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2412 I SÉRIE -NÚMERO 74

século, e figura singular no panorama da filosofia em Portugal.
Como administrador da imprensa da Universidade de Coimbra, discricionariamente encerrada pela ditadura em 1934, legou-nos a publicação de obras essenciais, ainda hoje imprescindíveis. A leitura da sua obra, reveladora de alta estirpe intelectual, de uma arguta curiosidade intelectual, de uma pesquisa histórica ímpar e de uma profunda reflexão filosófica, dá-nos bem conta da grandeza do homem, que entre nós não tem sido devidamente reconhecida e destacada.
À grandeza do homem da ciência e do humanista aliou-se a estatura do cidadão e do democrata - sempre coerente, sempre tolerante. Vieira de Almeida disse dele, por isso, que "teve sempre para os homens a nobre atitude de fraterna humanidade". Fraterna humanidade que se baseou sempre muna visão ampla e aberta do mundo e da sociedade e que se fundou num magistério enraizadamente democrático.
A sua morte prematura, em 1958, abriu um vazio na vida cultural portuguesa, como o reconheceram, em sentidas homenagens, António Sérgio e Jaime Cortesão. O certo é que hoje a cultura portuguesa ainda sente o influxo irradiante do grande pensador e do produto das suas investigações e reflexões.
A Assembleia da República, na passagem do centenário do nascimento do Prof. Joaquim de Carvalho lembra a memória do grande cidadão e democrata, do filósofo e do pensador, realçando o seu contributo grande para a cultura, para a democracia, rendendo homenagem ao professor e ao cidadão modelar que sempre foi.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção sobre o tema deste voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nome de Joaquim de Carvalho é uma das maiores referências democráticas no país monocórdico e silenciado a muitas opiniões e doutrinas, em que o diálogo era sempre condicionado aos interesses de uma só doutrina e de um só amo.
Professor, escritor e jornalista também, por imposição da consciência cívica de homem livre, Joaquim de Carvalho é uma das maiores referências do nosso ensino superior, numa época em que todo ele era peneirado pelos interesses de quem se apoderara do poder político pela violência e tudo pautava pelos seus interesses. Não eram os interesses, o querer, as conveniências da comunidade, dos cidadãos; eram a doutrina e a vontade de uma só corrente e de um só sector que se impunham. Não eram, realmente, uma república e os cidadãos, mas o monolitismo de quem se assenhoreara do poder pelas armas.
Joaquim de Carvalho, nascido na Figueira da Foz em 10 de Junho de 1892, formava-se na Faculdade de Direito, em Coimbra, em 1913, e na de Letras, na ano seguinte. Doutorava-se na última Faculdade aos 25 anos e entrava para o quadro dos professores da Faculdade de Letras em 1919. Numa Faculdade onde avultam, felizmente, os nomes, pode dizer-se que o de Joaquim de Carvalho se encontra entre os primeiros e a sua obra é património cultural da república.
A obra de Joaquim de Carvalho não se atém as paredes de uma aula, nem tão pouco a um curso, a uma universidade, a uma geração. Mais do que um professor e investigador, nele encontramos aquele cidadão consciente do seu valor e que se integra na comunidade enriquecendo-se e enriquecendo-a cultural e civicamente.
Seja qual for a profissão que tenhamos, acima dela ou para além dela e completando-a, temos, ou devemos ter, aquilo a que se chama a cidadania e que são os elos para com a comunidade e para com cada um dos seus membros. E tanto mais altos e intensos são esses deveres quanto de maior relevo for a nossa actividade.
O funcionário verdadeiro não está só nas quatro paredes da repartição nem o Deputado o é só no Parlamento nem o professor se pode restringir à escola, ao liceu ou à universidade. Não há profissões estanques nem actividades que se exerçam apenas numa repartição, numa aula, numa tribuna, num gabinete ministerial.
O professor de Letras foi-o nas suas aulas, frequentadas até por alunos de outras faculdades e por estranhos à universidade. E esse ensino ficou também documentado não só no espírito de quantos o ouviram mas também de quantos o leram nos seus livros, nos seus artigos, na actividade múltipla do grande semeador de ideias que ele foi.
Ele foi um verdadeiro professor, comunicando conhecimentos, ideias, sentimentos, apontando caminhos e directivas onde ainda não findaram as investigações. O verdadeiro mestre é-o, mais do que na sua pessoa e pela sua palavra, na sua actividade, nos seus escritos.
Joaquim de Carvalho irmanava-se com os seus alunos, com os seus colegas, com os seus amigos, comunicando-lhes o seu saber e a sua maneira de ser homem, com uma verticalidade sempre exemplar. Daí que o mestre universitário se lenha tomado no conferencista erudito, mas de uma erudição sólida e que não fere - erudição assimilável.
A Oróbio de Castro e o espinosismo havia de seguir-se António de Gouveia e o aristotelismo da Renascença. E, lendo-os, não sentimos o homem de ontem, as polémicas de ontem, sentimos as gentes de sempre, de ontem como de hoje. Sentimo-lo nós e sentiam-no as gentes de mentalidade inquisitorial, herdeiros de quantos tinham sido os censores, os inquisidores de outrora.
E só por uma simples e feliz coincidência de aproximação das vítimas de um dia, Joaquim de Carvalho não foi atirado fora da sua cátedra quando vieram os terríveis rastreios de todo o funcionalismo público e, em particular, das escolas nos anos 30. E rastreio de professores feito por gente que também eram professores, não exemplos do civismo, mas autênticos inquisidores.
Não foi demitido da universidade, mas aquela obra admirável que ele lançara na Imprensa da Universidade, complementar do ensino, com edições de clássicos e de modernos nos scriptores rerum lusitanarum e na Biblioteca dos Escritores Portugueses, a qual, se pode dizer, ainda hoje continua a dar frutos, tanto em Coimbra e em Lisboa, como em todo o inundo de língua portuguesa, foi perseguida. Porque, se o professor não foi demitido, pois ficava mal, a Imprensa da Universidade em que ele trabalhava e pela qual comunicava com toda a República e com a inteligência portuguesa foi simplesmente suprimida.
Joaquim de Carvalho era um erudito, era um cidadão, um professor que se não esgota nas aulas. Tinha de dar também em jornalista e deu. Quanto mais o perseguiam,

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