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Quarta-feira, 28 de Março de 1990 I Série - Número 58

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 27 DE MARÇO DE 1990

(SESSÃO SOLENE DE BOAS-VINDAS A S. EX.ª O PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA, RICHARD VON WEIZSACKER)

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmos. Srs.

Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Calo Roque
Júlio José Antunes Daniel
Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

As 16 horas e 45 minutos, deu entrada na Sala das Sessões o cortejo em que se integravam o Sr. Presidente da Republica Federal da Alemanha (Richard vou Weizsacker), o Sr. Presidente da República (Mário Soares), o Sr. Presidente da Assembleia da República (Vítor Crespo), o Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares em representação do Sr. Primeiro-Ministro, o Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Sr. Secretário-Geral da Assembleia da República, os secretários da Mesa, os membros da comitiva do Sr. Presidente da República Federal da Alemanha e os secretários do protocolo do Estado.
No hemiciclo encontravam-se já os ministros, o Procurador-geral da República, o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Presidente do Supremo Tribunal Militar, o Provedor de Justiça, o alto-comissário contra a Corrupção, os chefes dos estados-maiores dos três ramos das forças armadas, o Presidente da Assembleia Regional dos Açores, os conselheiros de Estado, os juízes do Tribunal Constitucional, o governador civil de Lisboa, o Comandante Naval do Continente, o comandante do Comando Operacional da Força Aérea, o governador militar de Lisboa e o comandante-geral da Guarda Fiscal.
Encontravam-se presentes nas tribunas e galerias membros do Governo, o corpo diplomático e o representante do cardeal patriarca de Lisboa.
Constituída a Mesa, a Banda da Guarda Nacional Republicana executou os hinos nacionais dos dois países.
Seguiram-se os discursos do Sr. Presidente da Assembleia da República e do Sr. Presidente da República Federal da Alemanha.

Eram 17 horas e 20 minutos quando a reunião foi encerrada.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro aberta a sessão.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos. João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Mato.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Antónia Pinho Melo.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

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Parado Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Henriques de Oliveira.
António Miguel de Morais Barreto.
Carlos Manuel Luis.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luis Geordano dos Santos Covas.
Manuel António dos Santos.
Maria do Céu Oliveira Esteves.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António da Silva Mota.
Carlos Alfredo Brito.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.

Parado Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):

André Valente Martins.
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Deputados independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Sr. Presidente da República Federal da Alemanha, Sr. Presidente da República, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares em representação do Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Srs. Deputados, Excelências, minhas Senhoras e meus Senhores: A visita que V. Ex.ª se digna fazer a esta Casa tem para nós um significado muito especial e que muito particularmente nos toca: é que, antes de mais, ela é a expressão inequívoca da amizade que, indissoluvelmente, liga dois povos igualmente empenhados em cooperarem para o progresso, o bem-estar e a paz da humanidade.
Assim se exprimiu o então Presidente da Assembleia da República em saudação ao ilustre antecessor de V. Ex.ª, o Presidente Karl Carstens.
Decorreu, entretanto, uma década, mas aquelas palavras continuam actuais. Diria mesmo que tem agora um valor acrescido.
É de Gõethe a afirmação de que «a mais nobre felicidade do homem que pensa é a de ter explorado o concebível».
Assistimos, nesta última quinzena, à realização de eleições livres e democráticas na RDA e na Hungria. Em breve o mesmo acontecerá pela Europa além.
Acompanhámos o nascimento recente de regimes democráticos na América Latina e a extinção do último reduto colonial em África.
Pelas quatro partidas do mundo surgem progressos no caminho do respeito pelos direitos humanos; a busca do fim de guerras fratricidas; avanços na marcha da implantação da democracia. Nem sempre com a celeridade desejada. Mas, mesmo assim, estamos perante uma acentuada consagração do primado da liberdade e dignidade do homem.
E neste mesmo átomo do decorrer da história, a unificação alemã passou de um desejo a um acontecimento inevitável. Remanesce apenas a forma, o tempo e a maneira como ela se fará.
É um processo pleno de consequências, pois que associado à evolução dos restantes países do Leste, vai determinar, em grande medida, a arquitectura da Europa do século XXI, com repercussões significativas em todos

