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I Série - Número 33

Quarta-feira, 21 de Janeiro da 1987
Porte pago

DIÁRIO da Assembleia da República

IV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1888-1987)

Presidente: Exmo. Sr. José Rodrigues Vitoriano

Secretários: Exmos. Srs.

Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Bastos Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e ainda dos diplomas entrados na Mesa.
O Sr. Deputado Miranda Calha (PS) fez uma análise sobre a situação em que se encontra a Educação Física nas nossas escolas e teceu várias críticas à actuação do Governo, nomeadamente do Ministério da Educação e Cultura, quanto a este aspecto, tendo, no fim, respondido a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Pinho Silva (PRD).
O Sr. Deputado Custódio Gingão (PCP) considerou a dotação orçamental para 1987 da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas insuficiente para resolver os problemas com que se debatem os portugueses nos países de acolhimento, criticando o Governo pela forma como trata a comunidade portuguesa emigrada.
O Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD) chamou a atenção para algumas situações de injustiça no mundo do trabalho, em especial para o trabalho artesanal dos tapetes de Arraiolos feitos em Vila Nova de Gaia.
O Sr. Deputado Mendes Bota (PSD) teceu algumas considerações sobre a degradação do nosso património arquitectónico e cultural e referiu-se muito concretamente à morte lenta e penosa a que foi condenado o Palácio de Estói. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Carlos Brito (PCP) e António Esteves (PS).
O Sr. Deputado Raúl Rego (PS), a propósito da homenagem recentemente prestada pela Universidade de Salamanca a Eurico Tierno Galvan, teceu algumas considerações sobre a vida e obra deste estadista.
O Sr. Deputado João Abrantes (PCP), a propósito da crise com que se debate o sector da construção naval, teceu várias considerações sobre as condições económicas, financeiras e laborais da empresa Fosnave.
O Sr. Deputado Corujo Lopes (PRD), considerando que a instalação de indústrias poluentes junto do rio Vouga e seus afluentes alterou o ecossistema da região, referiu-se à necessidade vital da construção da estrada-dique Aveiro-Murtosa para o futuro da região.
A Sr.ª Deputada Maria Antonieta Moniz (PSD) referiu-se às instituições particulares de solidariedade social, considerando ser fundamental que estas consigam garantir a sua autonomia financeira para evitarem intromissões abusivas na sua linha de acção. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD).
O Sr. Deputado António Marques (PRD) referiu-se ao estrangulamento da estrada nacional n.º 8 quando esta atravessa a cidade das Caldas da Rainha, criticando a Junta Autónoma das Estradas e o Governo por ainda não existir uma variante naquela estrada.
Procedeu-se à leitura e votação de um voto de pesar pela morte do Sr. Dr. David Cristo, o qual foi aprovado. Produziram declarações de voto os Srs. Deputados Corujo Lopes (PRD), Frederico de Moura (PS), Valdemar Alves (PSD), Horácio Marçal (CDS) e José Manuel Mendes (PCP).

Ordem do dia. - Foi aprovado um pedido da Comissão Eventual para apreciação da proposta de lei n. º 5/IV no sentido da prorrogação do seu prazo até à elaboração do respectivo relatório.
Foram igualmente aprovados dois pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, um autorizando que o Sr. Deputado José Manuel Mendes (PCP) seja ouvido como testemunha e outro relativo à substituição de dois deputados do CDS.
Finalmente, depois de ter sido apreciado o pedido de inquérito, apresentado pelo PCP, relativo ao processo de aquisição de centrais digitais, em que intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Oliveira Martins), os Srs. Deputados Anselmo Aníbal (PCP), Neiva Correia (CDS), Raúl Junqueira (PS), Carlos Martins (PRD) e Abílio Rodrigues (PSD), foi aprovado o projecto de resolução n. º 34/IV, visando a criação da respectiva comissão parlamentar de inquérito e sua composição.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.

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Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo de Brito Lhamas.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Filipe de Atayde de Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José Olavo Rodrigues da Silva.
José Pereira Lopes.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Octávio Júlio Pereira Machado.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Ferreira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Salteiro.
António de Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Miguel Morais Barreto.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
Hermínio da Palma Inácio.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl da Assunção Pimenta Rego.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Raúl Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo A. de Sousa Pereira.
António João Percheiro dos Santos.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto da S. Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.

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Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos de Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José Luís Correia de Azevedo.
José Rodrigo da Silva Costa Carvalho.
Manuel Gomes Guerreiro.
Maria Cristina Albuquerque.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Estevão Correia da Cruz.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Santos Magalhães.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Filipe Neiva Correia.
António José Tomás Gomes de Pinho.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
José Maria Andrade Pereira.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.
Narana Sinai Coissoró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.

Deputados independentes:

Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Maria Amélia do C. Mota Santos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Cartas

De Manuel de Magalhães, residente em Valadares, de Vila Nova de Gaia, tecendo considerações sobre a lei da rádio aprovada e a Rádio Renascença;
Da Comissão de Trabalhadores da Compal, com sede em Almeirim, remetendo em anexo uma exposição sobre a situação na empresa;
Do industrial João Pimenta, com escritório em Queluz, juntando uma nota sobre medidas a tomar para as empresas desintervencionadas e referindo o Decreto-lei n.º 177/86;
Do conselho directivo do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, tecendo algumas considerações sobre a alteração das disposições relativas ao regime de dedicação exclusiva nas carreiras docentes universitárias e do ensino superior politécnico e de investigação científica.

Ofícios

Do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública, da Zona Centro, com sede em Coimbra, remetendo em anexo uma resolução aprovada em reunião efectuada em 10 de Dezembro findo;
Do Sindicato dos Operários Corticeiros do Norte, com sede em Santa Maria de Lamas, Lourosa, remetendo um exemplar da exposição que enviam aos grupos parlamentares, nesta Assembleia, denunciando situações de atropelo verificadas naquela zona, de âmbito laborai e social;
Da Assembleia Municipal de Tondela, remetendo fotocópias de uma proposta aprovada naquele órgão autárquico por unanimidade sobre a via rápida Aveiro-Vilar Formoso;
Da Assembleia de Freguesia de Vilar de Andorinho, em Vila Nova de Gaia, versando assuntos relacionados com transportes públicos naquela freguesia e pedindo a intervenção desta Assembleia.

«Telex»

Da Junta de Freguesia de São Pedro da Alfurada, sobre as péssimas condições na Barra do Douro, pedindo que sejam tomadas providências com vista à obtenção de mais adequados meios de socorro.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os requerimentos seguintes:
Dia 15 de Janeiro de 1987: à Secretária de Estado das Vias de Comunicação, formulado pelo Sr. Depu-

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tado Roleira Marinho e outros; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Guerreiro Norte, José Lello e Octávio Teixeira, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Caio Roque; a diversos Ministérios (4) , formulados pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo; a diversos Ministérios (6), formulados pela Sr.ª Deputada Maria Santos; ao Ministério da Educação e Cultura e CTT (2), formulados pelo Sr. Deputado Arménio Ramos de Carvalho; ao Governo (4), formulados pelo Sr. Deputado Armando Fernandes; aos Ministérios da Justiça e da Educação e Cultura (2), formulados pelo Sr. Deputado Jaime Coutinho; à Secretaria de Estado da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado António Mota; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado Daniel Bastos.
Dia 16 de Janeiro de 1987: ao Ministério da Educação e Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Eurico Lemos Pires; a diversos Ministérios (8), formulados pelo Sr. Deputado Jaime Gama; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Joaquim Domingos, Cláudio Percheiro e outros; ao Governo (4), formulados pelo Sr. Deputado José Cruz; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.
Entretanto, deu entrada na Mesa e foi admitido o projecto de resolução n.º 33/IV, apresentado pelo PSD, pelo PS, pelo PRD, pelo CDS e pelo MDP/CDE, que prevê a constituição de uma comissão eventual para o acompanhamento do processo de regionalização e apreciação dos projectos de lei sobre a matéria.
Finalmente, dirigido a S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da República, foi recebido um ofício de S. Ex.ª o Sr. Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, datado de 14 do corrente mês, que é do seguinte teor:

Tenho a honra de informar V. Ex.ª que o Governo decidiu retirar a proposta de lei n.º 50/IV (Autoriza o Governo a alterar o n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 3/86, de 7 de Fevereiro - Imposto especial sobre o consumo de bebidas alcoólicas).

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No Programa do Governo aprovado nesta Assembleia da República, o desporto escolar era considerado prioridade absoluta para o recuperar do atraso em que o mesmo tem estado, prevendo-se desde logo a necessidade de uma perfeita articulação entre a política de juventude e de ensino. O incremento das actividades desportivas dos jovens, entendendo-se o meio escolar como área privilegiada de acção e o lançamento à escala nacional de um programa de iniciação desportiva, incluindo planos de desenvolvimento de modalidades ajustadas àquele objectivo, constituíam outros tantos objectivos do Governo. Parecia assim que a inserção do desporto no Ministério da Educação e Cultura viria beneficiar a juventude.
Não foi assim.
A brochura que o Governo publicou sobre o seu trabalho no último ano nada diz sobre esta matéria. Aliás, a própria discussão do Orçamento de Estado para 1987 mostrou-nos que a Educação não era prioritária neste Governo.
É na sequência da vinda do Sr. Ministro da Educação a esta Casa a propósito da aprovação para ratificação da convenção sobre violência no desporto, matéria que serviu, aliás, para demonstrar o total alheamento do Ministro no, respeitante a esta temática, que urge fazer um balanço do desporto nas escolas.
Destacaria nesta perspectiva três planos essenciais. O plano curricular; isto é, a disciplina de Educação Física em cada um dos níveis de ensino, a questão das habilitações académicas na disciplina de Educação Física em cada um dos níveis de ensino, a questão das habilitações académicas na disciplina de Educação Física e a questão das instalações desportivas.
No plano curricular verificamos que a nível de ensino primário a área do movimento está sob a responsabilidade do professor primário, que, na generalidade dos casos, não adquiriu formação neste domínio. No ensino preparatório a disciplina de Educação Física tem programas definidos e a avaliação nesta disciplina tem implicações no aproveitamento do aluno, mas já o mesmo não acontece nem no ensino secundário - curso geral unificado - nem no ensino secundário - curso complementar. Neste último só a formação vocacional Desporto para os alunos que perspectivam a formação superior tem avaliação com implicações no aproveitamento final do aluno.
No 12.º ano - via de ensino - a frequência da disciplina de Educação Física é facultativa e voluntária.
Na frequência escolar na disciplina Desporto verificamos que para o ano lectivo de 1986-1987 a opção desporto (9.º ano) só funciona em 141 escolas com 227 turmas e a formação vocacional Desporto (10.º e 11.º ano) funciona em 111 escolas e 155 turmas. Os distritos do interior são os que mais se ressentem com menor número de turmas.
Não obstante a falta de professores nesta área, constatamos ainda que nos últimos anos vem a baixar o número de estudantes nos institutos superiores de educação física.
Quanto às habilitações académicas na disciplina de Educação Física persiste ainda uma circular que define habilitações mínimas para a leccionação de disciplina de Educação Física e que faculta a contratação de agentes de ensino que demonstrem ter experiência nesta área ou que possuam o 12.º ano e aproveitamento na formação vocacional Desporto ou que tenham formação militar. Nenhum destes agentes possui, como é óbvio, habilitações suficientes.
Como resultado, verificamos que a percentagem de professores sem habilitação própria é elevada e poderá rondar os 30% a 40%, se à percentagem daqueles se acrescentarem os horários por preencher. Estes cálculos fazem-se sem contabilizar ainda os horários que deveriam existir nas escolas onde não se lecciona a disciplina de Educação Física. Ainda, e mais uma vez, são os distritos do interior que mais sofrem com esta situação.
Em termos de instalações desportivas podemos ainda constatar - ano lectivo de 1985-1986 - que a percentagem de escolas preparatórias sem quaisquer instalações desportivas é de 33,6%, de preparatórias com secundário é de 21 %, de C + S é de 35,5% e secundárias 23,4%. No global quer dizer que em 940 escolas, 260 não têm nada. A estas podemos acrescentar que 121 só têm um campo de jogos.
Das escolas criadas para entrarem em funcionamento nos anos lectivos de 1985-1986 e 1986-1987 poderia dizer-se que das escolas C + S criadas, num total de 134, 44 escolas não dispõem de qualquer espaço desportivo

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para a leccionação da disciplina de Educação Física, 16 utilizam instalações que são propriedade de outras entidades e 14 dispõem apenas de polidesportivos descobertos.
Das 67 escolas secundárias, 25 escolas preparatórias incluídas no Programa Especial de Execução que entraram em funcionamento no ano lectivo de 1986-1987, 30 não dispõem de qualquer espaço específico para a disciplina de Educação Física, 13 utilizam instalações de outras entidades e 34 dispõem apenas de polidesportivos descobertos.
Se acrescentarmos a todos estes dados que desde 1985 nas escolas onde é implantado apenas o polidesportivo descoberto não são construídos balneários, a maior parte das escolas de construção antiga têm instalações desportivas degradadas, algumas escolas secundárias têm sido sujeitas ao aumento de população escolar através de implantação de pré-fabricados no seu espaço, concluímos que a degradação das instalações desportivos escolares não só tem tendência a aumentar como também que o parque das mesmas é cada vez mais deficitário, com especial agravamento desde 1985.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, poderia ser exaustiva a análise desta área do Ministério da Educação.
Uma resultante é no entanto clara. No actual sistema educativo a Educação Física debate-se com condicionalismos vários, a saber: insucesso escolar; existência de um número ainda reduzido de professores habilitados com predominância nas zonas do interior; dos professores habilitados são quatro os níveis da formação e naturalmente de competência; afastamento destes dos institutos superiores e consequente ausência de actualização; os institutos superiores terão dificuldade em recuperar a falta de profissionais; as instalações desportivas têm vindo progressivamente a degradar-se; o parque desportivo escolar tem-se tornado preocupantemente deficitário nestes últimos anos; a falta de atribuição de equipamento desportivo às escolas verificou-se durante um longo período; falta de coordenação das entidades envolvidas nesta área; falta de programas de avaliação com carácter decisivo no aproveitamento final do aluno, no ensino secundário, e, enfim, os alunos por escola e turma atingem números elevados.
É este o quadro da educação física nas escolas em Portugal.
Poderia ainda falar nas actividades fora do plano curricular. A publicação do Decreto-Lei n.º 150/86 extinguiu os Serviços de Coordenação de Educação Física e Desporto Escolar, passando a competir às direcções-gerais de ensino assegurar as competências e funções que lhe estavam atribuídas em matéria de educação física curricular e à Direcção-Geral dos Desportos a coordenação e apoio às actividades desportivas não curriculares. Consequências, por enquanto, não são visíveis e, obviamente, que não são quaisquer férias desportivas que cobrem episodicamente a enorme lacuna da prática do desporto nas escolas portuguesas.
O PSD, que detém a pasta da Educação há cerca de oito anos é, de facto, o grande responsável pelo caos reinante e pela dramática situação do desporto nas escolas.

O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quantas gerações de jovens não têm sido prejudicadas com esta situação da Educação em Portugal?
Que ironia esta do actual Executivo passar o tempo a falar de juventude!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pinho Silva, para formular um pedido de esclarecimento.

O Sr. Pinho Silva (PRD): - Sr. Deputado Miranda Calha, fez V. Ex.ª uma análise exaustiva sobre a situação em que se encontra a Educação Física nas nossas escolas.
Já em Junho de 1986, através de uma intervenção que então produzi, o PRD deixou aqui bem patente o receio de que chegássemos a esta situação quando o Governo decidiu extinguir o Serviço de Coordenação de Educação Física e Desporto Escolar.
Referiu V. Ex.a, nomeadamente, a problemática deste assunto no ensino primário. Sendo certo que é, ainda e só, por este grau de ensino que passam todos os portugueses e todas as portuguesas e apesar de no actual programa da Direcção-Geral de Desportos estar em curso a iniciativa da formação dos clubes de jovens, queria colocar-lhe duas questões.
Considerando que V. Ex.ª foi, nessa altura, um dos responsáveis pela Direcção-Geral de Desportos quando ainda existiam os Serviços de Coordenação de Educação Física e Desporto Escolar, queria perguntar-lhe se via ou não como vantajosa a existência desses Serviços para todos os graus de ensino e nomeadamente para o ensino primário.
Em segundo lugar, que balanço poderemos já fazer - praticamente a meio deste ano lectivo - em relação a esta actividade dos clubes de jovens?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miranda Calha, tem a palavra para responder.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Deputado, peço desculpa, mas não disponho de muito tempo para responder, visto que estão previstas outras intervenções do meu grupo parlamentar, pelo que queria dizer apenas duas coisas muito rapidamente.
O Serviço de Coordenação de Educação Física e Desporto Escolar não estava sob a superintendência do Ministério da Qualidade de Vida, mas sim da do Ministério da Educação, cuja responsabilidade, como há pouco referi, tem sido do PSD desde há oito anos. Ou seja, é este o grande responsável pela situação do desporto escolar em Portugal.
Por outro lado, a questão dos clubes de jovens foi uma iniciativa que já tinha sido prevista no anterior Governo, a qual penso que é positiva em termos de levar à participação dos jovens no fenómeno desportivo. Faço votos - como disse na minha intervenção - que esta iniciativa tenha êxito, mas em virtude da responsabilidade que, nesta matéria, tem sido do Ministério da Educação, ponho grandes interrogações sobre a possibilidade de melhorarmos o desporto escolar nas escolas portuguesas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Custódio Gingão.

