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I Série - Número 7

Quinta-feira, 21 de Novembro de 1985

DIÁRIO

da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1985-1986)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE NOVEMBRO DE 1985

Presidente: Exmo. Sr. António Joaquim Bastos Marques Mendes
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Aloísio Fernando Macedo Fonseca
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.
Concluiu-se o debate do Programa do X Governo Constitucional, tendo produzido intervenções a diverso título, além dos Srs. Ministros dos Negócios Estrangeiros (Pires Miranda/, do Plano e da Administração do Território (Valente de Oliveira) e da Educação e Cultura (João de Deus Pinheiro), os Srs. Deputados Cruz Vilaça (CDS), João Amaral e Carlos Carvalhas (PCP), Fernando Figueiredo (PSD), Carlos Lilaia (PRD), Silva Marques e Vasco Garcia (PSD), Helena Torres Marques IPS), Maria Santos (Indep. - Os Verdes}, Jorge Lemos (PCP), Duarte Lima (PSD), Medeiros Ferreira (PRD), Jorge Lacão (PS), Ângelo Correia e Carlos Miguel Coelho (PSD), Narana Coissoró (CDS), Ilda Figueiredo (PCP), Mendes Bola (PSD), Horácio Marçal, fogueira de Brito e Andrade Pereira (CDS), Anselmo Aníbal(PCP), João Cravinho (PS), Alípio Dias (PSD), Correia Gago (PRD), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Cavaleiro Brandão (CDS), Cristina Albuquerque (PRD), Cardoso Ferreira (PSD), Abel Pinho (PRD), Torres Couto (PS), Cipriano Martins (PSD), José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE) e Jerónimo de Sousa (PCP).
Após o encerramento do debate em que intervieram, além do Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva), os Srs. Deputados Raul Castro (M DP/C DE), Adriano Moreira (CDS), Curtos Brito (PCP), Herminio Martinho (PRD), José Luis Nunes (PS) e António Capucho (PSD), foram rejeitadas as moções de rejeição do Programa do Governo apresentadas pelo PS, pelo MDP/CDE e pelo PCP.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram l hora e 30 minutos do dia seguinte.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amândio Basto Oliveira.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amélia Cavaleiro Monteiro de A. Azevedo.
António Branco Malveiro.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Barbosa de Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Machado Lourenço.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António José Baptista Cardoso Cunha.
António Manuel Lopes Tavares.
Arlindo Moreira.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Russo R. Correia Afonso.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Fernando T. Matos Vasconcelos.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco José P. Pinto de Balsemão.
Francisco Mendes Costa.

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Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Rodrigues da Mata.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Fernandes de A. Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Filipe de Ataíde de Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Luis Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José Pereira Lopes.
José da Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Licinio Moreira "da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Costa Geraldes.
Luís Jorge Cabral Tavares Lima.
Manuel Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel C. Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do. Amaral.
Rui Alberto Salvada.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vasco Silva Garcia.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
António Almeida Santos.
António Antero Coimbra Martins.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Manuel Ferreira Vitorino.
António Miguel de Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Manuel Maldonado Gonelha.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Montez Melancia.
Fernando Manuel dos Santos Gomes.
Helena Torres Marques.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Joaquim Jorge de Pinho Campinos.
José Alberto dos Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto B. da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Cosia Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça C. Gonçalves C. Antunes.
Aníbal José da Costa Campos.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo A. de Sousa Pereira.
António Fernando Rodrigues Costa.
António José Fernandes.
António José Marques Mendes.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
Arménio Ramos de Carvalho.
Carlos Alberto da S. Narciso Martins.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Carlos Jorge Mendes Corrêa Gago.
Bártolo de Paiva Campos.
Eurico Lemos Pires. Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos S. Pinho.
João Barros Madeira.
João Teixeira Leão de Meireles.
Joaquim Carmelo Lobo.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Jorge Pegado Liz.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.

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José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos de Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Jaime Manuel Coutinho G. da Silva Ramos.
José Maria Vieira Dias de Carvalho.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo C. da Costa Carvalho.
Maria Cristina G. da S. C. Albuquerque.
Maria da Glória M. C. Padrão e C. Carvalho.
Paulo Manuel Quintão de Campos.
Alberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui de Sá e Cunha.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Ângelo Matos Mendes Veloso.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Margarida C. Tengarrinha C. Costa.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António José Tomás Gomes de Pinho.
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Francisco Manuel Menezes Falcão.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Luís Cruz Vilaça.
José Luís Nogueira de Brito.
José Maria Andrade Pereira.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel Eugénio P. Cavaleiro Brandão.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Narana Sanai Coissoró.
Pedro José dei Negro Feist.
Ruy Manuel Correia de Seabra.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo M. Tengarrinha.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Deputados independentes:

António Poppe Lopes Cardoso (UEDS).
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles (PPM).
Maria Amélia do Carmo M. Santos (Os Verdes).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai dar-se conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa as seguintes ratificações: n.º 1/IV, apresentada pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros, do Partido Comunista Português, relativamente ao Decreto-Lei n.º 381-F/85, de 28 de Setembro; n.º 2/IV, apresentada pela Sr.ª Deputada Zita Seabra e outros, do Partido Comunista Português, referente ao Decreto-Lei n.º 294/85, de 26 de Julho; n.º 3/IV, da Sr.ª Deputada Zita Seabra e outros, do Partido Comunista Português, relativa ao Decreto-Lei n.º 399/84, de 28 de Setembro; n.º 4/IV, apresentada pela Sr.ª Deputada Zita Seabra e outros, do Partido Comunista Português, relativamente ao Decreto-Lei n.º 125/82, de 22 de Abril; n.º 5/IV, apresentada pela Sr.ª Deputada Zita Seabra e outros, do Partido Comunista Português, referente ao Decreto-Lei n.º 48/85, de 27 de Fevereiro; n.º 6/IV, apresentada pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros, do Partido Comunista Português, relativamente ao Decreto-Lei n.º 187/79, de 22 de Junho; n.º 7/IV, apresentada pela Sr.ª Deputada Zita Seabra e outros, do Partido Comunista Português, relativa ao Decreto-Lei n.º 150-A/85, de 8 de Maio; n.º 8/IV, apresentada pela Sr.ª Deputada Zita Seabra e outros, do Partido Comunista Português, relativa ao Decreto-Lei n.º 169/85, de 20 de Maio; n.º 9/IV, apresentada pelo Sr. Deputado Rogério Paulo Moreira e outros, do Partido Comunista Português, relativa ao Decreto-Lei n.º 102/84, de 29 de Março; n.º IO/IV, apresentada pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros, do Partido Comunista Português, relativa ao Decreto-Lei n.º 211/81, de 13 de Junho; n.º 11/IV, apresentado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros, do Partido Comunista Português, relativa ao Decreto-Lei n.º 126/83, de 9 de Março; n.º 12/IV, apresentada pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros, do Partido Comunista Português, relativa ao Decreto-Lei n.º 300/83, de 24 de Junho; n.º 13/IV, apresentada pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros, do Partido Comunista Português, relativa ao Decreto-Lei n.º 163/85, de 15 de Maio; n.º 14/1V, apresentada pelo Sr. Deputado Rogério Paulo Moreira e outros, do Partido Comunista Português, relativa ao Decreto-Lei n.º 525/79, de 31 de Dezembro.
É tudo, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pires Miranda): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Á política externa situa-se no plano das relações entre Estados e no da actividade das organizações internacionais multilaterais. Do que será a política externa do Governo dá conta o Programa apresentado a esta .Assembleia pelo Sr. Primeiro-Ministro. Não me vou alongar, por isso, no comentário e menos ainda na repetição do que nele se contém, limitando-me a acentuar algumas referências de fundo. Não se estranhará que me debruce um pouco mais sobre aquilo que é verdadeiramente novo na política externa portuguesa - a próxima integração do País nas Comunidades Europeias.
Assegurar o êxito dessa integração é, de facto, tarefa prioritária que se coloca ao País e em que o Governo se empenha decididamente. A adesão às Comunidades representa, antes de mais, um acto político de transcendente significado. É uma nova fase na nossa história multissecular que se abre.
Para um país com uma economia da dimensão da nossa - para a qual a abertura ao exterior é verdadeira condição de progresso e desenvolvimento - é nó mundo de crescente interdependências em que vivemos, a integração nas Comunidades representará um factor de reforço da independência nacional.
Portugal vai participar activamente ha construção de uma Europa mais unida e capaz de adquirir, pela harmonização gradual das políticas nacionais e pela conjugação dos interesses dás pátrias que a compõem, um maior peso no concerto político internacional. Estaremos nas Comunidades, tendo como regra permanente a defesa dos interesses nacionais - naturalmente no quadro dos compromissos livremente assumidos, e das correspondentes contrapartidas. Essas contrapartidas colocam-se a dois níveis possíveis: a médio e a longo prazos, nos benefícios políticos e económicos resultantes para o País da sua integração num bloco de nações de democracia estabilizada e de superior nível de desenvolvimento; a prazo mais imediato, no empenhamento das instituições comunitárias e dos outros Esta; dos membros na resolução dos problemas económicos portugueses, em particular os que mais directamente se relacionam com a adesão.
Enquanto organismo regional de natureza essencialmente dinâmica, em busca continuada de novas formas mas de desenvolvimento e adequação às realidades internacionais em constante mutação, a actividade corrente das Comunidades caracteriza-se pela permanente negociação. Para ela está o Governo, preparado no entendimento de que o sucesso da nossa adesão depende da perfeita articulação entre, a frente interna e a frente externa, competindo esta última ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Estaremos assim atentos; não só aos pontos que terão de ser assentes ainda antes do fim do ano, como à aplicação das disposições já fixadas.
O Governo estabelecerá diálogo com as instituições comunitárias e com os nossos futuros parceiros, tendo em vista encontrar as melhores soluções para problemas concretos emergentes da adesão - problemas, de resto, bem compreensíveis dada a disparidade de desenvolvimento económico entre as partes. Importa assegurar uma harmoniosa integração de Portugal nas Comunidades, ultrapassando dificuldades pontuais transitórias que um processo desta complexidade e canse inevitavelmente envolve. Uma vez mais, afim o Governo que não aceitará; que por absurdo, o lanço financeiro da adesão venha alguma vez a revela-se desfavorável a Portugal. Está o Governo certo é que as instituições comunitárias e os Estados membro saberão ter em devida conta os condicionalismos específicos do caso português, cooperando no sentido e se encontrarem os arranjos e soluções que melhor sirvam a todos. Estamos, por outro lado, conscientes e que o pleno aproveitamento das oportunidades que adesão implica requer muito esforço, e muito trabalho dos Portugueses.
O simultâneo ingresso de Portugal e da Espanha nas Comunidades irá marcar um salto quantitativo e qualitativo nas relações entre os dois países, evolução que o Governo acompanhará detidamente. Até à adesão teremos ainda de definir disposições que assegurem efectiva aplicação das medidas transitórias acordadas nomeadamente no sector agrícola, bem como teremos de estabelecer agora as regras de origem a aplicar di rante o período transitório nas trocas, ponto de especial relevância para assegurar um melhor equilíbrio de intercâmbio comercial luso-espanhol.
Com o mesmo cuidado seguirá o Governo a política mediterrânica das Comunidades Europeias. A política de aproximação e apoio aos países da bacia do Mediterrâneo merece o empenhamento de Portugal, mas ele não poderá traduzir-se em medidas que afectem gravosamente os interesses do nosso país.
Com a entrada no Mercado Comum, Portugal dei xará de fazer parte da EFTA, à qual esteve associada cerca de 25 anos e da qual recolheu inegáveis contribuições para o seu desenvolvimento, particularmente nos domínios da indústria (bastará recordar, por exemplo, o Fundo de Desenvolvimento Industrial), no de alguns produtos agrícolas e, sobretudo, no domínio comercial. Não poderá, assim, deixar de parecer natural que Portugal tudo faça para que a adaptação dos açor dos das Comunidades com os países da EFTA, cujo processo está em curso, favoreça o aumento do intercâmbio comercial entre os dois espaços económicos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A crise internacional é hoje caracterizada por inúmeros focos de conflitos e tensões que constituem reflexo ou da confrontação Leste-Oeste, ou, do continuado desequilíbrio das relações entre o hemisfério norte e o hemisfério sul ou, ainda da confirmada violação dos direitos humanos e das liberdade fundamentais em diversas áreas do Globo.
Um dos mais preocupantes focos de tensão internacional situa-se no Médio Oriente, onde os riscos envolvidos atingem um grau elevadíssimo. O Governo, sensível aos laços históricos, culturais e económicos que unem Portugal à nação árabe e que pretende alargar e aprofundar, não deixará de apoiar as soluções que conduzam à pacificação da região e que necessariamente terão de passar pelo reconhecimento não só dos direitos legítimos do povo palestiniano, incluindo o direito à autodeterminação e áfuma pátria, mas, também, pelo reconhecimento do direito à existência e à segurança do Estado de Israel.
Na América Latina e, nomeadamente, na América Central, continuam a prevalecer conflitos de contornos inquietantes, agravados pelo arrastamento do respectivo processo de desenvolvimento económico e que, nal-

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uns casos, especialmente na América do Sul, têm ndo a reflectir num alto grau de endividamento externo, com a subsequente retracção por parte das fontes de crédito internacional, a necessidade de travar importações necessárias ao desenvolvimento dos países em dívida, e o preocupante acentuar do proteccionismo nos terçados dos países industrializados: o Governo Português defende a conveniência de se encontrarem noas e mais adequadas formas de lidar com a dívida externa do chamado «Terceiro Mundo» - na linha, de esto, de propostas recentemente esboçadas nos organismos internacionais apropriados. Paralelamente, o governo não se poupará a esforços para fazer sentir que a aplicação de medidas proteccionistas, além de profundamente injusta, é contrária aos próprios interesses económicos a longo prazo dos países que a ela decorrem. O assunto interessa-nos tanto mais quanto certo poderem algumas dessas medidas vir a afectar Portugal.
Pretende o Governo, quanto à América Latina, reforçar os fortes laços de solidariedade já existentes - não só quanto ao Brasil, país com o qual mantemos
E intensificaremos relações privilegiadas de solidariedade, como quanto aos restantes países latino-americanos.
Não poderá igualmente o Governo deixar de seguir com a maior atenção as ameaças à paz que resultam do desrespeito dos direitos humanos no plano político, por vezes em cínica violação de obrigações internacionais livremente assumidas, mas igualmente desrespeito no plano social e económico, pela ausência de condições para o exercício efectivo da liberdade.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tal resulta, em muitos casos, de sistemas sociais injustos, mas é sobretudo fruto do subdesenvolvimento e da situação de aflitiva carência de que hoje padecem vários países, na África, na América Latina e na Ásia. Os recentes desenvolvimentos verificados na África Austral constituem claro reflexo de tal desrespeito levado, aliás, às suas consequências mais extremas. Desrespeito que toma a forma de discriminação racial institucionalizada no caso do apartheid, sistema que o Governo veementemente condena. Mas situações igualmente perigosas resultam da violação dos direitos humanos provocada não já por pressões de tipo interno mas por intervenções de origem externa. Nesta perspectiva basta atentar no caso do Afeganistão,

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A construção da paz não pode, ainda ignorar o flagelo do terrorismo internacional. Há que levar os governos a cooperarem no estabelecimento de práticas tendentes a combater com inteligência e eficácia o terrorismo, sob pena de ruírem os próprios fundamentos da vida social, económica e política civilizada - precisamente o objectivo do terrorismo, ou de boa parte dele.
A enunciação de algumas das causas e de alguns dos focos de tensão internacional parece ter como corolário lógico a necessidade, mais premente do que nunca, de se encontrarem vias que possam conduzir a um mundo mais pacífico e seguro. É por esta razão que nos dias de hoje a questão da paz assume importância
primordial. E também por esta razão o Governo seguiu atentamente os trabalhos preparatórios da cimeira de Genebra e aguarda com esperança os seus resultados. Não obstante, está consciente de que expectativas exageradas facilmente podem gerar frustração, prejudicando o necessariamente longo e complexo processo de negociação, susceptível de consolidar a paz.
A paz não resulta apenas do desejável desarmamento, designadamente nuclear. As armas são um instrumento da política e por isso o desarmamento apenas levará a uma paz sólida se, entretanto, forem encontradas as convenientes soluções políticas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe ao Ministério dos Negócios Estrangeiros o papel de coordenar na frente externa o nosso relacionamento com a Europa comunitária. Essa tarefa levará o Ministério a ocupante mais intensamente de questões económicas externas. Aliás, na moderna diplomacia, a problemática económica adquire apreciável importância e, sem prejuízo das tarefas tradicionais, será nessa linha que, em geral e de forma crescente, orientaremos a nossa acção. Tal orientação implicará, obviamente, um profundo esforço de renovação de métodos de trabalho e de mentalidades, bem como uma adequada afectação de recursos.
O Governo continuará a dialogar com a Assembleia da República sobre os grandes temas da política externa, muito esperando desse diálogo, em particular no âmbito das comissões parlamentares, num clima de construtivas relações institucionais entre os poderes legislativo e executivo, indispensável à própria eficácia da actividade diplomática.
A política externa, para ser sólida e eficiente, necessita também de ser coerente e clara, não deixando margem a dúvidas e a divergentes interpretações.
A opção europeia tem sido uma constante da política externa portuguesa nos últimos 9 anos. Esta opção significa, antes de mais, a escolha de um modelo de sociedade, de um sistema económico e de organização do Estado, onde prevalecem valores de dignificação da pessoa humana, de liberdade e de democracia representativa.
O objectivo de promover a integração da Europa, não apenas no plano económico, mas também no campo político, tem a ver com a louvável intenção de permitir às Comunidades Europeias dialogar, com maior unidade e, portanto, com maior credibilidade, com as superpotências. Tal não poderá implicar, todavia, qualquer cedência a tentações neutralistas, visando fazer da Europa um espaço equidistante das duas superpotências. Pelo contrário, a Europa que pretendemos exprime a vontade política de reforçar e desenvolver aquilo que, com maior ou menor propriedade, se tem designado de «civilização ocidental». Sem o núcleo de valores que essa noção encerra a própria construção da Europa comunitária perderia sentido.
Pela mesma razão é inequívoca a nossa participação na Aliança Atlântica - que consideramos instrumento imprescindível para a defesa daqueles valores - como é total o nosso empenhamento nas tarefas da NATO, organização no quadro da qual a importância estratégica do continente português e dos arquipélagos dos Açores e da Madeira é particularmente valorizada.
A plena integração nas Comunidades Europeias representa, por outro lado, um factor de estímulo para o relacionamento de Portugal com outros países, em

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particular os países africanos de língua oficial portuguesa. É propósito do Governo estreitar os laços que nos unem a esses novos Estados que connosco partilharam séculos de história. Incentivaremos a cooperação, mais em actos que em palavras, obedecendo sempre a estritas considerações de interesse de Estado, não permitindo o desvirtuamento dessas relações pela abusiva interferência de motivações partidárias ou ideológicas. Alegra-nos saber que também por parte de, dirigentes de países africanos de língua oficial portuguesa parece existir vontade política de, com pragmatismo mas sobretudo com profundo sentido das realidades históricas e culturais que nos moldaram, caminhar nesta direcção.
A política externa que acabo de mencionar é realmente consensual. Todos os partidos democráticos aqui representados lhe darão certamente o seu apoio.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento estão inscritos os Srs. Deputados Cruz Vilaça, João Amaral, Carlos Carvalhas e Fernando Figueiredo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cruz Vilaça.

O Sr. Cruz Vilaça (CDS): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, desejo colocar-lhe apenas. duas questões muito precisas, ambas relacionadas com a nossa participação nas Comunidades Europeias e com a nossa preparação para ela.
A primeira questão tem a ver com a renegociação dos acordos de comércio livre com os países da EFTA. Pergunto a V. Ex.ª o que é que o Governo está a precisar fazer, ou porventura que é que tem já, feito, pára assegurar que' essa renegociação não venha a prejudicar interesses portugueses fundamentais». Refiro-me designadamente ao facto de nos acordos de comércio livre com os países da EFTA não serem incluídas restrições extremamente lesivas dos nossos interesses, nomeadamente limitações às exportações de produtos têxteis portugueses, para esses países, de, resto, à semelhança do que acontece no acordo de trocas com a própria Comunidade Económica Europeia.
A segunda questão que queria colocar-lhe é a de se o Governo tem pensadas algumas acções no sentido de assegurar a participação do País (e em particular das empresas portuguesas) nos programas de cooperação no, quadro, da Convenção de Lomé.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, deseja responder desde, já ou no final e globalmente a todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, responderei no final.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, registei a sua afirmação de que procuraria informar a Assembleia da República sobre as componentes da política do seu Ministério. Entretanto, há um ponto do seu discurso sobre o qual pouco disse, ou melhor, em grande parte nada disse: pouco disse sobre a componente «Defesa» da política externa e nada disse sobre um dos aspectos centrais e mais relevantes, que hoje preocupa o País e os Portugueses, ou seja, sobre os acordos militares com os Estados Unidos da América.
Sendo certo que neste momento a própria aplicação destes acordos está já a provocar e a demonstrar que os Estados Unidos da América excedem mesmo o que lhes foi concedido pelo governo anterior; sendo certo que esses acordos se estenderam para além do que er admissível às garantias que o País pode e deve exigi do Governo em termos de autonomia de decisão, e sendo certo que era fundamental renegociar esses acordos en termos de garantir a autonomia de decisão da política nacional, pergunto-lhe, Sr. Ministro, o que pensa o Governo fazer.
Em relação a um outro aspecto concreto, que também não foi referido e que é o da estação de rastreio de Almodôvar - cujo processo de negociação não este encerrado e está longe de o estar, pois ainda não veie a esta Assembleia -, pensa o Governo comprometer o território nacional numa aventura belicista a que o País é totalmente estranho? Pensa o Governo que é essa a maneira de se situar numa política de paz no Mundo? Pensa que o resultado imediato da inserção de Portugal nesse sistema não será, ao fim e ao cabo, o de ir acrescentar inimigos ao País - que não- os tem.- e o de comprometer a nossa capacidade de decisão autónoma?

Vozes do PCP: - Muito, bem!

Vozes do PSD: - Muito mal!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Governo não desconhece que largos sectores da sociedade portuguesa tem manifestado reservas e apreensões contra as cláusulas do Tratado de Adesão, nomeadamente no que respeita às negociações em relação, à Espanha.
O próprio Primeiro-Ministro em entrevista ao new York Times, á qual não foi desmentida, admite que os termos negociados com a Espanha não foram bons para Portugal. No entanto, o Programa diz, na p. 23, que o Governo não vai «[....] trair ò espírito dos compromissos firmados [....]». É sabido que sectores importantes da, economia portuguesa, como o sector leiteiro, o sector dos cereais e outros sectores industriais', estão comprometidos com a adesão de Portugal à CEE e com certas cláusulas que os vão expor, directamente e em aberto, a uma concorrência agressiva e acrescida, como são conhecidas também mutilações importantes à soberania nacional.
Será que isto significa que este Governo e nomeadamente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, apesar dos votos nulos, não vai rever as cláusulas mais gravosas do Tratado de Adesão do nosso, país às Comunidades Europeias?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Figueiredo.

O Sr. Fernando Figueiredo (PSD): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, ouvi com a maior atenção a clara exposição sobre política externa que acabou de produzir nesta Câmara. "; • '

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O primeiro parágrafo do Programa do Governo no que respeita à política externa - que parece suficientemente claro se for cumprido na íntegra, como espero que o seja - é do seguinte teor:
A política externa portuguesa tem por missão defender e projectar os interesses de Portugal e dos Portugueses no Mundo.
E porque há muitos portugueses no Mundo, nomeadamente nas comunidades portuguesas que tenho a honra de representar como deputado pela emigração na Europa, gostaria de colocar alguns pontos à sua consideraçâo.
Um país que tem um terço da sua população fora das fronteiras nacionais, tem de ter uma preocupação extraordinária sobre os direitos e interesses desses portugueses que não residem no nosso território. Estou convicto - e foi, aliás, afirmado pelo Sr. Primeiro-Ministro numa mensagem que dirigiu aos emigrantes durante a reunião do Conselho da Comunidade Portuguesa que recentemente terminou na ilha da Madeira - de que existe vontade política para considerar e resolver, na medida do possível, todos os problemas que os emigrantes colocam nesse órgão privilegiado que é o Conselho das Comunidades Portuguesas, criado pelo Governo Português para auscultar os anseios daqueles.
Como algumas dessas preocupações são extraordinariamente importantes, permito-me destacar duas ou três sobre as quais gostaria que o Sr. Ministro me desse alguns esclarecimentos.
Disse que o Governo Português vai melhorar os serviços consulares e a informação aos emigrantes. Digamos ser uma declaração de intenção extremamente louvável e imprescindível. Porém, gostaria que o Sr. Ministro, se pudesse, me esclarecesse um pouco melhor sobre como é que esta melhoria, de informação e dos serviços consulares vai ser feita na prática. Por outro lado, considerado o fenómeno de regresso de alguns emigrantes, mormente da Europa, gostaria de saber se está previsto um esquema de colaboração directa com as autarquias locais nas regiões de regresso, no sentido de promover no nosso país a dinamização do investimento dos emigrantes, eventualmente já regressados ou a regressar.
Há ainda alguns pontos que quero salientar, nomeadamente o que se prende com a comissão interministerial uma vez mais solicitada no Conselho das Comunidades.
Pensamos que, por motivos de operacionalidade e porque os serviços que estão ligados aos emigrantes dependem de muitos ministérios, é imprescindível uma comissão interministerial nas áreas que dizem respeito aos emigrantes para garantir, em tempo útil, uma coordenação de acções de modo a satisfazer as suas reivindicações.
Finalmente, gostaria de saber se o Governo vai dotar, no futuro Orçamento do Estado, a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas dos meios técnicos e sobretudo financeiros para que as realizações imprescindíveis para os nossos emigrantes tenham a devida cobertura orçamental de modo a que as intenções possam ser levadas à prática e não fiquem defraudadas por falta da indispensável cobertura financeira.

O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Começo por responder à pergunta do Sr. Deputado Cruz Vilaça, que referiu os problemas relacionados com a EFTA.
É realmente preocupante que certos países da EFTA pretendam impor a certos produtos portugueses, nomeadamente aos têxteis, algumas restrições à sua exportação. Naturalmente que o Governo vai renegociar, está já a fazê-lo; porém, não me parece que esta Câmara seja o local indicado para dizer qual a nossa táctica negocial, pois não me parece que seja essa a maneira mais conveniente de defender os nossos interesses. Posso apenas assegurar ao Sr. Deputado Cruz Vilaça que estamos atentos a estes problemas e vamos renegociá-los até ao final do ano.
Julgo que se quis referir concretamente aos têxteis, relativamente a dois países da EFTA. Naturalmente que vamos tentar encontrar uma solução satisfatória porque seria penalizante para os Portugueses, sobretudo para as indústrias têxteis, ver os seus mercados diminuídos em dois países.
Quanto ao problema da Convenção de Lomé, é ainda cedo para dizer qualquer coisa. As Comunidades dão muito interesse ao relacionamento com a África e parece-me que a nossa entrada nas Comunidades vai dar um grande impulso às relações entre Portugal e os países da Convenção de Lomé. Aí teremos uma situação privilegiada e vamos, com certeza, ser muito activos nessa área. Aliás, a Comunidade espera isso de nós.
Quanto ao Sr. Deputado João Amaral, que referiu problemas de defesa e os acordos militares com os Estados Unidos da América, diria que isso está aprovado no quadro geral dos acordos efectuados.
Quanto ao problema da estação de rastreio de Almodôvar, o que se está a fazer é apenas negociar os termos e as condições em que essa instalação se irá fazer. Isso já foi resolvido, já foi ratificado...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Onde e por quem? Está enganado!

O Orador: -.. .não há razão para reabrir este assunto, mas naturalmente que não deixaremos de fazer respeitar os acordos que sobre ele vierem a ser subscritos.
O Sr. Deputado Carlos Carvalhas referiu o problema dos tratados da CEE e pergunta se os vamos renegociar. Lembro ao Sr. Deputado que o Tratado de Adesão de Portugal à CEE foi aprovado nesta Assembleia há cerca de 6 meses. Ainda não somos membro efectivo das Comunidades e, portanto, a única coisa que lhe posso dizer é que por enquanto não podemos renegociar nada.
O que isto quer dizer é que vamos estar atentos, temos já no período intercalar certas coisas a fazer - e muito pouco tempo para o fazer -, de entre as quais o problema mais preocupante se refere à questão espanhola. É isso que neste momento se está a fazer, ou seja, está-se a preparar a posição portuguesa em determinadas áreas para, no fim desta semana, o mais tardar no princípio da próxima semana, se poder levantar novamente o problema em Bruxelas. Trata-se, como referi, de regras de origem e outros aspectos importantíssimos.
No que se refere à renegociação das cláusulas, a única coisa que se pode dizer é que assinámos aquele tratado sem ninguém nos obrigar. Fomos nós, Portu-

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gueses, que decidimos fazer isso: Portanto, depois de estarmos dentro das Comunidades - o que só será efectivo em 1 de Janeiro do próximo ano -, tentaremos interpretar o resultado das negociações e do tratado pelos critérios que defendam os interesses portugueses.

Voz do PSD:- - Muito bem!

O Orador: - Por último, o Sr. Deputado Fernando Figueiredo referiu o problema das comunidades portuguesas.
Na minha intervenção não referi nada, sobre as comunidades portuguesas mas julgo que o Programa do Governo é bem claro a esse respeito.
Realmente, para o Governo não: há «emigrantes» - este é um nome que desapareceu do Programa do Governo - mas sim portugueses que vivem em, Portugal e portugueses que vivem fora de Portugal. Todos são portugueses e como tal serão tratados.
Vamos, naturalmente, ter todo o; cuidado nas relações com o tal um terço de portugueses que vive fora de Portugal.
A rede privilegiada de contactos com os emigrantes parece ser a rede consular porque são os consulados aquilo que está mais disperso pelos territórios onde os portugueses vivem. Há, portanto, que reforçar esses serviços; há que assegurar que os .portugueses sejam bem atendidos, porque são portugueses. E isso é o que se fará.
Vamos modificar sobretudo: a atitude que por vezes bastam pequenas alterações -, vamos fazer com que os consulados estejam realmente a par da situação dos portugueses e os informem dos seus direitos e das suas obrigações.
Quanto ao problema do regresso a Portugal, evidentemente não lhe vou responder em concreto. Nesta altura, o desenvolvimento é importantíssimo e é um assunto que irá ser tratado pelo Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território da parte da tarde.
Porém, devo dizer que será de todo o interesse que os portugueses que vivem no estrangeiro, e que queiram regressar, e mesmo aqueles que o não queiram fazer, possam contribuir para o desenvolvimento de Portugal - uns vindo para Portugal trabalhar, outros utilizando os seus conhecimentos e as provas, dadas no sentido de desenvolver certas regiões de Portugal.
Quanto ao problema do Conselho das Comunidades, o Governo vai analisar com cuidado as recomendações da reunião que teve lugar a semana passada na ilha da Madeira e vai ver o que se poderá fazer. Parece-me cedo fazer agora aqui qualquer promessa ou exprimir qualquer orientação nesse sentido.
Relativamente à questão de dotar com meios a Secretaria de Estado das Comunidades Europeias, esse. é um problema global. Há que fazer ajusta è correcta afectação dos meios, pois, nunca há meios à mais e, temos de ver quais as necessidades, quais os meios de que dispomos e quais as prioridades.
É nesse contexto de afectação de recursos financeiros e humanos que este problema, que é importante e a que o Governo já disse dar alta prioridade, tem de ser resolvido.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membro do Governo: Ao intervir no âmbito das questões de desenvolvimento regional e local, quero começar pó salientar aquilo, que na opinião do Partido Renovado Democrático é a pouca atenção, e até em certos casos o pouco cuidado, que tão marcante e momentoso assunto nacional merece no Programa do Governo. Ta facto é tanto mais de realçar porque não corresponda às expectativas criadas na apresentação do Programa pelo Sr. Primeiro-Ministro, nem tão-pouco à reconhecida competência, técnica e grande experiência nos domínios do desenvolvimento regional de alguns daqueles que se encontram à frente do, Ministério do Plano e, da Administração do Território.
Às questões do desenvolvimento regional, da regionalização e do poder local, ,são algo maltratadas no Programa do Governo, e são-no em termos políticos, em termos de coerência global do Programa, e ainda em termos técnicos.
Em termos políticos, é surpreendente o facto de o Programa do Governo não tomar posição sobre a questão da regionalização e correspondente criação de regiões administrativas conforme o texto constitucional.
Por certo não desconhecerá o Governo que se a regionalização se impõe como uma condição do próprio aprofundamento da democracia, ela é também condição indispensável para o desenvolvimento regional e para o desenvolvimento do País como um todo.
Sendo assunto de tão grande importância e, significado político, é impossível enterrar a cabeça na areia.
Mais uma vez as expectativas criadas em muitas regiões do País parecem estar iludidas e isto apesar de tal matéria ter constado dos objectivos e, programas dos executivos anteriores em que o PSD participou. Perante isto, é necessário ouvir as explicações por parte do Governo.
O Partido Renovador, Democrático, está consciente das dificuldades de implementação da regionalização, mas até por isso se reafirma, enquanto verdadeira tarefa nacional, a necessidade de se tomarem opções e se formarem- amplos consensos acerca das propostas e correspondentes prazos de execução.
Em termos de coerência global do Programa, a política regional parece, ter como objectivo exclusivo o acréscimo, da eficácia das intervenções sectoriais, e reduzir-se, em termos práticos, aos programas integrados de desenvolvimento regional. A política regional em termos instrumentais resume-se assim aos PDR e à coordenação dos investimentos do Estado, no quadro de um designado plano plurianual, tudo indicando que se o Governo mantiver, como se espera, o preceito constitucional de existência dê um plano de médio prazo, possa vir a ter-se um «plano» no Ministério do Plano e Administração do Território e um «plano» no Ministério das Finanças.
Também aqui só o Governo e a passagem do tempo poderão responder em definitivo à tal questão.
No que concerne às questões de ordem técnica o Programa parte de uma noção bizarra e ultrapassada de ordenamento do território, em que os aspectos de natureza física parecem condicionar e sobrepor-se aos aspectos de ordem económica e social.
Mas é sobretudo ao nível da definição de uma verdadeira estratégia de desenvolvimento que se encontra a maior lacuna do Programa, e que assenta no facto

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de não se reconhecer que o desenvolvimento regional diz respeito a todas as regiões, que cada região tem os seus problemas específicos, havendo que encontrar os mecanismos mais adequados a cada região.
Caberá ao Governo explicitar de forma clara e inequívoca essa estratégia, tendo em conta que a evolução «natural» não revela elementos capazes de corrigir as disparidades litoral/interior, que a maior parte das regiões não revelam capacidades para atrair projectos industriais, nem parece possível criar essas capacidades de atracção sobre os reduzidos investimentos disponíveis e também que já existem elementos suficientes para recear que Lisboa/Setúbal venha a tornar-se, a médio prazo, a principal «região problema» face à gravidade dos problemas sociais que concentra.
Para além dos problemas e assimetrias já existentes, são situações novas, todas elas exigindo soluções e medidas inovadoras. Abordagens e instrumentos que não foi possível vislumbrar no texto do Programa.
Caberá ao Governo, face à interpretação que fizer dos problemas regionais em Portugal, definir o conjunto de acções que seriam necessárias para os resolver. E no conjunto dessas acções trata-se, em nossa opinião, menos de criar «sistemas de estímulos de base regional», do que tomar efectivos instrumentos já existentes há algum tempo, como as sociedades de desenvolvimento regional e outros de criação recente, como a Rede de Extensão Industrial e os Centros de Desenvolvimento Industrial do Interior (CDU) e de revelar imaginação para encontrar outras instituições de animação económica regional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Para o Partido Renovador Democrático, o poder autárquico é um factor de mudança e de potencial desenvolvimento, particularmente bem evidenciado ao longo dos últimos 10 anos o que leva justamente a considerar o progresso e a mudança verificada ao nível local como o maior sucesso do regime saído do 25 de Abril.
Tendo presente este reconhecimento, bom seria que o Governo esclarecesse como, em sua opinião, se devem pautar as relações Governo/Autarquias e nomeadamente quanto às «medidas de análise, clarificação e ajustamento do modo como são transferidas novas atribuições para as autarquias locais e dos correspondentes recursos financeiros».
Em matéria de reorganização de serviços municipais desejaria o Partido Renovador Democrático que as iniciativas anunciadas venham a pautar-se por uma diminuição da interferência do poder central, em matéria da própria concepção de organização dos serviços, quadros de pessoal e respectiva contratação.
O Programa não esclarece a forma como pensa o Governo aumentar no tempo as receitas das autarquias locais e, bem assim, corrigir a situação de desfavor relativa em que se encontram algumas autarquias no que respeita à participação nas verbas transferidas; situação esta já detectada na Lei de Finanças Locais n.º 1/79 e que a revisão de 1984 veio em parte agravar. O simples «estabelecimento de um sistema objectivo, justo e transparente de indicadores» para a distribuição das verbas do FEF não resolve. O Governo tem de encarar de frente o problema de existirem autarquias manifestamente prejudicadas nas verbas transferidas, quer em termos de capitação, quer face às carências existentes em cada uma delas. Existe um problema no funcionamento do FEF, mas é a própria filosofia da Lei de Finanças Locais que para o Partido Renovador Democrático está também em causa. O reforço da capacidade financeira dos municípios não pode alhear-se das condições de adequação dos meios às necessidades de financiamento.
Ainda uma chamada para o que considero provavelmente uma lamentável desatenção na redacção do Programa, a pp. 65 e 66, em que o Governo se propõe «executar e cumprir [...] planos directores municipais». Cabe ao Governo explicar... e emendar.
Avança o Governo no seu Programa com a figura do contrato-programa. Gostaríamos no entanto de ser esclarecidos, acerca de quem toma a iniciativa e de quem são realmente os contratantes com capacidade interveniente. É que se é certo que um dos contratantes será o Estado, já não se entende bem quem será a outra parte, face à ausência da autarquia regional e de propostas para a sua criação e ainda devido ao facto de muitos investimentos ultrapassarem o actual quadro de intervenção dos municípios consagrado no decreto--lei da delimitação do investimento. Será que as actuais comissões de coordenação regional verão o seu campo de intervenção reforçado, contribuindo, por via disso, para o reforço do próprio contratante Estado?
Por último, seria importante que o Governo esclarecesse em definitivo como pensa gerir o Fundo de Desenvolvimento Regional, Ministério de que o mesmo fica dependente e intenção ou não de criação de um órgão de consulta, em representação de todas as partes interessadas, para apoiar os serviços responsáveis pelo FEDER ha definição de critérios para a hierarquização na admissão de projectos, modalidades de financiamento e gestão e aprovação dos projectos a submeter à CEE.

Aplausos do PRD.

Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queria anunciar que estão entre nós alunos da Escola Secundária de Montemor-o-Novo, que, em visita de estudo, vieram assistir a esta sessão.
Para eles os nossos votos de que seja proveitosa a lição que levam deste Parlamento.

Aplausos gerais.

O Sr. Silva Marques (PSD), - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, é para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não viu ninguém a pedir a palavra, mas faça favor.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Carlos Lilaia, fiquei com o pressentimento de que V. Ex.ª leu o Programa do Governo com os olhos de um tecnocrata - digo isto com todo o respeito, como é óbvio.
Na minha opinião, o Programa que o Governo nos traz é exactamente um contributo muito positivo no sentido de se avançar no caminho da regionalização. Acontece somente que ele constitui o abandono da elucubração teórica e abstracta que nos tem conduzido ao verbalismo nesse domínio. Esta é a minha visão do Programa que nos é apresentado.

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É um programa para se caminhar com base em esforços comuns, empenhados, a partir de baixo (e, evidentemente também a partir de cima), com vista a projectos comunitários, sentidos pelas populações e pelos seus autarcas, com objectivos concretos e comuns.
Não posso encontrar melhor caminho para se avançar no sentido da regionalização e para, finalmente, todos nós - e também nós, naquilo que nos diz respeito, temos aí a nossa parte - acabarmos com o verbalismo em que temos andado atolados. Esta é a minha visão do Programa que nos é apresentado.
Há no Programa do Governo uma aposta clara num caminho de passos concretos no sentido regionalizante - esta é a minha interpretação -, e há também a definição clara para se encontrar, numa via prática e com base em interesses comuns, interlocutores transmunicipais, ou seja, intermunicipais.
O Sr. Deputado frisou várias lacunas e não apontou as propostas positivas que ali se contêm, como, por exemplo, o relevo que é dado ao intermunicipalismo, que é uma realidade já existente no nosso país, uma realidade nova. Há que apostar nela, há que a impulsionar, abandonada a teorização verbal, abstracta, de objectivos que em si próprios não devemos abandonar, mas que também não devemos transformar de forma a impedir o gradual à busca do perfeito.
Julgo, pois, que tenho uma visão profundamente diferente da do Sr. Deputado relativamente ao Programa. Será que ela decorre também da nossa diferente postura face às questões do poder local?
É claro que o PRD é um partido novo em matéria de poder local. Fez uma tentativa que, aliás, merecia melhor êxito. O PSD, bem sabe, é um partido com uma larga implantação autárquica e talvez não seja por acaso que a nossa visão destes problemas é fundamentalmente uma visão a partir de baixo para cima e sobretudo a partir da nossa experiência concreta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Deputado Silva Marques, fiz uma determinada leitura do Programa do Governo e V. Ex.ª acabou de fazer outra. Apenas gostaria de lhe dizer que, em relação à questão do intermunicipalismo, a minha preocupação vai exactamente no sentido de que o desenvolvimento deste último possa ser um obstáculo sério à criação de regiões administrativas. Isso, de facto, eu não desejaria.

O Sr. Presidente: - Para ,uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Ainda antes da campanha eleitoral o actual Primeiro-Ministro proeurou manifestar o seu distanciamento em relação às negociações da integração de Portugal na CEE.
Durante a campanha a imprensa relatou, sem que tenha havido desmentido, as afirmações de membros destacados do PSD sobre a necessidade da revisão dos tratados. Outras forças políticas, manifestando as suas preocupações, defenderam inclusivamente a realização de um debate nacional em face do desconhecimento generalizado quer dos acordos, quer das suas consequências.
Mas pela voz do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, em resposta às questões que lhes foram colocadas, ficou claro que o Governo não se propõe rever ou renegociar as cláusulas e condições mais gravosas do acordo de adesão. Disse que vai estar atento, isto é, vai assistir, não distraído, à absorção da economia nacional. E a renegociação era o mínimo que qualquer governo podia e devia fazer de modo a diminuir as consequências mais negativas e a defender os interesses e a soberania nacionais.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Governo não desconhece a oposição, as reservas e às apreensões que largos sectores da sociedade portuguesa desde os trabalhadores, agricultores, pescadores, pequenos e médios empresários, passando pelas associações empresariais independentes, e indo até à CIP, vêm colocando à adesão e aos respectivos acordos. O Governo não desconhece, nem pode invocar desconhecimento, das mutilações à soberania nacional e das limitações ao aproveitamento dos nossos recursos que são impostas pelas cláusulas do tratado. O Governo não desconhece os acordos em relação às pescas, nem as recentes decisões da CEE sobre a indústria conserveira. O Governo não desconhece que os preços dos produtos agrícolas vão ficar na prática congelados ao produtor e está avisado, até pela voz do anterior e actual Ministro da Agricultura que ainda há poucos meses afirmava não estarmos preparados para aderir ao Mercado Comum. O Governo não desconhece também as consequências dos acordos com a Espanha e chega mesmo a afirmar no Programa que um grande número de empresas industriais, p. 83, «dificilmente poderão resistir a uma competitividade acrescida».
Mas apesar de tudo isto o Governo inscreve como prioridade a plena integração de Portugal nas Comunidades, deixando transparecer, embora timidamente, que lá dentro, depois do embate da adesão, limará as cláusulas leoninas do Acordo.
É a posição do avance-se que depois do facto consumado logo se verá, sem ter em conta sequer a correlação de forças e o contexto histórico em que á adesão se dá. É conhecida a arrumação de forças na CEE e é sabido que mesmo ao nível institucional contamos com 24 deputados em 518, com 5 votos em 76 na Comissão, com 12 membros em 189 no Comité Económico e Social e não se vislumbra também qualquer próxima adesão de outro país que permitisse (hipótese académica) a repetição das posições gregas.
Simultaneamente, embora saiba que Portugal aceitou ser um contribuinte, líquido a partir do 6.º ano da integração, o Sr. Primeiro-Ministro vai afirmando piamente que, o País não o poderá ser logo no 1.º ano da adesão, como se os fluxos financeiros entre Portugal e a CEE se resumissem ao Orçamento, como se não incluíssem a saída de lucros, royalties e fuga de capitais, nomeadamente, através da sub e sobrefacturação.
Mas para o Governo desde que o Orçamento das Comunidades tenha um saldo positivo no 1.º ano de 1 centavo que seja, já a CEE e a Espanha podem «levar o resto», podem ficar com os sectores mais rentáveis da economia portuguesa, que se contentará em ter uma

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mini-siderurgia deixando o ferro do Moncorvo e as pirites de Aljustrel ao estrangeiro, assim como o cobre e a sua metalurgia.
Fica, pois, claro que este Governo ao não rever o tratado aceita as limitações às exportações dos têxteis e às conservas de sardinha, que aceita que as nossas águas entre as 12 e as 200 milhas sejam geridas pela CEE, que se contenta com uma quota para a produção de beterraba sacarina, que quando muito dará para uma unidade de beterrabeira.
Fica claro também que o Governo se serve do pretexto da CEE para, sem a isso ser obrigado, liquidar a EPAC, a AGA, etc., entregando um negócio de milhões de contos aos grandes intermediários.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A adesão quanto a nós não é necessária, nem obrigatória, nem inevitável. A CEE não é a Europa. Na Europa existem mais de 30 países e mesmo na Europa capitalista há 11 Estados que não fazem parte da CEE, entre os quais países como a Suécia, Noruega, Áustria e Suíça.
Continuamos a afirmar que a adesão não é irreversível. Há alternativa. No nosso estádio de desenvolvimento o caminho não é reforço do afunilamento das relações económicas externas, mas sim a sua diversificação: outras formas de relacionamento com a CEE, o reforço das nossas relações com os países da Europa Ocidental, com os Estados Unidos, com os países africanos, socialistas e os países do chamado «Terceiro Mundo».

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Continuamos a considerar errada a integração acrescida por uma aprovação apressada de um tratado, ditada por objectivos não económicos, mas por objectivos de cálculo eleitoral.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, consideramos que a revisão das cláusulas mais gravosas do tratado era o mínimo que os interesses nacionais exigiam de um governo que defendesse o interesse e a independência nacionais, o que não é o caso.
O crescimento económico, para não ser efémero, para não ser o andar e o parar seguinte, para ser elemento do desenvolvimento, deve ter como objectivo essencial aproveitar e desenvolver os recursos e potencialidades nacionais e não submetê-los e sacrificá-los aos interesses dos países estrangeiros.
Portugal, contrariamente ao que ficou da intervenção do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, não está condenado a ficar reduzido ao triste e humilhante papel de país fornecedor de matérias-primas e de mão-de-obra barata.
Por isso, rejeitamos este Governo e este Programa classista, retrógrado e abertamente inconstitucional.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Garcia.

