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Quarta-feira, 11 de Março de 1992 I Série - Número 38

DIÁRIO da ASSEMBLEIA da REPÚBLICA

VI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE MARÇO DE 1992

Presidente: Ex.(tm) Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs.

João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRI0

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Foram aprovados os votos n.ºs 9/VI (PSD), IO/VI (PCP e Deputado independente Mário Tomé) e 11/VI (PS), de pesar pelo falecimento da pintora Vieira da Silva, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Raúl Rêgo (PS), Carlos Lélis (PSD), Narana Coissoró (CDS), Lino de Carvalho (PCP), Mário Tomé (Indep.) e Manuel Sérgio (PSN). No final, a Câmara guardou um minuto de silêncio.
A propósito da passagem do Dia Internacional da Mulher, proferiram declarações políticas os Srs. Deputados Isabel Castro (Indep.), Manuel Queiró (CDS), Apolónia Teixeira (PCP), Teresa Santa Clara Gomes (PS) e Margarida Silva Pereira (PSD).
O Sr. Presidente procedeu à leitura de uma declaração conjunta da Assembleia da República saudando e solidarizando-se com a «Missão Paz por Timor» e apelando à comunidade internacional a adopção de medidas concretas para repor o respeito pelo Direito Internacional e pelos Direitos do Homem naquele território.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de um Deputado do PS.
A Câmara apreciou, na generalidade, os projectos de lei n.ºs 90/VI - Apoio a crianças nascidas em famílias monoparentais (PSD), 100/VI - Reforça os direitos das associações de mulheres (PCP), 103/VI - Alteração da imagem feminina nos manuais escolares (Os Verdes), e o projecto de deliberação n. º 20/VI - Constituição de uma comissão eventual para a igualdade de direitos e participação da mulher (PS). Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Maria Luísa Ferreira (PSD), Narana Coissoró (CDS), Odete Santos (PCP), Ana Paula Barros e Leonor Beleza (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Julieta Sampaio e Elisa Damião (PS), Carlos Lélis (PSD) Raul Castro (Indep.) e Mário Tomé (Indep.).
Por último, foi rejeitado, na generalidade, o projecto de lei n. º 4/VI - Revogação e alteração das normas mais gravosas do «Pacote laboral» (PCP), e aprovada, em votação final global, a proposta de resolução n. º 2/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo Internacional da Juta e Produtos da Juta.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Alberto Cerqueira Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro Bissaia Barreto.
António Barbosa de Melo.
António Barradas Leitão.
António Correia Vairinhos.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Sá e Abreu.
António José da Motta Veiga.
Arlindo da Silva Moreira.
Armando Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata da Silva.
Carlos Almeida Figueiredo.
Carlos de Almeida Coelho.
Carlos Duarte Oliveira.
Carlos Lopes Pereira.
Carlos Lélis.
Carlos Manuel Gonçalves.
Carlos Miguel de Oliveira.
Carlos Oliveira da Silva.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos José Soares Lima.
Duarte Rogério Pacheco.
Eduardo Pereira da Silva.
Elói Franklin Ribeiro.
Fernando Correia Afonso.
Fernando Gomes Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando Rodrigues.
Guilherme Rodrigues Silva.
Hilário Azevedo Marques.
Isilda Maria Pires Martins.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João de Oliveira Martins.
João do Lago Mota.
João Granja da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Salgado.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Manuel Barros Sousa.
José Alberto Puig Costa.
José Álvaro Pacheco Pereira.
José António Peixoto Lima.
José Augusto Silva Marques.
José Borregaria Meireles.
José de Almeida Cesário.
José Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário Gaspar.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José Reis Leite.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero Cunha Pinto.
Manuel Azevedo.
Manuel Baptista Cardoso.
Manuel Lima Amorim.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Marques.
Maria Conceição Rodrigues.
Maria da Conceição Pereira.
Maria de Lurdes Póvoa Costa.
Maria Fernanda Dias Cardoso.
Maria Helena Ramos Mourão.
Maria Leonor Beleza.
Maria Luísa Ferreira.
Maria Margarida de Sousa.
Marília Dulce Pires Morgado.
Mário Belo Maciel.
Mário de Oliveira Santos.
Melchior Pereira Moreira.
Miguel Bento Macedo e Silva.
Miguel Fernando Relvas.
Nuno Delerue Alvim de Matos.
Olinto da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Passos Coelho.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Miguel.
Virgílio de Carneiro.
Vítor Manuel Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Américo Albino Salteiro.
Ana Maria Bettencourt.
António Alves Martinho.
António Crisóstomo Teixeira.
António Correia Campos.
António de Almeida Santos.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.
António Ribeiro Campos.
António Ribeiro da Silva.
Armando Martins Vara.

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Artur Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José de Figueiredo.
Fernando Manuel Costa.
Fernando Pereira de Sousa.
Fernando Pereira Marques.
Fernando Gomes Ká.
Guilherme de Oliveira Martins.
Helena Torres Marques.
João António Gomes Proença.
João Ferraz de Abreu.
João Maria Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Almeida Coelho.
José Eduardo Reis.
José Gameiro dos Santos.
José Manuel Magalhães.
José Rebelo dos Reis Lamego.
José Rodrigues dos Penedos.
José Sócrates de Sousa.
Júlio da Piedade Henriques.
Júlio Miranda Calha.
Laurentino José Castro Dias.
Luís Capoulas Santos.
Manuel Alegre Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Sampaio.
Maria Santa Clara Gomes.
Raul Fernando Costa Brito.
Raúl Pimenta Rêgo.
Rui Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Gaião Rodrigues.
Apolónia Gomes Teixeira.
Carlos Gomes Carvalhas.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia.
Lino Marques de Carvalho.
Luís Manuel Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

entro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Xavier.
Casimiro da Silva Tavares.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria Almeida Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira Cunha.

Deputados independentes:

Mário Baptista Tomé.
Raul de Morais e Castro.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 106/VI - Criação da freguesia da Boavista (PCP), que baixou à 6.ª Comissão; ratificação n.º 15/VI - Decreto-Lei n.º 25/92, de 25 de Fevereiro, que fixa um regime, para vigorar em 1992, na ausência de plano director municipal, quanto às expropriações da iniciativa das autarquias locais, aos contratos programa e aos auxílios financeiros (PCP), que baixou às 6.ª e 7.ª Comissões, e proposta de resolução n.º 5/VI - Aprova, para ratificação, o Tratado sobre Forças Convencionais na Europa, que baixou às 4.ª e 5.ª Comissões.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, recebi uma carta do Sr. Presidente da República, que, no essencial, refere o seguinte: «Tencionando deslocar-me a Paris, entre os dias 9 e 11 do corrente mês de Março, em viagem sem carácter oficial, para assistir ao funeral da pintora Maria Helena Vieira da Silva, dela venho dar prévio conhecimento à Assembleia da República, nos termos do artigo 132.º, n.º 2, da Constituição.»
Esta carta do Sr. Presidente da República dá, pois, a conhecer à Câmara a morte da grande portuguesa e excepcional figura da arte, a pintora Maria Helena Vieira da Silva, que muito nos impressionou.
Para uma intervenção, sobre este assunto, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rego.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A morte da pintora Maria Helena Vieira da Silva, portuguesa de nascimento, de cultura e de sensibilidade, francesa por escolha forçada e cidadã do mundo por vocação (como diria Salvador de Maradiaga, ele próprio também expatriado), empobrece a Arte!
Sentimos que se foi embora alguém! Há como que uma espécie de vazio naquela nossa busca em prol de um mundo melhor, mais belo e perfeito, de menos sofrimento e mais harmonia entre os homens. Mas não há dúvida de que ela nos deixou mais ricos!
Vieira da Silva foi uma artista criadora, que enriqueceu a Terra e contribuiu para o bem-estar de todos nós. A sua pintura tem personalidade e não se confunde com a de mais ninguém! Influências teve-as, sobretudo do seu marido, Arpad Szenes, ele mesmo mais cidadão da Arte do que da terra onde nasceu e da qual se viu expulso. Por vezes, os enjeitados sobem mais alto do que os enjeitadores!
Adquirida a técnica, marcada a sua presença, Vieira da Silva construiu casa, criou ambiente. O seu enorme legado vem juntar-se ao dos nossos grandes pintores, arquitectos e escultores, de que nesta mesma Casa e nesta mesma Sala dão testemunho, Ventura Terra, Teixeira Lopes, Carlos Reis e Columbano.
Vieira da Silva foi, sem dúvida, uma grande pintora, que enriqueceu o País e a cidade em que nasceu, Lisboa (ali para os lados das Chagas), onde parece ainda ecoar bem alto a arte da palavra de António Vieira
Só que, a dada altura, o nosso país deixou de ser de todos, enjeitou os seus filhos que se não tornassem servos de uma só ideia, de uma só pessoa e muito menos ainda admitia gentes de outras pátrias ou foragidos delas e em busca de um ninho. Quem repele os seus, muito menos admite estranhos!

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Na onda de refugiados de 1940, milhares e milhares de homens bateram à nossa porta, inclusivamente aqueles que por nós haviam sido expulsos por quererem ser fiéis a si mesmos e às suas ideias. Uns atiraram-se para as cadeias, outros para campos de concentração; muitos embarcaram para os Estados Unidos, para o Brasil, enfim, para onde encontrassem paz e liberdade. Vieira da Silva estava na sua terra, na sua cidade com o seu marido, a quem recusaram a nacionalidade portuguesa. Arpad Szenes e esposa tiveram de buscar outro rumo, na terra livre do Brasil.
Em São Paulo, mais livres do que em Lisboa, tomaram lugar na colónia portuguesa, onde se contavam Sarmento Pimentel, Moura Pinto, Jaime Cortesão e muitos outros. Essa comunhão do exílio reflecte-se em livros como A Cana de Pêro Vaz de Caminha, de 1943, da colecção Clássicos Contemporâneos, publicada por Jaime Cortesão, com capa de Maria Helena Vieira da Silva.
Toda a comunicação intelectual é, em si mesma, uma arte e só essa comunhão liga os homens, os países e as civilizações, seja qual for a língua em que se exprimam. A pintura também é uma língua: Nuno Gonçalves vale bem Camões e Columbano e Vieira da Silva emparceiram bem com Eça de Queiroz, Aquilino Ribeiro ou Miguel Torga.
Maria Helena Vieira da Silva não teve lugar na sua terra, porque ela era cidadã do Mundo, pelo que optou pela generosa terra de França. Voltou à sua pátria, também esta já libertada de opressões e restrições, e que dela hoje se orgulha. Tanto assim é que o mais alto magistrado da República, também ele um dia expatriado, encontra-se neste momento em Paris; os dois expatriados de ontem suo a verdadeira comunidade livre de hoje!
Toda a arte é vida e toda a actividade humana pode ser uma arte, no verso, na prosa, como no barro, na fábrica, na aula ou na rua. O artista enforma a vida de um povo, tanto como o pensamento e a língua.
Vieira da Silva entra agora no património de todos nós, tomando lugar entre os seus pares (Nuno Gonçalves, Domingos Sequeira, Columbano) e passando a fazer parte da nossa comunidade. Todos nós a sentimos como nossa pátria!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Gostaríamos que não tivesse acontecido ainda! Menos ainda ousaríamos ter a preferência de que um acontecimento de luto se ajustasse ao calendário parlamentar.
Na última sexta-feira recebemos a notícia; neste fim-de-semana Maria Helena Vieira da Silva foi a enterrar.
É esta a primeira sessão útil de trabalho em Plenário, com todos os grupos parlamentares, depois de Vieira da Silva, pintora francesa de Portugal, pintora portuguesa em França, ter deixado as ruas que pintou, os labirintos que criou, as cores e luzes que fixou, os temas que marcadamente assinou.
Deus fez o Mundo em seis dias, mas foram os artistas que continuaram, depois e sempre, a sua criação!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vieira da Silva recebeu esse testemunho e afirmou-o com génio. Pioneira, na sua obra complexa, rica e singular, exprimiu a sua visão e a sua consciência dos problemas contemporâneos, com várias técnicas e em vários domínios das artes (escultura, tela, azulejos).
Vencedora além-fronteiras, quando Portugal carecia de afirmação internacional, Vieira da Silva era um nome sabido, o mais sonante dos nomes portugueses nas tertúlias de Paris. Portuguesmente, há, apesar de tudo, elementos-diz dela um crítico - que, na sua pintura, dizem respeito a todos nós: a luz, um tipo de espaço e uma consciência barroca desse mesmo espaço.
Este momento, nesta Casa maior da representação do povo português, é um momento de luto, não só de luto nacional mas também, por justiça, por verdade e pela honra que são devidas a Helena Vieira da Silva, de luto internacional.
Por essa razão, a minha bancada entregou na Mesa um voto de pesar.
Oxalá que a Fundação Vieira da Silva/Arpad Szenes, em Lisboa, a ter vida própria dentro de meses, aproxime os Portugueses desta artista nascida em Portugal. Artista e mulher que poucos de entre nós chamaram todos estes anos também sua e também portuguesa.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com duas mágoas que faço, hoje, esta minha intervenção em Plenário.
A primeira é, naturalmente, pela morte da prestigiada figura que estamos, hoje, a homenagear.
A minha segunda mágoa resulta do facto de a minha bancada não ter uma mulher que possa falar da pintora Maria Helena Vieira da Silva. Se a tivesse, prestaria ela, com certeza, homenagem a essa pintora, expoente da cultura portuguesa, a essa portuguesa de excepção.
Maria Helena Vieira da Silva é, acima de tudo, uma mulher portuguesa, que se distinguiu na escola francesa e na pintura universal, marcando a sua marca de génio de lusitaniedade.
É através destas palavras e deste gesto (que sempre serão muito poucos) que, no dia em que a Assembleia da República celebra o Dia Internacional da Mulher, queremos render homenagem à mulher portuguesa que foi Maria Helena Vieira da Silva. E fazemo-lo em nome do País, elevando-a nesta desolação de dor, ficando apenas como consolação de que ela é a mulher portuguesa que hoje erigimos em símbolo da nossa homenagem.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por singular coincidência, no dia em que se comemora na Assembleia da República o Dia Internacional da Mulher, cabe-nos, com profunda tristeza e respeito, guardar luto pelo falecimento dessa outra mulher, figura maior da pintura do século XX, portuguesa por nascimento, educação e cultura, que na sua obra sempre teve presente as suas raízes nacionais e que nos seus quadros sempre soube reflectir a luminosidade, os tons e as cores de Lisboa e do seu país natal.
Vieira da Silva, casada com esse outro artista, cidadão generoso, que foi Arpad Szenes, foi obrigada pelo regime fascista a exilar-se em Paris, onde adquiriu uma nacionalidade que não lhe retirou, no coração, na sensibilidade e na obra a sua permanente ligação a Portugal.

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Com o 25 de Abril e as portas da liberdade abertas, Vieira da Silva voltou ao seu país e participou, com generosidade, na alegria da construção da democracia (ficam registados os três cartazes que criou a propósito do 25 de Abril).
Vieira da Silva, cuja casa de Paris sempre esteve aberta aos portugueses que nela buscavam solidariedade ou convívio comum dos que amavam e amam a cultura.
Tal como referimos no voto de pesar que entregámos na Mesa, ao homenageá-la hoje homenageamos também a portuguesa, a pintora, a artista que foi e que sempre ficará como um dos mais altos expoentes da cultura portuguesa e da cultura universal.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Vieira da Silva, lá no Paris que tão bem a soube amar, captou, de repente, um dia, que Lisboa, durante décadas tão cinzenta que não podia com a sua pintura fulgurante, explodia em cor e vibração e branca se tomava: era o 25 de Abril, a poesia na rua, a mulher na rua, a infinitude dos cambiantes, a libertação das emoções e dos pensamentos. Era a vida.
Isso tudo Vieira da Silva fixou nos mais belos cartazes de todos os que se fizeram para o 25 de Abril. Esses cartazes também inspiraram homens e mulheres a tomarem mais bela a vida na luta quotidiana.
As mulheres do nosso país conquistaram muito do que lhes tinha sido sonegado - o que hoje também se comemora nesta Assembleia - e o Portugal «sacristã» deu lugar ao Portugal do respeito pelos direitos dos homens e das mulheres.
É a este novo Portugal que estão ligadas, profundamente, a obra e a pessoa de Vieira da Silva, a cuja memória respeitosamente me curvo.
Quero também dizer que subscrevo um dos votos - o que é apresentado pelos Srs. Deputados do PCP - de pesar pela morte de Vieira da Silva.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Morreu Vieira da Silva, cidadã do mundo.
Grande artista, pessoa de invulgar cultura, ela oferece-nos um tipo de mulher liberta e libertadora, ou seja, verdadeiramente artista.
«Arte» vem do latim ars, artis, que, por sua vez, resulta do verbo agere - «agir», «fazer», «praticar».
Vieira da Silva, artista e mulher, na síntese de um agir, onde Portugal e o mundo inteiro se revêem.
Assim se expressam as homenagens do Partido de Solidariedade Nacional em honra de Vieira da Silva, mulher, portuguesa e artista.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entretanto, deram entrada na Mesa dois votos de pesar pelo falecimento de Vieira da Silva e um voto de homenagem à pintora, que vão ser lidos.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o voto n.º 9/VI, de pesar pelo falecimento de Vieira da Silva, apresentado pelo PSD, é do seguinte teor:

Voto n.º 9/VI

De pesar pelo falecimento de Vieira da Silva

Tendo falecido, na última sexta-feira, em Paris, a pintora Vieira da Silva;

Sendo esta sessão do Parlamento o primeiro Plenário após essa data de luto:

Os Deputados abaixo assinados propõem à Mesa da Assembleia da República que seja exarado em acta um voto de pesar pela perda da personalidade e obra singulares daquela artista.

O voto n.º 10/VI de homenagem a Vieira da Silva, apresentado pelo PCP e pelo Deputado independente Mário Tomé, é o seguinte:

Voto n.º 10/VI

De homenagem a Vieira da Silva

Morreu Vieira da Silva.
Morreu uma figura maior da pintura do século XX, uma mulher portuguesa de nascimento e de cultura, que sempre soube reflectir na sua imensa obra as suas raízes nacionais.
Forçada a exilar-se em Paris pela ditadura, reaproximada do seu País com o 25 de Abril, a sua casa sempre esteve aberta aos portugueses que nela buscavam a solidariedade ou o convívio comum dos que amam a liberdade e a cultura.
A Assembleia da República homenageia, nesta hora, com profundo respeito, aquela que foi e sempre ficará como um dos mais altos expoentes da cultura portuguesa e da pintura universal.

O voto n.º 11/VI, de pesar pelo falecimento de Vieira da Silva, subscrito pelo PS, é do seguinte teor

Voto n.º 11/VI

De pesar pelo falecimento de Vieira da Silva

Faleceu, em Paris, a grande pintora Maria Helena Vieira da Silva, glória da cultura e da arte portuguesas e sua projecção no mundo.
A Assembleia da República, em nome do povo português, exprime à família o seu profundo pesar e solidariedade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os votos que acabam de ser lidos, embora com formulações diferentes, têm o mesmo sentido, pelo que, se não houver oposição, votá-los-emos em conjunto.

Pausa.