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O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No debate realizado no âmbito da Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração, na preparação do Orçamento de Estado para 1987, o Grupo Parlamentar do PCP formulou profundas preocupações face à proposta do Governo para a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, que diminuiu a verba em 103 mil contos, ou seja menos 12,8%. Esta preocupação foi acompanhada pelos restantes partidos da oposição democrática e todos considerámos que as verbas eram insuficientes para resolver os muitos e graves problemas com que se debatem os nossos compatriotas nos países de acolhimento.
O Secretário de Estado sustentou na discussão desta matéria que a verba seria suficiente, já que embora houvesse uma diminuição o Governo sempre contaria com o rigor no controle das despesas.
Sobre a falta de rigor por parte do Governo nas diferentes áreas da vida nacional não vale a pena falarmos, pois o tempo não seria suficiente para tal. Mas a verdade é que o argumento do Governo não convenceu.
E hoje, passado dois meses, aí estão os factos a confirmarem a opinião maioritariamente expressa na Comissão e teimosamente escamoteada pelo Secretário de Estado.
Na verdade, uma circular datada de 29 de Dezembro de 1986 e emitida pelo Consulado-Geral de Portugal em Estrasburgo, que passo a ler na íntegra, diz o seguinte:

O Consulado-Geral de Portugal em Estrasburgo apresenta os seus atenciosos cumprimentos e pede a melhor atenção para as instruções que acaba de receber, por intermédio da Embaixada de Portugal em Paris e cujo texto a seguir se transcreve:

Perante a imperiosa necessidade de contenção de despesas no próximo ano, S. Ex." a Secretária de Estado das Comunidades Portugueses, por despacho de 17 de Dezembro corrente, determinou o seguinte:

Rescisão, a partir de l de Janeiro próximo, dos contratos de avença dos consultores jurídicos que prestam serviços nos consulados em Clermont-Ferrand, Estrasburgo, Lille, Lyon, Nogent-sur-Marne, Tours e Versailles.
A suspensão provisória, a partir da mesma data, de todas as deslocações em serviço do pessoal das delegações da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas.
Venda das viaturas de serviço da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, afectas aos consulados em Paris, Estrasburgo e Versailles, com excepção do Renault 8.

Conforme se conclui da determinação superior acima transcrita, deixando de ter, a partir de 1 de Janeiro próximo, a assistência de um advogado, os serviços sociais do Consulado não poderão continuar a encarregar-se da resolução de determinados problemas apresentados pelos nosso compatriotas que, pela sua natureza técnico jurídica, carecem do apoio e acompanhamento de um jurisconsulto devidamente habilitado.
Ficam suspensas, também a partir de 1 de Janeiro próximo, todas as deslocações fora da cidade de Estrasburgo.
A venda da viatura de serviço do Consulado reforça a impossibilidade das referidas deslocações, que eram feitas, quer para apoio em casos pontuais, quer para satisfazer convites das associações. Os referidos convites deixarão, assim, de poder ser aceites, por falta de meio de transporte, o que sinceramente se lamenta pelas consequências negativas que se reconhecem. Mais longe fica o país dos problemas mais vividos pelos emigrantes. Claro que é uma opção do Governo fugir às responsabilidades, demitir-se de funções. Mas esta é uma questão nacional a que a Assembleia da República não pode ficar alheia e deve exigir também nesta área uma outra política, em defesa dos interesses dos nossos compatriotas.
Outra circular, esta do Consulado-Geral de Portugal em Francoforte (serviços sociais), que passo a ler.

Os serviços sociais do Consulado-Geral de Portugal em Francoforte apresentam os seus melhores cumprimentos à comunidade portuguesa e têm a honra de informar que, de acordo com as instruções recebidas, foi rescindido o contrato com o advogado que prestava serviço neste posto, pelo que, a partir desta data, 7 de Janeiro,- não haverá consultas de natureza jurídica neste Consulado-Geral.

Agora, acrescentamos nós, só neste Consulado há mais de uma centena de processos jurídicos de compatriotas nossos, que ficam altamente lesados por esta decisão do Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, entretanto previsto o encerramento do Consulado-Geral de Portugal em Osnabruck, tem vindo a preocupar os nossos 13 000 emigrantes na zona.
Como é lógico e natural, a Comunidade Portuguesa da área consular está altamente preocupada e julga-se com direito à existência deste Consulado, por isso se tem manifestado por todas as formas, procurando fazer valer os seus anseios. No entanto os responsáveis governamentais mantêm-se no maior sigilo a este respeito.
Pelo contrário, diversas individualidades alemãs, como o presidente da Câmara de Osnabruck, professores universitários, instituições alemãs, repartição de cultura da cidade, Igreja Evangélica, têm-se pronunciado pela permanência deste consulado. Esta cidade é ainda geminada com Vila Real, a que tem prestado diversos apoios de âmbito financeiro e cultural.
Após o dia 30 de Dezembro, o Consulado ficou amputado já de grande parte de mobiliário e material técnico, metido numa reduzida parte das dependências das instalações que usava, já ocupadas por outro arrendatário, por condescendência deste, naturalmente à custa de muitos milhares de marcos e por muitos poucos dias.
Mas o Governo não. só enganou os nossos compatriotas e seus legítimos representantes, como mentiu a um deputado desta Câmara ao responder a um requerimento e na própria Comissão de Negócios Estrangeiros ao afirmar que não estava no horizonte do Governo encerrar este Consulado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não menos grave é a forma como o Governo tem vindo a tratar os traba-

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lhadores das missões diplomáticas e postos consulares, ao negar-lhes o direito a um estatuto há muito desejado e reivindicado por estes trabalhadores.
Após 11 anos de luta foi possível chegar a um acordo entre todas as partes interessadas. Parecia que enfim se tinha chegado ao fim de um folhetim, que custou alguns despedimentos e a insegurança em todos estes trabalhadores.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros, contudo, não respeitou os compromissos assumidos com estes trabalhadores, não respeitou nem respeita o Decreto-Lei n.º 451/85, represtinado por esta Assembleia da República, este Governo mantém-se à margem da legalidade democrática, desrespeitando este órgão de soberania e violando os mais sagrados direitos dos trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estes são alguns dados, que aqui deixo e sobre os quais vale a pena reflectir tal é a sua gravidade. Esta é a forma como o Governo Português trata a comunidade portuguesa com cerca de 4 milhões de compatriotas nossos que ganham o seu pão além-fronteiras, depois de no seu país lhe ser negado. Mas é também o espelho degradante da imagem que este Governo dá de si mesmo nesses mesmos países.
Um Governo que assim procede envergonha-nos pela sua governação. É um Governo que está a mais no Portugal de Abril.

Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na galeria central encontra-se um grupo de alunos da Escola Secundária da Parede que vêm assistir aos nossos debates. Para eles, a nossa saudação.

Aplausos gerais.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Têm-se multiplicado e de forma assustadora as situações de injustiça no mundo do trabalho.
É já uma fatalidade falar-se em salários em atraso, contratos a prazo, situações de que não se vislumbra saída próxima.
Os tempos de crise são cenário propício ao desenvolvimento de condições que cavam um crescente abismo entre as pessoas, agravando inexoravelmente a vida dos novos não privilegiados em favor dos privilegiados de sempre. Renasce das cinzas, qual Fénix, a sociedade de ordens que a Revolução Francesa parecia ter ferido de morte.
As pessoas, ao verem fechar-se repetidamente as portas de acesso ao trabalho, empurradas pela necessidade do pão que escasseia, aceitam condições de trabalho e níveis de salários de autêntica miséria.
É que há sempre abutres prontos a sugar o corpo exangue dos que teimam em sobreviver com dignidade.
É exemplo gritante deste facto o chamado trabalho artesanal dos tapetes ditos de Arraiolos.
Vila Nova de Gaia, apesar de situada a algumas centenas de quilómetros de Arraiolos, é próspero centro de tal tipo de actividade onde labutam largas centenas de mulheres.
Saem belos trabalhos das suas mãos, que são vendidos a penso de oiro, para longínquas paragens. Constitui motivo de orgulho para as gentes gaienses saberem que da sua terra são oriundos trabalhos tão cuidadosos.
O que pouca gente conhece são as condições em que este trabalho é feito.
A maior parte dos artífices recebem salários inferiores a metade do salário mínimo nacional, sem quaisquer descontos para a Previdência, sem quaisquer garantias contratuais e sem o mínimo de condições de trabalho.
Outra parte das tecedeiras fazem o trabalho em casa ao metro, trabalhando largo número de horas de noite e de dia, para usufruírem salários miseráveis.
As mulheres do meu concelho, como as mulheres de Pombeiro, Felgueiras de ontem e de hoje, como as bordadeiras da Madeira, como todas as mulheres mães de família a quem escasseia o pão na sua casa, aceitam resignadamente as côdeas que gente sem escrúpulos lhes lança como simbólica paga do seu trabalho.
Há já, felizmente, alguns empresários que pagam o que é justo e legítimo, mas que têm contra eles a malquerença dos outros.
No decurso de uma acção de formação, apoiada pelo Fundo Social Europeu, vai a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia patrocinar a criação de uma cooperativa de artesãos para compensar os criadores de significativas e autênticas obras de arte do esforço permanentemente despendido.
É este um exemplo que poderá ser seguido noutras áreas e noutros sectores de actividade.
Contudo, não se esgota aqui a capacidade e a obrigatoriedade de intervenção.
O que se verifica em Vila Nova de Gaia e em muitas outras terras é um autêntico crime que deve ser evitado e exemplarmente punido.
Daí que seja urgente a eficaz actuação da Inspecção-Geral do Trabalho, que deve pôr cobro a mais esta situação de injustiça, igual a tantas outras em que falta a vontade política e a incúria dos responsáveis não tem desmantelado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Constitui este caso, infelizmente, apenas mais um apontamento do muito de mau que prolifera pelo panorama laboral português.
Cada um a sua dimensão e de acordo com o seu grau de intervenção deve ajudar a resolver este problema que aflige tantas famílias e que agrava dolorosamente a existência de seres humanos que querem ser tratados com a dignidade que merecem.

Aplausos do PRD, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bóia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, esqueçamos que sou quem sou. Aqui e agora, não é o deputado, não é o político, nem é o partidário, quem fala. Abstraiamo-nos até desta bancada. Não sou pró-governamental, nem tenho necessariamente que ser antigovernamental.
Façamos de conta que sou um cidadão qualquer deste país, sem que me interesse especialmente em que bairrismo estou filiado, ou em que distrito fui recenseado.
Porque o que está em causa, mesmo num país do Faz de Conta televisivo, é que não podemos fazer de conta que não assistimos à degradação, ao desmoronamento, e mesmo à demolição, do nosso património arquitectónico e cultural.

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Mesmo quando se trate de um património recente, quando inserido na caminhada milenária da História.
E, se nos choca o espaço telúrico daquilo que foi ontem o Cine-Teatro Monumental, sacrificado brutalmente, de sopetão, no altar da trituração materialista da sociedade, também nos choca a morte lenta e penosa a que foi condenado o Palácio de Estói.
Ali, junto às ruínas romanas do Milreu, às portas de Faro, capital da região mais turística de Portugal, endinheirada pelo comércio do sol e da paisagem, nacionais e estrangeiros interrogam-se sobre que triste destino, que triste sina, ou mesmo que tremenda e terrível praga se terá abatido sobre tão interessante peça monumental, numa zona onde não abundam motivos desta natureza.
Numa altura em que falar de património é um dos padrões para se estar na moda. E em que falar de património histórico e cultural parecerá ainda mais «chique». Estará o Palácio de Estói destinado a encenar que «os palácios também se abatem», ou que «os palácios morrem de pé», mesmo que estejam declarados, no papel, como imóveis de interesse público? (Vide Decreto-Lei n.º 129/77.)
Para quê então tais declarações, formalizadas solenemente na paginação mais luxuosa do Diário da República, se elas não representam nada mais na prática que o alheamento, uma falsa consciência do dever cumprido, uma acção gratuita, inibidora e inconsequente?
Falar de culpas neste caso tremendo de inacção e de omissão de pouco adiantaria.
Uns dizem que a culpa em Portugal morreu solteira. Solteira ou casada, pouco nos importa, nós dizemos que a culpa é, em Portugal, meretriz em todas as causas: a culpa é sempre dos outros.
De resto, seria difícil encontrar uma graduação adequada para aferir com justiça das responsabilidades de cada um em todo este processo; se é do Estado, que declara um imóvel com estatuto de interesse público, e depois, ele próprio, não mexe um dedo para evitar a sua degradação; se dos municípios, que se entretém, desde 1980, a discutir, em sede de assembleia distrital, a cor do sexo das estátuas neoclássicas executadas em Itália, numa novela sem fim, que mais parece destinada a preencher um vazio nas ordens de trabalhos; se dos proprietários, que não querem ou não podem dar o melhor destino àquilo que lhes pertencesse dos intelectuais algarvios, que continuam a emigrar para a capital do País, e aqui permanecem ofuscados e dormentes pelo brilho das luzes deste pólo cultural, aparentemente esquecidos das raízes que os ligam à terra que os viu nascer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se das forças vivas do Algarve, que parecem reagir com grande intensidade a tudo quanto cheire a esgoto e a buraco na estrada; e parecem alheias à impossibilidade futura de tapar o vácuo deixado num espaço cultural que desaparece, ou de suportar o cheiro insuportável da inércia, do desleixo e do comodismo; se de nós próprios, que não temos elevado mais cedo e mais alto a nossa voz de protesto por uma tal situação.
Pensamos, apesar de tudo, chegada a altura de todos se sentarem à mesa. Sem espírito de migalhas, nem alijar de responsabilidades. E nem será precisa uma grande mesa. Bastará que todos em conjunto, Secretaria de Estado da Cultura, Região de Turismo, pios e proprietários definam; de uma vez por todas; o que desejam que o Palácio de Estói seja daqui para a frente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não há limites para o sonho. Mas será necessário que se definam as bases da sua materialização, e a parte responsável de cada um.
E se chegarem à conclusão de que não; cabe necessária nem obrigatoriamente ao sector público, andaria comprar palácios por este país fora, a restaurá-los, .e a mante-los, haja ao menos a coragem de assumir; ë de permitir, que o sector privado o faça, sob condição de respeito pelos interesses culturais do País.
Enquanto isto não for feito, enquanto este espírito não for assumido, enquanto pessoas e entidades se acomodarem a esta triste situação, o Palácio de Estói continuará a servir de fundo fotográfico aos casamentos e baptizados de domingo, de local de pilhagem de; obras de arte, de câmara de tortura, no lento estertor de um jacarandá de pedra.
Até ao dia em que os roteiros turísticos assinalarão ao lado das ruínas romanas de Milreu, as ruínas do antigo Palácio de Estói, monumento nacional "à nossa incompetência.

Aplausos do PSD e de alguns Srs. Deputados do PRD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos estão inscritos os Srs. Deputados Carlos Brito e António Esteves.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Mendes Bota: Como V. Ex.ª calcula, regozijo-me muito com ò facto de o Sr. Deputado vir trazer aqui preocupações em relação ao Palácio de Estói, uma vez que eu e outros deputados do meu grupo parlamentar há anos que nos batemos no sentido de que sejam tomadas medidas para salvar um imóvel de grande importância, como de resto reconheceu, no património artístico e até histórico do Algarve.
Mas, Sr. Deputado, nesta matéria não bastam apenas as palavras e há que ser justo nos juízos que se formulam. V. Ex.ª referiu-se à Assembleia Distrital e às considerações que, por parte deste órgão, têm sido feitas em relação ao Palácio de Estói, pelo que - quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que houve propostas de medidas concretas e que há deliberações da Assembleia Distrital no sentido de recomendar ao Governo a aquisição do Palácio e a sua utilização para vários fins, entre os quais a criação de um museu para o Algarve? Eu próprio já tive oportunidade de sugerir ao Governo à utilização para esse fim ou para fins que tivessem a ver com o próprio turismo algarvio naquele ponto capital.
Relativamente à sua intervenção, Sr. Deputado, creio que são poucas as propostas formuladas. A grande novidade da sua intervenção é o dizer: «então se o sector público não quer adquirir, venda-se ao privado». Em relação ao sector privado há, no entanto que fazer uma distinção: que sector privado? Creio que os pretendentes à aquisição do Palácio têm sido, até agora, estrangeiros, particularmente de origem espanhola. Esta não parece ser a solução mais adequada. Gostaria por

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isso mesmo de ouvir a sua opinião, pois entregar aquilo que é uma jóia do património artístico, cultural e, como disse, até histórico do Algarve, a uma entidade estrangeira para exploração, não me parece ser o mais adequado, nem a melhor forma de garantir a sua preservação enquanto valor do nosso património. Era bom que se referisse a esta questão.
Era igualmente bom que, uma vez que o Sr. Deputado é deputado do partido do Governo - e para alguma coisa o é -, nos explicasse por que é que até agora o Governo não regulamentou a Lei do Património aprovada pela Assembleia da República. Estas coisas não são apenas palavras, não valem apenas as boas intenções, e há actos e juízos que têm de ser emitidos. É o que lhe compete fazer agora, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Esteves.

