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6 DE MARÇO DE 1987 1997

que tem de ser promovida lado a lado, sem complexos ou ciúmes, porque uns e outros se completam. Já lá vai, felizmente, o tempo das interacções desniveladas, do exclusivo das iniciativas em vários domínios, do índex das profissões proibidas à mulher. Se não pretendemos, por isso, colocar a mulher num andor porque no dia 8 de Março não há espectáculo, não contem também connosco para feminismos restauracionistas, folclóricos, que arquivos obsoletos guardam ciosamente. Não a sublimamos, por isso, com o insenso do elogio farto, não resistindo, embora, a repetir a suave ironia de Herculano quando escreve: «tirai a mulher do mundo e o mundo será um ermo triste e melancólico», como não damos guarida alguma aos pessimismos de Castilho ou Schoppenhauer porque, desde logo, o bom gosto os proíbe.
Uma virtude tem este 8 de Março: é a de chamar a atenção para certas formas de discriminação que ainda subsistem. Estas existem. As situações que as confirmam estão aí, ninguém as inventou. Sem a evidência dos campanários mas com nitidez suficiente para poderem ser desmentidas. Denunciar esta situação tem sido gesto obrigatório de todos os partidos, mormente em todos os dias 8 de Março que nascem e morrem sob o signo da mulher.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Se é verdade que o advento da igualdade aparece esculpido na Constituição de 1976; se é verdade que a «Década das Nações Unidas para a Mulher», foi tempo eleito pela sua Assembleia Geral para o rastreio e o diagnóstico, para o levantamento e a resposta às diferentes situações que rodeiam a vida da mulher; se é verdade que a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, aprovada aqui nesta Assembleia correspondeu ao compromisso solene de erradicar, quer de jure quer de facto, todas as formas de discriminação, a verdade é que, como dizia o P.e António Vieira, «entre os decretos e a sua execução vai, muitas vezes, uma eternidade». Já dizia em 1949, a este propósito, Simone de Beauvoir: «mesmo quando direitos são abstractamente reconhecidos à mulher um hábito secular impede que se encontrem nos costumes a expressão concreta desses direitos», numa referência óbvia a uma certa maldição cujas raízes se perdem na noite dos tempos distantes. Daí o continuar por aí à solta a discriminação, cuja denúncia parece ser gesto de mera rotina que os seus destinatários teimam em ouvir com pouca convicção.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Não fazemos a denúncia das discriminações de forma ressabiada, exagerada, gritada. Fazemo-lo sem «espadas e varapaus» mas com espírito aberto e dialogante. Recusamos, por isso, o discurso do gueto, ou da ilha, porque, pesem embora certas formas de discriminação, não vemos a mulher prisioneira, sitiada, nesta cidade sempre nova que é a vida que homens e mulheres, completando-se mutuamente, têm a obrigação de partilhar e de viver, em igualdade de responsabilidades, de direitos e obrigações, dentro das diferenças naturais que, de forma biológica, os animam.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Ninguém pode ignorar, muito menos extinguir, por decreto esta complementariedade. «A oposição dos sexos não quebrou o mitsein original, o ser com, porque nenhuma clivagem da sociedade por sexos é possível», como sublinhava a escritora do Deuxiéme Sexe. Não estamos, por isso, ao lado de quem pretenda que este dia seja posto ao serviço de visões desagragadoras, extremistas, que, estas sim, acabam por dar da mulher uma ideia distorcida que uma sociedade moderna já não consente e que o sentimento comum, no seu fluir sereno, rejeita.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Já provámos que não queremos fazer deste dia um dia de silêncio, nem tão-pouco, quedar-nos na roupagem cativante das palavras escolhidas e, muito menos, contribuir para fazer desta sessão a sessão do verbo reivindicativo, nervoso, como se esta Assembleia fosse o colectivo do dedo apontado, o plenário da intransigência, ou a hora para pôr em dia os desabafos femininos, históricos ou inventados. O respeito que a mulher nos merece, pessoa como o homem, portadora de valores eternos, não consente que este dia seja desfigurado, instrumentalizado, em nome de invocações que a não engrandecem. Aproveitar este tempo de antena para, sofregamente, fazer a apologia da interrupção voluntária da gravidez, esgrimindo argumentos velhos de traumas e rugas, ou para dar «vivas» àquela educação sexual defendida por forças para quem a mulher é coisa, objecto...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Truca, truca!

O Orador: - ... é um mau serviço prestado à dignidade da mulher e à memória da história que criou esta data.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Não contem connosco para esta tarefa, nem para esses apartes de mau gosto.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Apelamos a uma reflexão conjunta e serena à volta deste dia, fixando-nos neste ponto de referência da estabilidade social que é a família, onde tantas vezes, à mesma mesa, se senta a mulher mãe, empregada ou não, a mulher avó, carreando a complexidade dos problemas da terceira idade, e a mulher jovem, a deparar cada vez mais com horizontes pardos e sombrios no seu futuro. E todos juntos, mulheres e homens, num pacto de aliança, vivamos de forma solidária este tempo novo que a democracia nos trouxe e que correspondeu, no que à mulher diz particularmente respeito, a deitar pela janela fora as formas discriminatórias. Pode estar ainda por fazer a revolução cultural das mentalidades. Esta, todavia, já saiu do adro, já percorreu um importante caminho, a menos que decapitemos a memória que permite as comparações. Só esta revolução apagará as últimas barreiras que restam, queimará os últimos resquícios, para que os direitos abstractos e as possibilidades concretas se conjuguem, «sem o que a liberdade não passa de uma mistificação», com dizia Beauvoir.