O Sr. Vasco Garcia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo: Logo nas primeiras linhas do Programa do X Governo Constitucional, ao pôr-se em evidência
o valor estratégico do todo nacional e ao referir-se a sua dispersão geográfica, se começa a ter a percepção da importância das ilhas que compõem a Região Autónoma dos Açores.
Nunca é demais salientá-lo, porque certos espíritos menos avisados tendem por vezes a diluir, ou pelo menos a diminuir, o papel fulcral que as ilhas açorianas têm, como baluarte mais ocidental da Europa. E esse baluarte é português.
Ao valor estratégico, adicionam-se as potencialidades de uma zona económica exclusiva que, com a vastidão do seu quase um milhão de quilómetros quadrados, justificam desde há muito cobiças de vária ordem, para as quais Portugal e as suas ilhas atlânticas têm de estar atentos e, sobretudo, solidários na unidade nacional.
E é também como reforço dessa unidade nacional que não podemos esquecer a fragilidade que o afastamento dos Açores, em relação ao continente português, confere às ilhas fragilidade, essa aumentada pela dispersão dentro do próprio arquipélago, com 9 ilhas espalhadas ao longo de cerca de 600 km.
Os custos económicos dessa dupla dispersão, dessa «insularidade duplicada», vêm exigindo de todos nós - e particularmente de quem lá vive e de quem lá é governo - um esforço que tem de ser à medida do desafio que nos é lançado. Foi por isso com muita satisfação que ainda anteontem ouvi, do Sr. Ministro do Equipamento Social, a afirmação inequívoca de que os custos dos transportes, nas condições insulares, teriam de continuar a ser fortemente subsidiados.
É esta uma importante função do Estado, a que nenhum governo se poderia eximir, sob pena de cortar cerce o desenvolvimento económico e social das ilhas, com os correspondentes custos de toda a ordem.
Embora não estando expresso no Programa do Governo, o Sr. Primeiro-Ministro mostrou claramente no seu discurso a importância que tem para as regiões autónomas a indispensável presença nas instituições europeias. Neste aspecto, a criação de círculos próprios para os Açores e a Madeira, nas eleições para o Parlamento Europeu, é uma medida que consideramos da maior importância para a afirmação das regiões e, consequentemente, do próprio País.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - De facto, em nossa opinião, as regiões autónomas devem estar na Europa por direito próprio, como consequência natural da sua especificidade no contexto da Nação.
Outro aspecto importante do Programa é a intenção de desburocratizar. A existência de órgãos de Governo próprio implica um relacionamento com o poder central que se não coaduna com o enredamento da burocracia. E esperamos que, também nesta vertente, as opções do X Governo venham eliminar muitos meandros.
Façamos votos para que este Governo possa governar e bem, correspondendo às fundadas aspirações das populações açorianas, e com estas, às de todo o País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

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A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A minha intervenção será breve, quase tão breve quanto o são as referências ao poder local neste Programa do X Governo Constitucional.
Paradoxalmente, quando seria de prever que este viesse a ser um dos melhores capítulos do Programa do Governo, retira-se da sua leitura uma inesperada sensação de desinteresse.
Em primeiro lugar, uma constatação geral deste Programa, perfeitamente incompreensível: terá o PSD desistido de regionalização.
Com efeito não há qualquer referência neste Programa às regiões administrativas, nem às regiões plano. Será que este Governo não pensa que é chegada a altura de avançarmos decisiva e pragmaticamente neste sentido?
Não seria agora altura, uma vez entrados na CEE, de se prepararem os instrumentos, necessários ao lançamento das regiões - tema tão referido durante a campanha eleitoral - e tão completamente esquecido, na elaboração deste Programa?
Se nada é referido neste Programa sobre a regionalização e as regiões administrativas no que respeita ao, poder local poucas e de pouco efeito são medidas concretas apresentadas.
Com efeito neste capítulo relativo ao poder local dois, princípios são enunciados, só que o primeiro é inconstitucional e o segundo inconsequente.
Em primeiro lugar, o Governo começa por afirmar, que pretende contemplar - e passo a citar - «a alteração da legislação eleitoral autárquica de forma a favorecer a constituição de executivos maioritários ë tornar mais transparente a apreciação por parte, do eleitorado».
Ora esta não é uma competência do Governo, nem, nas condições actuais, da Assembleia da República.
E mesmo se muitos de nós concordamos com a necessidade da constituição de executivos maioritários para as câmaras municipais - o problema que só virá a ser posto em causa nas próximas eleições autárquicas de 1989 - é completa a nossa discordância peia forma como este Governo pretende realizar tal objectivo.
Com efeito o Governo não pode assumir este compromisso pela simples razão que não tem competência para o fazer.
Há que previamente alterar a Constituição, em especial o n.º 5 do artigo 116.º que refere que «a concessão de votos em mandatos se fará de harmonia com, o princípio de representação proporcional.
Assim, só se esta Assembleia decidir alterar a Constituição da República, poderão os deputados e não no Governo - desculparão os Srs. Ministros - realizar este objectivo.
O segundo e último princípio enunciado por este Governo no que respeita ao poder local é o de que a sua actuação neste domínio - e passo à citar - «se pautara por um frutuoso clima de diálogo com as autarquias e com as suas organizações representativas, não esquecendo o papel fundamental que assumem as comissões de Coordenação Regional».
Apesar do muito respeito que tenho por estes órgãos desconcentrados do Ministério - agora do Plano e de Administração do Território - não se entende como as autarquias e as CCR podem ser postas assim em pé de igualdade.
É que as autarquias não dependem obviamente do Governo. As CCR, sim, são serviços públicos com estatuto de direcção-geral - e consequentemente com uma relação institucional normal como serviço na dependência do Ministério e há que esperar que esta relação seja muito mais do que um simples diálogo frutuoso.
E quanto aos princípios relativos ao poder local o Programa do Governo" por aqui se fica.
Relativamente às medidas propostas, tradicionais e sem trazerem nada de novo mas com lacunas importantes, vou apenas referir-me à intenção de facilitar a actuação dos municípios, tornando - e cito - «mais rápida a decisão, péla diminuição da burocracia, aumento da transparência dos órgãos autárquicos e incremento da sua dignidade» no que respeita à problemática urbanística e de expropriações.
Será que é desta vez que o PSD permitirá, como era nossa intenção è da maioria dos autarcas, que seja da competência da assembleia municipal a autorização das expropriações, naturalmente dentro das regras previstas na legislação?
Estranhamente há medidas que este Governo esquece por completo: qual é a sua perspectiva sobre a tutela das autarquias - proposta de lei já aprovada na generalidade nesta Assembleia? E sobre os contratos de reequilíbrio financeiro, sobre os gabinetes de apoio técnico e sobre o papel dos governadores civis; e sobre a elaboração do código autárquico já em adiantada fase de elaboração e que será um imprescindível apoio e orientação dos autarcas; e como se processará o acesso das autarquias aos diversos fundos comunitários agora postos à disposição das autarquias.
A estas e muitas outras perguntas deixa-nos este Programa sem respostas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Uma última referência ao problema das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto.
São inúmeras as necessidades e carências destas regiões e os meios que terão de ser postos à disposição das Câmaras Municipais de Lisboa e Porto, bem como dos seus concelhos limítrofes, tem de ser perspectivados em termos que ultrapassam a sua capacidade de realização isolada.
A maior parte dos principais problemas dos concelhos de Lisboa e Porto, como muito bem sabe o Sr. Ministro do Plano e Administração do Território, só poderão ser eficientemente perspectivados, analisados e resolvidos num âmbito que ultrapassando a área das cidades se estenda aos municípios limítrofes: problemas de planeamento urbanístico, saneamento, transportes, rede escolar, de apoio social e de saúde apenas poderão ser eficientemente resolvidos no âmbito de uma área alargada, que ultrapassa obviamente a área dos concelhos de Lisboa e Porto.
A figura do contrato-programa, que de forma puramente indicativa é referida na parte relativa ao desenvolvimento regional, em que medida poderá resolver estes problemas cuja urgência e imprescindibilidade são por muitos reconhecidas.
Estaremos atentos à forma como esta medida será implementada e como o próximo Orçamento do Estado contemplará, não só as receitas, das autarquias em geral, mas também as, dos concelhos das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado Silva Marques. Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, antes de mais queria lembrar-lhe que o Governo tem a possibilidade de apresentar propostas de lei sobre a organização do poder autárquico. Aliás, o Governo a que V. Ex.ª pertenceu teve iniciativas exactamente nesse domínio.
Espero que aquilo que é bom quando se está no poder, não passe a ser mau quando se está na oposição! É um maniqueísmo que tem sido monopólio exclusivo dos comunistas... espero que a nódoa não alastre!
A Sr.ª Deputada diz: «porque é que este Governo não propõe a criação imediata das regiões administrativas?» mas eu penso que não devia dizê-lo! Porque é que pergunta isso agora, Sr.ª Deputada, e não no governo anterior a que V. Ex.ª pertenceu? Porque não o fez há 15 dias ou há 15 meses?!
Ora, o facto de a Sr.ª Deputada ter pertencido a um governo que não o fez, o facto de muitos de nós, ou seja, de outros colegas terem pertencido a outras governos que também não o fizerem, não nos deveria minimamente levar a reequacionar a questão?
A Sr.ª Deputada, em vez de se colocar numa nova postura face a uma forma nova de abordar os problemas que existem e que precisam de ser resolvidos, insiste na repetição dos chavões. Diz «não está cá»... como se pela referência à criação das regiões administrativas ela tivesse miraculosamente lugar!
Não é tempo de abandonarmos essa postura, Sr.ª Deputada, sobretudo quando temos o ónus de nós próprios termos sido postos à prova - o que aconteceu com V. Ex.ª enquanto pertenceu a um governo, aliás, tão recente e de razoável duração. V. Ex.ª teve tanto tempo mais de 15 dias, até mais de 15 meses - para criar as regiões e não o fez...
Sr.ª Deputada, estamos no domínio do verbalismo, do mero jogo parlamentar de discursos contra discursos. Coloquemo-nos antes de uma forma nova perante os problemas que, de facto, só através de uma forma nova podem ser resolvidos.
Pensamos que o Programa do Governo nos traz um novo caminho que devemos trilhar com convicção, através de passos graduais mas concretos, a fim de sermos capazes de abandonar o domínio do verbal para passar às realizações concretas de que tanto carece a modernização do nosso país.
V. Ex.ª refere que no Programa não estão presentes respostas a certas questões; mas a verdade é que estão lá, mesmo no que respeita àquelas que colocou. V. Ex.ª diz que não há uma proposta sobre o «como» da utilização dos fundos europeus, mas a verdade é que está lá precisamente uma proposta sobre o «como» da ' utilização desses mesmos fundos! Pode discordar dela... mas a Sr." Deputada nem sequer se deu ao cuidado de a discutir, foi pelo caminho mais fácil, dizendo que tal não está no Programa quando, ainda por cima, estava a referir um caso que está!
Sr.ª Deputada, depois das experiências que todos sofremos, tenhamos um pouco mais de humildade e encaremos de forma nova a resolução dos problemas de Portugal!...

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres
Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Deputado Silva Marques, com toda a humildade lhe direi que as propostas de lei, como é óbvio, são um instrumento do Governo. Utilizámo-lo frequentemente e esperamos que este Governo também o faça.
Porém, o que o Governo não pode é apresentar propostas de lei - foi isso que eu disse - sobre matérias que não são da competência desta Assembleia. Alterar a forma como são eleitos os executivos maioritários não é da competência do Governo - pois este último não pode apresentar uma proposta de lei sobre esta matéria - nem é da competência desta Assembleia. Como eu disse, primeiramente temos de alterar a Constituição, isto é, o n.º 5 do artigo 116.º, e só depois podemos avançar nesta matéria. Portanto, penso que em relação às proposta de lei estamos entendidos.
No que concerne ao desenvolvimento regional e às regiões administrativas, o Programa do IX Governo Constitucional dizia que este assunto seria tratado nos últimos anos do mandato, como V. Ex.ª certamente se recorda. Contudo, também aí não quero ir mais longe do que dizer que a parte relativa à criação das regiões não estava na minha Secretaria de Estado, mas sim na do Dr. Fernando Nogueira.
Relativamente às propostas concretas, que não estão aqui tratadas, falei de várias, ou seja, de assuntos que não estão, pura e simplesmente, referidos no Programa do Governo e que me parecem importantes. Refiro-me à tutela, aos contratos de reequilíbrio financeiro, aos GAT, ao papel dos governadores civis - que agora não percebo de quem dependem nem como vão funcionar. Quanto à forma de acesso das autarquias aos fundos comunitários, não disse que isso não estava referido no Programa, mas sim que não se entendia, a partir da forma como está consignado, o modo de acesso das autarquias aos referidos fundos e penso que este é um aspecto fundamental.
Foram apenas estes os pontos que me foram referidos e que, com toda a humildade, tentei esclarecer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr. Deputada Maria Santos.
V. Ex.ª dispõe de 6 minutos, que lhe foram cedidos por vários grupos parlamentares.

A Sr.ª Maria Santos (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: O Partido Os Verdes, ao analisar o seu Programa de Governo, a partir de princípios que norteiam a definição de uma política eminentemente ecológica, a que protege os recursos naturais e culturais, defendendo a paz, a justiça social e a cooperação.
Pensamos que a acção governativa deve satisfazer as nossas reais necessidades, adequando os seus programas de modo a garantir que todas as actividades humanas, como a agricultura, pesca, indústria, comercio, urbanismo, entre outras, preservem o património natural e cultural, promovendo a harmonização do Homem com o seu meio e a sua cultura.
Entendemos que a economia deve assentar numa organização dimensionada à escala humana, onde a qualidade seja a preocupação principal, que se garanta o

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pleno emprego, a satisfação das necessidades reais e o desenvolvimento criativo.
Sendo demasiado teórico na sua globalidade, este Programa não se apresenta clara e inequivocamente na defesa dos pressupostos que atrás referi, pois ao valorizar - passo a citar - «a iniciativa privada como fonte autêntica e insubstituível do desenvolvimento económico e social» promove o consumismo competitivo, o saque inescrupuloso dos recursos naturais e matérias-primas, atenta contra a capacidade auto-regeneradora da Natureza e obriga-nos a consumir aquilo de que não necessitamos.
No entanto, no dizer do etnólogo Jorge Dias, alterar esta situação está nas nossas mãos, quando escreveu:
[...] A natureza deu ao Homem todas as pedras de um xadrez complicado e as regras do jogo. Depois, coube-lhe a ele ir aperfeiçoando as jogadas.
A escassez de tempo- não nos permite uma abordagem mais aprofundada do conteúdo programático que V. Ex.ª teve a honra de apresentar. Passo directamente às questões que seleccionei:
No ponto «Ambiente e Recursos Naturais», e no sentido de precisar melhor as ideias expressas, que medidas pensa o Governo tomar, para além da publicação de legislação relativa ao ambiente e conservação da natureza, nomeadamente para fazer reviver o rio Leça, defender a ria de Aveiro, salvar o Douro, o Alviela, o Almonda, etc.
No tocante à política de cooperação com Espanha, com vista a retirar vantagens recíprocas dos recursos naturais, estarão devidamente acutelados, em quantidade e qualidade os cerca de 40% dos nossos recursos de água, que provêm do país vizinho?
A promoção de um adequado desenvolvimento sócio-económico, necessita da definição de uma política de gestão dos recursos hídricos, que parece esboçada na p. 68 do seu Programa. Não é claro, no entanto, que se considere prioritário o Plano Nacional dos Recursos Hídricos. Pedia, pois, este esclarecimento!
Está previsto para as zonas de grande concentração industrial, como Estarreja, Sines, cinturas industriais de Lisboa, Setúbal e Porto, entre outras, medidas preventivas que estabeleçam planos de emergência territorial?
Qual o entendimento do Governo no que concerne à construção de marinas no nosso litoral?
No âmbito da defesa e manutenção da paz, lembraria ao Sr. Primeiro-Ministro as nossas anteriores perguntas, que não obtiveram respostas e que agora completaria com novas questões:
Providenciará este Governo, no sentido de Portugal contribuir activamente no movimento para a desnuclearização da Península Ibérica? Como?
Recusará o estacionamento e trânsito de armas termonucleares no nosso território, nomeadamente no rio Tejo, que com a sua presença põem em perigo as populações?
Sobre o poder local. A perspectiva de reorganização dos serviços apontados passará pela manutenção e desenvolvimento dos museus das assembleias distritais, que como sabe foram extintas?
Que medidas serão tomadas para o fomento do associativismo municipal?
Contemplarão as associações municipais já existentes? Em que moldes o farão?
Sobre Educação. Todos reconhecemos a indispensabilidade da educação artística, para que se corporize uma verdadeira democracia cultural. No entanto, não é clara a predisposição deste Governo, para a implementação do Plano Nacional de Educação Artística, tom a adopção no sistema educativo português da educação pela arte e do princípio da regionalização, com vínculo às realidades sócio-culturais, onde a escola se insere.
Porque considero essencial que os poderes públicos, assumam as suas responsabilidades neste domínio, solicito que o Governo manifeste o seu entendimento neste campo.
Sr. Ministro, os debates em que não pude participar por falta de apoio regimental, foram muito claros na condenação da postura que levou à extinção do Ministério da Cultura.
O próprio Ministro da referida área, pouco valorizou na sua intervenção a acção cultural. Ora na p. 138 parece que o Governo quer colocar a cultura dependente da caridade do patrocínio particular e empresarial. É isto verdade. Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro da Educação e Cultura?
Será que no quadro internacional, os institutos portugueses, a criar em vários países, nomeadamente no Brasil, correspondem a alguma das medidas preconizadas nas I Jornadas Luso-Brasileiras do Património? ) Com que programação se pensa promover o acesso aos bens culturais, através dos meios de comunicação social?
Finalizo com três questões que Os Verdes consideram fundamentais:
Está prevista a realização do levantamento cultural do País, instrumento indispensável e insubstituível para uma acção planificada e realista em articulação com os diversos agentes culturais do nosso país?
Propiciará este Governo os meios técnicos, financeiros e humanos para á investigação e aplicação de energias alternativas, dizendo não ao nuclear! Sim à utilização das energias doces e renováveis! Entenderá o valor da pedagogia ecologista a introduzir no sistema educativo português?
Terminaria, lembrando Hélder Pacheco:
Não somos um país tecnologicamente desenvolvido, não possuímos aglomerado urbanos hipertrofiados (mas vamos a caminho disso, com os horrendos dormitórios jazigos de betão e alumínio anodizado, onde só há espaço para as begónias caseiras), não atingimos, sequer, o estádio de país industrializado e, no entanto, sofremos dos males e problemas de degradação ambiental de que outros países desenvolvidos se ressentem e alguns procuram, até, ultrapassar.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: Isto quer dizer que se não acautelamos o presente, podemos hipotecar o nosso futuro!
Bom, mas nós Os Verdes não deixamos!

Aplausos do PRD, do PCP, do MDP/CDE e do Sr. Deputado Jorge Lacão, do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: A passagem de figuras do PSD pelo pelouro da comunicação social tem correspondido a pontos altos do desrespeito pelos princípios constitucionais, de independência e pluralismo dos órgãos de comunicação social do sector público, através da manipulação e governamentalização de tais órgãos, com a utilização abusiva das empresas públicas para os seus planos partidários e até mesmo pessoais, tudo conjugado com uma feroz guerra aberta contra tais empresas, em benefício dos grandes interesses privados que delas se pretendem apoderar por dá cá aquela palha. Quem, por exemplo, Srs. Deputados, já terá esquecido a tentativa de destruição da ANOP e criação da NP, o escândalo em torno desse facto gerado, de que hoje ainda sentimos as consequências?
O Programa do actual Governo não aponta para qualquer alteração desta prática, antes a vem confirmar! Como noutros domínios, também aqui, o Programa do Governo não só ignora a Constituição como entra em brutal confronto com ela!
A palavra de ordem é desnacionalizar, reprivatizar, afrontando deliberadamente o artigo 83.º da Constituição que expressamente determina no seu n.º l que: «Todas as nacionalizações efectuadas depois do 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras».
Para além deste vezo anticonstitucional e anti-sector público, o Programa é vago, impreciso, sem medidas definidas, sem metas a alcançar ou indicação de prazos para o seu cumprimento.
O Governo limita-se a referir como grande medida para o sector da unicidade: um jornal diário, uma agência noticiosa, um canal de rádio e um canal de televisão. Mas é o próprio Governo que reconhece o conteúdo limitado desta sua proposta afirmando que «não considera que a reprivatização de alguns órgãos de comunicação social estatizada garanta, só por si, a isenção e qualidade da informação». Então porquê esta proposta?
Srs. Deputados, o que é preciso não é o leilão das empresas públicas de comunicação social! É preciso sim respeito pela Constituição, fim às ingerências e à governamentalização!
É preciso acabar com as verdadeiras cadeias hierárquicas de comando limitadoras da liberdade de informação! Aliás a constatação deste facto, a necessidade de garantir a independência dos órgãos de comunicação social do sector público, não se tem restringido ao quadro partidário, tendo, designadamente, tido expressão em variadíssimas recomendações do Conselho de Comunicação Social a esta Assembleia, incorporadas, aliás, num projecto de lei apresentado pelo meu grupo parlamentar logo no início da presente sessão legislativa.
O Programa do Governo aponta para um rumo de destruição, lesivo, ademais, do direito dos cidadãos a uma boa e honesta informação.
Um só jornal público - pretender-se-á, deste modo, ressuscitar o bolorento Diário da Manhã?
Uma só agência noticiosa - em que quadro? Recuperando os planos do Secretário de Estado José Alfaia, do PSD? Então que futuro para a ANOP? Como encara o Governo o serviço público que esta agência tem prestado, decorrente, em grande medida, dos sacrifícios que se têm submetido os seus trabalhadores?
Um só canal de rádio público - e a distribuição das frequências radioeléctricas? Nem uma palavra no Programa. Que critérios presidirão à sua distribuição? Que garantias de igualdade de oportunidades e não discriminação? Perfilha o Governo o espírito da proposta de lei do anterior Executivo que não salvaguardava minimamente tais aspectos?
Nem uma só palavra sobre a situação real das empresas. Nem uma só referência à necessidade do seu saneamento económico-financeiro.
O Governo remete-se ao total silêncio. Que irá suceder aos trabalhadores da EPNC ou da ANOP cujas empresas foram declaradas em situação económica difícil? Que se irá passar quanto aos 22 trabalhadores ilegalmente afastados da RTP, desde 1975, que, apesar das sentenças favoráveis dos tribunais, continuam por reintegrar na Radiotelevisão?
E, finalmente, a questão da televisão? O Programa, se bem que reconheça em tom de voto pio a necessidade da desgovernamentalização da sua gestão, é descaradamente inconstitucional.
No seu discurso o Sr. Primeiro-Ministro afirmou, em nome do seu Governo, que, e passo a citar:
Respeitaremos escrupulosamente a ordem constitucional.
E refere a p. 143 do Programa que, e volto a citar:
No que se refere à televisão não pode abdicar de ser ele próprio a fazer a gestão das frequências, cabendo-lhe definir o sistema de comunicação de suporte electrónico, incluindo os objectivos a atingir, as formas de organização empresarial e a natureza do seu capital.
Ora, no passado fim de semana foi exibido por uma entidade privada um programa de televisão.
Tratou-se de uma emissão pirata; acarinhada e publicitada pela RTP, antes e depois da emissão; enfeudada a uma candidatura presidencial que fala constantemente de garantir a autoridade do Estado; gozando da inércia dos ministérios a quem competiria cumprir e fazer cumprir a legalidade democrática; contra a Constituição (que exclui emissões televisivas privadas); contra a lei (que as pune com formas de prisão, multa e perda de equipamentos a favor do Estado).
Tudo somado, não foi a farsa que poderia parecer. Foi a tentativa de impor a lei da selva, que não pode consumar-se impunemente, sob pena de abrir um precedente de inconjecturáveis violações da legalidade democrático-constitucional.
E eu pergunto, Sr. Primeiro-Ministro. O Governo vai continuar calado?
Esta actuação ilegal que é um claro desafio à autoridade do Estado democrático vai contar com o silêncio, a inércia e a conivência do seu Governo?

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Aí estará mais um sinal do rumo de ilegalidade que este Governo erigiu em bandeira e que só por si justificaria a rejeição do Programa.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lemos, ouvi a atrabiliária intervenção produzida por V. Ex.ª neste capítulo e muito sucintamente quero dizer o seguinte: o PSD não recebe de ninguém lições de isenção na comunicação social e muito em particular do PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A nossa atitude vai ser, como até aqui tem sido, a de diálogo com todas as forças partidárias. Mas não podemos receber lições do PCP porque sabemos a atitude que este partido teve perante a comunicação social estatizada quando esteve próximo da área do poder. Depois do 25 de Abril, ninguém neste país foi mais controleiro da comunicação social estatizada do que o PCP, de resto ao sabor da inspiração internacional dos países que lhe servem de modelo ideológico.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PCP.

O Orador: - Ë difícil ouvir isto, mas é verdade!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É um discurso velho!

O Orador: - A breve prazo, os Srs. Deputados terão oportunidade de ver a postura de isenção e de independência que o Governo vai ter perante a comunicação social estatizada. Essa será, talvez, a altura mais própria para se falar sobre o assunto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, há mais um Sr. Deputado inscrito para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, creio que deverei responder já para não misturar o tom não dignificante para esta Assembleia do protesto formulado pelo Sr. Deputado Duarte Lima com o eventual pedido de esclarecimento que se seguirá.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Duarte Lima, tanto V. Ex.ª como o partido a que pertence engoliram todas as verdades que referi na minha intervenção no que diz respeito à vossa bancada.

Vozes do PSD: - Nem uma!

O Orador: - Aos factos concretos que aqui eu trouxe V. Ex.ª não disse nada.
Gostaria, pois, que o Governo me pudesse dar as respostas que solicitei e que o PSD olhasse para trás, pensasse nos tempos da AD e verificasse o que foi a sua acção enquanto responsável pela comunicação social e, designadamente, pensasse no ex-Secretário de Estado Alfaia.
Enfim; de misérias como estas o PSD nem sequer deveria falar. Deveria ter vergonha.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Carvalho.

O Sr. Costa Carvalho (PRD): - Sr. Presidente, prescindo de usar da palavra por falta de tempo.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Disse o Sr. Primeiro-Ministro no seu discurso de apresentação do Programa do Governo que «não há-de escapar certamente a quem souber interpretar o sentido e o alcance das últimas eleições, que elas abrem um novo ciclo político à democracia, portuguesa».
Estamos de acordo com o Sr. Primeiro-Ministro neste ponto.
Para nós, este «novo ciclo político» está ilustrado e encontra a sua marca mais visível no aparecimento de um novo partido político que é um partido novo. para usar a expressão tão cara a José Carlos de Vasconcelos. Esse partido é o PRD. Ainda há meses inexistente e já hoje a terceira força política de Portugal.
Inspirando-se no exemplo do General Eanes na contestação ao regime ditatorial-colonialista, no empenhamento no 25 de Abril, na contenção da tentação totalitária que se apossou de variadas correntes revolucionárias derrotadas em 25 de Novembro, e nos seus 2 mandatos como Presidente da República, o PRD apresentou-se ao eleitorado com uma declaração de princípios, um manifesto e uma proposta de programa. «Com Eanes», pois, mas além de um homem, um partido com conteúdo programático.
O aparecimento do PRD é uma das maiores provas de vitalidade do sistema democrático originado pelo 25 de Abril. Enganaram-se os teóricos do eleitorado fixo, estão desorientados os oligopolistas do statu quo ante. É possível a novidade, a renovação democrática, graças ao voto popular, graças ao sufrágio universal.
De certa maneira, o aparecimento em força do PRD significa uma desautorização do eleitorado aos responsáveis por certos aspectos do poder político alicerçado na Revisão Constitucional de 1982. Então pretendeu-se diminuir os homens que permitiram o 25 de Abril, quer retirando atribuições ao Presidente da República, quer ferindo os homens que compunham um órgão transitório: o Conselho da Revolução.
O PRD, como primeiro grande partido nascido em plena democracia e no período constitucional, não beneficiou do período revolucionário para a sua implantação e não se constituiu para fazer a contra-revolução.

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É um partido que aparece no exacto momento em que todos os restantes partidos se isolam. O CDS não liga com o PSD, este apresenta-se aqui minoritário e monocolor; o PS não dá um passo na direcção de ninguém; o PCP é incapaz de conceber uma política de alianças no quadro da democracia parlamentar. Surgimos quando os outros partidos estão todos no seu gueto e nenhum deles é hegemónico ou sequer dominante.
Se por um lado o PSD quis governo sozinho e à sua inteira responsabilidade (o que é meritório em termos de coragem política), o que é certo é que nenhuma das forças políticas que se preparam para votar moções de rejeição apresentou qualquer solução governativa alternativa.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Nem sequer os partidários do parlamentarismo racionalizado.
Por tudo isto não estamos de acordo com o Sr. Primeiro-Ministro quando este afirma que e cito:
O povo português apontou quem desejava ver investido nas urgentes tarefas de governação do País.
E não estamos de acordo porque as últimas eleições legislativas não se resumiram a um congresso alargado do PSD nem à arbitragem da disputa entre o PS e o PSD, os dois partidos que nos governaram - se assim me posso exprimir - durante 2 anos. É verdade que o PSD subiu ligeiramente e que o PS desceu, mas não discortinamos no actual horizonte político a claridade de uma vontade inequívoca, tanto mais que a aliança pré-eleitoral esboçada entre o PSD e o CDS não se consumou, e que esses 2 partidos juntos não constituem maioria, ou seja, o povo português não quis uma aliança maioritária à direita na presente legislatura.
Existem, contudo, várias maiorias possíveis em termos parlamentares. Mas o partido mais votado, o PSD, preferiu fazer governo sozinho.
O Governo minoritário ou de maioria relativa para usar a expressão do seu principal responsável, não é propriamente uma originalidade no nosso sistema constitucional. Vai o PSD tentar 10 anos depois a experiência do PS em 1976.
Fá-lo por sua conta e risco. Nem sequer tentou qualquer negociação, no que revelou maior seriedade de propósitos, mas ao mesmo tempo ficou por inteiro com a responsabilidade da fórmula governativa que apresenta a esta Assembleia.
O PRD julga interpretar da melhor forma o sentido de voto das eleições de 6 de Outubro, remetendo-se a uma posição de intensa fiscalização crítica, como terceiro partido desta Assembleia. Não estamos sentidos por qualquer experiência de coligação, não estamos ansiosos por ser governo, queremos ajudar a aperfeiçoar o sistema democrático.
É verdade, Sr. Primeiro-Ministro, que o «nosso povo exprimiu uma inequívoca vontade de mudança de métodos» da actividade política e, por isso, o povo português não compreenderia que, após esta prova de vitalidade do sistema democrático, se voltasse a utilizar a televisão como uma arma política directa como em 1980 na campanha presidencial; nem que se concebesse uma política económica imediatista para ajudar o candidato comum da direita a ganhar as eleições e a provocar, a médio prazo, novas legislativas; nem que se pretendesse alcançar uma maioria de deputados pela via administrativa de uma nova lei eleitoral feita á medida dos que pretendem terminar com a alternância do poder, nem que se especializasse certos partidos nos acordos com o Fundo Monetário Internacional e o PSD ficava a ilustrar-se no exemplo do Barbosa das Farturas; mudança de métodos não pode significar tolerância para com a prática de ilegalidades como a que ocorreu no último fim de semana com uma emissão pirata de televisão. Estou certo, Sr. Primeiro-Ministro, que V. Ex.ª não está satisfeito com as companhias que tem. Mas não actua porquê? Tomou algum compromisso que o impede de agir como o representante do Estado democrático?
A emissão ilegal de actividade de rádiotelevisão é menos grave para este Governo do que a ocupação ilegal de terras? Este Governo garante o Estado de direito democrático em todo o território nacional?
Mudança de métodos, novo ciclo político, fórmula governativa, de tudo isto fará o PRD uma fiscalização parlamentar activa, Sr. Primeiro-Ministro.
Não fazemos processos de intenção. Não há nenhum motivo para duvidar seriamente do carácter democrático deste Governo. O Sr. Primeiro-Ministro apresentou uma situação governativa; ninguém ainda apresentou qualquer alternativa democrática credível.
É esse o seu crédito.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Medeiros Ferreira, na intervenção que produziu, V. Ex.ª salientou a sua concordância com o Sr. Primeiro-Ministro quanto a estar a inaugurar-se aquilo a que ambos chamam «um novo ciclo da democracia portuguesa».
Porém, ao fazer a análise ao posicionamento dos partidos neste hemiciclo, o Sr. Deputado verificou aquilo que chamou, por razões diversas, o isolamento maior de cada um dos partidos políticos. Assim, parece que a conclusão que se tira do novo ciclo na democracia portuguesa é a de que o PRD terá vindo contribuir para o isolamento dos partidos políticos na Assembleia da República com o seu próprio isolamento, na medida em que o Sr. Deputado cáustica outros partidos por não encontrarem uma solução governativa, mas, que se saiba, o PRD não contribuiu minimamente para qualquer outra solução governativa.
Não compreendo como é que o PRD pode criticar o PS, claramente derrotado nestas eleições, por se remeter ao seu papel normal em democracia, que é o de ficar na oposição, quando o PRD, congratulando-se por ter um razoável resultado eleitoral, estaria em condições para poder cooperar para uma solução política estável e, desde logo e à partida, se recusa a dar a colaboração para essa solução política estável. Isto é, o partido mais responsável pelo isolamento dos diversos partidos é justamente o PRD pelo seu comportamento político.
Gostaria, pois, de perguntar ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira se, em lugar de criticar os partidos que democraticamente se remetem ao seu papel de oposição construtiva, leal, aberta e franca, não seria prudente

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por parte do PRD encontrar-se .na descoberta de unia outra solução política em que viesse a colaborar com vista à estabilidade política de que o País carece.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Medeiros Ferreira, há mais um orador inscrito para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Medeiros Ferreira (PRD): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Deputado Medeiros Ferreira, independentemente do conteúdo programático do PRD, cuja legitimidade ninguém discute, pois é um fruto da democracia portuguesa, V. Ex.ª colocou, como padrão referenciador da sua acção, o perfil moral e a acção política do Sr. Presidente da República. . O Sr. Presidente da República, pelas vozes autorizadas de alguns dirigentes do PRD ë seus apoiantes, caracterizou-se pela posição de não intervenção na cena política portuguesa, mas, fundamentalmente, como árbitro e moderador. Ora, não se entende como é que um perfil de arbítrio e de moderação se pode trasladar para uma acção política de intervenção directa de um partido político.
Mas, descontando este ligeiro problema, caminhemos para a questão ética. O factor mais preocupante que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira diagnosticou na relativa falta de autoridade que inculcou neste Governo foi a sua acção não actuante numa classificada por si próprio «emissão televisiva pirata» e responsabilizou o Governo por não actuar é, naturalmente, responsabilizando também quem nele participou.
Ora, articulando o perfil ético do Sr. Presidente da República, padrão referenciador para o PRD, e á crítica a essa acção política de não actuação relativamente a uma emissão pirata, como é que V. Ex.ª classifica a acção do Sr. Presidente da República quando proferiu declarações numa emissão pirata de rádio» Ora, nessa altura, os Srs. Deputados mantiveram o silêncio!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Os dois pedidos de esclarecimento que foram colocados são de carácter muito diferente. Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, gostaria de dizer que, de facto, o PRD cresceu muito, mas ainda é o terceiro partido e o PS é o segundo partido. Portanto, não creio que competisse ao PRD tomar qualquer iniciativa para a procura de uma solução governativa alternativa. Mas quando o PS sair do seu ressentimento e isolamento pode bater à porta do PRD.
Sr. Deputado Ângelo Correia, nos termos em que aqui foi dito, inspiramo-nos na acção e no exemplo do Sr. General Ramalho Eanes. Quando o General Ramalho Eanes deixar de ser Presidente da República, certamente que o Sr. Deputado Ângelo Correia verá o que e que, na prática, significa estarmos com o General Eanes.
Quanto ao problema da questão ética que o Sr. Deputado colocou, gostava de dizer que não tenho nem dois pesos nem duas medidas. Nunca fiz declarações nem a rádios nem a televisões não legalizadas. Sou responsável pelos meus actos e nada mais do que isso.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não são permitidos protestos a pedidos de esclarecimento e às respectivas respostas.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Lamento, Sr. Presidente.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, para ordenar os trabalhos do meu grupo parlamentar, gostaria de saber quais são os membros do Governo que estão inscritos para usar da palavra.

O Sr. Presidente: - Até este momento está inscrito para usar da palavra o Sr. Ministro do Plano e da Administração, do Território.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Então não está prevista nenhuma intervenção do Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação?

O Sr. Presidente: - Até este momento ainda não está inscrito mais nenhum membro' do Governo, Sr. Deputado.
Para um intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Miguel Coelho.

O Sr. Carlos Miguel Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Seja-me permitida começar com uma citação:
Como deputados pelo PSD que somos, e convirá sublinhar que o grupo de deputados da JSD, só por si, é maior do que alguns grupos e agrupamentos parlamentares, apoiamos o Governo, no terreno parlamentar. Mas o nosso apoio não será bajulador nem lisonjeiro. Estamos em crer que na dura tarefa que se depara ao Governo o nosso, contributo será tanto maior se, em vez de coro e lisonjas, aqui trouxermos a crítica estimulante e a participação empenhada na resolução dos grandes problemas com que Portugal se defronta.
Foram palavras proferidas nesta tribuna a 23 de Junho de 1983 pelo Sr. Deputado Pedro Pinto, presidente da JSD, no debate do Programa do IX Governo Constitucional e que hoje devem ser recordadas porque são novamente oportunas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não foi com alegria que constatámos, no momento da apresentação das listas e depois de conhecidos os resultados eleitorais, as posições e a não eleição para esta Casa dos candidatos das outras organizações de juventude do campo democrático.
Essa circunstância tornaria mais fácil que posições diversas a assumir na Câmara fossem expressão directa e compreendida dos anseios e problemas, perspectivas sugestões de uma geração que questiona já mais o presente do que se interroga sobre o futuro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Mas isso, seja na generalidade do trabalho parlamentar que temos à nossa frente, seja agora na discussão do Programa do Governo, apenas nos atribui mais responsabilidades.
E embora nestas circunstâncias seja mais árduo e porventura politicamente mais delicado que aqui façamos ouvir o grito da nossa geração é uma responsabilidade que indiscutivelmente não alijamos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De outra forma, não teria significado a expressão parlamentar da JSD consequência não só da indesmentível força social que a JSD representa como da perspectiva com que o PSD olhou sempre os jovens e a sua participação, recusando paternalismos tutelares e devolvendo à juventude o seu legítimo papel de protagonista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Há muito que a juventude não era brindada com tantas atenções na campanha eleitoral. Todas as forças políticas se desdobraram em levantar os problemas que a afectam e em propor algumas soluções.
Os sociais-democratas não foram excepção com a legitimidade acrescida de quem nunca deixou, neste sector, de fazer ouvir constantemente a sua voz.
E apraz-nos registar que também aqui o Prof. Cavaco Silva recusou claramente ser demagógico, contrariamente ao que ontem aqui foi afirmado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na carta que enviou aos eleitores jovens durante a campanha eleitoral escreveu que não se podia prometer a resolução integral dos nossos problemas. Até porque - acrescentaríamos nós -, mesmo que isso fosse possível não faltariam novas metas e novos anseios ou não fosse a juventude, por definição, insatisfeita.
Mas há que, tal como se prometeu na campanha eleitoral, deixar bem claro e no campo do real que é possível atenuar-se parte substancial dos problemas com que a juventude se defronta.
O Programa do Governo, que nos foi distribuído na sexta-feira passada, traduz saudavelmente para o compromisso parlamentar o compromisso eleitoral, confirmando-nos esperanças diversas que urgirá concretizar.
Em particular, gostaríamos de aplaudir, em primeiro lugar, a criação do Ministério do Plano e da Administração do Território e a intenção política daí decorrente de construir o modelo de desenvolvimento a partir do território e dos recursos que temos através da sua valorização, nomeadamente utilizando novas tecnologias, pondo cobro a uma política de investimentos públicos em projectos grandiosos que nada têm a ver com o meio onde estão inseridos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, a criação da Secretaria de Estado da Juventude, pela qual a JSD se vem batendo há vários anos no entendimento de que os problemas dos jovens carecem de uma resposta integrada por parte do Estado fazendo sediar o responsável do Governo por esta área no âmbito da Presidência do Conselho devido ao seu carácter marcadamente interdepartamental.
Restará saber quais os meios e os instrumentos de que vai dispor porque disso depende, bem como da força política que for atribuída ao respectivo Secretário de Estado, que funcione de facto em prol dos jovens e não se transforme num conjunto bonito mas vão de intenções legítimas.
E importará sublinhar que a entendemos numa perspectiva de aumentar os espaços de participação dos jovens, aumentando as possibilidades de serem protagonistas de um papel relevante no meio social. Para isso, e recusando visões dirigistas ou tutelares, de recomendar é, sem dúvida, um debate aberto e profícuo com o Conselho Nacional da Juventude que, a nosso ver, é bem referido no Programa do Governo.
Em terceiro lugar, a redução do tempo de prestação de serviço militar que se vem arrastando desde há algum tempo, mas em relação à qual se fica a esperar, com confiança, a proposta do Governo.
Em quarto lugar, retomar o programa da ocupação dos tempos livres, contra cuja suspensão aqui nos pronunciámos e a propósito do qual sublinhámos que, introduzidas algumas correcções, constitui um instrumento válido a incluir numa perspectiva mais lata e não da ocupação dos tempos livres dos jovens.
Em quinto lugar, na educação. Diversos são os aspectos que mereciam ser realçados. Sublinhamos apenas as medidas de reestruturação da pesada máquina da Avenida de 5 de Outubro, da aposta preferencial nas matérias substantivas que se prendem com a reforma do sistema de ensino no sentido da sua modernização e com uma metodologia que visa criar consensos numa área onde, como dissemos aqui várias vezes e nomeadamente aquando da interpelação ao anterior governo sobre matéria educativa, é de todo o interesse recusar a guerra partidária onde o consenso nacional o mais vasto possível é manifestamente necessário.
Em sexto lugar, no ambiente, onde parecemos adivinhar novamente bastante actividade a valorar quer pela personalidade do seu responsável, quer pelo urgentíssimo «pacote legislativo» referido no Programa do Governo.
De esperar seria talvez um maior arrojo no que diz respeito ao emprego juvenil.
Concordamos que o problema do mercado de trabalho não tem solução no curto prazo o qual se prende com um desenvolvimento saudável da economia na linha apresentada pelo Governo.
Concordamos também que é necessária uma alteração global à legislação laboral pondo cobro aos estrangulamentos existentes não esquecendo nunca que não abdicamos do princípio do direito efectivo ao trabalho.
Mas consideramos fundamental que já durante o ano de 1986 se criem mecanismos que permitam o aparecimento de sinais suficientemente fortes de recuperação no mercado de trabalho.
Importa não esquecer que dois terços dos desempregados são jovens à procura do primeiro emprego, cuja situação, a continuar, pode conduzir ao acentuar de fenómenos de marginalidade em relação ao regime e à sociedade.

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E se em relação a estas consequências alguns menos avisados poderão reagir com cepticismo, estaremos todos de acordo que, no mínimo, este exército de desempregados são recursos potenciais desaproveitados, constituindo um luxo do ponto de vista social e económico a que o País não se pode dar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os jovens debatem-se com sérios e graves problemas a que nunca até hoje se respondeu com uma política integrada de juventude como vimos defendendo.
Depois de mais um confronto eleitoral os jovens, na sua justificada premência de verem encaminhados na via da resolução parte substancial dos seus problemas, não entenderiam que o PSD fugisse às suas responsabilidades de governar, assim como não entendem que haja quem não saiba e não queira deixar governar.
Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: O horizonte político de um governo é, em princípio, o da legislatura, mas o nosso horizonte de futuro vai mais longe.
A nossa contribuição na apreciação regular da actividade do Governo terá, pois, além da melhoria do presente em que vivemos, que acautelar os horizontes de um Portugal futuro mais moderno e europeu, que nós jovens queremos ajudar a construir desde já.
O que queremos, pois, aqui expressar-vos é o nosso apoio. Um apoio que se quer inteligente, que se não confunde com um apoio seguidista e acéfalo.
Porque se quer construtivo e só assim produz eficácia.
Porque se quer verdadeiro e só assim tem credibilidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Pereira.

O Sr. Virgílio Pereira- (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do' Governo, Srs. Deputados: O povo da Região Autónoma da Madeira tem empreendido uma luta estóica ao longo da sua existência na busca de melhores 'condições de vida, através de mais poderes próprios de decisão.
Marginalizados e votados ao ostracismo, ao longo de séculos, só após o 25 de Abril de 1974 é que os Madeirenses e Porto-Santenses viram a sua voz ter eco no plano nacional. Era Portugal democrático que tentava acolhê-los como filhos de pleno direito. Foi a Constituição democrática que consagrou o seu direito à autonomia, objectivo pelo qual esse povo sempre lutou porque constituía a sua aspiração fundamental.
O caminho não tem sido fácil para nós, mesmo no Portugal de Abril.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Madeira e o Porto Santo são ilhas pequenas que sofrem de dispersão dentro da região que constituem e estão distanciadas significativamente do continente português: O seu isolamento como região insular é evidente.
A Região Autónoma da Madeira tem uma densidade populacional de 330 habitantes por quilómetro quadrado, ou seja, três vezes mais a densidade populacional de Portugal continental e dos Açores.
A nossa região tem uma economia débil, de dimensão reduzida. Apenas um terço do seu território pode ser utilizado para a agricultura e para a habitação. Em 1978, a capitação do produto interno bruto era de 50% do de Portugal continental.
Por seu lado, e apesar de tudo, a Madeira vem prestando uma ajuda significativa ao todo nacional, não só pelo valor geoestratégico que tem, como também pelo contributo que dá à zona económica exclusiva do País e ainda através das receitas de turismo, das receitas dos seus emigrantes, dos lucros das empresas públicas que aí exercem a sua actividade e até mesmo das receitas fiscais.
Nos últimos anos, a situação quanto ao nível e qualidade de vida das populações melhorou sensivelmente, mas estamos ainda distantes dos níveis aceitáveis e há muito que fazer quanto à consolidação da, mesmo que fraca, economia da nossa região. Porém, a hora presente, que para nós é de apreensão, é também de esperança. Não nos falta a vontade de contrariar todos os vectores que influenciam negativamente a nossa caminhada rumo ao progresso, e é um direito elementar que temos.
Ao ouvirmos o discurso do Sr. Primeiro-Ministro, aquando da apresentação do Programa do Governo, revigorou-se-nos essa esperança ao ficarmos cientes da interpretação que este Governo dá ao processo autonómico das regiões autónomas do nosso País e dos propósitos que revela quanto a elas. Da nossa parte este Governo merece aceitação. Aguardaremos entretanto na certeza de que a sua prática reforce estes nossos sentimentos.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Aguardamos o empenhamento deste Governo na busca de uma definição capaz do critério de cobertura dos défices dos orçamentos regionais.
Aguardamos o total apoio deste Governo para a concretização da solução de graves problemas suscitados pelo suporte, dos custos de insularidade, e do, investimento, para que não volte a acontecer mais o que se verificou com governos anteriores, em que fomos obrigados a mitigar soluções.
Esperamos ainda que os problemas que advirão da integração de Portugal na, CEE sejam equacionados e resolvidos por forma, a, hão agravarem ainda, mais os que os povos insulares já tem. Não, queremos caminhar com incerteza no futuro.
Queremos acreditar que este Governo e, esta Assembleia hão-de contribuir para a definição de critérios que, nomeadamente, no capítulo financeiro, dêem ao povo da Região Autónoma da Madeira a certeza daquilo, com que poderá contar no futuro não esquecendo que o que realizou nos últimos anos foi fruto da satisfação de necessidades gritantes, a que urgia pôr termo.
Compreendemos, porém que, no futuro, a nossa região não tenha tratamento preferencial em relação ao todo nacional. Aguardaremos com esperança.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Programa do Governo, nos sectores da educação e cultura, padece de uma insana desvinculação ao normativo constitucional, segue um roteiro de generalizações e obscuridades, oferece, através do seu embrulhado tecnocratês, o demérito de um punhado de más soluções.

