, e muito particularmente pagar as indemnizações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para nós a revisão da parte económica da Constituição, retirando-lhe a carga ideológica que a caracteriza e pondo fim à irreversibilidade das estatizações é acção urgente que requereria, requer e justifica a votação por quatro quintos da resolução em apreço.
Que argumentos apresentam ou condicionam, os eventuais adversários ou inimigos de uma revisão antecipada da Constituição?
Que tal acção visa repor os grandes grupos económicos e sacrificar os trabalhadores?
Que uma tal medida não resolveria os grandes problemas nacionais, antes os agravaria?
Que poria em causa a manutenção e prestação de serviços de carácter social?
Que tal discussão num momento em que se requer estabilidade governativa seria mais um foco de polémica e tensão?
Que seria falta de coerência da parte das forças políticas que anteriormente votaram contra votarem agora a favor?
Que o sector público não é um travão à entrada para o Mercado Comum.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não é?

O Orador: - Todos os argumentos são respeitáveis mas é evidente que carecem de sólidos fundamentos. Senão vejamos em síntese face ao que disse anteriormente:
Desestabilizar parte do sector público não implica repor a filosofia económica de antes do 25 de Abril e muito menos implica sacrificar os trabalhadores.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Antes pelo contrário, além dos benefícios gerais para o País garantirá no futuro maior estabilidade aos trabalhadores dessas empresas, em muitos casos em situação difícil e insustentável.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD):- Muito bem!

O Orador: - De qualquer modo, ao Estado ficaria reservado um papel interventor que evitasse o refazer da «malha económica antiga»:
Nada se resolveria? O que está demonstrado pelo contrário é que mantendo tudo como está nada se resolve e tudo se agrava. O dinamismo e agressividade que se exige numa economia aberta não se compadecem com a gestão pesada e muitas vezes descoordenada do sector público. Por outro lado, em vez de ser o Estado a financiar tais empresas ou de ter de recorrer ao crédito externo ou interno, seria preferível empresas em que a confiança levasse os accionistas a fazerem autofinanciamento (como sucedia com as hidroeléctricas) ou então recorrerem com êxito à venda de acções para aumento de capital.
Não está em causa a prestação de serviços de carácter social, pois actividades desse tipo como por exemplo, água, gaz e transportes, teriam sempre uma componente estatal.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Isso dá prejuízo?

O Orador: - O que sucede é que com a libertação de meios e responsabilidade de outras empresas, o serviço prestado ainda podia melhorar e haveria mais meios para outras acções de carácter social como educação, saúde, pensões de reforma, etc.

O Sr. Vidigal Amaro: - Obrigado!

O Orador: - Também não faz sentido invocar a polémica, tensão e instabilidade que a abertura neste momento de um debate de revisão constitucional na parte económica geraria.

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De facto, a admitir tal argumento isso implicaria uma crítica implícita aos constitucionalistas quando previram que fosse possível a revisão por quatro quintos, e o PSD recusa fazer tal crítica.
E que será preferível? Alguma polémica no debate ou o agravar das tensões sociais à medida que a crise de algumas dessas empresas se aprofunda? Num caso seria passageiro, no outro é um rastilho que tudo vai incendiando.
Não podem hoje dizer sim os que ontem disseram não? Será falta de coerência, ou incoerência?

Vozes do PCP: - Não!

O Orador: - Incoerência é mudar de posição com condicionantes idênticas. Ora o que neste caso acontece é que, embora sendo respeitável e democraticamente legítimo que certas forças políticas tenham defendido este enquadramento constitucional a nível económico, a experiência veio demonstrar que ele era negativo para o sistema. Dirão alguns que o problema é que o sector público está a ser mal gerido, mas isso acontece por responsabilidade do próprio sistema.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - E o PSD no Governo!

O Orador: - Esse é precisamente o problema. E o que acontece é que o Estado não tem poder de iniciativa nem dinamismo nem acutilância para dar rentabilidade e agressividade às múltiplas empresas que directa e indirectamente controla.

Aplausos do PSD.

Que dera ao Estado modernizar e pôr ao serviço do País uma moderna administração pública. Factor fundamental de qualquer recuperação económica, [á se perdeu um tempo precioso e de ouro. Fazê-lo só agora implica ter consentido no agravamento da situação económico-financeira das empresas e no aumentar de tensões sociais. Hoje, já se começaram a fechar empresas públicas e a despedir trabalhadores e há empresas que pela situação a que chegaram nenhum empresário tem possibilidade de as assumir, a não ser com condições muito especiais. Se se tivesse actuado há algum anos atrás tudo seria diferente e os trabalhadores e o País agora compreendem-no.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Tipo Torralta!

O Orador: - [á é tarde, mas pior será se não se actuar de imediato.
Quanto à entrada na CEE se é certo que não há problemas, pois garante-se a liberdade de estabelecimento a empresas estrangeiras, o problema é que além da inaceitável descriminação exercida em relação a investimentos portugueses, nalguns sectores, não dispomos de condições técnicas, tecnológicas e de gestão que nos garantam a defesa da concorrência. Isto é, podemos entrar para a CEE no actual quadro mas podemos ficar sacrificados pelo nosso atraso e incapacidade, o que pode comprometer o futuro de independência nacional que tanto propalamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Têm-se assim que estes e outros argumentos ao fim e ao cabo servem apenas para justificar uma recusa que ou assenta em princípios dogmáticos ou na falta de coragem para experimentar caminhos novos.
Daquilo que no fundo se trata é de devolver a confiança a empresários e trabalhadores, essencial para aumentar a poupança, o investimento e a produtividade, activar o mercado financeiro e aumentar o nível de emprego.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não é inovador. Ê a posição do PS!

O Orador: - E para isto é determinante a desestatização, levando à diminuição do peso do Estado na vida civil. Que o PCP se continue a opor obstinadamente à desestatização compreende-se, pois elas fazem parte da lógica do seu sistema. Mais difícil de perceber é no entanto a posição do PS.
Em 1975-1976 fez-se uma Constituição sob coacção das forças militares. Em 1980 a revisão da Constituição recusou alterar a parte económica e por ela o PSD se bateu e votou.
O PSD tem tido desde sempre uma posição coerente pela qual Sá Carneiro lutou como ninguém.
Hoje às portas da Europa é urgente modernizar e tomar eficaz o sistema económico. Exige-o a dignidade do País no confronto com os seus novos parceiros e exige-o a manutenção e reforço do regime através de melhoria das condições de vida dos portugueses, travando em definitivo os apelos aos «unitarismos», «fren-tismos» e «nacionalismos», que se apresentam sempre.

Aplausos do PSD.

Como indispensáveis para preservar a democracia, mas são caminhos que inevitavelmente desembocam em soluções totalitárias ou paratotalitárias.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Pode dizer outra vez para baterem mais palmas!

O Orador: - O PSD encara a situação sem a perspectiva de bandeiras nem demagogia, mas no sentido da verdade e do realismo face ao perigo de manter o artificialismo da situação.
Estamos conscientemente num Governo para fazer o máximo e o melhor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas também conscientemente afirmamos que o desbloqueamento económico da Constituição aumentaria fortemente o êxito da nossa actuação quer em termos de eficácia quer em termos de rapidez.
Somos fiéis ao acordo de coligação mas temos também plena consciência que a coligação terá tanto mais força e irá tanto mais longe quanto se conseguir mudar o que é necessário na Constituição.

Aplausos do PSD.

A maioria democrática e patriótica de quatro quintos para efeitos da revisão antecipada da Constituição em aspectos muito concretos e determinantes não num carácter geral e sem que isso signifique qualquer subversão do sistema é possível e é desejável e, por isso, deve ser assumida com coragem para lá de clientelas, conceitos ou preconceitos. O País exige-o e merece-o

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e o PSD assume-o! Votaremos, assim, em coerência com o que sempre temos defendido e com o tipo de votação no último processo de revisão constitucional? E apostamos nestas posições porque são elas que melhor permitirão a realização individual e a criação de riqueza que garantem o bem-estar colectivo e a justiça social.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Durante a intervenção do Sr. Deputado José Vitorino inscreveram-se os Srs. Deputados César Oliveira, Lopes Cardoso, Hasse Ferreira e João Corregedor da Fonseca.
Por esta mesma ordem tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): -Sr. Deputado José Vitorino, ouvi com muita atenção o seu discurso, percebi tudo, excepto 3 coisas.
Em primeiro lugar, pedia que me explicasse a sua tese de que quando há vazio o Estado tem uma tentação natural para o ocupar, independentemente das forças políticas que o integram.
A segunda tese que gostaria de ver explicada era a de qual teria sido a coacção exercida sobre o PPD da altura, para assinar o pacto com o MFA.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - É óbvio! Então um historiador não sabe? Dava para rasgar os livros de História!

O Orador: - Quais eram?! Em terceiro lugar, gostaria que me explicasse a relação entre clientela e o PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): -Sr. Deputados José Vitorino, vi-o fazer uma longa diatribe contra o 11 de Março ...

O Sr. Lacerda de Queiroz (PSD): -E com toda a razão!

O Orador: - ... e contra as nacionalizações que se lhe seguiram, mas em Novembro de 1975 o então PPD, hoje PSD, votava que todas as nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril seriam conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras.
O Sr. Deputado já proeurou antecipar-se a estas questões, explicando-nos que tinha sido sob coacção. Mas que estranha coacção era esta, Sr. Deputado, que obrigava o CDS a votar pela sociedade sem classes, mas permitia ao PSD opor-se a essa mesma sociedade sem classes; que obrigava o PSD a considerar irreversíveis as nacionalizações, mas permitia ao CDS votar contra a irreversibilidade das mesmas. Estranha coacção Sr. Deputado José Vitorino!

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): -Cavaleiro andante da Constituição.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Você é o cavaleiro apeado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): -Sr. Deputado José Vitorino, em relação à sua intervenção, não ía discutir consigo os princípios que enunciou nem as posições políticas que assumiu, nem sequer tentar refazer ou desfazer a História dos últimos 10 anos. Há uma coisa, no entanto, que eu estranho. Eu até aceito os seus números, contrariamente à manipulação que há pouco se tentou ali fazer.

O Sr. Bagão Félix (CDS):- Não apoiado!

O Sr. César Oliveira (UEDS):- Ele está no Governo!

O Orador: - Eu até aceito os números que deu sobre a extensão do sector público, que me parecem efectivamente correctos. No entanto, como é que o Sr. Deputado, a partir dessa referida extensão, consegue fazer todo o tipo de raciocínios que faz, defende o modelo de economia que defende, pensando nessa mesma extensão do sector público em países da Europa Ocidental, como por exemplo a Itália.
Como é que, ainda, a partir daí, considera que o nosso sector público tem efectivamente uma dimensão tão excessiva.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado José Vitorino, V. Ex.ª historiou algumas fases do nosso passado, só que é um historiador Fraquinho, Sr. Deputado. Há muita falta de memória em V. Ex.ª, ou se preferir muita falta de análise e de análise aprofundada de um sector importante da vida do nosso país. É muito esquecido e esqueceu até a atitude e a actuação do seu partido, exactamente em alguns dos períodos que referiu.
Pois vou fazer-lhe perguntas curtas e muito claras para ver se V. Ex." tem tempo de responder. V. Ex.ª quer desfazer, tal qual como disse, o capítulo económico da Constituição. Ora, existem pelo menos onze artigos, nesse capítulo. Quererá V. Ex.ª fazer a elencagem do que nele é ou não positivo, ou está, realmente, contra todos os artigos desse referido capítulo da Constituição?
V. Ex.ª proferiu uma frase que eu considero grave. Declarou que se destruíram, a seguir a 1975, as estruturas em que assentavam os fundamentos da nossa economia.
É preciso ter cuidado com as palavras, Sr. Deputado José Vitorino. Acha que as estruturas em que no fascismo assentavam os fundamentos da nossa economia, eram melhores do que aquelas em que hoje assentam.
V. Ex.ª diz que está de acordo e irá votar, portanto, a favor da a revisão Constitucional. Queria-lhe perguntar se está de acordo com toda a elencagem que o CDS aponta, isto é com os 42 artigos para rever. Gostava que me dissesse se está de acordo com a alteração desses 42 artigos ou se é antes, contra algumas dessas alterações.

