O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 105

Sexta-feira, 29 de Outubro de 1993 I Série - Número 5

DIÁRIO da Assembleia da Republica.

VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE OUTUBRO DE 1993

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário de Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMARIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 12 horas e 20 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Foram aprovados os n.ºs 79 a 93 do Diário.
A Câmara aprovou igualmente um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à substituição de um Deputado do PS e de outro do PCP.
O Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD) procedeu à apresentação do parecer da mesma Comissão ... que foi aprovado ... sobre o recurso interposto pelo CDS-PP de admissibilidade da proposta de lei n.º 78/VI ... Alteração à Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1993), tendo produzido intervenções os Srs. Deputados António Lobo Xavier (CDS-PP), Guilherme d'Oliveira Martins (PS), Octávio Teixeira (PCP), André Martins (Os Verdes) e Costa Andrade (PSD).
Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 78/VI... Alteração à Lei n.º 30-O92, de 28 de Dezembro {Orçamento do Estado para 1993), que foi aprovada. Depois da apresentação do relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano pelo Sr. Deputado Olinto Ravara (PSD), intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro das Finanças (Braga de Macedo), os Srs. Deputados Manuel dos Santos (PS), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Paulo Trindade (PCP), Mário Tomé (Indep.). Lino de Carvalho (PCP). Rui Rio (PSD), Octávio Teixeira (PCP), António Lobo Xavier e Nogueira de Brito (CDS-PP), Ferro Rodrigues (PS), Castro Almeida, Silva Marques e Rui Carp (PSD), André Martins (Indep.) e Luís Amado (PS).
A Câmara aprovou ainda três pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando dois Deputados do PSD e dois Deputados do PS a deporem como testemunhas.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 55 minutos.

Página 106

106 I SÉRIE-NÚMERO 5

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 12 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):
Abílio Sousa e Silva.
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José, Martins Viegas.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbe sã de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Vallére Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Manuel Pereira de Almeida e Silva.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Telmo José Moreno.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.

Página 107

29 DE OUTUBRO DE 1993 107

Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Eduardo dos Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão.
José Paulo Martins Casaca.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrígues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Mário António Baptista Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 349/VI - Elevação de Loureiro à categoria de vila (PSD); 350/VI - Elevação de Pinheiro da Bem-posta à categoria de vila (PSD) e 351/VI - Criação das freguesias de Cardosas e Pedra Mourinha (PSD), que baixaram à 5.ª Comissão; projecto de resolução n.º 67/VI - Considera o Dr. José Azeredo Perdigão benemérito da Pátria (PAR, CDS-PP, PSD, PS, Os Verdes); proposta de resolução n.º 41/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a Irlanda para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, bem como o respectivo protocolo, que baixou à 6." Comissão; audição parlamentar n.º 17/VI- Sobre o processo do Hospital do Patrocínio (PCP), que baixou à 8.ª Comissão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89,90,91, 92 e 93 do Diário, respeitantes, respectivamente, às reuniões plenárias dos dias 3,4, 8, 9, 16, 17, 18, 23, 24, 25, 29 e 30 de Junho e 1/2 e 15 de Julho.

Pausa.

Não havendo objecções, consideram-se aprovados.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a substituição de Deputados.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição dos Srs. Deputados António Costa, do PS, para o período de 26 de Outubro corrente a 10 de Dezembro próximo, e Rogério Brito, do PCP, por um período não inferior a 45 dias, com início em 27 de Outubro, respectivamente pelos Srs. Deputados José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão e Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e dos Deputados independentes Freitas do Amaral, João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
Srs. Deputados, como sabem, da nossa sessão de hoje consta a apreciação do recurso interposto pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP ao despacho proferido pelo Presidente da Assembleia da República que admitiu liminarmente a proposta de lei n.º 78/VI- Altera a Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 1993).

Como VV. Exas. sabem, o Regimento, no seu artigo 139.º, estipula que a apreciação destes recursos tem por objecto o respectivo parecer elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que é lido e votado, podendo cada grupo parlamentar produzir uma intervenção nos termos definidos pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Gostaria lembrar que a Conferência definiu que cada grupo parlamentar, dada a complexidade da matéria, disporia de 5 minutos e eu próprio, prevalecendo-me de um direito regimental, atribuí ao recorrente mais 5 minutos para que possa justificar o recurso.

Página 108

108 I SÉRIE-NÚMERO S

Quanto à leitura do parecer, tal como estipula o Regimento, dado • ser muito extenso, podendo demorar cerca de 40 minutos, foi obtido consenso dos diferentes grupos parlamentares no sentido de ía mesma ser substituída por uma exposição oral feita pelo respectivo relator.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do CDS-PP, no uso de um direito regimental} recorreu do despacho de admissão liminar da proposta d£ lei n.º 78/VI, que pretende aprovar o Orçamento Suplementar ao Orçamento do Estado para 1993.
O fundamento deste recurso sintetiza-se no seguinte: no entendimento do grupo parlamentar recorrente o artigo 5.º desta proposta de lei, que altera o artigo 59.º do Código do IRC, e o n.º 4 do artigo 7.º da mesma proposta de lei, que revoga o artigo 18.f do Estatuto dos Benefícios Fiscais, enfermariam de insconstitucionalidade por terem eficácia retroactiva.
No primeiro caso, trata-se de alterar as condições fixadas para a tributação do lucro consolidado e, no segundo, de revogar o esquema estabelecido no artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, por via do qual, no reinvestimento do produto de mais-valias, investimento este no próprio activo das empresas, na construção e fabricação de elementos que integram j as sociedades ou na aquisição de determinados títulos financeiros, designadamente títulos do Estado, nesses casos, o produto destas mais-valias ser deduzido e não integrar c! rendimento para efeito de IRC.
No parecer analisei esta questão e expendi o entendimento de que, face ao |n.º 7 do artigo 7.º do Código do IRC, que estabelece que o momento em que se considera o apuramento do lucro do rendimento ocorre a 31 de Dezembro, isto permitiria, de harmonia com alguma doutrina, que fosse possível alterar as regras fixadas no âmbito da tributação relativamente ao exercício económico em curso ao qual se vão aplicar estas alterações.
Portanto, a minha primeira posição é a de que, face ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do IRC, estas normas da proposta de lei do Orçamento Suplementar não são retroactivas e não o sendo não enfermariam de inconstitucionalidade.
No entanto, no mesmo parecer, reconhecendo que esta questão não é pacífica do ponto de vista doutrinário, quer fiscal quer constitucional, analisei as várias posições que a doutrina tem sobre a retroactividade, a sua a graduação e as diferentes consequências jurídicas para cada um desses casos e situações. Isto para concluir que, mesmo para os que possam, a este propósito, ter o entendimento de que o n.º 7 do artigo 7.º do Código do IRC não impede que estas normas sejam consideradas retroactivas, mesmo nesse caso, estaríamos perante uma retroactividade de terceiro grau, portanto mínima, afectação do princípio
e, nesta circunstância, não haveria a da confiança e da segurança jurídica, decorrentes do princípio do Estado de Direito Democrático que o artigo
2.º da Constituição consagra, e, mesmo aí, para quem entenda que ocorre retroactividade, não haveria, apesar disso, inconstitucionalidade.
Apelo também para a jurisprudência do Tribunal Constitucional que, em situações de retroactividade de primeiro grau, designadamente a criação ex novi de impostos ( como aconteceu em 1982 e 1983)entendeu que não havia uma violação intolerável e inadmissível do princípio da confiança e da segurança jurídica, considerando, por essa razão, não ocorrer inconstitucionalidade.
Parece-me que não se estando propriamente na criação de um imposto mas, apenas, num caso de alteração de regras relativamente a um benefício e noutro na eliminação de um benefício, repondo a regra normal do funcionamento do imposto, e perante uma eventual retroactividade (que não aceito, apesar de haver doutrina que assim o possa pensar), por maioria de razão, nestas circunstâncias, não poderia ocorrer inconstitucionalidade com base na violação de tais princípios.
A isto acrescentar-se-á a circunstância de estas alterações serem ditadas por razões de os normativos agora alterados virem propiciando um uso abusivo e alguma distorção por parte dos contribuintes, defraudando, de certo modo, o fisco em várias circunstâncias.
É também doutrina, designadamente do Tribunal Constitucional alemão, que ocorrendo qualquer retroactividade em normas de direito fiscal que visem corrigir situações menos legítimas ou menos lícitas, também nesse caso, atento o interesse público que essas normas envolvem, nomeadamente a correcção e reparação de desvios, que são atentados à comunidade em geral, não se entende que haja violação do princípio da confiança e da segurança jurídica em termos de estarmos perante uma inconstitucionalidade.
Fiz, igualmente, referência ao Direito Comparado em termos constitucionais para concluir que poucos são os países que têm uma norma expressa na sua Constituição no sentido do princípio da irretroactividade da lei em geral e em particular da lei fiscal, havendo mesmo países, designadamente a França, em que a Constituição o consente.
Referi-me ainda um pouco à nossa própria história constitucional, designadamente à Constituição de 1911, referindo que a Carta Constitucional anterior tinha uma norma nesse sentido e que em 1911 apareceu uma proposta, de um dos constituintes, para introduzir essa norma, proposta essa que é rebatida por Barbosa de Magalhães e Afonso Costa e retirada pelo proponente.
Também em relação à Constituição vigente, o próprio projecto de Sá Carneiro e o de Jorge Miranda também apontavam para a consagração constitucional do princípio da retroactividade mas, como vem referido no projecto subscrito pelos Drs. Barbosa de Melo, Cardoso Costa e Vieira Andrade, que foi o que fez vencimento, não .era recomendável que a Constituição consagrasse semelhante solução, mantendo-se a solução da retroactividade a nível constitucional apenas para a lei penal.
Acrescento aos argumentos do consentimento, na hipótese de se entender que existe retroactividade, a circunstância de, pelo menos relativamente a outras normas, ela ter natureza de direito transitório e haver um entendimento, aí quase unânime, da doutrina no sentido de que em tais situações também é consentível a retroactividade.
Finalmente, gostaria de ler-vos as conclusões do parecer, que são as seguintes:
«a) - Façe ao disposto no n.º 7 do artigo 7.º do Código do IRC, o artigo 5.º e o n.º 4 do artigo 7.º da proposta de lei n.º 78/VI não são normas com carácter retroactivo.) - Ern qualquer caso, a não existir o n.º 7 do artigo 7.º do Código do IRC ou norma equivalente, só seria possível imputar a tais normas uma retroactividade de grau mínimo, determinada por razões superiores de interesse público e visando pôr termo a abusos e actuações que, subvertendo o espírito das normas alteradas, conduziam à evasão fiscal e à erosão da base tributável do imposto) - Por assim ser, neste caso, a frustração de eventuais expectativas dos contribuintes não ofende, de forma intolerável e inadmissível, os princípios da protecção da confiança (Vertrauenschutz)

Página 109

29 DE OUTUBRO DE 1993 109

e da segurança jurídica inerentes ao princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no n.º 2 da Constituição, que o legislador deve, em cada caso, ponderar .d) - A Constituição da República não contém norma expressa no sentido de impedir a retroactividade da lei fiscal, reservando tal princípio, apenas, para a lei penal (artigo 29.º da CRP), não se podendo assim falar constitucionalmente do princípio: «nullum tributum sine lege proevia».e) - O Tribunal Constitucional não considerou inconstitucionais anteriores diplomas com retroactividade de l.º grau, que criaram novos impostos, por considerar não haver ofensa intolerável do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica (v.g. Acordão 11/83 e Acordão 141/85).