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Confrontado, ontem, com questões prementes, colocadas pelo PCP e por outras bancadas, o Ministro João de Deus Pinheiro, ao não lhes dar réplica cabal nem minimamente credível, sublinhou a insustentabilidade do seu projecto. Não se enunciam medidas tendentes a combater o insucesso escolar, a assegurar o cumprimento efectivo da escolaridade obrigatória, a fazer face, de modo ordenado e capaz, ao panorama de precaridade das instalações, a erradicar o analfabetismo ou a corrigir desigualdades e assimetrias no plano dos direitos de quem aprende e ensina, como no das populações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não se indicam os mecanismos para garantir a igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar, preceituada na nossa lei fundamental, embora não se esqueça o fraseado que hiperboliza o imperativo de responder aos desafios da CEE, sem, todavia, os sinalizar.
Nem uma palavra refere os instrumentos necessários a superar qualquer função conservadora da escola, qualquer intervenção desta no acentuar ou manter dos antagonismos económicos, sociais e culturais; em contrapartida, toda a formulação programática revela um conteúdo marcadamente elitista e de classe.
Criar-se-á, proclama o Executivo, uma comissão de reforma do sistema educativo, dotada de vastos poderes, e contribuirá o Ministério da tutela para uma lei de bases que clarifique e consagre de uma forma coerente a estrutura educativa, mas não só tudo paira numa intolerável imprecisão e numa retórica sem lastro como, para fecho do soneto, se desvaloriza o papel da Assembleia da República e o Estatuto da exclusividade da sua competência legislativa num dos vectores invocados, demonstrando uma patológica intenção governamentalizadora.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Acresce que, no debate, o Ministro não esclareceu qual o grau de preferência a dar à laboração de uma lei de bases, nem apontou a possibilidade de tal ter lugar a curto prazo, indiciando, assim, a provação no tempo da incapacidade gritante do PSD nesta matéria.
Entretanto, ocorre perguntar: quais as grandes linhas da propalada reforma do sistema? Para quando? Em colaboração com quem? O dever de audição dos sindicatos, associações e outras organizações escamoteia-se; o dialogo com estudantes e professores é, na continuidade da acção da equipa que agora se viu reconduzida apesar das tristes provas dadas, pura e simplesmente defectado.
O Programa passa, ademais, por domínios medulares como cão por vinha vindima. Alude a eles sem apontar objectivos nem definir escalonamentos e prioridades. Assim, por exemplo, no que respeita aos ensinos pré-escolares, especial e primário, ou à formação de professores. Em contraste, vá-se lá saber por que dita ou desdita, prescreve-se, de maneira azougada e concreta, a instituição de uma Faculdade de Ciências do Mar. O emaranhado de jargões que visa esconder a nudez esconsa dos propósitos não deu espaço à rigorosa determinação do conceito e faseamento de instituição da regionalização nem à sanação do aventureirismo que vem marcando o arranque do ensino politécnico, nem, por acréscimo, aos procedimentos a adoptar no que se prende com a gestão democrática, sempre tão sujeita a tratos de tamancos por parte de quem não lhe é afecto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Na área da cultura, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a extinção do Ministério é, desde logo, testemunho de uma opção de descalabro. Quando o debate cultural cresce e se aprofunda, quando aumentam as exigências no apoio à criação artística e no fomento da fruição popular, quando sobem de tom as ásperas críticas à actuação do passado e às bem sombrias perspectivas de futuro, a resposta deste Governo foi a de irrelevar, no próprio plano institucional, um dos mais importantes sectores da vida portuguesa. Ao contrário dos países europeus, neles incluídos os da CEE, o estatuto governamental da cultura é, entre nós, rebaixado ao patamar das ninharias incómodas, o que, por si só, traduz uma concepção retrógrada da vida da sociedade e do Estado.
À exigência e aos ritmos de efectivação do levantamento cultural não se faz menção.
Os subsídios ao teatro, ao cinema e, em geral, às acções criativas são definidos de forma obscura, suscitando as maiores perplexidades e contestações, porquanto não surgem critérios objectivos, antidiscriminatórios, no catálogo de intenções que nos foi presente. Deixa-se o Instituto Português do Livro paralisado, a acção cultural mirrada, continuando, ao que é deduzível, a desactivação das colectividades de cultura e recreio e dos organismos de produção de arte e lazer. O nepotismo campeia, incha a tendência para a realização de obras de fachada, sorvedouro de montantes colossais que faltam a iniciativas diversas à escala nacional; urge estabelecer uma orientação clara que retire os museus e as bibliotecas do marasmo em que se encontram, criando novos estabelecimentos congéneres. A este propósito, que nos diz o Programa do Governo? Nada. Basta-se com o discurso belfo do impreparado amador de artefactos. Só que, por detrás, espreita o desígnio de favorecer o lustre das vitrinas para pequenos clãs em detrimento dos empreendimentos de natureza popular e autêntica. A incentivação das bandas e filarmónicas, um vasto conjunto de expedientes para a defesa e vivificação do nosso património histórico-cultural, uma afoita política do livro, a relação, em múltiplas frentes, com a comunidade dos países e, em especial, com os povos de expressão portuguesa, a estruturação de programas que visem o cumprimento dos dispositivos constitucionais são também objecto de um tratamento inconvincente e incorrecto, não obstante os mundanismos de linguagem.
Avança-se, para cúmulo, com uma visão apologética do mecenatismo privado, aí onde o Governo se demite das suas obrigações inaligáveis.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por todas estas sumárias razões que, certamente, o Orçamento do Estado reforçarão, podemos afirmar, sem excesso, que eseuros são os dias que esperam, uma vez mais, a educação e a cultura em Por-

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tugal. Daí que, sem ambiguidades, o Programa em análise mereça a mais firme reprovação da bancada do Partido Comunista Português.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nesta altura do debate pode considerar-se adquirida a opinião da grande maioria dos deputados, e como ideia generalizada dos influentes órgãos da opinião pública, que o Programa do Governo não passa de um exercício do modelo tecnocrático de gestão do poder, concebido para um prazo muito aquém da legislatura, dominado por medidas pontuais porventura de grande alcance popular, navegando como um barco de cabotagem para atravessar um rio, mas não construído para entrar no grande mar de medidas estruturais que o País anseia e reclama.
Já o presidente do meu grupo parlamentar, o Sr. Deputado Gomes de Pinho, sublinhou que o CDS preferiria um programa mais rigoroso e mais comprometido com as dificuldades actuais do País, do que construir cenários idílicos e, de milagres económicos para os finais da década de 80; e o Sr. Deputado Nogueira de Brito apontou, com inteira pertinácia como lhe é habitual, a inanidade das medidas propostas no sector de educação, concebido como um software de um computador antiquado, concebido e montado pelo PSD nos recuados anos de 1979 e de que não consegue libertar-se apesar da mudança dos ministros.
Naturalmente que um Programa do Governo é dominado pela personalidade o ideário do Sr; Primeiro-Ministro, porque é ele que determina a fornia, vivifica o conteúdo e imprime o estilo na sua execução, sendo ele o responsável perante o País pelo sucesso ou insucesso da equipa governativa.
Devo dizer com sinceridade que, depois do que ouvimos durante a campanha eleitoral ao Prof. Cavaco Silva, o documento que ele sujeita hoje à crítica dó Parlamento não me desiludiu, porquanto ele nunca escondeu o seu pendor para subordinar a macropolítica à macroeconomia, e a sua convicção de que todos os males que afligem os lares portugueses se resolvem com a melhor arrumação dos livros de diário, razão e balanço do Estado, concebido como a mais exemplar, porque primeira, das empresas públicas.
É por isso que capítulos que, na metodologia do Programa do Governo apresentado ao eleitorado pelo CDS, eram assumidos como grandes tarefas do Estado democrático no dealbar da nossa entrada no Mercado. Comum, tais como a implantação de um novo modelo do aparelho administrativo, a completa reformulação do equipamento da investigação científica e tecnológica, o entrosamento entre os centros de pesquisa empresarial e as universidades, a formação de novas profissões que hoje abundam por esta Europa fora ou o magno problema das relações entre o Estado e a comunicação social. Tudo isto e assuntos de semelhante relevância ocupam um lugar secundário e modesto na economia de Programa; quando não são totalmente ignorados.
Em vez do programar um ensino, tornando professores responsáveis pela adopção dos métodos de aprendizagem próprios para cada criança, ou fazer com que a' educação se preocupe exclusivamente com os resultados dos objectivos fixados para- cada tipo de escola, ou ainda, tomar a educação profissional contínua com uma actividade integrada e regular de educação, em suma, conceber, o ensino como o principal investimento para a criação da infra-estrutura de uma nova «sociedade do saber», o Governo mantém uma estratégia de evolução na continuidade, a que nos têm habituado nós últimos 7 anos.
Num país como o nosso, que atravessa hoje um período de tensão e de mudança, não é certamente recomendável que o Primeiro-Ministro busque altaneiramente converter uma situação de relativa vitória em vitória absoluta! Deve antes atrair a opinião pública do eleitorado, não apenas para substância das medidas ou decisões mas também para os processos, em vez de usar mensagens codificadas que podem criar, por períodos, curtos da chamada «dinâmica da vitória», uma atmosfera de excitação, mas que vêm sempre acompanhadas do grande risco da incerteza quanto à possibilidade de termos um governo realmente necessário para o nosso tempo presente. Como se costuma ensinar na ciência política, nada é tão deteriorável como o poder quanto é usado sem perspectiva, ou retido sem ser utilizado.
Quer este Governo ser de legislatura e preparar o País para os finais da década de 80. Entende o Sr. Primeiro-Ministro que é com este programa de educação, com estas medidas de modernização administrativa e com esta estrutura de investigação científica que vai chegar a bom termo?
Finalmente queria entrar aqui pouco no domínio da comunicação social, até porque a participação responsável dos cidadãos na formação da opinião pública dentro da colectividade pressupõe que cada indivíduo conheça suficientemente as questões e matérias sobre que e chamado a decidir, as decisões tomadas pelos órgãos de soberania, assim como as medidas ou propostas de situação, a fim de poder valorá-las, aceitá-las ou rejeitá-las. Em suma, os órgãos de comunicação social são os verdadeiros mediadores, entre o governo e o cidadão.
Desta consideração resulta que o Governo tem de ter uma política clara, definida e transparente, de como vai actuar e não vai aproveitar-se da comunicação social para o seu relacionamento com o público. Deixemos para trás o que de pior foi feito pelo governo do bloco central, na RTP, na RDP, nos jornais estatizados, e nos resultados que provocou.
O inquérito à RTP - um dos raros inquéritos parlamentares que chegou às conclusões finais - e as medidas ali propostas ilustram eloquentemente tudo quanto não deve ser repetido por nenhum outro Primeiro-Ministro de Portugal. A polémica entre o Diário de Noticias e o Partido Socialista, em plena campanha eleitoral, é outro exemplo de tudo quanto o partido do poder deve evitar para garantir a isenção e a independência dos grandes jornais. São raros os homens como Mário Mesquita,, enquanto abundam na nossa praça política os governantes ávidos de ganhar notoriedade pela manipulação da imprensa.
Concordamos com o Governo quando diz que se gastam hoje sem critério. largos recursos públicos na comunicação social sem que daí resulte qualquer benefício para o País, bem como com a sua proposta de manter um canal nacional de televisão, um de rádio e uma

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agência noticiosa. Não julgamos, contudo, absolutamente necessária a manutenção de um jornal diário subsidiado pelo Estado. Aplaudimos, por ser sempre por nós defendido enquanto outros hesitaram, o propósito do Governo de atribuir a concessão de exploração de um canal de televisão à Igreja Católica.
Naturalmente que estarão contra esta decisão - além da APU, a Maçonaria -, aqueles que defendem que a Igreja Católica é uma entre as demais Igrejas que coexistem em Portugal. Por nosso lado entendemos que, não obstante a separação entre o Estado e a Igreja, o regime concordatário que ainda vigora e a especial posição que a Igreja ocupa na formação histórica de Portugal e no actual contexto sócio-cultural do País, a torna merecedora desta concessão.
Quanto à agência noticiosa que vai ficar, não basta o voto pio de que o Governo «tudo fará pela via do diálogo» para que tal situação venha a ser consagrada. O problema da ANOP e da NP é conhecido desta Câmara, que acompanhou as várias peripécias dos ministros e secretários de Estado socialistas e sociais-democratas, com as sua miraculosas receitas. A minha bancada gostaria que o Governo dissesse, ainda durante este debate, concretamente, qual o ponto de partida para este diálogo por parte do Governo, para que tudo não continue, outra vez, no clima de incerteza e de oportunismo.
Lamentavelmente, porém, os grandes problemas da comunicação social são ignorados pelo Governo: a reforma do Conselho de Imprensa que, pela sua composição, competência, experiência e trabalho desenvolvido bem merece que seja conhecido como uma autêntica provedoria da opinião pública, a revisão do estatuto do Conselho de Comunicação Social, a revisão de algumas disposições da Lei da Imprensa, muito especialmente quanto à responsabilidade dos directores dos periódicos dos artigos assinados e a reformulação do próprio conceito de injúria e difamação no contexto do Estatuto do Jornalista e a revisão das penas pelo chamado «crime de abuso de liberdade de imprensa». Tudo isto são matérias urgentes que não preocuparam o Executivo.
Quero crer que isto não se deve à insensibilidade do Primeiro-Ministro, ou do Governo, quanto aos problemas do jornalismo em Portugal, mas tão-somente por se tratarem de problemas genuinamente políticos, do diálogo contínuo do Governo com o País e que, se não lhe escapa totalmente, pelo menos não constitui a preocupação dominante deste Governo.
Para terminar, lembro ao Governo que é um fenómeno actual, embora sem precedentes na história política da Europa, que um governo esteja, a um só tempo, fortemente comprometido com o público e este público fortemente aborrecido com ele. Isto acontece porque o eleitor, sem se arrepender da sua opção individual, realiza também, a cada passo, as consequências negativas advindas do resultado da sua escolha.
As eleições mostraram que os Portugueses estavam preparados para ouvir com atenção uma mensagem política séria e respeitar apelos de improviso a pretexto do seu inconformismo com os chamados «partidos velhos».
Cabe a V. Ex.a, Sr. Primeiro-Ministro, mostrar que a mensagem política séria de que foi portador é também o timbre da sua acção governativa. As palavras do Programa do Governo não nos convencem cabalmente e não criam esta esperança. Oxalá os seus actos o consigam.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto que chegámos à hora regimental do intervalo para almoço, declaro interrompidos os trabalhos até às 15 horas.

Eram 13 horas.

Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Carlos Lage.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Antes de entrarmos de novo no debate do Programa do Governo, vou informar dos tempos de que ainda dispõem o Governo e os grupos parlamentares.
O Governo dispõe de 44 minutos, o PSD de 36 minutos, o PS de 32 minutos, o PRD de 29 minutos, o PCP de 14 minutos, o CDS de 23 minutos e o MDP/CDE de 18 minutos.
Encontram-se inscritos a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, o Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território e os Srs. Deputados João Cravinho, Correia Gago, João Corregedor da Fonseca, Cavaleiro Brandão e Silva Marques.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Também na área do poder local o Governo afronta a Constituição da República, por um lado ao enunciar a alteração de legislação eleitoral autárquica violando o princípio constitucional da representação proporcional, e, por outro lado, ao demonstrar uma apetência pela governamentalização das autarquias, contra o princípio constitucional de garantia da autonomia do poder local.
É particularmente grave que venha exprimir os seus propósitos anticonstitucionais em plena campanha pré-eleitoral, visto que não é só o artigo 116.º, n.º 5, que o impede, pois, como se sabe a Constituição contém, nos limites materiais da revisão do artigo 290.º, o respeito pelo princípio da representação proporcional na eleição dos órgãos do poder local.
Quanto ao inconstitucional espírito de ingerência nas autarquias, aparece em medidas como «fomento do associativismo municipal», «reorganização dos serviços», «informatização», «acções de formação de pessoal», nas quais o Governo parece não saber bem o que cabe ao poder central e o que é de competência do poder local. Parece desconhecer que de um modo geral as autarquias já procederam à reorganização dos serviços, que a informatização vai avançando e que as acções de formação se têm realizado um pouco por toda a parte.
Mas se nos pontos programáticos onde concretiza o Governo estabelece a confusão entre competências e deixa transparecer uma enorme apetência pela governamentalização do poder local, no restante é a imprecisão, a falta de rigor na indicação do que será a política de novas atribuições das autarquias e dos correspondentes recursos financeiros, a simples referência, sem acentuar critérios, sem clarificar o que é suporte fundamental de uma política de desenvolvimento autárquico. Naquilo que era necessário esclarecer, definir, objectivar, o Governo fica-se pelas generalidades.

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Em questões fulcrais como critérios de distribuição de verbas e cálculo do FEF nada adianta do que pretende propor.
E numa outra questão central, como é a do FEDER, o Governo parece querer tornear a competência da Assembleia da República, mantendo o FEDER como um «saco azul» e fugindo à definição de critérios rigorosos de distribuição de verbas por quem as deve receber, as autarquias locais.
Em relação à forma como tenta alijar responsabilidades não deixa de ser sintomático que o Programa declare expressamente que vai caber aos municípios a participação financeira em investimentos e custos no planeamento e na gestão dos transportes terrestres em áreas urbanas. Ou seja, também aqui o Governo pretende passar para o capital privado as partes rentáveis das empresas de transporte e para o poder local os; custos de um serviço social.
Quanto à regionalização a omissão é significativa e não espanta vinda de quem vem. É que, propositadamente, pretende estabelecer-se uma confusão entre a. desconcentração da Administração Pública central e o que é e deve ser a regionalização do País. As regiões são autarquias locais não são órgãos desconcentrados da administração central sem CCR ou outra coisa qualquer. Pretender conformar o processo de regionalização às necessidades de organização da administração central é adiar e tentar comprometer, o processo, de regionalização. Só isto pode explicar toda a óptica centralizadora com que o Governo vê aquilo a que chama «desenvolvimento regional».
A tentativa de governamentalização de todo o processo acentua-se quando afirma que cabe ao Governo estabelecer mecanismos e regras de cooperação entre as acções de desenvolvimento nacional, regional e local. Assume aspectos caricatos quando pretende executar planos regionais e chega ao ponto de lhe fugir a caneta para afirmar que até os planos directores municipais são executados pelo Governo.
Srs. Deputados, é preciso que a realidade viva, actuante e criadora que é o poder local democrático seja defendida e reforçada por esta Assembleia da República. E o seu reforço passa pela aplicação de um dos princípios fundamentais em matéria de organização descentralizada do Estado, a autonomia local, enquanto elemento, inerente à sua organização democrática.
É necessário que a Assembleia da República aprofunde a realização plena dos princípios constitucionais de descentralização administrativa e da autonomia do poder local, quer na área financeira quer na delimitação das atribuições e competências, na administração urbanística, nos poderes de actuação das freguesias, na organização dos serviços. Pela nossa parte já apresentámos um projecto de lei no início desta Legislatura, visando o reforço da autonomia local, tendo em conta o importante papel que cabe ao poder local. Continuaremos a dar o contributo para que, qualquer quo seja o governo, a Assembleia da República use os seus poderes na defesa de uma das grandes conquistas de Abril, no quadro da constituição que é o poder local, democrático.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território (Valente de Oliveira): - Sr. Presidente; Srs. Deputados: Quer no texto do Programa do Governo que foi distribuído a VV. Ex.ªs quer. nó discurso de apresentação e nas respostas dadas pelo Primeiro-Ministro às perguntas que lhe foram feitas na sessão da passada sexta-feira podem encontrar-se elementos de referência suficientes para esclarecer o que se pensa fazer nos sectores por que tenho responsabilidade directa. Todavia, como se trata de matéria sensível e na qual se pretende introduzir inovação de monta e envolver numerosos agentes, justifica-se alguma elaboração complementar. E como me debruçarei, especialmente, sobre o que é novo no processo e sobre as razões que nos levam a julgar mais eficazes as formas de actuar por que optámos, começo por fazer duas afirmações gerais que são a explicitação do óbvio mas que convém recordar: é evidente que se elaborarão todos os documentos que a lei nos determine e é também claro que o Governo, não sendo uma federação de ministérios, actuará em conjunto, impondo-se a disciplina ida convergência de acções para, garantindo a sua eficiência, maximizar a eficácia das suas iniciativas e do seu trabalho.
Esta última asserção não vale só para as relações entre o Ministério das Finanças e o Ministério do Plano e da Administração do Território que, naturalmente, terão de ser as mais intensas e frequentes, mas aplica-se a todos, sem excepção. Sendo o segundo, por vocação, o Ministério da Coordenação do Desenvolvimento, não pode prescindir, das achegas dos que são responsáveis pelo crescimento ou dos que têm a seu cargo o preenchimento de condições prévias, quer do crescimento quer do desenvolvimento porquê, afinal, o que o conjunto dos cidadãos pretende é o último, e o segredo para o alcançar repousa, em larga medida, no modo de interligar as múltiplas vertentes e uma matriz complexa de objectivos variados e de instrumentos que a escassez de meios impõe serem rigorosamente geridos.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD):- Muito bem!

O Orador: - O desenvolvimento não é uma questão exclusivamente do foro económico; ele é antes de mais um problema social, com cambiantes económicas, técnicas, políticas, culturais, institucionais... Por isso é determinante a eficiência da coordenação de todos estes aspectos e por isso, também, ele é questão de todo o Governo.
O desenvolvimento pressupõe o crescimento mas é mais exigente porque reclama a consideração de mecanismos de distribuição eficazes e flexíveis e porque impõe a integração da variável espaço, com tudo o que ela pode arrastar de dificuldades, na garantia de equidade naquela distribuição e no estabelecimento de prioridades de acção, origem potencial de assimetrias nas oportunidades de acesso e patamares distintos de nível e de qualidade de vida.
Tudo isto se torna mais complexo mas também mais aliciante quando a determinação de desenvolver se tem de conciliar com outros numerosos e indeclináveis propósitos, como sejam o envolvimento activo das autarquias locais nesse processo, o respeito e a vontade de valorizar o património natural e cultural que herdámos e a consciência de que está em jogo, nas nossas mãos,

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o futuro das gerações vindouras em aspectos tão urgentes como o emprego ou tão profundos como o quadro cultural que lhes legarmos.
Vou alinhar os comentários seguintes de acordo com os quatro títulos que dão o nome às Secretarias de Estado que integram o Ministério.
Planeamento e Desenvolvimento Regional. - Diz-se, muitas vezes, que a política regional é a síntese de todas as políticas porque, pressupondo uma política de crescimento como instrumento prévio ou concomitante, alonga-lhe obrigatoriamente o horizonte temporal, impõe-lhe a incorporação do espaço como variável explícita e dela reclama atenção para os aspectos de distribuição que, por si só, ela não pode atender.
São conhecidas as assimetrias do País neste domínio: o Litoral e o Interior; o Norte e o Sul; as áreas metropolitanas e o espaço rural... todos oferecem exemplos numerosos de disparidades nos indicadores do nível e da qualidade de vida que, por corresponderem a situações de injustiça na distribuição dos benefícios do progresso, todos os governos denunciam e sistematicamente adoptam como objecto da sua atenção prometendo atenuá-las. E estão certos ao fazê-lo; a experiência mostra, todavia, que não é suficiente dizer o que fazer; é também preciso esclarecer como fazer.
Acontecendo que as grandes sínteses são sempre difíceis e demoradas e que qualquer erro, mesmo de análise, a nível muito elevado, tem as maiores repercussões em todo o sistema, nós insistimos em que elas se façam a todos os níveis a que houver oportunidade para as realizar, particularmente àqueles a que fizer grande sentido uma acção integrada. O escalão municipal é um deles, obviamente; a identificação de um agente tão bem reconhecido e respeitado como é o conjunto dos órgãos de decisão de cada autarquia facilita, naturalmente, a consecução de um programa de acção a esse nível. Mas, a progressiva complexidade das solicitações e dos problemas obriga-nos a encarar escalões de maior amplitude espacial, entre os quais, por muitas razões sobre as quais não me alongarei, avultam as bacias hidrográficas ou as áreas polarizadas por grandes centros urbanos.
Está assim apontada a via «de baixo para cima» que tão útil pode ser para se atingirem os objectivos pretendidos do desenvolvimento. Há, porém, que atender à harmonia do processo em relação ao todo nacional e isso reclama enquadramento ao nível do País. E para tal é importante o plano a que não só o imperativo constitucional nos obriga mas também nos determina a convicção de que só caminhando simultaneamente nos dois sentidos se conseguirão elaborar, no tempo desejado, os programas que hão-de balizar a acção.
Passados estão os tempos em que a abundância de excedentes globais autorizava somente o apelo para o sentido de solidariedade nacional com vista à realização de investimentos na periferia menos desenvolvida. Hoje, esse sentido tem de ser acompanhado por um esforço sistemático de avaliação dos recursos que todas as partes do território podem mobilizar e que, apresentando vantagens comparativas, os transformam em contribuições apreciáveis para o crescimento do todo e da parte a que respeitam, determinando assim, em larga medida, o desenvolvimento desta. Por isso se fala na investigação sistemática dos recursos endógenos e na sua mobilização inteligente.
A política regional definida a nível nacional constitui assim um passo fundamental do enquadramento dos numerosos esforços de síntese que representam os planos e os programas regionais e sub-regionais, que tencionamos promover.
Sucede, porém, que não é só por convicção da utilidade do processo que nos entregaremos com afinco à elaboração daqueles planos e programas. O acesso a fundos comunitários que contribuirão, de forma decisiva, para o nosso desenvolvimento, impõe-nos a observância de certas regras, entre as quais se inclui a existência daqueles documentos para enquadramentos dos projectos concretos que os corporizam. Tanto a lógica do conjunto como a contribuição de cada acção têm de ser previamente explicitadas, definindo os seus objectivos, as medidas que reclamam, os meios financeiros que absorvem, o tempo que levarão a realizar e as entidades responsáveis pela sua consecução. Alguns dos insucessos do passado, neste domínio, devem-se a não se ter sido suficientemente rigoroso em todos estes aspectos, particularmente na definição das estruturas de concretização dos projectos e na atribuição inequívoca das responsabilidades; por outro lado, os sucessos estão sempre associados ao inverso. Por isso nos preocuparemos muito com os aspectos institucionais das acções de desenvolvimento que não são mais do que o como proceder a que antes se aludia.
Ouvem-se, algumas vezes, vozes de dúvida acerca da nossa capacidade para apresentar projectos escorreitos e em número suficiente para absorver a nossa quota-parte desses fundos. Sou dos que pensa o contrário; quando queremos, fazemos as coisas tão bem como os demais, desde que não cedamos ao fascínio que as soluções improvisadas muitas vezes sobre nós exercem e à grande capacidade que, para as desenhar, correntemente exibimos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Já me referi ao carácter integrado das acções de desenvolvimento. A integração e a coordenação são exercícios difíceis mas possíveis, desde que não tenhamos a ambição de as fazer exclusivamente numa só sede. Por isso demos ênfase aos escalões locais e regionais e por isso, também, dou relevo agora à coordenação dos meios financeiros oriundos dos diversos fundos comunitários. Ser-lhe-á dada particular atenção, curando de potenciar a acção de cada um, por via da convergência com as acções que, financiadas por outras fontes, tenham a ver com a lógica de um processo que se pretende dinamizador em todas as vertentes de um dado programa. Não deixaremos para isso de seguir com a maior atenção, e através dos canais competentes, a elaboração ou reelaboração das políticas comunitárias que nos interessam e de nos envolvermos activamente nessas tarefas.
Administração Local e Ordenamento do Território. - Já aqui foi afirmado como entendemos ter sido importante para a consolidação do regime democrático em Portugal a contribuição das autarquias locais. Os autarcas souberam, na sua grande maioria, estar à altura da confiança que neles depositaram as populações e contribuíram, com a sua acção, para resolver inúmeros problemas e satisfazer numerosas carências. Foram as autarquias locais sendo robustecidas técnica, administrativa e financeiramente e, apesar de algumas mostras de insatisfação pontuais, o balanço e largamente positivo.

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O Sr. António Capucho: (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Importa, porém, não dormir sobre os louros conquistados, sendo o inconformismo construtivo postura cujas vantagens se considera de enaltecer.
A construção institucional é permanente e evolutiva, devendo procurar-se constantemente atingir graus acrescidos de eficiência dos órgãos através dos quais a administração se exerce.
Não tenho dúvidas em afirmar que está em fim de rotação o primeiro ciclo de vida das autarquias locais saídas da revolução de 1974. É tempo de se pensar agora na forma, nos atributos e nos objectivos que hão-de perseguir as autarquias que assistirão à mudança do século. E tudo indica que, além de terem de ser mais eficientes para se tornarem mais eficazes, elas se virão a preocupar, cada vez mais, com os problemas do desenvolvimento.
Muito do que corporiza uma política de ordenamento do território, mais do que reflexos, tem instrumentos privilegiados a nível local. São os equipamentos e as infra-estruturas locais e são também os equipamentos e as infra-estruturas regionais e nacionais que, tendo centros de decisão supramunicipais, com a participação local devem ser concertados.
Não surpreenderá que, a este respeito, se faça menção especial à cooperação intermunicipal, não só no quadro da elaboração de planos e programas, mas também na exploração de serviços de interesse supramunicipal e na concretização de obras e de equipamentos cujos benefícios se estendam além das fronteiras de um só município. Todavia, nada será fácil de concretizar se não houver uma participação interessada dos municípios, nada impondo que os modelos institucionais tenham de ser iguais; o que devem é responder aos problemas que lhes são postos e estar em adequação com a vontade de maior ou menor envolvimento das partes cooperantes, mantendo sempre a abertura no sentido evolutivo a que antes me referi.
Os níveis de eficiência acrescidos que a exigência progressiva em relação às administrações autárquicas vai determinar reclamam dois tipos de atenção: uma respeita aos próprios funcionários cuja formação e actualização têm de merecer cuidados constantes; a outra refere-se ao próprio processo de formulação das decisões no seio dos órgãos autárquicos, a cuja crítica se deve proceder, conciliando a estabilidade necessária a uma avaliação profunda dos benefícios, custos e imperfeições do sistema vigente, com a evolução progressiva correctora dos inconvenientes detectados.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O sentido evolutivo com que deve ser entendida a construção institucional tem reflexos em muitos domínios e naturalmente, também, no financeiro. Os critérios de distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro são muito criticados por quem se sentiu lesado; os que beneficiam obviamente não protestam. Mas a verdade é que esta é matéria para contínuo aperfeiçoamento. Tencionamos fazê-lo, dentro das nossas preocupações de transparência de processos e de procura de justiça na distribuição, tendo sempre presente que para novas funções tem sempre de se encontrar novos meios de financiamento.

Uma Voz do PSD - Muito bem!

O Orador: - É bom de ver que os acréscimos de eficácia, no domínio do ordenamento do território, não repousam somente num novo estilo de procedimento das autarquias locais. Os serviços centrais ou desconcentrados deste sector têm de experimentar profunda alteração de métodos de trabalho.
Impõe-se, ainda, uma palavra de esclarecimento em relação ao processo de decisão acerca dos equipamentos que, não sendo da responsabilidade dos municípios, acabam por ser de algum modo estruturantes da rede urbana, nos diversos níveis em que ela pode ser classificada, por proporcionar em serviços que têm implicações na qualidade de vida das populações. Ele só pode assumir, forma transparente se se inscrever num quadro de princípios orientadores, por todos conhecido e por todos susceptível de apreciação. É certo que há alguns casos de espécie que reclamam um juízo particular de quem, sendo responsável ao mais alto nível dentro do sector, tem de sopesar numerosos factores de índole variada; mas a generalidade dos casos tem de cair dentro de grelhas de decisão previamente definidas nos seus parâmetros de avaliação. Propomo-nos estabelecer a este respeito, com brevidade, doutrina operacional e formas de proceder adequadas.
Ambiente e Recursos Naturais. São lícitas as preocupações de muitos a respeito das condições ambientais e do modo como estão, a ser usados ou estragados os nossos recursos naturais.
A maior parte das vezes, porém, não nos damos conta dessa degradação porque ela se processa de modo sorrateiro, com acréscimos diferenciais diários quase imperceptíveis, mas com integrais que, em períodos temporais mais dilatados, tornam patente uma adulteração intolerável no nosso quadro físico de vida. Isso respeita à água, ao ar, aos níveis de ruído, à intrusão visual nos meios urbanos e na paisagem rural, à erosão das dunas ou dos cabeços, à destruição da via a nos sapais, etc.
Outras vezes é a irreflexão ou a ganância que determinam erros irreparáveis ou muito custosos de recompor.
O Programa do Governo, é claro a este respeito, não sendo necessário vir aqui repetir o que nele está afirmado. Há, porém; dois sectores que merecem um comentário de justificação maior.
Não é exagero afirmar que a, água é já, em muitos lados, um bem escasso, aumentando o número daqueles se, além da quantidade, atendermos também à sua qualidade.
Tudo justifica que se dê particular relevo à gestão da água e à contribuição de órgãos que, socorrendo-se dos meios técnicos que hoje estão disponíveis, permitam realizá-la de modo eficaz. Mas aqui, também, tão importante como definir o que fazer é o modo como fazer. Novamente os aspectos institucionais ganham relevo e a coordenação é uma palavra de ordem. São muitos os interesses em jogo e, por isso, têm de ser estabelecidas regras claras e viabilizados, em todos os sentidos, órgãos com real poder de intervenção. É, assim, que os órgãos gestores das bacias hidrográficas ocuparão lugar de relevo nas nossas preocupações imediatas.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O segundo comentário diz respeito ao Litoral, sua protecção e valorização. Com uma largura de cerca de 200 km, Portugal, poderia exagerar-se, é

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todo litoral; mas mesmo considerando uma definição mais restritiva, a verdade é que a grande maioria da população portuguesa vive no litoral e muitos vivem mesmo do litoral. Ora acontece que as poucas acções levadas a efeito para a sua protecção nem sempre têm encontrado um grande eco na opinião pública, dando--se audição a interesses muitas vezes especulativos; por outro lado, o comportamento corrente de grande número de agentes individuais ou colectivos é de menor respeito por uma zona que é do mais frágil equilíbrio ecológico, traduzindo, na melhor das hipóteses, uma grande ignorância acerca da gravidade das consequência dos seus actos.
Existe neste momento uma Carta Europeia do Litoral, aprovada pelo Parlamento Europeu, e para cuja elaboração muito contribuíram as regiões portuguesas. Não faria sentido que, tendo estado tão ligado à sua génese, mesmo antes de ser membro da Comunidade Europeia, Portugal, depois de nela se integrar, não viesse a ser um defensor estrénuo dos princípios nela vertidos e um praticante entusiasta das acções que nela se propõem. O Litoral, nas suas fachadas terrestre e marinha, merecerá justificadamente a nossa atenção.
Como é do conhecimento da Assembleia, já foi apresentado um projecto de lei de bases do ambiente, comprometendo-nos nós a elaborar a legislação complementar e a desenvolver os esforços necessários à concretização material da rede do controle da qualidade do ambiente.
Investigação Científica. - Já fizemos referência às razões em que se fundamenta a mobilização dos recursos endógenos, como motor do nosso desenvolvimento. Eles são de índole muito diversa, havendo diante de nós inúmeras oportunidades não aproveitadas ou insuficientemente mobilizadas.
Se atendermos, por um lado, ao grande esforço de investimento na formação de docentes universitários e de cientistas que nos últimos 20 anos foi feito, verificaremos que muitos não estão a render o máximo ou, pelo menos, não estão orientados, nos seus estudos, para a resolução de problemas que se prendem com o nosso desenvolvimento. E a verdade é que muitos deles fazem trabalho que, sendo respeitado internacionalmente, não induz, em casa, um grande movimento de inovação, pelo menos, traduzido em iniciativas que gerem riqueza. Dito de outro modo, há que considerar o nosso potencial científico como um verdadeiro recurso endógeno, que temos de mobilizar para benefício de todos.
Por se entender como fulcral para o nosso desenvolvimento o estabelecimento de pontes entre as nossas necessidades de investigação e quem a pode realizar, ficou esta Secretaria de Estado ligada ao Ministério do Plano e da Administração do Território e deu-se-lhe como primeira das tarefas a definição das linhas de uma política nacional neste domínio, para o que se deverá começar por constituir um conselho superior de ciência e tecnologia.
Novamente, aqui, a acentuação põe-se na coordenação dos meios existentes, antes de partir para novas áreas de investimento. Mas não hesitaremos em abrir novas frentes sempre que julgarmos que isso contribui para o desenvolvimento do País. E é evidente que não deixaremos de chamar, para nosso benefício e para apoio da nossa comunidade científica, os meios que a CEE no campo do desenvolvimento da ciência e da tecnologia nos poderá outorgar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não devo alongar-me mais.
Quero, porém, antes de terminar, insistir num resumo justificativo da lógica da constituição do Ministério cuja responsabilidade me foi confiada.
A sua preocupação maior é o desenvolvimento e a coordenação dos meios que o promovem, particularmente na sua vertente espacial. Para isso, naturalmente que são indispensáveis os acertos de pontos de vista e a conjugação de esforços com numerosos outros ministérios, mas, sendo o desenvolvimento um propósito maior do Governo é óbvio que todos se empenharão na sua consecução.
Diz um ilustre académico português que «o desenvolvimento como fim impõe a organização do espaço como um objectivo e pode servir-se do crescimento como um dos meios». Por isso, em ligação com as acções que hão-de fomentar o crescimento da periferia e o desenvolvimento do todo nacional situámos o ordenamento do território. Mas como este assenta, em larga extensão, nas numerosas acções dispersas levadas a cabo pelas autarquias locais, juntámos sob o mesmo responsável a elaboração das orientações gerais e o encargo de curar do fortalecimento dos órgãos situados àquele nível, cuja contribuição para o fortalecimento do Estado democrático não só é reconhecida em relação ao passado como também se afirma constituir o seu revigoramento, propósito maior em relação ao futuro.
Queremos crescer e, naturalmente, por via de adequada distribuição, ver desenvolver o País, mas não a qualquer preço. Há que proteger e valorizar os recursos naturais numa perspectiva que a todos beneficie, os presentes e os futuros; por isso se reclama muita inteligência, equilíbrio e firmeza neste sector.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se, porém, de preparar Portugal para muitos desafios, sendo a concorrência maior que nos espera a da inteligência. Por isso se deu grande importância à coordenação da investigação e se localizou o departamento por ela responsável em ligação privilegiada com aqueles que hão-de curar do desenvolvimento.

Aplausos do PSD e do Sr. Deputado Andrade Pereira (CDS).

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território os seguintes Srs. Deputados: Mendes Bota, Horácio Marçal, Ilda Figueiredo, Nogueira de Brito, Andrade Pereira e Anselmo Aníbal.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - O Sr. Ministro conhece certamente as alterações que foram introduzidas pela Lei n.º 98/84 à primitiva Lei das Finanças Locais n.º 1/79.
No que respeita às receitas a arrecadar pelos municípios, ela introduziu essencialmente as seguintes alterações: em primeiro lugar, retirou a alínea que respeitava à comparticipação nos impostos arrecadados pelo Estado, definiu melhor os parâmetros do Fundo de Equilíbrio Financeiro e acrescentou alguns impostos e taxas a arrecadar directamente pelas autarquias locais, nomeadamente os casos do Imposto de Mais-Valias e da Taxa Municipal de Transportes.

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Todavia, se em 1979 se previa um limite mínimo a partir do qual estava garantida uma receita na comparticipação dos impostos arrecadados pelo Estado, 18% do total desses impostos - agora não existe essa garantia mínima.
Por outro lado, assistimos, desde 1980, a uma redução gradual das receitas das autarquias, sejam elas as receitas próprias, sejam as comparticipações que vêm do Estado. Isto pode através da comparação percentual ser facilmente comprovado em termos dos valores anuais do PIB e é tanto mais grave quanto o próprio peso das receitas próprias das autarquias, em relação às receitas totais dessas mesmas autarquias, tendo vindo a perder substância. Nomeadamente, as receitas próprias das autarquias eram em 1978 cerca de 63 % e são agora apenas cerca de 37%. Isto é grave porque cria uma situação de muita dependência das autarquias locais em relação ao poder central, nomeadamente fazendo-as depender da concessão dos fundos, neste caso o Fundo de Equilíbrio Financeiro.
Queria, portanto, perguntar ao Sr. Ministro se, efectivamente, pensa tomar medidas no sentido da revisão: da Lei das Finanças Locais para fazer recuperar às autarquias a sua capacidade financeira, problema tanto mais premente quanto lhe foram cometidas mais competências sem a devida contrapartida financeira não há muitos anos.
Uma outra questão que ficou em aberto é a do lançamento, muito proximamente do IVA, que veio retirar a receita do Imposto de Turismo às autarquias e às regiões de turismo sem que, até ao momento, saibamos qual vai ser a compensação.
Será que irá ser afectado um imposto directo como o imposto profissional, um imposto indirecto como próprio imposto sobre o consumo de tabacos ou o próprio IVA? Será que vai ser arranjado um esquema na base do próprio FEF? Gostaríamos de ser elucidados sobre esta matéria.
Em último lugar, e uma vez que venho do Algarve, gostaria de saber se, na sua óptica, o Sr. Ministro pensa que, dadas as dificuldades que existem, não só á nível geográfico, mas também social e económico, na delimitação de outras regiões - o que não é o caso do Algarve que, por razões históricas, culturais e económicas, está bem definido - se constitucionalmente vier a ser possível avançar com a constituição de uma primeira região-piloto, o Algarve poderia merecer essa honra e essa prioridade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marçal.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Ministro, ouvi com muita atenção a sua intervenção - aliás, conheço sobejamente a competência de V. Ex.ª, ainda há relativamente pouco tempo, em Aveiro, tive oportunidade de o ouvir numa reunião, embora de carácter particular - que me agradou na generalidade. No entanto, não posso deixar de lhe fazer algumas perguntas, de forma a esclarecer a minha bancada e a mim próprio sobre alguns projectos do Governo.
Falou V. Ex.ª nos programas de desenvolvimento regional, nas muitas acções que o Governo não vai desenvolver e na acção de combater as assimetrias regionais.
Gostaria de lhe perguntar se para combater as assimetrias regionais, com os problemas com que se debate cada região, o Sr. Ministro prevê ouvir a decisão de cada autarquia, porque cada autarquia tem problemas específicos.
Claro que há um todo nacional que privilegia os interesses regionais e pergunto se o Sr. Ministro, ouvindo as autarquias, terá também em consideração alguns problemas que em parte já foram referidos pelo Sr. Deputado Mendes Bota, nomeadamente o problema altamente importante da Lei das Finanças Locais, sabido que é que no Governo anterior muitas autarquias não foram devidamente contempladas por esta lei. Houve autarquias que tiveram um índice abaixo daquele que tinham tido da última vez e outras em que esse índice nem sequer se aproximou das taxas de inflação do ano transacto.
Portanto, concretamente pergunto ao Sr. Ministro se terá em consideração que esses coeficientes ultrapassem, pelo menos, a taxa de inflação do corrente ano. Quanto aos recursos naturais e sobre a defesa eleitoral gostei dê ouvir as palavras do Sr. Ministro. Como homem de Aveiro que sou, pergunto ao Sr. Ministro se irá contemplar toda aquela costa aveirense, e a do Norte do País, principalmente, e se equacionará também o problema grave e importante do desenvolvimento do porto de Aveiro, sabido que é que as obras que se terão de realizar nesse porto irão beneficiar altamente o interior do nosso país e até o acesso à Europa e à CEE.
Por falar em CEE, e nos apoios comunitários que o Sr. Ministro aqui referiu, pergunto-lhe se, para a execução dos projectos que cada autarquia terá de apresentar para receber apoios comunitários, o Governo prevê apoiar tecnicamente a execução desses projectos na medida em que sabemos que as autarquias não têm
meios técnicos para os executar.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A intervenção do Sr. Ministro veio acentuar a apetência pela governamentalização do poder local que transparece em. todo o Programa do Governo e deixou sem resposta as questões, que lhe formulei na minha intervenção.
É grave, Sr. Ministro, que a primeira medida proposta no Programa do Governo sobre o poder local seja a alteração da legislação eleitoral autárquica, pondo em causa o princípio da representação proporcional.
Não sabe, Sr. Ministro, que a Constituição da República, no n.º 5 do artigo 116.º, define claramente o princípio da representação proporcional? Não sabe, Sr. Ministro, que a Constituição da República, na alínea h) do artigo 290.º, quando define os limites materiais da Constituição, põe exactamente como um limite material da revisão o respeito pelo sistema da representação proporcional?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

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A Oradora: - É assim que o Sr. Ministro vai cumprir a Constituição da República? Ou para o Sr. Ministro a Constituição da República é letra-morta?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território, da posição e da própria designação do seu Ministério, da estrutura que já podemos surpreender em relação a esse Ministério, da personalidade de V. Ex.ª, da expectativa que rodeou a sua nomeação, da posição de V. Ex.ª no Governo, do seu discurso aqui proferido hoje, do Programa do Governo, ressalta para nós uma primeira ideia, que, confessamos, não nos é agradável: a da sobrevalorização do plano, dos milhares de planos - desculpe-me o exagero - como instrumento de racionalização da vida nacional.
Essa nossa ideia acentua-se, Sr. Ministro, quando verificamos que V. Ex.ª, no Programa, e um pouco no seu discurso, para além da repetição daquilo que vai sendo já um pouco o vocabulário comum dos planeadores, não aponta objectivos fundamentais para esse plano e planos, objectivos esses que permitissem, em termos adequados, balizar a função desse plano e compatibilizar a sua função como elemento racionalizador com as ideias de mercado, que também foram ressaltados por outros seus colegas e pelo próprio Primeiro-Ministro.
Gostaríamos, pois, de ouvir da boca de V. Ex.ª um comentário sobre esta situação, porque ele é fundamental para também balizarmos a nossa posição.
Mais concretamente, pergunto: quais são os grandes objectivos para a política de ordenamento do território? Ou será que o Programa é nesse aspecto puramente instrumental, de organização de meios? Aplicar e fazer cumprir, por exemplo, a legislação vigente é uma das metas que o Sr. Ministro se propõe atingir; aliás é uma meta pobre - devemos dizer-lhe - para quem aparece rodeado de tão grande expectativa.
Descendo ainda a termos mais concretos, gostaria de saber a sua opinião sobre temas que, inserindo-se nesta área, respeitam ao planeamento das áreas metropolitanas. V. Ex.ª, que tem grande experiência nesta matéria, confia aqui apenas no associativismo intermunicipal, pensa em qualquer coisa que potencie esse associativismo, ou pensa em qualquer coisa que esteja para além desse associativismo intermunicipal, em qualquer coisa que permita ultrapassar o caos hoje existente nessas áreas?
Passo agora a uma questão que diz respeito à competência do seu Ministério, tal como o surpreendemos através das várias secretarias de Estado nele integradas.
O seu Ministério, o Ministério do Plano, é o Ministério das grandes orientações, enquanto o Ministério das Obras Públicas é o Ministério executivo, é o Ministério da execução. Se é assim, Sr. Ministro, qual o critério verdadeiro que presidiu à transferência da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos - uma direcção-geral de execução - para o seu Ministério e qual o critério que determinou que os serviços de habitação, onde, pelos vistos, o Governo propõe-se não executar mas apenas definir programas legislativos e de apoio, ficassem no Ministério das Obras Públicas?
Sr. Ministro, são estas as questões concretas sobre as quais queria ouvir V. Ex.ª, e sobre a questão geral espero também um esclarecimento por parte de V. Ex.ª.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território, no ponto 4 do primeiro capítulo do Programa do Governo em debate, afirma-se, logo no início, que «o Governo faz do fortalecimento do poder local [... ] um dos pontos fulcrais do seu programa».
O propósito assim enunciado não pode deixar de merecer o nosso aplauso.
Quem, como nós, defende a liberalização da vida portuguesa à luz dos princípios da democracia cristã não pode deixar de ser favorável ao fortalecimento do poder local sendo, como são, da mesma família os conceitos de liberdade e de descentralização.
O poder local pressupõe a afirmação de liberdade e de autonomia face ao poder central, a criação de espaços que oponham uma barreira eficaz à estatização da sociedade.
Só que para se poder falar de fortalecimento do poder local importa constatar uma autêntica descentralização, através de uma real e acrescida transferência de competências, obviamente com a correspondente canalização de recursos financeiros. Não basta que se dê às autarquias o poder de participar nos processos de formação de vontade da administração central; importa que haja zonas de intervenção autárquica exclusiva e autónoma.
É preciso, numa palavra, autonomizar a gestão autárquica do controle estatal.
Ora, a ideia que se colhe do Programa em debate é justamente a oposta. O Governo promete «dialogar» com as autarquias, «não esquecendo o papel fundamental que assumem as comissões de coordenação regional» e propõe-se reorganizar os serviços, criar instrumentos e suportes de gestão, intensificar acções de formação de pessoal, redefinir os termos de concessão de crédito, rever o enquadramento legal dos serviços municipalizados e do Plano Director Municipal, estabelecer «uma adequada formulação de planos e programas anuais e plurianuais».
Em tudo, uma atitude paternalista, de «dono do negócio», e não de um claro respeito pela autonomia do poder local. Desrespeito que é sobretudo visível em matéria de planeamento e desenvolvimento regional, que é outra vertente de um autêntico poder local.
A autonomia técnica é também uma das faces da autonomia do poder local.
E não deixa de ser significativo, neste domínio, que tudo quanto a administração local, a ordenamento do território, a planeamento e a desenvolvimento regional diz respeito passe a ficar integrado no Ministério do Plano e não no da Administração Interna.
É certo que não é a primeira vez que isso acontece em Portugal. Concretamente, as comissões de coordenação regional já estiveram dependentes do Ministério do Plano. Só que isso aconteceu num período em que o reforço do poder local não constituía assumidamente preocupação do governo de então.
Poderá pensar-se que isso é, para além de exigências postas pela entrada na CEE, o preço que é necessário pagar para minimizar o grave problema das assi-

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metrias de desenvolvimento regional existentes no nosso país. Mas tanto, que seria objecto da nossa maior compreensão, pressupunha a vontade política, claramente assumida, de reduzir aquelas assimetrias, o que não vemos feito no Programa.
Por isso, pergunto-lhe, Sr. Ministro: não acha V. Ex.ª que, ao contrário do anunciado, está prejudicada a autonomia do poder local por excesso de intervenção do poder central? Vai ao menos esse excesso de intervencionismo funcionar clara e decididamente no sentido de abolir o fosso que, em- termos de desenvolvimento, separa o interior do litoral?

