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6164 I SÉRIE - NÚMERO 142

suas próprias instituições. Por isso, um dos objectivos do terrorismo na Europa ë o de provocar a auto-perversão das democracias para levar os cidadãos a descrer do seu funcionamento. Pior do que o desarmamento legal e policial das democracias seria o seu desarmamento moral. Por isso, também, as várias resoluções e recomendações aprovadas pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa relativamente à defesa da democracia contra o terrorismo têm posto o acento tónico na necessidade de compatibilizar a adopção de medidas excepcionais com a preservação dos valores democráticos. Assim, por exemplo, na Recomendação 982, de Maio de 1984, sublinha-se expressamente que «a defesa da democracia não pode jamais cair na contradição de utilizar métodos antidemocráticos ou susceptíveis de violar eles próprios os direitos do homem». A mesma recomendação, à semelhança de outras anteriormente aprovadas, assinala ainda «o papel fundamental da cultura e da educação na manutenção de um consenso popular de confiança nas instituições democráticas indispensáveis à luta contra o terrorismo». Aliás, em Novembro de 1980, realizou-se em Estrasburgo, por iniciativa do Conselho da Europa, uma importante conferência subordinada ao tema: «A defesa da democracia contra o terrorismo na Europa.» Aí se abordaram e discutiram questões em relação às quais se definiu um conjunto de princípios e orientações que são comuns aos Estados membros do Conselho da Europa.
A conclusão principal da Conferência de Estrasburgo foi a de que o combate ao terrorismo é, antes de mais, um combate político que, para ser vitorioso, necessita, por um lado, do alargamento da solidariedade institucional e constitucional, e por outro do reforço do consenso entre as instituições e o povo. Trata-se de um problema fundamental, que eu gostaria de destacar devidamente. Como foi dito na introdução geral da Conferência pelo senador Calamandrei: «Os ataques do terrorismo criam uma situação de necessidade na qual a solidariedade das forças constitucionais tende a alargar-se e a tomar a forma de uma verdadeira coligação governamental ou, pelo menos, de um consenso antiterrorista entre maioria e oposição constitucional. Se esta solidariedade se manifesta como tal e se mantém com suficiente estabilidade e coerência no Parlamento e no País, é pouco provável que o terrorismo consiga fazer entrar na liça forças que poderiam pôr em causa os próprios fundamentos da liberdade e da democracia.»
Eis aqui pois uma ideia força do combate político antiterrorista: consenso e solidariedade entre as forças democráticas e constitucionais.
Outras ideias força são a da solidariedade entre as instituições e o povo e a da necessidade e a de a democracia se manter fiel a si mesma.
Ideias expressas com notável rigor pelo antigo ministro da Justiça de Itália, senador Francesco Bonifácio:

O objectivo do terrorismo é a destruição do sistema democrático. O recurso a medidas repressivas não conformes ao respeito dos direitos do homem seria um processo no sentido desejado pelos terroristas. A derrota da subversão antidemocrática depende em larga medida do laço de solidariedade entre os cidadãos e as instituições. Este laço enfraquecer-se-ia ou acabaria mesmo por quebrar-se se a democracia se defendesse com as armas dos regimes autoritários. Eis porque a democracia vencerá se se mantiver fiel a si mesma.
Tais são, no plano político, as grandes linhas das democracias europeias ao terrorismo. Daí a importância atribuída à educação, à cultura, ao desenvolvimento da democracia e ao aprofundamento dos direitos do homem e da participação dos cidadãos na vida política, resultantes da convicção de que só assim poderá evitar-se o medo e a descrença que são um dos objectivos do terrorismo e de que só assim, também, poderá conseguir-se o isolamento social e político dos terroristas.
No plano jurídico, a orientação fundamental tem consistido no agravamento das penas e no reforço dos poderes de polícia no que respeita a detenção e interrogatório dos detidos. Como diz ainda o senador italiano: «O domínio do direito penal e do processo penal é o terreno de encontro e de confronto entre o principio da liberdade e o princípio da autoridade. E pelo modo como este encontro e confronto são disciplinados que podem apreciar-se as características de um regime político.» Trata-se, ao fim e ao cabo, do tão falado conflito de valores. As grandes linhas de orientação do Conselho da Europa vão no sentido de confinar ao combate contra o terrorismo e o crime as medidas que envolvam restrições de direitos, liberdades e garantias. E vão ainda no sentido de precisar, determinar e especificar os casos em que estas podem ter lugar. Nem indeterminação do objecto das medidas especiais de polícia, nem ambiguidades e indefinições susceptíveis de permitir a generalização das restrições ou a transformação da excepção em regra.
Com a vossa paciência, citarei a Recomendação 916, aprovada pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, relativa à Conferência sobre a Defesa da Democracia Contra o Terrorismo. Aí se diz, no parágrafo 6.º, que «a democracia não pode reagir contra o terrorismo nos países membros, com eficácia e coerência, senão respeitando os princípios democráticos e os direitos e as liberdades fundamentais, na observância estrita das leis constitucionais em vigor nos Estados membros, da Conferência Europeia dos Direitos do Homem e do Estatuto do Conselho da Europa, e apoiando-se num vasto consenso popular indispensável para assegurar a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas».
Terão sido estas, quer no plano político, quer no plano jurídico, as linhas de orientação seguidas pela proposta apresentada pelo Governo?
No meu entender, obviamente que não.
No plano político, não só não se proeurou alargar o consenso e a solidariedade entre as forças políticas parlamentares, como nem sequer houve a preocupação de o conseguir nos próprios partidos da coligação governamental. Caiu-se na tentação de agradar a sectores menos esclarecidos da população, sempre ansiosos do reforço do princípio da autoridade em detrimento do princípio da liberdade. Parece-me uma atitude antipedagógica, susceptível de contribuir para a quebra de consenso entre as instituições e a grande maioria dos cidadãos. E, portanto, para diminuir a confiança dos cidadãos nos valores e no funcionamento da democracia. E, logo, para favorecer tensões que poderão, eventualmente, dificultar o isolamento social do terrorismo e favorecer outras formas de crime organizado ou ainda outro tipo de atentados ao normal funcionamento do sistema democrático. Lembro, mais uma vez, que um dos desígnios do terrorismo é o de levar as democracias a cair na tentação de ceder a pressões autoritárias.
No plano jurídico, parece-me que, contrariamente ao que tem sido dito, a proposta de lei do Governo se afasta não só do espírito das recomendações e resoluções do Conselho da Europa como da própria legislação adoptada noutros países europeus.
Em primeiro lugar, centraria, em meu entender, o disposto nos artigos n.ºs 18.º e 19.º da Constituição.