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Sexta-feira, 22 de Outubro de 1993

I Série - Número 2

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 21 DE OUTUBRO DE 1993

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
Belarmino Henriques Correia
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.º 346 a 348/VI e das ratificações n.ºs 93 a 98/VI.
Na abertura do debate da interpelação n.º 14/VI - Debate de política geral centrado no tema «a degradação da situação e dos direitos sociais, a recessão económica e as políticas do Governo» (PCP), intervieram o Sr. Deputado Carlos Carvalhas e o Sr. Ministro Adjunto (Marques Mendes), e em seguida, a diverso título, além destes oradores e do Sr. Secretário de Estado das Finanças (Elias da Costa), os Srs. Deputados Duarte Lima (PSD), Manuel dos Santos (PS), Nogueira de Brito (CDS-PP), Pacheco Pereira, Rui Carp e Castro Almeida (PSD), Ferro Rodrigues (PS), Mário Tomé (Indep.), Octávio Teixeira (PCP), João Rui de Almeida (PS), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Lino de Carvalho (PCP), Maria Julieta Sampaio (PS), João Amaral (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Ferreira Ramos (CDS-PP), José Vera Jardim (PS), Rui Rio (PSD). António Murteira (PCP), José Paulo Casaca (PS), José Puig (PSD), Artur Penedos (PS), Luís Peixoto (PCP) e Fernando Andrade e António Bacelar (PSD).
Encerraram o debate o Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP) e o Sr. Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional (Pinto Cardoso).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Ana Paula Matos Barros.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho
Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta) Gonçalves.
Carlos Miguel de Vallére Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guilherme Henrique Valente Rodrígues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Mana Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Manuel Pereira de Almeida e Silva.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Manuel Borregaria Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Telmo José Moreno.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Alves Marques Júnior.
António Domingues de Azevedo.
António José Martins Seguro.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.

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Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Barbosa Mota.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Paulo Martins Casaca.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rego.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrígues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
José Luis Nogueira de Brito.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Mário António Baptista Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (José Cesário): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.08 346/VI - Aprova opções tendentes a assegurar o acesso dos cidadãos à informação sobre a legislação, a jurisprudência e a doutrina (reestruturando o sistema integrado de tratamento de informação jurídica (DIGESTO), 347/VI- Que garante o acesso dos cidadãos à rede electrónica de informação parlamentar (ARLEX) e 348/VI - Que garante o efectivo acesso dos cidadãos ao sistema de informação aos utentes de serviços públicos (INFOCJD), da iniciativa do PS, tendo todos baixado à 1.ª Comissão; ratificações n.ºs 96/VI - Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho, que aprova o Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (PCP); 93/VI- Decreto-Lei n.º 260/93, de 23 de Julho, que reorganiza os centros regionais de Segurança Social (PS); 94/VI - Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, que estabelece o regime de protecção na velhice e na invalidez dos beneficiários do regime geral de Segurança Social (PS); 95/VI - Decreto-Lei n.º 237/93, de 3 de Julho, que prevê a celebração de convenções de arbitragem com os doentes infectados com o vírus da imunodeficiência humana (PCP); 97/VI - Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, que estabelece o regime de protecção na velhice e na invalidez dos beneficiários do regime geral da Segurança Social (PCP); e, finalmente, 98/VI - Decreto-Lei n.º 333/93, de 29 de Setembro, que aprova a Lei Orgânica do Instituto Português da Juventude (PCP).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, do período da ordem do dia consta a interpelação n.º 14/VI, do PCP, que tem por objecto um debate sobre política geral, centrado no tema «a degradação da situação e dos direitos sociais, a recessão económica e as políticas do Governo».
Para produzir a intervenção inicial, prevista no n.º 1 do artigo 244.º do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo tudo tem feito para desvalorizar a crise e os seus indicadores. Nos últimos meses não têm faltado as manobras de diversão e as tentativas de criação de factos políticos para desviar a atenção dos portugueses da situação do País e das suas perspectivas. A colocação do acento tónico na revisão constitucional, ainda ontem aqui sublinhada pelo PSD, com o objectivo de obter confortáveis maiorias com uma minoria de votos é um exemplo claro! Tudo isto acompanhado do silenciamento das causas e dos dramas de crise, do impedimento, em vários meses, da divulgação de números estatísticos sobre o emprego, da comparação dos salários com Marrocos, procurando, em tudo, esconder uma realidade que está aí bem viva e bem grave no quotidiano de muitos portugueses.
Há um ano o PCP alertava, nesta Assembleia, para a existência de sinais e indicadores claros de que o País estava a entrar numa profunda crise económica, com consequências directas e imediatas na degradação da situação social, e acusava o Governo pela intenção expressa de persistir nas mesmas orientações, mostrando que essa teimosia e autismo político conduziram, inevitavelmente, à aceleração e aprofundamento da recessão económica e social.
A razão desta interpelação não radica, porém, em qualquer hipotética satisfação por vermos confirmadas as nossas previsões e justificados os nossos alertas e acusações ao Governo.

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O que fundamenta a oportunidade da realização desta interpelação são, no essencial, duas razões.
Primeira, a de trazermos à Assembleia da República um debate sobre a gravidade da situação económica e sobre os dramas e as dificuldades que hoje atingem milhares de trabalhadores e milhares de famílias e a necessidade de se lhes dar resposta efectiva
Segunda, a clara e inequívoca responsabilização do Governo pelos resultados nefastos das políticas que prosseguiu, pela incapacidade! que continua a demonstrar para inverter a evolução recessiva e a necessidade de se mudar de rumo.
Acusamos, nesta interpelação, o Primeiro-Ministro e o Governo de promoverem] uma política monetarista e neoliberal no seguidismo de Maastricht, conduzindo à fragilização e destruição do aparelho produtivo nacional, com o agravamento da dependência e subalternização da economia nacional.
Acusamos o Primeiro-Ministro e o Governo de prosseguir uma política de concentração da riqueza e de privatização de empresas básicas e estratégicas, que estão caindo nas mãos do capital estrangeiro, sacrificando a actividade e o investimento produtivos geradores de emprego e riqueza em benefício da actividade e especulação financeiras e do alastramento da corrupção.
Acusamos e responsabilizamos o Primeiro-Ministro e o Governo pelos dramas que vivem os 335 000 trabalhadores que, oficialmente, já se encontram no desemprego e os muitos milhares ameaçados de despedimento ou já afectados pelos salários em atraso, pela situação aflitiva de muitos reformados, pela deterioração dos níveis de vida da maioria da população portuguesa e pelo crescimento exponencial das situações de marginalização e exclusão social no nosso país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Acusar só o Primeiro-Ministro e o Governo de se servirem do pretexto da recessão económica para lesarem profundamente os direitos dos trabalhadores, reduzirem os direitos sociais dos portugueses e, através da chantagem, tentarem impor tectos salariais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Acusamos o Primeiro-Ministro e o Governo da ausência de uma verdadeira estratégia de desenvolvimento para o País, dê serem incapazes de contribuírem activamente para a inversão da recessão económica e social e de, também por isso, crescentemente assumirem atitudes e tomarem medidas de índole autoritária a todos os níveis da vida nacional.
Estas acusações consubstanciam o fulcro desta interpelação do PCP ao Governo.
Importa - e exige-se! - que durante este debate o Governo interpelado assuma as suas responsabilidades e as específicas do, como sempre ausente, Sr. Primeiro-Ministro e responda às nossas acusações e às nossas propostas com a mesma seriedade e sentido de responsabilidade com que as formulamos e aprofundaremos durante a interpelação que agora se anuncia.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A existência de uma recessão económica e de uma grave situação socai no nosso país é hoje uma evidência. Na agricultura e nas pescas a situação é caótica, como bem o demonstram as repetidas e recentes tomadas de posição públicas dos produtores de frutas, dos suinicultores, dos produtores de vinho ou dos pescadores de sardinha.
A produção da indústria transformadora decresce continuamente em todos os subsectores de actividade, registando, no primeiro semestre, uma quebra homóloga de 7 %, que acumula com a forte quebra registada na segunda metade de 1992.
Na indústria mineira é o encerramento das minas, com o prático desaparecimento dos sectores (de que são exemplos recentes as Minas de Aljustrel e da Panasqueira), pondo em risco, inclusive, a sobrevivência de importantes centros populacionais.
O ano turístico foi reconhecidamente grave para todos os que vivem dessa actividade económica.
O consumo mantém a desaceleração, enquanto o investimento regista taxas de evolução negativas, com especial e gravosa incidência nos bens de equipamento.
Acentua-se a queda das exportações, ao mesmo tempo que prossegue a substituição da produção nacional pela estrangeira.
Durante o último ano foram suprimidos, em média, 10 000 empregos por mês.
Enfim, a inscrição nos centros regionais do Instituto de Emprego e Formação Profissional de mais de 220 000 desempregados nos primeiros nove meses do ano é, talvez, o elemento mais dramaticamente caracterizador da profundidade da recessão económica e de crise social que lhe está associada, agravada pelo facto de cerca de metade dos desempregados não terem acesso a qualquer subsídio. Aliás, as vigorosas acções dos trabalhadores da TAP, da CP, da CARRIS, da Metalomecânica Pesada, da Indústria do Vidro, das Alfândegas, dos Agentes da PSP são exemplos insofismáveis do mal-estar e que, só por si, deveriam ter sido tomados em conta pelo Governo e pelo Primeiro-Ministro.
O próprio Primeiro-Ministro já reconhecerá a evidência, embora continue a recusar reconhecer publicamente algo mais que «as dificuldades que o País atravessa».
De facto, a mistificação da realidade ou a ausência de consciência plena da situação está de novo patente como há um ano atrás nas previsões optimistas para o corrente ano e para 1994 no Orçamento do Estado que o Governo há dias apresentou.
Mas se o Governo já admite, relutante e envergonhadamente embora, a situação de crise económica e social, é igualmente verdade que continua a escamotear as causas primeiras e essenciais da recessão, atribuindo-as em exclusivo à evolução externa e àquilo que designa por «privilégios adquiridos» dos trabalhadores assalariados.
Mas o que a realidade mostra é que as causas fundamentais da crise e da recessão radicam em razões de ordem interna: a permanência das vulnerabilidades e insuficiências estruturais da economia portuguesa e as políticas dos governos do actual Primeiro-Ministro, que têm conduzido à desestabilização e destruição do aparelho produtivo.

Aplausos do PCP.

Isto não nos impede de reafirmar, tal como já o fizémos anteriormente, que a crise externa se repercute na nossa economia, tanto mais quanto essa repercussão foi potenciada pela precipitada entrada do escudo no mecanismo das taxas de câmbio do Sistema Monetário Europeu, pela antecipação completa da liberalização dos movimentos de capi-

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tais, pela venda de períodos de transição para a agricultura ou pela política, assumida durante anos, de afunilamento das nossas relações económicas externas.
Aliás, a insistência patética do Governo na responsabilização da evolução externa pela recessão económica doméstica e a sua afirmação repetida de que só sairemos da crise se e quando os outros recuperarem é, afinal, uma auto-acusação da sua incapacidade para apresentar soluções e da completa subordinação do Governo do PSD as medidas e orientações tomadas por instâncias externas.
O Primeiro-Ministro, o Governo e o PSD foram e continuam incapazes de perceber que no plano económico o grande problema de Portugal face aos restantes países comunitários não é o do diferencial de inflação ou o do nível do défice orçamental, mas antes o do enorme fosso que nos separa no âmbito da estrutura produtiva, da produtividade e do nível de desenvolvimento.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

Que esse é o problema essencial, que a redução desse fosso é a questão prioritária e exige a definição de uma estratégia de desenvolvimento para a economia portuguesa, à qual se deverão adequar e subordinar os instrumentos de política disponíveis.
Neste plano, o Governo fez tudo ao contrário daquilo que exigiam a modernização e o desenvolvimento da economia portuguesa.
Para mostrar bom serviço nas instâncias comunitárias, apressou a integração do escudo no mecanismo de taxas de câmbio e fê-lo com uma paridade sobreavaliada.
Antecipou a completa liberalização dos movimentos de capitais com o argumento de que ela provocaria a baixa das taxas de juro e, afinal, estas subiram e continuam a subir em termos reais, penalizando em particular as pequenas e médias empresas.
Vendeu por «trinta dinheiros» dois anos de transição para a agricultura nacional e foi co-responsável por uma nova PAC que não reconhece a nossa especificidade, acelerando assim a derrocada da produção e dos rendimentos dos agricultores portugueses e inviabilizando a necessária modernização da estrutura agro-pecuária.
Durante a crise do SME de há um ano, enquanto a libra e a lira abandonavam o sistema e a peseta se desvalorizava, o Governo optou mais uma vez pela postura da bazófia, por fazer figura de aluno bem comportado e tomou a decisão de manter a estabilidade nominal do escudo, com os resultados nefastos que prejudicaram gravemente as produções nacionais, na indústria como na agricultura e nos serviços.
Em suma, Srs. Deputados, a análise objectiva e séria da evolução recente da economia portuguesa e das causas estruturais e das políticas que lhe subjazem, não deixam margem para dúvidas de que ao Governo e, em particular, ao Primeiro-Ministro, cabem as responsabilidades essenciais na recessão económica.
São, afinal, o Primeiro-Ministro e o Governo os responsáveis por aplicarem e anteciparem em Portugal as orientações económicas e monetárias e dos critérios de convergência do Tratado de Maastricht que, como sempre o afirmámos e reiteramos, se mostram contrários à convergência real, à coesão económica e social e a uma Europa de progresso económico, de emprego e cooperaçâo.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas também daqui lhe garantimos que o PCP não se resigna nem se resignará a esperar que o PSD tranquilamente sacrifique os interesses, a soberania e independência nacionais nas malhas de uma construção europeia federalista.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era inevitável que uma política económica virada para o benefício dos grandes grupos económicos, do capital estrangeiro e da especulação financeira e imobiliária provocasse, para além da recessão, a desertificação e envelhecimento do interior e uma acentuada degradação da situação social, gerando no imediato dolorosos dramas e angústias em centenas de milhar de portugueses e com incalculáveis, mas profundas, consequências a médio prazo.
A profundidade e gravidade da crise social são reflectidas, designadamente, pelo contínuo crescimento do desemprego e redução do emprego, pelo ressurgimento dos salários em atraso, atingindo muitos milhares de trabalhadores, pela pressão sobre os baixos níveis salariais e das pensões e reformas, pelo aumento das carências de serviços sociais essenciais, com saliência para a preocupante degradação do sistema de saúde, pelas ofensivas contra o sistema de segurança social e espelham, objectivamente, uma situação geradora de miséria e de mendicidade e de crescentes fenómenos de marginalização e exclusão sociais.
E não nos responda o Governo, ou o PSD, a esta caracterização objectiva, com acusações de «miserabilismo», de «pessimismo decadentista» ou de tentativa de «desmoralização dos portugueses».
A situação real é suficientemente preocupante e grave para não admitir sofismas e manobras de diversão! Pelo contrário, exige que seja encarada frontalmente e com todo o rigor e seriedade.

Aplausos do PCP.

Mas uma política alternativa à destruição massiva de postos de trabalho não passa pelas propostas do Governo de maior precarização do trabalho, de maior alastramento do «recibo verde», do trabalho à hora, ao dia ou à peça sem direitos sociais, ou pelo recurso continuado aos subsídios da segurança social como amortecedores da conflitualidade social, ou ainda com a falácia e chantagem da diminuição dos salários reais para manter o emprego.
Desmistificamos aqui as teses governamentais de que a saída da crise só pode ser encontrada com uma política de baixos salários e com a degradação do seu poder de compra, e de que os salários nominais portugueses não podem aumentar mais do que os espanhóis, os franceses ou os alemães.
Por um lado, Portugal é o país comunitário com os mais baixos salários nominais e reais e, se fosse essa a causa da crise económica, então seriam os restantes onze membros da Comunidade que registariam as situações mais preocupantes e degradadas. O que, comprovadamente, não é o caso!

O Sr. João Amaral (PCP): - Bem observado!

O Orador: - Por outro lado, a dar qualquer crédito a essa tese, então seria a aceitação da inevitabilidade de os salários dos trabalhadores portugueses terem de ser indefinidamente inferiores aos dos seus congéneres comunitários e de o fosso actual entre os níveis salariais ter de se agravar permanentemente.

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A competitividade de que carece a generalidade da economia portuguesa não passa pela desvalorização do preço da força de trabalho (se assim fosse seriamos hoje os mais competitivos) mas sim e nomeadamente, pela definição de uma estratégia de desenvolvimento, pelo acréscimo da produtividade do capital, pela organização eficiente da produção, pela modernização dos processos produtivos, por taxas de juro e preços dos «factores de produção concorrenciais», por uma política cambial realista e de apoio à actividade produtiva e pela aplicação eficaz dos fundos estruturais.
Igualmente rejeitamos a tese do Primeiro-Ministro da «taxa natural de desemprego» que, não tendo qualquer fundamento teórico, tem por objectivos impor as ideias de que, por um lado, o desemprego é inevitável, e que, por outro lado, o emprego deixou de ser um direito para ser considerado um «privilégio» e que, para ser mantido, os trabalhadores empregados devem aceitar reduções salariais, a precarização das condições de emprego e a eliminação de direitos sociais.
Por acréscimo, tal tese visa funcionar como uma arma contra o movimento sindical e contra a sindicalização, procurando enfraquecer as organizações de classe dos trabalhadores e liquidar direitos individuais e colectivos, nomeadamente a liberdade de negociação e contratação.
Mas, Srs. Deputados, a degradação da situação social no nosso País não se restringe ao aumento do desemprego, à precarização do emprego e à pressão contra os aumentos salariais. Ela manifesta-se igualmente na ofensiva do Governo contra os direitos dos trabalhadores expressa, nomeadamente, na grave limitação ao exercício do direito à greve, em que as ameaças e represálias que foram exercidas, particularmente, contra os trabalhadores dos transportes, na CP e na TAP, eliminando de facto o direito à greve através dos denominados serviços mínimos, violam claramente o direito constitucional à greve.
Ofensiva que conheceu também recentemente uma nova fase com as medidas decretadas pelo Governo no âmbito do regime de Segurança Social.
Primeiro, o Governo lança os trabalhadores para o desemprego, revela-se permissivo às dívidas à segurança social, recusa o financiamento dos regimes não contributivos e utiliza recursos do sistema em encargos que não integram os seus fins. Depois, o mesmo Governo clama com a insolvabilidade do sistema de segurança social e serve-se desse pretexto para degradar a fórmula de cálculo das pensões de reforma, para aumentar a idade de reforma das mulheres e para justificar a sua crescente desresponsabilização nesta função social. Aliás, o sistema das rescisões forçadas e o difundido recurso às pré-reformas está a criar um novo fenómeno de exclusão e um sentimento de inutilidade que recai sobre milhares de homens e mulheres, novos demais para chegarem à reforma e velhos demais para encontrarem emprego.
Acolher esta estratégia do Governo seria pactuar com a regressão social, com a eliminação de direitos duramente conquistados pelos trabalhadores ao longo de muitas dezenas de anos.
Para nós, a solução ião passa por aí! Impõe-se, isso sim, que seja promovido o
desenvolvimento económico e social, que seja defendido o aparelho produtivo, a produção nacional e o emprego! e que o Estado cumpra escrupulosamente as suas responsabilidades constitucionais e sociais assente na solidariedade e no progresso social.

Aplausos do PCP.

Impõe-se que se estimule o investimento produtivo e o aproveitamento dos nossos recursos.
Ao longo desta interpelação apresentaremos propostas sectoriais e globais tendo a consciência de que muitas das soluções só terão tradução com uma outra política global, substancialmente diferente da actual.
Mas não posso deixar de assinalar que se impõem, desde já, medidas imediatas para minorar a crise económica e os seus pesados custos sociais, por exemplo, no plano social para responder às situações de carência mais gritantes instituindo, como o PCP apresentou em Maio e como está em vigor em vários países da Europa um rendimento mínimo de subsistência. Ou, ainda, como exemplo, no plano económico, o abandono dos critérios monetaristas de Maastricht, a invocação de interesses vitais para a adopção de medidas de salvaguarda da produção nacional agrícola e para certas produções industriais e a adopção de uma política cambial adequada à nossa realidade económica que permita uma efectiva redução das taxas de juro reais do crédito bancário às pequenas e médias empresas nacionais.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Interviemos, acusámos, fundamentámos as razões desta interpelação. É necessário agora que o Governo e o PSD respondam e não fujam ao debate dos gravíssimos problemas económicos e sociais.
A era dos slogans propagandísticos do PSD do tipo, a «democracia de sucesso», o «milagre português» e o «Portugal está na moda no estrangeiro» ficaram pelo caminho e deram lugar ao futurismo sem data marcada. Como é difícil discutir o presente e encarar a situação, o PSD promete agora «ganhar o futuro»! Mas de promessas e de pacotes de promessas estão os portugueses cheios. Quem faz regredir o presente não pode prometer com seriedade ganhar o futuro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não se resolvem os problemas de Portugal agravando os problemas dos portugueses.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Primeiro-Ministro pode ainda ensaiar a técnica da remodelação e mandar para sinecura ou estágio nas últimas bancadas deste Parlamento, ministros totalmente desacreditados, como é caso do Ministro das Finanças, da Agricultura ou da Saúde, pode continuar a fazer mais umas promessas e a apresentar rotineiramente mais uns «pacotes» de medidas, pode continuar semanalmente na actividade de «corta fitas», fingindo que não está em campanha eleitoral mas, sim, a tratar do País, pode continuar a fazer tudo isto e mais o que os estrategas da imagem e de política espectáculo lhe sugerirem, que não escapa às pesadas responsabilidades da sua política que é a principal causa da difícil situação em que o País se encontra e de que é urgente pôr cobro.
E porque não nos acomodamos nem nos resignamos podem o Governo e o PSD estarem certos de que terão de contar com a nossa intervenção, empenho e luta para que, mais cedo do que tarde, para bem dos portugueses e de Portugal, a crescente aspiração a uma nova política faça o seu caminho até à conquista de uma alternativa democrática.

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Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, nos termos do n.º 1 do artigo 244.º do Regimento, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto (Marques Mendes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afastada do poder há vários anos e incapaz de o lograr alcançar pela via da apresentação credível de modelos alternativos de governação, a oposição assenta agora o seu raciocínio político neste pressuposto: só a degradação da situação económica e social do País, gerando descontentamento nos cidadãos e perturbação na sociedade, permitirá criar as condições políticas para viabilizar a sua tentativa de obtenção do poder.
Este raciocínio da oposição não é certamente novo, mas assume agora, ern termos públicos, maior clareza e nitidez. Antes, era mais contido; agora, tornou-se mais visível. Anteriormente, escondia-se nos pensamentos não confessáveis de gabinetes ou nas conversas de bastidores; agora, tornou-se mais explícito e ostensivo.
De qualquer modo e em qualquer circunstância, um traço se mantém em comum. E esse traço em comum é o do carácter perverso deste raciocínio e da inconsequente forma de fazer política que ele traduz e representa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Um raciocínio perverso, porque se alicerça na convicção de que, primeiro, é preciso degradar para, a seguir, tentar vencer. Uma forma igualmente perversa de fazer política, porque sustentada pela negativa, porque alicerçada pela ideia do «quanto pior melhor», porque fundada no ilegítimo aproveitamento das incertezas e dificuldades que o tempo de crise económica necessariamente coloca aos portugueses.
E para a prossecução prática desse objectivo tudo serve, todos os meios são bons e adequados, todos os instrumentos são possíveis e legítimos.
Há que minar a confiança das pessoas e dos agentes económicos, há que valorizar a crise para a empolar e desenvolver, há que criar um ambiente psicológico favorável à recessão, há que exagerar nos dados e elementos estatísticos, há que multiplicar as expectativas negativas, há, em suma, que gerar a ideia de que o País está ingovernado, que a situação é irreversível e que só a mudança de Governo resolverá o problema.
Para compor o raciocínio valem todos os artifícios tendentes a fazer esquecer ou branquear os efeitos da grave crise económica internacional que se vive, como se ela nada tivesse a ver com o que se passa hoje em Portugal.
Ironia das ironias, ou ironia do destino, o certo é que os que agora se esquecem de realçar os contornos internacionais da crise são os mesmos - exactamente os mesmos- que, há poucos anos, tudo justificavam e tudo explicavam apenas e tão só porque a conjuntura económica internacional era positiva e favorável.

Aplausos do PSD.

Antes não havia qualquer mérito do Governo ou dos portugueses - era o que diziam. A conjuntura externa era apresentada como razão e virtude que tudo explicava.
Hoje, a culpa é por inteiro do Governo e das suas políticas. De um momento para o outro, numa inflexão que é surpreendente pela sua falta de pudor, parece que a conjuntura internacional deixou de ser um factor condicionante da situação interna.
Antes, tentava-se ignorar que estávamos não apenas a crescer claramente acima da média comunitária como ainda, e fundamentalmente, a obter resultados muito superiores aos que eram alcançados por países em idênticas condições e beneficiando dos mesmos efeitos da conjuntura internacional.
Agora, uma vez mais se ignora que Portugal está a conseguir aguentar e resistir melhor que muitos outros e que, pela primeira vez na nossa História recente, em momentos de recessão internacional grave, a crise importada não conduz, apesar de tudo, a um agravamento do rendimento real das famílias comparativamente às suas congéneres europeias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Um traço em comum existe, porém, para a oposição: antes como agora, não reconhece qualquer mérito ao Governo e não atribui qualquer importância ao esforço, ao trabalho e à capacidade dos portugueses.
A cegueira partidária e o desrespeito para com os portugueses não podiam ser maiores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para ajudar a fundamentar o raciocínio, desvaloriza-se a situação que se vive nos outros países europeus, tentando-se fazer crer que Portugal é um caso isolado ou uma excepção e que o mundo deixou de ser, de repente, aberto, interdependente entre si e concorrencial entre os efeitos e as consequências que gera.
E se é certo que o mal dos outros não resolve os nossos problemas, não é menos exacto que fazer uma avaliação estranhamente marcada pelo estigma do, agora recuperado, «orgulhosamente sós» ou analisar as questões de forma segmentada pode parecer um esforço de protagonismo político, mas não passa, ao cabo e ao resto, de uma grosseira forma de fazer demagogia ou de uma abordagem das questões em moldes que configuram uma verdadeira desonestidade intelectual.

Aplausos do PSD.

Para compor o raciocínio, não se hesita mesmo em tentar fomentar um clima que intensifique a desconfiança e aumente as incertezas, chegando-se mesmo ao ponto de estimular a inviabilização de instrumentos de consenso fundamentais à estabilidade económica e social.
Se muitos exemplos o demonstram e evidenciam, os últimos apelos públicos de alguns responsáveis políticos da oposição à não celebração de um acordo de concertação social, para além do desespero político que traduzem, vieram colocar em claro as verdadeiras e reais intenções de alguns partidos da oposição. Para esses, o interesse partidário sobreleva tudo; o interesse do País está em segundo plano; os princípios normalmente tão apregoados - como a defesa da autonomia do movimento sindical e a promoção do diálogo social - são facilmente espezinhados; o interesse nacional serve apenas para enfeitar o discurso e enquadrar a retórica de circunstância
É pena que assim seja, mas, infelizmente, é verdade.

Aplausos do PSD.

Numa indisfarçável irresponsabilidade, o discurso que fazem parece querer expressar a ideia de que só o que é mau para o País é bom para a oposição.

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28 I SÉRIE - NÚMERO 2

Tudo em homenagem à política da terra queimada e à ideia de que uma crise económica não é negativa, porque desgasta o Governo e serve os desígnios da oposição.
Tudo em homenagem à máxima de que os fins justificam os meios.
Por tudo isto e relativamente a tudo isto também incidirá o julgamento da opinião pública, o julgamento dos portugueses.
É que o julgamento político, quer se queira quer não, não tem uma única vertente e uma só direcção. Ele é, e será sempre, o julgamento do Governo, do seu programa, das atitudes que toma e dos resultados que apresenta. Mas é também o julgamento político das oposições, do seu comportamento, da sua postura, da sua contribuição, ou ausência dela, para o clima nacional de recuperação e de desenvolvimento que o País, reclama e deseja.
Não o julgamento entre os que têm mais ou menos patriotismo; não o julgamento entre os que são mais ou menos portugueses, porque não temos essa visão maniqueísta das coisas, das pessoas e da vida em sociedade.
Mas antes, e sim, o julgamento que permitirá acentuar a diferença entre condutas é comportamentos políticos e estabelecer o contraste entre os que, compreendendo as dificuldades, apelam à confiança e à mobilização da sociedade e os que, marcados pela cegueira das suas ambições, parece que se comprazem com a crise, que ficam satisfeitos com ela e que mais não são capazes de fazer que não seja apelar continuadamente à frustração ou à resignação dos portugueses.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta interpelação é mais um exemplo da conduta è da postura que ensaiaram alguns partidos da oposição.
A preocupação, como, de resto, já se viu, não é a de dizer ou acrescentar nada de novo. A preocupação é, sim, a de prosseguir na estratégia delineada e no objectivo traçado.
A própria ideia da interpelação e o momento do seu surgimento nem sequer introduzem no debate político qualquer inovação. Também no plano da forma e da oportunidade insiste-se em jogar jogo jogado, reincindindo na iniciativa e recorrendo a idêntico instrumento.
De facto, já há quatro anos, também, como agora, a cerca de dois meses de eleições autárquicas, a oposição desencadeou um idêntico debate político, então centrado na discussão de uma moção de censura ao Governo.
Então, como agora, á cerca de dois meses de um acto eleitoral, as intenções não divergem na substância, ainda que se revelem menos audaciosas na forma. Trata-se, uma vez mais, apenas e tão i só, de tentar desgastar o Governo e a maioria que o apoia. As eleições a tal obrigam.
Com uma singular diferença: então, foi o PS a desencadear a iniciativa; agora, é o PCP a fazê-lo.
Uma diferença que, parecendo despicienda e sem significado político, acaba, todavia, por ser sintomática e esclarecedora.
Trata-se de tentar mostrar e demonstrar quem, de entre a oposição, é mais oposição ou consegue fazer maior oposição e quem mais eloquentemente protagoniza o combate político ao Governo.
Como é bom de ver, trata-se de mais um episódio da disputa política que entre os dois partidos da oposição de esquerda se vem gerando e estabelecendo. Disputa que, como facilmente se intui, tem como alvo o Governo, como falso pretexto o interesse do País e como objectivo superior a luta entre os dois partidos pela liderança da oposição. E se é verdade que nesta disputa o PCP parece querer ganhar ao PS a primazia da liderança política da oposição e a capacidade de antecipação da respectiva agenda política, fazendo ir os socialistas a reboque dos seus temas ou iniciativas, também não é menos verdade que ao PCP lhe sobra em iniciativa o que lhe falta em autoridade moral e política para granjear credibilidade e sucesso.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não venha com a cassette.