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território, o programa do seu Ministério e as suas palavras acentuam; em nosso entender, uma governamentalização previsível do poder local, sem precedentes, na história do poder Io: cal democrático no nosso país.
Ao acentuar essa governamentalização, o Sr. Ministro deixou os vários planos da administração-central, regional e local de tal forma confundidos que é previsível a permissividade de intervenção da administração central em todas as instâncias e sob todos os pretextos.
No domínio do financiamento - esta é a primeira questão concreta que lhe ponho -o que é que podem esperar os municípios da política de financiamento, que analisou a um nível muito superficial é ligeiro? Que alterações aos critérios, designadamente do FEF, podem e devem ser feitas? A nível de orçamento, o que é que é previsível podermos contar em termos destes critérios do FEF?
Por outro lado, as regiões administrativas não apareceram como autarquias locais, mas como espaços de desenvolvimento, espaços onde, através dos investimentos, a administração central pode modelar esta ou aquela região da forma que entender.
De facto, o Sr. Ministro, com a designação do seu superministério e praticamente com a dignidade que induziu no seu discurso de ministro de Estado, vai ter nas mãos o Plano de Investimentos da Administração Central - o PIDDAC -, vai ter, nas sequelas do Ministério da Administração Interna, os PIDR (Planos Integrados de Desenvolvimento Regional), de paupérrima experiência e de paupérrimo poder de financiamento.
Gostávamos, pois, de lhe perguntar, Sr. Ministro, nesse espaço de financiamento das regiões administrativas, como é que vai fazer a ligação entre os PIDDAC e os PIDR, de forma a garantir-nos -'se isso for possível! - que não fará discriminações de sentido positivo para uns e de sentido negativo para outros.
Por último, em relação aos critérios de financiamento e distribuição do FEDER, perguntar-lhe-íamos, em primeiro lugar, se existe algum plano de desenvolvimento regional para as instituições comunitárias, que, entretanto, foi anunciado que foi distribuído, mas que não existe na Assembleia da República; em segundo lugar, se, relativamente às indicações percentuais indicadas - 25% para as autarquias e 65% para a Administração Central - a nível do FEDER já têm algum balizamento da parte do seu superministério.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente:. - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território: - Srs. Deputados, agradeço-lhes a atenção que vos mereceu esta parte do capítulo do Programa do Governo.
Se me autorizarem, porque já esta manhã me fizeram perguntas e responderia pela ordem das mesmas. Como as respostas que vou dar a algumas das perguntas feitas esta manhã vão esclarecer algumas que foram feitas há pouco, começo por responder ao Sr. Deputado Carlos Lilaia.
Quanto à criação das regiões, lembro que esta é uma decisão da própria Assembleia; é, pois, a Assembleia que tem de decidir a esse respeito. A nossa vontade é a de que elas existam, e muito depressa. Devo dizer que está a ser preparada - e não falo na criação das regiões como objectivo sem dar todos os passos anteriores - para depois, quando a Assembleia quiser que se criem as regiões, elas aparecerem já com «pés para andar».
Não vejo que haja qualquer inconveniente em que haja estatutos e cadência diferentes para a criação das regiões. Significa isto que não vejo nenhum inconveniente que regiões mais aptas para começar a «arrancar» tenham possibilidade de o fazer.
Uma outra observação feita pelo Sr. Deputado Carlos Lilaia diz respeito à política regional que, nas palavras do Sr. Deputado; não se reduzia nem aos acréscimo da eficácia das intervenções sectoriais nem aos programas integrados de desenvolvimento regional. Na realidade, não é assim. Tanto no Programa do Governo como na minha exposição, feita há pouco, acentuaram-se bem duas coisas: em primeiro lugar, a necessidade de se fazer um levantamento exaustivo e operacional dos recursos endógenos, o que dá uma perspectiva completamente diversa ao desenvolvimento das regiões; em segundo lugar, o reforço, continuadamente repetido, da participação das autarquias. Portanto, muitas das perguntas que foram feitas quanto à participação das autarquias têm resposta numa afirmação solene em que a própria estrutura actual não é impeditiva de que essa participação se exerça. Tive, muitas vezes, ocasião de trabalhar com um conselho, consultivo formado por autarcas que determinavam o sentido daquilo que saía de um órgão desconcentrado da administração central. Portanto, os documentos que iam para o exterior eram muito mais da vontade dos autarcas do que da orientação do organismo desconcentrador.
Quero tranquilizar o Sr. Deputado Carlos Lilaia relativamente aos dois planos. E que não vai haver um plano do Ministério do Plano e um outro do Ministério das Finanças; vai haver; sim; um único plano, e esse é do Governo.

O Sr. António Lacerda (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Diz ainda o Sr. Deputado Carlos Lilaia que, tendo em atenção o Programa do Governo, o ordenamento do território se sobrepõe a tudo o resto. A verdade é que, o Sr. Deputado, não se sobrepõe. Aliás, tive ocasião de acentuar isso há pouco quando disse que a vertente espacial é uma das vertentes e sublinhei que o desenvolvimento é, antes de tudo, um problema de carácter social.

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Alguns Srs. Deputados referiram-se à estratégia, aos objectivos do Plano, aos objectivos do desenvolvimento ... Devo dizer que, em meu entender, isso não é para um programa de governo, mas para os documentos que, oportunamente, terão de vir a esta Câmara, ou seja, as Grandes Opções do Plano, os planos regionais.
Aproveitando a oportunidade para responder à última questão levantada, devo dizer que é nossa intenção que o regulamento, que existe no âmbito europeu, do Fundo de Desenvolvimento Regional tem de ter limitações adequadas à nossa situação actual e, naturalmente, a Câmara, em devido tempo, será informada sobre quais são as regras daquilo a que podíamos chamar o «regulamento FEDER português», porque essas são regras que vão, naturalmente, respeitar a todo o território. Não sou eu quem vai ficar sozinho com a responsabilidade de uma tão grande implicação a nível de desenvolvimento local! ...
O Sr. Deputado Carlos Lilaia, falando da criação de estímulos, disse que o problema era muito menos um sistema de criação de estímulos, mas muito mais de uma imaginação no encontro de soluções e de instituições novas. Devo dizer-lhe, em primeiro lugar, que somos obrigados a ter um sistema de incentivos regionais porque uma parte do Fundo de Desenvolvimento Regional só virá através desse sistema de estímulos regionais, portanto, bastaria isso para termos de nos preocupar com isso; em segundo, não posso estar mais de acordo de que é necessário estimular o aparecimento de numerosas formas e instituições que curem do desenvolvimento regional, especialmente com uma base endógena. Quero eu dizer com isto, sendo estruturadas com base nas regiões.
Eu próprio tive ocasiões de tentar fomentar o aparecimento de novas organizações e devo dizer que foi sempre com muita dificuldade que aparecem grupos organizados de interesses locais a responsabilizarem-se pelos problemas do desenvolvimento.
Como o Sr. Deputado referiu expressamente a questão das sociedades de desenvolvimento regional, devo dizer que, tendo sido, há uns anos, um grande defensor das sociedades de desenvolvimento regional, quando vi que não havia iniciativa suficiente a nível regional para ir buscar esses fundos reflecti que devia ser muito melhor começar por gabinetes não de desenvolvimento regional no sentido de obtenção de fundos mas, sim, de ideias, de investimento, portanto, sociedades de investimento regional em vez de sociedades de captação de poupança e distribuição desses meios financeiros.
Não posso estar mais de acordo com a necessidade de fortalecer este aspecto: encontrar uma teia de instituições muito variada que possa completar a acção do Estado. A acção do Estado pode muito pouco, como nós todos sabemos! ...
Quanto às relações Governo/autarquias, já tive ocasião de afirmar na minha exposição que iremos estimulá-las o mais possível. Pessoalmente, assumo o compromisso de, ao mais alto nível, quer dizer, o Ministro com a Comissão Parlamentar do Poder Local, manter as mais estreitas relações.
Devo dizer - e volto a repetir o que há pouco disse - que no esquema actual não é impeditivo que essas relações existam e podem muito bem os órgãos desconcentrados da Administração Central ter colaborações, através dos conselhos consultivos das comissões de coordenação regional. Devo dizer que, pela experiência que tenho, isso é altamente frutuoso, gratificante para quem tem de colaborar, e suponho que é útil para quem participa do lado das autarquias.
É evidente que vai haver oportunidade para mais colaboração. A Associação Nacional dos Municípios vai ser um interlocutor a atender e é preciso também ver que há ainda oportunidade para vir a suscitar a participação das autarquias locais nos novos órgãos gestores dos grandes projectos integrados.
Aproveito para fazer um comentário ao que o Sr. Deputado Nogueira de Brito disse: «Não se assustem com tantos planos!» A síntese é muito complicada, é difícil e quem alguma vez teve de a fazer verifica que não é possível pensar numa síntese única e num grande plano nacional com tudo previsto e estabelecido a um único nível. As sínteses fazem-se onde forem possíveis fazer-se. Mais ainda: as sínteses fazem-se onde houver vontade de as fazer.
Posso dar-lhes exemplos de vontades expressas. Para que não fique no vago, vou referir o exemplo do Plano de Transporte do Vale do Lima.
Toda a gente se queixa dos grandes gastos que há em matéria de transportes, nomeadamente em matéria dos transportes escolares. Ora bem, o 4 municípios do Vale do Lima associaram-se para racionalizar o seu sistema de transportes. Portanto, a vontade foi deles e a colaboração foi da Comissão de Coordenação da Região Norte com os 4 municípios do Vale do Lima e com um gabinete privado, apoiado pelo Gabinete de Estudos e Planeamento de Transportes Terrestres. A convergência destas 4 entidades proporcionou grandes economias às 4 autarquias, assim como proporcionou uma forma intelegível de olhar para aquele espaço.
Portanto, o número de planos ou os planos a fazer decorrem muito mais da vontade das pessoas que se querem envolver neles, porque também a experiência diz que não adianta impor planos de cima para baixo. Se não houver um convencimento daqueles a quem eles se destinam na bondade desses planos, elas ficarão como papéis arrumados em prateleiras.

Aplausos do PSD.

Há questões relacionadas com situações de extrema carência, e foram referidos, pelos Srs. Deputados Carlos Lilaia e Helena Torres Marques, problemas de saneamento básico, problemas relativos às áreas metropolitanas, problemas de transportes e problemas viários. Tudo isto apareceu um pouco nas intervenções feitas de manhã e naquelas que foram agora produzidas.
Falaram também nos contratos-programa, que mais não são do que um exercício final de uma cooperação a diversos níveis, particularmente local ou e central, para a prossecução de objectivos de interesse local, mas que também têm utilidade a nível nacional. É evidente que a iniciativa pode partir do Governo mas deve partir muitas vezes das autarquias locais. Devo dizer que há uma grande área no Norte do País com problemas gravíssimos de saneamento básico para a qual não foi possível encontrar a convergência das autarquias para obter, em conjunto, um plano de saneamento básico. Ora aqui está um exemplo em que a iniciativa central pode vir a orientar a cooperação local para resolver um problema que a excessiva pulverização da capacidade de decisão não sente na sua verdadeira dimensão. Deixou de ser um problema local para passar a ter uma

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dimensão nacional e, como tal, não há nada que inviabilize, não há nada que não justifique uma iniciativa central.
Uma outra questão referida reporta-se ao Fundo de Desenvolvimento Regional. Os critérios, Srs. Deputados, cá aparecerão. Cá me terão para lhes dizer o que são os critérios gerais pois há muito a fazer e daqui decorrem muito as possibilidades de desenvolvimento das regiões.
Foram também aqui referidas as áreas metropolitanas. A experiência demonstra - não vou comentar mais a bondade do problema - que as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto têm inúmeros problemas que só em conjunto com outras fontes de financiamento mais importantes podem ser resolvidos. A experiência mostra que não adianta a; parte central prosseguir alguma solução se não houver uma vontade expressa da parte local pois será da convergência destas duas vontades que chegaremos a fórmulas institucionais. E volto a dizer o que há pouco referi na minha exposição: não me parece nada que o quadro institucional da área metropolitana de Lisboa tenha de ser igual ao do Porto. Os problemas, são em muita extensão semelhantes mas há características especiais que podem aconselhar a uma diversidade de soluções.
Quanto ao código autárquico ainda não tive tempo de o estudar já que ele só me foi entregue, por atenção do Sr. Ministro cessante, há 8 dias. Logo que o estude, o seu conteúdo não deixará de ser analisado e a sua acção não deixará de ser continuada.
Quanto à questão de o Governo se arrogar do direito de fazer uma proposta que contém alguns laivos de inconstitucionalidade, quero, explicar a sua razão de ser: verifiquei que todos os autarcas - ao longo dos últimos anos tenho contactado com muitos - se queixam de que, por não existir uma estrutura nítida de responsabilização, quando o poder está muito pulverizado dentro de um executivo municipal complica muito a sua acção, comprometendo, naturalmente, a sua eficiência.
Quem julgará da viabilidade e da constitucionalidade ou não da proposta será a Assembleia da República. O Governo tem obrigação de utilizar o instrumento de que dispõe para prosseguir um objectivo: tornar as autarquias mais eficientes para serem mais eficazes. Se a estrutura dos órgãos autárquicos, se a maneira como funcionam, especialmente nos executivos, é apontada por muitos (devo dizer que vejo uma enormíssima parte da Câmara identificada com os autarcas que me fizeram essas observações), devo dizer que há lugar para que a Câmara seja confrontada com projectos que visem a viabilização desse instrumento.
Aplausos do PSD.
A decisão, naturalmente, será da Câmara! Quanto ao problema dos recursos naturais, nós, que insistimos no desenvolvimento do turismo como fonte de receita muito importante, que insistimos na qualidade de vida como sendo um dos nossos objectivos, não podemos, naturalmente, deixar de olhar com muita atenção para os problemas do litoral.
É evidente que o problema da costa aveirense e o desenvolvimento do porto está, naturalmente, ligado com esses estudos. Ainda por cima há meios comunitários que se podem orientar especialmente, para este ponto.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito diz que não se apontam objectivos fundamentais para esses planos. Cada plano tem de apontar esses objectivos e V. Ex.ª cá me terá; aquando da apresentação das Grandes Opções do Plano, a esclarecer esses objectivos; cá estarei também quando se tratar da apresentação das linhas nacionais que definem a política regional (a apresentar em Bruxelas) e quando for apresentado o plano a médio prazo. Nessa ocasião, em grande pormenor, será esclarecido cada um deles!
Quanto à questão da Direcção-Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos, posso dizer que ela é uma Direcção-Geral executiva. A água e a sua gestão assumem um papel importante no que respeita ao ambiente, à conservação, protecção e mobilização dos recursos naturais. A experiência demonstra que, neste aspecto, a partilha das funções normativas e executivas não tem dado bom resultado já que contribui para a anulação das responsabilidades. Estou confiante que desta vez, e juntando tudo debaixo da mesma coordenação, a parte da gestão da água pode, efectivamente, vir a ter uma sequência positiva. Respondi já a algumas questões colocadas pelo Sr. Deputado Andrade Pereira. Suponho que não é uma atitude paternalista e de «dono do negócio» propor exactamente o fortalecimento daqueles que o vão exercer. Não é paternalismo, é evidência. Muitas vezes, em Portugal, o Governo central teve de estimular o aparecimento e o fortalecimento, no nível técnico e no nível administrativo, das autarquias locais para a construção do Estado democrático...
Está a terminar o meu tempo. Suponho que respondi à generalidade das questões colocadas pelos Srs. Deputados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Foi com gosto que ouvi hoje o Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território.
Circunstâncias várias deram-me a oportunidade de valorizar a capacidade profissional, a seriedade de propósitos, o espírito de serviço público, que tem animado, a actividade de alguns dos actuais membros do Governo. Não são muitas as personalidades que fazem jus a este reconhecimento, mas ainda são algumas. Não esqueço as suas qualidades. Pelo contrário, muito espero dessas qualidades. Conforta-me a ideia de que elas se afirmarão para evitar o pior e, nesse sentido, lhes desejo boa sorte, já que não é possível esperar mais das circunstâncias em que surge este Governo. Para além disso, a experiência ensina-nos que a bondade dos governos não se encontra garantida pela simples presença no seu seio de algumas pessoas de inegável qualidade. Um governo não pode valer apenas por essa singularidade ou excepção. Um governo vale pelo conjunto das suas personalidades, pela densidade política das suas propostas, pela sua capacidade de catalização e mobilização das energias e capacidades que se encerram nos mais diversos estratos económicos e sociais, pelos apoios que expressamente legitimam, guiam e potenciam a sua acção. Infelizmente, dessa perspectiva mais vasta, este Governo é essencialmente um grande equívoco. É um grande equívoco pela sua origem, pelo

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modo como se apresenta à Assembleia da República, pelo desenvolvimento que se antevê para a sua política conjuntural. O X Governo vem a esta Assembleia em circunstâncias muito especiais, de que lembrarei apenas quatro aspectos.
É um governo monocolor de um partido que leva 6 anos de poder, isto é, mais de metade de todo o período constitucional. Mas que, apesar disso, se apresenta politicamente como se fosse virgem de qualquer responsabilidade no passado. Ë um governo nascido infimamente minoritário directamente de uma crise desejada e provocada pelo seu chefe em condições que dificilmente poderiam desembocar em outra coisa que não fosse um governo minoritário. Mas que, contra essa evidência, procura impor-se, nada mais, nada menos, como o executor de um projecto inflexível que, sozinho, transformará radicalmente este país em 4 anos, praticamente já amanhã, do ponto de vista do tempo de acção (vide Programa do Governo, pp. 32 e 33).

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - O mínimo que se poderia esperar de um tal governo minoritário seria uma postura de bom senso e não de jactância, seria a apresentação de um Programa do Governo cuidado, incisivo e curto. Um programa constituído por um elenco rigoroso, concreto e preciso de medidas de política fundadas na longa convivência (6 anos) com os dossiers da governação. Um programa organizado explicitamente na assunção responsável da ideia de que o País apenas precária e temporariamente poderá ser governado em democracia por um governo infimamente minoritário.
Mas não. O que nos sucede é ver um Governo que, algo displicentemente, vem à Assembleia da República apresentar um programa vago no que diz, mais perigoso no que subentende, um programa mal coordenado, auto-suficiente, num optimismo sem fundamento, falho da necessária centelha de ideias novas e de projectos mobilizadores, superabundante em simples intenções de rotina. Como se isto não bastasse, a sua razão última é o apelo obsessivo e messiânico à confiança em quem medrosamente se esquiva ao próprio teste da moção de confiança, como se estivesse destinado, talvez por direito divino, a governar por largos anos sem apoio parlamentar explícito.
Vejamos sucintamente alguns problemas que a situação suscita.
Que o Programa é vago, todos o sabemos. Que é perigoso muito do que dele se subentende, já o demonstraram alguns deputados que me precederam, designadamente Manuel Alegre e Silva Lopes.
Não menos surpreendente é a descoordenação e confusão da organização governamental que dele ressalta. Apenas alguns exemplos, porque o tempo é escasso.
Um primeiro exemplo é o da completa confusão dos horizontes temporais que servem de referência ao planeamento económico. A pp. 32 e 33 promete-se o milagre económico para o final dos anos oitenta, o que pressupõe metas bem concretas para esse horizonte. Mas a p. 34 diz-se que o Governo divulgará as principais metas e directrizes a 1 ou 2 anos. Porém, 5 páginas adiante, p. 39, escreve-se que o Governo preparará um programa de correcção estrutural do défice externo para 8 anos (veja-se bem, 8 anos) que deverá ser fundamentalmente um conjunto de directrizes de política económica e sectorial. Então, em que ficamos? O Governo preparará directrizes para 1 ou 2 anos? Ou para 4 anos? Ou para 8 anos?
Outro exemplo: a p. 22 afirma-se expressamente que competirá ao Ministério dos Negócios Estrangeiros a coordenação das acções de promoção da exportação. O Ministro da tutela do Comércio Externo é o Ministro dos Negócios Estrangeiros? O Ministro da Indústria e Comércio já deu por isso? Entenderam-se? Enganaram-se?
Por outro lado, privilegiando o Governo a lógica espacial, manda-se o turismo, actividade eminentemente localizada, para a dependência do Primeiro-Ministro e arranja-se um espaço no Ministério do Plano e da Administração do Território, para a Investigação, área eminentemente vocacionada para as grandes sínteses e coordenações horizontais que cabem ao Primeiro-Ministro. Suponhamos que na organização do Governo se trocavam as posições da Secretaria de Estado do Turismo e da Investigação. Faria alguma diferença? Ou tanto faria?
Poder-se-á dizer que a investigação deve estar onde está o Plano. Mas para isso seria preciso que houvesse neste Governo uma doutrina de planeamento comum aos seus vários departamentos e centros de decisão. A verdade é que não há. O Ministro do Plano e Administração do Território acabará por se limitar ao planeamento da administração do território (v. p. 58), o Ministro das Finanças fará o plano anual e os diversos programas a 2, 4 e 8 anos, podendo haver ainda um superministro das Finanças que faça os planos que forem precisos para ganhar eleições próximas. É o mais certo.
Acresce que há claras diferenças de filosofia e método de planeamento. O planeamento regional está concebido, e muito bem, como um processo, um processo de mobilização e participação, muito embora lhe falte qualquer referência à criação das regiões - falta grave - ao passo que o planeamento das Finanças deseja ser apenas um exercício de persuasão.
Digo parece porque devo reservar o meu juízo sobre o que poderá ser nestes tempos tão conturbados, o poder de persuasão de, por exemplo, uma projecção a 8 anos. É que, como disse inteligentemente Edgar Morin, o futuro já não é o que era dantes, coisa a que o Governo ainda não terá dado atenção.
Estes e outros exemplos mostram claramente que o Governo não foi capaz de se organizar para coordenar a elaboração do seu Programa. Mas se o Governo não foi capaz de coordenar as tarefas necessárias à simples apresentação do Programa, será capaz de coordenar as bem mais complexas tarefas concretas da governação? Neste ponto, é legítimo pensar que este Governo está ferido de uma grave deficiência congénita.
Comece-se por ver que neste Governo, aparentemente, ninguém faz a coordenação económica. Fá-la o Ministro do Plano?
Não, apesar do seu grito de alarme a p. 57 do Programa. Fá-la o Ministro das Finanças? Também não, apesar da sua vontade de planear a 8 anos a reconstrução do equilíbrio externo, suposto fulcro da reorganização de todo o sistema sócio-económico (espaço e pessoas incluídas).

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Resta a hipótese de ser o Prof. Cavaco Silva, reduzido à dimensão de Ministro das Finanças. Digo reduzido a essa dimensão porque me parece claro que este Governo tem um chefe mas não tem um Primeiro-Ministro. Entendam-me bem!

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Proeuro apenas ler a realidade, sem querer subvalorizar seja quem for, muito menos o Prof. Cavaco Silva que é, de facto, um homem de grandes capacidades específicas em certos domínios da economia financeira. , .

Vozes do PSD: - E políticas!

O Orador: - Lá irão! Sucede, porém, que circunstâncias algo surpreendentes o trouxeram à chefia deste Governo. Tão ou mais surpreendidos que eu, ficaram VV. Ex.ªs.

Aplausos do PS.

Uma voz do PSD: - Vocês é que ficaram. Não fomos nós!

Protestos do PSD.

O Orador: - E desde então, tem dado de si próprio a impressão de continuar a pensar que o seu campo de interesse e de experiência se confina à economia financeira.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Espere e verá!

O Orador: - Veja-se o seu discurso de apresentação do Programa do Governo e o debate que se lhe seguiu. Por exemplo, a p. 15 do discurso, eufemismos à parte, ele próprio nos confessou que entrega as tarefas políticas próprias do centro do Governo a um Ministro de Estado e a um Ministro-Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, libertando-se, assim para as tarefas que considera primordiais. Essas, no seu espírito, são obviamente as tarefas da gestão macroeconómica, com um ou outro complemento micro mas com raros rasgos de visão política à altura do projecto de sociedade de que o País precisa. Tudo se passa como se a chefia do Governo não implicasse, em primeiro lugar, uma esgotante tarefa de coordenação política, antes permitisse alijar essa responsabilidade por troca com a vocação e o destino de um superministro das Finanças cuja autoridade e vontade se identificassem com a autoridade e vontade de um Primeiro-Ministro formal, que existe mas não exerce. Assim se manteria o Governo firme e coeso na obediência ortodoxa às regras da boa técnica de gestão económica, afinal o essencial, deixando a política para os políticos. Na medida em que esta estratégia pudesse ser bem sucedida, criar-se-iam as condições para que, a seu tempo, a política viesse também a ser um domínio acessível à autoridade da técnica e dos técnicos. Uma tal concepção só pode desembocar numa política conjuntural marcadamente eleitoralista, na esperança de tirar, de imediato, partido de um desfecho favorável das eleições presidenciais, ou de lhe sobreviver no caso de derrota. Atenção aos «idos» de Março...
Em certo sentido, o Prof. Cavaco Silva volta a 1980, menos Sá Carneiro mas mais Cavaco Silva. Estas diferenças são de tomo. É evidente que elas não poderão contribuir para reforçar a confiança de quem quer que seja, na política e na economia. Muito menos criará confiança a investidores e outros agentes económicos habituados a investir pelo seguro, pelo sólido e duradouro. Já agora, um desabafo: tem este Governo a ingenuidade de pensar que o investimento, o bom investimento, depende apenas de haver ou não haver confiança? Se o Governo pensa assim recomendo-lhe vivamente que leia a primeira página, chega a primeira página, do Relatório do Banco Mundial sobre a reestruturação industrial em Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas continuemos com a questão essencial da confiança. Um. Governo infimamente minoritário, sem qualquer garantia de apoio parlamentar coerente e duradouro, mal coordenado no plano operacional, com uma direcção e coordenação políticas fracas e exercidas por delegação, como poderá apelar à confiança? Mas apelar a quem? Não apelará a esta Assembleia porque não lhe apresentará a moção de confiança, nem agora, nem mais tarde. Só poderá apelar directamente ao eleitorado. E será nesse contexto que, certamente, desenvolverá a sua acção a curto prazo.
E nesse contexto pensará o Primeiro-Ministro que se repetirá o seu êxito de 1980? Aparentemente as circunstâncias são favoráveis a um êxito fácil:
Balança de Transacções Correntes em l985 praticamente em saldo nulo; Desaceleração da inflação; Situação internacional favorável; Ciclo político-económico no ponto mais baixo possível quanto a salários reais e investimento, etc.
Mesmo sem demagogia o Governo pode tomar medidas imensamente populares que o anterior governo tornou imediatamente possíveis. Quanto mais com um quantum satis de irresponsabilidade.
Tal como em 1979: Sorte de quem pode entrar no governo nos bons momentos, irias também «mérito» se assim se pode dizer de quem soube sair a tempo do desastre de 1980-1983. Digo desastre de 1980-1983 porque a gestão financeira de 1980 foi indubitavelmente a fonte inicial do descalabro de 1983.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Muito mal!

O Orador: - O Prof. Cavaco Silva foi um eficaz estratega na vitória eleitoral da AD em 1980, mas foi também um desastre como Ministro das Finanças.

Vozes do PSD: - Muito mal!

O Orador: - O Dr. Silva Lopes já o afirmou e demonstrou aqui, sem que ninguém tivesse sequer respondido. A escassez do tempo leva-se a dar por feita a demonstração, reforçando-a apenas num aspecto. A gestão financeira irresponsável do Prof. Cavaco Silva em 1980 é frequentemente referida, expressa e claramente, por entidades tão insuspeitas de lhe desejarem mal como a OCDE e o Banco Mundial. Por exemplo, o relatório da OCDE sobre Portugal referente a 1982 por várias vezes põe a origem da crise em 1980. Tenho aqui o texto comigo. O Sr. Primeiro-Ministro

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conhece-o e verga-se certamente ao peso dessa condenação tão clara, apesar da linguagem diplomática típica das organizações internacionais (que só publica os seus documentos quando o governo autoriza!). O tempo não permite fazer citações, mas para que não restem dúvidas, remeto os interessados, a título de exemplo, para as pp. 7, 8, 13, 14 e 15 do referido relatório. Tenho as citações comigo e distribuo-as a quem quiser!
Ainda a título de exemplo, poderia citar o estudo do Banco Mundial sobre a economia portuguesa 1980-1981, de Outubro de 1982. Também claro e conclusivo. Quase 3 anos depois, em Julho deste ano, o Banco Mundial, em outro estudo sobre a economia portuguesa em 1983-1984, sentiu-se na obrigação de referir que começou em 1980 o descalabro que conduziu à dramática crise de 1983 e, por via de consequência, à recessão de 1983-1985. Quem tiver dúvidas que leia a secção 1.3. na p. 2 do referido estudo e certamente que ficará sem qualquer dúvida sobre a opinião do Banco Mundial.

Protestos do PSD.

Poderá o Prof. Cavaco Silva dizer que ele nunca se enganou. Que quem leva o passo trocado são todos os outros, que a OCDE e o Banco Mundial estão de má fé, ou que são ignorantes, ou que se passaram para a oposição ao X Governo ainda antes deste nascer, logo em Outubro de 1982. O facto geralmente reconhecido é que o Prof. Cavaco Silva é um dos principais responsáveis pelo descalabro económico da AD, e como também é responsável pelos sofrimentos inúmeros que a crise de 1983-1985 arrastou.

Aplausos do PS.

Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, pergunto-lhe: quem desejará comprar-lhe uma política financeira de 1980 em segunda mão? Certamente que ninguém que tenha a ideia de que essa política poderá ter continuidade duradoura. Se lhe derem eleições a tempo e horas, poderá talvez ganhá-las. Mas tal como em 1980, o Sr. Primeiro-Ministro é suficientemente bom economista para saber que teria então de mudar drasticamente de política ou de abandonar o barco. Como fez em 1980. Mas apesar disso será possível repetir o brilhante efémero de 1980? Mas com que custos? Se assim suceder, o preço será muito mais elevado que em 1983-1985, pois hoje a fraqueza estrutural da nossa economia é bem maior que em 1979.

Uma voz do PSD: - A campanha eleitoral já acabou!

O Orador: - Tendo o investimento em equipamento decrescido 40% em 1982-1984, a ponto de nem sequer se realizar a reposição do capital, as empresas não poderão deixar de investir fortemente no próximo ano se quiserem sobreviver à adesão à CEE. Bastará que a política macroeconómica dê uma pequena ajuda para que se manifeste um forte surto conjuntural de investimento no sector público e no sector privado. Mérito do Prof. Cavaco Silva? Não. Mérito de quem tanto se sacrificou em 1983-1985. A taxa de juro pode baixar 3 pontos a 5 pontos, independentemente da baixa da inflação, para mais a inflação está em desaceleração. Basta para isso reduzir alguns impostos e as reservas obrigatórias. Isto tem consequências, nomeadamente
sobre as receitas fiscais, mas é francamente possível. E vai acontecer com impacte tremendo sobre a actividade económica. Esta medida em nada, absolutamente nada, se ficará a dever ao X Governo. Foi o governo anterior que a tornou possível, tendo sido planeada a baixa da taxa de juro no Verão passado. O PSD opôs--se então. E amanhã o Prof. Cavaco Silva aparecerá a colher os louros. O salário médio desceu 17% em 1981-1984. Seria impossível não «autorizar» o seu ligeiro crescimento em 1986. Mas lá vai o Governo avisando que esse aumento deverá ficar abaixo do que o próprio Governo pensa ser «razoável». Não se entende. Um Governo que se reclama da racionalidade desclassifica-se quando voluntariamente se coloca abaixo do que é razoável. Será para defender a competitividade das empresas? Não é, porque isso não é defender a competitividade, é ajudar a organizar a espoliação dos trabalhadores. Não pode ter outro nome.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - A crise tem sido igual para todos. Se a repartição funcional do rendimento em 1984 tivesse sido igual à de 1981, os trabalhadores teriam recebido mais 150 milhões de contos e os rendimentos de propriedade menos 220 milhões de contos.
O indicador de rendibilidade do sector exportador, por exemplo (valores unitários de exportações/custo do trabalho por unidade produzida), está hoje 40% acima do que era em 1973. Ter-se-á de sacrificar ainda e sempre o salário? Não há possibilidade de obter ganhos de qualidade, de invocação, de racionalização, ganhos à custa da capacidade empresarial? Sei que neste ponto o Sr. Primeiro-Ministro tem um ponto de vista conciliatório e moderado. Faço-lhe justiça! Simplesmente exerce-o de acordo com uma ideologia ultrapassada e caduca. O Sr. Primeiro-Ministro é um campeão da ideologia do crescimento acompanhada de alguma preocupação social, uma espécie de liberalismo mitigado. Mas o grave não é esse pendor liberal. O grave é que o Sr. Primeiro-Ministro pensa e age como se estivéssemos no período antes da crise, nos anos sessenta. Nesse campo o seu pensamento, a sua formação, a sua informação e a sua cultura têm 25 anos de atraso, pelo menos. Por essa época, há 25 anos, acreditava-se piamente que o investimento era sinónimo de crescimento do emprego. O Programa do Governo ainda abunda nessa fé, Santo Deus! A verdade é que é necessário investir mas isso é condição suficiente para que o desemprego se reduza. Pode até suceder que por essa via, conjugada com a chamada flexibilidade do mercado de trabalho, o desemprego aumente assustadoramente. Repare o Sr. Primeiro-Ministro que os próximos investimentos serão essencialmente investimentos de produtividade. Por exemplo, e chamo a atenção da Câmara, se o PIB crescer a 5% nos próximos 25 anos (meta altamente invejável e, se calhar, nunca atingível), apenas à custa da produtividade, ainda assim só no ano 2010 é que Portugal chegará a uma produtividade próxima da actual produtividade dos países nucleares da CEE. Os membros do Governo que ainda são neoclássicos saberão o que isto significa de acordo com as suas próprias teorias, que não são as minhas.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Felizmente!

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O Orador: - Acresce que a economia portuguesa não tem historicamente propensão à criação de emprego. Só depois do 25 de Abril é que se quebrou esse ponto negro. Repare-se que foram criados 900 000 postos de trabalho entre, 1974 e 1984, enquanto que entre 1960 e 1970 (período áureo, de que tantos são saudosos) o número de postos de trabalho diminuiu de 150 000. Se o Governo ainda acredita que o investimento e o crescimento resolverão automaticamente o problema do emprego, está redondamente enganado, como bem sabem os seus colegas da CEE. Em nenhum país da CEE (a que os senhores irão ser forçados a entrar) se pensa que é possível resolver o problema do desemprego nos próximos, 10 anos à custa exclusivamente da economia formal.
Ainda por cima, dos critérios de investimento que guiam o actual Governo (v. p. 37 do Programa), um deles é um pouco limitado (tem 30 anos ou 40 anos e progrediu-se muito depois disso), o do capital/emprego, e o outro, q da rápida recuperação em divisas, é tecnicamente errado e sem sentido em economia aberta. Se algum dos membros do Governo estiver interessado em obter a prova, posso dar-lhe cópia da respectiva demonstração teórica.
Também não faz sentido o conceito de investimento que o Programa do Governo inculca. Para o «Governo o essencial está na FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo). Não está. O mundo após crise é diferente. Também Portugal do pós-25 de Abril. O que comanda hoje em dia a inovação e o desenvolvimento não é a lógica da FBCF (como pensa o Sr. Primeiro-Ministro), do cash flow e do hardware. É a lógica do domínio dos sistemas tecno-sociais muito complexos e construídos na base de vastas cadeias de informação e qualidade, de investimento organizacional. A formação de capital-inteligência e de capital-organização é bem mais importante que a formação bruta do capital fixo.
A visão macroeconómica do Governo passa ao lado de tudo isto.
Como passa também ao lado dos novos problemas de articulação da economia formal e da economia informal, esta última reduzida ao anátema da economia de fraude. São coisas distintas, como já se vem percebendo por toda a Europa. A distinção .è reconhecida timidamente no capítulo. regional e local mas é ignorada corripletamente nas suas, implicações de política económica. Hoje, o grande problema é o da «flexibilidade» não à custa do desemprego, do medo do receio de despedimento, do terror da miséria. O grande problema é flexibilizar pela abertura à qualidade, à inteligência, à criatividade, pela abertura do risco responsável e à articulação de novas solidariedades (sociais e privadas) e interesses, quer na economia formal, quer na sua interface com o mundo das iniciativas locais, da economia social, da criatividade individual. A economia pesada, rígida, obediente à ortodoxia macroeconómica considerada um dado imutável já não existe. Também o correspondente Welfáre State terá de evoluir para algo de diferente. Por isso, a pseudo-social-democracia vestida pela ideologia de crescimento dos anos sessenta nunca terá futuro num Portugal aberto, à Europa do século XXI.
A este propósito, o da Europa do século XXI, a Europa em que nos vamos integrar, a Europa que hoje marcha e caminha, devo dizer que nunca vi um texto tão pobre, tão indigente - perdoem-me a expressão -, tão contra, o essencial do espírito da nossa adesão à CEE como o que consta do Programa do Governo. Poderiamos falar horas. Infelizmente não há tempo, mas lá chegaremos, espero eu.

Vozes do PSD:- Felizmente!

O Orador: - Este Governo adere à Europa praticamente comercial puramente comercial, à Europa de 1958.- Que a terra lhe seja leve!
Não admira que quem assim pense da Europa mais não possa actualizar a sua visão de Portugal, entrar numa Europa, ela própria, também em mudança, também, em construção.
Nada se diz sobre o campo fértil das novas políticas comunitárias não previstas expressamente no Tratado de Roma, nem sequer se fala nos programas abertos às pequenas e médias empresas industriais e muito menos - coisa espantosa - se fala no Programa da modernização industrial que a CEE nos prometeu. Deixa-se cair isso, o que é espantoso, quanto, mais falar de coisas como Delta, como Commett.
Srs. Ministros, sei que há alguns que os conhecem, conhecerá quem, nas várias bancadas que aqui estão, deve conhecer a Europa a que vamos aderir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Programa do Governo apresenta-nos um Portugal mítico, pretensamente movido por uma iniciativa privada, afinal como se tudo dependesse da velha questão do sector empresarial do Estado, transformada numa nova questão dos bens nacionais com que a burguesia do século XIX enriqueceu. E isto precisa e tem já uma nova classe empresarial nascente que precisa de ser apoiada e que deverá ser apoiada.
Mas não precisa nem deve esperar que exista um governo que queira apoiar uma velha classe que pretende viver de rendimentos mas não de empresa.
É um Portugal mítico que fala de iniciativa privada, mas que lhe falta com o apoio, com a facilitação catalítica de que ela necessita.
No Programa do Governo é um Portugal reduzido ad lucro de hoje sem o horizonte largo da verdadeira solidariedade e justiça social. Portugal precisa de outro horizonte, de outra visão, de outra ética, logo de outro governo.
Só' haverá saída da crise em democracia se a equidade na partilha dos custos e benefícios for um valor ético è social inquestionável. Para além do salário directo é preciso alargar o salário social e introduzir o salário-poupança e o salário-investimento. O drama do capitalismo moderno é que, por um lado, quem poupa não tem acesso ao controle do investimento. E por outro, quem tem iniciativas de investimento arriscado não tem acesso à poupança. E é também esse, em parte, o drama português.
Afirmou um dia o Sr. Primeiro-Ministro que «haveria .de comprar com benefícios fiscais a moderação no crescimento dos salários indispensável para controlar a inflação e expandir o investimento». Querer-se-á comprar a moderação dos trabalhadores vendendo benefícios fiscais?
Sr. Primeiro-Ministro, está enganado. Á solidariedade não se compra, a justiça não se vende. Por isso, votaremos a rejeição do X Governo.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na sequência da intervenção do Sr. Deputado João Cravinho, inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Duarte Lima e Alípio Dias.
No entanto, previno o Sr. Deputado João Cravinho que o tempo global do Partido Socialista está reduzido a 2 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr, Presidente, Srs. Deputados: Com o discurso do Sr. Deputado João Cravinho consumou-se a segunda face da medalha do discurso que é o discurso de ressentimento do Partido Socialista neste debate.
Ontem, assistimos daqui a um discurso tristíssimo, paupérrimo, verrinoso, horripilante, só interpretável na base de critérios caracterológicos do Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
Hoje, é a segunda face da medalha: é um discurso com um pouco mais de verniz, mais frio, é o discurso matemático, incolor e tecnocrático do Sr. Deputado João Cravinho, que nos diz que o Sr. Primeiro-Ministro é um homem competente em certos domínios da economia financeira, procurando subvalorizar a sua dimensão política, insinuando e dizendo mesmo que os deputados do PSD ficaram surpreendidos com a vitória.
Nós não ficámos surpreendidos com a vitória, Sr. Deputado João Cravinho, e o povo português não ficou surpreendido com a vitória do Prof. Cavaco Silva, porque acreditou nas suas propostas. Quem ficou surpreendido foram os senhores, que se vêem aqui hoje reduzidos a metade dos deputados e que não sabem o que é que hão-de fazer aos cartazes dos «43%» que estão espalhados pelas paredes do País.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Deputado João Cravinho tocou, no princípio do seu discurso, na pecha de que este Governo é fraco porque é um Governo minoritário. Mas, Sr. Deputado João Cravinho, se os senhores prezam tanto os governos de maioria, porque é que os senhores quando tinham a maior maioria de sempre não viabilizaram anteriormente as propostas do Prof. Cavaco Silva? Os senhores não as viabilizaram, mas viabilizou-as o povo português, que é o sofredor das eleições.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado João Cravinho, onde está o comando constitucional que obrigue, como têm defendido outros deputados da sua bancada e de outras bancadas da oposição, a que o Governo apresente aqui uma moção de confiança para ser legitimado, para ter aqui a legitimação necessária?
Encontram-se na Mesa 3 moções de rejeição apresentadas por 3 partidos, um dos quais é o partido de V. Ex.ª Vamos, pois, votá-las. Já se disse aqui - disse--o um deputado do Partido Comunista - que o Governo se apresentou aqui em atitude de bravata. Vamos votar as moções de rejeição!
Se as moções forem votadas favoravelmente, a bravata será nossa, se as moções forem votadas desfavoravelmente, o Governo será legitimado e a bravata será vossa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alípio Dias.

O Sr. Alípio Dias (PSD): - Sr. Deputado João Cravinho, ouvi-o com muita atenção e reconheço que V. Ex.ª é uma das personalidades que conhece os problemas da economia portuguesa.
Todavia, não posso concordar com a análise que fez da política económica no período de 1980-1983, uma vez que nessa análise considerou que toda essa política foi conduzida pelo Prof. Cavaco Silva.
Ora, como V. Ex.ª bem sabe, quando em 1980 o Prof. Cavaco Silva delineou a sua política económica, as condições, sobretudo internacionais, em que essa política foi baseada alteraram-se profundamente nos finais de 1980-1981.
Visto que V. Ex.ª afirmou que o Prof. Cavaco Silva - e reconheceu-o perante esta Câmara ainda hoje mesmo - é, de facto, um economista singular, pergunto-lhe se acha que se o Prof. Cavaco Silva estivesse em funções em 1981 teria conduzido nesse ano a mesma política de 1980, ou se teria, como é realmente um princípio básico, moldado e adaptado a política económica às novas condições em que teria de se movimentar.
Esta é a questão que coloco a V. Ex.ª

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho, tem a palavra para responder aos Srs. Deputados que o interpelaram, para o que dispõe apenas de 2 minutos.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, usarei até menos tempo.
O Sr. Deputado Alípio Dias pergunta-me o que é que eu acho que o Prof. Cavaco Silva faria se estivesse no Governo. Faça a pergunta à sua própria bancada, pois o Prof. Cavaco Silva é membro do seu partido e não do meu; a política desse tempo era a política da AD e, portanto, não tenho de responder a essa pergunta. Mas sempre lhe digo que faria com certeza uma outra política um pouco mais correctiva.
No entanto, não disse - e quero frisar bem isto - que o Prof. Cavaco Silva é o responsável pela política económica do período 1980-1983. Não andei a dormir. Outros andaram, pelos vistos, mas eu não.
Simplesmente, o que quero dizer é que ele é o responsável pelo início do descalabro da política que a AD conduziu de 1980 a 1983 e citei - aliás, tenho aqui e ofereço ao Sr. Deputado ou a qualquer outro Sr. Deputado - as provas concretas de que essa opinião é partilhada pela OCDE, pelo Banco Mundial, foi dita aqui ontem pelo Sr. Deputado Silva Lopes sem resposta, é partilhada por toda a gente que julga que, afinal de contas, estas instituições não são, de facto, instituições paroquiais. Com isso chega.
Em relação ao Sr. Deputado Duarte Lima, adjunto do Sr. Prof. Mota Pinto, se não me engano...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Engana-se!

O Orador: - ... quando refere que nós tivemos a maior maioria de sempre, gostaria de lhe perguntar: e V. Ex.ª não a teve? Que fez dela? Onde a meteu?

Aplausos do PS.

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Devo dizer-lhe ainda, Sr. Deputado Duarte Lima, e isto porque não tenho mais tempo, que a sua excitação e a sua linguagem fora da marca - afinal de pessoa que, para ser franco, não deve ser economista - dispensam-me de continuar.

plausos do PS.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer "o direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para esse efeito.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado João Cravinho, gostaria de começar por lhe dizer que não. fui adjunto do Prof. Mota Pinto, embora tivesse muita honra se o tivesse sido, e que não sou economista, continuando a ter muita honra em não ser economista.