Como não há oposição, vamos votar.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

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Srs. Deputados, encontram-se nas galerias, a assistir à sessão, alunos das Escolas Secundárias do Monte de Caparica, de Alcabideche, da Amadora e de São João do Estoril, bem como um grupo de 50 visitantes da Associação Nacional de Professores do Ensino Básico de Pombal, para os quais peço a habitual saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, sobre um tema que declarou ser urgente, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para mostrar a nossa preocupação, e naturalmente a preocupação da Câmara, sobre a viagem do navio Lusitânia Expresso, que neste momento está a entrar em zona perigosa.
Porém não o faço, em virtude de ter acabado de assinar um projecto de resolução, que me foi apresentado como sendo consensual. Seria, pois, deselegante da minha parte usar da palavra depois de ter assinado esse projecto de resolução.
Os proponentes irão apresentar o documento na Mesa, pelo que usarei da palavra nessa altura.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entretanto, proponho que a Câmara formalize o seu pesar pela morte da pintora Maria Helena Vieira da Silva, guardando um minuto de silêncio.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Srs. Deputados, continuando os nossos trabalhos, passamos às declarações políticas sobre o Dia Internacional da Mulher.
Gostava de abrir o tema com um cumprimento às nossas colegas de bancada e às mulheres em geral.
Chamo a atenção para o facto de irmos hoje consagrar a nossa ordem de trabalhos a reflexões que têm a ver com a mulher nossa companheira, não a mulher nossa mãe, não a mulher nossa irmã, nossa esposa ou nossa filha.
Para uma primeira intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputadas, Srs. Deputados: Antes de iniciar a minha intervenção quero associar-me ao pesar que aqui foi expresso pelo desaparecimento de Vieira da Silva. Tinha-me inscrito para o fazer, mas suponho que o Sr. Presidente não o terá notado, pois não me deu a palavra.
De qualquer modo, não quero deixar de manifestar o nosso pesar pela perda que também significa para o nosso grupo parlamentar a morte da pintora Vieira da Silva, como artista, como mulher, como portuguesa, como alguém fiel à luz e ao seu país, como resistente antifascista, como amante, que o foi, mesmo na hora da morte, quando a entendeu como o regresso e o encontro com a pessoa de quem gostava.
Sr. Presidente, Sr.ª Deputadas, Srs. Deputados: Hoje assinalamos o Dia Internacional da Mulher. Um pouco fora de tempo, é certo, mas isso é questão menor para quem do simbolismo do atraso regista outras leituras.
E, como mulher, ao participar pela primeira vez nesta Assembleia em tal sessão comemorativa, não posso deixar de exprimir o sentimento que me invade, misto de prazer e de desencanto.
Prazer, por um lado, porque é gratificante abordar a problemática feminina, normalmente tão ausente deste falar político, que de tão estruturado se esquece da realidade chã, feita de gente também mulher.
Prazer, porque o pretexto não é fortuito, fruto de qualquer súbita generosidade ou de qualquer consumo geneticamente manipulado e feito tradição, mas da razão de uma data. Não de uma data qualquer, mas aquela que se associa a um dia de luta. Não de luta entre sexos, mas de luta de mulheres contra um poder político que se alicerça na discriminação e dela fez cultura, um poder político que, noutros tempos, impediu as nossas avós de viajar sem autorização do marido, que impediu as nossas tias de usar calcas porque eram mulheres, com histórias que, hoje, nos parecem tão absurdas quanto caricatas, mas cujo poder ainda hoje se exerce, mais subtil sem dúvida, mas não menos violento, ao limitar as mulheres na decisão de poder do seu próprio corpo, ou seja, de decidir por uma maternidade livremente desejada, por dela poder depender a sua segurança no emprego.
Dia, pois, de mulheres a agir pela sua autodeterminação, pela sua libertação cultural, pela conquista de um espaço social e político. O mesmo significa dizer dia de homens e mulheres juntos na busca conjunta de novas formas de humanismo.
Desencanto, por outro lado, pelo sabor amargo dos presentes envenenados, pelo formalismo do ofício litúrgico que, na hora e data marcadas, se celebra em rituais de quem, parecendo aliviar consciências, procura absolvições. No dia da excepção que confirma toda a regra. No dia da liberdade condicionada que como ela, afinal, se saúda porque chegada, se aproveita porque é única, se esgota porque tão breve.
Liberdade condicionada, ela própria, também nesta Assembleia, com a escassez de Deputadas eleitas em representação de um povo maioritariamente feito de mulheres, a que se alia a menorização do estatuto que se lhes quer atribuir, numa incompreensão, que ainda permanece, da importância que um papel interventor mais activo poderia representar para todos nós.
Neste Parlamento, onde o território e as suas regras são definidas no masculino e onde o discurso elaborado e a agressiva competitividade são a tónica dominante em contraste com o falar das mulheres, mais solto e mais espontâneo, e, talvez por isso mesmo, despertando ainda, por vezes, sorrisos paternalistas, ditos maliciosos ou um sussurrar cúmplice para o companheiro do lado.
Neste Parlamento que, a si próprio, vetou a possibilidade da abordagem multidisciplinada da problemática feminina, sem a qual não é possível encontrar soluções eficazes, não permitindo que uma comissão autónoma nela continuasse a ter razão de ser.
E se este acto polémico na altura foi contestado pela visão castradora que encerrava, a decisão recente de transferência da dependência da Presidência do Conselho de Ministros para o Ministério do Emprego e da Segurança Social da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres vem dar a exacta dimensão que o poder tem da problemática feminina. Coisas de mulheres, coisas de emprego, coisas de segurança social, de equipamentos, de subsídios,... enfim, tudo são simples, tudo tão curto!
E se, curiosamente, esta é a estreita concepção da problemática feminina e da participação na igualdade que no poder se instalou, outros são os ventos que chegam de fora, alertando, cada vez mais - Nações da Unidas, Conselho da Europa, Comunidade Europeia -, para a indispensabilidade

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da participação das mulheres, a todos os níveis, nos processos de decisão, como condição indispensável para a corporização de políticas de desenvolvimento harmonioso e para a consolidação e aprofundamento dos sistemas democráticos que cada dia mais participativos se reclamam. Alertas que destacam ainda o facto de, apesar de os progressos alcançados na consagração dos direitos da igualdade, o ritmo da sua promoção ter diminuído e o fosso aumentado entre os direitos reclamados e os direitos vividos.
E se à escala planetária esta leitura é fácil ao pensarmos que mulheres, representando mais de metade da população mundial, realizam dois terços do trabalho, têm um decimo do rendimento, detêm um centésimo da propriedade e são 45 % dos analfabetos nos países em vias de desenvolvimento, é importante que esta leitura se faça também no espaço próprio onde nos situamos e que somos - Portugal!
Portugal, onde apesar de a população activa registar um aumento de mulheres, que as situa perto dos 41 %, elas constituem dois terços dos desempregados, a maior percentagem dos contratos a prazo e dos desempregados de longa duração, ocupando o lugar mais baixo na pirâmide dos salários e na qualificação profissional, representando 19 % dos analfabetos.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: E se parece evidente a necessidade de intensificar estratégias para assegurar a igualdade e a participação de facto das mulheres no processo de desenvolvimento, parece também evidente o reconhecimento da sua indispensável participação na defesa do ambiente. Ambiente, hoje entendido, não só já pelos movimentos ecologistas e pelo Partido Ecologista Os Verdes mas por toda a comunidade mundial, como parte integrante do desenvolvimento, enquanto sinónimo de bem-estar, de igualdade, de justiça, de segurança, de cuja ausência nas opções tomadas pode depender a nossa própria sobrevivência e o nosso futuro comum!
É aqui que o papel extremamente importante das mulheres como geradoras de iniciativa, que contribuem para perpetuar a vida no planeta, me parece dever colocar-se! No momento em que o crescimento e os seus modelos se questionam, no momento em que a humanidade se interroga sobre o modo como vive, como produz, como consome, no momento em que o crescimento sustentado parece finalmente entendido como aquele que, atendendo às necessidades presentes, tem de ser adoptado, para não comprometer gerações futuras.
Interrogações e respostas que as mulheres talvez estejam em melhores condições de compreender e de dar pela sua própria história. Uma história que mergulha no concreto, na apreensão da realidade, talvez mais viva, porque não limitada nos sentidos. Uma realidade apreendida que as mulheres tendem a transformar em acção.
Mulheres, por outro lado, geradoras de vida, regulada a sua própria existência por ciclos como a natureza. Mulheres que, confinadas ou não à sua maternidade, foram no seu processo de crescimento obrigadas a fazer gestão de recursos que lhes são próprios, no papel que a sociedade ainda lhes impõe - gestão de espaços, de orçamentos, de conflitos, de roupa, de alimentos, de tempo! Gestão que favorece uma maior compreensão do valor dos recursos, da vida, numa dimensão mais próxima, mais humana e, simultaneamente, mais global.
É essa a razão por que, no preciso ano em que por proposta das Nações Unidas se vai reunir a comunidade mundial, para na «Cimeira da Terra» questionar os caminhos do nosso futuro comum e adoptar um novo código de conduta ecológica, é preciso alertar as mulheres dos seus movimentos, despertando consciências e transformando-as em acção.
A saúde, o consumo, a desmilitarização, a paz, a pobreza, os problemas demográficos, não são só problemas de uma distante relação entre países ricos e países pobres, entre países desenvolvidos e países em vias de desenvolvimento, entre o norte e o sul, de que possamos estar ausentes. É uma relação que nos é próxima pela nossa condição humana, porque partilhamos o mesmo planeta e também porque do norte somos sul!
As mulheres têm tido um papel extremamente activo na defesa da paz e do ambiente: são os principais membros das associações de ambiente; são as interventoras nas escolas pela sensibilização para o ambiente; são elas próprias as activas defensoras da paz e dos movimentos pacifistas e de cooperação; são ainda as mais firmes interventoras nas lutas ecológicas tratadas em Portugal (em Mirandela, em Valpaços, em Abrantes), na defesa da floresta, do Alviela, na defesa da saúde dos seus filhos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A responsabilidade que a cada um de nós cabe na salvaguarda do nosso futuro comum é imensa! As mulheres, como parceiras da vida e elo privilegiado de comunicação com as gerações futuras, têm na sua igualdade diferenciadora uma palavra a dizer.
As organizações não governamentais da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres portuguesas compreenderam-no e, corajosamente, iniciaram um debate em colaboração com as Nações Unidas. Cabe-me a mim saudá-las e desafiar as outras mulheres que aqui estão para também as seguir.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Presidente, Srs.ª e Srs. Deputados: A luta das mulheres pela igualdade de direitos, nos planos civil, económico e político, é mais do que centenária e é sabido que ela não encontra ainda realização plena e totalmente satisfatória na prática social de quase todos os países.
A pretensa ligação dessa igualdade com o progressismo ideológico veio a revelar-se crescentemente um mito, aparecendo antes os avanços registados ao longo da história, relacionados com alterações culturais em diferenciados contextos culturais e religiosos.
Exemplos não faltam de revoluções, proclamando nos seus princípios fundadores os direitos da mulher e renegando-os na sequência nos seus aspectos concretos, não poucas vezes revogando disposições avançadas nos primeiros tempos revolucionários. Foi assim com a Revolução Francesa, com a Revolução Russa de 1917 e na generalidade dos casos.
Em Portugal, a Revolução Republicana conferiu o voto as mulheres com curso superior, secundário ou especial, em 1912, para logo lho retirar em 1913. Nunca foram suficientes as alterações políticas. Houve sempre que esperar pela evolução cultural da sociedade onde Portugal se insere.
Com os países protestantes claramente na dianteira, a Europa e os Estados Unidos foram alterando mentalidades e consagrando progressivamente a igualdade dos direitos da mulher nos vários planos da vida social. Mas é um facto reconhecido que a evolução nas disposições legais vai à frente da prática registada na sociedade. Consagra-se a igualdade, por exemplo, no acesso ao trabalho e verifica-se que há actividades profissionais ou emprego em

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algumas empresas que estão, na prática, ainda vedados às mulheres. Consagra-se a igualdade de direitos políticos, mas a proporção de mulheres nos órgãos do poder político, em todos os seus níveis, continua a ser diminuta. Veja-se, por exemplo, que nos Estados Unidos da América, que reconheceram o direito de voto em termos nacionais às mulheres em 1919, isto é, 50 anos antes de Portugal o fazer, se continua a verificar que o debate em torno da igualdade de direitos ainda não terminou e a emenda constitucional que a consagra ainda não encontrou maioria parlamentar em nenhum Estado para ser regulamentada e levada à prática.
Se é assim nos países que social, económica e civicamente estão mais avançados, não é de admirar que a data que hoje assinalamos, e que há 91 anos se comemora internacionalmente, continue a dar ocasião a que se chame a atenção para o desacordo que existe entre o que está legalmente exposto e a prática de todos os dias.
O CDS, que, mais uma vez, não conseguiu eleger nenhuma das suas candidatas a esta Assembleia, continua a entregar a um Deputado a incumbência de se associar a esta ocasião e, em nome das mulheres centristas, juntar a sua voz aos outros grupos e partidos nessa chamada de atenção.
Fazemo-lo na consciência de que, em Portugal, pouco mais há a fazer no domínio legal e constitucional, tendo em atenção o que diz a Constituição, em matéria de Direitos, Liberdades e Garantias, e o Código Civil, depois da revisão de 1978.
Portugal - pode dizer-se - é, na matéria, dos países mais avançados do mundo. Mas muito do que há a fazer na sociedade portuguesa para a tradução efectiva do que está nos preceitos jurídicos é uma realidade que não pode negar-se. Essa será uma batalha cívica e social, predominantemente cultural; será, portanto, um combate também político.
Não quero terminar esta curta intervenção sem prestar uma homenagem às mulheres timorenses, cuja força moral está seguramente na base do espírito de resistência com que o seu povo luta pelas suas identidade, dignidade e liberdade.
Para elas e para as mulheres portuguesas, que a elas se juntam em espírito, nesta hora de continuada ansiedade e esperança, não pode deixar de ir o nosso pensamento.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.

A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Participar em igualdade» não e um mito, não é uma quimera, não é uma utopia. É um anseio profundo e sério que une as mulheres deste país e de lodo o mundo. A participação em igualdade, parte integrante do viver em democracia, exige a intervenção da mulher na vida política e social e, como factor de desenvolvimento, uma maior responsabilização das mulheres nos centros de decisão, em todas as instâncias e a todos os níveis.
«Participar em igualdade» é um desafio a nós próprias, ao afirmarmo-nos como cidadãs activas e intervenientes na vida económica, política e cultural, protagonistas num processo de mudança social em que a diferença não seja encarada como razão de desigualdade mas, sim, como factor de enriquecimento e humanização da sociedade.
«Participar em igualdade» é garantir às mulheres o exercício da igualdade em todos os domínios da vida! É eliminar todas as formas de discriminação no trabalho, na sociedade e na família!
Bem diversa é a realidade nacional. Essa é a grande constatação que não podemos ignorar ao assinalar mais uma passagem da data histórica do 8 de Março - Dia Internacional da Mulher.
Na realidade, a luta emancipadora da mulher portuguesa enfrenta sérios e profundos obstáculos em relação às conquistas alcançadas pelo regime democrático de Abril e alguns retrocessos em relação a muitos dos seus direitos.
Sérios e profundos obstáculos quando, segundo os dados do último trimestre de 1991 do inquérito ao emprego, a taxa feminina no acesso ao mercado do emprego mantém valores escandalosamente baixos e mais acentuados ainda nas profissões médias ou superiores, nos cargos de chefia e de gestão. Nas profissões científicas, relativamente à estrutura geral de emprego, 11,9 % são mulheres e em cargos de chefia e direcção representam apenas 0,8 %.
Na análise à distribuição de mulheres empregadas por sector de actividade verifica-se que 20,2 % trabalham na indústria e 20,5 % na agricultura; mais de metade (54,4 %) trabalha no sector terciário, onde nos últimos anos se verificou um crescimento do emprego feminino, geralmente em postos de trabalho menos qualificados, menos remunerados e menos seguros. A nível geral, a remuneração média de base mensal recebida pelas mulheres é claramente inferior à do homem.
Na situação de precarização que atinge largas camadas de trabalhadores, em consequência da política, errada e injusta, protagonizada pelo Governo de Cavaco Silva, são as mulheres as mais atingidas. Os salários em atraso atingem maioritariamente o sector feminino.
Na indústria têxtil, em que 60 % da mão-de-obra é feminina, a grave situação registada nas empresas do Vale do Ave, a longa lista de empresas, sobretudo nos distritos de Braga, Porto, Lisboa e Setúbal, e os despedimentos colectivos verificados são, sobretudo, de mão-de-obra feminina.
Na indústria transformadora, dos têxteis, da cortiça, eléctrica e de conservas vivem-se momentos difíceis, como na Seagate, na Automática Eléctrica Portuguesa, na Siemens e em muitas outras empresas, sendo as mulheres as principais vítimas.
No mercado de trabalho, a nível geral, mais de 22% das mulheres activas que trabalham por conta de outrem estão na situação de contratadas a prazo.
O analfabetismo e o baixo nível escolar da população portuguesa apresenta igualmente sinais claros de discriminação - também aqui a maioria são mulheres!
Esta dura realidade é bem elucidativa da hipocrisia do poder político quando na recente campanha eleitoral o PSD prometia «a igualdade de oportunidades», mas é às mulheres que o Governo faz pagar a maior factura do pseudodesenvolvimcnto.
Acresce, ainda e sempre, em prejuízo da mulher, o não cumprimento das leis da maternidade e da paternidade, a falta de fiscalização da sua aplicação, a ausência de uma informação sobre os direitos e as leis que os consagram.
Ao mesmo tempo, liquidam-se e esvaziam-se organismos empenhados na luta pela igualdade mulher/homem, nomeadamente com a liquidação da Comissão Parlamentar da Condição Feminina e, recentemente, com a transferência da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres da tutela do Primeiro-Ministro para o Ministro do Emprego e da Segurança Social.
A discriminação é paradigmática quando é o próprio Governo a promover a discriminação das mulheres trabalhadoras, ao decidir denunciar a Convenção 89 da OIT, que proibia o trabalho nocturno das mulheres na indústria, e ignora a discriminação sexista praticada pelo Banco Comercial Português.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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11 DE MARÇO DE 1992 1143

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na mensagem comemorativa do Dia Internacional da Mulher, Butro Butros-Ghali, Secretário-Geral das Nações Unidas, ao mesmo tempo que exortava «os governos, as organizações não governamentais, os grupos comunitários e as pessoas em todas as partes do mundo, a intensificarem os seus esforços para assegurar a igualdade entre homens e mulheres de forma a que, como parceiros iguais, lutemos lado a lado por um planeta economicamente sustentado», afirmava que «diminuiu sensivelmente o ritmo do progresso havido na promoção das mulheres, e, na prática, o fosso entre a igualdade perante a lei e a igualdade na vida real não deixou de aumentar».
Como é dolorosa esta mesma conclusão para o panorama nacional. Juntamos a sua à nossa voz!
As mulheres portuguesas, nesta data e sempre, tem lutado, e continuarão a lutar, pelos seus direitos conquistados.
Nas lutas que se têm travado de norte a sul do País, pelo aumento de salários, pela dignificação das carreiras, pela redução do horário de trabalho, contra os despedimentos, contra o encerramento das empresas, pelo acesso ao ensino, contra a imposição de tectos salariais, as mulheres ocupam a primeira linha e são disto consequência e agentes de transformação.
As comemorações do Dia Internacional da Mulher, que envolveram inúmeras organizações femininas, estruturas sindicais, autarquias e outras instituições, felicitaram e saudaram as mulheres que, em Portugal lutam pela participação em igualdade e pelo fim da discriminação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - É possível inverter a situação e obrigar a cumprir e fazer cumprir as leis da República e exigir do Governo a criação das condições materiais, sociais e culturais que garantam a igualdade que a Constituição consagra.
Disso as mulheres estão convictas e conscientes.
Daqui saúdo em especial as organizações femininas não governamentais - muitas aqui hoje presentes nas galerias da Assembleia da República -, que pelo seu empenhamento e intervenção se têm destacado no aprofundamento da problemática feminina, na acção de informação dos direitos das mulheres e na consciencialização da importância da sua participação na reivindicação dos seus próprios direitos.