O Orador: - E o que realmente surpreende é que, não obstante continuar a defender um modelo económico e social já claramente desacreditado em Portugal, como em todo o mundo, e a ser contra a integração europeia ou a perfilhar as posições da mais pura ortodoxia, o PCP consegue, apesar de tudo, exibir e demonstrar alguma capacidade de antecipação política relativamente ao maior partido da oposição. Demérito dos socialistas, por certo, mais do que mérito do partido interpelante.
Não lhe fica o PS atrás, no entanto, em intenção de iludir, pela via da demagogia discursiva, a verdadeira natureza dos problemas com que nos defrontamos a par dos nossos parceiros europeus.
Primeiro, amplia e dramatiza as dificuldades do País.
Logo a seguir, surgem as promessas «a torto e a direito», as facilidades para tudo, as benesses para todos, as soluções milagrosas para todos os problemas e reivindicações.
Prometendo «mundos e fundos», logo fazendo tábua rasa da crise que antes empolaram, os socialistas só conhecem verdadeiramente duas cores - o preto do País e o cor-de-rosa das facilidades que propõem.
Actuam como se Portugal pudesse ser governado com o orçamento dos Estados Unidos da América, mas esquecem-se que também aqui o velho ditado popular dita a sua sentença: «quando a esmola é grande o pobre desconfia».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A receita para o pleno emprego, por exemplo, agora eleita como uma das bandeiras do líder do PS não é mais do que uma evidente mistificação.
Mistificação, porque não chega a atitude fácil de detectar dificuldades e contrapor-lhes a ideia de soluções miríficas que desprezam o realismo e ignoram o elementar princípio de que nenhuma solução teoricamente perfeita é possível sem que para ela existam meios disponíveis, eficazes e suficientes.
Tal discurso busca apenas aproveitar oportunisticamente a bondade de um sentimento que, naturalmente, todo o cidadão perfilha. Mas fica longe, muito longe, de convencer pela ausência de suporte objectivo que lhe nega todo o crédito.
Com efeito, o desafio com que toda a Europa e o mundo em geral hoje se confrontam é o de, em termos imediatos, estancar o crescimento do desemprego. O caminho para o aumento do emprego fica a seguir, e é importante, mas só pode ser conseguido quando as políticas estruturais de dinamização da economia fizerem valer os seus efeitos.
O PS e o seu líder sabem isto mesmo. E confirmaram-no no espaço de debate e análise que a Internacional Socialista desenvolveu recentemente em Lisboa numa reunião, cujas conclusões se limitaram a acentuar, na perspectiva mundial, as questões relativas «ao aumento do de-

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semprego, à dívida e à pobreza que está a afectar gravemente os países em desenvolvimento e que constituem sérios obstáculos à recuperação sustentada da actividade económica global».
Fica, perante isto, esta dúvida: ou o PS e o seu líder nem sequer tiveram a coragem de exportar para essa reunião a demagogia das receitas de milagre que utilizam para consumo interno, ou, então, fizeram mesmo a proposta e a resposta dos seus camaradas dirigentes estrangeiros foi a indiferença e o silêncio, pois as conclusões da Internacional Socialista são, a este respeito, completamente omissas.

Aplausos do PSD.

Elas apontam, de resto, e bem ao contrário, para o conjunto de medidas e soluções que o Governo elegeu como prioritárias e está a pôr em prática.
Conclui-se, pois, daqui que a demagogia do PS não é também, como se vê, produto com qualidade bastante para ser exportado. Confina-se, pelos vistos, ao puro eleitoralismo da política interna.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O seu irrealismo e irresponsabilidade são tão flagrantes que só têm paralelo na falta de coerência ideológica que, de novo, invade o partido e na notória arrogância e triunfalismo que a sua postura política actualmente evidencia, quer no plano nacional, quer no plano autárquico.
Esta constatação, de resto, não nos surpreende. E desnuda, afinal, uma outra importante conclusão política que importa reter.
O PS não hesita no tipo de propostas irrealistas e demagógicas que escolheu como meio de afirmação política, porque, objectivamente, já abdicou de ser alternativa séria de poder. Só isso o liberta da responsabilidade de ser confrontado com a aplicação prática das medidas que preconiza e que não desconhece serem impossíveis de conseguir com êxito.
De facto, qual é o partido que, tendo uma intenção séria, responsável e credível de ser Governo, se comporta desta maneira?
Qual é o partido que, tendo uma intenção séria, responsável e credível de ser Governo, advoga publicamente a confrontação social em vez de estimular a concertação?
Qual é o partido que, tendo uma intenção séria, responsável e credível de ser Governo, defende publicamente e com antecedência uma desvalorização do escudo?
Vejam-se, a este respeito e por contraste, os recentes casos francês e espanhol. Os líderes dos dois maiores partidos da oposição, em França e em Espanha, expressamente declararam, em plena campanha eleitoral, que se ganhassem as eleições não desvalorizariam as respectivas moedas.
Qual é o partido que, tendo uma intenção séria, responsável e credível de ser Governo, é incapaz de contribuir para ajudar a fomentar, política e psicologicamente, um clima de confiança e de mobilização da sociedade?
Qual é o partido que, tendo uma intenção séria, responsável e credível de ser Governo, pode seriamente prometer todas as facilidades, advogar soluções sem dor para todos os problemas, satisfazer todas as reinvindicações, por mais exageradas e até contraditórias que sejam?
Um partido que assim actua, como actualmente actua o PS, está objectivamente a confessar ter deixado de acreditar poder ser alternativa de Governo e limita-se, na prática, a ser um mero contrapoder ao poder legitimamente instituído.

Aplausos PSD.

É esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a conclusão política que se retira do comportamento actual do principal partido da oposição.
A nossa postura, ao invés, é outra e bem diferente.
Temos a noção das dificuldades que o País vive, não somos insensíveis aos dramas, angústias e incertezas das pessoas, conhecemos os estrangulamentos e motivações que geram o actual estado de coisas, mas não nos resignamos perante os problemas, não cruzamos os braços perante os obstáculos, nem cedemos à tentação das soluções fáceis e imediatas que só contribuiriam para comprometer o futuro.
Sabemos bem - até pela experiência de governações anteriores - que, se não existir uma linha de rumo clara, uma política exigente e uma estratégia coerente, os eventuais resultados efémeros do imediato rapidamente dão origem a sobressaltos, perturbações e irreversíveis descarrilamentos nos tempos seguintes.
E se isto é assim em tempo de facilidades, mais verdade ainda se toma num contexto de crise económica internacional grave, porventura a mais grave dos últimos 50 ou 60 anos.
Daí uma política económica virada para a modernização estrutural do País; daí uma política económica que continua a apostar num crescimento económico, apesar de tudo superior ao da média comunitária; daí uma política económica virada para o reforço do investimento público e para o forte incentivo ao investimento privado; daí uma política económica assente na estabilidade cambial e no combate empenhado à inflação, única forma de possibilitar uma indispensável descida sustentada das taxas de juro; daí uma política económica empenhada na competitividade das empresas; daí uma política económica onde a preocupação do emprego constitui prioridade clara e indiscutível.
E não se tratam de meras figuras de retórica. O próximo Plano de Desenvolvimento Regional será um instrumento decisivo e um contributo determinante para o objectivo nacional de modernização e desenvolvimento económico do País. Não podemos, de resto, a este respeito, deixar de saudar e de nos congratular com a decisão hoje tomada na Comissão Europeia, relativamente aos fundos para prossecução do próximo Plano de Desenvolvimento Regional, decisão anunciada esta manhã.

Aplausos do PSD.

Os vários programas especiais recentemente aprovados e virados para a recuperação económica, desde o domínio da habitação à internacionalização das empresas e desde o apoio ao sector exportador até ao reforço da comercialização de produtos agrícolas, aí estão também a comprová-lo; o orçamento de investimento para 1994 - com um crescimento em termos reais de cerca de 15 % - é mais um inegável contributo para continuar o esforço de atenuação das nossas assimetrias de desenvolvimento; o rigor, a disciplina e a contenção das despesas do Estado, sobretudo das despesas correntes, é um objectivo instrumental que, novamente em 1994, como nos anos anteriores, se assume como indispensável e imperioso.
Neste contexto, o problema de desemprego assume foros de prioridade indiscutível.
Quem é insensível ao problema do desemprego?

Vozes do PS e do PCP: - O Governo!

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O Orador: - Por muito o vosso discurso, de facto, que isso lhes custe e contrarie não é o Governo.
Pelo contrário, temos desse problema social uma perspectiva que vai muito para além da sua análise ou leitura meramente estatística ou económica. O emprego é, para nós, um meio da realização e estabilidade da pessoa e da família, da sua felicidade e dignificação, que, por isso mesmo, se situa na primeira linha das obrigações de solidariedade que a sociedade em conjunto, e o Governo, em primeiro lugar, devem assumir.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É também por isso mesmo que elegemos a concertação social como um verdadeiro objectivo de estabilidade social, ou até mesmo, no actual contexto, como um instrumento de verdadeiro interesse nacional, porque, entre outras razões, ela comporta mecanismos demonstradamente decisivos para o combate ao desemprego.
Afinal, pode hoje dizer-se, à luz dos factos políticos que ocorreram no âmbito desse projecto de concertação, que aqueles que contra ele publicamente se manifestaram é que objectivamente se afirmaram insensíveis ao desemprego e seus custos sociais, não hesitando mesmo em fazer deste flagelo alimento e instrumento dos seus mesquinhos objectivos político-partidários.
O Governo, ao contrário, não descurou, em qualquer momento, as respostas que o problema vem exigindo, quer criando programas específicos de combate ao desemprego, neles investindo avultadas verbas, quer apoiando a criação de novas empresas e facilitando o aparecimento de empresas e empresários jovens.
Tudo temos feito para que o desemprego não afecte o essencial da economia das pessoas e das famílias atingidas, adoptando medidas excepcionais de apoio a desempregados, mantendo e reforçando os seus direitos sociais, sem recorrer nunca a medidas limitadoras desses direitos como, infelizmente, aconteceu em muitos outros países.

O Sr. Carlos Coelho [(PSD): - Muito bem!

O Orador: - Fizemos, em suma, renovada afirmação e prova do sentido de solidariedade que é princípio inapagável deste Governo.
O facto de a taxa de desemprego, em Portugal, ser quatro vezes inferior à da Irlanda e Finlândia e de Espanha, três vezes inferior à metade das de França e Itália nunca foi motivo, apesar de tudo, para descermos o nosso patamar de preocupações em relação ao emprego.

Aplausos do PSD.

Pelo contrário, estamos preocupados e muito preocupados. É um drama que nos aflige. É um flagelo que nos tortura.
Só que não nos limitamos a constatar o problema. O diagnóstico é importante, mas o decisivo são as soluções realistas, pragmáticas e fiáveis.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Daí o empenho na concertação social. Daí o empenho numa solução, em matéria salarial, que concilie a desejável sobrevivência e competitividade das empresas com o mais que legítimo anseio dos trabalhadores a uma não redução do poder real dos seus rendimentos. Daí o esforço sério e muito significativo do Governo num importante desagravamento fiscal do IRS para permitir aproximar e conciliar as posições divergentes de trabalhadores e empresários. Daí a proposta de investimento, só em 1994, de 50 milhões de contos para um vasto programa de emprego, envolvendo cerca de 127 000 trabalhadores portugueses.
Daí a preparação de um vastíssimo conjunto de medidas de combate ao desemprego e de promoção do emprego, designadamente no domínio dos desempregados de longa duração, dos jovens à procura do primeiro emprego ou do apoio à mobilidade geográfica do trabalhador desempregado. Daí as propostas de majoração em 20 % do valor do subsídio de desemprego, sempre que o trabalhador desempregado esteja disposto a participar em programas ocupacionais, na certeza de que a melhor forma de apoiar um desempregado é dar-lhe uma ocupação e incentivá-lo à actividade.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É empregá-lo!

O Orador: - O caso do programa de apoio aos desempregados por força da seca no Alentejo e Vale do Tejo, abrangendo já 5 000 trabalhadores e que é um excelente exemplo a prosseguir, teve já um impacto imediato significativo, tendo permitido diminuir em 10 % o desemprego agrícola em toda aquela região.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Enganaram-se!

O Orador: - Estas e outras medidas, Srs. Deputados, constam das propostas feitas e trabalhadas com os parceiros sociais em sede de concertação social e visando a celebração de um amplo acordo social.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, faça o favor de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Por parte do Governo, tudo será feito, até ao limite, para que, ao contrário de outros tempos, não sejam mais uma vez os trabalhadores a suportarem os custos das dificuldades que necessariamente atravessamos.
Mas a tudo isto importa perguntar: qual a reacção que se sucedeu? Os parceiros sociais responderam a estas propostas com um grande sentido das responsabilidades, importa reconhecê-lo; alguns dirigentes da oposição, ao contrário, reagiram com pressões e apelos públicos inaceitáveis à não assinatura de um acordo social vital e decisivo para o País. É a diferença entre quem tem e quem não tem sentido de Estado.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acusam-nos alguns partidos da oposição de sermos prisioneiros do objectivo único do combate à inflação e de, por essa via, menosprezarmos outras e relevantes variáveis económicas e sociais.
Acusação tão infundada quanto pouco séria e imbuída de uma flagrante ausência de coerência e de sentido das responsabilidades.
Em primeiro lugar, pouco séria, porque nunca deixámos de conciliar o objectivo do combate à inflação com a promoção do investimento e a importante prioridade do combate ao desemprego.
Em segundo lugar, uma acusação incoerente e contraditória, porque os que hoje nos fazem essa acusação são os mesmos que, ainda há dois ou três anos, nos apontavam

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o dedo acusador por não termos sido capazes de evitar algum agravamento na subida dos preços.
Em terceiro lugar, e porventura a mais importante, uma acusação socialmente irresponsável, porque esquecem que a não descida da inflação pode ser um bom negócio para os especuladores mas é uma solução injusta e fortemente penalizadora das famílias mais carenciadas e dos estratos mais desfavorecidos da nossa população.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É também por isso, e por força da conjugação das outras políticas, que os salários dos trabalhadores portugueses cresceram 16,4 % em termos reais, nos últimos quatro anos, ou seja, quase três vezes mais que a média comunitária e excedendo o dobro do ocorrido, por exemplo, na nossa vizinha Espanha.
Esta é mais uma realidade que os factos comprovam, que desmente o discurso político de alguns e que contrasta bem com a flagrante diminuição do poder real dos salários dos trabalhadores, nos anos anteriores a 1985.

Aplausos do PSD.

Também aqui, como no domínio da saúde e da educação e no combate às desigualdades regionais ou à exclusão social, a nossa opção é muito clara: somos sociais-democratas por opção e convicção ideológica, defensores do reformismo e não adeptos da ruptura; queremos preservar equilíbrios essenciais à coesão da sociedade portuguesa; somos pelo desenvolvimento harmonioso e equilibrado do País; não abdicamos de ver no crescimento económico o instrumento possibilitador de uma maior justiça retributiva e de formas mais amplas de solidariedade social e atribuímos à dignidade humana e à igualdade de oportunidades a importância fundamental que resulta de princípios éticos, morais e sociais, que julgamos inatacáveis, plenamente actuais e que desafiam a nossa energia colectiva:
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal - nunca será excessivo repeti-lo- cumpre hoje um processo difícil e complexo de adaptação a um novo e decisivo ciclo da sua História, na perspectiva da construção europeia e numa Europa também ela confrontada com desafios e incertezas, decorrentes da necessidade de equilíbrios que o mundo tarda em resolver.
Partimos para esta realidade numa situação de fragilidade global, herdada do passado, que, inevitavelmente, nos exige maior esforço, mais persistência e, naturalmente, dobradas dificuldades.
Estamos, pois, perante a exigência de soluções políticas que, devendo ser solidárias para com todas as carências, têm, no entanto, de ser consequentes, não se compadecendo com avanços e recuos determinados por meras razões conjunturais.
Mas há também neste quadro uma exigência cultural que se nos coloca, porque temos de entender a História e o futuro no sentido da pátria que somos e na aceitação das incomodidades ou sacrifícios que lhe devemos e que, sobretudo, devemos a esse futuro.
Tal exigência aponta, em primeiro lugar, obviamente, para quem detém responsabilidades políticas, sejam elas de governo ou de oposição.
Não é legítimo, de facto, que a classe política se demita dessas responsabilidades e que, por meros objectivos eleitorais, substitua a pedagogia de uma atitude cultural, que desenvolva no País a mobilização colectiva para os seus desafios de futuro, pela demagogia de falsas miragens do presente.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Portugal de hoje e o Portugal do futuro exigem que assim seja.
Sobretudo, em homenagem à inteligência, ao mérito e à generosidade dos portugueses.
Sobretudo, por respeito pelo legítimo orgulho de sermos todos nós portugueses.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - O Governo excedeu em 50 % o tempo de que dispunha. Esses 10 minutos serão descontados no tempo global previsto para o debate. Em todo o caso, peço que, daqui por diante, os tempos sejam observados para não haver desequilíbrios nas intervenções.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas inscreveram-se os Srs. Deputados Duarte Lima, Manuel dos Santos, Nogueira de Brito, Pacheco Pereira, Rui Carp e Castro Almeida e ao Sr. Ministro-Adjunto Marques Mendes os Srs. Deputados Mário Tomé, Ferro Rodrigues, Octávio Teixeira, João Rui de Almeida, João Corregedor da Fonseca, Lino de Carvalho, Maria Julieta Sampaio, João Amaral, Isabel Castro, Ferreira Ramos e José Vera Jardim.
Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão os alunos da Escola Secundária Forte da Casa para os quais peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, vamos dar início ao debate. Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, quero começar por registar, independentemente das diferenças de análise que têm os nossos dois partidos sobre a situação económica e social, o esforço de seriedade que V. Ex.ª acabou por produzir da tribuna, com a intervenção com que quis questionar o Governo.
E apraz-me registá-lo no dia seguinte ao da abertura solene dos nossos trabalhos, em que, pelo menos da parte do maior partido da oposição, com particular ênfase o nosso distinto e querido amigo Deputado Ferraz de Abreu,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... se teceu considerações pertinentes acerca do prestígio do Parlamento. Aliás, na extensão normal dessas considerações sobre o prestígio do Parlamento, na medida em que a interpelação de hoje foi encabeçada pelo Secretário-Geral do Partido Comunista, seria de esperar que também o Secretário-Geral do Partido Socialista aqui estivesse para dizer o que pensa sobre a situação económica e social.

Vozes do PS: - E o Primeiro-Ministro?! E o Ministro das Finanças?!

O Orador: - O Governo está aqui representado por sete membros, que é um número muito bom!

Vozes do PSD: - Muito bem!

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Protestos do PS.

O Orador: - Espero que o Sr. Presidente desconte alguns segundos...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Falta a vermelho para o Secretário-Geral do PS! Falta a vermelho!

Protestos do PS.

O Orador: - Sr. Presidente, espero que o tempo dos murmúrios e dos desabafos possa ser descontado no tempo que me está atribuído.

O Sr. Presidente: - Não é, Sr. Deputado, por isso deve continuar no uso da palavra.

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, gostaria de lhe colocar uma questão que abordou na sua intervenção e, sobretudo, discutir consigo uma afirmação que fez. E essa afirmação foi a seguinte: á bancada do PSD, o Governo e o Primeiro-Ministro foram incapazes de perceber qual o principal problema económico de Portugal.
Desde logo, não estou de acordo com esta afirmação, embora reconheça que há uma diferença clara entre a minha bancada e a sua, entre o Governo e VV. Ex.ªs quanto à análise do principal problema económico de Portugal.
Ora, o principal problema económico de Portugal, neste tempo de mudança e de integração comunitária, é essencialmente o da competitividade das suas empresas, ou seja, o de conseguir, mantendo a competitividade das empresas, garantir trabalho...

Protestos do Deputado do PS José Lello.

Afinal, os senhores diziam que queriam prestigiar o Parlamento mas não parece!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Como emprego, como disse e damos como adquirido se pode garantir a segurança do bem, com garantias sociais! Nós a genuinidade das preocupações
sociais do Partido Comunista. Espero que tenham idêntica atitude em relação à minha bancada, apesar de não estarmos de acordo quanto aos instrumentos de análise de forma a garantir emprego com segurança e com garantias sociais e, também, com vista a resolver o principal problema das economias modernas: o da aposta decisiva na indústria transformadora e nos serviços.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já esgotou os três minutos de que dispunha.

O Orador: - Sr. Presidente, com o devido desconto...
O problema que se é praticamente idêntico de, pela primeira vez, põe hoje aos países desenvolvidos em todo o lado e deve-se ao facto desde há muitos anos, ao aumento da competitividade industrial não estar a corresponder um aumento da criação de postos de trabalho mas, sim, uma estagnação da criação dos postos de trabalho e, em alguns casos, sobretudo nos países mais desenvolvidos, mesmo uma diminuição. Tal resulta das inovações tecnológicas dos tempos modernos, como o Sr. Deputado Carlos Carvalhas sabe. O problema entre a posição do PSD e a vossa resulta do facto de os senhores, sempre que há problemas numa empresa, concluírem que o País precisa de ser alterado nas suas estruturas produtivas! Todavia, não era possível fazer essa alteração sem dor! Ou seja, não era possível haver uma alteração qualitativa na competitividade das empresas sem que houvesse sectores obsoletos da nossa indústria, da nossa economia, do nosso comércio que tivessem de desaparecer para dar lugar a outros.
Ora, este nunca é um problema presente no discurso do Partido Comunista, como não é um problema presente no discurso do Partido Socialista! Pergunto: era possível ser de outra maneira? Cremos que não era. Era possível que isto acontecesse sem que houvesse desemprego? Também cremos que não.
Há destruição de emprego, é um facto, mas há criação de emprego por outro lado e VV. Ex.ªs nunca reconhecem esta outra parte da questão.
Gostaria, pois, que o Sr. Deputado Carlos Carvalhas me dissesse como pode um país, hoje, reconverter as suas estruturas - que, como referi, são arcaicas e obsoletas - para se tornar competitivo, porque não há outra hipótese no mercado internacional: a internacionalização das economias é cada vez maior, bem como a deslocalização dos sectores produtivos, e não é possível competir com isto!
Mas, por outro lado, não é possível competir, como os senhores defendem, com aumentos salariais que, muitas vezes, não têm uma proporção correcta com a criação da riqueza nacional.
Como o Sr. Deputado sabe, o problema que também hoje se põe, para garantir a competitividade das empresas internacionalmente, é o de saber qual é o nível a partir do qual se tem de fazer o equilíbrio entre os aumentos salariais, ou seja, entre o que fica do aumento da produtividade para o aumento salarial e o que fica para os investimentos nas empresas. Porque, se isto não acontecer, então, as empresas perdem capacidade competitiva no mercado internacional.
Sr. Deputado Carlos Carvalhas, creio que são estes os principais problemas de um país, como o nosso, que se está a transformar. E, em relação a esta matéria, não vejo alternativas do seu partido. O Partido Comunista diz sempre o que é fácil de dizer-é compreensível, está na oposição! Ou seja, sempre que há destruição de emprego numa empresa, sempre que uma empresa tem de se reconverter ou de ir à falência para que o sector se transforme, o Partido Comunista o que faz é, pura e simplesmente, ir com uma reivindicação, perorar contra o Governo, sem uma alternativa para resolver o problema.
Esta, sim, parece-me ser a questão central. Gostava que V. Ex.ª, como economista distinto que é, pudesse dar com ela, fazendo até o exercício teórico de que se amanhã fosse Primeiro-Ministro...

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Mas é a oposição que tem de resolver os problemas? Pensava que era o Governo!...

O Orador: - O Sr. Deputado Raúl Rêgo também pode vir a ser Primeiro-Ministro!

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe para concluir.

O Orador: - Portanto, como dizia, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, faça esse exercício teórico, faça como o Sr. Deputado António Guterres: diz que vai ser Primeiro-Ministro. Penso que V. Ex.ª também pode vir a ser...
Repito: faça o exercício político de que era Primeiro-Ministro e diga como é que encontrava uma solução para este problema.

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22 DE OUTUBRO DE 1993 33

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, agradeço-lhe a pergunta e sublinho o facto de ter afirmado aqui, nesta Câmara, que a nossa postura foi uma postura de seriedade, independentemente das divergências.
Como questão central, o Sr. Deputado perguntou qual era o aspecto mais importante no plano económico para o nosso país, derivando depois para a competitividade e para a forma de resolução dos problemas. Ora, a nossa divergência começa logo aqui: o Governo começou por colocar como tema central os índices de convergência de Maastricht - défice do orçamento, dívida pública e inflação -, deixando de lado a actividade produtiva, que foi penalizada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se quiser dou-lhe um exemplo consubstanciado no Orçamento do Estado, aprovado no ano passado: os senhores fixaram, por exemplo, cerca de 120 milhões de contos de benefícios fiscais para as actividades puramente financeiras. Naturalmente, são 120 milhões de contos que faltam depois à actividade produtiva.
Por outro lado, adoptaram uma política cambial que penalizou a actividade exportadora - isto é hoje reconhecido por todos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Seguiram uma política que elevou e continua a elevar as taxas de juro reais, penalizando, mais uma vez, a actividade produtiva; abriram as fronteiras e, como resultado- basta ir ao supermercado e ver o que lá se encontra de português -, assistimos à substituição da produção nacional pela estrangeira. E, naturalmente, se tal se verifica, haverá liquidação de empresas e desemprego, bem como todas as consequências conhecidas.
Esta tem sido a política - errada, do nosso ponto de vista - do Governo. Assim vejamos: de há sete anos para cá, o que é que os senhores andam a dizer repetidamente? Que é preciso encontrar «nichos» de mercado, reconverter e, por último - é a única novidade -, é preciso encontrar alternativas de mercado. Ora, há sete anos já afirmávamos ser necessário «desconjunturalizar» e diversificar as nossas relações económicas externas, mas os senhores afunilaram-nas!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à produtividade, Sr. Deputado Duarte Lima, não vamos confundir aquilo que se chama produtividade aparente do trabalho nem passar os custos das crises, das dificuldades ou a repercussão da crise externa - que também reconhecemos que existe - apenas para cima dos trabalhadores.
De facto, a produtividade global do País, bem como de uma empresa, não depende apenas dos custos do trabalho! Temos já salários muitíssimos baixos e não é por aí que se obtém a produtividade: é através de uma política macro-económica, que dê competitividade às empresas e lhes permita ter os mesmos custos de factores de produção das suas congéneres estrangeiras; é através de uma política energética cambial, monetária e fiscal diferente daquela que tem sido prosseguida.
Pergunto: se um agricultor português ou uma empresa agro-industrial quiser competir com uma outra espanhola, tem condições para o fazer? Tem o preço da energia, o preço do gasóleo, o preço do dinheiro mais elevados. Não é o preço dos trabalhadores! Esse é mais barato, muitíssimo mais barato, e os senhores querem que ele seja ainda mais barato para aumentar a competitividade! A isso chama-se intensificar a exploração.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E quanto a esta solução estamos completamente em desacordo.
O Sr. Deputado sabe qual é o resultado desta política no plano social? Os senhores dizem que também são muito sensíveis ao problema do desemprego dos portugueses... Ora, é aqui que está o problema!
Já consultou, por exemplo, qual tem sido a distribuição e evolução do rendimento nacional, Sr. Ministro-Adjunto? Estamos ao nível de 1986! A distribuição do rendimento nacional, em relação ao factor trabalho, é de 44,5 %, ou seja, repito, ao nível de 1986. No entanto, os senhores entendem que ainda deve ser diminuído, para promover o emprego. Sabemos o que tem acontecido em Portugal.
O Sr. Ministro-Adjunto sabe quantos postos de trabalho a vossa política tem suprimido por mês no último ano? 10 000 por mês!
Sr. Ministro-Adjunto, Sr. Deputado Duarte Lima, quero dizer-lhe o seguinte: também temos e continuamos a ter uma grande confiança nos portugueses, nas portuguesas, na sua capacidade de realização, mas não temos qualquer confiança na política do Governo.

Aplausos do PCP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Manuel dos Santos, informo a Câmara de que se encontram a assistir à sessão dois Deputados da Assembleia Nacional da Hungria para os quais peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, começaria por uma constatação: o rigor do Sr. Ministro Adjunto a gerir o tempo é quase tão perfeito quanto o rigor do Governo a gerir o Orçamento do Estado para 1993!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, desejo saudá-lo sinceramente, não para mandar qualquer farpa negativa para as restantes bancadas mas por ter trazido à discussão esta temática, que é seguramente a que marcará o ano legislativo de 1994.
Realmente, a profunda crise económica e social em que o País está mergulhado não deixará, seguramente, de ter consequências sobre a forma como vão decorrer os debates parlamentares do próximo ano. Por isso, pois, as minhas saudações, as saudações muito sinceras do meu grupo parlamentar.

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34 I SÉRIE - NÚMERO 2

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, o Sr. Ministro Marques Mendes trouxe-nos - e julgo que essa questão também foi abordada pelo líder parlamentar do PSD-o argumento habitual. Aliás, curiosamente, o líder parlamentar do PSD disse que nós, socialistas, quando analisamos as questões do emprego, fazemo-lo numa perspectiva meramente quantitativa, sendo certo que o Sr. Ministro Marques Mendes, ele sim, e o Sr. Deputado Duarte Lima é que o fizeram nessa estrita perspectiva.
Mas o argumento, que é conhecido, está divulgado, está suficientemente «metido na cabeça» dos portugueses, à custa de tanto ser repetido é este: Portugal tem uma taxa de desemprego, segundo o Governo, de 5,5 % -...

Vozes do PSD: - São do INE!