Risos.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - O que é que tem contra os economistas?

O Orador: - Não sei qual é o. espanto!
Quero ainda dizer ao Sr. Deputado João Cravinho que, efectivamente, o discurso que fez é o. discurso do ressentimento. O discurso que o Partido Socialista aqui traz é o discurso do ressentimento pelos resultados que teve nas últimas eleições.
Mas como há pouco, não acabei o meu pensamento, quero dizer-lhe que nós não temos qualquer ressentimento. Estivemos com o Partido Socialista no Governo, mas não temos nenhum ressentimento em relação a esse partido e contamos com o Partido Socialista para ser, oportunamente, alternativa democrática ao Governo que nós somos hoje. Porque não? Contamos com isso. Só que isso não acontecerá como discurso de carpideira com que os senhores se apresentam. Lembrando o que dizia Tagore, os senhores estão neste momento a chorar excessivamente sobre o desaire eleitoral que tiveram. Isso é transparente pelo vosso discurso.

Protestos do PS.

É verdade. Mas como dizia Tagore, direi «Não chores por teres perdido o Sol, porque. as lágrimas não te deixarão ver as estrelas.»

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho, presumo que pede a palavra para dar explicações.

O Sr. João Cravinho, (PS): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Dispõe de 3 minutos. Este tempo não desconta nos tempos globais.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Deputado Duarte Lima, quanto a ofensas não ofende quem quer: Quanto a honras e desonras de profissões, tenho dito.
Queria apenas perguntar uma coisa ao Sr., Deputado Duarte Lima: há pouco desenvolveu o seu pensamento prolixamente, abundantemente, e, depois veio dizer, na segunda intervenção, que não tinha, afinai, acabado o seu pensamento.
Posso, perguntar-lhe uma coisa? Acabou efectivamente de explanar o seu pensamento?

Risos.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado João Cravinho, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado João Cravinho, acabei o meu pensamento ao dizer-lhe que deixasse o ressentimento porque nós contamos com o Partido Socialista para ser alternativa democrática. Parece até que contamos mais do que VV. Ex.ªs'...
O resto da explanação do meu pensamento era essa, ou seja, a de que deixassem o discurso do ressentimento, que da nossa parte não existe pelo facto de termos estado com o Partido Socialista no Governo, e que contamos que o Partido Socialista, oportunamente - com este discurso não será tão breve quanto isso -, seja alternativa democrática, caso este Governo não cumpra os desígnios a que se propõe, com V. Ex.ª afirma.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho, faça o favor de concluir as suas
explicações.

O Sr. João Cravinho (PS): - Então, uma vez que o Sr. Deputado Duarte Lima, acabou agora de exprimir o seu pensamento, tenho a dizer-lhe uma coisa que não é importante, mas que é afinal: eu também já acabei de exprimir o meu pensamento.

Risos do PS, do PCP, do PRD e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Gago.

O Sr. Correia Gago (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fiz no Programa do Governo uma busca atenta, orientada para as acções e medidas de alcance estrutural, já que a necessidade delas foi tema forte de campa-» nhã, nomeadamente do PSD. E devo acrescentar que nenhum preconceito me condicionava no sentido de vir fazer aqui um, pedaço de crítica legitimador de qualquer atitude predeterminada quanto à investidura do Governo. Tal não estaria no meu feitio nem corresponderia ao comportamento a que se vinculou, perante os eleitores, o partido em cujo grupo parlamentar me integro.
Não posso, honradamente, esconder a decepção.
Onde gostaria de ver com nitidez, no pensamento global informador do Programa, coerência doutrinária, encontrei um sistemático desvio neoliberal, homenageando tendências hoje muito em voga, mas oriundas de contextos sócio-económicos, o que nada têm a ver como o nosso.
Onde esperava encontrar soluções concretas para alguns dos maiores problemas concretos do nosso aparelho produtivo, perdi-me em generalidades consabidas de uma correcção meramente divulgatória.
Onde deveria materializar-se, em termos organizacionais) claros e sintéticos, intenção de eficácia executiva que constituiu directriz na estruturação do Governo, vai-se topando com sucessivos anúncios de toda uma série de instrumentos de planeamento e programação, cuja inserção num verdadeiro plano, ou cuja mera articulação para a montagem de algo que se lhe assemelhe, não se descortinam.

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Se não, vejamos.
Quanto à coerência doutrinária, é penoso verificar como a decisão de aderir a um espaço económico mais rico do que nós parece induzir a convicção mimética de que os nossos problemas relativos ao papel do Estado na economia e na sociedade são idênticos, e tratáveis pelas mesmas terapêuticas, quando, na realidade, nos separam da Europa desenvolvida 4 ou 5 décadas de progresso. Durante essas 4 ou 5 décadas, o papel interventor e orientador do Estado nas nações desenvolvidas, nomeadamente nas sociais-democracias europeias, terá adquirido vícios, hoje visíveis e nocivos, mas produziu frutos duradouros em termos de desenvolvimento e relativa justiça social; e são ambas estas realidades os vícios e os frutos que autorizam e legitimam, agora, a crítica neoliberal. Nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos na infância da arte, e numa infância desvalida e mal aproveitada. Já temos os vícios, sem termos os frutos.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - As terapêuticas não podem ser as mesmas. A necessidade de modernizar e desburocratizar a máquina do Estado, geralmente reconhecida e que o Programa acolhe ao nível das intenções e sem grande rasgo, é óbvia. A alegada conveniência, ou mesmo necessidade, de lhe reduzir substancialmente a esfera de intervenção, na expectativa de que a iniciativa privada não está senão à espera disso para desabrochar e ocupar esse espaço com um vigor, uma dinâmica e uma adequação até agora cruelmente asfixiados, é um erro de perspectiva histórica e uma convicção que nada suporta. Desde 1974 até agora, pelo menos, nem o Estado administrativo e empresarial, nem a iniciativa privada, nacional ou estrangeira - não há, salvo erro, uma única palavra sobre investimento estrangeiro no Programa - têm desempenhado satisfatoriamente os papéis que lhes competem para arrancar o nosso país do persistente subdesenvolvimento que, à escala europeia, o vem caracterizando. Nenhum destes vectores de progresso e desenvolvimento é dispensável ou sequer memorizável; de todos carecemos para, governando-os, os fazer convergir no sentido da modernização e do progresso do País. E causa grande perplexidade ver que um Governo social-democrata agora chegado ao poder neste nosso país, tendo ao seu dispor, de bandeja, um sector público com dimensões e inserção, nas esferas económica e social, de um potencial público com dimensões e inserção, nas esferas económica e social, de um potencial estratégico largamente subaproveitado, não queira contar com ele como um dos motores do desenvolvimento. Desejo ser bem entendido: do ponto de vista do desenvolvimento económico e social, nada do que figura no Programa sobre a iniciativa privada está a mais; tudo o que ele omite sobre o sector empresarial do Estado está a menos.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Este Programa do Governo de um partido social-democrata é, assim, facilmente criticável no seu próprio terreno ideológico. Se se trata de uma tentativa de compromisso entre a coerência própria e uma estratégia política envolvendo a Presidência da República, o futuro o dirá.
Quanto a soluções concretas para grandes problemas concretos, designadamente os estruturais, o deserto é praticamente total. Lêem-se os capítulos relativos à agricultura e à indústria sem descobrir uma linha de pensamento quanto a prioridades das produções a favorecer, lançar de novo ou reconverter, menos ainda quanto aos instrumentos de orientação selectiva a utilizar para o efeito. Dos recursos naturais, além desta fórmula abrangente, apenas se individualiza a água. Na investigação científica, a noção de rigorosa selectividade e ligação à realidade portuguesa, que é um imperativo categórico, apenas perpassa a propósito da criação de um órgão de consulta.
É verdade que o Sr. Ministro do Plano acrescentou aqui alguma coisa a este respeito, que registei como boa intenção.
Para a habitação, designadamente a social, parece ignorar-se esse instrumento fundamental que é a disponibilidade de terrenos protegidos da especulação fundiária, com base num resoluta política de solos a executar, designadamente, em nível municipal. Quanto ao comércio, a acumulação de margens retiradas à produção, por um lado, e à poupança dos consumidores, por outro, por circuitos de distribuição tecnicamente imperfeitos e perversamente explorados, não parece preocupar o Governo.
O que a todo o tempo recorre, como obstinada fixação, é o culto místico das virtudes do mercado e a necessidade, tantas vezes demonstrada, de fazer como se faz na CEE.
Ë porém especialmente notável o silêncio feito até sobre intervenções de alcance estrutural que, tardiamente embora, o governo anterior, com o qual este tem forte denominador comum, tinha preparado e mesmo encetado. Há, aqui, perguntas inevitáveis, relativas a soluções concretas para problemas importantes. Por exemplo: que vai acontecer ao conjunto de diplomas, que estão prontos, sobre a reestruturação da marinha mercante portuguesa, nomeadamente os relativos à preferência pela utilização de navios nacionais, à aquisição de navios, ao acesso e exercício da actividade de transporte marítimo e ao exercício da actividade afretadora?
Vai ou não o Governo perfilhar a versão de plano siderúrgico aprovada in extremis pelo executivo anterior, após anos de incompreensíveis e onerosíssimas hesitações?
Vai ou não o Governo accionar a tutela sobre a QUIMIGAL por forma a executar as terapêuticas já prescritas com vista à sua renditabilização, tanto mais que se não esquece de citar os seus prejuízos, claríssimo indicador da gravidade a que se deixou conduzir a situação? E que posição tem sobre o chamado «projecto cobre»?
Vai o Governo manter acesa a luz verde para o aproveitamento do Alqueva e, se vai, como pensa intervir no sentido da plena materialização da sua rendibilidade potencial, na componente hidroagrícola?
Na sua actuação com vista à reposição da imagem do Estado, como pessoa de bem, vai o Governo esperar que seja o desenvolvimento a prazo que venha permitir às empresas públicas receberem as muitas dezenas de milhões de contos que o próprio Estado e as autarquias lhes devem, continuando estas, entretanto, a financiar melhoramentos com os dólares que as empresas são induzidas a pedir emprestados no estrangeiro, em parte para cobrir essas receitas por haver?

Aplausos do PRD.

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210 I SÉRIE - NÚMERO 7

Que pensa o Governo fazer do diploma preparado para desmantelar a EPAC e criar a Servipor, a Nacimpor e a Naciagro, sociedades anónimas cujo capital poderá ser, em 49%, alienado com inteira liberdade, arriscando-se assim a intervenção reguladora do Estado a ter de pactuar com os trusts privados do sector agro-alimentar?
Não são questões menores, Sr. Presidente e Srs. Deputados. Trata-se de intervenções estruturantes, pelas quais é legítimo perguntar a quem anuncia ter soluções concretas.
Por último, quanto à organização da acção governativa no domínio do planeamento e programação, a leitura do Programa vai obrigar-me a um acto de contrição. Não haverá, de facto, um plano. Haverá muitos. Peço desculpa ao Sr. Ministro do Plano, mas demonstro.
Individualizados, contei nada menos de 10 planos e programas entre as pp. 31 e 101 e não garanto que não me tenha escapado algum dos mais pequenos,
Atrás destes 10, porém, perfila-se uma compacta hoste, incontável, de «planos e programas integrados para diferentes áreas do território» além dos «programas concretos; de natureza plurianual, para aproveitamento dos fundos estruturais do Mercado Comum».
É esmagador e silencia, de facto, quem, como eu, começou por preocupar-se com a debilidade da função de planeamento que a estrutura, do Governo parecia indicar.
Estaremos, de facto, no termo da era do centralismo vem aí o pluralismo-burocrático.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, tenho a sorte de pessoalmente conhecer que estão no Governo homens que sabem e gostam de agir, que têm da realidade portuguesa um conhecimento profundo, e cultivam um saudável pragmatismo de actuação. São decerto muito melhores a actuar do que a programar. Mas nós não estamos aqui apenas para julgar subjectivamente uma equipa, estamos sobretudo a apreciar objectivamente um Programa. E, a esta luz, tinha de dizer ò que disse:
Que o País precisa, urgentemente, de um governo que governe, todos o reconhecemos. Que esta equipa pode governar com alguma eficácia, entendo que sim e, por mim, não contribuirei para impedir que o tente.
Todavia, face ao Programa que nos é apresentado, encontra-se amplamente justificada e reforçada- a vontade do grupo parlamentar do PRD de intensificar, de forma sistemática e particularmente atenta, a acção fiscalizadora desta Câmara sobre os actos do Governo.
A ver vamos.

Aplausos do PRD e de alguns Srs. Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de suspender a sessão para o intervalo regimental, informo que há ainda um período de 1 hora e 30 minutos de debate que se esgotará facilmente entre o final do intervalo e as 20 horas.
O encerramento dos trabalhos far-se-á, pois, após o jantar e prevê-se que à sessão apenas possa reiniciar-se às 22 horas e 30 minutos devido a uma importante cerimónia protocolar, na qual tem de estar presentes o Sr. Primeiro-Ministro e algumas personalidades do Governo e do Parlamento.
Nestas circunstâncias, vamos interromper os nossos trabalhos pára o intervalo regimental que durara até às 18 horas e convoco os líderes dos grupos parlamentares para uma reunião no gabinete do Sr. Presidente.
Srs. Deputados, está pois suspensa a reunião. Eram 17 horas e 30 minutos.
Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Neste debate parlamentar sobre o respectivo Programa, o Governo, sobre alguns dos sectores fundamentais para o desenvolvimento do País, não prestou qualquer esclarecimento à Assembleia da República. Vou citar alguns exemplos de sectores de que o Governo se esqueceu de prestar esclarecimentos: nada sobre a agricultura, o que, aliás, não nos surpreende, uma vez que todos conhecemos as características do Ministro Álvaro Barreto que parece não gostar de falar ao Parlamento; nada sobre o sector da saúde; nada sobre o sector da Previdência; nada sobre os transportes e comunicações, sector vital para o desenvolvimento de qualquer país, nomeadamente agora com a adesão à CEE; nada sobre a defesa; nada sobre a área do trabalho. Apenas ficamos a saber que é intenção do Governo a flexibilidade, controlada, como a classifica, laboral.
Enfim, o Governo decidiu hão justificar claramente as suas linhas de orientação que apresentou ao Parlamento. Não presta esclarecimentos. Remete-nos apenas para o articulado distribuído e que já se revelou insuficiente.
E não se diga que é por escassez de tempo. A limitação de tempo não é nem foi da responsabilidade dá Assembleia da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Um dos principais problemas que mais afectam os Portugueses e que provoca gravíssimos reflexos sociais é, sem dúvida, o quê diz respeito ao direito à habitação, constitucionalmente consagrado. E por direito à habitação entende-se uma habitação de dimensão adequada, em condições de conforto e que preserve a intimidade dos cidadãos è das suas famílias, como diz a Constituição.
No entanto, como todos nós sabemos, a situação agrava-se cada vez mais com uma oferta de habitações muito inferior e inadequada à procura registada. Daí resulta que grande parte da população se vê permanentemente afastada do acesso à habitação condigna, por falta de meios financeiros quer para a aquisição, quer para o aluguer das casas que surgem no mercado especulativo.
Ora, a propósito deste importante sector, que prevê o Programa do Governo?
A carência de habitações, as condições e encargos do acesso ao crédito para aquisição de habitação própria, a grave crise da indústria de construção civil e a inexistência do mercado de arrendamento, aliados ao objectivo fundamental de melhorar o bem-estar das famílias portuguesas, determinam que a política de habitação constitua uma das prioridades do Governo. (Diz-se a p. 114.)

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A propósito deste mesmo problema, escreviam-se no Programa do IX Governo Constitucional as seguintes palavras (p. 37), em Junho de 1983:
O relançamento da produção habitacional e o estabelecimento de uma política de habitação coerente e de maior justiça social constituirá um dos principais objectivos da acção governativa.
Estamos, portanto, perante intenções semelhantes, afirmadas pelo anterior governo e repetidas pelo actual, no sentido de ser dada a devida importância a um dos problemas mais graves que o País defronta, o problema da habitação.
Faltam em Portugal cerca de 700 000 casas para que cada família possa dispor de habitação condigna e todos os anos surgem novas necessidades de casas que se estimam em cerca de 35 000 por ano.
Estas afirmações nem sequer são nossas, são do Partido Social-Democrata no seu recente programa eleitoral (p. 45).
Acrescentaremos nós que, das casas que faltam e das necessidades que surgem anualmente as maiores carências correspondem à habitação social e isso não é dito nem pelo PSD nem pelo Governo.
Em traços largos, lembraremos qual é a situação habitacional do País: há efectivamente um elevado défice de habitações em Portugal, calculado no mínimo em 700 000 habitações e que se vai agravando anualmente.
O País tem, em relação à Europa, uma das taxas mais baixas de construções de habitações (cerca de 3,5 a 4 fogos por 1000 habitantes) quando deveria construir o dobro, pelo menos...
As nossas carências fundamentais residem na habitação social e cooperativa e, nesse domínio, verifica-se construção insuficiente porque o Estado não tem assumido as suas responsabilidades.
A iniciativa privada não está interessada em promover a construção da habitação social, como é evidente, e para o mercado a que se destina apenas tem produzido anualmente, desde 1975, menos de 35 000 habitações (e mesmo assim está em dificuldades para as vender).
Aumentam cada vez mais as barracas e as habitações clandestinas, em volta dos grandes centros populacionais, e o Estado revela-se inoperante perante essa proliferação de sub-habitações.
Pensamos que nenhuma das medidas propostas pelo X Governo no seu Programa irá alterar substancialmente esta situação.
Senão vejamos:
Continua a não haver, no Programa do X Governo, uma programação global e objectiva das medidas habitacionais a assumir.
Continua a não se atender às grandes necessidades do País, em habitação social, uma vez que não vai ser a iniciativa privada a desempenhar o papel de promoção deste tipo de habitação, e as cooperativas e as câmaras municipais também não virão a ter meios financeiros para o fazer.
Continua a apostar-se na concessão de crédito para a aquisição de casa própria, o que se tem revelado inoperante conforme os números traduzem.
Na realidade, o número de pedidos de crédito tem decrescido (de cerca de 64 000 em 1981 passou-se para cerca de 34000 em 1984) e quanto a contratos celebrados passou-se de cerca de 49 000 em 1981 para aproximadamente 27 000 em 1984.
O pretendido ressurgimento do mercado de arrendamento não irá, na nossa opinião, alterar substancialmente a situação actual, apenas determinando que passará a haver mais casas para alugar, em vez de casas para comprar.
Por outro lado, o governo do PSD não encara medidas de política de solos que permitam dispor de terrenos a custos baixos.
Segundo a perspectiva do MDP/CDE, o problema habitacional terá definitivamente de ser encarado em termos completamente diferentes daqueles que o Governo propõe, ou seja, é necessário elaborar urgentemente um plano nacional de habitação, em que se considere a construção anual de, pelo menos, 70 000 a 80 000 fogos, distribuídos por todo o País, dos quais cerca de um terço deverá ser de habitação social.
Perante a caótica situação existente no sector habitacional e após a leitura do Programa do Governo, ficam-nos muitas dúvidas pelo que formulo algumas perguntas para as quais o meu grupo parlamentar e esta Câmara espera os respectivos esclarecimentos.
Que apoio dará o Governo às câmaras municipais? Apoio económico? Apoio técnico? Será produzida legislação apropriada sobre solos para que as câmaras possam dispor de terrenos para construção de habitação? Por que meios terá lugar a apropriação de terrenos para as câmaras?
Por expropriação, segundo as leis gerais de expropriação? Por compra, segundo as leis do mercado livre?
Quanto ao apoio às Cooperativas, como tenciona o Governo incentivá-lo? Facilitando o crédito? Bonificando o crédito? Em que termos? Facilitando a aquisição de terrenos?
Sobre o apoio a outras entidades que o Programa do Governo refere vagamente, a que outras entidades é que o Governo se refere?
Sobre a produção de habitações, no seu programa eleitoral, o PSD referia faltarem 700 000 casas e surgirem por ano necessidades de 35 000. Como pensa o Governo satisfazer essas carências? O Estado construirá directamente quantas casas por ano e durante quantos anos?
Quanto à produção da iniciativa privada, quantas casas prevê o Governo que serão construídas anualmente pela iniciativa privada?
Pensa o Governo adoptar medidas antiespeculativas na construção e venda de imóveis?
Sobre o crédito, em que consistem as medidas de crédito à aquisição de habitação? Nomeadamente, como serão obtidos os fundos de investimento de imobiliário? Que garantias se dão para estes fundos?
Sobre a recuperação de imóveis, sector a que o Governo dispensou algumas linhas, sabendo-se que a conservação e recuperação de imóveis é mais económica do que a construção de edifícios novos, que medidas pensa o Governo adoptar nesse sentido?
Relativamente à conservação, seria importante que só fossem autorizadas as demolições que não tivessem o mínimo de condições de habitação, já que muitas demolições até agora verificadas são antieconómicas, porque os prédios demolidos ainda estavam em condições de ser habitados e a demolição decidida com objectivos nitidamente especulativos. Tenciona o Governo legislar nesse sentido?

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Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Estado deverá assumir as suas responsabilidades na construção de fogos sociais e também apoiar as cooperativas de habitação em boas condições de crédito.
A política habitacional deverá ser devidamente articulada com uma política de ordenamento do território, de molde a evitar que continue a verificar-se o afluxo de populações aos grandes centros populacionais.
O Estado deverá adoptar medidas tendentes ao embaratecimento das habitações, englobando nessas acções uma adequada política de solos que permita um custo baixo de terrenos destinados à construção habitacional, principalmente os que são destinados à habitação social.
Os governos não poderão continuar a fazer afirmações vagas sobre a gravidade do problema habitacional e, depois, como acontece com o actual Governo, proporem como solução medidas demasiado vagas e que já têm provas destas de serem de uma completa inoperância.
Para um problema social de tal revelância, Srs. Deputados, exigem-se medidas urgentes. O Programa do Governo não aponta soluções viáveis imediatas. O drama habitacional vai por certo agravar-se com a vigência deste Governo.
Esperamos a breve prazo uma resposta do elenco governativo às questões formuladas.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra do Sr. Deputado Cavaleiro Brandão, queria informá-los de que a conferência de líderes decidiu atribuir mais 5 minutos a cada grupo parlamentar e ao Governo.
É claro que ninguém ficará obrigado a utilizar esse tempo mas terá a possibilidade de o fazer, caso o deseje.
Como é sabido, os partidos podem ceder o seu tempo uns aos outros.
Outra decisão da conferência de líderes consiste na suspensão da sessão às 20 horas.

O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em democracia, o direito e a responsabilidade de governar cabem à maioria e não às minorias. A entronização de um governo minoritário é, por isso, uma solução inevitavelmente mal sã, coxa e não natural, só por si reveladora de grave enfermidade do sistema.
E, se tal disformidade é de meridiana evidência, seria porventura de esperar - já não digo que em nome do mais rasteiro sentido de humildade, mas, ao menos, por respeito pelo rigor, pela seriedade, pelo realismo político - que o Governo, cujo Programa aqui estamos apreciando, tivesse querido encarar frontalmente as limitações decorrentes da sua dimensão minoritária e aqui as tivesse assumido, sem subterfúgios nem tibiezas.
Em vez disso, o Governo optou por omitir o reconhecimento e a consciência das dificuldades que daí lhe advêm e, muito pelo contrário, apresentou-se perante esta Assembleia autoqualificando-se como «governo de maioria», relativamente, embora.
O Governo ponderou certamente os riscos e as vantagens dessa opção e há-de ter-se achado bem nessa linha de aparente e ilimitada autoconfiança de mal velado voluntarismo.
Aliás, depois de antes de termos chegado a pensar que os contactos prévios à apresentação do Programa, que o Governo promoveu com partidos da oposição, pudessem ter significado o sentido das proporções e a consciência da medida das responsabilidades de cada um com o fito de se encontrar forma de as enfrentar num balanceamento conjugado entre as várias forças políticas, viemos, afinal e depois, a saber que foi apenas o exercício de uma desinteressada generosidade para com as oposições em nome do que será apenas e apenas uma nova espécie política de informação.
Quer dizer, se o Governo insiste em manter-se neste ledo engano e se quiser tentar actuar como se tivesse uma maioria do povo português e uma maioria parlamentar a suportá-lo, à oposição impõe-se deixar aqui sublinhado o artificialismo desse jogo e muito especialmente recusar a tentativa, aliás, pouco discreta, no sentido de transferir para os partidos da oposição as responsabilidades emergentes das limitações da representatividade do Governo.
Por mais construtiva que seja a oposição do CDS, é sua obrigação deixar bem claro que só ao Governo caberá a administração das limitações decorrentes do seu carácter minoritário e que essa é uma responsabilidade sua, específica e própria, não delegável nem partilhável, muito menos com qualquer outro partido político, cujo apoio não tenha sido prévia e adequadamente obtido e justificado.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E é responsabilidade exclusiva deste Governo quanto é certo que se lhe desconhecem quaisquer esforços para superar as debilidades, a insegurança e até a instabilidade, inevitavelmente decorrentes da solução minoritária que protagoniza.
O que os Portugueses, no fundo, mais ambicionam é, na verdade, essa estabilidade, para além de um bom governo.
É evidente, contudo, que a estabilidade não é um bem que possa fazer parte das promessas sérias de um governo minoritário.
E porque assim é, a primeira, se não a mais decisiva linha de avaliação do Programa do Governo - em especial se o Programa se apresenta em muitos sectores como um mero programa eleitoral, com promessas idílicas, vagas, não ordenadas nem calendarizadas - é a ponderação da sua fiabilidade e da sua exequibilidade.
Dessas promessas não chega quase a valer a pena averiguar quais são as boas ou quais sejam, porventura, as más.
Interessa, antes de tudo, e essencialmente, procurar quais são as realizáveis e, quanto a estas, quais os meios e o calendário possíveis.
Dou exemplos: o Governo refere como elemento essencial da sua política de rendimentos com reflexos inevitáveis e evidentes em quase todas as demais variáveis em que assente o seu modelo económico que as actualizações salariais se devem fazer com base na inflação projectada.
No fundo, isto quer dizer o seguinte: rondando a inflação em 1985 a casa dos 20% e prevendo o Governo uma inflação de 14% para 1986, pretende que os trabalhadores acreditem que os seus salários reais terão aumentado desde que os seus aumentos sejam superiores a 14%, mas mesmo que inferiores aos 20% que

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corroeram o seu real poder de compra no corrente ano. Ora, devemos perguntar se o Governo tem alguma indicação de que os sindicatos estarão disponíveis para cooperar neste tipo de construção. Que iniciativas ou que compromissos tem o Governo a intenção de assumir com essa finalidade?
Ainda outros exemplos, agora no quadro da política do trabalho, do emprego e da formação profissional, na qual, aliás, desejaria sublinhar gostosamente o elevado nível de maturação, equilíbrio e seriedade.
No entanto, nela se mantêm algumas propostas velhas e conhecidas deste Casa e dos parceiros sociais.
Reporto-me, por exemplo, à chamada «adequação da legislação sobre cessação do contrato de trabalho», à reformulação do conceito de «justa causa», à revisão da legislação sobre férias, feriados e faltas, etc.
Tem o Governo alguma razão específica para poder prometer ou para poder esperar melhor sucesso do que todos os demais governos que desde o IV Governo Provisório vêm prosseguindo aqueles mesmos objectivos?
Aliás, ainda no quadro da política do trabalho, e sem prejuízo da nota positiva que antes deixei apontada, seja-me consentido, ao menos de passagem, um ou dois reparos.
Em primeiro lugar, por que se insiste nos erros cometidos pelo anterior governo a respeito do trabalho extraordinário?
Em segundo lugar, por que se não assume expressamente o propósito de rever a desastrosa legislação que o governo PS-PSD nos deixou a respeito da suspensão dos contratos de trabalho e que continua absolutamente impraticável?
Finalmente, o facto de não se ter dado o relevo e a urgência que a matéria da regulamentação da organização dos tempos de trabalho exige.
Apesar destes reparos, e para além dos cumprimentos já formulados, não quero deixar de formalmente aplaudir quando se fala a respeito da flexibilização da partilha e do volume do emprego existente.
Por um lado, porque corresponde a uma orientação desde sempre preferenciada pelo CDS e, por outro lado, porque, ao contrário do sucedido com outras áreas do Programa e com o anterior governo, aqui se deixou indiciada uma sensibilidade mais realista e um sentido de subtileza que se me afigura imprescindível para uma política social, realista equilibrada e justa.
De qualquer modo, insisto: para além dos exemplos escolhidos, e muitos outros poderiam ser evocados, não está aqui em causa descobrirmos o bom ou apontarmos o eventualmente mau.
O cerne das questões suscitadas por este Governo e pelo seu Programa é prévio porque ele é suspeito de não dispor de condições para viabilizar ou concretizar o que programou e o que promete. E não basta vir dizer-nos que as oposições terão de assumir as suas responsabilidades.
Aliás, poderia ter sido muito mal interpretado - e por muitos o foi de facto - ter vindo este Governo declarar à Assembleia da República que se quer colocar num plano suprapartidário, porque na verdade poderia parecer que estava em curso uma tentativa de envolvimento e até de subalternização dos partidos, designadamente dos partidos da oposição.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Contudo, penso que os propósitos de suprapartidarização deste Governo não visaram propriamente ignorar, desvalorizar ou subalternizar as oposições.
Traduzem, isso sim, e tão-somente, a preocupação e a necessidade que o Governo terá sentido de se distanciar e de se libertar do partido de que dimana e de que depende. Trata-se por isso de matéria de foro doméstico e própria do PSD, em cuja intimidade não quero obviamente entrar.

O Sr. António Capucho (PSD): - Ainda bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo aparece aqui com uma promessa maior, o progresso controlado, isto é, o controle do progresso.
Dir-se-á que aparece, aliás, com o propósito de controlar muita coisa. E não pode deixar de merecer reparo severo - já não especificamente na minha qualidade de deputado, mas como simples cidadão e sobretudo como homem de direito - a ameaça que o Sr. Ministro das Finanças ontem aqui fez, brandindo a arma das inspecções e das vistorias, isto é, da agressão administrativa premeditada contra as empresas que, porventura, viessem a fixar os seus preços de acordo com as regras do mercado - e julgo que outras não poderão aceitar -, mas que, porventura, desrespeitassem as orientações indicativas que nessa matéria o Governo lhes quer propor ou, porventura, impor.
Sr. Ministro das Finanças, num Estado de direito, a linguagem ontem utilizada não é só preocupantemente intervencionista mas é sobretudo reveladora da possibilidade de orientações persecutórias e discricionárias, correspondentes a ostensivas e intoleráveis violentações do princípio da igualdade dos direitos de todos os cidadãos e do seu tratamento equitativo por parte do Estado e dos seus agentes.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Seja como for, se o anunciado «progresso controlado» pode ser entendido e assimilado por técnicos e economistas, teremos de convir que ao tão maltratado povo português poderá soar uma cínica ironia dizer-se-lhe que o Governo dá prioridade à preocupação de controlar o desenvolvimento económico.
Não me parece que esse «progresso controlado» possa vir a ser uma palavra de ordem psicologicamente mobilizadora e poderá, porventura, pelo contrário, conduzir a alguma desilusão e confusão.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Concluo como comecei: a concreta fiabilidade e a efectiva credibilidade de um governo minoritário não se alcança pelo simples facto do apoio de um Presidente da República, em vias de deixar de o ser, nem só pela respeitável qualificação e honorabilidade da maioria dos seus membros, nem mesmo pela investidura formal desta Assembleia.
O CDS não inviabilizará o Governo - já o afirmámos -, mas na nossa postura de oposição leal e construtiva, não podemos esconder a preocupação que nos domina por continuarmos convictos de que per-

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manecem ausentes indícios seguros de que o povo português terá o governo de que precisa.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente? Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: O Governo, o seu Primeiro-Ministro e, na área que aqui pretendemos abordar, o seu Ministro do Plano e da Administração do Território, colocam o acento tónico da sua política no desenvolvimento, numa acepção global, que implica não apenas crescimento quantitativo mas também qualitativo, que integra não apenas o económico mas também o social, que pensa não apenas em empresas más também em população e em território, em ambiente e qualidade de vida.
Nós, sociais-democratas, não podemos deixar de dar o nosso entusiástico acordo a esta proposta de política governativa. Ela exprime uma visão moderna, actual, dos grandes problemas e opções com que se defrontam as sociedades de hoje, inclusive a portuguesa, sobretudo no limiar dá adesão do nosso país ao clube das nações desenvolvidas da Europa. Mas ela exprime também e sobremaneira a proposta social-democrática para resolver o confronto entre os imperativos do crescimento quantitativo e os da sua sujeição aos valores superiores e supremos da felicidade do homem.
É pena, a este propósito, que a Sr.ª Deputada Maria Santos, de Os Verdes, não possa falar mais vezes durante os debates parlamentares, porquê a sua temática é-nos muito querida, embora, pelos vistos, as suas ideias práticas estejam bastante afastadas das nossas.
O PC, sempre ardiloso na sua manobra táctica, quis pôr uma flor, aliás cativante, na sua roçada lapela de uma mentalidade produtivista-industrializante obsessiva/para, num esforço, que se calcula assinalável, numa casa corcomida e saturada de ideias velhas, abrir uma cautelosa fresta às ideias jovens e à juventude dás ideias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Risos do PCP.

O Orador: - O PS, esse, nem uma flor: não mais do que a chaga aberta pela acidez de espírito que conduz, não ao pensamento, construtivo, mas à retórica, apocalíptica ou, pior ainda, à doutrina requentada e, insolente. Reconheçamos as excepções,, mesmo as de crítica contundente, que felizmente também já pudemos apreciar aqui.
Só que a minha bancada, o meu grupo parlamentar, Sr.ª Deputada Maria Santos, não tem apenas uma fresta, tem toda uma grande e rasgada janela aberta a essas ideias jovens e a essa juventude das ideias, que são os nossos numerosos deputados da Juventude Social-Democrata.

O Sr. Carlos Miguel Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: -... dos primeiros, para não dizer os primeiros que num país como o nosso, esmagado por conceitos velhos, na direita e na esquerda, ousaram pensar o novo e pensar o futuro.
Mas não só. Tem a sua própria doutrina política, pragmática, mas fielmente humanista, não largando das duas mãos crescimento e justiça social, produção e ambiente, Estado, administração e economia e pessoa humana. Tem os seus deputados, onde a ligação às regiões é tão prevalecente. Tem os seus autarcas, que representam no nosso país a maior força de poder local. Tem a já hoje tradição de combate permanente e consequente, aqui mesmo, de reforço e fortalecimento da administração autárquica numa perspectiva corajosa de aperfeiçoamento e de modernização. E tem também - desejo assinalá-lo, já que o instinto defensivo de todo o Executivo é habitualmente de sentido contrário este Governo, dá e com fundada razão a sua confiança, que lhe traz pela primeira vez uma proposta moderna para a modernização de Portugal, uma proposta nova para um Portugal novo. Vamos apoiá-lo. Vamos ajudá-lo a construir a proposta: de futuro que é de facto a nossa. Mas será apenas nossa? Só um estreito sectarismo clubista de partido nos arrastaria para semelhante afirmação.
Quantos, fora do estrito jogo parlamentar de maioria de governo-oposição, não têm preconizado o mesmo caminho, a mesma aposta de desenvolvimento e modernização de Portugal? Muitos, e muitos. Nas diferentes bancadas deste Parlamento e para além delas. Isso é uma razão acrescida de esperança num novo futuro português, que espera de cada um de nós não abdicações subservientes, que apenas conduzem ao pântano e ao lamaçal, mas a capacidade de assumirmos por inteiro, as nossas responsabilidades no quadro das funções e atribuições de cada um, dando o nosso acordo fundado para uns, ou mesmo a natural expectativa da acção futura, aguardando mais consistentes elementos para um julgamento, para outros, tanto quanto, sendo razão para isso, reprovando e rejeitando.
A política que o Governo nos propõe de desenvolvimento, e particularmente de desenvolvimento regional, tem a nossa adesão. É isso que nós queremos que seja feito; é esse o caminho que pretendemos seja trilhado. E terá o nosso contributo activo: com a função fiscalizadora que nos cabe, e assumiremos, e com as nossas próprias, iniciativas. Seremos exigentes para com o Governo, no sentido, de lhe exigirmos fidelidade à política proposta. Mas decerto que não menor exigência pediremos a nós mesmos de fidelidade a esse caminho. Que não será fácil; tão grandes são os vícios de funcionamento da nossa administração e tão diversos e por vezes, pró fundos os condicionalismos e as expectativas ou mesmo interesses imediatistas ou localizados que nos acicatam.
Um dos males mais profundos que afecta o País, que destrói os seus escassos meios de desenvolvimento e que tolhe os seus passos no sentido do progresso é indiscutivelmente um supercentralismo que, em nome da coordenação, nos conduziu a uma situação de caótica e paralisante descoordenação, onde, tal como a economia paralela face a espartilhos excessivos só aparentemente reguladores, o bairrismo cego e sem horizonte e o particularismo mais descabelado acabam por fazer lei.
Se queremos ser Europa, como todos queremos, salvo o PC, então aceitemos sem vacilar as consequências da nossa opção e organizemo-nos; ordenemos as nossas forças, enquanto Nação para o embate e para que dele resulte um impulso positivo para o nosso país. Isso significa, num sentido muito ampla e global: modernizemo-nos.

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No centro desta batalha pela modernização, de romper com o velho e criar o novo, para além da administração central, está a administração local ou autárquica.
É urgente uma acção de desconcentração e de coordenação de cima para baixo. Sem excluir, bem pelo contrário, as empresas públicas que tão forte incidência têm hoje nas questões regionais. Mas não é menos urgente uma acção de aglutinação e congregação de esforços de baixo para cima.
Os planos integrados de desenvolvimento sub--regionais e regionais que o Ministério do Plano e da Administração do Território coloca, e com razão, em tão destacado relevo são e serão, se tiverem de todos nós a indispensável adesão e capacidade de compromisso positivo, um instrumento decisivo de modernização, de criação de um novo e tão necessário modo de funcionamento, capaz de nos colocar em posição de respondermos vigorosamente ao desafio da integração europeia, utilizando frutuosamente os diversos fundos europeus, conquistando a credibilidade e o respeito dos nossos parceiros, e portanto a nossa força de influência, através da seriedade, do rigor e da visão dos nossos projectos.
A modernização do poder local assume um relevo da maior grandeza pela importância que ela terá para a modernização do País e o seu desenvolvimento, como para a afirmação e o fortalecimento do próprio poder local.
A democracia instaurada na sequência do 25 de Abril trouxe autarcas livremente eleitos e por isso cheios de legitimidade e força para se baterem pelos anseios das populações e trouxe meios financeiros que permitiram reduzir necessidades e atrasos acumulados por anos e anos de ditadura.
Mas o poder local, não só para se afirmar como até para prevenir o risco de a sua dinâmica afirmativa cair numa fase de estagnação e retrocesso, face a novos problemas e condicionalismos, tem de dar um novo e importante passo em frente, que venha agora, já não tanto dar satisfação a problemas do passado mas, sobretudo, do futuro: estabilidade, eficácia, coordenação, rentabilização, responsabilização.
A experiência demonstra-nos que, mantendo ou até reforçando a representatividade e meios de fiscalização das assembleias, se deve reforçar a capacidade operativa dos executivos, assim como pôr termo ao espartilho excessivo do exclusivo partidário.
Mas mesmo pondo de lado esta questão, apesar da sua importância primordial, e que sem dificuldade nós bem deveríamos classificar de prévia, temos essa questão magna, que é a do redimensionamento da gestão autárquica. Se quisermos - como se tem de querer, para ganhar a batalha da modernização do País e de um futuro de progresso - optimizar a rendibilização dos meios financeiros, técnicos e de pessoal utilizados pelas autarquias e que se situam sobretudo nos municípios, impõe-se caminhar gradualmente, mas com passos concretos e progressivos, para uma nova dimensão da gestão autárquica, de forma a obter economias de escala e um melhor planeamento e coordenação dos investimentos e das actuações, dessa maneira evitando erros, repetições e contradições que custam caro à comunidade e conseguindo servir mais e melhor com os mesmos meios, que, não o esqueçamos, são escassos, e que só por vezes, demasiadas vezes, a fumo denso de défices mais ou menos ocultos faz crer serem fáceis e abundantes.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O associativismo intermunicipal, mais ou menos amplo, conjugado com a desconcentração coordenada dos serviços da administração central, na base de projectos e de planos de interesse comum, em vez da busca meramente teórica e abstracta de contornos comunitários que, salvo em casos excepcionais e bem determinados, se esboroam em contradições e dúvidas infindáveis, condenando-nos ao impasse, é sem dúvida o caminho a percorrer de imediato, sem prejuízo de proceder a passos futuros e mais audaciosos.
Há, evidentemente, também que reforçar e ampliar as atribuições e competências dos municípios, agindo isolada ou associadamente, e os seus meios financeiros, que, devemos frisá-lo, estão longe de atingir uma parcela aceitável no cômputo global das finanças públicas.
Mas há igualmente que reforçar a responsabilização da administração autárquica, desde logo e acima de tudo a responsabilização política, dos autarcas face, não à administração central mas aos cidadãos eleitores da sua comunidade.
Por exemplo, quanto à responsabilização face às competências: os municípios devem poder passar a decidir, ao menos através de um mero parecer vinculativo, do licenciamento de jogos e diversões no seu território. Referimos este caso porque ele tem sido uma repetida e acenada reivindicação dos autarcas sociais-democratas e não só, é de justiça dizê-lo, tendo sido mesmo objecto de um projecto de lei por nós apresentado.
E, por exemplo, responsabilização face aos meios financeiros: dentro de um leque cauteloso, mas que tem de ser de evolução crescente, os municípios devem poder definir e determinar as suas receitas, sobrecarregando os cidadãos em contrapartida de maior despesa com vista a fins que se consideram comunitariamente úteis ou, ao invés, descarregando-os do fardo contributivo em nome de uma política tida como sendo essa a do interesse comunitário.
Porque actualmente o que existe é uma meia responsabilização: os órgãos locais são no fim de contas apenas apreciados e julgados pelo bom ou mau uso dos meios financeiros que outrem, Governo ou Parlamento, lhes atribui e vai buscar aos cidadãos.
Tudo isto deve ser feito com vista a que possa existir uma responsabilização global dos órgãos autárquicos e que ela possa ser facilmente percebida pelos cidadãos, de maneira a que estejam em condições de a julgar e agir em conformidade, sobretudo nos actos eleitorais.
Acresce que a presente meia responsabilidade, para além de não permitir uma verdadeira gestão local, um verdadeiro governo local e um adequado juízo dos cidadãos, contém um outro grave inconveniente: é que não constitui um incentivo à redução ou contenção das receitas de baixo para cima e à máxima rendibilização dos meios disponíveis, mas antes opera como um incentivo à despesa e à desagregação de esforços.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conseguiremos nós, aqui, neste Parlamento, nesta Assembleia que o povo português livremente elegeu, tal como ela é, dizendo simultaneamente o que quis e o que não

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quis, encontrar o caminho de um novo futuro português? Não seremos nós capazes, no decurso dos imensos trabalhos parlamentares que se seguirão, encontrar o entendimento suficiente que nos permita a acção de renovação e modernização que o País exige e espera de nós? Os sociais-democratas acreditam que sim, porque acreditam na democracia e acreditam em Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cristina Albuquerque.

A Sr.ª Cristina Albuquerque (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: O Governo afirma-se consciente da necessidade de a adesão de Portugal às Comunidades constituir um êxito e assinala a importância fulcral da articulação da frente interna e da frente externa para obter esse êxito - inequívocas verdades. Mas quais os meios que o Governo elege para atingir tais fins?
Em primeiro lugar, o Governo trata, na sua orgânica interna, os assuntos comunitários a nível de secretaria de Estado e integra esta no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Tem por si, valha a verdade, a similitude desta orgânica com a dos países da CEE.
Mas será a semelhança suficiente? Será possível, em Portugal, no Portugal da adesão em marcha, dar a uma secretaria de Estado a força de que precisa o estratego das tremendas lutas na frente interna e na frente externa?
Pensamos que a criação de uma Secretaria de Estado, mesmo tendo em conta a aludida criação de uma comissão interministerial, não é a solução mais adequada à urgente operacionalidade das questões respeitantes à integração. Não se vê com facilidade os organicamente reforçados ministérios deste Governo serem tão sensíveis como é necessário aos interesses e urgências de uma secretaria de Estado, ainda por cima integrada nas relações exteriores. É que tememos também que a inclusão de uma secretaria de Estado no MNE dificulte ainda mais a frente interna.
Mantendo a linguagem «frentista» utilizada pelo Governo no seu Programa, diremos que num país insuficientemente preparado para os condicionalismos da economia comunitária e insuficientemente mobilizado para os sacrifícios e as lutas da adesão, a frente interna é, por certo, a determinante do sucesso da frente externa.
Ora, a inclusão dos assuntos comunitários do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sendo por certo uma solução correcta em termos de definitiva institucionalização, desfavorece, neste momento, a preparação da economia portuguesa e, por outro lado, acentua demasiadamente a componente diplomática das negociações complementares da adesão, perante a componente acentuadamente técnica, que não pode deixar de ser sublinhada.
O Governo quer atacar na frente externa. Oxalá não esteja a dar prioridade à artilharia ligeira e à cavalaria, para orientar as operações contra as defesas blindadas da Europa.
Em segundo lugar, quanto aos meios de que dispõe para assegurar a nossa integração na Europa. O Governo não os faz constar do seu programa. Há umas referências às negociações a efectuar, há uns princípios bem comportados de defesa dos interesses nacionais, mas, com tudo bem concentrado, parece-nos que o software integrado neste Programa não dá para alimentar tão pesado hardware negocial. Teria esta Assembleia esperado que o Governo, que se pretende apresentar como forte e determinado em questões económicas, tivesse tido para com os eleitos dos Portugueses a atenção mínima de dizer o que pensa e o que vai fazer no quadro da adesão.
Mas não. O Governo fechou a sua palavra com o falso ouro do silêncio e deve ter procurado apenas a nossa fé.
Não chega. Não chega, por exemplo, situar as questões dás relações com Espanha no plano meramente protocolar, como o fez o Programa do Governo, tratando tal relação como a de vizinhos que finalmente se encontram, fraternalmente, numa rua comum, em vez de sé mirarem das janelas, ora abertas, ora fechadas. E é evidente que a Espanha, nosso vizinho mais recheado, se prepara para, se puder, ocupar na rua o pátio da nossa casa e até para entrar, com o à-vontade dos ricos, pela nossa porta da frente.
Efectivamente, as negociações em curso, decorrentes do Tratado de Adesão, enfrentarão as suas principais dificuldades em relação à vizinha Espanha. E essas dificuldades passam, a muito curto prazo, como o referiu esta manhã o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, pela discussão das regras de origem aplicáveis aos produtos industriais, cuja negociação deverá estar concluída até l de Março de 1986.
Esta negociação é de primordial importância para o futuro do comercio externo português, pelo que Portugal terá de se bater por uma determinação das percentagens de matéria incorporada que não inviabilize muitas das nossas possíveis exportações. Efectivamente, o tremendo agravamento do défice da nossa balança comercial com Espanha - de 250% de 1980 para 1984 - tem de ser combatido. A questão das regras de origem terá um papel fundamental na determinação da redução desse défice, podendo os resultados decorrentes do nosso acordo com a Espanha, no âmbito do Tratado de Adesão, vir a ser fortemente influenciados pelo resultado dessas negociações. Também o Governo não nos esclareceu quanto à sua posição negocial, no que respeita à exportação de têxteis para os nossos antigos parceiros da EFTA, esperando-se que em matéria tão sensível para a nossa balança comercial e para o emprego o Governo obtenha a definitiva abertura daqueles mercados para os produtos têxteis, já que, no que respeita a estes produtos, Portugal não mandatou a Comissão para negociar, no âmbito dos acordos de comércio livre, entre a CEE e os diferentes países da EFTA.
Efectivamente, a posição portuguesa, perante os mercados dos países membros da EFTA, poderá constituir uma compensação para a penalização que em matéria de exportação de têxteis Portugal sofrerá perante países em vias de desenvolvimento, dada a obrigatoriedade da adopção da política têxtil comunitária.
Sr. Presidente, Sr.. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: O Governo não nos apresentou razões para acreditar que a sua orgânica seja ajustada ao apoio e preparação do País para as dificuldades da integração. O Governo não identificou as questões essenciais que se colocam perante a próxima integração nem a sua posição perante tais questões. Deixou-nos apenas uma declaração de intenções.

