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6568 - I SÉRIE - NÚMERO 150

Entre as sessões públicas de protesto contra a proposta de lei destacou-se a realizada na Biblioteca Nacional no dia 5 de Julho e promovida por uma comissão de juristas. Segundo relato da imprensa (O Diário, de 7 de Julho de 1984):

A proposta de lei é inaceitável - Adelino da Palma Carlos.

Governo quer concentrar poderes majestáticos - Salgado Zenha.

Uma monstruosidade que não pode ser aprovada - Cunha Leal.

Preocupante - Jorge Sampaio.

O debate foi promovido por uma comissão de juristas amplamente unitária e encheu por completo o anfiteatro da Biblioteca Nacional, em Lisboa. No final da sessão, Adelino da Palma Carlos tirou como conclusão: «Estamos todos de acordo no combate a esta proposta de lei inaceitável», e saudou a unidade de tantos e tantos democratas em torno deste objectivo concreto.
A sessão terminou com a aprovação de um texto, a dirigir ao Presidente da Assembleia da República, apelando «à consciência dos deputados para que tal proposta não seja aprovada», pelos «atentados que encerra contra os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos».
No documento aprovado considera-se que «as questões colocadas pela ameaça de desenvolvimento de actividades terroristas devem ser equacionadas a partir de diferentes pressupostos e sem ofensa dos princípios constitucionais».
A sessão foi presidida por Adelino da Palma Carlos. O ex-Primeiro-Ministro abriu os trabalhos afirmando que ia ali debater-se «este diploma execrá-vel» e deu a palavra ao magistrado Mário Torres, presidente do Sindicado dos Magistrados do Ministério Público, e ao jurista Lopes de Almeida, que lançaram as bases para o debate.
Resumindo a posição já publicada pelo Sindicato, o magistrado começou por desmontar os pressupostos que servem de pretexto à apresentação da proposta de lei: «o mito do aumento da criminalidade e a manipulação do sentimento de insegurança». Denunciou, de seguida, o «carácter autoritário e repressivo» da proposta de lei, que visa criar «novos órgãos com o fim de defesa da segurança» e introduzir «uma série de restrições aos direitos e garantias constitucionais».
Mário Torres denunciou o facto de a proposta «colocar sob comando único» os diversos corpos policiais e atribuir poderes de «dono de todas as polícias» a um «superministro», normalmente o da Administração Interna. Do mesmo modo, criticou a «série de restrições às garantias fundamentais, que não só se apresentam como desnecessárias, como também contrariam a própria Constituição». Citou, nomeadamente, as «medidas especiais de polícia» previstas na proposta de lei: buscas, escutas telefónicas, detenção sem culpa formada e fora de flagrante delito, fiscalização da correspondência, proibição de manifestações e reuniões, interdições de saída do território nacional, todas elas sem autorização judicial.
Concluindo, Mário Torres disse que a proposta é tão inconstitucional como anteriores projectos que assim o foram declarados pelo Conselho da Revolução e pela Comissão Constitucional. Citando um parecer deste último órgão, disse Mário Torres: «Nem terrorismo contra o Estado nem terrorismo de Estado.»
Lopes de Almeida, por seu lado, classificou a proposta de «arsenal de coacção e violência». Afirmando que o diploma é «antes de mais uma questão política», aquele jurista acrescentou que o que está em causa não é a segurança do Estado nem a dos cidadãos, mas «a segurança do Governo». Para a defender, disse, o Governo pretende «legalizar as perseguições e discriminações políticas» e «criminalizar as oposições».
«Não vemos que a coligação no Poder esteja verdadeiramente preocupada com a segurança dos cidadãos», disse Lopes de Almeida, lembrando as situações de desemprego, salários em atraso, fome, que se verificam em Portugal.
Esta «proposta tenebrosa» é «uma lei para matar a esperança em Abril», concluiu Lopes de Almeida, apelando a «uma base de unidade e de consenso», já traduzida pelas numerosas e diversificadas presenças no anfiteatro para lutar contra esta proposta governamental.

Debate

Se a lei de segurança interna já tivesse sido aprovada e estivesse em vigor, talvez que a sessão da noite de quinta-feira na chegasse ao fim. Como não está, a sessão realizou-se e permitiu que cada um dissesse de sua justiça sobre a proposta de lei. Permitiu, por exemplo, que Jorge Sampaio, dirigente do PS, afirmasse que a proposta «não é viável numa sociedade democrática», mas, admitindo que ela «passe numa 1.ª fase na Assembleia da República», há que avançar sugestões para que ela saia da discussão na especialidade «profundamente modificada».
Contra esta perspectiva se ergueu Cunha Leal. «Esta monstruosidade não pode ser aprovada», pois «a democracia, para se defender, não pode usar os mesmos processos que antes se usavam para atacar a democracia», disse o dirigente da ASDI.
«É inconcebível», acrescentou, «que homens que sempre tive como democratas possam ter congeminado uma monstruosidade como esta lei.»
Também Lino Lima, deputado do PCP, defendeu a rejeição da proposta na votação na generalidade, chamando a atenção para os perigos de «um debate interno, sem testemunhas», na Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias.
Para Lino Lima «a lei não é contra o terrorismo, como falsamente anunciam os seus autores». O que a lei visa, disse, «é combater os adversários do Governo e os que querem, através do exercício das liberdades constitucionais, lutar para derrubá-lo». Lino Lima citou a propósito as disposições da proposta de lei que prevêem a possibilidade de proibir comícios, reuniões, manifestações e espectáculos. «Ora, que me conste», concluiu, «os terroristas não fazem comícios ou manifestações.»

«Poderes majestáticos»

Francisco Salgado Zenha interveio também no debate, historiando a repressão dos chamados «crimes anarquistas», desde a «lei celerada» de João Franco,