O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 5553

I Série - Número 129 Quinta-feira, 28 de Junho de 1984

DIÁRIO da Assembleia da República

III LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 27 DE JUNHO DE 1984

Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais
Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nuno de Almeida
Manuel António do Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 5 minutos.
Ordem do dia. - Concluiu-se a apreciação do recurso interposto pelo PCP, que foi rejeitado, sobre a admissão da proposta de lei n.º 72/III - Lei reguladora do exercício da tutela sobre as autarquias locais.
Intervieram, a diverso titulo, incluindo declarações de voto, além do Sr. Ministro da Administração Interna (Eduardo Pereira), os Srs. Deputados Paulo Barral (PS), Hasse Ferreira (UEDS), João Amaral (PCP), José Vitorino (PSD), Menezes Falcão (CDS) e Alberto Avelino (PS).
Concluiu-se a discussão do projecto de lei n.º 177/III, do PSD, sobre o prazo de caducidade em acções de resolução de contratos de arrendamento.
Intervieram, a diverso titulo, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), Montalvão Machado (PSD), António Taborda (MDP/CDE), José Manuel Mendes (PCP), Vilhena de Carvalho (ASDI), Hasse Ferreira (UEDS), Odete Santos (PCP), Narana Coissoró (CDS), Magalhães Mota (ASDI) e Fernando Costa (PSD).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 8 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a sessão.

Eram 11 horas e 5 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros
Agostinho de Jesus Domingues
Alberto Manuel Avelino
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa
Alexandre Monteiro António Américo
Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António José Santos Meira.
António Manuel do Carmo Saleiro.
Armando António Martins Vara.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Delmiro Moita da Costa.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Frederico Augusto Handel de Oliveira
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Hermínio Martins de Oliveira
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama. Guerra
João Luis Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Leitão Ribeiro Arenga.

Página 5554

5554 I SÉRIE - NÚMERO 129

Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José Almeida Valente.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Moía.
José Carlos Pinto Bastos Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Joio Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel de Barros Barrai.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António d'Orey Capucho.
António Maria de Orneias Ourique Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Evangelista Rocha de Almeida
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro
Jorge Nélio Ferraz Mendonça.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonel Santa Rita Pires.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Fernando Gonçalves Riquito
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José Cardoso Silva.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Alberto Ribeiro Rodrigues.
João António Gonçalves do Amaral
João António Torrinhas Paulo.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Costa Campos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães
Lino Paz Paulo Bicho.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Margarida Tengarrinha.

Página 5555

28 DE JUNHO DE 1984 5555

Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Simões Areosa Feio.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Gomes de Pinho.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
João Gomes de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte Góes.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.
Pedro António Pestana de Vasconcelos.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Monteiro Taborda.
Helena Cidade Moura.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.
Dorilo Jaime Seruca Inácio.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, vamos continuar a apreciação do recurso interposto pelo PCP, referente à admissibilidade da proposta de lei n.º 72/III, que regula o exercício da tutela sobre as autarquias locais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Barral.

O Sr. Paulo Barrai (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Administração Interna: Acerca deste recurso de admissibilidade da proposta de lei reguladora do exercício da tutela sobre as autarquias locais, o mínimo que em termos de comentário o mesmo pode merecer à bancada parlamentar socialista, é o de que todos nós fomos percorridos por um sentimento misto de perplexidade associada a uma dose de benevolente humor.
O que está por detrás deste insólito recurso apresentado pio PCP?
O PCP não agendou o recurso para debater as referidas e alegadas violentações frontais da Constituição. Só a sua conhecida propensão para interpretações rebuscadas e amaneiradas do texto constitucional lhe deram a autoconfiança necessária para propor esta discussão prévia à proposta de lei n.º 72/III.
O pretexto do recurso não são pois as referidas violações frontais da Constituição. As motivações são todavia outras.
O PCP e a sua bancada não estão minimamente interessados em discutir o regime da tutela sobre as autarquias locais, porque à partida se assumem como opositores a qualquer hipótese de verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos, sustentando esta sua postura naquilo a que agora chamam de liberdades municipais.
O partido recorrente parece querer apenas desfrutar de uns momentos de intervenção pública, para mais uma vez embandeirar em arco a sua tão conhecida, estafada e insistentemente propagandeada defesa do poder local.
O regime de tutela sobre as autarquias locais estava consignado nos artigos 91.º, 92.º e 93.º da Lei n.º 79/77, que foi entretanto alterada pelo Decreto-Lei n.º 100/84. Igualmente na Lei das Finanças Locais de 2 de Janeiro de 1979, a tutela inspectiva estava referida e era ali esclarecido o seu conteúdo.
Com a revisão constitucional a tutela veio a ter nova formulação, e daí que os regimes previstos nas Leis n.ºs 79/77 e 1/79, para não falar do exercício de outros poderes tutelares atribuídos à Inspecção-Geral da Administração Interna e da Inspecção de Finanças, houvessem que ser redefinidos em lei adequada.
Aqui está essa lei, ou melhor, essa proposta de lei.
No regime da Constituição de 1976, o poder tutelar era remetido para lei ordinária, com a consequente delimitação do seu âmbito.
O actual n.º 1 do artigo 243.º da Lei Fundamental, revista, limita o poder tutela à verificação do cumprimento da legalidade.
Também as medidas tutelares restritivas da autonomia local, são precedidas de parecer de um órgão autárquico no actual dispositivo constitucional, em condições a definir por lei.
Ora bem a proposta de lei n.º 72/III, define claramente as situações permitidas pela Constituição para o exercício da tutela, quer quanto aos casos em que é exercida, quer quanto à forma segundo a qual deverá ser levada a cabo.
Sendo o objecto da tutela, a verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos, o texto que o Governo apresentou não parece ultrapassar os limites definidos constitucionalmente, nomeadamente nas denominadas medidas tutelares restritivas.
Na Lei n.º 79/77, artigo 93.º, a medida restritiva era tão-só a dissolução do órgão ou órgãos autárquicos envolvidos nos casos referidos nas alíneas á) a e).
A perda de mandato, consequente de práticas, por acção ou omissão, de irregularidades graves, ou de conduta delituosa continuada será uma sanção

Página 5556

5556 I SÉRIE - NÚMERO 129

que anteriormente não estava prevista. Pensamos que a responsabilização individual dos membros dos órgãos autárquicos deve ser previamente averiguada, garantindo-se a manutenção do órgão e prevenindo a sua estabilidade.
Aqueles que, como parece inferir-se deste recurso, temem o regime de tutela no âmbito e com o conteúdo em que a mesma é proposta, mais não visam do que dar cobertura, aos dislates dos membros dos órgãos autárquicos que decididamente vêm actuando como actuavam os antigos barões.
Não é aceitável, num estado de direito que debaixo da interpretação abusiva do conceito de autonomia se assista a um rol de práticas de poder que mais não são, senão formas de exercício abusivo do mesmo.
As medidas restritivas são necessárias quando se imponha diminuir os poderes dos órgãos autárquicos por conclusiva verificação de desvio e abuso desses mesmos poderes.
As inspecções, os inquéritos e as sindicâncias são apenas formas de verificação da legalidade, e não se podem interpretar como medidas restritivas.
As medidas restritivas, resultam pois da verificação da legalidade, consubstanciada nos processos de inspecção, de inquérito e de sindicância. Nos casos referidos na proposta de lei n.º 72/III, as medidas restritivas constituem-se na perda de mandato, por quem, por actos e omissões o não soube ou não quis exercer com a dignidade e os limites em que se apresentou ao sufrágio para além da já estabelecida medida que autorizava por decreto, a dissolução do órgão.
Quem pode discordar de uma medida deste tipo aplicada a um membro de um orgão, que irresponsavelmente actua à margem das leis e normas que regem e delimitam as suas próprias competências.
Será que só pelo facto de ter sido eleito, o cidadão se pode permitir aprontar a legalidade, actuando discricionariamente?
Cremos que não!
Também não aceitamos, seria impensável que alguém o compreendesse assim, um regime de tutela que subvertesse os princípios em que assenta o poder e a autonomia dos órgãos autárquicos.
Não estamos, de modo nenhum, a defender o modelo de intervenção que colocou as autarquias na submissão absoluta e total do poder central, e que ia desde a livre nomeação e demissão do presidente da câmara, até à própria extinção dos concelhos e freguesias se as irregularidades comprometessem os interesses locais, e o período de tutela tivesse de ser alargado.
Não defendemos isto!
Mas igualmente não fazemos demagogia barata, numa falsa atitude de defesa das chamadas liberdades municipais.
E já agora, para concluirmos colocamos algumas questões que com este tema se relacionam, e para as quais solicitamos da Câmara uma resposta clara e inequívoca:
Está ou não está a abusar do poder, um presidente de câmara ou vereador, que sem sequer ouvir o respectivo órgão, autoriza a utilização de bens, equipamentos e viaturas municipais, para fins que legalmente não estão consentidos?
Está ou não está a cometer grave abuso de poder um membro de um órgão autárquico, que como tal emite e subscreve um documento municipal convidando os seus munícipes para se manifestarem contra o Governo.
Ê ou não é passível de justo sancionamento com perda de mandato, o membro de um órgão autárquico que pratica selectivamente actos de obstacularização administrativa, prejudicando ou beneficiando munícipes consoante as perspectivas de interesses pessoais ou partidários?
Deve ou não deve ser dissolvido um órgão de poder local que manda afixar painéis com frases injuriosas para órgãos de soberania, por exemplo frases do tipo - «O Governo roubou X mil contos à nossa Câmara».

Vozes do PCP: - É verdade, é verdade!

O Orador: - Pensamos que a resposta a esta e outras questões só pode ser iludida por quem tendo no poder local o único espaço de intervenção institucional, pretende servir-se das autarquias como áreas de contrapoder, centros de contestação e de propaganda.
A quem assim tem agido, e continua a agir, nós só podemos responder uma vez mais, que não contem com quaisquer dúvidas nossas.
Com os nossos votos este recurso não passará. É tempo de arrumar a casa, basta de concessões à demagogia e à irresponsabilidade.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Paulo Barrai, devo-lhe dizer que não me espanta a perplexidade que anunciou logo no início da sua intervenção. De facto não percebeu nada do assunto. Fez uma intervenção que é de uma antologia e digo-lhe que é de uma antologia de mau humor para não dizer de profunda ignorância sobre tudo o que está em discussão relativamente a esta proposta de lei e nomeadamente quanto ao quadro de constitucionalidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado não sabe sequer que os artigos 91.º, 92.º e 93.º da Lei de Atribuições e Competências das Autarquias, continuam ainda em vigor. São hoje o regime legal que está plenamente em vigor. Nem isso sequer sabia! Admitiu até que estavam em revisão.
Mais: o que o Sr. Deputado não sabe nem nunca perceberá é porque é que foram carreadas numerosas e claras inconstitucionalidades no quadro exacto desta proposta. E passo a perguntar-lhe: é ou não inconstitucional prever uma inelegibilidade como a que é configurada no quadro da proposta, quando toda a teoria, toda a doutrina e toda a jurisprudência têm defendido que essas mesmas inelegibilidades, como restrições aos direitos políticos fundamentais, só podem ter assento constitucional quando concretamente a Comissão Constitucional e agora o Tribunal Constitucional, na sua jurisprudência, nos acórdãos que têm produzido, se tem, nomeadamente, recusado a aplicar

Página 5557

18 DE JUNHO DE 1984 5557

várias das inelegibilidades constantes do Decreto-Lei n.º 701-B/76, actualmente em vigor precisamente por essa razão?
C ou não inconstitucional, Sr. Deputado, ainda por cima criar essa ineligibilidade com um mecanismo de apuramento de factos que é meramente administrativo?
Não será inconstitucional que o Governo, por deliberação administrativa, no uso de funções administrativas ao abrigo do artigo 202.º, aprecie B conduta de um cidadãos eleito pelas populações, conclua que esse cidadão praticou actos ilícitos e decrete, sentencie, abusando de um poder jurisdicional que não tem, que lhe seja retirado o mandato?
É ou não inconstitucional, Sr. Deputado Paulo Barrai, que no quadro das medidas previstas seja possível admitir, como ontem demonstrei claramente, a tutela já não inspectiva mas directiva, através da obrigação para os órgãos das autarquias locais de acatarem os actos normativos da administração central?
Isto é ou não um escândalo, Sr. Deputado Paulo Barral?!...
Em suma, é ou não no quadro deste conjunto de ilegalidades, patentes nesta proposta de lei, que se deve considerar que ela não é admissível?
Concluo dizendo que na sua intervenção o Sr. Deputado Paulo Barrai até inovou em matéria de teoria e doutrina constitucional ao falar em liberdades municipais. Ê uma novidade da sua parte. Nós nunca o considerámos e pensamos até que não se pode falar em liberdades municipais mas em atribuições próprias e da autonomia do poder local.
O que devo dizer, para concluir, é que a proposta de lei é claramente inconstitucional, não deve ser admitida e o Sr. Paulo Barrai fez muito má defesa dos pontos de vista do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Deputado Paulo Barrai apenas pretende responder no fim de todos os pedidos de esclarecimento, tem a palavra o S. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Deputado Paulo Barrai, eu gostava de lhe formular alguns pedidos de esclarecimento de forma a poder situar-me melhor na análise que está a ser feita.
Primeiro, no que se refere à leitura que faz do artigo 8.º gostaria de lhe pedir para precisar melhor o seu ponto de vista. É que o artigo 8.º refere a prática por acção ou omissão de irregularidades graves ou conduta delitosa continuada e eu penso que este conceito de «irregularidades graves» mereceria talvez uma melhor precisão.
Pareceu-me haver, se bem interpretei, no discurso de ontem do Sr. Ministro da Administração Interna, uma abertura a eventuais alterações que venham a ser feitas a esta proposta. Mas, por outro lado, da sua intervenção, para além daquilo que aqui vinha expresso, pareceu-me que se iria um pouco mais longe. Eu especifico formulando agora uma questão que se relaciona com esta. Ê que eu não penso que a produção de uma afirmação eventualmente caluniosa seja um abuso de poder ou uma irregularidade de uma Câmara. Penso que é tão-só isso: a produção de uma afirmação caluniosa. E nesse sentido a minha dúvida é a de se não será de se deixar isso ao foro judicial?
Num conflito quanto à interpretação de um facto em que uma câmara acusa um Governo de mentir ou de roubar deverá ser deixado ao órgão de tutela o poder de a dissolver por essa razão ou de recorrer ao poder judicial nesse sentido?
Não será perigoso esse caminho de, face a um cartaz ou a uma afirmação produzida, enveredarmos pela solução de dar a possibilidade à tutela de dissolver a autarquia?
Eu penso que são matérias com uma gravidade diferente e era nesse sentido que queria situar a questão: o desvio de bens ou a sua utilização abusiva tem uma gravidade diferente daquela de que se reveste a calúnia.
Por outro lado, queria pôr-lhe outra questão. No artigo 10.º, alínea e), admite-se como uma possibilidade de dissolução o nível de endividamento da autarquia ultrapassar os limites legais, salvo a ocorrência de factos julgados justificativos. Eu gostaria que o Sr. Deputado me desse a sua opinião sobre isto porque, de facto, dadas as restrições financeiras existentes, com o tipo de financiamentos que geralmente são concedidos às autarquias locais e com a legislação sobre esse mesmo nível de endividamento, dá-me a impressão que e aprovação desta alínea tal como está poria sob a espada da dissolução uma boa parte das. autarquias tocais existentes.
Não se criará, através desta alínea, um mecanismo que inverte as regras do que é a autonomia do poder local? Gostava de ouvir a sua opinião a este respeito e também sobre o artigo 11.º Em meu entender este artigo estaria redigido ao contrário, isto é, considera-se que os membros do orgão autárquico - objecto de decreto de dissolução- não poderão fazer parte da comissão administrativa prevista no n.º 2 do artigo anterior nem ser candidatos nos actos eleitorais e diz-se que estas sanções não se aplicam aos membros do órgão dissolvido. Portanto, dá a impressão que os membros do órgão dissolvido que queiram manter a possibilidade de serem eleitos é que terão de fazer qualquer diligência nesse sentido. Parece-me, pois, que se está a criar um estranho regime em relação aos órgãos colectivos, pelo que gostaria igualmente de ouvir a opinião do Sr. Deputado sobre este assunto.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Barral.

O Sr. Paulo Barrai (PS): - Começo pelo Sr. Deputado João Amaral e devo dizer-lhe que o Sr. Deputado, relativamente às ineligibilidades, tentou demonstrar a sua inconstitucionalidade, mas não o conseguiu por enquanto. Fez referências às actas da Comissão Constitucional mas, de qualquer forma, a sua intervenção aqui foi no sentido de tentar provar essa inconstitucionalidade e, aliás, o Sr. Ministro, na sua intervenção, demonstrou que não era bem assim.
Relativamente a um outro ponto que colocou queria dizer muito claramente ao Sr. Deputado João Amaral que, independentemente dos juízos de valor que fez quanto à minha intervenção, eu considero e a maioria dos partidos nesta Câmara, por várias expressões que têm tido, demonstram partilhar da minha opinião - que, para além do poder e do princípio de

Página 5558

5558 I SÉRIE - NÚMERO 129

autonomia, há um outro princípio que anda a par deste e que é o da complementaridade entre a administração central e a administração local consubstanciadas nos respectivos poderes.
Este é afinal o problema de fundo: quando se tenta abordar a questão da autonomia do poder local mas deslocando-a completamente deste princípio que, digamos, é um princípio de solidariedade -, é evidente que as nossas teses não podem ser justapostas. Mais, têm inclusivamente que ser teses que se opõem. E isso, quer queiramos quer não, foi por nós assumido desde há muito tempo.
Relativamente àquilo que o Sr. Deputado referiu como sendo uma expressão ou invenção minha - as liberdades municipais- aconselho-o a ir à Praça do Giraldo, em Évora e ler um cartaz que lá está, que, aliás, deve ter custado alguns contos ao município, onde se lê que o Governo quer destruir o poder local e as liberdades municipais.
A invenção não é minha e até já li algumas coisas na imprensa do Partido Comunista, tendo-me parecido mesmo que existe conteúdo na expressão referida. Se os senhores o quiserem explicar aqui eu agradecia e gostaria imenso de os ouvir.
Relativamente ao Sr. Deputado Hasse Ferreira, e à questão que coloquei quando fiz uma pergunta relativamente a se uma câmara que ofende outro órgão de soberania - até pode ser o Presidente da República ou os tribunais, não interessa - deve ou não merecer a sanção de dissolução, gostaria de lhe dizer o seguinte: eu coloquei a questão e o Sr. Deputado compreendeu perfeitamente que a coloquei num âmbito que tinha por detrás outros pressupostos. Mas o que penso, e digo-lho concretamente, é que é inadmissível que um órgão de poder local, uma câmara municipal ou uma junta de freguesia tenham esse tipo de procedimento. Devo dizer-lhe até que é absolutamente inadmissível!
Não há país nenhum - a não ser talvez algumas «Repúblicas de Bananas» - que admita este tipo de procedimento, porque é incorrecto e até antidemocrático.
Relativamente à questão que me colocou sobre a alínea e) do artigo 8.º eu queria dizer-lhe que - aliás penso que já referi na resposta que dei ao Sr. Deputado João Amaral - a autonomia do poder local tem que estar a par do princípio da complementaridade com a administração global do País.
Por enquanto apenas existe administração central e local; esperamos, contudo, que em breve haja também administração regional. De qualquer forma o princípio da complementaridade tem sempre que existir.
Quando me coloca a pergunta concreta relativamente ao facto de o nível de endividamento ser ou não razão que justifique a perda de mandato dos membros ou dos órgãos por ele responsáveis, devo-lhe dizer que esse conceito é por si só uma coisa abstracta e tem de ter por detrás uma definição concreta. Se o endividamento de uma autarquia se deve ao gasto de dinheiro em acções sem justificação que nem sequer representam um investimento e resultam em nada para as populações, podendo inclusivamente ter por detrás outros pressupostos e justificações, então é de considerar que um autarca que está a endividar uma câmara para além dos limites razoáveis está a impedir o exercício do poder local aos outros eleitos que hão-de vir no seguimento do seu mandato e portanto o órgão deve ser dissolvido a tempo 'de forma a que não crie buracos, para já não dizer outras coisas.
Para terminar, relativamente à questão que me coloca e que diz respeito ao artigo 11.º, eu queria dizer-lhe que penso, de facto, que deve existir o princípio da solidariedade entre os membros dos órgãos. Na realidade o n.º 2 é um preceito que tinha que estar consignado na lei, porque se eu penso da forma que referi, todavia, qualquer outro autarca pode pensar o contrário uma vez que os órgãos, nomeadamente os executivos, não estão caracterizados pelo princípio da homogeneidade política. Este princípio, diz-me aqui o meu camarada, já existia e existe de facto.
A questão que o Sr. Deputado me coloca foi, digamos, escamoteada por uma coisa que eu aqui subscrevi logo a seguir. É que o Sr. Deputado não acrescentou o seguinte: «em relação aos quais se apure a inexistência de responsabilidade.» O Sr. Deputado fez-me a pergunta, mas não disse isto. Ora, se quer que lhe dê a minha opinião, eu penso que, apesar de tudo, o princípio da solidariedade deve presidir, mas cada um é livre de entender a sua responsabilidade e a sua forma de actuar nos casos concretos em que se vier a desencadear este tipo de sanções.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Paulo Barrai, o meu protesto é o seguinte: primeiro, protesto porque o senhor não percebeu quais são os fundamentos para a inconstitucionalidade da norma que prevê a inelegibilidade e que eu lhe possa explicar em síntese. São eles: a infracção em relação aos artigos 48.º e 50.º, nomeadamente a participação na vida pública, a infracção a direitos fundamentais a que se aplica o regime dos direitos fundamentais, entre eles o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º, o princípio da aplicação directa previsto no artigo 18.º e também o princípio aí previsto de que as restrições só podem ser as que constam da Constituição. É um facto que esta restrição não consta da Constituição, tal como abundantemente tem sido argumentado e provado no quadro da actividade jurisprodencial do Tribunal Constítucional e também da Comissão Constitucional.
Segundo protesto: o senhor não contestou, o que era também fundamental, o facto de ser inconstitucional a tutela directiva que encapotadamente é introduzida nesta proposta de lei, nomeadamente através da previsão de actos de direcção do Governo em relação às autarquias - vide artigo 5.º e à previsão de que as autarquias estão obrigadas, também e para além do cumprimento da lei, aos actos normativos da administração central.
Terceiro protesto: o senhor falou dos princípios de autonomia e de complementaridade e, de facto, não falou de nada que tenha a ver com o regime constitucional. A complementaridade de que fala traduz-se concretamente no plano nacional e nos planos regionais, no Orçamento do Estado e nas leis de delimitação de competências que são aprovadas pela Assembleia ou nos decretos-leis que, no uso da sua competência própria, o Governo possa aprovar.
É no quadro legal que é definida a complementaridade e a acção traduz-se na forma como é organizado o Orçamento e como é feito o Plano. O senhor não

Página 5559

28 DE JUNHO DE 1984 5559

percebe isso e portanto pode fazer uma coisa que é espantosa: personalizar uma questão legal dizendo «eu não admito um certo procedimento.»
Mas o Sr. Deputado não tem que admitir ou deixar de admitir. Se o Sr. Deputado compreende as coisas ou se o tentar fazer verá que elas ou são legais ou são ilegais. Se são ilegais o senhor não tem mais nada a fazer senão participar ao ministério público para que ele exerça a competente acção penal.
Claro que o Sr. Primeiro-Ministro não se tem dado incito bem com o exercício da acção penal; tem-se até dado bastante mal e provavelmente o Sr. Deputado Paulo Barrai não lhe quererá seguir as pisadas, mas fica a sua ideia do que é o poder local neste quadro: o senhor imagina-se no Terreiro do Paço a dizer «eu não admito isto!» e a partir daí, em cadeia, do director-geral ao presidente da câmara e até os Srs. Vereadores, coitados, a obedecerem, a obedecerem, obedecerem ...
Não, Sr. Deputado Paulo Barrai, já não estamos no domínio do poder local democrático; estamos a minar as suas raízes, tal como ele foi definido pela Constituição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Barrai.