O Orador: - ... segundo as nossas contas, é de 7,5 % -; a Espanha tem uma taxa de desemprego de 22 %. Logo, nós vivemos num paraíso e a Espanha vive num inferno.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, se sabe quantos milhares de portugueses vão trabalhar de Portugal para Espanha e quantos milhares de espanhóis vêm trabalhar de Espanha para Portugal...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e, sobretudo, se tem conhecimento do que disse o Sr. Primeiro-Ministro de Espanha, então candidato ao lugar, numa das poucas intervenções que fez durante a campanha eleitoral, pessoa tantas vezes citada pelo Sr. Primeiro-Ministro, na medida em que Felipe Gonzalez é, de algum modo, o alter ego do Sr. Primeiro-Ministro.
Ele anunciou exactamente esta problemática da seguinte maneira: estamos perante uma situação difícil de emprego em Espanha, mas temos salários elevados, temos uma protecção social adequada. Felizmente, não estamos numa situação como a portuguesa, onde, embora os números estatísticos sejam bastante inferiores aos nossos, se vive uma situação de desprotecção social evidente e, sobretudo, uma situação de salários também muito baixa.
Peco-lhe que faça um comentário a este facto.
Em segundo lugar, admitindo mesmo que a taxa de desemprego em Portugal ronde estaticamente, porque tanto o emprego como o desemprego são fenómenos obviamente dinâmicos, os 5, 6 ou 7 %, tem V. Ex.ª consciência de que esses milhares de pessoas que constituem os 5, 6 ou 7 % dificilmente retornarão ao mercado de trabalho, porque não têm idade, não têm sexo...

Risos do PSD.

... dada a discriminação que se faz, infelizmente, em prejuízo das mulheres? Ò que quero dizer é que não têm sexo em termos da norma de população activa, porque, infelizmente, essa discriminação faz-se em relação às mulheres que não têm, sobretudo, formação profissional que lhes permita retornar ao mercado de trabalho.
O que sucede é que, enquanto a nossa taxa de desemprego de 7 % corresponde a desempregados para sempre, a taxa de desemprego de 20 % em Espanha ou de 10 ou 15 % em França corresponde a desempregados dinâmicos que estão fora do mercado de emprego, mas que podem voltar a ele e, de novo, voltar a sair.
Em terceiro lugar, não acha V. Ex.ª que a competitividade, que tantas vezes é referida pelo Governo e pelo partido que o suporta, não é mais do que um processo de autêntico darwinismo social, na medida em que a reestruturação se faz à custa das empresas mais desprotegidas, sobretudo à custa dos trabalhadores, através da política monetária e da política de rendimento e preços que tenta ser implementada?
Por último, não acha V. Ex.ª que a insistência do PCP no ataque ao Tratado de Maastricht e na exclusividade da defesa da necessidade de mudar rapidamente os critérios de convergência nominal constituem dois factores de desculpabilização do Governo e que, portanto, o PCP devia enquadrar, no seu discurso político, de uma forma diferente essas duas questões, que têm obviamente validade, do vosso ponto de vista, e também em relação aos critérios, do nosso ponto de vista?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Um comentário final, Sr. Deputado Carlos Carvalhas: depois de ouvir o Sr. Ministro Marques Mendes não sentiu alguma preocupação e tristeza pelo facto de o Sr. Ministro ter transformado uma legitíma, correcta e justa interpelação política do PCP sobre matéria económica e social numa verdadeira resposta ao Partido Socialista, ignorando praticamente o seu discurso e aquilo que era o objectivo da sua interpelação?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, compreenderá que não comece com um elogio, como fizeram os colegas dos Partidos Social Democrata e Socialista.
Em primeiro lugar, porque não tenciono fazer qualquer autocrítica nem tenho quaisquer razões para isso, como pareceu fazer o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aquilo foi uma pergunta de incómodo por, eventualmente, se terem deixado ultrapassar por VV. Ex.ªs neste marcado ano parlamentar!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Considero que V. Ex.ª vem tarde e vem cedo. Vem cedo, porque estamos em vias de discutir o Orçamento do Estado, altura em que, porventura, terá cabimento completo discutir os temas que aqui vem hoje abordar. Vem tarde, por aquilo que vou dizer em relação ao PSD.
Também não faço o elogio do PSD, porque, a princípio, julguei que tinha apenas efeitos laterais em relação ao Partido Socialista, mas depois reparei que, afinal, não tem.
V. Ex.ª - e, por isso, vem tarde - podia ter feito uma interpelação de outro tipo. Podia ter subido à tribuna e, em vez de criticar duramente o Governo, congratular-se com ele e dizer: finalmente, VV. Ex.ª ouviram o Partido Comunista Português, finalmente, abandonaram os critérios de Maastricht, o défice do Orçamento já não conta para vocês, não se sabe o que conta ou não na inflação, os problemas do emprego são vistos de uma maneira diferente, os benefícios que deram às actividades financeiras retiraram-nos de uma maneira traiçoeira, porque o fez com efei-

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tos retroactivos. Isto é, o PSD e o Governo ou, antes, o Governo - o PSD, faço-lhe justiça, não é assim! - está a seguir, em grande parte, as pisadas do PCP!
Portanto, o Sr. Deputado podia realmente ter vindo aqui fazer uma intervenção congratulatória, mas, pelo contrário, fez uma intervenção crítica que, a meu ver, tem um perigo, não por ser crítica, porque tem muitas razões nas críticas que fez, mas porque, na parte em que não é crítica, contrapõe ao PSD. O PSD tinha a política do oásis, V. Ex.ª tem a política da miragem. O deserto é o mesmo, infelizmente para nós, portugueses! A sua política é a da miragem, política que tem sido repetida ultimamente por alguns membros do seu partido que desempenham funções sindicais. É uma política perigosa, porque quer fazer crer aos trabalhadores portugueses que é possível vencer os problemas fundamentais que se põem hoje à economia portuguesa continuando, em matéria salarial, a aumentar salários, a acrescer benefícios sociais, a nada tirar mas a tudo dar, cada vez mais.
É claro que hoje o Sr. Deputado já não tem o discurso que tinha há uns anos atrás. Hoje, tem um discurso com alguns laivos de realismo. Por isso, V. Ex.ª disse que o Governo se esquecia de que os dois grandes problemas eram o da produtividade e o do desenvolvimento.
Sr. Deputado Carlos Carvalhas, como é que quer que se vença a batalha da produtividade e a do desenvolvimento numa economia que, infelizmente, não se reestruturou, que continua a assentar em largos estratos de mão-de-obra intensiva, numa economia que tem, apesar de tudo, de continuar a competir e a vender para o exterior?
Como é que V. Ex.ª quer, numa economia que ainda é de mão-de-obra intensiva, competir no exterior fazendo uma política de salários altos e de altos benefícios?

Vozes do PCP: - Salários altos?...

O Orador: - Ó Srs. Deputados, faço-vos justiça de não defenderem uma política de salários baixos, senão, então, não sei o que viriam aqui fazer!... Com certeza que defendem uma política de salários altos!...
Estamos todos a entender o que quero dizer. Estou a falar numa política de acréscimos salariais que, como VV. Ex.ªs dizem, compense a inflação e consagre, em favor dos trabalhadores, miríficos ganhos de produtividade, que, afinal de contas, o Sr. Deputado reconheceu, no seu discurso, que só existem em certos tipos de medida, mas que na realidade assim não é porque V. Ex.ª disse que era preciso melhorar a produtividade do trabalho português. Pergunto: como é que esse milagre se consegue? Se a estrutura produtiva nacional fosse uma estrutura de capital intensivo, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas podia fazer esse discurso, mas com uma estrutura de trabalho intensivo, que não se reformulou e que não se reestruturou, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, na vizinha Espanha e por isso há desemprego, V. Ex.ª não o pode fazer.
Esse seu discurso será, pois, um discurso de miragem e, como tal, não beneficiará os trabalhadores, só os prejudicará.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, em primeiro lugar, quero dizer que, contrariamente ao que os jornais dizem do Partido Socialista, nós não desvalorizamos a iniciativa do Partido Comunista Português, porque consideramo-la uma iniciativa parlamentar e, como tal, merece-nos todo o respeito.
Porém, compreendemos a razão por que o PS a desvaloriza. Por uma de duas razões, e eles podem escolher qual: ou porque concordam com as soluções políticas implícitas nas afirmações do PCP ou porque não têm nenhuma política a apresentar em alternativa e, por isso, também não têm nada a dizer.

Vozes do PSD: - Exactamente!

O Orador: - É por isso que a desvalorizam e começam este ano parlamentar com tão fraca prestação nesta matéria, adiando as pressupostas prestações futuras para outro momento. Aliás, o líder parlamentar do PS, que sempre se afirmou parlamentarista e contra o Governo quando estava no Parlamento, desde o momento em que é Secretário-Geral considera pouco útil vir aqui aos grandes debates parlamentares - e faz-nos muita falta - apresentar todas as soluções possíveis e imaginárias.
Por outro lado, o PCP deita-nos um anzol - o da mera discussão económica- e o PS já o «mordeu»! Mas não é por acaso que esse anzol é deitado, porque o PCP não pode falar de política nem sequer de política económica, por várias razões: primeiro, porque o PCP não pode, nunca, assumir as suas responsabilidades na actual crise económica no seu duplo significado, no da crise internacional... Toda a gente reconhece que há uma crise importante na Europa e há motivos para ela, o primeiro dos quais é a queda do bloco socialista. A queda do bloco socialista, a destruição maciça de recursos, de elites políticas e humanas, a destruição do meio ambiente nos países de Leste é um dos factores próximos da actual crise económica na Europa, de que nós também pagamos o custo. Como o PCP, de 1921 até 1991, apoiou, sem qualquer vislumbre de dúvida, a política soviética, não pode, evidentemente, estar muito à vontade para falar sobre as causas da crise económica na Europa, porque tem, sobre essa matéria, uma responsabilidade, que nunca assumiu.
O segundo aspecto é a sua própria responsabilidade em relação às dificuldades da actual economia portuguesa. O PCP não pode formular uma política em geral, porque não pode explicitar a sua verdadeira política em relação àquilo que chama a democracia portuguesa, em grande parte porque ele tem de ser omisso não só quanto aos mecanismos do poder político que implicavam a sua política económica mas também em relação às soluções que, no passado, defendeu e que, substancialmente, continua a defender. Ou seja, o PCP não pode chegar aqui e falar de nacionalizações, de controlo operário, de reforma agrária, que são, no plano político, as soluções para grande parte das críticas que faz ao Governo. E como não pode ter explicitamente esta linguagem, porque ela, hoje, não é conveniente no plano político, limita-se a exercer uma mera função tribunícia. Isto é, chega à bancada e limita-se a fazer queixas. Não é por acaso que, sob esse ponto de vista, se encontra com o Partido Socialista, o qual também, cada vez mais, se aproxima de uma mera política tribunícia, diferentemente do PCP, não porque possa dizer qual é a política geral mas porque, substantivamente, também não tem nenhuma.
Sr. Deputado Carlos Carvalhas, coloco as seguintes questões: no plano das soluções políticas que propõe para o que chama a actual crise da economia portuguesa, que papel têm hoje as soluções político-económicas tradicionais do Partido Comunista Português? V. Ex.ª defende ou não uma política de nacionalizações na economia portuguesa? O Sr. Deputado e o PCP defendem ou não o retorno à reforma agrária? V. Ex.ª defende ou não o retorno a mecanismos de controlo operário nas fábricas?

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Coloco-lhe estas questões para não falarmos apenas de economia, iludindo as questões políticas que lhe estão subjacentes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Paia responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel dos Santos, começo por agradecer as saudações que me formulou, em seu nome e no da sua bancada.
Em relação às taxas de desemprego, estou, naturalmente, de acordo com o que afirmou. Aliás, o Sr. Ministro Adjunto citou, inclusivamente, um dado relativo ao Alentejo de onde consta que diminuiu o desemprego, o que não é verdade. O meu camarada Lino de Carvalho terá ocasião de lhe demonstrar, com dados oficiais, do próprio Governo, que o Sr. Ministro Adjunto está errado. E se está errado quanto a estes números!, também o está quanto a muitos outros relativos ao resto do País.
Quanto à questão sobre Espanha, não compartilho da sua opinião. Creio que muitos aspectos, tem sido a política do Governo espanhol, em uma política neoliberal, tal como foi a do Partido Socialista francês, o qual, aliás, perdeu as eleições, não por ser socialista mas por sê-lo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Creio que, nesta questão, deve também ficar avisado.
Em relação a Maastricht, não atribuímos a exclusividade da crise a Maastricht. Falámos também nas privatizações, assunto que os senhores geralmente ofuscam e escondem, e noutras questões nas quais já poderá haver uma convergência em relação às taxas de juro, à política monetária e à política fiscal. Não atribuímos a exclusividade aos critérios de Maastricht, mas não podemos deixar de salientar que o Governo seguiu um tratado que foi aprovado, entusiasticamente, sendo por vezes «mais papista que o Papa», pelo Partido Socialista. Esta é uma realidade inegável! Repito, «quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, sabemos que V. Ex.ª é um velho amigo dos trabalhadores portugueses!...

Risos do PCP.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Pode dizê-lo!

O Orador: - Mas Nogueira de Brito terá que é um defensor de em relação a Maastricht, o Sr. Dr. de ter alguma atenção, porque creio Maastricht e da convergência nominal e penso que o secretário-geral do seu partido não o é. Mas isso são diferendos, que, certamente, resolverão em sede partidária.
Agora, dizer-me que os critérios de Maastricht levam à convergência real das economias, Sr. Deputado Nogueira de Brito,...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Eu?

O Orador: - Claro que o afirmou claramente e com todas as letras.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Eu?

O Orador: - É o que ficou, porque quando disse que o Governo, agora, está a aumentar o défice... Qual foi a política seguida até agora? Não foi a da convergência nominal? Não foi a de Maastricht? E quais foram os resultados? Foram os que se conhecem!
Sr. Deputado, com o nível de salários que temos, é através da diminuição dos salários reais e do aumento dos despedimentos, do aumento da idade de reforma de 62 para 65 anos, da diminuição do cálculo das reformas, que se dá resposta à reestruturação das empresas?
V. Ex.ª perfilha a tese, defendida pelo Ministro do Emprego e da Segurança Social, da comparação dos salários portugueses com os de Marrocos? Defende a regressão? Defende a liquidação de direitos e conquistas, que custaram aos trabalhadores dezenas e dezenas de anos a adquirir, para se obter uma competitividade? Se fôssemos por essa solução, regressávamos à Idade Média.
Tínhamos de ser competitivos e, portanto, tínhamos de perder, através dos custos salariais, das regalias, direitos e poder de compra até chegarmos a uma competitividade.
A competitividade, como sabe, não passa só por aí e, no caso português, não passa mesmo por aí, tanto para as empresas com uma elevada composição orgânica de capital - utilizando a sua expressão, «trabalho intensivo ou capital intensivo» - como para as empresas de capital intensivo. E igual! Porque repare que, em relação às indústrias de calçado e têxtil, o problema não está no facto de estas empresas serem tradicionais mas, sim, em introduzirem tecnologias modernas e terem um padrão de exportação médio ou superior, tendo havido depois uma política de comercialização.
O Sr. Deputado Pacheco Pereira colocou algumas questões com interesse e outras sem ele. Disse que lhe estendi a política do anzol, mas creio que nem eu sou pescador nem o Sr. Deputado é peixe ou tubarão!

Risos do PCP.

Muito resumidamente, digo-lhe o seguinte: não se trata de uma atitude tribunícia. Defendemos um sector empresarial do Estado forte e dinâmico em que as empresas básicas estratégicas se devem manter nacionalizadas, mas não um sector nacionalizado para os senhores o utilizarem, como o fizeram, para os défices, para colocarem nas empresas os afilhados, os sobrinhos, etc., para a tal política de nepotismo, que é uma realidade, e para, agora, as privatizarem, recusando os inquéritos parlamentares que vos sugerimos, com toda a opacidade e sem nenhuma transparência.
Quanto ao tratado de Maastricht e à convergência nominal, estou totalmente em desacordo com essa política. E de tal maneira que o Governo, como sabe, está agora a fazer algumas inflexões, tardias, porque a economia não é carregar no botão e obter os resultados. Há aquilo a que se chama o tag para dar as respostas. Por isso, pensamos, e continuamos a pensar, que, no próximo ano, vamos continuar a ter problemas graves na nossa economia.
Desde já lhe digo que o Sr. Ministro das Finanças apresentou aqui o Orçamento e prevê, para o ano de 1993, uma taxa de crescimento entre O e 1.5 %. Não é assim, Sr. Deputado Rui Carp?

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sim.

O Orador: - Pois, então, pode escrever que ficará entre O e 1%.

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O Sr. Rui Carp (PSD): - Longe vá o agoiro!

O Orador: - Daqui por uns dias, veremos. Faltam só dois meses!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado e Secretário-Geral do Partido Comunista Português Carlos Carvalhas, ouvimo-lo com muita atenção, até porque é meu colega de profissão e, portanto, tem também especiais responsabilidades nessa matéria económica.
Começo por dizer que achei muito interessante a conjugação de Marx, Lenine e Milton Friedman que V. Ex.ª apresentou no seu discurso, porque quando apresenta, como proposta imediata de actuação, a criação do rendimento mínimo de substituição, V. Ex.ª bem sabe que isso apareceu na teoria de alguns economistas que seguem a escola monetarista de Friedman com o nome de imposto negativo de rendimento. E sabe-se que isso dá - ou daria, se fosse aplicado - origem a graves distorções sociais, porque equivaleria também a uma redução de todos os subsídios aos bens e produtos sociais. Portanto, é um metting pot muito estranho, vindo da sua parte.
Mas o Sr. Deputado falou no problema do desemprego, o que, naturalmente, já esperávamos. Gostava que me respondesse, muito concretamente, a estas perguntas: por que é que é precisamente nos distritos onde é mais forte a influência de sindicatos conotados com o PCP que o desemprego tem tido crises mais graves? Por que razão é exactamente nesses sectores? Como quereria resolver o problema do desemprego sem confiança, porque sem confiança não há investimento? Como é que, então, sugere o aumento do investimento nesses mesmos distritos? Com as atitudes de sindicatos, que colocam posições de aumentos da matéria salarial a um nível incomportável com a capacidade dessas empresas?
Sr. Deputado, gostaria que me comentasse esta ideia: em 1983 e 1984 - e não me estou a referir a anos do famigerado PREC mas, sim, a anos em que a responsabilidade governativa era maioritariamente do Partido Socialista -, os aumentos salariais nominais andaram pelos 19, 20 %. Portanto, aumentos pelos quais VV. Ex.ªs pugnam, não direi que agora falem em 19 % mas falam em 10 %, enfim, aumentos nominais elevadíssimos. Sabe qual foi, nesses anos, o aumento real dos salários médios? Em 1983, foi de -7.2 %; em 1984, foi de -8 % e, no sector privado, atingiu praticamente o aumento negativo de 10%. Portanto,-7.1 % em 1983, -10 % em 1984. É essa a política que VV. Ex.ªs defendem, de graves reduções dos salários reais?
São aspectos extremamente importantes que gostaríamos de ver abordados.
Sabem qual foi o aumento de salários em atraso em 1983 e 1984 com essas mesmas políticas? Foi de 40 000 trabalhadores/ano e chegou mesmo a ultrapassar, entre 1983 e 1985, os 100 000 trabalhadores. É isso que VV. Ex.ªs defendem? Defendem que os salários reais caiam abruptamente e que aumentem os salários em atraso?
VV. Ex.ªs dizem que essa situação se verifica em 1993. É verdade que há, efectivamente, um aumento do desemprego em 1993, mas, apesar de tudo, é dos mais baixos da Europa. Mesmo os salários em atraso, onde se verifica a sua existência, volto a repetir, é nas zonas com maior influência de sindicatos conotados com o Partido Comunista.
Quero, finalmente, comentar uma afirmação que V. Ex.ª fez há dias, uma afirmação curiosa, na perspectiva da física: disse que existe como que uma bola de neve a rolar para trás. Sinceramente, não sei o que é isso de «uma bola de neve a rolar para trás», mas sou capaz de ver alguma ligação com as vossas teorias. É que a vossa teoria, em matéria de emprego e de economia, é como se fosse uma espécie de boneco de neve, que tem, no fundo, a consistência que bem sabemos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida.

O Sr. Castro Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, em primeiro lugar, queria dizer-lhe, com muita sinceridade, que acredito nas genuínas preocupações sociais do PCP e de V. Ex.ª, pois se alguma mensagem profunda o seu partido fez passar, ao longo dos anos, foi a de que tem preocupações sociais sérias. Isto não tem nada a ver com o rigor ou com a bondade das soluções que preconizam, porque quanto a isso, V. Ex.ª sabe bem, estamos completamento em desacordo.
O PCP tem a ilusão de pensar que, quanto pior for a situação dos portugueses, mais fácil lhe será provar o erro desta política e, portanto, afirmar o mérito do comunismo. E nesse sentido, adensa, avoluma e carrega de cores negras tudo o que se possa considerar como dificuldades sentidas pelos portugueses. Ora, os números que ouvimos o PCP referir, a propósito do desemprego e dos salários em atraso, não têm nada a ver com a realidade.
Não percebemos, de facto, que outro interesse teria o PCP em divulgar números que não são correctos, que não fosse o de adensar e empolar a ideia da crise, na perspectiva de afirmar o erro desta política e de valorizar a sua própria política.
Mas não vamos, aqui, discutir números, não é isso que nos interessa! O que, neste momento, importa é resolver os problemas dos desempregados. E, a este propósito, posso dizer que quando havia em Portugal apenas 180 000 desempregados e uma taxa de desemprego de 4 % já nos preocupávamos com os desempregados e tínhamos políticas activas de emprego, enquanto a oposição nem falava de desemprego. Para nós, não são só os números e as percentagens que contam, pois desde que existem desempregados - e eles já existiam há dois anos - sempre nos preocupámos com as políticas activas de emprego e não com as parangonas que aparecem na imprensa.
Sr. Deputado Carlos Carvalhas, tenho a noção das diferenças abissais que nos distinguem e das soluções para os problemas, que nos interessa discutir aqui. Creio que este debate pode ser muito sério, mas não será útil se não falarmos de propostas para o futuro e, de facto, gostaríamos de conhecer que contributos úteis e sérios pode o PCP dar para a resolução do problema do desemprego em Portugal.
Com efeito, os nossos pontos de vista revelam diferenças abissais: apostámos na concertação social, o PCP acredita na luta de classes; somos a favor da livre iniciativa, o PCP mantém-se a favor da colectivização; somos a favor da integração europeia, o PCP reafirma permanentemente a sua posição antieuropeísta. Portanto, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, não temos qualquer ilusão em pensar que os senhores, com estes pressupostos e os objectivos que prosseguem, poderão dar qualquer contributo útil para a resolução dos problemas com que nos deparamos.

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Assim, creio que a única utilidade que este debate poderia ter seria a de conseguir que V. Ex.ª se despisse do objectivo de implantar o comunismo em Portugal e no mundo, o que, aliás, já foi completamento rejeitado pelo povo português. Faça um esforço, como técnico reputado que é, para se colocar do lado das opções adquiridas pelo povo português, que são claramente anticomunistas e anti-colectivistas; ponha-se do lado da política da livre iniciativa, da liberdade individual, do mercado e da Europa. Faça esse esforço, na qualidade [de economista reputado que é, e diga-nos, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, quais as soluções, os contributos e conselhos úteis que, neste quadro, poderia apresentar ao Governo.
A nossa posição é a de dar o maior enfoque à resolução dos problemas do emprego em Portugal, que tanto nos preocupam. Apostamos na política económica e social que tem em vista a competitividade das empresas para manter o emprego e salvar os salários; no Quadro Comunitário de Apoio, a nossa primeira prioridade vai para a defesa e valorização dos recursos humanos, tendo em vista salvar o emprego em Portugal. Damos, por isso, prioridade ao emprego e porque há gente incapacitada, diminuída, temos políticas específicas sectoriais para os deficientes, programas ocupacionais e diversas iniciativas, como decerto conhece. Esta é a nossa posição, é assim que provemos o emprego e procuramos defendê-lo.
Sr. Deputado Carlos Carvalhas, que outros conselhos nos poderia dar? Diga-nos! Mas, por favor, ponha-se do lado da livre iniciativa e não do lado do comunismo, porque, a ser assim, não tem qualquer contributo útil a dar e é uma postura que rejeitamos claramente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, quanto à primeira questão, rendimento mínimo de subsistência, ele é necessário num país onde, podemos dizer, quase 50 % dos empregados não têm qualquer subsídio, onde alastra a pobreza, a mendicidade e onde há muitas famílias, muitos trabalhadores e cidadãos que não têm qualquer rendimento.
Relativamente à segunda questão, o desemprego, a diferença e as assimetrias regionais, vou dar-lhe só um exemplo da razão disto, que nada tem a ver com sindicatos. É que no poder local, onde temos a maioria, os índices relativos ao investimento são maiores do que noutras zonas.
Vamos agora a um caso concreto: pegamos no Orçamento do Estado para 1994, que o Sr. Ministro das Finanças, do PSD, entregou na Assembleia. Sabe qual a verba destinada às obras ainda a realizar no Centro Cultural de Belém, no próximo ano? É de 3,7 milhões de contos! Sabe de quanto é o valor inscrito para a barragem do Alqueva? É de 1,3 milhões de contos!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto «à| montanha e à bola de neve», quem foi o grande tribunício que disse que estávamos a subir ao cimo da montanha? Foi o Sr. Primeiro-Ministro! Ultimamente, passou para timoneiro, mas desde que encalhou o barco lá no Algarve nem timoneiro nem montanha!...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação às muitas questões colocadas pelo Sr. Deputado Castro Almeida, limito-me a responder à que considero central: a iniciativa privada. Não somos contra a iniciativa privada, pois, na prática, quem tem sido contra a iniciativa privada e contra as pequenas e médias empresas têm sido os senhores. Já fez as contas de quantas empresas é que liquidaram, nestes últimos três anos, pelo rolo compressor da vossa política em relação às taxas de juro e à política cambial? Os senhores fazem uma política de centralização e de concentração de capitais, são os piores inimigos das pequenas e médias empresas. Isto é uma realidade!

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro Adjunto, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, a reacção de V. Ex.ª à intervenção de abertura deste debate tem, quanto a mim, três características fundamentais. Primeira, é uma reacção fora de tempo. Efectivamente, lendo com atenção algumas das frases que V. Ex.ª utilizou, na sua intervenção, como, por exemplo,«(...) a oposição assenta agora o seu raciocínio político neste pressuposto - só a degradação da situação económica e social do País, gerando descontentamento (...), permitirá criar as condições políticas para viabilizar a tentativa de obtenção de Poder» ou «alicerçada pela ideia do 'quanto pior melhor'» ou «um raciocínio perverso», etc., não podemos deixar de dizer que está deslocada no tempo, umas décadas. Faz até lembrar uma nota oficiosa do SNI!
Por outro lado, a sua intervenção também está deslocada no tempo, porque o que hoje se fez, com toda a dignidade, foi uma interpelação do PCP e o Sr. Ministro tentou responder de uma forma - que eu diria oportunista do ponto de vista político, porque os tempos não são os mesmos para os partidos interpelantes e para os não interpelantes - como se fosse uma interpelação do Partido Socialista. Vai ter tempo para responder ao PS, esteja descansado! Mas hoje essa sua atitude é completamente errada e incorrecta em termos éticos e parlamentares.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Segunda característica, a sua intervenção é um atentado à memória deste Parlamento e dos portugueses, visto que, de tanto falar em competitividade, esquece a política irresponsável, em matéria cambial, desenvolvida pelo seu Governo, que liquidou um conjunto de empresas e a competitividade no mercado português. «Chora lágrimas de crocodilo» sobre as taxas de juro, esquecendo que as altas taxas de juro, de que hoje tanto se queixam, são, em primeiro lugar, da responsabilidade das políticas que os senhores seguiram ao longo dos últimos anos e que agora - «depois de casa roubada, trancas à porta» - tentam fazê-las descer, sem conseguirem.
Por outro lado, esquecem-se de que são os principais responsáveis por um fenómeno muito grave que está a acontecer na sociedade portuguesa, que é o de toda a gente fugir a pagar as dívidas à Segurança Social, que, tristemente, o Sr. Primeiro-Ministro pareceu ainda incentivar, aquando da última entrevista dada na televisão.
Por tudo isto, a sua intervenção é um atentado à memória, pois esqueceu-se, inclusivamente, de que o PSD tem

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sempre, como se provou ao longo dos últimos anos, a política e o contrário dessa política, dependendo do calendário eleitoral e de estarmos, mais ou menos, próximos de eleições. De facto, quer em matéria de política cambial, política monetária, política de rendimentos e preços e, agora, de política orçamental, já disse uma coisa e exactamente o contrário, o que é uma autêntica vergonha para os senhores. Mas teremos ocasião de discutir este ponto a sério, aquando dos debates do Orçamento Suplementar para 1993 e do Orçamento do Estado para 1994.
Sr. Ministro, a sua intervenção - deixe-me dizer-lhe - é também um hino à mistificação, porque um Governo que teve a felicidade de poder dispor de 1,5 milhões de contos/dia e que continua a poder aumentar essas verbas comunitárias destinadas ao investimento, infra-estruturas, formação profissional e a outras melhorias a vários níveis não pode, como os senhores fazem aqui sistematicamente, queixar-se da Europa. Os senhores devem queixar-se de vós próprios, pois o principal responsável por esta crise gravíssima, de que tentam desresponsabilizar-se, é o Governo do PSD. Aliás, a última manobra que fizeram relativamente ao chamado pacto social é uma vergonha e uma tentativa de se desresponsabilizarem pelo que vem aí de grave em 1994, em matéria de desemprego, de que os senhores são os principais culpados, e não as confederações patronais ou os sindicatos. Os culpados são os senhores, a começar pelo Sr. Primeiro-Ministro!

Aplausos do PS.

Em suma, Sr. Ministro, um Governo que é fora de tempo, que coloca o esquecimento como estratégia e a mistificação como táctica não serve nem Portugal nem os portugueses!

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, muito obrigado pelas questões que me colocou.
Relativamente à qualificação da minha intervenção como deslocada no tempo, tendo citado duas passagens do meu texto, gostaria só de dizer-lhe, para que o seu raciocínio fique completo por forma a não tirar a conclusão que tirou, a qual, com toda a franqueza, julgo não ser feliz...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O texto?!