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V. Ex.ª diz que o sector público é um travão à entrada de Portugal na CEE. lá agora pergunto a V. Ex.ª se faz ideia de qual é a média das empresas do sector público nos países da CEE. lá foi aqui referida a Itália; nesse pais o sector público representa 20 % ...

O Sr. Lacerda de Queiroz (PSD): - E a economia paralela?!

O Orador: - ... e em Portugal não chega a 15 %. V. Ex.ª quererá, realmente, dar-nos informações a esse respeito e dizer-nos em que se baseia a sua afirmação.
Sr. Deputado, ainda não passaram 8 dias sobre a moção de confiança, com que VV. Ex.as tentaram dar aqui uma noção de unidade e de coesão, e hoje já vai haver um voto de um partido da coligação contra o outro. Será que realmente o Sr. Deputado José Vitorino não receia, quanto à coligação actualmente existente ou estará o PSD a fazer uma pressão forte para que a coligação termine rapidamente.

O Sr. Lacerda de Queiroz (PSD): - Está a misturar alhos com bugalhos!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não! Desde que entrou o Sousa Tavares está tudo seguro.

O Sr. Presidente: - Para responder às questões que lhe foram colocadas tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino. Previno-o de que para responder às referidas questões o Sr. Deputado dispõe de apenas 4 minutos.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Tempo eu fosse, mas não sou!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Se tivéssemos tempo, dar-lhe-íamos de bom grado.

O Sr. José Vitorino (PSD):- Agradeço a generosidade do Partido Comunista. De qualquer maneira, não acredito mas, enfim, vamos adiante!
O Sr. Deputado César Oliveira, talvez por eu ter lido demasiado depressa, não percebeu a minha concepção do vazio que se criou.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, dada a dificuldade que o Sr. Deputado José Vitorino tem em se explicar concedemos-lhe l dos nossos 3 minutos.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Vitorino aceita?

O Orador: - Em tempo de vacas magras devemos agradecer tudo.

O Sr. Presidente: - Tem mais l minuto, Sr. Deputado.

O Orador: - Eu não disse que perante o vazio havia uma tentação do Estado para exercer o seu poder. O que eu disse foi que -e aqui também respondo à dúvida que o Sr. Deputado do MDP/CDE suscitou-, tendo sido destruída a estrutura económica existente à data do 25 de Abril -e eu não disse que era boa, Sr. Deputado, pois já disse publicamente muitas vezes que não servia- eu concordava com algumas nacionalizações e com outros tipos de intervenção. Portanto, aí não vale a pena estarmos a equivocar-nos.
Mas tendo-se destruído essa estrutura, repentinamente, e sendo substituída por uma acção indiscriminada por parte do Estado em termos de estatização, a economia ficou com a coluna vertebral completamento partida.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Isso é com o Gonelha!

O Orador: - Nem Estado nem privado, não ficou rigorosamente nada. Esta é que é a questão. Quanto a coacção exercida sobre o PSD, foi a coacção que o poder político-militar nessa altura estabelecia sobre praticamente todos nós, e não vale a pena invocarmos isso agora.
Na altura, fizemos os compromissos possíveis, Sr. Deputado, foi uma fase de transição para aquilo a que se poderia chamar dias melhores.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): -E noites?!...

O Orador: - Alguma coisa se conseguiu conquistar, até agora, e em consequência de factores dessa época que não foram corrigidos queremos ainda mais dias melhores.
Quanto às relações do PSD com as clientelas, somos rigorosamente contra todas as clientelas. O que assumimos com verticalidade é que, se o Estado detém parcelas de poder, haja a tentação para as usar. Logo mais vale que dentro de certos limites o Estado não vá por esse caminho, para não ser tentado.
Neste momento verifica-se um certo burburinho na Sala.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Vitorino, por favor um momento. O Santo António pode justificar o bulício nas ruas, mas não se justifica tanto bulício dentro desta Assembleia. Peço aos Srs. Deputados para estarem mais atentos e mais silenciosos.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado José Vitorino?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Quer o Sr. Deputado com essa sua frase confirmar que o PSD também não resiste às tentações?

O Orador: - O PSD quer lutar contra essas tentações se, por isso, recusa esses centros de poder.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Aliás, tem-se visto!...

O Orador: - Quanto à questão do Sr. Deputado Corregedor da Fonseca, eu não disse que queria desfazer o capítulo económico da Constituição. Os dois únicos aspectos que foquei, para além de outros que naturalmente poderiam ser mais abordados na especiali-

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dade, foram a ineversibilidade das estarizações e a questão de não se poderem efectuar mais nacionalizações. Foram estes os 2 únicos aspectos que eu foquei.
Quanto à questão referente ao meu acordo com tudo o que o CDS propôs, eu referi-me expressamente a acções concretas e em sectores determinantes.
O PSD pensa não ser este o momento oportuno para reabrir um processo generalizado de revisão constitucional, mas isso não tem nada a ver com a revisão pontual em aspectos que consideramos determinantes.
Por último, e para terminar, o PSD regista com grande satisfação, mas com alguma admiração, que o PCP e o MDP/CDE estejam tão preocupados com as eventuais divergências entre o PS e o PSD e que elas possam criar problemas à coligação. Nós temos um acordo e respeitamo-lo, temos as nossas diferenças que respeitamos, mas nem por isso deixamos de ser solidários e deixamos de servir o País à medida e a proporção dos resultados eleitorais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Pesidente: - O Sr. Deputado Hasse Ferreira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS):- Sr. Presidente, o meu agrupamento parlamentar desejava saber se o Sr. Deputado José Vitorino sempre gastou o minuto que generosamente lhe demos? Como ele não me respondeu se o gastou é um bocado aborrecido.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Vitorino ficou ainda com l minuto do tempo próprio do PSD, não gastou o tempo cedido pela UEDS, o que significa que este agrupamento parlamentar mantém o seu tempo inicial intacto e que afinal de contas as vacas não eram assim tão magras!

O Sr. Deputado Hasse Ferreira não pretende a palavra para mais nada, a não ser para precisar a questão do tempo?

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS):- Exacto, Sr. Presidente. Depois pergunto lá fora ao Sr. Deputado Tose Vitorino o que queria saber.

Risos.

O Sr. Presidente: - É uma nova figura regimental a do pergunto lá fora.
Sr. Deputado José Vitorino, quer a palavra para que efeito?

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, é para um esclarecimento ao Sr. Deputado Hasse Ferreira, com a consideração que me merece e pelas boas relações que sempre mantivemos neste Parlamento.
Recorde-se que o sector empresarial do Estado é responsável por um quinto do produto interno, um terço do investimento nacional e 7 % do emprego. Não disse que era pouco nem muito.

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- Disse!

O Orador: - Depois, na sequência da intervenção procurei demonstrar que era ineficaz, nunca disse que era muito ou que era pouco, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): -Uma Constituição só tem razão de ser se, para além de ser a Lei Fundamental pôr, como tal, um corpo normativo permanente e intemporal que só deve e pode ser revisto quando e se ocorrerem transformações profundas na sociedade.
Não se descortina que tais transformações se tenham entretanto verificado na sociedade portuguesa, pelo que o projecto de resolução do CDS carece de fundamento ontológico.
Neste momento verifica-se um certo burburinho na sala.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Taborda, só um momento. Srs. Deputados, sei que o cansaço dá origem a um estado de mal-estar e permanente inquietação nas pessoas. No entanto, não existem condições para escutar a intervenção do Sr. Deputado António Taborda.
Peço aos Srs. Deputados para terem paciência, o nosso debate não vai demorar mais do que l hora e 15 minutos e depois ainda tem tempo para participarem nas festividades do Santo António. Peço aos Srs. Deputados para estarem atentos.

O Orador: - Assim, em nosso entender, tal projecto de resolução além de ser um acto voluntarista do CDS, dado saber de antemão não poder reunir a maioria qualificada exigida pelo artigo 286.º, n.º 2, da Constituição, tem o único intuito de vir cavar mais ainda e em exclusivo no «cavar da vaga» da coligação PS/PSD e de modo algum é «uma proposta de reconciliação democrática)» como pretendem eufemisticamente os seus proponentes.
A não ser que como tal, o CDS entenda a Constituição em Portugal de uma nova direita que vá desde o centro-direita à extrema-direita, pois só em posicionamento deste género poderia aceitar as alterações ora propostas. Ë a reconstituição de uma nova AD ou de outra minoria de direita como a que votou contra o aborto, que se quer ressuscitar!
É a hegemonização que o CDS quer fazer sob sua égide de todos os vencidos, entre aspas, pelo 25 de Abril e todos os que tendo, aparentemente, aceitado o 25 de Abril nunca o sentiram verdadeiramente.
É que as propostas de revisão do CDS são, globalmente, uma regressão ao 24 de Abril, são um passar de uma esponja sobre o 25 de Abril, são um fazer de conta que não existiu em Portugal uma revolução, nem sequer uma transformação profunda no nosso viver colectivo.
Revolução e transformação que se encontram plasmadas juridicamente na Constituição que actualmente nos rege e cuja última revisão teve, desta vez, o voto favorável do CDS.
Voto favorável tanto mais importante, quanto em 1976 o CDS foi o único partido que votou contra a Constituição. Poderia pois inferir-se com segurança que após a revisão de 1982, o CDS teria finalmente acatado uma Lei Fundamental para o País e que, nessa medida, a consideraria como tal e, obviamente, não viria requerer a sua revisão a todo o momento.

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Tanto mais que, coerentemente, o CDS tem sempre defendido como princípio indispensável à resolução dos problemas nacionais, a estabilidade das instituições. Porquê, então, agora esta fúria desestabilizadora do CDS?
Talvez para poder agarrar o vento de desagregação visível e palpável da coligação no poder, no secreto desejo de formar outra coligação em que possa montar o cavalo que lhe é tão caro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lê-se na. carta do presidente do CDS: «A experiência portuguesa mostra que a actual Constituição económica é completamento irreal, que não é uma base de confiança dos cidadãos e que é um factor de empobrecimento colectivo que, aliás, não nos permite enfrentar os desafios futuros ...». (Carta do deputado Lucas Pires).
Se é verdade que se têm agravado as condições de vida dos portugueses e a crise que atravessa a nossa economia, isso não fica a dever-se fundamentalmente à inadequação da estrutura da nossa economia, mas a um desajuste no modelo de gestão dessa economia estruturada de forma socializante.
Com efeito, a política seguida tem sido no sentido não do aproveitamento das potencialidades do sistema económico vigente, mas no da contribuição para lançar o descrédito sobre tal sistema.
Mas este processo não é recente nem exclusivo do CDS, agora afastado da área do Governo. Já no programa do nosso partido afirmávamos isso.
Queremos, com isto, dizer que o defeito não está essencialmente no sistema económico implantado mas na forma como está a ser gerido.
Significa, pois, que o que há que mudar não é o quadro económico constitucional português mas a política que tem sido seguida pelos governos.
É que se o sistema vigente não provou as virtualidades que, de facto, possui, isso fica a dever-se primordialmente a estar, desde há muito, a ser gerido, em grande parte, pelos seus detractores. Argumenta-se que ela não serve porque não funciona, quando, na verdade, ele não funciona porque a quem compete fazê-lo funcionar interessa mais demonstrar a sua ineficácia e inviabilidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Só assim se compreendem as nomeações de gestores e directores (e não só) de empresas do Estado e da administração pública, feitas exclusivamente segundo critérios de confiança político-partidária e sem vinculação a qualquer contrato-programa ou ao cumprimento de quaisquer objectivos de gestão, e ainda a recusa (inconstitucional) de nomeação dos gestores eleitos pelos trabalhadores das empresas do Estado.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Por outro lado, também se não tem cuidado devidamente de organizar criteriosamente a aplicação dos recursos disponíveis.
Daí que se assistia ao esbanjamento dos meios escassos disponíveis em investimentos inviáveis que são seleccionados de acordo com critérios duvidosos e na ausência de uma visão global de âmbito nacional..
É por isso que, contrariamente ao que pretende o CDS («reduzir o papel do Plano»), há que dar corpo ao que o Governo propôs no seu Programa, mas que não foi, ainda, capaz de cumprir. E cito: «Actuações isoladas, descoordenadas - no limite, discordantes - significariam também novos elementos de agravamento das dificuldades reais. Por isso, o Governo se propõe adoptar uma abordagem integrada dos problemas financeiros e económicos do País.»
Citei e parece que até à data esta parte não conseguiu ser cumprida.
É isto que defendemos no nosso programa, quando apontamos a necessidade de um desenvolvimento planeado assente no aproveitamento das potencialidades do Sector Empresarial do Estado.
Haverá então que, a par de acções de apoio dinamizadores da actividade privada de pequenos e médios industriais e comerciantes (sector também fundamental no nosso sistema económico e que tão carente está de apoios de natureza técnica e financeira), criar um sistema de estímulos que confira a necessária motivação para o bom funcionamento do Sector Empresarial do Estado.
Também este aspecto está referido no nosso programa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é só, porém, na parte económica que o CDS pretende rever.
Pretende inconstitucionalizar a lei que permite a interrupção voluntária da gravidez em certos casos, abrir a televisão à iniciativa privada, distorcer e inviabilizar as comissões de trabalhadores, o direito à greve, o Serviço Nacional de Saúde, as nacionalizações, privatizar a educação e a cultura, destruir o Plano, etc., etc.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema que já foi por nós abordado, no seguimento da declaração política do Sr. Deputado Nogueira de Brito, em Março passado, é o que se pretende com a alteração do artigo 290.º da Constituição.
Já nessa altura a posição do CDS não ficou muito clara.
Sem querer construir teoria constitucional poder-se-ia dizer que a questão essencial é a de se saber qual a possibilidade de uma lei de revisão constitucional não respeitar os limites materiais que a Constituição consagra.
Aqui, a doutrina divide-se e duas teses são defendidas:

a) Os que rejeitam essa possibilidade, considerando esses limites como absolutos, na medida em que o poder de revisão é um poder derivado e como tal subordinado ao poder constitucional expresso na Constituição. A não se entender assim correr-se-ia o risco de através da revisão da Constituição se submeter todo o seu espírito, criando uma nova Constituição como se o poder de revisão revestisse também características de poder constituinte.
b) Outra tese. defende a possibilidade de se ultrapassar os limites materiais da revisão através da dupla revisão: «2 processos em tempos sucessivos, um para eliminar o limite, outro para substituir a norma constitucional de fundo garantida através dele.
Ora, não nos parece que o CDS siga nenhuma destas teses.

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A primeira não será com certeza, pois, quer o texto do projecto de resolução, quer o texto da carta do presidente da Comissão Política do CDS de que amavelmente o grupo parlamentar deste partido nos cedeu uma cópia, colocam à cabeça a eliminação dos princípios constantes do artigo 290." considerando o mesmo «uma expressão sintética, dos limites e impedimentos que se opõem à liberdade do futuro português».
Então aderirão à tese da dupla revisão? Seriam então necessários 2 processos distintos, cada um com duas fases também distintas.
No primeiro processo, na primeira fase, a assunção de poderes de revisão pela Assembleia e para na segunda fase do primeiro processo se rever o artigo 290.º
No segundo processo, nova assunção de poderes de revisão para então e finalmente se rever o articulado da constituição à luz dos novos limites materiais de revisão.
No entanto também esta tese não parece ser defendida pelo CDS, ou será?
A questão não é clara principalmente depois das palavras do Sr. Deputado Nogueira de Brito à resposta ao meu pedido de esclarecimento a que atrás aludi. E cito.
«... Se ler claramente a nossa exposição de motivos para o projecto de resolução não encontrará nas motivações que apontamos para a revisão nenhum propósito de fazer a dupla revisão de Constituição.»
Ou será que o CDS aderiu à tese, quanto a nós insustentável num estado de direito democrático defendida pelo professor Marcelo Caetano segundo a qual e a propósito do artigo 290.º da Constituição, tudo o que está numa lei constitucional pode ser alterado por outra lei constitucional?
Ou quererá o CDS inovar doutrinariamente? Se for este o caso não nos parece ser esta a sede própria para o efeito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para o MDP/CDE o texto constitucional não é nem imutável nem perfeito. No momento próprio apontámos à revisão de 1982 as reservas que ela nos inspirava, quer nas soluções encontrados para a substituição do Conselho de Revolução, quer no rompimento do equilíbrio dos poderes entre os Órgãos de Soberania em desfavor do Presidente da República, quer na governamentalização das forças armadas, quer na composição encontrada para o Tribunal Constitucional, etc., etc.
Mas também afirmámos, na nossa declaração de voto final. Passo a citar: «a AD não conseguiu impor o seu projecto de revisão constitucional, não conseguiu rasgar a Constituição da República. A realidade transformada de Portugal de Abril mostrou-se mais forte do que os propósitos dos dirigentes da Aliança Democrática.»
Daí a nossa abstenção à revisão de 1982. Só que, depois de aprovada, a Constituição passou a ser a lei fundamental do País e o MDP/CDE, como partido democrático que é assume-a, respeita-a e defende-a como património cultural e jurídico cimeiro do nosso viver colectivo.
Que só pode e deve ser revista normalmente no prazo constitucional, normal, a não ser que houvesse um desajustamento profundo e súbito que tivesse o acordo de todos ou quase todos, o que não é o caso.
Isso não impede que o CDS não tenha timidade formal para propor uma revisão extraordinária.
Só que isso também, implica que o MDP/CDE se oponha frontalmente, pelas razões aduzidas, a tal hipótese de revisão.

Aplausos do PCP e do M DP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: As minhas palavras são apenas para prestar um esclarecimento à Câmara.
Algumas horas atrás, tive o ensejo de afirmar aqui que o CDS ainda não tem um projecto de revisão constitucional.
Na sequência desta minha afirmação, o Sr. Deputado Luís Beiroco teve a gentileza de me oferecer um documento do CDS. E fê-lo, se bem o entendi, com a intenção de demonstrar que esse projecto existe. Cumpre-me agradecer a gentileza do CDS e em particular do Sr. Deputado Luís Beiroco, colocando à minha disposição um documento interno de trabalho do CDS, chamado projecto de revisão da parte económica e social da Constituição, apresentado pelo presidente da Comissão Política ao Grupo Parlamentar do CDS, em 11 de Junho de 1984.
Desde logo, pela própria descrição deste documento se conclui que a minha afirmação era exacta, ou seja, que o CDS não tem ainda um projecto de revisão constitucional.
Permitir-me-ia ainda uma pequena observação: o documento não é em rigor um anteprojecto relativo à parte económica e social da Constituição. Na verdade, este documento contém uma inovação sobre a noção de direito à vida, contém disposições sobre a imprensa e comunicação social, sobre acesso a cargos públicos, sobre educação, ciência e cultura.
Não se trata, por conseguinte, de um texto relativo à parte económica e social da Constituição, quanto muito será um texto relativo à parte económica, social e cultural da Constituição, acrescido de uma inovação sobre a noção de direito à vida.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Deputado dá-me licença que o interrompa?

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, não esperava essa sua interpretação formalista sobre esta questão.
É evidente que a existência de um projecto de revisão constitucional só se justifica se, efectivamente, a Assembleia assumir poderes de revisão constitucional. O que existe já é um pensamento articulado do CDS sobre essa matéria e o Sr. Deputado sabe que o próprio presidente do CDS teve a oportunidade de dizer que se havia questões que se relacionassem com quaisquer meros aspectos de prioridades, ele estava inteiramente disponível a ceder essa prioridade a quem a quisesse tomar.
Esse texto é já um projecto de revisão constitucional, embora ainda não esteja, até na sua própria articulação, em termos de ser entregue na Mesa.

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Mas, Sr. Deputado, tem de concordar que o projecto existe; está nas suas mãos, este articulado, abrange as áreas da parte económica e dos direitos sociais da Constituição e por incidência outras áreas necessárias para contemplar harmoniosamente toda essa matéria.

O Orador: - O Sr. Deputado tornará mais clara a natureza e o alcance do documento que tiveram a gentileza de me facultar, mas permitir-me-á que continue a dar o meu esclarecimento.
A páginas 34 deste documento lê-se o seguinte:

Do artigo III." ao artigo 289.º não se propõe qualquer alteração, dado tratar-se de uma revisão extraordinária da Constituição, limitada aos aspectos económicos e sociais.

Esta precisão mais acentua no meu espírito -e peço que me desculpem - a evidência de que não há nenhum projecto de revisão constitucional do CDS. Poderão dizer-me que, para já, querem apenas rever a parte económica e social e que já agora revêem também a parte cultural, e que já agora revêem também a parte relativa ao direito à vida. Enfim, é um critério. Simplesmente, afigura-se-me que não é um critério escorreito e que é uma forma um pouco enviesada de tratar um assunto que deveria ser tratado com a necessária seriedade. Aliás, devo dizer que me surpreende muito que o CDS tome uma iniciativa de tal modo descuidada.
No entanto, também não posso ocultar o que me é suscitado pela leitura do texto. É que, sobre a parte da organização do poder político, o CDS remete para daqui a 3 ou 4 anos as suas eventuais novas concepções sobre a organização do estado democrático.
Tal prudência significa que o CDS recusa comprometer-se sobre a organização do poder político e sobre o perfil do regime democrático português.
Mas entendamo-nos, Srs. Deputados. Obviamente que não ponho em causa o total empenhamento de VV. Ex.as na defesa da democracia nem a vossa total fidelidade em relação aos ideais democráticos. O que digo é que VV. Ex.as não se querem comprometer quanto ao tipo de organização do poder político e quanto ao perfil do regime democrático português.
Finalmente, gostaria de lhe fazer uma pequena observação: Se revíssemos assim a parte económica, social e cultural da Constituição, quando seríamos instados, e em que sentido, a modificar a forma do Governo?
A Constituição deve consagrar, quanto a mim, o máximo consenso nacional possível. Quanto a isso estamos inteiramente de acordo. Porém, só há um consenso nacional quando cada um de nós assumir plenamente as responsabilidades próprias.
Ora, neste momento parece-me que o CDS não quer assumir as responsabilidades próprias em relação à questão da organização do poder político.
Para concluir, Srs. Deputados, gostaria ainda de dizer que uma Constituição não se revê fatia a fatia.

Aplausos do PS, da UEDS, da ASDI, e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Lucas Pires (CDS):- Sr. Deputado Sottomayor Cardia, sob a forma regimental de um pedido de esclarecimento gostaria de lhe dar um esclarecimento.
Quanto à questão do sistema democrático da Constituição, parece-me que a observação do Sr. Deputado foi algo estranha, na medida em que começou por nos censurar por dizermos de mais, e depois acabou por nos censurar por dizermos de menos, por não abrangermos a parte política. Porém, a verdade é que falámos claramente. Na intervenção do Sr. Deputado Luís Beiroco, sobre a parte política, nomeadamente, dissemos que queríamos que esta revisão fosse 8 compleição da revisão política anterior.
Portanto, implicitamente dissemos que estávamos de acordo com a revisão política anterior ou, pelo menos, considerávamos que ela não era urgente. Para além disso, ninguém nos solicitou que nos pronunciássemos sobre essa parte política. Aliás, nem tínhamos de nos pronunciar ex professo sobre ela, pois era suposto que estávamos de acordo.
Inclusivamente, temos dito, com alguma frequência, que consideramos que a parlarmentarização relativa do regime, a que deu lugar a última revisão, constitucional, exige uma maior liberdade da sociedade civil, porque não vamos ter alternativas verdadeiras no Parlamento se não tivermos alternativas verdadeiras na sociedade portuguesa. Isto sempre foi extremamente claro para nós.
Também sempre dissemos, com extrema clareza, que entendemos que é necessário um outro modelo constitucional de sociedade, não apenas no campo económico e no social - e admito que a nossa formulação seja imperfeita -, e que já muitas vezes se mudou o poder político desde o 25 de Abril de 1974. Com efeito, várias revisões da Constituição política foram ulteriormente feitas, antes mesmo da própria Constituição, através de actos institucionais, etc. Portanto, já mexeu, pelo menos, 10 vezes na parte política da Constituição, mas há uma coisa em que ainda não se mexeu, e que é preciso mexer: no 11 de Março.
Este é, portanto, o sentido básico e mais vasto da nossa proposta. Julgo que estes esclarecimentos eram fundamentais e por isso os quis dar ao Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
Para finalizar, gostaria ainda de dar um último esclarecimento sobre o nosso projecto de revisão constitucional. Numa carta que tive ocasião de escrever ao Sr. Presidente da República e ao Sr. Primeiro-Ministro disse que, com muito gosto, transferíamos a prerrogativa de apresentar aqui um projecto concreto do articulado da revisão constitucional para os partidos do Governo se estes entendessem que isso era uma prerrogativa dos partidos do Governo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Com tantas epístolas ainda se torna em apóstolo!