Parecer

Não enfermando as disposições do artigo 5.º e do n.º 4 do artigo 7.º da Proposta de Lei 78/VI de qualquer inconstitucionalidade, nada impedia a admissão daquela proposta de lei pelo Sr. Presidente da Assembleia da Republica, cujo despacho dever-se-á manter integralmente, rejeitando-se o recurso interposto pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP.»

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, muito obrigado pela síntese que fez do parecer.

Tem a palavra, por 10 minutos, o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: A primeira reflexão que pretendo fazer é a de que, porventura, teremos de repensar o procedimento adequado a estes incidentes para que não aconteça o que hoje aconteceu: que se leia primeiro a contestação antes da petição inicial.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A segunda questão que pretendo referir é no sentido de rejeitar a ideia- que, porventura, pode passar para a opinião pública - de que hoje estamos aqui a fazer um debate formal ou um exercício perante um expediente de uma oposição académica.
Este debate não é puramente formal, mas um debate sobre o Estado Democrático e sobre os limites da maioria. É um debate sobre os níveis de confiança e estabilidade de que carecem, segundo as várias concepções aqui representadas, as economias de mercado. Não é, por outro lado, também, um puro debate sobre minúcias técnicas que estão apenas ao acesso de alguns. A questão é política, embora os técnicos possam trazer para esse debate melhores contributos e melhores dados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo uma questão profundamente política, que a técnica pode iluminar, gostaria de referir, numa nota pessoal que considero curiosa, o facto de o recorrente se basear em última análise nos ensinamentos que em tempo colheu do principal recorrido: a ideia de que a estabilidade e a simplicidade do sistema fiscal são exigências quase constitucionais para o funcionamento de uma economia livre e aberta.
Curiosamente, há dez anos, eu próprio ataquei aqui a inconstitucionalidade dos impostos estabelecidos em 1983, dos impostos retroactivos, assumidos como tal pelo Governo de então e justificados com transparência e frontalidade pela gravidade da situação económica e financeira do País.
Passados dez anos, vimos aqui discutir os mesmos processos, os mesmos ataques à confiança, mas por detrás de uma cortina que esconde os verdadeiros motivos desta agressão súbita à estabilidade e confiança dos contribuintes.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não!...

O Orador: - Não se faz aqui, ao contrário do que já se disse, um debate entre aqueles que querem moralizar o sistema fiscal e aqueles que querem que tudo continue na mesma. Trata-se de uma profunda falácia dizer que, com estas leis que hoje aqui são criticadas, se pretende moralizar o sistema fiscal. Porque os abusos não se combatem com outros abusos, não se combatem com retroactividade nem com cadeia, mas com fiscalização justa, eficiente e com administração eficaz. Isso não se consegue com perseguições a funcionários, nem com bodes expiatórios nem com controladores políticos da administração fiscal.
A moralização é uma tarefa com dois sentidos e estamos prontos a discuti-la e a colaborar nela. Propomo-nos mesmo elaborar um projecto de lei nesse sentido que, aliás, tem sido objecto das nossas preocupações académicas recentes. Agora, rejeitamos que seja com leis retroactivas, que punem todos indistintamente, que se pretenda combater alguns casos de abuso das formas jurídicas permitidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: E especialmente chocante que no momento em que o Governo apela a uma contratualização entre o Estado e os contribuintes, ou entre o Governo e os contribuintes, em que entende o Orçamento como um contrato entre o Estado e os contribuintes, fazendo apelo a fórmulas liberais que até já não se usavam para explicar quais são os gastos que vai fazer com o dinheiro que lhes vai retirar, mostre não ser capaz de cumprir contratos e que não pode ser aceite como uma parte de boa-fé.
Pela parte do CDS-PP, em nome dos nossos representados e para continuar a linguagem jurídica, a analogia jurídica, não assinamos contratos com partes em quem não podemos confiar.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O outro grande problema que está em causa é saber como é que a confiança pode ser protegida em face da própria maioria ou da própria vontade da maioria. Ou seja, para explicar, correctamente, os limites da agressão à confiança e à estabilidade de facto temos de descer um pouco ao terreno da técnica.
O recorrente, o CDS-PP, interpôs o seu recurso com a noção clara de que esta questão deve ser discutida na Câmara a partir do máximo consenso. Temos ideias próprias sobre o significado específico da retroactividade fiscal, discordamos em parte de alguns passos da jurisprudência do Tribunal Constitucional, mas assumimos, claramente, que aceitávamos essa jurisprudência para este efeito, para este debate, e era dela que queríamos partir.
Deixemos de lado, pois, todas as reflexões antigas, embora elas sejam marcos importantes - exemplos importantes da literatura e da jurisprudência jurídica portuguesa - e atenhamo-nos, apenas, àquilo em relação ao qual estamos em princípio unidos ou estão os juristas unidos, ou seja, aos critérios do Tribunal Constitucional.
A primeira coisa que queria lembrar é a de que o Tribunal Constitucional estabeleceu um conjunto de critérios para avaliar quando é que uma norma fiscal retroactiva pode ser inconstitucional e em nenhum desses critérios se referiu a uma velha distinção corrente, mais no Direito Civil do que no Direito Fiscal, que era a distinção entre os vários graus de retroactividade ou entre retroactividade pura

Página 110

110 I SÉRIE-NÚMERO 5

e impura. Não encontramos - é essa a base de defesa do Governo e da maioria - o Tribunal Constitucional a apoiar-se uma única vez nesses critérios formais que, vindos do Direito Civil ou da Teoria Geral do Direito, vêm distinguir consoante a retroactividade é muito forte ou é apenas ligeira. Não! A jurisprudência do Tribunal Constitucional aponta no sentido de ser necessário avaliar em concreto se o dano na confiança dos contribuintes é desproporcionado, intolerável, ou é de todo em todo imprevisível. São estes os critérios que os juristas aceitam e é com eles que temos de trabalhar aplicando-os ao caso concreto.
A defesa da maioria e a defesa do Governo consiste no seguinte: como apenas está em causa o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas e como esse imposto contém uma norma expressa - aliás, nem era necessária - que diz que a dívida de imposto só nasce no fim do ano fiscal, em 31 de Dezembro, então, tudo é permitido até essa data. Como a dívida só nasce em 31 de Dezembro, o legislador pode modificar ao longo do ano - com eficácia para trás - todas as normas que disciplinam a constituição, a vida e a extinção dessa dívida ainda que perturbe a serenidade e a tranquilidade dos contribuintes.
Trata-se de um ponto de vista puramente formal porque do lado da confiança dos contribuintes é igual que esta lei seja aprovada e entre em I vigor com efeitos retroactivos no próximo dia 2 de Janeiro ou que entre em vigor quando, porventura, for aprovado este orçamento suplementar.
O erro da argumentação do Governo e da maioria consiste no seguinte:, é que mandando a mais moderna jurisprudência e sabendo nós que o Tribunal Constitucional - coisa que é omitida no parecer e no relatório - já determinou a inconstitucionalidade de várias normas fiscais retroactivas, mais recentemente, é um argumento formal o de que o que está em causa não. Na verdade, o que é saber se a dívida já nasceu ou está em causa é sabermos se a confiança dos contribuintes foi ou não afectada. Não nos interessa saber do formalismo sobre se a dívida nasceu ou não, mas saber se os actos sucessivos da formação da dívida, que foram praticados pelo contribuinte, tiveram ou não em conta os dados legislativos da altura. Não interessa saber se com estas normas, formalmente, está prejudicada uma dívida que já se constituiu, mas saber se os passos sucessivos da formação dessa dívida foram ou não afectados por estas leis retroactivas.

A questão é, porventura, muito complexa. Mas do nosso ponto de vista, ao contrario da maioria e do Governo, é muito mais grave pelo facto de se tratar de benefícios fiscais ou de campos onde o Estado confere ao contribuinte escolhas.
Por um lado, o sistema fiscal português não é neutro, não é um sistema justo e perfeito, mas um sistema conscientemente semeado de benefícios e de incentivos. É um sistema que pretende induzir os contribuintes à prática de certos comportamentos por conveniência da política económica. E o que estas leis fazem é, digamos, penalizar aqueles que se comportam de acordo com os objectivos do próprio Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É especialmente gravoso, no caso do sistema dê tributação pelo lucro consolidado, quando o Estado, através de uma lei retroactiva, vem contra a sua própria decisão, contra as próprias e recentes decisões do Ministro das Finanças, na sequência de processos de averiguação prévia, dos tais abusos, da tal falta de moralização, que pode ser avaliada caso, a caso.
O que falta é, pois, fiscalização. O que falta para punir os abusos são leis justas e essas leis podem dispor para o futuro. Não é preciso agredir o passado nem os comportamentos passados para termos um sistema fiscal justo.
Por isso, o CDS-PP considera que estas normas são claramente inconstitucionais e constituem uma violação intolerável, desproporcionada, imprevisível e criam a sensação de que já não se pode confiar em mais nada.
Aplausos do CDS, do PS, do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS). - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aquilo que neste momento está a acontecer no Parlamento é extraordinariamente importante.
O Parlamento começou por ser uma Câmara de imposto, começou por ser um local onde os contribuintes viam os seus direitos defendidos, e, nesse sentido, este recurso constitui um momento especialmente importante na vida parlamentar. E o que está em causa é a confiança dos contribuintes. Estamos perante a alteração da legislação tributária. É o velho tema da retroactividade da lei fiscal que, como já aqui foi dito, apesar de a Constituição e de a lei não proibirem expressamente, tem de entender-se como devendo ser limitada à luz do princípio da confiança dos contribuintes - dos cidadãos e do primado do Estado de Direito.
Comecemos pelo caso do imposto sobre o rendimentos das pessoas colectivas, IRC.
Vem argumentar-se que a lei nova é publicada médio temporis e que o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação. Daí - pasme-se! -, diz-se: «não há retroactividade». Não tem razão quem assim argumenta. O problema está, sim, em sabermos se estamos ou não perante a retroactividade da lei tributária, naquilo que a doutrina tem designado como retroactividade do terceiro grau, que não deixa de ser, no entanto, retroactividade.
Passemos agora à jurisprudência. A Comissão Constitucional, em 1982, veio dizer expressamente que «a retroactividade tributária só terá beneplácito constitucional se razões de interesse geral a reclamarem, se o encargo não se mostrar desproporcionado para o contribuinte», e, mais, «se o encargo aparecer aos olhos do contribuinte como verosímil ou mesmo como provável». Esta é a questão.
Efectivamente, tem de se perguntar em concreto se, relativamente ao contribuinte, o sacrifício exigido é verosímil ou provável. É uma questão típica da equidade da lei, da aplicação equitativa da lei, na qual o rigor tem de se ajustar à adequação. E o que encontramos aqui? No terminar de um ano, depois de, solenemente, o Governo, como recordou o Sr. Deputado António Lobo Xavier, ter feito um contrato com os contribuintes, através deste Parlamento, o Executivo vem «dar o dito pelo não dito». Aos olhos do contribuinte é, pois, uma alteração que surge como não verosímil e improvável.
Trata-se de um caso diferente daquele que, tantas vezes, ocorreu nesta Casa, resultante do atraso na aprovação da Lei do Orçamento. Aí a verosimilhança e a probabilidade existiam, neste caso não. É, pois, uma questão de confiança. Há retroactividade e é muito duvidoso que seja constitucional, atento o respeito pelo valor da justiça e o princípio da equidade.
E o n.º 4 do artigo 7.º da proposta de lei, ou seja, a revogação do artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais?

