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6563 - 3 DE OUTUBRO DE 19§4

democrática portuguesa. Vozes autorizadas de intelectuais, juristas e políticos de todos os quadrantes ideológicos se levantaram e continuam a levantar em protesto contra uma lei já qualificada de «celerada e execrável». E o curioso é que tal repúdio provém tanto de sectores da oposição como do interior da própria coligação, incluindo ministros, deputados e dirigentes partidários. De uma maneira geral, todos consideram a iniciativa do Governo como violadora dos direitos humanos e da Constituição da República.
Pairam, assim, de novo no horizonte político português, já toldado por tantos sinais de mau agouro, os velhos fantasmas do Estado policial. Não admira. Ainda não sararam as feridas de meio século de opressão, quando as sombras da noite clandestina eram o medo tatuado na alma. O fascismo e as suas prepotências deixaram marcas profundas na memória colectiva do povo.
Por quê então esta lei, patrocinada pelo Partido Socialista, ao arrepio da sua luta, da sua coerência e da sua história? Que objectivos (ou interesses) levaram Mário Soares, que em certa altura protagonizou a defesa dos direitos humanos em Portugal, a apor a sua assinatura numa proposta que fere tão profundamente a consciência democrática dos Portugueses?!
O mais estranho é que não se sabe quem parturejou semelhante aberração. Se é certo que o Governo, no seu conjunto, é o seu autor político e moral, até agora nenhum ministro assumiu a sua paternidade. Pelo contrário, todos parecem repudiar o seu envolvimento na redacção do famigerado texto. O Ministro de Estado, Almeida Santos, que passa por ser o braço liderante do Governo, rejeitou a sua autoria e fez constar que a ele se deve o desbaste de algumas disposições mais escandalosas. O Ministro da Justiça, também signatário da proposta, desdobra-se em declarações críticas à lei e anuncia que vai apresentar algumas alterações. Apenas o Ministro da Administração Interna ensaiou a sua defesa, ao abrir o debate na Assembleia da República, sem, contudo, encontrar eco nas bancadas da maioria.
Trata-se, por isso, de uma proposta anónima, porventura apócrifa, filha de pai incógnito, pois o seu fazedor não teve até agora a coragem de a assumir. Esta circunstância mostra bem como é resvaladiço o terreno onde o Governo se embrenhou.
Como cidadão democrata e socialista, é meu dever prestar público testemunho da crítica já expressa no interior do meu partido. Sirvo-me das páginas francas de O Jornal para, desta forma, dar também resposta a tantos que me têm interpelado sobre tão premente e grave questão. Não cabendo aqui uma análise aprofundada, vou apenas aflorar os aspectos mais arrepiantes da proposta.
O Governo justificou a apresentação desta iniciativa legislativa pela necessidade de dotar o Estado dos instrumentos capazes de prevenir o aumento da criminalidade, em especial do terrorismo. A nossa próxima entrada na CEE é invocada como razão de urgência, face ao principio da livre circulação de pessoas no espaço comunitário e ao facto de o crime organizado não conhecer fronteiras.
Não se nega a necessidade, a meu ver inadiável, de reforçar a segurança dos cidadãos e dos meios de defesa do Estado democrático. Duvido, porém, que fosse necessária para alcançar esse objectivo a promulgação de uma lei especial, pois bastariam algumas alterações no Código de Processo Penal, aliás em fase adiantada de revisão, e uma mais eficaz administração da justiça. O Governo parece supor que bastará um novo diploma para assustar a criminalidade organizada.
O que me choca, porém, não é a apresentação de uma lei de segurança, mas o arrogante desprezo do Governo por certos direitos e garantias do cidadão, que todos julgaríamos conquistas irreversíveis do regime democrático. A segurança dos cidadãos não pode repousar no arbítrio das polícias ou dos governantes.

Em risco a segurança do cidadão

Há, porém, outros aspectos da lei que me suscitam as mais sérias reservas. Desde logo o conceito de «segurança interna» tão genérico que nele cabe o normal funcionamento das instituições democráticas, o exercício dos direitos e liberdades e a segurança das pessoas e bens. Tudo, afinal, pode justificar a intervenção (e o arbítrio) das «autoridades de polícia»! Conjugue-se este conceito com a possibilidade de o governo proibir, suspender ou dissolver manifestações, suspender espectáculos públicos, suspender actividades de bancos e outras instituições de crédito e ordenar a cessação temporária de empresas, acrescente-se a possibilidade de as autoridades de policia prenderem preventivamente qualquer pessoa contra a qual existam «fortes indícios» de crime doloso a que corresponda a pena de prisão superior a 3 anos, anote-se ainda a obrigação legal de os funcionários públicos prestarem às forças de segurança colaboração oficiosa ou requisitada, tudo isto em nome da «segurança interna», e veja-se o risco em que é posta a segurança do cidadão português! Não podemos esconder a nossa indignação e perplexidade, pois, embora tais decisões tenham que ser posteriormente apreciadas por um juiz, elas dão margem a todos os abusos, que o mais elementar bom senso aconselharia evitar.

A disciplina de voto: invenção maquiavélica

Resta-me referir duas normas verdadeiramente insólitas: a possibilidade de os magistrados judiciais ou do ministério público, quando sirvam em tribunais criminais ou de instrução criminal (CIC), serem chamados a participar nas reuniões do Conselho Superior de Segurança Interna (artigo 7.º, n.º 2) e de as Forças Armadas poderem assumir a responsabilidade pela segurança interna em casos especiais (artigo 11.º, n.º 3). No primeiro caso, atenta-se grosseiramente contra a independência do poder judicial; no segundo, abrem-se as portas à militarização do regime.
Não se encontra qualquer explicação para semelhante desvario. Como escreveu Torga, «os nossos políticos andam ao desafio. Cada qual quer ser mais responsável do que o parceiro. E consegue-o sempre».
A lei vai ser votada e provavelmente aprovada. Espero que a disciplina partidária, essa invenção maquiavélica das oligarquias dirigentes, não sufoque a consciência dos deputados e lhes permita, ao me-