Aplausos do PCP, do PS, de Os Verdes e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.
A estas organizações femininas é devido o estatuto de parceiro social. Este é um dos desafios que se coloca aqui, hoje, na ordem do dia. Que a sua aplicação seja um símbolo e o testemunho do empenho da República na concretização efectiva da igualdade dos direitos da mulher na sociedade e no trabalho.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa solicitou aos serviços competentes da Assembleia que fosse oferecida a cada uma das mulheres que trabalham no Hemiciclo, a começar pelas Srs.ªs Deputadas, passando pelas funcionárias e jornalistas, uma flor.
É o nosso gesto simbólico de homenagem à tal mulher, nossa companheira no trabalho e na vida!

Aplausos gerais.

Pausa.

Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes.

A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (PS): - Sr. Presidente, em meu nome pessoal e, julgo, de todas as Deputadas que acabaram de ser agraciadas com este símbolo por parte do Sr. Presidente, os nossos agradecimentos por esta homenagem.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Éramos várias centenas as mulheres que, no passado dia 8, nos reunimos no Instituto Franco-Português para, a convite do Centro de Informação das Nações Unidas e das 21 das organizações não governamentais, que constituem o Conselho Consultivo para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, celebrarmos o Dia Internacional da Mulher.
O tema de reflexão que nos congregou foi a mesma tríade que hoje, aqui, em nome do Grupo Parlamentar Socialista, me proponho abordar - mulheres, ambiente e desenvolvimento. E faço notar que foi com grande surpresa e algum justificado orgulho que as organizações não governamentais de mulheres se deram conta de que a sua celebração, do dia 8 de Março, terá sido em Portugal a primeira mobilização significativa da sociedade civil em torno da preparação da grande Conferência do Rio de Janeiro.
Todos sabemos que a articulação dos temas ambiente e desenvolvimento não foi, e não é ainda, uma escolha pacífica na mesa das negociações entre os Estados.
Está a decorrer este mês, em Nova Iorque, a IV Reunião Preparatória da «Cimeira da Terra» e ainda não foi possível conciliar posições que desde o início se revelaram contraditórias.
Enquanto os países ricos desejariam que da agenda final da Conferência constassem, sobretudo, as questões ambientais que mais directamente os afectam, os países do Sul tem-se batido corajosamente pela sua própria agenda, uma agenda que, questionando os modelos de produção e de consumo internacionalizados pela chamada «ideologia do mercado», propõe estratégias concretas de aliança entre o Norte e o Sul, em ordem a que os impasses presentes sejam ultrapassados e a responsabilidade planetária prevaleça sobre os interesses e o egoísmo dos que têm mais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Celebramos o dia da mulher e a questão que nos é colocada é a de saber como se posicionam especificamente as mulheres - à escala do planeta como no nosso país - face às questões do ambiente e do desenvolvimento.
Poderá parecer repetitivo, mas continua a ser inevitável começar por colocar as mulheres como as primeiras vítimas do subdesenvolvimento. É que elas o são, de facto, e nem as gritantes denúncias feitas, ao longo dos anos, pelas agências da ONU e outras organizações internacionais conseguiram ainda vencer a falta de vontade política dos Estados membros em ultrapassar esta situação.
As mulheres são o grupo social estatisticamente mais pobre e também o grupo que menos usufrui dos benefícios do progresso, quer pela dupla tarefa que socialmente carregam e que a entrada maciça das mulheres no mundo do trabalho não fez senão acentuar, quer pela situação de marginalização face ao poder em que se encontram e que a conquista da igualdade formal perante a lei não conseguiu ainda superar.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Mas as mulheres não são apenas vítimas. É isso que nesta comemoração do 8 de Março nos interessa sublinhar.

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Apesar de todos os entraves à visibilidade da sua intervenção, as mulheres sabem que são, podem e devem ser sujeitos activos e agentes decisivos das transformações e inovações necessárias, da introdução de novas aspirações e comportamentos, da busca de novo paradigma científico e tecnológico que orientará, como condição de sobrevivência, as escolhas políticas do próximo século.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Nos anos setenta e oitenta coube aos movimentos de mulheres a reivindicação dos seus direitos e a luta pela igualdade de acesso à educação, ao trabalho e à dignidade de vida.
Hoje, os movimentos de mulheres querem mais: querem participar; querem intervir activamente na mudança social e cultural; querem ousar ser diferentes e fazer ouvir a voz da diferença nos lugares e posições que, muitas vezes a pulso de ferro, souberam conquistar.
Estudos recentes confirmam que certos aspectos da identidade e da situação das mulheres se revelam hoje fundamentais para uma nova abordagem da equação ambiente/desenvolvimento. As mulheres foram durante muito tempo identificadas com a natureza: eram olhadas com desconfiança, porque a sua sabedoria se situava naquela zona obscura das forças naturais que o poder masculino não conseguia domar. Hoje esse handicap é olhado como uma vantagem: as mulheres militam na vanguarda dos movimentos ecológicos e aí se têm revelado portadoras de um discurso próprio, propondo como alternativa ao deturpado paradigma bíblico do «domínio sobre a Terra» um paradigma novo de solidariedade e comunhão.
Do mesmo modo, às mulheres sempre foi reconhecida uma relação própria com o futuro: são elas, como mães, as principais responsáveis pela continuidade das gerações, pela salvaguarda da vida, pelo bem-estar dos filhos dos seus filhos. Ora, se assim é, não terão as mulheres uma autoridade acrescida para falar em nome das gerações futuras?
É ainda importante sublinhar que a própria atribuição às mulheres de aptidões particulares para o cuidado e para a responsabilidade pelos outros seres - virtudes que, através dos tempos, foram um apanágio dúbio da feminilidade - está, no nosso tempo, a ser revalorizada, quando não exigida, pelos movimentos de defesa da paz e do ambiente. Por isso, cada vez mais as mulheres assumem hoje como trunfos históricos capacidades suas que no passado foram genericamente menosprezadas, para não dizer ridicularizadas. Elas sabem que a vida as aproximou, por dentro, da «circularidade do real» que as teorias da complexidade hoje proclamam e têm consciência de que as suas capacidades de dar atenção a muitas coisas ao mesmo tempo e atender aos múltiplos aspectos do quotidiano poderão vir a traduzir-se, na ciência e na gestão política, em novas formas de interligar fenómenos, de estabelecer conexões, de identificar articulações entre problemas.
Porque as mulheres se movimentam nas interfaces do real, porque os seus universos são simultaneamente o privado e o público, porque elas experimentam as margens como lugar de comunicação entre realidades diferentes, as mulheres têm hoje uma consciência crescente de representar, na sociedade, um potencial inexplorado e inédito de que o futuro não pode prescindir.
Poderá isto parecer exagerado quando a complexidade dos problemas com que nos confrontamos nos deixa a todos - homens e mulheres - com um sentimento crescente de impotência. A aposta das mulheres é, no entanto, de grande ousadia.
No Congresso Mundial das Mulheres para um Planeta São, que teve lugar na Florida, de 8 a 12 de Novembro, as 1500 mulheres participantes, de 83 países, formularam a sua agenda para o século XXI. Da extensa lista de recomendações feitas, destaco algumas.
O que querem, afinal, as mulheres?
As mulheres querem (e vou usar algumas expressões da referida agenda) que os documentos finais do Congresso do Rio de Janeiro incluam uma declaração sobre «o impacte destrutivo do militarismo no ambiente, no desenvolvimento e na humanidade e proponham medidas para a transferência dos vastos recursos militares existentes no mundo para programas positivos que reforcem a vida».
As mulheres querem que as Nações Unidas e os governos reexaminem a dívida dos países pobres em relação ao Hemisfério Norte, introduzindo, como contraponto, a noção de dívida ecológica do Norte em relação ao Sul, dívida relativa à exploração dos recursos naturais daqueles países desde 1945 e também à elevada percentagem com que os países industrializados contribuem para o aquecimento do clima, para a diminuição das espécies biológicas e para a poluição do ar, da água e do solo.
As mulheres querem contribuir para a elaboração de uma perspectiva global do desenvolvimento que tenha como referencia absoluta a defesa da vida e de todos os sistemas que a sustentam, numa lógica mais cooperativa do que competitiva e mais interdependente do que proteccionista, baseada em critérios de justiça planetária e não no eufemismo da «ajuda ao desenvolvimento».
As mulheres querem, afinal, ver reconhecidos como direitos humanos básicos os direitos ao ar puro, à água potável, à terra fértil.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Como afirmou, em 8 de Março, no seminário promovido pelas organizações não governamentais de mulheres portuguesas, Maria de Lurdes Pintasilgo, «o desenvolvimento é, no nosso tempo, uma equação aberta, de múltiplas entradas, cada uma conduzindo a todas as outras. E essa equação tem um nome: sobrevivência».
Estamos conscientes de que, porque tudo tem a ver com tudo, não se pode falar de ambiente e desenvolvimento sem equacionar simultaneamente as grandes questões da população, da pobreza e do desperdício, dos padrões de consumo, das escolhas científicas e tecnológicas. São essas as grandes questões da contemporaneidade que preocupam o Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Acreditamos que para a sua resolução o contributo das mulheres se revela cada vez mais imprescindível.
As mulheres sabem, as mulheres querem, as mulheres podem. Mas terão elas os meios necessários para passar da palavra à acção?
Em Portugal, segundo resultados de um inquérito ao emprego, publicados pelo INE relativamente ao terceiro trimestre de 1991, as mulheres são 54,2% dos «profissionais científicos e liberais», mas apenas 13,5 % dos «directores e quadros superiores administrativos». Isto para não falar dos dados relativos aos postos de decisão política e aos órgãos de soberania, onde a representação quantitativa das mulheres continua a ser escandalosamente baixa.
Queremos um país, uma Europa e um planeta onde se possa preservar a confiança no futuro? As mulheres que aqui representamos estão prontas e preparadas para defender essa esperança; possam elas dispor da margem de intervenção necessária para que a sua vontade se converta na certeza de um mundo melhor.

Aplausos gerais.

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O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr." Deputada Margarida Silva Pereira.
Quando se dirigia à tribuna para proferir a sua declaração, a oradora confiou ao Sr. Deputado Manuel Queiró a flor que lhe havia sido oferecida.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também eu agradeço a amável oferta feita a mim própria e às restantes Sr.ª Deputadas do meu grupo parlamentar, tendo-me permitido, no entanto, partilhá-la, pelos minutos da minha declaração, com o Sr. Deputado Manuel Queiró, que aqui fez uma intervenção sobre uma questão que, afinal de contas, é de todos nós.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No século V a.C. foi Antígona quem protagonizou a ideia mais forte do pensamento político ocidental, que veio a ser matriz do Estado democrático: a ideia do ser humano criador de regras sociais e jurídicas diversas das existentes e que se podem opor àquelas, a ideia de que a cada pessoa compete em certos momentos ganhar distância face ao ordenamento social e político e meditar sobre a legalidade a que deve sentir-se obrigada.
Recorde-se brevemente a História.
Dos dois irmãos mortos no mesmo dia, um, Eteocles, combatia pela cidade de Tebas e o outro, Polinices, atacava-a. Por isso, o novo rei e tio de ambos, Creonte, manda que ao primeiro se prestem as honras fúnebres e ao segundo não, sob pena de morte para quem tentar fazê-lo.
Antígona invoca a norma segundo a qual a nenhum cadáver se deve fazer o opróbrio da insepultura e opõe-se à vontade do rei.
Curiosamente, Sófocles constrói a personagem de Antígona e o acto de criação jurídica e política a que ela dá corpo no feminino. Constrói-a realmente no feminino. Antígona não é, de facto, uma personagem mítica em Sófocles, com vago rosto de mulher: é, antes, uma mulher real que medita sobre as consequências familiares e sociais de uma conduta como a sua. «Nem que tivera filhos e meu marido estivera moribundo - afirma ela a Creonte - eu deixaria, contra a vontade do povo, de desempenhar este doloroso papel.»
Sublinhe-se a antinomia.
No plano teórico e estético, a cultura ocidental não hesitou em encarnar numa mulher o momento nobríssimo em que o ser humano se ergue acima do seu conflito individual sobre a obediência à lei e se reconhece como criador de uma lei válida.
Mas só no plano teórico e estético. A vivência material e prática foi quase sempre bem outra, muito mais próxima, aliás, do destino concreto da própria Antígona na tragédia: a sua norma não se impõe e ela sofre a sanção da norma concebida por Creonte.
A personagem silenciada e sacrificada de Antígona tem elos fortes com a imensa galeria de mulheres que ao longo dos tempos cumpriram leis que não fizeram e muito menos desejaram. Mulheres que, todavia, trabalhavam lado a lado com os homens e pelo menos tanto como eles próprios.
O 8 de Março de 1857 em Nova Iorque, que o Dia Internacional da Mulher homenageia, recorta um dos infindáveis episódios dessa parte da História.
No entanto, a mesma civilização ocidental, que se assumiu, até há bem pouco, castradora da participação cívica e política das mulheres, registou uma constante presença feminina no mundo da cultura, não uma presença qualquer, mas uma presença de muito alto nível.
Isto acontece sobretudo na literatura. Para fazer poesia - diz Sofia de Melo Breyner, explicando este fenómeno - basta ter a inspiração e depois um papel e um lápis. Não se requerem especiais conhecimentos de matemática, física ou economia. Acrescente-se: muito menos se requerem para esse efeito hábitos de intervenção política, se bem que possam ser um estímulo (depende da poesia).
Era o reduto possível da manifestação do talento em tempos de parco acesso ao ensino em geral.
Mas o advento do Estado democrático traz uma mutação essencial a este panorama. Afastados alguns equívocos - afastada, principalmente, a tese jacobina que identificava a vontade soberana do povo com uma vontade geral, abstracta e transcendente, que prescindia da vontade real dos cidadãos e, por isso, da sua concreta identidade -, o governo democrático torna cada ser humano um potencial participante nas esferas de decisão. O poder democrático não se reduz agora a uma questão de mera autoridade ou de vontade, ainda que seja a autoridade ou a vontade da maioria. Ele exige de cada pessoa uma atitude idêntica à de Antígona: crítica e criadora. No essencial, a democracia é o governo através da discussão e todo o processo de decisão nela contido exige consensos, persuasão, intercâmbio de reflexões.
Com Alf Ross, pode dizer-se que são as «formas de compromisso e de unificação que colocam a democracia sob um sistema de valores». Cada sujeito e assim chamado a ser advogado e juiz, a propor e a julgar. A atitude voluntarista de Antígona é agora, pura e simplesmente, uma exigência da integração democrática de qualquer ser humano, uma atitude estimulada, pois, pelo poder político.
Momento simbólico desta integração e participação no feminino é a reforma do Código Civil em 1977, que traduziu na lei ordinária o princípio constitucional da igualdade perante a lei e recortou o Direito da Família e o Direito das Sucessões numa perspectiva dignificadora da mulher e da mãe.
Dessa reforma do Código Civil foi inspirador o trabalho científico e o combate político de Elina Guimarães, recentemente desaparecida, cujo talento o pós-25 de Abril tão pouco aproveitou e que nunca foi conselheira de Estado, nem ministra, nem deputada. O imperativo de lembrar o seu nome justificaria, só por si, que se inscrevesse a comemoração de hoje na agenda desta Casa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação das mulheres mudou, de facto, em Portugal com a democracia e continuará a mudar na razão do progresso que formos capazes de continuar a desenvolver.
Hoje, apesar das discriminações que sobrevivem, o acesso à educação é muitíssimo maior. Muitos cursos superiores têm mesmo uma frequência maioritariamente feminina.
Hoje, o acesso ao emprego em geral e a profissões diferenciadas não é comparável com o que se registava há alguns anos atrás.
Hoje, a intervenção cívica e política das mulheres é teórica e mesmo efectivamente possível.
Ocorre então perguntar: continuará a justificar-se uma opção política de estímulo à democracia paritária? Não bastará antes confiar no tempo e na sua capacidade de alterar progressivamente o que está mal e de afastar, só por si, as situações discriminatórias?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao tomar a iniciativa de agendar esta sessão comemorativa do Dia Internacional da Mulher, o Partido Social-Democrata vinca com muita clareza

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a sua posição relativamente às interrogações que foram enunciadas. Ela baseia-se no entendimento de que a democracia paritária depende também de uma forte vontade política aceleradora da mudança. Baseia-se no entendimento de que é muito mais eficaz definir uma estratégia dirigida à igualdade de oportunidades do que esperar por uma longa e parcialmente aleatória evolução das mentalidades e das instituições entregues a si próprias.
É que as formas de discriminação que ainda existem são, se bem que cada vez-mais diminutas, também mais insidiosas e subtis. A clarividência em relação às desigualdades perde-se um tanto neste tempo de leis formalmente igualitárias e práticas anti-igualitárias inteligentemente dissimuladas.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Elas inculcam-se através dos media e dos próprios formadores de opinião.
Por outro lado, a participação política das mulheres não é fácil em nenhuma instância e a sua actividade dentro dos partidos políticos conhece ainda ostracismos dificilmente erradicáveis. E as solidariedades familiares, profissionais e políticas que nós, mulheres, neste tempo de tendencial igualdade e fraternidade, estimulamos acabam por armadilhar o reconhecimento da discriminação onde ela efectivamente existe.
Assim, faz-se luzir a necessidade política de mudar, uma necessidade que deve ser reconhecida pelo maior número possível de cidadãos e de instituições políticas.
Se alguma questão desaconselha as barreiras ideológicas que tradicionalmente dividem o tratamento dos problemas políticos, e esta questão.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Sc alguma questão exige que se forme um sólido movimento de opinião pública para que se crie uma consciência generalizada da sua importância é esta questão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O muito que se tem avançado na construção da igualdade de oportunidades e da democracia paritária atinge sobretudo os sectores profissionais. Neste domínio, a sociedade civil está ganhando a partida face à esfera do político.
Aí, no terreno profissional, a própria singularidade dos exemplos mais importantes de mulheres que «fazem escola» acaba por constituir um estimulo que não se quer perder. É o caso de Laura Ayres, que faleceu tão recentemente e a quem em boa hora se confiou para liderar um trabalho espinhoso - a estratégia de combate a uma doença terrível pelas suas consequências directas e pelas tremendas e ainda não totalmente previsíveis consequências sociais que origina. Foi exemplo de serenidade, determinação e autoridade nesse trabalho; exemplo de virtuosismo no discurso, difícil, que soube construir neste domínio; exemplo, por este último aspecto, pelo discurso que soube construir, para muita gente, para o próprio discurso político.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É a sociedade civil que lidera hoje a participação mais diferenciada das mulheres em Portugal. Não quer isto dizer que a intervenção política esteja estagnada. Quer dizer apenas que não foi ainda tão longe.
Por isso, quando se tenta prever o futuro, muitas são as incógnitas e estas sugerem muitas mais especulações. Sabe-se que a intervenção crescente das mulheres, que não é pior nem melhor que a dos homens, mas diferente, vai, por isso mesmo, provocar alterações sociais qualitativas. Há quem se entusiasme e construa já minuciosas previsões. Também há quem tenha medo... e há quem faça sobre isto ironia.
Em A Rosa e o Gládio, é verdade que a dupla Astérix-Obélix é a salvadora das mulheres emancipadas (ou emancipáveis) da aldeia. Mas a última palavra, tem-na uma criança feminina: ela diz que quer crescer depressa para mandar na aldeia e neles todos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Muito pouco mais podemos ainda fazer do que especular sobre o sentido que a crescente participação das mulheres há-de imprimir a este nosso mundo.
Mas existem já alguns dados. As intervenções disseminadas, dispersas, ao nível do poder político, a integração profissional mais consistente e a sempre presente intervenção cultural contribuem para a formação de novos códigos de conduta que aos poucos se estão a evidenciar. E uma espécie de cartilha consuetudinária sobre as novas atitudes e as novas expectativas dos cidadãos numa sociedade que por esta via também muda.
A aplicação dessa cartilha consuetudinária tem já traços conhecidos. São os traços de uma vivência mais plural, mais diversificada, que o mesmo é dizer dotada de mais riqueza humana.
Não sabemos onde poderá conduzir. Penso que não é tempo de arriscar previsões. É apenas tempo - e bastante - de reconhecer que esse caminho é seguramente um caminho extremamente estimulante.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de entrarmos no segundo ponto da ordem de trabalhos, a Mesa irá proceder a dois pequenos actos, o primeiro dos quais é a leitura, que farei de imediato, de uma declaração conjunta apresentada e assinada por Deputados dos diferentes grupos parlamentares, a qual vem na linha do que há pouco foi adiantado pelo Sr. Deputado Narana Coissoró.
Tal declaração, que agora formalizo perante a Assembleia, é do seguinte teor:

Declaração conjunta

Na sequência das resoluções aprovadas sobre a situação que se vive em Timor Leste e a poucas horas da entrada do Lusitânia Expresso em águas territoriais, a Assembleia da República:

1) Saúda os propósitos pacíficos e humanistas da «Missão Paz por Timor;
2) Manifesta a sua solidariedade à coragem dos jovens que integram a Missão e deseja-lhes êxitos no propósito de colocação de flores no cemitério de Santa Cruz;
3) Recorda à comunidade internacional que a Indonésia não tem legítima jurisdição sobre as águas territoriais de Timor Leste [conforme deliberações da ONU] e que, em qualquer caso, não se lhe reconhece nenhum direito de interferência no trânsito do Lusitânia Expresso, uma vez que a viagem não constitui qualquer perigo, risco ou acto susceptível de censura pelo Direito Internacional;

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4) Apela mais uma vez à comunidade internacional para que não fique insensível a esta Missão e compreenda, de uma vez por todas, que urge a adopção de medidas concretas para repor o respeito pelo Direito Internacional, pelos Direitos do Homem em Timor Leste e pela sua autodeterminação.

