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28 DE FEVEREIRO DE 1986 1239

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma iniciativa legislativa deslocada e absurda pode sempre oferecer ocasião a que sejam equacionados problemas pertinentes. É o que sumariamente tentarei nos escassos minutos disponíveis.
A evolução tecnológica está tornando a televisão um serviço crescentemente influente, generalizado e acessível. Sobretudo nas sociedades superdesenvolvidas. Em maior ou menor grau, um pouco por todo o mundo desenvolvido.
A nenhum Estado ou poder público é lícito opor obstáculo à recepção audiovisual com objectivo de retirar ao cidadão o direito de ser informado. Daí não decorre, é óbvio, que a emissão audiovisual seja considerada direito fundamental. Releve-se o enunciado de tal evidência. Mas a frequência com que, em certos círculos da nossa melhor sociedade, se confunde o direito à recepção e o direito à emissão no domínio televisivo impõe que se comece por recordar o que todos sabem ou têm direito a saber. Como têm o direito de saber que se trata de direitos de natureza diferente. É o direito de compreender esta diferença que alguns sectores de opinião querem desesperadamente apagar na prática, recorrendo ao pseudo-argumento de que a difusão por satélite altera a razão de ser dos dispositivos condicionantes da emissão televisiva. Ora o que na verdade altera - e altera reduzindo - é a capacidade do espectro radioeléctrico hertziano para viabilizar a difusão das emissões produzidas. Mas tal facto introduz novas razões para que se disciplinem as condições de emissão, nunca para que se anule o princípio da limitação à faculdade de emitir. E ridículo seria promover ou consentir na proliferação de emissores nacionais apenas para desmotivar os portugueses de ligar ao estrangeiro. Defesa dos valores e interesses nacionais, sim e sempre; barreiras físicas - neste caso radioeléctricas - isoladoras do mundo, obrigado, não.
Antes de discutir modelos institucionais de política do audio-visual, convém se decida se tal política deve ser sujeita a valores e, na hipótese afirmativa, a que valores. Respondo sem hesitação: uma política de televisão deve conformar-se a valores, que são, do meu ponto de vista, a garantia da liberdade e a promoção da diversidade. É desta opção de base que decorre tudo o que direi. Se optasse pelo indiferentismo axiológico em matéria de política do audio-visual ou se entendesse que os valores a salvaguardar deveriam ser os da propaganda, os do endoutrinamento ou os da viciação da informação, chegaria - reconheço - a conclusões diametralmente opostas.
Liberdade e diversidade. Neste particular, liberdade quer dizer igualdade de oportunidades no acesso ao exercício do direito de informar e comentar. Diversidade quer dizer vontade de fazer corresponder a programação das emissões à variedade de interesses dos telespectadores. É isso que o Estado tem obrigação de querer fazer ou deixar fazer através da televisão.
No caso de um serviço altamente oneroso, em princípio não lucrativo e necessariamente limitado pelo espectro radioeléctrico, a garantia da liberdade e a promoção da diversidade obtêm-se mais facilmente, em democracia, através da televisão tutelada pelo Estado do que através da televisão tutelada por entidades privadas ou cooperativas. Sobretudo em países pouco desenvolvidos, como é o nosso caso.

O Sr. Borges Carvalho (CDS): - Não está demonstrado!

O Orador: - A liberdade e a diversidade podem legitimamente entender-se não só em sentido cultural, mas também em sentido empresarial. Não o contesto. Contesto, isso sim, que se deva considerá-los exclusivamente ou preferencialmente em sentido empresarial e só acessória ou aparentemente em sentido cultural. Sei que a tese oposta tem muitos adeptos, mas não sou obrigado a aceitá-la. Respeito-a quando claramente formulada, combato-a em todas as suas manifestações.
Na sessão anterior, aprovámos na generalidade três projectos de lei apresentados por iniciativa do PS, do PRD e do PCP. A todos é comum o objectivo de garantir a independência dos órgãos de comunicação social do Estado em geral e da RTP em especial. Assinalam passo importante no sentido de defender a liberdade e a diversidade da emissão televisiva no plano cultural. Alguns os terão considerado indesejáveis por isso mesmo. Outros se terão desagradado por meras razões de circunstância. Os mais lúcidos terão porventura suspeitado que tais diplomas podem constituir dispositivo eficaz de prestígio da RTP. Os inimigos do sector público da comunicação social têm fundadas razões de amargura.

O Sr. Borges de Carvalho (CDS): - É verdade.

O Orador: - Devem em princípio ser consideradas com bons olhos iniciativas que reconheçam a entidades não públicas a possibilidade de constituir empresas de emissão televisiva. Sustento apenas que tal desiderato deve também conformar-se ao respeito dos dois mencionados valores: liberdade e diversidade.
Nada mais coerente com o princípio da função social da propriedade privada. Não ignoro que nesse princípio se contêm pelo menos duas teses de natureza diferente. Uma tese de âmbito geral: a afirmação de que é socialmente útil a vigência de um regime jurídico que reconhece a propriedade privada de bens económicos. Uma tese de âmbito especial sobre o critério de legitimação de situações concretas: a afirmação de que há certos bens económicos relativamente aos quais a possibilidade ou persistência da apropriação privada se legitima em razão da utilidade da função social, e se ilegítima em razão na nocividade da função social, desse tipo de apropriação.
Do meu ponto de vista, a propriedade privada de bens económicos legitima-se, regra geral, sem recurso casuístico ao requisito da utilidade da função social da apropriação privada e, excepcionalmente, em razão da utilidade concreta da função social desse tipo de apropriação.
Do meu ponto de vista, também, o suporte da propriedade privada ou cooperativa de uma empresa de televisão não constitui corolário da tese geral; legitima-se necessariamente pela utilidade concreta desse tipo de apropriação, ou seja, nos termos da tese especial. Se um dos valores a salvaguardar não fosse o da diversidade, admito que o meu ponto de vista, plenamente compatível embora com a ideologia democrata-cristã, pudesse não o ser com a ideologia liberal. Mas sendo a televisão um serviço materialmente limitado, tanto no plano físico como no plano económico, sou levado a pensar que só este ponto de vista, e não o oposto, é compatível com as versões não darwinistas

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