Página 111

29 DE OUTUBRO DE 1993 III

Tal dispositivo permitia, como se sabe, excluir da base tributável a diferença entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de imobilizações corpóreas ou financeiras desde que tais transacções fossem reinvestidas na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo corpóreo, na aquisição de quotas ou acções das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial ou em títulos do Estado português. Era isto o que se dizia e neste momento vem-se revogar, pura e simplesmente, esta faculdade, que estava atribuída ao contribuinte. A retroactividade existe, não é legitíma, e vem o Governo argumentar com uma perversão, ou suposta perversão, do mecanismo legal, já que estaria a ocorrer «uma mera drenagem de lucros». E neste ponto, há um julgamento político que tem de ser feito aqui, que tem a ver, no fundo, com o facto de o Executivo não ter ponderado devidamente as consequências da medida adoptada. Esta é a questão fundamental e não pode, naturalmente, ser esquecida.
No caso dos benefícios fiscais, nem pode, aliás, invocar-se o n.º 7 do artigo 7.º do Código do IRC, uma vez que o acto tem uma autonomia própria, as mais-valias correspondem, de facto, a actos tributários autónomos, e só haverá respeito pela Constituição se se estipular para o futuro uma data razoável, que evite movimentos especulativos: por exemplo, o dia 15 de Outubro, justamente a data de entrada neste Parlamento da proposta de lei, a partir da qual o contribuinte zeloso poderia, naturalmente, prever a possibilidade de perder este benefício. E note-se o seguinte: neste caso, a retroactividade é particularmente grave, porque, em termos da técnica de aplicação deste benefício fiscal, já que o efeito não ocorre apenas no período de um ano mas, sim, ao longo de dois anos.
O Estado de Direito está em causa e é por isso que, no plano político, temos de fazer um julgamento negativo relativamente a esta iniciativa. Juízo político que tem naturalmente consequências constitucionais.

O Sr. Presidente: - Peco-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Orador: - Concluo de imediato, Sr. Presidente.

O Estado para ser considerado como pessoa de bem tem, naturalmente, de cumprir os seus compromissos. Quem sai fortemente penalizado, neste caso, é o contribuinte cumpridor e de boa fé. Mais uma vez, «paga o justo pelo pecador», quando o Governo não assume as suas responsabilidades quanto ao mau funcionamento da administração fiscal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por tudo aquilo que acabei de dizer e por estarem em causa os legítimos direitos dos contribuintes, votaremos favoravelmente o recurso apresentado pelo CDS.

(O Orador reviu.) Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que agora está colocado à consideração da Assembleia da República não é a bondade, maior ou menor, das propostas de alteração ao quadro fiscal em vigor mas apenas a questão da admissibilidade da proposta do Governo, suscitada pelo requerimento de impugnação apresentado pelo Grupo Parlamentar do CDS.
Do ponto de vista do Grupo Parlamentar do PCP, é importante que esta pública chamada de atenção seja feita e que o objecto estrito deste debate fique esclarecido.
Temos uma opinião muito clara, repetidamente expressa nesta Assembleia, sobre o excesso e a imoralidade dos benefícios fiscais que o Governo tem vindo a conceder às actividades e operações financeiras, às mais-valias especulativas e aos grupos económicos e temos sido igualmente claros e coerentes no combate à arbitrariedade e à prepotência tributária, na defesa da segurança jurídica dos cidadãos.
O que agora está posto em causa é o arbitrário recurso pelo Governo à aplicação retroactiva de alterações fiscais. Bem podem, o Governo e o relator do parecer da 3." Comissão, tentar socorrer-se do n.º 7 do artigo 7.º do Código do IRC para defender a tese da não retroactividade.
É verdade que esse dispositivo legal, por razões essencialmente práticas de cálculo da matéria colectável e da liquidação do imposto respectivo, define que «o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação». Mas não é menos verdade, é mesmo irrecusável, que os lucros e resultados de uma empresa vão sendo gerados ao longo dos 365 dias do ano e não apenas no dia 31 de Dezembro. As operações, designadamente as que estão em causa na proposta de lei, que a empresa realiza ao longo do ano assentam em opções em que o quadro fiscal tem, muitas vezes, peso preponderante e determinante.
Por isso, não tenhamos e não restem quaisquer dúvidas sobre os efeitos retroactivos das propostas do Governo.
Ora, sendo certo que não há disposição constitucional de que resulte directamente a impossibilidade de leis retroactivas, também não há quem sustente ser constitucionalmente possível aprovar leis fiscais retroactivas sem limite nem condições.

Bem pelo contrário!

Por todos, o próprio Acordão n.º 11/83 do Tribunal Constitucional, ao mesmo tempo que conclui que «o princípio da protecção da confiança ínsito na ideia do Estado de Direito democrático não exclui em absoluto a possibilidade de leis fiscais retroactivas», é peremptório ao afirmar a exclusão segura de uma retroactividade que afecte de forma «arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos contribuintes». E esses direitos e expectativas dos contribuintes são arbitrariamente afectados pela proposta do Governo.
Porque é incontroverso, nada faria supor ao contribuinte a hipótese destas alterações do quadro fiscal, em especial durante o corrente ano. Não o faria supor, desde logo, o próprio Programa do Governo, que, quer o Governo, quer o PSD, não se cansam de repetir que «é para cumprir». Não o faria supor o optimismo governamental sobre a situação da economia portuguesa e a sua persistente recusa na admissão da existência de uma recessão económica em Portugal. E, nomeadamente, não o faria supor - antes, pelo contrário, só poderia reforçar as expectativas dos contribuintes - o facto de o Governo e o PSD, durante o debate do próprio Orçamento do Estado para 1993, terem rejeitado as propostas, apresentadas pelo Grupo Parlamentar do PCP, de revogação de chorudas e imorais benesses fiscais, algumas das quais estão precisamente agora em questão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Srs. Deputados, se a questão da admissibilidade da proposta de lei n.º 78/VI decorre fundamentalmente da aplicação retroactiva de alterações fiscais, ela coloca-se também em relação ao seu artigo 11º, dito de «reestruturação da Lisnave».

Página 112

112 I SÉRIE-NÚMERO 5

Temos para nós que é politica, legal e constitucionalmente inaceitável que o Governo proponha ser autorizado pela Assembleia da República a pagar uma «indemnização», cujo montante, ou o seu limite máximo, não revela e que, concomitantemente, não proceda à sua obrigatória inscrição nos respectivos mapas orçamentais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, por todas estas razões - por razões de responsabilidade e coerência políticas, de defesa dos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica dos contribuintes, de combate à arbitrariedade governamental, de clareza e transparência da actividade orçamental é das finanças públicas - somos de opinião que a proposta de orçamento suplementar não deveria ter sido admitida.
Por isso, o 'Grupo Parlamentar do PCP votará favoravelmente o requerimento de impugnação da admissibilidade da proposta de lei n.º 7Í8/VI, apresentado pelo CDS.

Aplausos do PCP, do CDS, de Os Verdes, do Deputado do PS Guilherme d'Oliveira Martins e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André
Martins.

O Sr. André Martins {Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes vai votar favoravelmente o recurso apresentado pelo CDS porque se trata, em nosso entender, da admissão de um Orçamento substituto do Orçamento do Estado para 1993, aprovado na Assembleia da República, em Dezembro de 1992. Tendo as propostas avançadas neste Orçamento substituto efeitos retroactivos na fiscalidade vai pôr em causa a confiança e a credibilidade que os cidadãos e os agentes económicos deveriam ter - e todos nós deveríamos fazer com (que essa confiança e essa credibilidade aumentassem - no Estado de Direito democrático.
Quando é a própria Administração, através do Governo, que promove este descrédito no próprio Estado democrático, temos, naturalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de protestar e de fazer tudo o que esteja ao nosso alcance para evitar que iodos nós acreditemos cada vez menos em todos nós.
Por isso, votaremos favoravelmente este recurso a bem do Estado democrático e em defesa dos interesses dos cidadãos e da actividade económica deste país.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Interpela-nos o CDS, com este recurso, sobre se a proposta de lei n.º 78/VI-Orçamentei Suplementar ao Orçamento do Estado para 1993 - viola ou não a Constituição.
O problema põe-se, concretamente, em relação a duas normas da proposta de lei: o artigo 5.º, na medida em que altera o regime da chamada tributação de lucro acumulado, do lucro consolidado e o artigo 7.º, n.º 4, na medida em que revoga o artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que isenta de contribuição as mais-valias realizadas na alienação de imobilizados financeiros, verificados certos condicionalismos.
Ponderados todos os tópicos pertinentes e valorados todos os argumentos trazidos ao debate e ao discurso, vemo-nos compelidos a declinar a nossa convicção de que não é pertinente nem procedente a alegação de recurso apresentada pelo Partido do Centro Democrático Social, CDS-PP.
Inversamente, é nossa convicção que devem ser subscritos e aplaudidos tanto o despacho de admissão de S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da República, como o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. É isso que me proponho explicitar, nos limites consentidos pela avareza do tempo que é posto à minha disposição. Antes, porém, quero fazer três observações preliminares.
A primeira é para enfatizar e me congratular com o nível e a qualidade académica das peças que temos sobre a mesa. E isto vale tanto para a alegação do recurso como para o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que, de forma esgotante e com elevada qualidade, nos dão notícia de praticamente todos os argumentos e de toda a pletora de posições doutrinais e juridisprudenciais sobre essa matéria.
Permito-me também, à laia de parêntesis, saudar e louvar a coerência do partido recorrente, o CDS-PP, que, nesta matéria, nos tem interpelado com uma coerência e com uma linearidade inteiramente exemplares.
Lamento, a contrario, o mesmo não poder dizer em relação a outros partidos, que apoiaram aqui a criação de impostos aberta e inequivocamente retroactivos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É melhor designar esses partidos!