O Sr. António Esteves (PS): - Sr. Deputado Mendes Bota: Queria congratular-me com a sua preocupação acerca do Palácio de Estói. É uma história antiga que, até hoje, não foi resolvida e que julgo que, embora toda a boa vontade do Sr. Deputado, o seu discurso também não resolve.
Julgo que o seu discurso, no fundo, vem confundir, pois não diz quem é o responsável, se as câmaras, se o sector privado, se o Estado. Parece-me óbvio, e pareceu-me sempre, que a responsabilidade de este caso caberia ao Governo da República. Era o Governo que deveria ter dado há muito tempo a dotação necessária para se fazer a aquisição do Palácio de Estói. O Sr. Deputado hoje, provavelmente por ser da maioria, faz um discurso em que vem «dourar um pouco a pílula», dizendo que a responsabilidade é de toda a gente. Não, Sr. Deputado! A responsabilidade é dos governos, deste e dos anteriores. Se o Sr. Deputado e outros deputados da sua bancada criticaram os governos anteriores por não afectarem uma verba suficiente à preservação do Palácio de Estói, o Sr. Deputado deveria agora dizer a mesma coisa, deveria dizer ao seu Governo que era chegada a altura de atribuir uma verba para preservar aquele monumento nacional.
As coisas são claras como sempre o foram e é o Sr. Deputado que vem baralhá-las. Este Governo está ou não disposto a preservar aquele património? Esta é que é a questão. Até agora não esteve disposto, não guardou e não inscreveu a verba necessária à aquisição do Palácio. Estamos nisto: este Governo, tal como os anteriores, não fez nada.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes lota (PSD): - Srs. Deputados, conjuntamente poderia dizer-lhes o seguinte: partilho inteiramente da opinião de que não tem necessariamente de caber aos governos partir por esse País fora e adquirir palácios, por muito respeitáveis que sejam os seus antecedentes históricos e culturais, porque não se trata apenas de adquirir palácios, mas sobretudo de restaurá-los e depois mantê-los, e tudo isso custa muito dinheiro. Partilho a opinião de que é possível encontrar ao nível de cada região as forças vivas interessadas em compartilhar esses custos, essa exploração e esses mesmos atributos.
Por isso digo que a culpa poderá ter efectivamente «morrido solteira», ou que a culpa é sempre dos outros, de todos os governos, dos municípios algarvios - e também me penitencio por isso, pois enquanto estive à frente da Câmara Municipal de Loulé fiz parte do leque de autarcas que, na Assembleia Distrital, levou anos a discutir, em sentido figurado, qual é o sexo dos anjos -, efectivamente, as propostas que saíram ficaram no papel.
A triste realidade é esta: ao fim de uma série de anos nada de concreto se fez, houve contactos com a Secretaria de Estado da Cultura, houve até propostas de verbas para a compra do Palácio de Estói, mas tudo era insuficiente. Neste momento, é esta a realidade, e, compita a culpa ao Governo, aos municípios, a todos aqueles que se calaram na devida altura, o Palácio de Estói está a morrer. E, se não nos juntarmos todos numa mesma mesa para discutir a parte que cada um está efectivamente disposto a dar, nunca se chegará à aquisição não daquele monumento, mas sim daquele imóvel de interesse público, o que é uma coisa um bocado diferente, Sr. Deputado António Esteves.
Se as entidades públicas, que podem ter muitos projectos e muitos sonhos para dar uma actividade ao Palácio de Estói, não chegarem à conclusão de que podem e querem abarcar com essa tarefa, então que permitam que o libertem sob condição protocolar, formal, assumida, de que qualquer privado que tome conta do Palácio de Estói o fará sempre ao serviço da cultura e dos valores históricos do Algarve e do País. Não vejo que a iniciativa privada, tendo em atenção o que se passa em muitos países lá fora, seja nefasta para explorar ou manter bens patrimoniais que nos engrandecem ou enriquecem. Pelo contrário, pode ser um complemento do Estado e dos negócios públicos, no sentido de ajudar a preservar aquilo que o Estado não consegue ou não quer manter. Não é uma proposta de que se vá entregar de mão beijada ao sector privado, mas sim de que, se se verificar a inviabilidade de os entes públicos tomarem conta do Palácio de Estói, se dê a possibilidade aos proprietários de o venderem.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado, creio que não é necessária uma grande dotação para se iniciar um processo de recuperação do Palácio de Estói. Suponha que o Palácio era vendido - aqui há dois anos o preço era de 100 mil contos - e que o dono estaria de acordo em vendê-lo em duas ou três prestações. Verificamos que o fundamental é a existência de uma dotação para iniciar o processo. Pergunto, Sr. Deputado, se está disposto conjuntamente com outros Srs. Deputados a fazer a recomendação ao Governo para que seja conferida uma dotação com esse objectivo.
É claro que isso poderia ter sido feito no Orçamento do Estado. Tenho proposto nos últimos orçamentos essa dotação, só que essa proposta tem sido derrotada, inclusivamente por deputados da sua bancada. Pergunto, por isso, se está disposto a alinhar conjuntamente com outros deputados algarvios numa acção com este objectivo.

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O Orador: - Sr. Deputado Carlos Brito, quero dizer-lhe que alinharei, com quem quer que seja, quando esteja em causa o interesse do Algarve, o interesse do País e, neste caso, o interesse cultural e patrimonial do Algarve.
Devo dizer-lhe, no entanto, que discordo que o problema fundamental seja discutirmos aqui quais são as verbas a abrir no PIDDAC ou quem é que vai dar as verbas. Primeiro, temos de discutir qual o destino a dar ao Palácio de Estói. Em segundo lugar, quem é que vai ser responsável pela manutenção e pela gestão do Palácio de Estói na prossecução desse objectivo. E só depois vamos ver como é que se entra financeiramente para esse investimento. Parece-me, portanto, que «pôr a carroça à frente dos bois» não será a solução. Daí, eu propor que se sentem à mesa todos os intervenientes, o que até hoje não aconteceu. Sem quaisquer peias: os proprietários, a Região de Turismo do Algarve (pois a cultura está indissociavelmente ligada ao turismo e no Algarve cada vez mais, uma vez que este tipo de património não é uma das farturas) e os municípios que compõem a Assembleia Distrital e que neste caso são o poder local por essência, para que todos eles possam, em conjunto, encontrar a solução. Depois, sim, vamos encontrar as verbas e espero ,que todos estejam dispostos a comparticipar. Aliás, devo dizer, a título de informação, que antes desta intervenção tive uma reunião com a Sr.ª Secretária de Estado da Cultura, que, sobre esta matéria, abriu a possibilidade de o Estado comparticipar a aquisição do Palácio de Estói, o que não significa um compromisso que deva ser mantido ad eternum, pois também concordo que o Estado não deve, por esse país fora, comprar tudo o que é palácio, por serem, imóveis de interesse público. Há muitos por esse país eventualmente com mais interesse que o Palácio de Estói, que tem apenas 200 anos, que é uma obra neoclássica que, em termos culturais e históricos, não tem um valor por aí além, mas que no Algarve tem, pois não há mais nada igual àquilo.
Penso por isso que a política cultural neste tipo de investimentos deve ser repensada e obviamente que estaremos todos dispostos a, em ambiente de colaboração, encontrar a solução indicada.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl. Rego.

O Sr. Raúl Rego (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Universidade de Salamanca - prestou agora homenagem a um dos seus mestres mais insignes: o jurista insigne que foi Enrique Tierno Galvan.
Jurista e político, Tierno Galvan segue a corrente daqueles mestres salamantinos inconformistas, para quem a ciência e o carácter estão acima de todas as conveniências sociais e políticas. Vêm de Frei Luis de Léon a Miguel de Unamuno. O Prof. Enrique Tierno Galvan conheceu ainda D. Miguel, inconformado com quanto se passara e que, depois de ser vítima da tirania de Primo de Rivera, havia de suportar a de Franco e morrer inconformado com quanto se passava, defendendo a cultura contra aqueles doentes que supõem que ela entra nos países matando milhares de pessoas a golpes de montante.
Um povo sem cultura é um povo amputado, tão amputado como aqueles que perderam, a vista ou um braço na guerra.
É como a cátedra velhinha de que Frei Luis de Léon tomava novamente posse após meses e meses de ausência nos cárceres da Inquisição, dizendo simplesmente: «Como íamos dizendo ...»
Enrique Tierno Galvan também voltou à sua cátedra, após anos de perseguição e ausência. Mas quantos com ele se reuniram na clandestinidade, em Madrid, em Lisboa, na própria Salamanca, sabem que era na ciência que ele pensava, que para a mocidade iam todos os seus olhares e pensamentos. E o mestre de Direito tornar-se-ia o primeiro alcaide socialista da cidade de Madrid e o mais popular dos alcaides da capital de Espanha. Vimo-lo presidir a algumas cerimónias bem populares e riam-se-lhe os olhos ao ver o entusiasmo, o calor que tomava o povo naquelas disputas de bairros e de clubes; e pareceu-nos que, mais do que o administrador que foi, era sobretudo o educador que viera da Faculdade de Direito de Salamanca para os bairros mais populares de Madrid.
Em Lisboa o vimos muitas vezes, desde uma conferência magistral proferida na Ordem dos Advogados, às suas visitas oficiais de alcaide de Madrid ao presidente da Câmara de Lisboa. Na primeira dessas visitas o recebemos e saudámos até como presidente da Assembleia Municipal. E o jurista eminente, de nome internacional, que ensinara em universidades americanas quando se lhe trancara o ensino em Espanha, vivia com delícia quanto observava da nossa vida municipal. Estava muito longe do mestre distante; pelo contrário, pertencia àquele grupo para quem todo o saber, toda a especulação, se deve traduzir, em última instância, num benefício para o povo, em melhoria de condições de vida para toda a gente.
A Salamanca foi o Sr. Presidente da República associar-se, em nome do País, à homenagem ao mestre de Direito que foi seu companheiro de tantas horas amargas, mas sem nunca perder a esperança. Em nome do Partido Socialista apresento, nesta mesma Assembleia da República, que ele também visitou, um voto de homenagem a essa figura ímpar de jurista e professor, de administrador e alcaide de Madrid, de cidadão e democrata que, acima de tudo, ele foi.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, atendendo a que está inscrito para uma intervenção um camarada da minha bancada, prescindiria de fazer a minha.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado João Abrantes.

O Sr. João Abrantes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos conhecemos a crise com que se debate o sector da construção naval; igualmente somos conhecedores das sucessivas medidas que os governos têm anunciado para a recuperação desse sector tão importante para o desenvolvimento das pescas, com a renovação da nossa frota pesqueira, como vital para a revitalização da marinha mercante.
Apesar deste reconhecimento, o certo é que se assiste a uma lamentável deterioração dos barcos de pesca e uma sangria de dinheiros públicos, com a contratação de navios mercantes que fazem o que nós temos

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capacidade para fazer, se destroem as empresas públicas vocacionadas para esse efeito e a situação dos estaleiros de construção naval se agrava de dia para dia.
Um pouco por todo o lado se vai sabendo das situações de falência, encerramento ou do aparecimento de dificuldades que inevitavelmente conduzem àquelas situações.
Desta vez, ou melhor, mais uma vez, é o concelho da Figueira da Foz o atingido.
Depois do tristemente célebre encerramento da vidreira da Fontela - agora vendido a interesses que contribuíram para a ruína da empresa - e depois da falência da Carreira Naval Figueirense, empresa do mesmo ramo da que hoje nos propomos abordar, é agora a Fosnave que se encontra a braços com dificuldades.
Desde logo com as dificuldades incompreensíveis que estão a surgir com a construção de um barco-escola para pesca encomendado pela República Popular de Angola, cujo projecto vem já de 1983.
Inicialmente dependendo de garantia bancária e, conseguida essa, surgem agora as dificuldades de transferência dos dinheiros para a Fosnave. Saliente-se que caso idêntico se passa com um barco encomendado pela República Popular de Angola aos Estaleiros de São Jacinto, em Aveiro.
Pensamos que o Governo tem uma palavra a dizer no desbloqueamento desta situação, já que as negociações deste contrato foram tratadas com o Estado Português.
Estão em causa os 130 postos da Fosnave (empresa que em 1983 chegou a ter 270 trabalhadores) e onde os últimos salários pagos se referiam a Setembro de 1986.
A situação desta empresa agravou-se a partir do momento em que uma encomenda de 50 barcos de pesca para Angola foi «transferida» para os estaleiros espanhóis de Vigo, cujo Governo, realmente preocupado com as suas empresas e os seus trabalhadores, financiou essa construção em 20%. Em Portugal há igualmente legislação que permite ao Governo intervir com comparticipações que podem ir dos 10% aos 18%, mas não se conhecem resultados práticos da sua aplicação. No fundo não há interesse em desenvolver a construção naval.
Na Fosnave decorrem ainda negociações para a construção de três arrastões de 18 m para a Nigéria e de seis barcos para a Mauritânia, mas igualmente há dificuldades de vária ordem que o Governo tem obrigação de ajudar a ultrapassar.
O outro problema com que se debatem os trabalhadores da Fosnave tem a ver com o arrastamento dos processos de aplicação da Lei n.º 17/86 que se encontram no Centro Regional de Segurança Social de Coimbra. É urgente que esses 43 processos sejam despachados, por forma que os trabalhadores usufruam dos seus direitos a partir de l de Janeiro de 1987.
Uma última nota para alertar que o que se está a passar no concelho da Figueira da Foz - porventura um dos mais atingidos pela crise social que sobre nós se abate - e que inclui, para além dos sectores já referidos, a construção civil, o têxtil e o metalúrgico, não se compadece com visitas de propaganda fácil, como a do Sr. Secretário de Estado da Indústria e Energia, em Dezembro, à Figueira da Foz.
O Sr. Secretário de Estado seleccionou as empresas a visitar, como se tudo ali estivesse bem, ignorou os sectores e as empresas com problemas e, alegando
motivos que não convencem ninguém, interrompeu a visita do primeiro dia, recusou-se a receber os trabalhadores da Fosnave, que lhe comunicaram ir entregar um dossier sobre a sua situação, mas prosseguiu a visita, no mesmo tom papagueado, no dia seguinte.
A Figueira da Foz possui infra-estruturas que possibilitam o seu desenvolvimento e progresso, como o porto de pescas e a nova ponte, mas curiosamente assiste-se aí a uma recessão, com encerramentos, falências, compras e vendas de empresas ao desbarato.
O Governo tem obrigações no relançamento do País e no aproveitamento destas infra-estruturas que todos pagámos, mas a verdade é que se demite das responsabilidades a que se encontra vinculado. Até quando?

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e de alguns deputados do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Corujo Lopes.

O Sr. Corujo Lopes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É o Baixo Vouga composto por uma extensão de vários milhares de hectares de terras, que se situam nas margens do rio Vouga e seus afluentes.
Tanto se tem dito e escrito sobre esta região, que ao equacionar de novo os graves problemas que a afectam se corre o risco de cair em lugares-comuns ou de repetir análises já efectuadas. No entanto, o que infelizmente se continua a verificar é o abandono cada vez mais intenso de terras, que no passado foram uma das fontes de maior produção de carne e leite do País.
Não deixa dúvidas a ninguém que a instalação de indústrias poluentes junto ao Vouga e seus afluentes alterou o ecossistema da região, com graves repercussões na agricultura, piscicultura e na qualidade de vida das populações.
As águas do Vouga, com elevadíssimas carências biológicas de oxigénio e com uma considerável carga de inorgânicos em solução, muito especialmente na época estival, são negras e tudo prejudicam à sua passagem: são os cardumes de peixe morto, são as culturas amarelecidas e definhadas, é a impossibilidade da sua utilização para fins diversos, enfim, é a total descaracterização de uma região de potencialidades reconhecidas.
Entre outras, a fábrica do papel, instalada junto do rio Caima, sem dúvida, uma das grandes responsáveis por tal estado de coisas. Os seus processos antiquados de produção e a ausência de sistemas adequados de tratamento de efluentes fazem desta unidade fabril um dos mais nefastos agentes poluidores da zona.
Porém, em Cacia, onde a celulose local é também afectada pela contaminação das águas vindas de montante, toda a situação se agrava consideravelmente, pela confluência de dois outros factores: um, a poluição produzida pelos efluentes da Portucel; o outro, o sal que as marés arrastam rio acima.
Quanto ao primeiro, muito embora a Portucel possua já sistema de tratamento primário de efluentes, que, de algum modo, veio atenuar os efeitos da poluição produzida, o certo é que não é suficiente, sendo indispensável prosseguir urgentemente com as fases seguintes, para definitivamente deixar de ser um agente perturbador do ambiente. Não obstante isto, continua a acusar-se esta importante empresa pública - com certeza por ser pública - de todas as malfeitorias praticadas no Baixo Vouga.

