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I SÉRIE - NÚMERO 136

Não obstante, ele está imbuído de toda uma filosofia repressiva que é a negação mesma da razão de ser da lei de processo penal, designadamente no capítulo das medidas policiais, já que posterga totalmente os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

É certo que, ao contrário da proposta governamental, o projecto de lei do CDS se reduz e circunscreve à prevenção dos actos de terrorismo, o que já é um avanço.

No entanto, é precisamente em casos limite como este do terrorismo que se põe à prova os valores da dignidade do homem e se ele é ou não a medida exacta das leis.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei do CDS apresenta, a nosso ver, várias inconstitucionalidades a nível de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, designadamente nos seus artigos 9 º, 13º, 14º, 16º e 17º.

E óbvio, porém, que estamos, neste campo, no domínio da teoria dos direitos fundamentais.

Ora, considerados em abstracto, os direitos fundamentais são um fim em si mesmos.
E, como diz Gomes Canotilho: "Os direitos fundamentais da Constituição portuguesa são diretos de defesa do cidadão (Abwehrrechte) perante os poderes públicos. Um estado de direito é hoje um estado de direitos fundamentais, onde se reconhece aos cidadãos a defesa da sua autonomia pessoal, invocando os direitos fundamentais contra as leis e outros actos do poder público". -Direito Constitucional, p. 529.
Mas a teoria dos direitos fundamentais, para além do elemento subjectivo apontado, leva-nos ainda aos limites objectivos que eles contêm, isto é, à exigência da conformação jurídica da norma, ordinária com a constitucional.
E esta conformação leva-nos às questões da concretização, da limitação ou da restrição dos direitos fundamentais.
Ora, toda a teoria geral de conformidade da lei ordinária com a lei constitucional está expressa, a nosso ver, no artigo 18º da Constituição da República, sendo neste domínio significativas as alterações aí introduzidas pela revisão de 1982, no sentido de salvaguardar ao máximo a imutabilidade de um núcleo essencial da norma constitucional e de a reserva da lei restritiva ter de limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
No projecto de lei do CDS apresenta-se-nos logo como inconstitucional o artigo 14 º, na medida em que permite buscas domiciliárias sem mandato judicial prévio, autorizadas apenas pela Procuradoria-Geral da República, pois tal preceito ofende frontalmente, em nossa opinião, o n º 2 do artigo 34 º da Constituição.
Diga-se, de passagem, que o instituto das buscas continua, ainda hoje, a ser um dos institutos mais importantes nos termos da legislação processual penal, eia qual, apesar de todas as modificações, continua a ser o juiz quem, em princípio, deve presidir a uma tão grande restrição aos direitos e liberdades dos cidadãos.
Poderá dizer-se que o projecto de lei é extremamente cauteloso em relação a preceito análogo da proposta governamental, na medida em que restringe, por um lado, o âmbito destas medidas à iminência da prática de actos de terrorismo, por outro, a autoridade autorizante não é meramente policial, e consigna ainda sanções para a sua posterior não validação.

A verdade, porém, é que nada disso invalida que tal norma deixe de ofender o artigo 34.º da Constituição, cujo núcleo essencial é precisamente a inviolabilidade do domicílio.

E dentro desta norma constitucional há já um conflito ou concorrência de direitos que está expressamente resolvido no seu n º 2. Isto é, tal inviolabilidade só poderá ser afectada, através da entrada no domicílio, contra a vontade do cidadão, ordenada pela autoridade judicial competente, o que não é o caso da Procuradoria-Geral da República.

Como diz Canotilho: "Se há direitos colidentes, ao legislador não é permitido estabelecer uma hierarquia de direitos, valorando uns superiormente aos outros, mas procurar dentro do âmbito material das normas uma tarefa de concordância prática". (Ob. cit, p. 548).

Porém, no caso concreto do artigo 34 º da ConstiUuição, tal colisão está já resolvida na própria norma constitucional e não é permitido ao legislador ordinário ir além do que está estipulado, na medida em que a reserva de lei restritiva permitida pelo n º 2 não pode diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial do preceito constitucional, isto é, o legislador ordinário apenas pode declarar quais os casos e em que circunstâncias são permitidas as buscas, mas sempre com mandato judicial prévio.

Diga-se, só de passagem, que a Procuradoria-Geral da República não é autoridade judicial, nem ao ministério público pertencem funções de segurança interna, mas tão-só as de defesa da legalidade democrática.
E é inquestionável que a "autoridade judicial competente" a que se refere o n.º 2 do artigo 34 º da Constituição é o juiz de instrução, como o próprio artigo 14 º do projecto confessa nos seus n.os 2, 3 e 4 ao prever o instituto estranho da validação ou não posterior do acto, pela autoridade judicial e as suas consequências.
Acresce que - e isto vale também para os artigos 16 º e 17 º do projecto - tais medidas não deixam de ter um cariz administrativo só.
Por serem autorizadas pela Procuradoria-Geral da República, já que os seus membros estão hierarquicamente subordinados e dependem, em certa medida, do Governo.
De resto, a Procuradoria-Geral da República é, como se sabe, uma entidade abstracta, um ente colectivo que tem funções de consultadoria, de auditoria e funções de gestão do próprio ministério público. O que não tem, com certeza, são funções de instrução criminal.
Ora tais medidas, além de inconstitucionais são profundamente perigosas para as liberdades, uma vez que podem ser tomadas com fundamentos vagos, sendo o seu controle posterior, pelas autoridades judiciárias, de eficácia nula, porque, entretanto foi já perpetrada a violação dos direitos e liberdades.
Medidas como estas, tão gravosas, só se compreendem em estado de excepção, pelo que a sua institucionalização com carácter permanente equivale, como já o dissemos a propósito da proposta de lei governamental, à declaração do estado de sítio permanente.