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os países do Velho Continente, que se prolongarão também ao resto do mundo.
Só conseguiremos estar à altura dos desafios que nos esperam se soubermos ter a sabedoria para encontrar as soluções que se impõem que terão de resultar de um esforço colectivo, de um esforço e vontade de entendimentos múltiplos, recíprocos e alargados, da Comunidade e do Leste Europeu.
Retomando Gõethe, «a primeira virtude da história é o entusiasmo que ela inspira». Virtude que se disfruta no espicaçar das inteligências e num novo encanto no exercício da criatividade política.
Crente nas conquistas destes últimos decénios nos sectores económico, intelectual, científico e cultural, seja--me permitido confessar que, em face dos acontecimentos recentes, me sinto hoje ainda mais esperançado do que por ocasião da audiência que V. Ex.ª me concedeu, em Dezembro passado.
Embora nessa altura já contasse a meu favor a visão do derrube do Muro de Berlim e dos efeitos que logo se produziram. E ainda o facto de ter vivido a experiência portuguesa da passagem de uma ditadura a um Estado democrático e de estar ciente das dificuldades que foi preciso vencer para organizar uma moderna economia de mercado, fonte do desenvolvimento em solidariedade. Foi um processo em que alcançámos um assinalável êxito, embora nem tudo tenha sido conseguido. Mas desfrutamos hoje de uma situação que permite olhar para 1992 com aceitável optimismo.
O nosso debate político em torno da criação dos instrumentos apropriados, inclusive o quadro constitucional, foi intenso. Exigiu esforço e clarividência. Aconteceu o mesmo na abordagem de muitos problemas concretos que tivemos de satisfazer, com vista a uma resolução consentânea com os interesses em jogo.
É por isso que, no momento actual, a experiência portuguesa poderá ser uma excelente fonte de reflexão, embora não ignoremos que os problemas políticos nos países do Leste da Europa são bem mais vastos.
Têm de proceder a reformas de muito maior profundidade, considerando o ponto de partida da sua organização política, e por possuírem um sistema económico todo ele concebido em moldes muito diferentes dos que nos são familiares.
Reformas imprescindíveis para dar corpo às intenções declaradas a satisfazer a vontade dos seus povos.
Reformas que estimulam a inteligência e a capacidade dos políticos e da sociedade civil de todos os europeus. E que terão o sabor de proporcionar «a mais nobre felicidade do homem [que] é a de ter explorado o concebível».
A ânsia e busca de democracia, que se manifesta dia a dia, determina que os parlamentos tenham de ser o resultado autêntico da vontade do povo e o lugar onde se exprimam as convicções multifacetadas e livremente constituídas.
Que dêem origem a governos legitimados.
E que sejam a emanação do sentir e pulsar dos cidadãos, reflexo do pluralismo.
Parlamentos onde o labor e discussão democráticos conduzam ao progresso económico e social, à preservação do ambiente, indispensáveis ao bem-estar dos cidadãos, em solidariedade e respeito pelos direitos de cada um.
E em que o trabalho dos deputados, escolhidos em autênticas alternativas e livre competitividade dos projectos de sociedade que protagonizam, leve à construção de Estados de direito, democráticos e de rosto humano.
Sei quanto isto é caro a V. Ex.ª, Sr. Presidente von Weizsacker, em quem as altas qualidades de homem de Estado e de eminente político não fazem esquecer o deputado ilustre e o cidadão apaixonado pela vivência parlamentar.
Alargar a toda a Europa a plenitude dos direitos dó homem e da democracia exige da parte dos países da Comunidade uma ajuda e cooperação com os países do Leste.
Mas exige mais. Requer o repensar da própria Europa das comunidades e o reforço da sua coesão e solidariedade.
Determina que se acelere a concretização do Acto Único Europeu, no caminho da união monetária, da cooperação política, científica e cultural e da coesão social.
Abre uma nova perspectiva no plano da defesa, dando significado à adesão recente de Portugal e de Espanha à união da Europa Ocidental.
Estamos na véspera de um mundo que, amanhã, será substancialmente diferente.
A próxima década terá de se caracterizar pela construção da esperança de que cessem para sempre todas as escravidões, inclusive as provenientes de fundamentalismos retrógrados.
No quadro das alianças da NATO e das outras organizações a que pertencemos, Portugal e a República Federal da Alemanha darão uma boa contribuição pelo exemplo dos nossos bem firmados e tradicionais laços de amizade e pelo desenvolvimento ainda mais estreito da colaboração luso-alemã.
Uma Europa globalmente democrática retoma uma acrescida responsabilidade e influência no resto do mundo.
Para tanto, há que aperfeiçoar as suas relações com os países cultural e historicamente com ela intimamente relacionados. Refiro-me, em particular, à África e à América Latina.
Aqui os Portugueses tom um papel essencial a desempenhar, tendo em conta os legados culturais e as experiências nas relações com o Brasil e com os países africanos de expressão portuguesa. E também na Ásia, em particular em Macau e Timor.
Tradução da nossa presença cultural espalhada pelo mundo.
A actividade e o pensamento políticos têm de evoluir para a modernidade, em tomo dos valores essenciais e das regras de ouro da convivência entre os homens, de que destaco:
Os ideais europeus de paz, de liberdade, de justiça e de solidariedade;
O pluralismo político;
A observância dos direitos e igualdade de oportunidades dos homens e mulheres;
A preservação da iniciativa individual;
A configuração de um mundo de solidariedade.