Aplausos gerais, de pé.

Verifica-se, pelos aplausos dos Srs. Deputados, que é mesmo uma declaração conjunta!...
O Sr. Secretário vai agora dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de um Deputado.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Srs. Deputados, o aludido relatório e parecer, com o n.º 22, da Comissão de Regimento e Mandatos respeita à substituição da Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, no período compreendido entre 7 e 21 de Março corrente, pelo Sr. Deputado Fernando Gomes Sá, solicitada pelo Partido Socialista.
A Comissão, em reunião realizada no dia 10 de Março de 1992, entendeu que a substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação o parecer que acabou de ser resumido.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos de imediato proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, passamos à discussão conjunta, na generalidade, dos seguintes projectos de lei, aos quais devem acrescer alguns outros que, embora não figurando na ordem do dia de hoje, também poderiam ser apresentados, conforme combinado, na presente sessão: projecto de lei n.º 90/VI (PSD) - Apoio a crianças nascidas em famílias monoparentais; projecto de lei n.º 100/VI (PCP) - Reforça os direitos das associações de mulheres; projecto de lei n.º 103/VI (PEV) - Alteração da imagem feminina nos manuais escolares, e projecto de deliberação n.º 20/VI (PS) - Constituição de uma comissão eventual para a igualdade de direitos e participação da mulher.
Para uma intervenção, destinada à apresentação do primeiro dos projectos de lei referidos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Luísa Ferreira.

A Sr.ª Maria Luísa Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma vez mais retomamos hoje a reflexão sobre as questões do estatuto da mulher e da promoção da igualdade, mulher que bem merece que, ao menos uma vez por ano, os seus problemas, os seus anseios e sobretudo os seus direitos sejam objecto de reflexão mais profunda e de acções mais visíveis, com vista à harmonização do seu lugar numa sociedade que se quer ao mesmo tempo justa e equilibrada.
A esta Câmara, lídima representante do povo português, fica bem assumir as suas responsabilidades, debruçar-se sobre as questões que afligem as mulheres, elas próprias maioria do povo que representamos, e actuar, através de legislação adequada, para combater as injustiças que ainda por aí vão campeando, ora de forma crua e visível, ora encoberta e envergonhadamente.
É este o espírito da iniciativa legislativa que hoje submetemos à apreciação de VV. Ex.ªs, com objectivos que se inserem no âmbito alargado da igualdade de oportunidades, da solidariedade e da justiça social.
Consciente de que a progressiva mudança de mentalidades e atitudes passa, decisivamente, pela educação e informação, pelo crescimento económico e o progresso social, o PSD definiu, no seu manifesto eleitoral, maioritariamente sufragado pelo povo português e no programa do XII Governo Constitucional, as políticas conducentes à mudança que se impõe.
Mas, para além das políticas globais e sectoriais ora em execução, que, estamos certos, conduzirão a uma alteração de comportamentos gradual mas persistente e segura, o PSD definiu também medidas em favor de grupos mais desfavorecidos e com insuficiente protecção social, como é o caso vertente neste projecto de lei, cujo objecto principal é a criança nascida em situação de especial carência económica, mas também, naturalmente, a mulher, pela acrescida vulnerabilidade do momento da maternidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O estado de desenvolvimento social de um povo e o seu bem-estar bem podem medir-se pelos cuidados que presta às suas crianças, não só ao longo do seu crescimento mas, desde logo, nos primeiros tempos da sua vida. De facto, sem pretendermos subvalorizar a importantíssima presença do pai, tantas vezes ausente, o certo é que a criança vai mal quando se dissocia da mulher, sua mãe, tanto do ponto de vista da sobrevivência física, como no seu equilíbrio afectivo, que deve garantir a estrutura verdadeiramente humana do jovem e do adulto.
Não é, pois, questão dispicienda, nesta Europa das Comunidades, dar atenção a um grupo de famílias que, não sendo ainda objecto de qualquer política específica ou estratégia coerente, conta apenas com o apoio de algumas medidas isoladas e dispersas para minorar as dificuldades da sua frágil situação. Referimo-nos de forma geral às famílias monoparentais e, de modo muito especial, às famílias monoparentais com mãe solteira, que, em certas camadas da população portuguesa, vivem em pobreza extrema e, por vezes, mesmo abaixo dos limites da sobrevivência.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Falamos, Sr. Presidente, Srs. Deputados, de famílias onde a criança nascida de mãe adolescente, só e sofrendo grandes carências, é discriminada logo no momento em que nasce. Criança essa a quem a Constituição da República assegura, no seu artigo 13º, que não pode ser prejudicada em razão de situação económica.
Falamos também da jovem mulher, por vezes quase criança, que, sem idade para contrair vínculo laboral, não é por isso objecto de qualquer protecção especial na situação de maternidade. Falamos, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de dois seres humanos desprotegidos e carentes de solidariedade em momento de suas vidas em que deveria imperar a alegria, mas que, quantas vezes, é apenas de angústia, incerteza e abandono.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Não é pois de estranhar que em países onde direitos humanos e justiça social não são palavras vãs e, naturalmente, nos órgãos próprios da Comunidade

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Europeia se analise o caso específico destas famílias, se equacionem os seus problemas, se busquem para eles soluções justas e adequadas
É assim que no último parecer do Comité Económico e Social das Comunidades, adoptado em 31 de Outubro de 1991, é reafirmado que as famílias monoparentais constituem um grupo em desvantagem mais exposto a risco de pobreza, sobre o qual a Comunidade deverá tomar medidas, e se evidenciam problemas das mães solteiras. Cito: «As mães solteiras, embora constituam um menor grupo de chefes de família monoparentais, enfrentam problemas especiais. É, particularmente, o caso quando a mãe não completou uma formação geral ou não adquiriu quaisquer habilitações para trabalhar.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo necessariamente a criança e o seu desenvolvimento integral o fulcro das grandes atenções dos governos, nesta década precursora do milénio dos grandes desafios, não podem as instituições e os cidadãos alhear-se dessa ingente tarefa, nem tão-pouco deixar ao abandono situações específicas de quase marginalidade, em que a crianças e a jovens mães escasseia o essencial necessário à vida, que é seu direito fundamental. Antes deverão concertar esforços sustentados de compensação em favor de desprotegidos em circunstâncias tais, por forma a reduzir desigualdades e a reforçar a justiça social.
Tais são, Sr. Presidente, Srs. Deputados, os fins do diploma do PSD ora em apreciação, que será mais um contributo para a dignificação da pessoa humana, se, como esperamos, esta Câmara permitir que seja lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Deputada Maria Luísa Ferreira, o meu pedido de esclarecimento, dentro do tempo dê oito minutos de que dispomos para a discussão de seis projectos de lei, é, em primeiro lugar, para distinguir o vosso projecto de lei dos restantes. É, portanto, uma homenagem a este projecto e a quem o apresentou.
Naturalmente que não podemos deixar de estar de acordo com um projecto destes. Quem o não estará?! Mas, sem querer exagerar, pois, V. Ex.ª poderá dizer «por que e que não apresentou uma iniciativa legislativa com maior amplitude, por que é não se lembraram disso?» - não é isso que está em causa -, gostaria de saber a razão de duas ou três restrições que diminuem ou que «engarrafam» a resolução do problema das famílias monoparentais neste vosso projecto.
Em primeiro lugar, queria saber por que é que só as mães com menos de 21 anos são abrangidas por este projecto. A idade escolhida poderia ter sido os 18 anos, porque seriam abrangidas as mulheres menores, ou os 25 anos, por causa da maturidade, uma vez que a nossa legislação referente à família, para efeitos de adopção, de separação, de divórcio por mútuo consentimento, etc., adopta essa idade.
A nossa legislação de família adoptou os 25 anos, mas V. Ex.ª abandona este critério do nosso legislador civil, por qualquer razão certamente plausível, mas que desconheço, e escolhe os 21 anos. Só que poderia ter escolhido, se a razão é a maioridade ou a menoridade, os 18 anos de idade. Por que é que, entre os 18 e os 25 anos, V. Ex.ª escolhe os 21 anos e não os 22 ou os 20 anos?
Em segundo lugar, V. Ex.ª refere, já dentro deste círculo menor, a situação chamada de «carência económica», que é um conceito vago, para subsumir, como dizemos em direito, este conceito de carência económica. O que é a carência económica? Diz respeito àquela que come uma só refeição? Àquelas que têm 8000$ por mês? Às que têm menos que o salário mínimo nacional? Aos que têm dois salários mínimos nacionais? O que é a carência económica? Quem é que vai julgar a carência económica? É casuística?
Em terceiro lugar, refere-se também no vosso projecto a condição «sem ter vínculo laboral». Quer dizer todas aquelas pessoas que, por qualquer razão, tenham vínculo laboral são excluídas. Por que é que isto é restringido de tal maneira que é preciso ter um vínculo laboral? No fundo, a quem é que isso aproveita? Diz-se no vosso projecto «com menos de 21 anos, em situação de carência económica», que toda a gente e ninguém sabe definir o que é, e ainda «sem vínculo laboral». Pergunto: a quem é que isto aproveita e para que é que servem todos estes círculos concêntricos? É para dizer que, das famílias monoparentais, só uma pequeníssima parte deve ser beneficiada?

(O orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Luísa Ferreira.

A Sr.ª Maria Luísa Ferreira (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, em primeiro lugar, quero agradecer-lhe, muito sensibilizada, as palavras gentis que me dirigiu.
V. Ex.ª fez-me várias perguntas, uma delas sobre o vínculo laboral, outra sobre a idade escolhida, e começaria por referir por que é que restrinjo estes benefícios a estes requisitos. Como V. Ex.ª sabe, as mulheres que trabalham e que têm vínculo laboral fazem prestações para a segurança social e já estão por isso abrangidas por estes benefícios. As que não tem vínculo laboral é que estão completamente abandonadas.
Ora, serão naturalmente as mulheres mais jovens que não terão ainda o vínculo laboral e mais dificilmente conseguem esse vínculo. Foi para acorrer a esse grupo mais desprotegido que, pela razão da sua pouca idade, não têm ainda vínculo laboral - lembro-lhe que em Portugal nascem crianças fora do casamento, cujas mães têm idade inferior a 15 anos, e, evidentemente, essas mulheres não têm vínculo laboral...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Posso interrompê-la, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O que V. Ex.ª quer dizer não é que não têm vínculo laboral, mas que elas não são contribuintes da segurança social. Porque podem ter vínculo laboral sem que sejam contribuintes da segurança social.

A Oradora: - Mas, havendo vínculo laboral, com certeza que serão contribuintes da segurança social.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não é obrigatório que uma situação implique a outra.

A Oradora: - Isso será já uma situação em que se foge à lei e, evidentemente, quando se faz um diploma abrange-se o universo geral e não casos especiais.
Foi, portanto, para acudir a um grupo de mulheres que se encontram numa situação muito desprotegida que este projecto foi elaborado e exactamente por isso escolhemos

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os 21 anos. Os 18 anos pareceu-nos pouco, porque há muitas mulheres que não atingem tão rapidamente a maturidade e o seu período de adolescência estende-se muitas vezes para além dos 18 anos. Pareceu-nos, portanto, que 21 anos seria a idade em que se poderia socorrer um maior número de mulheres nessas condições.

Penso ter respondido a todas as questões que me colocou, Sr. Deputado Narana Coissoró.

(A oradora reviu.) Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para a apresentação do projecto de lei n.º 100/VI, do PCP, que visa reforçar os direitos das associações de mulheres, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, no início desta minha intervenção, desejava agradecer a V. Ex.", Sr. Presidente, o gesto de fazer a oferta de uma rosa a todas as Deputadas, que, mais não seja, me recordou os tempos da minha juventude, em que todos cantávamos o L'Importam c'est la rose, do Becaud e do Aznavour. E, por associação com a língua francesa, logo a seguir, recordei-me de Aragon, em La femme est l'avenir de l'homme. Por isso mesmo, foi gratificante recordar esses tempos.
Mas, ao mesmo tempo que me recordo desses belos momentos, também não posso, nesta minha intervenção, para a qual tirei algumas breves notas, deixar de recordar algumas visões absolutamente catastróficas sobre o futuro da humanidade. E precisamente vêm-me à memória um filme que vi logo a seguir ao 25 de Abril, chamado À Beira do Abismo, onde o realizador fazia um prenúncio da sociedade americana no ano 2000 e tal, em que as casas para as pessoas ricas eram arrendadas ou trespassadas juntamente com uma mulher para todo o serviço.
De facto, esta visão catastrófica pode deixar-nos algumas preocupações, na medida em que isto equivale a dizer que o pessimismo daquele realizador me fez anotar alguns sinais preocupantes de degradação da democracia e, com ela, de degradação da própria imagem e estatuto da mulher.
Não será também por acaso que, no panorama da nossa televisão - e creio ser suficiente, para dar uma ideia do marasmo existente, referir os concursos em que nada se tem de saber e onde apenas se tem de adivinhar -, tenha surgido recentemente num programa de variedades (penso que com um ar crítico e não para ofender) uma imagem que nos deixa algumas preocupações. Trata-se de publicidade a um automóvel, em que já nem sequer aparece o automóvel, pois não é preciso, aparecendo apenas uma mulher, identificada com uma coisa que não está lá mas que toda a gente adivinha o que é, enquanto uma legenda passa dizendo 1000 e tal contos, não sei quantas portas, etc., etc., mostrando-se a mulher, resfastelada, que se exibe para atrair a atenção do telespectador.
Penso que estes sinais, bem como alguns que considero um pouco tristes, que me fazem pena e que chegam a aparecer em decisões dos nossos tribunais - ainda recentemente foi revelado, num debate televisivo, um acórdão sobre a questão de uma mulher violada, que se queixou, em que um tribunal referiu como natural que a mulher tivesse atraído, digamos, a ofensa porque se passeava «em plena coutada do macho ibérico», e foi este o termo usado nessa decisão -, são, de certo modo, preocupantes mas não permitem que, de facto, daí se retire uma visão catastrófica do futuro da sociedade e da mulher.
Neste debate estamos a discutir apenas uma das iniciativas legislativas do PCP, relativa ao reforço dos direitos das associações de mulheres. No entanto, não queria deixar de referir aqui uma outra que, apesar de ter sido apresentada antes do projecto de lei hoje em debate, por se tratar de legislação de trabalho, terá de ser objecto de consulta pública.
É uma iniciativa legislativa que parte do caso da descriminação feita no Banco Comercial Português e de uma proposta de directiva - sobre ónus de prova - que está pendente no Parlamento Europeu, na qual se pretende transferir para o nosso ordenamento legislativo a definição de descriminação indirecta, onde se propõem a inversão da prova e onde, com base no parecer da CIT sobre a discriminação do BCP, se propõem determinadas medidas para que, com mais facilidade, se possa averiguar os casos em que, de facto, há discriminações.
Registamos que o Sr. Provedor de Justiça, no parecer que emitiu, por solicitação do Sindicato dos Bancários, refere que, em sua opinião, o Decreto-Lei n.º 392/79 já contém todos os mecanismos que tornam possível accionar o BCP em relação à discriminação que pratica. Mas, ao mesmo tempo, sugere que se isso não for suficiente, então deve o Governo tomar as iniciativas legislativas adequadas.
Ora, em resposta a este parecer, o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social também disse, em despacho, que estava inteiramente de acordo com o parecer do Sr. Provedor de Justiça e que, portanto, entendia que não era preciso tomar quaisquer providências legislativas porque elas já existiam.
Porém, passado todo esse tempo, a Inspecção-Geral do Trabalho visitou o PCP e concluiu que não tinha, de facto, hipóteses de levantar auto algum. Assim, é nesse sentido que apresentamos esse projecto de lei e esperamos voltar ao Plenário para mais um debate sobre as questões de discriminação em relação à mulher, para defendermos o nosso projecto, aceitando, como é óbvio, todas as melhorias. Penso, aliás, que esta discussão deve ser tão ampla e participada quanto possível e é certo que, de facto, Deputados de todos os quadrantes políticos subscreveram um abaixo-assinado denunciando as discriminações no BCP.
Relativamente ao projecto de lei hoje em debate - até porque há coisas que podem não ser muito bem compreendidas e talvez seja possível que alguém esteja a interrogar-se ou a dizer «mas por que é que as associações de mulheres querem mais direitos?» -, gostava de realçar que as associações de mulheres ultimamente não têm sido devidamente compreendidas; admito que, num caso ou noutro, tenha havido, nesta nossa história pós-25 de Abril, um ou outro exagero que possa ter dado alguma imagem negativa sobre o papel das associações de mulheres. Mas, por isso mesmo, nesta minha intervenção, gostaria de referir um bocadinho, muito pouco, de história, no sentido de destacar, aqui, o papel importante das várias associações de mulheres desde o primeiro momento em que foram efectivamente criadas.
Começarei por sublinhar que, em nossa opinião, no Grupo Parlamentar do PCP, a luta das mulheres insere-se numa luta mais geral pela justiça social, na luta de todo o povo, dos homens, dos jovens e das raparigas, ou seja, situa-se dentro dos problemas mais vastos que a nossa sociedade, nestes finais do século XX, nos coloca.

Aplausos do PCP.

