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22 DE JUNHO DE 1984

Entramos assim, Srs. Deputados, no n.º 2, da primeira parte da ordem do dia do qual consta a apreciação e votação dos recursos interpostos pelo PCP e pelo MDP/CDE sobre a admissão da proposta de lei n.º 71/III- Lei de segurança interna e protecção civil.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Finalmente está tudo claro, e chegou a hora de decidir. Na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias está em elaboração adiantada a lei dos serviços de informações políticas. Já foi votada a proposta que visa violar os impedimentos constitucionais ao uso da informática, para levar a proporções nunca vistas a recolha e tratamento de informações sobre os aspectos mais sensíveis da vida privada dos cidadãos.
Agora chegou a lei da segurança interna. Nunca se viu tão longa expectativa! Anteprojectos foram a Conselho de Ministros; anteprojectos circularam por incontáveis ministérios.; governantes fizeram desmentidos, protestos de inocência: acusaram os jornais de monstruosas maquinações por revelarem intenções governamentais que ferem a memória e só podem fazer arrepios!
Mas os jornais tinham razão, Srs. Deputados!
A proposta aqui está - basta lê-Ia para constatar que é pior do que tudo o que disseram dela, e confirma absolutamente tudo o que sobre ela foi dito. A sua apresentação é certamente um acto de intimidação política, mas importa que não venha a assumir proporções ainda mais graves na vida política portuguesa.
Foi por isso e para isso que o Grupo Parlamentar do PCP apresentou a presente impugnação, que é um apelo e uma proposta de reflexão dirigida à consciência democrática da Assembleia da República e um alerta ao País.
A proposta de lei n.º 71/III, é inconstitucional. Surge caracterizada por uma tão longa cópia de inconstitucionalidades, que importa sistematizá-las e agrupá-las não vá perder-se-lhe a conta.

O Sr. Carlos Brito (PCP): -Muito bem!

O Orador: - Em primeiro lugar, a proposta apresenta uma noção distorcida e redutora de segurança interna, uma filosofia de segurança incompatível com a Constituição: confunde a defesa da segurança do país (a segurança da República) com a defesa da segurança do Governo, e reduz a política nacional de segurança à política governamental de segurança.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os fins últimos e gerais da acção do Estado nesta matéria, em vez de surgirem definidos com intervenção dos diversos órgãos de soberania a partir da Constituição e em subordinação à Constituição, são entregues, por estas propostas à definição governamental de cada momento, de acordo com concepções políticas sem cobertura constitucional ou mesmo expressamente repudiadas pela Constituição da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Folheie-se a exposição de motivos e lá se encontrarão teses como esta, para que a Câmara deve estas atenta:

As garantias constitucionais encontram plena justificação face ao crime mas deixam de tê-la perante o terrorismo e em geral perante o crime cientificamente organizado.

Lê-se isto, Srs. Deputados, e não se resiste a perguntar o que tem isto a ver com o nosso país, com a nossa Constituição, que, no seu artigo 272.º, n.º 3, estabelece expressamente que a prevenção dos crimes (quaisquer crimes), incluindo os crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias. Esta, sim, é a concepção e a atitude constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E cabe também perguntar o que tem a ver com o nosso Estado de direito democrático a espantosa concepção segundo a qual as buscas, as escutas, as intercepções e as prisões sem mandato que o Governo agora pretende seriam uma exigência de "princípios éticos civilizacionais superiores ao próprio" direito escrito, ainda que constitucional? O que é isto, Srs. Deputados - é caso para perguntar? Quem ousa escrever isto que se lê na p. 5 da exposição de motivos da proposta de lei n.º 71/III? Que concepção é que têm da Constituição e do funcionamento de um Estado democrático?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É uma vergonha!

O Orador: - A Assembleia da República não pode substituir as concepções, a gramática da Constituição de Abril por valores, princípios e ideias que lhe são completamente exteriores e que lembram - é preciso dizê-lo-, insuportavelmente, os do Decreto n.ºI37 447 que, em 1949, criou o Conselho de Segurança Pública e as tristemente célebres medidas de segurança, que nenhum democrata certamente pode querer ver regressar a Portugal.

Nozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - inconstitucionalmente ainda, a proposta de lei caracterizasse pela distorção e redução da própria noção do Estado democrático. Reduz os órgãos de soberania ao Governo, reduz o Estado à Administração Central: para a proposta de lei as autarquias locais não existem pura e simplesmente, a estrutura do Estado democrático não compreende autarquias locais, as autarquias não têm nada a ver com esta esfera de problemas, as autarquias existem nesta proposta apenas como cenário, como território a ocupar, sem que os seus órgãos próprios tenham qualquer palavra a dizer, o que é incompatível com o disposto nos artigos 6 º e 237.º da Constituição da República.

Em segundo lugar, a proposta visa atribuir ao Governo e aos governadores civis poderes para declarar, arbitrariamente, estados de excepção e de crise não constitucionalmente previstos, fora das condições, regras de competência, limites, princípios e prazos que