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O segundo: o sal trazido pelas marés rio acima, é efectivamente o principal inimigo das culturas, sendo os seus efeitos mais gravosos do que os da poluição.
Aliás, são disso prova os ensaios levados à prática em campos experimentais sob a orientação de técnicos competentes, que vieram demonstrar ser efectivamente a água salgada o inimigo número um das culturas.
As obras efectuadas na barra de Aveiro na década de cinquenta, o estado caótico das motas de protecção das marés, a falta de regularização do leito dos rios e o seu progressivo assoreamento são, entre outras, as causas principais da invasão dos campos pelas águas salgadas. E por este facto, não só os agricultores, afinal as grandes vítimas, são afectados, mas também a própria Portucel, que, para não interromper a laboração na época estival, despende milhares de contos na construção de barragens, que no Inverno são destruídas. Não fossem as barragens construídas pela celulose e pior seria a situação da agricultura no Baixo Vouga.
No entanto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o povo, que há largas dezenas de anos aguarda pacientemente a solução deste problema, põe na construção da estrada-dique Aveiro-Murtosa, ponto de partida essencial para restabelecer o equilíbrio ecológico no Baixo Vouga-Lagunar, todas as suas esperanças.
Tal empreendimento, cujos estudos datam de 1955, é de importância vital para o futuro desta região.
A sua execução, além de permitir a recuperação de milhares de hectares de terras que no passado foram ubérrimas e de melhorar as condições de utilização de outras, contribuirá decisivamente para o desenvolvimento da Murtosa, pondo finalmente termo ao isolamento a que este concelho sempre tem estado votado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As pastagens do Vouga não poderão ser julgadas hoje, por incúria na tomada de decisões, como tendo pertencido ao passado...
Não basta criar gabinetes de estudo, continuando afinal tudo na mesma, e constatar que toda esta zona contém em si potencialidades que é necessário rentabilizar...
O tempo urge, não se compadecendo com mais delongas eivadas de burocracias retrógradas e de jogos políticos, que em nada beneficiam o todo nacional.
Manter esta situação por muito mais tempo, além de constituir um autêntico crime de lesa-pátria, é não ter em conta os interesses económicos não só de uma região, mas fundamentalmente do País.

Aplausos do PRD, da deputada independente Maria Santos e de alguns deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Antonieta Moniz.

A Sr.ª Maria Antonieta Moniz (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde sempre, socorrer doentes, inválidos e pessoas abandonadas esteve a cargo de iniciativas particulares, nomeadamente de comunidades religiosas e grupos de bem-fazer.
Até à Revolução Francesa, a iniciativa privada, através da Igreja, era a base de toda a assistência, e o Estado apenas tinha um papel de controle e de coordenação.
Após esse acontecimento marcante da história europeia, as leis revolucionárias consagraram o princípio de que a assistência passaria a ser prestada através de um serviço público nacional. Surgiram assim novos conceitos de beneficência e de assistência pública que se desenvolveram ao longo do século XIX e princípios do século XX e que tomaram, de país para país, várias formas de organizações e que visavam principalmente a ajuda e a promoção do homem.
Verificou-se então que as comparticipações financeiras particulares eram insuficientes para garantir a autonomia dessas mesmas iniciativas, aparecendo o consequente suporte do Estado como grande controle administrativo e técnico.
Em 1976, a Constituição Portuguesa veio clarificar a situação, assegurando, na generalidade, a liberdade associativa, sem dependência de qualquer autorização, reconhecendo direitos e deveres sociais, entre os quais o direito à Segurança Social, concebido como sistema unificado, descentralizado e participado, sem prejudicar todavia a existência das instituições particulares de solidariedade social.
Posteriormente, a 1.ª Revisão Constitucional de 1982 foi ainda mais explícita, pois alargou o âmbito destas instituições a outros sectores, como o de família, de infância, de juventude, dos idosos e dos deficientes, nos termos dos seus artigos 46.º e 63.º
As instituições particulares de solidariedade social surgiram, assim, ao longo dos tempos, como instituições, solidárias com grupos ou populações, na realização de justiça social.
São verdadeiros instrumentos de assistência, ajuda de promoção e desenvolvimento social e cultural, servindo as comunidades onde estão inseridas e, dentro destas, as pessoas mais desfavorecidas, pela irradiação de solidariedade, pela desburocratização das suas estruturas, pela espontaneidade dos seus agentes, apostando no desenvolvimento integral do homem e na construção de uma sociedade mais livre, mais generosa e mais fraterna.
Assim, uma instituição particular de solidariedade social nasce e cresce como resposta a uma necessidade local, mobilizando os recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis e, necessariamente, envolve todos os membros da comunidade, dando uns recebendo outros, na prossecução do bem comum.
São elas criadas a partir da iniciativa e consciencialização activa dos grupos organizados, propondo-se estes levar a cabo uma acção de apoio às situações mais gritantes de desprotecção.
Particularmente atentos aos sinais e evolução dos tempos, deverão adaptar serviços, reformular métodos e pedagogias no atendimento e solução possível dos diversos casos sociais. Deste modo, evitarão que os elementos mais desprotegidos da comunidade se fechem em si mesmos, se deixem cair na apatia, devido à ausência de estímulos para sobreviver, subsistindo unicamente para o rotineiro dia-a-dia, com poucas ou nenhumas perspectivas de futuro, para si e para os seus.
Claro que tudo isto implicará a formação permanente de todos os que nelas trabalham, exigirá estudo, vigilância crítica e avaliação, de forma que as respostas sejam as mais correctas e correspondam exactamente às reais necessidades das pessoas que as procuram.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É fundamental que este tipo de instituições não se limite as pequenas respostas a alguns problemas e sim constitua instituições abertas às suas comunidades de forma que estas se sintam responsáveis pelas suas próprias instituições.
Esta atitude tem ainda a vantagem de diminuir a tensão entre o Estado e as iniciativas privadas de carácter social, pois se o Estado não pode prescindir da sua liga-

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cão responsável à forma como são geridas as instituições das quais é suporte financeiro, aquelas, por sua vez, com o apoio das suas comunidades conseguem garantir a autonomia e evitar intromissões abusivas na sua linha de acção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Estado não pode deixar de acarinhar quem o substitui ao serviço das populações, principalmente quando essa substituição é feita de forma consciente e preocupada, com significativa criatividade e com uma notável qualidade de serviços, ainda por cima com custos muito inferiores aos prestados pelo próprio Estado.
Reconhecer a importância social das instituições particulares de solidariedade social é compreender o alcance do seu contributo para a humanização dos serviços prestados aos mais desfavorecidos, é ultrapassar a mecânica frieza que frequentemente informa e enferma o aparelho administrativo do Estado.
Apoiar e estimular as iniciativas e o poder criador destas instituições é compreender a essência desse princípio fundamental de ordem social que é a solidariedade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Enquanto deputada do PSD, procurarei chamar a atenção desta Casa e dos representantes do povo, por todos os meios, para os inestimáveis serviços prestados pelas instituições particulares de solidariedade social, obrigando desta forma os órgãos de soberania a colaborarem nessas iniciativas com o seu imprescindível apoio.
Será talvez este o modo de cada um tentar homenagear o grande homem que foi o Padre Américo, fundador de uma extraordinária obra de solidariedade social, no ano em que se comemora o centenário do seu nascimento.

Aplausos do PSD, do PRD e de alguns deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr.ª Deputada Maria Antonieta Moniz, estou inteiramente de acordo com a intervenção que produziu e com o juízo que fez em relação às instituições de solidariedade social.
Contudo, e embora respeitando a identidade própria que essas instituições têm no tecido social português, gostaria de perguntar à Sr.ª Deputada se estaria de acordo que houvesse uma intervenção mais larga a nível financeiro e logístico por parte do Estado, de forma que este, que recebe as contribuições fiscais de todos os portugueses, fosse diminuindo a capacidade de intervenção através da caridade das instituições que mantém esses estabelecimentos, para que ficasse só - e já não era pouco - a intervenção através do carinho e da dedicação de tantos portugueses e portuguesas que se entregam de alma e coração a esta actividade.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Antonieta Moniz.

A Sr.ª Maria Antonieta Moniz (PSD): - Sr. Deputado Barbosa da Costa, entendo que estas instituições têm de ter um grande suporte financeiro - e aliás foquei este ponto na minha intervenção -, mas penso também que uma parte dos recursos financeiros deve resultar da sua própria gestão.
As instituições também têm de zelar na defesa da sua autonomia, porque se a percentagem de intervenção estatal for quase total é impossível que o Estado não interfira no campo de acção destas instituições.
Assim, penso que este tipo de instituições deve ser apoiado, mas que elas também têm de se fazer valer por si próprias para conseguirem ter alguma autonomia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Marques.

O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem conhece o distrito de Leiria tem consciência de que dois dos maiores problemas sentidos profundamente pelas suas populações são os deficientes serviços de saúde e a não menos deficiente rede viária distrital.
Não me vou referir hoje aos problemas da saúde, nem tão-pouco pretendo fazer uma intervenção global em relação à rede viária.
Farei apenas uma pequena alusão e um alerta em relação ao estrangulamento da estrada nacional n.º 8, quando esta atravessa a cidade das Caldas da Rainha.
Uma cidade velha de 500 anos, nascida e criada ao redor de um hospital termal - o hospital termal mais antigo do mundo -, sofre hoje os rigores e a asfixia da estrada que antes, quando era pequena e gaiata, lhes trouxe de Lisboa, em cada Verão, a corte que lhe deu o sabor cosmopolita que ainda hoje conserva.
Hoje Caldas da Rainha é um grande centro de comércio e de serviço, mas a cidade vai morrendo porque a tal estrada nacional n.º 8, que tanta vida e desenvolvimento lhe deu, é a grande responsável pelo seu marasmo actual e pelo colete-de-forças do qual tarda em sair.
Não é vulgar que uma cidade com a dimensão e importância como é Caldas da Rainha seja atravessada em toda a sua extensão por uma estrada nacional que despeja no interior da malha urbana um fluxo incrível de tráfego, que de manhã ao sol-posto se arrasta penosamente, engarrafa, incomoda, inerva, para parar por completo, mergulhando a cidade e a região num abandono e num desalento que os Caldenses se negam a aceitar.
Como é possível que ao longo de tantos anos a Junta Autónoma de Estradas, que conhece melhor que ninguém este problema, não tenha sequer avançado com o projecto vital para Caldas da Rainha, tantas vezes prometido e quantas vezes esquecido, da variante à estrada nacional n.º 8?
Como é possível que em repetidas eleições as forças políticas que nos têm governado tenham sempre prometido às populações caldenses a resolução deste grave problema, lançando mão de demagogia fácil, e depois tudo caia no esquecimento e Caldas da Rainha passe os anos a ver passar o trânsito e também a ver passar o desenvolvimento que se instala noutras paragens?
Nunca os Caldenses optaram por meios drásticos, como, por exemplo, o corte da estrada nacional n.º 8, para obterem a resolução do maior problema regional.
Nunca as populações locais tomaram qualquer atitude que tenha beliscado o alto sentido cívico que cinco séculos de história, plena de grandes acontecimentos, lhes legaram.
Por isso mesmo, chegou a hora de resolver o problema da variante à estrada nacional n.º 8 e é absolutamente necessário que a Junta Autónoma de

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Estradas projecte e realize uma obra que tarda em surgir e que, a não ser resolvida nos próximos anos, porá em causa o desenvolvimento não somente da cidade de D. Leonor mas também de todo o concelho e até da região.
Basta de promessas eleiçoeiras. Os Caldenses exigem apuramento das responsabilidades nesta matéria.
A falta do projecto da variante das Caldas da Rainha já não é incúria, é crime de lesa-região.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa no passado dia 16 um voto de pesar subscrito por Srs. Deputados do PSD e do PRD, que vai ser lido de seguida.

Foi lido. É o seguinte:

Voto de pesar

Faleceu ontem, dia 15, em Aveiro, o Sr. Dr. David Cristo.
Aveiro perdeu um dos seus mais ilustres filhos. Este grande advogado, pioneiro do movimento do aveirismo, esta ilustre figura, era possuidor de um largo currículo, do qual destacamos:
Fundador do Corpo de Escuteiros de Aveiro;
Grande obreiro do Congresso dos Bombeiros Voluntários Portugueses, realizado em Aveiro em 1970, como grande defensor do voluntariado que era, e foi o arranque da organização dos bombeiros no País;
Membro fundador do Núcleo de Aveiro-Arte e do Núcleo de Estudos Aveirenses;
Orientador do restauro de várias igrejas da diocese, designadamente da igreja da Santa Casa da Misericórdia;
Jornalista emérito, com participação em vários jornais e fundador do semanário O Litoral; pintor, ceramista e escultor, foi autor de vários monumentos, entre os quais o de Egas Moniz e o de Jaime Magalhães Lima.
Enfim, uma vida cheia de actividades que tanto dignificaram Aveiro e o País.
Assim, proponho que a Assembleia da República lhe preste preito de homenagem, aprovando, um voto de sentido pesar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação deste voto de pesar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Corujo Lopes.

O Sr. Corujo Lopes (PRD): - Srs. Deputados: Ao associar-me ao voto de pesar pela morte de David Cristo, o PRD pretende reconhecer publicamente a figura de um homem a quem Aveiro bastante deve. E não apenas Aveiro - ainda que principalmente, já que aí desenvolveu grande parte da sua actividade -, mas também, de certo modo, todo o País, designadamente através dos seus escritos e da sua acção humanitária em prol dos bombeiros.
Advogado distinto, marcou uma época em Aveiro, tendo também exercido a sua actividade no sector do ensino.
Grande impulsionador do voluntariado, o Dr. David Cristo foi um dos principais obreiros do Congresso dos Bombeiros Portugueses, realizado em Aveiro em 1970, o que constituiu um marco histórico para o arranque da organização dos bombeiros no nosso país, tendo exercido o cargo de presidente da mesa de congressos da Liga, de que era sócio humanitário.
No domínio artístico, reuniu o Dr. David Cristo qualidades ímpares. Autor de vários monumentos, como o de Jaime Magalhães Lima e o de Egas Moniz, e de um apreciável número de esculturas e pinturas. Como barrista, também os seus méritos são publicamente reconhecidos, tendo colaborado numa série de programas televisivos.
Membro fundador do Núcleo Aveiro-Arte e do Núcleo de Costumes Aveirenses, o extinto orientou o restauro de várias igrejas da diocese de Aveiro, tendo ainda desempenhado as funções de director do Museu da Vista Alegre.
Como jornalista, além de ter colaborado em jornais diários e alguns semanários locais, fundou em 1954 o semanário O Litoral, do qual era director e proprietário.
Medalha de prata da cidade e comendador da Ordem da Imperatriz Leopoldina do Brasil, foi o insigne aveirense grande orador e conferencista, deixando o seu nome ligado às maiores actividades de natureza cívica realizadas em Aveiro.
O seu indesmentível aveirismo culminou com a entrega do seu espólio artístico e literário à sua terra natal, que ficará a testemunhar aos vindouros a expressão viva de um aveirense de eleição.

Aplausos do PRD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Frederico de Moura.

O Sr. Frederico de Moura (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos, sem quaisquer reservas, o voto de pesar pelo falecimento do Dr. David Cristo porque, para isso, estávamos cientes dos méritos que lhe exornaram a vivência e determinaram uma vida inteira ao serviço da sua terra e da cultura de que, tão devotadamente, foi servidor.
Confinado, voluntariamente, à sua Aveiro, David Cristo sacrificou, sem hesitações, as múltiplas qualidades que, justissimamente, lhe permitiram ultrapassar as fronteiras do distrito, alargando-lhe a projecção.
E porque é possível que muitos dos Srs. Deputados desconheçam o que, na sua personalidade e na sua ofegante acção, serviu os motivos culturais que ultrapassaram, de longe, uma órbita bairrista confinante, não posso dispensar-me de, embora sumariamente, referir que em David Cristo convergiam variadas aptidões que lhe condicionaram uma vida dispersiva e determinaram uma prodigalidade patente aos olhos de todos os que o conheceram com alguma intimidade.
Artista plástico de raros méritos, tanto modelava a greda, realizando obras de escultura que, na sua expressividade, se testemunham nos monumentos ao Prof. Egas Moniz, na terra natal do cientista, e a Jaime de Magalhães Lima, na cidade de Aveiro; pintor que deixa bem marcadas as suas virtualidades em telas pletóricas de teor criativo e rigorismo técnico; desenhando com uma subtileza contida dentro de canónicas invulneráveis, David Cristo conseguiu, ainda, roubar tempo às suas tarefas de advogado para investidas no campo

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literário e para realizar um jornalismo intensivo, traduzido no seu excelente Litoral - jornal que dirigiu até ao último sopro de vida.
A par disso, foi, ao longo dos anos, uma espécie de sentinela vigilante do património artístico de Aveiro, sempre atento, quer a monumentos mais significativos, quer aos testemunhos de actividades mais humildes de edifícios e templos; quer ainda a elementos das chamadas artes menores, particularmente da cerâmica, inventariando, com cuidados quase paternais, a barrística aveirense do século XVIII.
Por esta última razão, regeu cursos sobre cerâmica na Universidade de Aveiro e dirigiu, proficientemente, o Museu de Porcelanas e Vidros da Vista Alegre.
Afanoso pesquisador de tudo que dizia respeito à sua terra, reuniu uma riquíssima biblioteca em que as espécies de aveirografia tinham posição electiva, ao mesmo tempo que juntou uma rica colecção de obras de arte e de recordações de eventos e pessoas da sua terra.
Porque não são frequentes os homens que, como David Cristo, se devotam com tal constância e com tal afinco às coisas da terra que os viu nascer, a personalidade que hoje homenageamos transcende os limites fronteiriços, onde, voluntariamente, se confinou, para merecer ser recordada nesta Casa.
E é pena que os limites temporais de que disponho não me permitam debruçar-me sobre o muito mais que havia a dizer do nosso preiteado. Mas ouso pedir permissão para não fechar esta nota impressiva sem lembrar que, de entre as múltiplas actividades culturais a que viveu vinculado, David Cristo ainda arrancou disponibilidades para se ocupar intensivamente do voluntariado dos bombeiros de que era presidente da mesa de congressos, intitulando-se, a si próprio, «bombeiro sem farda» e dando sempre provas de devoção ao semelhante.
Por tudo isto - muito sumariamente referido -, é com toda a sinceridade que apoiamos o voto de pesar que esta Assembleia, justamente, aprovou.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Valdemar Alves.

