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Quarta-feira, 18 de Março de 1992 I Série - Número 41

VI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE MARÇO DE 1992

Presidente: Exmos. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs.

João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
A Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt (PS) criticou a política educativa do Governo e congratulou-se com a demissão do Ministro da Educação, Diamantino Durão, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Antónia Filipe (PCP), Narana Coissoró (CDS), Mário Tomé (Indep.) e Carlos Coelho (PSD).
O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa (PCP) chamou a atenção da Câmara para os problemas do sector aduaneiro resultantes da integração europeia.
A Sr.ª Deputada Ana Paula Barros (PSD) abordou a temática da defesa do consumidor e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado José Vera Jardim (PS).
O Sr. Deputado Fernando Ká (PS) referiu-se à necessidade de implementação de uma política de integração da comunidade africana na sociedade portuguesa. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Luis Geraldes (PSD) - que deu também explicações ao Sr. Deputado António Costa (PS) - e Narana Coissoró (CDS).

Ordem do dia. - Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de Deputados do PS e do CDS.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 68/VI (PS) - Lei quadro de atribuições e competências das autarquias locais, 69/VI (PS) - Lei das Finanças Locais, 70/VI (PS) - Bases das empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais, 92/VI (PCP) - Lei quadro das empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais, 96/VI (PCP) - Aprova o novo regime da tutela administrativa sobre as autarquias locais, revogando as disposições fundamentais da Lei n. º 87/89, de 9 de Setembro, e 110/VI (CDS) - Alteração da Lei das Finanças Locais (Lei n. º 1/87, de 6 de Janeiro), e os projectos de deliberação n.ºs 18/VI (PS) - Calendário do processo de institucionalização das regiões administrativas e 19/VI (PCP) - Definição de um calendário para a regionalização. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Jorge Lacão (PS), Raúl Castro (Indep.), Manuel Queiró (CDS), Luis Sá (PCP), Casimiro Tavares (CDS), André Martins (Os Verdes), Manuel Moreira (PSD), Gameiro dos Santos, Júlio Henriques, José Sócrates e José Penedos (PS), João Amaral (PCP), Mário Tomé (Indep.). Ângelo Correia (PSD), Narana Coissoró (CDS), Manuel Sérgio (PSN), Fialho Anastácio (PS) e Lourdes Hespanhol (PCP). No final, foi aprovado um requerimento, apresentado pelo PS, PCP e CDS, de baixa à Comissão dos projectos de lei para nova apreciação, antes da votação na generalidade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Sousa e Silva.

driano da Silva Pinto.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Ana Paula Matos Barros.
António Barbosa de Melo.
António Barradas Leitão.
António Correia Vairinhos.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernandes Alves.
António Germano Sá e Abreu.
António Maria Pereira.
António Paulo Coelho.
António Santos Pires Afonso.
Aristides Alves Teixeira.
Arlindo da Silva Moreira.
Armando Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata da Silva.
Carlos Almeida Figueiredo.
Carlos de Almeida Coelho.
Carlos Duarte Oliveira.
Carlos Lélis.
Carlos Lopes Pereira.
Carlos Manuel Gonçalves.
Carlos Miguel de Oliveira.
Delmar Ramiro Palas.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos José Soares Lima.
Duarte Rogério Pacheco.
Eduardo Pereira da Silva.
Elói Franklin Ribeiro.
Ema Maria Lóia Paulista.
Fernando Correia Afonso.
Fernando Gomes Pereira.
Fernando Marques de Andrade.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco J. Martins.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando Rodrigues.
Guilherme Rodrigues Silva.
Hilário Azevedo Marques.
Isilda Maria Pires Martins.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João de Oliveira Martins.
João Granja da Fonseca.
João José da Silva Maças.
João Salgado.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Roque da Cunha.
José Alberto Puig Costa.
José Álvaro Pacheco Pereira.
José Ângelo Correia.
José António Peixoto Lima.
José Augusto Silva Marques.
José Bernardo Falcão Cunha.
José Borregaria Meireles.
José de Almeida Cesário.
José Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Correia.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário Gaspar.
José Mário Lemos Damião.
José Reis Leite.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero Cunha Pinto.
Manuel Azevedo.
Manuel Baptista Cardoso.
Manuel Casimiro de Almeida.
Manuel Costa Andrade.
Manuel Lima Amorim.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Marques.
Maria Conceição Rodrigues.
Maria da Conceição Pereira.
Maria de Lurdes Póvoa Costa.
Maria Fernanda Dias Cardoso.
Maria Helena Ramos Mourão.
Maria Luísa Ferreira.
Maria Manuela Aguiar.
Maria Margarida de Sousa.
Marília Dulce Pires Morgado.
Mário Belo Maciel.
Mário de Oliveira Santos.
Melchior Pereira Moreira.
Miguel Bento Macedo e Silva.
Miguel Fernando Relvas.
Nuno Delerue Alvim de Matos.
Olinto da Cruz Ravara.
Pedro e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Miguel.
Virgílio de Carneiro.
Vítor Manuel Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto, de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Américo Albino Salteiro.
António Alves Martinho.
António Crisóstomo Teixeira.

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António da Silva Braga.
António de Almeida Santos.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos Cosia.
António Marques Júnior.
António Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
António Ribeiro Campos.
António Ribeiro da Silva.
Armando Martins Vara.
Artur Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Edite Marreiros Estrela.
Eduardo Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José de Figueiredo.
Fernando Gomes Ká.
Fernando Manuel Costa.
Fernando Pereira de Sousa.
Fernando Pereira Marques.
Guilherme de Oliveira Martins.
Helena Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Ferraz de Abreu.
João Maria Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Fialho Anastácio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Almeida Coelho.
José Apolinário Portada.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Cruz Jardim.
José Eduardo Reis.
José Ernesto dos Reis.
José Gameiro dos Santos.
José Manuel Lello Almeida.
José Manuel Magalhães.
José Rodrigues dos Penedos.
José Sócrates de Sousa.
Júlio da Piedade Henriques.
Júlio Miranda Calha.
Luís Capoulas Santos.
Manuel Alegre Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Celeste Silva Correia.
Maria Julieta Sampaio.
Maria Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raul Fernando Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui Machado Ávila.
Rui Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Gaião Rodrigues.
Apolónia Maria Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia.
Lino Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel Viana de Sá.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Miguel Urbano Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Casimiro da Silva Tavares.
Manuel Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria Almeida Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira Cunha.

Deputados independentes:

Mário Baptista Tomé.
Raul de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados; deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.º 109/VI - Lei dos Baldios (PS), que baixou às 3.ª e 6.ª Comissões, 110/VI - Alteração da Lei das Finanças Locais (Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro) (CDS), que baixou às 6.ª, e 7.ª Comissões, e interpelação ao Governo n.º 4/VI - Debate sobre política agrícola (PS).
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: à Secretaria de Estado da Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Pereira Marques, João Rui de Almeida e Barros de Sousa; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Barros de Sousa, Paulo Pereira Coelho, Marques da Silva, João Amaral e Olinto Ravara; ao Ministério do Mar, formulados pelos Srs, Deputados Barros de Sousa e Olinto Ravara; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Álvaro Viegas e Ribeiro Marques; à Secretaria de Estado da Habitação, formulados pelos Srs. Deputados Ferro Rodrigues e José Apolinário; ao Ministério das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Macário Correia e Artur Penedos; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados José Apolinário e Manuel Sérgio; ao Ministério da Indústria e Energia, formulados pelos Srs. Deputados Jerónimo de Sousa, Artur Penedos e Luís Sá; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pela Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira; ao Instituto Nacional de Estatística, formulado pelo Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Artur Penedos e Luís Sá e ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Luís Sá.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Jerónimo de Sousa e Lino de Carvalho, na sessão de 7 de Janeiro; José Apolinário, na sessão de 9 de Janeiro; Lourdes Hespanhol,

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na sessão de 16 de Janeiro; Guilherme Oliveira Martins, na sessão de 17 de Janeiro; João Amaral e Luís Fazenda, na sessão de 30 de Janeiro; António Barradas Leitão, na sessão de 11 de Fevereiro; Carlos Luís, na sessão de 11 de Fevereiro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrando agora no período reservado a intervenções sobre assuntos de interesse político relevante, dou a palavra à Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt.

A Sr.ª Ana Maria Bettencourt (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS congratula-se com a demissão do Sr. Ministro da Educação!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Finalmente, o Sr. Primeiro-Ministro deu razão ao Partido Socialista.

Aplausos do PS.

A demissão do Ministro da Educação representa a falência da escolha do Primeiro-Ministro; representa, mais uma vez - o, que já acontece há 14 anos! -, a falência do Partido Social-Democrata na pasta da Educação.

Aplausos do PS.

O Partido Socialista pediu, pela voz do seu líder, da Juventude Socialista e dos seus responsáveis, a demissão do Ministro da Educação.
Por razões que se prendem com atitudes culturais e políticas e com uma política em que faltou a ciência, a cultura, o rigor e a qualidade, nos últimos anos (c, em particular, nos últimos dois meses), assistimos ao maior movimento de contestação no sector da educação das últimas décadas. Nunca tinha havido um grito tão forte de revolta: alunos, professores e pais protestaram contra um sistema educativo, onde a falta de qualidade é bem patente. Toda a sociedade civil reagiu e foram-se acumulando problemas gravíssimos (como é o caso, por exemplo, da PGA, da segurança nas escolas, da regulamentação da carreira docente, do ensino especial) que continuam por resolver.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - No dia 23 de Janeiro fizemos aqui uma interpelação ao Governo, em que colocámos todas estas questões, que causaram mal-estar e deram origem aos movimentos de contestação.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Tivemos razão no dia 23 de Janeiro, tal como a tivemos quando pedimos um debate de urgência sobre a PGA.
Todas essas questões continuam sem resposta, sem solução!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Tivemos razão ao querer interpelar o Governo sobre essa matéria.
Para nós há razões culturais e educativas para a demissão do Ministro da Educação. No entanto, gostaríamos de saber se as razões que nos assistem - e que avançámos na interpelação ao Governo que aqui teve lugar - são as mesmas que levaram o Sr. Primeiro-Ministro a demitir o Sr. Ministro da Educação.
Se não o são, então seria importante que o Sr. Primeiro-Ministro explicasse quais as razões que presidiram à decisão que tomou.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro deve a esta Câmara e ao País explicações convincentes sobre as razões dos sucessivos erros da sua política educativa e das suas más escolhas.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Não apoiado!

A Oradora: - Em matéria educativa é longo o caminho que nos separa dos outros países da CEE, quer pela falta de oportunidades educativas das crianças, dos jovens e da população em geral, quer pela falta de qualidade do sistema educativo, quer pelas más condições de trabalho nas escolas. Os Portugueses e os jovens já perceberam isso e foi essa a razão que levou - o que aconteceu pela primeira vez - à defesa da qualidade do sistema educativo na rua.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Ao longo dos últimos 12 anos o PSD tem gerido a pasta da Educação sem ter um plano que permita trilhar um caminho seguro para melhorar a educação e transformar as práticas educativas e a vida nas escolas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A educação anda à deriva em Portugal. Sucessivos Ministros inventaram sucessivas reformas, que em nada reformaram a educação.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - E o pior, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que há toda uma geração que é anualmente prejudicada; numa Europa de livre circulação são os jovens portugueses que ficarão penalizados.
Os Portugueses estão a ser vítimas da política educativa do Primeiro-Ministro Cavaco Silva!

Aplausos do PS.

O Primeiro-Ministro está a penalizar gravemente os jovens portugueses. A sua política é um pesado preço para os jovens e para o desenvolvimento do País.
A crise da educação não se deve a Roberto Carneiro ou a Diamantino Durão. Deve-se, sim, à manifesta incompetência política do Primeiro-Ministro no sector da educação!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados António Filipe, Narana Coissoró, Mário Tomé e Carlos Coelho.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt, V. Ex.ª trouxe aqui, hoje, uma questão actual e pertinente, que é a da demissão do Ministro da Educação Diamantino Durão.
A pergunta que gostaria de fazer é se o Partido Socialista não considera que a grande questão em jogo não é tanto a figura do próprio Ministro Diamantino Durão mas, sim, a

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politica do PSD para a educação, pela qual é, em primeiro lugar, responsável o Primeiro-Ministro Cavaco Silva.
É que esta demissão de Diamantino Durão pode ler como objectivo absolver o próprio Primeiro-Ministro face às pesadas responsabilidades que tem na condução da politica geral e, consequentemente, da política educativa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, quero perguntar-lhe se não será que a grande questão que se coloca neste momento é a da necessidade urgente de se mudar de política.
Creio que esta demissão do Ministro Diamantino Durão é consequência directa de duas coisas. Primeiro, da falência rotunda da política educativa do PSD; segundo, da enorme contestação que se verificou por parte de praticamente todos os destinatários do sistema educativo.
Recordo, por exemplo, a contestação à PGA e a luta dos estudantes do ensino secundário por um novo regime de acesso ao ensino superior, recordo a luta dos estudantes do ensino superior pela dignificação do apoio social e contra o anunciado aumento de propinas; lembro também a contestação dos professores, sobretudo, em torno não apenas das grandes questões do sistema educativo mas também das questões justíssimas relacionadas com a sua própria carreira profissional.
Sr.ª Deputada, não crê que a grande questão seja a de saber se o PSD vai ou não alterar as grandes linhas da sua política educativa, se vai ou não abolir a prova geral de acesso, se vai discutir seriamente um novo regime de acesso ao ensino superior e se vai insistir no aumento das propinas para o ensino superior público? Aliás, a este propósito, devo dizer que o Grupo Parlamentar do PCP já anunciou que, na próxima sessão de perguntas ao Governo, vai requerer a presença do novo Ministro da Educação, engenheiro Couto dos Santos, para que nos possa esclarecer sobre todas estas questões, que são de grande utilidade e importância.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

A Sr.ª Ana Maria Bettencourt (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, segundo rezam as crónicas jornalísticas de hoje, estava o Sr. Ministro no seu estado ledo e quedo como sempre,...

Risos do PS.

... posto em sossego, e até tinha prometido dar uma entrevista na próxima quarta-feira sobre as questões mais candentes, questões que não teve tempo de analisar durante os 138 dias em que esteve à frente do Ministério, eis senão quando recebe a notícia de que não só não dava a entrevista como tinha de se ir embora.

Risos do PS.

Não ficámos a saber se esta substituição do Ministro significa também modificação da política do Governo em relação aos vários dossiers que o Ministro tinha em mãos, o da PGA - o imediato e o mais ensurdecedor -, o dos professores, o das propinas, o da reforma educativa, o do orçamento das universidades, etc., que durante os poucos dias em que a equipa do Prof. Durão esteve no Ministério teve de enfrentar, e agora o novo Ministro só para neles entrar há-de levar outros tantos meses.
Ficámos todos sem saber como é que o Sr. Primeiro-Ministro entendeu resolver essa questão. Dá a impressão que se quis substituir um ministro mudo por um ministro muito falador, dialogante e simpático, um ministro que vem aí para . repetir de vez em quando que a Assembleia da República é o centro da gravidade de toda a política portuguesa, mas ficamos sem saber, dizia, a que critérios obedeceu o despedimento sumário e sem justa causa até ver do Prof. Diamantino Durão.
É natural que o partido que apoia o Governo nos venha dizer hoje quais são os fundamentos desta demissão, até porque já ouvimos aqui dizer que a nova escolha é melhor do que aquela que há 15 dias era também defendida como melhor escolha após as eleições de Outubro.
É preciso saber se: primeiro, o Sr. Primeiro-Ministro mantém ou não o júri da PGA e a prova da 3.º chamada; segundo, se mantém ou não as promessas que o Secretário de Estado tinha feito sobre o estatuto dos professores; terceiro, se mantém ou não o critério de distribuição de verbas das universidades e do modo como vinha a ser executado pelo Ministro cessante; quarto, se mantém ou não a ideia de acabar com o exame, qualquer que seja, de acesso à universidade pública. No fundo, saber qual é a nova política educacional do Primeiro-Ministro.
Convidamos, desde já, o Sr. Ministro Couto dos Santos, logo que tome posse, a vir aqui ao Parlamento apresentar o seu novo programa da reforma educativa e da melhor política para a educação.

Aplausos de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mário Tomé inscreveu-se para pedir esclarecimentos mas não tem tempo disponível.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, em jeito de interpelação à Mesa, gostaria de solicitar à Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt a cedência de um minuto do tempo regimental do seu partido para lhe fazer uma pergunta.

A Sr.ª Ana Maria Bettencourt (PS): - Faça favor. Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé, utilizando tempo cedido pelo PS.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, é evidente que a demissão do Ministro e uma derrota da política de educação do Governo e uma vitória do movimento estudantil.
A Sr.ª Deputada não considera lamentável, apesar da necessidade da demissão do Ministro, o procedimento adoptado? Não considera preocupante para a saúde, não apenas democrática mas também ética, das instituições a forma como foi demitido?

Protestos do PSD.

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Não considera também que a forma como está sendo feita esta selecção de acesso à universidade releva um certo «darwinismo» na falta de apoio social em que os mais prejudicados são os alunos de menores recursos económicos.
Por último, Sr.ª Deputada, agradeço-lhe o tempo esta, atenção que me dispensou.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, fraca oposição esta que temos!

Aplausos do PSD.

Risos do PS e do PCP.

Fraca oposição esta e fraco sentido de Estado de que deram provas no início desta sessão!

Protestos do PS.

Querer levar este debate ao nível que os senhores quiseram no início da sessão prova para nós muita coisa. Prova, desde logo, que ao Partido Socialista, à falta de alternativas credíveis para o sistema educativo, de que, aliás, deu provas na interpelação insucedida...

Vozes do PS: - Vê-se!...

O Orador: -... que fizeram no início desta legislatura, não lhe resta outra alternativa senão aproveitar, de forma menos feliz a substituição do Ministro da Educação que o Sr. Primeiro-Ministro entendeu necessária neste momento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Não deixa de ser curioso ouvir, vindo do PS - o primeiro partido da oposição -, pela boca da Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt, um elogio ao Sr. Primeiro-Ministro.

Risos do PS.

Julgo que é a primeira decisão do Sr. Primeiro-Ministro que é tão aplaudida pelo Partido Socialista. Vamos ver quanto tempo é que este «cavaquismo» insuspeito do PS vai durar. E, Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt, vamos ver quanto tempo é que vai demorar para que o Partido Socialista, com o mesmo afã, com a mesma energia e com a mesma falta de coerência, comece a atacar o novo Ministro da Educação, Couto dos Santos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt.

A Sr.ª Ana Maria Bettencourt (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Filipe: Claro que o que está mal é a política da educação e não apenas a actuação do Sr. Ministro Diamantino Durão ou do Sr. Ministro Roberto Carneiro. Não absolvemos o Sr. Primeiro-Ministro porque entendemos que a grande responsabilidade é dele.
Srs. Deputados, são muitos anos com a pasta da Educação, são muitas as verbas investidas e é grande o investimento dos professores deste país, dos pais e dos jovens! Agora, os senhores já não conseguem conter o grito de reforma, seja qual for o ministro que venha. Com a política do PSD e do Sr. Primeiro-Ministro os senhores estarão sempre em maus lençóis.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado António Filipe, diria que a grande questão não é sequer esta ou outra política mas, sim, saber se o PSD é capaz de ter alguma política.

Vozes do PS: - Não é!...

A Oradora: - Penso que, por este andar, o melhor é vir cá o Sr. Primeiro-Ministro responder a este país.
O Sr. Deputado Narana Coissoró suscitou questões muito pertinentes que também levantámos, nomeadamente o porquê desta demissão tão repentina e a que critérios é que ela obedeceu. E referiu-se a uma outra questão, que também partilhamos, que é a de saber se se mantêm as promessas feitas pelo Governo recentemente, há um ou dois meses.
O País não pode aturar esta permanente mudança de decisões políticas e este novo-riquismo dos ministros que chegam e acham que descobriram a pólvora, quando há estudos que permitiam ter uma política que defendemos, ou seja, uma política segura, de mudança progressiva e avaliada, como em qualquer país da CEE.
Srs. Deputados, olhem para o que se passa com os governos dos outros países da CEE e vejam a distância a que estamos deles.
O Sr. Deputado Mário Tomé tem razão quando diz que também foi uma vitória do movimento estudantil, pois penso ser muito importante que os estudantes maltratados e espezinhados por este governo percebam, uma vez na vida, que a manifestação democrática e a manifestação das opiniões das pessoas podem ser ouvidas num país democrático. Penso, por isso, que esta vitória do movimento estudantil é muito importante.
Claro que também estou de acordo consigo quando diz que se traia de uma manifestação de falta de ética e de arrogância do Sr. Primeiro-Ministro, o modo como foi demitido o Ministro da Educação.
Sr. Deputado Carlos Coelho, fraca não é a oposição mas, sim, o Sr. Primeiro-Ministro, que se engana sistematicamente!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Na educação tem sido enganos atrás de enganos! Não é a oposição que se engana!

Aplausos do PS.

O País está farto da instabilidade governativa.

Aplausos do PS.

Os Srs. Deputados fazem as asneiras, demitem o ministro e ainda acusam a oposição! Isso tem a sua graça!

isos do PS.

Sr. Deputado Carlos Coelho, V. Ex.ª diz que nos enganámos na interpelação, mas o senhor é que está bem enganado, pois tivemos razão, o País e a sociedade civil deram-nos razão, os professores deram-nos razão, os jovens deram-nos razão.

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O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Só alguns dos Deputados do PS é que lhes deram razão!

A Oradora: - Um dos maiores desastres do cavaquismo é a sua política educativa, e os jovens e o desenvolvimento do País é que serão penalizados.
Sr. Deputado, a oposição não é fraca. Nós temos alternativas, temos soluções bem interessantes, como os senhores já viram nas propostas que fizémos, como viram na Comissão de Educação, Ciência e Cultura e como vão continuar a ver.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Só a Sr.ª Deputada é que viu!

A Oradora: - A nossa promessa é que os senhores vão ter para cada problema numerosas propostas interessantes, modernas, europeias e susceptíveis de melhorar a educação em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estuo de visita à Assembleia da República e assistem, neste momento, a este plenário alunos da Escola Secundária de Cantanhede, da Escola Profissional de Comércio Internacional de Lisboa, da Escola Secundária de Penacova, da Escola Secundária da Amadora e ainda 50 alunos da Faculdade de Teologia da Universidade Católica do Porto, a quem apresentamos as nossas saudações.

Aplausos gerais, de pé.

Pará uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ano de 1992 vai ser determinante para milhares de trabalhadores e empresas aduaneiras. Numa corrida contra o tempo, disponibilizaram e conjugaram esforços, estabeleceram o diálogo com os ministérios responsáveis, avançaram propostas sérias que atendessem às consequências sociais e económicas resultantes do embate e aplicação do mercado interno, sem descurar legítimos interesses de mais de 400 empresas.
Na generalidade dos países comunitários, com excepção da Espanha e de Portugal, foram indiciadas e até concretizadas soluções e garantias para os trabalhadores e as devidas reparações aos empresários.
No nosso país, a Comissão Interministerial criada para o efeito está a perder, de uma forma que se pode tomar irremediável, o tempo útil para concretizar as medidas necessárias. A Comissão Mista, formada por representantes dos trabalhadores e empresários, apesar de ter disponibilizado amplos esforços, consensos e propostas credíveis e viáveis, sente-se frustrada com os resultados concretos.
Dobrado quase um ano de negociações e diálogo, chega-se à conclusão de que sobram as interrogações, faltam as decisões. Decisões quanto à reconversão de actividades que terão, necessariamente, de passar por iniciativas de criação de emprego alternativo, de protecção social, de reformas e indemnizações para os mais de 8500 trabalhadores envolvidos nesta situação; decisões sobre a reparação aos vultosos investimentos das empresas que, no espaço que mediou de 1986 a 1991, como resultante da harmonização comunitária, investiram substancialmente em instalações e sistemas informáticos.
Os trabalhadores, a oito meses de um desfecho que vai alterar drasticamente as suas vidas, sentem-se justamente preocupados e indignados, já que confiaram, de boa fé, em saídas e soluções negociadas, que teimam a não surgir num horizonte encurtado pelo tempo que resta.
O Sr. Deputado Rui Carp, com o peso que tem na bancada do PSD, criou expectativas - falsas expectativas - num programa da televisão. Criticado pelas organizações de trabalhadores, respondeu que «havia comissões, grupos, preocupações e que estavam a fazer exames de avaliação das dimensões quantitativas do problema - número de empregos suprimidos e custos daí advenientes -, de análise do perfil profissional dos agentes envolvidos, das propostas exequíveis».
Considera também, o Sr. Deputado Rui Carp que «há condições para a reciclagem profissional dos trabalhadores aduaneiros, que o Conselho de Ministros do Mercado Interno, de 16 de Fevereiro, sugeriu à Comissão Europeia que utilize o Fundo Social Europeu para o efeito». E acaba com uma expressão mais ou menos dramática, interrogando-se se é muito, se é pouco, se é mais do que existia, porque vai para alguns anos a esta parte e algum mérito cabe aos Portugueses, seja Governo, Deputados, despachantes ou funcionários, que é: «Merece repulsa ter esperança?»
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a esperança é uma palavra muito bonita, mas não pode ser usada para esconder aquilo que o Governo não faz! O PSD quer transformar a esperança em pesadelo daqui a oito meses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os trabalhadores, a oito meses de um desfecho que vai alterar a sua vida, fizeram três dias de greve, a semana passada, demonstrando uma grande unidade e firmeza, estão dispostos a recorrer a formas de luta mais prolongadas e de maior impacte e recusam chegar ao final de Dezembro de 1992 e ser colocados perante factos consumados e situações irreversíveis.
O Governo assume, assim, uma elevada quota de responsabilidade, se se limitar ao diálogo estéril e infrutífero, conducente à agudização do conflito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os trabalhadores aduaneiros estão a segurar o cutelo suspenso sobre os seus postos de trabalho. Não fazem a luta pela luta. Lutam pelo seu futuro, exigindo que o tempo que resta não se transforme em tempo que seja tarde de mais.
Por isso, para o PCP, o Governo e todos nós temos ainda tempo para salvaguardar os interesses dos trabalhadores aduaneiros.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Paula Barros.

A Sr.ª Ana Paula Burros (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo ocorrido o Dia Mundial dos Direitos dos Consumidores no passado domingo, julgámos oportuno, na primeira sessão plenária após esse facto, assinalá-lo condignamente aqui na Câmara.
Assim, quando, a 15 de Março de 1963, o Presidente Kennedy discursou sobre a sociedade de consumo e a necessidade de defender o consumidor individual, desprotegido e frágil, perante os abusos dessa mesma sociedade, nasceu o Dia Mundial do Consumidor.

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Desde então, e ainda hoje, a defesa do consumidor consubstancia-se em cinco grandes domínios: o direito à protecção da saúde e segurança; o direito à protecção dos interesses económicos; o direito à reparação dos prejuízos; o direito à informação e educação, e o direito à representação e consulta.
Entre nós, a consagração constitucional autónoma, desde 1989, dos direitos dos consumidores, na categoria dos direitos económicos, sociais e culturais fundamentais, demonstra bem o quanto esta temática é importante para o legislador português.
Sem dúvida que, nos últimos anos, foram feitos inúmeros progressos, no sentido de tomar mais efectiva a protecção do consumidor. Porém, se Portugal foi, na Europa, pioneiro, ao consagrar constitucionalmente estes interesses e ao dotar o País de uma boa Lei de Defesa do Consumidor, desde 1981 (a Lei n.º 29/81), importa lambem reconhecer que esta lei está desactualizada e que a protecção do consumidor português é ainda muito débil.
Meritória e digna de louvor tem sido a actuação da sociedade civil organizada em associações de defesa dos consumidores que, quer a nível nacional quer a nível local, das mais diversas formas, desde a rádio aos jornais, passando pela realização de seminários e conferências ou mesmo pela edição de pequenas brochuras, tem despertado a consciência dos cidadãos para a necessidade de defesa e actualização dos seus direitos, enquanto consumidores.
Mas é essencial que a Lei n.º 29/81 seja revista, por forma que essa mesma sociedade civil possa responder aos novos desafios que se colocam aos consumidores portugueses e que, em grande medida, resultam da criação do mercado único europeu.
O Estado, nomeadamente através do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, tem desenvolvido um trabalho positivo e profícuo, quer no apoio que presta internamente às associações de defesa do consumidor e aos consumidores individuais, quer na investigação que proporciona, quer ainda na promoção externa do nosso país que tem levado a cabo. Contudo, muito falta ainda fazer.
Como é evidente, a evolução qualitativa da protecção dos consumidores mede-se, em muito, pelo nível de protecção dos seus interesses económicos. Portugal foi pioneiro ao aplicar com sucesso os mecanismos de mediação e arbitragem à resolução dos conflitos de consumo, de que é um excelente exemplo o Centro de Resolução de Conflitos de Consumo de Lisboa. Os bons resultados alcançados demonstram a necessidade de estender a aplicação dos mecanismos arbitrais de resolução de conflitos de consumo a outras regiões do País, nomeadamente através da criação de tribunais arbitrais, como se deseja que rapidamente aconteça em Coimbra, no Porto ou mesmo em zonas mais interiores em franco desenvolvimento.
Os centros de resolução de conflitos, vulgarmente chamados tribunais arbitrais, completam, na verdade, as estruturas de protecção do cidadão consumidor e, conjuntamente com as associações de defesa de consumidores e com os centros de informação autárquica, tornam efectiva a actualização dos seus direitos.
Não se pense, porém, que este é o único domínio em que e necessário actuar legislativamente em prol da defesa dos consumidores que somos todos nós. Pelo contrário, gostaria de, de hoje a um ano, poder dizer que se avançou na regulamentação de domínios tão importantes como a responsabilidade civil do prestador de serviços, o time-sharing, a segurança geral dos produtos, as cláusulas abusivas ou a publicidade comparativa, pois que, sendo estes os domínios
em que é fundamental a existência de regulamentação, ainda quase tudo está por fazer. Como por fazer está, também neste campo, a Comunidade Económica Europeia, apesar dos avanços conseguidos em Maastricht, com a autonomização dos direitos dos consumidores nos textos dos tratados.
Ao assumir a presidência das Comunidades, Portugal erigiu a protecção do consumidor a domínio importante da construção europeia. Esperamos que do trabalho da presidência resultem avanços importantes, nomeadamente na área da responsabilidade civil e do acesso dos consumidores à justiça.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao passar o dia 15 de Março não podia deixar de trazer perante a Câmara a temática da defesa do consumidor e, desta forma, contribuir para que a protecção dos direitos de todos nós, enquanto cidadãos e consumidores, possa ser, no futuro, mais real e eficaz.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, gostei muito de ouvir a sua exposição e congratulo-me por ter chamado aqui, embora com um certo atraso, mas disso não há culpas, o Dia Mundial do Consumidor.
Mas vejo na sua intervenção - e gostava que o confirmasse - um certo, para não dizer um grande, desencanto. Efectivamente, V. Ex.ª chamou a atenção para uma série de aspectos profundamente negativos destes últimos anos no rumo das coisas, em matéria de defesa do consumidor.
Se não, vejamos: a lei está antiquada; o Governo apresentou na última sessão legislativa um pedido de autorização legislativa, que caiu, e não mais pensou no assunto; a formação dos consumidores entre nós, como V. Ex.ª sabe e também chamou a atenção para isso, é quase nula - lembro aqui o célebre programa Gato por Lebre, que ficou ainda mais conhecido por o Sr. Primeiro-Ministro ter usado, a propósito também de problemas de consumidores, a mesma frase, que não era do agrado da televisão, mas que foi, em meu entender e suponho que estará também de acordo comigo, um dos programas mais acutilantes e mais úteis nesta matéria, que se calou para todo o sempre - e muitas outras coisas.
As cláusulas gerais dos contratos, como V. Ex.ª sabe, consignadas numa lei praticamente traduzida da lei alemã das condições gerais dos contratos, continua, com o beneplácito do Estado, a ser ignorada por nós, dando-se os abusos mais flagrantes sem que haja uma intervenção activa do Estado neste domínio.
É por isso que compreendo, Sr.ª Deputada, o seu desencanto perante a situação e não tenho a mesma esperança que V. Ex.ª, mas pode ter a certeza de que, no que diz respeito à nossa bancada, iremos apresentar as iniciativas necessárias e suficientes para que esta matéria avance decisivamente.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Paula Barros.