Peço desculpa, mais uma vez, mas nas leituras que fiz sobre estas questões, surgiu-me um poeta americano, James Oppenheimer, que, em 1912, sobre uma greve de moleiras

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no estado de Massachusetts, fez um poema em que di/ia: «À medida que marchamos [...] - estas são as palavras das moleiras - [...], lutamos também pelos homens, pois que eles são filhos das mulheres e nós somos novamente as suas mães. Os corações têm fome tal como os corpos, dai-nos pão mas dai-nos rosas.»
Possivelmente, o Sr. Presidente conhece este poema e por isso teve o gesto de, no início da sessão, distribuir rosas às mulheres presentes.
Mas, falando ainda no papel das mulheres nesta lula pela justiça social, referiria, por exemplo, em 1903, o movimento das vendedeiras ambulantes levado a cabo em Coimbra contra o imposto do selo, que paralisou quase por completo a cidade de Coimbra; organizaram piquetes nas estradas, com o auxílio dos camponeses, com o objectivo de impedir o abastecimento à cidade. Juntaram-se-lhes operários, carniceiros e outros e, ao todo, mais de 10 mil pessoas marcharam até à universidade para pedir apoio aos estudantes. A revolta transformou-se, então, num movimento de contestação à monarquia.
Este é um belo exemplo do papel importante da lula das mulheres, como também o foi, em pleno período da II Grande Guerra Mundial, com as ameaças que pairavam sobre toda a humanidade, em Almada, o movimento das mulheres que se manifestaram pela paz, que levou os guardas da GNR a recusaram-se a bater nas mulheres e nas crianças e, por isso, a serem espancados pelo tenente; os bombeiros de Almada e Cacilhas, chamados para actuar contra a multidão, recusaram-se, por sua vez, a usar as agulhas; no fim, as mulheres deitaram-se no chão para não deixar passar os guardas.
A esta homenagem, que desta forma quisemos prestar às mulheres portuguesas, associamos também as mulheres de outros países, como, recordo, Djamila Boupacha, uma combatente argelina contra a opressão no seu país e as mulheres timorenses - recentemente conheci uma, chamada Inocência; não sei se estará em Portugal, mas quero, de qualquer forma, saudar nela as mulheres timorenses que foram torturadas e estão a ser oprimidas.

Vozes do PCP: -Muito bem!

A Oradora: - Mas, gostaria - ainda a propósito das associações de mulheres -, para que não restasse qualquer resquício de sorrisos, de citar aqui o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, vítima da acção repressiva do Estado fascista, que vigiava toda e qualquer organização de mulheres que não defendesse a imagem da mulher como guardiã do lar, Conselho este que, na véspera da II Grande Guerra, estava reduzido a meia dúzia de pessoas, resistentes e lutadoras.
Mas os ventos da guerra despertaram as mulheres de todas as classes sociais para a luta; o Conselho perdeu o seu carácter elitista e uniu intelectuais, domésticas e operárias. Maria Lamas é, sem dúvida, o expoente máximo deste período áureo do Conselho. O regime tremeu!
A exposição de livros na Sociedade Nacional de Belas-Artes fez afluir uma multidão sedenta dos ventos da liberdade. Contestou-se o Conselho, com o argumento de que ele não era nacional, porque não eslava directamente ligado ao Governo ou sob sua orientação, após o que o regime fascista ordenou o seu encerramento; então, Maria Lamas processa o governo civil e ganha o processo, mas, em recurso, o Supremo Tribunal de Justiça anula a sentença e, demitindo-se do seu poder - o poder judicial -, remete a decisão para o Conselho de Ministros, o qual dissolve definitivamente o Conselho.
Poderíamos ainda falar da Associação Feminina Portuguesa para a Paz, criada em 1936, com o objectivo de auxiliar a defesa da paz mundial. Com o deflagrar da II Grande Guerra, o seu desenvolvimento projectou as actividades da Associação: os associados vinham de todas as camadas sociais; intelectuais e artistas trabalharam nesta associação de mulheres, como Abel Salazar, Lima de Freitas, Júlio Pomar, João de Freitas Branco, João Villaret, Manuela Porto, Isabel Aboim Inglês, Maria Lamas e Francine de Benoit. Elina Guimarães também passou pelas associações de mulheres.
Perante isto, creio que ninguém negará que muitos dos avanços conseguidos na sociedade portuguesa a elas se devem, não obstante a caricatura que muitas vezes se faz da mulher que é militante do movimento de mulheres e que castigou sobremaneira as sufragistas que apareciam como seres assexuados e bastante feias.
Apesar de toda essa propaganda, digamos assim, contra os movimentos de associação de mulheres, todos concordarão que estas organizações desempenharam um papel importante para levar às mulheres a consciência da luta contra a discriminação, no sentido de determinarem a conquista de mais direitos.
Gostaria ainda de acentuar o nome de Maria Veleda, pois parece-me ter tido uma posição extraordinariamente correcta na direcção do movimento feminino.
Posto isto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, por que não, neste final do século XX, considerar as organizações de mulheres como um parceiro social, com assento no Conselho Económico e Social, onde se analisam as políticas económica e social, e já hoje ouvimos a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes falar na feminização da pobreza, que é um facto? Por isso mesmo, é de realçar a importância de ter as associações de mulheres representadas neste Conselho para discussão das políticas económicas e sociais.
E por que não, também, se falamos tanto na mudança de mentalidades, dar-lhes tempo de antena para que, através da televisão, possam levar, junto das mulheres e junto dos companheiros homens, a imagem de uma mulher livre, de uma mulher com uma plena cidadania, de uma mulher que será, de facto, o futuro do homem na cidadania?
Propomos, também, no projecto de lei, que as associações de âmbito regional possam ser ouvidas na elaboração do plano regional, exactamente pelas mesmas razões. Mas, a este respeito, gostaria de recordar que na Conferência de Atenas, sobre os poderes locais e regionais e o papel das mulheres, foi revelada uma experiência muito interessante de uma comissão de mulheres da localidade de Amiens, em França, e o extraordinário trabalho que essas mulheres desenvolveram nessa comuna para tomar as mulheres mais convictas dos seus direitos, inclusivamente para conseguirem uma cidade à medida das necessidades do bem-estar da família, dos filhos, dos maridos, dos jovens.
É por isso que, de facto, me parece que, a nível regional e mesmo local, seria interessante estudar maneiras de envolvimento das organizações de mulheres na elaboração de planos regionais e mesmo municipais.
Gostava ainda de referir-me aos outros projectos de lei em discussão, em especial àquele que foi apresentado pelo Partido Ecologista Os Verdes, sobre a alteração da imagem feminina nos manuais escolares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devo dizer que, ao ler esse projecto de lei, não pude deixar de recordar as lições que eu soletrava na escola primária no livro único que nos era então imposto, em que a mulher, a rapariga, a menina, aparece sempre no papel de dona de casa.

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Lembro-me, por exemplo, de A Emilita, o meu livro da 1.ª classe. «A Emilita é muito esperta e desembaraçada e gosta de ajudar a mãe.» E diz para a mãe: «Minha mãe já sei varrer a cozinha, arrumar as cadeiras e limpar o pó. Deixe-me pôr hoje a mesa para o jantar.» E a mãe responde: «Está bem minha filha! Quando fores grande, hás-de ser boa dona de casa.»
Ora, são tempos passados!... Penso que não voltarão mais, mas, de qualquer forma, não é mau que haja sempre alguma vigilância sobre os manuais escolares, na medida em que, mesmo depois do 25 de Abril, já encontrei um ou outro texto em que a mulher aparecia sempre como o ser fraco, o ser que tremia à frente do desconhecido. De facto, é preciso estar um pouco vigilante e daí a utilidade do projecto de lei do Partido Ecologista Os Verdes.
Deveriam estar hoje em discussão - e se não estão é porque, penso, têm a ver com legislação do trabalho - projectos de lei do Partido Socialista e da UDP, sobre a alteração à lei da maternidade. Porém, gostaria de dizer que damos o nosso apoio a esses diplomas. Algumas das propostas estavam até já contempladas no projecto de lei que apresentámos e que deu origem à Lei da Protecção da Maternidade e da Paternidade, mas, como esses diplomas não estão hoje em discussão, depois relegaremos para o debate, que seguramente se seguirá, a nossa análise das propostas. De facto, propusemos há muitos anos que a licença de parto passasse para 120 dias e já nessa altura apresentámos uma proposta de alongamento da licença antes do parto nos casos em que a futura mãe estivesse em risco.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por último, relativamente ao projecto de lei, cujo primeiro subscritor é a Sr.ª Deputada Mana Luísa Ferreira, quero dizer-lhe que respondemos afirmativamente às suas palavras ao votar a favor do diploma. Desculpe que lhe diga, mas esta é a prova de que não nos prendemos com algumas críticas que fizeram a um projecto de lei que aqui apresentámos na anterior legislatura, que foi derrotado, que também dizia respeito às famílias monoparentais. É verdade que o nosso projecto de lei era mais ambicioso e que tinha mais direitos, mas foi naquele projecto lei sobre a concessão de um subsídio especial às mães e pais sós em situação de carência que definimos o que era, de facto, a carência. No entanto, penso que na discussão na especialidade vamos ter oportunidade de trocar algumas impressões sobre essa matéria Também não nos incomodamos com a «lei travão» em relação a esse projecto de lei.
Enfim, penso que a melhor maneira de dizer que não guardamos ressentimentos, quando estão em causa direitos importantes das mulheres portuguesas, é votarmos a favor do projecto de lei do PSD.
De qualquer forma, gostaria de voltar um pouco atrás para, em relação aos projectos de lei que apresentam propostas de alteração à Lei da Maternidade e da Paternidade, dizer o seguinte: a Lei da Maternidade e da Paternidade de 1984, pese embora os avanços que trouxe, em relação a algumas coisas, trouxe retrocessos.
Trouxe retrocessos em relação à questão das faltas para prestação da assistência ao agregado familiar; piorou o Decreto-Lei n.º 874/76. Batemo-nos denodadamente para que esse decreto-lei não fosse piorado, mas piorou porque onde, por exemplo, dizia que havia direito a uma licença para assistência inadiável a membros do agregado familiar, a Lei n.º 4/84 disse «inadiável e imprescíndivel». Além disso, enquanto o Decreto-Lei n.º 874/76 previa que a mulher, no caso dessa assistência, pudesse dar 30 dias de faltas justificadas em cada vez - não impunha limite no ano -, a Lei n.º 4/84 vem impor um limite anual dessas faltas. Quer isto dizer que uma mãe, que já é velhota e que tem várias recaídas, que tenha um filho, em casa, que, eventualmente, seja asmático ou tenha outra doença, está proibida de adoecer mais do que uma vez por ano, porque não terá direito à assistência do seu familiar. Espero que possamos alterar este aspecto, melhorando a Lei n.º 4/84.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou terminar sem antes dizer que, apesar de termos dito repetidamente que o mal não está na lei mas na realidade, o facto de terem sido apresentadas tantas iniciativas legislativas prova que a própria lei pode ser melhorada.
Gostava, ainda, de deixar algumas interrogações para que passassem fora destes muros e chegassem ao Governo, ao Sr. Ministro da Justiça e ao Sr. Ministro da Administração Interna.
Para quando a regulamentação da lei que aqui aprovámos, que foi publicada em Agosto do ano passado, que protege as mulheres vítimas de violência? Para quando, nas esquadras de polícia, uma secção especial para atendimento das mulheres? Para quando um atendimento telefónico SOS? Já lá vai quase um ano e a lei, que devia ser regulamentada no prazo de 90 dias, em alguns dos seus aspectos ainda não foi regulamentada.
Direi ainda que lamento - e isto é-me sugerido pelo projecto de deliberação do PS -, mais uma vez, e espero que este lamento seja como «a água mole em pedra dura que tanto dá até que fura» (esperemos que sim), continuemos nesta Assembleia sem ter uma comissão parlamentar para a igualdade e direitos das mulheres. Por acaso, ao ler a legislação belga, reparei no seguinte: a Bélgica tem no Parlamento um comité para a emancipação da mulher. Esse comité já se pronunciou em 1989, emitindo um parecer em relação à denúncia da Convenção sobre a Proibição de Trabalho Nocturno das Mulheres da Indústria. Nós ouvimos na radio que o Governo vai denunciar essa Convenção e para esta Assembleia isso passa-lhe perfeitamente à margem, sendo certo que tal matéria é da competência da Assembleia da República.
Mas a Bélgica tem mais: tem um conselho - governamental - de emancipação da mulher e o próprio Parlamento recomendou ao Governo que este devia ser presidido por uma mulher ministra.
Mas mais ainda: tem uma comissão de trabalho das mulheres e, para mais ainda, tem um gabinete das pensões alimentares, através do qual se adiantam pensões de alimentos, ou pelo menos isso está recomendado. Não quero jurar falso!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que este debate revela a importância do estatuto feminino. A mulher é na sociedade uma pequena «pedra». Não é uma «pedra» de um palácio, que são pedras ricas. A mulher lutadora não será isso, não será uma «pedra» de uma igreja, mas uma pequena «pedra», que pode ser sempre utilizada para ferir de morte os inimigos da democracia, do progresso e da paz.

Aplausos do PCP

O Sr Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, as Sr.ªs Deputadas Ana Paula Barros e Leonor Beleza
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Paula Barros.

A Sr.ª Ana Paula Barros (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos: Foi com muita alegria e alguma emoção que ouvi a sua brilhante intervenção em defesa deste projecto de lei.

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De qualquer forma e porque, apesar de tudo, me suscitou algumas dúvidas, gostaria de pedir-lhe alguns esclarecimentos. Esses esclarecimentos baseiam-se, fundamentalmente, no projecto de lei que o PCP apresentou e na assunção e reconhecimento das associações de mulheres como parceiros sociais.
Na verdade, estamos todos de acordo em que as associações de mulheres têm tido uma influência extraordinariamente importante na evolução da sociedade e na diminuição das práticas discriminatórias em toda a sociedade, seja no plano político, partidário, empresarial, etc.
No entanto, suscita-se algumas dúvidas quando falam na representação directa ou indirecta no Conselho Económico e Social. Gostaria de saber qual é a posição da Sr.º Deputada e do Grupo Parlamentar do PCP sobre esta questão, uma vez que me parece que seria de explicitar a participação indirecta, via Conselho Consultivo da Condição Feminina.
A outra questão que gostava de colocar-lhe prende-se, verdadeiramente, com o papel da igualdade e das práticas não discriminatórias na sociedade civil. Trata-se do problema da própria função das associações de mulheres e da própria função da actuação da mulher. Se, na verdade, tempos houve em que a geração de 60 foi pioneira - e a ela devemos a igualdade que temos de certa maneira na sociedade -, hoje talvez a igualdade de participação da mulher se ponha em termos reais, concretos, nas instituições e nas realidades existentes na sociedade. Não se trata tanto de reconhecer o direito à participação, mas, mais, de promover a intervenção concreta e real da mulher na sociedade civil.
Nessa medida, se é importante que as associações de mulheres sejam reconhecidas como parceiros sociais, e muito mais importante que sejam as próprias mulheres, através dessas associações, a promoverem a participação concreta da mulher na sociedade civil. E aí, sim, o papel do Estado deve ser o de dar apoio à promoção das iniciativas da sociedade civil e às associações de mulheres, no sentido de conseguir a promoção e a evolução da mulher e das práticas não discriminatórias nessa sociedade.
Não deve ser o Estado a fomentar uma participação que a sociedade não tem, mas ele deve promover a participação que a sociedade civil demonstra existir, na tentativa de, progressivamente, desaparecer a discriminação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputada Odete Santos: Apesar de o projecto de lei n.º 99/VI não estar agendado para hoje, pelas razões que todos conhecemos, V. Ex.ª fez-lhe uma referência, ou melhor, fez uso do direito de apresentá-lo e, dada a importância da matéria que está em causa, não posso deixá-la passar em claro.
Na verdade, esse diploma pretende contribuir para a solução de um caso bem conhecido de uma empresa que discrimina fortemente no acesso ao emprego as mulheres, prática que, do ponto de vista do meu grupo parlamentar, não é tolerável face aos princípios da igualdade, à Constituição, à lei e a compromissos comunitários que o Estado Português assumiu.
Não é tolerável apenas porque há um princípio de igualdade de direitos em causa, mas também porque a legislação, que hoje se refere a essa igualdade de direitos e que vai para além das simples questões de carácter formal, tem por trás a concepção de que a sociedade deve assumir em globo o peso das responsabilidades familiares dos indivíduos e das próprias famílias. Por isso, é justo e razoável que a sociedade partilhe do esforço que cada um dos indivíduos faz para conciliar as responsabilidades familiares e pessoais.
Aliás, devo dizer que, para além da violação de princípios e de direitos, as empresas que se comportam dessa forma incorrem numa actuação que é, seguramente, desfavorável para elas, uma vez que, por essa via, não recorrem a uma larga margem de possibilidade de trabalho que as mulheres oferecem a todos os níveis e que, desse modo, é menosprezado e não é tido em conta, com prejuízo, repito, para quem actua dessa forma.
Em relação à entidade em causa, há um parecer da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego - aliás, já foi referido -, já homologado pelo Governo e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego. Há, portanto, uma posição oficial assumida de condenação desse tipo de práticas e discute-se se a lei vigente é ou não suficiente para cobrir essas situações e se é suficientemente persuasiva para que elas não se verifiquem.
Para ser breve, diria apenas que há uma norma que proíbe essas práticas e parece-me evidente que, neste caso, não há problemas de prova em relação à existência das práticas, mas talvez haja problema da identificação da punição aplicável, na medida em que não tem sido fácil dizer quem é que é concretamente prejudicado por esse facto, e isso é um pressuposto da aplicação da lei que, actualmente, pune essas situações.
No entanto, hoje em dia, há na lei portuguesa - e é preciso reconhecê-lo - a consideração do princípio da inversão do ónus da prova, não em termos totais - e talvez seja excessivo os termos em que o projecto de lei apresentado pelo PCP o coloca -, mas existe já, pelo menos parcialmente, essa inversão do ónus da prova. Assim, gostaria de colocar duas questões concretas.
Em primeiro lugar, gostaria de saber se considera que a sanção entre 100 e 200 contos de multa, e em caso de reincidência a subida do montante da parte mínima para o dobro, proposta pelo Partido Comunista para as situações em que não são identificáveis as pessoas que são objecto de discriminação é suficiente. Não sei se será persuasiva para certo tipo de entidades uma sanção desse tipo.
Em segundo lugar, gostaria de saber se um projecto de lei que faz tanto apelo à situação no sector a que se aplica não poderá, eventualmente, contribuir, ou pelo menos melhorar, a situação actual grave de segmentação do mercado do trabalho, que, de facto, hoje, é a identificação mais evidente da continuação da discriminação das mulheres no sector do emprego.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Deputada Leonor Beleza, não se importa de repetir a última questão?