O Orador: - A segunda observação preliminar é para declarar que me aterei, exclusivamente, à questão da constitucionalidade, isto é, porei completamente entre parêntesis qualquer juízo e qualquer valoração em matéria de oportunidade política. Isso é matéria que cabe sindicar em foros que não o da constitucionalidade.
Por último, as minhas considerações ater-se-ão à sindicância da constitucionalidade nos limites e para os efeitos da fase do processo legislativo em que nos encontramos, isto é, nos termos e na medida exigível em sede de um processo legislativo naturalmente plástico, que agora está a começar e em relação ao qual não dispomos ainda de um juízo definitivo.
É nestas coordenadas que nos propomos dar o sentido do nosso voto.
Um dado importante que tem estado presente na discussão até aqui travada, mas que não tem sido chamado ao primeiro plano - e é um dado que margina e define o horizonte hermenêutico de equacionação e valoração das questões em exame -, é o seguinte: o legislador constituinte português não quis dar à proibição de retroactividade a dignidade de norma constítucional.
E não quis fazê-lo- importa ter presente- depois de insistentes, por vezes mesmo ruidosas, provocações nesse sentido.
Na fase de vivência democrática em que nos encontramos, já todos os partidos aqui presentes - e friso «todos» - bateram à porta do legislador constituinte, pedindo a consagração da proibição da retroactividade em matéria fiscal. Fizeram-no o PSD e o CDS no então projecto da AD, fizeram-no na revisão constitucional de 1982, e fizeram-no na última revisão constitucional os demais partidos políticos. Apesar de tudo, o legislador não quis.
Não estamos, assim, perante uma normal lacuna de direito constitucional imputável à normal incapacidade de

Página 113

29 DE OUTUBRO DE 1993 113

previsão do legislador constituinte e cujo preenchimento devesse, naturalmente, fazer-se apelando ou actualizando uma hipotética vontade do legislador constituinte ou, então, tirando as implicações e decorrências do sistema constituinte, ele próprio.
O legislador constituinte, de forma deliberada, não quis, para dizê-lo em termos simples, parificar a tutela da liberdade e da bolsa, isto é, o legislador constituinte não estendeu à tutela da bolsa a forte, consistente e generosa tutela outorgada à liberdade, uma tutela que vai muito para além daquilo que é comum no espaço jurídico que tem connosco maiores afinidades. Nesta matéria, o legislador constituinte leva a tutela a ponto de vedar a retroactividade das próprias medidas de segurança.
Estamos, portanto, perante um propósito inequívoco do legislador constituinte e só com desmesurada ousadia, em nome de um programa constitucional que pode ser muito coerente e consistente mas que é, necessariamente, um programa constitucional apócrifo - e que, portanto, não é um programa constitucional legitimado -, se pode dizer que, a Constituição contém o que, de facto, não contém.
Vale isto por dizer que a nossa Constituição não veda, de forma geral e indiscriminada, a «retroactividade da lei fiscal.
Também concordo que a lei é, ela própria, uma entidade dinâmica e que, a par da law in book há a law in action, que se vai modelando todos os dias através do esforço da doutrina e da jurisprudência, que se estabeleceu hoje um consenso relativamente pacífico em Portugal, segundo o qual não deve considerar-se constitucionalmente legítima toda e qualquer retroactividade da lei fiscal, e penso que não será difícil estabelecer consensos em torno dos critérios geralmente apontados: será inconstitucional a lei fiscal retroactiva que, por sobre ser retroactiva o seja de modo intolerável, de forma desproporcionada, isto é, a lei com a qual o Estado de Direito perca aquela superioridade ética que é própria e que é uma dimensão co-natural da Rechtstatlichkeit do próprio ordenamento jurídico. Peço desculpa pela utilização deste palavrão tedesco, mas a intenção é alinhar um pouco na moda que se introduziu em todo o processo que estamos a dirimir.
Isto posto, a nosso ver a inconstitucionalidade só deve ser declarada se verificados dois pressupostos cumulativos.
O primeiro é a verificação de uma inconstitucionalidade inequívoca. Ora, é muito difícil determinar uma inconstitucionalidade fiscal inequívoca, como, de resto, reconhece a generalidade da doutrina. E se é assim em geral é-o por maioria de razão quando se tributa o lucro, porque ele é o resultado final de um processo dinâmico. Portanto, todas as normas a ele atinentes não incidem sobre um facto determinado e localizado no tempo, mas algo in fieri, algo em relação ao qual a lei que intervém é sempre também, a seu modo, relativamente uma lei anterior.
O segundo - e por último - é que se dúvidas assistem no que toca à retroactividade e se dúvidas, portanto, assistem quanto a uma retroactividade que indicia constitucionalidade, elas seriam mais que superadas na ponderação de valores e de interesses que seríamos levados a introduzir aqui.
Por razões de brevidade e de tempo permito-me recordar que não se trata de criar impostos mas sim de pequenas medidas de intervenção cirúrgica, que se destinam a actuar apenas sobre um elemento, de tributação, não rendimentos do trabalho, como em 1983, mas apenas rendimento do capital.
Para além disso, trata-se também de prevenir abusos, restaurar a integridade da transparência e da igualdade e, por outro lado - e por último -, de dar plena expressão, através das medidas, às exigências da solidariedade social por via fiscal que, no momento concreto - e independentemente de sindicalizarmos aqui responsabilidades políticas -, são de todos nós conhecidas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não temos sido exemplares no uso do tempo de que dispomos.

O Sr. Deputado António Lobo Xavier pede-me 30 segundos para fazer uma declaração. A figura não está no Regimento, mas está na minha autorização. Ela é, no entanto, dada por pouco tempo, desde que os 30 segundos que me pediu não sejam medidos à escala com que se tem medido o tempo até agora.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava de rebater os argumentos que foram aqui discutidos, alguns deles até muito antigos, já tão antigos que perderam a actualidade com as leis e técnicas novas.
Mas não foi para isso que pedi para fazer a minha declaração. Fi-lo para dizer ao Sr. Presidente que, como é evidente, não se trata de fazer qualquer censura a V.Ex.ª quanto à admissão do diploma. Trata-se, pelo contrário, do exercício de um direito que deve levado a cabo sem essa preocupação, desde que sejamos controlados, correctos, e compreendamos bem a Constituição.
É também para dizer o que já referi, ou seja, que o Sr. Presidente fez bem em admitir a proposta, dadas as dúvidas e as discussões. Foi isso que permitiu este debate.
Chegado aos 25 segundos, quero ainda dizer, porventura para sossegar algumas consciências que possam temer ou hesitar no modo como irão votar, que nada aqui é definitivo, porque o CDS-PP fará, por si próprio, tudo quanto a Constituição lhe permitir para que o Tribunal Constitucional aplique estas normas. E fá-lo-à sozinho ou acompanhado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, muito obrigado pela explicação que deu.

Antes de passar à votação, quero lembrar qual é o seu objecto, visto que o modo como foram formuladas algumas intervenções pode induzir a Câmara em erro.
Não iremos votar se o recurso é admitido ou se ele é ou não declarado procedente. O que iremos votar, nos termos do n.º 5 do artigo 139.º do Regimento, é o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias apresentado no início desta sessão.
Srs. Deputados, vamos, pois, votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados, está esgotada a primeira parte da ordem do dia de hoje. A sessão prossegue às 15 horas.

Estão suspensos os trabalhos.

Eram 13 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Nos termos do artigo 153.º do Regimento, o debate da proposta de lei n.º 78/VI - Alteração à Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1993) vai ser

Página 114

114 I SÉRIE-NÚMERO 5

introduzido pelo autor da iniciativa, o Governo, no caso representado pelo Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Presidente, na Última interpelação ao Governo, da iniciativa do Partido Comunista, o Sr. Deputado Luís Peixoto fez uma intervenção à qual pedi um esclarecimento. Em causa estavam as listas de espera nos centros de saúde do distrito do Porto, tendo então sido contestada a minha afirmação de que não havia listas de espera nos mesmos, quer pelo Sr. Deputado Luís Peixoto quer pelo Sr. Deputado José Magalhães.
Ora, pedia a V. Ex.ª p favor de fazer chegar aos Sr. Deputados, pelos meios que achar convenientes, a informação que consegui junto da Administração Regional de Saúde do Porto referente a esses factos. Estes documentos vão dar agora entrada na Mesa para que V. Ex.ª lhes dê o destino que tiver por conveniente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria de pedir à Mesa que nos transmitisse, no mais curto prazo, os documentos que o Sr. Deputado António Bacelar anunciou que iria entregar.
Com efeito, esses documentos parecem-nos estranhos porque, por um lado, contraditam uma informação que temos e, por outro lado, parecem contrastar com a atitude que levou ontem o PSD a «chumbar», na Comissão de Saúde, uma audição parlamentar às despesas e descalabro da gestão hospitalar que tínhamos proposto e que deveria ter sido aprovada dentro deste espírito «nada na manga, nada a esconder», que o Sr. Deputado parece exibir agora.

Ficamos à espera, Sr. (Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os documentos já deram entrada na Mesa e vão ser distribuídos de imediato.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, fundamentando aquelas afirmações que aqui fiz, também irei fazer chegar à Mesa um exemplar da revista Proteste, com uma sondagem feita a mais de 2000 portugueses e onde se demonstra, exactamente, qual o prazo de espera para marcações de consulta a nível do País.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no tema da nossa ordem de trabalhos, a discussão e votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 78/VI - Alterações à Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro.
Nos termos do artigo |153.? do Regimento, segundo a sua letra, deveria ser o Sr. Ministro a iniciar o debate. Contudo, tenho seguido a prática de dar em primeiro lugar a palavra, por um tempo da comissão que elaboro i o respectivo relatório. Assim, com máximo de 10 minutos, ao relator a permissão de VV. Ex.ªs e se ninguém se opõem, é isso que vou fazer também agora.
Tem a palavra o Sr. Deputado Relator da Comissão de Economia, Finanças e Plano, para fazer uma síntese do seu relatório.