O Sr. Paulo Barral (PS): - O Sr. Deputado João Amaral, aquilo que V. Ex.ª disse, de facto, a mim só me pôde fazer rir.

O Sr. João Amaral (PCP): - Então ria-se!

O Orador: - A sua moção de complementaridade entre o poder local e o poder central é aquela que a gente bem conhece. V. Ex.ª tem a sua interpretação, que não é a da Constituição, e sabe isso perfeitamente tal como sabe que não é possível afastar este princípio. Não me venha, portanto, com a especificidade do Plano, do Orçamento do Estado e das autarquias para fazer aí a fronteira que V. Ex.ª pretende, uma fronteira que não existe na realidade, e muitos dos seus autarcas estão a compreender isso há muito tempo. Queria também dizer ao Sr. Deputado que relativamente à questão da afronta à Constituição, no que respeita a este diploma, eu penso que a intervenção do Sr. Ministro, que foi estruturada em parecer jurídico bastante bem fundamentado, é mais do que suficiente.

O Sr. João Amaral (PCP): - Posso interrompê-lo. Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Barrai (PS): - Faz favor.

O Sr. João Amaral (PCP): - É para lhe pedir que resumisse essa argumentação do Sr. Ministro.

O Orador: - O Sr. Deputado, desculpe mas eu não vou resumir argumentação nenhuma.

O Sr. João Amaral (PCP): - Pedi só para resumir.

O Orador: - ô Sr. Deputado, não vale a pena, não sou constitucionalista, não sou formado em Direito. Não tenha dúvida pois eu não estou aqui nesse plano.

Vozes do PCP: - Quem não sabe, está calado!

O Orador: - Sr. Deputado, para que é que eu vou repetir uma coisa que já foi dita de forma tão extensa, é uma pura perda de tempo.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Está zangado?!..

O Orador: - Não, Sr. Deputado. Creia que não estou zangado convosco, agora já não me zango. A princípio ainda me zangava, mas agora já me habituei. Quanto à interpretação restritiva que V. Ex.ª dá à minha intervenção, nomeadamente quando aborda o caso da tutela directiva, posso dizer-lhe que estou totalmente de acordo consigo. Mas não estou é de acordo com a tutela directiva sobre as câmaras municipais. Nunca estive e inclusivamente, sempre fiz o possível - e já o disse aqui nesta Câmara - para que certas leis que ainda estão vigentes, por exemplo leis da autoria do Sr. Deputado Nogueira de Brito, fossem revistas de acordo com o novo estatuto que temos, nomeadamente o do poder local. já o disse aqui várias vezes e repito - aliás, o Sr. Deputado que é tão atento podia ter-se lembrado disso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira, julgo que é também para um protesto.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Em primeiro lugar, quero esclarecer o Sr. Deputado Paulo Barrai e a Câmara de que obviamente nesta proposta, como em outras, o que me preocupa não é tanto a situação existente neste momento, mas o facto de se poder vir a criar uma arma com grandes ambiguidades de modo que amanhã, como aliás já aconteceu, se venha a colocar no Ministério da Administração Interna um qualquer irresponsável que possa utilizar esta arma de forma totalmente imponderada. Não é o caso do actual titular da pasta nem será o caso do actual titular da pasta das Finanças, apesar das divergências políticas que eu possa ter com ele.

Vozes do CDS: - Parabéns! Não é todos os dias que se ouve isso!

O Orador: - Posto isto, queria dizer que o exemplo das calúnias dado pelo Sr. Deputado não tem grande cobertura nesta proposta de lei. Eu continuo a considerar que as calúnias não são irregularidades nem são uma conduta delituosa de um órgão e que, mesmo com esta proposta de lei, isso continua a não ser fundamento para a dissolução dos órgãos autárquicos, e queria dar um exemplo: quando da apresentação de um projecto do grupo parlamentar Socialista Francês - hoje não está cá um Sr. Deputado que não gosta que se citem países estrangeiros de modo que o vou fazer a Câmara de Paris pagou numerosos cartazes em que se dizia «Querem destruir Paris». Ora, isto levado ao limite podia ser considerado como uma calúnia para o parlamento francês. Enfim, não vamos entrar nesse detalhe, mas a verdade é que se se vai muito longe pode-se entrar numa zona que é a da limitação da liberdade de expressão. Na minha opinião nesta lei ainda não cabe esse tipo de interpretação, mas será algo que poderemos continuar a discutir.

Página 5560

5560 I SÉRIE - NÚMERO 129

Quanto à questão sobre o princípio da solidariedade penso que ele é um pouco delicado e que não está suficientemente claro neste momento, mas é um problema que poderá continuar a ser debatido caso a lei seja admitida.
Portanto, a forma como tal princípio está aqui expresso na lei não é muito clara; não se entende claramente se o que se prevê se refere aos membros dos órgãos autárquicos que não se sintam abrangidos, uma vez que se diz «em relação aos quais se apure a inexistência da responsabilidade.» Há pouco eu só li o essencial mas o problema pareceu-me ser essencialmente este: aparentemente não está claro se são os membros que não tem as tais responsabilidades determinantes que vão diligenciar nesse sentido ou se é a própria decisão de dissolução que clarifica isso. Bem sei que isso pode ser regulamentado ou precisado ulteriormente, mas era esse o ponto que apontava há pouco, e não tanto a contradição entre um princípio de solidariedade e um princípio de responsabilidade pelos actos praticados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder ao protesto do Sr. Deputado Hasse Ferreira, o Sr. Deputado Paulo Barral.

O Sr. Paulo Barrai (PS): - Relativamente à primeira parte do protesto do Sr. Deputado Hasse Ferreira, eu queria voltar a dizer-lhe que não fiz uma afirmação, coloquei uma interrogação que é, aliás, feita por muita gente neste país. Relativamente à segunda parte da sua questão, remetê-lo-ia para o artigo 12.º, que neste debate foi totalmente escamoteado. Penso que o artigo 12.º sobre a «Impugnação contenciosa» dá o equilíbrio necessário para que esta lei não possa ser ultrapassada nos limites que nela estão previstos. Ou seja, a lei não deixa de autorizar o autarca, que seja porventura indiciado em graves irregularidades, a promover a impugnação contenciosa.
Eu penso que isto dá cobertura, embora possa não dar tanta como o Srs. Deputados do Partido Comunista querem, mas dá com certeza cobertura àqueles autarcas que possam estar a ser indiciados por alguns senhores do Terreiro do Paço que tenham contra eles questões pessoais. Pela minha parte, pelo menos, penso nisso. Não se falou neste assunto, mas valia a pena ter-se falado, porque realmente a lei prevê, no seu artigo 12.º, a possibilidade de defesa aos arguidos em actos ilícitos e irregulares.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro da Administração Interna, pediu há pouco a palavra. O Sr. Ministro mantém o interesse e a intenção de falar?

O Sr. Ministro da Administração Interna (Eduardo Pereira): - Sr. Presidente, eu já não disponho de tempo para intervir no debate, contudo,...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, há 2 Srs. Deputados da maioria que estão a fazer gestos julgo que no sentido de estarem na disponibilidade de fazer uma transfusão de tempo para o Governo.

Vozes do CDS: - O Governo já precisa de sangue novo?! ...

O Sr. Ministro da Administração Interna: - É só 1 minuto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Mas pode gozar dessa transfusão de tempo, se assim o entender.

O Sr. Ministro de Administração Interna: - E nesse caso posso utilizar já o tempo que me é concedido?

O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Ministro. A transferência de tempo transformou-se numa prática corrente. Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na realidade o que nós estamos a discutir aqui hoje é a admissibilidade da proposta de lei n.º 72/III, e portanto toda a minha intervenção inicial foi no sentido de tentar explicar - o que não consegui, pelo menos, no que respeita ao Sr. Deputado João Amaral - de que esta proposta não tinha inconstitucionalidades. De qualquer maneira, 2 referências feitas hoje aqui, uma das quais pelo meu amigo - não só Sr. Deputado mas, meu amigo, pela forma como se me referiu Sr. Deputado Hasse Ferreira merecem que eu dê uma pequena explicação, embora essas explicações sejam dadas quando se discutir na generalidade e na especialidade a presente proposta de lei.
Primeiro, as irregularidades não são quaisquer e portanto o Sr. Deputado, penso, que terá alguma razão, quando do exemplo do Sr. Deputado Paulo Barrai, para ficar assustado com as inscrições. As irregularidades são as irregularidades graves e essas irregularidades graves vêm definidas em qualquer dos diplomas ou das competências ou das Finanças Locais ou da Reforma Administrativa das autarquias. Portanto, aqui trata-se das irregularidades graves que estão definidas noutros diplomas, aliás diz-se «nos termos previstos na lei».
Portanto, gostava de lhe dar esta explicação e gostava também de chamar a atenção do Sr. Deputado João Amaral para o seguinte: isto não é, na verdade, uma tutela inspectiva, não é uma tutela directiva, mas se o Sr. Deputado abana a cabeça e diz que não há duas coisas aqui que são importantes na discussão da proposta, embora não para a discussão sobre a admissibilidade. São elas as seguintes: primeiro, a dissolução será sempre precedida de parecer da assembleia distrital. E, se houver um abuso, a assembleia pronunciar-se-á; segundo, é contenciosamente impugnável.
Portanto, o Sr. Deputado não precisa e falo agora em termos de admissibilidade, depois discutiremos em pormenor - de estar tão preocupado com esse facto. Quer dizer, nós hoje estamos a discutir a admissibilidade, isto é, se a proposta de lei é ou não inconstitucional. Foi provado que não é.
Depois, para além disso, há aqui algumas dúvidas entre as quais as levantadas, com alguma razão, pelo Sr. Deputado Hasse Ferreira, que iremos discutir na próxima sessão. O meu entendimento também é o de que o exemplo dado, não fazendo parte do campo desta inspecção, não deixa de criar aos municípios portugueses a maior das dificuldades tal como não deixa de criar à Administração Pública Portuguesa a maior das dificuldades pela bagunça permanente em que este país insiste em viver. Mas, na verdade, na minha opinião, também não faz parte deste ponto.

Página 5561

28 DE JUNHO DE 1984 5561

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral para formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Ministro.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro, de facto o que estamos aqui a discutir é se a proposta se conforma ou não aos preceitos constitucionais. Eu tenho por líquido que nos termos do artigo 243.º, sob a epígrafe tutela administrativa, só são admissíveis as chamadas «tutela inspectiva» e a «dissolução». Estas são as duas únicas actividades admissíveis. Há formas de tutela inspectiva que são restritivas de autonomia como, por exemplo, as inspecções, as sindicânciao, etc. Se a câmara tem dentro de si alguém a vasculhar papel, isso corresponde a uma intromissão na sua actividade. Todas essas formas têm de ser precedidas de parecer, porque o n.º 2 do artigo 243.º diz concretamente que todas as medidas restritivas de autonomia tem de ser precedidas de parecer. Ora, a proposta não prevê isso.
Segunda questão: quando a proposta admite que o Governo determine medidas em cada caso julgadas adequadas à correcção ou superação das irregularidades verificadas, devo dizer que passou da tutela inspectiva para a tutela directiva. Isto por uma razão simples, porque no quadro da tutela inspectiva, verificada a ilegalidade, a única coisa que se admite é a participação ao ministério público ou, obviamente, se o órgão quiser reparar a ilegalidade fá-lo-á. Mas se não o fizer, se for relapso, a única solução que tem, no quadro constitucional, é participar ao ministério público para que este promova a anulação contenciosa do acto, e tudo que saia fora disso já é tutela directiva.
Mas há mais do que isso e o Sr. Ministro sabe-o: há concretamente a previsão nas causas de dissolução de uma forma encapotada de tutela directiva. E como? Entregando à administração central a capacidade de produzir actos normativos que obriguem as autarquias. Isto é a revitalização das instruções das direcções gerais dadas às autarquias que culmina com uma sanção para a não aplicação, que é concretamente a dissolução. O que é que isto quer dizer, Sr. Ministro? Quer dizer que passamos completamente da tutela inspectiva para a configuração de um sistema em que a administração central interpreta as leis e diz às autarquias como as aplicar sob pena de, não o fazendo dessa forma, o Governo decretar a dissolução. Ora, isto é perfeitamente inconstitucional.
É, portanto, neste quadro, e situando a verdade tal qual ela é neste momento, ou seja, na discussão da inconstitucionalidade, que eu digo que está provado que a proposta é inconstitucional. O Sr. Ministro não conseguiu demonstrar o contrário.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, vou-lhe conceder a palavra ainda dentro da ideia de que o PS e o PSD lhe transferirão algum tempo.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Se há pouco foi 1 minuto, agora é 1 segundo.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe que aguarde um momento.
Para que efeito pede a palavra Sr. Deputado?

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - É para, sob a forma de interpelação à Mesa, comunicar que pretendo corresponder à amabilidade do Sr. Ministro que, embora sem tempo, esclareceu algumas questões que eu tinha posto e dizer que nós também estamos dispostos a ceder o nosso tempo. Embora disponha de pouco, cedemos até 3 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Deputado João Amaral, vamos discutir essa questão quando se discutir na generalidade e na especialidade e não agora. O Sr. Deputado já devia ter percebido que neste país e nesta Câmara V. Ex.ª já disse 70 vezes, 100 vezes, 200 vezes, «vocês não têm razão, eu é que sei», vota-se democraticamente e o Sr. Deputado perde. O Sr. Deputado tem o sentido divino da razão ? Não temi Verá que esta Câmara está de acordo com as minhas posições e discorda das suas.

Risos do PCP.

Bem, é natural sorrir-se quando nós argumentamos com disposição democrática de funcionamento de uma Câmara. É que os senhores não estão habituados.
Na verdade, estamos aqui a discutir um problema colocado pelo Partido Comunista Português, que está a ser analisado e sobre o qual esta Câmara se vai pronunciar.
Os senhores sorriem ou acatam...

O Sr. João Amaral (PCP): - Quem sorri é a bancada do PSD!

O Orador: - Até agora têm sorrido sempre, não acatam.
Quanto ao assunto que o Sr. Deputado trouxe aqui digo-lhe apenas que ele foi por mim rebatido na intervenção inicial.
A Câmara tem uma posição, o Governo tem a sua e agora a Câmara decidirá.
Em relação aos outros problemas, o Sr. Deputado analisá-los-á na altura própria e o Governo responder-lhe-á também na altura própria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral, para um protesto.

O Sr. João Amaral (PCP): - O protesto é muito breve e consiste no seguinte: protesto porque o Sr. Ministro da Administração Interna não respondeu a nenhuma das questões que lhe coloquei. Não respondeu nem sequer abordou ou referiu de leve nenhuma delas. Pelo contrário, resolveu responder com o rolo compressor da sua maioria.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Mas este rolo tem embalagem e há outros que não têm!

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Orador: - Eu penso, Sr. Ministro, já que falou no sentido divino, que V. Ex.ª exige um notável sen-

Página 5562

5562 I SÉRIE - NÚMERO 129

tido angélico das questões que aqui estão a ser colocadas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Paulo Barrai já levantou esta questão e o problema é o de saber se estamos a discutir uma questão de inconstitucionalidade, ou se estamos a discutir o facto de o Partido Comunista não querer aceitar uma efectiva tutela do poder central sobre alguns actos do poder local. Esta é a questão de fundo.
O PSD tem, desde sempre, marcado uma posição muito clara sobre a questão da autonomia e de reforço do poder local, isso não está portanto em causa. Também temos feito questão, desde sempre, de sublinhar que o poder local deverá constituir o elemento essencial do reforço da unidade do Estado e nunca da criação de blocos mais ou menos alargados de contrapoder em relação às instituições de carácter nacional. A pergunta que nós formulamos, aliás um pouco na linha das preocupações aqui manifestadas pelo Partido Comunista, é esta: se a tutela constituirá uma forma de atacar o poder local e os autarcas ou se, pelo contrário, a tutela constituirá a melhor forma de defender os órgãos de poder local e os autarcas.
Esta e outra questão de fundo. É que, Srs. Deputados, correndo como correm hoje rumores de vários tipos sobre comportamentos praticados por alguns autarcas, como praticados por outros cidadãos no desempenho de outras funções, eu julgo que se trata de uma medida que pode, efectivamente, acautelar e defender o prestígio do poder local e do próprio regime democrático pós-25 de Abril.
Perante a opinião pública há a garantia de que alguém zela para que tais comportamentos não possam verificar-se, ou mesmo para demonstrar que tais acusações não têm fundamento. E pergunta-se. Sr. Deputado e Srs. Deputados, o seguinte: quando um presidente de câmara recusa levar elementos a conhecimento do respectivo órgão autárquico, quando um presidente de câmara decide por motivos diversos e em situações bem determinadas encerrar estruturas locais, como por exemplo o mercado municipal, ou quando um presidente da câmara recusa cumprir uma decisão do Supremo Tribunal Administrativo ...

Risos cio PCP.

... a questão que se coloca é a de saber se alguém deve ou não pôr termo a esta situação, para defesa dos cidadãos e para defesa do próprio poder local e da sua boa imagem.
O PSD entende, e o Sr. Ministro também já o deu a entender, que a proposta que aqui é apresentada deve sofrer melhorias, deve sofrer precisões, para evitar de todos os .modos quaisquer actos de arbitrariedade ou discricionariedade. Nós temos esse ponto de vista muito claro, mas entendemos também que em nenhuma circunstância é caso para, à partida, se dizer que a proposta de lei do Governo está ferida de inconstitucionalidade. Por tudo isso o PSD votará contra o recurso interposto pelo Partido Comunista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral pretende usar da palavra para formular um pedido de esclarecimento.
Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado José Vitorino, a sua intervenção foi, de facto, exemplar daquilo que nada tem a ver com o que está em discussão e da forma enviesada como abordou este problema.
Em primeiro lugar, e respondendo a uma série de questões que aí colocou, devo dizer o seguinte: se hoje uma determinada autarquia se recusar a aplicar uma sentença do tribunal, nos termos da lei em vigor, nomeadamente dos artigos 91.º. 92.º e 93.º da Lei n.º 79/77, ela pode ser sujeita a inspecção e esse caso é fundamentado de dissolução. Está respondido. Sr. Deputado!
Está respondido que não há novidade nenhuma aí! V. Ex.ª coloca as questões completamente fora das questões da inconstitucionalidade que eu levantei - que é a introdução da tutela directiva - e fá-lo precisamente de forma a justificar a tutela directiva. E esse é que é o centro da questão: afinal o Sr. Deputado materialmente pretende esta inconstitucionalidade.
V. Ex.ª diz que o PCP não quer uma efectiva tutela. Não, Sr. Deputado. O que o PCP quer, neste momento, é que esta proposta se conforme à tutela tal como ela é definida na Constituição, o que não acontece efectivamente. Portanto, o problema não é esse. O problema é que o Governo e parece que o Sr. Deputado também em vez de quererem a tutela prevista na Constituição, querem uma outra tutela que é a directiva.
Mais ainda, Sr. Deputado, em tudo o que V. Ex.ª disse está a ideia de que o Governo corre graves perigos, o Governo está acossado, tem que se defender, há contrapoderes, a autonomia é um contrapoder ...