O Sr. Valdemar Alves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela sua frequência os votos de pesar apresentados na Assembleia da República poderão correr o risco de se banalizarem. Por outro lado, é sinal que na nossa sociedade existem, felizmente, muitas personalidades que «pelas suas obras se vão da lei da morte libertando», muitos vultos se distinguiram na arte, na cultura, na política, no espírito da solidariedade, no sentimento de bem servir o semelhante. Gastar breves momentos nesta Assembleia da República e prestar-lhes singela homenagem no reconhecimento dos seus méritos só nos pode prestigiar.
Está neste caso a figura ímpar do aveirense que foi David Cristo. A sua acção em prol do aveirismo, no campo da solidariedade social (aqui destacamos o trabalho desenvolvido com o Corpo de Escutas e dos Bombeiros Voluntários), no campo da arte e defesa do património artístico e cultural, na imprensa regional e nacional, etc., mais que justificam o voto de pesar apresentado pelo meu partido, o Partido Social-Democrata.
É uma homenagem demasiado simples esta que prestamos a David Cristo, mas estamos certos de que se coadunaria com a alma simples deste ilustre aveirense.
Simplesmente, pois, aqui fica o nosso reconhecimento ao Dr. David Cristo.

Aplausos do PSD, do PS, do PRD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marçal.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Dr. David Cristo era um advogado distinto, um homem culto e de grandes dotes oratórios.
Grande defensor do voluntariado nos bombeiros, director do Galitos, do Beira-Mar e de outras colectividades desportivas e culturais de Aveiro, jornalista distintíssimo e director do jornal O Litoral, pintor e escultor, o Dr. David Cristo foi o pioneiro do denominado «movimento do aveirismo».
Com a sua morte, no passado dia 15, o distrito de Aveiro e o País ficaram mais pobres.
O CDS associa-se a este voto de pesar, como se associou o povo de Aveiro no passado sábado, dia 17, no acompanhamento à sua última morada.
Prestando aqui, neste Parlamento, uma modesta homenagem ao Dr. David Cristo, não fazemos mais do que cumprir o nosso dever perante um homem que soube ser realmente grande, não só nas artes, como nas letras, como na sua profissão. Daí o nosso voto favorável ao pesar pela morte do Dr. David Cristo.

Aplausos do CDS, do PSD, do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Aveirenses conheceram e memoram a personalidade rica de David Cristo, que pôde, em vida, dividir-se por actividades muito diversificadas, em todas elas colocando uma energia e um entusiasmo que, publicamente, não deixaram nunca de ser reconhecidos como grandes.
Advogado e, provisoriamente, professor, dedicou-se, desde sempre, a apoiar as iniciativas das colectividades populares no domínio do desporto e na sustentação do trabalho desenvolvido pelos bombeiros da sua terra.
Monografista, dele se conhecem os ensaios em torno da personalidade de Egas Moniz e de Jaime Magalhães Lima.
Litrato e jornalista, dele nos ficam, sobretudo, as peças de cerâmica, as telas, os sonhos que deixou ligados às suas gentes e às suas paisagens, por muito daquilo em que hoje inteiramente o podemos evocar.
Daí que o Grupo Parlamentar do PCP se associe ao voto de pesar apresentado na Câmara, exprimindo que, em circunstâncias deste jaez, não é apenas Aveiro que merece o lucro de um homem, mas o País inteiro e, portanto, a Assembleia da República, que politicamente o representa.

Aplausos gerais.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, ao abrigo do que está regimentalmente exposto, pediríamos a suspensão dos trabalhos por meia hora.

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O Sr. Presidente: - Está concedido, Sr. Deputado. No entanto, gostaria de lhe fazer só uma pergunta: o Sr. Deputado aceita que a suspensão coincida com o intervalo antecipado ou pretende que se some o intervalo à suspensão?

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, julgo que só temos direito a meia hora de suspensão. No entanto, seria mais lógico se juntássemos o intervalo à suspensão. De qualquer modo, gostaríamos que a sessão fosse suspensa desde já.

O Sr. João Cravinho (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - É para interpelar a Mesa, Sr. Deputado?

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, queria fazer uma interpelação à Mesa, a qual, pelo seu conteúdo, será aliás breve. Porém, pedia autorização para que fosse considerada a hipótese de a interrupção da sessão ser subsequente à minha interpelação.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mendes Bota não se opõe?

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Não vejo qualquer inconveniente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Muito obrigado, Sr. Deputado Mendes Bota.
Sr. Presidente, o motivo da minha interpelação é o seguinte: fomos todos surpreendidos pela publicação, no Diário da República, de 13 de Janeiro de 1987, do Decreto-Lei n.º 24/87, que faz entrar em vigor, em 14 de Janeiro de 1987, o Plano para 1986.
Este é, de facto, um acto ridículo, o qual recairia aqui sobre o Governo, havendo sobre isso outras possibilidades de intervenção e não cabendo numa interpelação à Mesa. Simplesmente, é mais do que um acto ridículo: é um acto que coloca em grave desestabilidade o normal relacionamento dos órgãos de soberania, o que se explica por duas razões.
Em primeiro lugar, o Governo, ao fazer publicar, em 1987, este decreto-lei excede as condições de legitimidade e de legalidade que a Lei das Grandes Opções do Plano ...

O Sr. Presidente: - Oh, Sr. Deputado, isso não é uma interpelação à Mesa e V. Ex.ª sabe-o perfeitamente!

O Sr. João Cravinho (PS): - Então vou ser mais breve, Sr. Presidente, e nessas condições quereria então perguntar o seguinte: considera a Mesa que, dado o facto de estarem violados, neste decreto-lei, não só as condições que há pouco referi, como o instituto de promulgação por parte do Sr. Presidente da República, não seria útil que a própria Mesa, em representação da Assembleia, inquirisse junto do Governo das razões, porque poderá havê-las, para tão insólito comportamento? Efectivamente, trata-se de um problema que diz respeito a toda a Assembleia e não apenas a cada um dos deputados dos seus grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, essa é uma questão para ser transferida para a conferência de líderes e não para ser a Mesa a, neste momento, tomar qualquer decisão. Portanto, comunicarei com o Sr. Presidente da Assembleia a fim de, se assim o entender, levar a questão que o Sr. Deputado levanta à conferência de líderes.
Declaro então interrompida a sessão, a qual recomeçará às 17 horas e 55 minutos.

Eram 16 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta, a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como suponho ser do conhecimento de V. Ex.ªs ,o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação entrou em contacto com o Sr. Presidente Fernando Amaral no sentido de o informar da sua indisponibilidade em estar hoje presente na discussão das ratificações agendadas para hoje visto encontrar-se ausente em Bruxelas, e manifestou desejo de que esta matéria pudesse ser discutida em data oportuna para poder estar presente.
O Sr. Presidente Fernando Amaral contactou telefonicamente todos os grupos parlamentares e, segundo fomos informados, houve anuência a este desejo. Por consequência, está retirado da agenda este ponto, ou seja, as ratificações relativas ao Decreto-Lei n.º 313/86, de 24 de Setembro.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, nos termos de uma interpelação à Mesa, e, se me permitisse, gostaria de dizer que da parte do meu grupo parlamentar confirmamos plenamente a concordância que demos ao Sr. Presidente da Assembleia da República. Mas, na mesma altura, tivemos ocasião de lhe dizer que soubemos - até veio nos jornais - que após o agendamento dos dois pedidos de ratificação, o do nosso partido e o do CDS, o Governo anunciou, em declarações públicas, a intenção de revogar o decreto-lei em causa.
Ora, se essa intenção se confirmasse - e o nosso pedido ao Sr. Presidente foi nesse sentido -, se o Governo clarificasse essa intenção de revogar o decreto-lei, em face dos dois pedidos de ratificação que foram apresentadas na Assembleia da República, seria bom que o dissesse, para a Assembleia não estar a agendar para uma nova data a ratificação de um decreto-lei que já se sabe que não vai ser discutido porque, como é intenção do Governo, a sua vida legislativa não será longa. E assim escusamos de estar a fazer, um novo agendamento.
Gostaria, pois, de saber se o Sr. Presidente obteve resposta para esta questão e se a Mesa está em condições de a transmitir.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não obteve nenhuma resposta para a questão. Aquilo que me foi comunicado pelo Sr. Presidente Fernando Amaral foi que o assunto será objecto de apreciação em próxima conferência de líderes e, naturalmente, se então tiver sido já comunicado à Assembleia ou tiver havido o conhecimento oficial da revogação do respectivo decreto-lei, não se agendará, pois já não existe.
Antes de entrarmos no ponto seguinte, que é o pedido do PCP de inquérito parlamentar sobre o processo de aquisição de centrais digitais (inquérito parlamentar n.º 4/IV), temos de votar um pedido de prorrogação e um parecer.
O Sr. Secretário vai proceder à leitura do pedido de prorrogação.

Foi lido. É o seguinte:

Comissão eventual para apreciação da proposta de lei n.º 5/IV

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

Tendo esta comissão terminado hoje os trabalhos para que foi constituída, venho, contudo, solicitar a V. Ex.ª a prorrogação do seu prazo até à elaboração do relatório - prorrogação que, todavia, não poderá exceder 30 dias.

O Sr. Presidente: - Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Vai agora ser lido um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

De acordo com o solicitado no ofício-requisição n.º 992/86 - processo n.º 10 669 - da 1.ª Secção do 4.º Juízo do Tribunal Judicial de Lisboa, de 6 de Novembro passado, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado José Manuel Antunes Mendes, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que esta Comissão decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a ser ouvido como testemunha no processo referenciado.

O Sr. Presidente: - Vamos votar.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Do último ponto da agenda consta a apreciação do inquérito parlamentar n.º 4/IV, apresentado pelo PCP, sobre o processo de aquisição de centrais digitais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: As decisões ligadas aos investimentos em equipamentos de comutação digital, que alguns quereriam simples rotina de referência técnico-económica, têm proporcionado, pela dimensão e pelo aspecto processual e negociai em que se basearam, um grande leque de dúvidas, de perplexidades, de juízos surgidos, em momentos diversos, de vários quadrantes políticos e sociais, de sectores
de quadros técnicos, de investigadores, de organizações de trabalhadores. O assunto mereceu, reiteradas vezes, honra de caixa de 1.ª página nos meios de comunicação social. Ao acompanhá-lo com atenção e ao estudá-lo com rigor, o Grupo Parlamentar do PCP entende que o conjunto de dúvidas, de problemas levantados, a própria sequência do processo, justificam amplamente que a Assembleia da República se debruce, nos termos constitucionais e legais, sobre o processo e sobre as opções, nos termos precisos da Lei n.º 43/77, que define, aliás, os inquéritos parlamentares como importante instrumento de acção parlamentar e de realização das atribuições da Assembleia.
Os inquéritos parlamentares têm, de facto, nos termos da lei, por função vigiar o cumprimento da Constituição e das leis, e todos estaremos de acordo que a introdução da comutação digital e os investimentos que determina constituem uma problemática que, pela forma como foi desenvolvida ao longo dos últimos anos, deve ser objecto do inquérito que propomos.
Um aspecto central do processo e que convém, desde já, referenciar é o de que consideramos necessário, e quase todos também concordarão com isso, neste e noutros sectores da vida económica nacional, investir atempadamente, renovar tecnologia, ter em conta a evolução estratégica nesta época de internacionalização crescente. Entendemos que, do nosso ponto de vista, nos termos constitucionais, é indispensável planear globalmente as grandes opções de investimento, tendo em conta os interesses das empresas operadoras, da indústria ou indústrias nacionais mais ligadas aos sectores, aos volumes de emprego existentes nessas empresas, aos níveis de qualificação da mão-de-obra e à valorização de um projecto nacional de investigação e desenvolvimento.
Ora, estamos perante um conjunto de elementos processuais que referenciam, no menor denominador comum possível de ser afirmado desde logo, um acautelamento das realidades nacionais sumaríssimo.
Dir-se-ia que em certos aspectos as opções de estratégia de longo prazo e a atribuição de um mercado de milhões de contos se basearam, permitam a caricatura, na leitura apressada de folhetos, em visitas apressadas em que o marketing de ocasião tomou um papel predominante. A introdução da comutação digital parece ter sido pensada como esperança de resolução mágica de problemas que a gestão incorrecta dos actuais recursos agravou e agrava. Tudo indica que terá sido entendido também como um negócio porque o avultado volume dos investimentos gerou necessariamente especulações de variado tipo em torno de aquisições de sistema.
Sumariando as etapas do processo, encontram-se variadíssimos pontos de obscura análise, não clarificados.
O primeiro dos pontos referenciáveis é aquele que diz respeito ao relatório de Março de 1983, do então presidente do conselho de administração dos CTT/TLP, engenheiro Oliveira Martins, hoje ministro, sobre a consulta aos vários fabricantes, referenciado na imprensa e que fazia constatações de carácter judicativo sobre os vários sistemas. Este relatório foi globalmente aceite pelo então Ministro da Tutela, engenheiro Viana Baptista, actual presidente dos CTT/TLP, inverteram-se as situações, mas sobre esse primeiro relatório impendem naturalmente variadas interrogações - designadamente sobre a importância relativa das opções nacionais face aos interesses internacionais que se adivinhavam.

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Uma segunda etapa, a nomeação em 1984 de uma comissão interministerial, assegurada pelo então Secretário de Estado das Comunicações, é também digna de análise demorada, designadamente pelo conjunto de fabricantes que se considerou oportuno consultar: cinco europeus, quatro americanos e dois japoneses. Continuam sempre em olvido as capacidades nacionais. Mas é sem dúvida em Março de 1985, já sob a pressão de uma crise política que iria acelerar um processo de novas eleições legislativas em Outubro desse ano, que o Conselho de Ministros autoriza os CTT/TLP a introduzir centrais de comutação digital na rede telefónica, definindo a opção por dois sistemas, a fabricar nacionalmente pela Centrei e pela Standard, definindo que deverão ser consultados apenas quatro fornecedores. Ao indicar que pretende a redução da componente externa de incorporação e a criação de empresas de software, o Governo de então aponta, a nosso ver, apenas emblemática e demagogicamente, para o apoio ao desenvolvimento da indústria nacional no sector das novas tecnologias. Importa desde já referir que o processo de escolha é alvo de uma aceleração acentuadíssima, que os meses seguintes confirmam. Em Abril, o conselho de administração dos CTT e dos TLP, perante a limitação da directiva ministerial, escolheu as quatro empresas a consultar, excluindo assim todas as outras, algumas das quais de grande prestígio tecnológico: e convém esclarecer de vez os estudos em que se baseou tal pré-selecção.
Por outro lado, em Julho de 1985, dias depois da Siemens e da Centrel anunciarem a realização de um acordo, de alguma forma condicionador das escolhas possíveis, o Governo de então homologa a escolha de empresas em tempo recorde, decidindo adjudicar o fornecimento a duas empresas.
Situam-se elementos que devem ser esclarecidos: o que habilitou a tal aceleração de escolha? Que pareceres foram decisivos na avaliação dos concorrentes? E a que critério de negociação de contrapartidas foram condicionadas as escolhas feitas?
Outra etapa do processo decorre três dias antes das eleições legislativas de Outubro de 1985: é a adjudicação do fornecimento. As circunstâncias, a data da decisão, os elementos condicionantes, devem ser tomados em conta e tem de haver um suporte de esclarecimento mais válido que aquele que se conhece.
O processo tem então outra etapa a partir da existência do actual Governo, com a anulação da adjudicação ao 2.º classificado e a abertura da nova consulta para escolha de um segundo sistema de comutação digital. Só três dos cinco concorrentes apresentaram propostas, a empresa sueca é eliminada e os dois concorrentes que restam, anunciam, entretanto, internacionalmente a sua fusão numa única empresa de telecomunicações, com maioria de capital francês.
As vindas aqui, Sr. Presidente, Srs. Deputados, à Assembleia da República do Sr. Ministro Oliveira Martins e do actual Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações, Sequeira Braga, não trouxeram nem podiam trazer, nos termos que se exigem, o conjunto de esclarecimentos rigorosos. A anunciada feitura de um livro branco sobre o processo, passo que consideramos positivo, se for acompanhado de devida publicitação e esclarecimento público, não se substitui ao que a Assembleia da República pode e deve fazer, integrando a figura do inquérito parlamentar.
Os problemas do investimento deste forte e com esta dimensão tem, Sr. Presidente, Srs. Deputados, importantíssimas sequências a montante da área directamente abrangível pelas opções.
Já o dissemos e reiteramo-lo: não há da nossa parte qualquer posição liminar contra os investimentos em renovação e desenvolvimento tecnológico. Sabemos que a opção digital, todos o sabem, obriga a investimentos iniciais muito grandes e desde logo é discutível se há ou não condições na nossa economia, neste momento, para suporte de um tal investimento e para a sua indispensabilidade relativa. Mas é também sabido que com investimentos feitos por esta forma acelerada, com decisões tomadas desta forma, sem envolvimento conjunto com os sectores abrangidos, se avança na prática e na realidade para o espectro do desemprego sobre milhares de trabalhadores, nada havendo que indique que estamos perante uma opção maduramente construída. A opção aparece, aliás, percorrida por um desejo cego de pioneirismo, de terceira vaga, tipo fontista do final do século XX, tipo de aceitar ser cobaia para recuperação do atraso pela forma mais aparente, mas nada tem que a referencie como tendo analisado todo o conjunto da situação da indústria nacional, o direito humano inalienável de todos ao trabalho e a necessidade de se encontrarem linhas que balizem o acordo envolvendo várias estruturas de trabalhadores e entidades empresariais e da administração.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, no quadro da investigação nacional, as opções aceleradamente tomadas parecem trazer a ruptura à linha de desenvolvimento que fora traçada com o contrato programa estabelecido entre o Centro de Estudos de Telecomunicações dos CTT em Aveiro e a indústria nacional para o desenvolvimento e posterior fabrico de centrais de comutação digital. Todo o processo de escolha decorre à margem do projecto nacional ou, pelo menos, põe claramente entre parêntesis a realidade nacional. O CET é uma estrutura importante que tem revelado ao longo de décadas provas de manifesta capacidade operacional, tendo concebido e delineado a totalidade dos equipamentos de comutação necessários a uma rede nacional, desde pequenas estações rurais até às interurbanas e internacionais.
Tudo considerado, o Grupo Parlamentar do PCP entendeu dever apresentar este projecto de criação de uma comissão de inquérito. Fê-lo porque deve ser transparente o conjunto de dados sobre este processo, nos vários momentos políticos em que se desenvolve; fê-lo porque assistimos aqui a confluências pessoais de poderes que devem ser clarificados, para interesse de todos: o facto de o Ministro de 1983 ser hoje presidente dos CTT/TLP e de o presidente dos CTT/TLP de 1983 ser hoje o Ministro pode querer referir apenas a estreiteza do leque de escolhas e a dificuldade de encontrar gestores: mas pode também referir aproximações e confluências que é preciso esclarecer para bem de todos. Fê-lo porque é urgente tratar de responsabilizar quem faz o quê neste processo de internacionalizações apressadas e expeditas que tem muito de aceitação de ditames transnacionais, que podem implementar-se, por forma não controlada, na estrutura produtiva do nosso país. Fê-lo porque é importante preservar a defesa da independência tecnológica e da nossa capacidade de