A Sr.ª Ana Paula Barros (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, entendeu mal a minha intervenção.

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Não se trata, na verdade, de desencanto. Pelo contrário, trata-se de reafirmar e de assumir mais uma vez o desafio de, legislativamente, na medida das possibilidades da nossa Assembleia, prosseguir na defesa e na promoção da defesa dos interesses dos consumidores.
Não se trata de desalento. Pelo contrário, trata-se da assunção de um desafio que a nossa bancada e a Assembleia da República, com a maioria do PSD, têm demonstrado que é possível levar à prática.
E lembro a V. Ex.ª, muito brevemente, a lei que atribui a responsabilidade ao produtor por produtos defeituosos, uma das melhores leis que, como sabe, fez a adaptação da directiva comunitária sobre essa matéria.
É tudo, Sr. Deputado José Vera Jardim. V. Ex.ª reconhece, como todos o fazem, que o PSD, o governo do PSD e esta bancada tem feito um grande esforço no sentido de promover a defesa e a protecção dos consumidores.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Ká.

O Sr. Fernando Ká (PS): - Exmos. Sr. Presidente, Exmos. Srs. Deputados: É para a comunidade africana momento de grande júbilo porque, pela primeira vez, na história deste Parlamento democrático, é aqui discutido um assunto de seu grande interesse.
Embora seja o início de uma longa caminhada para uma verdadeira integração das minorias africanas, nada voltará a ser como dantes.
Com efeito, não basta legalizar os clandestinos para que tudo fique resolvido. Importa que o Governo aceite o novo desafio que se lhe depara quanto à implementação de uma política de integração da comunidade africana na sociedade portuguesa.
Portugal, que deve muito do seu desenvolvimento também aos trabalhadores africanos, não pode tão-pouco procurar álibis, como até agora, para continuar a inexistência de medidas concretas em favor dos africanos no campo da habitação, da saúde, da educação, da formação profissional, da segurança social e da protecção no emprego, áreas em que se verifica notório défice no seio da comunidade africana.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, os nossos governantes procuram sempre iludir essas questões estabelecendo o paralelismo entre a situação social e económica dos africanos e a dos portugueses europeus em geral, quando confrontados com a realidade.
Se é verdade que a pobreza é ainda inquestionavelmente uma realidade preocupante neste Portugal europeu e democrático, atingindo uma larga camada das populações do País, também é certo que os africanos na sua esmagadora maioria ainda vivem abaixo do limiar da pobreza. Portanto, são os pobres dos pobres.
É necessária a coragem e a honestidade intelectual para reconhecer as más condições em que se encontra a grande maioria dos africanos. Camuflar esta realidade é um acto puro de hipocrisia política, indigno de homens de responsabilidade no Estado.
Por isso, cabe-nos a todos, à sociedade em geral, e ao Governo em particular, com a colaboração indispensável das autarquias e das associações representativas das comunidades, assumir em conjunto uma postura dialogante na procura de soluções para os diversos problemas que afectam as minorias étnicas.
O esforço conjunto das partes responsavelmente interessadas nesta problemática é uma grande aposta no futuro que desejamos melhor para todos.
Creio, com este acto de grande importância de que me orgulho como dirigente máximo da Associação Guineense, que se deu o primeiro «grito do Ipiranga» para a legalização extraordinária a que vamos todos meter mãos à obra, tão difícil quanto aliciante, de modo a enfrentar com a coragem determinada e a seriedade necessária a dramática situação dos africanos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O processo de legalização não vai ser uma dádiva generosa do Governo. Resultará, sim, de uma luta difícil e determinada das associações africanas desde há muito tempo a esta parte. O Governo virá apenas reconhecer a justeza dessa luta, o que peca por tardia.

Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -Ora, a legalização é um acto de justiça em relação àqueles que ainda hoje constituem a coluna dorsal da mão-de-obra na construção civil, nas obras públicas, nos serviços domésticos, ele. Todavia, continuam excluídos dos benefícios sociais a que tem direito.
A existência de centenas de bairros com habitações degradadas e barracas é a mais cruel demonstração do muito que há a fazer para tomar efectivo o direito à habitação adequada e em condições de higiene e conforto que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A experiência demonstra que a única forma de eliminar um bairro de habitações degradadas é permitir o acesso a habitação social a todos os que nele vivem ou proceder ao seu realojamento sem discriminações em função da raça, nacionalidade ou território de origem.
Só assim pode pôr-se termo de forma planeada e sistemática aos bairros de barracas e de habitações degradadas.
É por isso fundamental que se ponha termo às restrições existentes no acesso à habitação social, tal como e defendido no projecto de lei n.º 2/VI, apresentado pelo Partido Socialista, aliás, com prévia consulta a várias associações representativas de imigrantes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Assim, não há argumentos honestamente aceitáveis a que pode recorrer o Governo para excluir ou colocar em segundo plano da sua preocupação a situação social dos africanos neste país.
Infelizmente, é prática vulgar do Governo tratar com ligeireza os problemas dos africanos enquanto pede o tratamento igual para os portugueses emigrantes em relação aos cidadãos dos países de acolhimento.
Ora, não podemos aceitar o critério maniqueísta na forma de tratar os problemas que afectam toda a sociedade portuguesa, incluindo os africanos. Aliás, adquirimos os mesmos direitos que os nacionais europeus, pelo que pen-

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sar o contrário 6 uma atitude discriminatória que veementemente repudiamos.
Chegou o momento de exigirmos do Estado Português o cumprimento dos seus deveres para com os africanos que cá vivem, contribuindo com o seu trabalho para o crescimento económico do País, além de muitos também .pagarem impostos. No entanto, o Governo, até agora nada tem feito para alterar a situação injusta a que tem sido sujeitos os membros dessa comunidade.
Se e preocupante a actual situação das minorias africanas, receio pior a perspectiva do futuro da segunda geração, à qual o Governo não dedica nenhuma atenção.
Não pretendo alcandorar-me em profeta da desgraça, porém, trairia a verdade se não alertasse as consciências adormecidas e ou negligentes em relação à situação explosiva da comunidade negra.
Se quisermos evitar conflitos raciais na sociedade portuguesa, não podemos continuar a confiar apenas nos ditos brandos costumes lusitanos. Temos de talhar aqui e agora o caminho da integração plena, procurando recuperar o tempo perdido, sob pena de virmos a enfrentar uma situação insustentável num futuro não muito longínquo.
Com efeito, o Governo já deveria, desde há muito, ter não apenas uma política de integração, mas também a de imigração, forma digna de honrar a vocação de Portugal como país de emigrantes, com metade das suas populações espalhadas pelos quatro cantos do mundo.
Para terminar, quero deixar sério aviso, sem dramatismo demagógico, ao País, em geral, e ao Governo, em particular, que, se não forem tomadas urgentes medidas, de modo a fazer façe aos problemas sociais da comunidade africana, vamos ter de enfrentar, num futuro próximo, graves conflitos raciais, provocados pela degradação social e económica das minorias étnicas africanas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Luís Geraldes e Narana Coissoró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Fernando Ká, em primeiro lugar, quero felicitá-lo pela sua vinda ao Hemiciclo português e espero que a sua estada entre nós seja, de facto, um momento interessante para todos nesta sua convivência.
Em segundo lugar, gostaria de dizer-lhe que ouvi com bastante atenção a sua intervenção. V. Ex.ª focou aspectos importantes referentes às comunidades africanas de expressão oficial portuguesa residentes em Portugal e a primeira coisa que gostaria de frisar é o orgulho que sinto, como todos os portugueses sentem, de em Portugal não haver conflitos raciais da magnitude como muita gente tenta fazer crer através das várias instancias e de vários órgãos.
O Sr. Deputado falou em luta difícil, disse que a nova lei de imigração não será uma dádiva do Governo, referiu-se a uma integração plena, ou seja, V. Ex.ª abordou várias questões...
Por ironia do destino, tive a felicidade de, acerca de um quarto de hora, receber a Sr.ª Deputada Maria da Glória Silva, Deputada no Parlamento de Cabo Verde, que teceu elogios, considerações e arrojo ao Governo Português por tudo aquilo que está a fazer relativamente esta matéria.
Isto passou-se no Palácio de Suo Bento acerca de quinze minutos. Penso que há uma dessincronização qualquer entre aquilo que V. Ex.ª, acabou de dizer e o que certos Deputados, ou uma Deputada - neste caso concreto de Cabo Verde -, acabaram de referir.
Gostaria de lembrar a V. Ex.ª que aceito que nem tudo vai bem em todas as áreas. Mas, do ponto de vista humanista, o relacionamento de Portugal, do governo do Sr. Prof. Cavaco Silva, com os países africanos de expressão oficial portuguesa tem sido excelente e o melhor desde a nossa democracia a partir de 1974. As provas aí estuo e não interessa escamoteá-las.
Gostaria de dizer ao Sr. Deputado Fernando Ká que há culpas no cartório, há situações que não suo as melhores, mas peço-lhe que faça uma reflexão. Olhe para dentro da sua bancada. Veja o que o Partido Socialista fez em prol dessa gente, em prol desses nossos irmãos, quando estiveram no Governo, quando estiveram no Ministério dos Negócios Estrangeiros: em todos esses anos o que fizeram em relação aos cidadãos provenientes dos países de expressão oficial portuguesa foi ínfimo foi zero.
Sr. Deputado, veja o que foi feito pela sua bancada, pelos governos da sua bancada, em relação aos cidadãos provenientes dos países africanos de expressão oficial portuguesa, face ao que fizeram os dois governos do Sr. Prof. Cavaco Silva e seja justo. Pese e veja, de facto, quem tem feito alguma coisa, quem, efectivamente, através da cooperação, do desenvolvimento, do diálogo e de todas as outras formas, no governo de Portugal, melhor e mais tem ajudado aqueles que eu e a minha bancada consideramos os nossos irmãos em África.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Ká, ouvi-o com a mesma naturalidade que oiço qualquer Deputado falar neste Parlamento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Fernando Ká não é um estrangeiro que veio falar no Parlamento português.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Porque se o fosse, segundo o Regimento, teria então de ter um tratamento muito especial e seria necessário saber qual a razão por que um estrangeiro usava da palavra no nosso Parlamento. Sr. Deputado e como cidadão português, não o felicito pela sua intervenção, mas fico muito preocupado com aquilo que disse.
Obviamente não estou interessado no «jogo de pingue-pongue», ou seja, dizer o que fez o Partido Socialista quando esteve no Governo, ou o que disse a Sr.ª Deputada de Cabo Verde quando veio falar com o Sr. Deputado do PSD, o que diz este ou o que diz aquele, porque basta abrir os olhos e andar por esta cidade de Lisboa e outras cidades do País para ver o drama em que vivem os indivíduos que vêm de África e aqui vendem clandestinamente o seu trabalho. Aí não chega a inspecção do trabalho...

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Aí não chegam as autoridades, não chega o humanismo cristão daqueles que o apregoam nos seus recentes programas porque, efectivamente, aquilo que impera é a exploração selvagem de mão-de-obra barata.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Neste Parlamento temos de ter a coragem de dizer que somos culpados disso, temos de ter a coragem de dizer que há muito por fazer e ainda não está feito, temos de ter a coragem de dizer que alguma coisa que se faz, ou se vai fazendo, é pouco para restabelecer a igualdade entre todos os trabalhadores portugueses ou não que vivem dentro das fronteiras de Portugal. Por isso mesmo a sua intervenção deixa-nos um alerta.
Sei que o actual embaixador de Cabo Verde está a dar o melhor do seu esforço para a legalização de todos os cidadãos portugueses de origem africana que aqui vivem ou mesmo dos cabo-verdianos que estuo a trabalhar em Portugal.
Exactamente, porque o embaixador diz que está a fazer isso ó sinal de que ainda há muito por fazer.
Naturalmente que, com a melhoria das nossas relações com Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné e Cabo Verde, este problema será resolvido.
Também temos problemas em relação à Comunidade Europeia. Dentro em breve vamos discutir aqui o Acordo de Schengen, que também tem muito a ver com alguns problemas relacionados com a entrada e estada dos estrangeiros - que não dos cidadãos portugueses, como V. Ex.ª - no território nacional.
Por isso mesmo, temos de ter a humildade de fazer as coisas aos poucos, pois não podem ser feitas de repente. O que me preocupa é que todas as iniciativas legislativas que qualquer partido apresente neste Hemiciclo com vista à resolução deste problema sejam sistematicamente derrotadas, para depois se fazer a apologia do humanismo, da irmandade e da fraternidade.
Felicito-o pela sua intervenção, dizendo-lhe que pelo menos a nossa bancada estará atenta às preocupações e aos desafios que V. Ex.ª lançou neste Hemiciclo com vista ao bem-estar da gente que trabalha para o nosso bem e para a nossa prosperidade.

Aplausos do CDS e do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Ká.

O Sr. Fernando Ká (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Geraldes, penso, em relação ao que afirmou, fazendo uma certa apologia da política de cooperação do Governo e do seu humanismo, que, como cidadão português de origem africana, partilhando da alegria e do sofrimento dessa comunidade, devo contribuir precisamente para que haja uma integração plena, a qual deve ser feita através da implementação de medidas concretas que vão ao encontro dos problemas com que essa comunidade se depara.
Quando falou das culpas no cartório por parte do Partido Socialista, devo salientar que não estamos aqui para nos reportarmos ao século passado ou ao tempo em que o Partido Socialista esteve no poder. A verdade é que o PSD também nunca esteve arredado do poder desde o 25 de Abril de 1974 até à presente data, havendo aqui, à partida, alguma responsabilidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O problema que aqui se coloca não é partidário, mas nacional. Por isso, independentemente de quem esteja no poder, independentemente do partido que esteja a governar, usaria sempre da mesma linguagem, porque o problema é de interesse não só para a comunidade africana, mas também para a comunidade nacional. Se não houver uma verdadeira política de integração, todos nós sofreremos as consequências desse facto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado, como pessoa atenta e bem informada, apercebeu-se certamente, há tempos, de movimentações que se registaram nas escolas situadas nas zonas limítrofes dos bairros degradados onde se concentram os africanos. Isso pede polícia e muito mais, mas esses problemas não se resolvem com polícias, mas com medidas concretas que o Governo deve tomar.
Não vamos agora lançar as culpas neste ou naquele partido. Concordo, por isso, plenamente com o que foi dito pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, porque se trata de um problema que deveria interessar a todos.
Infelizmente, tenho conhecimento de propostas excelentes para o interesse nacional serem «chumbadas» só por ano provirem da bancada da maioria.

Vozes do PS e do Deputado independente Mário Tomé: - Muito bem!

O Orador: - Dou o recente exemplo da não aprovação do projecto relativo à igualdade de acesso à habitação social. O Sr. Deputado é capaz de me dizer por que é que o seu partido boicota, pura e simplesmente, o acesso à habitação social por pane dos membros da comunidade africana? Qual é o humanismo subjacente que explica esse veto do seu partido?

Vozes do PS e do Deputado independente Mário Tomé: - Muito bem!

O Orador: - Penso que não vale a pena estarmos aqui a tentar lançar a culpa da situação seja em que partido for. É a quem estiver a responder pelo País, neste momento o governo do seu partido, que deve ser pedida a responsabilidade. Não interessa a cor política do Governo.
Devo referir, aliás, que o Sr. Primeiro-Ministro, quando se candidatou ao cargo, afirmou que era candidato a primeiro-ministro de Portugal. Como Portugal tem uma população pluriétnica, o Primeiro-Ministro não é o Primeiro-Ministro do PSD, mas, sim, o Primeiro-Ministro de Portugal, o chefe de Governo de um país que é responsável por aquilo que nele se passa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso era antes das eleições!

O Orador: - Aliás, a sua reeleição no cargo deveu-se também à contribuição dos trabalhadores africanos que trabalharam horas a fio, durante o dia e a noite, para que as obras pudessem ser inauguradas a tempo e horas.

Aplausos do PS, do CDS e do Deputado independente Mário Tomé.

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O Sr. António Costa (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para defender a honra e consideraçâo da minha bancada em relação a afirmações proferidas pelo Sr. Deputado Luís Geraldes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Geraldes, gostaria, em primeiro lugar, de lhe chamar a atenção para o Tacto de o Sr. Deputado Fernando Ká não estar aqui de passagem. O Sr. Deputado Fernando Ká é um cidadão português que foi eleito para a Assembleia da República, como o Sr. Deputado Luís Geraldes o foi, e aqui toma assento com o voto dos Portugueses.

Aplausos do PS, do CDS e do Deputado independente Mário Tomé.

Quero, em segundo lugar, salientar que não podemos viver eternamente neste princípio de a vida democrática portuguesa ter duas histórias, uma até 1985 e outra depois de 1985. Os senhores, que eu saiba, estuo no governo desde 1980. Mas a questão não tem a ver com o passado, nem terá sequer a ver com o presente, mas, sim, com o que queremos para o futuro.
O PS apresentou nesta Assembleia três projectos de lei relativamente àquilo que entendemos que devem ser as bases para a definição de uma política de imigração. Fizemos um debate, altura em que tive oportunidade de ouvir o Sr. Deputado, e os referidos projectos baixaram à comissão competente. Sempre dissemos que nao queríamos que fossem os projectos do Partido Socialista, mas os projectos da sociedade portuguesa para a comunidade africana residente em Portugal.
O resultado, Sr. Deputado, depois de os projectos terem baixado à respectiva comissão, é que um deles irá ser agendado para a próxima semana, quando aqui discutirmos a proposta de lei de autorização sobre a questão da imigração e, designadamente, dos vistos de entrada, maioria de interesse policial. Quanto ao da habitação social, os Srs. Deputados do PSD já anunciaram o seu «chumbo».
A questão essencial é a de que não basta legalizar se não se criarem condições para a inserção dessas comunidades na sociedade portuguesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O problema não é o de deixarem de ser clandestinos, mas o de serem cidadãos e exercerem direitos de cidadania neste país. É necessário criar condições para que isso seja possível.
Chamo a atenção do Sr. Deputado para o facto de Portugal, há cinco séculos, ter sabido reduzir e ultrapassar a distância continental que vai da Europa à África. Essa distância, que foi vencida há 500 anos, está hoje a ser aumentada, porque, se nessa altura a reduzimos, ela é hoje brutal entre a Pedreira dos Húngaros e Miraflores.
Esta é que é a situação dramática que está a ser criada neste país. Não é uma realidade deste governo ou de outro qualquer, mas um problema de Portugal que tem de ser tratado como um assunto de interesse nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mais uma vez desafio os Deputados do PSD a não se deixarem a margem desse esforço e a concorrerem, também, para que uma questão do interesse nacional seja tratada de modo consensual.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: -Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): -Sr. Presidente, Sr. Deputado António Costa, devo confessar que estou com alguma dificuldade em lhe responder. Os senhores defendem a honra e consideração, mas já não sabem onde estuo as fronteiras da figura regimental. Não ofendi ninguém.

O Sr. José Lello (PS): - Aceitamos a sua dificuldade!

O Orador: - Pediria ao Sr. Deputado José Lello o favor de ficar um pouco mais sossegado e tranquilo.
Gostaria de dizer desde logo, se por acaso aqui ficou a impressão errada, que não me referi ao Sr. Deputado Fernando Ká como estando aqui de passagem. Referi-me à passagem dele apenas por ele estar aqui efectivamente em substituição de alguém. Não quero más interpretações das insinuações nem da minha direita nem da minha esquerda.

Risos do PS, do PCP, do CDS e do Deputado Independente Mário Tomé.

O que na realidade me levou a tecer algumas considerações - e respondo agora ao Sr. Deputado António Costa, na sua falta de consideração ou consideração a mais (nem sei bem o que lhe hei-de chamar) - é que isto não é uma dádiva do Governo. Antes de se legalizar, de se acabar com a pobreza, de se acabar com o crime, há que desenvolver e criar riqueza, para a distribuir com justiça.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - À custa de quem?

O Orador: - Tenha um pouco de calma, Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Deputado António Costa, ao defender habitação para todos, está certamente a abranger os brasileiros que residem em Portugal e todas as restantes pessoas residentes neste país, incluindo os próprios portugueses.
É isto que o Governo tem estado a fazer. O Sr. Deputado contesta esta posição? O Sr. Deputado não toma em consideração que há que legalizar as pessoas que, infelizmente, se encontram em situação ilegal, para depois poderem ser candidatos à habitação social como qualquer outro cidadão deste país?
Penso que é por aí que devemos começar e que efectivamente começámos. Há já muita gente legalizada e muitos governos de países africanos de expressão oficial portuguesa estão atentos ao problema. Também nós temos de estar atentos.
É, de facto, incorrecto dizer que tudo está bem, porque isso não corresponde - sabemos que não - à verdade. Foi tão-só por se querer imputar responsabilidades excessivas a quem as não tem que pedi ao Sr. Deputado Fernando Ká para pôr a mão na consciência e verificar o que fizeram os governos do Partido Socialista e os governos do Partido Social-Democrata.

O Sr. José Lello (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, é praxe desta Assembleia, sempre que somos visitados no decurso dos nossos trabalhos, no exercício da democracia, homenagear aqueles que nos visitam, sejam estudantes, sejam representantes de outros parlamentos, sejam instituições que se debrucem sobre a problemática que aqui tratamos, qual seja a do exercício desta democracia.
Temos hoje aqui presente, a assistir à sessão, uma delegação da Associação Nacional dos Autarcas Socialistas, que assim nos visita. Quero, pois, homenagear e saudar, em nome desta Assembleia, essa delegação hoje aqui presente.

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. António Costa (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, interpelei a Mesa, na semana passada, em relação a um documento do Governo, com o máximo interesse para um debate agendado para discussão neste Plenário, e que havia sido divulgado pelo Governo na comunicação social. Tinha perguntado à Mesa se o Governo o teria enviado à Assembleia, tendo o Sr. Presidente ficado de desenvolver os seus bons ofícios no sentido de apurar o que teria ocorrido.
A intervenção que o Sr. Deputado Luís Geraldes acabou de fazer suscitou-me, naturalmente, a curiosidade de saber se a Mesa já obteve resposta do Governo. Constato precisamente - e agora confirmo-o com a intervenção do Sr. Deputado Luís Geraldes - que é essencial para esta Casa saber qual é o famoso projecto de decreto-lei que o Governo, preparou para a legalização dos imigrantes clandestinos, porque há um enorme logro na Assembleia sobre esta matéria.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que leia o boletim informativo n.º 39, na p. 4, o primeiro item da ordem do dia.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 55 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de Deputados.

O Sr. Secretário (José Cesário): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a Comissão de Regimento e Mandatos, reunida no dia 17 de Março, pelas 15 horas, observou as seguintes substituições de Deputados:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do PS:

Gustavo Pimenta (círculo eleitoral do Porto) por José Manuel Marques da Silva Lemos, por um período não inferior a 15 dias, com início em 16 de Março corrente, inclusive;
Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Centro Democrático Social: Nogueira de Brito (círculo eleitoral de Braga) por João Paulo de Castro Morais Gomes, por um período não inferior a 15 dias, com início em 17 de Março corrente, inclusive;
O parecer da Comissão é o seguinte:
As substituições em causa suo de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, do nosso período da ordem do dia consta a apreciação de vários projectos de lei, apresentados pelo PS, pelo PCP e pelo CDS, respeitantes à lei quadro de atribuições e competências das autarquias locais, à Lei das Finanças Locais, às bases das empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais, e ao calendário do processo de institucionalização das regiões administrativas.
Para proceder à sua apresentação, por parte do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje é o dia da prova dos nove! Com a apresentação do pacote autárquico do PS, interpelamos o PSD e exigimos-lhe que responda, sem ambiguidade, se tem alguma ideia sobre os seguintes temas essenciais à modernização da sociedade portuguesa: reforma administrativa; descentralização; regionalização; reforço do poder local; qualidade de vida e bem-estar das populações; desenvolvimento.
É também o dia em que o PSD deve explicar por que razão a proclamada fórmula do «menos Estado, melhor Estado» não passou até agora de um slogan totalmente contrariado pela evidência do Estado que temos, isto e, mais burocrático, mais clietelista, mais gastador e mais ineficaz.
Encaremos, então, pela devida ordem, cada uma das questões propostas.
Primeiro, a reforma administrativa. A verdade é que o PSD confundiu o alcance de uma autentica reforma administrativa com a necessária mas limitada revisão do regime das carreiras dos funcionários públicos.
Tal confusão só poderia produzir péssimos resultados, que, aliás, estão a vista.
Nunca o Estado se comportou tanto como um «Estado patrão»; nunca, neste regime constitucional, o «Estado patrão» foi menos democrático!
A demonstração faz-se imediatamente. Como todos sabemos, o maior peso no programa dos investimentos públicos resulta da utilização dos fundos comunitários.
Onde estão, porém, neste Estado democrático, as instituições representativas com vocação de participação no planeamento, no controlo e na fiscalização do quadro comunitário de apoio, no âmbito do qual, proclamadamente, se realiza a estratégia de modernização da sociedade portuguesa no contexto da integração europeia?
Quanto aos instrumentos de intervenção estratégica, o mais que sabemos é que as Grandes Opções do Plano continuam a não passar de um texto meramente declamatório que, tratando de tudo, não trata de coisa nenhuma e que, por isso,

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se condena às gavetas do esquecimento no próprio dia da sua aprovação.
Mas os Portugueses - esses, no seu conjunto - ficam à porta de qualquer possibilidade de participação séria na definição dos objectivos e na preparação das condições de modernização da sociedade portuguesa.
Assim, o Conselho Económico e Social não está constituído; o Plano de Desenvolvimento Regional - assim foi o actual - não é submetido à avaliação da Assembleia da República; as regiões continuam por criar, os municípios não passam de uma participação, quase simbólica, na gestão dos limitados programas operacionais que se lhes referem.
Na verdade, o princípio comunitário da parceria, visando conjugar a iniciativa do Estado com a das regiões e dos particulares, não passa, entre nós, de uma pura ilusão! E, pelo menos, 80% das transferências comunitárias suo gastas sob o controlo integral dos organismos da administração central.
É, pois, à margem de qualquer possibilidade de democracia participativa que as tecnoestrutura e os tecnoburocratas labutam para inventar o progresso.
Por detrás, omnipotente, a máquina clientelar do PSD. À frente do PSD um país em vésperas de impactes decisivos para a sua economia real, a braços com os problemas de sempre e sem perspectivas de solução estrutural.
Neste quadro, clamoroso de centralismo e de inércia burocrática, o PSD tem de reconhecer que o essencial da reforma administrativa continua por fazer e que é um acto de cegueira política, de negativas consequências para o País, continuar a adiar as decisões de fundo.
A reforma administrativa é urgente e tem um conteúdo necessário: ou se faz pela descentralização ou nunca se fará!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Eis, pois, o segundo tema. Para descentralizar responsabilidades, meios de acção, condições de iniciativa, devolução às comunidades do dinamismo imprescindível às exigências do progresso é absolutamente imprescindível a definição de uma nova fronteira entre a administração central e a administração local. Mas, até ao momento Governo e PSD não apresentaram uma única ideia consequente com tal propósito.
O PS, que não anda a reboque das iniciativas intempestivas do PSD, muito menos está disposto a perder tempo por causa das omissões e negligências da maioria.
De facto, a descentralização exige uma aplicação concertada e globalmente coerente das seguintes medidas de reforma que em nome do PS passo a apresentar: lei de criação das regiões administrativas - que é fundamental e de que o PSD tem medo; definição do calendário adequado ao processo constitutivo das regiões - que é urgente e que o PSD não quer; lei quadro de atribuições e de novas competências das autarquias - que é essencial e que o PSD não considerou; novo regime das finanças locais - que é imprescindível e que o PSD não deseja; quadro legal das empresas municipais, intermunicipais e regionais - que são necessárias e que o PSD não sabe.
Tais reformas, de sentido verdadeiramente estrutural, não devem ser adiadas por mais tempo! O País, foi o PSD que uma vez o disse, não pode parar!
Vejamos, então, como terceiro aspecto, o calendário da regionalização. Estamos de há muito perante um escandaloso incumprimento da Constituição da República. Esta maioria tem invocado, como álibi para o seu imobilismo, argumentos de prudência e de estabilidade.
Falsos argumentos, quando ela própria fomenta a querela constitucional, visando antecipar o calendário da revisão, antes mesmo de se ter empenhado na plena concretização das soluções ainda em aberto, decorrentes da última revisão constitucional.
Não são problemas de constitucionalidade que justificam uma má governação, mas e por culpa da má orientação política do PSD que estamos, ainda hoje, confrontados com o incumprimento de exigências constitucionais conformadoras de reformas indispensáveis à modernização da sociedade portuguesa.
Não é o PS mas, sim, o interesse nacional que reclama o cumprimento da Constituição e a criação das regiões administrativas como condição de elaboração democrática das estratégias de desenvolvimento regional.
Veja-se o que se passa com a aplicação do Plano de Desenvolvimento Regional envolvendo, de 1989 a 1993, a utilização de 3,2 milhões de contos, 30% do investimento total nacional do mesmo período, uma possibilidade de transformar o País como nunca ocorreu.
Esse Plano, traçado nas costas dos Portugueses, todos os dias sofre modificações por incumprimento sem que, verdadeiramente, se responda pelas ineficácias da sua execução.
Todavia, no momento em que se perspectiva a duplicação das transferencias comunitárias para Portugal, ao abrigo do pacote Delors II, em que o País está em vésperas de iniciar, com a Comunidade, a negociação de um novo plano de desenvolvimento, para novo ciclo de cinco anos, é um facto - um facto indesmentível! - que de norte a sul, em todo o território, não existem programas estratégicos de desenvolvimento regional que sirvam de suporte às políticas internas de coesão económica e social.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sem funções regionais transparentes a sociedade vê-se forçada, na sua luta desigual com o Terreiro do Paço, a recorrer ao mecanismo dos grupos de pressão, cujo dinamismo empreendedor põe ainda mais em evidência os vícios napoleónicos da administração laranja e os impasses sem solução de um regime de desigualdades que dia a dia se agravam.