Risos do PSD e do CDS.

... e então o Sr. Deputado encontra uma solução simples: através da tutela directiva V. Ex.ª procura encontrar a forma de o Governo ingerir directamente, dando directivas às autarquias locais e ameaçando-as com a dissolução. Sr. Deputado, isto é que é inconstitucional e é isso que está na proposta de lei.
Através da introdução da possibilidade de serem feitos actos normativos emanados da administração central, dando interpretações da lei e obrigando as autarquias a cumpri-las, dando a possibilidade ao Governo de dar directivas aos órgãos das autarquias locais, criando a figura inconstitucional da inelegibilidade administrativa, assim, através de todo este sistema, cria-se uma espécie de cutelo sobre as autarquias.
Sr. Deputado, valerá a pena discutir se a questão é inconstitucional? Na minha opinião e na do meu partido valia a pena. O Sr. Deputado não quis. Então pergunto: assume a inconstitucionalidade? É esse o seu ponto de vista?

Vozes do PCP: - Muito bem!

Página 5563

28 DE JUNHO DE 1984 5563

O Sr. Presidente: - Para responder ao Sr. Deputado João Amaral tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - A primeira questão é esta: O Sr. Deputado fala muito na tutela directiva e invoca para isso, segundo julgo depreender, o artigo 5.º e designadamente a sua alínea c). Ê sobre isso que fundamenta a sua argumentação.
Penso que, como disse, há precisões que podem aqui ser introduzidas e, portanto, o que entendemos é que não há à partida motivos de inconstitucionalidade que levem a que se vote o recurso do Partido Comunista. E entendemos que, esta alínea c) não pode de maneira nenhuma ser levada até às últimas consequências. Naturalmente que o Partido Comunista usa o seu pleno direito de argumentação e persuasão para concluir que há aqui uma intromissão do poder central na própria acção e na própria interpretação dos comportamentos da autarquia.
Quanto à outra questão de fundo, que é o problema de saber se a proposta de lei se conforma ou não à tutela da Constituição, o problema que aqui se põe é sempre uma questão de interpretação. No que respeita à Constituição, por mais debates que se façam, por mais que se invoque o espírito da votação de determinados artigos, designadamente o artigo 243.º é sempre possível que cada um interprete de uma forma mais restrita ou mais permissiva, mais alargada, os preceitos aí estabelecidos.
Mas terminava dizendo o seguinte, Sr. Deputado: de modo nenhum perpassou pela minha intervenção qualquer aspecto de pânico do Governo no sentido de este estar acossado pelo perigo do contrapoder do poder local.
Eu disse ao Sr. Deputado e fui muito claro nisto que o problema que aqui se põe é uma questão de unidade do Estado, é uma questão de preservação do Estado, nunca falei no Governo nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um protesto, o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito brevemente, o contraprotesto tem só este sentido: o convite que está formulado no requerimento da impugnação é precisamente o de se analisar o conteúdo do artigo 243.º da Constituição, o de se analisar o conteúdo da proposta e de verificar se há conformidade ou desconformidade. O Sr. Deputado não o quis fazer, não percebo as suas razões.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Menezes Falcão.

O Sr. Menezes Falcão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A bancada do CDS não podia ficar indiferente a esta discussão, não obstante pensar que ela deve ser feita com incidência particular na impugnação do PCP, estando portanto em causa saber se devemos admitir ou não este recurso.
A discussão do texto da lei, no nosso entender, ficaria para melhor oportunidade, dado que entendemos que efectivamente há que ter cautelas, há que pensar se esta proposta de lei não pode vir a funcionar amanhã como um cavalo cheio de guerreiros mal intencionados a introduzir na cidadela do poder local.
Admitimos que se raciocine nesse sentido, somos sensíveis a essa preocupação, mas entendemos por isso mesmo que devemos procurar uma oportunidade para discutir em pormenor, na especialidade, este texto, por forma a expurgá-lo de tudo aquilo que possam ser os seus vícios e deixar passar aquilo que possam ser as suas virtudes.
Temos consciência de que efectivamente o Governo tem boas razões para se preocupar com o comportamento dos autarcas e nesse aspecto estou parcialmente identificado com o Sr. Deputado Paulo Barral.
Sabemos que há autarquias a funcionar perfeitamente; sabemos que há autarquias em que os gestores, por forca de uma falta de preparação e de consciência dos deveres políticos e cívicos, nem sempre funcionam com o sentido das responsabilidades.

O Sr. João Amaral (PCP): - Deve ser o Abecasis!

O Orador: - E a grande verdade que é incontestável é esta: quando as pessoas sentem que podem ser fiscalizadas em termos de serem responsabilizadas, colocam-se na posição de responsáveis. E esse grau de responsabilidade é já só por si um travão ao comportamento das pessoas.
Ora, é isso que se pretende. Pretende-se uma gestão autárquica consciente, honesta e sobretudo aferida por uma capacidade de trabalho que muitas vezes anda arredada do poder autárquico.
Acontece até que as pessoas sentindo-se como que protegidas por um escudo invisível, sentindo-se irresponsáveis funcionam de ânimo leve e nem sequer prestam atenção àquilo que de acordo com a sua própria sensibilidade os levaria a funcionar em melhores condições.
Os homens não são maus por natureza. Os homens são muitas vezes desatentos por natureza. E é essa desatenção que convida a criar mecanismos que obriguem as pessoas a funcionar em termos mais responsáveis. Esta é a razão por que nós nos limitamos a dizer que gostaríamos de discutir na especialidade esta proposta de lei e que neste momento não vemos que haja razões de inconstitucionalidade para aceitarmos o recurso do Partido Comunista Português, tanto mais que, o próprio artigo 243.º que o Partido Comunista invoca é explícito. No seu n.º 1 diz este artigo: «A tutela administrativa sobre as autarquias locais consiste na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos, ...»; no n.º 2: «As medidas tutelares restritivas da autonomia local são precedidas de parecer de um órgão autárquico...»; no n.º 3: «A dissolução de órgãos autárquicos resultantes de eleição directa só pode ter por causa acções ou omissões ilegais graves».
Se tem por causa as acções», ou omissões ilegais graves, como é que se averigua dessa gravidade? Necessariamente através dos mecanismos que a lei contempla e que a própria Constituição remete para a lei. Se a Constituição remete para a lei, a lei tem que existir. Se a lei existir, temos que cuidar dela. É isso que pretendemos fazer e é nesse sentido que declaramos que não vemos razão para votar favoravelmente a impugnação do PCP, mas sentimos que

Página 5564

5564 I SÉRIE - NÚMERO 129

temos obrigação de acautelar todos os precalços que nos possa trazer esta lei e por isso mesmo nos propomos estudá-la em profundidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral para interpelar o Sr. Deputado Menezes Falcão.

O Sr. João Amoral (PCP): - Sr. Deputado Menezes Falcão, não vou criticá-lo pela sua intervenção cheirar a passado, porque provavelmente não se ofenderia com isso. Claro que para o Sr. Deputado a fundamentação que faz de tutela é a teoria geral do papão. O Sr. Autarca será muito responsável e se por trás tiver o papão que no caso vertente por acaso está presente e é o Sr. Ministro da Administração Interna. O papão existe, logo o autarca porta-se bem.
O Sr. Deputado considerou que não existiriam inconstitucionalidades e teve a oportunidade, talvez, de ler o artigo 243.º de uma forma muito fresca. O que eu lhe pergunto concretamente é o seguinte: é ou não inconstitucional qualquer forma de tutela e depois de ler o artigo poderá constatá-lo- que ultrapasse a mera verificação do cumprimento da lei? E, sendo assim, é ou não inconstitucional uma proposta de lei que traz no bojo, além desta forma de tutela que é inspectiva, que se traduz em inspecções, sindicâncias, inquéritos e pedidos de informação relativos ao cumprimento da lei a outra que é directiva, ou seja, a de permitir que a administração central, através de actos normativos, de serviços, de circulares, de instruções por um lado e, por outro lado, que permita ao Governo determinar às autarquias a prática de certos actos.
O Sr. Deputado, na sua intervenção, a uma certa altura cuidava dos erros de gestão. Sr. Deputado, já que leu o artigo deve ter reparado que os erros de gestão são castigados através do voto e não há volta a dar-lhe; não é através da tutela que se podem castigar.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Há sim...!

O Orador: - Porque se leu o artigo ou se o ler outra vez descobrirá que a tutela reduzida à mera ou à simples verificação do cumprimento da lei não pode averiguar do mérito dos actos, e aí, Sr. Depurado, se é isso que quer, então eu digo-lhe: mais do que associado ao Sr. Ministro nas suas preocupações está associado ao Sr. Ministro na sua vontade de produzir um diploma inconstitucional.
Admito que posso estar enganado acerca das intenções que V. Ex.ª quis traduzir, mas chamo-lhe a atenção concretamente para o artigo 243.º e vale a pena lê-lo outra vez, talvez, na resposta tenha essa oportunidade se quiser responder, obviamente- e então constará que o que aqui está é de facto inconstitucional. E se é inconstitucional, o que é que tolhe o CDS? Que é necessário uma tutela? Mas a tutela existe, Sr. Deputado!... Existe nos artigos 91.º, 92.º e 93.º da Lei n.º 79/77, e existe igualmente no Decreto-Lei n.º 98/84, a tutela inspectiva relativa à parte financeira que este governo já produziu. A tutela existe. O que é que o tolhe, então?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Falcão para responder ao Sr. Deputado João Amaral, se assim o entender.

O Sr. Menezes Falcão (CDS): - A intervenção do Sr. Deputado João Amaral teria plena justificação se eu pudesse aceitar a afirmação que me foi atribuída, Isto é, que eu declarei peremptoriamente que a proposta de lei era constitucional. Pelo contrário, eu fiz algumas reservas à constitucionalidade desta proposta. Simplesmente, tive p cuidado de afirmar que estávamos prontos a discutir a proposta em pormenor para a expurgar das eventuais inconstitucionalidades.
Sendo assim, parece-me que está um bocadinho deslocada a interpelação do Sr. Deputado. Em todo o caso, não deixo de lhe dizer a propósito dos erros de gestão (dos quais fez ponto de partida para uma contestação do meu ponto de vista), que esses erros de gestão não podem ser punidos única e exclusivamente através do voto. O autarca pratica um erro e na próxima eleição não é eleito porque os erros foram apontados na campanha eleitoral. Ora, Sr. Deputado, tudo isto é muito pouco. No meu entender isto não é nada para evitar que o comportamento dos autarcas seja lesivo dos interesses públicos. Este é o meu ponto de vista.
Quanto à doutrina do artigo 243.º limitei-me a dizer que o próprio artigo estabelece que tem de haver uma lei. E se esta lei aparece como proposta de governo é porque se reconheceu que a lei existente - e efectivamente a tutela existe, como o Sr. Deputado disse e muito bem - pode não estar ainda perfeitamente em concordância com as realidades do País que somos. Porque são as experiências vividas nos últimos anos que nos dão conta de muitos erros a corrigir, de muitas formas de comportamento a encaminhar no sentido do total aperfeiçoamento que pretendemos para salvaguardar a dignidade do poder autárquico.
Este é o espírito da minha intervenção. V. Ex.ª não lhe poderá dar outro se quiser ser justo para comigo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para contraprotestar, o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado, registo que reconhece a existência de inconstitucionalidades e se tivesse ficado a meio da sua intervenção não me teria levantado. Só que na parte final voltou a sustentar que a tutela pode avaliar da gestão, ou seja, pode ultrapassar a verificação do cumprimento da lei. Digo-lhe que isso é claramente inconstitucional. Isso era assim no código do Marcelo Caetano mas não é assim na Constituição da República. E isto, preto no branco, não há volta a dar-lhe.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Há sim...!

O Orador: - Sr. Deputado, não esteja tão preocupado com os eleitos locais e com o facto de não haver outra forma de pagar os erros de gestão que não seja no debate dentro das autarquias, na assembleia municipal, na câmara municipal, etc., e através do exercício ou da apresentação ao sufrágio popular.
Porque eu pergunto-lhe: então, e os erros muitas vezes de consequências muito mais graves de

Página 5565

23 DE JUNHO DE 1984 5565

gestão que são cometidos pelo Governo, como é que se pagam? Como é que se corrigem? Quando o Governo infringe a lei, qualquer cidadão poderá responsabilizar civil ou criminalmente o Governo e poderá exigir reparações. Mas se o Governo não infringe a lei mas comete erros de gestão, que outra volta há a dar senão a de ponderar politicamente na Assembleia e a de, na campanha eleitoral e através de sufrágio, oferecer a oportunidade ao País de corrigir esses erros? Não o preocupa isso ainda mais, ou quer também encontrar uma forma qualquer de tutela da Assembleia sobre o Governo, dando instruções ao Governo por outras formas que não seja as que estão previstas constitucionalmente e que são literalmente aquelas que são óbvias, ou seja, a produção de leis que também obrigam o poder local: a produção de leis, de decretos-leis e dos regulamentos que são elaborados para boa execução das leis e dos decretos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder ao Sr. Deputado João Amaral, tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Falcão.

O Sr. Menezes Falcão (CDS): - Muito rapidamente, o Sr. Deputado acabou por fazer a pergunta e dar a resposta, no meu entender.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É o costume!...

O Orador: - V. Ex.ª serviu-se de uma imagem que eu poderia usar aqui e completá-la nestes termos. Se o próprio Governo responde perante nós, se o próprio Governo se senta ali naquela bancada e é responsável perante a Assembleia pelos erros que pratica e nós temos legitimidade, em nome do povo, de lhe pedir contas e até de lhe pedir a sua demissão,...

O Sr. Soão Amaral (PCP): - Só a demissão?!...

O Orador: - ... porque é que o Governo não há-de ter possibilidade de pedir contas aos gestores autárquicos e accionar os mecanismos necessários e convenientes para os retirar do exercício duma actividade que não sabem exercer. Foi V. Ex.ª que respondeu, não fui eu.
No fim de contas tudo se resume a isto: a tal capacidade administrativa que nós pretendemos salvaguardar através de leis aponta para a ideia de que mais vale prevenir do que remediar e, se o autarca se sentir vigiado por mecanismos de uma lei que amanhã os responsabilize, é através dessa preocupação, é através dessa ideia de que tem de dar contas que ele vai aferir o seu comportamento e vai tomar os cuidados necessários e suficientes para servir o interesse público. Este é o espírito da minha intervenção, não tem outro Sr. Deputado.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Os autarcas são eleitos, não são nomeados.

O Sr. António Mota (PCP): - Ele gosta é de 1 polícia para cada autarca!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podia intervir a não ser desta forma no debate que se estava a travar. Em meu entender desculpem-me os Srs. Deputados mas este debate está a ser colocado numas bases ambíguas, para não dizer confusas.
Estão-se a misturar efectivamente 2 tipos de coisas diferentes - e refiro-me aos 2 deputados que intervieram em último lugar. Efectivamente, quando s« fala de erros de gestão pareceu-me que estavam a ser abrangidas duas coisas radicalmente diferentes e era quanto a este aspecto que gostava de deixar preciso o meu pensamento, que, aliás, se relaciona com dúvidas postas há pouco e em relação a algumas das quais o Sr. Ministro da Administração Interna já teve a amabilidade de produzir esclarecimentos.
Há 2 tipos de erros que são de natureza completamente diferente e que têm de ter sanções completamente diferentes. São eles os erros que correspondem às más escolhas políticas ou a escolhas que, efectivamente, não sejam as mais correctas e adequadas para o bem-estar e para os interesses das populações - e esses erros são de facto sancionados pelos órgãos respectivos e designadamente pelo eleitorado em eleições seguintes- e aqui misturaram-se esses erros com irregularidades. As irregularidades é que podem caber dentro da alçada da tutela.
Não se pode pois estabelecer confusão entre esses dois tipos de coisas, como há bocado também, em meu entender, não se podia estabelecer entre a liberdade de expressão que existe para os diferentes órgãos de soberania e para os órgãos do poder local e o desvio de bens ou instalações para fins alheios aos objectivos do poder local.
Era isto apenas que queria dizer porque penso que no fim deste debate a nossa posição quanto a este ponto deveria ficar perfeitamente clara. Ê a seguinte: pensamos, de facto, em relação a erros (quando se fala de erros significa más escolhas políticas), que o ter empregue dinheiro em transportes em vez de habitação, em espaços verdes em vez de urbanismo, em vez de esgotos, ...

O Sr. João Amaral (PCP): - Ou o cemitério do «Odorico»!

O Orador: - ... ou como está aqui o Sr. Deputado João Amaral a referir o exemplo agora conhecido do cemitério do Odorico, são erros que só podem ter uma sanção eleitoral política.
Outra coisa é, efectivamente, o tipo de erro que tem a ver com a efectivação de ilegalidades ou de irregularidades nos casos tipificados na lei. Pareceu-me que a lei não era suficientemente neste aspecto, mas o Sr. Ministro da Administração Interna já deu efectivamente a sua interpretação.
São 2 tipos de erros que têm que merecer sanções diferentes se nós, em relação ao Governo, acharmos que não estão suficientemente tipificados, pois devemos efectivamente propor os mecanismos para o fazer. Mas, eu penso que a nossa Constituição e a legislação existente prevêm também, em relação ao Governo e aos membros do Governo, os 2 tipos de sanção diferenciados.

Página 5566

5566 I SÉRIE - NÚMERO 129

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, vamos passar imediatamente à votação.

O Sr. João Amaral (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - É para requerer a contagem do quórum, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Dirigentes dos grupos parlamentares, concedo 3 minutos para chamarem os Srs. Deputados que estejam eventualmente a trabalhar no Palácio.

Pausa.

Neste momento já existe quórum de votação, pelo que vamos votar o recurso interposto pelo Partido Comunista Português da admissibilidade da proposta de lei n.º 72/III, que regula o exercício da tutela sobre as autarquias locais.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI e votos a favor do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral, para uma declaração de voto.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate que foi travado em torno da admissibilidade da proposta teve inquestionável utilidade. Ficou assim registado e consignado que várias disposições da proposta de lei eram, pelo menos, de duvidosa constitucionalidade - aliás, na nossa opinião eram de facto inconstitucionais- de ter ficado claramente consignado e registado que a proposta terá que merecer alterações significativas, nomeadamente no que toca à sua conformação com a Constituição.
Da nossa parte continuaremos este trabalho no sentido de alterar radicalmente a proposta de lei e tudo faremos para que isso se concretize.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino para uma declaração de voto.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Presidente, nós votámos contra, tendo presente que esta proposta não está de maneira nenhuma ferida de inconstitucionalidade e também na aceitação de que enquanto a discussão no Plenário certamente nós próprios também avançaremos com algumas alterações.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Falcão igualmente para uma declaração de voto.

O Sr. Menezes Falcão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas para esclarecer que nós votámos contra porque, embora admitindo a existência de inconstitucionalidades na proposta de lei, entendemos que vale a pena discutir este assunto em profundidade, analisá-lo na especialidade e procurar aperfeiçoar a lei existente relativamente à fiscalização do comportamento das autarquias. E refiro-me a fiscalização e não direcção; fiscalização no sentido de evitar que os autarcas sintam um grau de irresponsabilidade que prejudique a sua acção administrativa.
É com este sentido que nós pretendemos ir ao fundo da questão na análise da proposta de lei, expurgá-la de quaisquer defeitos e eventualmente mesmo de inconstitucionalidades, mas aperfeiçoar o sistema por forma a ficarmos todos mais acautelados no que respeita à dignidade da administração local.

O 5r. Presidente: - Não há mais declarações de voto, pelo que vamos imediatamente à segunda parte da ordem do dia.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Si. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, pretendo interpelar a Mesa no seguinte sentido: o meu grupo parlamentar pretende solicitar a interrupção dos trabalhos por meia hora.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o CDS, por intermédio do Sr. Deputado Nogueira de Brito, solicita a interrupção dos trabalhos por 30 minutos. Na medida em que coincide com a hora a que habitualmente interrompemos a sessão para o almoço, a sessão fica suspensa até às 15 horas.