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr.ª Deputada Odete Santos, o que eu gostaria de saber é se um projecto de lei tão delineado para as situações em que num determinado sector uma determinada empresa não acompanha o grau médio de feminização, não lutará contra a segmentação do mercado do trabalho, que é, porventura, hoje, a mais evidente e flagrante demonstração da existência de discriminação das mulheres no mercado do emprego.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputada Ana Paula Barros, em relação à questão da representação indirecta, V. Ex.ª tem toda a razão, esse aspecto deverá ser melhor analisado e aperfeiçoado, em sede de comissão, no caso de VV. Ex.ªs aprovarem o nosso projecto de lei, o que espero bem!
Em relação à questão da representação no Conselho Económico Social e de as associações das mulheres serem parceiros sociais, gostaria de dizer que, em meu entender, bem se compreenderá, dadas as tradições das associações de mulheres, que elas tenham esse lugar, até porque no Conselho estão representadas outras associações, entre elas as associações de famílias, que não tem tradição em Portugal. E, por outro lado, as associações de mulheres têm muito a ver com as políticas destinadas à família. Em nosso entender, não há só uma política para a família, mas várias, isto é, todas as que, ao fim e ao cabo, têm por objectivo a família, o ambiente que se vive na família, a política económica, social e a própria política cultural. E as associações de mulheres têm muito a ver com todas essas políticas e, portanto, têm direito a este estatuto.
Em relação aos apoios, o próprio projecto de lei fala, efectivamente, no apoio, a ser regulamentado, às iniciativas das associações de mulheres, que são várias ao longo do ano. Com efeito, no dia 8 de Março, estive numa realização levada a efeito pela Associação das Mulheres Juristas, de que, aliás, até sou sócia, e acabei por constatar que esta Associação pôs em funcionamento um gabinete de consulta jurídica gratuita para as mulheres - aliás, trata-se de uma iniciativa que outras associações, como por exemplo a MDM, já haviam realizado -, o que, em minha opinião, é muito importante para garantir o acesso ao direito por parte das mulheres que nestas questões - e quem as recebe nos escritórios de advogados pode confirmar - ainda estão longe de conhecer todos os seus direitos. E como prova disto, posso dizer-lhes que, por exemplo, há cerca de sete anos atrás, uma empregada que conheço, no dia em que soube que estava grávida, foi ter com a patroa e disse-lhe: «Estou grávida, se quiser despeça-me!». Isto é autêntico e revela a tremenda ignorância em que algumas mulheres do nosso país ainda vivem.
Em relação às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Leonor Beleza, devo dizer que, depois de ler o Decreto-Lei n.º 392/79 e as razões da Inspecção-Geral do Trabalho, considero que os instrumentos legislativos de que dispomos não são suficientes para prevenir situações como a que se vive no BCP - Banco Comercial Português, desde logo por causa da questão da instauração do auto de notícia e dos requisitos que o auto de notícia deve ter.
Por isso, penso que, independentemente de ser o BCP ou outra entidade, até porque essa situação pode acontecer em outras instituições, o Decreto-Lei n.º 392/79 deve ser aperfeiçoado. Não no sentido concreto e dirigido àquela entidade - é claro que foi aquela entidade e o parecer da CITE que sugeriu algumas das propostas -, mas no sentido de se procurar melhorar o diploma para prevenir algum vazio legislativo que, eventualmente, possa existir. Foi nesse sentido que, de facto, apresentámos este projecto de lei, que, no entanto, precisa de ser discutido e melhorado para que se possa encontrar outras soluções. Estou absolutamente de acordo com isso, mas com esta iniciativa procurámos dar, aqui, na Assembleia da República, um contributo para um debate mais profundo destas situações que dizem respeito às mulheres.
No que respeita à sanção, penso que a Sr.ª Deputada tem toda a razão. Eventualmente, ela será pequena, mas devo dizer que a procurei dentro da moldura de outras sanções semelhantes. No entanto, estou inteiramente de acordo em que pode ser agravada, se bem que para mim a pior sanção que se propõe no projecto é a sanção social, ou seja, a afixação no local de trabalho e a publicação num dos jornais mais lidos do País, a expensas da empresa, da sanção que foi decretada pelo tribunal. Esta é para mim a verdadeira sanção, aquela que, de facto, envergonha a empresa e os seus administradores.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para fazer a apresentação do projecto de lei n.º 103/VI - Alteração da imagem feminina nos manuais escolares (Os Verdes), tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, queria agradecer a V. Ex.ª a gentileza do seu gesto simbólico, a entrega de uma flor, um símbolo da natureza muito apropriado ao dia que hoje aqui comemoramos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao fazer a apresentação do nosso projecto de lei, que diz respeito à alteração da imagem feminina nos manuais escolares, começaria por dizer que se é certo que esta ideia não é nova, pois através da Comissão da Condição Feminina, desde 1975, foi por demais colocada e existiam até estudos caracterizando a situação, parece-me, no entanto, que, embora não tendo o peso que teve no passado, ainda mantém a actualidade dos muitos direitos que a lei consagra, alguns em resultado do 25 de Abril, e que são direitos de lei e não de vida.
Porquê esta ideia de agir sobre a imagem? Ora, agir sobre a imagem porque, de facto, a igualdade e a sua concretização exige políticas várias, que têm múltiplas componentes. A igualdade resulta de um acto político, mas os constrangimentos e os obstáculos que se colocam à sua concretização são vários. Trata-se de problemas de ordem política, económica, social e também de alteração de mentalidade. E se a alteração de mentalidade é um processo mais longo e submerso, relativamente ao qual o agir é um agir a longo prazo, pensamos, no entanto, que é uma componente essencial e fundamental para a alteração de atitudes e de modos de estar.
Queríamos salientar que não é nosso entendimento que com este projecto de lei se esgotam as múltiplas hipóteses de abordar a alteração da imagem que, na nossa sociedade, nos agride diariamente e que, ao contrário do que a lei consagra, veicula atitudes discriminatórias e sexistas em relação às mulheres. Esta imagem chega-nos todos os dias pela televisão, não só através da publicidade, que é extremamente violenta e agressora em relação à mulher, mas também através da própria linguagem que é caracterizadora e associada à mulher, ou seja, a imagem que nos chega, portanto, pela comunicação e pelos mass media, em geral.
Com isto pretendo dizer que se este projecto de lei pode dar um contributo importante para a alteração de uma situação, ele só pode e deve ser entendido como parte integrante de uma estratégia mais ampla de intervenção, neste caso numa vertente importante que é a educação, ou seja, uma estratégia que consagre uma pedagogia para a igualdade através dos manuais escolares, bem como através da literatura juvenil e das revistas a que, mais e mais, os jovens tem acesso.

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Então, por que colocar a questão dos manuais escolares? Em primeiro lugar, porque os manuais escolares ainda continuam a ser, no processo de socialização das crianças, um elemento extremamente importante. Em Portugal, para muitas das crianças, o manual escolar ainda e o primeiro livro com que têm um contacto físico, directo e próximo. Trata-se do primeiro livro que manuseiam e que tem, naquilo que veicula, uma força determinante na apreensão de comportamentos e na sua interiorização.
Segundo o nosso entendimento, esta questão coloca-se porque o manual, enquanto parte integrante do material que a criança utiliza na escola, tem uma função extremamente importante, não estritamente pedagógica, mas de transmissão de ideologia, de transmissão e reprodução de imagens que, se não são hoje, como foi referido há pouco pela Deputada Odete Santos, as imagens da história da Emilita são imagens que, de algum modo, continuam a dar uma visão extremamente fragmentada e parcelar das mulheres, dos homens e da vida em conjunto na sociedade, ou seja, são imagens que tem associada a ideia de que as mulheres são seres passivos, frágeis e vocacionados para o interior e para o lar. Assim, o manual e muito pouco portador de imagens novas com as quais a própria criança hoje se vai confrontando, nalguns estratos sociais e nalgumas zonas do País, mas que não podem pacificamente ser consideradas como uma constante no todo que todos somos.
Por que não tentar, através do manual escolar, exercer uma acção, que de algum modo não se pretende censória e limitativa do conteúdo dos livros, mas tão-só possibilitadora da garantia, através da despistagem, de que os valores constitucionalmente consagrados sejam respeitados? É esse o sentido deste projecto de lei e é também por isso que se propõe que duas representantes das ONG do Conselho Consultivo da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres possam integrar a Comissão Científico-Pedagógica que já está consagrada na lei e tem como objectivo a apreciação da qualidade dos manuais escolares.
O sentido do nosso projecto de lei é, pois, este: a inclusão nesta Comissão de duas representantes das ONG e de um representante do Conselho Nacional de Educação, para que possam emitir pareceres sobre o conteúdo sexista ou discriminatório em relação às mulheres.
Era fundamentalmente isto que pretendia dizer em relação ao conteúdo do nosso projecto de lei, mas, de qualquer modo, gostaria de me referir aos outros dois projectos de lei, já apresentados pelo Partido Social-Democrata e pelo Partido Comunista Português, dando-lhes a nossa aprovação. Trata-se de projectos de lei quanto a nós importantes, embora sejamos críticos em relação ao facto de estes dias serem sempre pequenas ilhas em dias que não se caracterizam pela abordagem da problemática feminina. De qualquer forma, e mesmo que assim seja, achamos que estes projectos de lei são extremamente importantes e devem ser aprovados.
Por outro lado, apesar de a Deputada Elisa Damião ainda não ter feito a apresentação do projecto de deliberação do Partido Socialista sobre a constituição de uma comissão eventual para a igualdade de direitos e participação da mulher, damos-lhe, desde já, o nosso apoio.

Aplausos do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Deputada Isabel Castro, ouvi e li atentamente o seu projecto de lei sobre a alteração da imagem feminina nos manuais escolares e quero dizer-lhe que, no conteúdo filosófico que a levou a apresentá-lo aqui, estamos de acordo consigo.
Na verdade, há que ter algum cuidado com a apresentação dos manuais escolares, sendo certo que para muitas crianças o livro escolar é o primeiro que lhes aparece e que, quase só, está na base da sua formação, enquanto crianças, tendo, com certeza, muito a ver com a sua mentalidade cultural futura.
No entanto, parece-nos que o seu projecto de lei precisaria de ser mais cuidado. A questão que lhe colocamos é a de saber se a Sr.ª Deputada estaria receptiva a que, na discussão na especialidade, este projecto de lei não fosse um diploma fechado mas, sim, aberto às propostas com que os outros partidos pudessem contribuir.
Por outro lado, parece-nos insuficiente que na Comissão Cienlífico-Pcdagógica haja duas representantes das ONG do Conselho Consultivo da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres - embora elas devam lá estar - e haja apenas só um representante do Conselho Nacional de Educação. Esta desigualdade de representação poderá ser redutora da qualidade científico-pedagógica que desejamos que o manual escolar venha a ter em todas as suas dimensões e não só na dimensão sexista.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, queria agradecer à Sr.ª Deputada Julieta Sampaio a sua intervenção e dizer-lhe que estamos receptivos a todas as alterações que os grupos parlamentares possam querer fazer na discussão na especialidade deste projecto de lei.
Pensamos que a questão que coloca relativamente à representação do Conselho Nacional de Educação é pertinente.
Por outro lado, parece-me que na sua intervenção se refere à despistagem não só dos conteúdos sexistas e, neste âmbito, devo dizer-lhe que penso que poderia haver também a despistagem de outros conteúdos. Provavelmente, na apresentação do projecto de lei, não referi correctamente esta questão, mas penso que a despistagem dos conteúdos sexistas e discriminatórios é uma parte integrante de outras despistagcns, nomeadamente da violência em termos de linguagem, que os próprios manuais escolares veiculam, e que não estão contempladas neste projecto de lei.
É nosso entendimento de que este projecto de lei é uma pequena parte do muito que há a fazer no sentido da alteração dos manuais escolares e da problemática da imagem da mulher que veiculam.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Dedica esta Câmara um dia por ano à mulher portuguesa - e o discurso do PSD é bastante mais interessante e humano no feminino-...

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: -.... reconhecendo, assim, ser necessário agir face às desigualdades que subsistem na sociedade portuguesa e discriminam a mulher.

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Como legisladores, sabemos que a lei em matéria de igualdades de direitos, não sendo suficiente para se alcançar o objectivo de erradicar toda a discriminação em função do sexo, é seguramente um instrumento fundamental, marca da qualidade política e moral da nossa cultura.
A propósito dos diplomas em debate, valorizando-os diferentemente, gostaria de referir a oportunidade dos temas em si, nomeadamente o projecto de lei do PCP, sobre a discriminação no acesso ao emprego, fundamentado num caso paradigmático, que fez cultura, felizmente, na sociedade portuguesa, de iniciativa do movimento sindical, que me apraz sublinhar nesta Câmara e que foi objecto de um decreto-lei que nos merece, naturalmente, algumas críticas ou outros caminhos, nomeadamente pela via do balanço social para se chegar a um consenso e a uma solução na abordagem deste problema, que não tem a ver só com o sector referido e pode ser bastante mais grave noutros sectores. Lembro o caso da hotelaria e dos têxteis, em que 95 % das mulheres são trabalhadores indiscriminados, geridas por 5 % de homens, na sua totalidade. Este também é outro fenómeno não menos grave da discriminação, que convém abordar.
O projecto de lei do PS está ainda em discussão pública e diz respeito a todos, visa contribuir para a humanização da economia no respeito pelos valores da igualdade da família e tem como objectivo final proteger a criança, que tem direito a nascer em condições sociais e familiares adequadas ao seu desenvolvimento harmonioso.
A evolução das sociedades subordinadas aos fenómenos da economia e a desarmonia entre o progresso tecnológico, a natureza, a família e o indivíduo, coloca o futuro suficientemente em questão para que nos impliquemos neste debate, homens e mulheres, políticos, empregadores e empregados.
Estatísticas do Eurostat dão-nos conta do enorme desequilíbrio na evolução demográfica. De 1950 ao ano 2020, a população da China triplicará, apesar dos esforços de controlo da natalidade, na índia a evolução será mesmo superior, enquanto nos EUA e na Comunidade de Estados Independentes a população não chega a duplicar. Porém, a Europa, em 1975, deixou de repor as gerações e dos 327 milhões, registados em 1990, espera-se uma redução para 323 milhões, em 2020.
A verdade é que o progresso económico e político favorece a inserção da mulher na vida activa e a independência económica e a participação na partilha do poder possibilitam à mulher escolhas até aí impossíveis sem marginalização social, como seja, casar ou não casar, ter ou não ter filhos, ter apenas os filhos que pode educar em condições económicas e psico-afectivas razoáveis.
Porém, nem tudo, neste quadro das sociedades mais desenvolvidas, corresponde a opções livres da mulher moderna, porque as suas escolhas estão, à partida, condicionadas, devido à instabilidade do emprego e prejuízos nos rendimentos e carreira profissional que a maternidade implica. Este fenómeno tem provocado uma ampla adesão às políticas contra a discriminação e de apoio à família para estimular a maternidade não apenas por razões de cidadania mas também económicas que afectam o equilíbrio estrutural da sociedade, no seu todo.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Portugal tem uma taxa de natalidade inferior à média europeia- 1,5 crianças por mulher -, situação a que não é alheio o facto de estarmos na cauda da Europa em matéria de protecção social, sendo a percentagem das prestações familiares nas prestações totais de 6,9 %, em contraste, por exemplo, com os 12,4 % da Irlanda.
Sem política activa de incentivos à maternidade, passa por um esforço convergente de políticas de emprego, protecção social e de oferta suficiente e de qualidade de infra-estruturas públicas, nomeadamente nas áreas da saúde e educação.
A oferta pública de creches e jardins-de-infância em Portugal é preocupante: apenas abrange 6 % das crianças até aos 3 anos de idade e 35 % dos 3 anos à idade escolar, o que contrasta com os 65 % da Espanha, 55 % da Grécia e 95% da França. Compreendemos melhor a razão pela qual 69 % das mulheres que trabalham, com idades compreendidas entre os 20 e os 30 anos, não têm filhos. É de salientar que estão empregados 95 % de homens com crianças com menos 10 anos, enquanto as mulheres são apenas 67 %. O esforço de Portugal com o abono de família para o segundo filho é metade da Grécia e Itália e um terço da Irlanda (para só referir os países que nos estão próximos no plano económico).
O relatório da CITE - Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego, revela que 41 % das queixas consideradas por aquela Comissão reportam-se à discriminação da mulher devido à maternidade, relacionadas com despedimentos ou não admissão por gravidez; perda de prémios de antiguidade, assiduidade, produtividade e subsídio de alimentação por faltas de maternidade. Obviamente que a lei já proíbe estes factos, mas há que sublinhar alguns aspectos na lei, nomeadamente a questão dos prémios, havendo mesmo queixas de perdas de remuneração por faltas devidas a consultas e tratamentos durante a gravidez.
O PS propõe o aumento da licença de parto para 120 dias, um pouco mais do que as 14 semanas mínimas previstas na directiva, em debate há cerca de dois anos, por proposta da Comissão, que o Conselho ainda não aprovou, apesar de a maioria dos Estados membros ter vindo a reforçar os direitos de maternidade e paternidade, sendo Portugal uma das excepções.
Não é aceitável que a presidência portuguesa não impulsione esta directiva, readaptando, em simultâneo, a Lei n.º 4/84, na época bastante generosa e mais consentânea com a nossa herança cultural e as novas necessidades sociais que a taxa de desemprego não desaconselha e a evolução positiva da economia permite.
Considera-se hoje fundamental, para o equilíbrio psico-afectivo da criança, que esta permaneça com a mãe o máximo de tempo possível, estabelecendo com ela laços dificilmente substituíveis sem traumas, com consequências graves no futuro, no mínimo nos primeiros 4 meses de vida.
A proposta de recomendação da Comissão sobre a assistência à criança tem por base um diagnóstico não menos preocupante e recomenda o reforço de apoios públicos à família e à criança, bem como a revisão da organização e ambiente do trabalho, horários, transportes, licença parental ou de assistência à criança na saúde e educação, por forma a proporcionar igualdade de oportunidades e compatibilizar a vida familiar com a vida profissional. A recomendação aborda, ainda, a necessidade de divisão das responsabilidades familiares que recaem maioritariamente sobre as mulheres, constituindo, assim, um fardo excessivo, que muito contribui para a crise da família.
Um governo do PS continuará, seguramente, a aprofundar os direitos de maternidade e paternidade, todavia, dados os constrangimentos culturais e as dificuldades sócio-económicas e sociais com que tantas vezes se condiciona a humanização da maternidade, sendo inequívoco que o problema transcende esta ou aquela perspectiva ideológica e que a efeméride que hoje comemoramos pressupõe o maior denominador comum.

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Assim, apelamos ao entendimento das forças aqui representadas, por forma que o aprofundamento dos direitos de maternidade e paternidade sejam património comum, incontestável, para além das convicções parcelares dos representantes do povo português.