O Sr. Alberto Martins (PS): -Muito bem!

O Orador: - As eleições autárquicas, em finais de 1993, são, pois, o último momento aceitável de integração regional, para que, em simultâneo, se proceda à eleição dos órgãos das regiões, visando o seu efectivo funcionamento.
Eis, Srs. Deputados do PSD, o desafio que vos fazemos!
Não podemos perder mais tempo, por isso propomos que se abra, desde já, o processo constitutivo das regiões administrativas.
Se, prisioneiros do vosso conservadorismo, recusardes lançar mãos à obra, politicamente falando, não vos pouparemos! Os Portugueses ficarão a saber que o PSD, uma vez mais, os enganou ao inscrever no Programa do Governo a regionalização que não concretizará, salvo porventura, em vésperas das próximas eleições legislativas como mera bandeira eleitoralista.
Alcanço agora o quarto ponto que prometi tratar - o do reforço do poder autárquico.
No momento em que travamos este debate soam ainda pelo País os ecos do descontentamento unânime dos autarcas,

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que não podem compreender que o Governo adopte uma política expansionista da carga fiscal tanto à custa dos contribuintes enganados, pelas promessas eleitorais não cumpridas, como à custa dos municípios esbulhados em mais de 50 milhões de contos.
Ao reduzir a taxa de transferências do Estado para as autarquias para o patamar mínimo de 6%, contra os mais de 20%, em média, nos países da Comunidade ou os 10%, em Portugal, nos anos difíceis de meados da década de 80, o Governo e o PSD mostram o seu verdadeiro desígnio: vivem para hegemonizar o Estado, alimentam o seu poder de covaçao centralista, sufocando o poder local, ajustam as suas ambições partidárias aos ciclos eleitorais nacionais de quatro anos e, no intervalo, sacrificam tudo e todos, numa indisfarçável indiferença, pelas exigências do desenvolvimento regional, pelas exigências do desenvolvimento regional, da qualidade de vida e do bem-estar das populações.
Admitamos, por um momento, Srs. Deputados do PSD, que a acusação é injusta. Então, o PSD deve retratar-se de todas as resistências que imoderadamente tem levantado ao normal aprofundamento da autonomia dos municípios e das freguesias. Deve, sobretudo, apreciar seriamente, com o PS, o conjunto das iniciativas legislativas agora apresentadas.
Recentemente na Assembleia da República, o Sr. Ministro do Planeamento reconhecia a utilidade da lei quadro de novas atribuições e competências das autarquias, mas não conseguia explicar por que razão uma reforma útil é, até agora, para o PSD, uma reforma ausente.
A explicação e a ultrapassagem vieram por via do Sr. Ministro das Finanças. O não agravamento do IVA, a cargo das autarquias, teria de implicar, como contrapartida, transferências imediatas de novos encargos para a esfera dos municípios - a 30 dias de vista, profetizou o Ministro, neste Plenário!
Desde logo se tornou óbvio que o Ministro falava com pouca consciência da matéria em apreço. Mas o que não é menos óbvio é que o Governo, no seu conjunto, se revelou até hoje totalmente incapaz de produzir uma única ideia articulada sobre o sentido, a incidência e o alcance de uma política estrutural de descentralização de competências para as autarquias.
Ao preferir forçar os municípios e um caminho de transferências casuísticas, de forma desarticulada, sem visão de conjunto, o Governo põe a nu a evidência da sua própria imprcparaçao para lançar em bases correctas o movimento de descentralização administrativa.
Uma lei quadro de novas atribuições e competências para as autarquias é, pois, o instrumento jurídico indispensável a uma descentralização consistente. Naveguemos, pois, com, rumo certo, Srs. Deputados!
Superemos a fase da navegação à vista que - como recentemente aconteceu na discussão do Orçamento do Estado com a Lei das Finanças Locais - está a condenar ao naufrágio as poucas naus que ainda permitiam ao poder local navegar com um mínimo de estabilidade e orientação.
Não é função do PS salvar o Governo dos seus desaires, mas é próprio da responsabilidade do PS contribuir para evitar ao País os custos da desorientação reinante nas hostes da maioria.
É, pois, urgente ultrapassar o período negro que o poder local está a atravessar por culpa do PSD!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É urgente que o PSD compreenda que não lhe basta ser diligente a desconcertar. Mas que é sobretudo necessário tanto reconstruir como construir de novo!
Se não sabe como se faz, está autorizado a utilizar os materiais que aqui lhe trazemos e cujo alcance...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Demagogia!

O Orador: -... desde já temos o gosto de explicar no que diz respeito à reforma das finanças locais.
Primeiro, num período de quatro a cinco anos, as autarquias devem ver as suas dotações aumentadas em termos reais, por forma que a taxa de participação das receitas autárquicas no conjunto das receitas do Estado possa, no mínimo, estabilizar a volta dos 15% contra os actuais 6%.
Segundo, os mecanismos de financiamento hão-de estruturar-se por sua forma que se garantam cabalmente os dois princípios constitucionais relativos às finanças locais - o da justa distribuição das receitas públicas e o da participação das autarquias nos impostos directos.
Terceiro, o novo regime de finanças locais deverá ser concebido para acompanhar harmoniosamente o processo de descentralização de competências, evitando-se assim riscos de agravamento desnecessário da despesa pública.
Quarto, o processo de descentralização, em concreto, deve-ser promovido na base da lei quadro em adequação com as atribuições regionais e segundo modalidades de contratualização anual com participação efectiva dos municípios, por via da Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Entendemos, pela nossa parte, e será a quinta demonstração, que o reforço do poder local é tanto mais exigível quanto ele é condição de garantia da qualidade de vida e do nível de bem-estar dos cidadãos.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Haverá ainda quem se lembre das exigências de qualidade, constantes das primeiras promessas do PSD e do Primeiro-Ministro?
Salvo o benefício comunitário que o novo fundo de coesão poderá trazer à protecção do ambiente, a verdade é que, até ao momento, ninguém vislumbrou as políticas de qualidade e de bem-estar deste governo.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - De boa vontade lhe damos, também aqui, o nosso contributo, propondo o alargamento da esfera de responsabilidade municipal, designadamente aos seguintes domínios: à educação, nas áreas de investimento e gestão do parque escolar até ao nível do ensino secundário e, mediante criação do conselho local de educação, à institucionalização das relações interactivas entre a comunidade e a escola; a rede dos cuidados primários de saúde; à habitação social; aos centros de apoio social, designadamente para a terceira idade ou para os socialmente carecidos de apoio especial; aos centros de cultura; à segurança e protecção civil; à defesa e protecção do ambiente, particularmente nas áreas de combate à poluição sonora e do, artigo de conservação da natureza, de participação na gestão dos recursos hídricos, do ordenamento do território, das áreas de parque florestal ou de protecção ecológica; às redes de transportes e comunicações integráveis no sistema municipal; à distribuição de energia; ao desenvolvimento

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regional e local, com relevo para as arcas do abastecimento e da promoção turística. Isto só para citar, de forma não exaustiva nem sistemática, parte do disposto nos projectos de reforma apresentados pelo PS.
Consciente do enorme impacte das nossas propostas na velha estrutura administrativa, fazemo-las acompanhar de um novo e flexível enquadramento empresarial para os municípios. É caso para dizer, Srs. Deputados, que o Governo promete e o PS cumpre!

Vozes do PS: - Muito bem!

Risos do PSD.

O Orador: - Sexta observação, não nos resignamos a passar ao lado da estrutura administrativa portuguesa - um dos mais sérios obstáculos ao desenvolvimento - como se se não tratasse de uma questão essencial para as possibilidades de mudança e de modernização do País.
Não nos resignamos à ambição do PSD de fazer do Estado o seu trofeu e do poder conquistado um trampolim para mais centralização e mais autoritarismo.

O Sr. Manuel Moreira (PSD):- Não é verdade!

O Orador: - Tal ambição hegemónica, se contém ameaças graves ao equilíbrio democrático, indisfarçavelmente, traduz prejuízos efectivos para os cidadãos em geral.
Por exemplo, como se ainda não chegasse o aumento da carga fiscal, o Governo quer abrir mais e mais as portas ao fisco, desta feita por via dos chamados impostos municipais - contribuição autárquica à cabeça. Sendo manifesta a sua incapacidade para racionalizar as competências e os meios de gestão nas relações entre a administração central e a local, o Governo prepara-se para onerar a propriedade rústica e urbana, lançando para as autarquias a impopularidade dos novos agravamentos fiscais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se não lhe deitarem a mão, este governo põe o municipalismo definitivamente de rastos!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Que exagerado!

O Orador: - Não por culpa do municipalismo mas, sim, pelas consequências desastrosas do expansionismo da despesa pública, que tão folgada e improdutivamente tem promovido ao nível do aparelho de Estado.
Reduzindo a sua noção de desenvolvimento ao número cie quilómetros de auto-estrada, o Governo acha que a melhor forma de encher os olhos ao eleitorado é encenar, ciclicamente, festivais de inaugurações públicas.
É bem-vindo o fontismo que o dinheiro comunitário permite e o atraso ancestral que País exige!
Mas também seria bem-vinda uma política corajosa de aposta na iniciativa dos cidadãos e das comunidades locais e regionais, concebida para estruturar a coesão económica e social, que nos falta, e dar combate às desigualdades territoriais que dia a dia se agravam.
Tal política de desenvolvimento sustentado não existe! Por isso a reclamamos! E mais do que reclamá-la, o PS apresenta as orientações e os instrumentos da sua concretização.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se a tudo, em resposta, o PSD fingir que não percebeu, tanto pior para o PSD; porque nós não desistiremos! Connosco, há muitos outros que não vão desistir, que nos compreendem e se disponibilizam para nos acompanhar! Estuo em todos os quadrantes políticos, e vêm até da área política do partido do Governo porque sentem, muito simplesmente, que, se é legítimo aos partidos defender os seus interesses partidários, não é legítimo a nenhum deles sobrepor, de forma tão chocante - como faz o PSD -, os seus interesses particulares de partido aos interesses gerais do País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Vamos lá, então, saber o que pensa de tudo isto o PSD!
Vamos lá à prova dos nove!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimentos os Srs. Deputados Raul Castro e Manuel Queiró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estando hoje em discussão diplomas tão importantes, quer os apresentados pelo PS quer os do PCP, sobre empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais, sobre o novo regime da tutela administrativa e, em especial, o calendário para a regionalização, a concretizar em 1993, não poderíamos deixar de sublinhar a importância, sobretudo no que respeita ao calendário da regionalização, visto que, como alguém já disse, trata-se de pôr fim à longa marcha da regionalização que já vem desde a Constituição de 1976.
No que respeita aos outros diplomas, em especial no que concerne ao projecto de lei, apresentado pelo PS, sobre a lei quadro de atribuições e competências das autarquias locais, naturalmente que a nossa atenção incidiu, essencialmente, sobre o alargamento das competências municipais - referidas nos artigos 12.º e 13.º
É em relação a este grande alargamento de competências que desejaríamos colocar ao Sr. Deputado duas questões.
No n.º 5 do artigo 3.º refere-se que as leis de concretização serão precedidas de audição da Associação Nacional de Municípios, pelo que - quanto a esta parte - o pedido de esclarecimento era o seguinte: por que é que, dada a especificidade da matéria e a importância deste projecto, não foi feita antes da sua apresentação esta audição?
No n.º 3 do artigo 3.º, diz-se que as transferências anuais dependem da lei de concretização que entrará em vigor com o Orçamento. Contudo, como o Sr. Deputado sabe, as transferências indispensáveis para a cobertura das novas competências ficariam asseguradas nos próximos anos, mas dependentes da vontade da maioria PSD. Ora, exemplos recentes, em especial o Orçamento deste ano e o esbulho de 55 milhões de contos, põem-nos esta questão: pensa o Sr. Deputado que há garantias suficientes na lei que possam evitar que a transferência de competências seja devidamente acompanhada das respectivas verbas?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: -Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

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O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, em primeiro lugar, quero manifestar alguma surpresa, pois o Sr. Deputado, em nome do seu partido, mais uma vez se referiu à questão fiscal - não é daí que vem a nossa surpresa - a propósito da contribuição autárquica, mas pela primeira vez, e de uma forma inequívoca, ligou o problema do crescimento dos impostos ao aumento descontrolado da despesa pública.
Como não fazemos processo de intenção, à surpresa aliamos a satisfação e, a partir de hoje, vamos contar com o Partido Socialista como um poderoso e considerável aliado nesta nossa luta de sempre de combate ao crescimento descontrolado da despesa pública.

O Sr. José Sócrates (PS): - Exactamente!

O Orador: - É isso que depreendo das palavras do Sr. Deputado Jorge Lacão.
Aliás, o Sr. Deputado vai ter oportunidade, no decurso deste debate, de verificar que a posição do CDS, em relação às iniciativas legislativas em apreciação, é genericamente favorável.
Entendemos que este debate deve ser o pomo de arranque para uma tentativa de consenso a nível da comissão especializada, uma vez que ele tem de ser construído com o tempo para que se possa fazer um avanço significativo no processo da «construção acabada» de todo o edifício do poder local constitucionalmente consagrado para Portugal.
Porém, Sr. Deputado, neste elenco de iniciativas, valorizamos umas diferentemente de outras e, inclusivamente, analisamo-las no tempo. Tal tem a ver com a posição tradicional do CDS em relação ao processo de regionalização: temos uma preocupação com o primado do municipalismo em todo este processo.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Houve aí uma alteração da posição do CDS!

O Orador: - Entendemos o município como célula fundamental de todo o edifício do poder local...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dantes não era assim!

O Orador: -... e que isso pressupõe a instauração de alguns mecanismos de defesa no decurso de todo este processo.
Nestes lermos, pergunto: no calendário do processo de institucionalização das regiões administrativas que o seu partido hoje propõe, estuo VV. Ex.ªs dispostos a incluir a necessidade de uma prévia alteração da Lei das Finanças Locais e da lei quadro das atribuições e competências dos municípios?
Aliás, em consonância com as iniciativas que hoje apresentam sobre estas matérias, defendem, efectivamente, o município do um processo de regionalização que se faça amanha à custa do município e das suas atribuições e competências, dos seus meios de financiamento e, possivelmente, contra a sua vontade?
Nomeadamente, está o Partido Socialista disposto a consagrar inequivocamente o princípio da livre adesão dos municípios, não só nas consultas que menciona no seu projecto mas também na própria inclusão dos municípios nas regiões a formar?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados que me colocaram questões - Raul Castro e Manuel Queiró -, o meu agradecimento.
Ao Sr. Deputado Raul Castro diria que tivemos, em primeiro lugar, uma preocupação de audição prévia junto da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Além do mais, quero dizer que, antes de apresentarmos em Plenário este conjunto de iniciativas, tivemos ocasião de, na semana passada, fazer uma reunião de trabalho com a direcção da Associação Nacional de Municípios Portugueses, pelo que me congratulo em poder testemunhar o excelente acolhimento que aí pudemos ter da parte de autarcas de todos os partidos, incluindo os do partido do Governo, que puderam testemunhar, no fim, em declarações públicas, um grande grau de consenso relativamente às iniciativas apresentadas pelo PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Por uma questão de simpatia, de mera cortesia!

O Orador: - A questão que formulou, no que diz respeito aos mecanismos concretos de aplicação do sistema que propomos, é, evidentemente para nós, vista na seguinte perspectiva: a lei de concretização é um passo subsequente ao que essencialmente tem de ser dado antes desse, que é a lei quadro de atribuições e competências.
Se queremos uma reforma administrativa a sério, feita com pés e cabeça, não podemos andar a fazer devolução pontual de encargos para os municípios mas temos de previamente estabelecer a nova fronteira nas relações entre a administração central e local, ou seja, a lei quadro, em primeiro lugar, e, em segundo lugar, a lei de concretização, que deve ser gerida de tal forma que os próprios municípios tenham nisso uma participação efectiva.
Deste modo, nenhum passo - quanto às reformas concretas de descentralização - será dado sem que o passo anterior tenha consolidado inteiramente a situação.
Ora, o que procuramos ajustar é um mecanismo de interpenetração entre a nossa lei quadro de competências, o esquema da lei anual de concretização de transferências e o novo regime de finanças locais que propomos.
É por isso que o nosso novo regime de finanças locais é actual e pertinente, pelo que tinha de ser apresentado agora, exactamente para demonstrar que uma reforma global pode ser feita com novos mecanismos de financiamento que a possam sustentar, sem ruptura nem para o Estado nem para a administração central e local nem para as finanças públicas portuguesas.
Essa demonstração está feita no quadro das nossas iniciativas legislativas e apraz-me sublinhar o consenso que começam a produzir.
Sr. Deputado Manuel Queiró, quero-lhe agradecer a disponibilidade de o CDS encarar positivamente as iniciativas que o PS apresentou e também partilhar consigo algumas das preocupações que referiu.
No que respeita à alusão que fez ao facto de eu ter colocado a questão do aumento imoderado da carga fiscal e da despesa pública, é, pois, um problema real com o qual estamos confrontados. Aliás, na discussão do Orçamento tivemos ocasião de interpelar o Governo - que não respondeu - sobre qual era a consequência futura traduzida na aplicação do novo Código de Avaliações, cuja autorização o Governo aqui veio pedir ao Parlamento.

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O que sabemos é que, por via da entrada em vigor do novo Código de Avaliações, o que o Governo quer é aumentar a carga fiscal, designadamente os que se referem à contribuição autárquica.
Ora, a pergunta essencial a fazer é a seguinte: o financiamento dos municípios portugueses deve ser feito à custa do agravamento da carga fiscal para os contribuintes ou através da racionalização da estrutura administrativa do aparelho central do Estado?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É a esta questão a que o Governo ,não responde porque não sabe, porque não tem uma estratégia de descentralização ou uma visão de fundo sobre os problemas. É esta a denúncia política que aqui hoje vimos fazer mais uma vez!
Também partilho consigo a preocupação quanto à necessidade de evitarmos que um movimento a favor da regionalização não venha a ser feito com prejuízo da autonomia dos próprios municípios e do reforço das suas atribuições e competências. É essa, aliás, uma das lógicas que preside aos projectos apresentados pelo PS.
Queremos demonstrar ser possível e necessário criar as regiões administrativas como condições fundamentais para potenciarmos uma estratégia de desenvolvimento regional para o País, designadamente com pleno aproveitamento dos fundos comunitários, sem que isso seja incompatível - pelo contrário - com o funcionamento dos municípios com maior autonomia, com mais meios e maior esfera de responsabilidade.
Tal demonstração fica igualmente feita pela apresentação dos nossos projectos nesta matéria.
Finalmente, Srs. Deputados, vou responder à pergunta que não me fizeram da parte da bancada do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quando acabei a minha intervenção, fiz um desafio concreto à bancada da maioria, mas, desde logo, suspeitei que, sobre estas ideias fundamentais para o País, o mais provável seria que a maioria não tivesse acerca delas ideia nenhuma consequente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Nós ainda vamos fazer a nossa intervenção, não perde pela demora!

O Orador: - A ausência de questões formuladas é a demonstração mais cabal de que nada tem para propor. Esta maioria só tem como função parlamentar ir a reboque do Governo, pois na parte em que este é omisso a maioria não tem qualquer iniciativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É este o problema fundamental: quem está verdadeiramente a ser colocado em situação de verdadeira dificuldade suo os municípios, as freguesias e, enfim, o conjunto das autarquias portuguesas.
Mas, com eles, quem está verdadeiramente a ser afectado é o conjunto dos cidadãos portugueses, cuja qualidade de vida, nível de desenvolvimento e de bem-estar, em vez de estarem a ser tratados como deve ser, pelo contrário, estão permanentemente a ser prejudicados.
Os problemas de desenvolvimento e da desigualdade no território nacional agravam-se em cada dia que passa.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Foi por isso que votaram em nós!

O Orador: - Pois bem, Srs. Deputados do PSD, uma vez que não tiveram capacidade de iniciativa para formular questões pertinentes sobre a nossa intervenção, já sei o que vão fazer: vão subir à tribuna e, como de costume, fazer oposição à oposição!
Mas façam favor de intervir, pois, pela nossa parte, temos muitas perguntas para vos fazer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O poder local e as regiões administrativas em particular deveriam representar meios privilegiados de organizar o Estado de forma democrática, estimular a participação dos cidadãos na vida pública e um apoio para concretizar direitos fundamentais em relação aos quais há um défice claro de execução prática, apesar de estarem previstos na Constituição.
Este debate decorre num momento em que continua pendente o problema do cumprimento da Lei das Finanças Locais, em que continuam a existir tentativas de retirar verbas às autarquias impondo encargos sem contrapartidas, em que a distribuição de recursos pelo poder local tem uma forte componente discricionária, em que a elaboração do Plano de Desenvolvimento Regional, para os próximos quatro anos, decorre de forma centralizada e sem mobilização regional, como de resto aconteceu no Plano anterior, em que a tutela não respeita a autonomia autárquica, em que faltam instrumentos de gestão que tenham em conta as necessidades e as realizações actuais e futuras e em que se multiplica a legislação avulsa, burocrática e centralizadora que não respeita as potencial idades do poder local e o princípio constitucional da autonomia e da descentralização administrativa.
Quanto às regiões, o debate não deve centrar-se em saber se é ou não necessária a sua instituição. Para nós, e evidente que sim. São instrumentos de democracia e de reforma da administração, de estímulo à mobilização para o desenvolvimento e de articulação com as estruturas comunitárias. São um meio de garantir a autonomia municipal e de equilíbrio e unidade do Estado em façe da instituição das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Mas o debate não pode centrar-se em saber se e ou não oportuno instituir as regiões administrativas. Este problema já foi resolvido pela Constituição e uma maioria não pode escolher o que é e não é oportuno cumprir de entre as normas da lei fundamental.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ora, não faz sentido que, no final de 1993, estejam previstas eleições para os municípios e freguesias sem que esteja também prevista a eleição das regiões administrativas. Desenha-se, ou melhor, confirma-se uma verdadeira perspectiva de inconstitucionalidade por omissão, caso não seja definido um calendário que permita instituir as regiões, pelo menos onde houver consenso. E falta saber

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se o problema da inconstitucionalidade por omissão não se coloca há vários anos - e recordo, aliás, que uma tese de doutoramento, em 1983, já colocava o problema de não haver regiões como exemplo de uma inconstitucionalidade por omissão.
A argumentação de figuras do PSD 6 frequentemente dirigida contra o facto de estarem previstas regiões, com menosprezo da lei fundamental, esquecendo as propostas do seu manifesto eleitoral e até a Lei Quadro da Regionalização aprovada na véspera das últimas eleições. Ouve-se mesmo dizer que Portugal é tão grande como algumas regiões europeias e que por isso não vale a pena regionalizar. Infelizmente, esta ideia ouvimo-la ainda há pouco tempo a um Deputado desta Casa.
Esquece-se, porem, que há outros países, democraticamente eleitos, do tamanho ou menores que Portugal, que estão repartidos em regiões ou órgãos do tipo de províncias. Esquece-se a Carta Europeia da Regionalização, de 1988, e a recomendação da Segunda Conferência do Parlamento Europeu e das Regiões da Europa, de Novembro de 1991, que recomendam aos Estados membros a regionalização no caso de ainda não estarem regionalizados. Esse objectivo e uma contribuição importante para mobilizar o potencial de desenvolvimento endógeno, participar na politica regional europeia, captar fundos e participar nas políticas comunitárias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - São várias - como é sabido - as regiões eleitas de outros países da Europa que tem representantes, grupos de pressão, que actuam directamente junto das instâncias comunitárias e é evidente que privar Portugal da existência de regiões é, de algum modo, privá-lo do desenvolvimento e do relacionamento com a Comunidade Europeia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - As regiões que não estuo instituídas ficam clara e profundamente prejudicadas por assim acontecer, incluindo, como referi, no que toca à participação e intervenção junto da Europa Comunitária.
A verdade, Sr.ªs e Srs. Deputados, é que o PSD não quer regionalizar porque já regionalizou a seu modo, de forma defeituosa, desconcentrada e não descentralizada, à margem das populações e sem legitimidade eleitoral.
Foi isto que aconteceu ao criar, desenvolver e aprofundar o papel das comissões de coordenação regional. Como e sabido, estas estruturas desempenham grande parte das atribuições que deviam caber às regiões administrativas e, inclusivamente, têm como um dos principais papéis ingerirem-se na actividade das autarquias actualmente existentes. Só que o fazem sem debate público, sem controlo por parte da opinião pública, sem legitimidade democrática e sem participação das próprias autarquias.
Pode ser esse o interesse do PSD, mas não é o interesse da democracia, não é o interesse do desenvolvimento nem e a isso que obriga a Constituição.
Há quem argumente com dificuldades resultantes da falta de identidade e de arcas definidas nalgumas regiões.
No entanto, trata-se de um mero pretexto. Por um lado, não estão instituídas as regiões onde poderia haver dúvidas, mas também não são instituídas aquelas cuja área é consensual.

Vozes do PCP: - Muito bem!

G Orador: - A não ser que a maioria tenha dúvidas de, por exemplo, qual seja a área do Algarve!
No entanto, como é sabido, a Constituição prevê um esquema de definição da área das regiões, de baixo para cima, devidamente participada e que resolve qualquer problema que nessa definição possa surgir. Designadamente, está prevista a possibilidade de se verificar uma regionalização parcial em caso de necessidade, em situação mais ou menos temporária. Por nós, declaramos que temos adiantado uma área de partida, mas que estaremos dispostos - e saliento que estaremos dispostos - a ter em conta qualquer outra área de partida no caso de isso facilitar o avanço do processo.
Se o quiser regionalizar e quiser adiantar uma área de partida, não será por nós que deixará de haver regiões em Portugal. O problema não é, portanto, a falta de consenso quanto as áreas de partida. A verdade é que o PSD não permite o avanço deste processo, pela mesma razão que não permitiu, por exemplo, o cumprimento da Lei das Finanças Locais no presente e nos anteriores orçamentos do Estado. Prefere o centralismo, a burocracia, a falta de participação e o empobrecimento da vida democrática.
Se as propostas de calendário da regionalização outro mérito não tiverem, têm pelo menos o de clarificar que assim é e de chamar a atenção do País para o escandaloso incumprimento da Constituição que se continua a verificar nesta matéria e para os prejuízos que resultam para a política regional portuguesa, para a sua participação na política regional comunitária e para a regionalização como instrumento que deve ser de luta pela coesão económica e social na Europa comunitária.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde 1977 a legislação portuguesa prevê a existência de empresas públicas municipais e intermunicipais - concretamente a Lei n.º 79/77. Apesar dos vários projectos de lei e debates parlamentares, continua a verificar-se uma lacuna.
No último debate, em 14 de Fevereiro de 1990, estavam em discussão, tal como hoje, projectos do PCP e do PS. O PSD reconheceu a necessidade de aprovação de um quadro legal nesta matéria. Pediu 60 dias para consulta à Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e para a elaboração do seu próprio projecto de lei ou de uma proposta do Governo. Eu repito: 14 de Fevereiro de 1990. O pedido foi de 60 dias. Estamos hoje nesta situação e não está a ser debatido nenhum projecto do PSD nem nenhuma proposta de lei do Governo.
Mais de dois anos depois, o tempo continua a decorrer e o risco é que a Assembleia da República não legisle com a celeridade que o tempo perdido impõe. O relatório sobre um dos projectos de lei, o projecto de lei do PCP, aprovado pela Comissão de Economia, Finanças e Plano, conclui mesmo, em contradição com posições anteriores do PSD, que - passo a citar - «não pode deixar de referir-se que a regulamentação das empresas municipais, intermunicipais e regionais poderia ter o efeito de induzir os municípios para a sua criação sem que estejam esgotadas as virtualidades de figuras já existentes, designadamente o regime de concessão e a participação em empresas de direito privado».
Passo em claro o facto de este relatório ter subjacente um paternalismo inadmissível sobre os municípios: a ideia de que, havendo a possibilidade de criar empresas públicas, estes deixarão, coitados, de utilizar outras figuras que actualmente existem, em particular os serviços municipalizados e os contratos de concessão.
De resto, o próprio relatório afirma, com um lamentável conhecimento da realidade, que, neste momento, «ainda são

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escassas as experiências de concessão do exploração de bens e serviços».
Reparem, aqueles que conhecem a realidade do poder local, o que é a afirmação de que há poucos serviços municipalizados em Portugal e de que há poucos contratos de concessão em Portugal. Naturalmente que há muitos e não há por aí qualquer razão para a afirmação deste relatório. Mas ele não contraria apenas as posições dos partidos da oposição, mas inclusivamente as próprias posições do PSD de 1990. Contraria, também, as posições da Associação Nacional de Municípios, de estudos das comissões de coordenação regional e de vários administrativistas.
Por outro lado, o desconhecimento da realidade autárquica revelado é chocante e toma-se evidente que esta afirmação se baseia na ideia de que as autarquias não podem escolher livremente entre os vários instrumentos de gestão.
A verdade é que o papel da forma empresarial se destina sobretudo a dar personalidade jurídica e maior flexibilidade a actividades hoje prestadas pelos serviços municipalizados ou que cabem a associações de municípios, apesar de o seu conteúdo ter um carácter empresarial que a lei dificulta ser plenamente assumido. O seminário sobre a ANMP e as associações de municípios - Formas de Acção e Colaboração -, organizado pela ANMP em colaboração com a Região Autónoma dos Açores e respectiva associação de municípios, que decorreu em Ponta Delgada, em 8, 9 e 10 de Novembro de 1991, apontou experiências de associativismo intermunicipal que ganhariam em assumir a forma empresarial.
De resto, algumas destas experiências de associativismo intermunicipal, que poderiam ter a forma de empresas intermunicipais, suo associações de municípios que suo constituídas maioritariamente por autarquias do PSD.
Por outro lado, ainda há poucos dias, o encontro sobre serviços municipalizados, empresas municipais e empresas mistas, realizado em Santarém e promovido pela ANMP, pronunciou-se com clareza a favor da possibilidade legal e respectiva regulamentação da criação de empresas municipais e intermunicipais.

