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1138 I SÉRIE-NÚMERO 38

Na onda de refugiados de 1940, milhares e milhares de homens bateram à nossa porta, inclusivamente aqueles que por nós haviam sido expulsos por quererem ser fiéis a si mesmos e às suas ideias. Uns atiraram-se para as cadeias, outros para campos de concentração; muitos embarcaram para os Estados Unidos, para o Brasil, enfim, para onde encontrassem paz e liberdade. Vieira da Silva estava na sua terra, na sua cidade com o seu marido, a quem recusaram a nacionalidade portuguesa. Arpad Szenes e esposa tiveram de buscar outro rumo, na terra livre do Brasil.
Em São Paulo, mais livres do que em Lisboa, tomaram lugar na colónia portuguesa, onde se contavam Sarmento Pimentel, Moura Pinto, Jaime Cortesão e muitos outros. Essa comunhão do exílio reflecte-se em livros como A Cana de Pêro Vaz de Caminha, de 1943, da colecção Clássicos Contemporâneos, publicada por Jaime Cortesão, com capa de Maria Helena Vieira da Silva.
Toda a comunicação intelectual é, em si mesma, uma arte e só essa comunhão liga os homens, os países e as civilizações, seja qual for a língua em que se exprimam. A pintura também é uma língua: Nuno Gonçalves vale bem Camões e Columbano e Vieira da Silva emparceiram bem com Eça de Queiroz, Aquilino Ribeiro ou Miguel Torga.
Maria Helena Vieira da Silva não teve lugar na sua terra, porque ela era cidadã do Mundo, pelo que optou pela generosa terra de França. Voltou à sua pátria, também esta já libertada de opressões e restrições, e que dela hoje se orgulha. Tanto assim é que o mais alto magistrado da República, também ele um dia expatriado, encontra-se neste momento em Paris; os dois expatriados de ontem suo a verdadeira comunidade livre de hoje!
Toda a arte é vida e toda a actividade humana pode ser uma arte, no verso, na prosa, como no barro, na fábrica, na aula ou na rua. O artista enforma a vida de um povo, tanto como o pensamento e a língua.
Vieira da Silva entra agora no património de todos nós, tomando lugar entre os seus pares (Nuno Gonçalves, Domingos Sequeira, Columbano) e passando a fazer parte da nossa comunidade. Todos nós a sentimos como nossa pátria!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Gostaríamos que não tivesse acontecido ainda! Menos ainda ousaríamos ter a preferência de que um acontecimento de luto se ajustasse ao calendário parlamentar.
Na última sexta-feira recebemos a notícia; neste fim-de-semana Maria Helena Vieira da Silva foi a enterrar.
É esta a primeira sessão útil de trabalho em Plenário, com todos os grupos parlamentares, depois de Vieira da Silva, pintora francesa de Portugal, pintora portuguesa em França, ter deixado as ruas que pintou, os labirintos que criou, as cores e luzes que fixou, os temas que marcadamente assinou.
Deus fez o Mundo em seis dias, mas foram os artistas que continuaram, depois e sempre, a sua criação!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vieira da Silva recebeu esse testemunho e afirmou-o com génio. Pioneira, na sua obra complexa, rica e singular, exprimiu a sua visão e a sua consciência dos problemas contemporâneos, com várias técnicas e em vários domínios das artes (escultura, tela, azulejos).
Vencedora além-fronteiras, quando Portugal carecia de afirmação internacional, Vieira da Silva era um nome sabido, o mais sonante dos nomes portugueses nas tertúlias de Paris. Portuguesmente, há, apesar de tudo, elementos-diz dela um crítico - que, na sua pintura, dizem respeito a todos nós: a luz, um tipo de espaço e uma consciência barroca desse mesmo espaço.
Este momento, nesta Casa maior da representação do povo português, é um momento de luto, não só de luto nacional mas também, por justiça, por verdade e pela honra que são devidas a Helena Vieira da Silva, de luto internacional.
Por essa razão, a minha bancada entregou na Mesa um voto de pesar.
Oxalá que a Fundação Vieira da Silva/Arpad Szenes, em Lisboa, a ter vida própria dentro de meses, aproxime os Portugueses desta artista nascida em Portugal. Artista e mulher que poucos de entre nós chamaram todos estes anos também sua e também portuguesa.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com duas mágoas que faço, hoje, esta minha intervenção em Plenário.
A primeira é, naturalmente, pela morte da prestigiada figura que estamos, hoje, a homenagear.
A minha segunda mágoa resulta do facto de a minha bancada não ter uma mulher que possa falar da pintora Maria Helena Vieira da Silva. Se a tivesse, prestaria ela, com certeza, homenagem a essa pintora, expoente da cultura portuguesa, a essa portuguesa de excepção.
Maria Helena Vieira da Silva é, acima de tudo, uma mulher portuguesa, que se distinguiu na escola francesa e na pintura universal, marcando a sua marca de génio de lusitaniedade.
É através destas palavras e deste gesto (que sempre serão muito poucos) que, no dia em que a Assembleia da República celebra o Dia Internacional da Mulher, queremos render homenagem à mulher portuguesa que foi Maria Helena Vieira da Silva. E fazemo-lo em nome do País, elevando-a nesta desolação de dor, ficando apenas como consolação de que ela é a mulher portuguesa que hoje erigimos em símbolo da nossa homenagem.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por singular coincidência, no dia em que se comemora na Assembleia da República o Dia Internacional da Mulher, cabe-nos, com profunda tristeza e respeito, guardar luto pelo falecimento dessa outra mulher, figura maior da pintura do século XX, portuguesa por nascimento, educação e cultura, que na sua obra sempre teve presente as suas raízes nacionais e que nos seus quadros sempre soube reflectir a luminosidade, os tons e as cores de Lisboa e do seu país natal.
Vieira da Silva, casada com esse outro artista, cidadão generoso, que foi Arpad Szenes, foi obrigada pelo regime fascista a exilar-se em Paris, onde adquiriu uma nacionalidade que não lhe retirou, no coração, na sensibilidade e na obra a sua permanente ligação a Portugal.

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