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Oxalá o Governo não queira entrar apenas para a comunidade das intenções europeias.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Encontra-se perante esta Câmara para investidura parlamentar, cumprindo o constitucionalmente preceituado, o X Governo.
Saído das eleições de 6 de Outubro, ele é a vontade maioritária dos portugueses, livremente expressa, de confiarem ao Partido Social-Democrata a responsabilidade da mudança, a caminho do progresso, contra a ligeireza dos que sacrificam o bem-estar de todos à salvaguarda do interesse de alguns.
Conhece os problemas com que o País se debate e na sua resolução se propõe concentrar todas as energias, preocupado em conseguir progresso e bem-estar para os Portugueses, procurando corresponder à esperança de que, mudando, é possível um futuro melhor.
Portugal não está condenado a viver política, social, cultural e economicamente nos arrabaldes de uma Europa desenvolvida. O estado de crise permanente não é uma fatalidade. As dificuldades dos Portugueses não podem continuar a ser utilizadas como alimento político de estratégias internacionalistas.
Por isso, este Governo abre uma luta sem quartel contra a fome, contra a miséria, contra o subdesenvolvimento de um povo que, com hábitos civilizacionais europeus, tem por notória miopia, comodidade ou ortodoxia dos seus dirigentes, visto degradarem-se cada vez mais os seus padrões de vida.
Determinado nos seus objectivos, recusa-se a transigir para sobreviver, negociando meias soluções, pactuando sonsamente com quantos clamam pela evolução, agarrando-se desesperadamente à continuidade.
De tudo isto nos dá conta no Programa que apresenta a esta Assembleia.
Dele constam as principais orientações políticas e medidas a adoptar nos diversos domínios da actividade governamental, precisadas e desenvolvidas em intervenções já produzidas por vários membros do Governo.
De salientar a preocupação dominante do respeito pelas instituições democráticas e das orientações constitucionais.
Focaremos com especial destaque três áreas, sendo a primeira a Defesa Nacional.
Portugal é um país europeu que vive em democracia pluralista, pertence à Aliança Atlântica e, dentro de pouco tempo, será membro de pleno direito da Comunidade Económica Europeia.
Estes traços fundamentais da nossa caracterização geopolítica e das nossas opções essenciais de vida, inequivocamente assumidas pela esmagadora maioria dos portugueses, não podiam naturalmente deixar de se reflectir na organização superior das instituições militares e de defesa portuguesas, da mesma forma e pelos mesmos motivos que se repercutem nas nossas instituições políticas, administrativas e judiciais e, naturalmente, na nossa história e na nossa cultura.
Decorrente das orientações consagradas na Constituição da República e na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, tem por objectivo garantir, no rigoroso respeito pelas instituições democráticas, a independência nacional, a integridade territorial e a segurança das. populações contra qualquer agressão ou ameaças externas.
Neste sentido, pressupõe o mais amplo consenso nacional possível, cabendo a sua responsabilidade a cada cidadão em particular e a todos em geral.
Não basta a uma comunidade a necessidade de se defender, é imprescindível a vontade de o querer fazer.
E porque matéria pluridisciplinar, que não se esgota na vertente militar, propõe-se o Governo a uma actuação concertada num quadro de política geral, no plano económico, social e cultural, no plano das relações externas e no plano militar, adoptando, em consonância com o conceito estratégico de defesa nacional, já definido, uma concepção global que em nada se confunde com preocupações no que toca a eventuais ameaças internas.
De salientar no vector militar, como nota positiva, a intenção do Governo de que a nossa participação na Aliança Atlântica - organização fundamental para a defesa e segurança europeias - não signifique uma atitude meramente passiva, limitada à concessão de facilidades aos aliados em território nacional.
Para tal, torna-se necessário um esforço de modernização, reequipamento e redimensionamento das Forças Armadas, sem perder de vista o constrangimento orçamental imposto pela escassez de recursos, face às necessidades.
Quanto à política externa, o Governo propõe-se à defesa intransigente de Portugal e dos Portugueses no Mundo, assegurando a unidade de representação externa e garantindo os compromissos internacionalmente assumidos.
A adesão efectiva à Comunidade Económica Europeia, em Janeiro próximo, constitui um dos grandes desafios na história portuguesa. Desafio que o Governo assume, mas para o qual se torna essencial a mobilização de todos, num esforço colectivo capaz de aproximar gradualmente o País dos níveis de desenvolvimento das sociedades livres e democráticas, afastando-se definitivamente da cauda das estatísticas de progresso.
Abrir-se-ão então novas e melhores perspectivas de cooperação com os países de língua oficial portuguesa, nomeadamente os africanos, a quem nos ligam laços históricos, políticos, económicos e culturais, relacionamento em que os interesses do Estado Português saberão encontrar as suas limitações no respeito pela soberania dos outros Estados.
Na sua acção, comportar-se-á o Governo em absoluta fidelidade aos princípios consignados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Acta de Helsínquia, dignificando a Nação Portuguesa e a vocação universalista, democrática e pacífica do povo português. Função essencial do Estado democrático de direito, a garantia dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos impõe-se no respeito pela ordem constitucional, assegurando a autoridade democrática.
O aumento preocupante da criminalidade violenta e organizada, dispondo de meios cada vez mais sofisticados, merecerá, entre outros aspectos, especial atenção do Governo.
É imperioso garantir a segurança de pessoas e bens. Essa tarefa, que só pode ser eficazmente prosseguida num clima de paz e tranquilidade públicas, tornará indispensável dotar as forças e serviços de segurança de meios humanos e materiais adequados a prevenir e,

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quando necessário, reprimir as acções que ponham em causa o desenvolvimento da vida colectiva, sem prejuízo dos direitos essenciais dos cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata correspondeu à inequívoca manifestação de vontade do eleitorado.
Estamos hoje aqui perante um Governo legítimo, que quer ser um Governo de todos os portugueses, para todos os portugueses. Naturalmente incómodo para as mentalidades conservadoras, o seu Programa é claro, a vontade de o executar é firme, norteando-o unicamente a preocupação de cumprir.
Que cada um de nós assuma as suas responsabilidades. O povo português nos saberá julgar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ivo Pinho.

O Sr. Ivo Pinho (PRD): - Sr.º Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A designada «estratégia de progresso controlado» começou por ser, por contraste com a chamada «estratégia de retrocesso», um sugestivo slogan do programa eleitoral do PSD.
Actualmente, inscrita no Programa do Governo, tal estratégia pode converter-se na estratégia de desenvolvimento do País. Assim sendo, importa analisá-la, por forma a poder aferir-se o seu mérito e utilidade social.
Foi o que procurámos fazer. Chegámos à conclusão de que a estratégia preconizada pelo Governo não potência as necessárias transformações estruturais 'do nosso sistema produtivo. Vejamos porquê.
Não vou, naturalmente, deter-me, em pormenor, na análise da natureza e do conteúdo da política macroeconómica sustentada pelo Governo. Tal abordagem já foi realizada, e muito bem, pelo meu colega de bancada Dr. Silva Lopes. Mas também não posso deixar de criticar a forma vaga, imprecisa, e muitas vezes lacunar, com que tal política é apresentada. Esta crítica; de resto, adquire ainda maior acuidade se considerarmos que afinal o Governo dispõe de algumas projecções macroeconómicas, que, deliberadamente, não incluiu no seu Programa, com o argumento, inaceitável, de que a seu tempo apresentará a esta Assembleia objectivos quantificados.
O debate do Programa está a fazer-se agora e tem de lamentar-se que o Governo não tenha facultado informações importantes neste seu primeiro contacto com. a Assembleia da República.
O Governo propõe-se - e ainda bem - romper o círculo vicioso da espiral inflacionária e apostar no círculo virtuoso da espiral desinflacionária. Este círculo virtuoso está, inextricavelmente, articulado com um outro círculo, também virtuoso, que se exprime ao nível da esfera produtiva: mais investimento, implicando maior produtividade, maior crescimento do produto e, consequentemente, mais recursos para investir.
A expansão do investimento é, de facto, uma das pedras de toque do Programa ora em debate. Porém, o Governo não diz que tipo de investimento quer relançar, quais os ramos prioritários de relançamento, que sistema de incentivação será adoptado e como será financiado o esforço de investimento. Neste contexto, não parece ocioso formular algumas questões.
Num país que apresenta um stock de capital deficiente e insuficiente, e concomitantemente uma tão elevada taxa de desemprego, que arbitragem se fará entre investimentos de expansão das capacidades produtivas e investimentos de racionalização?
Quais serão, concretamente, as actividades orientadas para a exportação e ou para a substituição de importações que beneficiarão da incentivação estatal?
Considera o Governo - como deixa antever no seu Programa - que os' estímulos fiscais, ou a confiança no papel regulador do mercado, serão suficientes, por exemplo, para reorientar o investimento industrial para os sectores mais modernos ou para promover a melhoria dos conteúdos intermédios de importação?
Como se financiará o esforço de investimento e a política de recuperação económica prometida pelo Governo? Permito-me recordar que o enorme esforço de investimento desejado pelo Governo terá de ser financiado, em larga medida, pelo recurso ao capital estrangeiro, num contexto em que Portugal perderá o controle sobre o tipo, forma, conteúdo e orientação do investimento directo estrangeiro. Lamentavelmente, não vimos no Programa do Governo respostas convincentes para as questões formuladas.
Ao nível do sistema produtivo, o Governo não indica no seu Programa as transformações estruturais que se propõe promover, não identifica nem hierarquiza prioridades e não explicita as acções finalizadas que se propõe implementar para combater, eficaz e duradouramente, os problemas que afectam a produção nacional. Este facto é tanto mais estranho quanto o próprio Governo reconhece a necessidade de aplicação de políticas estruturantes.
Assim, no tocante à agricultura, o Governo promete a implementação, a curto prazo, de um programa de emergência e enuncia as principais medidas que irá adoptar. Tal programa não dá, porém, respostas credíveis a questões essenciais para o desenvolvimento do sector. A título meramente exemplificativo referirei algumas destas questões: a adopção da política agrícola comum determinará a reconversão e ou liquidação de produções em que a CEE é excedentária e mais eficiente. Como irá o Governo organizar o processo de adaptação estrutural da produção agrícola? Que estímulos e incentivos concederá aos produtores?
Continuaremos a assistir, nos próximos anos, a um processo acelerado de libertação de activos agrícolas. Como pensa o Governo promover a criação de empregos alternativos e remuneradores para uma mão-de-obra com baixíssimos níveis de qualificação? Que política de mobilidade profissional e geográfica será aplicada?
No que se refere ao sector industrial e energético, qual é, de facto, a política do Governo? Vai ou não este Governo aplicar a política industrial de médio prazo, configurada pelo governo precedente? As escassas 3 páginas que o Programa dedica a tão importante sector não esclarecem, minimamente, questões cruciais como as seguintes: que política será adoptada no sector de bens de equipamento, cujo desenvolvimento é determinante para o progresso tecnológico do País, para a modernização das actividades industriais, sejam elas tradicionais ou modernas, e para o combate à dependência energética a agroalimentar.
Qual será a política dos poderes públicos em alguns sectores industriais de base, mormente na siderurgia, que ficarão sujeitos às políticas comunitárias de divisão do trabalho?

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Como vai o Governo tratar os grandes projectos industriais, designadamente nos sectores mineiros, siderúrgico e energético? Promoverá o relançamento do investimento? E com base em que critérios? Privilegiará, nesses sectores, os investimentos que apresentem baixos coeficientes capital/produto e capital/emprego?
Que política será seguida para se conseguir a necessária redução da intensidade energética do PIB num sistema económico desajustado, fortemente energia e capital intensivo e tão tributário do investimento no subsector eléctrico?
Quais os critérios que o Governo aplicará para promover uma especialização do investimento industrial compatível com as vocações produtivas das regiões?
Finalmente, no domínio dos serviços, como pensa o Governo arbitrar a conflitualidade entre a tendência inelutável para o aumento da produtividade num sector muito exposto às sinergias das novas tecnologias nos domínios da informação e das telecomunicações e o papel decisivo que o sector continuará a ter de desempenhar em termos de absorção dos postos de trabalho libertados pelos sectores produtivos?
Estas questões não se resolvem com a afirmação de que o investimento privado é o motor do crescimento nem com o voto piedoso, segundo o qual o Governo dará a mão a todos os sectores.
Também em matéria de inserção externa da economia portuguesa, o Programa do Governo não apresenta soluções potenciadoras da correcção da situação actual.
É imperioso promover a alteração das nossas condições de competitividade externa, substituindo, progressiva mas firmemente, a incessante desvalorização da força de trabalho portuguesa, em termos internacionais, pela elevação dos níveis técnicos e tecnológicos das nossas produções e das qualificações da nossa mão-de-obra. A não ser assim, isto é, se assumirmos passivamente a internacionalização, ficaremos condenados a uma sobrespecialização em produções vulgarizadas e destituídas de potencial de valorização e acumulação.
A adesão à CEE pode precipitar este processo de completa dependência do exterior, não apenas pelo consequente recrudescimento da concorrência externa no mercado interno, mas, sobretudo, pelas consequências advenientes da adesão simultânea dos países ibéricos à CEE.
A propósito da necessária valorização do capital humano português, não posso deixar de referir que o Programa do Governo é manifestamente insuficiente, não enunciando sequer a necessidade de serem implementadas, urgentemente, acções desglobalizadas, mas integradas, de valorização dos recursos humanos, orientadas para a maximização do aproveitamento, quantitativo e qualitativo, da nossa população activa.
O Governo propõe-se, em simultâneo, combater a inflação, relançar o investimento e reduzir o desemprego. Neste contexto, como tenciona o Governo gerir e arbitrar a conflitualidade entre a aplicação de uma política anti-inflacionista e a inerente tendência para o aumento do desemprego? A questão já foi colocada várias vezes mas ainda não foi objecto de resposta cabal. É uma questão relevante, designadamente num país que apresenta, a médio prazo, perspectivas pouco favoráveis de redução do desemprego.
Na própria Comunidade Económica Europeia, a redução da inflação em quase 8 pontos percentuais, conseguida no último quinquénio, teve como contrapartida, no mesmo período, um acréscimo de aproximadamente
6 pontos percentuais no desemprego, acrescendo que, segundo as mais róseas previsões efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, seria necessário que o PIB, em volume, crescesse à taxa média anual de 3,5% e o investimento aumentasse ao ritmo de 6,6% ao ano para que, no período de 1986-1990, se pudesse registar uma diminuição da taxa de desemprego da ordem dos 3 pontos percentuais.
Em Portugal, todavia, a situação é incomparavelmente mais grave, havendo estudos prospectivos que apontam para uma taxa de desemprego que poderá atingir, em 1990, um valor não inferior a 15%. E vale a pena notar que este valor surge num cenário altamente voluntarista, em que o PIB cresce á taxa média anual de 4%.
É por isso que quando o Programa do Governo refere que no fim da década teremos os nossos problemas - incluindo o do desemprego - resolvidos, ou em vias de o ser, somos forçados a concluir que tal Programa é ainda um programa eleitoral.
Antes de terminar, gostaria, ainda, de fazer uma breve referência à política do Governo em matéria de concertação social.
O Programa do Governo é, a este propósito, paradigmático, sustentando a crença, quase messiânica, de que vai ser possível persuadir os agentes económicos e parceiros sociais a colaborar, no sentido da viabilização da política económica do Governo. Mas como e onde vai o Governo dialogar com os agentes económicos e parceiros sociais? No Conselho Permanente de Concertação Social ou no futuro conselho económico e social, como nos foi dito? É nessa sede que o Governo se propõe reorientar as reivindicações salariais, no sentido de as mesmas tomarem como norma não a inflação maior do passado, mas a inflação menor do futuro? Será aí, também, que o Governo promoverá a reorientação das estratégias empresariais, persuadindo os empresários a abandonar o tradicional quadro de referência de compressão dos custos e a privilegiar uma utilização diferente do excedente liberto pelos ganhos de produtividade?
Em nossa opinião, tal desiderato só poderá ser conseguido através de actuações que promovam uma regulação flexível e dinâmica das relações entre grupos sociais, designadamente através de esquemas de contratualização a nível de empresas, de sectores e de regiões.
Não deveria o Governo, em lugar do seu determinístico mas injustificável optimismo, ter enunciado os instrumentos que vai utilizar para mobilizar e influir na racionalidade e nos comportamentos dos agentes económicos e parceiros sociais, no sentido do progresso e da mudança?
O Sr. Primeiro-Ministro escreveu, recentemente, que, e cito: «Uma dada política económica pode ter efeitos diferentes, consoante consegue ou não ganhar credibilidade junto dos agentes económicos» e que, volto a citar: «A percepção que os agentes têm da política económica é determinante para os seus efeitos.»
Nada de mais verdadeiro. Só que neste Programa não há razões que levem a supor que a política económica preconizada seja credível para os agentes económicos, circunstância que poderá inviabilizar, à partida, o sucesso da «estratégia de progresso controlado».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo não desconhece que, face aos vícios e inércias do nosso sistema produtivo, a consecução de pequenas melhorias

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estruturais é demorada e passa pela tomada de grandes decisões em vectores qualitativos fundamentais.
Estas decisões têm de ser tomadas no quadro de uma política de desenvolvimento, que integre um vasto conjunto de processos de ajustamento estrutural, que não podem ser adiados por mais tempo nem deixados ao livre arbítrio das forças de mercado.
O Programa do Governo não define sequer os contornos genéricos dessa política. O Governo exprime, basicamente, desejos, mas é bom não confundir desejos com realidades.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Torres Couto, que, considerando todos os tempos que lhe foram cedidos, dispõe de 13 minutos.

O Sr. Torres Couto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O ênfase dado pelo Sr. Prof. Cavaco Silva, durante a última campanha eleitoral, quanto às insuficiências e graves questões de âmbito sócio-laboral, com as quais, em muitos aspectos, estava de acordo, fez-me aguardar com enorme expectativa a apresentação do Programa do Governo, certo de que o mesmo consubstanciaria as medidas concretas que ressarcissem os trabalhadores portugueses da dramática situação em que se encontravam e encontram.
Li e reli com sofreguidão o referido Programa, nomeadamente os capítulos referentes à política de rendimentos, trabalho, emprego e formação profissional, tendo hoje de afirmar, com mágoa, ser grande a minha frustração e maior a minha preocupação pelas razões que passo a enunciar.
Umas das linhas de força da campanha eleitoral do actual Primeiro-Ministro foi, e bem, a denúncia veemente da quebra brutal do poder de compra dos salários reais nos últimos anos; e a imediata necessidade de corrigir essa situação. Constatamos, no entanto, que o Governo se propõe seguir exactamente a mesma política seguida pelo governo cessante no último ano, isto é, aponta para «uma evolução moderada dos salários, conjugada com um incremento razoável da produtividade».
Tudo vai ficar na mesma quanto à distribuição funcional do rendimento. Por incrível que pareça, os rendimentos do trabalho continuarão abaixo dos 50% nessa redistribuição, quando se esperava, no mínimo, que o Governo criasse condições para que fossem retomados, pelo menos, os níveis de 1979. Nada mais se esperava, nada mais se exigia.
Reconhece o Governo que «tudo vai ficar abaixo daquilo que o próprio Governo entendia razoável». O Governo começa aqui a reconhecer que se enganou. Fê-lo contra os trabalhadores, o que é de lamentar.
Nada refere o Governo quanto à negociação tripartida de uma norma salarial que possibilite a recuperação do poder de compra dos salários. E, contrariamente, já se começa a ouvir falar em famigerados tectos salariais, que contrariam a visão governamentalista do «mais mercado e menos Estado», que, pelos vistos, mostra que o Governo só pretende ser liberal no que concerne ao benefício dos mais fortes, sendo intervencionista quanto à penalização dos mais fracos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao capítulo do trabalho, emprego e formação profissional, estamos em presença de um texto genérico e abstracto que se limita a seriar um somatório de declarações de intenção que, em muitos casos, são louváveis, mas que não estão traduzidas em objectivos, medidas concretas, nem qualquer calendarização.
Se algumas dessas declarações de intenção têm a nossa plena concordância, é enorme a discordância em relação a outras e fundamentalmente em relação a omissões que consideramos graves.
Fica-se, em suma, com a sensação de que, uma vez mais, apesar de promessas em contrário, os custos para os trabalhadores virão já e os benefícios, esses, virão lá muito mais para diante, se vierem.
Insiste o Governo em velhos chavões como o da revisão da lei de cessação do contrato de trabalho, para uma «fetichizada» adequação à legislação dos outros países da CEE e com vista à «reformulação do conceito de justa causa». Verifica-se, assim, uma insistência numa visão jurisdicista dos problemas, face ao que se reafirma não ser admissível a diminuição das garantias dos trabalhadores, no caso de despedimentos individuais fundados em razões disciplinares, perguntando-se se com isto pretende o Governo um instrumento de gestão, ou pelo contrário, um instrumento de repressão e intimidação.
Seguidamente, com alguns anos de atraso em relação a idênticos ensaios em alguns países da OCDE, aparece o Governo retomando teorias liberais de flexibilização e de desregulamentação, de resultados funestos em todos os países onde foram ensaiadas.
Fala o Governo, primeiro, em «flexibilidade controlada na área laboral», sem especificar o que pretende alcançar com tão vago conceito, para mais adiante falar em «flexibilizar a partilha do volume de emprego existente».
Em democracia, numa sociedade com as carências e assimetrias da nossa, onde a justiça social muitas vezes não passa de um slogan, rejeitamos tudo o que de aleatório e discricionário contém esse conceito de flexibilização e só reconhecemos e aceitamos o conceito de participação total e de negociação permanente.
Com pragmatismo e sentido de responsabilidade, tudo é para nós susceptível de adaptação e até de alteração, desde que seja negociado com todas as partes envolvidas e, nomeadamente, com os sindicatos.
Quanto à flexibilização da partilha do volume de emprego existente, somos de opinião de que tal hão será conseguido através do trabalho parcial ou temporário, mas somente através da redução da idade de reforma e também redução gradual e cautelosa da duração do trabalho.
Sendo os salários em atraso uma das mais graves chagas sociais da vida portuguesa, as medidas consignadas no Programa do Governo são insuficientes e desajustadas. O Governo demonstra uma falsa generosidade ao não assegurar aos trabalhadores a recuperação do total de salários em falta, atitude contraditória com a vertente humanista que o Governo diz privilegiar, visto que, no que diz respeito à cobrança das dívidas à Segurança Social, o Governo, para além de assegurar a sua posição creditícia, diz que as taxas de juro de mora da Segurança Social serão ajustadas e ligadas à evolução das taxas de juro do sistema monetário e financeiro, situação que, lamentavelmente, não sabemos se, por lapso, não é considerada para-as dívidas aos trabalhadores.

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A resolução do problema dos salários em atraso não pode ser adiada por mais tempo; não será conseguida através das propostas formuladas pelo Governo e, por isso, o Grupo Parlamentar Socialista já entregou na mesa do Plenário da Assembleia da República um projecto sobre esta matéria que, esperamos, dentro em breve, seja discutido.
Prosseguindo o seu vago enunciado de boas intenções, diz o Governo, no capítulo do trabalho e emprego - cito: «implementar-se-á um conjunto de medidas destinadas a tornar mais rápida e célebre a justiça do trabalho». Só que, em capítulo reservado à justiça, nada se diz sobre a alteração no funcionamento dos tribunais do trabalho, que são da responsabilidade do Ministério da Justiça. Estaremos então perante um lapso do Sr. Ministro da Justiça ou será um lapso do Sr. Ministro do Trabalho?
No que diz respeito ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, não há que implementar nova estrutura sem que se corrija o seu estatuto, de acordo com a vontade unânime dos parceiros sociais, isto é, consagrando o tripartismo equilátero na gestão do referido Instituto.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: Um dos maiores obstáculos ao crescimento e prosperidade do País é o elevado número de desempregados hoje existente em Portugal, que constitui um trágico e terrível desperdício de recursos, quando existe subutilização da capacidade instalada e necessidades básicas do povo português estão por satisfazer.
O desemprego significa sofrimento humano. Para a maioria dos trabalhadores, perder o emprego significa perder uma importante parte da sua própria identidade. O trabalho está intimamente ligado aos valores da autoconfiança, dignidade humana e propósito de vida. Não é segredo nem surpresa que o desemprego está correlacionado com o aumento da mortalidade, através do crime e do suicídio, bem como com o aumento da prostituição e do consumo de droga.
As consequências do desemprego são, de facto, terríveis, constituindo uma ameaça à democracia, minando os seus pilares fundamentais.
Particularmente gravoso é o enorme desemprego dos jovens, o que os faz perder a esperança e a confiança em si próprios, criando ainda amargura e o desespero, ao mesmo tempo que constitui uma perda de confiança na nossa sociedade e nas nossas instituições democráticas. Se negarmos à juventude o direito de serem membros plenos da sociedade, muitos deles podem, compreensivelmente, colocar-se fora da sociedade que os rejeita.
As políticas restritivas, de pendor neoliberal e neo-conservador, que conduziram a esta situação falharam, tendo sofrido uma pesada derrota no plano político, económico e moral, pelo que urge encetar acções coordenadas de expansão da procura. Exige-se uma combinação inteligente de políticas de procura e oferta, de contracção e expansão. Isto, porque aprendemos que as políticas de contracção da procura geram desemprego, enquanto, ao mesmo tempo, uma estratégia isolada de expansionismo gera tremendos défices nas contas correntes. É, pois, necessário procurar uma política equilibrada que estimule simultaneamente o emprego e a redução da inflação.
Uma política simultânea de poupança e trabalho é a única saída para a crise que atravessamos. Tal estratégia torna necessário que se conduza também uma política activa no mercado do trabalho que elimine estrangulamentos, aumente a produtividade e facilite a expansão anti-inflacionária, sendo ingredientes importantes de tal política o desenvolvimento de serviços de emprego, de capacitação e reconversão profissional, programas concretos de criação de novos postos de trabalho por bacias de emprego - em Setúbal, no Tramagal, na Covilhã -, bem como a adopção de uma política fiscal não discriminatória contra trabalhadores e empregadores e também contra a criação de postos de trabalho.
Para além do mais, uma política coordenada de crescimento deve incluir um número de medidas que estimulem o crescimento, principalmente em infra-estruturas, serviços de saúde, comunicações, produção e conservação de energia, habitação social e ambiente, articulado com a salvaguarda e desenvolvimento da justiça e segurança social, benéficas para o crescimento e ajustamento estrutural.
É nesta matéria de emprego que o Programa do Governo peca por enorme e perigosa omissão, parecendo que o desemprego, na óptica do Executivo, não constitui problema sério, nem para o País nem para a democracia.
Daí a nossa enorme preocupação, porque para nós, socialistas, a democracia não é um expediente táctico, como o é para uma certa esquerda radical, nem uma decoração, como é para a nova direita. Somos democratas por convicção, não por conveniência. A democracia é para nós um princípio básico da nossa formação ideológica e não um simples expediente, e por isso, para nós, uma democracia que não esgota todos os esforços para garantir emprego a todos os seus filhos, pode ser uma democracia formal mas não é nem uma democracia consolidada nem humanizada.
Aumentar o desemprego através do encerramento ou reprivatização de empresas públicas, de ajustamentos dos efectivos das empresas por razões de ordem económica, do despedimento de funcionários públicos, conforme consta da p. 46 do Programa do Governo, da liberalização, agora chamada «flexibilização moderada», dos despedimentos, tudo isto o Governo se propõe desde já fazer.
Criar postos de trabalho, quantos, onde e como, disso nada se fala. Nem sequer nada se diz quanto à implementação imediata e desburocratizada do novo modelo de recuperação das empresas em dificuldade, susceptíveis de recuperação, cujos princípios até já foram aprovados por consenso dos parceiros sociais no âmbito da concertação social.
Evocam-se os fundos da CEE e o simples funcionamento do mercado para solucionar estas candentes questões. Até lá, pretende-se deitar mão, quer de uns recuperados sistemas de caridade, quer de subsídios de desemprego, não fazendo, no entanto, sentido que se fechem as empresas e se lancem no desemprego milhares de trabalhadores, ficando o colectivo nacional, num país cheio de carências e necessidades, a suportar o pagamento de milhões de contos a homens e mulheres para não produzirem absolutamente nada.
Num país com as debilidades de Portugal, o mercado precisa de regras e condições claras. Não só as regras económicas tradicionais, mas, fundamentalmente, as que regulem a protecção dos mais desfavorecidos, do meio ambiente, da saúde e segurança social; enfim, as regras que devem balizar uma sociedade humana de efectiva justiça social.

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Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Enquanto os trabalhadores, os pobres e os desfavorecidos, procuram, sem êxito, no Programa do Governo uma palavra de esperança, o Sr. Primeiro-Ministro utiliza como palavra de ordem para a sua governação «mais mercado e menos Estado».
Permitindo-me contrariá-lo, Sr. Primeiro-Ministro, sou de opinião de que o povo português exige e há muito espera por melhor mercado e melhor Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Certamente que o Sr. Deputado Cipriano Martins pretende fazer um pedido de esclarecimento. No entanto, o Sr. Deputado Torres Couto não tem tempo para lhe responder.

O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Uma vez que o Sr. Deputado Torres Couto não dispõe de tempo para responder a pedidos de esclarecimentos que gostaria de lhe formular, gostaria de, nessa medida, formular um protesto.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Torres Couto não pode responder na mesma. Contudo, o Sr. Deputado pode formular um protesto, tal como podia formular um pedido de esclarecimento, embora não possa obter resposta do Sr. Deputado Torres Couto.

O Sr. Maldonado Gonelha (PS): - Peço a palavra Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Maldonado Gonelha (PS):- Sr. Presidente, o Sr. Deputado Torres Couto poderá responder se a bancada do PSD lhe der o tempo necessário.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, formule um pedido de esclarecimento, Sr. Deputado Cipriano Martins.

O Sr. Cipriano Martins (PSD): - Realmente, é lamentável que o Sr. Deputado Torres Couto só agora, neste momento, após as eleições de Outubro, se tenha recordado de fazer a intervenção que fez e não a tenha feito antes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Teve muito tempo para a fazer e dispôs de inúmeras razões para isso. Aliás, as mesmas razões que agora enumerou subsistiam antes e não as formulou; silenciou-se, calou-se - é pena. É pena que o partido a que pertence não esteja aqui nas condições em que está o governo do PSD, para poder fazer um discurso como o que fez e usar da palavra no sentido em que a usou.
Referiu que este Governo quer usar, quando fala em maleabilização das leis laborais, de um instrumento de gestão ou de repressão.
Não é isso. Com certeza que entendeu, como eu, que uma política activa de emprego envolve uma constante modificação tecnológica, rapidez no progresso técnico, e que isso tem modificações na estrutura dos tecidos produtivo, económico e industrial. As empresas têm também necessidade, porque sobre esse inimigo de se adaptar, de se reconverter, de sofrer as transformações adequadas ao seu tempo.
Perguntava ao Sr. Deputado se, realmente, pensa que a legislação de 1975 é imutável e universal. Penso que ela pode ser um grande documento - até discordo dele -, mas não é imutável; deve ser adequada à nova tecnologia e à nova realidade económica. Penso, aliás, que o Sr. Deputado concordará comigo nesse aspecto.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Ou seja, despedir à bruta!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Torres Couto, tem então 1 minuto para responder ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado.

O Sr. Torres Couto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado que acabou de formular um protesto em relação à minha intervenção, fê-lo com bastante elegância.
Somente gostaria de lhe dizer que, possivelmente, a sua intervenção deriva do facto de não ter sido deputado na anterior legislatura. Isto porque, se o tivesse sido, conheceria, possivelmente, muito melhor as minhas posições, e algumas delas veementes, no que concerne a algumas medidas de políticas sectoriais do anterior governo. E posso também facultar-lhe, se quiser, a minha intervenção, aquando da discussão do Programa do anterior governo, onde também tive oportunidade, em representação do meu grupo parlamentar, de fazer críticas e alguns avisos que, no fundo, vieram mostrar-se perfeitamente pertinentes pelo desenvolvimento da política do governo anterior.
No entanto, Sr. Deputado, gostaria de lhe dizer que, obviamente, estou aqui a falar na minha condição de deputado e não na minha condição de dirigente sindical. E no que concerne a posições minhas de âmbito sindical, poderei facultar-lhe um sem-número de documentos e de elementos que, possivelmente, clarificarão melhor da coerência ou incoerência das minhas posições.
Admito, perfeitamente, que o Sr. Deputado não tivesse compreendido bem o teor da minha intervenção. Possivelmente, quando tiver acesso ao texto vai ver que a pergunta que me formulou é uma pergunta sem sentido. Isto porque não fiz nenhuma acusação ao Governo, não disse que o Governo estava a criar um instrumento de repressão ou de intimidação. O que perguntei ao Governo foi se, efectivamente, pretendia resolver este problema através de um documento que aponte para a gestão da economia e para a resolução dos problemas das empresas, ou se, pelo contrário, através de mecanismos de alteração legislativa que podem ser extremamente perigosos e que são perigosos em todos os países da Europa Ocidental, o Governo pretendia criar uma situação de desequilíbrio, contra a qual eu e a minha bancada estaríamos sempre.
Disse também, Sr. Deputado, que não temos posições dogmáticas em relação a todas as questões respeitantes à economia e à vida dos trabalhadores. Agora, há uma coisa que exigimos: que o processo seguido não seja o da imposição político-administrativa, mas o da participação, do protagonismo e da negociação permanente. Se o processo for esse, o Governo não tem que recear, pois saberemos sempre assumir as nossas responsabilidades e saberemos sempre tentar encontrar as melhores soluções.

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Simplesmente, lendo bem o Programa do Governo, e lendo também nas entrelinhas e omissões, acabo por constatar, com preocupação - espero que o Sr. Ministro do Trabalho e o próprio Sr. Primeiro-Ministro me possam responder -, que o Governo está a ter alguma tentação para começar a governar o País pela via administrativa.
Veja-se, por exemplo, o problema que se passou com o último aumento das pensões de reforma - uma medida positiva que saudamos e que, não sendo correspondente ao valor que o movimento sindical reivindicava, é sempre uma medida positiva.
Penso que o Governo não deve - porque se o fizer erra - seguir a via da imposição ou da definição das políticas, sem respeitar as associações patronais e os sindicatos portugueses.
É este o nosso ponto de vista e, por conseguinte, penso que o seu protesto, apesar da veemência, não tem tanta razão de ser, como à partida parecia ter.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.

O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Estamos quase chegados ao fim deste debate e, permita--me que lhe diga, parecem francamente insuficientes os esclarecimentos com que daqui saímos.
Se o Governo tivesse esgotado o seu tempo, não me permitiria colocar estas questões, dado que não poderia ter a sua resposta. No entanto, sabendo que o Governo dispõe de 7 minutos, permito-me, portanto, colocar ainda algumas questões, dirigindo-me, em primeiro lugar, ao Sr. Ministro da Educação.
Deu o Sr. Ministro da Educação, permita-me que lho diga, respostas francamente insuficientes, poderemos mesmo dizer decepcionantes, pela vacuidade e pela omissão.
Sinto-o tanto mais quanto é certo que quem assim lhe fala está aberto a um diálogo franco e construtivo no plano institucional. Para o diálogo se estabelecer são, sem dúvida, condições importantes a afabilidade e as boas maneiras, qualidades que, indiscutivelmente, o Sr. Ministro possui. No entanto, para um diálogo construtivo, é também indiscutível que essas qualidades não chegam.
Diz o Sr. Ministro que a educação deve ser um dos sectores prioritários da acção do Governo. Não disse, porém, nem uma palavra sobre que garantias poderá dar para que haja aumentos significativos nas verbas para este sector.
Sr. Ministro, o programa da educação não se enquadra, em nosso entender, no País real, nem enfrenta, verdadeiramente, com soluções credíveis e concretas, os problemas urgentes que atingem milhares de pessoas neste país.
Muitas e muito graves questões ficaram por esclarecer minimamente. Por exemplo: que respondeu o Sr. Ministro à questão que lhe coloquei sobre a diminuição da acção do Ministério da Educação no combate ao analfabetismo literal, que ultrapassa, como sabe, o décuplo de qualquer país europeu, diminuição, de resto, bem expressa no facto de as metas previstas no Plano Nacional de Educação de Base de Adultos não perfazerem um quarto das programadas, estando em declínio de ano para ano? Falou apenas na necessidade de esforço financeiro e sobre esta gravíssima questão, que é uma nódoa particularmente evidente quando nos vamos integrar na Europa das Comunidades, o Sr. Ministro disse rigorosamente nada.
E sobre as irregularidades na abertura do presente ano lectivo, nomeadamente devido à incapacidade do Ministério na colocação dos professores?
E sobre as alterações exigidas ao sistema escolar, a fim de que ele deixe de ser um factor crescente de discriminação social?
E sobre a criação imediata de uma comissão de reforma do sistema educativo? Reconheceu-se a necessidade de que nesta matéria haja um largo consenso - estamos de acordo. Mas, se têm já algumas ideias, como julgo saber, poderá dizer-nos como vai ela ser constituída?
Parecendo óbvio que a lei de bases deve ser anterior aos trabalhos dessa comissão, como vê esse problema, perante o silêncio a que nessa matéria se tem remetido o PSD?
Sem dúvida que não podemos esperar muito mais. E então deveremos avançar na base dos projectos existentes do PS, do PCP e do MDP/CDE. Que diz o Sr. Ministro sobre isto?
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: Permito-me ainda colocar algumas questões de outra natureza.
Afinal, creio que a omissão, referida nesta Assembleia por alguns deputados, no discurso inicial do Sr. Primeiro-Ministro, em matéria de agricultura, talvez não tenha sido fortuita. Isto porque não se assistiu, até agora, a uma única intervenção do responsável pelo Ministério da Agricultura. Ela seria justificada se, após ao discurso inicial, o responsável por esse Ministério tivesse esclarecido questões que são extremamente importantes e decisivas para o futuro do nosso país. Ora, não se assistiu a isso.
Claro que isso é particularmente grave, em face do que o Programa nos apresenta nesse sector, embora honestamente lhe diga que não sou especialista de política agrícola actual, mas apenas de história agrária.
Essa formação é-me, no entanto, suficiente para que ressaltem com maior evidência algumas deficiências e algumas interrogações graves que lhe gostaria de colocar. Assim, dado que o Sr. Ministro da Agricultura parece não estar na disposição de usar da palavra durante esta sessão, poderei dirigir-me ao Sr. Primeiro-Ministro, certamente conhecedor dessas matérias.
Se a parte geral do Programa é um encadeamento, muitas vezes incoerente, de generalidades, a parte referente à agricultura parece-nos ultrapassar tudo isto em omissões, em abstracções, em inconstitucionalidades e em tentativas de ocultação da política que verdadeiramente pretende seguir. Ora, isto é particularmente grave quando se refere a um sector que, creio estarmos todos de acordo, deveria merecer particular atenção pela estrita necessidade que temos de cobrir cada vez mais o nosso consumo de produtos agrícolas com a produção nacional e de tomar medidas urgentes e estruturais para nos prepararmos para a integração na CEE.
Mas aqui já será mais difícil fazer uma ocultação da orientação deste Ministério, porque o Ministério é o mesmo e será difícil de prever que a sua conduta a partir de agora seja muito diferente da anterior.
Uma primeira pergunta: prosseguirá o desrespeito pelo cumprimento dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a respeito da atribuição de reservas na zona da Reforma Agrária?

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A verdade é que a intervenção do Estado na organização, dos agricultores, expressa neste Programa, não satisfaz sequer- a regulamentação comunitária no que respeita à criação de organizações similares.
Na Europa comunitária estão previstos e até - como deve saber.- regulamentadas iniciativas associativas para zonas de agricultura de baixo rendimento económico, nomeadamente visando a exploração agrícola e a mecanização em comum, iniciativas essas que nem sequer são referidas neste Programa.
Poderia recordar-lhe algumas passagens do Regulamento das Comunidades Europeias, de 12 de Março de 1985, referentes à melhoria da eficácia das estruturas da agricultura: «Não é possível», diz-se, «atingir os objectivos da política agrícola comum sem ajudar a agricultura a prosseguir a melhoria da eficácia das suas estruturas, nomeadamente nas regiões sofrendo problemas particularmente agudos».
No interesse de uma produção racional e de uma melhoria das condições de vida convém encorajar, igual: mente, a constituição de agrupamentos, tendo por fim entreajudar as explorações ou unia utilização em comum mais racional do material agrícola ou uma exploração em comum.
Por exemplo, no artigo 6.º, refere-se que «um plano de melhoria pode respeitar a uma exploração isolada ou várias explorações associadas com vista a uma fusão do conjunto ou de uma parte das suas explorações».
E como V. Ex.ª sabe, no título m, desenvolve-se largamente um problema que, para nós, teria especial importância e que bem gostaríamos que tivesse sido debatido nesta Assembleia, referente às medidas específicas previstas a favor da agricultura de montanha e de certas zonas desfavorecidas.
Muitas outras questões poderíamos colocar. A verdade é que a redução do Estado a um mero papel supletivo nestas questões especialmente, gravosas num, país como Portugal predominantemente de campesinato (situação que não se regista na maioria dos países da CEE onde, em geral, as explorações agrícolas atingem dimensões apropriadas à exploração económica), é particularmente grave e temos de ter consciência disso. Não se compreende como se entrega totalmente aos agricultores e associações do sector a orientação de acções conducentes à modernização da agricultura, quando se sabe e se diz no próprio Programa que 85% dos nossos agricultores não tem dimensão económica minimamente aceitável. Não se vê como é que sem um activo apoio técnico e económico por parte do Estado os agricultores possam vir a valorizar as suas explorações.
Não serão seguramente estes que, segundo o Governo, participarão no programa de emergência. Qual será então a sorte dos outros, tanto mais que não se faz qualquer referência à necessária dinamização de um serviço de extensão rural capaz de dinamizar, e organizar os agricultores numa dinâmica de desenvolvimento?
Assim, a orientação liberal do Programa é particularmente grave no respeitante à nossa agricultura, dadas as características estruturais específicas desta. A: parte introdutória do Programa reconhece, é certo, e podemos dizer que com alguma lucidez, deficiências estruturais da nossa agricultura. Mas o verdadeiro programa está remetido para um programa de emergência, sobre o qual apenas se referem em linhas muito gerais intenções muito vagas.
Deveriam ser feitas propostas muito concretas e claras sobre o indispensável enquadramento e apoio por parte dos poderes públicos a esses 85% dos nossos agricultores, sem o que uma grande parte deles, em vez do recurso a soluções cooperativas, serão absorvidos pelas maiores explorações. Redimensionando-se a propriedade, não de acordo com um plano estabelecido mas ao acaso dos interesses de poderosos locais; assistiremos assim, inevitavelmente, ao agravamento de uma das linhas mais dramáticas da nossa história agrária, com o cortejo dramático dos despojados das suas terras, proletarizados, pauperizados e agora, ao contrário do que aconteceu em outros momentos da nossa história, sem o recurso à emigração maciça.

Aplausos do MDP/CDE, do PCP, da deputada independente Os Verdes, Maria Santos.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de saber se algum Sr. Ministro está inscrito para intervir.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quem está inscrito é o Governo e, neste momento, o Sr. Ministro da Educação e Cultura acaba de pedir a palavra, embora desconheça para que efeito.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Nesse caso concreto, Sr. Presidente, inscrevia-me para uma intervenção - julgo que ainda tenho tempo - se não houver nenhuma prioridade em relação à lista de que a Mesa dispõe.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tal não é possível porque os trabalhos têm de terminar às 20 horas, 9 que, impede que neste momento prossigam as intervenções.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP):- Então inscrevo-me para a continuação do debate.

O Sr. Presidente: - Certo, Sr. Deputado. Contudo, há aqui uma dúvida: na conferência de líderes parlamentares foi decidido que às 20 horas terminaria esta fase do debate, independentemente de ainda haver ou não partidos com tempo para intervirem. Mas, para mim, isto é uma injustiça porque, de facto, há partidos que ainda dispõem de tempo e devem poder usá-lo.
Há membros do Governo inscritos, um Sr. Deputado do PCP inscreveu-se e ainda há outros partidos que têm tempo e podem inscrever-se, se o entenderem. No meu entendimento, os trabalhos recomeçariam às 22 horas e 30 minutos com as intervenções que ainda restam nesta fase do debate, seguindo-se então o encerramento. De outra forma, penso que se criaria uma injustiça, em relação àqueles partidos que não puderam utilizar o tempo a que tinham direito, sem contar com os 5 minutos atribuídos suplementarmente. Sendo assim, pergunto ao Sr. Ministro da Educação e Cultura para que efeito pretende usar da palavra.

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O Sr. Ministro da Educação e Cultura (João de Deus Pinheiro): - Sr. Presidente, gostaria de usar da palavra para responder ao Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.

O Sr. Presidente: - Como se trata de uma intervenção, o Sr. Ministro também fica inscrito para depois do intervalo, porque os trabalhos têm de terminar neste momento.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, o entendimento de V. Ex.ª é muito respeitável, mas não foi essa, de facto, a decisão da conferência de líderes parlamentares, que deliberou atribuir a cada partido e ao Governo mais 5 minutos, sem prejuízo do encerramento desta fase do debate às 20 horas.
O debate deve, portanto, reiniciar-se às 22 horas e 30 minutos para efeitos de encerramento, não havendo lugar a que fiquem cativas intervenções para depois das 22 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O único entendimento a que se chegou na conferência de líderes parlamentares foi na eventual perda dos 5 minutos que foram atribuídos a título suplementar, caso os trabalhos chegassem às 20 horas e não estivessem concluídos nesta fase do debate.
Logicamente, não se chegou sequer a referir o tempo que inicialmente tinha sido atribuído aos partidos. Como tal, entendemos que ele não pode ser prejudicado, pelo que às 22 horas e 30 minutos devemos começar com as intervenções que, certamente, não serão muitas - pois o tempo é diminuto -, dando cumprimento e não lesando os direitos do Governo e dos partidos que estiverem inscritos para usar da palavra.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, a Mesa poderia informa-me quais são os tempos de debate que restam a cada um dos partidos?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sem os 5 minutos suplementares atribuídos na conferência de líderes parlamentares, o Governo dispõe de 2 minutos, o PCP de 5 minutos e o PSD de 4 minutos, havendo vários partidos que já utilizaram o tempo suplementar.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, a posição da nossa bancada é no sentido de o PCP utilizar rapidamente os seus 5 minutos para podermos dar o debate por encerrado.

Risos.

O Sr. Presidente: - Porém, acontece que antes do PCP está inscrito o Governo que ainda dispõe de 2 minutos para intervir.
Portanto, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação e Cultura.

O Sr. Ministro da Educação e Cultura (João de Deus Pinheiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, agradeço as palavras amáveis do Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha e procuraria complementar os esclarecimentos que dei na minha primeira intervenção.
Relativamente à educação de adultos, a posição do Governo é a de que é evidente que ela é importante e que o Governo não descura essa matéria. Mas em educação é tudo importante e o que temos de decidir e discernir é se queremos mais na educação de adultos, mais no apoio social, mais no equipamento das escolas, etc. ... Isto é que é importante e não o facto de se discutir em absoluto apenas um tema.
O que referi, em nome do Governo, foi que procuraríamos que os meios neste momento atribuídos à educação de adultos fossem utilizados mais eficaz e eficientemente, porque são meios vultosos que ultrapassam o milhão de contos por ano.