O problema não é o de saber se os projectos de lei apresentados tem ou não lacunas e se podem ou não ser melhorados. É evidente que sim. Os vários debates aqui travados e a abertura que sempre manifestámos demonstraram-no com clareza. Há, aliás, questões tão evidentes que não julgamos ser necessário estabelecê-las expressamente.
Por exemplo: o relatório que referi de uma comissão parlamentar criticou o facto de não estar expressamente estabelecido que as empresas autárquicas se destinam a exercer actividades compreendidas no âmbito das próprias atribuições autárquicas. Isto é tão evidente que não precisa sequer de ser referido, mas, se fosse por causa disso que o projecto de lei seria ou não aprovado, com certeza que haveria acordo nessa matéria.
O problema central, neste caso, é um problema de debate na generalidade e não o de debater os pormenores. Por essa razão, a questão que se coloca é a de saber se, sim ou não, a maioria vai inviabilizar de novo estes projectos de lei ou se, pelo contrário, vai viabilizá-los e assim permitir a realização de uma aspiração que não é dos municípios do partido A ou B, mas de todos os municípios, incluindo os de maioria PSD.
Quanto ao projecto de lei do Grupo Parlamentar do PCP, que aprova o novo regime de tutela administrativa, trata-se essencialmente de preservar a autonomia local, garantindo soluções democráticas e conformes à Constituição e alterando
as disposições em sentido contrário da Lei n.º 87/89, de 9 de Setembro.
É um projecto de lei que procura garantir a tutela de legalidade em vez da tutela de mérito e ingerências abusivas, competências do Governo, e não competências do governador civil, e garantir que as sanções suo claramente tipificadas, precedidas de um parecer de um órgão autárquico e aplicadas exclusivamente pelos tribunais, em vez de serem aplicadas pelo Governo e eventualmente instrumentalizadas pelo partido do Governo. Dá uma definição precisa do conceito de acto ou omissão ilegal grave como «actividade ou omissão dolosa e intencionalmente violadora da Constituição ou da lei e que vise prosseguir fins alheios ao interesse público», em vez de conferir a essa definição um cunho arbitrário, utilizado politicamente pelo Governo e pelo partido no poder e eventualmente até instrumentalizado na perspectiva das próximas eleições autárquicas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto à Lei das Finanças Locais, a questão central, na nossa opinião, neste momento, não é a de rever, mas sim a de cumprir a lei em vigor, decidindo, em termos favoráveis às autarquias, a questão que está colocada ao Tribunal Constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A questão conexa e combater a tentativa de o Governo cortar verbas, impondo encargos que lhe competem, como aconteceu com as escolas C+S e se pretende quo aconteça com a rede complementar de estradas, com centros de saúde e com muitas outras matérias que são da competência do Governo.
A orientação neoliberal e de demissão do Estado que o PSD tem adoptado, em particular quanto à realização dos direitos económicos, sociais e culturais, tem sido ocultada, em parte, atrás do pretexto de transferir encargos para as autarquias ou de lhes atribuir encargos que lhes não cabem, como pretexto para não investir, como aconteceu com a habitação social.
Vimos, aliás, que, durante a campanha eleitoral, o PSD prometeu acabar com as barracas e, depois das eleições, o PSD prometeu apoiar as autarquias nesse propósito - uma - competência que, efectivamente, não lhe cabia, que demonstra com toda a clareza o demissionismo do Estado em relação a direitos fundamentais com consagração constitucional. O Governo não toma a sério os direitos fundamentais que têm de ter dignidade e de ser efectivamente garantidos e a forma que utiliza para não os levar a sério é exactamente dizendo que se trata de questões que são da responsabilidade das autarquias locais, não lhes dando as verbas nem os meios e criando uma grande armadilha que procura, no fim de contas, não apenas iludir o descontentamento popular mas voltar esse descontentamento contra as autarquias, em particular contra as autarquias em que os partidos da oposição têm a maioria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, o problema da delimitação de investimentos entre a administração central e os municípios tem de ser encarado com especial cautela e tem de ter em conta o facto de o Governo tentar perverter a descentralização, impondo encargos sem contrapartidas financeiras.
De resto, tendo em conta as profundas dificuldades e carências de muitas autarquias e as suas consequências em matérias como o saneamento básico, equipamentos sociais e

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tantas outras, o problema central que se coloca neste momento é obter mais verbas e não mais competências, que na realidade podem ser mais encargos, sobretudo com um Governo de determinada natureza e que não dá quaisquer garantias, nem de níveis de financiamento, nem de apoios para exercício das competências que cabem aos órgãos autárquicos.
Por isso mesmo, todo este processo suscita reservas e inquietações por parte das autarquias. É para nós evidente que tem que ser negociado ano a ano, transferência a transferência de investimentos e com intervenção decisiva não só da Associação Nacional de Municípios como da ANAFRE e das próprias autarquias. O problema que se coloca neste momento como central não é legislar em matéria de finanças locais ou em matéria de atribuições e competências, mas sim o de garantir que a Assembleia da República participe no processo negocial em curso entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios. E este tipo de processos negociais, conduzidos entre b Governo e outras entidades, de resto a própria concertação social, podem transformar-se em factores de degradação do papel e dos poderes da Assembleia da República, caso não se verifiquem medidas que permitam o seu acompanhamento e intervenção. E, infelizmente, tenho de dizer que o facto de termos levantado esta questão, em particular na 6.ª Comissão, não teve o devido eco e que é em prejuízo do lugar da Assembleia da República no sistema político que os Deputados e o Parlamento não participam em processos negociais desta natureza, sendo da maior importância que os acompanhassem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate ocorre num momento particularmente oportuno. A pouco mais de meio do mandato das actuais autarquias e no início de uma legislatura é adequado definir regras que permitam criar condições para eleger as regiões administrativas em 1993 ao mesmo tempo que os outros órgãos autárquicos, descentralizar com coerência e estabelecer novas regras que preservem a autonomia autárquica e impeçam que a tutela seja um instrumento de utilização partidária e eleitoral.
Para completar o quadro faltariam, aliás, algumas medidas capazes de garantir um papel novo e vitalizado às freguesias portuguesas, de conferir melhores condições as associações de municípios, de valorizar as assembleias e a colegialidade dos órgãos executivos e de fortalecer a participação e os direitos dos cidadãos, como, aliás, o Grupo Parlamentar do PCP já teve oportunidade de propor através de um conjunto de iniciativas legislativas.
Infelizmente, o que se desenha por parte do PSD é o prosseguimento da inviabilização das regiões administrativas, a instrumentalização da tutela e de novos instrumentos de gestão. Na medida em que estas posições cheguem aos eleitos autárquicos e à opinião pública, este facto corresponderá ao seu isolamento, mesmo em relação a muitos eleitos autárquicos do próprio PSD.
Pela nossa parte, participamos neste debate com a consciência tranquila porque queremos cumprir a Constituição, porque não estamos a discutir se a regionalização vai ou não figurar no nosso programa de partido, depois de ter figurado no nosso manifesto eleitoral, porque queremos mais democracia e desenvolvimento regional, porque queremos mais descentralização, combater a burocracia e uma reforma administrativa democrática, porque acreditamos na participação popular, nas regiões administrativas, no poder local democrático, porque acreditamos no desenvolvimento e acreditamos em Portugal.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Casimiro Tavares.

O Sr. Casimiro Tavares (CDS): -!Sr. Deputado Luis Sá, preocupa-nos o acento especial que o seu partido tem votado à institucionalização das regiões. Cremos, todavia, que não é desejo do PCP, através disso, minimizar o papel do municipalismo.
Reconhecemos o aumento da burocracia, o aumento do centralismo, o aumento do controlo do Estado e até a diminuição dos poderes autárquicos, através da diminuição das receitas do próprio FEF. Compreendemos o respeito pela Constituição, inclusive quando se refere à inconstitucionalidade por omissão. Percebemos a necessidade - talvez da parte de alguns partidos - da criação das regiões, mas interrogamo-nos se esta será útil para o interesse nacional e se, realmente, não será mais um podium para discussões processuais com alguma demagogia pelo meio.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não apoiado!

O Orador: - Segunda pergunta: como conciliar as competências e atribuições das regiões administrativas, que não fazem parte de todo este pacote, com as competências e atribuições das autarquias locais, sem que isso represente uma redução de poderes do município?

O Sr. João Amaral (PCP): - E como é que concilia a autonomia das CCR com a autonomia do poder local?!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado Casimiro Tavares, creio que a questão que me colocou, que agradeço, começa por não ter razão de ser, nem façe à Constituição, nem face ao comportamento do CDS visto que o CDS apresentou com frequência projectos de lei de regiões administrativas e que, com certeza, eram para ser levados a sério. Nós, pelo menos, como hipótese, levámos o CDS a sério.
Quanto à questão de poder haver um conflito entre a instituição das regiões administrativas e o municipalismo, creio, Sr. Deputado, que não só não há conflito como, bem ao contrário, a instituição das regiões administrativas passou a poder ser um factor de desenvolvimento e defesa do municipalismo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Porque, na falta de regiões administrativas, se multiplicaram serviços desconcentrados do Estado e actuações de uma ingerência constante por parte da própria administração central.
Sr. Deputado, tenho oportunidade, com bastante frequência, de falar com eleitos autárquicos. E uma coisa que me impressiona é a quantidade de vezes que, na mesma conversa, aparece referida a opinião da comissão de coordenação regional, a atitude da CCR, a decisão da CCR. Creio que, neste momento, com muita dificuldade o Sr. Deputado vê um diploma sobre ordenamento do território, sobre administração urbanística, sobre loteamentos, sobre planeamento, sobre captação de fundos comunitários ou sobre relacionamento com a Comunidade Europeia sem se referirem as comissões de coordenação regional.

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Não quero - para mim é uma questão absolutamente sagrada, e de resto penso que colocaria problemas de constitucionalidade - que a instituição das regiões administrativas afecte, um milímetro que seja, os actuais municípios. Estou convencido, bem ao contrário, que as regiões são um instrumento de desenvolvimento e garantia da autonomia municipal. Por isso mesmo, creio justificar-se que a generalidade dos municípios olhe com bastante agrado e como uma grande aspiração a instituição das regiões administrativas.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E quando isso não acontece, Sr. Deputado, não é por causa do problema das competências que vão exercer. É por causa de uma questão completamento diferente: deve-se ao facto de a área das regiões ser mal tratada e mal resolvida.
Não se compreende que, por exemplo no distrito de Aveiro (que com certeza preocupa o Sr. Deputado), em termos constitucionais esta questão seja resolvida de baixo para cima, quando, segundo a forma constitucional definida para se calcular a área das regiões administrativas, suo os próprios municípios, e designadamente as assembleias municipais, que definem, em última instância, qual é a área que vão ter as regiões administrativas.
De resto, o problema central nesta matéria não se coloca em saber qual é a arca das regiões. O problema central deve-se a que se multiplicaram os níveis de administração intermédia entre o município e a administração central, sem qualquer coerência entre si, desencontrados e, em geral, de uma linha de ingerências contínuas relativamente à actividade municipal, pelo que se tomou extremamente importante criar as regiões. Elas não são mais um podiam. Sr. Deputado, como referiu. Não se trata, em rigor, de dizer que são mais um podium, trata-se, antes pelo contrário, de substituir uma série de podia que actualmente existem, com destaque para as CCR. Podíamos, eventualmente, discutir a questão das comissões regionais de turismo e outras, que colocam o problema nestes termos: trata-se de se desfazer vários podia para eleger um podium democrático controlado pelos municípios e pelas populações. Esta, a meu ver, é a questão fundamental.
A questão colocada pelo Sr. Deputado mostra com alguma clareza que, apesar de ser uma norma constitucional, apesar de estarmos obrigados, independentemente da opinião de cada um, a cumpri-la com diligência, este assunto não está tão claro como deveria estar. Para nós está. E pensamos mais. Sr. Deputado: referi o problema do calendário da regionalização, mas referi também o problema da tutela, o problema da situação das freguesias, a questão das empresas públicas, municipais, intermunicipais e regionais, referi, igualmente, o problema das atribuições e competências dos municípios e o problema das finanças locais, dizendo que tem de ser tratado numa óptica descentralizadora, mas simultaneamente muito cuidadosa.
Isto mostra, com clareza, que não me preocupei apenas com as regiões administrativas mas com algo bastante diferente: que as regiões administrativas suo uma peça fundamental e verdadeiramente insubstituível de um conjunto de peças mais vasto, que as regiões administrativas se inserem harmoniosamente num todo de construção de um poder local que corresponda às aspirações populares, às necessidades da democracia e do desenvolvimento de Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: A recente crise nas relações entre o poder central e as autarquias, a propósito do não cumprimento da Lei das Finanças Locais no Orçamento do Estado para este ano, veio evidenciar um problema institucional grave, que de outra forma iria porventura continuar escondido ou esquecido. Está, com efeito, o processo de construção e consolidação do edifício constitucional do poder local a atravessar uma fase grave, que exige uma apreciação e a formulação de uma resposta. Vivemos um momento em que estão por resolver algumas questões fulcrais para a vida do poder local, não só para o seu desenvolvimento nos moldes constitucionais e institucionais aprovados, como também - o que é mais grave, a nosso ver - para o seu próprio funcionamento nos parâmetros e limites actualmente vigentes.
Na nossa opinião, enquanto os principais partidos não encontrarem um novo consenso sobre a compatibilização do financiamento, que os municípios justamente requerem, com um novo quadro para as suas atribuições e competências - duas questões que, no senso de toda a gente, estuo correlacionadas de tal fornia que a solução de uma exige a solução da outra -, não poderá o Estado Português avançar para a institucionalização de regiões administrativas sem provocar um inevitável choque de sobreposição de funções entre elas e o poder local existente.
A resolução destas questões é, por consequência, urgente por duas ordens de razões. Ela é, por um lado, prévia e necessária ao processo de regionalização, devendo até constituir a base de entendimento para esse desenvolvimento posterior, sendo, por outro, absolutamente indispensável para a reconstrução de um ambiente pacífico entre os municípios e o poder central, liberto de suspeições e tensões escusadas, assente na necessidade de descentralizar e reforçar o poder local e no respeito da sua autonomia.
O debate que hoje realizamos deve ser ocasião para iniciar a busca desse consenso necessário e dessa resolução urgente. Está na origem da sua realização a apresentação de projectos de lei desde há tempos anunciados e que incidem justamente sobre o que a nosso ver é mais urgente. Não nos inibe o facto de a iniciativa ter pertencido a outro partido de oposição. Importante é que esse facto não iniba o partido maioritário de assumir este debate como necessário e urgente. Para ele procura o CDS contribuir com a defesa dos princípios que para nós suo mais de acautelar a respeito do poder local e com a apresentação de um projecto que, em matéria de finanças locais, aponta para alterações que julgamos defenderem melhor os anseios legítimos das populações e das autarquias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS sempre considerou - e entende hoje útil sublinhá-lo de novo - que a unidade institucional de todo o edifício do poder local, a sua célula fundamental é e deve continuar a ser o município. Toda a prioridade deve ser cometida, portanto, à defesa da sua dignidade, da sua autonomia, das suas perspectivas de corresponder ao que as populações dele continuam a esperar. Só assim poderemos falar com autenticidade de um poder local democrático, uma vez que ninguém tem dúvidas de que a tradição municipalista portuguesa corresponde a um efectivo desejo dos portugueses historicamente assumido e praticado em diferentes ocasiões e por várias formas reafirmado.

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A defesa do primado do município, como garante da genuinidade das formas de descentralização e de autogestão das populações, tem algumas implicações sérias que o CDS gostaria de ver assumidas pela generalidade das forças partidárias.
Em primeiro lugar, importa assegurar a inequívoca subordinação ao princípio da adesão, por parte dos municípios, à nova arquitectura regional, evitando por todas as formas que cia possa constituir uma imposição às autarquias já existentes.
Em segundo lugar, o modo como se fizer respeitar o princípio da subsidiariedade deve assegurar que aos municípios não sejam subtraídos poderes, repartindo por autarquias de grau superior apenas competências que resultem da desconcentração e descentralização a operar naquelas que o poder central continua a guardar ciosamente para si, e mesmo entre essas somente as que o município não possa realizar segundo critérios de operacionalidade ou economicidade.
Por último, e não menos importante, a defesa da autonomia e dignidade do poder local exige que se impeça que a relação de tutela sobre os municípios se vá progressivamente deteriorando numa relação hierárquica. Dito de outra forma, impõe-se não permitir que a progressivamente excessiva intromissão na vida das autarquias, ainda por cima determinada por condicionantes de ordem político-partidária, hoje praticada directamente pelo Governo, venha amanha a veicular-se por forma indirecta e menos identificável por representantes da tutela em órgãos intermédios de poder.
A esse respeito convém referir que essa intromissão tem estado estreitamente ligada às dificuldades financeiras em que os municípios se tem visto mergulhados. A gestão das câmaras municipais tem-se visto confinada cada vez mais a assuntos correntes e à manutenção do seu funcionamento, ficando as despesas de investimento, por norma, dependentes da boa vontade discricionária dos departamentos governamentais que acedem a transferências extraordinárias de meios financeiros. Esta tem sido uma das vias pelas quais se assiste, por vezes, à transformação daquilo que devia ser o normal financiamento de obras necessárias em formas de controlo político, controlo esse que degrada o poder local e que é responsável pelo aparecimento de um clima de conflitualidade numa relação que foi pensada como uma das formas mais nobres de preencher as aspirações dos Portugueses ao desenvolvimento económico e social das suas comunidades.
A estabilização da vida financeira das autarquias, num quadro em que elas possam programar, numa perspectiva plurianual, despesas para além da sua actividade corrente, na procura da resolução dos problemas e ultrapassagem das carências na cobertura das necessidades básicas da vida das suas comunidades e justamente o que os Deputados do CDS pretendem assegurar com as alterações hoje propostas à Lei das Finanças Locais.
Por um lado, propomos que se legisle no sentido de assegurar que a cobrança das derramas seja determinada a partir dos rendimentos efectivamente gerados na área de cada município. É certo que da Lei do Orçamento do Estado consta uma autorização legislativa no mesmo sentido, mas não é raro vermos esgotarem-se os prazos de autorizações legislativas sem a correspondente utilização, pelo que consideramos prudente avançarmos, desde já, com esta concretização legislativa de uma alteração com que todos concordam e que a maioria dos municípios verá com bons olhos o mais cedo possível. A este respeito, gostaria de acrescentar que esta alteração legislativa tem já, como todos sabem, uma longa história.
Constava já da Lei das Finanças Locais, no n.º 4 do artigo 4.º, que a entrada em vigor da reforma fiscal implicaria essa alteração, o que aconteceu nos finais de 1988. Simplesmente, na publicação no Diário da República, de 28 de Fevereiro de 1989, a expressão «rendimento gerado» foi substituída por «rendimento liquidado». Isto significa, Srs. Deputados, que existe uma contracorrente a esta alteração, requerida pela maioria dos municípios, que não se assume publicamente e que convém derrotar hoje, desde já aqui.
Bem mais relevante do que isso é, no entanto, a reposição que propomos da fórmula tradicional do cálculo do Fundo de Equilíbrio Financeiro, pela primeira vez não utilizada este ano. Fazemo-lo sabendo que não será aplicada agora, por via da alteração já imposta pelo Governo, mas procurando que possa ser retomada para o ano sem o prejuízo que a sua aplicação directa e automática acarretaria, pelo que avançamos com uma disposição adicional. Além do mais, a sua aplicação apenas para o ano possibilita que o aumento extraordinário de verbas que ela comportará venha a ser acompanhado da transferencia de novas atribuições e competências a ser consensualmente determinada no âmbito desta Assembleia, se possível a partir do processo legislativo que, esperamos, se esteja hoje a iniciar.
Propomos ainda, diferentemente do PS, esperamos que a benefício do consenso que desejamos, que se consagrem na Lei das Finanças Locais os critérios de distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro acordados entre o Governo e as autarquias. Estando os critérios já consagrados orçamentalmente, poderá esta proposta parecer puramente formal, mas parece-nos que as sucessivas contradições com a Lei das Finanças Locais devem ser rapidamente eliminadas, mantendo assim, mesmo que por vezes apenas na aparência, a consonância, sem a qual não poderemos mais reclamar um carácter estruturante para este instrumento estabilizador da vida das autarquias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com este projecto de lei e com a sua participação neste debate, o CDS procura contribuir para que ele possa constituir um primeiro momento de uma tarefa a que a Assembleia, no seu conjunto, e cada um dos diferentes partidos, em particular, não deverão furtar-se. Acreditamos nas autarquias como órgãos de poder local a necessitarem de maior dignificação e de um esforço pela defesa da sua dignidade e autonomia. Não concordamos com aqueles que nos querem convencer de que elas suo a sede privilegiada de desperdícios de meios, responsáveis pela não racionalização das despesas, fontes de corrupção e de compadrio. Pelo contrário, sabemos que a proximidade dos cidadãos a cujas carências tem de acorrer faz dos autarcas e das autarquias agentes de um melhor aproveitamento de recursos, que nas suas mãos tantas vezes se multiplicam e suportando, não raras vezes, o confronto, por via até da vigilância próxima a que estão sujeitos, com outros agentes do poder em matéria de seriedade, dedicação e competência. Não temos dúvidas, portanto, de que os autarcas, as autarquias e as populações que representam tem toda a legitimidade para esperar que, da nossa parte, não se desperdice uma só ocasião, como a que se constitui neste momento, de trabalhar em sua defesa e para as dotar de reais possibilidades de cumprirem a sua missão.

Aplausos do CDS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luis Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, as questões que quero colocar-lhe suo muito curtas, mas, creio, bastante importantes.
A primeira tem a ver com o Fundo de Equilíbrio Financeiro. Creio que muitos de nós e as autarquias portuguesas mantêm a esperança de ver, em 1992, ser cumprida a lei que o Governo preferiu alterar indevidamente, e estamos pendentes, nesse sentido, da decisão do Tribunal Constitucional. E, se bem compreendi, a sua intervenção aponta nesse sentido, bem como - parece-me - o projecto de lei do CDS, para a ideia de que é certo irmos mesmo ser vítimas do tal esbulho de 54 milhões de contos.
Neste senado, pergunto-lhe se é assim e o que pensa desta matéria.
Quanto à fórmula de cálculo do Fundo de Equilíbrio Financeiro, o CDS mantém a fórmula da Lei n.º 1/87. Diria mesmo que essa fórmula é extremamente interessante, tendo, aliás, merecido o nosso acordo, com um Governo que respeite as leis em vigor e que não procure fórmulas para retirar verbas as autarquias.
Neste caso concreto, foi seguido, como é sabido, a técnica da constante subavaliação do IVA, que levou a cortes de verbas ano após ano. Pergunto-lhe se esta prática, por parte do PSD no Governo, não o fez pensar numa outra fórmula que não permitisse actuações deste tipo. É claro que permite sempre uma tentativa, como a de chegar ao momento do debate da Lei do Orçamento do Estado e aprovar outra norma qualquer, mas neste caso estamos perante problemas de ilegalidade e questões que tom a ver com o Tribunal Constitucional. Em todo o caso, creio que esta prática não pode deixar de reflectir sobre a situação.
A terceira questão tem a ver com as regiões administrativas.
Estou inteiramente de acordo consigo, como já lhe disse há pouco, quanto ao facto de as regiões administrativas deverem ser construídas para os municípios, com os municípios e não contra os municípios, isto em relação aos mais diferentes domínios, desde as atribuições e competências às finanças até às áreas.
A intervenção do Sr. Deputado deu pouco relevo a esta questão, e há um problema em relação ao qual seria bom que se formasse um consenso, tão amplo quanto possível, de toda a oposição, se o PSD não quiser o de os Portugueses votarem, em 1993, para os órgãos regionais como votam para os municípios e para as freguesias.
Neste sentido, peço ao Sr. Deputado um esclarecimento adicional sobre esta matéria.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Manuel Queiró, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Manuel Queiró (CDS):- No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, ouvi a sua intervenção e, para além das questões que tratou relativamente às suas preocupações quanto à situação actual e em termos de futuro dos municípios, no que respeita à sua autonomia e capacidade de intervenção teceu várias reservas em relação aos projectos em apreciação, quanto a estabelecer um calendário do processo de regional fixação.
Comungamos, como é natural, com o Sr. Deputado das preocupações da autonomia e das competências dos municípios, mas pensamos que o processo de regionalização, até como está expresso nos próprios projectos de lei em discussão, - pressupõe precisamente essa autonomia. Ao longo dos tempos, desde 1976, temos ouvido dizer sobre o processo de regionalização, inclusivamente nesta Assembleia e em vários debates, que há receios, dúvidas quanto aos efeitos que a regionalização poderá ter em termos de conflito e de diminuir a autonomia dos municípios. Mas, no nosso entendimento, o que se passa é que tem, efectivamente, medo da criação das regiões administrativas, porque estas significam a descentralização, a aproximação do poder das populações e sobretudo tem medo de que essas regiões promovam o desenvolvimento regional, que a administração central, até hoje, não conseguiu promover.
Deste modo, gostaria de saber de que lado é que o Sr. Deputado se situa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, apenas uma pergunta muito rápida.
Sr. Deputado, partilho de muitas das preocupações que referiu, embora não concorde necessariamente com tudo o que disse, mas estou inteiramente disponível, no quadro parlamentar, para levar até às últimas consequências todas as implicações dos problemas agora em debate.
Neste estado de espírito, a minha questão é a seguinte: como é que o Sr. Deputado e a sua bancada interpretam o facto de, muito recentemente, durante a discussão do Orçamento, o Governo ter tratado as autarquias da forma como as tratou, totalmente impensável, e de, todavia, num debate essencial para o futuro do poder autárquico do nosso país, o partido maioritário não ter tido até ao momento, transcorridas quase duas horas de debate, uma única ideia para alegar neste debate?
Como é que o CDS interpreta politicamente esta posição do PSD?

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, uma questão que colocou tem a ver justamente com a proposta que fazemos - poder-se-á dizer avant la lettre - de reposição de uma disposição que ainda não foi alterada pela proposta de alteração aprovada em sede orçamental. Mas, respondendo directamente à sua questão, o Sr. Deputado manifesta-se confiante de que essa alteração não irá em frente e que a fórmula consagrada para o cálculo do Fundo de Equilíbrio Financeiro será aplicada este ano, o que registamos. No entanto, registe também. Sr. Deputado, que tememos que venha a acontecer o contrário, e foi nessa pressuposição que fomos actuando.

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Em relação à questão que colocou, mais em particular, sobre a fórmula para o cálculo do FEF, no senado de saber se essa fórmula terá devidamente em conta as sucessivas subavaliações do imposto do valor acrescentado ou se não seria de levar isso em conta com uma nova fórmula, penso que a fórmula actualmente em vigor assenta sobre sucessivos valores do IVA previsto na altura da elaboração do Orçamento e, portanto, os desvios compensar-se-ão por forma a manter, sensivelmente, a mesma proporção de variação do IVA e a transportá-la para a variação do Fundo de Equilíbrio Financeiro.

O Sr. João Amaral (PCP): - Nunca se recupera o que se perde num determinado ano!