Eram 12 horas e 30 minutos

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Como os Srs. Deputados sabem hoje não está previsto o intervalo regimental e a sessão acabará, segundo as indicações fornecidas à Mesa, às 19 horas.
Da segunda parte da ordem do dia consta o projecto de lei n.º 177/III, do PSD, sobre o prazo de caducidade em acções de resolução de contratos de arrendamento. Vamos pois continuar este debate que foi iniciado na sessão de ontem pelo Sr. Deputado Montalvão Machado. Quando a sessão de ontem foi interrompida o Sr. Deputado Montalvão Machado estava a responder a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados que se inscreveram para esse efeito. Ainda não está concluída essa fase dos pedidos de esclarecimento e estão inscritos os Srs. Deputados António Taborda e José Magalhães.
Como o Sr. Deputado António Taborda não se encontra na Sala neste momento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Montalvão Machado, pelo debate que já foi possível realizar ontem, fácil é concluir que o projecto que apresentou e que está pendente há bastante tempo - quanto a nós felizmente - na Assembleia é polémico.
E ontem, ouvindo-o do alto da tribuna reflectir sobre esta matéria, descreteando, criticando opiniões,

Página 5567

28 DE JUNHO DE 1984 5567

criticando a doutrina e a jurisprudência com um ar de facilidade, eu surpreendi-me porque realmente se esta matéria é alguma coisa e tudo menos simples e se as questões que se propõe trinchar no projecto de lei que apresentou são alguma coisa, são assim melindrosas e difíceis de trinchar.
Devo dizer-lhe que o projecto que apresentou é realmente estranho e, ouvindo os seus argumentos, mais estranho ainda o acho. O Sr. Deputado apresenta-se aqui como paladino da estabilidade e da clareza contra a instabilidade e a obscuridade.
No entanto, a primeira coisa que é possível constatar é que as soluções que propõe, longe de serem um factor de estabilidade, são porventura um factor de desestabilização daquilo que bem precisaria de ser estável.
É um projecto polémico, primeiro, e, em segundo lugar, melindroso. É um projecto que surge, porventura, na pior das alturas possíveis, como já outros colegas nossos ontem aqui demonstraram, que surge num momento em que pode até ser interpretado como uma forma de afrontar a magistratura na altura em que, através dos méis próprios - não vamos discutir qual o seu valor ela se pronunciou num determinado sentido sobre a interpretação a dar à lei em vigor.
Isto deveria ser ponderado muito cuidadosamente. A Assembleia da República é o órgão legislativo por excelência - é óbvio e isso não pode ser contestado -, mas deve exercer com sensibilidade, com sensatez, as suas competências.
Ora, eu creio e isto leva-me à segunda questão - a primeira pergunta é se não reconhece o carácter polémico e, porventura, inoportuno da iniciativa - que é relativa ao manto que envolve a iniciativa que apresenta.
O Sr. Deputado apresenta-se sob o signo da consensualidade, da paz, da igualdade nas relações locativas, mas fez-me um dos mais surpreendentemente caducos discursos sobre o inquilinato que deve ter sido ouvido entre estas paredes, e não digo na Assembleia da República, digo nestas paredes, ao longo de decénios.
Debates ouve aqui nesta Sala em que deputados que perfilhavam concepções, no plano político geral, porventura mais recuadas do que as que são características da sua bancada, sobre esta matéria defenderam concepções que estão léguas à frente daquela que o Sr. Deputado defendeu e que me parece chocante a todos os títulos. Chocante!
O Sr. Deputado exibe da relação locativa uma concepção que não tem em conta nada do adquirido por decénios de luta no aperfeiçoamento dos direitos e da defesa dos direitos dos inquilinos. Uma concepção verdadeiramente fossilizada - salvo o devido respeito -, mas injusta.
E, por acréscimo, fá-lo com uma ligeireza em relação a argumentos que foram produzidos - e que teremos ocasião de rebater na intervenção que fizemos - e que não têm a mínima consistência, mais ainda, que vão contra tudo.
E com isto eu concluía: que valor é que o Sr. Deputado dá ao parecer da CCP, que está junto aos autos deste processo, pronunciando-se firmemente contra o seu projecto? Que valor dá ao parecer da Confederação do Comércio Português, cuja identificação com o meu partido certamente o Sr. Deputado não colocará nem aventará, espero? E que valor é que atribui ao parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o qual alertava a Mesa para o facto de que tal parecer ainda deveria ser lido perante o Plenário, já que não se começou o debate com a sua leitura, como devia ter acontecido.
E que argumento é que esgrime para vir dizer que a Magistratura Portuguesa não pode, exercendo as suas competências, aferir do interesse público que está em jogo e da sua articulação com o interesse privado? Que concepção de juiz é que o Sr. Deputado tem? Será que ainda vê o juiz como o autómato silogístico que, da lei, faz dependurar uma conclusão não tendo nenhuma capacidade de judicação real?
Qual é a concepção de lei, de magistratura, do papel da Assembleia, da função dos organismos sociais que o Sr. Deputado tem para querer levar para a frente, contra tudo e contra todos, um projecto que é insensato, inoportuno e débil quanto ao seu fundamento? Eram estas perguntas que lhe deixávamos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Montalvão Machado, pretende responder imediatamente?

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, que a minha proposta tem um carácter polémico, fui o primeiro a dizê-lo. Fui o primeiro a referir aqui que a simples circunstância de há pouco mais de 1 mês no Supremo Tribunal de Justiça, ler sido tirado um assento sobre esta matéria, com uma votação de 17 votos a favor e 11 contra, era o melhor índice de amostragem de que efectivamente o assunto era polémico. Eu nunca lhe retirei o carácter de ser um assunto polémico e fui até mais longe ao dizer que o assunto era melindroso. Referi-o, pois, como melindroso e polémico.
Por conseguinte, nisso estamos inteiramente de acordo, mas parece-me que isso só traz vantagem à discussão dos assuntos, porque os que se devem discutir são efectivamente os assuntos polémicos, e não aqueles assuntos em relação aos quais há consenso absoluto e total.
Diz também o Sr. Deputado que eu me apresentei aqui com a intenção de defender a estabilidade e a clareza, quando afinal o que estabeleço é a instabilidade e a não clareza. Não é assim! O que eu pretendo é defender, efectivamente, a estabilidade e a clareza.
Posso defendê-la de maneira diferente daquela que o Sr. Deputado entende, mas a minha pretensão é a de defender esta certeza: a de que os tribunais sobre esta matéria, e só sobre esta matéria - porque eu não estou aqui a discutir matéria de inquilinato, estou a discutir tão-somente uma matéria e um problema de caducidade do direito de accionar em matéria de inquilinato- julguem todos da mesma maneira e só de uma maneira.

Página 5568

5568 I SÉRIE - NÚMERO

O Sr. José Magalhães (PCP): - Há um assento! Para que é que serve esse assento?

O Orador: - Perdão, já lá vamos, Sr. Deputado. Só com calma, já lá vamos. Pergunta o Sr. Deputado se eu acho que este era o momento próprio para a discussão deste meu projecto e se ele não consistirá até, talvez, num afrontamento à Magistratura Portuguesa, no sentido em que, tendo ela tirado um assento há pouco mais de 1 mês, este meu projecto fosse contra aquilo que a Magistratura decidiu.
Não é, e tanto não é, Sr. Deputado, que eu peco-lhe o trabalho - que não é grande, visto que o assento tem 4 singelas páginas ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Está aqui!

O Orador: - Eu sei que os senhores têm esse assento e, felizmente para os senhores, têm tudo!
Portanto, como dizia, assento é pequeno e, se V. Ex.ª se der ao trabalho de ler essas 4 páginas e meia, há-de verificar que não é afrontamento nenhum contra a Magistratura, visto que é o próprio Supremo Tribunal de Justiça, no assento, que pede que o legislador remedeie os males que se vêm verificando na vida judiciária dos tribunais sobre o problema da caducidade nas acções de despejo.
Por conseguinte, isto não é um afrontamento; é como eu disse do alto daquela tribuna, ao fim e ao cabo, satisfazer aquilo que os Srs. Conselheiros pedem. E desculpe Sr. Deputado, mas não tenho mais tempo para lhe responder.

Aplausos de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães para protestar.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Eu creio que há limites para ler documentos. Quando alguém lê preto onde está branco, alguma coisa está errada e certamente não é no papel.
Aquilo que o texto que o Sr. Deputado Montalvão Machado acabou de citar diz expressamente o seguinte:
Não se negam, nesses e porventura noutros casos, os males apontados. Eles são evidentes. Mas só o legislador poderá remediá-los dando ao artigo 1094.º, quando não opte por outra via, formulação idêntica à do artigo 1786.º Não pode fazê-lo o intérprete através de um entendimento que equivaleria, em última análise, a substituir a referência ao «conhecimento do facto», utilizada no artigo 1094.º, pela referência à «cessação (ou conhecimento da cessação) do facto»; ou a ver nesse preceito, além da primeira das citadas expressões, a afirmação de que, tratando-se de factos duradouros ou continuados, só a partir da sua cessação (ou do conhecimento desta) começaria a contar-se o prazo da caducidade.
Nestes termos, nega-se provimento ao recurso e formula-se o assento seguinte: -seja instantâneo ou continuado o facto violador do contrato de arrendamento, é a partir do seu conhecimento inicial pelo senhorio que se conta o prazo de caducidade estabelecido no artigo 1094.º do Código Civil.
Isto é literal. A conclusão que acabei de ler foi expendida depois de ao longo de muitas páginas e não apenas 4 - se ter carreado argumentação basta e bastante sensata, acrescente-se, no sentido de defender isto mesmo que o assento sumariza, com argumentos que são ponderosos e relevantes.
E, no fundo, aquilo que aqui se diz com alguma ironia e alguma subtileza é que se um legislador, insensatamente, quisesse enveredar por uma concepção absurda - como aquela que lamentavelmente corporiza o projecto de lei de que V. Ex.ª é subscritor - então que o faça. Não se pode negar.
Se o legislador quiser agarrar um carro e mandá-lo por uma ribanceira abaixo, lesando um direito, o legislador é livre de o fazer. Em todo o caso, mal fará. Eu creio que está ínsita alguma ironia ou algum desafio à sensatez do legislador ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... e aqui a Magistratura revela sensatez e pede igual sensatez ao legislador.
Eu creio que é essa sensatez que não se exprime no projecto de que o Sr. Deputado Montalvão Machado é subscritor. E foi nesse sentido que, com alguma ironia também, eu o confrontei com este texto.
Este texto é um teste. É um teste à Assembleia da República e muito mal seria que ela respondesse ao teste com um contra-assento ou com uma contra-solução tão má, tão má que, por ser oposta a esta, pode ser tabelada e rotulada de insensata e nociva. É isso que nós não queremos, Sr. Deputado Montalvão Machado, ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... e quanto a isto, preto no branco, não há tergiversação nenhuma possível. Eu agradecia-lhe muito, mas mesmo muito, que não usasse argumentos como aqueles que mal usou.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado, para contraprotestar.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): -Sr. Deputado José Magalhães, eu tenho, efectivamente, por costume ler o preto no branco. Mas a verdade, ou seja, aquilo que se diz no assento é isto, que eu vou repisar e que V. Ex.ª leu, mas leu muito rapidamente: não se negam nesses casos e porventura noutros os males apresentados; eles são evidentes. Mas só o legislador pode reformá-los, dando ao artigo 1904.º, quando não opte por outra via, formulação idêntica à do artigo 1786.º
É, por conseguinte, o Supremo Tribunal de Justiça que diz: eu, Supremo, sou intérprete. Só o legislador pode alterar a lei. O legislador, Sr. Deputado, somos nós, neste momento o legislador é esta Câmara e é ela que compete formular uma nova lei, se entender que a antiga está errada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Para melhor e não para pior. Para pior já basta a sua!

Página 5569

28 DE JUNHO DE 1984 5569

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda, para formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Deputado Montalvão Machado, eu pedi a palavra para um esclarecimento porque V. Ex.ª, no discurso de apresentação do seu projecto de lei, insistiu várias vezes nesta premissa: para V. Ex.ª senhorios e inquilinos são partes iguais. E partiu daí, fundamentalmente, para dizer que não poderia aceitar a tese sugerida - sugerida, repito - tão-só no relatório da Comissão e que consubstancia a posição do Prof. Antunes Varela.
Admira-me bastante que V. Ex.ª, um jurista conceituado, venha aqui defender no contrato de locação a igualdade destas duas partes, como se se tratasse de um qualquer contrato obrigacional. V. Ex.ª não ignora - exactamente porque há uma longa tradição jurídica, não só mundial mas nacional, portuguesa - que não se consideram, de maneira nenhuma, iguais estas duas partes dos contratos de locação, o senhorio e o inquilino.
V. Ex.ª não ignora que a Assembleia Nacional do regime fascista pouco ou nada legislou, mas o pouco que legislou foi, concretamente, neste campo do contrato de locação.
V. Ex.ª também não ignora que o ilustre jurista do Porto, e advogado nessa cidade, o Dr. José Gualberto de Sá Carneiro, que interveio nessa legislação enquanto deputado da Assembleia Nacional - mesmo aquele jurista que, estou em crer, politicamente se colocava muito mais à direita de V. Ex.ª e do PSD - sempre defendeu que há o interesse social a defender, no contrato de locação, que obriga a um favor especial em relação ao inquilino.
E juristas também situados nessa área, como o Prof. Fernando Pires de Lima, sempre defenderam, apesar de tudo, uma limitação ao direito da propriedade, limitação no sentido da sua função social. Por isso me admira que V. Ex.ª, a propósito do prazo de caducidade nas acções de despejo, tenha insistentemente, durante o seu discurso de apresentação, afirmado que, para si, senhorios e inquilinos são iguais.
Bom, tanto não são iguais que o Código Civil trata especificamente do contrato de locação em relação a qualquer outro contrato. E trata-o no sentido de dar um certo favor à parte socialmente desfavorecida, que são os inquilinos. Daí é que parte exactamente o raciocínio do Prof. Antunes Varela, quando nos diz que há que distinguir aqui entre o interesse particular e o interesse público.
E quando estiver em jogo o interesse público da ocupação útil do prédio, o direito do locador à resolução só se extinguira depois de l ano decorrido sobre a cessação da violação. Isto é, seria uma excepção, portanto, nos factos continuados à teoria de que era a partir do seu princípio e não do seu fim.
Mas, e era esta a última questão que lhe queria pôr, Sr. Deputado Montalvão Machado, é que em confronto com o instituto do divórcio aí, sim, tem havido uma evolução em sentido contrário, portanto no sentido de que as 2 partes em litígio são iguais e, porque são iguais, o prazo de caducidade deve contar-se exactamente tal como está previsto no Código Civil e como V. Ex.ª preconiza para o prazo de caducidade nas acções de despejo. Ao contrário nas acções de despejo, como as duas partes não são iguais, há que fazer, pelo menos, esta ressalva. V. Ex.ª não está de acordo com isso?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Montalvão Machado, se desejar responder imediatamente ao pedido de esclarecimento formulado pelo Sr. Deputado António Taborda, tem a palavra.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado António Taborda, quando eu disse que senhorios e inquilinos são iguais, quis dizer que, para mim, senhorios e inquilinos são iguais como cidadãos e não como contraentes nem como sujeitos de um contrato.
V. Ex.ª sabe muito melhor do que eu de que forma a lei já protege o inquilino neste país e em muitos outros. Ainda bem que é assim e eu concordo inteiramente com isso nesta matéria de inquilinato.
V. Ex.ª sabe, por exemplo, que no Porto e em Lisboa as rendas estão congeladas há mais de 50 anos. V. Ex.ª sabe que este é o único contrato em que há uma renovação automática por vontade de um único contraente que é o inquilino. É o único contrato em que há uma sucessão contratual para a viúva do inquilino e depois para os filhos. É o único contrato em que o não cumprimento do pagamento das rendas se soma com a simples multa de 50 %. É o único contrato em que se permite, por exemplo, além do uso habitacional de um prédio, o exercício de uma indústria doméstica - aquela que o inquilino exerce no prédio juntamente com todos os seus familiares e ainda mais 3 assalariados.
É, por exemplo, um contrato em que se permite ter-se 3 hóspedes, pagando-se, por hipótese, uma renda de 500$ e levando-se por cada quarto em que se presta um serviço ridículo 8, 10 ou 12 contos. Ê um contrato em que se permite ao inquilino albergar consigo todos e quaisquer familiares, sem limite, desde que vivam em economia doméstica comum. É um contrato em que se permite a realização de obras, mesmo daquelas que até alteram as estruturas do prédio e em que depois se permite a caducidade da acção de despejo através do desfazer dessas mesmas obras.
É um contrato em que se permite sublocar mesmo sem autorização do senhorio e, desde o momento em que o sublocatário se vá embora, a acção também caduca, etc., etc., etc.
Não é, por conseguinte, nesse aspecto que eu estou aqui a defender a igualdade de senhorio e do inquilino. Defendo a igualdade como cidadãos e não a igualdade como contraentes de um contrato. Por conseguinte, inquilino e senhorio são iguais apenas como cidadãos.
Quanto ao interesse público e interesse privado, citar-lhe-ia apenas 2 ou 3 exemplos. Um desses exemplos seria este: o inquilino saiu para casa própria e deixou na casa arrendada, por hipótese, um filho casado, sem ligação económica com o pai. Ao sair o inquilino disse ao senhorio que tal situação só aconteceria por alguns meses até o filho arranjar casa.
O senhorio acredita, aceita e acaba por permitir que isso aconteça.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - O senhorio é um ingénuo!

Página 5570

5570 I SÉRIE - NÚMERO 129

O Orador: - Entretanto passa 1 ano. Qual a ocupação útil? A deste filho do inquilino que, por hipótese, está bem na vida, ganhando um bom ordenado ou a ocupação útil do prédio que possa ser feita por um filho, uma filha ou um familiar do senhorio que queira casar, que tenha um magro ordenado e não tenha telha para se abrigar?
Poderia dar-lhe outros exemplos, mas pergunto-lhe qual e a ocupação útil num caso como este.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - E se for ao contrário, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Essa história e de fazer lágrimas!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, pedi a palavra sob a forma de protesto para poder responder ao Sr. Deputado Montalvão Machado, meu colega das lides forenses no Porto e meu amigo.
Sr. Deputado Montalvão Machado, ainda bem que houve oportunidade de V. Ex.ª expressar melhor o seu pensamento quanto à igualdade entre senhorios e inquilinos. Portanto, para V. Ex.ª, essa igualdade é, simplesmente, como cidadãos e não como parles contraentes.
Mas V. Ex.ª admitiu, e não podia deixar de ser assim, que há na lei e na doutrina portuguesa um favor especial em relação a uma das partes, neste caso, em relação ao inquilino. Portanto, senhorio e inquilino, não são tratados da mesma maneira.
Mas essa diferenciação existe só em face do interesse público da habitação. Foi esse apelo ao interesse público da habitação que -suponho- levou o Prof. Antunes Varela a formular essa excepção, digamos assim, à questão da caducidade no caso de factos continuados.
É evidente que num caso como o que V. Ex.ª referiu há pouco, compete sempre ao juiz, ou ao tribunal, decidir. V. Ex.ª sabe que a questão puramente formal do silogismo jurídico é uma tese puramente abstracta: é sempre o juiz, 6 sempre o tribunal, quem, perante o caso concreto, tem de fazer a aplicação directa e concreta da lei. É evidente quo para isso tem parâmetros e aqui o parâmetro 6 o do interesse público na ocupação útil da casa.
Mas é lambem evidente que o senhorio, quer por uma tese quer por outra, tem sempre um prazo para actuar em casos desses. Esse prazo e o momento do conhecimento ou o momento da cessação. Portanto, nesse decurso do prazo de 1 ano, ele pode sempre actuar. Se não actua, então aí no caso concreto é que tem de intervir o tribunal ou o juiz.
É evidente que no exemplo citado por V. Ex.ª pode entrechocar-se o interesse público e o interesse privado. Pode dizer-se que a casa está ocupada e está, portanto, a exercer a sua função social. Mas se, pura e simplesmente, está ocupada, isto e, no seu exemplo não está ocupada com um título legítimo, aí o tribunal teria de intervir.
Mas, para alem de tudo o mais, não se levantará outro problema melindroso -e essa é outra questão que lhe queria colocar pelo facto de, neste momento preciso, isto e, no dia 27 de Junho de 1984, e depois do assento do Supremo Tribunal de Justiça, o órgão legislativo estar a dirimir um conflito em oposição concreta a uma vontade, mesmo que maioritária, do órgão máximo judicial.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Montalvão Machado, se pretende contraprotestar, tem a palavra.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado António Taborda, no exemplo que lhe dei não se entrechoca o interesse público com o interesse privado. Entrechocam-se dois interesses privados: o interesse privado do indivíduo que ficou a viver no prédio com o interesse privado do senhorio que tem uma filha que quer ir viver para esse prédio. São dois interesses privados, são duas ocupações úteis: e uma ocupação útil do prédio, num caso: e uma ocupação útil do prédio, noutro caso.
Repare, Sr. Deputado, que o que eu considero grave, até gravíssimo e disse-o na minha intervenção - é deixar ao juiz, e só na mão dele, a decisão sobre qual o interesse privado que vai sobrelevar-se sobre o outro interesse privado.
Sc o juiz pensa de uma maneira, decide a favor dos senhorios; se o juiz pensa de outra maneira, decide a favor dos inquilinos. É aí, Sr. Deputado, que efectivamente eu tenho receio - muito receio -, não obstante o grande respeito que lenho pela Magistratura, de deixar nas mãos do juiz a decisão deste problema.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Deputado, acerca do seu exemplo, queria dizer-lhe que não tinha percebido que a casa se destinava à filha do senhorio. Nesse caso, se o interesse público da ocupação útil é um único e se se entrechocam dois interesses privados, é evidente que não há confrontação entre o interesse público e o interesse privado. Portanto, nesse caso, quem tem legitimidade para ter a protecção da lei é o dono legítimo do prédio, ou seja, o senhorio.