O Sr. Olinto Ravara (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.º e Srs. Deputados: O Governo apresentou à Assembleia da República, no passado dia 15, uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 1993, consubstanciada na proposta de lei n.º 78/VI.
A Comissão de Economia, Finanças e Plano reuniu com os Ministros das Finanças e do Emprego e da Segurança Social, para aprofundamento do conteúdo e alcance da referida proposta de lei, e votou maioritariamente o relatório sobre a mesma, cujos pontos principais passo a enunciar.
O défice previsto do Orçamento do Estado para 1993 sofre um agravamento de 344 milhões de contos, fundamentalmente devido a uma diminuição de igual montante nas receitas totais.
Os impostos mais afectados foram o IVA, o IRC, o IRS e o ISP, sendo a quebra nas receitas do IVA responsável por mais de metade da redução verificada nas receitas correntes.
As despesas totais foram mantidas sob controle, não se registando desvios assinaláveis na execução orçamental de 1993, o mesmo acontecendo com as despesas de investimento da administração central.
O défice da segurança social é acrescido em 135 milhões de contos, devido a uma redução de 38 milhões de contos nas receitas das contribuições e a um aumento de 97 milhões de contos nas prestações sociais, em especial do subsídio de desemprego.
Assim sendo e por força da deterioração dos orçamentos da administração central e da segurança social, o saldo global do sector público administrativo deverá ver-se agravado em 463 milhões de contos.
São propostas algumas medidas fiscais que têm por objectivo não só a moralização fiscal e o alargamento da base tributável de alguns impostos, nomeadamente em sede de IVA, IRC e IRS, mas que também se propõem contribuir para a melhoria da eficácia do processo de reestruturação e reconversão da LISNAVE e apoiar o plano social de racionalização de efectivos da LISNAVE, Setenave e Solisnor.
Para finalizar, importa referir que o Governo propõe, para fazer face às necessidades adicionais de financiamento do Estado e da segurança social, o recurso ao crédito interno até ao montante de 456 milhões de contos, a concessão de avales até ao montante global de 20 milhões de contos às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e a contracção de empréstimos junto do fundo de estabilização financeira da segurança social até ao montante de 10 milhões de contos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É o que se me oferece dizer, de forma isenta e tão breve quanto possível, sobre o relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra, por 10 minutos, o Sr. Ministro das Finanças, sendo certo que, se os exceder, esse tempo ser-lhe-á descontado no tempo global atribuído ao Governo.

O Sr. Ministro das Finanças (Braga de Macedo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apresentar o Orçamen-

Página 115

29 DE OUTUBRO DE 1993 115

to Suplementar para 1993 desejo, antes de mais, saudar a quem entreguei esta proposta de lei, e a do Orçamento do Estado para 1994, bem como um volumoso relatório, o qual inclui uma proposta de Programa de Convergência Revisto até 1996.
Além de V. Ex.ª, também saúdo a Comissão, com quem a equipa das Finanças teve oportunidade de preparar esta sessão. Registo o apreço aí expresso pelos principais partidos da oposição relativamente ao relatório orçamental.
O contrato de colaboração com os contribuintes portugueses que representa o Orçamento é aprovado pela Assembleia da República sob proposta do Governo.
Tal contrato é um fundamento constitucional da democracia americana, e a sua ausência motivou a revolta contra os privilégios fiscais da nobreza e clero franceses, que tanto inspirou os fundadores da nossa própria República.
Mas também é um contrato com fundamento na ética. É do nosso património moral a resposta à provocação dos fariseus quanto aos tributos: a César o que é de César.
A economia, a ética e a política reconhecem, pois, esse dever da cidadania que é o cumprimento do contrato de colaboração do contribuinte com o Estado. Ambas as partes têm de dar conta da sua execução.
No primeiro Orçamento Suplementar desde 1985 o Ministro das Finanças quer, à semelhança do seu predecessor, mostrar a diferença entre estas rectificações e a regra dos orçamentos dos governos anteriores, regra confirmada pela excepção do governo Sá Carneiro, em que o défice de execução foi inferior ao orçamentado.
Encontram-se desvios superiores a 2 % do Produto Interno Bruto entre Orçamento do Estado e sua execução em 1975, 1978, 1984 e 1985, mas só no Orçamento do Estado de 78 é que queda percentual nas receitas fiscais e a diferença entre o orçamentado e o executado atingiram valores idênticos a 1993, 12 % e 3 % respectivamente.
Não há dúvida de que quem ouve actualmente quem na altura era responsável por este duplo record pensa no «socialismo catedrático» do século passado e não no rigor que é tão apregoado mas tão pouco cumprido quando se tem possibilidade para o fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Orçamento Suplementar para 1993 visa, antes de mais, rectificar a execução do orçamento de investimento e reestruturação em vigor.
A rectificação tem duas vertentes: amortecer a crise europeia e moralizar a administração fiscal.
O relatório do Orçamento do Estado para 1993 já revelava consciência de ambas as vertentes. No entanto, nem a imprevisibilidade da conjuntura nem os seus efeitos no cumprimento das obrigações fiscais estiveram presentes no debate orçamental. Pelo contrário, sobraram acusações de obsessão quanto à inflação e, contraditoriamente, de que não se cumpriria o intervalo acordado de 8 % a 9 %.
Acusações gratuitas de agressão contra os trabalhadores emparelhavam com denúncias da ignorância da economia real por parte deste «governo de banqueiros», como lhe chamou aqui a oposição. Quem nega os esforços feitos pelo Governo para que os parceiros sociais se juntassem no interesse de todos nós? Ainda ontem, até altas horas, na concertação social, Srs. Deputados!

Aplausos do PSD.

Os únicos a negar serão, provavelmente, aqueles que há um ano chamaram ao Governo «governo de banqueiros».
Ora, a execução orçamental de 1993 revelou-se bem diferente daquilo que o debate levaria a crer.
Os números mostram o progresso alcançado desde o início da legislatura: 2,7 mil milhões de contos de despesa sem juros e inflação inferior a 9 % no ano passado, 2,9 mil milhões de contos de despesa sem juros e inflação inferior a 7 % este ano.
Correlativamente, os juros a longo prazo caíram de cerca de seis pontos e estão já abaixo da taxa de inflação do ano passado.
Quanto aos salários, aumentaram um pouco acima de 7 %, o que possibilitou a continuação do aumento do rendimento real das famílias - numa taxa acumulada, em 1992/1993, estimada em 4,65 % para o salário médio e 5,12% para a pensão. Ao contrário de 1990/1992, a melhoria dos salários reais em 1993 foi permitida por um aumento de produtividade relativamente à média comunitária. Esta relação é ilustrada no relatório através de um diamante crescente (página 124). Quanto mais diamante, mais convergência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Apesar da conjuntura imprevisível e turbulenta, a política económica conseguiu amortecer a crise europeia.
Este é um aspecto da execução orçamental que importa realçar: pela primeira vez na nossa história foi possível amortecer uma recessão internacional!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na crise de 1974/1975, Portugal obteve um crescimento mais negativo do que a média comunitária e em 1983/1984 a mesma coisa, só que a recessão na Europa ocorre em 1981/1982, pelo que a diferença foi maior e o ajustamento mais penoso.
Durante as anteriores recessões, a economia portuguesa era ainda regida por uma Constituição socialista, visando a chamada «sociedade sem classes», a estabilidade governativa inexistia e era até considerada como impossível perante os bloqueios do sistema eleitoral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não havia consciência sequer da conjuntura internacional nem dos custos do ajustamento adiado. Pagaram depois os trabalhadores e as empresas portugueses. O pior foi que, entre essas duas recessões, se manteve um crescimento mais lento e uma inflação mais rápida do que a média da Comunidade Europeia. É o que aqui já chamámos «divergência socialista»!

Risos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante o agravamento da conjuntura e a pressão nas necessidades de financiamento do Estado, há três e só três soluções: cortar despesas, aumentar receitas ou deixar aumentar a diferença, que é o défice. Nós deixámos aumentar o défice, sem prejudicar o investimento nem a reestruturação, mantendo, assim, os compromissos que o Estado assumiu perante os contribuintes.
Senão vejamos: quem defende um corte nas despesas de investimento superior à cláusula de reserva de convergência de 6 % prevista no Orçamento? Quem defende um corte ainda maior nas despesas de funcionamento, algumas das quais congeladas em 10 % depois do corte orçamental de 5 %? Quem defende tabelas mais baixas para a função

Página 116

116 I SÉRIE-NÚMERO 5

pública ou uma redução autoritária de efectivos? Quem defende um aumento nas taxas dos impostos directos ou indirectos, para além do ajustamento efectuado no preço da gasolina? Quem defende um agravamento fiscal durante uma recessão? Quem defende um aumento das taxas do IVA, depois da difícil harmonização do ano anterior?
Ninguém de bom senso hesitaria em deixar aumentar o défice, desde que a despesa estivesse controlada- como está! - e que o défice do ano seguinte voltasse à trajectória de convergência a médio prazo.
Ninguém de bom senso i iria propor o agravamento das taxas. Na Suíça, por acaso, propôs-se o agravamento das taxas. O défice mais que dobrou em 1993: de 3,1 mil milhões de francos passou para a 7 mil milhões de francos. Isto é a Suíça dos relógios, Srs Deputados! Foi isso que aconteceu na Suíça, que é considerada um modelo de exactidão e de rigor!

Vozes do PSD: - Muito bem!

em de bom senso encontraria uma

O Orador: - Ninguém alternativa ao défice. Sempre recusámos o tratamento de choque e temos conseguido amortecer a crise internacional, mas devemos partilhar de forma justa os seus efeitos negativos. É a moralização fiscal!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há, em Portugal, quem considerei que os benefícios fiscais de que goza são direitos adquiridos para sempre e que permitem até comportamentos abusivos, que estão longe da intenção do legislador, nem sempre capazmente vertida em lei; há, em Portugal, quem julgue que pagar impostos é para a «arraia miúda» e se considere titular de benefícios fiscais, quais privilégios do Ancien Regime.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do CDS-PP:- - Quem são?

O Orador: - Esse revivalismo nem sequer representa uma rejeição da cultura económica socialista pós-revolucionária, antes ofende a estica e a coesão nacionais!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A cidadania exige uma base fiscal ampla e, portanto, benefícios fiscais temporários e excepcionais, mas a pressão social para estreitar a base é permanente.
As relações quotidianas entre a administração fiscal e o cidadão contribuinte lembram a permanente concorrência entre armas ofensivas e defensivas, transformada por Arnold Toynbee no desafio/resposta que move a história dos povos e das nações .
Existem malhas na lei fiscal que os contribuintes mais alerta tecem para minorar os seus impostos. Esta evasão é legal mas imoral e só pode ser combatida apertando a malha, sem prejuízo do respeito das decisões já tomadas pelo contribuinte.

Aplausos do PSD.

Por isso esclarecemos, quer na consulta prévia à oposição quer em Comissão de Economia, Finanças e Plano, que a proposta de lei não afectaria decisões tomadas à face da lei antiga mais favorável.

Aplausos do PSD.

Rejeitamos veementemente a interpretação que ousa acusar o Governo de bulir com a confiança dos contribuintes. O que queremos é a moralização da administração fiscal nas matérias contempladas.

Aplausos do PSD.

Moralização que protege o reinvestimento das mais-valias realizadas antes da entrada em vigor da presente lei, moralização que permite sair do novo regime da tributação pelo lucro consolidado sem qualquer penalização. Esta resposta ao desafio do estreitamento da base fiscal tem de ser rápida para moralizar todos os contribuintes.

Aplausos do PSD.

Como é uma resposta ética, não prejudica decisões já tomadas por cada um dos visados e de que o contribuinte prestará contas na sua declaração. Na especialidade veremos se, além da ética, a resposta tem contornos que a abundante perícia jusfiscalista desta Assembleia tome como seus. Basta ler o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para ver que essa perícia é, de facto, muito elevada. Saúdo-a a esse respeito!