O Orador: - Justamente por isso, como diz o Sr. Deputado João Amaral, que não se recupera o que se perde num determinado ano, é que acrescentamos o n.º 3, que vai acautelar a forte possibilidade de, este ano, o Fundo de Equilíbrio Financeiro não assumir o valor que era devido pela fórmula. No entanto, para efeitos de cálculo do FEF para o ano que vem seria levado em conta o valor correcto deste ano, segundo a fórmula, mesmo que esse não venha a ser o FEF oficialmente aprovado.
Quanto às questões, que englobaria na mesma resposta, colocadas pelos Srs. Deputados André Martins e Luís Sá, quero tomar claro o seguinte: os Srs. Deputados estilo de acordo com o CDS no objectivo último de criar regiões administrativas com os municípios e para os municípios, respeitando em absoluto as fronteiras das suas atribuições e competências e possivelmente também dos seus meios financeiros. Simplesmente, Srs. Deputados, há uma diferença de posição: o CDS tem esse objectivo mas tem o receio, que julga justificado, de esse objectivo não ser cumprido, nomeadamente o de existir no futuro uma perversão de lodo o processo de regionalização, que se tornaria, ele próprio, antiautonómico e antimunicipalista, como o de constituir regiões que, na prática, se fizessem à custa dos municípios. Isto porque esse processo de regionalização é constituído não directamente por impulso dos municípios mas, pelo menos, sob controlo do poder central, que tem demonstrado uma enorme resistência em abdicar de atribuições, competências e meios financeiros.
É por isso que pensamos que, previamente, no calendário que é proposto, é necessário instituir formas cautelares para que tal não venha a acontecer, nomeadamente no domínio das finanças locais e no quadro das atribuições e competências dos municípios. Este aspecto também tem a ver com outra questão já colocada e que é a da calendarização. Na verdade, seria bom que, em 1993, já pudéssemos eleger os órgãos regionais, embora faça esta sugestão no condicional. Isto é, gostaria que as referidas eleições tivessem lugar em 1993 se daqui até lá for possível obter consenso a partir do debate que deveria iniciar-se hoje, no que diz respeito a atribuições, competências e finanças locais.
Finalmente, o Sr. Deputado Jorge Lacão fez a afirmação, que julgo importante, de que o seu partido está disponível para encarar todas as consequências deste debate, nomeadamente alterações, mesmo que substanciais, a alguns pontos das suas próprias iniciativas legislativas, no sentido de possibilitar avanços significativos nas matérias em causa neste momento.
Repito que registo com agrado esta sua afirmação. No entanto, o Sr. Deputado colocou-me outra questão que era sobre o facto de, até agora, o Partido Social-Democrata ainda não ter intervindo e de o Governo também não ter manifestado interesse neste debate.
Quanto à ausência do Governo, julgo que é definitiva. Quanto ao silêncio do PSD, julgo que ainda vamos muito a tempo de vê-lo tecer abundantes considerações sobre tudo o que está em causa. Assim, tenho esperança de que o PSD esteja à beira de iniciar uma torrente de declarações esclarecedoras e propiciadoras do tal debate e do consenso necessários.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS, ao abrigo do direito potestativo, decidiu agendar para o dia de hoje, no Plenário da Assembleia da República, um conjunto de projectos de lei referentes ao poder local.
O PCP e o CDS, aproveitando a boleia do PS, agendaram igualmente alguns dos seus projectos de lei com idêntico objecto ou conexos.
Dado o objecto dos projectos de lei agendados pelo PS e PCP, trata-se apenas de uma reprise das IV e V Legislaturas, devido a maioria deles terem sido já rejeitados por esta Câmara.
Isto demonstra a falta de imaginação e de criatividade destes dois partidos da oposição, que parecem estáticos, não conseguem evoluir, nem aprendem com os debates já anteriormente efectuados nesta Câmara e nem com os ensinamentos do povo português.
Os projectos de lei n.ºs 68/VI e 69/VI, do PS, respectivamente lei quadro de atribuições e competências das autarquias locais e lei das finanças locais, propõem leis estruturantes do poder local, que devem ser elaboradas e revistas com amplos consensos do poder legislativo como tem sido habitual nesta Casa.
O mesmo pode e deve dizer-se em relação ao projecto de lei n.º 96/VI, do PCP, sobre a revisão da Lei de Tutela Administrativa das Autarquias Locais, bem como em relação aos projectos de deliberação n.º 18/VI, do PS, e 197 VI, do PCP, sobre o calendário para a regionalização do continente.
O PS e o PCP persistem em quebrar essa praxis política, o que nós, sociais-democratas, muito lamentamos e condenamos e, por isso, não podemos acompanhá-los, como partido responsável pela governação de Portugal e com forte implantação nas autarquias locais portuguesas.
Este agendamento do PS e do PCP é ainda precipitado e inoportuno quando sabemos, e foi anunciado nesta Câmara pelo Governo, através do Sr. Ministro das Finanças, Prof. Braga de Macedo, aquando da discussão do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano para 1992, que, das conversações entre o Governo e a Associação Nacional de Municípios Portugueses sobre o Orçamento do Estado para 1992, linha resultado a constituição de um grupo de trabalho entre ambas as partes, para, no prazo de 30 dias, debater e definir as transferências de novas competências para as autarquias locais e os respectivos meios financeiros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se assim é, Srs. Deputados do PS e do PCP, porquê tanta pressa em discutir e votar estas vossas iniciativas legislativas?
Não consideravam mais oportuno, razoável, sensato e coerente aguardar pelos resultados desse grupo de traba-

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lho do Governo e da Associação Nacional de Municípios Portugueses para, depois, se for caso disso, todos os partidos e o próprio Governo darem o seu contributo para o aperfeiçoamento e melhoria da legislação do poder local e, assim, contribuirmos todos com amplo consenso para o seu prestígio, reforço e eficácia?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas o PS e o PCP não tom sentido de Estado, preferem o frenesim legislativo e a demagogia política para tentarem demonstrar serviço perante os Portugueses e, em particular, perante os autarcas, agora que já nos encaminhamos para as eleições autárquicas de 1993.
O PS e o PCP julgam que é com atitudes destas, com a repetição de iniciativas legislativas já debatidas e rejeitadas neste Hemiciclo, que conseguem credibilizar-se perante o País e os potenciais destinatários das iniciativas. Os Portugueses já lhes deram a resposta mais do que uma vez, em eleições livres, mas, pelos vistos, não aprenderam e persistem sempre nos mesmos erros.
O PSD denuncia, desta tribuna, perante o País e perante os autarcas portugueses, a irresponsabilidade e a demagogia do PS e do PCP em matéria de iniciativa legislativa sobre o poder local, que não serve de modo algum os interesses das populações locais e daqueles que as servem.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas pelo respeito que nos merece esta Câmara, vamos analisar de novo os projectos de lei e os projectos de deliberação do PS e do PCP, repetindo, como compreenderão, por uma questão de coerência, os argumentos essenciais que aduzimos na Legislatura anterior sobre alguns destes projectos.
Comecemos pela análise do projecto de lei n.º 68/VI, do PS - Lei quadro das atribuições e competências das autarquias locais, que é a repetição do projecto de lei n.º 619/V, apresentado e apreciado na Legislatura anterior.
A primeira observação que o PSD faz de imediato a este projecto de lei do PS 6 em relação à sua própria denominação, que nos parece equívoca e pode induzir-nos em erro, levando-nos a pensar tratar-se da revisão do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, que contempla as atribuições e competências das autarquias locais, quando parece que o objectivo do PS se prende essencialmente em rever o Decreto-Lei n.º 77/84, de 8 de Março, no qual se estabelece o regime da delimitação e da coordenação das actuações da administração central e local em maioria de investimentos públicos.
O que é que o PS faz com este projecto de lei? Foi buscar as atribuições das autarquias locais, definidas em legislação própria (Decreto-Lei n.º 100/84), e integra-as nesta sua iniciativa legislativa, enriquecendo-as com atribuições que, já há muito, suo reconhecidas às autarquias locais.
Assim, o PS usa e abusa do «corte e colagem». O PS pega num diploma e cola-lhe algo quo já está contemplado noutros diplomas existentes, tentando assim fazer crer que está a inovar a legislação.
O que nos preocupa mais, nestas circunstâncias, é que procuramos ideias genuínas do PS, enquanto grande alfobre de ideias, grande gestor de autarquias locais, e o resultado da nossa busca incessante é nulo.
Mas o PS, que deu a este projecto de lei a denominação pomposa de Lei Quadro das Atribuições e Competências das Autarquias Locais, resolveu caminhar pelas atribuições em sentido próprio e pelas competências em sentido impróprio, não se ficando pelo definido no artigo 2.º Tudo ao molho! É a divisa do PS. Nada de diplomas separados, nada de precisão de conceitos, porque o que interessa é agitar o povo e mostrar-lhe a ideia de uma alternativa. Pelos vistos, que alternativa ao pobre! E já rejeitada várias vezes pelo povo português.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - As atribuições e competências dos órgãos é que definem a capacidade da pessoa colectiva. Mas faz o PS alguma proposta concreta, nesta sua iniciativa legislativa, que amplie esta noção? Não!
Daqui se conclui que o PS está de acordo com o conjunto de atribuições que estão consagradas para as autarquias locais e com as competências que estilo previstas para os seus órgãos.
Então o que é que o PS vem dizer-nos aqui, com este projecto de lei?
O PS vem falar-nos essencialmente da arca dos investimentos das autarquias locais e vem dizer o seguinte: a área dos investimentos das autarquias locais é aumentada anualmente, quer as autarquias queiram quer não. O conjunto das áreas de investimento é transferido obrigatoriamente para as autarquias no prazo máximo de cinco anos, com a condição simples e fácil de duplicar os recursos financeiros transferidos do Orçamento do Estado. Isto é, quer se justifique ou mo, o Estado tem de encontrar os recursos financeiros exigidos e às autarquias fica o poder de gastar livremente. É o princípio sábio da gestão socialista: gastar primeiro e pensar nos recursos depois.

Aplausos do PSD.

Mas há alguma coisa nova, na área dos investimentos, que o PS nos diga neste seu projecto de lei? Vejamos.
Comparando o artigo 11.º do projecto de lei em discussão com o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 77/84, verificamos que o PS acrescenta duas coisas: os equipamentos de higiene pública (balneários, sanitários, lavadouros) e mercados e leiras. Como já referimos na Legislatura anterior, não pensou o PS que estas já suo competências das autarquias, desde há muito? Também não interessa. O que interessa é apresentar dois pontos novos num conjunto de 23.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como acabámos de ver, o PS puxou pela sua imaginação, espremeu-a toda e deixou cair duas simples gotas. Que grande imaginação esta, a do PS!

Aplausos do PSD.

Estamos a dizer isto porque no artigo 3.º do projecto de lei do PS as competências das autarquias locais são as estabelecidas no artigo 11.º
Mas falemos agora do artigo 12.º do projecto de lei do PS, pomposamente designado «Novos domínios de competências».
Mais uma vez, o PS ignora o já existente e adopta uma forma descritiva que é também pretensamente inovadora.
O método aqui utilizado e o de ir buscar a outros diplomas, já aprovados ou em vias disso, um conjunto de elementos que, depois, sistematiza como grandes apostas de modificação do estudo actual das questões autárquicas. E o que se passa, designadamente com o ordenamento do território, com a protecção do ambiente e da qualidade de vida,

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com a defesa do património cultural e histórico e até com o investimento e com a gestão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há aqui, como seria desejável, uma articulação e definição clara entre os domínios da intervenção do poder local e do poder central. Continua a não haver qualquer referência as atribuições e às áreas de investimento das autarquias regionais, apesar de o PS continuar a manifestar uma excessiva obsessão pela implementação da regionalização a curto prazo, como acaba de verificar-se pelo seu projecto de deliberação para definir o calendário da regionalização.
O PS, com este projecto de lei, perde, mais uma vez, uma oportunidade de clarificar o que fica para o Estado, o que fica para as autarquias regionais e o que fica para as autarquias locais. Não o faz. E faz pior. Trata o Estado como mero financiador, trata a freguesia como uma entidade menor ou quase inexistente, passa por cima da figura da região e só se preocupa, essencialmente, com o município.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Parece impossível!

O Orador: - Isto é, o PS, transformado num grande agente do poder local, não sabe como cumprir as suas promessas eleitorais com os meios de que dispõe e vem, no fundo, traduzir o artifício da sua atitude política.
Como já afirmámos em Dezembro de 1990, nesta Câmara, o que o PS nos diz é, fundamentalmente, isto: os socialistas não sabem gerir as autarquias locais com o dinheiro que tem; os socialistas querem mais dinheiro (veja-se «Nova Lei das Finanças Locais», cujo projecto de lei estamos também a apreciar) e para terem mais dinheiro tem de apresentar algumas razões e justificações (leia-se «Nova Lei das Atribuições e Competências das Autarquias», cujo projecto de lei estamos a analisar).
Como vemos, Srs. Deputados, o PS continua igual. Não mudou nada. Apesar da sua nova liderança, continua a ser o velho PS, sem ideias novas e credíveis para os problemas dos Portugueses e do poder local.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PS nem se deu ao cuidado, passado todo este tempo sobre uma iniciativa legislativa idêntica, apresentada por si na anterior Legislatura, de auscultar a Associação Nacional de Municípios Portugueses. Assim se vê, numa lei tão importante para o poder local, qual o respeito e a atenção que lhe merece a associação que representa os municípios portugueses.
Em conclusão, entendemos que este projecto de lei do PS peca, sobretudo, pela hibridez do seu objecto e quanto ao resto, pela inutilidade, ao pretender regulamentar matérias já regulamentadas por legislação própria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que diz respeito ao projecto de lei n.º 69/VI, do PS - Lei das Finanças Locais -, este é igualmente a repetição do projecto de lei n.º 620/V, da V Legislatura.
A actual Lei das Finanças Locais, n.º 1/87, foi aprovada por unanimidade nesta Câmara e resultou de iniciativas legislativas do governo PSD, do PS, do PCP, do PRD e do CDS, depois de um trabalho prolongado e profundo realizado na Comissão Parlamentar de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, com a participação do Governo e da própria Associação Nacional de Municípios Portugueses.
A primeira Lei das Finanças Locais, n.º 1/79, foi igualmente aprovada por unanimidade na Assembleia da República e o Decreto-Lei n.º 98/84 resultou de uma autorização legislativa ao tempo do governo PS/PSD.
Sendo a revisão da Lei das Finanças Locais uma matéria complexa e difícil, não pode nem deve operar-se de forma precipitada, sem o concurso das diferentes forças partidárias com assento nesta Assembleia e do próprio Governo e sem esquecer, igualmente, a opinião da própria Associação Nacional de Municípios Portugueses.
O PS, mais uma vez, com o agendamento deste seu projecto de lei, ignora tudo isto. Daí não nos parecer uma iniciativa séria, porque não tem condições de forjar o consenso indispensável à revisão da Lei das Finanças Locais.
Da apreciação na generalidade do projecto de lei n.º 69/VI realça-se como dado principal que com o mesmo visa garantir-se, num ciclo de cinco anos, no mínimo, a duplicação em termos reais das percentagens dos recursos financeiros transferidos do Orçamento do Estado para as autarquias locais, integrando-se a aplicação destas transferências na execução de leis anuais de concretização e de competências, nos termos previstos no projecto de lei n.º 68/VI, do PS. Este aumento substancial das receitas das autarquias locais, no âmbito da política de descentralização de competências proposta pelo PS, assenta em que o Estado e as autarquias vão ter nesse prazo de cinco anos as suas competências delimitadas com precisão. Nessa ordem de ideias, há que considerar que as competências transferidas para o âmbito local com os correspondentes custos financeiros deixarão de constituir despesas a cargo da administração central.
O projecto do PS defende ainda a participação dos municípios nos impostos directos do IRS e IRC, sendo isto contrário ao princípio de autonomia fiscal que o PSD tem vindo a defender, ...

Risos de alguns Deputados do PS.

... dado que estes suo considerados impostos arrecadados pela administração central, que seriam utilizados pelas autarquias locais sem que existisse uma responsabilização directa destes fundos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este projecto de lei do PS parece-nos irrealista, incoerente e inexequível por aquilo que atrás referi.
A alteração, apresentada no projecto de lei do PS, dos critérios de distribuição do FEF (Fundo de Equilíbrio Financeiro) não se baseia em suficientes estudos técnicos e, logo, não foi devidamente ponderada. Pior ainda, este projecto de lei não define de maneira rigorosa os referidos critérios. Fala de percentagens, deixando para posteriores decretos-leis a sua quantificação.
Isto é a maior das demagogias. O PS, não querendo assumir responsabilidades, passa a quantificação desses critérios para o Governo para que, depois, sejam cies quais forem, os poder mais facilmente contestar.
O CDS apresentou também, à última hora, o projecto de lei n.º 110/VI, que visa a alteração da Lei das Finanças Locais.
Numa leitura rápida deste projecto de lei ressalta que as principais alterações propostas à Lei n.º 1/87 assentam em dois pontos.
Em primeiro lugar, elimina os n.º 2, 3, 4, 5 e 6 do artigo 5.º referente às derramas, acabando deste modo com o carácter excepcional destas, abrindo caminho ao seu lançamento indiscriminado.

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Em segundo lugar, visa alterar o quo foi aprovado no âmbito do Orçamento do Estado para 1992 referente ao cálculo do FEF para 1993.
Assim, este projecto de lei do CDS não merece o nosso acolhimento por falta de razoabilidade.
Além disso, através da Lei do Orçamento do Estado, foram recentemente alterados os critérios de distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) pelos municípios. Com esta alteração, o Governo e o PSD visaram aumentar o grau de redistribuição do FEF, apoiando os municípios com menores recursos, isto é, com menores receitas próprias. Foi uma alteração importante e corajosa aquela que, há dias, efectuámos, por via da Lei do Orçamento do Estado, à actual Lei das Finanças Locais.
Aproveito a oportunidade para, mais uma vez, recordar que o FEF, de 1985 até 1992, cresceu mais de 175%, tendo passado de 65 milhões de contos para 180 milhões de contos. Tem havido, por assim dizer, um crescimento significativo do FEF durante os governos do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Também se toma necessário, no futuro, fazer alguns ajustamentos à Lei das Finanças Locais em matéria de fiscalidade, mas isto só será provavelmente possível após a próxima revisão constitucional.
Assim, impõe-se uma ponderação cuidadosa da revisão da actual Lei das Finanças Locais, que não se compadece com precipitações e com ausência de iniciativas da maior pane dos partidos nesta matéria, como agora se verifica.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que concerne aos projectos de lei n.ºs 70/VI, do PS, e 96/VI, do PCP - Lei quadro das empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais, estes suo, nada mais nada menos, a reedição dos projectos de lei n.º 468/V, do PS, e 131/V e 319/V, do PCP.
Sem prejuízo da intervenção específica sobre esta matéria do meu colega de bancada, Deputado Ângelo Correia, tecerei apenas ligeiras considerações sobre esta questão.
O PSD considera que, face à legislação vigente, as autarquias locais podem executar as suas atribuições, ou seja, directamente através dos serviços municipais ou através dos serviços municipalizados criados para o efeito, ou através do regime de concessão de exploração de bens, ou de serviços públicos, ou, ainda, através de empresas sujeitas ao regime de direito privado. Os serviços municipais e municipalizados suo as formas mais vulgarizadas, sendo ainda escassas as experiências de concessão de exploração de bens e serviços e de participação de empresas de direito privado. Estão ainda longe de estarem esgotadas as virtualidades das figuras já existentes, designadamente o regime de concessão e a participação em empresas de direito privado.
Além disso, o PSD e o Governo, que apoiamos convictamente, defendem cada vez menos Estado e melhor Estado. Queremos assim continuar a reduzir o peso do Estado na sociedade e não aumentá-lo.
Conforme consta do Programa do actual governo, pretende-se modernizar a gestão autárquica e melhorar a qualidade e produtividade dos serviços prestados pela administração local e para isso estimular-se-á a privatização de tarefas ou funções que possam ser assumidas com vantagem pela iniciativa privada. Será esta, Srs. Deputados, a política a ser implementada pelo Governo do Prof. Cavaco Silva.
Assim, o PS e o PCP continuam a ir ao arrepio do tempo. O que nos resta apenas é lamentar que assim seja.
Consideramos, por isso, estes dois projectos de lei do PS e do PCP inúteis ao funcionamento moderno e eficaz das autarquias locais e à resolução dos problemas das suas populações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre o projecto de lei n.º 96/VI, do PCP, que aprova um novo regime da tutela administrativa sobre as autarquias locais, revogando as disposições fundamentais da Lei n.º 87/89, de 9 de Setembro, o primeiro reparo que nos merece esta iniciativa legislativa prende-se com a sua deficiente sistematização e com a falta de articulação com a Lei n.º 87/89. Se não, vejamos.
O artigo 11.º do projecto de lei dispõe que «são revogadas as disposições legais contrárias à presente lei», isto é, as da lei mencionada supra e as das leis especiais.
Ora, nesta formulação genérica e vaga, não se entende o que fica revogado e o que permanece em vigor, o que só vem criar a desestabilização legislativa e o caos jurídico, incompatíveis com as questões de extrema importância que pretende instruir-se.
Não há dúvida que alguma ligeireza caracteriza, desde logo, este projecto de lei do PCP.
Quanto ao conceito de tutela administrativa, não se vislumbram quais as vantagens que este projecto traz em relação à Lei n.º 87/89, de 9 de Setembro.
O conceito de tutela administrativa vem delimitado na Constituição da República Portuguesa, sendo certo que na Lei n.º 87/89 não há qualquer disposição que a contrarie. Pelo contrário, este projecto de lei é menos exigente que a actual lei, ao estabelecer que a tutela administrativa consiste na verificação do cumprimento da lei, excluindo do seu conteúdo o cumprimento dos regulamentos.
Este projecto de lei exclui também, a nosso ver numa perspectiva errada, os serviços autárquicos, limitando a tutela aos órgãos do poder local.
Outra crítica que pode fazer-se a este projecto de lei é a da exclusão do seu articulado de um artigo sobre o âmbito de aplicação da lei, ficando-nos a dúvida sobre se não pretende revogar-se o artigo 1.º da Lei n.º 87/89 ou se, pura e simplesmente, se descura o âmbito de aplicação.

O Sr. João Amaral (PCP): - Tanto disparate de uma vez só!

O Orador: - O mesmo se diga quanto à forma de exercício da tutela, dado que o projecto nada dispõe. Mantém-se os inquéritos, inspecções e sindicâncias? Ou o Governo e livre no exercício da tutela?
Quanto às competências do governador civil para exercer a tutela na área da sua jurisdição, estas decorrem da Constituição. É evidente que este regime será tendencialmente abandonado com a criação das regiões administrativas, mas enquanto estas não forem criadas não se descortinam razões para o abandonar.
Quanto às competências para aplicação de medidas sancionatórias, com esta proposta, pretende-se jurisdicionalizar na íntegra o instituto da tutela. Apesar de o exercício da tutela pertencer ao Governo - isto é referido mesmo no próprio projecto de lei -, este ficaria desprovido de meios para a sua efectivação, esvaziando-se o conteúdo do instituto.

O Sr. João Amaral (PCP): - Ora essa! Então porquê?

O Orador: - Ora, o Governo não pode demitir-se nem ser demitido do exercício das suas competências.

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A garantia da legalidade e a salvaguarda do poder local suo sempre garantidas, atendendo a que nunca se exclui o recurso aos tribunais, mesmo nos casos em que é o Governo a aplicar a sanção - no caso da dissolução do orgão autárquico.
Quanto ao parecer do órgão autárquico, o PCP parece não entender o disposto no artigo 293.º da Constituição. As medidas constantes da Lei da Tutela Administrativa sobre as Autarquias Locais devem ser lidas, não à luz da restrição da autonomia do poder local, mas sim da salvaguarda da legalidade. De qualquer modo, aquando da publicação da referida lei, foi ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Quanto ao parecer da Assembleia Regional, alem de tudo o que foi dito, não se justifica, neste momento, alterar a lei enquanto não forem criadas as regiões administrativas.
Quanto à tipificação das sanções (perda de mandato e dissolução do órgão autárquico), estão, neste momento, claramente tipificadas, sendo as mesmas que vêm referidas no projecto de lei do PCP.
A inelegibilidade é apenas uma consequência directa e necessária da aplicação daquelas sanções sem a qual as mesmas não teriam qualquer efeito prático.
Quanto ao efeito dos recursos, o projecto do PCP visa subverter o seu regime normal, que é sempre devolutivo, a não ser em casos excepcionais, tipificados, em que pode ter o efeito suspensivo.
Quanto ao conceito de ilegalidade grave, a definição constante no artigo 9.º do projecto de lei do PCP e claramente inaceitável, pois incute a convicção de que a actividade violadora da lei só será punível quando vise prosseguir fins alheios ao interesse público, quando é evidente que qualquer violação da lei, qualquer que seja o seu fim, deve ser punida.
Saliente-se, aliás, que o projecto de lei do PCP é pródigo em confundir conceitos. Este artigo é exemplo disso, nomeadamente quando refere a «actividade ou intenção dolosa e intencionalmente violadora». Ora, e sabido que o dolo pressupõe, por definição, a intenção.

O Sr. João Amaral (PCP): - Essa parte foi feita pelo chefe da secretaria!

O Orador: - Assim, o PSD considera inoportuna a revogação da Lei n.º 87/89, dado que esta ainda é muito recente, tem pouco mais de dois anos, e não vemos razões objectivas e suficientes para tal revogação.
A legislação autárquica tem de ter também alguma estabilidade, sob pena de não permitir um bom funcionamento e actuação dos órgãos das autarquias locais e dos seus titulares.
Assim, o PSD rejeita claramente a revogação da Lei n.º 87/89, que contempla o regime de tutela administrativa das autarquias locais e das associações de municípios de direito público, conforme pretende o projecto de lei do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que diz, respeito ao projecto de deliberação n.º 18/VI, apresentado pelo PS, sobre a calendarização do processo de institucionalização das regiões administrativas, afigura-se-nos claramente irrealista e praticamente inexequível.
O PSD sempre defendeu a regionalização do nosso espaço continental, com grande sentido de Estado, com uma cuidadosa ponderação e com amplo consenso nacional.
No Programa do actual governo está inscrito este objectivo de criação e de institucionalização das regiões administrativas, que vamos cumprir. Mas esta matéria é das de maior melindre e delicadeza, carecendo todo este processo da regionalização de ser cuidadosamente preparado, analisado, discutido e ponderado, atentos os interesses em confronto.
Propor - como o PS faz - o corrente mês de Março para apreciação na generalidade pela Assembleia da República dos projectos e propostas de lei em questão é não dispor da sensibilidade política necessária para aquilatar do grau de complexidade que a elaboração de tais diplomas comporta.
Com efeito e para falarmos apenas na lei de criação das regiões administrativas - e não na sua institucionalização em concreto -, a mesma comporta temas tão diversificados como a designação e delimitação de cada região, os poderes atribuídos às mesmas e o regime do respectivo pessoal. E isto para já não falarmos noutros diplomas que a lei quadro das regiões administrativas prevê, como sejam o regime legal das finanças das regiões e o regime eleitoral aplicável os mesmas.
Prejudicada que está, assim, a apreciação na generalidade, no mês de Março, dos projectos de diploma em causa, fica igualmente comprometida a apreciação dos mesmos na especialidade e a votação final global da lei de criação das regiões administrativas até ao dia 15 de Junho de 1992.
Por outro lado, nos n.ºs 3, 4, 5 e 6, pretende-se fazer tábua rasa das dificuldades previsíveis que um processo de regionalização deste tipo acarreta e que, cautelarmente, aparecem de forma clara previstas na própria Lei Quadro das Regiões Administrativas, maxime no seu artigo 13.º, quando se alude ao processo de instituição de cada região e à não obtenção das deliberações necessárias ao efeito.
É que situações há que poderão obstar, fundadamente e com origem nas próprias regiões, ao cumprimento dos prazos exíguos previstos nestes números do projecto de deliberação do PS em apreciação.
Acresce, ainda, que os demais diplomas a elaborar para regulamentar a Lei Quadro das Regiões Administrativas carecem de ser equacionados de forma global e integrada e não de modo disperso, desgarrado e avulso, como se encontra subjacente ao projecto de deliberação do PS.
Daí que o projecto de lei do PS peque, de modo grave e irremediavelmente, por não indicar a totalidade dos diplomas necessários e, igualmente, por perspectivar a elaboração casual dos poucos que menciona.
Por último, mas não menos importante, é de criticar a motivação subjacente a este projecto de deliberação do PS.
Com efeito, porquê calendarizar a regulamentação de uma lei quadro, aprovada por unanimidade na Assembleia da República, na qual se apontam caminhos a seguir e diplomas a elaborar, mas na qual - com clareza - não se fixaram prazos para o efeito, com a única excepção do artigo 33.º da Lei n.º 56/91. de 13 de Agosto?
Na verdade, parece preferível manter a situação constante da Lei n.º 56/91, não a limitando com barreiras temporais, alenta à delicadeza da matéria em causa e à necessidade objectiva de criar consensos que, por vezes, só o tempo consegue apurar e obter.
Além disso, ainda várias forças políticas com assento nesta Câmara não apresentaram iniciativas legislativas para a criação e institucionalização das regiões administrativas, o que se tornará fundamental para se conseguir o amplo consenso desejável em tão importante questão de Estado.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: No que concerne ao projecto de deliberação n.º 19/VI, do PCP, com idêntico objecto, o PSD, para além das objecções que atrás expus em relação ao projecto de deliberação do PS, tem uma crítica agravada a fazer a este diploma, derivado do facto de apertar ainda mais o prazo para consultas às assembleias

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municipais e o período para a revisão da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Deputados do PS e do PCP: As eleições autárquicas, como bem sabem, vão ter lugar só em Dezembro de 1993. Estuo, por isso, ainda a alguma distância. Não façam apenas show off político com as questões autárquicas, não façam desde já e apenas um puro e simples discurso eleitoralista. Srs. Deputados socialistas e comunistas, em nome do PSD, faço-vos um apelo sincero: vamos todos nós, Deputados desta Assembleia, trabalhar de forma séria, responsável e empenhada por Portugal e para o prestígio e dignificação do poder local, tão essencial ao desenvolvimento e modernização do todo nacional, para uma boa qualidade de vida dos Portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Luís Sá, Gameiro dos Santos, Júlio Henriques, José Sócrates, José Penedos, Manuel Queiró, André Martins e João Amaral.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, vou ser muito breve, pois, perante uma tal exposição, vejo que a densidade de originalidades por metro quadrado é tão grande que V. Ex.ª suscita a originalidade de outros Deputados desta Casa.
Deste modo, começo por observar que, em meu entender, quando o Sr. Primeiro-Ministro fez inaugurações e adoptou certas atitudes políticas em vésperas de eleições e quando não só ele como também todos os membros do Governo se agitavam pelo País e pediam votos, a razão desse pedido não era para que a oposição não apresentasse projectos de lei. As pessoas não votaram nisso! Assim, penso que o Sr. Deputado não tem razão para nos censurar por aquilo a que chamou a reprise dos projectos de lei que apresentámos e que agora reapresentamos. Trata-se, de facto, das nossas posições e perante elas o PSD terá de se definir.
Por outro lado, Sr. Deputado, gostaria também de dizer que aquilo a que chamou frenesim legislativo é inteiramente justificado em face da lentidão legislativa que, em matéria de poder local, tem sido praticada, nos últimos anos, devido ao PSD, que só não é lento quando se trata de prejudicar o poder local.
Aliás, posso exemplificar o que acabo de dizer recordando à Câmara as afirmações do Sr. Deputado, no dia 14 de Fevereiro de 1990, ou seja, há dois anos, um mês e alguns dias, a propósito da questão das empresas municipais e intermunicipais. Passo, pois, a citar: «Quanto à questão de esta matéria já estar presente na Assembleia da República há muito tempo, através de uma iniciativa legislativa do PCP, devo dizer que é verdade, mas não foram só o PSD e o Governo que estiveram em falta até agora. Há poucos dias é que entrou o projecto de lei do PS e até é duvidoso que tivesse entrado dentro do prazo regimental para poder ser discutido em simultâneo com o projecto do PCP. Por isso, se alguém andou distraído, não foi só o PSD, foi também o PS [...]»
No entanto, depois de ter dito isto há dois anos e de a Associação Nacional de Municípios, assim como a generalidade das autarquias, ter reivindicado, ao longo dos anos, a regulamentação da possibilidade legal das empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais, o Sr. Deputado resolveu, agora, dizer que há muitas outras formas de assegurar a gestão dos assuntos municipais e que o regime de concessão ainda não é muito utilizado. Dir-lhe-ia que não é verdade, pois a concessão é muito utilizada, e que é por causa dela que as empresas intermunicipais, em particular, deixam de ser necessárias.
De resto, queria ainda dizer-lhe que tive oportunidade de, em Ponta Delgada, numa iniciativa da Associação Nacional de Municípios, ouvir eleitos autárquicos do seu partido levantarem este problema, muito em particular em relação às associações de municípios. E, em relação a estas, não há, efectivamente, em alguns casos, possibilidade adequada de recorrer a outros meios.
Quanto às críticas que o Sr. Deputado fez, designadamente ao conceito de tutela, gostaria de dizer-lhe que suo inteiramente descabidas. Com efeito, trata-se, claramente, de uma orientação centralizadora pretender, estender a fiscalização tutelar ao cumprimento dos regulamentos. Pela nossa parte, entendemos que ela se deve limitar ao cumprimento da lei, da mesma forma que a norma revogatória. Mas se isso pudesse levar o Sr. Deputado a aprovar o nosso projecto de lei, até estaria de acordo em inserir as «descobertas» que, certamente, V. Ex.ª vai fazer.
Quanto à questão de os prazos em que as assembleias municipais se devem pronunciar serem apertados, diria que as assembleias já se pronunciaram várias vezes sobre esta matéria e estão verdadeiramente ansiosas para se pronunciarem em termos que permitam cumprir efectivamente a Constituição. Esta é, realmente, a questão. Não se trata de uma questão nova, e, se perguntar às assembleias municipais se estão de acordo em cumprir estes prazos, tenho a certeza de que elas dizem que sim, e com muita alegria!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gameiro dos Santos.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, nesta Câmara, o PSD, não tendo ideias para apresentar, pôs o Sr. Deputado Manuel Moreira a falar.