O Orador: - Estivemos até à véspera desta votação à espera que qualquer dos partidos do Governo aceitasse essa oferta, o que não aconteceu. E não tendo acontecido, nós próprios apresentámos um projecto de revisão.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ainda lhe cresce o nariz!

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O Sr. Presidente: - Dado que há mais um deputado inscrito para pedir esclarecimentos, gostaria de saber se V. Ex.ª, Sr. Deputado Sottomayor Cardia, deseja responder já ou só no fim.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): -Se me permite, respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Lucas Pires, suponho que ao discutirmos a revisão constitucional devemos contemplar a actual situação do País e evitar invocações constantes de acontecimentos do passado.
Não adianta muito invocarmos esses factos, designadamente o 11 de Março. Se o Sr. Deputado Lucas Pires me permite, devo dizer-lhe que talvez eu tenha alguma autoridade para invocar o 11 de Março, porquanto suponho que fui o primeiro deputado que contestou nesta Assembleia as nacionalizações efectuadas após essa data. Mas parece-me que não devemos voltar sempre ao mesmo, porque senão VV. Ex.as também se expõem a que, aliás sem fundamento, alguns Srs. Deputados recuem um pouco mais atrás e fiquemos todos a rememorar a História de Portugal, perdendo tempo que seria necessário para debatermos a parte que diz respeito ao equacionamento do nosso futuro, que é, basicamente, o que interessa.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Mas não é história; é actualidade infelizmente, Sr. Deputado!

O Orador: - Bem, naturalmente que o presente é feito do que resta da História. Isso é uma verdade de «La Falisse» e, nesse sentido, aceito que assim seja.
Mas, no essencial, gostaria de esclarecer o Sr. Deputado de que nunca censurei o CDS por ele dizer de mais -aliás, nunca censuro ninguém por dizer de mais -, apenas observei que o CDS tinha dito de menos e afirmei que ele não apresentou um projecto de revisão constitucional. Aliás, os Srs. Deputados já sabem que esta é a minha posição em relação à vossa iniciativa e desde há muitos meses que sempre a defendi. Sempre disse que considero indispensável que, para se iniciar um processo de revisão constitucional, se saiba o que é que se vai alterar e o que é que está em causa.
Não considero que haja necessidade de se discutir questões abstraias, tal como socialismo, liberalismo, 11 de Março, colectivismo, enfim, todos esses sistemas. Ao contrário, penso que há necessidade, sim, de chegarmos ao máximo consenso nacional possível, o que não se obtém através de discursos incriminatórios ou recriminatórios. Obtém-se através da apresentação de propostos precisas, rigorosas e delimitadas, a fim de se saber o que é que se está a fazer.
É verdade que alguns Srs. Deputados disseram que o CDS tinha apresentado uma coisa horrorosa que significava a destruição da democracia por isto, por aquilo e por aqueloutro. Pela minha parte, não sei se é nem se não é porque ainda não li. Mas essa observação dirigida a mim parece-me ser improcedente. Já não o seria, no entanto, se fosse dirigida a outros Srs Deputados.
Poderá o Sr. Deputado dizer-me que estou aqui a falar a título pessoal, o que não é muito admissível. Porém, se me permite, gostaria de lhe fazer esta observação: subscrevo inteiramente as considerações que aqui proferiu o Sr. Deputado Jorge Lacão, as quais exprimem o ponto de vista do Partido Socialista. Não estaria aqui usando da palavra, não estaria, porventura, empenhado nesta questão e não estaria, seguramente, sentado nesta bancada se não estivesse absolutamente de acordo com a posição do Partido Socialista a este respeito. Ê só esta a razão da minha intervenção.
De modo que, Sr. Deputado Lucas Pires, se V. Ex.ª pretende responder às minhas observações e às minhas criticas, penso que o deverá fazer, mas não respondendo a mim com réplicas às críticas feitas por outros Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Santana Lopes. Devo informá-lo, Sr. Deputado, que o seu partido dispõe apenas de l minuto.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Nesse caso, prescindo do uso da palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): -Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, gostaria de saber de quanto tempo dispõe ainda o Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Dispõe de 11 minutos, Sr. Deputado.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sendo assim, cedemos 3 minutos ao PSD, para que o Sr. Deputado Santana Lopes possa fazer o seu pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Então, se o Sr. Deputado Santana Lopes entender aceitar o tempo cedido pelo Partido Socialista, concedo-lhe a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Aceito com todo o gosto, Sr. Presidente. Não estamos numa época de recusar ofertas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, agradeço-lhe o tempo que me cedeu e peco-lhe desculpa de, apesar da generosidade da oferta, ter de o utilizar para discordar de V. Ex.ª
Começaria por dizer que talvez seja por se continuarem a ouvir neste país determinado tipo de argumentações que, passados 10 anos sobre o 25 de Abril de 1974, continuemos a falar de atingir esse tal consenso nacional. Em qualquer país mais normalizado, tal consenso demoraria l ano ou 2 a conseguir, mas em Portugal, uma década depois do 25 de Abril, ainda continuamos à procura do mínimo denominador comum entre todos os portugueses.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que crânio!

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O Orador: - Mas só pedi a palavra por força de uma referência feita pelo Sr. Deputado, segundo a qual «uma constituição não se revê fatia a fatia». Penso que foi esta a expressão que o Sr. Deputado utilizou, na qual proeurou sintetizar as considerações que anteriormente tinha produzido.
A pergunta que gostaria de lhe fazer, Sr. Deputado Sottomayor Cardia, é esta: não concorda comigo se eu relembrar que a maior parte das revisões constitucionais - e por isso é que existe o instituto da revisão constitucional - são revisões parciais de uma lei fundamental e não revisões globais? Não concorda que as revisões globais são devidas, precisamente, a situações de anormalidade, como aquela que decorreu do facto de termos vivido um período transitório, e que foi por isso mesmo que tivemos .que fazer uma revisão global (e não total) da Constituição em 1982? Não concorda que se continuarmos sempre a fazer revisões globais da Constituição, então, sim, estaremos a cometer autênticos atentados contra a ordem jurídico-constitucional, a qual penso, a maioria de nós entende preservar nos seus traços gerais?
As revisões constitucionais fizeram-se para serem parciais, para serem precisamente dirigidas a fatias da Constituição, porque se passarmos a vida a proceder a revisões globais, então é que estamos permanentemente a pôr em causa as traves mestras em que assenta o regime. Relembro-lhe a nossa história constitucional do século XIX, não lhe falando da do século XX, porque realmente os exemplos não são muito felizes. As revisões constitucionais que houve, apesar de terem sido parciais, foram em regimes políticos distintos do nosso. Mas toda a revisão, por natureza, é parcial e se é global é porque algo está mal. Nós sabemos que algo está mal neste país, mas não será tempo de pôr cobro a isso, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, pretende responder?

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sim, Sr. Presidente, eu vou responder.
Vou ser muito breve porque não há propriamente matéria a que responder. Houve considerações que eu ouvi com muito encanto intelectual, mas cujo alcance preciso não sei determinar.
Eu suponho que a situação é esta. Sr. Deputado, eu acho que pode haver revisões gota a gota, mas não deve haver revisões fatia a faria.

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, neste momento não temos inscrições na Mesa, tendo os diversos partidos os seguintes tempos: PS, 10 minutos; CDS, 12 minutos; MDP/CDE, l minuto; UEDS, 3 minutos; ASDI, 5 minutos; Sr. Deputado Independente António Gonzalez, 5 minutos.
O Sr. Deputado Lucas Pires inscreve-se para uma intervenção?

O Sr. Lucas Pires (CDS):- Sim, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados:

O sistema económico da Constituição chegou ao fim e tornou-se completamente inviável.
De facto os 10 anos que decorreram mostraram que a subsistência do nosso sistema económico está a ser pago através:
Da baixa do nível de vida;
Do endividamento externo crescente;
Da desvalorização do escudo;
Da carga fiscal permanentemente reforçada;
Do consumo do ouro e das reservas;
Do desemprego;
Da quebra do investimento;
Da quebra de produção e da produtividade;
Da deterioração da razão de troca, isto é da desvalorização internacional do trabalho e dos produtos portugueses;
Dos contratos a prazo;
Da economia paralela ou alternativa;
Do aumento das falências;
Do aumento dos salários em atraso e dos atrasados em geral;
Dos aumentos brutais e permanentes dos preços;
Dos adiamentos dos abonos e pensões.

E tudo isto para salvar o bezerro de ouro!
Não vale a pena citar os números porque todos estes são já conhecidos de cor.
A crise alastrou já do sector industrial ao sector dos serviços e deste ao sector financeiro; da economia pública à economia privada e, nesta, dos têxteis à construção civil e da agricultura ao comércio e à indústria.
O sistema económico no seu conjunto caminha para a entropia, para a desordem e para a rigidez e, fá-lo neste momento a um ritmo cada vez mais acelerado. De facto, os incobráveis da banca, por exemplo, aumentam já hoje em 3 meses mais do que antes num ano; cerca de 50 % das responsabilidades do sector público são já a curto prazo; os resultados líquidos do sector público que foram sempre negativos cresceram porém exponencialmente nos últimos anos. Previa-se este ano uma quebra do investimento da ordem dos IO % e todos os fenómenos da erosão económica e social estão em queda livre ou a atingir os seus recordes máximos neste ano de 1984.
A inviabilidade do sistema económico é revelada pelo facto de o investimento já não chegar, em quase nenhum caso, sequer para amortizar o capital investido, não havendo já resposta para esta pergunta que já ouvi uma vez fazer em público ao Sr. Primeiro-Ministro: qual é o negócio lícito que ainda há em Portugal? A noção do limite absoluto que se está a atingir e que revela uma autodestruição do sistema económico é o facto de o sistema económico existente registar já a sua sustentação, através do aumento do desemprego. Então é porque o sistema atingiu o nível da sua ruptura e o nível da sua autodestruição. Porque esse sistema fora erguido como valor sagrado à volta da ideia do pleno emprego e esse pleno emprego correspondia a uma exigência da ideologia básica do sistema e porque o aumento do desemprego há-de ser um factor de recessão acrescido e porque o sistema económico não prevê sequer o aumento do desemprego como uma possibilidade do seu funcionamento e está, portanto, completamente desarmado para essa eventualidade. Ê evidente, de resto, que quando um sistema que não prevê nem admite a possibilidade do desemprego produz mais desemprego do que um sistema que aceite o desemprego como

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um custo possível, então é o sinal da falência completa e total.
A crise económica aliás, alastra, começa a transformar-se em crise social, ficando aliás à beira de se transformar numa crise política. Se as empresas não sabem as linhas com que se cosem e a economia paralela se torna a economia normal, os sindicatos, por sua vez, deixam de ver sentido na sua luta e vêem-se transformados apenas em meros comentadores críticos da descida dos salários reais. Da fase de insuficiência de responsabilidade social pode passar-se e está a passar-se a uma fase de irresponsabilidade generalizada e de laissez faire moral na sociedade portuguesa.

Aplausos do CDS.