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de concluir, vou referir a articulação entre este Orçamento Suplementar e o programa de convergência revisto até 1996.
Quando, há menos de dois anos, aqui debatemos o programa de convergência Q2, houve quem falasse em défice democrático.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Esquecemo-nos de que já passaram dois anos! Que teriam sido estes dois anos com a crise internacional e a instabilidade governativa a que nos habituou a «divergência socialista»? Que teriam sido estes dois anos que passaram desde o Q2?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Que seria de nós sem o Q2?!

O Orador: - Esta acusação do défice democrático do Q2 era um mero chavão e revelava a duplicidade que se tomaria clara nos ataques ao pseudo-agravamento do IVA no Orçamento para 1992.
No relatório deste ano inclui-se uma proposta e programa de convergência revisto, porque, ao contrário da vez anterior, se justifica.
Acabámos de receber de Bruxelas os meios para as nossas ambições, expressas no Plano de Desenvolvimento Regional 1994/1999 e sabemos que o respeito dos programas de convergência é condição para a execução do PDR.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - É isso mesmo que diz o artigo 2.º da lei orçamental em vigor, introduzido - e muito bem! - durante o debate parlamentar.
Ora, o Programa de Convergência Revisto, tal como o plano de Desenvolvimento Regional (e ao contrário do Q2), vai para além da actual legislatura. É natural que, antes da

Página 117

29 DE OUTUBRO DE 1993 117

entrega formal à Comunidade, se dê azo, a que esta Câmara se pronuncie.
Apelo, mais uma vez, aos representantes do povo para que, revelando a coesão nacional apropriada à pior crise que a Europa atravessa desde os anos 30, aprovem este Orçamento Suplementar de amortecimento e moralização para se manter o investimento e a reestruturação do Orçamento do Estado para 1993 e se prepare o investimento e a recuperação do Orçamento do Estado para 1994, rumo à União Económica e Monetária em 1997 ou 1999.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Manuel dos Santos, João Corregedor da Fonseca, Paulo Trindade, Mário Tomé, Lino de Carvalho, Rui Rio e Nogueira de Brito.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, embora a sua intervenção não me tenha surpreendido, confesso que tenho muita dificuldade em pegar-lhe dada a pobreza que revelou, o que, desde já, começo por acentuar.
V. Ex.ª não nos surpreendeu porque veio aqui com o discurso do Governo, que é o discurso da intolerância, da arrogância, do irrealismo, da contomácia, incapaz de enfrentar politicamente a realidade.

Vozes do PS: - Muito bem! Protestos do PSD.

O Orador: - Olhe à sua volta, Sr. Ministro, faça uma viagem na Portugália, em classe turística, para o Porto e ouça os empresários, os agentes económicos deste País a queixarem-se de que não há um quadro de confiança e, sobretudo, um quadro de rumo. Dir-lhe-ão até mais, Sr. Ministro: que a falta desses quadros de confiança e de rumo se deve ao Governo, ao Professor Cavaco Silva e, muito especialmente, a V. Ex.ª, à contradição das suas afirmações e das suas políticas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Só anda de avião! Ande a pé, Sr. Deputado!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não ouviu o país todo, só ouviu os passageiros desse avião! E, então, os que andam a pé?!

O Orador: - Sr. Ministro das Finanças, o Sr. Primeiro-Ministro ousou afirmar, numa entrevista que deu recentemente na televisão - e V. Ex." também, de algum modo, uma vez que foi pseudo-entrevistado num programa televisivo, não tendo respondido rigorosamente a nada do que lhe foi perguntado -, que desconhecia as previsões que o PS fez, na Assembleia da República, quando aqui se discutiu o Orçamento do Estado para 1993, que constam de vários discursos, nomeadamente de uma intervenção feita pelo Sr. Deputado Ferro Rodrigues, em nome da bancada do PS, e isto pode significar, no mínimo, que o Sr. Primeiro-Ministro não liga àquilo que se passa na Assembleia da República. Mas é evidente que não é exactamente isso, pelo que vou dar-lhe uma ajuda e reproduzir aquilo que
foram as previsões do PS, feitas aqui num contexto perfeitamente enquadrado.
Nessa altura, dissemos que, com essas políticas cambial, monetária, orçamental, etc., os resultados não seriam os anunciados pelo Governo mas, sim, estes: o consumo privado não subiria acima de 2,5 %; o consumo público pouco cresceria; o investimento andaria por volta de l %; as exportações estagnariam; as importações cresceriam 3 % e, por fim, o PIB seguramente não cresceria mais de 0,5 %. A estas propostas o Governo respondeu dizendo que a oposição, nomeadamente o PS, era catastrofista, miserabilista e despesista.
Aliás, vale a pena recordar que as propostas do PS ...

O Sr. Presidente: - Esgotou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, peco-lhe, até por conta do tempo do meu partido, alguma tolerância. De resto, foi assim que V. Ex.ª procedeu em relação ao Sr. Ministro das Finanças, a quem, no uso dos seus direitos regimentais, concedeu mais 10 minutos - e muito bem! - para apresentar a respectiva proposta. Para além disso, Sr. Presidente, não há mais nenhum Deputado do PS inscrito para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro.
Como estava a dizer, nessa altura, o Governo dizia que o PS era catastrofista, miserabilista e despesista. Vale a pena referir que as propostas que o PS apresentou em termos de aumento de despesa e as correcções que fez em vários items da receita conduziam a um resultado liquido de agravamento do défice em 0,5 %, o que significa, na prática, que passaríamos de um défice proposto pelo Governo de 4,2 % para 4,7 %.
O que é que o Governo conseguiu? Quais os resultados concretos que obteve? Na melhor das hipóteses, o crescimento do PIB será de O e 0,5 % - portanto, não haverá um crescimento negativo mas, sim, um decréscimo e não volte a dizer «crescimento negativo» ou «crescimento nulo» porque isso não existe, só havendo crescimento, positivo, ou decrescimento, negativo. Em termos de défice público, não serão os 4,7 % que o PS eventualmente propôs mas, sim, 8,1 %. Quanto à despesa global sem juros, VV. Ex.ª disseram que iam gastar 2,9 mil milhões de contos, o que não aconteceu, gastaram mais 100 milhões de contos e o Sr. Ministro fez uma habilidade contabilística com a despesa da segurança social, que tem de ser acrescida à despesa pública sem juros. Portanto, nem sequer esse item o Sr. Ministro conseguiu atingir!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, lembro-lhe que está no uso da palavra para fazer um pedido de esclarecimento e não uma intervenção.

O Orador: - Sr. Presidente, é um pedido de esclarecimento e apenas estou a preparar a respectiva formulação.

Quanto às privatizações, o Sr. Ministro previa 225 milhões de contos. No seu discurso faz um cálculo das necessidades financeiras e admite que possam ser 175 milhões de contos. Contudo, neste momento, ainda não cobrou mais do que 120 milhões de contos e, seguramente, não chegará ao fim do ano com 175 milhões de contos.
Passando agora ao pedido de esclarecimento propriamente dito, pergunto: o que é que este orçamento suplementar é? Uma acomodação da receita que não conseguiu cobrar, a transferência para a segurança social e alguns «cavaleiros» orçamentais, nomeadamente aquele «cavaleiro», muito interessante, ligado à LISNAVE que, depois, seguramente, será falado.

Página 118

118 I SÉRIE-NÚMERO 5

O que é que um orçamento suplementar devia ser ?
Devia ser um orçamento que claramente evita-se o deslize da presa e, nesse domínio, ele não nos traz nada de novo.
Pergunto-lhe, Sr. Ministro, concretamente, porque e que V.Ex.ª não aproveitou esta oportunidade para inscrever no orçamento verbas adequadas para fazer o pagamento das enormes dívidas que o Estado tem, nomeadamente os Ministérios da Saúde e da Educação, aos fornecedores, para inscrever no orçamento, por exemplo, as razoáveis dívidas que o Estado tem ern relação aos bombeiros, que ainda há dias se queixavam de que o Estado lhes devia, pela utilização das ambulâncias, cerca de um milhão de contos? Por que é que V. Ex.ª não apresentou, realmente, um orçamento suplementar?
São estas as perguntas que lhe deixo, com um comentário final: o seu discurso e, sobretudo, o acto de apresentar este orçamento suplementar da forma como o fez - e digo isto no plano político, não no plano pessoal, porque tenho por si grande respeito pessoal, bem como pela sua capacidade intelectual, considerando até que é um excelente professor e, provavelmente, retomará essa actividade brevemente --, é, realmente, a sua certidão de óbito. Já não temos Ministro da Finanças, neste momento, temos uma ficção de Ministro das Finanças!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel do; Santos, deve ser, com certeza, porque sou professor que V. Ex." continua a surpreender-me. Ao contrário de toda a gente que, no mundo de competição em que vivemos, aprende, V. Ex.ª não aprende. V. Ex.ª mantém exactamente, dois anos depois, os mesmos erros de ver a economia portuguesa separada do contexto internacional e olha paru os números como se não houvesse a pior recessão internacional desde os anos 30!

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - A recessão agora já serve!

O Orador: - V. Ex ª e o PS lembram-me um relógio que, mesmo parado, es(tá certo uma vez por dia, sendo digital, e duas, se tiver ponteiros! Acertaram! Acontece!...

Aplausos do PSD.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Disse que acertámos! Ainda bem que o disse!

O Orador: - Acontece a quem nunca muda, a quem não aprende nada, que a certa altura acerta ou está mais próximo. Mas será que foi consistente? Não, foi uma coincidência! E é demagógico...

Protestos e risos do PS.

... contrastar o miserabilismo e o catastrofismo das vossas previsões com aquilo que vem no Orçamento. Este ano, por isso mesmo, temos um anexo onde explicamos as bases dos cálculos.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS):- Isso fez falta no ano passado.

O Orador: - É inaceitável que, neste Parlamento, ainda continue a haver a mistificação de que houve uma estimativa diferente daquela que era possível fazer, no Orçamento para 1993, com o rigor profissional e a informação disponível. É absolutamente inaceitável e surpreende-me que o Sr. Deputado Manuel dos Santos não aprenda, porque todo o mundo aprende, e é esse o desafio para Portugal: temos de preparar o século XXI, temos de aprender, temos de ser melhores e mais competitivos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Veja lá os jornais!

O Orador: - Sr. Deputado Manuel dos Santos, isto também se dirige a si e admito que seja o professor a falar: sem aprender, não vamos lá, nem pessoal nem colectivamente.
Acerca da viagem ao Porto, devo dizer que estive lá na sexta-feira passada, Sr. Deputado, com todos os meios empresariais, e não vejo esse país que V. Ex.ª deve imaginar nas suas noites de pesadelo, ou talvez de sonho, porque um catastrofista e um miserabilista gosta é do que está mal. Talvez seja isso o que lhe dá gosto!

Aplausos do PSD.