O Orador: - A conclusão, evidentemente!
Como dizia, teria de ler também umas páginas mais à frente, uma outra passagem onde tenho o cuidado de dizer que o julgamento político que os portugueses fazem, e farão sempre, é o julgamento do Governo e também o julgamento das oposições. Neste contexto, tenho o cuidado de dizer que não distingo nem o julgamento dos que são mais ou menos patriotas, mais ou menos portugueses, porque não tenho a visão maniqueísta de dividir os portugueses entre bons e maus, contrariamente ao que se insinua na sua questão.
Ora, como o julgamento é de condutas, de comportamentos, de procedimentos políticos, se o Partido Socialista tem legitimidade para tirar, relativamente a nós, a sua conclusão política, também temos a possibilidade e o direito de fazer o mesmo quanto ao Partido Socialista.
Sobre a afirmação que fez de que vamos ter tempo para responder a uma interpelação do Partido Socialista, é um argumento curiosíssimo. Aproveito, de resto, para agradecer a oportunidade de mo ter recordado, pois só vem confirmar o que tive ocasião de dizer, há pouco, da tribuna, ao tirar a conclusão política de que esta interpelação era, de alguma forma, mais um elemento do que considero existir, neste momento, na cena política portuguesa: alguma disputa, algum despique entre as bancadas dos dois partidos por algum protagonismo e maior liderança de esquerda na oposição relativamente ao Governo. A demonstração disto está em vários factos: um apresenta a proposta do rendimento social mínimo e o outro vem, a seguir, apresentá-la também com pequenas nuances ou diferenças; um apresenta uma interpelação e o outro, o Partido Socialista, vem logo, também a reboque, apresentar a sua interpelação. Provavelmente, ainda iremos ter vários outros elementos deste género. As eleições a tal obrigam e, por isso, vamos ter a oportunidade de responder à vossa interpelação, e com imenso gosto.

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Não percebeu o que eu disse!

O Orador: - Sr. Deputado, percebi muito bem e V. Ex.ª também.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Vão ter de responder!

O Orador:- Vamos ter de responder, mas na vossa interpelação e com imenso gosto.
Relativamente à acusação que nos faz no sentido de que governamos - enfim, com acusações contraditórias - ao sabor de calendários eleitorais, penso, com toda a franqueza, que o Partido Socialista é reincidente nesse tipo de acusação.
Faz hoje precisamente quatro anos, num debate de uma moção de censura, disse aqui exactamente o mesmo e também acrescentou - só tenho pena que o não tivesse feito desta vez, foi uma pequena nuance que estou a constatar - que, apesar de tudo isto ou por causa de tudo isto, iríamos pagar em próximas eleições por força deste tipo de actuação. Naturalmente, depois veremos, tal como no passado, se é o vosso ou o nosso julgamento que tem razão!
Quanto às verbas comunitárias, V. Ex.ª, Sr. Deputado, sabe tão bem ou, provavelmente, ainda melhor do que eu que o I Quadro Comunitário de Apoio foi, indiscutivelmente, um contributo importante para a modernização e desenvolvimento do País e que o II Quadro Comunitário de Apoio vai ser, certamente, também um contributo reforçadamente importante. O Sr. Deputado sabe que isso é um contributo, mas não é o elemento decisivo e determinante. De facto, é um contributo para a modernização, para o desenvolvimento e para a criação de riqueza - acrescenta. As estimativas que fazemos são no sentido de que o futuro Quadro Comunitário de Apoio pode acrescentar meio ponto percentual ao produto interno bruto durante os próximos anos. É, de facto, um contributo, mas não é um elemento decisivo.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - O diz Valente de Oliveira!

O Orador: - Sejamos sérios: os Srs. Deputados nunca tiveram a coragem de reconhecer que, como nós, outros Estados-membros receberam também verbas da Comunida-

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de, beneficiaram da mesma situação internacional, ora favorável ora desfavorável, e, apesar de tudo, não conseguiram, até ao momento, apresentar a performance que Portugal, felizmente, apresentou. Esta é uma realidade indiscutível que significa o quê? Que não chegam as verbas nem os apoios comunitários, não chega a solidariedade da Europa, é preciso haver internamente políticas correctas, um rumo correcto e não ter a tentação de ceder a todas as reivindicações do imediato.
Última questão, o pacto social e a nossa postura e posição relativamente a esse mesmo pacto. De facto, penso que é uma questão importantíssima. Só é pena que alguns dirigentes do seu partido - pode até nem ser o seu caso! - não tenham a mesma postura de seriedade relativamente a esta questão.
Há pouco, quando p seu colega de bancada. Sr. Deputado Manuel dos Santos, falou de Espanha e citou o exemplo do governo espanhol...

O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Ministro.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Olhe a gestão do tempo!

O Orador: - Sr. Deputado, quanto ao tempo, fique descansado porque se, há pouco, o geri mal, V. Ex.ª não foi melhor, a seguir, na pergunta que fez ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Manuel dos Santos(PS): - Mas eu não tenho um orçamento para gerir! Essa é que é a situação!

O Orador: - De modo que quem tem telhados de vidro era melhor não atirar a pedra!
Sr. Deputado Ferro Rodrigues, em Espanha - de facto, pegava na citação que o Sr. Deputado Manuel dos Santos fez - também o Governo tentou um pacto social, ou seja, compreendeu a importância deste instrumento. Mas há uma grande diferença, e isso os Srs. Deputados do Partido Socialista não dizem. O Sr. Deputado Manuel dos Santos já deve estar arrependidíssimo de ter falado no exemplo espanhol, mas só vou dar-lhe dois ou três exemplos das propostas feitas lá pelo Governo, comparativamente com as propostas que nós fizémos: o Governo propunha, relativamente aos salários, a perda de salários em termos reais de dois pontos em 1994/95 e de um ponto em 1996 mas, relativamente às pensões, propunha aumentar o número de anos para o cálculo das pensões e alargar o período mínimo de trabalho necessário paca receber a pensão e baixar o limite das pensões para efeitos de desconto de IRS e de segurança social. Aqui também já ouviu falar nisso, Sr. Deputado?
E, de facto, a diferença que há entre as duas situações.
Termino dizendo o seguinte: não faço, não fiz, nem farei qualquer tipo de acusação ou, sequer, de insinuação relativamente aos parceiros sociais, apesar das divergências naturais e legítimas que possam existir. Consideramos que actuaram com grande sentido de responsabilidade.
Agora, os senhores do Partido Socialista, que defendem a autonomia do movimento sindical, que andam sempre com o diálogo social na boca, que permanentemente falam em concertação social - apesar de, quando estiveram no poder, nunca a terem praticado -, é que têm a consciência pesada porque, quer queiram quer não, alguns de entre vós - podem, eventualmente, não estar hoje aqui - mancharam a vossa credibilidade fazendo pressões públicas, apelos públicos, inaceitáveis e inqualificáveis à não assinatura de um pacto social.
Isto é que não conseguem desmentir nem afirmar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas traçou um retrato rigoroso e irrefutável da dramática situação que atinge o tecido económico e social português.
Só um governo mais preocupado em defender a sua imagem desgastada e os cadeirões em que se senta do que com o estado do País poderia fazer um discurso de diversão como aquele que fez o Sr. Ministro.
É um governo sem razão - e tem consciência disso -, sem competência- e já o assumiu -, distante dos governados, um governo desumanizado, um governo a curto prazo.
O Governo desculpa-se com o que se passa lá fora. Mas a crise exterior impõe-lhe mais responsabilidades com o que se passa cá dentro, ao contrário do que pretende. Lá fora, o Governo, aliás, alinha com os sectores mais retrógrados, que defendem a destruição da legislação laboral, os ataques à protecção social, a lógica do lucro na saúde, que aliam a flexibilização do trabalho à contenção dos salários e que, de uma penada, querem destruir o emprego e reduzir o nível de vida dos trabalhadores.
O Governo insiste no liberalismo mais anacrónico que o próprio Clinton foi obrigado a rever. A legislação laboral revista pelo PSD, sobre o lema de criar mais emprego, serve, como denunciámos na altura, para destruir o emprego.
Neste país, actualmente, não se investe e não há política de desenvolvimento. Todas as pseudo-soluções estão apontadas contra os trabalhadores. É falso o dilema entre garantir o emprego ou ter mais salário. O Governo propõe, de facto, menos emprego e menor salário. A crise instalou o clima de terrorismo social e aumenta brutalmente a exploração dos trabalhadores.
Sr. Ministro Adjunto, existe uma empresa, que é a Fórum Atlântico-das empresas com maior ascensão neste país -, que é uma empresa de despedimentos e de capital público, que promove os despedimentos da TAP e de outras empresas públicas. Essa empresa recebe centenas de contos por cada despedido e uma percentagem sobre aquilo que conseguir poupar nas indemnizações. Esta empresa baseia a sua lucratividade em acções de chantagem e de pressão. Portanto, violação creditada pelo Governo do direito ao trabalho para reduzir as indemnizações. Vive da criação da miséria, da desestabilização e destruição das famílias e, até, das pessoas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de concluir. Está a entrar no tempo destinado ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Orador: - Não estou, Sr. Presidente. O Sr. Presidente dá-me os dois minutos mais... Enfim, tem sido generoso para com todos!

O Sr. Presidente: - Até agora, ninguém excedeu o tempo. O Sr. Deputado é que está a fazê-lo.

O Orador: - Eu só quero 1/10 do tempo do Sr. Ministro, 1/5 do...

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo que o Sr. Ministro excedeu foi descontado no tempo global de que dispõe. Ninguém tem tempo negativos, contrariamente ao Sr. Deputado.
Faça favor de concluir.

O Orador: - A minha pergunta é a seguinte: que pensa o Sr. Ministro disto a que chamo de banditismo social e que é, aliás, avalizado pelo Governo, à luz, nomeadamente, do seu proclamado amor à dignidade humana e à solidariedade, como disse há pouco no seu discurso?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, gostaria de começar por fazer um protesto a uma passagem da sua intervenção.
O Governo tem todo o direito de discordar de nós, mas não aceitamos - e é essa a razão deste meu protesto, logo no início - que o Sr. Ministro, ou qualquer membro desta Câmara, vá à tribuna dizer que, ao partido interpelante, no caso concreto o PCP, sobra-lhes iniciativa, para usar a palavra exacta, onde lhes falta autoridade moral e política.
Isto não aceitamos, Sr. Ministro!

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por isto, eu protesto.

Quero crer e admitir que terá sido um momento de menos atenção, quando escreveu o seu discurso, e que reconhecerá que não pode utilizar, de novo, expressões deste género.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Partindo deste protesto, gostaria de referir-me à sua intervenção.
Sr. Ministro, sabemos que ao Governo custa o momento, a oportunidade e a natureza da intervenção que o Partido Comunista lhe faz. Sabemos que lhes custa muito que a nossa interpelação venha no momento em que a população portuguesa sente a crise económica, sente a crise social. Sabemos que custa muito ao Governo que venhamos colocar isso na ordem do dia, porque preferiam que a Assembleia continuasse calada, como tem estado até agora.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Custa-lhes responder às questões concretas que lhe são colocadas; custa-lhes, ao fim e ao cabo, falar sobre aquilo que se passa no País, sobre aquilo que são as realidades nacionais, que são aquelas que são sentidas pela população, pelas empresas portuguesas e, designadamente, pelos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O discurso do Sr. Ministro foge às questões fundamentais que são colocadas na interpelação. Procura o branqueamento das situações, o que não auxilia, aliás, como o meu camarada Carlos Carvalhas referiu, a busca de soluções, e procura a branqueamento das irresponsabilidades do Governo.
Sr. Ministro, de uma vez por todas, abra uma porta como parecia ter sido aberta ontem pelo Sr. Deputado Duarte Lima, quando dizia na sua intervenção: «Estamos disponíveis para reconhecer os nossos erros de análise».
Sr. Ministro, pelo menos uma vez, reconheça um errozinho, um só! Não atire todas as responsabilidades para a crise externa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, o seu discurso assentou, fundamentalmente, em sofismas porque procura branquear a situação e as suas responsabilidades. É um sofisma de que a crise, de facto, não existe, mas é criada pelas oposições. São as oposições que «vendem» a crise à população. Para os senhores, não existe crise. Aliás, para os senhores não há crise mas apenas algumas dificuldades de trajecto, transitórias, é apenas um problema de curto prazo. Isto passa! Não vale a pena falar nela para não a aprofundar!
Mas, ao fazer isto, o Governo está a minimizar os efeitos actuais da crise. Eu era capaz de referir os efeitos futuros, ou melhor, os efeitos desta crise, desta recessão para o futuro, ou seja, os efeitos estruturais, designadamente em termos de destruição do aparelho produtivo e de criação de desemprego estrutural por muitos e muitos anos.
Sr. Ministro, já não disponho de muito tempo porque o tempo é curto, mas não queria terminar sem antes dizer o seguinte: ter a preocupação do emprego quando é o próprio Governo a tomar a iniciativa dos despedimentos e quando é um Ministro deste Governo que vem publicamente propor às câmaras municipais que, se querem mais dinheiro, têm de despedir os seus trabalhadores; falar de solidariedade quando o Governo e o PSD apontam, propõem, sugerem, pedem, uma revisão constitucional para alterar o Estado Providência que está inscrito na Constituição, não pode ser sério, não pode manifestar, de facto, o pensamento e as razões profundas do Governo. Isto só pode ser o efeito claro e imediato do receio do juízo que os portugueses possam e estão a fazer sobre a vossa política e da falta de confiança que o Governo tem nela e na sua própria actividade.
Contrariamente àquilo que dizia o Sr. Primeiro-Ministro, há poucos dias, não é necessário amedrontar os Deputados do PSD nem o Governo, pois, Sr. Ministro, o Governo e o PSD estão amedrontados, não com aquilo que as oposições dizem nesta Câmara mas, sim, com aquilo que o País sente e pensa e com aquilo que, neste momento, o País vos poderá fazer em termos políticos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Tomé, apenas duas notas: a empresa que referiu não é, como sublinhou, de capitais públicos, não sei se disse maioritária se exclusivamente. Mas, em qualquer circunstância, devo dizer-lhe que não é uma coisa nem outra, trata-se de uma empresa cujo capital é distribuído da seguinte forma: 80 % é privado, detido por ex-trabalhadores da Quimigal, e apenas 20 % é público. Por isso há, de facto, uma situação completamente distinta: o dono desta empresa é o capital privado.
Sr. Deputado, quanto às demais considerações que fez, naturalmente que estamos em divergência, mas, apesar de

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tudo, cumprimento-o pela coerência que, ao longo dos tempos, tem manifestado. E, nos dias de hoje, a coerência é, de facto, um valor importante, e nem todos têm a mesma!

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Eu questionei o Sr. Ministro sobre os capitais dessa empresa, mas, sim, sobre o carácter de banditismo social que preside a ela!

O Orador: - Sr. Deputado, é uma empresa legalmente constituída, julgo eu, que o Estado não detém porque não é, sequer, maioritariamente do sector público. Portanto, não vou fazer comentários em relação à existência de uma empresa que funciona, naturalmente, sujeitando-se às regras normais do País.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, duas ou três considerações sobre as suas questões.
É evidente que a interpelação do Partido Comunista não nos custa, não nos perturba. Julgo que isso foi visível e que V. Ex.ª está enganado a esse respeito. Nós, de resto, valorizamos o mais possível o debate político, até somos acusados, muitas vezes, de estabelecermos muitas polémicas, muitas controvérsias.
Por isso fique absolutamente tranquilo, a interpelação do Partido Comunista é, para nós, mais uma excelente oportunidade de estabelecermos o debate, o confronto de opiniões, e isso é importante do ponto de vista da opinião pública. Se o Sr. Deputado julga que tem esse mérito, penso, sinceramente, que o não tem.
No que se refere ao «fugir às questões» e aos «sofismas» que disse encontrar na minha intervenção, devo dizer-lhe, com a máxima franqueza, que, naturalmente, podemos estar em divergência de opiniões sobre o diagnóstico das questões, 'muito mais na terapêutica, como é evidente, mas julgo que não é minimamente correcto e adequado dizer que a minha intervenção é um conjunto de sofismas ou que o Governo avalia esta questão na base de um conjunto de sofismas, como aqueles que referiu.
Sr. Deputado, não quero retribuir-lhe na mesma moeda, mas veja, por exemplo, àquilo que há pouco foi dito, no plano político, pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas - com todo o respeito pessoal que lhe tenho -, em resposta a um pedido de esclarecimento - e também na sua intervenção -: «veja-se o que está a acontecer, hoje em dia, com os produtos estrangeiros a invadir os nossos supermercados e a fazer concorrência aos nossos produtos».
Retive esta afirmação porque ela é que é um sofisma, uma mistificação, por não falarmos uma linguagem verdadeira, e explico-lhe, com todo o gosto, porquê. Compreendo que os senhores sejam contra a integração europeia, que estejam contra a Europa, que estejam contra Maastricht, mas há uma coisa que é indiscutível: Portugal é um membro de pleno direito da Comunidade. E tal como exportamos os nossos têxteis ou o nosso calçado para outros países da Comunidade, também esses outros países podem exportar para Portugal. Por isso, Sr. Deputado, esta é uma falsa questão.

O Sr. Carlos Coelho(PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nós, evidentemente, não analisamos as questões dessa maneira.
O desemprego e a inflação, os dois exemplos que referiu, para além da questão dos despedimentos das câmaras - e já lá irei! -, não são sofismas.
Eu disse, na minha intervenção, que estamos preocupados com o desemprego, mesmo tendo a mais baixa taxa da Europa comunitária, sensivelmente metade da média comunitária. Para nós, o desemprego não é uma mera questão estatística, nem tão-só económica, é também uma questão de realização pessoal e profissional do cidadão. Por isso, estamos, naturalmente, preocupados, mas não colocamos as questões exactamente na mesma base.
Até admito que o seu pensamento seja sincero, mas não pode, apesar de tudo, vir aqui dizer-se que a taxa de desemprego é de 7, 8 ou 10 %, como já ouvi, não hoje mas noutros momentos, a responsáveis do Partido Socialista.
Então, o Instituto Nacional de Estatística só tem credibilidade quando a taxa de desemprego é de 8, 9 ou 10 %...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e quando é de 4 ou 5 % perdeu credibilidade?
Os senhores sabem muito bem que o Instituto Nacional de Estatística é, em Portugal, o único instituto que, regendo-se pelas mesmas normas de todos os demais institutos da Comunidade Europeia, é credível e responsável no domínio do desemprego.
Embora não estejamos preocupados, não podemos deixar de colocar as coisas no seu devido lugar nem avalizar afirmações de que a taxa de desemprego é de 8, 9 ou 10 %, o que, felizmente, não acontece.
Termino com a questão dos despedimentos nas câmaras municipais. Sr. Deputado, V. Ex." sabe bem que o Ministro do Planeamento e da Administração do Território não disse isso que referiu. Se o título se refere a despedimentos, devo dizer-lhe que o Ministro nunca usou essa palavra - está lá no texto e convido-o o verificar -, o que ele disse foi que as câmaras municipais têm de começar a pensar, em termos de futuro, na racionalização da sua própria gestão, o que são coisas completamente diferentes.
Acresce ainda que a afirmação de que, se isso não acontecesse, não se transfeririam dinheiros para elas nunca foi feita. Nós, como é natural, não iremos invadir a área de soberania de um município ou de uma câmara municipal.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso não disse ele!

O Orador: - Para que esta questão não fique em dúvida, resolvi esclarecê-la de vez.
Uma última nota, Sr. Deputado. Achei muito interessante as referências de que estamos amedrontados, de que temos receio do julgamento da opinião pública e de que o nosso problema é o da falta de confiança.
Sr. Deputado, apenas um comentário: esta afirmação já foi retida n vezes no passado. Pelo menos, manifesto-lhe aqui o respeito pela coerência, mas quero dizer-lhe que até ao momento, ao longo destes oito anos, relativamente ao julgamento dos portugueses, quem tem tido razão temos sido nós e não os senhores nem o PS. Continuamos a achar que estamos no caminho certo, no caminho adequado, mas, de qualquer forma, também, ao contrário de alguns dirigentes da oposição, não vamos nem cantar vitórias antecipadas nem estar com a arrogância dos triunfalismos antes de tempo. Até aqui tivemos razão e julgo que, no futuro, a continuaremos a ter no julgamento eleitoral. Penso que a razão está do nosso lado e não do vosso, mas aguardamos, serenamente, o veredicto dos eleitores. No momento próprio, daqui a dois anos, ele aí virá!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

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O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, numa interpelação em que as questões sociais são um tema central, é evidente que a importante questão da saúde não podia deixar de ser tratada. Aliás, o Sr. Ministro deixou entender, no seu discurso, que o Governo era bem claro nos objectivos que tinha para a saúde. Por isso, V. Ex.ª dispõe, certamente, de informações claras sobre esta matéria.
O País - certamente que o Sr. Ministro não concorda, mas é a constatação de quem anda por dentro destes assuntos - assiste, de uma forma preocupada, ao grau de degradação em que, neste momento, a saúde vive.
A esse respeito, colocava-lhe duas questões simples: a primeira, diz respeito à situação dramática em que se encontra a maioria dos hospitais deste país, devido ao montante da dívida que, no seu total, ultrapassa milhões e milhões de contos.
Não me vai dizer que isto não corresponde à realidade, pois trata-se de uma verdade constatada, quando visitamos - e certamente o Sr. Ministro também o faz! - os hospitais públicos, hospitais do serviço nacional de saúde.
Esses milhões de contos de dívidas provocam sérias perturbações no funcionamento dos hospitais, pondo mesmo em risco o tratamento dos doentes. Aliás, ao longo destes anos, nunca se chegou a esta situação, em alguns casos, de verdadeira ruptura, e não de pré-ruptura.
No que se refere a esta matéria, quero referir alguns exemplos.
Os fornecedores recusam-se publicamente a fornecer material aos hospitais - e não é um material qualquer, é, por exemplo, material médico, material cirúrgico -, levando alguns hospitais a colocar-se na situação caricata de, por vezes, terem de pedir a hospitais vizinhos, quando eles têm esse material.
Os stocks, alguns deles medicamentosos e de material médico-cirúrgico, já não estão só na red-line, estão mesmo abaixo dela. E isto, repito, não é invenção da oposição.
A não renovação do material obsoleto e a falta de capacidade para fazer acções de manutenção a esse material têm levado alguns serviços de alguns hospitais a encerrar.
Por outro lado, existem dificuldades em obter material, designadamente pacemakers, próteses e material de laboratório.
Tudo isto coloca os hospitais públicos do serviço nacional de saúde numa situação que eu, no início, chamava de pré-ruptura. Esta perturbação, depois, tem como consequência imediata, além de outras, evidentemente, o prolongamento - e era a segunda questão que queria colocar - assustador das listas de espera nos hospitais, não só nas especialidades médicas mas também nas especialidades cirúrgicas.
Não sei se o Sr. Ministro tem conhecimento de que, por exemplo, as listas de espera em algumas especialidades cirúrgicas em alguns hospitais - e alguns até de grande dimensão- ultrapassam o ano e algumas são de tal forma grandes que os serviços se viram obrigados a, pura e simplesmente, encerrar, ou seja, não aceitam mais inscrições.
Sr. Ministro, dado que se trata de duas questões fundamentais, pelas quais, hoje em dia, se pode avaliar também a forma de funcionamento do serviço público de saúde, do serviço nacional de saúde...

O Sr. Presidente: - Peco-lhe que termine, Sr. Deputado. O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Dado que o Governo, por informação do Sr. Ministro, tem objectivos claros nesta matéria, gostava que, sobre ela, me fosse dada uma informação clara.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, em dois minutos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, V. Ex.ª atacou a oposição - está no seu direito - e elogiou a actividade governamental. Mas a verdade - e isso não pode negar - é que a situação social, política e económica que se vive no nosso país causa-nos uma grande apreensão. Há cada vez mais estratos da população portuguesa que vivem alarmados e a sua preocupação com o presente e com o futuro provoca profunda instabilidade familiar. As carências são enormes. E, ao contrário do que o Governo pretende fazer crer e o Sr. Ministro, nomeadamente, aqui acentuou, a culpa não pode nem deve ser assacada apenas à conjuntura internacional e à recessão europeia, como disse.
Ninguém duvida, Sr. Ministro-Adjunto, de que o sistema capitalista mundial está em crise e não encontra soluções válidas, mas isso não serve para justificar a situação a que se chegou em Portugal.
As causas estruturais são outras, Sr. Ministro-Adjunto. Os trabalhadores estão confrontados com problemas acrescidos, a qualidade de vida piorou fortemente, a actividade produtiva nacional atravessa uma crise profunda e os mais baixos salários da Europa mantêm-se em Portugal, onde os impostos são dos mais elevados, sem grandes contrapartidas positivas. Há uma enorme pressão sobre os trabalhadores e as famílias.
Ao mesmo tempo - o Sr. Ministro não pode negá-lo - existe um bloqueamento em sectores muito sensíveis da nossa sociedade, como acontece, por exemplo, na saúde, na habitação e no ensino. O quadro é alarmante e o Governo continua a enveredar por uma política-espectáculo com fins eminentemente eleitoralistas, mas a que a generalidade da população começa já a não dar crédito perante as duras realidades com que se vê confrontada.
Face ao que o Sr. Ministro aqui nos disse, devo dizer que propagandeou a actividade governamental, mas sem novidade. Os resultados estão à vista, porque realmente o Governo não apresenta medidas estruturais de fundo para relançar a nossa economia. Diz V. Ex.ª, a determinada altura: «... Daí uma política económica virada para a modernização estrutural do País.» Que política económica e que modernização estrutural?
É que os exemplos que a seguir dá são batidos, não são novos, com os resultados negativos que se registam visto até agora. E nem será com o Orçamento do Estado apresentado que poderemos ficar tranquilos. Pergunto de novo: quais as medidas estruturais de fundo para relançar a economia portuguesa, que até agora o Sr. Ministro-Adjunto não apontou, pois apenas expressou algumas meras intenções?
Quanto ao desemprego, o Sr. Ministro-Adjunto mostrou preocupação - é um facto - e considera prioritário o problema do emprego. Mas, sendo assim, como compatibiliza a preocupação e prioridade do Governo perante este problema, com o apoio, a aceitação e a promoção da onda de desemprego que todos os dias vemos a grassar pelo País, com a falência das empresas, como se fossem os trabalhadores os grandes responsáveis pelas questões que nelas se suscitam, com os erros políticos, erros de gestão e erros de previsão denunciados pelos sindicatos e trabalhadores?

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O que pensa o Governo fazer para combater essa onda crescente de desemprego em Portugal?

(O Orador reviu).

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, depois de o ouvir, percebi melhor por que é que o Governo fez constar que a sua intervenção teria um perfil a que chamou mais político, para com isso fugir ao debate dos números.
Com isso - a sua intervenção confirmou-o - o Governo quis efectivamente fugir ao debate do real, ao debate dos problemas concretos que afectam milhares de portugueses e que estão, embora parcialmente, expressos nas estatísticas. O Sr. Ministro usou, então, dois caminhos: ou ignorou esses dados e essa realidade ou, quando teve de os referir, referiu-os maí, manipulando as estatísticas.
Dou dois exemplos, para que tenha oportunidade de os rectificar.
O primeiro deles diz respeito ao facto de o Sr. Ministro ter referido que os salários reais dos trabalhadores da indústria se têm vindo a aproximar progressivamente dos salários médios ou mais altos da Comunidade. O que me diz, então, o Sr. Ministro sobre as estatísticas do EUROSTAT, o único elemento que pode expressar termos de comparação entre rendimentos de vários países, quando compara em paridades de poder de compra e poder de compra dos cidadãos desde que aderimos à Comunidade e dá como resultado que, enquanto Portugal teve um aumento na paridade do poder de compra de 13,4 %, o país mais próximo, a Bélgica, teve 16,7 %, a Grécia 22,7 % e a Espanha 26,2 %, para já não falar da Holanda ou da Alemanha, com respectivamente 26,5 % e 29 %. Ou seja, o que as estatísticas oficiais da Comunidade confirmam é que se tem vindo a agravar o fosso entre o poder de compra real dos portugueses e o dos cidadãos comunitários.
Passo ao segundo exemplo. Referiu o Sr. Ministro Adjunto que o desemprego agrícola no Alentejo, em virtude das medidas que havia implementado, tinha baixado, salvo erro, 10,5 %. O Sr. Ministro Adjunto, aliás, só confia, como disse há pouco, nas estatísticas do INE, pois afirmou que as do IEFP não são fiáveis. De qualquer modo, passo a ler-lhe textualmente o que está escrito num documento do Instituto do Emprego e Formação Profissional, com o título «Diagnóstico da situação do mercado do emprego no Alentejo». Diz o referido
documento - o Sr. Secretário de Estado, aqui presente, não o pode desmentir, já que provém da sua «casa» - que «nos últimos dois anos assistiu-se ao aumento quer do desemprego registado globalmente quer do desemprego agrícola», adiantando ainda o mesmo documento: «concretamente, passou-se de 12 323 desempregados em Agosto de 1992 para 15 228 em Agosto de 1993». Nos números que lhe deram ou quiseram dar o Sr. Ministro Adjunto confundiu entre profissões procuradas e desemprego efectivamente registado. São dois erros. Referi-me a um documento oficial do Instituto do Emprego e Formação Profissional, que demonstra que, quando o Sr. Ministro-Adjunto usou certas estatísticas, as usou mal para procurar distorcer a realidade, em relação à qual procurou fugir inflectindo o seu discurso para a tal opção de discurso político, que fez constar.
Por isso, gostaria de dar ao Sr. Ministro-Adjunto a oportunidade de rectificar as suas afirmações, porque um Governo que desconhece o real não tem com certeza políticas para alterar esse real e as condições dramáticas de vida que hoje se verificam na sociedade portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr." Deputada Maria Julieta Sampaio.