Do outro lado, do outro lado no plano do Estado, a crise é idêntica, é idêntica na dificuldade da direcção, na dificuldade de autoridade, na dificuldade da eficácia, na crise de isolamento de funções vitais como a defesa, de funções de normalização como a administração, ou de funções de orientação como a do Governo. O Estado parece muitas vezes um polvo que já só tem tentáculos. O seu problema fora o oposto da sociedade, mas o excesso de responsabilidades. iniciativa e poderes fizeram dele um ente adormecido, inútil Q disperso.
A irrealidade e o descontrole do sistema político e político-social, torna-se patente no agravamento da dependência externa, parecendo mesmo que o controle externo de terceiras potências ou instâncias sucedeu ao anterior controle do MFA e que, em rigor, o sistema passou de uma fase de quase completo controle, a uma fase de quase completo descontrole nacional. Começa-se a descarregar quase tudo no passado ou quase tudo no futuro e no estrangeiro, o que é rigorosamente, uma grave forma de alienação colectiva.

Aplausos do CDS.

Foi sempre este o pensamento do CDS e da sua bancada.
De facto, condensam-se no modelo económico existente 3 contradições e 3 crises que atingiram o seu auge ou o seu nó górdio. Primeiro, aceitou-se o modelo de desenvolvimento marcelista, baseado nos grandes projectos industriais da era do petróleo, depois acrescentou-lhe a estrutura socialista e revolucionária das nacionalizações irreversíveis e, por último, tentou-se orientar esta amálgama para a CEE, segundo um critério de possível reformismo tecnocrático.
Um tal caldo não podia funcionar e a indecisão, a anemia, e a irresponsabilidade de hoje têm a ver com esta acumulação artificial de 3 modelos em contradição e em crise. Mas hoje o problema já não é só o da nossa convicção do CDS como partido sobre este sistema. O problema hoje é o de que para fazer face à crise já não chegam:

1) Uma mera política de estabilização já tentada 3 vezes e sempre sem atingir as causas de crise conduzindo sempre a maior dependência externa, a maior rigidez do sistema a maiores custos para os cidadãos e níveis mais baixos de equilíbrio.
2) |á não chegam, e este é talvez o problema mais importante, novas maiorias parlamentares, que como a actual maioria chegaram ao maior formato de concentração parlamentar do poder que é possível e que só com a eleição presidencial do candidato do bloco central poderiam ainda ir mais longe, se isso não fosse também por si mesmo e de novo um novo factor de instabilidade política.
3) )á não chega o aumento do controle político e social que com este governo atingiu uma escala sem precedentes sobre a televisão, sobre a banca, sobre a nomeação dos gestores, levando a que um relatório do Fundo Monetário Internacional dissesse que em Portugal, hoje, 70 % dos gestores são nomeados por motivos políticos partidários.

Até ao controle indirecto, por via do Conselho de Concertação Social e de outros órgãos de criação recente que, apesar da sua tentativa de controle, não conseguiram resolver os problemas económicos e sociais existentes.
Em suma, já não chega hoje em Portugal a normalização da crise, porque os níveis sucessivamente mais baixos a que essa normalização se consegue começam a ser níveis de ruptura.
O simples aumento do poder político e do seu controle - a que o bloco central será, ainda, mais uma vez, tentado, com a eleição presidencial - nada resolverá porque, no contexto existente, toda a intervenção do Estado é uma nova fonte de instabilidade política, de incerteza dos agentes e de consumo de recursos numa situação cada vez mais complexa e cada vez com menos alternativas.
Por tudo isto é que nós dizemos que é preciso ultrapassar o conceito de crise. Isto é: É que é necessário reformar o sistema e não apenas ultrapassar a última das suas crises. Num sistema baseado sobre a ideia de controle, a crise provoca o aumento do controle mas a verdade é que este já atingiu a sua máxima expressão parlamentar e política, já não pode ir mais além e, por outro lado, esse mesmo controle começou a tornar-se inútil e negativo, como numa lei de rendimento decrescente. Quando a paz em Portugal já só resulta de acordos políticos e parlamentares sucessivamente mais amplos é porque essa paz se tornou completamente artificial.
Daqui em diante, a tendência para resolver os problemas existentes com o aumento do poder político e com o aumento da intervenção do poder político poderia mesmo transformar-se numa tendência autoritária, sendo aliás curioso notar como alguma esquerda converge neste ponto com alguma direita, como se as nostalgias de dois passados diferentes convergissem no mesmo presente.
Perante esta situação há outra direita e outra esquerda que se resignariam a que Portugal fosse um país cada vez mais sul-americanizado, que se resignariam à transferência progressiva para o estrangeiro de decisões sobre nós próprios, o que não é uma forma menor de violência, não é uma forma menor de violência que a do restauracionismo, apesar de ser seguramente uma forma mais dócil e menos visível de violência.
A nossa ideia Srs. Deputados não é nenhuma destas e tem um sentido nacional positivo e democrático.

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A crise, mesmo a crise de falta de autoridade não resulta da falta de repressão, resulta da falta de liberdade económica e do bloqueamento da mobilidade social.

Aplausos do CDS.

Do que precisamos em Portugal não é das maiorias mais poderosas, não é de mais institutos, não é mais de órgãos de concertação! Não é de mais polícias. Do que precisamos em Portugal, é de um novo modelo constitucional de sociedade e de um novo modelo económico de desenvolvimento. Precisamos de assegurar, para isso, à sociedade portuguesa a sua plena liberdade e a plena liberdade do futuro do País e de todas as suas alternativas. Precisamos que essa liberdade seja real, isto é, económica, informativa, cultural, educativa e não apenas jurídica. Como na actual Constituição queremos que essa liberdade se traduza num sociedade aberta, aberta interna e externamente, à iniciativa, isto é, a todas as restantes formas de liberdade e de criação.
E pensamos que só tendo mais liberdade para a sociedade teremos mais autoridade para o Estado. Não se trata, pois, Srs. Deputados, de opor o capitalismo ao socialismo ou, como todos sabem, de opor a reprivatização à nacionalização, o que aliás, não interessaria à maioria dos empresários em dificuldades. Trata--se, sim, de opor uma sociedade liberta a uma sociedade bloqueada e uma democracia plena a uma democracia condicionada.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - O tempo do seu partido esgotou-se, mas pode prosseguir.

O Orador: - Trata-se de inverter um processo que consista em fazer crescer o Estado económico - o que aconteceu, reconhecemo-lo, mesmo com os governos mais liberais do passado-, transformando esse processo num novo arranque e num novo processo de diminuição gradual do Estado socialista e intervencionista. Entendemos, em suma, que o melhor processo de libertação dos portugueses é o da própria liberdade, que a melhor via para a liberdade é ela própria a liberdade, económica, social e formativa e não apenas jurídica.
E porque haveríamos, Srs. Deputados, de ser prisioneiros daquilo que ainda falta obter à sociedade portuguesa em termos de pleno desenvolvimento. E porquê apostar no medo - uns à esquerda, no medo de Salazar outros à direita, no medo da revolução? Porquê apostar no medo e porquê não apostar na liberdade?
Depois de termos pago os custos do medo, dos controles, dos limites, quando já não há mais a perder, porque não tentar o risco de Uberdade económica, informativa, educativa de toda a sociedade portuguesa.

Aplausos do CDS.

Porque havíamos de ser prisioneiros de conquistas que todos na área democrática, consideram apenas ver as conquistas do Partido Comunista Português.
Temos razões para pensar que estas posições são largamente partilhadas. Mas há um argumento que nos tem sido oposto - o de que ainda não é oportuno, o de que ainda não está na hora.
Há, no entanto, uma pergunta que ocorre imediatamente: não será desde logo esse argumento o produto da inércia que o próprio sistema produz? Que crises ainda é necessário esperar para que a reforma do sistema seja oportuna? Será possível manter pendente uma questão de que depende toda a vida nacional portuguesa, por falta de «oportunidade» não será que aquando o PS diz que falta apenas a oportunidade, está a pôr o sector público num matadouro, mas esperando que morra por si.
Em que medida esse argumento equivale a destruir pela via de facto o que, simplesmente, se poderia fazer renascer pela via do direito?

Protestos do PCP sobre a extensão do discurso.

Se o próprio Sr. Primeiro-Ministro tem dramatizado a crise do sistema, porquê querer então escondê-la? Se a panela de pressão está de novo a ferver e comporta tendência explosivas, a solução será tapá-la ou destapá-la?

Vozes do PCP: - Já esgotou o tempo!

O Sr. Presidente: - Um momento, Sr. Deputado Lucas Pires.

Srs. Deputados, o Sr. Deputado Lucas Pires já consumiu mais 2 minutos que o tempo que tinha sido atribuído ao seu partido. Eu verifico que há protestos na Sala, mas não é a primeira vez que se permite a conclusão de um discurso e penso que todos os partidos têm beneficiado, de uma ou outra maneira, de uma certa tolerância. Peço ao Sr. Deputado Lucas Pires que conclua a sua intervenção, mas não lhe quero cortar a palavra como é evidente.

O Orador: - Eu agradeço muito ao Sr. Presidente a compreensão e eu realmente vou terminar o mais brevemente possível. Falta-me muito pouco, vou aligeirar estas últimas partes.
Queria perguntar se não será altura de terminar ao fim de 10 anos com o período transitório em Portugal?
Será que não teríamos vantagens em entrar em 1986 na CEE com uma sociedade politicamente emancipada com um sector privado mais forte e com um Estado simplificado e, portanto, reforçado como negociador?
Será que a disputa eleitoral tripla de 1985, terá de decorrer sobre o signo de confronto constitucional e, em vez de se fazer num novo terreno de esperança?
Não se percebe o que se diz quando se afirma que a revisão não é oportuna! A não ser que os Srs. Deputados do PS perdoar-me-ão ou ponha os problemas nestes termos a não ser que o argumento seja uma desculpa ou será que a manutenção do poder político comunista e socialista em Portugal e o seu controle e manietamento do Estado e da sociedade não podem prescindir da actual Constituição Económica? Residirá aí a oculta falta de oportunidade? Será que o PS se deixa liderar pelo PC em todas as questões fundamentais e estruturais da vida portuguesa?

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Afinal o PS considera que a Constituição Económica e Social actual é essencial ao 25 de Abril ou considera que é apenas um produto acessório do 11 de Março?

Aplausos do CDS.

Afinal será que o bloco constitucional é afinal, um bloco de maioria de esquerda e dessa posição o PS resguarda e apara as próprias críticas que recebe na sua outra veste do líder do bloco central? Será que o PS e o Sr. Primeiro-Ministro protestam tanto mais contra o PC quanto maior é o seu compromisso constitucional com ele?
É com o seu voto que o PS responderá a estas perguntas, mas nós estamos dispostos -queríamos dizer isto ao Partido Socialista e em particular ao Sr. Deputado Sottomayor Cardia- a diferir a votação que hoje está agendada para esta reunião. Se o PS entender que precisa de mais tempo para ponderar sobre esta questão, para reflectir sobre as nossas intervenções e para analisar a nossa proposta. É no entanto com este voto, e com a resposta a estas questões que o PS mostrará a sinceridade ou a falsidade dos seus propósitos de modernizar e libertar a sociedade portuguesa, apesar ou contra o PC.
Mas a questão 6 ainda mais grave e não é apenas uma questão de correlação partidária. Ê a gestão da opção entre a mudança e o progresso, entre a paz e a confrontação, entre a autonomia e a independência, entre a iniciativa e a burocratização, entre o renascimento e o definhamento da sociedade e do estado democrático em Portugal. É esta a escolha Srs. Deputados que o CDS pede a esta Assembleia pela ambição de um futuro livre de um futuro seguro e de um futuro moderno para o nosso país, para o nosso povo e para a nossa juventude.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para interpelar o Sr. Deputado Lucas Pires, os Srs. Deputados César Oliveira, Almerindo Marques e Sottomayor Cardia. Na medida em que o Sr. Deputado Lucas Pires não tem tempo, creio que as perguntas ficarão sem resposta, se os Srs. Deputados do PS não quiserem transferir algum tempo para o Sr. Deputado Lucas Pires pois a Mesa não lhe pode dar nem mais l segundo.

O Sr. Almerindo Marques (PS):- Sr. Presidente, pode-me dizer de quantos minutos dispõe o PS?

O Sr. Presidente: - O PS dispõe ainda de 10 minutos.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Penso que pela parte do CDS foram feitas afirmações neste último discurso que merecem não só da parte do PS um pedido de esclarecimento, mas também a resposta do Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Presidente: - Isso significa que o Sr. Deputado Almerindo Marques divide o seu tempo?