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desenvolvimento nacionalmente consolidado. Fê-lo porque é necessário que a Assembleia confirme a sua vocação de fiscalização da acção do Executivo e de primeira e mais lídima expressão dos interesses e anseios da população que nos elege.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Grupo Parlamentar do PCP não faz, comprovadamente, iniciativas legislativas por fazer, para tirar dividendos de ocasião. Não pauta a sua actuação pelo eco de alarmismos, quaisquer que eles sejam. Entende que este domínio deve ser esclarecido com clareza e firmeza por forma a não subsistirem quaisquer dúvidas. Entende, aliás, que a Assembleia se prestigia com esta e outras acções de intervenção na vida nacional, nos seus diversos aspectos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, é nesta conformidade que esperamos que esta Assembleia aprove a proposta de criação da comissão de inquérito ao processo de aquisição de centrais digitais. É assim que convidamos os outros grupos parlamentares a partilharem connosco esta imposição da clareza e transparência.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Neiva Correia.

O Sr. Neiva Correia (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Requereu o Grupo Parlamentar do PCP a realização de um inquérito parlamentar ao processo de aquisição de centrais digitais, que qualifica de polémico.
Que foi objectivamente polémico é, de facto, o menos que se pode dizer em face dos rios de tinta que fez correr, de que se refere como primeira grande intervenção o artigo de Marcelo Rebelo de Sousa no Semanário, advertindo que enquanto uns se ocupavam de questões menores, o PS tomava posições na questão das centrais digitais, que lhe assegurariam um domínio dos destinos tecnológicos do país até ao próximo século e o poder de decisão num negócio envolvendo dezenas de milhões de contos.
Polémico também por se ter tornado num dos temas de debate eleitoral das eleições legislativas de 1985, tendo sido transmitido por candidatos do PSD, o seu leader e o actual Ministro da Tutela, a posição de que algo de muito grave se teria passado e que o novo governo que se propunham formar não se sentiria responsabilizado pelas decisões do Governo do Bloco Central.
Isto, apesar de tudo, não seria por si só suficiente para justificar a criação de uma comissão de inquérito parlamentar. Devemos ser moderados nessas iniciativas se não quisermos que elas se banalizem, o que teria o efeito de embotar um importante instrumento da indispensável competência parlamentar de fiscalização da acção do Governo.
Contudo, àquelas suspeições de origem partidária, enquadráveis nos processos de arregimentação de industriais pelo PS durante 1985, especialmente na campanha presidencial, vêm juntar-se algumas coincidências mais ou menos perturbantes, com a aparência de tentativas de criação de factos consumados, de que se citam:

Primeiro, o Despacho n.º 98/83 do Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes, em 30 de Maio, portanto já depois das eleições e dias antes da tomada de posse do IX Governo, dito do Bloco Central, que autorizava os CTT/TLP a iniciar consultas para aquisição de tecnologia digital. Por último, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 45/85, de 3 de Outubro, mesmo no fim do IX Governo - visto que as eleições foram a 6 -, que encerrava o concurso e autorizava os CTT/TLP a celebrar os contratos de adjudicação à Siemens e Alcatel/Thompson por prazo de dez anos.

Sabe-se, por outro lado, da activa movimentação, nesse período, do chamado «lobby francês». Embora não haja fundada esperança de encontrar um Tanaka português como no caso Lockheed, é bom e saudável que casos potenciais de corrupção pública, que neste negócio não deixou de ser sugerida, sejam escrutinados como medida de profilaxia em relação a casos futuros.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O actual Governo, por sua iniciativa, reconhecendo o interesse público do esclarecimento dos factos relacionados com esta escolha, decidiu a elaboração de um livro branco, o que foi formalizado por despacho de 7 de Outubro de 1986 do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, que deverá ser apresentado no prazo de 120 dias.
O ideal é que um livro branco anteceda a decisão a que se refere, o que, contudo, num caso com tão grande componente de decisão empresarial não seria adequado. No entanto, nada teria impedido, já que a decisão era anterior, de o livro branco se seguir imediatamente à decisão.
Podia assim, eventualmente, esse livro branco ser suficientemente transparente que tornasse desnecessário o inquérito parlamentar.
Acontece, porém, que o ideal é também que o livro branco seja feito por quem seja independente em relação ao Governo.
Ora, neste exercício louvável de transparência, que não sei se terá alguma inspiração na mais recente versão conhecida por «Glasnost».
Se, pelo menos, os deputados do PSD teriam razões para estar descansados e confiados com o despacho ministerial encarregando a administração dos CTT/TLP de promover a elaboração do livro branco e se, pelo menos, os deputados eleitos nas listas da APU teriam razões para estar descansados e confiados com a escolha feita pela administração dos CTT/TLP para presidir à comissão do livro branco, que recaiu sobre um seu funcionário, que, enquanto distinto cidadão, representou aquela coligação na Câmara Municipal de Lisboa em sucessivos mandatos, isso não impede que, objectivamente, quem não tenha os mesmos motivos de confiança política duvide que seja adequado que o Governo cometesse tal encargo ao conselho de administração dos CTT/TLP e este escolhesse para aquele efeito um seu funcionário, tendo em vista as respectivas relações de tutela e subordinação.
Sobretudo quando há o precedente de as pessoas que nos CTT/TLP durante o IX Governo colocaram a Alcatel à frente da ITT terem sido as mesmas que durante o X Governo conduziram o processo que colocou a ITT à frente da Alcatel. Certamente por fundadas razões que todos queremos entender.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS não espera através deste inquérito vir a encontrar esqueletos no armário e por isso não tomou a iniciativa de o promover.
Espera, contudo, que para além do seu efeito profiláctico, atrás referido, ele venha também a ter um efeito pedagógico. Isto é, que dele venha a ressaltar o efeito negativo da excessiva governamentalização e consequente politização de um processo que devia, desde o princípio, ter uma natureza predominantemente empresarial, que caberia sobretudo aos operadores CTT/TLP defender, temperada por considerações de interesse público e social que cabia ao Governo em instância de acompanhamento e homologação.
Ao invés, governamentalizou-se a tal ponto que nem da elaboração do caderno de encargos os CTT/TLP foram encarregados, tendo sido considerado pelo IX Governo como mais adequado fazê-lo através de uma comissão interministerial, na prática através do Gabinete do Secretário de Estado. A essa circunstância são atribuídas algumas das causas que fizeram este processo nascer torto e permitem duvidar que as soluções finalmente encontradas, que resultam de adaptações a factos parcialmente consumados, sejam as ideais a que se teria chegado por um processo mais saudável e mais linear, não só no que diz respeito a prazos para a introdução da tecnologia digital, como aos preços, como a outros custos que esta metodologia envolveu (custos pelo atraso de introdução das centrais digitais, custos pela evolução da degradação da situação da Centrel).
Por estas razões, o CDS votará favoravelmente o inquérito parlamentar n.º 4/I V.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Junqueiro.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na primeira metade da década de 80, mercê de um forte investimento autorizado aos CTT e TLP e na sequência da prioridade que, a nível político, lhe foi atribuída, iniciou-se um decidido programa de recuperação e modernização do sistema nacional de telecomunicações.
Todos estaremos recordados da considerável diminuição da lista de espera na montagem de telefones, da eliminação das centrais telefónicas manuais, da resolução dos constrangimentos que afectavam a instalação de telexes, do acesso automático generalizado dos serviços de telecomunicações a todos os países do Mundo e da melhoria significativa da qualidade de serviço.
Todos estaremos igualmente recordados da entrada em funcionamento da terceira rede nacional de telecomunicações - a de dados -, assim como do primeiro serviço telemático.
Todos estaremos finalmente recordados do lançamento de projectos de indiscutível alcance (essenciais para a modernização da rede nacional de telecomunicações e para o progresso da generalidade das actividades económicas), como, por exemplo, a digitalização, a telemática, os novos equipamentos terminais, os novos serviços e a tecnologia de informação.
A execução deste programa teve sempre o envolvimento profundo das empresas operadoras CTT e TLP, da indústria nacional e dos centros de investigação
e desenvolvimento que, dentro e fora dos CTT e TLP, se dedicaram interessadamente ao aprofundamento das novas tecnologias de informação.
É que, mesmo que convictos do carácter prioritário das telecomunicações, não basta proclamá-lo aos sete ventos.
Terá sempre de optar-se entre duas atitudes que, no fundo, representam duas estratégias ou duas políticas contrárias e divergentes.
Uma, consiste em promover a modernização, mormente das telecomunicações, fazendo apelo à importação pura e simples de tecnologias, de conhecimentos e de produtos.
Outra, consiste em apostar não só nessa modernização, mas também no desenvolvimento, através da participação activa e empenhada dos recursos nacionais, combinando o ritmo e a necessidade da mudança com as possibilidades e os interesses do País.
Sempre considerámos que um país que aspira a um futuro de esperança, que reivindica a sua quota-parte na construção das sociedades modernas, que preza acima de tudo a sua independência, só pode optar pela segunda das atitudes mencionadas.
O que está a passar-se actualmente em Portugal, no âmbito das telecomunicações, revela um retrato infelizmente bem diferente daquele que caracterizou o início da década de 80.
Por um lado, o Governo, em particular a tutela das comunicações, voltou a encarar o sector apenas como sinónimo de infra-estrutura, ao invés de desenvolvimento e de modernização, assim como abandonou atitudes e comportamentos baseados na agressividade e no dinamismo, optando antes pela passividade e pela estagnação, além de se ter demitido de impulsionar as tecnologias de informação.
Por outro lado, o Governo parece agora muito mais identificado com o propósito de modernizar a qualquer preço do que com a finalidade de o fazer solidariamente, o que acarreta e tem acarretado inúmeros problemas, nomeadamente à indústria nacional.
É neste contexto que as empresas operadoras voltam a confrontar-se com constrangimentos graves na prestação dos serviços que lhes estão confiados, ou que muitos projectos foram pura e simplesmente abandonados ou ainda que outros prosseguem, mas sem nenhuma preocupação de acautelar os interesses nacionais.
É neste contexto igualmente que as empresas operadoras se vêm limitadas na sua acção dinamizadora, que os centros de investigação, e de desenvolvimento sentem dificuldades de apoio, que a indústria nacional recorre aos despedimentos como única via de sobrevivência ou que os trabalhadores do sector encaram o futuro com angústia e cepticismo.
É neste contexto que é dramaticamente travado o salto qualitativo que as telecomunicações se preparavam para dar no nosso país.
O caso da aquisição das centrais telefónicas digitais é, do nosso ponto de vista, bem ilustrativo da forma de actuar do Governo no sector das comunicações.
Por um lado, depois de ter promovido uma ampla campanha de desinformação, procurando denegrir o que anteriormente havia sido feito nesta matéria, o Governo acabou por assumir publicamente como boa parte da estratégia e da metodologia definidas pelo Executivo anterior para, logo de seguida, enveredar por sucessivos comportamentos irresponsáveis e contraditórios.

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Por outro lado, o Governo toma algumas medidas que não só põem em causa a grande dinâmica alcançada pelas telecomunicações nos últimos anos, mas sobretudo constituem um autêntico atentado contra uma política de valorização e aproveitamente dos recursos nacionais.
Tudo isto no meio de algumas suspeições que merecem ser esclarecidas para que não restem dúvidas para ninguém.
Daí a oportunidade da instauração do inquérito parlamentar que é submetido à nossa consideração e que o Partido Socialista irá apoiar.
Ele permitirá certamente ir ao fundo das questões e enquadrar o relatório que vai constar do livro branco sobre as centrais digitais que o Governo, depois de muita pressão da opinião pública, acedeu finalmente a publicar.
Poder-se-á então analisar, por exemplo, o caso da oportunidade da opção digital e do papel da indústria e da investigação nacional nesse âmbito.
Poder-se-á igualmente estudar o difícil «casamento» da indústria portuguesa com a indústria estrangeira e as circunstâncias que explicam, por exemplo, os recém-anunciados 2000 despedimentos numa importante unidade nacional.
Poder-se-ão analisar também os concursos e adjudicações efectuados e, em particular, as circunstâncias em que uma determinada multinacional é declarada vencedora, depois de ter reduzido os seus preços em cerca de 40 % relativamente ao primeiro concurso.
E, da mesma forma, não poderá deixar de se incluir um relatório sobre o que se passa nos países em que essas multinacionais conseguiram colocar as suas centrais digitais, não vá repetir-se a história dos aviões Lockheed, adquiridos pela TAP há uns anos atrás, no momento em que aquela companhia anunciou o encerramento das suas fábricas!
Talvez que o esclarecimento destes pontos possa levantar o véu sobre as motivações reais que ditaram uma tão significativa alteração da estratégia e da política que vinha sendo seguida no sector das comunicações.
Talvez então os trabalhadores ameaçados de despedimento compreendam verdadeiramente a razão que os levou ao afastamento das empresas onde laboravam.
As telecomunicações constituem uma das áreas mais importantes e mais decisivas para a modernização de um país.
As telecomunicações têm de ser olhadas como um todo, cuidando em igual medida das actividades das empresas operadoras, das indústrias a montante e a jusante, das interdependências reais, como, por exemplo, o sistema educativo, a investigação científica, a defesa, a segurança, a comunicação social, o turismo e os serviços, assim como dos poderosos efeitos, directos e indirectos, na Comunidade.
As telecomunicações, em íntima associação com a informática, geraram as tecnologias de informação, factor determinante de mudança, progresso e desenvolvimento.
As telecomunicações precisam de ser objecto do apoio incondicional do Executivo, que tem de lhes reconhecer um carácter prioritário e nacional.
Ao considerar as telecomunicações apenas como mais uma infraestrutura, ao cortar-lhes os investimentos, ao reduzir verbas para investigação e desenvolvimento, ao parar projectos de relevância indiscutível, ao dificultar

a gestão do sector público empresarial, ao permitir a queda de empresas industriais, o Governo está a condenar não apenas a modernização das telecomunicações portuguesas, mas também a inviabilizar a rápida modernização do País.
O caso da aquisição das centrais digitais é disso um real e preocupante exemplo.
Resta aguardar que a generalidade do poder político, incluindo o Executivo, entendam o que está verdadeiramente em causa e possam actuar, enquanto não é demasiado tarde.
Aplausos do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Martins.