O Orador: - Agradeço a sua resposta, Sr. Deputado, pois veio ao encontro do meu pensamento.

Aliás, Sr. Deputado António Taborda, queria dizer-lhe que, de harmonia - e desta forma respondo a uma outra pergunta que me foi feita por um dos Srs. Deputados - com o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, parecer esse que é da sua autoria, V. Ex.ª escreveu e muito bem - o seguinte: «Embora se trate de institutos completamente diferentes e regidos por interesses específicos, por uma lado, o contrato de arrendamento onde predomina, mas não exclusivamente - e hoje cada vez menos -, a autonomia privada e, por outro lado, o casamento totalmente subtraído a tal autonomia, a verdade é que se não vê, de facto, que deva subsistir tal diversidade de critérios, como entende o autor do projecto.»
Afinal, estamos de acordo, quer numa matéria quer na outra: deveremos definir e distinguir entre factos duradouros e factos instantâneos.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

Página 5571

20 DE JUNHO DE 1980 5571

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Montalvão Machado, acerca da insustentabilidade, em foro substantivo, do projecto de lei que fez presente a esta Câmara, já os meus camaradas tiveram a oportunidade de dizer o bastante e não é agora, curial que eu repita o que foi tempestivamente afirmado.
Sabemos que a matéria é melindrosa, é polémica - não estou sequer a usar qualificações que não tenham sido por si usadas - o que, à partida, justificaria múltiplas cautelas, um cuidado técnico e de atenção aos interesses a tutelar bem maior do que aquele que presidiu à elaboração do presente texto.
Sabemos que existe sobre o conteúdo do artigo 1094.º do Código Civil um assento do Supremo Tribunal de justiça que, no geral, tem sido acolhido de maneira favorável por boa parte da jurisprudência e da doutrina, bem como na aplicação nos tribunais, por mais reservas e por várias objecções que suscite. E sabemos que aquilo que está contido nos 2 números do artigo único do seu projecto de lei - que não tem a ver com o preâmbulo em que se fazem algumas considerações, a meu ver, inteiramente insufragáveis - não mereceu o apoio daquelas pessoas em nome de quem o Sr. Deputado Montalvão Machado aqui pretendeu falar na sessão de ontem da Assembleia.
O Sr. Deputado Montalvão Machado surgiu-nos como o defensor do consenso, justamente das pretensões consensualizadas dos senhorios e dos inquilinos, fez questão em refrisar este ponto de vista mais do que uma vez e nós sabemos que aquilo que constantemente chega ao nosso grupo parlamentar - aquilo que seguramente chega aos grupos parlamentares da maioria e a outros com assento na Câmara - são documentos dos inquilinos e dos senhorios em que a pretendida postura do Sr. Deputado Montalvão Machado é posta, decisivamente, em causa.
Como sabe, a Confederação do Comercio Português emitiu, através do seu grupo de assessores jurídicos, um parecer em que, substancialmente, se diz: «Somos de opinião de que o prazo para a propositura da acção de resolução do contrato de arrendamento fixado no artigo 1094." do Código Civil começa a correr desde o momento em que o senhorio teve conhecimento do facto que origina a resolução. Efectivamente, o artigo 1094.º do Código Civil contém, para todos os casos, uma disposição cuja letra consagra a resolução mais acertada e exprime, rigorosamente, o pensamento que a enforma.»
Mais adiante, dirá: «Acresce que o previsto no artigo 1094.º do Código Civil está em perfeita coerência com o disposto no artigo 329.º do mesmo diploma, o qual nos ensina que o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.»
E prossegue esta nota, que é extremamente importante seja conhecida pelos Srs. Deputados: «Do exposto resulta que independentemente da violação do contrato que serve de fundamento ao despejo ser instantâneo - v. g., falta de pagamento de ronda - ou duradoura, o prazo para a propositura da acção, sob pena de caducidade, será sempre de um ano a contar da data em que o senhorio dele teve conhecimento.»
E conclui: «Constitui, pois, entendimento da Confederação do Comércio que o projecto de lei em apreciação deverá ser de imediato retirado.»

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Eu pergunto-lhe, Sr. Deputado Montalvão Machado, como é que, depois do parecer que acabo de lhe ler e que provém de uma entidade longe de ser por si conotável com o PCP, é possível vir a esta Câmara advogar que a solução que nos propõe é uma solução consensualizada, que defende os interesses gerais dos inquilinos e dos senhorios, tendo, portanto, o apoio das duas partes mais directamente interessadas - e digo mais directamente interessadas porque sabemos que há outras neste problema tão candente e tão importante.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Montalvão Machado, se desejar responder já, tem a palavra.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, meu ilustre colega: V. Ex.ª disse que, no geral, o assento do Supremo Tribunal de Justiça tem sido bem recebido.
Devo dizer-lhe, daquilo que conheço e não conheço pouco -, que o assento do Supremo Tribunal de Justiça não tem sido bem recebido.
Devo dizer a V. Ex.ª que, por exemplo, este assento não tem sido bem recebido nos tribunais de 1.ª Instância e não tem sido, até, bem recebido nos tribunais de 2.ª Instância.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Falta é demonstrá-lo.

O Orador: - Em relação a documentos de inquilinos e senhorios, apenas me chegou às mãos aquele de que V. Ex.ª faiou, o da Confederação do Comércio Português.
É uma opinião, Sr. Deputado. A Confederação do Comércio Português emite uma opinião contrária à minha. Respeito-a como espero que a Confederação respeite a minha. Só que não concordo com ela nem admito, sequer, que esta Confederação ou qualquer outra confederação, tenha a ousadia...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Boa!

O Orador: -... de exigir que seja de imediato retirado um projecto de lei que pende nesta Câmara.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Melhor era que não o tivesse apresentado!

O Orador: - A tudo quanto se diz neste ofício - chamemos-lhe assim- ou nesta comunicação da Confederação da Comissão do Comércio Português, eu já respondi, não sei se 4 se 5 vezes, nomeadamente em relação à questão candente derivada do artigo 329.º do Código Civil.
Já disse a V. Ex.ª que o artigo 329.º do Código Civil não me convence, ou por outra, não me leva a uma solução contrária na medida em que, tratando-se de facto duradouro, há sempre uma transgressão permanente, diária, constante. Por isso, há sempre um início possível e compatível do exercício do direito de accionar.

Página 5572

5572 I SÉRIE - NÚMERO 129

O Sr. Presidente: - O último Sr. Deputado inscrito para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Montalvão Machado é o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, a quem dou a palavra.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Deputado Montalvão Machado, gostaria de lhe fazer algumas perguntas que já foram feitas e cujas respostas não me satisfizeram inteiramente - anuncio-o desde já. Por isso, insisto até quanto a alguns aspectos já referidos.
Tenho a certeza que um dos suportes justificativos do seu projecto assentava na circunstância que foi muito bem salientada - da divergência existente quer em correntes jurisprudenciais quer em correntes doutrinais quanto à maneira de interpretar o artigo 1094.º do Código Civil.
Naturalmente que isso dava lugar a decisões em sentido contrário e constituía uma grande insegurança para senhorios, inquilinos e profissionais do foro pois em nada ficava dignificada a justiça com decisões de sinal contrário. Devo dizer-lhe que percebi que uma das suas intenções muito louváveis ao apresentar o projecto era a de contribuir para que, de uma vez por todas, se fixasse doutrina ou interpretação autêntica do preceito do Código Civil que tão diversamente era interpretado. E a verdade é esta: até ao momento em que o assento do Supremo Tribunal de Justiça foi proferido em 3 de Maio passado, suponho que o seu projecto tinha um louvável intuito visto por este ângulo.
Somente que, na apresentação do projecto de lei, apesar da existência do assento, V. Ex.ª passou cerca de metade do seu discurso de apresentação ainda & falar das divergências das correntes jurisprudenciais, o que já não era preciso por que tudo isto acaba ou poderá acabar a partir do assento, uma vez que a jurisprudência foi por essa forma uniformizada. V. Ex.ª continua agora a contestar o assento até por ele ter 4 páginas e louva-se muito mais nos votos de vencido que - lembrar-lhe-ia - ou têm uma ou somente meia página. Portanto, se vamos medir a qualidade dos votos vencedores ou votos de vencido pelo número de páginas escritas, dir-lhe-ei que aí quem venceria seria ainda os que escrevessem maior número de páginas.
Depois desta minha afirmação no sentido de que o assento tinha resolvido essa parte por forma louvável e preocupada, havia um outro suporte justificativo do seu projecto de lei, que era o de poder ser aplicado às acções de resolução do contrato de arrendamento, face à desejável unidade do sistema jurídico e uniformização de orientação em matéria de caducidade do direito de accionar, o mesmo critério que «e adopta relativamente às acções de divórcio.
Só que V. Ex.ª, que teve ocasião de apreciar criticamente aquilo que, na 2.º edição do Código Civil Anotado, o Sr. Prof. Antunes Varela diz menos conforme com a sua tese num ponto, já não o apreciou criticamente quanto à distinção que ele faz - e a meu ver bem entre os dois tipos de relações, por um lado, as obrigacionais e, por outro, as familiares, que o Sr. Deputado continua a dizer que devem ter o mesmo tratamento. Também o Prof. Antunes Varela já salientava - e penso que o Sr. Deputado não se lhe referiu - as razões justificativas da diversidade de tratamento, e não é difícil descortinar a razão porque devem ter tratamento diferente.
Faria aqui um parêntese para dizer que é o próprio Sr. Deputado que considera que o contrato de arrendamento é, no mundo dos contratos, um contrato específico, tendo características que o fazem distanciar dos demais contratos. Por maioria de razão, penso que se deve fazer vir ao de cima os caracteres distintivos das relações obrigacionais e das relações familiares. Isto porque, por exemplo, no caso do divórcio, como o Sr. Deputado sabe, é inadmissível a renúncia ao seu, pedido e a propensão é a de, em geral, facilitar a dissolução do casamento em homenagem à liberdade individual dos cônjuges.
Já quanto ao contrato de arrendamento, de acordo com a política legislativa seguida até agora, propende-se para a estabilidade do contrato. V. Ex.ª sabe que, a ser votado favoravelmente o seu projecto, não se caminhará para essa estabilidade.
V. Ex.ª ontem, no discurso de apresentação, punha a questão de saber se perante o inquilino violador da lei se há-de ser condescendente e não se há-de ser igualmente condescendente para o senhorio. Ora, Sr. Deputado, colocava-lhe o seguinte problema: então o Sr. Deputado pensa que se deve condescender com um senhorio que, sabendo da torpeza do inquilino, pactua com ele, dando-se-lhe legalmente o mesmo direito que a torpeza ou a violação do contrato por parte do inquilino acarretará em favor do senhorio?
Eram só estas as questões que lhe queria de momento pôr, Sr. Deputado.

Vozes do PCP e da UEDS : - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, ilustre colega e querido amigo, lamento profundamente que as respostas que tenho dado não tenham conseguido ser compreendidas pó? V. Ex.ª e muito menos o tenham convencido. A culpa terá sido minha, mas a verdade é que não sei fazer melhor.
Continuo efectivamente a contestar as incertezas na medida em que se aceitarmos, por hipótese, a nova orientação do Prof. Antunes Varela -e um dia terei ocasião de lhe perguntar porque é que ele mudou de opinião entre a primeira edição de uma obra e a segunda, sendo este um ponto em que ainda ninguém falou e interessa ...

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI: - É que foi o Pires de Lima que fez a primeira nota!

O Orador: - Direi a V. Ex.ª que se formos para essa tese ficamos ainda com maiores incertezas. São as de entregarmos a uma pessoa que desempenha as funções de julgador, a definição de qual é o interesse privado prevalecente e qual a prevalência de um eventual interesse privado, perante cada situação de facto que se lhe apresente.
Apresentei aqui, há pouco, um exemplo e V. Ex.ª sabe, porque os advinha, que lhe poderia dar dezenas e dezenas deles, em que se defrontariam interesses privados antagónicos, julgando o tribunal, conforme o cariz do juiz, aqui de uma maneira e na porta ao lado de uma outra totalmente diferente. Por conseguinte, continuo a lutar contra a diversidade dos julgados.

Página 5573

28 DE JUNHO DE 1984 5573

Diz V. Ex.ª que o mesmo tratamento se não concebe para o direito familiar e para o direito obrigacional.
Aceito as doutas palavras que V. Ex.ª proferiu no sentido de dizer que o contrato de arrendamento é sui generis, sendo muito diferente do contrato de casamento. Este também é um contrato sui generis, muito mais até que o arrendamento. Se há contrato sui generis em especial é o contrato de casamento.
Poderei dizer a V. Ex.ª que aquilo que trato é única e exclusivamente do prazo de caducidade de accionar.
Não trato da interpretação dos contratos, nem dos direitos dos contraentes, mas sim apenas da caducidade do direito de accionar. Não entro nos restantes problemas porque esses serão evidentíssimos e tratá-los-emos quando formos capazes de trazer aqui a esta Câmara os problemas legislativos que nos competem e de que nos temos esquecido, perdendo tempo com outras coisas que talvez não fossem necessárias.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Que é o caso deste projecto!

O Orador: - Queria também dizer a V. Ex.ª, Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, que desta forma caminho efectivamente para a estabilidade do contrato.
Não sou é a favor de um inquilino relapso que, valendo-se de um favor do senhorio, se vem valer depois de um favor legal, para atropelar os interesses do senhorio, que para mim são, pelo menos, iguais aos dele.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Hasse Ferreira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Fiz sinal 2 vezes à Mesa, sendo uma para uma inscrição, uma vez que já não podia voltar a interpelar o Sr. Deputado Montalvão Machado e a outra para perguntar se a Mesa não podia ler o relatório da comissão sobre este projecto uma vez que suponho não ter sido distribuído.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, em relação à interpelação ao Sr. Deputado Montalvão Machado não lhe podíamos ter dado a palavra na medida em que as inscrições fizeram-se ontem e o Sr. Deputado não estava inscrito.
Em relação à leitura do relatório, já o Sr. Deputado José Magalhães se queixou de ela não ter sido feita, pelo que vai ser lido neste momento.

Foi lido. É o seguinte:

COMISSÃO DE ASSUNTOS CONSTITUCIONAIS, DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS

Parecer sobre o projecto de lei n.º 177/III (prazo de caducidade em acções da resolução da contratos de arrendamento).

1 - A questão levantada por este projecto de. lei é, efectivamente, das mais candentes e das que mais preocupam os juristas, os tribunais e os cidadãos em geral. Trata-se de dar uma interpretação unívoca ao disposto no artigo 1094.º do Código Civil.
2 - Sabe-se como é diametralmente divergente a posição da nossa jurisprudência quanto ao início da contagem do prazo de caducidade referido naquele artigo 1094.º do Código Civil.
A mero título de exemplo, basta dizer que, no sentido de que tal prazo se conta sempre a partir do conhecimento do facto que serve de fundamento à acção da resolução, conseguimos recensear cerca de 21 acórdãos, desde o da Relação de Coimbra de 30 de Outubro de 1970 in Boletim do Ministério da Justiça, 200.º, p. 294, até ao da Relação de Lisboa de 18 de Abril de 1980, in Colectânea de Jurisprudência, 5.º, p. 214.
Por outro lado, no sentido de que tal prazo de caducidade apenas se pode começar a contar após a cessação do facto, recolhemos, por exemplo, outros 21 acórdãos, desde o da Relação de Lisboa de 25 de Fevereiro de 1970, in Jurisprudência das Relações, 16.º, p. 72, até ao da Relação de Coimbra de 28 de Fevereiro de 1980, in Colectânea de Jurisprudência, 5.º, p. 369.
3 - Também a doutrina se encontra dividida quanto a esta questão. Assim, por exemplo, Estelita Mendonça, António Pais de Sousa, Isidro Matos e Sá Carneiro entendem que a acção de despejo deve ser intentada no prazo de um ano a contar do conhecimento pelo senhorio do facto que deu origem à violação do contrato. Pelo contrário, Baptista Machado e Pereira Coelho, por exemplo, entendem que, quando se trate de facto contínuo, tal prazo de caducidade só deve começar a contar-se após a cessação do facto.
4 - O problema põe-se, efectivamente, só quando se trata de um facto contínuo e por, neste caso, haver disparidade entre o preceituado no artigo 1094.º do Código Civil e o artigo 1786.º, n.º 2, do mesmo Código.

Com efeito, diz este n.º 2:

O prazo de caducidade corre separadamente em relação a cada um dos factos; tratando-se de facto continuado, só corre a partir da data em que o facto tiver cessado.
5 - Embora se trate de institutos completamente diferentes e regidos por interesses específicos - por um lado, o contrato de arrendamento, onde predomina (mas não é exclusiva, e hoje cada vez menos) a autonomia privada, e, por outro, o casamento, totalmente subtraído a tal autonomia -, a verdade é que se não vê, de facto, que deva subsistir tal diversidade de critérios, como entende o autor do projecto.
De todo o modo, não deixa de ser sintomático que o legislador de 1977 que introduziu o n.º 2 do artigo 1786.º pelo Decreto-Lei n.º 496/77 - não tenha alterado, em sentido correspondente, o texto do artigo 1094.º, apesar das profundas alterações introduzidas, talvez devido à diferença de condicionalismos dos dois institutos.
Seja como for, parece-nos que nada disto invalida a tomada de posição do projecto em análise.
6 - Gostaríamos tão-só de que fosse devidamente ponderada a posição nova levantada pelo Prof. Antunes Varela na 2.º ed. do vol. II do Código Civil Anotado, de F. Pires de Lima e daquele professor, no sentido de, no caso de violações continuadas ou duradouras que afectem

Página 5574

5574 I SÉRIE - NÚMERO 129

apenas interesses particulares do locador, este direito caducar após um ano sobre a data em que ele teve conhecimento da violação.
Pelo contrário, quanto a resolução se fundar numa violação que prejudique também o interesse público da ocupação útil do prédio, o direito do locador à resolução só se extinguira depois de um ano decorrido sobre a cessação da violação.

7 - O projecto contém matéria da competência da Assembleia da República [artigo 168.º, alínea/z)].

Em conclusão, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que o projecto de lei n.º 177/III, de 24 de Junho de 1983, está em condições de ser apreciado em Plenário.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, 7 de Fevereiro de 1984.

O Relator, António Monteiro Taborda. - O Presidente, Luís Silvério Gonçalves Saias.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais do que fazer uma intervenção de fundo neste debate queria deixar aqui colocadas certas questões, algumas das quais já começaram a ser abordadas aqui ontem, nos esclarecimentos do Sr. Deputado Montalvão Machado. Penso, no entanto, que mereceriam um certo aprofundamento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não ponho em dúvida que há efectivamente questões a resolver e que alguns dos casos que o Sr. Deputado Montalvão Machado cita de abuso do direito do inquilinato por parte dos inquilinos sejam verídicos. Não ponho também em dúvida que haja alguma matéria que do ponto de vista jurídico seja aqui controversa.
Ontem houve uma curta intervenção do Sr. Deputado Narana Coissoró que, com o brilhantismo que muitas vezes o caracteriza, pôs o dedo na ferida. Para além da roupagem jurídica que obviamente esta questão tem de ter, o problema aqui é de uma escolha essencialmente política, sendo isso que, em meu entender, o Sr. Deputado Montalvão Machado proeurou nas suas intervenções iludir um pouco e que o Sr. Deputado Narana Coissoró, com a frontalidade que normalmente o caracteriza, assumiu. Também assumo essa escolha política, que já foi aqui igualmente assumida por deputados de outras bancadas.
Esta escolha implica opções que são um pouco mais complicadas e complexas do que à primeira vista pareceriam, como o demonstra a leitura que já aqui foi feita do parecer da Confederação do Comércio.
Efectivamente, aquilo que penso em relação ao projecto do Sr. Deputado Montalvão Machado, é, em primeiro lugar, que toda a parte da fundamentação em que ele defende este projecto para clarificar a situação para os juízes das diferentes instâncias, é algo que está completamente ultrapassado. A sua intenção, quando procura apresentar o projecto, é louvável e aí estou de acordo com o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
Neste momento, o assento aqui já citado do Supremo Tribunal da Justiça esclarece suficientemente o assunto.
Por outro lado, alguma da argumentação que o Sr. Deputado produz funciona em relação à situação actualmente existente, no sentido até da correcção da situação que o acórdão do Supremo Tribunal caracteriza. Mas o problema não pode ser encarado de maneira tão simplista. Se se considera, de facto, que um ano é pouco para o esclarecimento, pode-se propor um prazo maior. Nada significa que nos factos continuados se tenham de optar por 1 ano a partir da cessação do facto.
Os exemplos que o Sr. Deputado deu podem-se multiplicar no sentido que apresentou ou noutros sentidos. Podem-se multiplicar, por exemplo, no sentido de haver acordos entre o inquilino e o senhorio ou interpretações determinadas do contrato. Suponha que morre o senhorio havendo um herdeiro que tem uma posição diferente e que quer pôr o inquilino na rua. Diz ao inquilino que considera ser aquilo uma violação do contrato e pede-lhe para cessar com ela.
O inquilino cessa com a violação e a partir daí, ele ainda tem um ano para poder intentar uma acção de despejo.
Penso que, além da cópia de argumentos jurídicos já aqui produzidos, nesta Assembleia, por deputados nesta matéria e noutras, mais competentes do que eu como os Srs. Deputados Vilhena de Carvalho e José Magalhães, há aqui um problema grave. É que a instabilidade contratual que esta proposta cria, conjugada com a situação que se vive no domínio da habitação, vai ser mais um factor de agravamento social. E isso percebeu-o o fascismo ou o antigo regime, como quiserem, que tinha determinadas válvulas de segurança social de protecção às classes laboriosas - e o facto de eu ser deputado e membro de um partido de esquerda não me pode inibir ou completar em relação a dizer isto-, algumas das quais se querem neste momento fazer saltar.
Ora, é preciso extremo cuidado com isto e parece-me que neste projecto esta situação não vem suficientemente ponderada. Perdoe-me que lho diga, mas penso que ele é demasiado simplista.
Alguns dos problemas que foram levantados pelo Sr. Deputado Montalvão Machado podem ser corrigidos, mas não apenas por esta via taxativa de corresponder a uma alteração do prazo de caducidade.
Não vou voltar a citar as partes do assento do Supremo Tribunal que enunciam efectivamente a posição dos juízes que fizeram maioria, mas penso que a remissão para ele é importante.
O Sr. Deputado falou também de uma série de outros problemas. Não podemos esquecer que, neste momento, questões que nos pôs como a do pobre senhorio que é explorado pelo inquilino, que paga 50$ ou 100$, etc., têm de ser encaradas, e bem, no quadro de uma lei das rendas. Isto sem estar a enunciar neste momento a posição do meu agrupamento parlamentar em relação à proposta de lei das rendas.
Já começaram a ser propostas alterações na legislação sobre os arrendamentos, havendo de facto situações que não são mais consentâneas com a situação que se vive no domínio da habitação. Só que não é este projecto que as vai resolver. E argumentar com base em todas essas situações para fazer passar este projecto, parece-me que é argumentar ao lado tentar utilizar a eventual distracção de um certo número de deputados para fazer passar este projecto sem dor.