Risos do PS.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não é a primeira vez, Sr. Deputado!

O Orador: - E não deixa de ser curioso que, depois de vinte e oito minutos de discurso, não vislumbremos ideias. Mas o que é ainda mais curioso é que, para além da falta de ideias, também verificamos que o Sr. Deputado Manuel Moreira não conseguiu compreender os nossos projectos de lei. Quando tivermos tempo, explicamos! O Sr. Deputado, primeiro, começou por referir que os projectos de lei eram estruturantes, depois acabou por referir que eram banalidades.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Deveriam ser estruturantes, mas suo banalidades!

O Orador: - De facto, em matéria autárquica, não apresentou aqui nenhuma ideia na última legislatura, e nesta, até agora, também não, mas curiosamente vem acusar o Partido Socialista de irresponsabilidade e de falta de sentido de Estado. Como é que é possível o Sr. Deputado Manuel

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Moreira vir aqui hoje chamar de irresponsável o Partido Socialista quando, na discussão do Orçamento do Estado para 1992, o seu partido apresentou uma proposta em termos de Fundo de Equilíbrio Financeiro em que não aplicava a Lei das Finanças Locais? O Sr. Deputado quer mais irresponsabilidade do que essa? Quer mais falta de sentido de Estado do que aquela que se verificou nesse momento? Sr. Deputado Manuel Moreira, queríamos ideias, mas essas, de facto, não apareceram.
Por outro lado, é também curioso verificar que, quando foi discutido o Orçamento do Estado para 1991 - e todos se recordam dos sucessivos FEF que foram aparecendo, pois o Governo enganava-se nas contas e apresentou, pelo menos, três versões -, o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, aqui, neste Plenário, disse: «Bem, como não estamos em condições de fazer uma revisão geral das finanças locais, vamos fazer agora, aqui, uma alteração avulsa dos critérios.» E depois disse: «Descansem que, oportunamente, o projecto de lei ou a proposta de lei cá aparecerá.»
Estamos à espera, estamos à espera!... 1991 passou, já vamos em 1992 e, de facto, não é só o Grupo Parlamentar do PSD que não tem ideias; o Governo, nesta matéria, parece também não as ter.
No que respeita as empresas municipais, a situação, ainda é mais caricata, pois, nessa altura - é bom recordarmos o que se passou -, o PSD propôs que o diploma baixasse à comissão por 60 dias, para puderem estudar bem o assunto e apresentar o seu projecto. Bom, mas já passaram dois anos, quase três e ainda estamos à espera das ideias do PSD em matéria de empresas públicas municipais.
Sr. Presidente e Srs. Deputados:. Para terminar, direi: o PS tem sentido de Estado. As autarquias portuguesas não podem continuar, como estão, na cauda da Europa. Auscultámos a Associação Nacional de Municípios Portugueses e o Sr. Deputado Manuel Moreira e que anda distraído.
Na verdade, participámos numa reunião, na passada sexta-feira, e gostaria de lhe dizer que um colega seu, um autarca do PSD, mostrou-se até muito aberto às ideias que o Partido Socialista apresenta nos seus projectos de lei.
O que era importante, Sr. Deputado Manuel Moreira, era que V. Ex.ª ouvisse os autarcas do seu partido, porque, se os ouvir, certamente, não virá para aqui fazer intervenções como a que fez há pouco.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Henriques.

O Sr. Júlio Henriques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, antes de lhe colocar as questões que a sua intervenção me suscitou, gostaria de tecer algumas considerações muito rapidamente até porque o tempo é escasso.
Em primeiro lugar, gostaria de o poder felicitar, mas não posso fazê-lo. Esperava que, ao cabo de duas horas de silêncio da bancada do PSD, pudéssemos ter boas novas, mas, afinal, V. Ex.ª trouxe-nos o discurso do costume e, de facto, nada de novo.
Serenamente, porque a questão é séria, apenas uma breve reflexão: quem vive e sente as coisas do poder local, quem sabe que foi, de facto, ao nível das autarquias que mais se realizou no pós-25 de Abril, quem sabe que o Governo, todos os governos afinal, todos os partidos, quando viajam pelo País, exaltam, e de que maneira, o poder local, quando assim é, não podemos deixar de sentir uma grande frustração e mesmo uma grande apreensão sobre qual o futuro que lhe está reservado, pois o PSD e o Governo, em cada dia, em cada semana, em cada mês e em cada ano, o vêm asfixiando mais e mais. Esta é a verdade!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Isso é a retórica do costume!

O Orador: - Sr. Deputado Manuel Moreira, V. Ex.ª disse que o Sr. Ministro das Finanças anunciou aqui, e é verdade, no passado dia 25, a constituição de um grupo de trabalho para discutir o problema da lei quadro das atribuições e competências das autarquias locais, pelo que lhe coloco uma questão concreta: a Assembleia da República, enquanto orgão de soberania, demite-se da sua função legislativa e entrega isso a grupos de trabalho?
Segunda questão: sabe V. Ex.ª que isso aconteceu aqui no dia 25 de Fevereiro e na passada sexta-feira, dia 13, ainda não tinha havido uma única reunião para tratar dessa matéria, os 30 dias estuo decorridos e, mais uma vez, o resultado e zero, porque o PSD assim quer?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Vai haver brevemente!

O Orador: - Disse ainda V. Ex.ª que agora caminhamos para novas eleições autárquicas e, ao referir isso e de passagem, acusou-nos de demagogia. Sr. Deputado Manuel Moreira, não há pior argumento nem pior demagogia do que, à falta de ideias, acusar de demagógicos os que as trazem aqui para debate.

Aplausos do PS.

Por último, V. Ex.ª manifestou-se também - e de passagem - contra o nosso projecto de lei das finanças locais, na parte que respeita à participação nos impostos directos, ou seja, no IRS e no IRC, mas sabe V. Ex.ª - com certeza que sabe, pois não cometo a injustiça de pensar o contrário -, que se trata de um preceito constitucional e que a participação nos impostos directos consta, designadamente, do artigo 254.º da Constituição da República? Se não tem isso presente, permita-me que o aconselhe a rever a matéria, porque vem aí a terceira prova da PGA.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, não prestei atenção às inscrições, pois, se soubesse que já se tinham inscrito tantos Deputados do meu partido, possivelmente não me tinha inscrito - de facto, não valia a pena. No entanto, uma vez que estou inscrito, aproveito para dizer ao Sr. Deputado Manuel Moreira que não sei se o que foi mais irritante foi o tom, o estilo ou a substância da sua intervenção. Confesso que tenho dúvidas.
A sua intervenção foi burocrática, de relatório e mais digna de um chefe de secretaria do que de um Deputado. Aliás, não sei se estava a ouvir o Sr. Deputado Manuel Moreira ou um dos Srs. Secretários da Mesa a ler um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos.
Lamento sinceramente que o PSD trate assim estas questões, porque são questões de futuro que tem a ver com a descentralização do Estado, com o terminarmos de uma vez com a rigidez das hierarquias, com a valorização e a par-

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acipação das culturas regionais e locais, com uma visito da sociedade mais plural e participada. Ora, é claro, isto não cabe nos quadros mentais passadistas do Sr. Deputado Manuel Moreira.
Ficamos todos à espera, para que se salve a honra do convento deste debate e para que se apague esta nódoa do PSD, da intervenção do Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Muito obrigado!

Risos do PS.

O Sr, Presidente (Ferraz de Abreu): - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado José Penedos, queria chamar a atenção do Sr. Deputado José Sócrates para as considerações que fez sobre a Mesa, porque menorizou a leitura dos relatórios das comissões pelos Srs. Secretários e é lamentável que o tenha feito.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, queria fazer uma interpelação à Mesa, apenas para esclarecer o mal entendido.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, não quis menorizar nenhum relatório ou a retórica de relatório. Os relatórios da Comissão de Regimento e Mandatos tem um tom próprio e, nesse âmbito, o que quis dizer foi que a intervenção do Sr. Deputado Manuel Moreira fazia lembrar, digamos, as intervenções de relatório.

Quanto à classificação de chefe de secretaria, ela foi feita antes e o que eu disse foi que a referida intervenção fazia lembrar as de chefes de secretaria, fazendo lembrar ainda intervenções de relatório. No entanto, não associei as duas coisas - longe de mim! - e o Sr. Presidente conhece-me há anos suficientes para saber que eu era incapaz de fazer amanhã desconsideração a qualquer dos membros da Mesa, que muito prezo, muito estimo e muito considero.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - A chamada de atenção por parte da Mesa teve o mérito de dar oportunidade ao Sr. Deputado José Sócrates para se explicar.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado José Penedos.

O Sr. José Penedos (PS): - Sr. Deputado Manuel Moreira, passo ao lado do complexo exercício de hermafroditismo que a sua intervenção representa - entre um Torquemada inquisitorial e um Pina Manique a cavalo sobre a oposição - e detenho-me no imobilismo da sua afirmação de que os serviços municipalizados não tem de mudar para cumprir cabalmente as suas missões e obrigações, porque o enquadramento legislativo actual lhes serve perfeitamente.
Perante isto, digo ao Sr. Deputado que ou está completamento ausente e abstraído da realidade actual do exercício municipal que são os serviços municipalizados, andando completamento arredado disso, ou existe outra coisa, já que V. Ex.ª defendeu que, na redução de Estado, de que o PSD é protagonista discursivo, os serviços municipalizados devem ser candidatos à privatização.
Era esta questão que queria esclarecer, porque me parece que o projecto de lei n.º 70/VI, apresentado pelo PS, abre um futuro novo aos desafios que os serviços municipalizados tem, seja pela criação de empresas municipais, seja pela criação de empresas regionais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Deputado Manuel Moreira, a sua intervenção foi suficientemente esclarecedora sobre ...

Vozes do PSD: - Então, porquê a pergunta?

O Orador: -... o que o seu partido considera dever ser o seu papel neste debate e o uso que vai fazer da maioria absoluta que detém nesta Câmara.
O PSD pode fazer o que muito bem entender em cada circunstância: pode inviabilizar completamento os resultados de um debate ou, se quiser, pode iniciar um processo legislativo sobre cujas etapas manterá sempre um controlo absoluto.
O PSD não optou por esta segunda hipótese, resolvendo, pura e simplesmente, condenar - com toda a ligeireza e, digamos lambem, com toda a previsibilidade - todas as iniciativas legislativas que estão hoje em discussão, demonstrando também que nestes debates, como, pelos vistos, em todos os outros, valoriza muito mais o seu confronto partidário com o maior partido da oposição, confronto esse a que, por vezes, o Partido Socialista corresponde.
Ora, neste «jogo de pingue-pongue» de pré-campanha eleitoral, ficam inviabilizados os debates que esta Câmara tem de realizar e as medidas que tem de tomar. O Sr. Deputado compreenderá quo isto nos deve preocupar a todos, porque estamos a quatro anos das próximas eleições legislativas e é preocupante que os debates nesta Câmara sejam dominados de uma forma quase hipnótica pelas próximas eleições autárquicas, nada se podendo discutir e levar para a frente nesta Câmara.
O PSD, em particular neste debate, assumiu aquilo que consideramos uma grave responsabilidade, porque, das duas uma, ou considera que não existe nenhum problema grave nas relações entre o poder central e o poder local, quo não existe nenhum clima de conflitualidade permanente entre as autarquias e o Governo a respeito da programação da sua gestão, das finanças locais, das atribuições e competências e das possibilidades que as câmaras e os autarcas tem de corresponder aos desejos daqueles que neles votaram e que os elegeram, ou considera que existem problemas mas a sua solução passará por todas as instâncias menos pela sede parlamentar. Assim, seria bom que o Sr. Deputado Manuel Moreira nos prestasse esse esclarecimento.
Em determinado momento da sua intervenção, o Sr. Deputado disse que a Lei das Finanças Locais não deve ser precipitadamente alterada, afirmação que é, a meu ver, espantosa. O Sr. Deputado talvez quisesse dizer quo ela deve ser alterada de uma forma não precipitada, ou seja, nas leis do orçamento, por exemplo, sempre que não convier a sua aplicação.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Sr. João Amaral (PCP): - Basta alterá-la uma vez por ano!

O Orador: - Será que, com essa afirmação, o Sr. Deputado quer defender o carácter de uma certa permanência e fiabilidade dessa lei para a própria vida das autarquias? E, sendo assim, está o Sr. Deputado de acordo, contrariamente ao que afirmou, com o nosso projecto do lei, no sentido de assegurar a continuação da fórmula de cálculo do Fundo de Equilíbrio Financeiro, embora admitindo que este ano o Governo, com a força que tem, poderá impor a esta Câmara e até ao Sr. Deputado Manuel Moreira, a sua suspensão, mediante uma alteração que desejamos provisória?
Eram estas as questões que pretendia colocar-lhe.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - O Sr. Deputado Manuel Moreira, na sua intervenção, falou, falou, falou mas não disse nada de novo relativamente as intervenções que o PSD tem feito ao longo destes anos na Assembleia da República, no que se refere às questões que estamos hoje aqui a tratar. O Sr. Deputado limitou-se apenas a dizer e a repetir, mais uma vez, aqui, no Parlamento - e digo no Parlamento porque lá fora, em períodos eleitorais, não o fazem da mesma maneira -, que o PSD está de acordo com a criação e a instituição das regiões administrativas mas recomenda ponderação e sentido de Estado à oposição, no tratamento destas questões.
Queria lembrar-lhe, Sr. Deputado, que há precisamente 16 anos que esta questão está para ponderação e que o PSD anda a ponderá-la, porque há 16 anos que a Constituição da República estabeleceu a criação das regiões administrativas.
Sr. Deputado, é certo, e já o tenho ouvido afirmar várias vezes, que é indiscutível o poder e a capacidade de desenvolvimento do poder local no nosso país. É verdade que em muitas regiões do País, designadamente no interior, as câmaras municipais suo as principais empresas de diminuição dos municípios.
Ora, em nosso entender, a criação e instituição de regiões administrativas seria uma forma de, num espaço mais amplo, com maiores competências e atribuições, desenvolver essas regiões com outros meios, com outro poder e com outro nível de intervenção.
A questão que lhe queria colocar, Sr. Deputado, era a de saber se não é capaz de reconhecer que, mais uma vez, o PSD, estando a adiar a criação e instituição das regiões administrativas, está, de facto, a fazer com que este país não se desenvolva, com que os Portugueses não tenham o bem-estar que poderiam ter se as regiões administrativas fossem criadas e pudessem desenvolver o trabalho que o poder local e os municípios desenvolvem a nível municipal.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Manuel Moreira, a sua intervenção é complexa e abrange uma série de temas, não sendo o Sr. Deputado quem tem a culpa pelo facto de se misturarem tantos assuntos em torno da questão do poder local. Por isso, não vou abordar todas as questões mas há três que gostaria de referir, sendo que a primeira tem a ver com o facto de o Sr. Deputado ter usado a expressão «reprise de iniciativas».

O Sr. Silva Marques (PSD): - É verdade!

O Orador: - Assim, perguntava-lhe se, afinal, essa palavra não é bem aplicada ao PSD, que anuncia aqui uma reprise no bloqueamento das reformas necessárias, no âmbito do poder local.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É uma reprise que, por exemplo, já se adivinha no que toca à reforma tão necessária das freguesias e à instituição das regiões administrativas. Não será esta reprise que o PSD, um dia, tem de fazer cessar?
A segunda questão tem a ver também com uma expressão que o Sr. Deputado usou. O Sr. Deputado disse: «sim, façam-se as reformas mas com consensos». Então, qual é a noção que o PSD tem da palavra «consensos»? Isto, porque o PSD faz uma lei por consenso mas, depois, unilateralmente, distorce corripletamente a sua aplicação!
O Sr. Deputado falou ainda do regime das finanças locais e dos valores que havia em 1985 - que eram baixos, porque houve cortes significativos nessa altura - e dos valores que existem actualmente, que subiram significativamente. Subiram como, Sr. Deputado? Subiram mas, ao mesmo tempo, o que o PSD deu com uma mão retirou com a outra, através do pagamento do IRS, dos descontos para a Caixa Geral de Aposentações e de múltiplas formas, retirando verbas substanciais que reduzem todo o significado que possa ter esse aumento. Que consenso é este, Sr. Deputado?!
Finalmente, o Sr. Deputado invocou a maioria absoluta que o seu partido obteve para a sua postura neste debate. A questão que está colocada é simplicíssima: o seu partido obteve a maioria absoluta, entre outras razões, com um programa eleitoral onde se referia o reconhecimento do papel que as freguesias têm de desempenhar na administração local portuguesa, que era necessário fazer leis e, ainda, que o PSD ia promover rapidamente a regionalização.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado está a alterar o texto!

O Orador: - Sr. Deputado, invoca a maioria para quê? Para, como Judas, negar o que disseram?!
Sr. Deputado, como quer que qualifique a sua invocação da maioria quando o que o Sr. Deputado faz é exactamente o contrário do que o seu partido prometeu durante a campanha eleitoral?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Em primeiro lugar desejo agradecer aos colegas as considerações que teceram e as perguntas que fizeram.
Naturalmente não vou responder a todos exaustivamente mas vou procurar responder de uma forma global a muitas das perguntas que colocaram e a algumas considerações que fizeram.
O PSD está neste debate, como aliás tem estado em todos os demais sobre o poder local, sempre com um grande sentido de procurar auscultar quais suo as opiniões não só dos partidos com assento na Assembleia da República mas também procurando saber qual o sentido e a vontade real

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dos autarcas portugueses. Naturalmente procuramos conduzir a nossa acção e a nossa postura política tendo presente isso e não suo os partidos da oposição que condicionarão a vontade do PSD. Aliás, nem compete aos partidos da oposição marcar o ritmo do próprio PSD e da maioria e VV. Ex.ª terão que compreender que não pode ser assim.
É nesse sentido que o PSD, ao apreciar hoje as vossas iniciativas legislativas, que foram diversas - aliás parece-me um erro político da parte dos partidos da oposição quererem, numa só tarde, analisar um conjunto tão vasto, tilo complexo, de iniciativas legislativas sobre o poder local - e em relação as quais nos pareceria muito mais equilibrado, sensato e razoável que fizéssemos a discussão parcelar, projecto a projecto, ou, quando muito, agregando os projectos que tem alguma interligação como é o das atribuições e competências das autarquias locais com a Lei das Finanças Locais.
Penso que o que quiseram fazer hoje foi uma grande «caldeirada» - passe a expressão - para criarem uma imagem, perante o País, de que os partidos da oposição estão muito preocupados com as autarquias locais e quererem dar-lhes condições para uma maior, mais eficiente e eficaz acção no sentido de resolverem os problemas das mesmas e naturalmente das populações e para, ao mesmo tempo, tentarem criar a imagem, perante o País, de que o PSD, se porventura não alinhar nessas iniciativas, está contra o poder local. E, depois, lá vêm com aquelas afirmações, com o verbo fácil, dizendo que o PSD, pelo facto de não apresentar aqui as suas iniciativas legislativas próprias e de acordo com as da oposição, está a bloquear, a cercear o poder local. É evidente que isso é apenas retórica, discursos mais do que repetidos nesta Assembleia e aos quais não vale a pena responder porque efectivamente já está demonstrado, por actos do PSD e do Governo, que assim não é.
E a prova disso é que o PSD, apesar de ter perdido algumas câmaras importantes nas últimas eleições autárquicas, continua a ser um grande partido do poder local e, até diria, com o maior número de eleitos locais aos mais diversos níveis das autarquias locais, desde as freguesias aos municípios. Assim, penso que não é o Partido Socialista nem o PCP que nos vêm dar lições de representação democrática das autarquias locais porque nós lemos a nossa força, a nossa representação e estamos naturalmente interessados e empenhados em reforçar o poder local - além disso agradeço ao Sr. Deputado João Amaral o facto de ter citado o nosso programa eleitoral e o próprio Programa do Governo, onde estão inscritas as grandes preocupações que nos motivam durante esta legislatura que tem quatro anos e não quatro meses e nós estamos apenas há quatro meses em funções - e iremos apresentar, ao longo desta legislatura, iniciativas mas iniciativas bem pensadas, ponderadas, em primeiro lugar, com os autarcas através da Associação Nacional de Municípios Portugueses.
E eu pergunto: relativamente a alguma destas iniciativas, que estão em debate, foi auscultada a Associação Nacional dos Municípios Portugueses? Não foi. E devo dizer que tiveram tempo mais do que suficiente porque elas já estão cá há mais de dois anos, são iniciativas requentadas. É evidente que, se não encontraram nenhuma novidade no nosso discurso, a culpa não e nossa, pane dos partidos que apresentaram as mesmas iniciativas legislativas. Portanto, como não há novidades nessas iniciativas, também nós, no PSD, não podíamos apresentar novidades no discurso e, por isso, não fiquem surpreendidos e, se frustramos as vossas expectativas, a culpa não é nossa, mas e exactamente vossa.

Aplausos do PSD.

Disse e mantenho que há leis fundamentais ou leis estruturantes do poder local. A lei das atribuições e competências e a Lei das Finanças Locais julgo que são leis estruturantes do poder local e, se assim e, julgo que deviam ser mais ponderadas pelos partidos da oposição. Alem disso, se queremos fazer essa revisão, e o PSD também estará empenhado em as vir a rever, como dizemos no Programa do Governo, fazendo alguns aperfeiçoamentos, alguma actualização dessas leis, devemos fazê-la com base em várias iniciativas e não apenas com base numa iniciativa do Partido Socialista, porque foi só o PS que apresentou uma iniciativa sobre a Lei das Atribuições, e aparece agora um projecto de lei das finanças locais também do CDS mas apenas contemplando uma revisão parcial.
No entanto, o PSD defende, e está disponível para isso, que se faça uma revisão global da referida lei, porque o que fez no Orçamento do Estado foi apenas uma revisão parcial, pontual, embora em matéria muito importante como fixar os novos critérios de distribuição do FEF. Nesse sentido, o PSD continua disponível para, convosco e na base das iniciativas não só do CDS, do PS mas também do PCP e de Os Verdes, analisarmos estas questões em comissão parlamentar. Devo dizer que na 6.ª Comissão parlamentar foi criado um grupo de trabalho para tenros em consideração as iniciativas do PS, que já estavam presentes, mas também para aguardarmos as dos outros partidos para que pudéssemos fazer um trabalho aturado, exactamente como se fez em relação à actual Lei das Finanças Locais, que foi um trabalho de meses e em que houve muitos debates, houve até a participação do Governo na comissão especializada, em que ouvimos também a Associação Nacional de Municípios Portugueses e então, sim, conseguimos finalmente chegar a uma lei equilibrada, que penso que tem provado de uma forma geral bem e que foi aprovada por unanimidade nesta Assembleia. É por isso que o PSD, em matéria de poder...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, posso interrompê-lo?

O Orador: - Também os ouvi, Sr. Deputado, portanto, permitam que conclua e depois poderão interrogar-me ou contestar-me em novas intervenções, já que dispõem de tempo para isso.
Dizia eu que é por isso que o PSD, em matéria de poder local, considera importante que se faça um debate sério e que não se procure esgrimir com projectos, a meu ver mal pensados, que não são exequíveis. Temos que atender à realidade do nosso país, aos próprios recursos financeiros que o País tem e não e com projectos, como o que o Partido Socialista apresentou, que já foram aqui amplamente debatidos e rejeitados por esta Assembleia que nós seremos obrigados a mudar de opinião. Aliás, se alguém tem quo mudar de opinião, tem que ser o PS e o PCP porque não ganharam as eleições, o que quer dizer que o povo não esteve com eles mas com o PSD e daí as nossas ideias serem mais válidas e consistentes. Esta é que é a verdade.

Aplausos do PSD.

Julgo, meus caros colegas, que não houve, nem há, da parte do PSD, intenção de deixar esta matéria apenas à decisão do Governo e da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Foi criado o grupo de trabalho, que, penso, até uma boa iniciativa, que louvamos na altura própria, e o próprio Governo e a Associação Nacional de Municípios

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Portugueses hão-de apresentar-nos as conclusões dessas conversações e depois certamente que cada um dos partidos e o Governo estarão disponíveis para materializar, se assim entenderem útil, em iniciativa legislativa, aquilo que for acordado. Nessa altura, talvez exista já uma base, à partida, consensual para se fazerem as reformas que defendemos para as autarquias locais.
Sobre a questão da regionalização, de que já falámos muito, gostaria de dizer o seguinte: não vamos confundir duas fases; o PSD sempre disse que tinha que haver duas fases na regionalização. Primeiro, a criação da Lei Quadro das Regiões Administrativas. Fizemo-la ao contrário do que diziam, que o PSD nunca avançaria na regionalização. Demos o primeiro passo importante, na anterior legislatura e aí está a lei. Foram auscultadas as assembleias municipais. Sr. Deputado Luís Sá, as assembleias municipais pronunciaram-se só sobre a Lei Quadro da Regionalização, não se pronunciaram, porque ainda não havia iniciativas legislativas a não ser agora a do PS e a do PCP, sobre a criação e institucionalização das próprias regiões administrativas. Aliás, sobre isso ainda temos que fazer a auscultação das assembleias municipais, a seu tempo, depois de haver iniciativas da pane de outros partidos.
Julgo que aqui tem que haver, meus senhores, um grande sentido de Estado e de unidade nacional porque nós não podemos avançar para a regionalização sem um amplo consenso político e até, diria mesmo, social. É preciso ouvir as forças vivas das regiões. É preciso ouvir os autarcas porque esses podem dar uma opinião abalizada e só depois é que devemos ir para o recorte regional, para a definição de quantas regiões é que devem existir no espaço continental, qual a sua sede, bem como encontrar quais os meios financeiros para as regiões, e ainda queremos que elas tenham recursos endógenos, sejam, em parte, auto-sustentadas e tenham os recursos indispensáveis da pane da administração central.
Essa e uma condição para que as regiões tenham êxito político e económico porque não queremos que a geração actual de políticos seja condenada pelas gerações futuras dizendo: afinal aqueles senhores, os legisladores, quiseram precipitar a regionalização, fizeram uma regionalização a nosso ver errada e hoje, em vez de o País ter avançado, de se terem diminuído as assimetrias regionais, pelo contrário, as regiões administrativas contribuíram para a estagnação ou até para o retrocesso. Não é isso que desejamos. Queremos avançar. Está inscrito no nosso programa de governo e vamos cumprir durante esta legislatura com o processo de regionalização do País, com a criação das regiões administrativas, mas vamos fazê-lo à medida e à velocidade que o País desejar, e não à velocidade que o PS e o PCP exigirem.
Penso que, se procedêssemos assim, seria mau e por isso não podem, de maneira nenhuma, estar a condicionar a vontade do País, das forças vivas da Nação e também da maioria para que vamos ao encontro das vossas ideias. Pensamos que não é correcto nem exequível querermos criar as regiões a tempo de haver eleições para os órgãos regionais aquando das eleições gerais autárquicas de 1993. Penso que isso é precipitado; o PSD defende que durante estes quatro anos devemos avançar nesse sentido, mas avançar com o apoio de todos os partidos e também com a iniciativa do PSD.

Aplausos do PSD.

Por último, e relativamente ao Sr. Deputado José Sócrates, e evidénte que os insultos ficam com quem os profere. Aliás, estamos habituados, o Sr. Deputado José Sócrates é um habitue em matéria de insultos e como tal nada tenho a responder porque as suas afirmações só o desprestigiam a ele - e não a mim.
O orador reviu.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu) - O Sr. Deputado Jorge Lacão pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu) - E o Sr. Deputado José Sócrates?