O Sr. Carlos Martins (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A decisão de equipar a rede telefónica nacional com centrais digitais tem provocado tomadas de posição controversas por parte de alguns intervenientes ligados directa ou indirectamente com a questão, pelo que, ao abrigo das disposições regulamentares e constitucionais aplicáveis, requeiro ao Governo, através dos Ministérios do Trabalho e Obras Públicas, Transportes e Comunicações, o seguinte:
Elementos suficientes que me habilitem convenientemente sobre os fundamentos, os direitos dos trabalhadores, os pareceres técnicos dos CTT e outros utilizadores que motivaram a decisão da opção e compra das centrais digitais.

Este é o teor do nosso requerimento, publicado no Diário da Assembleia da República, de 15 de Março de 1986, com o n.º 891/IV e que até ao presente não obteve resposta. Porquê?
Algumas questões prévias:
Na área da comutação telefónica verifica-se a existência de dois importantes compradores de equipamentos, CTT e TLP, e os fabricantes nacionais mais importantes são a Centrel e a Standard Eléctrica.
Contrariamente ao que acontece noutros sectores, tem-se verificado nos últimos quinze anos um aumento progressivo da taxa de incorporação nacional e as importações, matérias-primas, rondam os 10 % do valor das vendas.
Acresce que a nossa densidade telefónica, 13 linhas de rede por 100 habitantes, é baixa comparada com outros países europeus, por exemplo na Suécia é de 59 linhas por 100 habitantes, sendo assegurada a cobertura por algumas dezenas de centrais dos TLP que cobrem cerca de 60 % do parque total, enquanto os CTT com mais ou menos 1000 centrais cobrem os restantes cerca de 40 % do parque total.
Informações disponíveis indiciam ser possível assegurar a curto e médio prazo a cobertura respectivamente de 80 % a 100 % da rede nacional telefónica, com a vantagem de os equipamentos estarem adaptados às características da nossa rede.
No respeitante aos dois fabricantes já citados, a sua capacidade de produção é de 150 000 linhas de rede/ano, muito embora desde 1982 só estejam a produzir em média 100 000 linhas, portanto com uma capacidade subaproveitada.

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As duas empresas totalizam cerca de 3500 trabalhadores envolvidos na área da comutação telefónica, a maior parte dos quais tendo como instrução a 4ª classe e a sua média de idades ronda os 40 anos.
No que concerne a investigação e desenvolvimento, além dos próprios meios dos fabricantes, é de salientar o centro de estudos de telecomunicações dos CTT em Aveiro, que teve origem no alargamento e crescimento do antigo grupo de estudos de comutação automático, criado com o objectivo de obter a independência tecnológica, utilizando na rede telefónica portuguesa equipamentos projectados nos CTT e construídos pela indústria nacional.
O GECA/CET conta no seu activo experiência acumulada e comprovada em realizações no domínio da comutação telefónica; desde 1970 que se vem preparando para as novas tecnologias, declarando-se preparado desde 1986 a fornecer centrais digitais de trânsito e em 1987 centrais digitais locais.
Os sistemas de comutação digital necessitam de menos trabalhadores, muito embora com mais conhecimentos técnicos, um quinto dos necessários para fabricar o mesmo número de linhas de rede com tecnologia electromecânica.
É de ponderar a compatibilidade dos sistemas de comutação digital com os equipamentos existentes, sabendo-se que em 1981 65 % das linhas telefónicas dos CTT estavam ligadas a equipamentos da 1ª geração de tecnologia rotativa com uma média de vinte anos, com uma rede de cabos da idade dos equipamentos.
É de ponderar os reflexos na nossa economia, a ser exacto um dispêndio de 100 milhões de contos até ao final do século, 200 milhões nos próximos dez anos a preços correntes, segundo se diz, e também a ser exacta uma incorporação nacional máxima de 40%.
É de ponderar as consequências no sector do emprego da utilização dos sistemas de comutação digital, nomeadamente a nível de fabricantes, mas também a nível dos utilizadores, concretamente CTT/TLP.

Estes alguns dos dados da questão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A opção digitalização, a nosso ver, nem sequer é opção, pois que resultaria inevitavelmente do avanço tecnológico.
O que está em causa é saber se todos os dados foram exaustivamente analisados nos seus aspectos sociais e económicos, nomeadamente numa calendarização que melhor salvaguarde os interesses nacionais.
A nível europeu, as informações de que dispomos indicam-nos que se avança passo a passo.
Todo o processo nos levanta questões. Porquê logo à partida se limita o concurso a quatro fornecedores?
Porquê, segundo consta, foram apresentados protestos diplomáticos relacionados com o afastamento de concorrentes?
Por que razão o actual governo anula a adjudicação feita à ALCATEL pelo Executivo anterior em 2 de Outubro de 1985, cinco dias antes das eleições, e dá instruções aos CTT/TLP para proceder à adjudicação do outro sistema «com total liberdade de opção para consultar os participantes no concurso realizado

em 8 de Abril de 1975, como também outros potenciais licenciadores», ao arrepio da lógica estabelecida inicialmente?
Como foi encarado o problema dos trabalhadores tornados excedentários?
Num negócio de tal vulto que nos enfeuda à dependência tecnológica estrangeira, que coarcta e desincentiva os nossos investigadores, que provavelmente impedirá de, por iniciativa própria, procurarmos novos mercados, quais são as contrapartidas dadas pelos licenciadores? De acordo com a nossa capacidade concreta de resposta; quais aquelas que se poderão efectivar?
Quais as contrapartidas que absorvem a mão-de-obra excedentária? Então como explicar que a Centrel queira reduzir de 2449 para 1976 o número de trabalhadores, cito, «invocando a adaptação do seu quadro de pessoal às novas condições que resultam da alteração tecnológica que lhe é imposta» - repito, que lhe é imposta - e solicita 1 900 000 contos de subsídios directos?
Se a escolha dos sistemas adoptados é concordante com os pareceres elaborados pelos serviços técnicos, por que razão, segundo consta, se verificaram demissões por discordância com as decisões tomadas?
A terminar. É do conhecimento dos mais familiarizados com sistemas que as principais dificuldades residem a nível da concepção do software e que o hardware é de mais fácil concretização.
Em 16 de Maio de 1985, quando da visita da Comissão de Equipamento Social e Ambiente ao CET de Aveiro, o Sr. Administrador dos CTT garantiu que a posição portuguesa na problemática de implantação das centrais digitais e na digitalização da rede telefónica nacional ficará protegida e acrescentou que o software será de realização nacional. Estranho!
Esta afirmação envolve dois termos: a vontade e a capacidade de o fazer.
Sendo assim, pergunta-se, não estaremos a passar ao lado da história, desperdiçando as nossas potencialidades, os conhecimentos já adquiridos, desperdiçando condições de promover riqueza no futuro?

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Abílio Rodrigues.

O Sr. Abílio Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Centrais digitais. Todo um processo politizado em excesso, com as consequências que estão à vista. Que tocou Governos, tocou a opinião pública e tocou muito alguns dos Srs. Deputados.
O despacho interministerial de 26 de Setembro de 1980, ao determinar ser necessária a autorização do Governo para introduzir na rede equipamentos electrónicos de comutação telefónica, pública ou privada, e prevendo que as centrais públicas não deveriam aparecer antes de 1986, despoletava todo um processo, com tempo suficiente para ele se desenrolar sem sobressaltos, com prazos adequados, tanto para os operadores como para o sector industrial competente.
É que se sabia que uma reconversão tecnológica deste tipo, significando mais qualidade, mais especificidade, mais produtividade, produziria (e produz) sempre alguns choques económicos e sociais - necessitando, por isso, de adaptação, de preparação convenientes.

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Só que todo o desenvolvimento do processo conheceu, depois, demasiados altos e baixos, avanços e recuos, tratamentos disjuntos.
Houve relatórios; houve resoluções do Conselho de Ministros; houve comissões nomeadas; houve despachos; tudo isto numa sucessão de orientações, por vezes do tipo mais sinusoidal do que «rectas».
Em nosso entender, houve fases de «Governo a mais» em todo o processo e, também, talvez tenha havido «Governo a menos» na ajuda à preparação da indústria para a mutação a operar.

É óbvio que todas estas circunstâncias teriam de trazer consequências, e trouxe-as. Só que olhar para trás, quanto a nós, valerá mais a pena, para colher da experiência vivida os ensinamentos para se caminhar melhor no futuro, do que para andar a vasculhar eventuais actos errados para deles tirar só dividendos políticos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os inquéritos parlamentares são um produto da democracia. Aplaudemo-los, portanto. Só que o recurso a eles só deve efectuar-se quando os factos claramente o exigem, sob pena de os inquéritos começarem a ser entendidos como servindo a demagogia ou uma via para a frenagem da acção, para o temor da decisão.
No caso concreto, entendíamos mais certo, talvez mesmo mais responsável, esperar, primeiro, pelo aparecimento do «Livro Branco», mandado elaborar pelo actual Governo sobre tal matéria, para só depois se tomarem as medidas que, eventualmente, ele pudesse suscitar.
E esta nossa posição nem sequer poderá ser mal entendida quando é certo que o que agora se pretende inquirir se centra muito mais em factos e períodos em que o Partido Social-Democrata não teve neles responsabilidade governamental directa.
No entanto, o Partido Comunista Português, mesmo já depois de conhecer que o referido «Livro Branco» iria ser produzido, e por razões que bem gostaríamos de pensar que não são aquelas que condenamos para se recorrer à figura do inquérito parlamentar, entendeu requerê-lo em 30 de Outubro de 1986.
Pois bem, que ele se faça. Nós não nos oporemos e para ele daremos o nosso melhor contributo. Nele interviremos com isenção, sem à partida pensarmos sequer que os que desenvolveram todo o processo o não fizeram por bem e para bem.
Somos dos que não andamos a suspeitar de tudo e de todos até provas concretas em contrário.
A análise que exigiremos, objectiva e eficiente, dar-nos-á a realidade e sossegará os espíritos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Deputado Abílio Rodrigues, vou pôr-lhe duas pequenas questões, sendo a primeira conceptual.
O Sr. Deputado entrou por um atalho ao dizer que os inquéritos parlamentares vasculham a realidade, embora conceptualmente tenha admitido que são um produto da democracia. Pergunto: em que ficamos?
O Sr. Deputado minoriza ao dizer que os inquéritos parlamentares são vasculhadores ou indica, de uma forma clara, que o inquérito parlamentar é, de facto, um meio de intervenção desta Assembleia?

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Em segundo lugar, o Sr. Deputado falou em reflexos na indústria nacional, aliás, em Comissão, já temos tido ocasião de nos debruçarmos sobre o assunto.
Ora bem, estamos perante situações em que os despedimentos estão à porta nas indústrias que estão a montante destas operações decididas de investimento.
Muito concretamente, pergunto: qual é a posição do PSD perante os despedimentos eminentes? Qual é a posição do Sr. Deputado, enquanto porta-voz do PSD nesta matéria, sobre o processo que se está a seguir, designadamente na Centrel.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Abílio Rodrigues.

O Sr. Abílio Rodrigues (PSD): - Sr. Deputado Anselmo Aníbal, quanto à primeira questão que me colocou, penso que não ouviu o que eu disse. O que eu disse, e repito o que há pouco li, foi isto: «vale mais a pena colher da experiência vivida os ensinamentos do que vasculhar eventuais actos errados». Eu não disse aquilo que o Sr. Deputado referiu, mas, isso sim, que valia mais a pena colher ensinamentos do que partirmos para o inquérito parlamentar para andarmos à procura de coisas a fim de incriminar pessoas. Aqui tem a resposta à sua primeira pergunta.
Relativamente à segunda questão, queria dizer-lhe que o Partido Comunista não defende mais os trabalhadores do que o Partido Social-Democrata.

O Sr. António Capucho (PSD): - Como é óbvio!

O Orador: - Como é óbvio.
O que eu aqui disse, e julgo que bem, foi que, a partir de 1980, toda a indústria do sector esteve seis anos para se reconverter e, no entanto, não se reconverteu. Também disse que uma reconversão tecnológica deste tipo tem sempre um impacte social. E tem-no, estamos perante um facto.
O Sr. Deputado Anselmo Aníbal também sabe que o Governo está altamente preocupado com isso, e tanto assim é que está a fazer uma negociação, ao nível do IPE, com a Centrel para tentar salvaguardar, o mais possível, esses postos de trabalho. Isso é do conhecimento do Sr. Deputado e da comissão especializada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Oliveira Martins): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta minha intervenção, queria prestar dois esclarecimentos, que podem ser úteis para a decisão que vão tomar, dar uma explicação e formular um voto.
Vamos aos esclarecimentos. A introdução de centrais públicas de comutação digital na rede telefónica portuguesa, como em qualquer outra rede telefónica, é um processo difícil, é um processo de consequências sociais importantes.
Por uma questão de facilidade de entendimento, por vezes utilizo a imagem das quatro fases em que o processo de desenvolve.

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I SÉRIE - NÚMERO 33

A primeira, no âmbito dos operadores de telecomunicações, é a de decidir digitalizar aonde, como, quando. Esta fase foi preenchida no estudo dos gabinetes, no silêncio interno das empresas, o que não quer dizer que, logo na primeira fase, não tivessem surgido problemas. Aliás, um deles que foi aqui focado foi o do projecto nacional. Os CTT mantêm um núcleo de investigação e desenvolvimento em Aveiro, que se abalançou a estudar uma tecnologia nacional. Várias vezes, antes de 1980, esse projecto esteve em causa; mas nunca esteve em causa depois de 1980, pois foi dada luz verde a esse grupo de técnicos para continuarem com os seus estudos. Se, contrariamente àquilo que seria e que nos dizem que é de esperar, esses estudos não derem resultados economicamente viáveis, ao menos, que valha o esforço de formação de mão-de-obra, que valha o esforço de aquisição de conhecimentos para, dessa maneira, endogenizarmos as tecnologias alheias.
A segunda fase do processo consistiu na escolha dos sistemas tecnológicos a introduzir na rede. Foi uma fase muito demorada - levou três anos e meio -, extraordinariamente demorada e de ampla repercussão pública. Penso mesmo que em nenhum país da Europa, pelo menos naqueles que conheço, se falou tanto e publicamente de centrais digitais. Essa fase terminou com a homologação do segundo sistema tecnológico, em Setembro passado.
Iniciou-se, então, uma terceira fase, que está em curso e que tem repercussões sensíveis e importantes no meio industrial, que é a de saber como fabricar as centrais e quando as entregar aos operadores.
Estamos nesta fase, e queria aqui chamar a atenção do Parlamento para o seguinte facto: o processo de aquisição, que regula esta terceira fase, chegou ao fim para um dos sistemas. Isto é, para um dos sistemas já se firmou o contrato de compra das centrais a importar - meia dúzia de protótipos - e a fabricar em Portugal.
Mas para o segundo sistema ainda não se firmou o contrato de aquisição. A empresa, neste caso a Standard Eléctrica, entregou todos os seus dossiers no Instituto do Investimento Estrangeiro; agora, está a correr o processo administrativo e legal com essa finalidade - e chamo a atenção deste facto porque, eventualmente, uma discussão profunda, de ampla repercussão pública com este processo em curso poderá dar origem a quaisquer problemas.
A quarta fase do processo será, do ponto de vista social, talvez a mais importante de todas: será quando os operadores adquirirem as centrais - contando-se por um número de centenas, ultrapassa mesmo o milhar -, indo daí resultar economias de mão-de-obra e diminuição de postos de trabalho, nos CTT e TLP, de uma grande magnitude. Será uma fase que se terá de atravessar daqui a três ou quatro anos.
O segundo esclarecimento que aqui queria prestar diz respeito ao «Livro Branco». O Governo tomou a iniciativa de fazer publicar um «Livro Branco». No despacho dado para a formação desse Livro, diz-se claramente que a escolha dos sistemas tecnológicos para as centrais suscitou problemas controversos, tendo ainda sido objecto de uma análise apaixonada, nem sempre objectiva, e de uma discussão ampla nos domínios da comunicação social e da opinião pública.
Também se disse que, face à complexidade de um processo desta natureza, considerando a dimensão que o mesmo atingiu junto da opinião pública, havia que

reconhecer aos cidadãos, aos técnicos, ao responsáveis, o direito de conhecer a forma como o processo decorreu, quais as razões que fundamentaram as decisões, devendo, para tal, ter acesso às peças fundamentais que o integram.
Como não podia deixar de ser, o Governo encarregou as entidades que dispunham de todos os elementos necessários para a compreensão do processo de elaborar esse livro branco e determinou um prazo para o fazer, prazo esse contado a partir da data em que se celebre os contratos de aquisição. Isto, porque nos pareceu que até à data da celebração dos dois contratos de aquisição, o processo deveria decorrer normalmente, o mais despolitizado possível, o mais objectivamente possível, para, seguidamente, serem dadas todas as explicações necessárias.
A justificação que aqui quero dar diz respeito ao problema levantado por um Sr. Deputado do PRD que formulou um requerimento ao Governo há quase um ano e relativamente ao qual disse não ter recebido resposta.
Não quero contrariar, na medida em que não recebeu uma resposta no papel, formalmente, nas recordo aqui que a Comissão de Equipamento Social e Ambiente realizou uma reunião especial sobre este processo das centrais digitais.
Eu próprio e o Sr. Secretário de Estado estivemos presentes nessa reunião, estivemos cá durante uma longa tarde, fomos alvo de perguntas, inclusivamente por parte do meu antecessor no lugar que ocupo presentemente, sobre a forma como o processo estava a evoluir.
Nessa altura pareceu-nos que estávamos a responder, no essencial, ao requerimento do Sr. Deputado do PRD.
Finalmente, desejo formular um voto no sentido de que o Parlamento, no exercício dos seus poderes de fiscalização e de apreciação dos actos do Governo, aprecie este problema com toda a frontalidade e que faça as críticas que entender.
Contudo, uma coisa todos devemos esperar: que não fique nenhuma dúvida!