O Sr. Almerindo Marques (PS): -Eu farei esforços para sinteticamente pôr as questões ao Sr. Deputado e o Sr. Deputado responder-me-á, como é seu timbre, sinteticamente.

O Sr. Presidente: - Mas com que tempo Sr. Deputado Almerindo Marques?

O Sr. Almerindo Marques (PS): - O tempo que ele necessitar. Penso que com 5 minutos, em função do tempo que dispomos, o Sr. Deputado Lucas Pires poderá responder.

O Sr. Presidente: - Com certeza. Portanto, o PS transfere tempo para o Sr. Deputado Lucas Pires.
O Sr. Deputado César Oliveira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Era para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Presidente: - A UEDS também transfere tempo?

O Sr. César Oliveira (UEDS):- Não transfiro tempo' nenhum. Acho que um líder partidário que quer ser alternativa tem obrigação de saber gerir o tempo do seu partido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira para formular pedidos de esclarecimentos ao Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. César Oliveira (UEDS):- O Sr. Deputado Lucas Pires fez, hoje, aqui um discurso que eu tenho que iluminar com o discurso que fez na semana passada. Nesse falou de interregno, hoje constrói e ensaia a teoria geral da construção de uma alternativa política global em processo de ruptura com o sistema constitucional. O seu discurso confirmou a justeza da minha intervenção esta tarde, quando disse que o CDS prosseguia este objectivo. Começo a interrogar-me, e desculpe-me a franqueza com que lhe falo, ao ouvir certos discursos de altos magistrados deste País, que produzem constantes diatribes contra o sistema, contra os partidos, contra o sistema político, refiro-me para falar claro ao Sr. Presidente da República em certos discursos, se não haverá uma estranha convergência entre o discurso do CDS que quer constituir-se em processo de ruptura, como alternativa ao sistema constitucional existente e aqueles outros que desde Belém intentam construir essa mesma alternativa. Isto é, o Sr. Deputado Lucas Pires traduz, em linguagem clara, aquilo que o Sr. Presidente da República, em certos discursos, emite em linguagem cifrada, como e próprio de um militar.

O Sr. Presidente: - Para formular pedido de esclarecimento tem a palavra, o Sr. Deputado Almerindo Marques.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Deputado Lucas Pires, perdoar-me-á que eu faça algumas considerações prévias antes das perguntas muito concretas que lhe quero fazer.
Na generalidade, penso que este discurso veio um pouco desfasado no tempo e até no próprio debate. O discurso tem o mérito de expressar a posição do CDS, mas tem o demérito de a expressar no momento em que na realidade escasseia o tempo, e as possibilidades de o tornar mais claro. De qualquer modo, na descrição que faz da crise em Portugal, peca

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naturalmente pelo exagero próprio e que eu creio que se for ler com mais ponderação o que disse, verificará que quando se peca por exagero, perdoe-me a opinião, se peca também por credibilidade. Por outro lado, creio que o Sr. Lucas Pires exagerou na sucessiva citação do Estado. Creio que se quisesse fazer um exagero de outro sinal, diria que o Sr. Deputado teria uma certa componente de anarquismo, pois tem uma certa fobia ao Estado. Eu estou completamente de acordo quando se critica o Estado na sua acção incorrecta, desnecessária e abusiva, mas entendamo-nos, pois não há sociedades sem Estado.
Por outro lado, o Sr. Deputado Lucas Pires fez várias considerações sobre o que não chega para vencer a crise económica social do País. Bom, naturalmente, nós compreendemos que não chega uma política de estabilização o importante, e para não dizer preocupante, é dizer que não chega a existência de maiorias políticas e dizer que também que não chega o reforço que foi feito pelo controle político e social, e citando a este propósito a televisão, a nomeação dos gestores, etc. Sr. Deputado, perdoar-me-á que lhe diga que neste momento em que se discute, e tão-só, a assunção de poderes constituintes para a Assembleia na legislatura em curso, o que era importante não era dizer o que não chega, o que é importante era dizer o que chega- e dizer o que chega associando à revisão constitucional que preconizam. Isto e, vir dizer o que não chega, não terá grande mérito, mesmo que seja verdade; já teria mais mérito dizer o que é que chegava e o que estava implícito na vossa proposta de revisão constitucional.
Sr. Deputado, a pergunta que lhe queria fazer era esta: que pretende, em termos da discussão deste debate, que concluamos da sua intervenção? Juro-lhe que não faço juízos subjectivos nem faço conclusões precipitadas. Pareceu-me, e só, que pretendeu dizer, que se fôssemos aceitar a revisão constitucional, tudo por si estaria resolvido por milagre.
Brevemente, direi que os deputados do PS não são prisioneiros de ninguém, são cidadãos inteiros, livres e responsáveis,
Em segundo lugar, não temos do sector público a concepção de pão ou de bolo a distribuir, a malbaratar ou qualquer coisa semelhante.
Em terceiro lugar, a Constituição política em vigor, não é nem acessório nem o continuado do 11 de Março. É, tão-só, uma Constituição votada, neste caso, pelos representantes eleitos do povo português.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Lucas Pires, quero responder-lhe a uma questão que o Sr. Deputado me formulou.
Sr. Deputado, em cada momento cada um assume as suas responsabilidades. As coisas são como são. Houve a ausência de propostas do CDS e é nestes termos que deliberamos.
Na verdade, não precisamos de mais tempo para reflectir sobre a questão que o CDS nos coloca. Penso é que talvez, o CDS precise de mais tempo para trabalhar sobre uma questão, que é a da revisão constitucional. Questão essa que o CDS considera urgente e que o PS não considera urgente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lucas Pires, V. Ex.ª disporá, para responder aos Srs. Deputados do PS, do tempo próprio do PS que aqueles Srs. Deputados lhe dispensam.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço muito ao PS este sinal de colaboração com o diálogo parlamentar, que é realmente o nosso primeiro empenho ao apresentar aqui esta proposta.
Devo esclarecer, antes de mais, uma correcção de natureza quase formal, mas que, em todo o caso, é importante. Ê que não disse que a Constituição era o produto do Í1 de Março, mas sim que as conquistas irreversíveis e a estrutura económica da Constituição dependia em grande parte do 11 de Março e da sacralização desse momento na etapa da revolução e que, de algum modo, o PS teria interiorizado essa sacralização nos seus próprios mitos, simbologias e tradição.
Quanto à questão de precisarmos ou não de mais tempo, não precisamos. Aliás, aproveito para fazer uma correcção. Apresentámos o nosso primeiro projecto da revisão económica da Constituição quase há l ano, isto é, em Setembro de 1983. Assumimos isto como um debate que dourou l ano, escrevemos cartas com esse projecto aos vários líderes parlamentares, ao Primeiro-Ministro e ao líder do PSD, recebemos as correcções e as indicações que seriam necessárias.
Portanto, não começámos isto nem hoje nem ontem. A proposta de ontem é justamente a condensação de um trabalho que vem sendo feito há l ano, o mais seriamente que é possível. Fizemos um colóquio em Sintra, com participação do PSD, de convidados do PS, do deputado César Oliveira e de várias pessoas, em que discutimos estas questões com o máximo de rigor e de seriedade. Não seria sério acusar-nos, sobre este aspecto, de qualquer falta de rigor ou de seriedade.

Aplausos do CDS.

Há aqui muita geme que diz que exagero. No outro dia, o Sr. Primeiro-Ministro disse que perdi a credibilidade por exagero e, hoje, este argumento é retomado. Sr. Deputado, vou lá para fora e toda a gente me pergunta por que é que o CDS faz tão pouca oposição. Não há num jornalista que não me pergunte por que é que nós não falamos mais alto contra uma política que está a conduzir o País à ruína.

Aplausos do CDS.

Sinceramente, não estou a exagerar; estou a moderar tudo aquilo de que sou obrigatoriamente um mandatário e um intermediário nesta Assembleia, em nome da defesa da democracia e da preservação de condições de alternativa e de estabilidade.

Aplausos do CDS.

Também me foi colocada a questão, pelo Sr. Deputado César Oliveira, de saber se prego a ruptura. Sr. Deputado, assumi isso claramente, mas resta saber se é a ruptura democrática, a ruptura interna, a ruptura através do sistema ou a ruptura pelos métodos partidários. Para mim, a democracia é um método, e

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aí não sacrificarei l milímetro. Utilizei sempre e só o método democrático para combater em nome dos meus princípios e das minhas ideias e, portanto, não admito que, para lá disto, alguém tenha alguma suspeita. Que haja proprietários do sector público, muito bem; mas que haja proprietários da democracia, era altura de acabar.

Aplausos do CDS.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS):- Não apoiado!

O Orador:- Depois, tentou estabelecer uma conexão com o discurso do Sr. Presidente da República. Não tenho culpa de que haja várias vozes críticas na sociedade portuguesa - e haverá! Não há nenhuma cumplicidade ou compromisso da minha parte com essas outras vozes críticas.
Se me permite, digo-lhe mais uma coisa. É que, se há uma ruptura pelo autoritarismo, a nossa ruptura - e foi o que quis dizer neste discurso - tenta ser a ruptura pela liberdade e pelo alargamento da ideia de liberdade. Aliás, no PSD, o Dr. Mota Amaral diz que a sociedade está em colapso e o Dr. Alberto João Jardim diz que é preciso uma aliança radical das pessoas que estão contra o sistema. Isso foi até citado pelo PCP. Há vozes crescentes na sociedade portuguesa e vozes responsáveis, que não são de pessoas que chegaram hoje, mas sim de pessoas que governam os seus povos e as suas populações e que sentem que há coisas fundamentais a emendar na sociedade portuguesa. Foi também em nome disso que que me quis exprimir, embora talvez com mais clareza.

Protestos do PS.

Foi-me perguntado qual era a nossa proposta. A nossa proposta está veiculada através do documento que entregámos, em conferencias de imprensa, em colóquios; está concretizada ao nível mais articulado e está explicado numa carta que tivemos o cuidado de enviar aos outros presidentes dos grupos parlamentares. Nem sequer, no sentido parlamentar, estamos a dar um golpe. Tudo isto é preparado, conciliado e apresentado devidamente a tempo e horas. Portanto, julgo que isso não tem sentido.
Sr. Presidente, há uma última explicação que pretendo dar, mas não sei se me é permitido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lucas Pires, cortar-lhe-ei a palavra quando esgotar o minuto que o PS lhe deu.

O Orador: - A última explicação refere-se à afirmação de que não chegam as maiorias políticas. O que quis dizer foi que, enquanto a desagregação social aumenta, as maiorias aumentam também para compensar essa desagregação. Mas, como está à vista, ao fim de l ano de Governo, na minha perspectiva - e julgarão que é legítimo essa perspectiva -, essa maior maioria não chegou para resolver esse problema e qualquer maioria, todas as maiorias mesmo as liberais, que têm existido não têm chegado para resolver esse problema.
Por isso é que dizemos: vamos colocar o problema noutra sede, na sede social, na sede da economia, na sede da libertação da sociedade portuguesa. Apresentamos aqui projectos, como o da liberdade da televisão, que vão nesse sentido e acreditamos firmemente que e uma sociedade mais livre e mais pluralista que será mais moderna e mais pacífica em Portugal.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para formular um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Deputado Lucas Pires, peço mais uma vez a atenção para o seguinte: não pus em causa os direitos da oposição, óbvios, evidentes e fundamentais, de discordar. O que pus em causa foi que a descrição da discordância seja exagerada a tal ponto que o julgamento perca credibilidade. Mas esse problema nem sequer é só meu: é nosso, é dos partidos representados no Parlamento.
O que ficou por esclarecer e o que era importante, no meu entendimento, para dar de facto um contributo a este debate, era saber se, na realidade, tudo quanto o Sr. Deputado acabou por voltar a referir, só será ultrapassado pela revisão constitucional que propõem.
Penso que esta visão é uma visão formalista e manifestamente insuficiente.