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, a análise política feita por V. Ex.ª sobre o sector social em matéria de igualdade de oportunidades e de exclusão deveria, naturalmente, merecer uma maior seriedade.
Senão vejamos: há cerca de um ano, esta Câmara discutiu aqui as Grandes Opções do Plano para 1993. Nesse documento garantia o Governo aos portugueses assegurar a coesão visível e o bem-estar de todos os portugueses. No entanto, ao longo de 1993 a sociedade portuguesa sofreu a maior vaga de exclusão de que há memória. O sistema educativo a ela não fugiu, infelizmente.
Não acha o Sr. Ministro Adjunto - gostaria que estivesse atento às considerações que irei fazer- que na educação as políticas sociais acentuaram as desigualdades nas periferias dos grandes centros e no interior?
Os apoios prometidos para atenuar estas grandes desigualdades não funcionaram ou foram lentos e ineficazes.
A reforma educativa, na vertente da igualdade social, falha, porque os investimentos nos aspectos essenciais à promoção da igualdade de oportunidades não existiram ou foram insuficientes.
A falta de diálogo entre os estabelecimentos de ensino origina transições difíceis dos alunos e consequentes marginalizações. Há crianças e jovens abandonados e rejeitados, porque os seus problemas circulam entre a segurança social e o Ministério da Educação sem qualquer resolução. Fenómenos de marginalidade, racismo e xenofobia estão na génese de muita da exclusão que hoje se vive na escola em Portugal.
A falta de recursos, o mau aproveitamento dos existentes e as desigualdades financeiras entre as escolas estão na origem do insucesso, do abandono escolar e da instabilidade dos docentes.
As crianças de risco em famílias degradadas - estamos constantemente a ver isso na nossa Televisão, Sr. Ministro Adjunto - continuam entregues à sua sorte, com a indiferença da segurança social, que geralmente só intervém depois de a comunicação social ter feito uma enorme campanha
Os prometidos apoios educativos aos mais necessitados ficaram-se apenas por promessas.
A criação de programas de inserção para jovens nas zonas de maior taxa de marginalização, com a devida articulação com as instituições de protecção a menores, ficou pela intenção.
Estas, Sr. Ministro Adjunto, são algumas das considerações que me cumpria fazer. Gostaria de o ouvir sobre elas, já que o seu discurso não dedicou uma única palavra ao sistema educativo e às consequências sociais da má aplicação da reforma no nosso país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, terei de responder de forma sintética, por apenas dis-

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por de três minutos para o efeito, às questões colocadas por quatro Srs. Deputados.
Relativamente à situação dos hospitais e sobretudo à questão das dívidas, explanada pelo Sr. Deputado João Rui de Almeida, gostaria de lhe deixar a si e aos seus colegas os seguintes dados, com o consequente esclarecimento: no período de sete anos, de 1985 até ao final do ano passado, o financiamento público aos hospitais, segundo dados do ano passado, quadruplicou, passando de 130 milhões de contos para cerca de 525 milhões de contos. Durante este período, o parque hospitalar ampliou-se em termos muito significativos. Durante o mesmo período, o sistema remuneratório dos médicos e outros profissionais de saúde foi, como bem sabe, substancialmente aumentado.
Posso dizer-lhe, todavia, que, não obstante essa ampliação ou expansão do investimento no domínio da saúde quer no plano do investimento quer no das despesas correntes e indispensáveis, o défice anual aumentou alguma coisa, mas quase não duplicou durante esse mesmo período. Apesar de todo esse investimento, o défice aumentou alguma coisa.
Perguntará então, como aliás perguntou: há ou não dívidas a hospitais? É evidente que há. Há factos - não os podemos negar - que todos conhecemos.

Vozes do PS: - Ora bem!

O Orador: - Fiquem os Srs. Deputados descansados. Não pensavam certamente que eu iria negar esse facto, pois não?
Acho que é um grande erro tentar subestimar a inteligência dos outros. Mas esse é um problema vosso!...
Há, de facto, dívidas a hospitais. Só que, em função de toda esta massa financeira circulante, temos para nós que essas dívidas, que, naturalmente, tentaremos sempre evitar e atenuar, têm em grande medida a ver não com problemas de défice de financiamento mas, sim, com problemas de tesouraria e funcionamento do próprio sistema. Tudo continuará a ser feito, obviamente, no sentido de atenuar a situação.

O Sr. José Paulo Casaca (PS): - Isso quer dizer o quê, Sr. Ministro?

O Orador: - Quanto à questão das medidas estruturais e de fundo suscitada pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, é evidente que nem teria tempo para as enumerar aqui nem sobretudo deixaria de ser repetitivo. Foram já referidas em vários momentos e várias ocasiões. Também eu tive ocasião de as referir, rapidamente, na minha intervenção de hoje.
Como é evidente, não se responde a uma questão desta natureza num minuto, mas o Sr. Deputado sabe muito bem quais são as orientações de fundo da política económica e social deste Governo. Não concorda é com elas, o que é questão diferente.
A esse respeito, quero apenas anotar a meia conclusão, muito interessante, que o Sr. Deputado tirou: a de que o sistema capitalista está em crise. Fico apenas na dúvida sobre se o sistema socialista está de boa saúde. O Sr. Deputado não tirou a conclusão toda.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho está muito enganado em relação ao alegado facto de eu querer fugir às questões concretas. Está muito enganado. A esse respeito, Sr. Deputado, não lhe darei essa oportunidade.
No que toca aos salários reais, começo a pensar, Sr. Deputado Lino de Carvalho, em que a preocupação há pouco manifestada pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira fica efectivamente muito acentuada. É que o Sr. Deputado, ao fazer afirmações como a de que durante estes anos o fosso entre os salários dos trabalhadores portugueses relativamente aos seus congéneres europeus se acentuou e agravou,...

O Sr. Lino de carvalho (PCP): - Entre o poder de compra!

O Orador: - ... corre o risco de, dizendo isso em público muitas vezes, perder a credibilidade total e completa.
Pedir-lhe-ia, Sr. Deputado, o favor de me deixar completar o meu raciocínio. Diz o Sr. Deputado que venho aqui fazer um discurso para tentar fugir às questões. Como não quero fugir às questões, mas esclarecê-las, tem de me dar essa oportunidade.

O Sr. José Paulo Casaca (PS): - As nossas estatísticas são mais correctas!

O Orador: - De facto, estatísticas são estatísticas, são factos. Podemos, depois, ter interpretações divergentes sobre eles, mas também tenho aqui esses dados.
De igual modo, sobre aqueles que citei na minha intervenção relativamente à subida real dos salários nos últimos quatro anos - e, no passado, também isso aconteceu -, devo dizer que não há quaisquer dúvidas. São públicos e posso dizer que o fosso que existia tem vindo a atenuar-se, nuns anos mais, noutros menos; mais nos últimos anos, durante o período em que estamos no poder, com excepção de um ano. Essa circunstância era menos evidente no período anterior à adesão de Portugal à Comunidade, durante os anos de 1983, 84 e 85, assim como noutros períodos em que a governação tinha uma orientação semelhante.
Mas volto a dizer que, nos últimos oito anos, com excepção, eventualmente, do ano de 1988, os salários reais têm vindo a crescer, muitas vezes, até significativamente, acima da média da Comunidade Europeia.
Só para o Sr. Deputado ficar absolutamente tranquilo, a fonte dos dados estatísticos que, a esse respeito, aqui tenho e que provam, por exemplo, que, nos últimos quatro anos, a subida real dos salários foi da ordem dos 16,4 % - exactamente o dobro da média da Comunidade -, é a Comissão Europeia. Desta vez, não é o Instituto Nacional de Estatística e, se tiver alguma dúvida, tenho muito gosto em fornecê-los.
Quanto ao desemprego agrícola na região do Alentejo, a que também se referiu, os dados do Instituto do Emprego e Formação Profissional que citou apontam para a seguinte situação: entre Março de 1993 e Setembro do mesmo ano- não se referiu a esse período, mas só a anteriores-, estavam inscritos, no Alentejo, 14 162 trabalhadores agrícolas; em Setembro de 1993, houve um decréscimo para 10 611, situação que o Sr. Deputado omitiu no pedido de esclarecimento formulado.
Na minha intervenção, referi - enquanto que o Sr. Deputado omitiu - que, entretanto, o Governo lançou um programa dirigido aos trabalhadores desempregados por efeito da seca no Alentejo, na zona do vale do Tejo, que, tendo abrangido cerca de 5000 trabalhadores, já teve um efeito importante quanto à diminuição do desemprego, o que altera estes dados.
Na linha daquilo que temos vindo a referir, não negamos que haja uma tendência para o crescimento do desemprego; não o negamos, porque não se negam factos nem

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evidências, assim como não negamos a preocupação adjacente a essa situação. No entanto, não é na mesma dimensão que algumas vezes os senhores referem nem nos resignamos ou cruzamos os braços pois tentamos introduzir medidas de política activa e de dimensão social para minorar a situação.
Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio, agradeço as considerações feitas sobre educação e apesar de, no pouco tempo de que disponho, não poder responder a todos os pontos do discurso que preparou e leu, apenas direi que o Governo continua não só a considerar, como reforçadamente considerará, cada vez mais no futuro, a educação como a fundamental prioridade no âmbito da aposta nos recursos humanos em termos de desenvolvimento. Por essa razão, o Plano de Desenvolvimento Regional aposta na qualificação dos recursos humanos como a primeira prioridade que definimos e evidentemente que a educação tem - e há-de ter - um papel decisivo, um papel muito importante.
Esta questão conduz-nos sempre a outra: é que, na análise destas matérias, há sempre uma perspectiva estática e uma perspectiva dinâmica! Se quisermos analisar as coisas numa perspectiva estática, deparamos sempre com problemas, necessidades, carências, dificuldades e coisas que não correm bem; numa perspectiva dinâmica, constatamos que alguns problemas que existiam já não têm esse carácter porque o investimento e o desenvolvimento do sistema vêm colmatando muitas situações problemáticas.
É essa diferença de interpretação que nos separa politicamente! Quantas vezes os senhores se quedam na negação dos factos porque os analisam numa perspectiva estática, enquanto a nossa perspectiva dinâmica e evolutiva permite o estímulo para corrigirmos o que ainda não está bem. E há muita coisa, Sr.ª Deputada, algumas vezes, também por culpa nossa, que não está bem - porque os políticos não são heróis nem deuses mas homens, e temos de ter a humildade de reconhecê-lo -, mas o importante é que o balanço, o saldo global seja positivo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, creio ser líquido perante esta Assembleia que a intervenção que aqui fez em nome do Governo foi um lamentável exercício de autodesresponsabilização que reflecte, em primeiro lugar, o novo entendimento do Governo sobre o chamado primado da politica.
Segundo o primado da politica, à semelhança da atitude de V. Ex.ª, não se fala do que é incómodo. Esse é também o estilo que o Sr. Primeiro-Ministro adopta quando não quer falar nem ouvir falar das consequências políticas de um acto eleitoral como as próximas eleições autárquicas, que têm inevitáveis consequências políticas quer o Sr. Primeiro-Ministro fale ou não nesse assunto. Dou outro exemplo também interessante: aquilo que o Sr. Deputado Duarte Lima ontem fez ao passar um manto sobre essa coisa incómoda que é a crise, pondo na ordem do dia algo que nunca pode estar na ordem do dia senão a partir de Julho de 1994, desde que, nessa data, a Assembleia tenha a mesma composição. A verdade é que está na ordem do dia algo que vai passar-se num futuro incerto e talvez incómodo para VV. Ex.ªs.
Quando um partido político, com o sentido das responsabilidades, sujeita à apreciação da Assembleia aquilo que é central na vida política nacional neste momento - e refiro-me às graves dificuldades económicas e sociais que os portugueses atravessam - e o Governo responde com jogos políticos, entende ou não o Sr. Ministro que esta é uma clara forma de desresponsabilização daquilo que era essencial?
Em toda esta matéria, o Governo faz alguns raciocínios interessantes. Assim, vai dizendo que a crise aproveita à oposição e, depois, qual Maigret, faz a seguinte afirmação: «vamos ver a quem é que aproveita a crise; como a crise aproveita à oposição, julgue-se a oposição». Trata-se de um raciocínio completamente surrealista!
É o Governo que, governando, provoca a crise, demonstrando que, com as medidas que adopta, não é capaz de combatê-la. As oposições - neste caso, é o PCP o partido que interpela o Governo - fazem aquilo que legitimamente têm até o dever de fazer, ou seja, criticam, apresentam medidas, questionam responsabilidades do Executivo. E o que é que o Governo diz à oposição? «VV. Ex.ªs, perante a crise, têm de estar calados, porque se não estiverem calados têm de ser julgados». Ó Sr. Ministro, isso não é minimamente aceitável; trata-se de um sofisma, como foi dito pelo meu camarada Octávio Teixeira.
Não entende tratar-se de uma clara demonstração da dificuldade crescente que o Governo tem em abordar a problemática da crise? Mais: não crê ser um claro sintoma da insegurança crescente em que o Governo se encontra?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Creio que, quando um Governo foge às suas responsabilidades e já não é capaz de assumi-las, então, Sr. Ministro, é preciso julgar, não a oposição, mas o Governo e talvez mais depressa do que aquilo com que VV. Ex.ªs contam!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, há um aspecto da sua intervenção que gostaria, desde já, de sublinhar e que me parece extremamente curioso: é que, como resposta a uma interpelação de um partido da oposição, que caracterizou, no seu entendimento, a situação social de desumanização e de degradação que se vive no país, começou por falar de poder. Ora, parece-me extremamente interessante que a preocupação primeira do PSD perante uma situação que, independentemente de haver pontos de vista diferentes, respeita às pessoas, às suas dificuldades, à sua insegurança, ao modo como elas vivem, seja o poder, tendo o Governo iniciado dessa forma o seu discurso. Penso que isto é extremamente interessante porque mostra como o poder fascina, como o poder e o seu exercício atrai o PSD e como, para este partido, o poder não é um meio, mas um fim em si próprio.
Outra questão que penso ter ficado clara da sua intervenção - e lembro que a segurança, a estabilidade e a qualidade eram, no ano passado, assuntos centrais do discurso do PSD e, portanto, alguns dos que estiveram associados às eleições legislativas - foi a referência à democracia participativa, pois parece-me interessante a forma redutora como o senhor colocou o voto como a única forma de julgamento político dos cidadãos.

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É nosso entendimento que os cidadãos podem exprimir a sua vontade de uma forma mais rica do que através de um voto que, de quatro em quatro anos, se coloca numa uma. O modo como o Sr. Ministro Adjunto colocou a questão significa que não atribui importância aos protestos, que julgo não se circunscrevem, como tentou fazer crer, estritamente ao movimento sindical - são protestos de cidadãos de múltiplos sectores, de várias regiões, do norte do país aos Açores, que reflectem mal-estar e é importante que quem é poder saiba interpretar esses sinais em vez de passar por cima deles, com afirmações do género «daqui a não sei quantos anos logo se verá como é que as pessoas votam».
De qualquer modo, há algumas questões concretas que gostava de ver explicitadas e que a sua intervenção claramente não focou e que não têm a ver propriamente com o desemprego. Refiro-me à educação, ao ambiente e à saúde, que penso serem três componentes importantes que se interligam, e que têm a ver com estabilidade e qualidade.
Ora, julgo que seria interessante que pudesse ser mais explícito quanto a essas matérias, quando, nomeadamente, se sabe que há uma situação complicada de crise, e não ouvi o Sr. Ministro Adjunto adiantar propostas inovadoras, que disse que o Governo tem, relativamente a estas áreas.
Concretamente, em relação ao ambiente, a directivas comunitárias e a alterações profundas que têm de ser feitas no tecido empresarial português, o senhor falou em crescimento. Há, efectivamente, crescimento... Se olharmos para o número de empresas existentes e caracterizarmos o seu crescimento, verificamos que ocorre em empresas de dimensão muito reduzida que não têm capacidade de adaptação tecnológica, nomeadamente, aos desafios na área ambiental. Portanto, a menos que nos deparemos com uma situação que se agravará socialmente com o desemprego, pergunto-lhe que propostas tem o Governo, de concreto, para esta área, de forma a que os industriais possam aceder a outras tecnologias? Que inovações pretende introduzir, o que é que há de novo para que a situação se altere?
Também gostaria de ver esclarecidas algumas questões relacionadas com a energia. Curiosamente, a energia é um factor extremamente importante no agravamento dos custos de produção quando o país tem um desperdício energético da ordem dos 20 %. Ora, como não há qualquer inovação a este nível, gostava de saber o que é que está pensado para esta área.
Gostaria ainda que fosse mais claro em relação às medidas de apoio aos desempregados porque, tanto quanto sei, a única que foi tornada pública pelos jornais contraria qualquer directiva europeia. Estou a pensar na desvalorização profissional, situação que ocorre quando os desempregados são deixados ao livre arbítrio de quem dirige os centros de emprego, pois verifica-se que as suas qualificações profissionais não são a razão de ser da sua integração no mercado do emprego - o que suspende o recebimento do subsídio de desemprego -, mas tão-só a sua capacidade física.
Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP)): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Na sua primeira intervenção, V. Ex.ª tratou os partidos parlamentares não apoiantes do Governo como oposição, fazendo-o de uma forma algo diferente da amabilidade que tem sempre o líder parlamentar da bancada da maioria, que distingue as várias oposições. Certamente, e em rigor, V. Ex.ª também terá essa consciência. Mas o que gostaria que me dissesse é se o facto de ter tratado toda a oposição por oposição não seria também um recado para o interior do seu próprio partido, onde começa a surgir alguma oposição, alguns miserabilistas, como VV. Ex.ªs dizem, alguns detractores da confiança no povo português, alguns pessimistas. Esta a primeira questão.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, gostaria de saber se considera ou não que o património do Governo do PSD sai daqui definitivamente reforçado. Na verdade, há dois anos, numa interpelação semelhante, um ministro do Governo Cavaco Silva dizia já que «menos emprego, salários em atraso, mais precaridade e mais insegurança no emprego é património de outra época que não a nossa». No fim desta interpelação V. Ex.ª certamente confirmará que este património entrou também neste Governo e que esta é também uma época de menos emprego, de mais precaridade, de salários em atraso e de maior precaridade no trabalho.
Sendo assim, certamente que se enterrou e se matou a teoria da democracia de sucesso e do oásis. Por certo VV. Ex.ªs não poderão continuar a qualificar os avisos da oposição de miserabilistas e como alertas derrotistas em relação à confiança no povo português. E se é assim, o que se passa em relação ao rigor, à ausência de dúvidas e às certezas intocáveis? Quanto ao rigor não em relação à questão orçamental, mas em relação, por exemplo, à aplicação dos fundos, à aplicação do PEDIP que, como foi referido em alguma comunicação social, teriam sido utilizadas por empresas falidas, ou por empresas ern recuperação, quantias na ordem dos 3 000 000 de contos. A pergunta é, pois, a seguinte (VV. Ex.ªs utilizam sempre os números): quantos empregos poderiam ter sido mantidos se tais quantias do PEDIP tivessem sido empregues em empresas com viabilidade?
Por fim, repito uma pergunta que o Sr. Deputado Ferro Rodrigues já fez e que não obteve resposta: qual a sua opinião sobre a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro relativa a alguma compreensão manifestada pelo não cumprimento por parte das empresas da entrega das contribuições para a segurança social? É, ou não, um segundo gato por lebre?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro: Houve uma passagem da intervenção da V. Ex.ª que me tocou profundamente. Não foi sequer quando nos veio dar o testemunho do atribulado amor que o Governo tem pelo interesse nacional, pelo interesse do País, pela criação do clima de confiança! Nem sequer foi aquela passagem em que V. Ex.ª nos veio dar conta dos dramas que lhe criam torturas quotidianas, o que também me tocou, mas não tanto! Foi a passagem em que V. Ex.ª veio referir e testemunhar o rigor e disciplina das despesas do Estado que o Governo tem em conta.
Aí, pensei ecce homo! Cá está o Homem!
E V. Ex.ª vai perceber porquê. É que ando há nove meses, Sr. Ministro,...

Vozes do PSD: - Nove meses!?

Risos do PS.

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O Orador: - ... a pedir 10 Governo, designadamente ao Sr. Ministro das Finanças e ao Secretário de Estado que se encontra sentado à sua direita, que me esclareçam se o Governo actuou - para citar novamente V. Ex.ª - «séria, responsável e credivelmente» ao entregar 10 000 000 de contos a um empresário privado na véspera de uma conhecida privatização.
E mau grado as promessas do Sr. Secretário de Estado Elias da Costa, que disse «poderei fornecer todos os documentos relativos ao acordo celebrado com o Sr. António Champallimaud, para que não restem dúvidas aos Srs. Deputados ...», depois de nove meses continuo na mesma, Sr. Ministro.
Daí que quando V. Ex.ª se afirmou neste Parlamento como um defensor estrém despesas do Estado pensei: o do rigor e da disciplina das é desta, é desta que o Sr. Ministro Adjunto vai tirar da barriga do Governo, ou da secretária do Secretário de Estado Elias da Costa aquilo que eu e outros Deputados lhe andamos a perguntar há nove meses!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou responder às últimas questões que me foram colocadas com imenso gosto.
Sr. Deputado João Amaral, de uma forma relativamente rápida, com toda a franqueza notei três contradições em tudo aquilo quanto referiu.

Vozes do PSD: - Só três?

O Orador: - O tempo era pouco e, portanto, foram apenas três!
Primeira contradição: o Sr. Deputado acusou-me de vir para aqui falar de política fugindo com isso às questões concretas. Penso que não tem razão. Mas entrou logo em contradição porque em todo o seu pedido de esclarecimento fez considerações políticas, de resto bem interessantes, só que não levantou nenhuma questão concreta.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não vale a pena, o Sr. Ministro não as conhece!

O Orador: - Portanto, noto aqui a primeira contradição.
Segunda, também muito interessante: V. Ex.ª disse que fiz uma intervenção que se chama «o primado da política» - a expressão é sua, foi muito bondoso, agradeço-lhe imenso. A esse respeito, a contradição que aqui notei é que os senhores, e não apenas, pás também outros Deputados da oposição, quantas vezes nos acusaram, e acusam, de sermos tecnocratas, economicistas,...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Já não são!

O Orador: - ... de não querermos discutir e debater política, de até não temos valores e princípios e, depois, de repente, já somos então políticos, fazemos o debate político, temos ideias, queremos confrontar opiniões. Então, em que ficamos? Julgo que não andamos com a preocupação de lhes trocar as voltas, pás às vezes VV. Ex.ªs andam um pouco distraídos nas análises e nem se apercebem das contradições dos próprios termos em que incorrem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A terceira e última contradição - porque o tempo era pouco, foram apenas três que detectei - tem a ver com a questão da insegurança e da crise. É que, de facto, não há nenhuma diferença substancial quanto a esta matéria. O que há é uma diferença substancial de alteração quanto ao tratamento da crise internacional da parte dos senhores - mas não apenas vossa, manda a verdade que se diga a esse respeito. É que VV. Ex.ªs, no passado, quando o País estava num ritmo de crescimento muitíssimo superior ao que temos hoje, negavam sempre qualquer mérito ao Governo e achavam que o mérito era todo da situação internacional. Então, pela mesma coerência, tinham obrigação de fazer o discurso de que agora também a culpa é da situação internacional. Mas não, politicamente alteraram o discurso. Portanto, foram VV. Ex.ªs que alteraram e não nós.
Num outro debate certamente detectarei mais contradições no Sr. Deputado, a não ser que entretanto se comece a corrigir.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, apenas uma nota rápida. Penso que a parte mais «curiosa» da sua intervenção - uso o termo porque também classificou a minha intervenção de ter alguns excertos curiosos, que agradeço- foi quando considerou que o voto não é a melhor forma de fazer o julgamento...

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Não é a única!

O Orador: - E não é a única, evidentemente. Com certeza, que não é! Mas o julgamento definitivo, o mais sagrado, é o do voto. Quanto a esse, Sr.ª Deputada, podemos ter opiniões diferentes. Só que há, obviamente, muitas outras formas de julgamento e de interpretar o próprio pensamento da opinião pública. Mas o julgamento, sobretudo no tipo de democracia que pessoalmente defendemos, é o voto.
Sr. Deputado Ferreira Ramos, três notas brevíssimas quanto à distinção das oposições. Admito que numa ou outra parte do meu discurso o não tenha feito, mas em vários momentos e passagens falei na oposição de esquerda e na liderança ou na disputa que existe, a meu ver, entre a oposição de esquerda. E, faço justiça, penso que o CDS ainda não está nesse domínio!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS/PP): - Estão VV. Ex.ªs!

O Orador: - A segunda nota refere-se aos recados da minha intervenção. Sr. Deputado, fique absolutamente tranquilo: nem recados para a Assembleia e muito menos para o meu partido. Relativamente à Assembleia falo com verdade, com frontalidade, sem qualquer coisa a esconder e, portanto, não deixo aqui nenhum tipo de recados, actuo com a lisura de procedimentos que é compatível com a dignidade exigível ao Parlamento. Quanto ao meu partido, nem teria essa veleidade, essa sobranceria.
Para além disso, esse assunto por vezes perturba e permite que VV. Ex.ªs entrem em algumas contradições - mas não só os senhores: é que ora nos acusam de termos um partido monolítico e pensarmos todos pela mesma cabeça, ora nos acusam de termos diferenças e divergências de opinião. Cada um neste partido, de facto, tem a sua própria opinião, respeitados apenas os grandes objectivos estratégicos e os objectivos programáticos e ideológicos que são os nossos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Duas notas rápidas sobre a questão do PEDIP. Sr. Deputado, julgo que não é minimamente correcto aquilo que disse. Uma coisa é a aprovação de projectos e o subsequente financiamento - este é que é o processo normal, pode haver erros, com certeza, mas há aqui uma avaliação selectiva e criteriosa -, outra coisa bem diferente é a utilização fraudulenta de verbas, ou a utilização para fins que não são aqueles e, então aí, entramos no domínio da fiscalização e, eventualmente, da punição de actos menos correctos. Mas temos que distinguir os planos.
A última nota é relativa às afirmações que referiu do Sr. Primeiro-Ministro quanto às empresas que não pagam à segurança social. Penso, com toda a franqueza, que o Sr. Primeiro-Ministro constatou um facto, não advogou um procedimento e um comportamento. São coisas completamento diferentes. De resto, se ouvir o registo da gravação da intervenção ele não completou o seu raciocínio porque entretanto se introduziu uma outra matéria. E julgo que temos de ser correctos e justos também neste domínio.
Sr. Deputado José Vera Jardim, quanto ao interesse nacional e aos dramas, não cometo a injustiça de pensar que V. Ex.ª, ao falar de interesse nacional e de dramas das pessoas, não está a ser sincero, pelo que, julgo, tenho o direito de exigir que também actue da mesma maneira para comigo sem o cinismo e a ponta de ironia que detectei nas suas palavras. Penso que todos temos a nossa própria interpretação dessa matéria e que o fazemos com sinceridade.
Quanto à questão do rigor e da disciplina das finanças do Estado, o Sr. Deputado diz que ficou surpreendido com a minha intervenção nessa parte. Bem, a esse respeito gostava de dizer que penso que o Sr. Deputado não tem razão nenhuma para ficar surpreendido porque, de facto, em matéria do tecto das despesas do Estado, este ano e no ano passado, e julgamos que novamente no próximo ano, estamos a cumprir exactamente o tecto acordado no plano de convergência aprovado na Comunidade: 2,7 mil milhões de contos o ano passado; 2,9 este ano; 3,1 no próximo ano. Quanto a isso, Sr. Deputado ...

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Sr. Deputado, permita-me o gosto de querer concluir para esclarecer o seu colega de bancada, porque se não corro o risco de me acusar de não responder à questão!

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - É que não é verdade, Sr. Ministro! Está mal informado!

O Orador: - Não estou não, VV. Ex.ªs acabarão por concluir isso. É uma questão de tempo!
Quanto à questão do Sr. António Champallimaud, de uma forma rápida, Sr. Deputado, sem prejuízo de o Sr. Secretário de Estado estar disposto a fornecer todos os esclarecimentos, quero só dizer que essa transacção que referiu não foi com o Estado, mas com um banco - o Banco Pinto & Sotto Mayor. São realidades distintas a esse respeito, pelo que penso que o esclarecimento está dado, poderão ser dados esclarecimentos adicionais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Num momento político dominado essencialmente pelo debate em torno das questões
económicas, devido à apresentação e discussão pública do Orçamento do Estado para 1994, resolveu o Partido Comunista Português agendar uma interpelação ao Governo que, inevitavelmente, acaba por versar as mesmas matérias.
Tal opção afigura-se assim perfeitamente desinteressante do ponto de vista da dinâmica parlamentar, mas não é por isso que o PSD deixa de aproveitar o ensejo para mostrar, inequivocamente, aos portugueses, que, cada vez mais, é notório que a oposição não tem soluções alternativas globais em matéria de combate às dificuldades económicas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como aqui hoje continua a ficar bem patente, os maiores partidos políticos da oposição apenas aproveitam as dificuldades com que o país se debate para dizerem que, se fossem Governo, fariam exactamente o contrário daquilo que foi feito, nem que isso possa significar a maior das incoerências face ao que normalmente apregoam, ou mesmo ao que fazem quando têm o poder.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se tal aspecto é verdadeiro no que respeita ao Partido Socialista, relativamente ao PCP tudo ultrapassa os limites do descaramento. Parece que não existiu 1975; parece que não existiu a União Soviética; parece que não existiu o apoio do Partido Comunista Português ao golpe de Agosto de 1991 contra Gorbatchov e até parece que não existiu o apoio do PCP à recente tentativa de traição ao Presidente Yeltsin.

Aplausos do PSD.