Aplausos do PSD.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Raul Junqueiro e Anselmo Aníbal.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Junqueiro.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Sr. Ministro, começo por apreciar o modo como o Sr. Ministro encarou esta iniciativa parlamentar. Contudo, quero colocar-lhe três perguntas.

Em primeiro lugar, diria que durante muito tempo um dos temas mais abordados relativamente à opção digital foi o do montante do investimento.
Quase todos os jornais consideraram este assunto como o «negócio do século». Agora que está concluída uma parte significativa deste projecto, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro se tem essa opinião, ou seja, a de que, de facto, este é o «negócio do século», se pode dizer ao Parlamento qual o montante do investimento envolvido pela aquisição das centrais digitais e qual o faseamento do montante desse investimento.
Uma segunda questão que desejo colocar-lhe relaciona-se com o projecto nacional.

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21 DE JANEIRO DE 1987

O projecto nacional está em curso no Centro de Estudos de Telecomunicações de Aveiro e, como foi frisado, foi objecto de uma aposta importante, apesar de algum cepticismo existente, vindo de vários lados, relativamente à possibilidade de os técnicos portugueses conseguirem desenvolver um sistema digital.
A verdade é que foi feita uma aposta nesse sentido.
O Sr. Ministro disse-nos agora que essa aposta continua de pé e que, portanto, o Governo continua a pensar que esse projecto pode ter êxito e se pode saldar por aspectos francamente positivos.
Se assim é, qual a razão do atraso, já muito significativo, da instalação das duas primeiras centrais digitais que o Centro de Estudos de Telecomunicações de Aveiro inicialmente tinha prevista para o início de 1986, depois para meados de 1986, e depois ainda para o final desse mesmo ano? Estamos já no inicio de 1987 e as duas centrais não estão instaladas ainda. Gostaria que me respondesse a essa pergunta.
Finalmente, relativamente às opções feitas pelo Governo anterior, o actual Governo tomou a decisão de homologar a primeira escolha feita pelo Governo anterior e não homologar a segunda escolha.
Na altura, o Governo esclareceu que essa não homologação se devia à circunstância de a empresa escolhida não ter cumprido, num determinado prazo, as obrigações a que se tinha comprometido perante o Governo.
Uma vez feita essa escolha pelo Governo anterior, e depois feita a sua ratificação pelo actual Governo, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro qual a razão por que foi preciso esperar quase um ano para que ela se consumasse.
Qual a razão que levou a que o acordo final subsequente a essa escolha tivesse demorado quase um ano?
Pensa o Sr. Ministro que as actuais dificuldades sentidas pela indústria nacional e em particular pela Centrel, onde está anunciada uma série de despedimentos, se devem a essa demora?
Em que medida é que o Governo podia ou não ter evitado essa demora e, assim, ter evitado a situação dramática em que hoje se encontram muitos trabalhadores da Centrel?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, deseja responder no final aos dois pedidos de esclarecimento em conjunto, ou pretende responder desde já?

O Sr. Ministro: - Responderei no final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Ministro, julguei que, além dos esclarecimentos e do voto que o Sr. Ministro fez a esta Assembleia, viria aqui trazer uma confissão: uma confissão (que não seria em confessionário mas em público) de uma grande incapacidade de gestão de recursos humanos em fase de transformação tecnológica por parte de quem, desde 1980, tem tido importantes funções, não só na Administração Central como, de uma forma integrada, no conjunto das empresas e das indústrias a montante e a jusante.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP); - Muito bem!

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O Orador: - Esperávamos essa confissão, mas, como de alguma forma o Sr. Ministro é uma pessoa confiante, ou aparenta sê-lo, e como não houve confissão, passamos a formular uma pergunta: como governante, a situação dos trabalhadores da Centrel, da ITT, preocupam-no em que base? Que é que o Governo pensa fazer?
Por outro lado, na parte final da sua intervenção o Sr. Ministro veio aqui dizer, num tom preditivo mas não preocupado, que dentro de três anos uma das maiores estruturas de emprego do nosso país, os CTT/TLP, vai ter problemas de emprego, de mão-de-obra.
Que é que o Sr. Ministro e a equipa ministerial e de gestão actualmente em funções vão fazer a nível da gestão dos recursos humanos neste processo de transformação?
O Sr. Ministro voltou a acentuar aquilo que tinha já acentuado em declarações públicas, ou seja, as suas quatro conhecidas fases - a primeira, a do silêncio; a segunda fase, que o Sr. Ministro considera encerrada desde Setembro de 1986; as terceira e quarta fases que estamos a viver actualmente.
Sob essa capa de «segunda fase», que terminou em Setembro de 1986, o Sr. Ministro corre o risco de considerar o inquérito parlamentar como um inquérito histórico. Nós não o fazemos, Sr. Ministro.
Podemos dizer-lhe desde já que, pensando assim, pensa menos bem e pode até ser surpreendido pelo inquérito. Por outras palavras, o inquérito não é uma segunda fase que terminou em Setembro de 1986, mas um inquérito que tem consequências para a fase presente.
Por outro lado, o Sr. Ministro acentuou com algum tom de ligeireza - permita-se-me a expressão - uma certa ameaça no sentido de que a feitura do inquérito poria em risco o firmar do contrato com o segundo negociador.
Vamos ver se nos entendemos, Sr. Ministro!
Naturalmente que conhece o contexto da Lei n.º 43/77. Para bom entendedor, talvez meia palavra baste!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: Relativamente às três questões colocadas pelo Sr. Deputado Raul Junqueiro, que perguntou qual o montante do investimento e falou em «negócio do século», devo dizer-lhe que, seguramente, houve pessoas que chamaram a isto «negócio do século», mas seguramente eu não fui uma dessas pessoas; foram outras.
Relativamente ao volume do investimento, podemos dizer que hoje os CTT e TLP estão a investir à volta de 27 milhões, sendo 5 milhões em comutações. Ora, o que se vai passar é a repetição, a preços actuais -provavelmente-, desses 5 milhões de contos repetidos por n anos. Quem os quiser contar que os conte: é multiplicar por 5 milhões de contos a preços actuais.
Também relativamente a esta questão, escrevi um dia numa revista pública que tinha a impressão de que a transformação da comutação manual em comutação

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automática, feita em Portugal a partir do fim da Guerra, era, do ponto de vista económico, um processo mais avantajado que este, que agora se iniciou, da transformação de electromecânico em digital.
Quanto ao projecto nacional e aos atrasos que, de facto, existem - e o Sr. Deputado sabe isso bem -, direi que havia a previsão de, no ano de 1986, existirem duas centrais experimentais, uma em Viseu e outra em Braga. As informações de que disponho são de que os atrasos se devem ao próprio desenvolvimento do projecto. Não me surpreende que isso aconteça, mas mantemos como objectivo a existência de duas estações-piloto de trânsito, produto da tecnologia e do know-how nacionais, para vermos como funcionam.
Repito que não basta ver-se se uma solução é tecnicamente viável, é necessário saber-se se, do ponto de vista do fabrico industrial, ela produz ou não um produto economicamente viável. Digo isto porque temos muitos exemplos de elefantes brancos.
O terceiro ponto que queria aqui referir, relativamente à pergunta feita pelo Sr. Deputado Raul Junqueiro, é o atraso de um ano verificado entre o momento em que foi escolhido um sistema e o momento em que foi firmada a encomenda.
De facto, houve algumas surpresas durante esse ano. Por exemplo, houve surpresas para mim, que estou aqui a falar; para outras pessoas, pode não ter havido qualquer surpresa.
Essas surpresas resultaram de uma certa debilidade do fornecedor Centrel.
Todos nós sabíamos que a Centrel, ou seja, o grupo de instalações fabris que fabricava as centrais de instalações electromecânicas tinha problemas importantes e difíceis de gestão industrial, de reconversão; sabíamos que o outro grupo fornecedor, existente em Portugal, tinha adoptado mais cedo uma política de diversificação dos produtos e que se tinha tornado menos dependente dos operadores CTT e TLP.
Sabíamos que, aquele grupo estava mais amarrado aos CTT e que, mais dia menos dia, haveria de chegar o momento em que teriam de ser tomadas certas opções, algumas das quais de ampla repercussão social - e passarei já a esse ponto. Elas vieram à tona de água no dia em que se tiveram de firmar os contratos - pôr o preto no branco - de fornecimento das centrais digitais.
Foi isso que atrasou o processo; foi isso que levou a encontrar algumas soluções de reconversão industrial, que inicialmente não estavam previstas, mas que foram tomadas. Foi isso que permitiu, efectivamente, arrumar esse pacote.
Quanto às perguntas feitas pelo Sr. Deputado Anselmo Aníba1 - e agora toco nesse aspecto -, não tenho a consciência de ter uma grande ligeireza ao falar destes problemas de reconversão industrial.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador:.- E não tenho grande ligeireza porque acredito naquilo que o progresso técnico tem feito pela humanidade. Acredito numa visão de longo prazo e naquilo que o progresso técnico tem feito para a vida de todos nós, aliviando o trabalho de condições penosas, aumentando os nossos padrões de vida.
- Portanto, acredito no progresso técnico: Esse progresso tem que ser controlado e tem as suas crises. Ora, as crises do progresso técnico chamam-se - muitas vezes -

eliminação de postos de trabalho. Mas, numa economia que cresce - e o Sr. Deputado sabe isso tão bem como eu - surgem novos postos de trabalho, às vezes, até dentro da mesma empresa.
Nesta matéria, não sei bem, mas hoje, à volta das centrais telefónicas, entre os CTT e TLP, trabalharão talvez oito mil ou sete mil pessoas - não quero arriscar, mas é um número desta ordem de grandeza. Ora, mais do que isto, em 1947 havia os trabalhadores do sistema manual e o processo foi digerido.
Numa economia que tenha crescimento económico e produza empregos, as operações de reconversão em que há eliminação de postos de trabalho num lado mas que surgem noutro lado, devem ser consideradas operações normais. Por isso, não tenho ligeireza a esse respeito.
Entendo que todos nós devemos fazer um esforço para que a nossa economia não cresça a 0 % - como em determinada altura foi moda ser dito por algumas pessoas e, com certeza, não foi da nossa bancada que isso veio - nem tenha crescimentos negativos ou decréscimos. O fundamental é que a economia cresça, criando postos de trabalho, pois, assim, resolvem-se os problemas.
Quanto a evitar o progresso técnico, conscientemente não sou partidário disso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não é isso que está em causa!

O Orador: - Relativamente ao último ponto do inquérito, quero dizer que a referência que aqui fiz quanto ao facto de ainda não estar encerrado o segundo contrato foi a seguinte: o grupo parlamentar da sua bancada, Sr. Deputado Anselmo Aníbal, pôs o problema de um inquérito à aquisição das centrais digitais e eu quis chamar a vossa atenção para o facto de o problema de aquisição ainda não ter terminado. É que o processo da aquisição termina quando se formulam os respectivos contratos ... ou começa, segundo o ponto de vista que quiserem.
Um dos contratos está celebrado, mas o outro ainda não está. Numa altura em que se estão a negociar contratos, o Parlamento, através da comissão parlamentar, ao dar mais elementos para isto e mais elementos para aquilo, etc., etc., pode, eventualmente, complicar isto, de alguma maneira. Digo-o com toda a franqueza, sem segundas intenções e julgo que fui claro a este respeito.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não há mais inscrições, considero encerrado o debate relativo a este pedido de inquérito parlamentar apresentado pelo PCP.
A votação far-se-á na próxima sessão plenária, pelas
18 horas.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, penso que não há oposição por parte de nenhuma bancada

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a que se vote já esta matéria, que, deste modo, ficaria concluída. Temos quórum de votação e penso que só prestigia a Assembleia fazê-lo neste momento.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, se há consenso, a Mesa não põe objecções a que se vote já.
Entretanto, e enquanto aguardamos que chegue à Mesa o projecto de resolução relativo à constituição desta comissão parlamentar de inquérito, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de deputados, após o que se seguirão as respectivas discussão e votação.

O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida): - É do seguinte teor o referido relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos;

Em reunião realizada no dia 20 de Janeiro de 1987, pelas 17 horas e 30 minutos, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:

António Vasco de Mello Silva César e Menezes (Círculo Eleitoral de Aveiro), por Carlos Eduardo Oliveira e Sousa. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a um mês, a partir do dia 20 de Janeiro corrente, inclusive.
Joaquim Rocha dos Santos (Círculo Eleitoral do Porto), por João José Camacho Borges de Pinho. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a quinze dias, a partir do dia 20 de Janeiro corrente, inclusive.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão: Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, Rui de Sá e Cunha (PRD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - João Domingos Fernandes Salgado (PSD) - António Marques Mendes (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Carlos Manuel da Costa Candal (PS) - Carlos Manuel Luís (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Vasco da Gama Fernandes (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - José Manuel Antunes Mendes (PCP) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (MDP).

O Sr. Presidente: - Está em discussão, Srs. Deputados.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados Independentes Rui Oliveira e Costa, Ribeiro Telles, Maria Santos e Borges de Carvalho.

Srs. Deputados, vai ser lido o projecto de resolução n.º 34/IV, que visa a criação de uma comissão parlamentar de inquérito e respectiva composição.
Os Srs. Deputados estão de acordo em que a criação da comissão e a respectiva composição possam ser votadas conjuntamente?

Pausa.

Não havendo objecções, o Sr. Secretário vai ler a proposta de resolução para posterior votação.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - É do seguinte teor:

Projecto de resolução n.º 34/IV

Nos termos dos artigos 169.º, n.º 4, e 181.º da Constituição da República, da Lei n.º 43/77, de 18 de Junho, e dos artigos 251.º e seguintes do Regimento, a Assembleia da República resolve:

1) Constituir uma comissão parlamentar de inquérito com o objectivo de apurar as condições em que decorreu todo o processo de adjudicação das centrais digitais, verificar a legalidade dos actos e resoluções do Governo e dos órgãos de gestão dos CTT/TLP, bem como a conformidade de todo o processo de digitalização com a defesa dos direitos dos trabalhadores e da economia nacional.
2) A Comissão terá a seguinte composição:

PSD - 8 deputados;
PS - 5 deputados;
PRD - 4 deputados;
PCP - 3 deputados;
CDS - 2 deputados;
MDP/CDE - l deputado.

3) A Comissão deve apresentar o respectivo relatório até 15 de Junho de 1987.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, pois, votar o projecto de resolução que acaba de ser lido.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Maria Santos, Gonçalo Ribeiro Telles, Borges de Carvalho e Oliveira e Costa.

Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos.
A próxima reunião plenária terá lugar na quinta-feira, dia 22, pelas 15 horas. Da respectiva ordem de trabalhos consta, além do período de antes da ordem do dia, a discussão de um projecto de resolução sobre

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uma comissão eventual de regionalização, das ratificações n.ºs 122/IV (PCP), 123/IV (PRD) e 124/IV (PS), respeitantes ao Decreto-Lei n.º 432/86, de 30 de Dezembro, que extingue a Agência Noticiosa Portuguesa, E. P., designada por ANOP.
Paralelamente, decorrerão eleições para cargos exteriores à Assembleia da República.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Próspero Luís.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
João Álvaro Poças Santos.
Joaquim da Silva Martins.
José Angelo Ferreira Correia.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.

Partido Socialista (PS):

António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
Manuel Alfredo Tito de Morais.

Partido Comunista Português (PCP):

António da Silva Mota.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida.
Carlos Eduardo Oliveira Sousa.
Eugênio Nunes Anacoreta Correia.
Hernâni Torres Moutinho.
João Borges de Pinho.

Deputados independentes:

Rui Manuel Oliveira Costa.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Jorge de Figueiredo Lopes.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Mário Jorge Belo Maciel.
Rui Manuel Parente Chancerelle Machete.

Partido Socialista (PS):

António Domingues Azevedo.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Manuel Alegre de Melo Duarte.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
Eurico Lemos Pires.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
José da Silva Lopes.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Octávio Rodrigues Pato.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

João da Silva Mendes Morgado.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

Raúl Fernando de Morais e Castro.

Deputados independentes:
António José Borges de Carvalho.

Rectificação ao n.º 20, de 12 da Dezembro de 1986

No Sumário, col. 2.ª, l. 12, onde se lê «O Sr. Deputado Brito Percheiro (PRD)», deve ler-se «O Sr. Deputado Percheiro Brito (PRD)».

Os REDACTORES: Carlos Pinto da Cruz - Ana Maria Marques da Cruz.

PREÇO DESTE NÚMERO 112$00

Depósito legal n.º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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