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23 DE JANEIRO DE 1985 1505

Em 10 anos, isto é, no período 1973-1983, o montante da dívida pública directa, interna e externa, passou de 52 para 1302 milhões de contos.
Estamos, portanto, perante um acréscimo aproximado de 1280 milhões de contos, na verdade subestimado, uma vez que, em meados de 1980, se procedeu à "esterilização" de 168,7 milhões de contos de dívida com base na revalorização das reservas de ouro do Banco de Portugal.
Analisando os factores de crescimento da dívida no período considerado, verificamos que os juros, no montante de 430 milhões, explicam cerca de um terço dos resultados observados, seguindo-se, por ordem de importância, o apoio às empresas públicas em subsídios e aumentos de capital (211 milhões), as transferências para as autarquias, incluindo os investimentos intermunicipais (203,8 milhões), o Serviço Nacional de Saúde (201,8 milhões), as indemnizações (140,4 milhões), os encargos directos com a descolonização (70,4 milhões) e as transferências para as regiões autónomas (25 milhões).
Se acrescentarmos a este total a dívida garantida através de avales do Estado - que ascendia, no final de 1983, a 320,8 milhões de contos - e o conjunto das responsabilidades indirectas assumidas pelo Estado, através de entidades públicas, entre as quais os fundos autónomos, chegaremos a um valor global, provavelmente subavaliado, de 2051 milhões de contos; assim se exprime, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o saldo negativo das contas do Estado, incluindo encargos potenciais e indirectos calculados em Dezembro de 1983, último período para o qual se dispõe de elementos completos e comparáveis, embora seja possível afirmar, com segurança, que a situação global não melhorou, certamente, ao longo de 1984.

Mas há que considerar ainda o endividamento das empresas públicas, em relação ao qual não estão disponíveis dados seguros para os anos anteriores a 1979. Foi, todavia, nesse período que se geraram alguns dos principais desequilíbrios financeiros no sector, designadamente no que respeita aos aumentos excessivos dos encargos com pessoal e à maior parte dos grandes projectos de investimento.

No final de 1979, o endividamento das empresas públicas cifrava-se já em 380 milhões de contos, ultrapassando em 60 milhões o nível registado para o sector público administrativo.
É importante sublinhar, por outro lado, o facto de as empresas públicas se terem financiado predominantemente no exterior, em particular no período 1980-1982, durante o qual absorveram 5300 milhões de dólares, equivalentes a cerca de um terço da actual dívida externa do País; acompanhado por uma política de preços desajustada, muitas vezes imposta às empresas, este facto potenciou a continuação do crescimento da sua dívida em ritmo acelerado, projectando-se para um total de 1500 milhões de dólares em 1983.
Julgo bem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, por uma vez, não é possível atribuir à presente gestão a perversa capacidade de gerar estes números em escasso ano e meio. Espero apenas que a invocação das contas, que, em alguns casos, nem sequer estavam feitas quando o Governo tomou posse, contribua para satisfazer a ânsia de verdade tantas vezes afirmada por esta Câmara e ajude a compreender, de forma quantificada, o sentido da responsabilidade colectiva a que há pouco me referi.

Ao discutirmos esta proposta de lei do Orçamento não poderemos ver apenas o que se refere a 1985; teremos de ter, consciente e friamente, a noção de que os valores nela contidos têm uma dimensão temporal que, em termos políticos reais, é tripla: por um lado, contêm e sintetizam os reflexos financeiros da história política e económica da última década; em seguida, constituem, na óptica do ano, o ponto possível de solução, dos múltiplos conflitos de interesse e do confronto entre recursos e utilizações, dentro das condições estruturais existentes; finalmente - e porventura mais importante - mostram à saciedade como é indispensável introduzir reformas de fundo no nosso sistema económico e na sua articulação com o sistema político.

A observação dos saldos de execução orçamental em anos recentes mostra-nos que o simples esforço de contenção da despesa - que tem, aliás, existido, de facto - não é já suficiente para superar os actuais desequilíbrios. Eliminando os juros da dívida pública, verifica-se, na verdade, que o défice de 1983 se situou em 36,2 milhões de contos contra 88,3 milhões de contos em 1980; e conclui-se que o saldo negativo proposto para 1985 atinge 58,7 milhões de contos, que representam um acréscimo de apenas 10 % sobre o valor registado no Orçamento revisto de 1984.

Na proposta para 1985, os encargos globais com a dívida crescem cerca de 34 %, atingindo um total de 405,8 milhões de contos, correspondentes a 55 % da receita total e a 33,7 % da despesa.
A parcela relativa aos juros da dívida quase duplicou entre 1981 e 1983, tendo registado, em 1984, uma subida de 40%. Em 1985, o montante afecto à cobertura dos juros sobe 37,5 % e cifra-se num total de 273 milhões de contos, que explicam, só por si, 91 % do crescimento do défice orçamental e correspondem a 40 % das receitas fiscais estimadas.

Se isolarmos o peso dos juros, o saldo negativo previsto para o presente exercício ficaria limitado a 1,8 % do PIB, dimensão equivalente à que havia sido atingida na versão final de 1984; e se deduzirmos os encargos com os juros, o aumento da despesa global em relação à posição revista do último ano situa-se em
22 %, o que equivale a uma contracção sensível em termos reais.

Gostaria que esta perspectiva de análise não fosse vista como um intuito de "retocar" a imagem global de um Orçamento que, em boa verdade, ninguém pode ter como agradável, considerando, sobretudo, a realidade que lhe é subjacente. A verdade é que só deste modo é possível formar uma ideia precisa sobre a natureza do défice apresentado e o seu impacte na esfera da economia real, pondo em causa interpretações precipitadas que pretendem ver no volume do saldo negativo - cerca de 335 milhões de contos - a expressão de uma política deliberada de cariz fortemente expansionista, obviamente irrealizável nestas condições.

Numa imagem simples, poderá dizer-se que estamos hoje, como de resto nos últimos anos, perante um Orçamento de "despesas feitas" e não de "despesas a fazer", de tal modo rígidos se apresentam os encargos predeterminados, responsáveis em conjunto, por mais de metade do valor global proposto para o presente exercício.

Chegados a este ponto, torna-se mais fácil concluir que o saneamento financeiro das contas do Estado não é um problema redutível à simples contracção das des-