O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - O problema é que o analfabetismo literal está a crescer e não apenas nos adultos!

O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado. Simplesmente, o combate ao analfabetismo não é feito através de uma acção pontual, mas através de uma actuação global em todo o sistema educativo.
Daí a importância desta reforma, da sensibilização da população e da participação, porque essa é a via que podemos utilizar para sensibilizar as pessoas para a importância da educação.
Diria, apenas, que no que diz respeito à discriminação social consideramos que uma das medidas mais importante é a extensão rápida da educação pré-escolar a toda a faixa etária dos 3 a 6 anos. Não só como efectiva igualdade de oportunidades, mas também como condição muito importante de combate ao insucesso.
No que diz respeito à lei de bases, gostaria de deixar aqui muito claro que a nossa posição é a de total disponibilidade do Governo e do Ministério da Educação e Cultura para colaborar com a comissão especializada, se assim for entendido, fornecendo os meios, os números e qualquer outro tipo de apoio técnico que for julgado necessário. A própria comissão que será encarregada de coordenar a reforma do sistema de ensino é uma comissão que procurará dinamizar essa reforma. Não é ela que vai consubstanciar a reforma, já que esta há-de ser feita por todos nós e, principalmente, por esta Casa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, registo e compreendo a ausência do Sr. Primeiro-Ministro, por razões que têm a ver com os seus próprios compromissos como Primeiro-Ministro. De qualquer forma, como se encontra aqui o Ministro-Adjunto quero aproveitar para dizer que no dia da apresentação do Programa do Governo, e depois do discurso do Sr. Primeiro-Ministro, perante zonas brancas, acusámo-lo de ter feito um discurso em ziguezague.
Olhos nos olhos e com frontalidade, o Sr. Primeiro-Ministro respondeu-nos que não, remetendo para especialidade algumas questões.

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Terminado o debate, verificamos que a tal frontalidade não passou de meras palavras.
Em relação, por exemplo, à política social e à agricultura gostávamos de ter ouvido as intervenções dos Srs. Ministros do Trabalho e Segurança Social e da Agricultura, Pescas e Alimentação. Mas o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação já nos habituou a nunca intervir nos debates do Programa do Governo numa área tão sensível como é a agricultura.
De qualquer forma, em relação à área do trabalho, a Assembleia da República teria gostado muito mais de ouvir o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social do que ter conhecimento dos planos do Governo, através de uma entrevista dada pelo Sr. Primeiro-Ministro ao Times.
Afinal, confirmam-se as nossas preocupações, as nossas acusações, em relação à política social que este Governo pretende executar. É um Governo velho, com uma política velha, que vem reapresentar, pela terceira vez, o mostrengo jurídico do pacote laboral, da lei dos despedimentos, da lei das férias, feriados, e faltas, do trabalho negreiro, da alteração à lei das associações sindicais ... - se não percebeu, Sr. Ministro, eu explico-lhe: trabalho negreiro é o chamado «trabalho temporário».
O Sr. Ministro, com toda a sua arrogância, ao chegar à Assembleia da República, com o seu discurso, fez lembrar o homem que ao atravessar uma ponte insegura dizia «Deus é bom, mas o Diabo não é mau rapaz!» Falou em confiança, em concertação, mas prepara-se para entrar pelo caminho que levou à derrota dos governos da AD e à queda do governo anterior.
Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Entrem pelo caminho da destruição dos direitos fundamentais dos trabalhadores e este Governo terá certamente vida curta, porque o 25 de Abril e esses trabalhadores têm muito mais força, tal como se provou ao longo destes anos, que temos vivido depois do 25 de Abril.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está terminada esta fase do debate.
Está interrompida a sessão até às 22 horas e 30 minutos, hora a que iniciaremos o encerramento do debate.

Eram 20 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 23 horas e 5 minutos.
Após o intervalo, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Mendes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à fase de encerramento do debate. Dou a palavra ao representante do MDP/CDE, Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente/Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Neste debate do Programa do Governo, o MDP/CDE assumiu uma oposição frontal ao Governo e ao seu Programa por razões muito claras.
Em primeiro lugar, porque se trata de um Governo que conta com a mais reduzida adesão do eleitorado de todos os governos, sendo, por isso, o Governo partidário que ficará na história política da nossa democracia como o governo da menor minoria de sempre. Daqui resulta que o Governo dispõe apenas de um reduzido apoio social e político o que lhe retira, necessariamente, condições para assegurar a necessária estabilidade governativa e a indispensável eficiência da sua intervenção, demais a mais no quadro agudo dos graves problemas que o País enfrenta e que carecem de urgente solução.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Em segundo lugar, a nossa oposição ao Governo resulta de ele representar a continuidade de uma política de direita, contrária aos interesses da população, e responsável pela crise em que se precipitou o País.
Logo à partida, a permanência no Governo de diversos elementos do PSD, que faziam parte do anterior governo e até continuando a ocupar ministérios tão importantes como o da Agricultura ou o da Educação, começava a evidenciar que não iria haver alteração da ruinosa política que vinha sendo seguida.
E muito menos, quanto às linhas orientadoras de tal política, o programa eleitoral do PSD permitia diversas conclusões. Não obstante os retoques que, quer na campanha eleitoral, quer agora como Governo, o Primeiro-Ministro e o seu elenco governativo introduziram, habilmente, não se pode concluir que estamos perante uma nova política, mas perante a mesma política, cujos resultados bem visíveis são a ruína do nosso país.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - É que não basta reconhecer, como fez o Prof. Cavaco Silva, que há uma situação calamitosa, com salários em atraso, aumento do desemprego, perda do poder de compra e quebra do investimento, e que é .possível pôr-lhe cobro, através da assunção de uma política que associaria à estabilização com o crescimento económico.
E não basta também cobrir com o manto diáfano nos adjectivos ou das fórmulas novas, como a da «estratégia de progresso controlado», a continuidade das mesmas linhas de uma política que arruinou o País.
Além de fazer o diagnóstico da crise, importa determinar as suas causas e pôr em prática outra terapêutica, e não a mesma, mudando apenas os rótulos dos mesmos medicamentos utilizados.
Por isso o MDP/CDE, em face da profunda crise que atingiu o nosso país, tem defendido uma nova política de viragem democrática fiel a Abril e à Constituição, como a única capaz de enfrentar e resolver os problemas com que o nosso povo se debate.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Todavia, nas suas linhas fundamentais, o Programa deste Governo representa a continuidade da mesma política, cujos resultados são bem sentidos pela população.
O Governo aposta na iniciativa privada, como motor do desenvolvimento económico e social e reconduz o Estado a um papel supletivo, «disciplinando» - entre aspas - o sector público.

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Com tais princípios, não só o Governo não acata a Constituição, que estabelece a coexistência dos sectores da propriedade pública, privada e cooperativa e o desenvolvimento da propriedade social, como ilude a própria realidade.
Com efeito, o Governo procura fazer esquecer que as grandes empresas, habituadas durante décadas, ao regime da protecção em que viveram até Abril de 1974, não mostraram, em geral, capacidade de iniciativa que possibilitasse o desenvolvimento económico, apesar das medidas que sucessivos governos têm posto em prática, no sentido de as beneficiarem.
E procura ainda fazer esquecer que são na realidade, as empresas públicas que dominam a nossa economia. Na verdade, segundo dados relativos a 1983, foram as empresas públicas PETROGAL, INDEP, QUIMIGAL, A Tabaqueira e Siderurgia Nacional, as 5 empresas industriais que tiveram maior volume de vendas em contos: desde 245 milhões de contos de vendas, para a PETROGAL, até 28 milhões de contos, para a Siderurgia. E num estudo de 1979, do engenheiro Moura Vicente, presidente do Forum dos Gestores das Empresas Nacionalizadas, salienta-se que o sector empresarial do Estado teve cerca de 1,4 milhões de contos de lucros em 1978 e cerca de 10 milhões de contos de lucros em 1979, com uma dinâmica de crescimento de nível superior à média nacional, uma média de investimento superior à média nacional e um indicador de produtividade representando duas vezes e meia a média nacional, por trabalhador.
É claro que pretender transformar as empresas privadas em motor da economia é algo que corresponde a uma pura inversão da realidade.
No estádio actual da nossa economia, todos os sectores (público, privado e cooperativo) têm de ter um papel positivo no desenvolvimento económico, mas tal objectivo só é atingível, dando ao sector empresarial do Estado o papel de motor e mantendo o Estado os poderes que lhe cabem para intervir sempre que necessário na via de concretização dos planos por ele elaborados, e não procurando diminuir e apagar o papel do Estado, considerando-o meramente supletivo.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Por outro lado, o Programa é omisso quanto ao importante papel que representam na economia as pequenas e médias empresas. É que não basta referir-se a elas, era imperativo reflectir a preocupação constante da Constituição, de assegurar a sua protecção. E em tal matéria nada disse o Governo quanto a qualquer medida, uma só que fosse, que representasse a protecção das pequenas e médias empresas.
Mas em matéria de preocupação com o respeito da Constituição o Governo só evidenciou a preocupação contrária.
Na intervenção do Sr. Primeiro-Ministro, e até fora da Assembleia, no Conselho Mundial das Comunidades Portuguesas, pela voz da Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, ao que se assistiu, com espanto, foi a uma campanha contra a Constituição, defendendo-se a sua alteração, através da revisão constitucional, alegando-se que ela conteria «bloqueios» à actuação do Governo!
E em esclarecimento a outra grave omissão do Programa do Governo, relativamente ao papel dos trabalhadores, afirmou-se que este Governo «não é contra
os trabalhadores». A afirmação impõe dois comentários: por um lado, tudo indica que a actuação deste Governo, pesem embora as suas proclamadas intenções, será, efectivamente, contra os trabalhadores.

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - Basta, para isso, ter em vista a invocada «flexibilização» das leis do trabalho que o Primeiro-Ministro, em entrevista de ontem, ao jornal londrino Times, concretizou claramente como a revisão das «controversas - cito - leis do trabalho que proíbem o despedimento dos trabalhadores».
Acresce que não basta, para viabilizar qualquer governo, que não hostilize os trabalhadores: é indispensável que consiga a sua identificação e o seu empenhamento na resolução dos problemas do País. É o que está tão distante das preocupações deste Governo que nem sequer em tal pensou.
E não é diversa a situação no que toca ao tão importante sector da agricultura. Para além da promessa - mais uma - de um programa, o Governo limita-se a anunciar princípios vagos, salvo no que respeita à Reforma Agraria, em que, concretamente, se anunciam novos ataques, através da continuação da distribuição de terras, não obstante a Reforma Agrária constituir, nos termos da Constituição «um dos instrumentos fundamentais de realização da política agrícola».
E embora o Governo reconheça o forte constrangimento que a dívida externa impõe à nossa economia, não assume, como tal, a renegociação da dívida externa, o que se torna imperioso em face do peso que representa, dado o elevadíssimo montante da dívida externa e dos correspondentes encargos.
Como também o Governo não manteve as suas promessas de ao menos rever alguns dossiers da adesão à CEE, apesar das graves consequências, em diversos sectores da nossa economia, que os termos apressadamente estabalecidos, nos vem a acarretar.
Em matéria tão importante como o poder local, além de referir o Governo a sua maior responsabilização, sem que tenha ficado claro se tal não representa a imposição de novos encargos, sem as correspondentes receitas, retoma o Governo o projecto de propor a alteração da legislação eleitoral, para possibilitar a constituição de executivos maioritários, o que viria a atentar não só contra um apregoado pluralismo, mas ainda contra a representatividade e o carácter democrático e descentralizado do poder local, nascido do 25 de Abril.
Finalmente, no que respeita a um dos mais graves problemas nacionais, que é o problema da habitação e que nos coloca, como - infelizmente -, em quase todos os domínios da vida portuguesa na cauda dos países da Europa, também o Governo não formula senão meros princípios abstractos, repetindo até a formulação de governos anteriores e persistindo no grave equívoco de admitir que a Lei das Rendas, que só virá agravar o problema da habitação, seria um meio de contribuir para a sua solução.
E julgamos que chega, sem se pretender ser exaustivo (o que o tempo de intervenção impossibilitaria) para se concluir porque o MDP/CDE rejeita o Programa deste Governo.
Porque, nas suas linhas essenciais, o Programa retoma a orientação de governos anteriores, cujos resultados se traduziram, não na recuperação, mas no afundamento do nosso país.

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Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Porque não é este o Governo, que após 9 anos de política de direita, e da crise em. que progressivamente o País foi lançado, possa dar resposta aos graves problemas com que o nosso povo se debate.
Porque tal resposta só pode ser dada por outra política, de. viragem democrática, fiel a Abril e à Constituição, o MDP/CDE não aprova o Programa do X Governo, e, por isso, apresentou a respectiva moção de rejeição.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante do CDS, Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos mais uma vez, e numa data em que os sinais negativos da vida dos Portugueses se acumulam, perante estas circunstâncias evidentes: que, por um lado, Portugal precisa de um governo de plena competência que o represente num passo importante da nossa história, que é a entrada nas Comunidades Europeias, e assegure o acompanhamento responsável da construção de uma resposta à mudança que tal facto implica. Que o nosso sistema político, por outro lado, não consegue nesta data produzir senão um governo minoritário ou de maioria relativa, expressão que outros preferem para dizer o mesmo. O referido sistema, explicitado numa das mais vastas constituições mundiais, não tem virtualidades para conseguir que a regra da maioria parlamentar de apoio tenha a ambicionada vigência, e por isso temos visto multiplicar uma teoria de figuras subsidiárias para enfrentar a vida corrente: governos de iniciativa presidencial, memorandos constitucionais do Presidente da República a estabelecer o regime de relacionamento dos' Órgãos de Soberania, governos com prazo certo, governos de gestão, ministros em suspensão de funções, governos de gestão vigiados pelo Presidente da República. O que tudo significa, dispondo de uma das mais vastas constituições que nos encontramos frequentemente regidos pelo normativismo dos factos de que falava Mac Millan, e tal normativismo dos factos nos conduz ao Governo possível que está aqui. Nesta situação, o Programa do Governo, inspirado numa perspectiva tecnocrata, pode resumir-se a este conceito de Rougier, que citamos:
Alimentar uma população, construir casas, aquecer, iluminar, vestir, fornecer trabalho e educação, e manter uma moeda estável, são problemas técnicos que a ciência económica e as disciplinas sociais estão suficientemente avançadas para resolver sem a intervenção de sistemas apriorísticos ou de princípios preconcebidos.
Queremos que tudo isto seja feito com a urgência angustiadamente exigida por um país que caminha rapidamente para a categoria de Estado exíguo interna e externamente, mas acontece que os sistemas apriorísticos ou ideologias, e os princípios preconcebidos, fazem parte da sombria realidade portuguesa, e por isso não se avalia bem a pesada responsabilidade de governar, quando não se reconhece que o problema político condiciona prévia e severamente as capacidades de intervenção técnica. Fernando Pessoa lembrou-nos que Cristo não. sabia nada de finanças, mas foi com essa ignorância que produziu a multiplicação dos pães, uma proeza que os tecnocratas instruídos não conseguiram até hoje. Isto porque a política vem no começo de todas as coisas na realidade, em que vivemos. E 11 anos de experiência de legitimidade da origem do poder não deram a nenhum governo a oportunidade de ganhar a legitimidade que vem da acção: nunca foi possível fazer coincidir os tempos de legislatura, do plano, e da responsabilidade pela pilotagem política, não se definiu um conceito estratégico nacional que sobreviva à mudança de responsabilidades; não se reformulou o sistema educativo em termos de ao menos fazer parar, a degradação, e tornar possível a resposta cultural para os novos tempos; não se impediu o alastramento das feridas do tecido social, no qual cada vez se evidenciam mais as tensões regionais, e as divisões dos Portugueses entre aqueles que têm emprego e os desempregados, os que têm habitação e os que não tem tecto, os que encontram lugar na escola e os que ficam à porta, os que recebem salário e os que não recebem, os que comem e os que têm fome. Tudo isto, que é exemplificativo, se traduz em que o problema político vem antes do economicismo e da tecnocracia, e que não basta resolver aqui a questão de criar um governo para resolver o obstáculo das contestações plurais que extravasam dos órgãos politicamente competentes, para se mostrarem activas na rua, nos contrapoderes de que a acção judicial vai dando notícia, na Administração invadida e nos determinantes directórios partidários. Esquecer nestas circunstâncias que a legalidade não confere a legitimidade necessária, não faz justiça ao, peso do normativismo dos factos que domina a vida portuguesa. Basta recordar que a votação da Parlamento, ainda quando maioritária, não pode dispensar, para assegurar a manutenção dos governos, a continuada confiança dos directórios partidários.
O facto que iniciou o processo que formalmente termina hoje, foi uma decisão partidária que derrubou o governo anterior, não foi o exercício das competências parlamentares, o que tudo conduziu ao governo minoritário, porque as eleições não deram a nenhum partido a maioria absoluta expressamente pedida, e construíram um parlamento de maioria até agora impossível.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Respeitada a legalidade, estamos, rio domínio da legitimidade, pior do que antes, e por isso não admira que o frentismo avance agravando o problema político das divisões entre Portugueses e regiões.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Este é, o normativismo dos factos, e por isso; já que é necessário usar palavras para nos entendermos, diremos que aquilo que está mais em causa é julgar da credibilidade do Governo para os tempos que se avizinham, marcados por eleições importantes, não é tanto julgar da legitimidade que promete ganhar da acção, porque o sistema não deixa prognosticar que o Governo será de legislatura e terá esse tempo. Por isso, o Programa do Governo interessa menos do que

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a necessidade de ter um governo internacionalmente crível pelas competências, para pilotar o sistema até que termine o longo período eleitoral próximo que nos dará outra visão dos factos. Não aceitaríamos, como oposição, e não obstante os factos sérios que respeitam à mudança de estatuto do País - que não é o mesmo fora ou dentro das Comunidades Europeias sem para isso ler sido preparado - qualquer governo que não tivesse ao menos credibilidade nesse sentido. Reconhecemos, nesta data, perante o normativismo dos factos, a credibilidade do governo que se apresenta ao Parlamento, porque parece capaz de resistir à erosão partidária de que temos má experiência e que escapa à competência parlamentar, porque obteve maioria relativa nas eleições gerais, e no Parlamento não encontra maioria absoluta, o que torna frágil o seu programa legislativo sem o qual não poderá governar longamente, que nestas condições o Primeiro-Ministro foi correctamente designado; porque damos crédito à sua recta intenção; porque corresponde à necessidade de possuir um governo de competência plena.
Porque os conceitos constitucionais e regimentais são demonstradamente de conteúdo variável, a nossa posição em relação às moções de rejeição têm este significado: manter um governo de competência plena, não significa a aprovação do Programa que não pode ser exigível por um governo minoritário a um Parlamento de maioria de oposições. Mas não podemos omitir o aviso, ao País que ambiciona ser governado com estabilidade e pelo tempo de uma legislatura, que a solução é frágil, que dificilmente o Governo terá tempo para ganhar a legitimidade que vem da acção, e que o normativismo dos factos deixa prever que se tentará evoluir para um governo de Assembleia que reprovamos, que o programa legislativo se desenvolverá com tremendas dificuldades ou impossibilidades, porque os sistemas apriorísticos e os princípios preconcebidos fazem parte da sombria realidade portuguesa.
É ilusório apelar para o pragmatismo dos partidos porque este também não é neutral. E à margem Estado do espectáculo, em que vivemos, é país à deriva que vai ganhando um perfil que surpreende a cada acto eleitoral. Enquanto não for assumida a necessidade de rever o sistema que nos conduz à fragilidade em que estamos, revendo a Constituição política, acontecerá como agora, como no passado, que as melhores intenções do Governo terão a viabilidade dependente da prudência e do patriotismo das oposições, como estas os interpretam, e da permanência da vontade dos directórios partidários, que não dependem de nenhum Órgão de Soberania. Da nossa parte, o Governo terá uma oposição construtiva, a qual tem por conteúdo para nós uma regra clara: a intransigência começa quando as soluções adiantadas ou propostas não correspondam àquelas que nós próprios estaríamos decididos a desenvolver.
Isto para bem de Portugal à luz da doutrina social, cientes de que o País é pobre mas não é subdesenvolvido, que os pobres têm direito a ser privilegiados, e que todos não podemos consentir em sermos mais empobrecidos deixando progredir um processo de degradação que ameaça atingir a identidade nacional, que nos conduz aceleradamente para a categoria humilhante de Estado exíguo, que vai colocando no exterior os centros de decisão, que nos transforma no esgoto dos capitais sobrantes das multinacionais, que mata a paz no coração dos velhos, e coloca a angústia no lugar onde devia florescer a esperança dos mais novos.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Temos mais recursos do que aqueles em que se fala, porque o peso da dívida pública absorve todas as preocupações. Designadamente é possível ter finalmente uma política agrícola que corrija o desastre da Reforma Agrária.

Vozes do PCP: - Olha quem fala!

O Orador: - Implantar o associativismo que quebre o isolamento dos agricultores que vão sofrer os efeitos no Mercado Comum sem que em 11 anos ninguém lhes tenha explicado os tipos de desafios e de respostas que precisam de assumir; impedir que as populações sejam proletarizadas pelo fogo das riquezas florestais; reformar o ensino com base na regra de que todo o trabalho tem igual dignidade

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É que os homens distinguem-se pela maneira como vivem e não pelos títulos profissionais com que ganham a vida.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - ... mobilizar os recursos do mar, suprindo a omissão de estar uma década à espera de conseguir entrar no Mercado Comum sem ao menos ter criado uma Faculdade de Ciências do Mar; racionalizar os encargos da defesa e da relação entre as armas, para que o serviço militar seja mais digno, mais eficiente, e mais exaltante para quem assume o cumprimento desse dever cívico; rever a tabela das empresas públicas, e não confundir as que produzem serviços indispensáveis com as que apenas produzem encargos, e as necessidades mostram que não devem ser ocupação do Estado; criar a confiança sem a qual não existe investimento nem criação de postos de trabalho; tornar a confiança durável para que regressem os capitais portugueses que estão à vista no estrangeiro, e que talvez sejam superiores ao serviço da dívida pública que nos esmaga.

Vozes do PCP: - Vai-te embora saudade!

O Orador: - Mesmo para as formações políticas que sempre temem, justificadamente, que o poder económico se torne hegemónico em relação ao poder político, fazê-las admitir que um Estado ético não corre tal risco, e que é mais fácil manter essa superioridade do Estado a governar portugueses do que governar uma sociedade invadida por multinacionais como vai sendo o nosso caso, dar maior vigor à construção dos laços com os Estados de expressão portuguesa, sem esquecer o vastíssimo Brasil, porque a queda de um sistema político não é a mesma coisa que o desaparecimento da área onde a herança modernizante, que os novos governos serão obrigados a desenvolver, é portuguesa de origem. Não se pode é continuar a perder tempo em querelas que o sistema vigente não deixa extinguir - antes agrava - e, entretanto, outros vão ocupando o vazio.
Por muito que contraste as teses economicistas e tecnocráticas, a política vem no começo de todas as coisas, e a vontade é o seu elemento principal.

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Para solenizar a anunciada entrada na Europa, celebraram uma festa nos Jerónimos, porque nos dizem tratar-se de uma nova índia para um novo futuro. O local foi mal escolhido, porque a Torre de Belém é que marca o ponto de partida, e o Mosteiro não antecipou vitórias, consagrou o resultado do esforço colectivo. E o resultado não é ser admitido na batalha da reconstrução europeia, é estar nela com um Portugal livre e igual nas comunidades das nações, porque não existem homens livres e iguais sem que a sua Pátria tenha ela própria o estatuto real, e não simplesmente formal, de ser livre e igual nos direitos e nos deveres internacionais. Um Estado exíguo, situação para a qual caminhamos, sem autonomia de gestão financeira, sem autonomia de produzir aquilo que comemos, sem autonomia de pagar aquilo que devemos, está a caminho de perder esse estatuto. Teremos de mudar o sistema para restaurar a vida doméstica, para a partir desta restaurar o estatuto internacional para que os direitos e obrigações internas sejam efectivos, para, finalmente, ser tempo de construir os Jerónimos da nossa época...

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, em representação do PCP.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Seja qual for o resultado das votações que vão seguir-se dentro de pouco tempo, o debate sobre o Programa traduziu-se num grande desaire para o Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Risos do PSD.

O Orador: - Tanto a fórmula de governo minoritário como a política apresentada foram objecto de uma reprovação veemente e generalizada, como raramente tem acontecido na Assembleia da República. Riam agora, Srs. Deputados!

Risos do PCP e do PS.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Amarelos!

O Orador: - Se os votos que vão ser dados às moções de rejeição estivessem de acordo com as palavras produzidas no debate é uma evidência que o Governo não seria viabilizado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas se o Governo for viabilizado é evidente que o é por motivos que o transcendem e onde pesam as razões dos que lhe concederem a viabilidade e não a razão do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Só as pessoas muito distraídas não perceberão que o Governo nem sequer leva daqui o benefício da dúvida.

Risos do PSD.

O Governo sai do debate parlamentar mais minoritário do que aqui chegou.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que a comparação da exiguidade dos apoios políticos e parlamentares do governo PSD com a sua desmedida ambição de poder e os seus objectivos maximalistas lembra a fábula da rã que queria ser grande como um boi.

Risos do PSD.

Depois do que aqui se passou a ninguém pode restar dúvidas que a este Governo minoritário, mesmo que passe, está reservada a sorte e o futuro da rã.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas a questão que ainda se coloca à Assembleia da República, no momento em que intervimos, é precisamente a passagem do Governo. Dito de outra maneira, a questão é de se saber se uma Assembleia que desaprova tão veemente e generalizadamente um Programa de Governo - como aqui acontece -, pode deixar de o rejeitar. A questão é ainda neste momento a de saber qual o significado do Programa do Governo e de ajuizar, com rigor, as suas desastrosas consequências para o nosso povo, para o nosso país e para o regime democrático.
'A nosso ver o Programa do governo PSD chefiado pelo Primeiro-Ministro Cavaco Silva pode ser caracterizado por quatro traços essenciais: primeiro, é um Programa de cruzada contra a Constituição e que conflitua com a lei fundamental praticamente em todas as áreas da acção governativa; segundo, é, especialmente, um Programa de guerra ao sector público e de restauração plena dos poderes e privilégios do grande capital.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Terceiro, é um Programa que retoma e agrava os aspectos essenciais da política de direita seguida nos últimos anos e que comprovadamente não serve para resolver os problemas nacionais, e quarto, é um Programa que não dá estabilidade ao País, antes agudizará tensões e conflitos e abrirá um novo período de instabilidade política e institucional.
Vejamos cada um destes pontos.
Em relação ao primeiro, podemos dizer que logo na intervenção de abertura o Primeiro-Ministro levantou o pendão da cruzada contra a Constituição ao proclamar que «é indispensável para o País uma nova revisão constitucional», depois de considerar a lei fundamental como causa de bloqueios que, supostamente, impediriam a resolução dos problemas e de a rotular de «ponto de discórdia». É verdade que depois de chamado à pedra pela bancada do PCP e pela bancada do PRD (esta com a força persuasiva que se lhe reconhece na presente conjuntura parlamentar), o Primeiro-Ministro ensaiou um recuo e veio jurar que respeita escrupulosamente a ordem constitucional e «esta Constituição enquanto ela estiver em vigor».
Verifica-se, no entanto, que os juramentos do Primeiro-Ministro são mera formalidade, pois o Programa do Governo comporta um projecto que nada tem a ver com o projecto constitucional e desrespeita a ordem constitucional e a Constituição em vigor em praticamente todas as áreas da proposta acção governativa.

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Frequentemente onde a Constituição diz branco o Programa do Governo diz preto.
Onde a Constituição pressupõe uma organização económica assente na apropriação colectiva dos principais meios de produção, numa coexistência harmoniosa nos diversos sectores, no apoio às diversas formações económicas, o Programa do Governo proclama apostar «inequivocamente na iniciativa privada», isto é, no poder do grande capital com os seus privilégios que, segundo o Governo, é «a fonte autêntica e insubstituível do desenvolvimento económico nacional» - como se não tivéssemos uma experiência de 50 anos a mostrar o contrário.
Onde a Constituição define três sectores de propriedade dos meios de produção (público, privado e cooperativo), assegura a irreversibilidade das nacionalizações e o desenvolvimento da propriedade social, o Programa do Governo tem como linha de rumo essencial desmantelar, reprivatizar, desnacionalizar e inverter o papel do Estado na organização económica. Chega-se ao cúmulo de escrever, preto no branco, a p. 33 do Programa: «Reconduzir-se-á o Estado ao seu papel supletivo na economia de mercado, eliminando--se a exorbitância do seu património...», etc. Parece uma norma retirada da Constituição de 33!
Onde a Constituição assegura aos trabalhadores direitos de intervenção democrática na vida das empresas, protecção contra o arbítrio, estabilidade no emprego com a proibição de despedimentos sem justa causa, o Programa do Governo propõe colocar nas mãos do patronato a arma de livre despedimento, adulterando ou eliminando mesmo o conceito de justa causa.
Enquanto a Constituição da República dedica um título inteiro à Reforma Agrária, a «constituição revista» pelo Programa do Governo não lhe dedica uma palavra, mas contém um enxame de medidas práticas, visando liquidar na realidade aquilo que elimina no seu texto.
Isto acontece assim na saúde, no ensino, na habitação, na segurança social, na comunicação social, em praticamente todos os sectores.
A regionalização e a criação das regiões administrativas, por exemplo, não está no horizonte deste Programa de Governo. Pelo contrário, nas entrelinhas antevê-se um plano de expansão do poder da Administração Central a pretexto, designadamente, dos dinheiros do FEDER, estrangulando a verdadeira descentralização e a criação de órgãos regionais eleitos pelas populações.
Já encontramos no Programa do Governo o propósito de rever inconstitucionalmente a legislação eleitoral para as autarquias e para a Assembleia da República. Que não haja ilusões! Diz-se que se pretende facilitar a formação de governos, dar estabilidade aos executivos, aproximar os eleitos dos eleitores. O resultado visado não é este!
Nas condições concretas de hoje, do nosso país e da Assembleia da República, bem se percebe que o sonho do PSD é transformar os seus exíguos 29% numa maioria parlamentar, afastar de executivos municipais forças representativas das populações que lhe são incómodas, manter-se indefinidamente no Poder.

O Sr. Malato Correia (PSD): - É a vontade popular!

O Orador: - É esta distorção admissível? Não é!
E é por isso que a Constituição a proíbe. E é por esta e outras que o Governo quer rever a Constituição.
A cruzada contra a Constituição vai a tal ponto que com legitimidade se pode dizer que o Programa do Governo visa aplicar na prática o projecto de revisão constitucional que a AD apresentou e que foi derrotado em 1982. Isto é especialmente flagrante quanto ao sector público.
O Sr. Primeiro-Ministro afirmou que só faz guerra à miséria. É falso.

O Sr. António Lacerda (PSD): - É verdade!

O Orador: - O alvo principal da guerra do seu governo é precisamente o sector público, e, se ela se consumasse, os resultados seriam mais falências, mais despedimentos, mais desemprego, mais salários em atraso e mais miséria. Não exageramos. A ofensiva contra o sector público compreende uma multiplicidade de acções tendentes a descapitalizar, encerrar empresas, alienar sectores e partes rentáveis, leiloar carteiras de participações, abrir o capital de empresas públicas aos grandes grupos económicos privados e conceder-lhes a gestão de funções e áreas-chave das empresas, reprivatizar o mais depressa possível, total ou parcialmente, empresas públicas e nacionalizadas.
Isto significa a continuação e aprofundamento da cruzada da espoliação, de acumulação e centralização forçadas, com a transferência coerciva para o grande capital da propriedade dos meios de produção, de recursos financeiros e de mais-valia. A insistência feita no Programa do Governo ao «papel supletivo do Estado» põe a descoberto a ideia de um Estado afeiçoado ao serviço do grande capital para proceder pela força a esta colossal transferência de propriedade, de meios e de poderes.
O recurso à violência, a instrumentalização das forças de segurança, a desobediência às decisões dos tribunais, a ilegalidade e a repressão fazem parte deste projecto, como tem sido demonstrado nas diversas intervenções contra a Reforma Agrária feitas já na vigência deste Governo, mas que não quebrou o espírito de resistência dos trabalhadores que querem produzir e que este Governo não há-de impedir que produzam em benefício da economia e do País.
Aplausos do PCP.
Este alerta é particularmente justificado quando o Ministro da Agricultura, que aqui se mantém comprometidamente calado, prepara novos ataques às UCP, como o seu secretariado denuncia em telex hoje enviado aos partidos parlamentares.
A atitude do Governo face ao cumprimento da lei fica bem ilustrada com a incrível passividade que tem mantido em relação à emissão pirata de televisão há dias promovida em condições que constituem desafio à Constituição e à autoridade do Estado.
Passando ao terceiro traço atrás enunciado, cabe referir que o Programa do Governo, deixando cair alguns dos acenos demagógicos que o Primeiro-Ministro assumiu durante a campanha eleitoral, retoma e agrava todos os aspectos essenciais da política de direita seguida nos últimos anos e que embora rebaptizada de «estratégia de progresso controlado», é comprovadamente incapaz de dar solução aos problemas nacionais.

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Na política económica fala-se de. aumento da produção, que o PCP há muito preconiza como a primeira de todas as prioridades de uma política que tenha em vista a saída da crise e o desenvolvimento do País.
Mas pode fazê-la um governo em guerra com as novas realidades da economia do 25 de Abril, em guerra com os trabalhadores, com os pequenos e médios agricultores e empresários? Mas pode fazê-la um governo que aposta no prosseguimento da liberalização da actividade importadora, na abertura da economia portuguesa à CEE, que não prevê programas de emergência para reanimar sectores em crise, como a construção civil? Acresce que saímos daqui sem que o Governo se tenha comprometido à imediata e significativa baixa da taxa de juro e à redução palpável da taxa cambial que o PCP há muito, preconiza.
É também particularmente inquietante o silêncio do Governo sobre questões como o futuro do Alqueva, o Plano Siderúrgico Nacional, da metalurgia do cobre, das pirites do Alentejo, ou sobre a reestruturação da marinha mercante e da frota de pesca, a reconversão dos sectores têxtil, metalo-mecânico, vidreiro, etc.
Entretanto, no que se refere à política social, o debate esfumou o quadro idílico que o Governo pinta em certo passo do seu Programa com claros objectivos eleitoralistas. A perspectiva real que dele se colhe é a manutenção da degradação da situação social, com tectos salariais disfarçados, despedimentos colectivos e outros sem justa causa, encerramentos de empresas e falências, mais desemprego, incluindo para os jovens e as mulheres, «libertações» de trabalhadores da função pública, piores condições de habitação sem incremento da construção e com a aplicação da iníqua lei das rendas, piores condições de saúde, segurança social, ensino è cultura.
O Governo não apresenta nenhuma resposta justa e eficaz para as grandes chagas sociais. Aos trabalhadores com os salários em atraso anuncia-se que o Estado adiantará algum dinheiro apenas àqueles que renunciaram ao seu 'posto de trabalho, engrossando o desemprego. Às famílias que vivem abaixo de limiares dê subsistência digna, nenhuma garantia. Aos quase dois milhões de reformados, a mesma perspectiva da manutenção da situação degradada.
Esta chocante insensibilidade social revela bem o espírito de um Programa do Governo, que parece feito por uma equipa de frios gestores rodados rias engrenagens do lucro e do mercado e que repentinamente chegam ao poder, ao serviço de um projecto tão retrógrado que torna impressionantemente actual a interrogação produzida um século atrás por Almeida Garrett. Como ele, podemos hoje perguntar «aos economistas-políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível e penúria absoluta para produzir um rico».

Aplausos do PCP.

Este debate também esfumou a miragem dos tesouros da CEE e mostrou bem como estão ameaçados os interesses nacionais, o que foi também confirmado no que se refere às negociações com a Espanha, pelo próprio Primeiro-Ministro, em recente entrevista ao Times. O Governo, entretanto, enjeita as críticas e os distanciamentos anunciados pelo Sr. Primeiro-Ministro antes e durante a campanha-eleitoral em relação às condições de integração negociadas pelo anterior governo. Afinal, a luta do Governo parece agora reduzir-se ao objectivo antes dado por assegurado (com grandes dúvidas nossas) de não sermos contribuintes líquidos no Mercado Comum. Este cair de braços é inadmissível. A Assembleia da República não pode aceitá-lo. No mínimo, há que exigir a renegociação dos dossiers e das cláusulas mais lesivas para o País.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Da mesma forma são de rejeitar as posições de afunilamento das relações externas e o enfeudamento a projectos e planos que põem em causa a paz e acarretam graves perigos para o País. É particularmente inquietante a ignorância de que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros deu provas quanto às irregularidades das concessões feitas aos Estados Unidos da América, em particular quanto à instalação da estação, de rastreio de Almodôvar, integrada no projecto Reagan da «Guerra das Estrelas».

O Sr. José Magalhães (PCP): - Incrível!

O Orador: - A análise que fizemos mostra que o Programa do Governo, que para mais terá como intérprete um executivo minoritário, não reúne mínimas condições para criar um clima de confiança e dar ao País e às instituições a estabilidade de que carecem. A, atitude conflitual. que o Governo adopta face à Constituição, às realidades estruturais nascidas com o 25 de Abril, aos direitos dos trabalhadores, agricultores e de outras camadas sociais, à autonomia do poder local e à própria legislação eleitoral é uma fonte evidente de novas tensões, choques e confrontações e um ponto de partida para um novo período de instabilidade social, política, governativa e institucional.
Importa por tudo isto salientar que se o Governo passar por muito minoritário, fraco e condicionado, que seja, por muito que tenha os dias contados, será mesmo assim Governo. É esta a responsabilidade que assumem aqueles que o viabilizarem nas votações que vão seguir-se, responsabilidade que, estamos certos, será particularmente pesada para os que, apesar de tudo, compreendem os perigos que a passagem deste Governo representa para o País.
Os deputados do, Grupo Parlamentar do PCP vão votar a favor de todas as moções de rejeição. Ao fazê-lo não temos dúvida de que estamos a interpretar justamente á vontade manifestada pelo povo português em 6 de Outubro e as novas condições criadas para uma verdadeira mudança na política e no governo do País.
A nova correlação de forças partidárias e o novo quadro parlamentar apontam para a convergência de vontades, energias e capacidades dos democratas e patriotas que, deixando de lado interesses e rivalidades estreitas, sejam capazes de pôr-se de acordo na formação de um governo democrático de salvação nacional, que enfrente e dê solução aos graves problemas com que o País se debate, designadamente no campo económico e financeiro, no campo social e na defesa da soberania e independência nacionais.
Esta ideia ganha adeptos todos os dias. Com os episódios deste debate e deste Governo vai ganhar mui-

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tos mais. Pela nossa parte, com os olhos postos nos interesses do País e do nosso povo, continuaremos a luta!

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A posição do PRD face ao Governo e às moções de rejeição ao seu programa apresentadas por 3 grupos parlamentares tem de ser encarada e definida, atendendo a diversos aspectos e ângulos de abordagem. E o primeiro 6 o da análise das condições políticas em que surgiu o actual Executivo. Assim, há que lembrar e destacar o seguinte: na sequência do Congresso da Figueira da Foz do PSD, a anterior coligação, que já conhecera múltiplos sobressaltos e várias vezes estivera à beira do colapso, rompeu-se em definitivo.
Consumada a ruptura da coligação, todos os partidos se pronunciaram pela inevitabilidade e necessidade de novas eleições, com excepção do PS.
Assim, e se outras razões não houvesse, as eleições eram inevitáveis, até porque nenhum novo governo passaria na Assembleia da República. O que espanta é que ainda agora haja quem continue a defender que a dissolução do Parlamento não era inevitável e não se devia ter operado, nessa medida criticando explicita ou implicitamente o Presidente da República, e criticando-o também por não ter convidado o PS a formar um governo minoritário. Mais: criticando o Presidente da República por ter nomeado o actual Primeiro-Ministro, e manifestado a sua solidariedade institucional ao governo do PSD, que apenas obteve 30% dos votos nas eleições de 6 de Outubro, e nada ter feito para tornar possível um eventual governo minoritário do PS, que representava 36% dos votos.
Esta crítica, porém, carece por completo de fundamento e de lógica, pois além de não se saber se as novas eleições proporcionariam uma solução de Governo maioritário - e o PS até sustentava que tal era possível, fixando o seu objectivo eleitoral em 43% do sufrágio popular -, a verdade é que, quando o PS pretendia fazer um governo minoritário com base nos seus 36 %, de facto já representava muito menos e não era sequer o maior partido, como os resultados de 6 de Outubro demonstraram.
Ë óbvio, pois, que manter a Assembleia da República com a anterior composição e possibilitar um governo que dela emergisse (o que aliás, como se viu, nem sequer era possível) constituiria uma violação à vontade real do eleitorado e por isso uma violação também das próprias regras democráticas.
Aplausos do PRD.
Realizadas as eleições de 6 de Outubro, elas demonstraram uma inquestionável vontade de mudança por parte do eleitorado e alteraram radicalmente o quadro partidário preexistente, em especial pela consagração, desde já, do PRD como terceiro maior partido, o que constitui, sem dúvida, o facto político novo mais importante dos últimos anos.
Por outro lado, os resultados eleitorais fizeram do PSD o partido mais votado, mas não lhe permitiram
ter maioria ou formar um governo maioritário. Acresce que não havia qualquer hipótese de formar outras maiorias, como resulta, sem margem para dúvida, das posições claramente expressas pelos diversos partidos.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pela sua parte, de resto, o PRD sempre disse que ou seria o partido mais votado, ou não iria para o Governo, nem faria quaisquer acordos de incidência governativa ou parlamentar, nem sequer entraria em combinações ou partilhas tendentes a auferir qualquer espécie de benefícios, como contrapartida a, por exemplo, deixar passar o Governo.
Não fizemos um partido para navegar nas águas do Poder, mas sim para lutar por princípios e objectivos que consideramos os melhores para o nosso país - e quisemos e queremos, também neste aspecto, deixá-lo sempre bem claro.
Dado o quadro político emergente das últimas eleições, não havia, na prática, neste momento, outra hipótese do que a de um governo minoritário. E só poderá opor-se-lhe por princípio quem pense ser preferível não se formar nenhum governo. O nosso entendimento do interesse nacional não é este, e por isso desde o início admitimos a hipótese de não inviabilizar tal governo, desde que o seu programa, a sua composição e a sua estrutura a tal não nos obrigassem.
Estamos, pois, colocados perante uma solução de governo minoritário, idêntica à que esteve na origem do I Governo Constitucional e cuja possibilidade a revisão constitucional de 1982 quis expressamente manter.
Aliás, tal tipo de solução tinha sido expressamente colocada ao eleitorado como hipótese possível, durante a última campanha eleitoral pelo PSD, pelo PS e pelo PRD.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Dos inconvenientes desta solução governativa se falou aqui abundantemente, e alguns são reais. Mas tal solução também poderá ter alguns méritos, nomeadamente: um governo minoritário é, em princípio, homogéneo, não tendo de procurar a sua coerência em laboriosas negociações ou transacções; um governo minoritário é, igualmente em princípio, forçado a maior rigor, a maior transparência, a procurar o diálogo e os consensos necessários ao prosseguimento da sua acção governativa, enquanto os governos apoiados em largas maiorias tendem a subalternizar os parlamentos, assim os desprestigiando.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - O mesmo se dirá quanto aos parceiros sociais. E não é possível ignorá-los ou transformá-los em seguidores mais ou menos dóceis.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como afirmámos neste debate, a política económica do Governo não nos inspira grande confiança.
Há agora condições para promover o relançamento da economia, uma vez que as contas externas voltaram a estar praticamente equilibradas...

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... que a inflação já caiu bastante e que a conjuntura internacional é altamente propícia, com a cotação do dólar a cair e os preços do petróleo e de outros primários a baixarem.

O Sr. José Leio (PS): - Muito bem!

O Orador: - Este Governo tem assim a sorte de encontrar uma conjuntura que permitirá aumentar a produção, melhorar o nível de vida das famílias, reactivar o investimento, recuperar muitas empresas em crise e prosseguir na via de afrouxamento da inflação. Tem, por conseguinte, possibilidades de conquistar popularidade, graças às condições favoráveis que encontrou no momento da sua posse.
Apesar de tudo isto, o Programa do Governo suscita algumas inquietações. As promessas que nele são feitas de que as dificuldades económicas do nosso país virão quase a desaparecer até ao fim da década são nitidamente irrealistas.
Há, por isso, motivos para recear que volte a haver falta de controle adequado na política económica.
Já tivemos a demonstração de como podem ser pesadas as consequências de políticas orientadas para a conquista da popularidade fácil, sem cuidar dos equilíbrios económicos fundamentais, que é necessário observar, e sem atender a que os resultados de muitas medidas, de efeitos aparentemente benéficos a curto prazo, se podem revelar altamente nocivos a médio prazo.
Tememos que os mesmos tipos de política económica se voltem a repetir.
Na política económica proposta pelo Governo há, sem dúvida, aspectos positivos. Mas, depois da apreciação que fizemos, ficamos com dúvidas muito sérias sobre algumas orientações fundamentais dessa política e com grandes apreensões sobre as suas consequências. Não ficou claro que os objectivos assumidos pelo Governo sejam compatíveis entre si. Ficamos com a opinião de que os instrumentos propostos nem sempre são adequados para atingir os objectivos fixados. E estamos convencidos de que não foram devidamente levadas em conta as condicionantes de natureza exógena que nenhuma política económica bem estruturada pode ignorar.
Preocupa-nos também a pouca iniciativa que o Governo demonstra em áreas que para nós são fundamentais, para o aprofundamento da democracia, para o desenvolvimento das regiões e do País.
Defendemos intransigentemente a regionalização, o desenvolvimento regional e o reforço do poder local, e porque reconhecemos tratar-se de tarefa imensa e de um verdadeiro objectivo nacional, estaremos dispostos a debater propostas e a participar activamente na sua definição.
Dada uma grande coincidência de pontos de vista de todos os partidos com representação parlamentar sobre a necessidade de um efectivo processo de regionalização, pensamos que esta questão poderá mesmo servir como teste decisivo para aferir na prática das boas intenções do Governo, em matéria de diálogo e de relacionamento com a oposição.
Sr. Presidente. Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O País precisa de um governo, de um governo que governe bem, e que o faça através de uma actuação coerente.
Como já aqui afirmámos, não seremos nem situação nem oposição tradicionais, mas sim alternativa. E procuraremos, enquanto grupo parlamentar, desenvolver uma acção profunda e positivamente crítica da actuação do Governo.
Sobretudo, que fique bem claro: não contem connosco para os jogos tradicionais da luta política, nem para levantar obstáculos injustificados para derrubar o Governo, nem para artificialmente o manter.
Assumimo-nos como alternativa, mas saberemos aguardar que o eleitorado nos conceda de forma inequívoca, se assim o entender, o direito de governar Portugal.
Todas as nossas posições serão sempre ditadas pela nossa própria consciência e pelo desejo de bem servir o País. Na nossa acção nunca negociaremos com o objectivo de conseguir benesses políticas. Apoiaremos ou rejeitaremos em função daquilo que entendamos ser o interesse nacional.
O compromisso não é, em democracia, um mal. Obriga a renunciar a ideias próprias para alcançar as ideias viáveis. Portugal precisa dessa procura de consensos face aos grandes desafios que vai enfrentar.
Por tudo isto, encarámos sem apriorismos o debate.
Conferir-lhe sentido e conteúdo foi realizado reservando para o seu final uma tomada de posição.
Nas nossas intervenções tivemos ocasião de manifestar diversas reservas, que nos suscitam uma posição de distanciamento crítico face a este Governo.
Claro ficou que, com tal posição, não sendo este o nosso governo e o nosso programa, não poderíamos conferir-lhe a nossa confiança.
Sempre seria esta, aliás, uma posição estranha: um Governo sem apoio parlamentar maioritário pode pedir a confiança da Câmara, apoiando-se nas tarefas realizadas e nos seus projectos para cumprir novas tarefas, mas não é necessário que a peça para iniciar uma acção, quando é certo que não tem obrigação constítucional de o fazer.
O sentido do nosso voto deve ser compreendido nos seguintes parâmetros: por um lado, o PSD quer governar sozinho por sua conta e risco; por outro, nenhum dos partidos que apresentam moção de rejeição propôs qualquer alternativa de Governo.
Ora, Portugal necessita muito urgentemente de um governo em pleno exercício das suas funções.
Não teria sentido, a nosso ver, inviabilizar esta hipótese antes de ela dar provas, ou substituí-la por outra, acentuando um divórcio, que não podemos ignorar, entre os Portugueses e a Assembleia da República.
Não inviabilizaremos, pois, o Governo.
Mas dele exigiremos, como as críticas formuladas ao longo deste debate demonstraram, que vá corrigindo constantemente a sua actuação e buscando consensos alargados, políticos e sociais.
O PRD manterá nesta assembleia uma acção fiscalizadora da actividade governativa nos seus múltiplos aspectos e com todos os meios que a Constituição lhe fornece.
E, no futuro como agora, o PRD pautará a sua posição perante este Governo pelo que for a sua acção concreta e pelo que em nossa consciência entendermos serem interesses de Portugal e dos Portugueses.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

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O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Debatido o Programa do Governo pode qualquer grupo parlamentar apresentar uma moção de rejeição que, a ser aprovada, fará cair o Governo, ou não apresentar qualquer moção, ficando assim o Governo no pleno exercício das suas competências.
O Grupo Parlamentar do PS apresentou um moção de rejeição, que tem como objectivo político obrigar os partidos representados na Assembleia da República a clarificarem a sua posição.
Essa clarificação só agora é possível porquanto: o Sr. Presidente da República não pôs, como condição necessária à nomeação de V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, a necessidade de se obter nesta Assembleia uma maioria, tanto quanto possível estável.
Nestas palavras vai, obviamente, alguma dose de crítica em relação ao Sr. Presidente da República. Primeiro, porque é um direito e, segundo, porque o Sr. Presidente da República é um órgão eleito pelo povo português.