Tudo isto afinal compatível com as críticas que o PCP, sistematicamente, faz à forma como é conduzida a nossa democracia! Não há dúvida que o descaramento por vezes não tem limites! Mas esse descaramento revela-se também muito concretamente nas questões eminentemente económicas e sociais.
Tem vindo o Partido Comunista, e não só, a tentar denunciar taxas de desemprego alarmantes para Portugal. E verdade que a taxa de desemprego tem subido em Portugal, o que é obviamente factor de preocupação para todos nós. Mas quando se mede a nossa taxa de desemprego da mesma forma que todos os outros nossos parceiros comunitários e se obtém 5,6 %, temos, naturalmente, de nos conter no discurso, porque, entre eles, há já quem tenha bem mais de 20 %.
E por isto mesmo que o país tem necessidade de um acordo de concertação social, que nos possa continuar a garantir a manutenção de altos níveis de emprego.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É precisamente em defesa de um aspecto económico e social tão importante como o emprego, que o Grupo Parlamentar do PSD tem apoiado a forma como o Governo tem conseguido a força política necessária que permite que, numa conjuntura económica difícil, não se ceda às reivindicações fáceis e irresponsáveis de alguma oposição.
Surge a este propósito a política de rendimentos, que, como é lógico, está largamente dependente da concertação social. Num cenário em que os salários reais têm vindo a baixar em toda a Europa, exigir fortes incrementos salariais em Portugal será fazer rigorosamente o contrário daquilo que são os interesses dos trabalhadores portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - O nosso país tem tido, aliás nos últimos anos, consistentes aumentos dos salários reais, que só em 1992 e 1993 chegaram a atingir os 4,65 %. Por tudo isto, é perfeitamente inaceitável do ponto de vista do interesse
nacional aquilo que o PCP tem vindo a defender.
Como poderão as empresas portuguesas competir com as outras empresas europeias, se os seus custos salariais subirem e os das outras descerem? A resposta é evidente: pura e simplesmente não conseguem! É por isso que as propostas sócio-comunistas em matéria de política de rendimentos apenas significariam aumento do desemprego, ficando pois aqui bem patente a incoerência, a irresponsabilidade e a maldade política.
O PCP sabe que se houver acordo de concertação social haverá mais investimento, mais emprego, maior crescimento económico e melhores salários. Ora, é precisamente isso que o Partido Comunista não quer, pois tal significaria o seu sufoco político, perante a incapacidade de gerar soluções alternativas no seio de um quadro ideológico completamento falido.

Aplausos do PSD.

Quem hoje ainda consegue contestar a total falência do socialismo?
Está, pois, desvendado o mistério pelo qual VV. Ex.ªs de forma alguma desejam que os sindicatos assinem a concertação social. Mas não é obviamente a mesma, é
só nesta área que a incoerência aparece.
Se passarmos para a política monetária e cambial a lógica é obviamente a mesma.
O Governo tem vindo a defender, como não podia deixar de ser, a estabilidade cambial. É com estabilidade cambial que as empresas portuguesas poderão programar devidamente a sua gestão e mesmo conseguir descidas significativas das suas taxas de juro através do recurso ao crédito externo. Mesmo as pequenas e médias empresas, para as quais as taxas de juro ainda apresentam níveis desajustados e que não estão habituadas a aceder directamente ao crédito em divisas, lucram, obviamente, com a estabilidade do escudo, já que passam a aceder a um crédito interno mais barato por força da concorrência externa. Concorrência bancária que, aliás, também trará uma cada vez maior transparência ao mercado.
É neste enquadramento que se dá a adesão do escudo ao Mecanismo de Taxas de Câmbio do Sistema Monetário Europeu, cuja turbulência esperamos que possa abrandar significativamente com a! entrada em vigor da 2." fase da União Económica e Monetária.
Conhecedor de toda esta engrenagem, o PCP, obviamente, contesta-a. Para lá de descaradamente se arvorar em defensor dos empresários privados - como se tal tivesse alguma lógica possível - os comunistas, e não só, reclamam, insistentemente, a desvalorização do escudo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A desvalorização do escudo acarretaria um encarecimento das nossas importações, logo um aumento da inflação, que por sua vez originaria um aumento das taxas de juro. Tal facto, de imediato implicaria a queda do investimento e, com isso, a consequente queda do emprego.
Este ciclo, a que já assistimos antes de 1985 em Portugal, é o ciclo que mais interessa a quem se alimenta politicamente da crise e da desgraça. Por isso, não admira que o PCP esvoace, que nem um abutre esfomeado, em torno da desvalorização do escudo. É que o Partido Comunista sabe que isso traria exactamente o contrário daquilo que ele diz que defende, nas que, na realidade, não pode desejar.
Não vou, Sr. Presidente, tecer grandes considerações sobre a política orçamental, pois para isso servirão as dezenas de debates que, até 30 de Novembro, se irão realizar nesta casa. Mas não posso deixar de referir o descaramento do PCP que, depois de aqui ter proposto, aquando da discussão do Orçamento do Estado para 1993, centenas de aumentos de despesa, vem agora criticar o aumento do défice orçamental do ano em causa. Como estaria Portugal se o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata tivesse votado favoravelmente as venenosas propostas comunistas? De que montante não seria então o défice do Estado?

É, aliás, curioso reparar que quer o PCP quer o PS não propõem um único corte na despesa, nem um único aumento na receita, mas, obviamente, criticam o défice! É também notório que ainda ontem na Comissão de Economia, Finanças e Plano a oposição não deu uma única sugestão alternativa à equipa do Ministério das Finanças, refugiando-se, apenas, na repetição de algumas vagas críticas há muito conhecidas. Chegamos mesmo ao cúmulo, em sede de política orçamental, de já hoje ser possível ouvir certos partidos da oposição criticarem o Governo pela sua forte aposta na construção de vias de comunicação, ao mesmo tempo que reclamam mais atenção para as terras esquecidas do interior.
Afinal, em que ficamos? Não é possível dizer que o interior do país está esquecido, que Portugal é Lisboa e o resto é paisagem e ao mesmo tempo criticar uma política que garante, decisivamente, as acessibilidades que o interior tanto necessita para o seu desenvolvimento.

Aplausos do PSD.

O povo costuma dizer, nestas circunstâncias, que se é preso por ter cão e preso por não ter, só que, neste caso, a prisão é política e há quem já esteja a ficar prisioneiro das suas próprias incoerências.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo isto é demasiado sério para se poder, de ânimo leve, propor aquilo que, muitas vezes, ouvimos propor a quem está fora da difícil tarefa da governação. Criticar demagogicamente, à boleia das reivindicações que os diferentes interesses sectoriais vão fazendo quotidianamente, é, realmente, muito simples em épocas de sérias dificuldades. Só que os portugueses não estão tão distraídos nem tão desatentos quanto alguma oposição possa estar a pensar. Não vale a pena tentar enganar a realidade com propostas cor-de-rosa, pois os destinatários há muito sabem quem, ao longo dos anos, tem tido a coragem de não ceder a facilidades e com isso não esquecer Portugal.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Interpelações como esta servem, afinal, para o esclarecimento público provando claramente a total falência de um socialismo que, por mais que se esforce, já nada mais tem para dar ao mundo. É bom que o país continue a poder contar com quem não tem por hábito trilhar o caminho fácil da cedência às pressões demagógicas e irresponsáveis quando está à frente dos destinos do país. Da nossa parte, tal postura terá sempre o devido apoio, pois o que está em causa é o futuro de Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Rui Rio, os Srs. Deputados António Murteira e José Vera Jardim.

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Tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intenção quando me inscrevi era a de, de facto, solicitar alguns esclarecimentos ao que supunha que seria a intervenção do Sr. Deputado Rui Rio. Mas, infelizmente, como já vem sendo hábito, essa intervenção foi recheada de tanta grosseria, de tanta deturpação da política e da prática política do PCP e baixou o debate a um tal nível que, na verdade, apenas quero apresentar o nosso protesto pois não aceitamos que o debate se produza a este nível.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não faremos quaisquer perguntas de esclarecimento.

Aplausos do PCP.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, há pouco, na resposta que o Sr. Ministro Adjunto deu à minha pergunta perpassou a ideia de que ela não tinha qualquer cabimento visto que a actividade que aqui referi teria sido praticada por um banco e, portanto, o Governo, o Estado, nada teria a ver com isso.
Vi, depois, ausentar-se o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado Elias da Costa e ainda tive a esperança que tivesse ido buscar os documentos que venho pedindo há largos meses. Mas como assim não foi, quero, sob a forma de interpelação à Mesa, pedir a V. Ex.ª que solicite ao Sr. Ministro ou ao Sr. Secretário de Estado Elias da Costa que confirme ou desdiga as seguintes afirmações: na altura em que o Banco Pinto & Sottomayor pagou 10 milhões de contos ao empresário privado era um banco público; se é verdade ou não que o fez sob instruções específicas do Governo.

O Sr. Presidente: - Foi feita uma interpelação à Mesa e esta poderá dizer, como os latinos, bene curris sed extram viam. A Mesa não tem remédio para responder. Há mecanismos para esse efeito, um deles é o requerimento, a não ser que o Sr. Ministro Adjunto queira responder.

Pausa.

Como é esse o caso, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, julgava que este assunto estava esclarecido mas, como não queremos fugir à questão, o Sr. Secretário de Estado das Finanças, se V. Ex.ª autorizar, terá todo o gosto em fornecer os esclarecimentos adicionais que se julguem adequados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Finanças.

O Sr. Secretário de Estado das Finanças (Elias da Costa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com efeito, na altura da negociação entre o Banco Pinto & Sottomayor e o Sr. António Champallimaud relativamente ao contencioso que existia entre ambos, o referido banco era público.
Quanto à segunda pergunta, o Banco Pinto & Sottomayor desencadeou, no âmbito das suas competências, as negociações com o Sr. António Champallimaud - não por
instruções do Governo, mas livremente- e assumiu em conselho de administração a decisão relativa a esse acordo extra-judicial. Esse acordo extra-judicial, pela sua dimensão, foi sancionado pelo accionista Estado, neste caso pelo Sr. Secretário de Estado das Finanças que tem essa competência para o exercício da função accionista, na sede própria, a assembleia geral.
Já agora, aproveito a oportunidade para dar uma informação adicional ao Sr. Deputado. Continuo na expectativa de poder, um dia, quando os Srs. Deputados o entenderem, vir à Comissão de Economia, Finanças e Plano prestar os esclarecimentos não só sobre o Banco Pinto & Sottomayor mas sobre todo o processo de privatizações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Essa questão é uma bandeira que os Srs. Deputados agitaram por duas ou três vezes mas até hoje não recebi nenhuma convocatória da Comissão de Economia, Finanças e Plano, apesar de sempre ter dito - e mais uma vez o repito - que estou disponível para prestar os esclarecimentos que VV. Ex.ªs entendam por necessários e convenientes sobre o processo de privatizações incluindo todas as operações de reprivatização que foram feitas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano, Deputado Manuel dos Santos, pediu a palavra para se pronunciar sobre este ponto?

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, face à disponibilidade manifestada pelo Sr. Secretário de Estado, ao apoio do PSD, que aplaudiu essa disponibilidade, à consulta rápida que fiz ao PS e ao PCP e à consulta pública que estou a fazer ao CDS-PP, solicitava que o Sr. Secretário de Estado se deslocasse, para esclarecer este assunto, à reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano que se realiza na próxima terça-feira, as 15 horas e 30 minutos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Rui Carp pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Rui Carp (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, confirmo inteiramente a disponibilidade total do Sr. Secretário de Estado das Finanças, que, aliás, foi várias vezes manifestada, quer em Comissão, quer no Plenário, para vir aqui esclarecer tudo o que se entendesse sobre as privatizações.
Sr. Deputado Manuel dos Santos, com todo o respeito que me merece, a decisão relativa à presença do Sr. Secretário de Estado na Comissão de Economia, Finanças e Plano não pode ser sua, mas da Comissão, que marca as datas e agenda.

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Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço de novo a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr Deputado Manuel dos Santos, concedo-lhe a palavra, mas espero que seja mesmo para aclarar mais alguma coisa.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, fui claro e disse interpretar o
sentido da Comissão uma vez que os Deputados do PSD aplaudiram a disponibilidade do Sr. Secretário de Estado. Também sei perfeitamente quais são os meus poderes mas fiquei agora a saber que, por obstrução da maioria, o Sr. Secretário de Estado não pode ir na próxima terça-feira, às 15 horas e 30 minutos, prestar esclarecimentos à Comissão de Economia, Finanças e Plano.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente:- Sr. Deputado Rui Carp, tem a palavra, por um minuto, para um último esclarecimento sobre este tema.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Manuel dos Santos, que
hoje está com um elevado grau de esclarecimento, como ainda há pouco demonstrou quando disse que o desemprego de vinte e tal por cento em Espanha era por causa dos portugueses que para lá iam trabalhar, está a «confundir a nuvem por Juno».
Nós apoiámos todas as declarações que o Sr. Secretário de Estado das Finanças aqui proferiu, designadamente quando ele disse que estava disponível para vir à Assembleia da República. Nós também temos interesse nisso,...

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Desde que não venha!

O Orador: - ... mas não podemos discutir neste momento a agenda da Comissão de Economia, Finanças e Plano, que só na respectiva Sr. Deputado Manuel dos Santos só se sabe refugiar em incidentes regimentais a sede poderá ser feita. Se o
culpa não é nossa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Está esclarecido esse ponto. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Casaca.

O Sr. José Paulo Casaca (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De acordo com as análises dos mais credenciados técnicos do Instituto Nacional de Estatística e do Banco de Portugal, tudo aponta para que 1993 fique na história contemporânea como um dos anos mais negros da economia portuguesa.
O inquérito ao INE, divulgado a semana passada, revela que, no ego do INE, divulgado a semana ano terminado, no terceiro trimestre, Portugal perdeu 136000 empregos assalariados líquidos, ou seja, sofreu uma diminuição de 4,2 % nos seus empregos remunerados.
No capítulo das relações externas, tanto a balança comercial extracomunitária como os dois meses conhecidos na balança intracomunitária apresentam sintomas de quebra procura externa, como da não se observavam desde 1975.
A produção industrial, que depois de 1990 vinha caindo a um ritmo superior ao da média comunitária, caiu já este ano, de acordo com os índices de produção industrial, 7,3 %. A queda da produção industrial já não pode ser visualizada como um fenómeno limitado ao sector dos têxteis, pois atinge valores igualmente impressionantes em sectores como os do material de transporte e máquinas, aparelhos e utensílios eléctricos.
As mais recentes projecções macroeconómicas independentes, tanto do INE como do Banco de Portugal como da Economist perspectivam uma queda do produto para todo o ano de 1993, que varia entre os 0,25 % e os 1,5 % a 2 %. A actividade económica portuguesa, depois de se situar ao mesmo nível da comunitária no ano passado, vai descer mais do que a média comunitária este ano, de acordo com as projecções mais fidedignas.
No entanto, ainda no ano passado, nesta mesma Sala, a situação económica nacional era descrita pelo Primeiro-Ministro do seguinte modo: «Com um desemprego extraordinariamente baixo, os salários e as prestações sociais a crescerem em termos reais e as contas externas sob controlo, os Portugueses são, hoje, uma orgulhosa excepção em todo o Mundo».

Risos do Deputado do PS Ferro Rodrigues.

A exacta medida do realismo da «orgulhosa excepção em todo o Mundo», revelada pelo espelho mágico da presunção e megalomania de Cavaco Silva, é dada pela diferença entre os 3 % de crescimento previstos e os menos um ou dois que vão ser realizados, ou por um défice público agora estimado exactamente no dobro do que tinha sido previsto.
Na gestão macroeconómica da conjuntura, o elemento decisivo é compreender-se e saber-se ler o momento atravessado pela economia, adaptando a essa realidade os instrumentos de política. A política económica de Cavaco Silva poderia ser, eventualmente, óptima para a tal «orgulhosa excepção em todo o mundo», mas revelou-se um desastre para Portugal.
Mas o Governo não soube prever o que se iria passar este ano, porque já há vários anos que não entende a natureza e o impacto da sua própria política económica.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - De 1988 a 1992, a taxa real efectiva de câmbio do escudo subiu cerca de 30 %, tendo essa taxa aumentado, mesmo em termos nominais, de 1990 a 1992. Essa valorização decorreu, em larga medida, do enorme afluxo de fundos comunitários, do investimento estrangeiro a ele ligado e de capitais especulativos atraídos pela absurda política de subida das taxas de juro reais. Esses mesmos factores propiciaram um notável incremento da despesa pública, que tem sido, de há alguns anos a esta parte, o único motor da economia portuguesa. A despesa do Sector Público Administrativo, se for deflaccionada pelo índice de Preços no Consumidor, subiu 79 % entre 1985 e 1992.
Assim que em 1988 se esgotaram os efeitos fortissimamente deflaccionadores das políticas prosseguidas em 1984 e em 1985, da quebra dos preços das matérias-primas e da maior concorrência europeia, a única forma que o Governo encontrou para combater a inflação foi, para além do mecanismo cambial, a utilização da taxa de juro, sem compreender que a conjuntura em que o fazia tornava esse

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instrumento, em larga medida, contraproducente para atingir o objectivo pretendido.
O notável benefício nos termos de troca, com as vantagens imediatas em termos de rendimento real, que a valorização do escudo propiciou, era obviamente insustentável a médio prazo e iria colocar graves problemas à competitividade das empresas. Mas, apesar dos avisos repetidos da oposição e dos principais analistas, nada disto foi minimamente entendido.
Nesta mesma Sala, o Governo chegou ao ponto de dizer que a subida dos termos de troca era não um efeito de curto prazo da sua política monetária, com tremendas consequências para o tecido produtivo a médio prazo, mas, sim, a prova da alteração estrutural da economia portuguesa que, após seis anos de «cavaquismo», se teria especializado em artigos de mais alto valor acrescentado.
Noutra manifestação de pura fantasia, o primeiro sintoma da crise, que foi a mais precoce e mais profunda crise nos sectores que enfrentam directamente a concorrência externa- a agricultura e indústria-, foi lido por outro membro do Governo, igualmente nesta Assembleia, como a prova de que Portugal estava a entrar na terceira vaga dos países mais desenvolvidos. A desindustrialização e o fim da agricultura deveriam, assim, ser tomados com grande satisfação pelos portugueses.
O Primeiro-Ministro que, durante anos a fio, nunca se referiu à influência da conjuntura internacional, que repetiu até à exaustão que palavras como crise, desemprego, quebra dos salários reais e salários em atraso tinham sido banidas do dicionário da nova era, cada vez que faz um discurso engana-se ou ignora tudo o que se passa na economia do nosso país, limitando-se a recitar um catálogo geográfico dos sítios onde as coisas possam ainda ter corrido pior do que no nosso, num aspecto ou noutro.
É inconcebível que num País, onde, ainda no ano passado, entraram mais de 5 % do valor do seu produto em fundos comunitários, tenha sido abandonado, mesmo no plano da pura retórica, o objectivo do diferencial positivo de crescimento com a Comunidade.
Para o Primeiro-Ministro, o seu partido e o seu Governo, os fundos comunitários são necessários para assegurar clientelas, importantes para disfarçar a derrocada do sector produtivo, decisivos para as campanhas eleitorais mas irrelevantes, quando não contraproducentes, para actuar nos factores estruturais que condicionam o atraso da economia portuguesa.
A tentativa de inversão de marcha por parte do Primeiro-Ministro, que diz agora já há 25 anos defender os défices orçamentais, quando ainda no ano passado apresentou como principal objectivo orçamental exactamente a sua contenção, que descobriu agora que as pequenas e médias empresas pagam juros muito elevados, quando apostou anos a fio numa política de elevação dessas taxas, que cauciona uma envergonhada desvalorização do escudo, quando acusava o ano passado de impotência os que a preconizavam,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... vem demasiadamente tarde para fazer face às consequências dos seus erros de política económica, que ele, de resto, continua sem coragem para assumir, mas na altura exacta para mostrar aos portugueses que estes não podem ter confiança na sua palavra.
O País não precisa só de uma alteração radical da política económica, precisa também de confiança nos decisores políticos, que hoje não tem, e, acima de tudo, de uma forma totalmente diferente de olhar para os fundos estruturais, que têm de ser utilizados com base em princípios de equidade e com objectivos de verdadeira transformação estrutural.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro-Adjunto, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O CDS está um pouco como o País, isto é, tem tão pouco tempo nestes debates que, realmente, a dificuldade em geri-lo é terrível. Mas não me prolongo muito nestas justificações, porque arrisco-me a dar razão ao Governo e agora, efectivamente, não o quero fazer.
Portanto, no escasso tempo de que disponho e a que conto acrescer algum, com a generosidade especial do Sr. Presidente da Assembleia da República, gostava fundamentalmente de prestar um esclarecimento. Trata-se de um esclarecimento ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas, que, infelizmente, já não está entre nós.

Vozes do PCP:- Felizmente, está entre nós!

O Orador: - Não. Não está entre nós, neste momento, na Assembleia, como é evidente. Pode estar no partido...

Risos.

Não desejo esse mal ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
Bom, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, de facto, precisa de ser esclarecido, porque o seu intento de tentar atemorizar-me com a descoberta de eventuais divergências entre a minha opinião e a do presidente do meu partido, Dr. Manuel Monteiro, não teve êxito. Realmente, há uma divergência global sobre a ratificação do Tratado de Maastricht, mas essa foi assumida, foi esclarecida, foi declarada e não fez maí a ninguém, num partido aberto e livre como o nosso.
Quanto à convergência nominal, é bom esclarecer as coisas, porque aí não há divergências fundamentais, Srs. Deputados. Todos entendemos que a recuperação dos equilíbrios macroeconómicos fundamentais é essencial ao desenvolvimento económico sustentado. No nosso partido, todos estamos de acordo quanto a isso, mas também todos entendemos que o calendário aprovado em Maastricht era e é, em si mesmo, irrealista e foi aplicado em Portugal de um modo que subordinou inteiramente o verdadeiro interesse nacional às conveniências eleitorais do partido maioritário. Todos sabemos isso e todos o sabíamos! Todos sabíamos que houve uma antecipação de rigor, para depois poder gerir um certo relaxamento em período eleitoral. Todos sabíamos disso! Simplesmente, as coisas correram mal e o relaxamento, afinal, vai ter de ser muito maior do que se previa. Portanto, nisso, estamos todos de acordo, não há dúvida alguma.
Simplesmente, e repito, o Governo, nessa matéria, mudou completamente de rumo e, de tal modo,...
Sr. Deputado Carlos Carvalhas, ainda bem que chega!

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Deputado, eu ouvi-o através do circuito interno!

O Orador: - Agradeço, agradeço!

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Como estava a dizer, o Governo mudou de rumo, de tal modo, que se aproximou das teses comunistas. É isso que sustento, que o Governo se aproximou das teses comunistas, de tal modo, que o Primeiro-Ministro, inclusive, declarou há dias, numa entrevista que deu à televisão, que o défice não era nada como esses homens da Europa entendiam, o défice podia ser extremamente virtuoso. E por isso aderiu efectivamente a um défice volumoso.

O Sr. Ruí Carp (PSD): - Então, o Keynes também era comunista!

O Orador: - Portanto, os critérios nominais e a recuperação dos equilíbrios macroeconómicos estão, hoje, esquecidos e na gaveta.
Mas eu disse isto só para de certo modo, prestar a minha homenagem ao Partido
Comunista, pois o Partido Comunista Português acabou por encontrar eco no Governo. Vejam lá como as coisas são! Apesar da intervenção do Deputado Rui Rio, o que acontece verdadeiramente é que o Partido Comunista encontrou eco no
Governo.
Quanto ao resto, quanto brevemente porque já não ao fundo da questão, e muito tenho tempo para mais, o que se passa, Sr. Deputado Carlos Carvalhas e Srs. Deputados do Partido Comunista Português, é que para nós, CDS, há uma coisa clara: a crise que existe, e todos a reconhecem, só se resolve quando se devolver dinamismo à produção e à economia, o que, em Portugal, passa pela reestruturação de importantes sectores dessa mesma produção.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não há dúvida alguma! Isso, para nós, é que é prioritário.
Não alinhamos em miragens para os trabalhadores, em promessas aos trabalhadores de que é possível distribuir o que não se está em condições de produzir. Isso não fazemos, porque isso não é ser amigo dos trabalhadores.
Sr. Deputado Carlos Carvalhas, o que VV. Ex.ªs fazem, a vossa receita, conhecemo-la: criam emprego fictício, criam grandes monstros, grandes mamutes na economia.

O Sr. Rui Rio (PSD): O Sr. Carlos Carvalhas.

Muito bem! (PCP): - Não é verdade!

O Orador:- Sr. Deputado, não diga isso, porque é verdade. VV. Ex.ªs mantêm um emprego que é falso e prejudicam definitivamente a economia. Esta é, realmente, a nossa opinião nesta matéria.
Entendo, como já aqui foi dito, que VV. Ex.ªs, ao interpelarem, analisam bem a situação em muitos dos seus aspectos e têm sensibilidade para muitos problemas, mas, hoje em dia, já não são capazes de apresentar soluções aceitáveis e que possam conduzir à recuperação de uma situação degradada.

Aplausos do CDS.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP):- Sabe que não é verdade, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado, Rui Carp.
Em todo o caso, dado o défice de tempo que o Sr. Deputado Nogueira de Brito tem...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, nós damos tempo ao Sr. Deputado Nogueira de Brito para, depois, me responder.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, Sr. Deputado Rui Carp, tem a palavra.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, parece-me que um minuto chegará para o Sr. Deputado Nogueira de Brito responder à pergunta muito directa que lhe vou fazer.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, quando V. Ex.ª se referiu ao Governo, disse que ele defendia políticas comunistas, quando utiliza uma coisa que, em política orçamental, se chama estabilização automática.
Sr. Deputado, meu querido amigo, a pergunta que lhe faço é a seguinte: então, Keynes era comunista?!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito, dispondo de um minuto cedido pelo PSD.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Rui Carp, Keynes não era comunista; o Professor Cavaco Silva é que é keynesiano. Naturalmente, vocês andavam enganados, porque julgavam que não era, mas é. Aliás, ele agora até vem dizer «fui sempre» e nós dizemos que no ano passado e há dois anos julgávamos que não era, mas agora já voltou a ser... Tem um livro escrito e lá está.
De qualquer modo, Sr. Deputado, não é o Keynes que me preocupa e não digo que sejam políticas comunistas no essencial mas, sim, as políticas que o Partido Comunista preconizava.
Sr. Deputado, revogar o artigo 18.º do Código dos Benefícios Fiscais não é uma política preconizada pelo Partido Comunista? E revogá-lo retroactivamente? É mais do que o Partido Comunista queria!

Risos do PCP.

Nunca o Partido Comunista pensou nisso!

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Há muitos anos que, em Portugal, não se assistia a uma tão acelerada degradação das condições sociais e laborais dos trabalhadores portugueses; 224 000 novos desempregados inscritos de Janeiro a Setembro, o que corresponde a uma média de 25 000 desempregados por mês, mais 1/3 do que no mesmo mês de 1992.
Este número torna-se mais dramático quando se sabe que somente metade dos desempregados têm um subsídio de desemprego ou quando se verifica, por exemplo, que por cada 100 trabalhadores que se inscrevem nos Centros de Emprego somente 10 conseguem encontrar colocação.
Os 100 000 empregos que o PDR promete criar nos próximos cinco anos, e que o Primeiro-Ministro transformou milagrosamente em 120 000, na sua recente entrevista à televisão, não chegam sequer a metade dos empregos perdidos só nos primeiros nove meses deste ano.
Com estes números, percebem-se melhor agora as razões do black-out noticioso que Cavaco Silva impôs aos dados sobre o desemprego durante alguns meses.