O Sr. José Sócrates (PS) - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu) - Tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS) - Sr. Presidente, acabo de ser insultado, isso sim, e acusado de ter dirigido insultos durante o debate do que me não dei conta. Gostaria que o Sr. Deputado Manuel Moreira dissesse onde é que o insultei. Disse apenas que a sua intervenção - tenho aqui as notas - foi irritante no tom, no estilo, na substância, foi burocrática, de relatório, foi mais digna de um chefe de secretaria do que de um político, mas me parece nem nunca vi que tudo isto passasse além da polémica política. Acho que o Sr. Deputado Manuel Moreira, que é um político, devia saber que tudo isto faz parte da praxis parlamentar e é bom que assim seja, que o conflito e a vivacidade parlamentares se mantenham nestes níveis.
Nunca insultei ninguém e muito menos o Sr. Manuel Moreira e, portanto, espero que ele saiba pedir as devidas desculpas a quem não mereceu tal epíteto.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu) - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira, para, se desejar, dar explicações.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não tenho nada a dizer, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu) - Então, tem a palavra, para interpelar a Mesa, o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS) - Sr. Presidente, interpelo a Mesa num sentido que tem a ver com a sequência natural dos nossos trabalhos.
O debate que estamos a travar faz-se ao abrigo de um agendamento por direito próprio do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Quando tal ocorre, o grupo parlamentar responsável por esse agendamento tem o direito de exigir a votação dos seus projectos, o que será natural na decorrência desse mesmo direito potestativo. Todavia, Sr. Presidente, a Câmara acabou de ouvir o Sr. Deputado Manuel Moreira dizer, em nome do seu partido, que estava construtivamente disponível para, de forma empenhada, apreciar as iniciativas legislativas agora apresentadas e

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dar tempo a que outras iniciativas sobre as mesmas matérias viessem a ser apresentadas.
Daí que interpelo a Mesa no sentido de saber se as palavras do Sr. Deputado Manuel Moreira tinham politicamente algum significado e não eram apenas uma declaração verbalista, o que implicará que, a seguir, o Grupo Parlamentar do PSD vai apresentar um requerimento a solicitar que estes projectos de lei baixem à comissão competente para serem apreciados diligente e construtivamente até à solução final.
Se houver consequência política no que acabamos de ouvir, comunico à Mesa que estamos disponíveis para votar favoravelmente o dito requerimento. Se não houver consequência política, isto foi uma pura hipocrisia e ficaremos a saber, afinal de contas, o que é que estava em causa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, a Mesa regista a sua declaração e fica a aguardar a entrada de qualquer requerimento.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, julgo que o agendamento destas maiorias sobre poder local foi utilizado pelo Partido Socialista ao abrigo de um direito potestativo que lhe assiste regimentalmente. Como tal, compete-lhe apresentar todas as iniciativas que entenda úteis para fazer votar hoje os próprios diplomas ou para que baixem à comissão.
Por isso, não compete à maioria fazer o trabalho quo pertence ao Partido Socialista.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, verifico que, afinal, não interpelou a Mesa mas sim o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Penso que o Sr. Presidente também não respondeu à interpelação do Sr. Deputado Jorge Lacão. Devia ter dado o esclarecimento que acabei de dar à Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, a Mesa respondeu ao Sr. Deputado Jorge Lacão que ficava a aguardar a entrada de qualquer requerimento.
Para a próxima vez, Sr. Deputado, tome atenção!
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Viário Tomé, que dispõe de um minuto.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, vou tentar não ultrapassar esse tempo mas, caso o não consiga, conto com a benevolência de V. Ex.ª
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD e o seu governo fogem da democracia descentralizada como o «Diabo da cruz».
Nem a unidade dos autarcas de todos os partidos contra o centralismo, o autoritarismo e o agiotismo governamentais, nem as propostas reiteradas da oposição para colocar o poder do decisão mais peno das populações e mais condicionado pelos seus interesses reais e para o financiamento adequado do poder local, nem a imposição constitucional das orientações da Comunidade Europeia para que se faça a regionalização parecem demover o PSD.
A regionalização é uma promessa eleitoral do PSD não cumprida, uma vez mais. Transmutou-se em vaga intenção no Programa deste governo e dissolveu-se na sua gestão política centralizadora.
Apesar de presidir ao Conselho de Ministros da Comunidade Europeia, o governo de Cavaco Silva persiste em não cumprir as orientações comunitárias para a aceleração do processo de regionalização.
O Governo prefere continuar o controlo avaro das verbas do FEDER e das negociações dos fundos e do Plano de Desenvolvimento Regional da Comissão Europeia.
O Governo teme que seja posta a nu uma politica que tem aumentado as assimetrias regionais de créditos de investimento público estatal, privilegiando a instalação de capital estrangeiro e as infra-estruturas económicas do mercado de capitais em detrimento do bem-estar das populações.
O Governo não quer perder o monopólio da gestão dos dinheiros e influências, dos caciquismos, travando o desenvolvimento harmónico e solidário.
O PSD parece não querer ter em conta as especificidades do interior, as chamadas regiões naturais com cultura e tradições próprias de convivência e as áreas metropolitanas. E a criação das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, se foi um passo em frente, verifica-se que tem um evidente défice democrático, não dispondo de real poder de decisão, mas tão-só de consulta.
A regionalização do País, no sentido em que é proposta pela oposição, é mais um importante passo para a democratização. Aumenta a participação política dos cidadãos, corrige assimetrias regionais, faz coincidir a descentralização da Administração Pública com o desenvolvimento regional, favorece as exigências das populações na Assembleia da República, junto do Governo e da Comunidade Europeia, simplifica e transparece a burocracia, reforça o papel do poder local retirando competências ao Governo e mantendo as dos órgãos autárquicos.
Os municípios, de tradição democrática secular, nada perderão com a regionalização, pois, pelo contrário, esta permitirá solucionar problemas e responder a necessidades de desenvolvimento que exigem processos integrados de previsão, de opção, de decisão, de planeamento e de investimento, o que e exigência permanente do desenvolvimento moderno.
O PS e o PCP apresentam projectos positivos para a reforma democrática do Estado e para a descentralização da Administração, em obediência a imperativos constitucionais, pelo que tem o meu apoio, em especial, a criação de condições para eleições regionais simultaneamente com as autárquicas para 1993.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O objectivo que aqui me traz hoje é apenas o de debater os dois projectos de lei, do Partido Socialista e do Partido Comunista, sobre as empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais.
Em primeiro lugar, sob o ponto de vista formal, os referidos projectos não tem erros substantivos, isto e, a sua discussão podia ser feita numa base de seriedade e de isenção, não manifestando qualquer um deles, do meu ponto vista, erras substanciais.

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O problema, aliás, não pode ser colocado no formalismo com que ambos os projectos suo apresentados. A questão tem de ser analisada noutro «comprimento de onda», que é o da sua oportunidade política e o do seu interesse ou relevância prática. Aqui e que se centra a discussão.
Permitam-me que comece por citar os próprios diplomas quando se referem a leis da Assembleia da República, aprovadas, aliás, pelo PSD, na pane em que, nas funções das assembleias municipais, se coloca a hipótese da existência de empresas municipais. É verdade e o PSD não se arrepende disso! Ou seja, o PSD, num determinado momento histórico, assumiu, e assume, a possibilidade da existência de empresas municipais, intermunicipais ou regionais.
Para o PSD, a questão não está em renegar o seu próprio passado, a sua própria posição nessa complexa questão, está em afirmar, hoje, que essa questão ainda pode ter a sua razoabilidade, mas não a que decorre dos vossos projectos. Veremos porquê.
De qualquer das formas, os antecedentes destes diplomas suo claros, precisos e legítimos. Simplesmente, julgo que quer o Partido Socialista, quer o Partido Comunista esqueceram três factos fundamentais que se processaram nos últimos 15 anos.
Primeiro, houve duas revisões constitucionais, das quais a mais importante é a última - a de 1982 não e relevante nessa instância - porque retira ao Estado o papel de motor de crescimento e de iniciativa na parte económica. E o Estado tanto e poder central, como regional, como local!
Segundo, a própria actualização da Lei de Delimitação de Sectores, a Lei n.º 44/77, salvo erro, na última revisão, nesta Assembleia e com o apoio explícito já do próprio Partido Socialista, manifestou um conjunto de sectores da actividade económica que saíram da órbita pública para a privada.
Terceira e última questão, a evolução tecnológica e a dinâmica que se verificou na Europa, em países de matrizes políticas diferenciadas. Começou na França socialista, ampliou-se na Espanha socialista, caminhou para a Inglaterra e para a Itália, com modelos de orientação democrata-cristã e conservadora.
Ora, a evolução das áreas ou dos sectores que habitualmente eram tuteláveis pelas chamadas empresas municipais e intermunicipais sofreu uma profundíssima alteração, que consistiu fundamentalmente no seguinte: apenas três ou quatro áreas, hoje em dia, podem, façe à legislação portuguesa e à dinâmica social e empresarial, estar sediadas na tutela local. São elas a gestão das águas - produção, captação, gestão e transporte de águas -, o saneamento básico, na perspectiva dos esgotos, e o tratamento de resíduos sólidos. São estas as únicas três áreas, hoje em dia, que e possível, em Portugal, colocar numa tutela teórica dos municípios.
O que é que acontece em relação a cada uma destas três áreas? Duas realidades práticas que os Srs. Deputados do Partido Socialista e do Partido Comunista conhecem tilo bem como nós: e que as áreas onde o investimento per capita, o investimento por emprego criado ó mais vultoso em qualquer relação produtivística, em qualquer coeficiente que se verifique em qualquer país do mundo, é exactamente nesses dois primeiros sectores.
Assim, os sectores mais carentes de apports financeiros para se conseguir levar a cabo os projectos que tem em vista a área do saneamento básico são os mais caros e menos rendíveis. Ora, apesar da debilidade existente nas próprias autarquias portuguesas - e reconhece-se que não têm meios financeiros - a visão do Partido Socialista, ainda que numa parte apenas (já quo tem outras vertentes interessantíssimas que analisaremos a seguir), na das empresas públicas municipais ou intermunicipais, coincide com a visão exclusiva que o Partido Comunista tem e, assim, estamos perante uma contradição. A criação de empresas públicas municipais ou intermunicipais nessas áreas apenas significaria, na prática, a criação de uma enorme frustração política em Portugal, nas próprias câmaras municipais, porque todo o País saberia, as próprias câmaras municipais saberiam, que tinham instrumentos para a sua criação mas, para passarem de um instrumento no papel para um instrumento na prática, não tinham meios, porque, hoje em dia, o pay back, a rentabilidade de um projecto desta natureza é, no mínimo, de 10, 12 anos.
Não haveria câmaras municipais em Portugal que suportassem financeiramente um custo e uma gestão desta natureza. Como tal, a proposta do Partido Socialista, num certo sector, que contempla todo o projecto do Partido Comunista, cria alguma coisa que, na prática, não tem «pés para andar» e não só por razões financeiras mas também por razões tecnológicas.
Não se pense que o problema da captação de águas, da gestão de esgotos ou do tratamento de detritos, as chamadas indústrias ambientais, são indústrias ou áreas de actividade empresarial sem tecnologia. Pelo contrário, são de tecnologia dificílima, precisa e selectiva a tal ponto que a concentração empresarial que se deu mesmo em países de matriz socialista, como o caso da França ou o da Espanha, aponta para uma concentração empresarial em apenas duas ou três empresas, como VV. Ex.ªs sabem, e não mais. Ou seja, o apport ecológico e o apport financeiro de capital são de tão elevada qualidade nos dois casos que inviabilizam a criação de empresas municipais capazes de operarem e, sobretudo, de satisfazerem as necessidades reais que o País tem nesta matéria.
Quando ouvimos alguns Deputados do Partido Socialista e, em particular, o Sr. Deputado José Sócrates, como outros Deputados de outros partidos políticos e o próprio Governo, falarem da necessidade de 1,6 milhões de contos de investimento nestas áreas da vida portuguesa, sentimos perfeitamente a incapacidade, o gap, o desfasamento, a assincronia, entre um modelo de resolução desta questão pela via que VV. Ex.ªs nos apresentam e as necessidades reais do País a satisfazer.
Por isso, o projecto de lei do PCP, nesta área, e uma parte do Partido Socialista, que é igual ao do Partido Comunista, não resolvem o problema. Pelo contrário, iludem, criam a expectativa de que, através da criação no papel de empresas desta natureza, se vai resolver o problema, mas no dia em que forem criadas não poderão podem funcionar. Logo, esse é um papel errado politicamente, perante os autarcas e o meio onde vivem, é uma iniciativa política que não tem razoabilidade!
Há uma segunda parte do projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista que é correcta e nós, apesar de ele ser da oposição, devemos sempre ter a presciência e idoneidade para reconhecer o que de bom possa existir em projectos do Partido Socialista.
Referimo-nos à outra parte, ao segundo modelo empresarial que é proposto no projecto de lei. Responder no dia-a-dia às questões da água, dos esgotos e das indústrias ambientais, de um modo geral, só pode ser feito numa comunhão solidária de capitais públicos e privados. Ou seja, o outro tipo de empresa que apresentam responde a esse desiderato, mas só esse.

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Aliás, politicamente, sejamos convenientes e correctos: para um autarca, e muito mais conveniente introduzir outros modelos de gestão municipal do que ser ele próprio, o responsável permanente, ainda por cima o mais legitimado - visto que a assembleia municipal dominaria o conselho de administração da empresa municipal -, pelo incumprimento das eventuais promessas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quer isto dizer que não reconhecemos a necessidade de resolver o problema, o diagnóstico, que o Partido Socialista e o Partido Comunista fazem? Reconhecemos! E a resposta é extremamente simples: deve pôr-se em paralelo com um modelo de empresa participada, com capitais públicos, outros dois modelos e é esse o lapso fundamental da proposta socialista.
O que está errado na proposta do PS e a sua uni-direccionalização, e apontar apenas para uma via de resolver um problema quando não é ela que pode, por maioria de razão, por força prática, nos países de experiência socialista, resolver o problema.
A vossa proposta teria aceitação, e votá-la-íamos favoravelmente, se, em paralelo com o modelo das empresas de capitais mistos, públicos e privados, V. Ex.ª tivessem proposto simultaneamente outros dois modelos de gestão. Primeiro, a aceitabilidade e uma formulação institucional da figura do contrato de concessão, isto é, a propriedade de um certo domínio que satisfaz uma chamada utilitas, um bem público. A propriedade do bem e camarária mas a câmara concessiona por um período X, de 30, de 20 ou de 25 anos, o usufruto e a benfeitoria desse bem a um terceiro, que o melhora com capitais, e, ao fim desses anos, reverte para a câmara municipal essa benfeitoria. Chama-se a isto a figura do contrato de concessão, que, aliás, os franceses utilizaram bastante em várias autarquias socialistas e que empobrece substantivamente o pensamento do Partido Socialista português em relação a essa medida.
Aconselho a VV. Ex.ªs - e não me levem a mal por isso - a consulta daquilo que o Partido Socialista francês tem feito neste domínio, o que, sob o ponto de vista autárquico, tem sido um excelente exemplo de como se opera nessa área.
A segunda alternativa seria a assunção clara de um princípio de gestão privada de uma utilidade pública - ó a terceira figura do domínio exclusivamente privado, fora do âmbito da concessão, que pode atacar a questão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso senão ao projecto do PS é um não total a uma parte dele e um sim a outra parte, àquela que referi. Mas, sobretudo, o que esta Câmara não pode fazer é aprová-lo tal e qual como está. Se o fizéssemos daríamos um sinal político ao País - quer o PSD, quer o PS, quer o PCP, quer, eventualmente, o CDS, ou seja, toda a Câmara - de que perfilhávamos um modelo de gestão destas áreas, que, hoje em dia, estuo tuteladas pelos serviços municipais, apenas com uma orientação publicista. Essa orientação, hoje em dia, está errada, e ineficaz e ninguém a pratica. Do passado vêm ainda muitas orientações e muitas gestões - em França, em Espanha, na Alemanha e na Itália - desta natureza, mas, aos poucos, está a ganhar campo e domínio a outra expressão.
A redução política que o PS fez da realidade impede-nos, ao fim e ao cabo, de o apoiar numa parte do seu projecto que continuará a ter viabilidade, mas só se puserem em pé de igualdade todo o conjunto de instrumentos diferenciados, que não só um, dirigido exclusivamente numa direcção, ideologicamente dirigido e num sentido errado, e que não permite, ao fim e ao cabo, a melhor gestão dos interesses de Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Luís Sá e Jorge Lacão, mas o Sr. Deputado Ângelo Correia, porque esgotou o tempo do PSD, já não pode responder.
Se os Srs. Deputados quiserem formular os pedidos de esclarecimento e ficar sem resposta ...

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Presidente, o CDS cede algum do seu tempo ao PSD, para que o Sr. Deputado Ângelo Coreia possa responder.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - É um acto de solidariedade que muito aprecio.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado Ângelo Correia, ouvi, com muita atenção, as considerações que fez acerca da revisão constitucional, da Lei de Delimitação dos Sectores e outras. São matérias sempre importantes mas que, creio, não são propriamente para aqui chamadas porque o que está em causa, nesta matéria, e definir meios de gestão mais favoráveis para as autarquias locais. E também lhe digo que, se o PSD rejeitar esta possibilidade, naturalmente que tiraremos conclusões e as autarquias continuarão a funcionar.
Agora, o problema é muito mais simples do que referiu: por exemplo, os serviços municipalizados - e há tantos e tantos por esse País fora - tem estrutura empresarial e autonomia em relação ao aparelho autárquico mas não tem personalidade jurídica. De facto, eles têm estilo de gestão empresarial, tem autonomia administrativa mas não tem personalidade jurídica. Aliás, creio que é esta a sua definição no antigo Código Administrativo e, nesse caso, ela não está completamento errada.
Quanto ao problema dos transportes colectivos, há cinco municípios neste país que exploram transportes colectivos, aliás e infelizmente, sem que o Governo garanta as devidas indemnizações compensatórias a essa exploração. Estes cinco municípios ganhariam - e isso constitui uma aspiração de todos eles - em gerir estes transportes colectivos de uma forma empresarial. Ora, creio que isto, que acontece com qualquer empresa de transportes colectivos, acontece igualmente com estruturas de outro tipo.
Mas vou dar-lhe outro exemplo: há um conjunto vasto de municípios, cerca de duas dezenas e meia, que têm uma associação de municípios para efeitos de informática e que pretendem, designadamente atendendo à natureza da informação e à possibilidade da sua utilização por terceiros, não dar essa actividade a empresas privadas, ate porque há dificuldades, atendendo a que são municípios no interior, em trabalharem recorrendo a uma empresa. Assim, pretendiam criar uma empresa intermunicipal. Naturalmente que, se o PSD não o permitir, continuarão a ser uma associação de municípios, ainda que com prejuízo, sobretudo daquilo que seria natural.
Deste modo, diria que, de facto, se trata de mero preconceito que cria dificuldades de gestão. É que, como lhe disse, as nossas divergências a respeito da revisão constitucional, da Lei de Delimitação de Sectores e do problema do papel do Estado na garantia de direitos fundamentais não são as questões fundamentais que estão aqui em causa. O problema e, de algum modo, até de ordem técnica: trata-se de ver em que medida é que o PSD permite que os municípios possam gerir mais facilmente aquilo que está a seu cargo.

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Não é nada mais do que isto! E aquilo que me parece de estranhar e que o PSD tenha aparecido aqui, em 14 de Fevereiro de 1990, tão entusiasmado, dizendo que Ía apresentar imediatamente um projecto - designadamente, as intervenções então feitas constituíram promessas nesse sentido- e, neste momento, fuja das empresas municipais e intermunicipais como o «Diabo da cruz», sem qualquer razão.
Já agora, vou dizer-lhe o seguinte: nas regiões do interior do País, seja qual for a matéria posta a concurso público para adjudicar por empresas privadas, seja qual for a tentativa de concessão, exactamente devido às dificuldades de desenvolvimento do interior do País, os concursos ficam «desertos». Portanto, mesmo que a autarquia queira dar uma concessão a entidades privadas, não o consegue e isso representa um prejuízo para o desenvolvimento e para a própria actividade da autarquia. Esta e uma das razões que nos levam a apresentar este projecto e a apelar ao PSD que reconsidere, porque realmente isto não tem muita razão de ser.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por agradecer ao CDS o facto de ter cedido tempo ao Sr. Deputado Ângelo Correia para responder ao meu pedido de esclarecimento, já que o PS ainda pretende fazer uma outra intervenção durante este debate.
Sr. Deputado Ângelo Correia, a minha bancada esperava com especial expectativa, como, há pouco, deve ter notado, a sua intervenção. E o Sr. Deputado bem que merecia essa expectativa, já que V. Ex.ª é o actual presidente da Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, tendo, por isso, uma particular responsabilidade, no seio do seu grupo parlamentar, nos domínios do poder local. Além disso, V. Ex.ª foi ministro de um governo da AD que lançou no País o tema da regionalização, com o lançamento do Livro Branco da Regionalização e, mais, inscreveu a regionalização como um dos seus três objectivos estratégicos.
Todavia, o Sr. Deputado Ângelo Correia, no momento em que esse debate unha aqui plena actualidade, resolveu silenciar os seus pontos de vista quanto à oportunidade da regionalização, sobretudo agora, quando ela é mais necessária, no quadro da concretização de autenticas estratégias de desenvolvimento regional para a plena utilização integrada dos fundos comunitários transferíveis para o nosso país. Entendeu que não era oportuno referir-se ao assunto e ao desafio perante o qual estamos colocados, em matéria de modernização geral da Administração Pública e da sociedade portuguesa, o da transferência de competências com o reforço das funções autárquicas no nosso país, à semelhança, aliás, dos países nossos parceiros no quadro da Comunidade Europeia. Entendeu ainda nada dizer sobre a necessidade de uma profunda reforma do regime das finanças locais, em Portugal: escolheu, apenas e só, a matéria relativa ao enquadramento empresarial para os municípios, o que significa, desde logo, que a sua intervenção estabeleceu um alio contraste entre o que pertinentemente disse sobre uma matéria e o que concludentemente silenciou sobre todas as demais.
Ora, isto da nossa parte, também tem uma leitura política que está implícita na minha observação e que vou obviamente dispensar-me de explicitar, porque já todos compreenderam que a sua intervenção de hoje estabeleceu uma diferença de pontos de vista (pelo que não disse!), relativamente à maneira como a sua bancada orientou, até agora, este debate.
Mas, Sr. Deputado Ângelo Correia, vou referir-me ao conteúdo propriamente dito da sua intervenção. O Sr. Deputado, porventura, fez uma confusão metodológica naquilo que referiu, porque trocou os termos daquilo que devem ser políticas de orientação municipal com instrumentos de concretização dessas políticas. E aquilo que de essencial mencionou foi uma certa concepção quanto ao desenvolvimento possível, previsível e desejável das políticas de orientação ao nível dos municípios. Pois bem, este projecto de lei não estabelece quadros de orientação política necessária; ele limita-se - e nisso é mais modesto - a definir tão-só um - um apenas! - dos instrumentos possíveis para a gestão autárquica no quadro de várias soluções de gestão que devem estar à disposição das autarquias.
Ora, neste ponto, e feita esta distinção, apraz-me sublinhar que o Sr. Deputado Ângelo Correia reconheceu a flexibilidade de fundo do projecto de lei do PS. É que, se, por um lado, criamos a solução orgânica para as empresas municipais, por outro, abrimos a possibilidade de cruzamento do capital municipal com o de outras entidades públicas, ao nível de empresas maioritariamente públicas, ao nível do capital municipal, mas também o cruzamento do investimento público dos municípios com o privado, podendo criar regimes de capital misto, ou com a maioria das autarquias, ou mesmo com as autarquias em posição minoritária, cruzamento esse todavia virtualmente interessante para fomentar os objectivos estratégicos do desenvolvimento ao nível dos seus concelhos e das suas regiões.
Pois bem, Sr. Deputado Ângelo Correia, fica também aqui o nosso desfio: se, como parece - e acredito nisso -, está empenhado em dar a sua contribuição para valorizar esta iniciativa legislativa, já que ela tem um quadro de fundo que bem o merece, vamos, conforme propusemos no requerimento, suspender a votação necessária dos projectos do lei e remetê-los para nova apreciação em comissão. VV. Ex.ªs tem 60 dias para dar os vossos contributos e nós temos 60 dias para acolhê-los. Mas, politicamente, peço-vos que, quando disserem que vão dar a vossa contribuição, a dêem mesmo; não se limitem a fazer promessas e, depois, pura e simplesmente, a adiar indefinidamente, sempre e sempre, «para as calendas gregas», as reformas fundamentais necessárias. Os senhores estão há sete anos, em continuidade, no governo e o que e lamentável é que ainda hoje tenhamos de estar a discutir estas questões fundamentais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, em tempo cedido pelo CDS, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Não quero abusar tanto como o PS da boa vontade do CDS. Por isso, queremos utilizar menos tempo.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado Luís Sá, comecei por falar na questão constitucional do desenvolvimento político e legislativo que tem sido feito, pois porque julgo que é justificável, nesta Câmara e perante todos os Srs. Deputados, tratá-lo com pessoas inteligentes e informadas. Como tal, não faz sentido abordar uma questão que tem hoje um contorno preciso sem falar de toda a evolução que, nos últimos anos,

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levou a que se chegasse à situação actual. Foi apenas por isso que a mencionei.
De qualquer das formas, julgo que tanto a sua intervenção como a do Sr. Deputado Jorge Lacão são curiosíssimas, porque a nenhum dos meus argumentos VV. Ex.ªs responderam. No fundo, perceberam que nós tínhamos razão; VV. Ex.ªs sabem perfeitamente que as empresas municipais no esquema que apresentaram para nada servem a não ser para o «folclore político» que podem usar para dizer aos vossos autarcas - e aos nossos - que criaram mais isto ou aquilo. Mas criam nada! O que criam é «foguetório político», isto é, criam algo que aparentemente dá uma ilusão de vista mas que, na prática, não se concretiza. Por isso, julgo que é extremamente positivo que a nenhuma das críticas que fiz VV. Ex.ªs tenham respondido.
V. Ex.ª, Sr. Deputado Luís Sá, abordou, sim, outras questões: primeiro, falou da questão dos transportes colectivos em cinco municípios portugueses mas - e V. Ex.ª perdoar-me-á -, na minha opinião, as câmaras não tem quaisquer transportes colectivos. Nenhuns!
As câmaras municipais concessionam, não tom de ser proprietárias de bens de produção, porque isso é pago e aquilo que é pago pelo contribuinte ou pelo cidadão utente é da esfera económica e não da esfera política; sai da câmara municipal, é concessionado ou privatizado e ponto final!
Em relação aos transportes municipais urbanos, Sr. Deputado, veja os problemas insolúveis que tem o engenheiro Mesquita Machado, em Braga, e o Prof. Manuel Machado, em Coimbra. São problemas insolúveis!
O Sr. Deputado Jorge Lacão esquece-se de uma coisa fundamental que é a noção de dimensão, de escala; não confunda Santarém com Lisboa! É um problema de «paróquia» em relação ao resto do País. Há escalas diferentes de raciocínio. Sr. Deputado, e é por razões de escala, por exemplo, que, numa óptica política, o monopólio não é aceitável. Esse é um ponto em que o senhor e eu somos solidários.
V. Ex.ª fez uma pergunta menor quanto ao problema do metropolitano. Há perguntas - e em polémica política é assim - sobre as quais se deve pensar segundas vezes antes de colocá-las, pois não devemos faze-las sem antes as termos sustentado internamente.
Quanto aos transportes colectivos, a minha opinião é simples - não sei se a do meu partido é, mas a minha é - e é esta a câmara não tem de ter transportes colectivos. Repare: há alguns anos foi dada às câmaras municipais uma atribuição, a dos transportes escolares, mas a câmara municipal não tem transportes escolares. O que ela faz é isto: contrata, vigia e fiscaliza. Ora, a pior coisa que em política em Portugal se pode ser é patrão e árbitro ao mesmo tempo. E é isso mesmo que as câmaras são: são os donos, os fiscalizadores, enfim suo tudo!

Aplausos do PSD.

Essa é a pior posição política para um autarca, porque ele próprio, quando é atacado pelos seus serviços municipalizados, não tem defesa porque suo dele. De outra maneira ele teria, isto é, se tivesse uma concessionária, resultante de concurso público aberto e fiscalizado pela Procuradoria-Geral da República, pelo Sr. Ministro da Justiça, com comissão parlamentar, com todas essas entidades a fiscalizarem, então, nessa, altura o autarca era exterior a essa questão e havia rentabilidade diferenciada. E porque muitas vezes não faz sentido, isso sim, integrá-los com os interurbanos. Mas quando se tem a lógica exclusiva do município, só se pode ter a lógica do transporte urbano e perde-se rentabilidade, porque não se tem ligação ao interurbano. É esse o erro político e económico que subjaz ao vosso raciocínio político.
Por que é que o Sr. Deputado Luís Sá, que há muitos anos está na área autárquica do seu partido, é o responsável do PCP - pelo menos, os jornais assim o dizem e eu acredito - que - está à frente dessa área, não nos diz dos fracassos das acções dos municípios quo vocês fizeram em inúmeras áreas de actividade em Portugal e nas quais não conseguiram andar para a frente, sobretudo nas áreas ambientais? Porquê? Porque justamente o que está em causa num modelo de gestão são as debilidades tecnológica e de capital. Não basta querer associar-se: é fundamental ter os dois ingredientes, sem os quais não se avança!

O Sr. Luís Sá (PCP):- Falta a estrutura empresarial!

O Orador: - Eu disse que politicamente não sou contra a aprovação parcial de algumas coisas.
Falou na hipótese do interior em alguns casos conhecidos...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa descontando no meu tempo?

Risos gerais.

O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado, quem é que suporta os custos sociais dos transportes públicos? Por que é que há indemnizações compensatórias, Sr. Deputado? Como é que V. Ex.ª justifica essa sua lógica se, por outro lado, há os custos sociais e as indemnizações compensatórias?