A Europa comunitária foi, no passado, como teria de ser, uma comunidade essencialmente económica, preocupada com a criação de um mercado alargado. Recentemente deu novos avanços. Mas é necessário que, gradualmente, se transforme numa Europa com um pendor político mais acentuado, politicamente mais unida, conservando, no entanto, a multiplicidade das culturas e riqueza das formas de vida dos seus Estados membros.

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Sr. Presidente, não quero concluir sem reafirmar a honra que sentimos e o grande prazer que nos dá acolher V. Ex.ª na Assembleia da República.
Prazer multiplicado pelo facto de poder apresentar-lhe as boas-vindas em nome de todos os deputados, desejando a V. Ex.ª uma profícua e feliz estada em Portugal.
Ao prestar as nossas homenagens à República Federal da Alemanha, desejo, de todo o coração, o maior êxito ao povo alemão, no seu reencontro, num futuro de prosperidade, paz e desenvolvimento.

Aplausos gerais.

Vai usar da palavra S. Ex.ª o Presidente da República Federal da Alemanha.

O Sr. Presidente da República Federal da Alemanha (Richard von Weizsacker): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.(tm) e Srs. Deputados: Tenho a honra de transmitir a VV. Ex.ªs saudações e os agradecimentos da Alemanha.
As saudações afectuosas e respeitosas destinam-se a todos aqueles que, sem que corresse sangue, fizeram renascer o espírito da liberdade, dos direitos humanos e do pluralismo político em Portugal, fizeram desabrochar democraticamente esse espírito, dando ao País uma constituição exemplar e progressista.
Portugal conseguiu assim contestar muitos pessimistas dos anos 70. E - o que é ainda mais importante - Portugal deu, deste modo, a muitos, um esplêndido exemplo para as décadas de 80 e 90.
Nessa época de levantamento revolucionário estava aqui em Portugal escrito nas paredes: «O direito de voto é a arma do povo.» É agora a essa arma que lançam mão muitos povos que se estão a libertar das pressões da ditadura.
Quanto melhor for o armamento das pessoas e dos povos com essa arma, que é o direito de voto, melhor se poderá conseguir o desarmamento militar.
Portugal deu um importante contributo para a «erupção da liberdade e do pluralismo» a que hoje assistimos na Europa e à qual o Presidente Soares se referiu.
Onde existem liberdade, direitos humanos e pluralismo, aí é Europa!
Os cordiais agradecimentos do país amigo e parceiro, que eu vos transmito, são devidos também à compreensão e ao empenhamento com que VV. Ex.ªs partilharam os acontecimentos ocorridos na Alemanha: a fuga de muitos milhares de pessoas da RDA, a abertura das fronteiras, a queda do Muro e agora a nova evolução nos dois Estados alemães a caminho de uma concrescência.
Com duas resoluções proferidas nesta Casa, imediatamente a seguir ao histórico 9 de Novembro de 1989, foi dignificado o movimento de libertação sob cuja arremetida ruíram o Muro de Berlim e sistemas ditatoriais construídos em betão.
Por isso vos agradeço.
Por experiência própria, os Portugueses conhecem o poder dos movimentos de libertação. Sabem também como é difícil, quanta força e quanta paciência são necessárias e quantas ilusões é preciso vencer quando homens e povos, após um acto histórico de auto-libertação, se têm de desligar totalmente das sombras dos anos que ficaram para trás.