Aplausos do PS, do PCP, do CDS, do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: -Para apresentar o projecto de deliberação n.º 20/VI - Constituição de uma comissão eventual para a igualdade de direitos e participação da mulher (PS), tem a palavra a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A Constituição da República Portuguesa, desde a sua aprovação em Abril de 1976, quer no seu texto original, quer nas suas revisões, é um passo fundamental e concreto na definição do estatuto da mulher. Nela se consagram direitos fundamentais, garantindo igual dignidade social, acesso ao emprego e o direito à constituição de família em condições de plena igualdade.
Estes e outros direitos, como a liberdade de escolha da profissão, da participação na vida política e segurança no emprego, demonstram a vontade do legislador em reconhecer que uma sociedade democrática é livre quando se liberta, ela própria, de tabus.
Feito o que era essencial para o efeito concreto da igualdade jurídica, não podemos deixar de, constante e atentamente, reexaminar e tomar visível a presença da mulher na sociedade. O seu contributo nos vários domínios do cultural, do social e da política é indispensável à relação mulher-homem, numa sociedade baseada em novos valores.
São estes conceitos que originam uma nova consciência de igualdade e são um assumir mais partilhado em moldes diferentes. Uma vez conseguida a igualdade jurídica, esta será suficiente para a mudança cultural e de mentalidades? A experiência do quotidiano mostra-nos que, sendo esta fundamental, é insuficiente.
O problema não é, pois, a legislação, sendo certo que por vezes são necessárias melhorias pontuais ou correcções em aspectos específicos. O problema, a maior parte das vezes, é a aplicação efectiva dessa legislação. A inexistência de mecanismos de controlo fortes, sensibilizados e convictos tornam essa mesma legislação quase nula. Não é difícil mudar a legislação, desde que haja vontade política para a aprovar e promulgar. O mais difícil é, de facto, mudar as mentalidades, alterar os hábitos e preconceitos instalados na sociedade. Por isso as situações de desigualdade existem e não se pode fingir que as ignoramos nem negá-las.
Sem falsos preconceitos e hipócritas miserabilismos, mas com realismo e verdade, vamos analisar o caminho percorrido, os sucessos alcançados, bem como procurar, com coragem, o que falta completar. E o que falta, Sr.ªs e Srs. Deputados, é o reconhecimento da igualdade como direito humano básico. Esta noção, que a todos nos parece clara e indiscutível, nem sempre é aceite como direito legítimo na sociedade. Hoje, não como ontem, a participação na vida pública significa algo mais do que votar e ser eleita. Participar em igualdade significa acesso na plenitude à comunidade.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: São ainda muitas as dificuldades para essa participação a todos os níveis. Sabemos, com realismo, que por vezes é difícil a conciliação de várias responsabilidades, ainda não assumidas em paridade e, por vezes, secundarizadas como questões menores. No entanto, é cada vez mais urgente encará-las como questões políticas, indispensáveis à sociedade do futuro numa perspectiva intersectorial, que têm a ver com todos os aspectos da vida económica, social e cultural.
À democracia plena, que hoje temos em Portugal, não pode faltar a componente da dimensão paritária, isto é, a representação equitativa de cidadãos e cidadãs, dos seus interesses, das suas aspirações e direitos. Mas se os conceitos são por todos aceites, por vezes a concretização adquire contornos indefinidos e as contradições aparecem.
Todos os Srs. Deputados reconhecem a plena cidadania e a igualdade de direitos. Mas por vezes a noção da igualdade, por implicar um denominador comum, enquadra-se mal e torna-se redutora. E é tão verdade que o melhor exemplo está dentro desta Casa.
Há quatro anos havia uma comissão específica. Posteriormente, com base em que a igualdade era uma questão de direitos, liberdades e garantias, passou a ser uma Subcomissão da 3.1 Comissão. Hoje, Sr.ª e Srs. Deputados, não há nada. O debate e a análise destas questões específicas são diluídos por outras comissões e nem sempre é possível uma abordagem cuidada, correcta e uma justa resposta.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Os socialistas não trouxeram a esta Câmara o projecto de deliberação com vista à formação de uma comissão eventual para dividendos políticos.
Entendemos que, em democracia, a vontade geral, cuja expressão deve ser lei, só pode exprimir-se pela voz conjugada de todos.
O problema é político e, como tal, passa por aqui o caminho do futuro. Saibamos percorrê-lo, em conjunto, no momento presente, na hora que passa.

Aplausos do PS, do PCP, do CDS, do PSN e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Julieta Sampaio, noutro contexto, em Junho de 1991, há cerca de nove meses - número significativo, humano e generoso de vida -, eu disse, aqui, que se o homem, biblicamente, é barro, a mulher, culturalmente, é «outra loiça».
Pedi então aos poderes públicos que integrassem cada vez mais o feminino, não o feminismo, nos centros de decisão. Foi reconhecida, lembro que pela então Presidente da Mesa, Deputada Manuela Aguiar, a sinceridade da minha recomendação e o meu desinibido posicionamento neste assunto difícil das reclamações dos direitos que a lei confere e que a prática, muitas vezes, faz menos a condizer.
Sr.ª Deputada Julieta Sampaio, o nosso relacionamento último, sobretudo no trabalho e desempenho em comissão, não tem sido alheio a algumas incompreensões, a alguns atritos, mas espero que aceite, sem essas reservas, a minha observação. Aliás, trata-se mais de uma observação do que de um pedido de esclarecimento sobre o assunto.
Pelo que eu disse então, em Junho de 1991, há cerca de nove meses, exactamente pelo que eu disse então, aqui declaro que não sou favorável a comissões, subcomissões ou grupos eventuais com a tónica exclusiva no feminino e que ponho nisso muitas reticências.
As eventuais vantagens, a haver, perdem terreno para efeitos laterais, secundários, que estão já latentes na criação desses núcleos, dessas divisões, dessas arrumações, desses armários, perdoe-me a expressão!

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Falei então de barro e, em sentido figurado, disse que a mulher era «outra loiça», mas não me referi a qualquer guarda-loiça. Perdoe-me, Sr.ª Deputada, pela segunda vez, esta outra expressão, mas vem por arrastamento e sempre em sentido figurado.
Creia na boa intenção deste reparo! Pode a Sr.ª Deputada, por favor, rever a sua proposta, que diz respeito à criação de uma comissão eventual para a igualdade de direitos e participação da mulher, até para que eu não tenha, nas consequências dessa outra intervenção, qualquer sombra de remorso ou de pecado na matéria, para que, sobretudo, se não vote aqui contra e, para o que vem ao caso, se não perca o sentido da realidade?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Lélis, não tenho qualquer ressentimento quanto ao que acabou de dizer. É um exemplo da luta política e, como a minha consideração pelo Sr. Deputado e sempre a mesma, compreendo perfeitamente que isto faça parte do debate político, do dia-a-dia nesta Casa, e é saudável que assim seja.
Quanto à questão que levantou - aliás, trata-se mais de um comentário à minha intervenção -, só quero dizer-lhe que estou de acordo com a minha camarada e colega Elisa Damião, pois o discurso no feminino do PSD é realmente mais flexível. Recomendava-lhe que, logo à noite, lesse com atenção a declaração política da sua colega de bancada Deputada Margarida Silva Pereira, porque não se trata de meter as mulheres num guetto mas, sim, que todos nós, homens e mulheres desta Casa, possamos discutir, quando necessário, questões específicas que têm de ser discutidas numa comissão específica, em vez de se diluírem por outras tantas comissões, até porque muitas vezes não conhecemos as várias decisões que são tomadas, porque estão em compartimentos completamente estanques.
Não se pretende que seja instituída uma comissão permanente da condição feminina, como no passado. Também essa solução não me agrada. O que pretendemos é instituir uma comissão eventual que, sempre que seja necessário, possa debruçar-se sobre estas questões específicas. Não queremos uma comissão de mulheres, mas uma comissão de Deputados desta Câmara.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder às votações agendadas para hoje, começando por votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 4/VI - Revogação e alteração das normas mais gravosas do «Pacote laboral» (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro e abstenções do PS e do PSN.

Vamos proceder ainda à votação final global da proposta de resolução n.º 2/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo Internacional da Juta e Produtos da Juta.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra, para interpelando a Mesa, anunciar que, nos termos regimentais, o Partido Socialista, relativamente ao projecto de lei n.º 4/VI, entregará na Mesa uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos prosseguir o debate sobre os temas agendados para hoje.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A comemoração, na Assembleia da República, do Dia Internacional da Mulher é naturalmente inseparável do 25 de Abril. Efectivamente, como aqui recordou a Sr.ª Deputada Odete Santos, quer os direitos quer as organizações das mulheres eram ferozmente perseguidos, antes do 25 de Abril, pelo regime fascista então existente. E aos exemplos que a Sr.ª Deputada citou gostaria de juntar mais um: o da Associação Feminina Portuguesa para a Paz, sediada no Porto, que nos anos cinquenta foi encerrada pela PIDE, que se apoderou de todo o recheio, o qual naturalmente nunca mais foi devolvido. A Associação Feminina Portuguesa para a Paz, no Porto, era presidida por uma grande figura de resistente antifascista que aqui me é especialmente grato recordar.
Com o 25 de Abril e com a nova Constituição foi possível, além de outorgar outros direitos às mulheres, estabelecer a igualdade de direitos civis e políticos e na educação dos filhos e a igualdade na retribuição e organização do trabalho, sem persistir, portanto, a discriminação de sexos.
Mas a verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que entre o texto constitucional e a realidade vai ainda, em muitos casos, uma distância que urge encurtar. É através da apresentação de vários projectos de diplomas legislativos que volta a evidenciar-se a necessidade de aproximar os princípios constitucionais, ainda não existentes em muitos sectores da vida portuguesa, da realidade.
E, hoje, esta comemoração do Dia Internacional da Mulher revestiu-se de características que me levam a saudá-la especialmente, não só pelo facto de aqui terem tido lugar intervenções sobre o Dia Internacional da Mulher mas também por, na sequência dessas intervenções e como forma de comemorar esse dia, terem sido apresentados vários diplomas que têm em vista particularmente problemas que dizem respeito à mulher.
Naturalmente que, em relação a estes vários diplomas, oriundos de várias bancadas da Assembleia da República, pensamos que esta sessão de hoje da Assembleia da República só terminará quando, em data a designar, forem votados, na generalidade, estes diplomas, que pela nossa parte - e naturalmente por parte da Intervenção Democrática, ID, que aqui represento - terão todos um voto favorável. De facto, todos esses diplomas, com um carácter mais pontual ou mais alargado, merecem a nossa concordância, pelo que terão o nosso voto favorável.
Pensamos mesmo - e voltamos a repeti-lo, Sr. Presidente - que estão de parabéns as mulheres do nosso país, na medida em que, com esta sessão comemorativa do dia 8 de Março, não se limitaram a uma vez mais afirmar os seus direitos, mas apresentaram a imagem prática da necessidade de aproximar a lei constítucional da realidade portuguesa, através de vários diplomas.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço-lhes que, se quiserem conversar entre si, não permaneçam dentro do Hemiciclo porque isso provoca um som de fundo que não é nada agradável de ouvir, principalmente a quem está no uso da palavra e que, pelo menos, tem direito ao silencio dos outros.

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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, antes de iniciar a minha intervenção, quero, em jeito de interpelação à Mesa, dizer o seguinte: ficou, mais uma vez, provado que é absolutamente intolerável conceder-se tão pouco tempo a um Deputado para falar num debate, seja ele qual for, nomeadamente num debate da envergadura deste, que até se reveste de uma certa solenidade.
De facto, um Deputado não dispõe sequer do tempo correspondente a um pedido de esclarecimento!... Ponho isto à consideração dos Srs. Deputados, para que rapidamente se resolva esta situação, que, como já aqui disse uma vez, não é indignificante para o Deputado mas, sim, para esta Assembleia.
Dito isto, Sr. Presidente, já não disponho de tempo para usar da palavra, mas a Sr.ª Deputada Isabel Castro disponibilizou-me parte do seu para poder continuar a intervir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, sobre a Lei da Protecção da Maternidade e da Paternidade, 10 anos depois do 25 de Abril, significou um importante avanço no respeito da mulher e pelos seus direitos na sociedade.
Mas a vida, que ainda não tem devidamente inscrita a aplicação, na prática, da lei, mostrou, ainda assim, lacunas que é preciso ultrapassar.
É neste sentido que se inscreve este dia parlamentar e, desde já, saúdo o importante contributo de todas as forças políticas para se dar corpo a mais um avanço na caminhada para um real estatuto de igualdade das mulheres no nosso país.
O projecto que, em nome da UDP, entreguei na Mesa da Assembleia, e que vai ser submetido, com outros - um do PS e outro do PCP, ambos de grande importância e oportunidade -, a discussão pública, tem como preocupações fundamentais, em primeiro lugar, garantir uma real protecção à mulher trabalhadora, com a obrigatoriedade de renovação do contrato de trabalho, quando grávida ou no uso de licença de maternidade. É que persiste uma hipocrisia real quando se ouvem tantas declarações sobre a função social da maternidade e as preocupações com o envelhecimento da sociedade e, depois, a mulher é tantas vezes irremediavelmente prejudicada no seu direito ao trabalho, exactamente quando responde à sua função insubstituível a favor da sociedade.
Uma segunda preocupação é a de alargar o respeito integral pelos direitos da mulher, prevendo a possibilidade de, por vontade expressa desta, o pai poder assumir, nos últimos 30 ou 60 dias, a licença de maternidade, enquanto ao direito de o pai prestar assistência à criança, no caso de incapacidade da mãe, se passe a atribuir o carácter de licença de paternidade, tendo em conta o reconhecimento da necessária partilha de responsabilidades e tarefas no sentido de o homem assumir cada vez mais a sua paternidade com os resultados positivos que tal ocasiona na vida familiar.
Prevê-se ainda a redução de uma hora diária no horário de trabalho da mulher a partir dos cinco meses de gravidez, tendo em conta as condições diferentes em que a mulher tem de trabalhar e de se deslocar nomeadamente nos transportes públicos em horas de ponta, como e evidente.
Finalmente, assegura-se que as faltas para a assistência à família sejam efectivamente pagas pela segurança social.
Desde já, quero realçar que irei votar favoravelmente, em nome da UDP, todos os projectos que estão aqui em debate, cujos proponentes saúdo.
E não quero deixar de-já que, há pouco, na primeira parte da ordem do dia, não me foi dado tempo para fazê-la -, neste dia, em que a Assembleia da República comemora o Dia Internacional da Mulher, prestar a minha homenagem à mulher portuguesa e às mulheres de todo o mundo, de uma forma mais liberta.
Assim, quero dizer que, apesar da importância do dia 8 de Março no calendário do progresso da humanidade, temos a consciência de que ainda há quem o considere uma efeméride dispensável, porque, dirão, se a mulher é igual ao homem, errado será tratá-la de forma diferente.
Santa e masculina hipocrisia, só possível se não pensarmos, por exemplo, nas mulheres que terão de trabalhar no turno das quatro à meia noite ou da meia noite às oito, como «aperitivo» de um dia de lida doméstica, ou naquelas outras, que tão bem conhecemos, capazes de dar novos mundos ao mundo, e que estão arredadas do poder efectivo na sociedade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi Eva quem guiou Adão para o pecado ou, em linguagem não bíblica, para as maravilhas do conhecimento, do saber e da liberdade.
Foi Eva quem deu o impulso primordial à História, que tão mal lhe tem agredecido, mas é a mulher quem tem sustentado a humanidade nos seus ombros e lhe dá a vida.
É a mulher quem tem a força e a coragem para «agarrar a vida pelos comos».
Ela é a heroína e a vítima; é ela quem gera o amor mais profundo e a revolta mais genuína.
É a Mãe Coragem; é a «aia» de Eça; é a «padeira de Aljubarrota»; é a Filipa de Vilhena; é a Luísa Michelle; é a Clara Zctkin; a Kolontai; a Rosa Luxemburgo, que voava alto como a águia; a Florbela Espanca; a Catarina Eufémia; a Simone Bouvoir; a Djamila Boupacha; a Maria Lamas; a Ilina Guimarães; a Vieira da Silva; a Natália Correia, que à Pátria chama Mátria, e com razão; a Maria de Lurdes Pintasilgo, que ousou disputar o poder; é a Maria do Sameiro, que lava o soalho da patroa e dirige a colectividade da freguesia.
É, acima de tudo, a não nomeada, a que resiste à discriminação e ao despedimento selectivo, a que na barraca sórdida vê os filhos sem destino como prémio de os ter dado ao mundo; é aquela que morre no aborto clandestino.
São as mulheres capazes do sacrifício supremo pela liberdade: depois de gerarem os filhos e de os terem dado à luz, sussurram-lhes com o coração dilacerado que não hesitem e se batam.
Em Timor Leste, as mulheres geram guerrilheiras e guerrilheiros. Com amor, com orgulho, com terrível sofrimento. Permitam-me que, em homenagem à mulher timorense e à luta do povo de Timor, leia a canção Timor de Embalar, de Fernando Sylvan, homem de Timor, português, universal:

Meu menino/Dorme/Dorme.../Diziam/As mães antigas/Aos filhos/Para fechá-los/No sono/Sobre as esteiras.
Acorda/Meu filho/Acorda.../.Sacodem/As mães agora/Os filhos para chamá-los/Às armas/E às canseiras.
Acorda/Meu filho/Acorda.../Não podes/Dormir sonhar;/Guerrilheiro tens de ser/Que o povo tem de lutar!
Meu menino/Dorme/Dorme.../Não podiam/Nesse tempo/Nem futuro/Amanhecer/Nem liberdade/Cantar.

Aplausos do PS, do PCP e do Deputado independente Raul Castro.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero pronunciar-me sobre os vários projectos de lei que foram aqui apresentados e dizer qual e o nosso sentido de voto.
Excluindo o projecto de lei do PSD que visa uma matéria que tem uma parte laboral e a outra pane fundamental não laboral e o projecto de deliberação do PS para a recriação de uma comissão eventual, como a antiga Comissão da Condição Feminina, a que hoje se poderia dar outro nome, como, por exemplo, para acompanhamento dos problemas da mulher, e do PCP sobre associações de mulheres, etc., todos os outros dizem respeito à defesa da mulher grávida no sector laboral. Ora, aquilo a que Régis Debré chamava «revolução da revolução», podemos dizer aqui que se quer estabelecer a «diferença na diferença». Significa isto que os problemas da mulher não são apenas os problemas de um sector; há outros sectores da sociedade que sentem a discriminação, devido à classe, à nascença, à origem e a outras formas em que eles são discriminados. Por isso mesmo, quando, ao lado destas outras discriminações todas, surge a discriminação da mulher em todos os sectores e principalmente no laboral, mas sem esquecer também no político ou no social, o que nós podemos pretender é que não existam, pelo menos, as «diferenças dentro das diferenças».
Hoje, na Ciência Política, discute-se muito esta matéria e, se nós formos ler as revistas de Sociologia, tudo se põe em causa, até a forma de fazer a estatística. De facto, nestes últimos dias, estive a ler um trabalho, existente aqui na Assembleia da República, sobre a falacidade de inquéritos feitos, em que se formula, da mesma maneira, a homens e mulheres a mesma pergunta. Depois, nas respostas, diz-se, por exemplo, que tantos dizem isto, dos quais tantos são homens e tantos são mulheres. Afirma-se nestes estudos que a resposta de um homem a uma pergunta e necessariamente diferente da resposta da mulher a essa mesma pergunta. É que o modo de raciocínio da mulher pode não ser o mesmo; o seu sentir, o seu pensar, a sua mundividência, aquilo que ela realmente quer dizer e pensar pode não ser exactamente o que o homem quer dizer e responder quando lhe fazem a mesma pergunta. Por isso mesmo, as técnicas até devem ser investigadas sociologicamente, não para separar os homens das mulheres mas para obter uma verdadeira resposta para as diversas formas de resolver os problemas sociais com base no sexo.
E, se formos tão longe, naturalmente que hoje até se diz que o método do feminismo é um nas Ciências Sociais e outro nas Ciências Políticas, isto é, os métodos de lógica são corripletamente diferentes e, por isso mesmo, não se podem aplicar as mesmas fórmulas, que seriam as machistas, as tradicionais, para a resolução dos problemas femininos.
Talvez por causa disso é que tudo aquilo que nós queremos fazer nesta nossa sociedade é, dentro de uma lógica dos homens, resolver os problemas das mulheres e que pode não ser assim. Vem isto a propósito para também dizer que, ao lado das lógicas dos homens e das mulheres, existe nas sociedades capitalistas, nas sociedades de economia de mercado uma chamada lógica da empresa.
Ora, essa lógica da empresa não é uma lógica dos homens nem das mulheres; é a lógica da produção, do desenvolvimento, da multiplicação de bens, do avanço da sociedade conforme ao pensamento de que esta só evolui de uma determinada maneira. E por isso mesmo, por querermos ultrapassar esta lógica que é diferente, ou que tem pouco a ver com a lógica masculina ou a lógica feminina, comecei por dizer que ela existe. E hoje estão em investigação várias maneiras de encarar os problemas. Não podemos aplicar à lógica empresarial os conceitos que só a lógica empresarial pode gerar e defender.
Dizer, por exemplo, a um empresário que contrate uma mulher e que em nome da família, em nome da fecundidade, em nome de razões demográficas, em nome de todos os outros altos valores...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Em nome da igualdade!

