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2036 I SÉRIE - NÚMERO 64

Iniciando agora o período reservado a declarações políticas, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS quer saudar, em primeiro lugar, o regresso da normalidade à Assembleia da República.
Para trás ficou, definitivamente, um período marcado por uma conflitualidade de diferentes níveis, com uma gravidade objectiva: vivemos um conflito entre nós próprios, sobre a arrumação da nossa própria Casa, vivemos um conflito com a comunicação social e - com certeza involuntariamente - demos causa a um temporário e inédito divórcio com a opinião pública.
Não é altura para reproduzir, pela milésima vez, as eloquentes acusações e defesa que, ao longo de várias semanas, os protagonistas foram afinando em cada trincheira; muito menos vale a pena que alguns queiram colher os louros das suas profecias cumpridas: se não nos unimos nas causas, se não nos unimos sobre o processo, estamos agora, segundo creio, de acordo quanto a um resultado fundamental, que é o do restabelecimento da comunicação entre o Parlamento e o País e das condições para o pleno exercício do mandato dos Deputados.
É com este espírito, aliás, que felicitamos sinceramente aqueles que, desmentindo um prognóstico geral de pouco optimismo, conseguiram levar a bom termo as negociações necessárias, com o sentido esclarecido do compromisso. Sabe-se, inclusivamente, que nenhum dos contendores deixou pelo caminho o essencial das convicções com que partiu. Isso é positivo!
Errado seria, no entanto, agir como se todo este penoso processo não tivesse deixado sequelas.
Pela nossa parte, julgamos que pode afirmar-se que as relações entre os Deputados e os jornalistas readquiriram o seu conteúdo normal, parecendo que não subsistem reservas de nenhum lado.
Mas não temos a mesma segurança quanto à reconstituição na íntegra das relações entre o Parlamento e a opinião pública.
O receio do CDS é o de que a opinião pública tenha entendido que o conflito entre jornalistas e Deputados, longe de ser apenas um conflito entre o acesso à informação e a privacidade das figuras públicas, era, afinal, um conflito entre a revelação e o segredo, um conflito entre a transparência e a ocultação.
Não basta sabermos que esta perspectiva não é justa. É ainda necessário que ela não pareça justa.
O CDS entende, pois, que este é o momento adequado para fornecer ao País o sinal claro de que aqui não protegemos nunca o lado oculto da política, as ligações inconfessáveis ou a corrupção.
Este parece ser, assim, o momento de mostrar ao País que nunca esteve em causa a protecção da privacidade turva que reclamariam os comprometidos. È altura de emitir um sinal que seja, a um tempo concreto e simbólico, assumido por todos neste dia especial.
Justifica-se, aliás, que esse sinal seja positivo. Tenhamos a consciência de que não bastam protestos nem discursos. É imprescindível assumir inequivocamente um compromisso essencial em torno daquilo que ainda nos cabe decidir, por direito próprio: a moralização da vida pública e a sua subordinação a valores.
No momento em que por todo o lado se fala no combate à corrupção, no momento em que chegam de vários Estados europeus sinais aterradores sobre as proporções que pode assumir a doença da política, no momento, ainda, em que recrudesce a atenção do Governo resta ainda à Assembleia da República alguma iniciativa no domínio da prevenção.
Na verdade, a prevenção da corrupção deveria ser, em Portugal, um combate parlamentar inequívoco, não só por causa das circunstâncias do regime ou dos arranjos constitucionais concretos. É, sobretudo, porque faz sentido que assumamos a nossa própria defesa face ao futuro - diria que se trata, mesmo, do único domínio onde se aceitará, sem dificuldades, que façamos a nossa defesa em causa própria.
Aliás, a prevenção da corrupção é, a todos os títulos, uma causa nobre da democracia. Se a empreendermos, seriamente e sem reservas, estaremos a esconjurar todos os inimigos da representação, todas as modernas subversões do Parlamento: os novos totalitarismos, os voluntarismos moralistas, o poder dos juízes e o recrudescimento da crença na viabilidade de uma política sem políticos.
O CDS vem, há muito, defendendo esta cruzada da moralização da política. Não foi apenas - nem sobretudo- quando criticámos os privilégios; foi, especialmente, quando propusemos a transparência dos rendimentos dos políticos; quando propusemos o alargamento do âmbito das competências do Tribunal de Contas; quando propusemos um novo sistema de incompatibilidades para melhorar o Estatuto dos Gestores Públicos.
Hoje, no entanto, não cremos que a nossa tarefa, neste domínio, se compadeça com um mecanismo apertado de patentes. As propostas e as iniciativas legislativas sobre o combate à corrupção podem bastar-se com o princípio da maioria, podem exigir grande complexidade técnica e grande empenho da Administração, das políticas e da magistratura.
Mas a prevenção da corrupção, essa, só se fará com um compromisso alargado, com uma espécie de pacto de regime - porque é o regime que se encontra em causa. É preciso mudar as leis, sem dúvida. Mas é, sobretudo, preciso mudar os estatutos e hábitos políticos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Presidente do meu partido propôs, há dias, aos vários partidos políticos a adopção de um código ético da actividade política. As bases desse código, anunciadas na altura própria, pretendiam apenas ser um começo, uma proposta. Elas orientavam-se, contudo, em torno de alguns objectivos essenciais que podem ser melhorados, acrescentados, mas que não poderão, por certo, ser recusados.
Trata-se de promover a transição para o princípio da dedicação exclusiva à actividade política e ao serviço público através do alargamento progressivo do quadro de incompatibilidades; trata-se de adoptar um regime eficaz de controlo e publicitação da riqueza dos titulares de cargos políticos; trata-se de alargar o âmbito das competências e do controlo do Tribunal de Contas, em obediência ao princípio de que este Tribunal vai até onde for a utilização de dinheiros públicos; trata-se de melhorar, dignificar e democratizar o instituto dos inquéritos; trata-se, por fim, de rever e tomar mais transparente o regime do financiamento dos partidos.

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