Sr. Presidente, minhas Senhoras e meus Senhores: Também eu fui deputado. Por esse motivo, bem posso apreciar a honra que me foi dada, convidando-me para a sessão extraordinária do vosso Parlamento.
Quem vem de Bona, quem conhece a pitoresca Central de Abastecimento de Águas, na qual, de momento, se tem de reunir provisoriamente o nosso Parlamento até se poder dispor de outro Plenário, entra no belo edifício da vossa Assembleia com um prazer estético, mas também com um laivo de amigável inveja.
Primeiro, porque VV. Ex.ªs conseguiram harmonizar o sumptuoso ambiente histórico do Palácio de São Bento com a técnica moderna, de tal modo que este edifício, depois de uma história acidentada que tem o seu início nos princípios do século XVII, abriga agora um parlamentarismo vivo.
No Parlamento é preciso, às vezes, falar sem pejo. É bom que a tradição, a tolerância e o tacto amorteçam as vibrações mais fortes.
Depois - e isto causa realmente inveja -, porque dispõem ainda de uma segunda Casa, tão bela como esta e raramente utilizada. Se eu não receasse que, com a conhecida hospitalidade portuguesa, me pegassem a sério na palavra, proporia que o nosso Parlamento viesse por algum tempo ter as suas sessões na vossa segunda Casa.
Sr. Presidente, em fins de Novembro, V. Ex.ª esteve, com uma delegação dos partidos representados nesta Casa, na República Federal da Alemanha. Estiveram em Berlim. Tomaram directamente consciência das grandes transformações ali verificadas.
O curso da história de então para cá ainda mais se acelerou.
Os muros abatem. Os arrogantes detentores do Poder caem. As grilhetas de ideologias desumanas fazem-se soltar.
Isto quer dizer respirar fundo. Isto quer dizer libertação. Isto quer dizer revolução pacífica.
Porque a transformação de uma sociedade fechada em sociedade aberta pode «ser chamada uma das maiores revoluções por que a humanidade passou». Assim falou o filósofo Karl Popper há mais de 30 anos.
A actual transformação na Europa patenteia também o poder de atracção do bem-estar económico e a força explosiva dos défices económicos. Quem demonstrar avareza na compensação de tais défices não só vai contra os bons costumes como se coloca a si próprio em grave risco.
Isto não se aplica apenas às compensações em relação à RDA e à Europa do Leste. Isto ajusta-se ao mundo inteiro. Porque, apesar das tarefas prementes na Alemanha e na Europa Central e Oriental, temos impreterivelmente de continuar a dar o nosso apoio às democracias na África e na América Latina e o nosso auxílio aos países necessitados do Terceiro Mundo.
Esta é a grande tarefa dos nossos tempos. É do nosso próprio interesse cumpri-la. Toda a atenção - compreensível- que dediquemos aos problemas na Europa não pode ocultar a persistência e a crescente globalização dos problemas nas relações Norte-Sul. Questões como a protecção da camada de ozono, o aquecimento da Terra, as relações entre pobreza e destruição do meio ambiente, a droga, o empobrecimento e o crescimento da população a todos nós dizem respeito e só poderão ser solucionadas por todos em conjunto. Temos de estar preparados para esta tarefa.

