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6018 I SÉRIE - NÚMERO 139

foi alegando o interesse específico para a região dos Açores que decorreria, como se descreveu, das características culturais (ético-religiosas) do povo açoriano e do facto de a inovação contida no artigo 227.º, n.º 1, da Constituição, após a revisão, não poder nem dever esvaziar-se de conteúdo prático.
Só que é bem outro o entendimento a dar àquele preceito constitucional.
Por um lado, sempre poderá cogitar-se sobre o verdadeiro alcance, de um ponto de vista normativo, da inserção num preceito constitucional de expressões justificativas ou enunciadoras dos fundamentos desse mesmo preceito, o que equivale a dizer que, abstraindo, embora, da substância da fundamentação, não é de todo insustentável que a referência do n.º 1 do artigo 227.º, aos fundamentos do regime político-administrativo dos Açores e da Madeira é excrescente.
Por outro lado, convirá ter presentes os trabalhos preparatórios da revisão da Constituição e de como ficou bem explícito, nomeadamente pelo Dr. Vital Moreira, na Comissão Eventual de Revisão Constitucional (CERC), que a inclusão das características culturais, a acrescer às já constantes características geográficas, económicas e sociais das regiões autónomas, não tinha qualquer significado no sentido do alargamento da autonomia das regiões, contrariamente ao que agora pretende a Assembleia Regional dos Açores (vide Diário da Assembleia da República, 2.ª série, 2.º suplemento, n.º 64, de 10 de Março de 1982, pp. 1232, e segs.).
Os poderes legislativos ou de iniciativa legislativa perante a Assembleia da República não foram, assim, alterados a partir da nova redacção do artigo 227.º, n.º I, da Constituição, e continuam a ser os que decorrem desta e dos estatutos político-administrativos de cada uma das regiões autónomas.
E do estatuto da Região Autónoma dos Açores, o que se colhe é que a respectiva assembleia regional pode legislar sobre matérias de interesse específico para a região, desde que àquelas não estejam, reservadas a competência própria dos órgãos de soberania [artigo 26.º, alínea c)], o que significa que, mesmo que a matéria em causa fosse de interesse específico para a região, como se trata de matéria reservada da Assembleia da República, não podia sobre ela legislar a assembleia regional.
Mas, não se tratando também de matéria caracterizadamente específica da região, vedado está do mesmo modo à Assembleia Regional dos Açores, como anteriormente dissemos, usar da simples iniciativa legislativa.
Alegar que os açorianos respeitam os valores ético-religiosos que contra-indicam a permissibilidade da interrupção voluntária da gravidez, para, com base nisso, se pôr em crise uma lei da República, seria ignorar que também os transmontanos, os minhotos, os beirões e quiçá mesmo a maioria do povo português é católica e isso não constitui fundamento para a não aprovação da lei n.º 6,/84, de 11 de Maio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Legislar sobre o que é lícito e o que não é lícito, é legislar, necessariamente, para todo o país, não se compreendendo como poderia respeitar-se o princípio da igualdade perante alei que a Constituição consagra, ao permitir-se a interrupção voluntária às mulheres do Continente e da Madeira e se proibisse às dos Açores.
Por outro lado, não se compreende que, a ter seguimento a proposta da Assembleia Regional dos Açores, possa falar-se de unidade de Estado. Pois não é o império da lei e a sua generalizada aplicação, e nomeadamente a lei penal, como garantia do cumprimento das demais leis e salvaguarda dos valores que, em cada momento, o Estado entende dever salvaguardar, que mais contribuem para aquela unidade?
Dizer-se, como se faz no recurso em apreço, que não pode aceitar-se que o aborto seja erigido à categoria de factor de unidade de Estado é uma mistificação.
Não é o aborto que é um factor de unidade de Estado. O que é e o que tem de ser factor dessa unidade é o acatamento que a todos os portugueses é exigido às leis elaboradas pela Assembleia da República, mormente em matérias como aquelas de que estamos tratando.

O Sr. Jorge Lemos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Relembra ainda a Assembleia Regional dos Açores, como que a justificar o pedido de revisão da Lei n.º 6/84, que esta viola frontalmente o disposto no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição, inculcando a ideia de que a inviolabilidade da vida humana abrange a vida intra-uterina.
Respeitável é esta opinião. Só que ela não procedeu nem na Assembleia da República nem no Tribunal Constitucional, para onde, de resto, a Assembleia Regional dos Açores, não recorreu, como, aliás, era seu direito, face ao que se dispõe na alínea ti) do n.º 1 do artigo 26.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
Não se nega à Assembleia Regional dos Açores, por outro lado, o direito de, sponte sua, recomendar à Assembleia da República o que entenda por conveniente, interpretando os interesses da região, sobre matéria legislativa pendente neste órgão de soberania. E foi o que fez, ao aprovar a Resolução n.º 1/84/A, de 9 de Dezembro de 1983, publicada no Diário da República, de 9 de Janeiro de 1984.
Mas uma recomendação é uma recomendação e mais nada além disso.
De resto, foi só no Diário da República, que dela se fez eco, pois nem os deputados à Assembleia da República eleitos pelos Açores a ela aludiram no decorrer dos debates sobre os projectos de lei relativos à interrupção voluntária da gravidez, nem até ao dia de ontem havia, na nossa biblioteca, enviados pela assembleia regional, como lhe competiria, os Diários das sessões em que a referida resolução foi debatida e votada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começámos por dizer, no início da nossa intervenção, que o problema deste recurso era não só jurídico-constitucional - e disso já curamos um pouco- mas também de carácter político.
De facto, não temos por «inocente» a invocação das características culturais do povo açoriano, supostamente justificantes de um alargamento da autonomia da Região dos Açores, a partir da alteração do artigo 227.º, n.º 1, da Constituição.
E nada nos surpreenderia que, a proceder o recurso interposto, nos achássemos em vésperas de outras iniciativas legislativas com semelhante fundamento. A não aplicação nos Açores da Lei do Divórcio, por exemplo.
Também não podemos deixar de ter presente as diversas posições políticas assumidas pelo Presidente do Governo Regional da Madeira a propósito dos projectos de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez. Posições pessoais respeitáveis, naturalmente. Posições partidárias, igualmente respeitáveis. Mas também posições que relevaram de um certo aproveitamento das ocasionais divergências sobre a matéria por parte dos partidos da coligação governamental.
As eleições, nos Açores, também não estão longe. Nem as eleições para a Presidência da República. Juntem-se estas e outras pedras e não será difícil completar o puzzle.