V. Ex.ª não vê linha de rumo mas todos os portugueses a vêem e os mercados também.

Risos do PS.

Por que é que as taxas a longo prazo estão abaixo dos 9 %, Sr. Deputado? São decisões de milhares de pessoas, nacionais e estrangeiras, que acreditam na linha de rumo e a percebem. Talvez fiquem, de vez em quando, surpreendidos com esta cacofonia socialista e talvez introduzam isso nos seus cálculos, o que é pena, porque não estão a fazer um serviço à coesão nacional a que sempre tenho apelado em todas as minhas intervenções.

Quem é o arrogante? Quem é o contumaz?...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - A culpa da crise é do PS?!

O Orador: - Não é o Ministro das Finanças, que sempre pediu o vosso apoio e concertação nos desígnios nacionais, sempre o fez e volta a fazê-lo!... Releio o meu discurso, se for necessário. Agora, para quem não aprende e já tinha tomado a decisão há dois anos, nada que possa acontecer, naturalmente, o surpreenderá.
Refere uma habilidade contabilística. O que é isto de habilidade contabilística? Será um artigo no orçamento suplementar que diz, precisamente, o que se está a fazer, ou seja, que «fica o Governo autorizado a contrair um empréstimo para a Segurança Social»!? Que habilidade é esta? Boa prática contabilística, sem dúvida, mas habilidade? Não precisamos desses encómios, Sr. Deputado Manuel dos Santos! Aliás, quando os fez, na altura da apresentação do Q2, também fez outros encómios dispensáveis, porque, de facto, isso é a duplicidade que referi na minha intervenção.
Também referiu a LISNAVE e disse que outros iriam falar nela com mais eloquência. Aguardo essas questões, para não tomar agora mais tempo.
Finalmente, quanto às dívidas do Estado, há outra incompreensão da natureza deste orçamento suplementar, que foi apresentado aqui com a clareza possível, tal como já tinha sido em Comissão, pois temos uma rigorosa execução

Página 119

29 DE OUTUBRO DE 1993 119

da despesa. Aconteceu em Portugal, como na Suíça dos relógios...

Risos do PS.

... e em tantos outros países - a Espanha, a França, a Grécia - que, de facto, as receitas ficaram muito aquém do que era de esperar e não foi apenas devido ao abrandamento da actividade económica mas também por razões estruturais. Isso foi admitido, foi reconhecido e a nossa solução de aumentar o défice era a única possível. Desafio o Sr. Deputado Manuel dos Santos e qualquer Deputado aqui presente para propor uma alternativa.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - E as privatizações?

O Orador: - Quanto à questão das privatizações, direi que foi por causa delas que me pareceu importante incluir o Programa de Convergência Revisto. É que a razão pela qual vamos ser capazes de cumprir os critérios de convergência do Tratado da União Europeia antes de 1999 - que foi a frase final que deixei aqui - é precisamente as privatizações, que estão agora a ser aceleradas e, portanto, também aí, há uma resposta. Mas, mais uma vez, Sr. Deputado, não me surpreenda mais e aprenda qualquer coisa, por amor de Deus!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Esperando, de parte a parte, maior rigor na gestão do tempo, dou a palavra ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, para um pedido de esclarecimento.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro: O assunto é muito sério e é evidente que tive de o ouvir, e ouço sempre, com atenção. V. Ex.ª disse agora que costuma pedir o nosso apoio - creio que se referia a toda a câmara - mas tem uma forma peculiar de o fazer e se há algo que admiro no Sr. Ministro é a forma como se apresenta na Assembleia da República sem qualquer complexo. Lança as suas farpas, académicas também, nós cá estamos para as ouvir e também para o contradizer. Mas gostaria de ter ouvido uma argumentação mais pujante, mais firme, mais credível, na defesa do seu orçamento suplementar e não esta forma fugaz como se apresentou a defender o Orçamento do Estado suplementar.
O Sr. Ministro referiu o catastrofismo das previsões, mas a verdade é que, perante este orçamento suplementar, temos razões para ficar bastante apreensivos.
Convém, às vezes, recordar, seriamente outros debates. Assim, o Sr. Ministro das Finanças declarou, no ano passado, quando defendeu o Orçamento do Estado para 1993, que «não será necessário apresentar revisões quanto a despesas ou receitas». Acentuou que o Orçamento do Governo era um «orçamento de rigor e de verdade», sublinhando, ainda, e continuo a citar: «pedimos aos portugueses poupança e paciência em troca de uma política orçamental de verdade e de rigor».
V. Ex.ª também não deixou de referir que ia haver «um aumento real do rendimento das famílias» e reforçou essa sua posição há momentos - considero que não aconteceu assim, bem como toda a oposição e os trabalhadores em geral -, salientando que «a política global prevista no programa governamental é a chave para a continuada prosperidade dos portugueses num ambiente de estabilidade».
Convém, às vezes, recordar frases que aqui se dizem porque, mais tarde, fazemos um, digamos, encontro de contas, como hoje. Ora, Sr. Ministro, a apresentação de um orçamento suplementar para 1993 desta natureza é revelador da aplicação de uma política que não produziu qualquer tipo de estabilidade à generalidade das famílias portuguesas, sendo de destacar a forte redução dos postos de trabalho, as falências, o desinvestimento, enfim as crescentes dificuldades sociais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça o favor de terminar.

O Orador: - Sr. Ministro, o meu tempo, como vê, é parco. Aliás, é idêntico ao seu orçamento suplementar: é mau, é insuficiente. O meu tempo é imposto, como vê, enquanto V. Ex.ª impõe ao País o seu Orçamento.
De qualquer modo, só queria fazer duas perguntas, muito rápidas: as alterações introduzidas vão ter, em alguns aspectos, efeitos retroactivos com consequências a pesarem sobre as empresas e não só. Considera ou não, Sr. Ministro, que, com esta actuação, se introduziu um forte factor de desconfiança, o que, em relação ao futuro, pode obrigar os investidores, os empresários a serem mais cautelosos, pois ficarão na expectativa, com o receio de novas intervenções governamentais deste tipo?
Também gostaria de ser esclarecido, Sr. Ministro, sobre uma questão que diz respeito à segurança social, já que no artigo 12.º o Governo prevê um financiamento de 111 milhões de contos à segurança social, com que recursos? Financiamento a fundo perdido? Através de empréstimos? Quando e como se recuperam estes 111 milhões de contos?
Finalmente, a propósito da LISNAVE - sobre a qual V. Ex.ª disse que alguns deputados irão falar e lá estou eu a fazê-lo -, diz que se prevê que o Governo se responsabilize pelo pagamento, no âmbito da reconversão da empresa, de indemnizações de valor indefinido, a determinar pelo Banco Nacional Ultramarino. Por que razão não consta no orçamento suplementar um valor limite para estas indemnizações?

(O Orador reviu).

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, vou tentar ser mais breve no uso do tempo, seguindo o exemplo do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca. Quanto à primeira parte, sobre o aumento do rendimento real das famílias, isso vem documentado no gráfico II-6, na página 117, e depois no anexo técnico, um anexo feito de acordo com as técnicas da Universidade de Michigan, que mostra muito claramente um aumento do rendimento real das famílias após todos os impostos e incluindo a inflação. Aliás, eu fiz referência a isso, é o tal valor de 4,65 % acumulado nos dois anos, e de 5,12 % para as pensões. Se V. Ex.ª tem dados diferentes, mostre-os e com certeza que poderíamos aprender.
Agora, não há dúvida de que as remunerações reais, em Portugal, por trabalhador, aumentaram mais, muito mais, do que a média comunitária, quer em 1992 quer em 1993. Isto é inegável e não é possível mistificar este aspecto. É absolutamente impossível mistificar este aspecto, Sr. Deputado!
Quanto à questão que pôs sobre a segurança social, devo dizer-lhe, mais uma vez, que é uma operação com total transparência. Trata-se de um empréstimo que o Governo faz, mas dá-lhe o nome «segurança social», porque aconteceu, justamente em 1993, que houve um défice inespera-

Página 120

120 I SÉRIE-NÚMERO 5

do no seu orçamento. Não tem nada de misterioso e está perfeitamente esclarecido. Aliás, o próprio relatório é bastante detalhado quanto às causas, de longo prazo, do problema da segurança social, o qual se verifica em todos os
países europeus.
Repito, não basta lamentar aqui a existência de um défice, que, como digo, em termos de diferença, só tem igual em 1978, não basta fazer isso, tem de se analisar as alternativas.
O Sr. Deputado aumentava as despesas? Aumentava, com certeza, não as reduzia. Diminuía os impostos? Não diminuía, com certeza, aumentava-os. Então, como é que o Sr. Deputado tem uma alternativa ao défice? Não se pode ignorar - e, por isso, dei o exemplo da Suíça - a crise internacional dos anos 90. A nossa enonomia, neste momento, está completamento aberta.
Quanto à LISNAVE, também aí o Governo entendeu dever ser totalmente transparente. Existe um decreto-lei de 1962 - e expliquei isso na Comissão - que obriga ao pagamento de uma indemnização e por isso existe um processo negocial que está a decorrer.
Tudo é explicado com clareza na proposta de lei que foi apresentada e é evidente que, com isso, se quer tornar o processo totalmente transparente. Se, como o Sr. Deputado diz, atribuíssemos um valor máximo, era convidar, imediatamente, a que o processo negocial atingisse esse valor. Então, e o dinheiro dos contribuintes, Sr. Deputado?! Era o senhor que o defendia?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finança, ouvi atentamente a sua intervenção, nomeadamente quando apresentou a justificação para a quebra de receitas fiscais, e tudo espremido, resume-se a uma imprevisibilidade da conjuntura. Aliás, já quando foi discutido o Orçamento do Estado para 1993, o meu grupo parlamentar tinha alertado para a miragem do «oásis», que V.Ex.ª apontava.
Ouvi também falar em moralização da administração fiscal. Mas como é isso possível quando se verifica, nomeadamente na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos ,uma centralização de competências e uma partidarização dos cargos fundamentais nesta importante estrutura de cobrança de impostos?
Como é isso possível quando o Sr. Ministro das Finanças, sabendo que, a partir de l de Janeiro de 1993, o imposto sobre o valor acrescentado tinha alterações inevitáveis por causa do mercado interno, não tomou quaisquer medidas sobre os servidos que tratavam desse imposto, limitando-se a desmantelar a Direcção-Geral das Alfândegas, aplicando o famigerado diploma dos disponíveis com a extinção de 900 postos de trabalho?
Como é isso possível, quando agora se prepara para extinguir também 30 % dos postos de trabalho na Direcção-Geral do Tesouro?
Então, pergunto: de que melhor máquina fiscal precisaríamos para se obstar a este resultado de quebras de receitas fiscais?

Vozes do PCP: - Muito bem !