O Sr. Lucas Pires (CDS):- Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lucas Pires (CDS):- Sr. Deputado Almerindo Marques, admito que realmente me esqueci de resolver essa questão. É óbvio que não considero que a revisão económica da Constituição seja o modo de resolver os problemas da sociedade portuguesa. O que quero dizer é que é uma condição, e a primeira condição, para resolver os problemas da sociedade portuguesa, uma condição sine qua non e, portanto, uma condição fundamental.

O Orador: - Fiquei esclarecido de que era uma condição sine qua non.
No nosso entendimento, não é. Não foram apresentados, até hoje, elementos que demonstrassem a urgência dessa revisão, independentemente, como já foi várias vezes afirmado aqui pelos meus camaradas de bancada, da posição do PS relativamente à visão não dogmática desta ou de qualquer outra Constituição que os portugueses venham a votar e aprovar.
Portanto, o que ó importante é entender o sentido da posição do PS. Não está em causa uma concepção rígida ou bíblica da Constituição. O que está em causa é a oportunidade, o adiar, a criação de álibis para resolver os problemas que existem em Portugal - nesses sim, se calhar, estarei muito de acordo com o Sr. Deputado- mas que, francamente, não se resolvem com a revisão constitucional.
Mais ainda: nem tão-pouco é conveniente que se levante um problema de revisão constitucional, criador de desculpas para quem tem o dever de governar cada vez mais depressa e melhor para os portugueses.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está concluído o debate, pelo que vamos passar imediatamente à votação do projecto de resolução n.º 23/III - Assunção pela Assembleia da República de poderes extraordinários de revisão constitucional.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI e votos a favor do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos. Vamos anunciar os projectos que entraram na Mesa.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas):- Srs. Deputados, deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: ratificação n.º 104/III, da iniciativa do Sr. Deputado Carlos Brito e outros Srs. Deputados do PCP, sobre o Decreto-Lei n.º 188/84, de 5 de Junho, que regula o acesso à actividade seguradora em território nacional- foi admitido; proposta de lei n.º 68/III, da iniciativa do Governo, que autoriza o Governo a contrair empréstimos junto do Kreditanstat fur Wiederaufbau ate ao montante de 80 milhões de marcos, ao abrigo do acordo de cooperação financeiro com a República Federal da Alemanha, que foi admitida e baixou à 5.ª Comissão; proposta de lei n.º 69/III, da iniciativa do Governo, que concede à autorização ao Governo para legislar sobre a matéria de imunidades jurisdicionais e de benefícios aduaneiros e fiscais relativos à utilização da base das Lages pelas forças americanas nos Açores, que foi admitido.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito deseja usar da palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Sr. Presidente, inscrevemo-nos no final do debate para fazer uma declaração de voto, mas quero dizer que a vamos entregar na Mesa por escrito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o segundo ponto da nossa ordem de trabalhos de hoje não foi sequer aflorado, pelo que esse ponto passará para a ordem de trabalhos de sexta-feira, como primeiro ponto da ordem de trabalhos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Sr. Presidente, creio que poderíamos chegar a um acordo em que o ponto que não foi discutido passaria para a ordem do dia de sexta-feira, mas esta ordem do dia resulta de um direito de marcação do PCP. Depois de exercido o direito de marcação, será logicamente votada a proposta de lei, tal como hoje se verificava em relação à marcação do CDS e à da ASDI.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, penso que será melhor examinarmos essa questão na quinta-feira.

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- De acordo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para a sessão de quinta-feira, o único ponto da ordem de trabalhos será uma interpelação do MDP/CDE sobre política geral, com incidência no sector da educação. A sessão de quinta-feira, dia 14 de Junho, terá início às 9 horas e 30 minutos.
Está encerrada a sessão. Eram 2 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

António Augusto Lacerda de Queiroz.
Francisco Antunes da Silva.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
Rui Manuel de Oliveira Costa.

Partido Comunista Português (PCP):

João António Torrinhas Paulo.
Manuel Correia Lopes.

Centro Democrático Social (CDS):

Mário Joaquim de Abreu Lima.
David José Duarte Ribeiro.
João Silva Mendes Morgado.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Joaquim Leitão Ribeiro Arenga.
José Luís do Amaral Nunes.
José Maria Roque Lino.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Nelson Pereira Ramos.
Ruí Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Victor Hugo Jesus Sequeira,

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Adérito Manuel Soares Campos.
António Maria de Orneias Ourique Mendes.
Fernando José da Costa.
José António Valério do Couto.
Leonel Santa Rita Pires.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

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Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Rodrigues Vitoriano.
Maria Margarida Tengarrinha.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):

António Bernardo Lobo Xavier.

Relatórios e pareceres da Comissão de Regimentos e Mandatos
enviados à Mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 12 de Junho de 1984, pelas 10 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitada pelo Partido Socialista:

José Joaquim Pita Guerreiro (círculo eleitoral de Viana do Castelo) por José Luís Diogo de Azevedo Preza (esta substituição é pedida para os dias 16 de Junho corrente a 15 de Julho próximo, inclusive);

2) Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:

Rogério da Conceição Serafim Martins (círculo eleitoral de Lisboa) por Luís António Pires Baptista (esta substituição é pedida por um dia 14 de Junho corrente);
Rogério da Conceição Serafim Martins (círculo eleitoral de Lisboa) por João Domingos Fernandes de Abreu Salgado (esta substituição é pedida para os próximos dias 15 a 29 de Junho corrente, inclusive);

3) Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:

Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (círculo eleitoral de Braga) por Júlio Esteves Dias (esta substituição é pedida para os próximos dias 14 e 15 de Junho corrente, inclusive);
Henrique Paulo das Neves Souto (círculo eleitoral de Setúbal) por Manuel Jorge Pedrosa Forte Góes (esta substituição é pedida para os dias 12 a 15 de Junho corrente, inclusive);

4) Solicitada pelo Agrupamento Parlamentar do Partido da Acção Social-Democrata Independente:

Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota (círculo eleitoral de Lisboa) por António Manuel d'Athouguia da Rocha Fontes (esta substituição é pedida para os próximos dias 14 e 15 de Junho corrente, inclusive).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovada por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - António da Costa (PS) - Bento Elísio de Azevedo (PS) - Carlos Cardoso Lage (PS)-Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Manuel Portugal da Fonseca (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Em reunião realizada no dia 12 de Junho de 1984, pelas 17 horas e 30 minutos, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitada pelo Partido Socialista:

Maria de Jesus Simões Barroso Soares (círculo eleitoral de Faro) por Joaquim Manuel Leitão Ribeiro Arenga (esta substituição é pedida para os próximos dias 13 a 30 de Junho corrente, inclusive);

2) Solicitada pelo Partido Social-Democrata:

João Maurício Fernando Salgueiro (círculo eleitoral de Braga) por Telmo da Silva Barbosa (esta substituição é pedida para os próximos dias 16 a 24 de Junho corrente, inclusive);

3) Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:

Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia (círculo eleitoral do Porto) por José Henrique Ribeiro Meireles Barros (esta substituição é pedida por l dia-12 de Junho corrente);
Hernâni Torres Moutinho (círculo eleitoral de Bragança) por Dário Joaquim Mendonça de Abreu Lima (esta substituição é pedida por l dia-12 de Junho corrente);
José Miguel Nunes Anacoreta Correia (círculo eleitoral de Leiria) por David José Leandro Duarte Ribeiro (esta substituição é pedida por l dia-12 de Junho corrente);
José António de Morais Sarmento Moniz (círculo eleitoral de Viseu) por João da Silva Mendes Morgado (esta substituição é pedida por l dia - 12 de Junho corrente).

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Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - António da Costa (PS) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - José Luís Diogo de Azevedo Preza (PS) - Maria Margarida Salema Moura Ribeiro (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - João António Gonçalves do Amaral (PCP)-Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Declaração de voto enviada para publicação

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP votou, obviamente, contra o projecto de resolução n.º 23/III.
O projecto de resolução que o CDS fez agendar para hoje e que, face às tomadas de posição públicas dos diversos grupos parlamentares, se encontrava à partida condenado ao fracasso, foi mais uma peça da ofensiva das forças e sectores mais retrógrados da da sociedade portuguesa contra a Constituição da República. O debate confirmou que o ataque à Constituição económica é, como já sucedeu durante o período de governação da AD, um pretexto para não equacionar os verdadeiros e graves problemas com que o País se debate e para escamotear a responsabilidade da política económica que há anos vem sendo prosseguida no aprofundamento da crise económica e social em que o País se vai afundando. Mas esta nova ofensiva, que o CDS em bicos de pés aspira a liderar, acolitado pelo PSD, Cl P, CCP e CAP, é ainda um meio de pressão para influenciar a revisão constitucional na prática, através da acção política anticonstitucional do Governo. As posições assumidas pelo PS e pelo PSD durante o debate confirmaram os graves perigos decorrentes desta acção que corrói e subverte na prática a Constituição da República.
O fulcro da ofensiva reaccionária continua a ser o sector nacionalizado da economia, visando, como expressamente o afirma o presidente do CDS, numa epístola ao seu grupo parlamentar, a eliminação do princípio da irreversibilidade das nacionalizações e a própria destruição do sector público da economia (o CDS e seus acólitos, que tanto falam de concorrência, não aceitam a concorrência coexistencial dos vários sectores de propriedade dos meios de produção! Coexistência sim, mas só dos monopolistas e latifundiários, eis um dos seus lemas, mais uma vez agitado durante o debate!)
Para atingir este objectivo, os defensores do grande capital acusam, falaciosa e falsamente, como aconteceu agora de novo, a Constituição económica, e as empresas nacionalizadas em particular, de inadequação à superação da crise e à realidade nacional e que dela alegadamente decorreriam os males de que a economia nacional padece. Mas a verdade é completamente diferente. A persistência e o contínuo agravamento da crise económico-financeira têm como causa fundamental o fosso cada vez maior entre a política económica prosseguida e os princípios constitucionais orientadores da economia portuguesa.
Vejamos, ainda que sucintamente, alguns exemplos significativos desta realidade.
O primeiro reporta-se à falta de correspondência entre a orientação da política económica e o regime de propriedade e gestão dos meios de produção constitucionalmente consagrados. Tendo o sector público da economia um peso determinante na economia nacional (já que integra os sectores básicos, incluindo o financeiro), verifica-se, no entanto, que a política económica, de há largos anos a esta parte, se tem reduzido à simples manipulação monetária e cambial, sem qualquer enquadramento ou perspectiva de médio prazo, que o sector nacionalizado permite e facilita e a Constituição exige.
Política económica essa, por acréscimo, conduzida por governos conservadores e restauracionistas, defensores de um arcaico liberalismo económico em nítida contradição com o papel constitucionalmente atribuído ao sector público e à política económica.
Em segundo lugar, é incontestável - e o debate comprovou-o- que a crise económica é basicamente de natureza estrutural, e que os principais problemas estruturais se têm vindo a agravar aceleradamente. Designadamente, o desajustamento entre as necessidades de investimento e consumo e a insuficiência da produção, e entre o subaproveitamento dos recursos nacionais e a insatisfação das necessidades básicas da população. E este agravamento dos problemas estruturais resulta dos sucessivos governos rejeitarem, objectiva e conscientemente, uma política económica programada a médio prazo e capaz de promover a necessária dinamização do sistema produtivo nacional. Atitude essa em flagrante contradição com o princípio constitucional da planificação democrática da economia e com a consagração dos planos anual, de médio e de longo prazos.
Não deixa, aliás, de ser caricato, mas significativo, o facto de o CDS pretender «reduzir o papel do Plano», quando a verdade é que, inconstitucionalmente embora, nunca foi elaborado um verdadeiro plano nacional.
Um terceiro aspecto refere-se à contradição brutal (que também se comprovou) entre a política económica prosseguida e os princípios da subordinação do poder económico ao poder político e do desenvolvimento da propriedade social. Sendo certo que a subordinação do poder económico pressupõe, necessariamente, o controle pelo poder político dos sectores chave da economia e que as nacionalizações são uma