Página 5575

28 DE JUNHO DE 1984 5575

E este projecto é, efectivamente, um projecto grave: a mim choca-me, penso que é pré-fascista, no sentido de ser anterior aos direitos da pessoa como eles eram reconhecidos, pelo menos, no papel, no próprio tempo do fascismo, e choca-me as analogias sistematicamente estabelecidas entre o direito de família e o direito das obrigações, tal como o Sr. Deputado Montalvão Machado as apresentou.
O problema é radicalmente diferente. Em termos de contrato de casamento, o que há a privilegiar é a liberdade de escolha dos cônjuges e a liberdade de ruptura da relação contratual; no caso da relação de arrendamento, a situação e radicalmente diferente e a adopção desta lei e, portanto, o estabelecimento do prazo de caducidade, nos casos de violações continuadas, a partir da cessação do facto, significa, por exemplo, que o inquilino pode, durante 30 ou 40 anos, por acordo com o senhorio, manter um facto que um herdeiro considera uma violação, e que 40 anos depois do início desse facto esse inquilino pode ser sujeito a acção de despejo desse novo senhorio. Bem, parece que todos os crimes prescrevem ao fim de certo tempo; aqui, o Sr. Deputado propõe que se entre num regime de completa instabilidade da relação contratual.
Resumindo, é uma tentativa de manipulação da Câmara, ou seria, se não correspondesse à motivação inicial do Sr. Deputado, vir argumentar com base na necessidade de orientação dos tribunais. No entanto, e neste momento, essas orientações são claras.
Em segundo lugar, esta e uma escolha política e. como bem disse o Sr. Deputado Narana Coissoró, cada um assuma as escolhas políticas que neste domínio faz.
Em terceiro lugar, este problema não tem a ver - ou se tem, só muito indirectamente - com a questão das rendas. E não venha argumentasse com o problema de as rendas estarem extremamente baixas pois essa questão é de outra forma que se corrige: discutindo e aprovando ou a proposta do Governo ou outra qualquer.
Ontem foi levantado, por um Sr. Deputado, o problema dos direitos do subarrendatário e, a este propósito, penso que a resposta do Sr. Deputado Montalvão Machado não foi suficientemente esclarecedora.
Foi levantado o problema de o subarrendatário estar de boa fé, e de o arrendatário - que aqui é sempre o malandro - não estar de boa fé. Mas eu ponho outro problema, a que o Sr. Deputado Montalvão Machado não parece ser sensível pois, segundo creio, tem pena que as viúvas não possam ser despejadas quando morre o marido ou vice-versa: é o problema da viúva que está de boa fé e não sabe, até, que há uma violação do contrato; faz-se cessar esse facto que dava origem à violação do contrato e o senhorio, ou o novo senhorio, ainda tem l ano para a pôr fora de casa. Isto é, a meu ver, imoral, como imoral é o simplismo com que se apresenta uma lei deste tipo. Não corresponde à resolução de uma série de problemas aqui enunciados mas a uma escolha política clara que nós rejeitamos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este projecto é um retrocesso num domínio em que eles tem abundado por demais. Ë caso para dizer: «Para pior já basta assim!»
Na verdade, em matéria de arrendamento urbano, mal vai a vida, nestes últimos anos, para os inquilinos. Ainda mal se extinguem os clamores perante uma nova medida legislativa, ou perante uma anunciada medida, e já outra se antevê no horizonte.
Depois das medidas tomadas pós-25 de Abril, medidas que acentaram, nesta matéria, o interesse público, limitando a liberdade de estipulação das partes, assistimos a um retrocesso também aqui em matéria de arrendamento urbano, retrocesso ora já firmado em diplomas vários e que se anuncia com redobrado vigor na projectada lei sobre aumentos de rendas.
Se trazemos isto à colação é porque, de qualquer forma, o projecto em debate vira deliberadamente as costas ao princípio, conquistado através dos tempos, de que, em matéria de arrendamento urbano, o interesse privado tem de ceder perante o interesse do Estado na plena utilização do parque habitacional.
Ontem, o Sr. Deputado Montalvão Machado fez aqui determinadas afirmações que hoje contradisse.
Afirmou que, nesta matéria, senhorios e inquilinos eram iguais; hoje porém, disse que, na relação jurídica de arrendamento, eles não são iguais. Mas, de facto, Sr. Deputado, o Diário da Assembleia da República reza o que reza, e reza a conta em que V. Ex.ª tem os inquilinos, pois V. Ex.ª disse que «o inquilino é cauteloso e é manhoso».

Uma voz do PCP: - É um escândalo!

A Oradora: - Mais: ao contrário do que hoje disse quando afirmou considerar que a legislação de arrendamento continha protecção aos inquilinos e que isso era bom, ontem V. Ex.ª pronunciou frases de extrema gravidade que denunciam que por trás deste projecto está algo de político. Na verdade, ontem V. Ex.ª achava mal a protecção aos inquilinos, nomeadamente a renovação obrigatória do contrato: é que V. Ex.ª perguntou-me se eu achava justo que se em todo o contrato, quando termina o prazo, ele acaba, já o contrato de arrendamento e renovável quase perpetuamente por exclusiva vontade de uma das partes, que é o inquilino. Ainda disse V. Ex.ª que estava contra e que não achava justo que o inquilino só tivesse que pagar 50 % de indemnização por cada mês de atraso no pagamento das rendas. A concluir, perguntou ainda se era isto que eu achava justo e afirmou ser contra estas situações que V. Ex.ª se revoltava.
Portanto, V. Ex.ª defendeu aqui situações com que, já há muito, as conquistas dos inquilinos acabaram e que já antes do regime fascista estavam vencidas. V. Ex.ª está portanto, de acordo com elas, como ontem bem demonstrou.
Assim, nesta matéria, quaisquer medidas legislativas não podem deixar de levar em consideração que a liberdade contratual tem de sofrer aqui as restrições impostas pela função social da propriedade.
É errado dizer-se que em matéria de arrendamento urbano, nomeadamente de arrendamento destinado a habitação, as partes em presença estão no contrato em plena igualdade e que agem, assim em plena liberdade. E tanto mais errado é quanto maior for a carência de habitações.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

Página 5576

5576 I SÉRIE - NÚMERO 129

A Oradora: - Julgávamos arredado de vez este conceito, porque são já adquiridas algumas conquistas que fazem aflorar o interesse público na celebração de contratos de arrendamento urbano. Já lá vai o tempo, e já lá vai há muito, em que toda a filosofia da lei assentava na supremacia dos interesses do senhorio.
Já lá vai o tempo em que a lei não admitia a renovação obrigatória dos contratos de arrendamento.
Já lá vai há muito o tempo em que, citado pelo tribunal para uma acção de despejo, o inquilino tinha 24 horas para apresentar a contestação, realizando-se o julgamento logo no dia seguinte, pelas 11 horas, talvez para dar tempo a que o despejo se processasse logo depois do almoço.
A evolução legislativa verificada por força da crise de habitação foi introduzindo, mesmo sob o fascismo, limitações à liberdade de estipulação, isto ê, foi dando relevo ao interesse público no confronto com interesses privados.
E veio (foi conquistada!) a renovação obrigatória dos contratos de arrendamento, e veio a limitação do numero de meses da caução, e veio, mesmo em matéria processual, o adoçamento da posição do inquilino. E veio mesmo, e ainda na República de 1910. o congelamento de rendas.
De facto, Srs. Deputados, a história da evolução da legislação sobre inquilinato, parecendo embora matéria árdua para um leigo é, quando correctamente interpretada, a história de um povo em luto pela realização de um direito que é o direito à habitação.
E através desta evolução pode ainda fazer-se o retrato de sucessivos governos, mais, menos, ou mesmo nada, preocupados com aquele direito mas tendo, apesar de tudo, de ceder aqui e ali perante as pressões sociais.
O projecto de lei em discussão enfileira decididamente entre os que se «esquecem» do fim social da popularidade, porque na filosofia do projecto tanto faz que uma casa esteja, de facto, desabitada, ou esteja habitada por outrem que não o inquilino, com conhecimento do senhorio.
Na filosofia do diploma, o senhorio, está sempre em tempo de propor acção de despejo enquanto a caga estiver desabitada, mas também está. sempre em tempo de fazer despejar as pessoas que, em substituição do inquilino, habitem o prédio, ainda que tenham passado anos e o senhorio venha tacitamente aquiescido nessa utilização.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É injusto!

A Oradora; - Ora, se pode Impor-se à «consciência social, como expressão de justiça», que o prazo de caducidade para propor acção de despejo só comece n correr depois de a casa deixar de estar desabitada, pois que, enquanto o estiver não está a cumprir-se a função social que tem, já o mesmo não pode dizer-se dos outros casos.
Já não se aceitará, facilmente, por exemplo, que, servindo a casa de habitação para outrem, que não o inquilino, com pleno conhecimento do senhorio, este poisa deixar passar anos e vir depois. accionar os mecanismos legais para poder ficar com a casa desocupada, para a lançar no mercado em renda livre ou condicionada -porque talvez na altura tenha surgido essa lei - ou em qualquer outra modalidade de renda que ainda venha a ser descoberta para os fautores de uma nova ordem do inquilinato.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O presente projecto de lei surge quando na jurisprudência uma lufada de ar fresco levou os juízes, para usar de todos os critérios interpretativos previstos no artigo 9.º do Código Civil, a meditar sobre o perfil legislativo actual dos contratos de arrendamento urbano.
Surge quando, para além de argumentos meramente formais, os tribunais incluem na interpretação da lei a consideração da finalidade social da propriedade, concluindo que quando esta está a cumprir o seu fim I, o prazo de caducidade deverá começar a correr logo que o senhorio tem conhecimento da infracção às disposições sobre arrendamento, ainda que tal infracção seja continuada.
Não estamos a referir-nos, como é evidente, ao assento do Supremo Tribunal de Justiça tão falado neste debate, mas à jurisprudência das relações que, por vezes, tem decidido naquele sentido.
Assim se usou do critério interpretativo previsto na parte final do n.º 1 do artigo 9.º que considera como critério de Interpretação do Código Civil as condições específicas do tempo em que a lei é aplicada.
Com efeito. Sr. Presidente e Srs. Deputados, é verdade que a nossa legislação sobre arrendamentos urbanos enferma de vícios vários, sempre que o direito à habitação é menosprezado em face de outros interesses, vícios esses que se detectam facilmente na legislação substantiva e objectiva.
Na relação locativa o inquilino, a parte mais fraca, porque carente da efectivação de um dos mais elementares direitos, não tem hoje, no ordenamento jurídico, a protecção que o Estado lhe deve.
Processualmente, é manietado por um apertado sistema de prazos e limitações que esta Assembleia já alterou em lei aprovada por unanimidade, e que o actual Ministro da Justiça houve por bem suspender, mostrando, assim que apreço lhe merece a actividade legislativa desta Câmara.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É todo um estilo!

A Oradora: - A lei processual mantêm ainda institutos aberrantes como o despejo provisório e o despejo definitivo sem julgamento negando, assim, o próprio direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos.
Urge, de facto, fazer uma revisão urgente desta lei processual que não acompanhou as alterações significativas que a seguir ao 25 de Abril se introduziram na legislação substantiva sobre arrendamento urbano, alterações essas que bem demonstram o interesse público na plena utilização do parque habitacional. Ê o caso, por exemplo, dos diplomas sobre prédios devolutos e os arrendamentos feitos por via administrativa. Mas os ventos arredados no dia 25 de Abril, voltando à carga, trouxeram, também, nesta matéria, medidas altamente gravosas para as classes carenciadas de habitação, que são hoje, também já, as classes médias,

O Sr. António Mota(PCP): - É um escândalo!

A Oradora: - E veio, com a revogação dos diplomas sobre prédios devolutos, a autorização para manter

Página 5577

28 DE JUNHO DE 1984 5577

encerrados prédios enquanto as barracas renasciam por força das circunstâncias.

É vieram também os diplomas da ex-AD sobre rendas condicionadas e rendas livres, tornando inacessível, mesmo para um cidadão com um ordenado médio, o acesso à habitação.
E vieram, para os arrendamentos comerciais, as avaliações fiscais extraordinárias e as actualizações anuais, impossibilitando, de facto, às classes médias, o exercício de qualquer comércio ou indústria.
E vieram, ainda, alterações à própria transmissão do arrendamento, piorando mesmo o que o legislador de 1966 tinha prescrito.
Veio, enfim, e numa palavra a supremacia do interesse privado, ao arrepio da própria Constituição.
Mas apesar de tudo, apesar destas e doutras malfeitorias que se anunciam, a verdade é que o interesse público que limita a liberdade de contratação, continua a estar presente em várias disposições e, sobretudo, no artigo 65." da Constituição da República que consagra o direito h habitação e os deveres por parte do Estado inerentes a tal direito.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Assim, este projecto não se insere de facto, e apesar de tudo, nas linhas gerais que ainda presidem ao modelo jurídico do inquilinato urbano.
Assim, como se apresenta, é mais uma peça - e não pequena- destinada a permitir despejos aí onde os tribunais os têm recusado; destinada a pôr na rua famílias que, mesmo não sendo inquilinos, vêm habitando um prédio, com pleno conhecimento do senhorio, mediante o pagamento de uma renda em nome de outrem ou famílias a quem foi sublocada a casa e que nessa situação permanecem, com conhecimento do senhorio, durante anos e anos.
Este projecto, gerado ao arrepio das condições concretas, esquecendo, mas não ignorando, as dramáticas carências habitacionais existentes, é mais uma peça que. contrariando as características adquiridas para o contrato de arrendamento, bem se insere, afinal, no puzzle formado por diplomas avulsos feitos numa óptica de liberdade total de contratação que hoje ninguém ousa defender. Em nome de quê? Em nome de quem?
Este projecto é uma emanação fossilizada de concepções de classes há muito enterradas e incompatíveis com a nossa Constituição.
Sacrifica tudo a uma visão distorcida e ultrapassada das relações senhorio/inquilino.
No início do debate qualificámos este projecto de polémico, inoportuno, injusto e retrógrado.
Achámos misterioso o seu processo de elaboração, débeis e mal fundamentadas as alegações que foram feitas em sua defesa.
Este projecto nunca devia ter sido apresentado e bem podia ter sido retirado, pois é um afrontamento chocante ao Supremo Tribunal de Justiça e um retrocesso inaceitável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Importa que a Assembleia da República, extraindo as conclusões deste debate, nunca venha a aprovar um texto final semelhante ao proposto pelo Sr. Deputado Montalvão Machado.
É esse o nosso voto final e nesse sentido envidaremos todos os esforços.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Deputada Odete Santos, pelas intervenções que tanto ontem como hoje V. Ex.ª fez em relação a este debate, pareceu-me que o Partido Comunista Português se arvorava em defensor dos inquilinos, quando sabemos que há inquilinos agrários, milionários, multinacionais, enfim, inquilinos com toda esta terminologia que é habitual na boca do PCP, para dizer que a aproveitam de uma situação que é injusta e, ao contrário, há senhorios que são pobres e que não podem viver senão de rendas baixas, etc.
Como esta é uma razão muito política e a votação vai ser muito política, a única coisa que gostaria que a Sr.ª Deputada me dissesse é qual é o laço que há entre os interesses dos inquilinos e o PCP e os interesses dos senhorios e do proponente, ou do CDS e dos outros partidos. Ficar-lhe-ia muito agradecido se a Sr.ª Deputada me explicasse isso.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr. Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Narana Coissoró, creio que V. Ex.ª, propositadamente, confunde as coisas, na medida em que aqui não estamos a tratar de inquilinos ricos nem de senhorios pobres. O Sr. Deputado acha que prejudicará muito um inquilino rico ver-se despejado? Pensa que ele terá muita dificuldade em arranjar uma nova casa?
É evidente que este projecto de lei é altamente gravoso para os inquilinos pobres, para aqueles que, vendo-se despejados, não têm possibilidades de arranjar uma habitação, enquanto inquilinos ricos não têm dificuldade alguma quanto a esse aspecto. Portanto, não há quaisquer laços misteriosos naquilo que o Sr. Deputado referiu.
Ontem ouvi V. Ex.ª fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Montalvão Machado pedido de esclarecimento esse que eu até subscreveria - que se liga com questões da relação locativa, com as características dessa relação locativa, com o interesse público que hoje já limita a liberdade contratual. As palavras ontem proferidas pelo Sr. Deputado Montalvão Machado quanto a esta matéria foram extre-mente elucidativas -aliás, elas já estão exaradas no borrão do Diário da Assembleia da República-, no sentido de demonstrar que esta questão se insere numa óptica de uma relação locativa dentro de uma plena liberdade de contratação, porque é assim que o autor do projecto entende, ou seja, entende que as partes estão em igualdade.
Ê, pois, essa perspectiva que achamos ultrapassada através dos tempos e, portanto, entendemos que isto é uma votação política. O que aqui se vai votar é no sentido de se dizer se se está a favor de uma relação locativa de uma determinada maneira, ou se se está a favor de outra. A partir daí, os que pensam que a

Página 5578

5578 I SÉRIE - NÚMERO 129

iclação locativa se desenvolve dentro de uma plena liberdade de contratação avançarão para outras medidas altamente gravosas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Deputada Odete Santos, agradeço a explicação que deu porque na parte final V. Ex.ª explicou exactamente o contrário daquilo que começou por dizer. A Sr.ª Deputada acabou por dizer -e bem, merece todo o meu aplauso! - que não estão em causa nem senhorios ricos nem senhorios pobres, nem o eleitorado do PCP, nem o eleitorado de direita, nem o eleitorado de esquerda.
Trata-se de regulamentar uma relação jurídico contratual que cada vez mais se torna institucional subtraindo-se à pura autonomia das partes. Portanto, é preciso só pesar os interesses de um lado e de outro para ver se chegamos a uma conclusão em que nenhuma das partes saia lesada. É, pois, essa solução que temos vindo a manter desde ontem.
Porém, a Sr. Deputada começou por perguntar se eu entendo que um inquilino rico, quando for despejado de sua casa, terá dificuldade em encontrar outra. Ora, o que é que interessa para uma revisão da lei se há um inquilino rico que se for despejado de uma casa pode ou não construir uma vivenda, ou se o senhorio pobre está desgraçado porque o inquilino demora imenso tempo a sair de sua casa? Nós estamos a legislar e não a julgar casos concretos nos tribunais, Sr.ª Deputada!
Agradeço-lhe, pois, a maneira como V. Ex.ª acabou por explicar esta questão porque no início da sua resposta fez uma «entrada à leão», política, demagógica, de defesa dos necessitados - que, aliás, o PCP não defende, defende uma certa classe de operários e de trabalhadores. o que realmente não tinha nada que ver com este problema - e, como jurista que é, acabou por lhe fugir a boca para a jurisdicidade deste problema.
Dou-lhe os meus parabéns, Sr. Deputada, porque V. Ex.ª terminou, e bem, o seu discurso. Não está em causa nem o senhorio nem o inquilino, mas sim a disciplina de uma relação contratual em que á autonomia privada das partes tenta marcar fronteiras e encontrar soluções justas em face do inquilino e do senhorio. Aí estamos entendidos!