Vozes do PS: - Muito bem!

Uma voz do PRD: - Não apoiado!

O Orador. - Por outro lado, V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, não fez, aparentemente, quaisquer esforços nesse sentido.
Espanta que o não tivesse feito, tanto mais que V. Ex.ª, uma vez eleito líder do PSD na Figueira da Foz, rompeu a coligação governamental em virtude do PS não ter satisfeito um conjunto de condições que V. Ex.ª considerava essenciais à governação.
Tomemos três dessas questões, que foram, de resto, as que conduziram à ruptura: em primeiro lugar, a questão da lei agrária e dos indivisos; em segundo lugar, a questão das leis laborais e a flexibilização dos despedimentos, e, em terceiro lugar, a questão da lei eleitoral para as autarquias.
Com a primeira, lançava-se nos campos a questão fundiária, com a segunda, relançava-se nas empresas a luta de classes; com a terceira, punha-se em causa o poder local.
Estas três questões eram questões essenciais do Estado, em relação às quais o Partido Socialista não podia ser senão intransigente.
Feitas as eleições, o PSD foi o partido mais votado, estando muito longe de obter a maioria absoluta.
As medidas que considerava essenciais, porém, não são aplicáveis numa Assembleia da República como esta, atentos os discursos já pronunciados pelo PS, PRD, PCP, CDS e MDP/CDE.
Mais ainda: as medidas maximalistas, em nome das quais o PSD rompeu a coligação, são inaplicáveis pelo PSD neste Governo...
Vai o PRD repor a questão dos indivisos, flexibilizar os despedimentos ou renovar no sentido pretendido pelo PSD a lei para as autarquias locais?
Pelos discursos agora produzidos não parece que assim seja...
Rompeu o PSD a coligação, desfraldando a bandeira das profundas reformas de estrutura.
Mas que reforma de estrutura pode o PSD fazer com um Governo que não dispõe de maioria parlamentar?
Dizem alguns Srs. Deputados do PSD que o Governo é constitucionalmente legítimo...
E é constitucionalmente legítimo simplesmente isto, como vou demonstrar, é arrombar uma porta aberta.
Não se discute aqui a questão da legitimidade do Governo, mas a da sua capacidade para agir.
Isolado, monocolor, teria o Governo de fazer um espantoso esforço de consenso, de procura de pontos de encontro, de renúncia a alguns dos seus projectos mais controversos, para conseguir dar aos Portugueses alguma estabilidade.
Mas no comício de abertura do PSD no Pavilhão do Infante de Sagres, no Porto, o Dr. Cavaco Silva afirmava:
Vamos pôr Portugal em ordem. Neste momento estou cada vez mais convencido de que vamos governar sozinhos, sem nos termos de coligar com ninguém.
Estas palavras eram proféticas...
Faltava ao seu autor dizer como ia «pôr Portugal em ordem» e «governar sozinho»...
O estado de espírito para a concertação ou a procura de consensos não era famoso, como se vê...
Contudo, esperava-se que o Programa do Governo trouxesse, nesta matéria, algo de novo...
Infelizmente, o Programa do X Governo Constitucional é em dois pontos inovador.
Mas a inovação consiste em ocultar o pensamento governamental num conjunto de generalidades e, como inovação, é infelizmente muito má.
Como má inovação é, também, a indicação como índices positivos de uma política de factos que devem ser creditados ao Governo cessante. Assim, e de forma meramente exemplificativa e não taxativa:
O aumento de pensões sociais neste momento só foi possível em resultado da política financeira e orçamental do governo cessante;
A redução da taxa de juros em 3%, já anunciada, só foi possível porque o anterior governo reduziu a taxa de inflação de 29% em 1984 (em média anual) para cerca de 20% (em média) em 1985, com uma previsão de mais ou menos 15% até ao fim do ano. Isto demonstra bem que a prometida redução para 14% em 1986 tem um significado relativo, dada a taxa que serve de ponto de partida;
O crescimento do produto em 1985 deverá ser da ordem dos 2%. Logo, o relançamento da economia já começou;
Os salários foram em 1985 negociados entre 21 % e 26%. Os ordenados dos funcionários públicos foram fixados também acima do nível da inflação previsional do ano, iniciando o poder de compra dos salários uma recuperação de 2 a 5 pontos - já em 1985;
A dispensabilidade de um orçamento suplementar em 1985 - que parece poder ter-se por certa - é também resultado de uma política orçamental da responsabilidade do anterior governo;
Enfim, a perspectiva de significativos apoios financeiros da CEE foi também possibilitada pelo tratado de adesão assinado pelo governo cessante.
Numa consabida frase poderia dizer-se que as coisas originais do Programa do Governo não são boas e que as coisas boas não são originais...

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Os acontecimentos demonstrarão em breve que o Governo poderá obter, neste Parlamento, uma vitória de Pirro.
De pé, tão-só e por hipótese pela não aprovação de uma moção de rejeição, incapaz de apresentar uma moção de confiança, que os que, eventualmente, recusam votar as moções de rejeição se não aprestam contudo a conceder, fica o Governo de V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, preso por um fio..., o que não deixa de ser, tristemente, irónico quando V. Ex.ª nos fala em estabilidade...
De resto, o X Governo Constitucional é responsável pela apropriação pela política de um conceito de direito económico de que todas as bancadas - espero que com a excepção da bancada socialista - usaram e abusaram neste debate: a viabilização.
Na verdade, e conforme se vem ouvindo dentro e fora desta Assembleia, o Governo não vai ver rejeitado ou aprovado o seu Programa.
Nem vai ser-lhe concedida ou recusada a confiança.
Vai ser simplesmente «viabilizado» (!!!).
Ora, e como consta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 112/83, de 22 de Fevereiro:
A figura jurídica dos contratos de viabilização é um instrumento de saneamento económico-financeiro ao dispor das empresas privadas.

Risos do PS e do CDS.

Simões Patrício, nas suas Lições de Direito Económico (p. 385), ensina-nos que os contratos de viabilização têm por fim:
Potenciar a viabilização de empresas económica e financeiramente degradadas [...]

Risos do PS.

As palavras, Sr. Primeiro-Ministro, são, às vezes, traiçoeiras!
A verdade e que o conceito de «viabilização» assenta, como uma luva, à situação que vivemos.
Trata-se de um Governo politicamente degradado, enfraquecido pela falta de uma maioria, e que pretende, à espera de tempos melhores, que outros «potenciem a sua viabilização».
Seria difícil encontrar maior manifestação de fraqueza e falta de objectivos políticos.
Da mesma forma importa afirmar que são co-responsáveis com o Governo os partidos compartes nesta operação.
Se e após o J'Acuse do Dr. Silva Lopes ou as reservas e críticas do CDS, se seguir não a condenação clara, mas a discreta acção viabilizadora do PRD ou mesmo do CDS, os Portugueses terão tendência a acreditar mais nos actos que nas palavras.
Infelizmente, estes textos são escritos antes de ouvirmos as opiniões das restantes bancadas parlamentares. Depois de ouvirmos a opinião do PRD, pela voz do Sr. Deputado Hermínio Martinho, vem-nos ao espírito uma frase pronunciada num contexto diferente. Na actual situação política, e em relação a este Governo, o Sr. Deputado Hermínio Martinho e o PRD definem uma política de neutralidade colaborante.
V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, ficará, como quer que seja, na situação de executar a política que outrora condenou.
Quebrou uma coligação por exigir medidas maximalistas e é incapaz de fazer aprovar medidas bem mais moderadas.
Propôs reformas estruturais e é incapaz sequer de as enunciar no Programa do Governo.
Propôs-se governar com autoridade e vê restringirem-se-lhe os espaços dos consensos possíveis.
Não podendo pedir a confiança da Assembleia da República aceita, como uma qualquer empresa com dificuldades de tesouraria, a simples viabilização...
Condenou a mera ocupação do Poder e prepara-se, enfim, para tão-só ocupar o Poder. E, lamento por V. Ex.ª, talvez por pouco tempo.
Contudo, o apoio veemente e entusiástico do PSD e o carácter retintamente PSD do actual Governo dá talvez aos Portugueses uma única garantia: terminaram, meus senhores, os álibis e as desculpas. O PSD está todo, inteiro, no Governo.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Isso é o que vamos ver!

O Orador: - Será difícil agora implementar a tradicional operação de cosmética, que consiste em mudar o líder e comunicar a boa nova - nasceu um PSD novo liberto dos erros do passado...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Esperemos outra Figueira da Foz!

O Orador: - Tudo, na vida, tem o seu fim, Sr. Primeiro-Ministro.
O Partido Socialista rejeita ou aprova programas, concede a confiança ou censura os governos, mas recusa esta figura descabida, pálida, obscura que dá pelo nome de «viabilização».
Por isso apresentou uma moção de rejeição.
E vai votá-la.

Aplausos do PS e do deputado independente Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Em representação do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ao usar da palavra em nome do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata, no encerramento deste debate, cumpre-me salientar, em primeiro lugar, a postura e conduta correctas assumidas pelo Governo em geral e pelo Primeiro-Ministro, em particular, face à instituição parlamentar e aos partidos aqui representados.
Sem arrogância descabida nem subserviência indesejável, o Governo dirigiu-se e apresentou-se à Assembleia da República nos termos que lhe são devidos, face ao lugar que ocupa no quadro dos órgãos de soberania e reconheceu às oposições o papel que lhes cabe na nossa democracia.
Ficou claro, como não podia deixar de ser, o respeito escrupuloso manifestado pelo Governo face à Constituição da República, sem prejuízo da iniciativa que cabe a este Parlamento, no sentido da sua revisão, tarefa para a qual o meu grupo parlamentar não deixará de dar um contributo activo, na linha das reformas que temos defendido e anunciámos durante a campanha eleitoral.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A estrutura e a composição do X Governo, mesmo antes da análise do respectivo Programa, cujo debate agora se encerra, merecem do Grupo Parlamentar do PSD uma apreciação global muito positiva e são indiciadores de constituírem um suporte favorável à acção do Executivo.
Estamos perante o Governo quantitativamente mais reduzido desde o 25 de Abril. Um Governo em que não se detecta um só caso que permita a suspensão de que os ministérios e secretarias de Estado existam para servir antecipadamente determinados candidatos e muito menos para resolver equilíbrios ditados por interesses partidários.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Um Governo que se afigura dotado dos níveis adequados de coordenação, a começar pela completa e primeira assunção das responsabilidades por parte do Primeiro-Ministro. Um Governo, finalmente, que reúne à partida todas as condições para que não se transforme numa federação de ministérios - como no passado já sucedeu -, mas sim que constitui uma equipa, coerente e coesa, com um só líder e um só discurso, actuando harmoniosamente para atingir os objectivos a que se propôs.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, os reparos feitos por alguns partidos à estrutura do Governo apenas incidiram, significativamente, sobre o nível hierárquico de certas áreas que antes constituíam ministérios autónomos. Não pensamos que a nova inserção desses departamentos diminua a sua relevância no quadro da acção governativa e muito menos a sua operacionalidade, a relevância da cultura e do ambiente, ou mesmo das pescas, dependem sim de factores distintos daqueles, e que nos parecem plenamente contemplados no Programa do Governo, a eficácia da respectiva acção está garantida também pela importância que o Governo não regateará a tais departamentos e à capacidade que reconhecemos aos secretários de Estado responsáveis por esses sectores.
Por exemplo, o ambiente desliga-se de sectores com os quais poucas afinidades revelou e junta-se, aliás de acordo com a tendência europeia, às áreas com as quais manifestamente tem mais contacto, com a nota adicional e muito positiva de agora também abarcar o Saneamento Básico e os Recursos Naturais.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Quanto à composição saliente-se, desde já, que o Governo integra, sem complexos, muitos independentes. Estes não reúnem, por isso e em abstracto, melhores condições para os lugares que vão assumir. Mas é saudável constatar que sempre que o Primeiro-Ministro entendeu que a solução adequada não passava pelos quadros do PSD, não tenha hesitado em obter a colaboração de independentes que garantem a plena identificação com os objectivos definidos e as políticas propostas.
Para o Grupo Parlamentar do PSD, o elenco do Executivo liderado pelo Prof. Cavaco Silva preenche uma estrutura adequada, e porque integra um conjunto de
cidadãos de honorabilidade indiscutível e de comprovada competência, reúne as condições necessárias para o êxito que lhe auguramos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O X Governo não desfruta à partida de apoio parlamentar maioritário estável, previamente negociado, e esse foi um aspecto presente em muitas intervenções aqui produzidas.
Diremos para começar que, sendo certo que assim é, não decorre necessariamente menor estabilidade dessa situação. O que certamente decorre, como, aliás, já foi aqui reconhecido, é mais coerência e coesão, atributos que notoriamente têm faltado à generalidade dos governos de coligação anteriores, contribuindo assim para a respectiva desagregação.
De qualquer modo, como referiu o Sr. Primeiro-Ministro no discurso proferido na posse do Governo, «um entendimento partidário de governo ou parlamentar tem de ser fruto de uma disponibilidade inequívoca de assumir responsabilidades em comum. Se ela não existir não deve ser forçada». Assim, «a ausência de vontade revelada pelos partidos democráticos para participarem na construção de uma solução governativa coerente e eficaz com suporte parlamentar maioritário, e a profunda alteração do quadro partidário, exigem que as soluções e raciocínios políticos se adaptem às novas circunstâncias. Nestes termos, o Governo [...] constitui imperativo da opção eleitoral e dever patriótico que o nosso sistema jurídico-constitucional acolhe».
E eu, com o devido respeito, permito-me ir mais longe que o Sr. Primeiro-Ministro: não apenas não houve uma manifestação de disponibilidade inequívoca de assumir responsabilidades em comum, como também houve expressamente a manifestação clara, e agora, sim, inequívoca de todos os partidos representados nesta Assembleia de nem sequer encararem a celebração de acordos estáveis de mera incidência parlamentar.
Pergunta-se, assim, que sentido útil teria a procura forçada desses acordos, conhecida como era a posição dos demais partidos? Pensamos que nenhum sentido, a não ser protelar a constituição do Governo e criar expectativas vãs e por isso indesejáveis.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim sendo, assumimos plenamente as nossas responsabilidades formando Governo. Um Governo que é de maioria relativa, mas que saberá retirar a força que precisa da esperança nele depositada pelos Portugueses e na sua capacidade de dar respostas concretas e positivas aos seus anseios mais profundos e prementes.
Não deixa, a propósito, de ser curioso transcrever as palavras do Dr. Mário Soares, aquando da discussão do Programa do I Governo Constitucional, a que presidia:
O Governo do Partido Socialista, em sentido rigoroso do termo, e um governo minoritário, visto que, não obstante o seu programa poder eventualmente vir a merecer o consenso de outros grupos parlamentares, ele é fundamentalmente apoiado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que é na Assembleia, como se sabe, minoritário. De-

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pois, para os actos concretos da governação, o Governo procurará apoiar-se, sem preconceitos ideológicos, sem negociações prévias, neste ou naquele grupo parlamentar, sem discriminações e consoante a sua leitura do interesse nacional.
Repito que estas palavras foram proferidas pelo Dr. Mário Soares e apenas acrescento que então o PS não apresentou qualquer moção de confiança.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas vale a pena, também a propósito, recordar o que nesse debate se disse na bancada do PSD em resposta às declarações do então Primeiro-Ministro:
Que governo vem aqui apresentar o seu programa? Pois foi dito claramente: um governo do Partido Socialista. [...] e se, como sociais-democratas, temos o nosso programa próprio e não nos identificamos com o programa que serve de base a este Governo também aqui não vimos nem aqui estaremos para hostilizar um tal governo [...]
As nossas divergências não se traduzirão em hostilização sistemática nem equivalerão a transpor para esta Casa, através da luta partidária, quaisquer intuitos de derrubar o Governo.
Acabei de citar Francisco Sá Carneiro, no debate do programa do I Governo Constitucional (governo minoritário, monopartidário, do PS).

Aplausos do PSD.

Agora, na oposição, o PS nem o benefício da dúvida nos concede.
Para encerrar este ponto limito-me a acrescentar que, aquando da formação do I Governo, não ocorreu como agora a generalizada indisponibilidade para acordos, visando, o suporte parlamentar maioritário a esse executivo.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Certamente compreenderão que não me detenha sobre as propostas contidas no Programa do X Governo. Essa foi a tarefa dos meus colegas de bancada que participaram activamente no debate, que agora encerramos, no decorrer do qual se reforçou a nossa convicção de que estamos perante o Programa politicamente adequado para governar Portugal e ultrapassar progressivamente a crise económica, social e moral em que o País se encontra mergulhado. Um Programa que assenta e mergulha nos princípios essenciais do nosso ideário social-democrata - que não renegamos nem fechamos em qualquer gaveta - um Programa que, sem embargo, se reclama do pragmatismo que decorre do diagnóstico que fazemos da situação em que o País se encontra. O País que quer ser governado com estabilidade e competência. Ninguém aqui contestou a legitimidade democrática deste Governo. Ninguém aqui apresentou qualquer alternativa a este Governo. Deixemos então o Governo governar, sem obviamente abdicarmos das nossas responsabilidades e das nossas competências como deputados.
Sr. Primeiro-Ministro: Disse V. Ex.ª no decorrer deste debate:
É preciso muito trabalho [...], o caminho é extremamente difícil, mas há um caminho. Não temos medo das dificuldades, assumimos o risco. Queremos trabalhar, queremos resolver os problemas do País.
Sr. Primeiro-Ministro, conta o Governo, com o apoio e o trabalho dos deputados sociais-democratas nesse caminho que nos propomos percorrer.
Como ficou claro no decorrer do debate, o nosso apoio não é incondicional nem é acéfalo. Será salutarmente um apoio activo, construtivo e inteligente.
Não seremos correia de transmissão de ninguém - nem do Governo, nem da cúpula partidária -, nem seria essa a postura que VV. Ex.ªs esperam ou desejam da nossa parte.
Mas porque acreditamos no Governo e no seu Programa, aqui estaremos, solidários, na convicção e no propósito firme de servir os interesses do País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As observações feitas durante a apreciação do Programa do Governo nem sempre foram justas ou objectivas. Nomeadamente, o Programa é suficientemente explícito em termos das linhas gerais de orientação e principais medidas para que dele não se possa dizer, como algumas vezes foi referido, que é vago. De resto, se assim fosse, como explicar as referências concretas, múltiplas e tão diversificadas feitas por todas as bancadas da oposição e a própria vivacidade do debate? Será que se discutiu durante tantas horas um vazio de propostas? Ninguém de boa fé o pode afirmar.
Por outro lado, não vale a pena gastar tempo relativamente às criticas e medidas não constantes do Programa, como o despedimento de funcionários públicos, a transferência da Polícia Judiciária para o Ministério da Administração Interna, a extinção da ANOP ou o reforço da esfera de acção do Instituto de Defesa Nacional, para só citar alguns exemplos.
E sobre a afirmação feita de que «na defesa mandarão os militares», quero afirmar que o Governo considera que os militares são, no exercício das suas funções e nos diferentes graus da sua hierarquia, disciplinados e disciplinadores e que acatam, com perfeita noção do dever militar, a submissão das Forças Armadas ao legítimo poder democrático.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo respeitará integralmente a Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas; respeitará as atribuições específicas dos diversos órgãos nela instituídos, mas não abdicará das competências que a mesma lei claramente lhe atribui.
Além disso, chegou-se a atribuir ao Governo o propósito de desrespeitar a Constituição pelo simples facto de constatar e referir, como o fizeram várias forças par-

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lidarias durante a recente campanha eleitoral, que ela inclui preceitos que são bloqueadores da execução de um Programa directamente votado pelo eleitorado e que dificultam a resolução de alguns problemas do nosso país.
A nossa posição nesta matéria é transparente e bem conhecida.
A acção do Governo desenvolver-se-á sempre dentro dos estritos limites da ordem constitucional vigente, mas desejaríamos ver a Assembleia da República realizar uma nova revisão constitucional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Passaria de imediato a fazer referência a algumas, por não ser materialmente possível falar neste momento de todas, das grandes áreas, do Programa do Governo que mereceram justificadamente a particular atenção dos Srs. Deputados.
A política económica do Governo é uma política de coragem. Não se estranhará, pois, que tenha causado alguma perturbação em espíritos mais timoratos. Não pensamos que se trate de alcançar a «quadratura do círculo». Fazer política económica em Portugal hoje não pode ficar-se apenas pela realização daquilo que é fácil e simples. Alguns de outra coisa não são capazes. A política económica do Governo é ousada, sem deixar de ser realista.
O Governo promoverá o combate à inflação - reduzindo-a já para cerca de 14% no próximo ano -, objectivo essencial para conseguir uma maior justiça social, racionalizar o comportamento dos agentes económicos e alcançar um desenvolvimento mais harmonioso da nossa economia.
A política económica do Governo conduzirá a um aumento do poder de compra dos salários líquidos e à criação de novos postos de trabalho, através do crescimento da produção e de um forte esforço de investimento.
Já em 1986 se espera que ocorra alguma redução do desemprego, o qual irá, seguramente, decrescer de forma significativa em 1987 e nos anos seguintes.
O crescimento do produto que o Governo projecta para 1986, no âmbito da «estratégia do progresso controlado» assentará especialmente no aumento da produtividade, dado o baixo nível de utilização da capacidade produtiva instalada.
A articulação das políticas monetárias, orçamental, cambial e de rendimentos e preços será decisiva na actuação do Governo, não apenas sobre o lado da procura como tem sido padrão de comportamento entre nós, mas também - o que é fundamental - sobre o lado da oferta, e aqui sobre os custos unitários da produção. É assim, com a política de redução de custos unitários, que o Governo contornará o clássico conflito de curto prazo entre os objectivos da redução da inflação e do desemprego e também incentivará o investimento e defenderá a competitividade externa.
Tudo isto numa perspectiva de médio prazo, de acordo com uma política de orientação gradualista, de que as políticas de estabilização constituem apenas uma parte que não é seguramente a mais relevante, pelo menos na sua forma tradicional de intervenção.
O Governo considera, como consta do Programa, a iniciativa privada como parte insubstituível do desenvolvimento económico e social, mas não aceita que tal constitua -como foi afirmado por uma força
partidária - violação da Constituição, nem tão-pouco se pretende com essa posição destruir o sector público. É coisa bem diferente e necessária pretender, como se pretende, reduzir as intervenções administrativas do Estado na economia, disciplinar as suas despesas, conter o volume das suas necessidades de financiamento e promover a viabilização económico-financeira das empresas públicas a médio prazo, de modo a que elas deixem de ser uma carga social e economicamente injustificável para consumidores e contribuintes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vários Srs. Deputados se referiam às possíveis consequências da adesão à CEE sobre a nossa economia. Vale a pena acrescentar ao que já foi dito alguns esclarecimentos sobre o impacte da adesão no sector agrícola, nas suas duas vertentes principais e distintas: a política de mercado (de preços) e a política de estrutura (de investimento agrícola).
Quanto à política de preços, a aproximação dos preços dos nossos produtos agrícolas aos que vigoram na Comunidade será feito ao longo de um prazo entre 7 e 10 anos.
No caso em que os nossos preços são superiores aos comunitários, como acontece com os cereais, leite e carne, essa aproximação obrigará a um esforço importante de reconversão das regiões do País onde as produções agrícolas não conseguem ter rendimentos unitários compatíveis com os níveis de preço, comunitários, de modo a que as explorações agrícolas não se tornem economicamente inviáveis.
Esse mesmo ajustamento dos preços dos produtos agrícolas, a efectuar nos próximos 7 a 10 anos, exigirá do Governo uma particular atenção aos custos dos factores de produção.
Ainda na área da política de preços, convém salientar que, ao contrário de ideias muito divulgadas sobre a matéria, serão muitos os produtos agrícolas em que, sendo os nossos preços inferiores aos comunitários, a adesão irá representar uma subida progressiva desses mesmos preços com benefícios importantes para a agricultura portuguesa.
Mas, quer para a política de reconversão da nossa agricultura quer para a melhoria das suas infra-estruturas, da qual resultará obviamente uma melhoria da produtividade agrícola, irá Portugal ter acesso a importantes fundos comunitários e a programas especiais previstos exclusivamente para o caso português.
Está neste caso o PEDAP (Programa Específico para o Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa), que prevê a concessão ao nosso país, durante os próximos 10 anos, de uma verba global de 700 milhões de ECU.
A negociação com a Comunidade do regulamento para a aplicação dos fundos do Programa Específico para o Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa está praticamente terminada, prevendo-se que o Conselho de Ministros da Agricultura da CEE o venha a aprovar na sua reunião do próximo mês de Dezembro.
Esse regulamento e em nossa opinião altamente vantajoso para Portugal, pois a participação da Comunidade na grande maioria dos investimentos no sector agrícola variará entre 50% e 75% do respectivo valor total.

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Para avaliar da repercussão que terá na agricultura portuguesa a adopção da política de estruturas da CEE diremos que estimativas já efectuadas prevêm que o total de investimentos no sector agrícola venha a atingir nos próximos 10 anos cerca de 500 milhões de contos (a preços de 1985), o que representa um enorme aumento sobre os níveis actuais de investimento no sector e do qual há a esperar importantes melhorias para toda a agricultura portuguesa.
Quero também reafirmar que este Governo não vai, ao contrário do que algumas vezes aqui foi dito, fixar tectos salariais, embora tenha uma política de rendimentos através da qual procurará assegurar a descida da taxa de inflação e a subida dos salários reais. O Governo aposta no diálogo, quer com os partidos da oposição, como já deu o exemplo, quer a nível dos parceiros sociais.
O Governo garante a actualização anual dos salários mínimos nacionais. Quanto às remunerações no âmbito da contratação colectiva, o Governo perfilha o entendimento de que deve ser salvaguardada e reforçada a liberdade e a autonomia das empresas e ou associações patronais e dos sindicatos, consagrada nas convenções da Organização Internacional do Trabalho, sempre com a possibilidade de recurso à conciliação, mediação a arbitragem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Programa do Governo afirma igualmente a garantia constitucional de segurança no emprego e da proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.
Em sentido aliás apontado em documentos das duas centrais sindicais, pretende-se atribuir à legislação do trabalho coerência sistemática e adaptá-la às leis vigentes na generalidade dos países das Comunidades Europeias, de modo a incentivar o emprego permanente.
Em suma, é firme propósito do Governo garantir e preservar de forma efectiva os direitos dos trabalhadores. O Governo não confunde como outros as garantias fictícias com a insegurança real. O Governo não pretende manter um quadro jurídico que, embora em teoria confira mais certezas aos trabalhadores, é na prática o que piores resultados tem trazido para esses mesmos trabalhadores.
Aplausos do PSD.
Quero também sublinhar, uma vez mais, a alta prioridade atribuída pelo Governo ao sector da educação. Prioridade que se não esgota no aumento dos meios que serão colocados ao seu dispor.
Com efeito, o Governo pretende criar efectivas e adequadas condições para uma reforma global e coerente, participada, que possa permitir a superação de muitos dos males que repetidamente vêm sendo diagnosticados. Neste domínio importa não causticar desnecessariamente estudantes e famílias, fugir às soluções laceis e preparar com isenção e seriedade as verdadeiras bases das reformas estruturais.
A erradicação do analfabetismo, a luta contra o abandono e insucesso escolares, assim como outros aspectos relevantes no panorama educativo podem e devem ser objecto da intervenção do Governo. E sê-lo-ão! Contudo, a verdadeira solução passa pelo ataque às suas causas profundas, que têm a ver com a renovação da escola, a qualidade dos professores, com a adequação dos programas e currículo, em suma, com a qualidade do ensino e com a necessária reforma do sistema.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E permitam-me que acrescente que este, como qualquer outro governo, deverá a este respeito procurar uma sintonia e diálogo permanentes com a Assembleia da República, de modo a que se possam unir esforços e vontades em prol de objectivos nacionais importantes e decisivos para o nosso futuro.
Aplausos do PSD.
Exemplo do que afirmo é a plena disponibilidade do Governo para cooperar com a Assembleia da República na formulação de um projecto de lei de bases, se for julgado desejável e como for julgado desejável.
Quero também reafirmar que a criação de um Ministério da Educação e Cultura não pressupõe confusão entre os conceitos de cultura e educação e justifica-se, pelo menos, transitoriamente, porque grande parte dos problemas culturais são de raiz educativa.
O Governo teve a coragem de prescindir, nesta matéria, de efeitos de curto prazo em favor do longo prazo.
Que fique, porém, bem claro que tal não significa qualquer redução do esforço na promoção da criação ou difusão cultural.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante o debate, várias vezes foi colocada a questão dos apoios parlamentares do Governo. O Governo -- como dizia na minha declaração iniciai - não ignora que, à partida, não conta com uma maioria parlamentar absoluta, mas tão-só uma maioria relativa.
Não nos encontramos, pois, na situação aparentemente confortável de executivos que nos precederam e que dispunham dessa base de apoio. No entanto, como ficou mais uma vez provado, as aparências por vezes iludem e o que se afigura como formalmente sólido nem sempre garante uma estabilidade real.
Muitas das considerações feitas pelos Srs. Deputados encontram-se desajustadas das novas circunstâncias. Como em ocasião anterior já referimos, no sentido dos resultados eleitorais de 6 de Outubro está contido quer o facto de os Portugueses terem votado menos por fidelidades partidárias e mais pela credibilidade das propostas apresentadas, quer ainda a alteração, não dispicienda, do quadro partidário até então existente.
O povo português sabe, o povo português está perfeitamente seguro e convicto de que este Governo é a solução natural a extrair das eleições de 6 de Outubro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Essa é a sua expectativa e pela nossa parte não o desiludiremos.
Mas frustrar ou não essa expectativa não depende apenas de nós. A responsabilidade e assegurar aquilo que é um legítimo anseio popular - um governo que governe, para usar as palavras do Sr. Presidente da República -, a responsabilidade, dizia, não é só nossa.

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Neste momento, Srs. Deputados, ela está acima de tudo nas vossas mãos. Todos sabemos, Governo e Assembleia da República, que seremos sujeitos ao juízo daqueles que representamos.
Por nós cumprimos, como continuaremos a cumprir, com as nossas obrigações. Formámos rapidamente a equipa governamental, elaborámos sem demoras o Programa e submetemo-lo à vossa apreciação. Aliás, como foi sublinhado, fomos mesmo além do que nos era imposto pelo conteúdo dos nossos deveres constitucionais e legais, tendo dialogado, previamente à sua entrega no Parlamento, sobre esse mesmo Programa com todos, menos com quem não quis dialogar.

Aplausos do PSD.

Estamos aqui para receber a investidura parlamentar, que nos termos constitucionais não exige a apresentação de uma moção de confiança.
Ao invés, a não investidura é que exige a aprovação por maioria absoluta de uma moção de rejeição.
Uma certeza, porém. Não aceitaremos, nem o povo português compreenderia que aceitássemos, que o facto de não dispormos de uma maioria absoluta nos impeça de exercer plenamente as nossas funções.

O Sr. Lacerda de Queiroz (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Compreender-se-á que proceda agora a uma análise tão breve quanto possível das motivações das moções de rejeição que deram entrada na Mesa da Assembleia.
Quanto ao PCP e ao MDP/CDE, não temos nem nunca tivemos dúvidas. Ainda sem conhecer o Programa do Governo, já o Partido Comunista anunciava que iria apresentar uma moção de rejeição, mostrando assim que não necessitava de qualquer tipo de esclarecimento e que considerava inútil este debate!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Conhecemos quanto baste. Seis anos já nos chegam!

O Orador: - O PC opõe-se por sistema a tudo o que seja um governo efectivo. Nesta Assembleia e fora desta Assembleia, a rejeição, o protesto, a obstrução são o seu método habitual.

Aplausos do PSD.

Espera o Partido Comunista que um dia esta guerra de desgaste dê alguns frutos e que se reúnam as condições para a formação de um governo de «frente popular», a que eufemisticamente chama de «governo de salvação nacional». Mas o povo português recusa essa política de «terra queimada» e essa guerra de desgaste é bem capaz de cansar o seu próprio eleitorado. Não será já um sinal disso mesmo o seu resultado nas últimas eleições?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aquilo que os comunistas porventura não esperariam era encontrar aliado tão solícito e tão disponível nas bancadas do Partido Socialista, o qual também apresentou uma moção de rejeição.
Este partido, que acaba de sair de uma derrota eleitoral, em vez de procurar nos modelos da sua prática política as verdadeiras causas da sanção que lhe foi im-
posta pelo povo soberano, parece deixar-se levar pelo ressentimento, esquecendo que o seu eleitorado certamente não quer ver o partido em que votou preso na estratégia destrutiva do Partido Comunista.
O que aqui está em jogo é o Governo de Portugal, um governo que resolva de facto os problemas que afectam o dia-a-dia dos nossos concidadãos.
O Partido Socialista volta a laborar num erro de apreciação política. Conduziu a campanha eleitoral ignorando as realidades. Agora confunde os planos e tenta fazer da discussão do Programa do Governo um instrumento do ajuste de contas que parece querer encetar com o Presidente da República que -sublinhe--se - ajudou a eleger.
Nessas contas nada temos a haver nem a dever, nem por causa delas podem os Portugueses ser privados da estabilidade por que anseiam.

Aplausos do PSD.

Por acaso não foi o PS que, quando o IX Governo Constitucional entrou em crise, se dispôs, sem uma vontade actualizada do eleitorado, a formar um governo minoritário? E o que pretenderia agora o PS? Que o voto dos Portugueses expresso no dia 6 de Outubro nada significasse? Que desse resultado não saísse um governo em pleno exercício das suas funções? Que os próximos actos eleitorais decorressem em clima de insegurança e intranquilidade? Que os Portugueses continuassem permanentemente à espera das soluções para os problemas que os afligem?
Foram avisadas aquelas forças que não assumiram atitudes preconcebidas nem optaram por votos predeterminados.
Estamos certos que essa atitude construtiva foi ditada não por razões de cálculo, mas pela ponderação do superior interesse nacional. Esse valor vai agora, por certo, repercutir-se de forma positiva na posição final a assumir por cada um dos Srs. Deputados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Dizer, por um lado, que se defende a estabilidade e se irá praticar uma oposição construtiva e, por outro lado, tentar desde já inviabilizar o Governo é cair em contradição insanável.
Dizer, por um lado, que se defende a estabilidade e se irá praticar uma oposição construtiva e, por outro, não votar contra essas tentativas de inviabilização é, de algum modo, sufragar as teses frentistas do governo de salvação nacional.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Bem observado!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo veio para este debate de espírito aberto, como é exigido pela natureza colectiva dos problemas em apreciação e pela emanação popular deste órgão constituído por homens e mulheres responsáveis e empenhados no bem comum.
O debate foi útil, aproveitou ao Governo e pensamos que à Assembleia da República. Também os cidadãos, a partir de agora, estarão em condições de melhor ajuizar a conduta de cada um.
O debate decorreu com a elevação esperada. A única excepção não atingiu nem o Governo nem a Assembleia. Fica com quem a cometeu.

Aplausos do PSD.

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Não ofende quem quer; ofende quem pode.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Face a problemas tão graves e tão urgentes a que, como país, temos de dar solução, não pode haver mais adiamentos.
Para além de todas as exigências decorrentes da nossa próxima adesão à CEE, é todo um povo que nos exige urgência na resolução do desemprego, da carestia de vida, da pobreza, da falta de habitação, das carências na saúde e na educação, da falta de projectos de futuro para os jovens e tantas outras questões sempre exaustivamente mencionadas e nunca resolvidas.
Perante a gravidade e o arrastamento da situação, é legítimo que coloquemos uma vez mais em causa as razões que levaram certas forças partidárias à apresentação de moções de rejeição.
O que deve ser rejeitado, e o Governo rejeita claramente perante esta Assembleia e o País, é o atraso no enfrentar dos problemas que afligem os Portugueses.
O que deve ser rejeitado, e o Governo rejeita, é que se guarde para amanhã aquilo que tem de ser feito hoje, porque amanhã é já demasiado tarde.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Somos contra o imobilismo, contra o conservadorismo e não nos deixamos adormecer na miragem das soluções ideais; queremos mostrar que existem soluções concretas para os problemas que nos afligem.
A essa tarefa vamos dedicar todo o nosso esforço. Usaremos todo o nosso engenho, imaginação, capacidade e competência para cumprir a esperança que renasceu nas últimas eleições.
O Governo assume-se como um todo coerente e coeso, a quem cabe a definição de execução de políticas globais e sectoriais devidamente articuladas e coordenadas entre si, de modo a convergirem eficazmente na realização dos objectivos propostos.
Sentimos o peso da enorme missão que temos à nossa frente e vamos assumi-la com humildade, mas também com confiança e optimismo. Não nos acomodaremos perante o que está errado, face ao que é necessário corrigir ou reformar. Não nos conformaremos com a apatia, o adiamento e a ineficácia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O povo português merece esta doação sem reservas e sem limites e tem mesmo o direito de a exigir.
Desde a primeira hora procurámos ser objectivos e eficazes. Mesmo assim são passados 45 dias sobre a nossa vitória eleitoral e o povo, compreensivelmente, tem dificuldade em entender que só agora o Governo, por razões que lhe são alheias, possa entrar no pleno exercício das suas funções.
Falamos pouco de ideologia, embora reconheçamos que a Assembleia da República é o local apropriado para fazê-lo. Compreenderão que, dadas as circunstâncias que todos sobejamente conhecemos, tivéssemos dado prioridade às soluções concretas dos problemas.
Seremos um Governo essencialmente pragmático. Casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão. O povo português exige de nós, políticos, que deixemos de ralhar e lhe demos finalmente o pão que precisa e a que tem direito.

Aplausos do PSD.

Se a ideologia informa e orienta a nossa acção, não deixaremos que ela nos enrede em concepções limitativas, porque a nossa ideia primeira e última, como já afirmámos várias vezes, é a resolução dos problemas do povo português.
A nossa preocupação é realizar, conseguir, resolver.
E acreditamos que é também esse o empenho da maioria desta Assembleia. Acreditamos que também para ela é um imperativo moral servir o País. E servir o País implica, agora, não inviabilizar o trabalho sério que nos propomos realizar.
Vamos trabalhar como Governo de todos os portugueses.
Fizemos aqui a prova de que temos capacidade para resolver os problemas. Poderão alguns dos Srs. Deputados pensar que não é tudo ou que isso não basta para que a Assembleia da República nos deixe governar.
Mas, Srs. Deputados, o povo que sente esses mesmos problemas dirá que é isso que verdadeiramente importa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrado o debate.
O Sr. Deputado-Secretário vai proceder à leitura das três moções de rejeição pela ordem de entrada na Mesa, a fim de, em seguida, se realizarem as respectivas votações.
A votação proceder-se-á imediatamente após a leitura de cada uma delas. Como estatui o Regimento, as moções acima mencionadas serão votadas uma a uma, uma vez que ninguém requereu o intervalo regimental previsto.
Vai então proceder-se à leitura da moção de rejeição apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS.

Foi lida. É a seguinte:

Moção de rejeição

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista vem, ao abrigo e para os efeitos do disposto nos artigos 195.º e 198.º da Constituição da República, apresentar a seguinte moção de rejeição:
A Assembleia da República rejeita o Programa do X Governo Constitucional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à sua votação.

Submetida à votação, foi rejeitada, com 86 votos contra, do PSD, 88 votos a favor, do PS, do PCP, do MDP/CDE e dos deputados independentes Lopes Cardoso, Ribeiro Teles e Maria Santos, e 65 abstenções, do PRD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a moção de rejeição que se acabou de votar não foi aprovada, visto que não obteve a maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, exigida nos termos constitucionais.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não há maioria relativa?

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não há, não!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai agora proceder-se à leitura da moção de rejeição apresentada pelo Grupo Parlamentar do MDP/CDE.

Foi lida. É a seguinte:

Moção de rejeição

Considerando que o X Governo é um governo minoritário, não dispondo do necessário apoio social e político, pois assenta apenas em 29% dos votos do eleitorado;
Considerando que o Programa apresentado pelo Governo não constitui a indispensável e urgente resposta aos graves problemas decorrentes da profunda crise em que o País foi lançado;
Considerando que o Programa do Governo visa alterar o quadro económico-democrático, agravando as desigualdades sociais que o regime de Abril visou superar;
Considerando que o Programa do Governo se orienta por princípios que colidem com a Constituição da República;
O Grupo Parlamentar do MDP/CDE apresenta a seguinte moção de rejeição:
A Assembleia da República rejeita o Programa do X Governo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então proceder à respectiva votação.
Submetida à votação, foi rejeitada, com 108 votos contra, do PSD, do CDS e do deputado independente Ribeiro Teles, 39 votos a favor, do PCP, do MDP/CDE e dos deputados independentes Lopes Cardoso e Maria Santos, e 92 abstenções, do PS e do PRD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se finalmente à leitura da última moção de rejeição, apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP.
Foi lida. É a seguinte:
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, ao abrigo e para os efeitos dos artigos 195.º e 198.º da Constituição da República, apresenta a seguinte moção de rejeição:
A Assembleia da República rejeita o Programa do X Governo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetida à votação, foi rejeitada, com 108 votos contra, do PSD, do CDS e do deputado independente Ribeiro Teles, 39 votos a favor, do PCP, do MDP/CDE, dos deputados independentes Lopes Cardoso e Maria Santos e 92 abstenções, do PS e do PRD.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos trabalhos.
Vou seguidamente anunciar a ordem do dia para a sessão de amanhã, que terá lugar pelas 15 horas. Não haverá período de antes da ordem do dia. A sessão iniciar-se-á com uma primeira parte para discussão do projecto de resolução n.º 3/IV, apresentada pelo PS, e do projecto de deliberação n. º 1/IV, apresentado pelo PCP, relativo à criação de comissões eventuais.
Na segunda parte da sessão proceder-se-á à votação final global dos projectos de lei sobre eleições presidenciais. De seguida, realizar-se-á a posse das comissões permanentes.
Queria também lembrar os Srs. Deputados de que na próxima sexta-feira, às 16 horas, haverá uma sessão especial, extraordinária, no Senado, para receber o Sr. Presidente da República Democrática de São Tomé e Príncipe. Portanto, pedia aos Srs. Deputados o favor de participarem nessa reunião.
Entretanto, tem ainda a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, queria perguntar a V. Ex.ª se mantém a conferência dos representantes dos grupos parlamentares para as 12 horas de amanhã.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a conferência ficou marcada para as 12 horas da manhã, mas não tem de ser anunciada aqui. Contudo, mantém-se a sua marcação.
Srs. Deputados está encerrada a sessão.

Era 1 hora e 30 minutos.

Moção de rejeição

Considerando que o Programa do Governo está em aberto conflito com a Constituição da República em praticamente todas as áreas fundamentais da acção governativa;
Considerando que a política nele apresentada é incapaz, como a experiência já mostrou, de dar solução aos problemas nacionais;
Considerando, além disto, que o Governo do PSD, presidido pelo Primeiro-Ministro Cavaco e Silva, é de natureza minoritária e que por isso, em vez de contribuir para a estabilidade de que o País carece, vai abrir um novo período de instabilidade governativa e institucional;

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Fernando Reis Condesso.

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel N. da Costa Candal.
João Rosado Correia.
Manuel da Mata de Cáceres.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Manuel dos Santos Messias Silvestre.

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Partido Comunista Português (PCP):

José Manuel dos Santos Magalhães.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):

José Augusto Gama.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Fernando Monteiro do Amaral.
Manuel Costa Andrade.

Partido Socialista (PS):

António Manuel de Oliveira Guterres.
Teófilo Carvalho dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

Henrique Manuel Soares Cruz.

Declaração de voto enviada para a Mesa, ao abrigo do n.º 1 do artigo 92.º do Regimento

Votei favoravelmente a moção de rejeição apresentada pelo Partido Socialista, porque entendo que o Governo deveria ter procurado obter um apoio parlamentar estável maioritário e não assentar a sua existência em acordos de viabilização circunstancial ou, então, ter agendado uma moção de confiança após prévio debate sobre um programa de Governo.
Verifico também que muitas ideias e propostas que o meu partido, o PPM, tem vindo a fazer no campo do ordenamento, protecção e valorização do território, no da agricultura e da ruralidade na luta contra a poluição não encontram resposta no programa governamental. Este é omisso, quanto às medidas urgentes que a gravidade dos problemas exige, em especial as que dizem respeito à desertificação e despovoamento e ao caos urbanístico.
A título de exemplo verifico que no sector agrícola não estão incluídos no programa a protecção e valorização da agricultura do Norte e das comunidades de montanha, nem a defesa do montado, nem está previsto o melhor aproveitamento local dos recursos hídricos, nem se prevê condicionar a expansão indiscriminada de povoamentos florestais extremes.
A extinção dos ministérios da Qualidade de Vida, da Cultura e do Mar constituem, quanto a mim, um retrocesso, porque a incorporação, no primeiro, de serviços técnicos muito poderosos irá diluir os propósitos específicos daquele Ministério. Quanto à extinção dos Ministérios da Cultura e do Mar há que admitir, infalivelmente, uma perda de relevância na sua capacidade de intervenção em campos específicos como o da protecção do património cultural e do estudo e exploração da ZEE.
A minha posição ao votar a moção de rejeição do Partido Socialista resulta do julgamento global de um programa e da necessidade da existência de uma oposição parlamentar construtiva. Por este motivo, desde já considero que são passos positivos no processo da regionalização a defesa do livre associativismo municipal e o reconhecimento da região natural, como entidade física, cultural social e económica que pareceu existir no Programa do Governo.
Assembleia da República, 20 de Novembro de 1985. - O Deputado Independente, Gonçalo Ribeiro Teles.

Os REDACTORES: Maria Amélia Martins - Ana Maria Marques da Cruz - José Diogo - Carlos Pinto da Cruz.

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