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das condições de desenvolvimento da propriedade social, a política económica orientada para a destruição das empresas nacionalizadas, como tem vindo a suceder, é claramente contra a Constituição, é, objectivamente, uma política inconstitucional, A simples observação do que se tem passado nos últimos anos mostra que o SEE tem vindo a ser gerido numa lógica de desmembramento e de bloqueamento do seu papel de motor do desenvolvimento, tem sido progressivamente descapitalizado, endividado e utilizado como instrumento da política económica coniunturalista, quando a Constituição d n República exije, inequivocamente, o seu reforço e dinamização como centro vital do desenvolvimento e a sua utilização como instrumento privilegiado da planificação e da reestruturação necessária da economia nacional.
Exemplos desta política contra a Constituição não faltam e foram carreados durante o debate. A utilização do SEE como «vaca leiteira», descapitalizando-o em benefício de sectores capitalistas a montante e a jusante, tem assumido formas diversas. É, como já foi lembrado, a venda, ao desbarato, de partes e participações rentáveis das EP's. É a política de preços discriminatória: as contas nacionais mostram, por exemplo, que entre 1979 e 1981 os preços dos bens e serviços adquiridos pelas EP's aumentaram 50 %, enquanto que os preços de venda dos seus produtos aumentaram apenas 40 % e os preços implícitos no seu VAB não cresceram mais que 19 %. Ë ainda a prática que se institucionalizou a nível do Estado e das empresas privadas de não pagamento das dívidas às EP's: no período de 1976 a 1982 enquanto os débitos das EP's não financeiras, incluindo os débitos financeiros, aumentou 554 %, os seus créditos aumentaram 1000 %!
Por outro lado, comprova-se bem que é farisaico que os sectores reaccionários exijam a redução do crédito interno às EP's, alegadamente para permitir maior volume de crédito às empresas privadas. A verdade é que entre 1978 e 1982 o crédito nominal às EP's aumentou 100 % enquanto que o crédito às empresas privadas aumentou 140 %. É um tratamento discriminatório contra as EP's que o grande capital e seus agentes não aceitaria se essas empresas voltassem à posse de grupos monopolistas. Os males da política de crédito residem, isso sim, na atribuição de créditos especulativos, de que o caso Stanley Ho é um pequeno exemplo, e, fundamentalmente, nos elevados níveis das taxas de juro e nos limites de crédito decorrentes de uma política de desastre e de submissão ao FMI. A verdade é que, por tal discriminação, as EP's têm sido obrigadas a obter no estrangeiro crédito em divisas, que os governos necessitam para fazer face aos défices externos do País decorrentes de uma política inconstitucional, contrária aos interesses nacionais. E é evidente que quem suporta os elevados custos desse endividamento externo são as EP's, agravando a sua descapitalização e pondo em risco a sua sobrevivência financeira e económica. Dois factos esclarecedores desta situação: cerca de 50 % da actual dívida externa das EP's não financeiras resultam exclusivamente da desvalorização cambial; nos 3 últimos anos essas EP's suportaram custos financeiros da ordem dos 750 milhões de contos, mais 300 milhões de contos que os custos que suportariam se tivessem recorrido apenas ao crédito interno!
Um outro exemplo da forma como o sector nacionalizado tem sido utilizado pela política de direita reporta-se à actuação do sistema bancário: concedendo bonificações a sectores restritos do grande capital, mantendo em carteira mais de 250 milhões de contos de crédito «mal parado» que, em grande parte, nada mais é que o efectivo financiamento a fundo perdido de algum sector privado (de que o caso da TORRALTA é um exemplo significativo), e o financiamento, a taxas largamente inferiores ao custo dos depósitos, das sociedades de investimento que são seus concorrentes no mercado financeiro e centros de actuais e futuros grupos económicos da natureza monopolista . que as nacionalizações eliminaram e a Constituição da República não aceita.
Face a tudo isto, as afirmações gongóricas de Mota Pinto sobre o problema dos juros à cabeça suscitam esta interrogação básica: tem o presidente do PSD a mínima ideia das implicações e significado da sua propalada eliminação? A reivindicação é certamente filha da demagogia, mas não temos dúvidas de que tem por madrinha a ignorância! É sintomático que os deputados governamentais tenham guardado um prudente silêncio sobre a matéria durante todo o debate.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão que hoje travámos deixou bem claro aos olhos de todos que a grave situação gerada por esta política anticonstitucional serve, mais uma vez, de pano de fundo a uma campanha de intoxicação da opinião pública, visando a destruição das nacionalizações e a restauração acelerada do poder económico e político de grupos monopolistas internos e multinacionais. A pressão para rasgar a Constituição económica visa o aprofundamento, sem obstáculos, da política económica de desastre que tem sido prosseguida. Porque essa política coniunturalista beneficia o grande capital. A política monetária restritiva penaliza fortemente o investimento produtivo, aumentando a dependência externa do País e pressupõe uma política salarial restritiva, provocando uma transferência de rendimentos de trabalho para o capital. Assim como a política de desvalorização cambial significa, por um lado, a transferência de rendimentos em favor do sector restrito da exportação e, por outro lado, significa uma transferência de recursos para o estrangeiro, um empobrecimento do País que agrava ainda mais a sua dependência externa económica e política.
O debate confirmou que o PS e o PSD apostam não na mudança mas no aprofundamento destes desmandos. Todavia, é esta política que é necessário alterar e não a Constituição económica.
Não é a Constituição económica que é «completamento irreal». A política económica prosseguida é que é completamento inconstitucional. Ê uma política antinacional, de revisão de facto uma política de centralização forçada que definha a economia e agrava a dependência de Portugal.
Combater essa política é um imperativo democrático tão fundamental como barrar caminho ao golpe de revisão antecipada. Na verdade, o projecto de resolução apresentado pelo CDS não passa de um instrumento tendente a converter em lei os abusos e prepotências que têm vindo a arruinar a economia, abrindo caminho à desfiguração e destruição legal da Constituição.

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5318 I SÉRIE -NÚMERO 123

O PCP diz não tanto à revisão de facto como às tentativas de lhe dar cobertura através da antecipação da revisão constitucional propriamente dita (que o PSD apoia!!!)
Ao dizer não a essas operações golpistas, o Grupo Parlamentar do PCP faz afinal soar neste hemiciclo a voz da maioria esmagadora do povo português que no 25 de Abril, no l.º de Maio e em 2 de Junho mostrou bem que a Constituição está viva, porque estão de pé as realidades novas que o povo construiu depois de Abril e estão vivas e determinadas as forças capazes de defender e fazer aplicar o projecto constitucional.

Declaração de voto enviada para a Mesa para publicação

O deputado abaixo assinado, António Jorge Duarte Rebelo de Sousa, do Partido Socialista, vem, por este meio, fundamentar o seu voto contrário ao projecto de resolução n.º 23/III, apresentado pelo CDS, salientando os seguintes aspectos essenciais.
A alteração da Constituição da República Portuguesa justifica-se plenamente, considerando o deputado abaixo assinado que o texto fundamental em vigor se apresenta excessivamente doutrinário-programático, ficando a última revisão constitucional aquém do desejável.
Mais entende o deputado abaixo assinado que poderá vir a justificar-se, eventualmente, a revisão antecipada da Constituição, a qual será, provavelmente, um elemento relevante para a criação das condições propiciadoras do desenvolvimento económico-social do País.
Todavia, o momento escolhido para a apresentação do sobredito projecto, da autoria do CDS, não é, de forma alguma, o mais oportuno, tanto mais que o Governo se encontra confrontado com graves problemas conjunturais e que não estão criadas as condições para o indispensável consenso alargado que deverá servir de suporte à revisão pretendida.
Simultaneamente, nem a Constituição é a causa fundamental da crise que atravessamos nem tão-pouco os problemas relacionados com a imperiosidade da atenuação dos desequilíbrios internos e externos, sem a excessiva burocracia na Administração Pública, com as desigualdades sociais, com a ausência de investimento produtivo e com a nossa adesão à CEE serão, seguramente, solucionados, a curto prazo, por via da revisão constitucional.
Deste modo e uma vez que considero ter sido a posição do CDS ditada por meras razões de oportunismo político, votei contra o projecto de resolução n.º 23/III.

O Deputado do Partido Socialista, António Rebelo de Sousa.

Os Redactores: Carlos Pinto da Cruz - José Diogo.

PREÇO DESTE NÚMERO 220$OO

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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5278 I SÉRIE -NÚMERO 123 final do debate e nos próximos dias. A que novos desastres nos que
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14 DE JUNHO DE 1984 5279 munista Português que tinha os seus deputados a falar hoje aqui, p
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5280 I SÉRIE - NÚMERO 123 cado que não foi isso o que eu disse. Se o meu partido defende qu
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14 DE JUNHO DE 1984 5281 O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos então interromper a sessão
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5282 I SÉRIE-NÚMERO 123 nesta parte da organização económica, essa posição apareça agora pe
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14 DE JUNHO DE 1984 5283 não no sentido de transformar esta legislatura numa legislatura de
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5284 I SÉRIE - NÚMERO 123 deste jaez, uma enorme chantagem, uma pluríforme pressão sobre o
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14 DE JUNHO DE 1984 5285 da letra, a colher elementos, no Grupo Parlamentar do CDS, para o
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5286 I SÉRIE- NÚMERO 123 Sr. Deputado, ainda lhe queria dizer que ficou claro que quem lide
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14 DE JUNHO DE 1984 5287 O Sr. Marques Mendes coloca-me a questão da novidade do meu discur
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5288 I SÉRIE-NÚMERO 12 Vozes do PCP: - Muito bem! O Orador: - O Sr. Deputado Nogueira
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14 DE JUNHO DE 1984 5289 Estado que administrativa e empresarialmente gasta mais do que rec
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5290 I SÉRIE-NÚMERO 123 Uma Constituição que promova a equidade em vez do igualitarismo, qu
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14 DE JUNHO DE 1984 5291 O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira pa
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5292 I SÉRIE - NÚMERO 023 nibilidade é por si só capaz de criar as condições para o fomento
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14 DE JUNHO DE 1984 5293 O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): -Peço a palavra. Sr. Presidente. <
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5294 I SÉRIE-NÚMERO 123 Vozes do PCP: - Pergunte aí na sua bancada! Olhe que eles estão cal
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14 DE JUNHO DE 1984 5295 Mês a democracia é hoje mais forte do que M ondas que contra ela e
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5296 I SÉRIE -NÚMERO 123 O Sr. José Magalhães (PCP): -Na altura o CDS assinou o pacto! <
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14 DE JUNHO DE 1984 5297 E perante uma crise que se arrasta, é inevitável que os órgãos de
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5298 I SÉRIE-NÚMERO 123 dores; compromete empresários, retira capacidade e tempo ao Governo
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14 DE JUNHO DE 1984 5299 aceitar o actual quadro do sector público como inevitável e um dad
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5300 I SÉRIE - NÚMERO 123 De facto, a admitir tal argumento isso implicaria uma crítica imp
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14 DE JUNHO OE 1984 5301 e o PSD assume-o! Votaremos, assim, em coerência com o que sempre
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5302 I SÉRIE -NÚMERO 123 V. Ex.ª diz que o sector público é um travão à entrada de Portugal
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14 DE JUNHO DE 1984 5303 dade, foram a ineversibilidade das estarizações e a questão de não
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5304 I SÉRIE-NÚMERO 123 Tanto mais que, coerentemente, o CDS tem sempre defendido como prin
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12 DE JUNHO DE 1984 5305 A primeira não será com certeza, pois, quer o texto do projecto de
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5306 I SÉRIE-NÚMERO 123 Mas, Sr. Deputado, tem de concordar que o projecto existe; está nas
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10 DE JUNHO OE 1934 5307 O Sr. Presidente: - Dado que há mais um deputado inscrito para ped
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5308 I SÉRIE-NÚMERO 123 O Orador: - Mas só pedi a palavra por força de uma referência feita
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14 DE JUNHO DE 1984 5309 um custo possível, então é o sinal da falência completa e total.
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5310 I SÉRIE - NÚMERO 123 A crise, mesmo a crise de falta de autoridade não resulta da falt
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14 DE JUNHO DE 1984 5311 Afinal o PS considera que a Constituição Económica e Social actual
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5312 I SÉRIE -NÚMERO 123 naturalmente pelo exagero próprio e que eu creio que se for ler co
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14 DE JUNHO DE 1984 5313 aí não sacrificarei l milímetro. Utilizei sempre e só o método dem

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