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É particularmente preocupante constatar-se que cerca de 1/3 dos actuais quase 340 000 desempregados são jovens com menos de 25 anos, que 42 % estão no desemprego há mais de um ano.
Onde está, Srs. Deputados do PSD, Srs. Membros do Governo, uma política de primeiro emprego para os jovens? Que consequências terríveis para a juventude, as suas famílias e o País advêm do facto de dezenas de milhar de jovens serem lançados no desemprego e, por isso, mais facilmente empurrados para as margens da sociedade?!
Mas passemos agora dos grandes números nacionais-já de si carregados de negro - para a análise regional, radiografia que estamos em condições de aqui trazer, sustentada no levantamento exaustivo da situação que os Deputados comunistas em encontros, visitas e deslocações pelo País fizeram no âmbito da preparação desta interpelação ou da múltipla documentação que, espontaneamente, variadas estruturas nos fizeram chegar. Podemos ir do norte ao sui, do litoral ao interior, do Vale do Ave ao Alentejo, podemos falar com sindicalistas, comissões de trabalhadores ou estruturas empresariais, que encontramos sempre, e sempre, a mesma resposta: ao contrário da teoria do oásis com que o PSD procurou enganar os portugueses até ao momento em que não lhe foi possível «tapar o sol com uma peneira», a realidade social do País nunca foi tão grave como é hoje, continua a degradar-se e o Governo não apresenta políticas que permitam ver a «luz ao fundo do túnel». O Orçamento para 1994 aí está a prová-lo.
Se no Vale do Ave a situação se agrava dia-a-dia, no Alentejo o número real de desempregados atinge já 18 % da população activa, sendo que aqui ascende a 60 % o número dos que não recebem qualquer prestação social. Se no distrito de Lisboa se estima que, até ao final de 1993, sejam destruídos mais de 10 % dos postos de trabalho, em Setúbal o crescimento do desemprego acontece a uma cadência de 500 novos empregos por mês. Se em Julho deste ano já se contavam por 40 000 o número de trabalhadores portugueses com salários em atraso, é uma realidade que hoje este número está agravado em muitos mais milhares de trabalhadores: por cada dia que passa, há uma nova empresa com salários em atraso.
Por outro lado e apesar do Governo ter, de forma chocante, legalizado o trabalho infantil, é uma verdade indesmentível que o trabalho infantil em Portugal cresce em progressão geométrica e volta a ser notícia nos órgãos de comunicação social de todo o mundo. O Sr. Ministro do Emprego, insensível a este drama, preocupa-se com o que se diz no mundo, quando deveria, sim, era preocupar-se em combater este flagelo social em Portugal, consequência da sua política. Não bastando isto, assistimos a uma situação de ruptura na Segurança Social: acumulam-se as dívidas ao sistema (cerca de 300 milhões de contos actualmente), atrasam-se os pagamentos do subsídio de desemprego, modifica-se o regime de pensões e preparam-se medidas restritivas cujo objectivo é reduzir o número de beneficiários do subsídio de desemprego.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Podíamos ficar por este retrato real da situação social em Portugal em pleno reino cavaquista. Seria já, só por si, um enorme libelo condenatório contra uma política insensível às questões sociais, para quem o emprego é um privilégio e não um direito, contra um Governo que procura fazer pagar sempre aos trabalhadores o preço da crise e para quem os interesses dos grupos económicos, do capital, é quem comanda as suas orientações e medidas de política.
Por vezes, nem as aparências são salvaguardadas. Se fizermos uma leitura comparada das propostas apresentadas pela CIP e pelo Governo ao Conselho de Concertação Social em matéria de emprego - portanto, a aproximação é entre o PSD e a CIP e não ao contrário, Sr. Deputado Nogueira de Brito -, a fotocópia não podia ser mais nítida: se a CIP fala na necessidade de promover a «polivalência e a mobilidade dos trabalhadores dentro da empresa», bem como a «mobilidade geográfica» (tese, aliás, também cara ao PS), o Governo escreve que, para melhorar a competitividade das empresas, é necessário impor a «polivalência e a mobilidade profissional e geográfica aos trabalhadores». Se a CIP defende a flexibilidade na organização do trabalho, o Governo sublinha a necessidade de ser promovida a adaptabilidade e a flexibilidade das relações de trabalho às exigências organizativas. Se a CIP escreve «modelação remuneratória», o Governo chama-lhe «moderação salarial».
Mas, infelizmente, a realidade vai muito para além, Srs. Membros do Governo, dos frios dados estatísticos. A par da crescente precarização do trabalho vive-se hoje nas empresas e na Administração Pública um autêntico clima de coacção psicológica sobre quem trabalha. A falsa dicotomia emprego-salários apresenta-se agora despojada de qualquer retórica discursiva. Ou os trabalhadores aceitam redução de salários, rescisões forçadas de contratos, discriminação de salários ou são colocados no desemprego sem contemplações e muitas vezes, com dezenas de anos de trabalho, sem qualquer indemnização. Os dramas sociais e psicológicos multiplicam-se um pouco por todo o lado. É a chantagem erigida em política do Estado, bem exemplificado agora nas negociações salariais para 1994.
Na TAP já não bastava o regime de sucedâneo que fez regredir direitos aos longínquos anos de 68/69. Agora a proposta é de congelamento salarial até 1997 ou então não há dinheiro para o relançamento da empresa. Na CP criam-se 14 empresas a partir da própria empresa para fazer mais caro aquilo que era feito pelos trabalhadores da própria companhia. A Portucel, a EDP ou a Quimigal dão lugar a novas empresas onde os direitos anteriores dos trabalhadores não são garantidos. Na Siderurgia Nacional a perspectiva é de redução dos antigos 6 000 efectivos para 1 500. No sector mineiro, no têxtil ou na indústria vidreira a realidade é também a do encerramento de dezenas de empresas e mesmo, as vezes, do próprio sector e o despedimento de milhares de trabalhadores sem perspectivas de futuro. Nas pescas são quase 4 000 os trabalhadores no desemprego num universo de cerca de 38 000. Na Administração Pública onde, recordamos, o índice mais baixo é inferior ao salário mínimo nacional e onde continua por efectuar a revisão do sistema de carreiras, assiste-se, entre outras ilegalidades, à utilização de trabalhadores no desemprego para cobrir necessidades normais dos serviços.
Finalmente, para poder levar à prática a sua política de desemprego forçado, o Governo e o patronato precisam de procurar impedir os trabalhadores de protestar. E aí está, por isso, a violação sucessiva dos direitos dos dirigentes sindicais e dos membros das Comissões de Trabalhadores, a intimidação, o despedimento ou a tentativa de despedimento para os seus dirigentes mais combativos e destacados. O que se está a passar com os dirigentes da Associação Sindical dos Polícias Portugueses é um exemplo paradigmático do que afirmamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A grave crise social que se abate sobre o nosso País, com evidentes consequências no aumento da insegurança e da criminalidade, não é fruto nem exclusivo nem predominantemente da crise internacional que atravessa o sistema de economia capitalista. Natu-

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ralmente que não somos indiferentes às ondas de choque dessa crise - como salientou, aliás, o meu camarada Carlos Carvalhas - mas, entre nós, o problema começou antes e é fruto, fundamentalmente, da irresponsável política económica que tem sido seguida.
É verdade que a política financeira e cambial do adiantado Ministro das Finanças e do Sr. Primeiro-Ministro tem, inegavelmente, a sua quota parte de responsabilidades. Mas uma outra causa, fundamental, tem de ser procurada na destruição do aparelho produtivo e na delapidação dos recursos, impulsionada pela liquidação de inúmeras empresas estratégicas do sector público que têm contribuído com novos milhares para o enorme exército de desempregados em criação.
A privatização de tudo quanto pode dar lucro- de que a da água, na semana passada, foi o último exemplo - tem levado à destruição de núcleos económicos fundamentais para a economia portuguesa e de múltiplas empresas, a montante e a juzante, pondo esses núcleos nas mãos do capital estrangeiro, desarticulando a economia e produzindo milhares de desempregados.
Por outro lado, o processo de desconjuntamento de unidades económicas decisivas no aparelho produtivo nacional tem contribuído, inclusivamente, para a desertificação e o agravamento das assimetrias do País. Empresas como a EDP, a Telecom ou a CP têm vindo a encerrar delegações, postos de atendimento, serviços postais e ramais, contribuindo para o crescente isolamento de muitas comunidades do interior.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A solução da grave crise social do País não passa somente por medidas pontuais e desgarradas ou por vagas políticas de emprego a criar no plano local e na área ambiental. É necessário, pelo contrário, uma política de aproveitamento dos recursos nacionais, de travagem no processo de liquidação do sector público da economia e de empresas estratégicas para o País, de reforço e inovação tecnológica nos sectores onde Portugal tem know-how e pode ser competitivo, de conquista, busca e diversificação de mercados, de desenvolvimento rural e regional, de formação e valorização profissionais e também, naturalmente, de reforço da competitividade pela via de uma política cambial, monetária e financeira adequada às necessidades e às realidades do nosso tecido produtivo. Com isto, sim, relançaremos o crescimento em bases sólidas, criaremos emprego estável e melhoraremos as condições de vida dos portugueses.
É igualmente necessário travar a crescente tendência para a desresponsabilização do Estado em áreas de importância social fundamentai, como na saúde, na habitação, no ensino ou nos transportes, mas também é precisa uma política social, que passa, entre outras medidas, por pensões de reforma e prestações sanais dignas, pela manutenção do subsídio de desemprego durante todo o período de desemprego e passa, também, para aqueles que não têm acesso a prestações sociais minimamente condignas, pela criação de um rendimento mínimo de subsistência, para o que o PCP, como já foi aqui hoje lembrado, já apresentou, em Maio deste ano, o respectivo projecto de lei.
É por estes caminhos e que se reforça, de facto, a competitividade da economia nacional e se resolvem os problemas sociais e não por políticas de congelamento salarial ou provocatórias propostas para que os salários dos trabalhadores portugueses não cresçam mais do que nos restantes países da Comunidade. Importa lembrar, a este propósito, que mais de 80% dos trabalhadores portugueses
ganham menos de 85 000 escudos e que se tem vindo a agravar, como provei há pouco pelas estatísticas do EUROSTAT, nos últimos anos, o fosso entre o poder de compra dos trabalhadores portugueses da indústria e a média comunitária.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A estafeta de solidariedade que a CGTP-IN organizou recentemente é a demonstração de que os trabalhadores portugueses e as suas organizações representativas estão atentas, intervenientes e não cedem às chantagens e pressões do Governo e do patronato. A dramática crise social e a recessão económica do País têm soluções, mas elas passam pelos trabalhadores e não contra os trabalhadores, passam por uma política de diálogo e não de confrontação, passam pelo reconhecimento de que é preciso mudar de política e de Governo. Estamos certos que isso acontecerá mais depressa do que o PSD e Cavaco Silva desejariam.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, na sua intervenção, V. Ex.ª abordou com especial enfoque o problema social, incidindo fundamentalmente no desemprego, mas abstraindo-o, desde logo, da conjuntura e da situação europeia, apesar de, como sabe, no sistema actual das economias integradas, ser inevitável que a nossa economia seja sensível ao contexto que, em matéria de desemprego, se verifica em toda a Europa e não focando sequer que, graças à diferença de políticas - porque o contexto, a situação e os apoios são, aliás, semelhantes -, temos, em Portugal, cerca de menos de um terço da taxa de desemprego que se verifica em Espanha.
E, aqui, faria desde já um comentário: o que diriam os comunistas portugueses se tivéssemos uma taxa de desemprego de cerca de 21 %? Pergunto, por exemplo, se mantinham a coligação para governar a maior cidade do país, a coligação para o governo da cidade de Lisboa, se tivesse-mos socialistas a governar em Portugal e, portanto, graças às suas políticas, uma taxa de desemprego em 21 %.

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Eis uma pergunta muito importante!

O Orador: - Era natural que sim; acredito até que sim, porque, no fundo, apesar das críticas e dos desentendimentos que têm de vez em quando, as sugestões e o próprio enquadramento ideológico são bastante semelhantes.
Mas, ainda a propósito da sua intervenção, quero colocar-lhe uma outra questão: sabendo nós (e não é preciso ser-se economista para o saber) que, em todo o mundo, se entende, havendo sobre isso um grande consenso, que um dos mais fortes, senão o mais forte, instrumentos de política económica de combate ao desemprego é o da moderação salarial, qual a razão por que os dirigentes do seu partido - os mais altos dirigentes do seu partido sempre o fizeram - pressionam as centrais sindicais, os sindicalistas que vos são mais próximos, no sentido de não acordarem, em termos de concertação social, com o objectivo da moderação salarial?
Nesta questão, aliás, penso que os Srs. Deputados do PCP devem estar satisfeitos porque VV. Ex.ªs desbravaram esse caminho, criaram essa tradição, interferindo nas centrais sindicais, nomeadamente não subscrevendo acordos de concertação social com este Governo. E os socialistas já vos seguiram o caminho.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Hoje, os socialistas calcorreara calmamente esse caminho, tendo a mesma estratégia, a mesma visão das coisas, e bom exemplo disso são as queixas públicas que vários dirigentes nacionais do PS, simultaneamente com os dirigentes de determinada central sindical, recentemente fizeram em todos os órgãos de comunicação social. É certo que os dirigentes do PCP que fazem parte dessas centrais sindicais ainda não se queixam, mas, com as mudanças que hoje acontecem no mundo, não tenham grandes ilusões: proximamente isso começará a acontecer.
Agradecia-lhe, Sr. Deputado Lino de Carvalho, que, sobre estes dois pontos, o desemprego e a moderação salarial, referisse a posição exacta do PCP, ou seja, se concordam ou não e qual a vossa posição sobre isso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Puig, muito rapidamente, quero apenas fazer dois comentários.
Poder-lhe-ia responder com o velho provérbio «Com o mal dos outros podemos nós bem», mas a verdade é que o que se está a verificar, neste momento, em Portugal, é que o desemprego está a crescer a uma velocidade muito maior do que a dos restantes países da Europa. Para além disso, não se vislumbram políticas nem medidas para que esse problema se solucione; pelo contrário, as estatísticas e as projecções estatísticas que temos são no sentido do agravamento do desemprego nos próximos tempos. Assim, provável e infelizmente, esses indicadores relativos aos outros países europeus que o Sr. Deputado aqui apresentou vão ser muito rapidamente atingidos pelos trabalhadores portugueses.
Em segundo lugar, devo dizer-lhe que o PCP nunca fez, nem precisa de fazer, quaisquer interferências nas centrais sindicais - estas são autónomas, livres e representativas dos trabalhadores. Só que a proposta salarial do Governo é completamente inaceitável e as centrais sindicais, na verdadeira defesa dos trabalhadores e como suas representantes, sabem perfeitamente - e já o disseram - que devem rejeitar essa proposta. E sabem-no sem qualquer interferência, em particular do PCP; se houve interferência, foi a do Governo, que procurou, com a sua proposta, chantagear as centrais sindicais. Essa é que é a verdadeira interferência, Sr. Deputado!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Finanças.

O Sr. Secretário de Estado das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu tempo é já muito escasso e procurarei ser o mais sintético possível.
Entendeu o PCP interpelar o Governo sobre a situação actual em termos económico-sociais e a sua grande preocupação foi o tema do desemprego e das consequências sociais daí emergentes. Na mesma linha interveio o PS. Em ambas as intervenções, do Grupo Parlamentar do PCP e do Grupo Parlamentar do PS, não vi qualquer referência ou qualquer análise sobre o conjunto de medidas que o Governo tem vindo a tomar, desde o início de 1993, no sentido de relançar a actividade e de reforçar a competitividade das empresas e de salvaguardar e reforçar o emprego.
Nenhum dos grupos parlamentares atrás citados fez esta referência, dando a ideia de que o Governo, ao longo de todo este ano, se manteve inactivo, não tomou medidas, não se preocupou com a evolução económico-social do País, com o desemprego e as suas consequências, e entendo que é bom recordar aqui esse conjunto de medidas, que, repito, se destinam a relançar a actividade, a reforçar a competitividade das empresas, a salvaguardar e a reforçar o emprego. Esta é a única forma, objectiva e concreta, de combater o desemprego.
Ao nível da indústria, várias acções foram tomadas no âmbito do Programa de Apoio Intercalar às Empresas Industriais. Refiro-me aos fundos de reestruturação e internacionalização das empresas, um fundo de capital de risco no valor de 25 milhões de contos, que está praticamente esgotado, estando nós, neste momento, em negociações para o reforçar. Recordo as obrigações participantes, de cerca de 4 milhões de contos; as linhas de crédito interno bonificado com um terço de bonificação de taxa juro, de cerca de 30 milhões de contos; as sociedades de garantia mútua, de cerca de 2,5 milhões de contos, e, mais recentemente, os fundos de gestão do património imobiliário industrial, da ordem dos 10 milhões de contos, a que se adiciona o SINDAVE (Sistema de Incentivos à Diversificação do Vale do Ave), no valor de 6 milhões de contos. Desde o início de 1993, ao nível da indústria, aplicámos, de fundos nacionais, cerca de 77 milhões de contos.
Aqui se insere uma iniciativa comunitária, o RETEX, que é um programa destinado à indústria têxtil e de vestuário com o objectivo também de diversificação da estrutura produtiva das zonas primordialmente têxteis, o qual tem um valor de cerca de 48 milhões de contos, que envolve: capital de risco, 12 milhões de contos; financiamento bancário com bonificação, 12 milhões de contos; estudos de diagnóstico e estratégia de desenvolvimento das empresas a fundo perdido até 70 %, até ao montante de 11 milhões de contos; e um programa de internacionalização e promoção da imagem das empresas e das marcas, no valor de 13 milhões de contos. Recordo aos Srs. Deputados que estes programas estão todos em implementação.
Ao nível do comércio externo e no âmbito do desenvolvimento e conquista de novos mercados, insere-se o programa especial de apoio ao sector exportador. Recordo que, pela primeira vez em Portugal, foram implementadas linhas de crédito com garantia do Estado para a diversificação de mercados no valor de 270 milhões de contos, para novos mercados, o que tem a ver com a Argélia, com Marrocos, com a Argentina, com o Chile, com a República Checa, com a China, Tunísia, Irão, Hungria e Israel. Neste programa inserem-se também créditos bonificados para investimentos nos países do Magreb, de cerca de cinco milhões de contos e linhas de crédito para investimentos comerciais na Hungria e na República Checa- estou a referir acções e medidas concretas do Governo, no sentido de arranjar mercado, arranjar trabalho para as empresas exportadoras.
Foram feitas as mais diversas missões empresariais a diversos mercados alvo - China, Argélia, Egipto, Marrocos, América Latina, Estados Unidos da América, Japão, etc. -, e demos também apoio financeiro às empresas exportadoras especialmente afectadas pela instabilidade cambial e às empresas de calçado credoras da ex-União Soviética, no montante global de cerca de 15 milhões de contos. Foram aprovados até agora cerca de dois milhões de contos, en-

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volvendo 16 empresas, e estão neste momento em aprovação 60 processos relativos a oito milhões de contos.
Também para os benefícios fiscais previstos no Estatuto de Benefícios Fiscais para grandes investimentos, o limite baixou de dez para cinco milhões de contos - esta é uma das medidas que está incluída no Orçamento de Estado.
Meus Caros Srs. Deputados, tenho ainda a referir que, no domínio agrícola, também houve programas especiais: o programa especial da seca de 1992/93, nomeadamente uma moratória de um ano com bonificações de juros, com um plano .de reembolso das operações de relançamento das actividades em cerca de 12 milhões de contos; uma linha de crédito no montante de oito milhões de contos para a aquisição de factores de produção e uma linha de crédito de 60 milhões de contos para a restruturação das dívidas dos agricultores e cooperativas que tenham realizado investimentos de modernização no período pós-adesão à CEE.
Não posso deixar de referir, pela importância que tem ao nível do relançamento da actividade económica, a construção e habitação, onde se inserem os programas de habitação económica e de erradicação de barracas, bem conhecidos da população. Neste momento, em termos de habitação económica, estão lançados quatro concursos para 1 950 fogos, no valor de 12 milhões de contos, e programas de realojamento, já celebrados com as Câmaras de Sintra, Mafra, Vila Franca de Xira e Azambuja, para 2 500 fogos, o que equivale a cerca de 30 milhões de contos.
É bom recordar aqui também, no âmbito da função accionista do Estado, os programas de modernização e restruturação que estamos a tentar desenvolver e que têm em vista a defesa do emprego ao nível da Siderurgia Nacional, do Metropolitano, da TAP, da INDEP, da Portucel, da Setenave e da Lisnave.
Este é um conjunto não tomadas pelo Governo ao exaustivo das acções e medidas longo deste ano, para responder ao abrandamento da actividade económica e às suas consequências, nomeadamente ao nível do emprego.
Não vou perder tempo a falar sobre os efeitos das políticas financeiras e estruturais que têm vindo a ser implementadas pelo Governo. Admito aqui que os Srs. Deputados estejam já suficientemente informados sobre estas matérias, uma vez que se inserem no âmbito dos diversos orçamentos de Estado que têm vindo a ser submetidos a esta Câmara. Este tipo de medidas foi tomado pelo Governo no início de 1993, antecipando as iniciativas comunitárias neste sentido, e vemos com agrado que os restantes países membros da Comunidade vieram a adoptar posteriormente medidas semelhantes em cada um dos países.

O Sr. Ferro Rodrígues(PS): - Cavaco Silva é o farol da Comunidade!

O Orador: - Srs. Deputados, não é com palavras que se combate a crise. É com actos objectivos, concretos, com medidas que são implementadas e apoiam as empresas e os trabalhadores.

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado, Artur
Penedos.

O Sr. Artur Penedos(PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Governo e maioria que o sustenta têm vindo, nos últimos anos, a responder às preocupações manifestadas pelo PS, não com argumentos credíveis e acções concretas de efectivo combate às chagas sociais, mas tão-só e apenas com o estafado argumento de que somos, no quadro político-partidário, os «Profetas da Desgraça». Infelizmente para o País e para os portugueses, nomeadamente os de mais baixos recursos, as nossas previsões têm vindo a concretizar-se. Ao invés, as do Governo e do PSD falharam rotundamente!
Prometeram-nos, há cerca de um ano, um crescimento económico de 3 %. Hoje, numa posição de recuo e desorientação, afirmam que afinal esse crescimento se situará entre 0 % e 0,5 %. As falências e a instabilidade, e a debilidade das empresas acentua-se. Cresce o desemprego e diminui a população activa. O futuro, face à política deste Governo, apresenta-se cada vez mais incerto.
Não foi esta a política que prometeram aos portugueses em 1991. Nessa altura, passo a citar, afirmaram que «Portugal não pode parar de crescer» e fizeram crer aos eleitores que, com o Professor Cavaco Silva e graças à excelência das suas políticas, ficariam os portugueses imunes a todas as crises. Mais: afirmaram mesmo que a «Democracia de Sucesso», vivida então em Portugal, nada tinha a ver com circunstâncias favoráveis externas. Hoje, e por mais paradoxal que pareça, pretende o Governo desculpabilizar-se perante a opinião pública com o argumento de que a crise que atravessamos resulta da situação que se vive na Europa, em particular, e no mundo, em geral.
Sabemos que a nossa Economia sofrerá, sempre, as consequências positivas ou negativas de factores externos. Não podemos aceitar é que, quando se trate de factores positivos, não tenham qualquer influência nos méritos da excelência governativa do PSD e, quando negativos, o PSD e o Governo assumam o papel de vítimas da situação internacional. Isso não, Srs. Deputados. A verdade, Srs. Deputados, é bem diferente!
Senão vejamos: a situação do emprego em Portugal, como atrás se evidencia, fruto das políticas adoptadas pelo Primeiro-Ministro e das promessas eleitorais que não soube ou não quis cumprir, caminha a passos largos para o abismo. De l de Janeiro a 30 de Setembro do corrente ano, inscreveram-se no Instituto de Emprego e Formação Profissional 220 000 novos desempregados, sendo o total de inscritos no fim desse período de 335 412 novos desempregados, o que representa, relativamente à população activa, uma percentagem de 7,5 %.
Os números referidos, muito provavelmente, não traduzirão fielmente a realidade do País. Só que, pensamos, será por defeito. É que, havendo apenas 81 Centros de Emprego para 305 concelhos, fácil será admitir que as distâncias e a ausência de meios financeiros, de transporte e outros, serão causa suficiente para que inúmeros cidadãos desempregados não se inscrevam nesses Centros de Emprego. Esta leitura é mais credível ainda se nos socorrermos das afirmações produzidas pelo INE: «só 58,4 % dos desempregados estão inscritos». E, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, se levarmos até às últimas consequências as afirmações do INE, poderemos chegar à triste conclusão de que o desemprego atinge já 574 336 trabalhadores, o que, a verificar-se, daria um desemprego de 12,8 %. Isto sem falar na diminuição da população activa.
Mas, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, mais grave é o facto de, em Setembro passado, se terem inscrito 25 392 novos desempregados, o que representa, relativamente ao mês anterior, um acréscimo de 29,5 %!
E não pense o Governo e aqueles que ainda o sustentam que o Partido Socialista sente alguma satisfação por os

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números apresentados confirmarem a avaliação que tem vindo a fazer do País real e vertida para a opinião pública desde meados do ano passado! Não, pelo contrário, é com enorme tristeza e insatisfação que assistimos à degradação das relações de trabalho, ao avolumar do desemprego e ao consequente aumento da exclusão social. Pretendemos, isso sim, que o Governo e o PSD, de uma vez por todas, deixem de imitar a avestruz e tomem consciência da situação dramática dos trabalhadores e das empresas, uma vez que, só ganhando essa consciência, terá possibilidades de responder, objectivamente, com medidas capazes de inverter a situação.

Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nunca, como hoje, a população portuguesa tinha sentido tamanha insegurança na doença. Nunca o Serviço Nacional de Saúde se tinha encontrado de forma tão desorganizada.

Vozes do PSD: - Ai, sim?!

O Orador: - Nunca, como hoje, a resposta do Estado, em relação à manutenção da saúde da população, tinha sido tão ineficiente.
É um facto, que ninguém pode esconder, nem mesmo este Governo ou este Ministro da Saúde, mais empenhado em campanhas de «branqueamento» da sua imagem e da realidade, do que em enfrentar os factos, que as consequências da política de saúde do PSD originam diariamente queixas e reclamações, contra a falta ou a má assistência médica.
Não é com hospitais «exemplares», em termos hoteleiros, que os portugueses vêem facilitado o seu atendimento. Para eles, o principal é a possibilidade de acesso rápido aos serviços de saúde; é a resposta correcta quando necessitam.

O Sr. Rui Carp (PSD): - É, é! Médicos para o interior é que nada!

O Orador: - Para os portugueses, o que conta é a existência de serviços inseridos na comunidade; é a ausência de longas listas de espera; é a ausência de entraves burocráticos; é um correcto apoio domiciliário; é a garantia de encontrarem profissionais de saúde, quando e onde deles necessitam; é um atendimento rápido e eficaz, quando necessário, que satisfaça os que precisam de ser atendidos de urgência; é um internamento hospitalar que os acolha na altura certa e não os expulse antes de terem condições para regressarem ao domicílio.
Para os portugueses, o que não conta é a resposta demagógica deste Governo. Primeiro, a demagogia de acções de propaganda; segundo, a demagogia dos números, arrancados à força aos profissionais, que, cada vez mais, se vêem transformados em «enche-papéis» e que, cada vez menos, têm tempo disponível para prestar apoio humano àquele ser frágil, que, muitas vezes, sofre e que tem o direito de ser tratado como pessoa humana.
Como pode um médico de, por exemplo, clínica geral, com um ficheiro de 1500 utentes (muitas vezes, contrariando o que a lei estabelece, com ainda mais inscritos), guardado em caixas velhas de sapatos (situação frequente e quase geral), saber correctamente quantos doentes hipertensos possui, quais as suas idades, quais os que frequentam as consultas com assiduidade, quantos estão correctamente tratados, quantos faltam à vigilância?
Para já não falar de outras patologias, cuja estatística são obrigados a controlar trimestralmente, como seja a dos diabetes, reumáticos, cardiovasculares, neoplasias, para além da saúde infantil e da vigilância das grávidas.
Outra das estatísticas bem badaladas é a da mortalidade infantil, como se, também aqui, Portugal fosse um oásis. Falta referir, no entanto, que continuamos com índices preocupantes, em muitas regiões do país: Bragança, 20,5; Vila Real, 16,2; Porto, 13,2; Braga, 11,1; Viseu, 12,2; Évora, 11,1 (dados, em percentagem, de 1951).

Risos do Sr. Deputado Rui Carp, do PSD.

O Orador: - O Sr. Deputado está a rir-se, porque, talvez, nunca tenha recorrido ao serviço público!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Nem sequer estava a ouvir!

O Orador: - Já sabia que não estava a ouvir e que o interesse por isto era pouco, mas faça, ao menos, o frete ...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Isso é a mania da perseguição, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais do que as estatísticas, já de si significativas, importa perguntar aos portugueses se os serviços públicos de saúde lhes merecem confiança e credibilidade; se são da opinião de que casos como os dos hemofílicos contaminados com o vírus da SIDA, a morte de mais de uma dezena de hemodializados no Hospital de Évora, a morte de quatro doentes no Hospital de Santa Marta e outros casos que, diariamente, se vão conhecendo, de doentes que se dirigem a serviços de urgência a horas em que, por motivos económicos, não existem a funcionar alguns exames complementares de diagnóstico e vêm a falecer já em casa, sem o diagnóstico correcto da sua doença, são pura coincidência ou se são consequência da política de saúde deste Governo PSD.
Não podemos ter ilusões! De nada serve reclamar a substituição, como muitos fazem, do Ministro, pois não é nele que reside a culpa, ele é apenas um agente desta política.
A falência dos cuidados de saúde primários é evidente: falta pessoal (nem a, demagogicamente, anunciada transferência forçada de mais de um milhar de assistentes hospitalares - afinal, só 150! - para o interior do país foi real); falta a planificação para pôr tal medida em prática; falta equipamento; faltam os meios; falta até respeito. E é, por isto, que a prevenção é subalternizada e desprezada.
A Saúde Escolar está ao abandono; a fiscalização dos que manipulam alimentos é inexistente; a vacinação foi dificultada ao centralizar-se nos centros de saúde. Talvez tenhamos aqui uma das causas (não a principal) para que, em 1991, se tenham registado nada mais nada menos do que 5495 novos casos de tuberculose, em Portugal.
As barreiras levantadas ao acesso aos cuidados de saúde são uma constante.
Na maioria das aldeias onde ainda há médico este apenas está presente uma ou duas vezes por semana; o rácio médico/habitante, real, é inadequado; em muitos centros de

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saúde, as «bichas» são longas, desde as primeiras horas da madrugada; os exames complementares de diagnóstico são de difícil obtenção, principalmente quando ultrapassam os meramente rotineiros; e das consultas hospitalares nem se fala.
Vou apenas dar alguns exemplos.
No Hospital de Santa Maria, as consultas de cirurgia vascular, diabetes, endocrinologia, neurologia, oftalmologia, reumatologia e urologia, há muito que não aceitam marcações para o ano de 1993. Estomatologia vai mais longe, não aceita marcações nem para 1994.
No Hospital Distrital de Abrantes, numa carta dirigida, em Setembro, aos clínicos do concelho era-lhes comunicado que, em 1993, já não havia marcações de consultas de otorrinolaringologia, urologia, oftalmologia e gastroenterologia.
Estes exemplos, lamentavelmente repetem-se por todo o País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é para o PCP surpreendente este balanço. Ele era previsível, pois não é possível dar resposta às necessidades de saúde de uma população sem ter em conta que ela, para ser eficaz, resulta de uma interacção de vectores sociais muito variados, como sejam a educação, a habitação, o emprego, a segurança social, as condições ambientais.
Os portugueses são, naquilo que toca à saúde, vítimas desta política autoritária e economicista, acima de tudo e de todos, que conduz, dê forma alarmante, ao desemprego e emprego precário, diminuição da cobertura da segurança social, degradação da habitação, exploração do trabalho infantil e aparecimento de verdadeiras e extensas bolsas de pobreza.
A resposta do Governo areia», gasta com a saúde a é clara. «Enfia a cabeça na menor fatia do Orçamento do Estado, comparada com outros países da Europa (como exemplo, Portugal 9,8%; Espanha 11,4%; Reino Unido 12,4 %; Grécia 12,6 %, dados da OCDE) e tenta penalizar ainda mais a população com! o pagamento de alguns serviços. Temos consciência de que a introdução da famosa taxa moderadora foi apenas um balão de ensaio!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP não abdica da denúncia daquilo que acha serem as responsabilidades do Governo na área da Saúde, mas não o faz de forma gratuita. Temos demonstrado e continuaremos a. contribuir com as nossas propostas para a criação de alternativas. Pena que a maioria absoluta, aqui presente, faça «orelhas de mercador». Continuaremos a lutar pela regionalização dos serviços de saúde; continuaremos a lutar pela necessidade de equipas multidisciplinares nos centros de saúde; continuaremos a lutar por uma nova gestão, por uma verdadeira, articulação entre os vários sectores da saúde, pela intervenção, de forma justa, da população na gestão dos serviços, por novas formas de financiamento, mas sempre na óptica da garantia de igual acesso a todos, independentemente do seu poder económico.
Da nossa parte, continuaremos a lutar por alternativas viáveis e a participar na construção de um Serviço Nacional de Saúde melhor.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Ministro da Saúde foi já eleito pelos portugueses como o mais impopular. Arrisco mesmo a dizer que, se a impopularidade fosse dinheiro, não faltaria ao Ministério da Saúde com que honrar os que, de forma escandalosa, milhões de contos de dívidas se vão acumulando dia-a-dia, para mal da nossa saúde. Termino, agradecendo a todos os Srs. Deputados, mesmo àqueles que não estiverem interessados em ouvir.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - A Mesa informa a Câmara de que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Fernando Andrade e António Bacelar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Andrade.