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O que aconteceu na Europa Central e do Leste tem de abrir os olhos àqueles que até agora desconheciam que só a liberdade e a competição permitem acções criativas e um elevado nível de bem-estar económico.
A liberdade é condição do verdadeiro bem-estar. Mas imperfeita seria uma liberdade que se limitasse a trazer o bem-estar económico à nossa casa.
Ultrapassando o aspecto material, já os famintos de Paris, que na Revolução de 1789 pediam pão, tinham posto os olhos na justa prática da liberdade dos homens.
A Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, que muito deve à Revolução Francesa, começa com o trítono: liberdade, paz e Europa.
Queremos uma liberdade que tome possível o bem-estar, mas nunca uma liberdade que se possa esgotar com a ideia de bem-estar.
Queremos uma paz que seja mais do que um armistício, mais do que uma guerra fria.
E queremos uma Europa que seja mais do que uma definição geográfica. Não poderá ser uma fortaleza económica aferrolhada para o exterior.
A Europa, fiel à sua herança, tem de encarnar um novo humanismo, tornar-se um refúgio da dignidade humana e da justiça social.
No caminho para o futuro europeu, cada um de nós, no lugar onde a geografia e a história o colocaram, terá de estar preparado para os desafios que especialmente se lhe defrontam.
Portugal é um país de sólidas fronteiras com dois vizinhos: a Espanha e o mar, que abraça a terra. Com isso permite Portugal aos seus parceiros europeus a visão do contexto global da nossa vida.
Nós, Alemães, pelo contrário, vivemos no centro da Europa. Com muitos vizinhos. A nossa história nunca nos pertenceu só a nós. Foi sempre uma acção recíproca entre os nossos vizinhos e nós próprios. Aprendemos por experiência própria. Não haverá jamais um retrocesso a um passado nacionalista pervertido, um caminho privativo para a Alemanha.
Só poderá haver uma concrescência para um Estado alemão numa Europa concrescente. A dinâmica da questão alemã terá de prestar provas de que é o motor da dinâmica europeia.
Ninguém pode prever o futuro. Não somos mais avisados do que Fernando Pessoa, que escreveu como última frase da sua vida: «I know not what tomorrow will bring.» Mas podeis crer que nós. Alemães, estamos conscientes da responsabilidade que temos.
A acção conjunta dos Alemães e a unificação para acabar com as tensões no coração da Europa podem servir à estabilização da paz e podem produzir bons frutos, mesmo para além da Europa.
A nossa opção pela unificação europeia, pelos objectivos da união europeia, é ilimitada e incondicional, e sabemos que, neste propósito, estamos concordes com o povo português.
Sr. Presidente, minhas Senhoras e meus Senhores: Todos nós somos europeus. Isto não quer dizer pôr de pane a cultura da nossa pátria, desfazermo-nos das nossas características nacionais. Isto quer dizer juntar as nossas virtudes para que os nossos defeitos não pesem tanto.
Pensamos nas virtudes dos Gregos e dos Romanos, sobretudo na sua moderação e também na capacidade de preencher criativamente os seus ócios. Pensemos nas virtudes dos Alemães, na sua minuciosidade, no seu amor à ordem e na sua filosofia; capacidades que temos de vigiar para que sirvam bons fins.
Quem conhece Portugal pensa nas virtudes dos Portugueses.
O escritor alemão Hans Magnus Enzensberger conta entre as virtudes portuguesas uma tolerância ilimitada, um cepticismo humano que só se detém perante o milagre e uma generosidade soberana. Numa Europa cheia de desejos, diz Enzensberger que, se a política fosse mais do que armamento e produção, um país com tais virtudes seria uma grande potência; não tanto uma periferia europeia, mas mais um princípio europeu.
Com efeito, a política europeia já há muito é mais do que armamento e produção. Por que razão não poderiam também ser satisfeitos esses desejos europeus?
Portugal desde sempre foi mais do que periferia europeia. Portugal foi e continua a ser perfil europeu.
Com esta ideia de Portugal como perfil de uma Europa viva e reflectida, situada entre o Oriente e o Ocidente, começou Pessoa a sua Mensagem.
Aquilo, que então era uma metáfora, é hoje uma realidade. A Europa precisa de um perfil claro, voltado para o Atlântico, para o Mediterrâneo, para o mundo em geral.
Há muito que fazer no nosso mundo. A descoberta do caminho marítimo para a índia não pode servir de pretexto para o desemprego - independentemente daquilo que Pessoa, na figura de Álvaro de Campos, possa ter dito a tal respeito.
Portugal faz parte da Europa. Portugal precisa da Europa. E a Europa precisa de Portugal: com as suas virtudes, com as suas tradições, com a sua tolerância; não apenas com o poder da sua economia e da sua sociedade em desenvolvimento dinâmico, mas também com o poder das suas utopias.
Neste espírito, saúdo VV. Ex.ªs, com os desejos mais cordiais de felicidades ao vosso belo país e ao seu amável povo.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 20 minutos.

A Banda da Guarda Nacional Republicana executou de novo os dois hinos nacionais.
Realizou-se então o cortejo de saída, composto pelas mesmas individualidades do de entrada, tendo o Sr. Presidente da República Federal da Alemanha, o Sr. Presidente da República e o Sr. Presidente da Assembleia da República saudado o corpo diplomático com uma vénia ao passarem diante da tribuna.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Domingos Duarte Lima.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vítor Pereira Crespo.

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Partido Socialista (PS):

António Fernandes Silva Braga.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Laje.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edmundo Pedro.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Luis Filipe Nascimento Madeira.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Octávio Rodrigues Pato.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Gilberto Parca Madaíl.
Henrique Nascimento Rodrigues.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel José Dias Soares Costa.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Rui Alberto Limpo Salvada.

Partido Socialista (PS):

António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Barbosa Mota.
José Luís do Amaral Nunes.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Maria de Lourdes Hespanhol.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.

A REDACTORA, Ana Marques da Cruz.

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