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra a Sr. Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado. Narana Coissoró, creio que V. Ex.ª percebeu muito bem o que eu disse, mas, propositadamente, no seu protesto quis dar uma outra imagem às palavras proferidas por mim.
Sr. Deputado, e evidente que não considero que haja a classe dos inquilinos e a classe dos senhorios. Sei que há senhorios que vivem de reformas e, porque o Estado volta as costas à resolução dos seus problemas em relação às reformas, tem o seu complemento da reforma na renda de casa. Mas mal vai o Estado quando o problema da reforma é resolvido desta maneira.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

A Oradora: - Sei perfeitamente que não há aqui 2 classes no sentido da palavra «classe», mas também sei e era isto o que queria reafirmar - que a conquista do interesse público na celebração do contrato de arrendamento se deveu à luta dos trabalhadores e das classes mais carenciadas. Sc assim não fosse, se não tivessem chamado a atenção para os seus problemas, para o baixo nível de vida e para as carências da habitação, esse interesse público não teria sido introduzido na relação locativa.
Portanto, esta conquista é, na verdade, uma conquista das classes trabalhadoras.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar o presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, no sentido de sabermos qual vai ser a nossa posição de voto nesta matéria. E isto, porque depois das explicações aqui dadas e da maneira como decorreu o debate, temos que pensar novamente qual vai ser a nossa posição.
O parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias diz o seguinte: «Gostaríamos tão-só que fosse devidamente ponderada a nova posição levantada pelo Prof. Antunes Varela [...]», etc. Ora, gostaria de saber - porque aqui não diz e, portanto, não posso adivinhar- se este parecer foi ou não votado e, caso o tenha sido, como é que decorreu a votação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, muito embora este pedido de esclarecimento devesse ser formulado na altura em que o relatório da comissão foi lido, na medida em que se encontra presente o Sr. Presidente da referida Comissão concedo-lhe a palavra caso queira esclarecer V. Ex.ª.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Luís Saias.

O Sr. Luís Saias (PS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, não tenho de memória aquilo que exactamente se passou na altura em que o parecer da comissão foi votado.
No entanto, já pedi a um funcionário que tem todos os elementos das sessões da comissão para trazer todas as informações que V. Ex.ª pretende.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, sem prejuízo de a discussão continuar, antes de V. Ex.ª pôr à votação o projecto de lei, gostaríamos de estar esclarecidos em relação a esta informação que solicitei. Contudo, se ela não tiver chegado antes de V. Ex.ª anunciar a votação, pediremos uma interrupção da sessão a fim de ficarmos esclarecidos.

Página 5579

28 DE JUNHO DE 1984 5579

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste momento do debate creio que interessará focar a questão que está em discussão, não propriamente sob uma óptica extremamente jurisdicista, mas sim sob uma óptica que me parece ser a mais adequada a uma Assembleia da República, 'ou seja, sob uma óptica política legislativa.
Na verdade, ainda que a Assembleia da República lenha dedicado tanto do seu tempo a discutir o Estatuto da Ordem dos Advogados como a discutir um Programa de Governo, creio que os problemas que aqui se encontram em causa são fundamentalmente os de todos os portugueses e não os de um agrupamento particular dentro da sociedade portuguesa.
Neste momento da discussão creio podermos ter algumas conclusões assentes.
Assim, vou partir delas: havia divergências de actuação dos tribunais e creio poder interpretar todas as intervenções feitas no sentido de as considerarem contraproducentes- lesivas dos legítimos interesses dos cidadãos à certeza do direito e à própria capacidade de poderem saber em que lei vivem.
Portanto, o projecto de lei em apreço tinha o mérito indiscutível de pôr termo a uma situação em que divergia a jurisprudência.
Porém, neste momento, esta situação está alterada! Existe um assento do Supremo Tribunal de Justiça que constitui uma interpretação dos textos legislativos e que estabelece uma orientação jurisprudencial. Isto é, a partir da publicidade do assento não haverá mais esta divergência de opiniões jurisprudências. Assim, o primeiro risco que era apontado e reconhecido por toda a Câmara terminou e, portanto, não há que invocar o problema ou o receio do conflito de jurisprudência.
Depois desta primeira questão estar dilucidada há um segundo aspecto que também importa arredar da discussão. Como há pouco foi salientado, através de um curto debate, as situações particulares são muitas e diversas e, portanto, não vamos cuidar de apreciar esta questão em termos do senhorio rico e do inquilino pobre e explorado ou do inquilino habilidoso, truculento capaz de todas as violações e do senhorio ingénuo, boa pessoa, sujeito a uma situação de miséria e, portanto, ele próprio em condições de ser explorado.
Não creio que esta discussão ganhe qualquer coisa por lhe introduzirmos alguma porção da nossa mitologia fadista. A mãe ceguinha e o pai entrevado não são chamados a esta discussão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria que esta Câmara debatesse este problema naquilo a que ele se circunscreve. Neste momento, o que está em causa é uma modificação do nosso regime jurídico - e trata-se de modificação, visto que o regime jurídico existente foi interpretado pelo assento do Supremo Tribunal de Justiça num determinado sentido que é contrário àquele que agora se pretende introduzir. Portanto, trata-se de uma alteração na nossa ordem jurídica e é sobre a bondade dessa alteração que a esta Câmara cumpre pronunciar-se.
Em relação a esta contagem de prazo colocam-se 2 problemas completamente distintos: um deles é o das chamadas violações contratuais, que poderíamos considerar como violações contratuais repetidas - são várias e não apenas uma- que se verificam sucessivamente no tempo. É, por exemplo, o caso da falta de pagamento de rendas. Quem faltou ao pagamento de uma renda em Janeiro e voltou a faltar em Fevereiro e em Março, cometeu uma violação contratual repetida, sucessiva. Ora, isto é um problema completamente diverso do caso de uma violação a que poderemos chamar duradoura ou continuada. Estes são conceitos de facto e de direito completamente diferentes. O conceito de violação duradoura ou continuada é, por exemplo, o caso de uma sublocação, é o caso de um inquilino que não utiliza o andar arrendado para sua habitação permanente. Portanto, são situações distintas e a sua dissolução é importante para que nos entendamos neste debate.
Quando em Portugal se começou a discutir este problema do prazo de caducidade, e o problema é velho - discutiu-se, por exemplo, a propósito do Código de Processo Civil do professor Alberto dos Reis, em 1939, e começou a discutir-se também nessa altura o Tratado da Locação do Dr. Pinto Loureiro, que trata abundantemente desta questão -, a determinada altura e antes do Código Civil de 1966, surgiu um parecer da Câmara Corporativa de que foi relator o Dr. Tito Arantes que sustentava a seguinte tese: «Quando começa a surgir a violação por parte do inquilino, da sua relação contratual, o senhorio tem dificuldades de prova». A violação contratual surge de tal forma oculta, de tal forma habilidosamente feita, que o senhorio tem dificuldades em recolher meios de prova, precisa de tempo para fazer a prova. E se lhe dão um tempo demasiado curto, então o senhorio, quando tem todos os elementos de prova, já pereceu a acção porque decorreu o tempo que a lei lhe confere para a colocar. E, com base nesta argumentação, que é da Câmara Corporativa, e que é do Dr. Tito Arantes, pedia-se a modificação do prazo então vigente, que era de 6 meses, para um prazo de 2 anos. E o que fez a então Comissão que elaborava o Código Civil de 1966?
A Comissão redactora do Código Civil e o Ministro da Justiça de então, que era o Prof. Antunes Varela, concluíram que o argumento da dificuldade de prova era aceitável mas apenas em parte e, como tal, que o prazo que devia ser concedido devia ser alargado e passar a ser o prazo de 1 ano, mas não mais. Quer dizer, a dificuldade de prova ficou resolvida pelo alargamento do prazo processual, que era de 6 meses, para 1 ano.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É isso!

O Orador: - Ora bem, é este dispositivo que ora e pretende alterar. E não se diga, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o que está em causa é apenas um prazo, pois que prazos de caducidade são prazos de caducidade é que os prazos são tão neutros como qualquer instrumento. Aqui pediria vénia para dizer que, tal e qual como os instrumentos servem para aquilo que são usados, e que, portanto, um instrumento tão neutro como uma faca de cozinha serve para cortar o pão mas também serve para matar pes-

Página 5580

5580 I SÉRIE - NÚMERO 229

soas, também um prazo judicial tem uma aplicação que tem a ver com aquilo que é o fundo da questão. Todos nós sabemos que os prazos servem para alguma coisa, os prazos servem para beneficiar alguém. Quem é o beneficiário da alteração que agora se pretende sugerir? O beneficiário desta alteração é exclusivamente o senhorio que, tendo conhecimento de um facto violador da relação contratual e, tendo conhecimento deste facto há mais de 1 ano - quer dizer, tendo consentido na situação violadora da relação contratual durante 1 ano, pelo menos, após o seu conhecimento -, vem, só após esse prazo, quando lhe convém, quando muito bem entende, pôr em causa a relação contratual.

Os Srs. Narana Coissoró (CDS) e Lopes Cardoso (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Ora bem, o que nós pensamos que aqui está em causa é a própria boa fé nas relações contratuais; o que nós pensamos que aqui está em causa é a garantia de que as relações jurídicas se processam num mundo que não é propriamente numa selva mas em que, pelo contrário, as relações consentidas são relações em que o princípio da fidelidade e da boa fé contratual também vale alguma coisa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - E tal e qual como consideraríamos que seria um caso típico de abuso do direito a utilização de um conhecimento não titulado para ser explorado em tribuna], também pensamos que neste caso o prazo de caducidade não deve ser alargado.
Recordaria, a tal propósito, que em 1977 e foi pena que esse diploma não tivesse sido chamado à colação ao longo do debate - foi introduzido, na nossa ordem jurídica, o Decreto-Lei n.º 293/77, de 20 de Julho, da autoria do I Governo Constitucional, que veio precisamente introduzir modificações na disciplina do arrendamento e introduzir uma clarificação em matéria de caducidade, reduzindo os casos em que os senhorios ainda poderiam invocar causas de despejo a seu favor, passado o período de l ano. Ou seja, por um dos artigos deste diploma, foi introduzida a possibilidade de um inquilino que tivesse provocado algumas violações ao regime contratual de arrendamento pudesse vir a livrar-se da possibilidade do despejo, invocando novas razões para a caducidade da acção. Quer dizer, a política legislativa seguida pelo I Governo Constitucional não sujeita a ratificação por parte desta Câmara ia no sentido de alargar as condições de caducidade e não de diminuir essas condições em matéria de arrendamento.
Eu disse que não invocaria casos particulares, não tenho sequer casos particulares senão de imaginação para poder sustentar, mas creio que toda a Câmara considerará ao lado dos exemplos que foram suscitados outros mais. Quer dizer, o caso da sublocação, seja ela para arrendamento comercial, seja para habitação, em que o senhorio conseguiu numa situação de 2, 3, 4, 5, 6, 7, 10 anos se quiserem, e vem, ao fim de 10 anos, de 7, de 3, ou de 5, dizer que afinal a situação que consentiu e de que se serviu enquanto lhe apeteceu porque lhe convinha já não lhe interessa.
Pior ainda do que isto, quando cessa o próprio facto violador, iríamos admitir a possibilidade de despejo, ou seja, um caso simples: um inquilino não ocupava permanentemente a habitação que tinha arrendado durante anos tendo o senhorio consentido nesta situação; seria no momento em que o facto cessava, ou seja, em que o inquilino voltava à casa que tinha arrendado, que estaria em condições de ser despejado!
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que os exemplos que acabo de expor são suficientemente esclarecedores para me levarem a poder sustentar, com alguma validade, que não reconheço bondade à solução que é proposta neste projecto lei. Creio que, como resultou de todo esse debate, a matéria do arrendamento e do inquilinato é uma matéria melindrosa, em que há sucessivas distorções que se foram acumulando ao longo do tempo e que necessitam, da parte da Assembleia da República, de uma ponderação e de um exame que estejam em adequação até com os problemas habitacionais, tal qual eles se põem no nosso tempo, e que, uma medida pontual desta natureza - que só teria justificação se persistisse o conflito jurisprudência que ela procurava evitar, mas que já não existe - não se justifica neste momento.
O enquadramento desta medida em disposições mais amplas é essencial, a sua ponderação é também importante e creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que os argumentos que foram postos em relação à equivalência ou à possível analogia, mesmo em termos de prazo, entre as acções de despejo e as acções de divórcio não têm de facto qualquer espécie de analogia, e como tal não podem nem devem ser considerados.
Pelas razões que exponho, o meu agrupamento parlamentar votará contra o projecto lei que está em discussão.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram para interpelar o Sr. Deputado Magalhães Mota, informo as direcções dos grupos parlamentares que a conferência de líderes prevista para hoje às 17 horas foi transferida para amanhã às 10 horas.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes para interpelar a Mesa.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, são 17 horas e 25 minutos, não há intervalo ...

O Sr. Presidente: - Eu compreendo qual é a preocupação do Sr. Deputado José Luís Nunes: é a respeito do intervalo.
Ficou acordado, em conferência dos líderes parlamentares, que hoje o intervalo seria eliminado e a sessão prosseguiria, ininterruptamente, até às 19 horas.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Eu sei, Sr. Presidente. Simplesmente, há pouco tempo, o Sr. Deputado Narana Coissoró anunciou a sua intenção ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, eu interpretei as palavras do Sr. Deputado Narana Coissoró como aguardando um esclarecimento do presidente da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, e caso não tivesse esse esclarecimento então ver-se-ia constrangido a pedir um intervalo.

Página 5581

28 DE JUNHO DE 1984 5581

O Sr. Deputado Luís Saias pede a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Saias (PS): - A verdade é que ainda não tenho aqui o processo relativo a este assunto, mas posso desde já informar o Sr. Deputado Narana Coissoró do seguinte: o relator é o Sr. Deputado António Taborda e o relatório foi aprovado na Comissão por unanimidade, não havendo nem abstenções, nem votos contra. De qualquer maneira, se quiser esperar mais um pouco, o dossier deve estar a chegar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, tem a palavra para formular pedidos de esclarecimento.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Magalhães Mota, naturalmente que a sua intervenção foi rica para este debate na medida em que faz lembrar aos juristas conceitos elementares, as chamadas obrigações de trato sucessivo e obrigações continuadas ou duradoiras. Trata-se daquilo que Carnelutti dizia: «Uma é como uma flor que se desfolha em pétalas e outra é o botão em si mesmo e que se não pode desfazer», etc. Fez-nos lembrar as nossas sebentas dos 1.º e 2º anos, que muitos, naturalmente, estão esquecidos.
Nós temos diante de nós um parecer da Comissão, votado por unanimidade, e este parecer da Câmara, de uma comissão que foi encarregada de estudar o projecto, diz claramente que na discussão e na aprovação desta lei se deve ponderar a posição tomada pelo Dr. Antunes Varela. Naturalmente que, para dignificação desta nossa Câmara e das comissões que nela trabalham e das comissões que dão os seus pareceras, devia ser tomado aqui em consideração aquele parecer. Ora, o que nós verificamos é que, fazendo tábua rasa de um parecer votado por unanimidade, não se pondera, não se toma em consideração. Isto, nós, como parlamentares, não devemos admitir para o prestígio das comissões e da própria Câmara.
Em segundo lugar queria dizer o seguinte: naturalmente que V. Ex.ª traz o argumento formal de que, havendo o assento, está encerrado o contencioso jurisdicional entre as secções do Supremo Tribunal, mas naturalmente que há assentos e há assentos. Se, por exemplo, o assento é votado pergunto: por que maioria, com que argumentos, com que peso e com que fundamentos? E não devo deixar de prestar homenagem à Magistratura Portuguesa que, ao tirar os assentos, se tem pautado pelo rigor e pela consideração que o próprio Código Civil e exige, no sentido de que ela seja legislador quando entender que ordenamento jurídico precisa de preencher uma, que o legislador, por qualquer razão, não preencheu ou quando há uma contradição de interpretação nas secções do Supremo Tribunal. E o assento é tão notável que eu lembro-me que na discussão do Tribunal Constitucional, a propósito de saber se deveria haver secções ou não e se ele deveria reunir em Plenário, o argumento que fez vencimento foi o de que o Tribunal Constítucional devia ter secções para haver este balanceamento de jurisprudência entre as secções e para depois se chegar à síntese de uma legislação de uma norma geral válida para todos. Ora, o assento é uma norma interpretativa, e como aqui ontem o Dr. Montalvão Machado já disse - e também se verifica pelo próprio teor do projecto é que ele não quer ficar na lei interpretativa para entrar já uma lei de fundo, o que é estar à margem do modo como são feitas estas normas jurídicas de grande melindre. Creio que esta Câmara, embora tenha legitimidade formal e tenha juristas especializados na matéria, não devia abalançar-se para actuar desta maneira no processo de urgência.
Admito que a política legislativa dó arrendamento tem por onde se pegue. Aliás, a UEDS trouxe aqui para esta Câmara e ganhou -, por exemplo, a questão dos prazos para efeitos da cessação dos contratos dos emigrantes, das pessoas com mais de 60 anos, etc., que nós aqui votámos e votámos muito bem. Tratava-se, como V. Ex.ª lembrou, de saber o que é política legislativa e o que é mexer no chamado porão do ordenamento jurídico, o que é mexer nas próprias bases, nas traves mestras do ordenamento jurídico e não nas pontas das leis. Não está, pois, em causa a política legislativa.
Gostava de perguntar, já que V. Ex.ª fez este estudo exaustivo - como é do seu timbre e carácter -, se pela anotação do Dr. Antunes Varela, que faz agora uma distinção entre interesses violados serem puramente privados e estar em causa o interesse público, como por exemplo pôr a causa para fins morais ou ilícitos, por violação da finalidade do contrate para uso manifestamente reprovável pela sociedade, etc. se não devia haver 2 tipos de considerações. Isto V. Ex.ª não disse no seu discurso. Não o referiu porque naturalmente não o quis fazer. Gostava de saber se foi por falta de tempo ou porque não teve tempo de reflectir sobre este assunto.

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Deputado Magalhães Mota prefere responder no final, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Fernando Costa.