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Peixoto, ouvi com atenção a exposição do Sr. Deputado e foi com alguma tristeza que ouvi alguns dos dados que aqui quis referir. Não é modo sério, nem sensato, de fazer política vir referir alguns casos, que todos lamentamos, como é o das mortes de Évora e do Hospital de Santa Marta.

Aplausos do PSD.

Por outro lado, apresentou números estatísticos da mortalidade infantil perfeitamente desadequados e desajustados. Estão absolutamente ultrapassados.
Hoje, é reconhecido em todo o mundo, ou pelo menos na Europa, que Portugal teve a maior descida da mortalidade infantil, situando-se, neste momento, em 8/1000, o que corresponde a um decréscimo de 16 para 8/1000, em cinco anos. É um dado que nenhum outro país da Europa conseguiu obter e estamos, portanto, a aproximarmo-nos de todas as metas europeias.
O Sr. Deputado referiu uma outra situação, que é a de os médicos expulsarem os doentes das urgências e dos hospitais antes de estarem em condições. Isto não é verdade! Não podemos andar a enganar as pessoas, não podemos fazer demagogia com o sofrimento dos outros!
O Sr. Deputado focou ainda outros aspectos, que gostaria de referir, como, por exemplo, a dívida, que diz ser escandalosa.
O que o Partido Comunista faz, aliás, um pouco à semelhança daquilo que o Partido Socialista também tem vindo a fazer, é tentar esconder a evolução do serviço de saúde atrás da dívida, esquecendo-se de dizer, por exemplo, que de 1985 a 1992 se aumentou a despesa do pessoal 4.4 %, a de consumos 3.9 %, a de convenções 2.8 %, a de farmácias 3.6 %, a global 4.1 %,...

Vozes do PCP e do PS: - 4.1 %?!

O Orador: - ... o que quer dizer...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Ainda é pior do que pensávamos!

O Orador: - É preciso estar com atenção, porque, caso contrário, não percebem nada disto!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Risos do PS e do PCP.

O Orador: - Em 1985, o orçamento era de 130 milhões de contos e em 1992 de 526 milhões de contos, o que quer dizer que, em termos de consumo, em 1985, o pagamento em três meses era de 16,5 milhões de contos e, em 1992, de 67,5 milhões de contos. É todo o sistema de saúde, que não é estático, que vai evoluindo, mas que os senhores não só não querem referi-lo como não querem explicar o que é isto da dívida, porque nestes 67 milhões de contos está incluída grande parte da dívida que, por estar dentro do prazo de pagamento, não o é propriamente, é, antes, uma despesa que tem de pagar-se...

Risos do PS e do PCP.

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Uma conta que está dentro do prazo de pagamento não é uma dívida mas um contrato que foi feito com um fornecedor.
No PIDDAC, em 1985, previa-se uma verba de 5 milhões de contos e, em 1994, de 42 milhões de contos, pelo que ela aumentou oito vezes. Portanto, os senhores, em vez de esconderem a evolução da saúde atrás de uma dívida, deveriam explicar o que querem dizer esses números.
Em termos de listas de espera, VV. Ex.ªs confundem as coisas. Confundem listas de espera com consultas programadas - e ainda bem que hoje isso é possível -, confundem listas de espera com situações perfeitamente crónicas, consultas de vigilância perfeitamente programadas, esquecendo que não há ninguém em lista de espera em situação de urgência.
Portugal é um paradigma e um exemplo de cobertura sanitária a nível nacional. Nenhum outro país tem uma rede de saúde e de extensões tão completa como Portugal e só poderá dizer o contrário quem não conhecer os sistemas de saúde dos outros países. Esta é uma situação inegável!
Depois, referiu-se aos médicos que vão trabalhar para o interior, dizendo que os concursos feitos para os 1500 médicos é um grande problema. Sr. Deputado, os concursos foram abertos com total transparência e legalidade e a pergunta que queria deixar ao Sr. Deputado é esta: o PCP está do lado dos sindicatos ou das populações?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Peixoto, não vou perder tempo a dizer que foi com muita atenção que ouvi a sua intervenção nem repetir aquilo que o meu colega já referiu. Por conseguinte, vou só colocar-lhe duas questões muito simples.
Por aquilo que disse, deu-me a impressão que o Sr. Deputado é contra a feitura de novos hospitais. Quer dizer, V. Ex.ª é contra os portugueses tenham direito a boas condições hospitalares, de hotelaria e de tratamento, que, como V. Ex.ª teve oportunidade de ver, em muitos casos são excelentes (até em Trás-os-Montes o Sr. Deputado teve oportunidade de verificar isso) e a que os profissionais de saúde tenham o direito a ter boas condições de trabalho, para poderem dar as melhores condições de tratamento aos seus doentes.
V. Ex.ª falou também na articulação entre os cuidados primários e os cuidados hospitalares, mas, como sabe, o próprio Ministério está a tentar acabar com essa diferenciação. Todos sabemos que essa separação é prejudicial e tende a haver uma interligação entre esses cuidados para que haja um melhor atendimento dos doentes que necessitam de tratamento médico.
Quanto à tuberculose pulmonar, todos sabemos que ela anda ligada à SIDA. O Sr. Deputado sabe muito bem que, desde que o número de indivíduos seropositivos aumentou, também aumentou a tuberculose. Portanto, não é a tuberculose que está em causa mas, sim, a tuberculose associada, infelizmente, aos indivíduos seropositivos.
Sr. Deputado, em relação às listas de espera, o meu colega já se referiu a essa matéria. Em determinadas especialidades existem listas de espera, mas, na verdade - e isto tem de ser dito! -, não há qualquer doente em situação de urgência ou em situação grave (como, por exemplo, doentes com lesões tumorais graves) que esteja em lista de espera. O senhor, como médico, sabe que todos estes doentes têm prioridade em relação aos outros. Como é óbvio, há outras situações que podem esperar.
Sr. Deputado, V. Ex.ª já não dispõe de tempo e eu não queria repetir aquilo que o meu colega já disse, pelo que lhe deixo apenas mais estes pequenos recados, para terminar: VV. Ex.ªs, normalmente, vão buscar, e estão no seu direito, os casos maus, ou seja, as listas de espera, os sítios onde chove, os tribunais onde caí um bocado de estuque e os senhores logo dizem que os tribunais estão todos estragados, etc. mas não vão ver os que funcionam bem.
Posso garantir-lhe, porque conheço, que há muitos centros de saúde no Porto em que o indivíduo no próprio dia tem consulta, se assim o desejar, e o máximo que ele espera são 24 horas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Quais? Diga quais! Dê-nos a lista deles para nós sabermos!

O Orador: - Tenho muito prazer em dar-lha, quando quiser! E onde se pode, inclusivamente, fazer marcação da consulta pelo telefone.

O Sr. José Magalhães (PS): - Excelente!

O Orador: - Pois é excelente, mas isso os senhores não dizem: só falam quando não é excelente e nós temos de ter aqui duas medidas, como os senhores têm... Mas, vão lá ver e não vejam só o que está mal, vejam também aquilo que está bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Venha mas é a lista!

O Orador: - Quando quiser!

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Já!

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Sr. Presidente, só para dizer que houve um erro da minha parte ao referir os aumentos de 1985 para 1992...

Vozes do PS: - Ah!...

O Orador: -..., não é 4 % mas, sim, quatro ponto vezes mais, três ponto vezes mais, três ponto vezes mais, no total 4.1 vezes mais e não em percentagem. Foi um lapso da minha parte.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PSD): - Sr. Deputado Fernando Andrade, os números foram aí postos um bocadinho à pressa, mas nós temos os nossos dados...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Dados? De que fonte?

O Orador: - ..., como vê, e não estão assim tão desactualizados...
Em primeiro lugar, quero agradecer as perguntas que me colocaram, pois isso demonstra que alguém na vossa bancada ainda está interessado em ouvir estas questões...

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O Sr. Adérito Campos (PSD): - Estamos todos interessados!

O Orador: - Bom, é natural que eu não venha aqui falar apenas de coisas que VV. Ex.ª entendem que são boas, é natural que tenha de denunciar outras, porque senão o vosso papel aqui resumia-se mesmo a nada. Se não vos deixar, pelo menos, essa parte de gabarem o trabalho do vosso governo, o que é que estariam aqui a fazer?
De qualquer forma, penso que o Sr. Deputado Fernando Andrade escamoteou aqui a questão da dívida; todos estamos conscientes de que há dívida, embora lhe possamos chamar calote. Então, já não é uma dívida, é um calote, mas que existe e disso eu tenho a certeza!
Quanto ao facto de não haver ninguém em lista de espera, quero lembrar-lhe que ainda há pouco tempo uma revista, que julgo ser insuspeita, fez uma sondagem e chegou à conclusão de que a média de espera dos portugueses para irem aos cuidados primários de saúde era de 15 dias, sendo 1/4 deles atendidos no dia seguinte e o outro quatro nos 30 dias depois.
Portanto, os números não foi eu que os fiz mas, sim, uma sondagem feita por uma resista que julgo isenta.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Qual é a revista?

O Orador: - A revista é a PROTESTE, Sr. Deputado, se pretender lê-la! Que eu saiba não é ligada ao PCP!
Quanto à mortalidade infantil, aconselho o Sr. Deputado a comparar os dados dos dois últimos anos porque, curiosamente, tivemos um forte agravamento em algumas regiões.
Quanto à questão da ligação aos sindicatos e aos utentes - aqui responderia também ao Dr. António Bacelar-direi que sou de opinião que os hospitais distritais devem ser munidos de médicos especialistas. Porém, não consigo compreender como é que se põe um médico oftalmologista num local onde nem sequer existe uma caixa de lentes, não consigo compreender como é que se põe um ginecologista num sítio onde nem sequer existe uma mesa de observações para senhoras. Talvez me possam explicar isso melhor!...
E digo-lhe mais: acredito nesta medicina hospitalar, que o Sr. Deputado António Bacelar disse ser uma aposta do Governo, boa para os doentes, mas acho curioso investir-se nos hospitais e tomar-se, agora, esta medida engraçada, anunciada ainda há um dia pelo Sr. Secretário de Estado da Saúde, Dr. José Martins Nunes, de os médicos especialistas, ainda não colocados na carreira hospitalar, irem ser «empurrados» para os centros de saúde, como clínicos gerais. Esta é outra novidade! Primeiro, íamos ter mais de 1000 especialistas na periferia; agora, vamos também ter especialistas a fazerem clínica geral...
Há aqui qualquer coisa que começa a estar baralhada! Foi isto o que me levou a dizer que nunca o Serviço Nacional de Saúde esteve tão desorganizado como agora.
Esperemos dias melhores. Talvez, mais tarde, com outra política e com outro governo...

Aplausos do PCP.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Então e a resposta ao problema dos médicos para o interior?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a parte reservada ao debate propriamente dito, pelo que vamos dar agora início à que se destina às intervenções de encerramento.
Nos termos regimentais, tem a palavra, por parte do partido interpelante, o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No início deste debate, o Secretário-Geral do PCP sintetizou o fulcro desta interpelação num conjunto de acusações ao Primeiro-Ministro e ao Governo.
Paralelamente a essas acusações essenciais às políticas e à acção do Governo, fomos explicitando, ao longo do debate, as nossas propostas para uma política alternativa e medidas imediatas capazes de minorar os efeitos económicos e sociais da crise sem precedentes que o País vive e para a qual não se vislumbra, com a actual política, qualquer luz ao fundo do túnel.
Mostrámos, e comprovámos, que o Primeiro-Ministro e o Governo são os principais responsáveis pela grave situação em que se encontram mergulhados a agricultura e as pescas, a indústria, o comércio e o turismo; pela destruição massiva de postos de trabalho e pelo aumento acelerado do desemprego, da marginalização e exclusão sociais; pela situação de prática ruptura a que se chegou na segurança social e no sistema de saúde.
Desmistificámos os sofismas e as orientações ideológicas, das mais retrógradas, contidas nas teses do Governo, que visam transferir para os trabalhadores dos campos, das fábricas, das empresas de serviços e da administração pública os custos da recessão.
Tal como demonstrámos a chantagem do Primeiro-Ministro, acenando com a miragem de uma saída da crise como moeda de troca para a redução dos salários e a eliminação de direitos sociais.
Enriquecemos este debate com exemplos concretos do País real, com inúmeros testemunhos e situações que nos foram transmitidos por estruturas sindicais e empresariais e outras organizações sociais, durante o trabalho sério que o Grupo Parlamentar do PCP desenvolveu por quase todo o País no âmbito da preparação desta interpelação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A tudo isto o Governo respondeu com o branqueamento da sombria e preocupante realidade nacional, alijando com ligeireza despudorada as responsabilidades próprias, faltando à verdade acerca da profundidade da recessão económica e da crise social, «metendo a cabeça na areia» do deserto que ele próprio criou, reafirmando a intenção de manter o mesmo rumo e de persistir nas mesmas políticas económicas e sociais.
Porque lhe são desagradáveis, o Governo fugiu ao confronto sério com todas as realidades e verdades que lhe colocámos, torceu e mistificou múltiplas questões e problemas, insistiu em inverdades, mesmo depois de as termos exuberantemente evidenciado e comprovado.
Este posicionamento autista do Governo - já esperado, diga-se em abono da verdade - não significou, porém, uma demonstração da força da sua razão e da confiança do Governo na evolução da vida económica e política do nosso País, bem pelo contrário!
O comportamento do Governo espelhou a sua crescente falta de lucidez e de segurança. Mostrou o seu cada vez maior temor em debater, pública e frontalmente, as suas políticas concretas e de se defrontar honestamente com as alternativas políticas que se lhe opõem.
É sintomático deste comportamento que o Governo tenha fugido a trazer ao confronto directo com as acusações

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e as propostas do PCP os Ministros das Finanças, do Emprego e da Segurança Social e da Saúde.
E o reconhecimento cabal, por parte do próprio Governo, do grau de total falta de credibilidade nacional que atinge não apenas os ministros em causa mas, e fundamentalmente, as políticas económicas, de emprego, de segurança social e de saúde, conduzidas pelo Governo do Primeiro-Ministro Cavaco Silva.
O Sr. Ministro Adjunto cumpriu aqui o que lhe foi requerido pelo Primeiro-Ministro: fugir ao debate da situação e das políticas económica e social, ignorar as questões concretas, desviar as atenções, refugiar-se na generalidade das declarações de princípios e no seio da mãe Comunidade e bem se entende porquê!
O Governo sabe, melhor que ninguém, que não é passível de qualquer defesa séria uma política económica que conduz à desindustrialização e à destruição da agricultura e das pescas, ou políticas cambial e monetária que são obstáculo às exportações portuguesas e promovem a substituição de produção nacional por importações.
Não têm defesa possível políticas que, no último ano, destruíram 130 000 postos de trabalho e que, nos três trimestres já decorridos de 1993, geraram 220 000 novos desempregados.
Não é possível ao Governo defender com seriedade uma política que conduz a uma situação generalizada de carências nas estruturas do sistema de saúde e que pretende atribuir ao cidadão a responsabilidade essencial ou única pela resolução dos seus problemas de saúde.
Ninguém no Governo se sente já com coragem para dar a cara na defesa da descoordenação e do improviso da política educativa do Governo, e afirmar a bondade do corte indiscriminado de despesas com o ensino e o sacrifício da escola pública e do direito à educação no altar da mercantilização do ensino.
Como não seria possível, designadamente neste preciso momento, que o Ministro do Emprego e da Segurança Social viesse aqui para ser directamente confrontado com o adiamento sucessivo de medidas, visando o nível das condições de prestação do trabalho e vigilância da saúde dos trabalhadores, e fosse directamente interpelado pelo facto de, três anos passados após a assinatura do acordo específico de segurança, higiene e saúde no trabalho, em sede do Conselho de Concertação Social, o Governo nada ter feito, repito, passado três anos, do que se comprometeu fazer até 30 de Abril do ano passado.
Mas, Srs. Deputados, talvez a razão essencial da permanente fuga do Governo ao debate da situação e das suas políticas económica e sociais se possa centrar na forma como encara a situação de recessão e de crise e dos objectivos que com ela prossegue.
Forma de encarar a grave situação actual e objectivos que prossegue bem consubstanciados nas afirmações que ontem aqui fez o Presidente do Grupo Parlamentar do PSD e que hoje, aliás, reiterou: por um lado, perguntando se «poderia Portugal alterar a sua especialização produtiva e operar a sua modernização sem dor»; por outro lado, propondo, em sede de revisão constitucional, a «redefinição das normas constitucionais que enquadram o Estado-Providência».

Sejamos claros: com a pergunta que formulou aquele membro da Comissão Política do PSD, deixou claro que a razão fundamental da persistência do Governo em políticas destruidoras assenta numa vontade politicamente assumida de deixar prolongar a recessão para promover a apregoada «reestruturação da economia portuguesa», não

através de uma política construtiva mas pela via das falências, dos despedimentos em massa e da criação de numeroso e permanente «exército de reserva» de força de trabalho que pressione a manutenção de baixos níveis salariais absolutos e relativos.

Com a sua proposta, o líder parlamentar do PSD confirmou publicamente que o Governo pretende usar o pretexto da recessão e da crise para tentar desferir golpes profundos em direitos sociais duramente conquistados ao longo de décadas no âmbito das funções sociais do ensino, dos serviços de saúde, das pensões e reformas e do desemprego.

Em suma, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Governo, que é o primeiro responsável pela crise, pretende construir sobre os escombros da recessão económica a miséria da regressão social.
Registamos a franqueza das palavras do Sr. Deputado Duarte Lima!
Mas, pela nossa parte, quero reafirmar ao Governo e ao PSD que o PCP se propõe continuar a agir em coerência com o princípio da inteira legitimidade de combater a execução de uma política e a permanência de um Governo que tantas e tão dramáticas dificuldades lançam no presente sobre os cidadãos e o País e que tão retrógrados e negros projectos alimentam para o futuro.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com a interpelação que agora se encerra, o Grupo Parlamentar do PCP obrigou a Assembleia da República a sair do estado de letargia, de autêntica paralisia a que tem sido submetida pelo PSD, e trouxe ao debate neste Plenário as questões centrais e determinantes com que se confronta a sociedade portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador - E posso assegurar-lhes, em nome do PCP e do seu Grupo Parlamentar, que continuaremos a combater as manobras de diversão e a agir de forma a impedir que este órgão de soberania se alheie do mundo real e esqueça os problemas centrais que se colocam a Portugal e aos portugueses.
Aliás, e nesse sentido, quero desde já anunciar-lhes que o meu grupo parlamentar, nos termos regimentais, vai propor ao Sr. Presidente da Assembleia e à Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, que um dos próximos debates mensais sobre questões de relevância nacional seja dedicado à momentosa questão da situação presente e do futuro da segurança social.

Aplausos do PCP.

Para concluir, reafirmo o empenhamento do PCP em dedicar o melhor das suas energias e dos seus esforços na busca de respostas aos problemas mais prementes do povo e do País e, por isso, no combate às políticas do PSD e à actuação do seu Governo.

Aplausos do PCP, de pé, e do Deputado Independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para encerrar o debate, pelo lado do Governo e nos termos regimentais, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional (Pinto Cardoso): - Sr. Presidente,

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Srs. Deputados: Neste debate, falou-se de pessoas, de números, de factos, de taxas. A primeira afirmação que desejaria fazer é que os problemas das pessoas são, efectivamente, muito importantes para o Governo.
Em segundo lugar, queria igualmente dizer que os factos são factos, como tal, não podem ser ignorados, e as taxas que os constroiem são as que temos disponíveis. Mas direi mais: falou-se no EUROSTAT e, sem querer maçá-los com uma apresentação exaustiva de números, dir-lhes-ei, no entanto, que esta célebre divergência entre números do INE e do IEFP não é uma criação nacional, é um facto que existe também ao nível de toda a Comunidade. Quem lê as publicações do EUROSTAT sabe-o perfeitamente.
Em relação a dados publicados precisamente no EUROSTAT, a diferença que há entre os dados equivalentes aos do IEFP e os que são produzidos pelo INE - estou a referir-me ao inquérito às forças de trabalho e aos serviços de emprego -, só em relação ao ano de 1991, é de 3 milhões de pessoas.
Fazendo o mesmo confronto entre o relatório mensal do desemprego da Comunidade e o do INE, poder-se-á ver que, ao contrário do que poderá pensar quem o afirmou, não é quantitativamente verdadeiro que o agravamento da taxa de desemprego em Portugal seja superior ao que se está a verificar nos outros países.
Se confrontarmos os dados disponíveis verificaremos que só três países da Comunidade tiveram agravamento, em pontos percentuais, superior a Portugal: a Bélgica, a Alemanha e a Itália. A média comunitária de agravamento foi 1,7 %; Portugal teve 0,7 %, quando os outros tiveram 0,3 %, 0,7 %, 0,6 %.
Mas falemos, precisamente, na última publicação do EUROSTAT. Os dados disponíveis são de l de Setembro de 1993 e dizem que a média de desemprego na Comunidade é de 10,5 %, em Espanha de 21 % e na Irlanda 18,5 %.
Mas, para lá disso, o que é mais importante nesses mesmos dados é que a média dei desemprego dos trabalhadores com menos de 25 anos -j- e não estou a falar dos que têm mais de 50 anos, dos tais que são abrangidos pelas estruturações - era de 18,3 % em 1992, 19,2 % em 1993, atingindo nalguns países como a Espanha 32,6 %, na França 20 %, na Irlanda 29,8 %, na Itália 28,4 % e chegando a atingir em relação às mulheres 38 % na Espanha.

O Sr. Artur Penedos (PS): - E em Portugal?

O Orador: - Poderei dizer que em Portugal - já que permitem esse ensejo - os mesmos dados, em termos do EUROSTAT citado, são os seguintes: para os 10,5 % da média da Comunidade o EUROSTAT apontava 4,9 % para Julho de 1993; para a média de desemprego dos menores de 25 anos contra os 19,6 % da Comunidade, Portugal estava com 10,8 %.

Protestos do PS.

Eu não sou o autor do EUROSTAT.
Em 1986, desenvolveram-se acções de formação, tendo a nível de emprego, que está ligado à formação, atingido 154 658 pessoas; em 1992, esse número foi de 493 000. São números, Srs. Deputados!
O total de pessoas abrangidas por acções de formação, entre 1986 e 1989, foi de 972 000 e prevê-se que, no período compreendido entre 1990 e 1993, o universo de beneficiários de acções de formação ultrapasse 1 400 000 pessoas. Entre 1990 e 1993, as medidas específicas de emprego e formação profissional beneficiarão mais de 800 000 pessoas, das quais cerca de 25 000 correspondem à criação de postos de trabalho.
Para combater o desemprego, a proposta do Governo para o acordo social de política de emprego em fase de concertação social prevê-se, só para o período de 1993 a Dezembro de 1994, o apoio a 127 000 pessoas em risco de desemprego ou desempregadas e cuja situação careça de apoios, medidas de formação/ocupação. A taxa de desemprego em Portugal era de 7,9 % em 1993, 8,5 % em 1994 e 8,6 % em 1985. Em 1987, o número de desempregados era 384 700, neste momento, apesar do agravamento, a taxa de desemprego é de 5,6 % e o número de desempregados é de 250 000.
Em 1992 e 1993 criaram-se as Univas, que apoiarão os formandos na inserção na vida activa, e instituiram-se as bolsas individuais de formação. Intensificou-se o acompanhamento técnico e pedagógico nas acções de formação, reforçou-se o controlo no rigor da sua execução, constituiu-se o observatório tripartido de emprego e formação profissional, que detecta as necessidades de emprego e formação, e regulamentou-se o sistema de certificação profissional que assegura a qualidade das qualificações.
Procura-se, assim, assegurar aos trabalhadores formação com rigor, qualidade e adequação, na convicção de que na incerteza da constante mutação, imposta pela inovação e pelo progresso, a qualificação e a avocação de saberes são a garantia da adaptação à mudança.
Criados em Fevereiro de 1993, encontram-se em execução, já há vários meses, programas ocupacionais, organizados por entidades sem fins lucrativos, para a realização, por desempregados subsidiados, de tarefas em benefício da colectividade por razões de necessidade social ou colectiva, proporcionando actividade aos que, por motivo de desemprego, ficam inactivos.
Criaram-se também, em 1993, os clubes de emprego que poderão reforçar as estruturas dos centros e dos postos de emprego, estruturas de intervenção social que dão a toda a sociedade civil e a todos os que, institucionalmente, têm o dever social de intervenção a possibilidade de apoiarem os desempregados, não se limitando ao papel de relatores de diagnósticos de infortúnio mas permitindo-lhes partilhar, solidária e coerentemente, a tarefa - que, sendo do Governo, também a eles lhes pertence - de contribuírem não por palavras mas, sim, por actos para a resolução dos problemas cuja existência não basta proclamar, sendo muito mais válido, embora difícil, contribuir responsavelmente para a sua resolução.

Aplausos do PSD.

Será isto degradação dos direitos sociais? Em 1987, procurou apoiar-se a reabilitação profissional de 2757 pessoas. Em 1992, esse número subiu para 8594, estimando-se que atinja 11 000, em 1993, e mais de 11 600, em 1994.
Nesta área, o Governo procurou também promover e apoiar o desenvolvimento de projectos de acções que contribuam para minorar as dificuldades das pessoas portadoras de deficiência e estimular e facilitar o seu acesso ao mercado de emprego. E igual preocupação será consubstanciada no novo Quadro Comunitário de Apoio.
Consciente de que não obter emprego é, em muitos casos, por vezes - e, no caso da península de Setúbal, há essa evidência, pois cerca de 50 % das situações de ofertas de emprego não têm sido satisfeitas por falta de qualifi-

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cações -, consequência da não existência de formação e da inerente necessidade de informação, está o Governo a implementar, já em 1993, a título experimental, uma rede institucional de consultores, que, a nível de pequenas e médias empresas com menos de 50 trabalhadores, garantam o necessário apoio ao diagnóstico de necessidades e à execução do plano de formação.
No mesmo sentido, está em curso um vasto programa de formação profissional que permitirá a todos, por forma regular e clara, o exercício do direito à informação profissional.
No âmbito do novo Quadro Comunitário de Apoio procurar-se-á generalizar a formação inicial e estarão presentes as preocupações em termos de higiene e segurança no trabalho, que passarão a ser dados necessários da formação em termos de saberes transversais; procurar-se-á melhorar a qualidade e o nível de emprego, através da formação contínua; apoiar os grupos desfavorecidos e excluídos, actuando nas condições que viabilizem o seu acesso às medidas de emprego e formação e à vida activa; melhorar as estruturas humanas, técnicas e físicas da política de emprego e formação e organização e gestão do mercado de formação; incentivar o desenvolvimento do emprego e formação numa óptica local e regional.
Entretanto, em 1992 e 1993, deu-se execução às 51 medidas constantes no acordo de política de formação profissional, subscrito em 1991 por todos os parceiros sociais. Desde Junho do corrente ano que se analisa com os parceiros sociais, em diálogo perfeitamente aberto e de total liberdade, um conjunto de várias dezenas de medidas de combate ao desemprego.
O Governo acredita no diálogo social e pratica-o. Toda a política de emprego e formação tem tido, aliás, na sua concepção e avaliação, a participação dos parceiros sociais. No âmbito do novo Quadro Comunitário de Apoio, prevê-se até a figura do programa-quadro, centralizando nos parceiros sociais e noutros representantes institucionais da sociedade civil o direito de conceberem e gerirem os programas de formação que considerem mais adequados às necessidades sectorialmente específicas. A moldura da concertação e da participação tem sempre enquadrado o desenvolvimento das políticas e das iniciativas que visam, através das acções de formação ou formação/emprego, valorizar os nossos recursos humanos. A comprová-lo está, uma vez mais, a evidência de mais de quatro meses de negociação, com os parceiros sociais, do acordo social de política de emprego, procurando, em ambiente de cooperação e de independência, os consensos necessários à definição das medidas que permitam o relançar da economia e a luta contra o desemprego.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, dizer que este debate não se salvou por qualquer afirmação positiva da estratégia da oposição não é mais do que uma contestação legitíma, séria e indiscutível. Mas não é essa, para nós, a conclusão mais importante a reter deste confronto político. Ela tem a ver com o facto de ter ficado claro que o País tem, verdadeiramente, um rumo certo. De resto, era isso que importava na perspectiva responsável em que sempre nos colocamos.
Para o Governo e para o PSD Portugal e os portugueses estão sempre acima de todas as coisas e de todos os interesses. Essa é, afinal, a diferença profunda que nos distingue da oposição.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, chegámos ao fim da ordem do dia de hoje.
A nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 10 horas, e, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do Regimento, será dedicada a assuntos de interesse político relevante.
Lembro, entretanto, que a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares vai ter lugar amanhã, às 9 horas e 45 minutos, na Sala D. Maria, para agendamento do recurso apresentado pelo CDS-PP.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 30 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Francisco João Bernardino da Silva.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João José Pedreira de Matos.
José Macário Custódio Correia.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Manuel Santos de Magalhães.
Manuel Alegre de Melo Duarte.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Anabela Honório Matias.
António Maria Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Manuel Nunes Liberato.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.

Partido Socialista (PS):

Ana Maria Dias Bettencourt.

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66 I SÉRIE - NÚMERO 2

António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António Luís Santos da Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.

Partido Comunista Português (PCP):

José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

DIÁRIO
Da Assembleia da República

Depósito legal n. º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

PORTE PAGO

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:

Diogo Pinto de Freitas do Amaral.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

AVISO

Nos termos do n.º 4 do artigo 122.º do Regimento da Assembleia da República, será distribuída gratuitamente com a 1.ª série do Diário da República uma série especial, de periodicidade quinzenal, para publicidade dos sumários da 1.ª série do Diário da Assembleia da República.

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Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do «Diário da República» e do «Diário da Assembleia da República» deve ser dirigida a administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E.P. - Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5 - 1099 Lisboa Codex.

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