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É um prazer responder a uma pergunta pertinente e inteligente, Sr. Deputado Narana Coissoró.
Em questões de transportes em algumas áreas sociais os preços pagos pelo utente não correspondem ao custo real do empreendimento, do projecto. Como tal, há sempre uma participação ou uma comparticipação pública atribuível ao fenómeno geral da solidariedade em relação a uma parcela do custo que não é suportável pelo utente. Só que esse princípio, que é aceitável para escalas bastante sensíveis, tem sempre uma contrapartida prévia: é que, antes de se chegar à lógica da rentabilidade social, passa-se sempre primeiro pela chamada dimensão crítica do projecto. Isto é, encontra-se uma área, em termos geográficos, a partir da qual, se cia aumenta, o custo marginal é negativo.
É o que se pretende dizer. Isso é uma questão técnica que, geralmente, nos transportes nunca é encontrável. Numa área municipal a dimensão e uma área crítica suficiente para gerir previamente, para depois encontrar a rentabilidade social.
O Sr. Deputado Jorge Lacão tem obviamente o direito de fazer as considerações políticas quo quiser. Há apenas dentro do PSD uma lógica simples, que eu assumo com toda a humildade e seriedade, independentemente do que sou, serei ou fui: é porque, quando há trabalho no meu partido e me é distribuído, eu executo-o. E executo-o com a mesma intensidade...

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O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Por causa dos multas!?

O Orador: - Ó Sr. Deputado, não seja menor!...
Há uma coisa que faço sempre: aceito todas as responsabilidades que o meu partido me dá, com todo o empenho e prazer. Por isso, estou hoje aqui. E estou nesta área que me foi destinada, naturalmente, porque tenho alguma experiência e algum conhecimento, menor seguramente do que o de outros colegas meus que falaram ou que poderiam ter falado, com maior capacidade do que a minha
Lembro-me de ter presidido, em 1982, a um debate sobre regionalização; então talvez por causa desse debate, das conclusões do mesmo, do elevado número de horas que perdi, ganhei. Lendo o seu relatório, tirei uma conclusão fundamental, errada talvez, mas foi baseada no que ouvi do País: é que o que o País disse nessa altura nada tem a ver com o que o Sr. Deputado Jorge Lacão quer.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Um Estado, generoso quanto baste, pródigo na distribuição de favores a juros, narcísico e vagamente sensível à habilidade mendicante dos agentes da administração local, sempre muito relapso à expansão das condições de vida no interior, como que acautelando reservas de tesouraria para acudir, numa comovente acção de bombeiro, a situações de emergência... Estas algumas das características da situação que, mau grado algumas melhorias resultantes sobretudo do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF), teimam ainda em persistir no quadro das relações entre o poder central e as autarquias.
Libertar o Estado da tentação de escolher os seus favoritos como destinatários de dinheiros públicos; despolitizar a relação do Estado com os agentes do desenvolvimento regional; institucionalizar critérios de acesso às verbas quer do Orçamento do Estado (FEF) quer dos subsídios provenientes da Comunidade Europeia são desígnios que, no entender do PSN, bem mereciam por parte de todas as bancadas um genuíno esforço de «convergência democrática».
Um problema tão fundamental como é o da regionalização e descentralização administrativa não pode ser sacrificado no «altar» da luta política, sempre legítima e democraticamente desejável desde que não provoque omissões essenciais.
E neste aspecto é detectável nos projectos de lei do Partido Socialista, de irrecusável mérito, um certo ressaibo de emulação política que, num assunto ao sério e tão profundo, pode conduzir a precipitações que se hão-de evitar.
É que não basta decretar a autonomia; é preciso que ela seja vivenciável. Ninguém ignora, por certo, que o que se propõe é uma verdadeira «revolução copernicana» nas relações jurídico-administrativas entre o Governo e as autarquias. Mas há que reconhecer também que tal revolução se impõe, antes do mais, ao nível das mentalidades e dos procedimentos que até aqui se fundavam, temos de reconhecê-lo, mais no expediente, na esperteza astuta e na habilidade do que numa verdadeira ética. E é talvez neste campo, o das salvaguardas da transparência do mandato autárquico, que algo mais haverá a fazer, sem que isto represente qualquer desconfiança no poder local - bem pelo contrário!
O PSN tem consagrado como seu oitavo princípio programático fundamental precisamente o «defender uma nova lógica de solidariedade social com base na força irradiava do poder local, consubstanciado na junta de freguesia». No entender do meu partido, as freguesias não deverão ser consideradas como elementos menores da cadeia administrativa do País, mas, bem pelo contrário, como seu núcleo essencial, pois é nas pequenas comunidades que a vivência cultural tem uma genuinidade mais primicial e por isso mesmo mais determinante.
Importa reabilitar «a eleição de campanário» - na feliz expressão de Alexandre Herculano - e inverter a lógica, abusivamente descendente, do Estado para a freguesia para uma lógica naturalmente ascendente, isto é, da unidade base, que é a freguesia, para o Estado. Os municípios não poderão converter-se em prósperas agências do Estado, réplicas deste em miniatura, consumindo em burocracia e outros gastos muito do que deveria ser atribuído às juntas de freguesia.
Se é verdade que o projecto de lei das finanças locais prevê uma participação directa no FEF e estipula critérios balizadores para a transferência de verbas do orçamento municipal para as freguesias, o que é objectivamente um progresso, não é menos verdade que não se vê no projecto de lei quadro de atribuições e competências das autarquias locais qualquer preocupação em consagrar a nobreza da junta de freguesia como unidade fundamental da cadeia administrativa do País, ficando relegada a um estatuto de subsidiariedade em relação ao município, como se não passasse de um apêndice.
Em suma, os projectos de lei apresentados pelo PS não consagram suficientemente a centralidade humana, cultural e administrativa da junta de freguesia, e isto apesar dos esforços de dignificação que inegavelmente foram desenvolvidos.
De qualquer forma, o PSN felicita o PS por este esforço e disponibiliza-se para colaborar na recentragem da junta de freguesia e sua recuperação enquanto alavanca da vida colectiva.
A terminar, não resisto a reiterar o meu apelo, que é o do meu partido, para que as soluções nesta área venham a ser encontradas num clima de patriótica e democrática convergência.
A bem de Portugal!

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, queria lembrar que ainda temos de votar um requerimento, mas, para animá-los, informo-os de que existem apenas duas inscrições para intervenções, pelo que dentro de um quarto de hora terminaremos a nossa sessão.
Para uma intervenção, tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Fialho Anastácio.

O Sr. Fialho Anastácio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O aproximarmo-nos do encerramento do debate sobre os projectos de diploma que tem a ver com a regionalização e com o reforço da eficácia do poder local permite-nos, com a humildade que deve caracterizar quem ocupa um lugar para servir, desejar que a justiça e a democracia encontrem eco nos dignos representantes do povo português neste órgão de soberania, de modo a que o poder local saia cada vez mais reforçado e prestigiado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É verdade - e bem verdade! - que os tempos que correm para todos nós, e muito especialmente para o poder local, não são fáceis!
A desilusão - e, quiçá, o desalento - respira-se quase com a mesma naturalidade que o ar que nos envolve.

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A frustração é, infelizmente, uma companheira a ladear-nos nesta fatigante viagem. Só quem vive os problemas de uma comunidade anónima que rodeia um executivo municipal se pode aperceber do interesse da acção autárquica e do muito que tem sido feito à custa de sacrifícios e diligências, muitas vezes incompreendidas pela administração central, designadamente pelo Governo.
Referenciar as virtualidades do poder local, dos seus servidores, diga-se autarcas, do reconhecimento unânime pelo povo português que este é a maior realidade da nossa jovem democracia e o que mais contribuiu para mudar o dia-a-dia dos Portugueses, modificando radicalmente as condições de vida da população, rasgando-lhes novos horizontes de progresso material e espiritual perspectivando o seu bem-estar, o que permitiu que a humanização e a qualidade de vida deixassem de ser somente palavras vas; dá à realidade o testemunho dos factos.
O poder local, objecto de interpretações pouco divergentes quanto à sua filosofia de base, tem por objectivo uma sociedade cada vez mais justa, onde caibam todos os portugueses, independentemente do seu poder económico ou coloração partidária.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os municípios, vivendo quase sempre em constante sobressalto, conseguem ultrapassar as dificuldades, com base na muita imaginação e espírito de entrega dos seus autarcas à missão que lhes foi atribuída.
Se o Orçamento do Estado fixa as verbas a transferir para as autarquias à margem do diálogo construtivo; se o incumprimento da legislação autárquica é prática do quotidiano governamental; se o relacionamento institucional entre o Governo, Assembleia da República e camarás municipais não se pautua pelo equilíbrio, pela sinceridade de princípios e pelo modus vivendi aceitável, desrespeitando o povo que nos elege, isso é, no mínimo, aberrante e merecedor de reprimenda oportuna e eficaz.
O poder local bem merece, pelos reflexos que tem na sociedade portuguesa, que lhe sejam proporcionados os mecanismos e os meios adequados à sua dinamização, de modo a que seja bem aceite por todos e assim possa corresponder com redobrada vontade e eficácia ao que as gentes deste país tem direito a esperar dele.
Esta eficácia terá de traduzir-se numa merecida e esclarecida atenção dos órgãos de soberania que o poder autárquico justamente reclama, dada a actividade com que tão decisivamente intervém na vida económica do País, cujo progresso sadio é condição de equilíbrio e robustecimento da sociedade portuguesa.
Ou será que esta eficácia não interessará ao poder governamental e seu suporte parlamentar, mais interessado em enfraquecer e desacreditar o poder local?
Será que ao poder central lhe será mais conveniente que os municípios percam a confiança nos eleitos locais, transformando estes em pouco mais do que serventuários, sem vontade própria, à semelhança do que era comum assistir-se no tempo do Estado Novo?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao transferirem-se para as autarquias, ao arrepio destas, responsabilidades acrescidas de diverso âmbito, designadamente sociais, transfere-se, quer queiramos quer não, parcelas da própria crise e incapacidades em que a administração central, com uma estrutura pesada, burocrática e anquilosada, tem vivido e que ao poder central lhe caberia por inteira resolver.
Não há desenvolvimento nacional sem as autarquias, pois são as obras de interesse local que se vão integrar no todo nacional, para construírem o país real que pretendemos que seja para todos e não só para alguns.
O município, com o peso da sua tradição político-administrativa, numa sã convergência de interesses comuns, terá de, mais uma vez, empenhar-se nas tarefas acrescidas, com a criação das regiões administrativas, dado que estas contribuirão para pouparmos preciosas energias hoje desbaratadas e ainda para mobilizarmos potenciais actualmente inertes.
O País acredita e deseja a regionalização, cabendo a todos aqueles, conhecedores do país real, contrariar as atitudes imobilistas ou confusionistas dos adversários da regionalização.
Da experiência acumulada de todos aqueles que tiveram um trajecto político-municipal se lhes toma mais claro que a inexistência de regiões administrativas favorece ideias centralistas e impede alcançar o correcto ordenamento espacial, a potenciação dos recursos existentes, a correcção das desigualdades, a melhor distribuição da riqueza do território e a emancipação cultural e a defesa das suas identidades próprias.
Mas o desenvolvimento regional e local necessita de leis actualizadas, devidamente equacionadas e articuladas em diplomas eficazes e desburocratizados, revogadores de legislação antiquada e sem sentido, adaptados à realidade actual com que somos confrontados, tal como aquelas que o PS apresenta e se encontram hoje para apreciação de VV. Ex.ªs»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os diplomas que o Partido Socialista apresenta são incomensuravelmente respeitadores dos objectivos da eficácia da administração autárquica.
Se o respeito que o povo nos merece é a tolerância para os mais exigentes e - a compreensão para os mais necessitados, se saber utilizar o lugar que democraticamente se ocupa não significa ter de utilizá-lo contra os outros mas, sim e fundamentalmente, contribuir com aqueles que connosco pretendem criar condições para uma vida melhor à comunidade nacional, aqui apresentamos diplomas que testemunham esta nossa postura política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É esta a melhor maneira de mostrarmos a nossa lealdade e boa fé a todos aqueles que acreditam na verticalidade dos nossos autarcas e nas virtualidades do poder local e regional.
A concretização destes estilo nas nossas mãos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está inscrito para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado Manuel Queiró, mas o Sr. Deputado Fialho Anastácio já não tem tempo para responder...
Registo, no entanto, a generosidade do CDS na sessão de hoje, uma vez que cede pane do seu tempo para a resposta.
Para pedir esclarecimentos, tem, então, a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Devo referir, Sr. Presidente, que é por uma boa causa que estamos a ceder tempo ao PS e ao PSD, o que, ao mesmo tempo, constitui um incentivo a que eles próprios, no decurso desta discussão,

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criem as bases do entendimento que consideramos necessário.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O PS precisa de muito mais incentivos do que nós!

O Orador: - No caso da intervenção do Sr. Deputado Ângelo Correia, foi manifestamente por uma boa causa, já que ele estava a defender uma óptica privalística - terá até, porventura, ido demasiado longe no entendimento do CDS, mas a verdade é que a sua intervenção serviu para criar um ponto de equilíbrio intermédio que pensamos poder vir a ser útil...!
Por seu lado, o Sr. Deputado Fialho Anastácio, pela sua própria experiência, está, naturalmente, mais vocacionado para defender a dignidade e a autonomia dos municípios. Foi isso que fez na sua intervenção, a maior parte da qual foi dedicada à exaltação do papel dos municípios e à defesa da sua autonomia e dos meios a que devem aceder para poderem actuar em prol dos anseios das populações que representam.
Fez uma referência - e certo - ao processo de regionalização, mas esse foi, na economia de toda a sua intervenção, um tema claramente secundarizado.
Ora, a questão que quero colocar-lhe assenta justamente nesse tema. Assim, pergunto-lhe, se em termos de prioridades, de cronologia de actuação, de urgências a estabelecer em todo este processo, o Sr. Deputado também dá o primado à defesa do município e se, portanto, está de acordo com a postura essencial do CDS neste debate, ou seja, a de que o que e mais urgente e prioritário neste momento é actuar em todos os documentos jurídicos que regem a actuação dos municípios no que diz respeito aos meios com que podem actuar e às atribuições e competências que lhes são cometidas, e que só depois, com as devidas cautelas, se poderá avançar para um processo que até hoje não tem sido assumido de baixo para cima mas, sim, instaurado nas instâncias do poder central.
Creio que foi por isso que o Sr. Deputado aflorou, na sua intervenção, algumas das competências que deveriam ser cometidas as futuras regiões administrativas e que suo essencialmente as de planeamento, ordenamento e defesa dos recursos e do património. Estamos, no fundamental, de acordo com isso, uma vez que se trata de competências de carácter essencialmente orientador que respeitam o princípio da subsidiariedade. Em todo o caso, gostaria de obter do Sr. Deputado um esclarecimento no senado da definição da posição última do seu partido e da sua correspondência com a posição individual do Sr. Deputado sobre todas estas matérias.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fialho Anastácio.

O Sr. Fialho Anastácio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, começo por agradecer-lhe o tempo que me cedeu e que me permitirá dar algumas respostas.
Como o Sr. Deputado referiu, tenho efectivamente alguma experiência, designadamente no Algarve, nesta área. E é interessante verificar que todos os autarcas algarvios, de diversas cores políticas, são unânimes na defesa da regionalização. É interessante constatar que todas as forças políticas no Algarve estão fortemente interessadas na regionalização, bastando para tanto, verificar o que aconteceu nas últimas eleições legislativas, quando se registou o compromisso de todas as forças do Algarve no sentido de se baterem fortemente para que a regionalização se tomasse um facto. Essa posição é clara e espero que o PSD respeite, democraticamente, a vontade dos Deputados algarvios do seu partido no sentido de que se crie a região administrava do Algarve.
Aproveito a ocasião para, respondendo ao Sr. Deputado Manuel Queiró, dizer-lhe que para nós, como é evidente, a legislação não é um caso secundário, designadamente para o próprio Algarve. Há já muitos anos, aliás, que vimos lutando pela actuação ao nível jurídico, tendo já apresentado nesta Casa diversos projectos de lei nesse sentido.
Mas quero dizer também que o nosso entendimento vai sempre no sentido de uma autonomia dos municípios em relação à própria região administrativa. Como é evidente, não haverá, de forma alguma, uma submissão dos municípios em relação à região administrativa. Terá de haver, de facto, uma compatibilização em que - e como muito bem foi dito - cada um terá as suas competências próprias nas áreas específicas que os projectos do PS referem e que eu, de alguma maneira, abordei também na intervenção que fiz.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol.

A Sr.ª Lourdes Hespanhol (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há pouco mais de um ano travámos um debate sobre finanças locais que teve como objecto um projecto de lei do PS, partido que apresentou nesse debate um requerimento de baixa à Comissão sem votação do mesmo, porque terá, ao tempo, concluído que não era com este diploma, caso viesse a ser aprovado, que iria resolver os difíceis problemas que se colocam em termos de financiamento às autarquias locais. Inexplicavelmente, um ano depois, o PS volta a reapresentar o projecto de lei, contendo apenas algumas alterações consubstanciadas no artigo que define os critérios de distribuição do Fundo de Equilíbrio Financeiro.
Os critérios agora apresentados, pela ambiguidade com que estão formulados, permitiriam, caso fossem aprovados, cometer gaffes, injustiças e disparidades só justificáveis pelas alternativas que se colocam por via da duplicidade da escolha de critérios permitida, de que são exemplos: a alínea c), quando diz «percentagem na razão directa da população dependente ou da população com menos de 15 ou 18 anos» e a alínea g), quando refere a «percentagem na razão directa do número de freguesias ou do número de povoações».
Perante este facto, o PCP continua hoje a apresentar reservas a este projecto de lei, que não resultou de um trabalho aprofundado com a Associação Nacional de Municípios e que, não corrigindo aspectos polémicos da Lei das Finanças Locais que necessitam de ser corrigidos e adequados aos problemas reais, abre caminho a situações de injustiça e desigualdade entre as autarquias e ainda que - o que se afigura mais grave - iria possibilitar a transferência desenfreada de competências para as autarquias locais ao «engodo» de, no prazo de cinco anos, o FEF ter duplicado.
E quem pode garantir que essa duplicação do FEF seria suficiente para responder a todas as necessidades que os problemas, com todas e cada uma das áreas, iriam colocar?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Por outro lado, as leis de concretização, ano a ano, iriam criar uma grande instabilidade aos municípios, na medida em que todos os anos ficariam sujeitos às

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negociações com o poder central para determinar a electiva verba do FEF a transferir e os novos encargos a que ficariam sujeitos.
Importa aqui referir o procedimento do Governo nesta matéria, pois que, dispondo de legislação onde os parâmetros de distribuição de verbas, compensação de isenções e descentralização de competências se encontram explicitamente referidos, mesmo nesta circunstância, não cumpre a lei!
Este ano, no debate do Orçamento do Estado para 1992, como todos estamos bem lembrados e particularmente os autarcas, ficou demonstrado à saciedade que o princípio da justa repartição das receitas entre o Estado e as autarquias locais que a Constituição consagra é pervertido, acarretando grandes prejuízos ao poder local.
Nos anos anteriores, o Governo deflacionou as receitas previstas de cobrança do IVA para prejudicar as autarquias. Este ano, com o agravamento da carga fiscal, falsificar as previsões de cobrança do IVA teria menos credibilidade do que nunca. Então, a solução brilhante que o Governo arranjou foi a de «suspender», pura e simplesmente, a aplicação da lei!
Com isto, as autarquias receberam menos 55 milhões de contos. E agora perguntamos: em que medida ó que o projecto de lei do PS, em matéria de finanças locais, conduz à correcção das sucessivas subavaliações do IVA? Não corrige e percebe-se porquê! Foi com o voto favorável do PS que foi adoptada a solução de recorrer às previsões de cobrança do IVA para calcular o FEF.
O PCP votou contra e alertou para a manipulação que isso iria possibilitar e o PS, agora, abandona este «buraco» em que caiu e atira-se no «precipício das previsões anuais da taxa de inflação», quando se sabe de toda a manipulação a que também tem sido sujeitas pelo Governo as previsões anuais da taxa de inflação.
Ao apresentar este projecto de lei, o PS fô-lo de forma impensada, irreflectida talvez, porque no momento em que as autarquias portuguesas, a Associação Nacional de Municípios e a ANAFRE exigem ao Governo o cumprimento integral da Lei das Finanças Locais (Lei n.º 1/87) e pedem a fiscalização da constitucionalidade dos artigos do Orçamento do Estado para 1992 que se prendem com esta matéria, e tendo também pedido que fosse revista a fiscalização da constitucionalidade desses mesmos artigos, vem à Assembleia da República dizer que esta lei já não serve, lei que foi aprovada por unanimidade, que foi elaborada com a participação directa das autarquias, da Associação Nacional de Municípios, do Governo e dos partidos políticos com assento na Assembleia da República! E, mais: vem propor, num ano crucial, que se abandone o cálculo do FEF através das previsões de receita do IVA (quo permitiriam aumentos substanciais das receitas das autarquias), para propor os cálculos na base das provisões da taxa de inflação, taxa essa que, quando o Governo diz ser de X, e, pelo menos, acrescida de mais metade desse valor!
O PS, com o projecto de lei n.º 68/VI, conexo com o das finanças locais, vem dizer que haverá negociações, ano a ano, para as novas transferências de competências para as autarquias locais e os respectivos meios financeiros, isso quando nós sabemos e vemos que, em matéria de negociações, este Governo, que agora começou a governar por mais um período de quatro anos, e surdo ao diálogo e para quem são unilaterais as negociações que propõe e faz aprovar, apresentando e concluindo ser ele o detentor de toda a verdade e saber, logo, que só ele sabe governar!
É neste quadro que o PS quer legitimar as transferências de competências, que dia-a-dia, por via da sua política de asfixia do poder local, o Governo faz recair sobre as autarquias e que concretiza, quer por via de contratos-programa celebrados, como, quando e onde deseja, sempre à sua medida e à da sua política, quer por via de protocolos, quer, ainda, por omissão das suas responsabilidades em áreas tão importantes como as do apoio ao desenvolvimento regional e da correcção de assimetrias, a da saúde, da segurança social, da educação, da protecção do ambiente, etc.?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP entende que se impõe reforçar os meios financeiros e as competências das autarquias locais. Mas este reforço deve processar-se na base de um trabalho conjunto tal como o propõe a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Estas medidas não podem ser tomadas na base de um projecto de lei que recupera critérios de distribuição do FEF que, ao invés de esbaterem as assimetrias regionais, iriam aprofundá-las; que não esbate as desigualdades que se colocam ao desempenho nas freguesias urbanas e rurais, beneficiando as primeiras em detrimento das segundas; que não propõe uma fórmula de cálculo seria e objectiva, a qual não permita benefício de dados baseados em previsões; e que, a ser aprovado, iria criar grande instabilidade às autarquias locais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP sempre defendeu e continua a defender a descentralização de competências e meios financeiros para as autarquias locais, mas não resume a estas duas vertentes a sua visão descentralizadora e de repartição de poderes num Estado democrático. Esta visão descentralizadora passa não só por dotar as autarquias locais dos meios necessários ao exercício do mandato, que é tão legítimo quanto o do Governo central, como pelo reforço dos poderes das assembleias municipais e a garantia de uma maior operacionalidade às câmaras municipais.
Reveste-se ainda da maior importância no campo da separação de poderes aprovar um novo regime de tutela administrativa que corresponda às exigências constitucionais de respeito pela autonomia do poder local. Aproximar o poder dos cidadãos, possibilitar a participação activa de todos os intervenientes na vida, obriga a uma visão diferente do funcionamento das freguesias. Não basta que os eleitos tenham o subsídio do exercício do cargo; é necessário que possam exercê-lo em regime de permanência em certos termos e condições.
No sentido de concretizar a participação activa e responsável dos cidadãos na construção de um poder local mais forte e actuante, pilar indispensável do regime democrático, o PCP apresentou vários projectos de lei e desenvolverá todos os esforços para que sejam discutidos e votados favoravelmente, na certeza de que, com a sua aplicação, ganham as populações e ganha o País.
O debate chegou ao fim, mas os assuntos em discussão não ficaram esgotados. Esperamos poder continuar o debate em sede de comissão especializada e que desse debate resultem frutos positivos para os cidadãos e para as autarquias.

Aplausos do PCP.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - O Sr. Deputado não tem tempo e a Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol também não.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, interpretei um sinal do Sr. Deputado Narana Coissoró, que já

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não se encontra presente, no sentido de que me cederia um minuto do CDS para fazer uma pergunta.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Para esclarecer em questão. Sr. Presidente, gostaria de dizer que o PS foi o principal responsável, em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, por ao CDS ter sido subtraído tempo relativamente à legislatura anterior.
No entanto, queremos informar que o CDS não é vingativo, nem sobretudo castigador,...

Risos do PS.

... e que, quando tem tempo disponível, para benefício do debate - porque foi sempre essa a nossa posição na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, por entendermos que nenhuma formação política ou corrente de opinião deve ficar sem possibilidade de exprimir os seus pontos de vista -, vamos ceder algum tempo aos dois partidos.
Portanto, cedemos um minuto ao PS para colocar a questão e um minuto ao PCP para responder, e desta vez ainda não levamos dinheiro por esta cedência!...

Risos gerais.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Bom, então, pura pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gameiro dos Santos, que dispõe de um minuto cedido pelo CDS.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol, não me admira a posição que transmitiu aqui hoje, pois, aliás, já o fez há dois anos, quando discutimos pela primeira vez estas iniciativas. Ora, isso quer dizer que o PCP, sempre que estamos em presença de reformas estruturantes, é, por norma, conservador.

Risos do PCP.

Na verdade, o PCP acha que a actual Lei das Finanças Locais é muito boa, o que é curioso! Então, se uma Lei das Finanças Locais que, por ter sido mal aplicada, já retirou cerca de 30 milhões de contos às autarquias até 1993...

O Sr. João Amaral (PCP): - Mas olhe que a do IVA e da vossa inteira responsabilidade!

O Orador: -... e que, por não ter sido aplicada em 1992, retirou cerca de 53 milhões de contos, que maior instabilidade do que esta considera a Sr.ª Deputada? De facto, não estou a perceber o que é que o PCP quer.
O que pretendemos com a apresentação dos nossos projectos de lei é, acima de tudo, criar um conjunto de regras que permitam às autarquias planear a médio prazo e, quando dissemos que num período de cinco anos as verbas a transferir para as autarquias devem passar para o dobro, julgo que aqui já estilo definidas algumas regras importantes.
E mais: não é instabilidade, porque nós temos o cuidado de dizer...

O Orador: -... que a transferência de competências será contratualizada com a Associação Nacional de Municípios Portugueses. Portanto, instabilidade foi até ao presente! Nós não pretendemos instabilidade nas autarquias.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, em tempo cedido pelo CDS, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol.

A Sr.ª Lourdes Hespanhol (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em primeiro lugar, quero agradecer ao CDS a cedência de tempo e, em segundo lugar, ao Sr. Deputado Gameiro dos Santos a pergunta que me colocou.
Sr. Deputado, estamos todos cansados, por isso o senhor, com certeza, confundiu aquilo que e a nossa postura, que já foi anteriormente expressa, quanto a um projecto de lei. É porque o vosso projecto não mudou e, pensamos, continuam em cima da mesa e em jogo todas as questões Já colocadas anteriormente. Isto não é conservadorismo! É sermos consequentes com aquilo que defendemos e que achamos que é, realmente, o sentir e o pulsar da vida lá fora.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Não estamos aqui para fazer polemica em torno deste projecto de lei mas, sim, para tentar solucionar e encontrar a melhor resposta para as autarquias locais, pelo que nos dispomos, em sede de comissão especializada, a aprofundar este debate, por forma a tomá-lo o mais operativo possível para responder a essas necessidades. Assim, estaremos sempre dispostos a colaborar, em sentido positivo, para resolver as questões do poder local.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está encerrado o debate destes projectos de lei e informo que deu entrada na Mesa um requerimento, apresentado pelo PS, PCP e CDS, requerendo a baixa à Comissão respectiva para apreciação antes da votação na generalidade e por um período de 60 dias dos projectos de lei n.ºs 68/VI, 69/VI e 70/VI, da iniciativa do PS, 92/VI e 96/VI, apresentados pelo PCP, e 110/VI, apresentado pelo CDS.
Srs. Deputados, vamos votar este requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes Raul Castro e Mário Tomé.

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 21 horas.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação do projecto de lei n.º 4/VI

A abstenção do Partido Socialista não significa um apoio à legislação existente, como bem resulta das intervenções feitas no debate desta matéria.
A legislação precisa de ser revista no sentido de criar melhores condições de trabalho, em associação a uma maior capacidade de adaptação das empresas e consequentemente uma melhor competitividade.
A discussão tem de ser feita mediante a análise de propostas que consubstanciem a filosofia que presidiu à apresentação dos projectos alternativos do PS na anterior legislatura e que o PSD, numa clara demonstração de insensibilidade social, rejeitou.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E o «pacote Delors 2»?! Os Deputados do PS: Artur Penedos - João Proença.

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Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Barbosa de Melo.
António José da Motta Veiga.
Arménio dos Santos.
Carlos Oliveira da Silva.
Cipriano Rodrigues Martins.
Fernando Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Bernardino Silva.
João José Pedreira de Matos.
João do Lago Mota.
José Pereira Lopes.
Leonardo Ribeiro de Almeida.
Manuel Castro de Almeida.
Maria Leonor Beleza.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Manuel Lobo Gomes Silva.

Partido Socialista (PS):

Ana Maria Bettencourt.
José Rebelo dos Reis Lamego.
Laurentino José Castro Dias.
Luís Filipe Madeira.
Rui Machado Ávila.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Gomes Carvalhas.
Maria Odete dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

João Paulo Morais Gomes.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Soares Campos.
Alberto Cerqueira Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Joaquim Fernandes Marques.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons de Carvalho.
Alberto de Oliveira e Silva.
António Domingues Azevedo.
Carlos Manuel Costa Candal.
José Manuel Silva Lemos.
Raúl Pimenta Rêgo.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n. º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

AVISO

Por ordem superior e para constar, comunica-se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

1 - Preço de página para venda avulso, 6$; preço por linha de anúncio, 178$.

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da Republica, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação.

PREÇO DESTE NÚMERO 276$00

Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do»Diário da República» e do «Diário da Assembleia da República» deve ser dirigida á administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E., P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5-1092 Lisboa Codex

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