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Sr. Deputado Magalhães Mota, V. Ex.ª referiu-se ao Decreto-Lei n.º 293/77, de 20 de Julho, afirmando que esse decreto-lei se referia à alteração do regime da caducidade. Parece-me que essa leitura é um pouco apressada porque entendo que esse decreto-lei veio, a meu modo de ver bem, permitir que o inquilino violador das regras contratuais, no caso de ter prestado uma caução ou uma garantia para evitar a violação contratual, pudesse obstar ao despejo.
Penso que, de acordo com esta leitura, a questão da caducidade não foi alterada, pelo referido decreto. Assim, gostaria que o Sr. Deputado esclarecesse esse ponto.
Concordo com o Sr. Deputado nesta matéria, pois aqui, e em matéria de política legislativa, não devemos chamar à colação o caso da mãe ceguinha ou do pai entrevado. Compreendo, porque do que se trata aqui é de pôr em equação o interesse meramente particular do senhorio ou, outras vezes, o interesse meramente particular do inquilino e do outro lado o Interesse público.
Nesta perspectiva, perguntaria ao Sr. Deputado - que pelos vistos entende que o prazo de caducidade deve ser, em todos os casos, de 1 ano - se não acha violador do interesse público aquela situação em que o inquilino, há mais de 1 ano, há mais de 2 ou

Página 5582

5582 I SÉRIE - NÚMERO 129

até há mais de 10 anos deixou de habitar a casa arrendada, se deslocou com o seu agregado familiar para algures, não regressou à casa arrendada, fazendo dela, quanto muito, um centro de passagem no mês de Verão ou na época do Natal e só porque o senho» rio na ignorância da lei ou por qualquer outra circunstância - havendo mesmo casos em que não recorre aos serviços de um advogado devido aos honorários -, que não acha este tipo de situação altamente injusta, não tanto para o senhorio mas para o próprio interesse público.
Sabe o Sr. Deputado quantas centenas de casas há por esse país fora que não são habitadas, precisamente porque os seus inquilinos já têm a segunda habitação ou até, nalguns casos, a terceira habitação?
Não será portanto imoral, não será contra o interesse de tantas famílias que não têm casa, haver inquilinos com duas ou três casas, nomeadamente na província, onde, depois de se radicarem em Lisboa, vão passar apenas o seu fim de semana, ou o seu fim de mês ou a época do Natal? Não estará aqui posto em causa o interesse público? Não estará também a regra da caducidade - a funcionar sistematicamente ao em de 1 ano a partir do conhecimento por parte do senhorio - a violar também aqui o interesse público?
Gostaria que o Sr. Deputado me esclarecesse sobre este ponto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, também para pedir esclarecimento ao Sr. Deputado Magalhães Mota, que seguidamente responderá a todas as questões que lhe foram postas.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Magalhães Mota, antes de formular o meu pedido de esclarecimento, gostaria de frisar que há grande diferença entre a discussão feita aquando do pedido de urgência e a discussão que hoje está a ser feita nesta Câmara. Creio mesmo que houve uma certa ligeireza da Assembleia ao aprovar o pedido de urgência porque, como pudemos ver, este assunto não tem urgência nenhuma e já se levantam vozes de vários quadrantes a dizer que a questão tem de ser muito bem pensada. Ora, o pedido de urgência não favorece essa meditação.
Decerto para contrapor às afirmações do Sr. Deputado Montalvão Machado, que classificou os inquilinos como manhosos, V. Ex.ª focou, em minha opinião muito bem, o caso de senhorios manhosos, que aguentam durante anos o recebimento de rendas de pessoas que não são inquilinos e depois, quando sai uma determinada lei que lhes vai permitir arrendar o prédio por preço muito superior, vêm accionar os mecanismos de despejo, numa atitude, na verdade, manhosa.
Ora, dado que, durante este debate, se têm ventilado algumas sugestões, todas elas baseadas na consideração de que na relação locativa há, de facto, um interesse público a sobrepor-se a interesses privados, queria apenas perguntar ao Sr. Deputado se não entendia que este projecto, a ser aprovado -isto porque, embora em nossa opinião, tal como está, não mereça aprovação, parece haver razões políticas que ditam a sua aprovação- não deveria baixar à Comissão para uma profunda meditação e introdução de alterações na especialidade.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Começando pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, queria dizer-lhe que estou quase inteiramente de acordo com os pedidos de esclarecimento que me formulou, pois tive o cuidado de dizer que não ia falar para uma câmara de juristas, daí as noções elementares que usei. Peço desculpa aos meus colegas por o ter feito, mas pareceu-me necessário para proveito da Câmara e dos não juristas, que estão necessariamente menos dentro destas noções.
Quanto ao problema do assento do Supremo Tribunal de Justiça, creio que - estamos todos de acordo quanto a isso -, não interessa o facto de ter sido por uma maioria de 17 para 12 ou de 17 para 11, mas sim o tratar-se de um assento. Há assentos tirados com maioria de l voto, como o Sr. Deputado recordará, e nem por isso têm menor valor, pelo contrário, trata-se do próprio melindre e da ponderação que as questões sempre merecem.
Penso mesmo que todos nós, aqui, tivemos ocasião de, por uma via ou por outra, manifestar a nossa concordância com a interpretação do Supremo Tribunal de Justiça. O próprio autor do projecto teve o cuidado de salientar, na sua intervenção, que procurava numa disposição inovadora, o que é uma forma de revelar como, em termos de interpretação, também ele tem, não só respeito mas também acatamento pelo assento do Supremo Tribunal de Justiça.
De facto, não me pronunciei sobre a posição do Prof. Antunes Varela porque penso que ela é uma posição extremamente rica em matéria de política habitacional, não tendo por isso que ver apenas com esta questão. Porque a distinção entre interesse público e interesse privado em matéria de arrendamento e de legislação do inquilinato é uma questão que tem a ver com toda a política de habitação e com toda a política de inquilinato, penso que incluir neste debate a ponderação desta questão, o excederia largamente. Tive ocasião de me pronunciar - e penso que é essa também a posição do Sr. Deputado no sentido de que esta questão deveria ser debatida num âmbito mais vasto, mais aprofundado e em que todos esses pontos pudessem ser considerados, pois parece-me tratar-se de uma sugestão bastante rica de virtualidades.
Quanto ao Sr. Deputado Fernando Costa, dir-lhe-ia que o Decreto-Lei n.º 293/77, de 20 de Julho, veio, de facto, alargar a caducidade. A sua secção IV chama-se mesmo «Caducidade do direito à resolução judicial do arrendamento por cessação da causa» e o seu artigo 18.º, n.ºs 1 e 2, vem atribuir ao inquilino o direito de pedir a declaração da caducidade do direito à resolução do arrendamento, preenchidos determinados requisitos, o que me leva a considerar, e penso que bem, que o diploma alarga as condições de caducidade.
Quanto ao problema da habitação, da ocupação da habitação e do interesse público na falta de habitação nos casos expostos, recordaria ao Sr. Deputado um facto evidente da nossa política legislativa, e creio que aí as razões de discordância e as razões de melindre terão de ser procuradas por V. Ex.ª Havia de facto um diploma - refiro-me ao Decreto-Lei n.º 445/74 - em que a efectiva ocupação dos fogos existentes era considerada um elemento essencial da nossa

Página 5583

28 DE JUNHO DE 1984 3583

política de habitação. Esse diploma foi revogado pelo artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 148/81, ou seja, num decreto-lei de um dos governos da AD apoiado por V. Ex.ª. Ora, se critica a política de ocupação e se prefere a política efectiva de ocupação da habitação, nada mais terá de a fazer do que recusar a sua opinião de tempos passados de apoio a esta política legislativa e alterá-lo no sentido de consagrar a necessidade de ocupação dos fogos devolutos. Nesse aspecto estaremos de acordo, assim como também estaremos de acordo em penalizar, por exemplo, os prédios que se mantêm sem arrendamento e até com isenção de contribuições durante o período em que estão por arrendar.
Parece-me que uma política legislativa mais ampla do que a que está em causa teria necessariamente que contemplar estes e outros aspectos.
Quanto à questão levantada pela Sr. Deputada Odete Santos, sobre se este diploma deve ou não baixar à Comissão, dir-lhe-ei que entendo que sim, por ter surgido um facto novo, que é o assento do Supremo Tribunal de Justiça. Eu próprio sou subscritor, com outros Srs. Deputados, de um requerimento que já está na Mesa, pedindo essa baixa à Comissão porque deve ser considerado esse facto novo da apresentação do referido assento.

O Sr. Presidente: - Está neste momento a chegar i Mesa o requerimento que o Sr. Deputado Magalhães Mota acaba de anunciar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou focar, rapidamente, 2 assuntos.
Primeiro, um que tem vindo várias vezes à baila e que é o da responsabilidade social. Efectivamente, há questões que este projecto, aparentemente, vem resolver, mas que podem ser resolvidas de outra forma.
Argumentar sobre um conjunto de problemas que este projecto irá resolver, se aprovado, quando poderia ser resolvido de outra forma, parece-me que é desviar a questão essencial, pois é preciso ver que outro tipo de problemas este projecto, a ser aprovado, vem criar.
Queria comentar uma intervenção aqui produzida a propósito de uma questão posta há pouco tempo: é que o problema se põe quer em relação a inquilinos que tem casas desocupadas, quer em relação a senhorios que têm, igualmente, casas desocupadas. Se este problema é preocupante, analisemo-lo e estabeleçamos exactamente legislação sobre isso, pois não será por esta via ínvia dos prazos de caducidade que vamos conseguir resolver esse problema que é efectivamente um problema real.
Queria ainda dizer que, apesar de o debate ter tido alguma extensão, me parece haver ainda aspectos com alguma complexidade que não estão suficientemente esclarecidos, como demonstrou, por exemplo, o recente diálogo entre os Srs. Deputados Magalhães Mota e Narana Coissoró e que mereciam melhor tratamento que o que têm no projecto, dado o melindre do assunto.
Por outro lado, e como foi dito ainda agora pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, o assento do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1984, veio lançar luz nova sobre este assunto e a doutrina nele expressa merecerá uma mais aprofundada análise por parte desta Câmara. Nesse sentido, nós, deputados da UEDS, subscrevemos, com os deputados do MDP/CDE e da ASDI, um requerimento que, aliás, tem como primeiro subscritor o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos na Mesa um requerimento, formulado nos lermos constitucionais e regimentais, que vai ser lido.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís Nunes pretende a palavra antes da leitura do requerimento?

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, queria interpelar a Mesa.

A lei implica que os requerimentos sejam imediatamente votados quando chegados à Mesa, e eu desejava pedir, após a leitura do requerimento, um intervalo de 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. (amos proceder à sua leitura e imediata votação, mas, atendendo ao requerimento do Sr. Deputado José Luís Nunes, depois de lido, será feita uma interrupção de 15 minutos.

Foi lido. É o seguinte:

Os deputados abaixo-assinados, tendo em atenção o assento do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1984, requerem, nos termos do artigo 150." do Regimento, a baixa do texto do projecto de lei n.º 177/III, à comissão competente para efeitos de nova apreciação na generalidade e no prazo de 15 dias.
Assinam o requerimento 10 deputados da UEDS, da ASDI e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Nos termos do requerimento formulado pelo Sr. Deputado José Luís Nunes, está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação do requerimento ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dá-me licença. Sr. Presidente? É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, não temos nada a opor a que V. Ex.ª anuncie que vamos passar à votação. Só que isso só se poderá fazer quando houver quórum. Neste sentido, apelava a V. Ex.ª que mandasse verificar se, de facto, ele existe.

O Sr. Presidente: - Aguardaremos alguns minutos para que os Srs. Deputados retomem os seus lugares.

Pausa.

Página 5584

5584 I SÉRIE - NÚMERO 129

Sou informado que neste momento estão presentes 112 Srs. Deputados. Na medida em que ainda não se atingiu o número exigível para formar quórum, julgo que estamos impossibilitados de votar.
Nestas circunstâncias, passamos ao ponto seguinte da ordem de trabalhos que consiste da discussão ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente? É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, a nossa bancada não percebeu bem a indicação da Mesa quanto ao prosseguimento dos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Na medida em que não há quórum para votar o requerimento nem o projecto de lei, mas há quórum para funcionamento do Plenário, passamos aos pontos seguintes da ordem de trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é bom sublinhar que há uma certa falta de lógica na solução que adoptou. O máximo que o Sr. Presidente poderia fazer era considerar que não havia condições para votar o requerimento e, portanto, prosseguir o debate.

O Sr. Presidente: - O debate estava concluído.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não está concluído, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem razão. Assim, faremos a formalização necessária. Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Se a memória não me atraiçoa, foi aqui dito há pouco que os Srs. Deputados subscritores do requerimento aguardariam que o debate estivesse terminado e nessa altura fariam entrar o requerimento. Só nessa altura isso seria lógico.
Na medida em que, afinal, o debate não terminou, penso que os Srs. Deputados subscritores do requerimento o retirarão até que o debate termine, para então, o voltarem a apresentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, tinha sido verificada a inexistência de mais inscrições e, como tal, considerava-se encerrado o debate. Foi por isso que o requerimento entrou. Não havia mais inscrições e ia passar-se à votação. Isso foi anunciado pela Mesa e constará, certamente, do Diário.

O Sr. Presidente: - Evidentemente que não havia inscrições e do requerimento constava a indicação de que, antes de se proceder à votação do projecto, os seus autores pretendiam que ele baixasse à Comissão, nos termos do próprio requerimento. O que apenas não fiz foi o encerramento formal. E foi por isso que
respondi ao Sr. Deputado João Amaral que não cheguei a dizer que estava encerrado o debate, mas, de alguma maneira, se depreendeu da decisão da Mesa que o debate estava encerrado.
Nestas circunstâncias, não havendo quórum para votar o requerimento e o projecto, evidentemente que passamos ao ponto seguinte da ordem de trabalhos, na medida em que há quórum de funcionamento. Penso que não há outra interpretação.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado João Amaral?

O Sr. João Amaral (PCP): - É para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, muito simplesmente quero solicitar a V. Ex." que me diga qual é a norma regimental que lhe permite interromper um debate, nomeadamente na parte que se refere às votações necessárias, e passar ao ponto seguinte.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, na verdade, não existe nenhuma norma regimental que seja explícita quanto a este ponto - também já fiz aqui uma pesquisa do Regimento. Das três uma: ou esperamos indefinidamente, até ao final da sessão, que se reúna quórum, ou encerra-se a sessão, ou passa-se ao ponto seguinte.
Mas creio que, havendo uma agenda de trabalhos e possuindo esta Câmara quórum de funcionamento e de debate, não há razões para encerrar a sessão. Se não tivéssemos mais nenhum ponto na nossa ordem de trabalhos, evidentemente que daria a sessão por encerrada. Mas, como da nossa ordem de trabalhos constam mais 2 pontos e há quórum de funcionamento, presumo - é a minha interpretação - que devemos passar a esse pontos e que, quando houver quórum de votação devemos votar o requerimento e o projecto que estava em discussão.
Parece-me que esta é uma interpretação lógica, normal e natural, mas evidentemente que estas questões são sempre controversas.
Para intervir sobre esta questão, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, como V. Ex.ª acabou de dizer, estas questões são controversas. A lógica da sua proposta parece-me bastante duvidosa, (amos iniciar um debate, íamos proceder a uma votação e interrompemos. Iniciamos um debate, suspendemos o debate quando não houver quórum, voltamos ao problema que tínhamos deixado atrás, votamos, retomamos o debate.
Se tivéssemos à nossa frente algumas horas de trabalho útil, ainda poderia, por razões de economia de tempo, admitir uma solução dessas, com todos os entorses à lógica dos debates. Mas, no fundo, estando nós a 20 minutos do termo da sessão de hoje, parece-me que seria bastante mais lógico que suspendêssemos a

Página 5585

28 DE JUNHO DE 1984 5585

sessão neste momento e prosseguíssemos normalmente os trabalhos, na sua cronologia lógica, amanhã. É esta a sugestão que faço.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, como sugestão ou proposta à Mesa, é perfeitamente correcto. Mas, na verdade, o Sr. Deputado não pode invocar o argumento de que só temos 20 minutos para justificar uma interpretação diferente daquela que faz a Mesa. Imagine que ainda faltavam 3 ou 4 horas. O seu argumento é um argumento meramente conjuntural, mas que, como proposta à Mesa, não serve.
Evidentemente que, se os restantes grupos parlamentares estiverem de acordo, encerramos a sessão. Agora, num plano estritamente regimental, não há nada que impeça esta Câmara de prosseguir na discussão da sua ordem de trabalhos até que se chegue à hora de encerramento do debate. Se os Srs. Deputados e representantes dos diversos grupos parlamentares entenderem interromper agora, não há da Mesa qualquer objecção.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, direi o que tenho a dizer. V. Ex.ª tem razão, o Sr. Deputado Lopes Cardoso tem razão, muitos dos Srs. Deputados que intervieram tem razão e ouso dizer que todos os Srs. Deputados têm razão.
Simplesmente, há aqui 2 questões prévias que têm de ser resolvidas e que são da maior importância. Entendem ou não, a Mesa e a Câmara, que o debate sobre esta matéria está encerrado? Esta questão não ficou resolvida e não me espantaria que esta questão, não por nenhuma hipótese de má fé, mas por falta de clareza sobre esta matéria, fosse amanhã levantada de novo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, desculpe-me interrompê-lo, mas posso responder-lhe imediatamente que o debate foi encerrado.

O Orador: - Sr. Presidente, o debate está encerrado. Estamos todos de acordo em que o debate está encerrado. Sendo assim, não há votação a fazer sobre um requerimento, nem sobre a questão de fundo, porque não há quórum, o que significa que a votação sobre esta matéria passará para amanhã. Entendi bem, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, não há quórum de votação, há quórum de funcionamento.

O Orador: - Sr. Presidente, não havendo quórum de votação, a votação desta matéria passará para amanhã - entendi bem! Havendo de seguida algum tempo, nada impede que se discuta o decorrer da ordem dos trabalhos.
Acabo de ser informado de que existe, neste momento, uma comissão que estava a funcionar e que já concluiu os seus debates. Se por acaso, até ao fim da hora regimental, se conseguir constituir o necessário quórum nesta Sala, penso que a solução deve ser a votação das matérias, pela ordem em que cias se encontram agendadas. Se não se conseguir concluir o quórum nesta Sala, encerrada que seja a discussão pode e deve passar-se ao segundo ponto da ordem de trabalhos, deixando para amanhã a votação e a discussão destes, excepto se a Assembleia decidir interromper aqui a sua sessão.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, a sua interpretação coincide inteiramente com aquela que expus há momentos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura pediu a palavra antes de V. Ex.ª Peço-lhe que aguarde um momento.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, é para informar que não nos sentimos em condições de continuar este debate. Portanto, nos termos regimentais, pedimos vinte minutos de intervalo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura acaba de requerer, ao abrigo de um preceito regimental, que seja interrompida a sessão por 20 minutos. Como os Srs. Deputados sabem, este requerimento tem um processamento automático. Ë um direito potestativo e, por conseguinte, a Mesa vai interromper a sessão por 20 minutos.

Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão, Srs. Deputados.

Eram 19 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Estão passados os 20 minutos de suspensão dos trabalhos requeridos pelo MDP/CDE, o qual, aliás, não se encontra na Sala, e uma vez que, em conferência de líderes parlamentares, foi acordado que hoje a sessão encerraria às 19 horas, é altura de anunciar a ordem de trabalhos para amanhã para depois dar por encerrada a sessão.
Assim, a sessão de amanhã terá início às 10 horas, sem período de antes da ordem do dia, constando do período da ordem do dia o seguinte: votação do requerimento de baixa à Comissão para nova apreciação na generalidade do projecto de lei n.º 177/III; apreciação da proposta de lei n.º 68/III, que autoriza o Governo a contrair empréstimo junto do Kreditanstalt fur Wiederaufbau (F f W) até ao montante de 80 milhões de marcos, ao abrigo do acordo de cooperação financeira com a RFA; a apreciação da proposta de lei n.º 67/III, que autoriza o Governo a contrair empréstimo junto do BIRD, e, finalmente, a continuação do debate sobre as alterações ao Regimento.

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 8 minutos.

Página 5586

5586 I SÉRIE - NÚMERO 129

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
Eurico Faustino Correia.
João Joaquim Gomes.
José Luís do Amaral Nunes.

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Bento Gonçalves.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Mário Martins Adegas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.

Centro Democrático Social (CDS):

Francisco António Lucas Pires.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Henrique Meireles Barros.
José Luís Nogueira de Brito.
Horácio Alves Marçal.
João Carlos Dias M. Coutinho Lencastre.
José Augusto Gama.
José Miguel Anacoreta Correia.
José Vieira de Carvalho.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Almerindo da Silva Marques.
António Gonçalves Janeiro.
Bento Elísio de Azevedo.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Victor Hugo Jesus Sequeira.

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
Fernando José Alves Figueiredo.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Pereira.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Serafim Jesus Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

António Guilherme Branco Gonzalez.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
António José de Castro Bagão Félix.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.

Declaração de voto dos deputados da Acção Social-Democrata Independente (ASDI) relativa à votação do recurso de admissibilidade da proposta de lei n.º 72/III.
O presente recurso, fundado em alegadas violações de diversos preceitos da Constituição, não merece o nosso voto favorável pelas seguintes e sintéticas razões:

1 - A modificação introduzida pela Lei de Revisão da Constituição no sentido de que uma norma ferida de inconstitucionalidade não acarreta, no seu todo, a inconstitucionalidade do diploma legal em que a mesma se insere, conduz a que se deva ser mais rigoroso quanto à apreciação de um recurso que incida sobre a admissibilidade de uma iniciativa legislativa fundada em inconstitucionalidade.
2 - Não há, na proposta de lei n.º 72/III, dispositivos que violem directamente e muito menos «frontalmente», como se alega, normas da Constituição.
Bem ao contrário, na economia daquela proposta, a tutela administrativa sobre as autarquias locais restringe-se à verificação do cumprimento da lei por parte dos seus órgãos o que não só é admitido, como é exigido pela Constituição.
Pode discordar-se da classificação adoptada quanto às acções ou omissões que, pela sua gravidade, são conducentes à dissolução do órgão responsável pela sua prática, mas esse é uma questão diversa, a apreciar na altura da discussão, quer na generalidade, quer na especialidade, da proposta de lei.
Do mesmo modo poderia raciocinar-se quanto ao demais contexto da proposta de lei que, contendo embora dispositivos e previstas soluções discutíveis, consoante as diversas opções legislativas sobre a matéria, não extravasam, todavia, do respectivo quadro de referência constitucional.
3 - O presente recurso apresenta-se, na sua aparência, como mero expediente de comprometimento com posições que vêm sendo publicamente expostas por parte de alguns órgãos de algumas autarquias que, antes mesmo da apresentação da proposta de lei n.º 72/III, já a vinham classificando, por antecipação, de inconstitucional.

Os Deputados: Vilhena de Carvalho - Magalhães Mota - Ruben Raposo.

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos enviado à Mesa para publicação.

Em reunião realizada no dia 27 de Junho de 1984, pelas 10 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitada pelo Partido Socialista:

Carlos Luís Filipe Gracias (circulo eleitoral de Faro) por Ferdinando Lourenço de Gouveia (esta substituição é pedida para os dias 28 de Junho corrente a 12 de Julho próximo, inclusive).

Página 5587

28 DE JUNHO DE 1984 5587

2) Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:

Joaquim dos Santos Pereira da Costa (círculo eleitoral do Porto) por Serafim de Jesus Silva (esta substituição é pedida para os dias 27 a 29 de Junho corrente, inclusive).
Guido Orlando de Freitas Rodrigues (círculo eleitoral do Porto) por Serafim de Jesus Silva (esta substituição é pedida por 1 dia, 2 de Julho próximo).
3) Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:
Joaquim Rocha dos Santos (círculo eleitoral do Porto) por José Henrique Ribeiro Meireles Barros (esta substituição é pedida para os dias 27 a 29 de Junho corrente, inclusive).
4) Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
5) Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
6) Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

7) O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: O Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - António da Costa (PS) -Carlos Cardoso Lage (PS) - Manuel Fontes Orvalho (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

As Redactoras: Cacilda Nordeste - Ana Maria Marques da Cruz.

Página 5588

PREÇO DESTE NÚMERO 90$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×