O Orador: - Em nome da igualdade, sim, Sr. Deputado Lino de Carvalho, mas pela positiva, por uma discriminação positiva da igualdade.
Como dizia, prever num diploma que todos estes valores devem ser respeitados pelo empresário que contrata uma mulher é uma coisa que, naturalmente, todos nós podemos aqui aprovar, pela qual todos podemos combater, mas que, sabemos isso, parará à porta da empresa. E não há lógica alguma, a não ser uma revolução cultural, a não ser o próprio desenvolvimento das regras e da lógica empresarial, que possa conduzir à modificação daquilo que hoje existe na prática do dia-a-dia.
O que quero dizer - e para acabar - é que não podemos modificar, parcial ou artificialmente, regras que sabemos irem contra a substância de uma lógica empresarial que está estabelecida aqui, em Portugal, nos países ocidentais e mesmo nos antigos países socialistas. Aquilo que o Partido Comunista propõe - e não digo isto com base no velho e usual argumento -, estes privilégios nem sequer existiam nos antigos países de sistema socialista!... E não digo isto para fazer picardia, como se dizia antes: «Vejam o que se passa na Rússia!...»
Por isso mesmo, não poderemos, de forma nenhuma, votar de ânimo leve os projectos de lei, por exemplo, da UDP e do PCP que vão contra esta lógica. Sabemos que seria bom que assim não acontecesse.
Dizer-se que no «Dia da Mulher» se vota tudo o que se deseja e depois dizer-se que os empresários não aplicam essas leis, sem querer saber o porquê, seria sem dúvida um acto hipócrita e não seria prestar uma homenagem à mulher. Antes de tudo temos de ser realistas e defender a mulher no que podemos e não defendê-la naquilo que hoje em dia ainda não podemos.

(O orador reviu.) Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, as Sr.ª Deputadas Elisa Damião, Odete Santos e Leonor Beleza. Como o Grupo Parlamentar do CDS já não dispõe de tempo, o Sr. Deputado Narana Coissoró responderá às Sr.ª Deputadas pela ordem de inscrição e com desconto no tempo, respectivamente, do PS, de Os Verdes e do PSD.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Deputado Narana Coissoró, quero agradecer-lhe a sua intervenção, sem a qual não teria havido debate e ficaríamos pelo simbolismo destas cerimónias, pelo que perdia em autenticidade o debate que aqui quisemos fazer. É sempre corajoso, simpático e interessante ouvi-lo falar destes temas, mas, em-

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bora - perdoe-me até a expressão - o ouça com simpatia, enfim, ouço-o com alguma confusão de sentimentos e ao mesmo tempo com alguma hostilidade, até pelo estilo de intervenção que o Sr. Deputado sempre traz para estas questões.
Porquê? Em primeiro lugar, porque o CDS se reclama um partido dos valores da família. Mas a família não é a família mítica que o CDS quer, é a realidade sociológica! Embora eu tenha ficado a saber que o Sr. Deputado não acredita na Sociologia como ciência, a realidade sociológica é a que existe, a que temos, e a abordagem da Sociologia aos problemas da sociedade moderna - do emprego, do trabalho e da família - felizmente está em adaptação e modernização, faz o seu percurso e é irreversível!
Irreversíveis são, por outro lado, os direitos da mulher, consagrados um pouco por todo o mundo, e o seu estatuto como cidadã. Sendo assim, nunca entendo as questões que V. Ex.ª coloca - com as quais estou inteiramente de acordo e que considero razoáveis no sentido geral dos direitos - como se a empresa fosse um mundo à parte onde a cidadania não entra, quer dizer, a empresa é um mundo de autocracia e a cidadania fica à porta! Portanto, a cultura da empresa de que o Sr. Deputado fala não é a cultura da empresa que eu conheço, nem sequer sob o ponto de vista de gestão empresarial! Efectivamente, hoje a cultura da empresa é a antítese daquilo que o V. Ex.ª acabou aqui de enunciar.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Muito bem!

A Oradora: - A humanização da empresa passa, de facto, pela consciência de que nela trabalham seres humanos, de que cada indivíduo tem direito à sua realização, que a empresa não pode impedir a realização de cada indivíduo e do próprio colectivo. Não vou fazer aqui a crítica do «taylorismo», pois não me parece ser a ocasião indicada. Teríamos muito gosto em abordar a análise da empresa sob esse ponto de vista, mas não é isso que pretendo fazer.
De facto, a questão que coloco ao Sr. Deputado e a de saber se considera que a cidadania e os direitos dos cidadãos, nomeadamente das mulheres, são para deixar à poria da empresa ou se também entram.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.º Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente e Sr. Deputado Narana Coissoró, considero que a sua intervenção de hoje correspondeu, efectivamente, àquilo que é de facto o CDS: é coerente! Não tenho a mesma opinião da Sr.ª Deputada Elisa Damião, pois penso realmente que, pelo modo como as empresas estão estruturadas no sistema capitalista, este é um sistema que, para além de se dirigir à exploração do homem, se dirige também à exploração da mulher. Hoje foi coerente, Sr. Deputado!
O pedido de esclarecimento que quero colocar-lhe é o seguinte: qual é a verdadeira posição do Sr. Deputado? Foi aquela que lhe ouvi há três ou quatro anos, numa intervenção memorável, ali da tribuna, no dia 8 de Março, em que no final eu até disse que gostava de ter subscrito essa intervenção?
Nessa altura, sim, o Sr. Deputado estava a fazer uma intervenção que não correspondia efectivamente à postura política do CDS. Mas, hoje o Sr. Deputado fez a intervenção do CDS e ficámos a saber que o CDS tem a posição de considerar que se justifica, para bem da empresa, do «altar sacrossanto» do empresário, a exploração da mulher!

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Por último tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.

A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, V. Ex.ª colocou um problema que existe e retirou daí consequências que vão, do meu ponto de vista, além do que é tolerável. Mas qual é esse problema? É a conciliação entre os direitos que são concedidos aos trabalhadores e que, mesmo quando concedidos sem consideração expressa de sexo, se sabe que vão ser utilizados pelas mulheres - estou a falar dos direitos que têm a ver com a conciliação entre o trabalho familiar e o trabalho profissional.
Esse problema existe e por isso é necessário - e, do meu ponto de vista, sem qualquer espécie de dúvidas e posso louvar-me em todos os princípios comunitários neste domínio - que as empresas assumam também a sua quota--parte de responsabilidades num domínio que não pode ser deixado exclusivamente aos indivíduos e às famílias, como, aliás, há momentos tentei dizer.
Mas, em relação aos problemas da participação das mulheres, há aqui uma questão de medida que é particularmente importante, isto é, até onde é que a concessão desses direitos é indispensável e se justifica e a partir de que momento é que eles funcionam, de facto, como um factor de discriminação contra as mulheres. Este problema existe e tem de ser meditado sempre que se pede, que se reivindica ou que se concedem direitos para a conciliação do trabalho familiar e do trabalho profissional.
Mas os termos em que o Sr. Deputado Narana Coissoró colocou aquilo que chamou a lógica de empresa leva-nos a limites absolutamente intoleráveis, não só no domínio, óbvio, do direitos das mulheres ao trabalho, do direito das sociedades a ver as famílias a ter meninos - qualquer dia não há quem queira ter meninos, se a situação se colocar nos termos em que o Sr. Deputado o fez -, pois é um interesse vital da sociedade que haja meninos e é, hoje, um interesse vital da sociedade portuguesa, o qual não deve ser satisfeito através de políticas natalistas mas, sim, através de uma política razoável de conciliação dos dois níveis de responsabilidades, sem discriminações em função do sexo, sabendo-se, na prática, que vão funcionar, a maior parte das vezes, a «favor» exclusivamente das mulheres ou, melhor, a favor das famílias e das crianças. Mas são as mulheres que as utilizam e isso é, em si, factor de discriminação.
Porém, a lógica que o Sr. Deputado referiu, nos termos em que a colocou e, repito, partindo de uma situação de equilíbrio, que é garantir às mulheres e às famílias direitos suficientes, mas que, depois, não se traduzam em discriminações de facto, levaria a que a chamada lógica de empresa não reconhecesse aos trabalhadores o direito a férias, o direito ao salário mínimo, o direito a um horário máximo de trabalho, e por aí fora...
Tudo isso são direitos que as sociedades civilizadas têm vindo, progressivamente, a reconhecer como fazendo parte de um jogo, de um equilíbrio de interesses entre as empresas e os trabalhadores, e são, do meu ponto de vista, um património indispensável das democracias, não só políticas mas também sociais, culturais, etc., como nós as concebemos. São um património indispensável, hoje, perante aquilo que é a Constituição da República Portuguesa, que são as leis em que nos inserimos, que é a política social das Comunidades Europeias...
Tudo isso impõe um equilíbrio, uma arbitragem de conflitos, uma solução de compromisso entre interesses, que são, de certa maneira, antagónicos e em relação aos quais é pré-

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ciso encontrar uma solução, mas que não poderão, do meu ponto de vista, em quaisquer circunstâncias, perante os princípios que são aqueles que nos regem, levar às consequências dramáticas e intoleráveis a que a lógica que me pareceu querer aceitar naquilo que disse levaria.
Do ponto de vista do PSD, essa lógica conduziria a resultados absolutamente intoleráveis.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, usando equitativamente tempo disponível dos partidos a que pertencem as Sr.ª Deputadas que solicitaram esclarecimentos, isto é, tempo de Os Verdes, do PS e do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, agradeço as perguntas que me colocaram e a veemência com que o fizeram, porque realmente saímos do «banho-maria» em que esta sessão estava, pois era necessário estremecer um pouco este debate e, principalmente, a minha colega Deputada Odete Santos.
Na realidade, é preciso discutir estes assuntos, porque não vale a pena, todos os anos, no «Dia da Mulher», vir aqui fazer grandes parangonas, deixando ficar tudo como está a nível das empresas, e, depois, virem chorar e dizer que esta empresa despediu aquela mulher, aquela não deixou entrar a outra, aquela não cumpre a lei, aquela despediu uma mulher grávida, aquela não recrutou mulheres, etc.
Tudo isto se passa durante 364 dias e, num dia como hoje todos nós dizemos que isto é mau, que isto tem de acabar e mais não sei quê, sem se saber porque é que durante esses 364 dias essas coisas sucedem e qual é a lógica que está por detrás delas. É preciso levantar a cabeça da areia, pois não é só no dia da mulher, é também nos dias da empresa, todos os dias que devemos pensar nestas questões.
Seja isto a verdadeira voz do CDS, seja isto a verdadeira voz dos trabalhadores, seja isto a verdadeira voz da mulher, o que se passa é o seguinte: o problema fundamental que eu aqui quis colocar - e sabia que, naturalmente, me fariam essas perguntas - é o de saber quem deve suportar, na sociedade portuguesa de hoje, os custos do bem-estar fisiológico da mulher.

A Sr.ª Maria Luísa Ferreira (PSD): - E da criança!

O Orador: - E da criança!

Quem deve suportar os custos da maternidade? Quem deve suportar os custos do bem-estar e da segurança da mulher, antes e depois da gravidez? Quem deve suportar os custos de ela ter tempo necessário, não só na empresa, como, e principalmente, fora da empresa para se dedicar à família?
Aí está a verdadeira razão por que os partidos democratas-cristãos se batem por uma boa lei da família, que deve ser uma lei não sectorial mas, sim, uma lei horizontal. É uma lei que não toca unicamente nos problemas laborais, não toca unicamente nos problemas da habitação, não toca unicamente nos problemas da educação, não toca unicamente nos problemas da cultura, não toca unicamente nos problemas dos direitos da saúde, mas que deve atravessar todos os ministérios, toda a legislação, de modo que não haja apenas o afunilamento da mulher nos problemas laborais daquelas que trabalham. Também é preciso pensar que há milhares de mulheres que são donas de casa e que não tem emprego, mas ser, hoje, dona de casa é também uma profissão; no entanto, dessas ninguém falou neste Dia Internacional da Mulher, apesar de também merecerem protecção. O que é eu aqui quis trazer com aquilo a que os ingleses chamam provocative interrogation - uma provocação interrogativa - foi exactamente isto: é justo que se espere que todos os custos sejam suportados pelo empresário, de uma pequena ou média empresa, que representam 75% da estrutura do nosso tecido empresarial, que vive de 7, 8, 9, 10 ou, no máximo, 20 trabalhadores, onde as relações são de face a face, tu cá tu lá, que quer que os trabalhadores lá estejam todos os dias, que vive do chamado desenrascanso português, ou seja, o fulano que lhe bate à porta de outro e lhe diz: «Salva-me esta coisa, pois, se hoje não me arranjares o meu carro, eu não posso ir para a empresa... Deixa lá o outro e põe o meu à frente, etc.»?... Espera-se desse empresário que trate destes problemas da maternidade, de 120 dias, de antes e depois da gravidez?...

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - É a segurança social quem paga!...

O Orador: - É isso que eu estou a dizer. Eu estou a tratar dos problemas da empresa, depois vamos para a segurança social e para além dela, porque a segurança não paga integralmente.
O que quis dizer foi que não se pode, de qualquer forma, transferir os custos, mesmo que parciais, do bem-estar da mulher, que são necessários e que devem ser obrigatórios, para uma sociedade em desenvolvimento e para uma sociedade civilizada, para pequenos e médios empresários. Para grandes empresas está bem, pois, se uma empresa tem 2000 ou 3000 trabalhadores, se realmente tem um quadro, para ela o facto de estarem ausentes 120, 90 ou 80 dias, isso é resolvido pela informática que as trata dentro do anonimato. Essas empresas pagam através do serviço de pessoal - e está muitíssimo bem - e suportam as diferenças dos salários.
Mas sejamos realistas. Eu pergunto a uma a uma das minhas interrogantes se acham possível, numa pequena empresa de 7, 8, ou 9 trabalhadores ou numa média empresa de 15 ou 20 trabalhadores, pôr em prática esses vossos diplomas.
E não me venham dizer que isto é reaccionário, que isto é contra o progresso, porque isso não é verdade! A empresa é a empresa e, realmente, as pequenas e médias empresas não podem suportar os custos, mesmo que parciais, do bem-estar da mulher.
Por isso o problema é de uma boa lei da família que, efectivamente, proteja a mulher em todas as circunstâncias e não apenas a mulher trabalhadora, não apenas a mulher da grande empresa, mas também a mulher da média e pequena empresa, em que os custos, sejam suportados pelo Estado...

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Mais despesa?!

Vozes do PCP: - Mais Estado?!

O Orador: -... ou através da segurança social, quando ela contribui integralmente para o salário total ou através do próprio sistema não contributivo da segurança social.

A Sr.ª Maria Luísa Ferreira (PSD): - Então, e as donas de casa?!

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1162 I SÉRIE-NÚMERO 38

O Orador: - Não! As donas de casa não contribuem; portanto, é preciso haver uma protecção das mulheres não contributivas, que são imensas. Por isso é que a Sr.ª Deputada fala no vosso projecto aqui de laboral e não de segurança social, o que não leva ao mesmo sítio!
Por isso é que digo que o Estado deve suportar, através da política social, os custos do bem-estar da mulher e da criança e o empresário não deve ser, digamos, obrigado a suportar esses custos.
E diz o Sr. Deputado Mário Tomé: «se a mulher está grávida, o contrato fica automaticamente renovado». Mas porque é que o contrato fica automaticamente renovado por ela estar grávida? Qual é a lógica laboral ou do bem-estar da mulher para que um contrato a prazo fique automaticamente renovado só porque a mulher está grávida? Qual é a lógica disso?
Se, realmente, houver um sistema de segurança social, uma política social do bem-estar da mulher, que qualquer país com problemas de natalidade tem de ter - e nós não temos -, o contrato não tem de ser renovado, pois, ao renovar-se o contrato, o que se quer é transferir para o empresário o trabalhador ficticiamente, artificialmente. Para quê manter a renovação automática do contrato só pelo facto de a mulher estar grávida? Amanhã, se uma mulher ficar inválida...

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Não é a mesma coisa!

O Orador: - Não é a mesma coisa, eu sei, pois uma coisa é doença outra coisa é fisiológica.
A mulher nunca pode, de forma alguma, sair do seu emprego?! Eu não percebo, nem ninguém percebe. Não há nenhum país no mundo que diga que pelo facto de a mulher estar grávida não pode terminar o seu contrato que celebrou por seis meses.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Mas, se se mantiver lá o posto de trabalho, porque é que há-de ficar desempregada?

O Orador: - Mas se ela fez o contrato por seis meses, porque é que só pelo facto de estar grávida esse contrato se há-de renovar automaticamente?

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Porque o posto de trabalho se mantém!

O Orador: - Porque engravidou. Esta é a sua lógica, mas não é a minha nem de nenhum empresário.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Isso não é só protecção à mulher, é protecção à sociedade!

O Orador: - Isso é demagogia pura, pois nem o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa defende isso!
Portanto, o que eu estava a dizer era que não devemos transferir para o empresário custos sociais que devem ser suportados por outras instituições do Estado. É por isso que o Estado existe.
O que está nos vossos projectos é a transferência para o empresário de custos sociais que ele não é obrigado a suportar.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O que é que isso tem a ver com o projecto do PCP?

O Orador: - Sr.ª Deputada, eu respondi às perguntas que me foram formuladas!

(O orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esgotada a agenda dos nossos trabalhos de hoje, resta-me informar que as votações dos diplomas que aqui foram discutidos serão feitas na próxima quinta-feira, às 18 horas e 30 minutos.
Dessa sessão, que terá início às 15 horas, constará um período de antes da ordem do dia, com eventuais declarações políticas, e um período da ordem do dia, com a discussão do projecto de lei n.º 56/VI, apresentado pelo PCP, PSD e PS, sobre a objecção de consciência e do orçamento da Assembleia da República para 1992.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Ana Paula Barros.
António Maria Pereira.
Fernando Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
José Ângelo Correia.
José Bernardo Falcão Cunha.
Leonardo Ribeiro de Almeida.
Manuel Castro de Almeida.
Rui Alberto Limpo Salvada.

Partido Socialista (PS):

António Marques Júnior.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Costa Candal.
Jaime José Matos da Gama.
Luís Filipe Madeira.

Foliaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Álvaro José Martins Viegas.
António da Silva Bacelar.
António Fernandes Alves.
António Paulo Coelho.
António Santos Pires Afonso.
Aristides Alves Teixeira.
Ema Maria Lóia Paulista.
Fernando Marques de Andrade.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Bernardino Silva.
Joaquim Vilela Araújo.
Jorge Paulo Roque da Cunha.
José Macário Correia.
Manuel Casimiro de Almeida.
Manuel Costa Andrade.
Maria Manuela Aguiar.
Pedro e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

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11 DE MARÇO DE 1992 1163

Partido Socialista (PS):

Mário Manuel Videira Lopes.
Rogério Conceição Martins.
Alberto Arons de Carvalho.
Rui António Ferreira Cunha.
Alberto de Oliveira e Silva.
Rui Machado Ávila.
António da Silva Braga.
António Dominguez Azevedo.

Partido Comunista Português (PCP):

António Oliveira Guterres.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Edite Marreiros Estrela.
Maria de Lurdes Hespanhol.
Joaquim Fialho Anastácio
José Apolinário Portada.

Centro Democrático Social (CDS):

José Barbosa Mota.
José Luís Nogueira de Brito.
José Eduardo Cruz Jardim.
José Ernesto dos Reis.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA. José Manuel Lello Almeida.

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DIÁRIO da Assembleia da República

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