O Orador: - É claro que o Sr. Ministro é o responsável directo por esta situação e aqui nem pode assacar culpas ao ministro do lado, porque o Ministério das Finanças é também o responsável pelos recursos humanos na Administração Pública.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª, Sr. Ministro, como economista, devia saber que, por vezes, o «barato sai caro», mas, pelos vistos, não sabe e, então, gaba-se que, em termos de despesas, o Governo cumpriu. Pois cumpriu! Só que agora, em termos de receitas, temos o resultado que está à vista.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito bem!

O Orador: - Pêlos vistos, para V. Ex.ª, o factor humano não conta e parece que prossegue e intensifica o ataque à estabilidade de emprego dos trabalhadores, a começar no seu Ministério, aplicando a lei dos disponíveis, os contratos a prazo e os recibos verdes, formas que até a própria legislação proíbe na Administração Pública. No entanto, elas são praticadas no seu Ministério.
Sr. Ministro, é assim que vamos continuar? É assim que vamos ter uma melhor administração fiscal, quando os recursos humanos são tratados desta maneira?

Vozes do PCP e do Deputado independente Mário Tomé: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Trindade, remeto-o para o que se diz no relatório do Orçamento do Estado para 1994, a páginas 149 e seguintes, onde se faz a análise da reestruturação da Administração Pública e investimento. V. Ex.ª ou não leu ou não quis reconhecer o que lá está.
A nossa proposta de reestruturação da Administração Pública tem decorrido extraordinariamente bem. A visão era correcta, pois o problema estava na falta de mobilidade.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Está à vista!

O Orador: - Neste momento, não há mais do que 563 disponíveis, dos quais 300 pertencem a categorias específicas de fraca mobilidade. É completamente demagógico fazer a análise que o senhor faz.
Mas deixe-me voltar atrás. O Sr. Deputado, na sua intervenção, falou do «oásis». Já cá faltava o «oásis»! Ainda não tinham falado nele! O «oásis» entreteve-os durante 12 meses. Foram 12 meses de «oásis» para a oposição, neste Parlamento. Mas que «deserto» de ideias - permitam-me o trocadilho -, que «deserto», para que uma frase inocente seja mal interpretada e glosada durante 12 meses. Já cá faltava o «oásis»!

Risos do PS e do PCP. Aplausos do PSD.

Agora sem brincar, repito que a moralização da administração fiscal é um objectivo nacional e não aceito qualquer insinuação de que a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos não está a fazer um esforço extraordinário para se adaptar à administração fiscal do Mercado Único.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

Página 121

29 DE OUTUBRO DE 1993 121

O Orador: - É um esforço dificílimo que está a ser feito em todos os países comunitários, por causa dos resquícios que a cultura económica socialista deixou na administração fiscal, tal como em outras áreas, e os senhores dessa bancada sabem-no bem, como também sabem até que ponto é difícil fazer esta reestruturação.
Tenho percorrido todas as direcções de finanças, todos os serviços da administração fiscal e acredito que vamos conseguir dispor de uma administração fiscal eficiente, moderna e justa ao serviço dos contribuintes cumpridores. Acredito muito nisso e é através de instrumentos como o da disponibilidade e o da mobilidade que o vamos conseguir.
Aceito qualquer juízo sobre isso por este Parlamento, desde que seja informado e sereno, o que, claramente, não era o juízo do Sr. Deputado Paulo Trindade.
Não falo nas alfândegas nem no tesouso. Mais uma vez aí existe o desconhecimento, o conservadorismo mais total e a vontade de que nada mude, para que continue a evasão fiscal, legal e ilegal, e para que nunca consigamos ter uma administração à altura dos cidadãos deste país.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É preciso desfaçatez para brincar com isto!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra, por um minuto e meio, o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, «em casa de ferreiro, espeto de pau»!
O Ministro Dias Loureiro apresentou, há dois dias, o plano de emergência nacional de protecção civil para situações de catástrofe e de calamidade. Não consta, no entanto, que tal plano preveja a protecção da sociedade civil perante a catástrofe anunciada a que este Governo calamitoso está a conduzir o País.
O seu colega Marques Mendes falou aqui no ano do leão e do chacal. Mais certo seria, nesta sede, falar do ano...

Protestos do PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Ele faltou à sessão!

O Orador: - Não faltei não!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Só assinou o livro de presenças!

O Orador: - Peço desculpa ao Sr. Ministro, mas como os Srs. Deputados do PSD estão em tão íntima colaboração... Sei que o Sr. Ministro não renegava tais palavras!
Mais sério seria, nesta fase, Sr. Ministro, falar do ano dos abutres, e um dos maiores é conhecido pelo nome de Mello, alimentado pelo Governo.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Ó homem, é exactamente o contrário! Está a ler o papel ao contrário!
O Orador: - Se não, como considerar que, no orçamento suplementar- aliás, ferido de inconstitucionalidade, pretendendo tapar um buraco negro e desmesurado -, se vá «a correr» dar 12 milhões de contos, num total de 52, para cumprir o plano engendrado e imposto pelos Mellos, à custa de milhares de despedimentos e da retracção produtiva e económica do País?
E com que base? O Sr. Ministro disse que era com base num decreto-lei do tempo da fascismo, feito por compadrio e demonstrativo da subordinação do Governo fascista às grandes famílias monopolistas, entre as quais a do Mello.
Minudências, dirá! Mas este Governo segue a linha de servilismo aos grandes monopólios, que continuam a mandar no País, como há 20 anos.
O Governo vai pagar não a avaliação de 31 milhões de contos mas a de 40 milhões exigida pelo Mello. Mais: o Governo vai, além de aceitar a subvalorização óbvia, assumir os 9 milhões de contos de prejuízo na avaliação imobiliária que a banca já anunciou que vai impor ao Governo.
A crise, Sr. Ministro, é só para quem trabalha - despedimentos, desemprego, tragédia humana. Os abutres, como os Mellos, mandam no Governo e engordam com a crise e sem riscos. Aí, se me permite dizer, esses passam à categoria de cevados - é riqueza, luxo e poder.
O Governo só conhece rigor e eficácia económica quando se trata de impor algo às direcções dos hospitais, com as consequências conhecidas. Como diz o Prof. Cavaco Silva, se puder gastar 100 para curar um cancro, não gasta 200.
Sr. Ministro, onde está, então, o rigor com os Mellos? O que este país precisa de saber é onde, quando e como o dinheiro vai ser aplicado, se é para criar postos de trabalho e progresso se para despedir.
Sr. Ministro, não se justifique mais com a crise, pois o que queremos saber é se o Governo a soube prever, se soube precaver-se e reagir ou se, ao contrário, tem trabalhado para a aprofundar e para a atirar para cima de quem trabalha.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Tomé, quando V. Ex.ª falou em encher a barriga dos Mellos, pensei que ia falar dos abutres. Depois de falar dos chacais, dos leões, do jardim zoológico...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Quem falou nos chacais foi o Sr. Deputado Duarte Lima!

O Orador: - O Sr. Deputado Mário Tomé lembra aquela imagética de há uns 20 ou 30 anos, muito colorida, cheia de selvas e de imagens, que, realmente, pertence ao passado.
E também pertence ao passado aquela ideia de que não se deve respeitar o Estado de Direito. Ainda há, evidentemente, como se vê aqui nesta intervenção colorida, quem pense que um decreto-lei, só porque foi assinado pelo Sr. A ou pelo Sr. B, de que não gostávamos, agora não é lei. Essa não é a posição da esmagadora maioria desta Câmara.
Estou seguro de que ninguém nega que estamos num Estado de Direito e que este decreto-lei faz parte da lei da terra. É a lei do nosso país e não vamos nunca negar isso, nunca vamos negar o Estado de Direito. Foi por isso que se bateu Sá Carneiro e que nós nos vamos bater sempre.

Não há aqui selvas, Sr. Deputado Mário Tomé,...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - O que o Governo, num Estado de Direito, devia fazer era revogá-lo!

O Orador: - ... não há aqui jardins zoológicos, não há aqui abutres, há um plano de reestruturação, perfeitamente claro, enumerado no artigo 11.º, que corresponde a um propósito de tentar encontrar uma solução negociada. É o que se está a tentar fazer, e quaisquer imagens de selva e de jardim zoológico só tornam mais difícil a negociação.
Essa fulanização do processo não interessa aos trabalhadores, não interessa aos moradores daquela zona, não interessa ao País.

Página 122

122 I SÉRIE-NÚMERO 5

Aplausos do PSD.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Mas interessa-lhes postos de trabalho e indústrias como devem ser!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de prosseguir-mos com os pedidos de esclarecimento, peço ao Sr. Secretário Lemos Damião o favor de anunciar as escolas cujos alunos se encontram, nas galerias, a assistir à sessão.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: encontram-se a assistir à sessão um grupo de 28 alunos da Escola Secundária de Arraiolos, um grupo de 100 alunos da Escola Secundária de Sampaio, de Sesimbra, um grupo de 20 alunos da Escola Secundária de Paço de Arcos e ,um grupo de 17 alunos do CENJOR (Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas).

O Sr. Presidente: Aplausos gerais.

Para eles as nossas saudações.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, havia em alguns sectores, que não na nossa bancada, a expectativa de que, à última da hora, V. Ex.ª tivesse um rebate de consciência e viesse fazer aqui um discurso autocrítico pelos erros que tem cometido.
Pelo contrário, ouvimos de novo um discurso fechado à realidade, autista, que faz (lembrar sem ofensa, Sr. Ministro o daqueles adolescentes que, quando são interpelados pelo pai pelos erros cometidos, assobiam para o lado como se nada fosse com eles.
Além disso, é um discurso falho de memória. De facto, o Sr. Ministro veio aqui dizer que, no ano passado, não tinham estado em discussão as projecções macroeconómicas. Ora, como o Sr. Ministro bem sabe, essa foi por ventura a questão central do debate, uma questão que percorreu todos os discursos e que levou inclusivamente o Governo, á ultimo da hora acrescentar uma página, em anexo, ao Orçamento do Estado para 1993!

Ora, como o Sr. Ministro bem sabe, essa foi porventura a questão central do o do Estado para 1993! Porém, até mesmo o conteúdo dessa página anexada revelou-se desprovido de qualquer realidade relativamente aos indicadores que apresentou.
E isso passou-se inclusivamente no plano sectorial. O Sr. Ministro quer que ilustre? Por exemplo, a verba concedida para o subsídio de desemprego. Logo na altura, na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família, e, aquando da discussão do Orçamento do Estado para 1993, na especialidade, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, o Sr. Ministro] o Sr. Secretário de Estado e o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social afirmaram «a pés juntos» que a verba prevista, de 50,6 milhões de contos, chegava para suportar as despesas com o subsídio de desemprego. Pois bem, nem sequer chegou para metade, Sr. Ministro! E isso não por qualquer questão imprevisível, pois, na altura, já era previsível - nós não somos bruxos nem tirámos nada da gaveta, limitámo-nos a ver a realidade e a não qui um oásis que já não Sr. Ministro explica, esta diferencia tão profunda?
Por outro lado, Sr. Ministro, verifica-se que este «buraco» financeiro e fiscal no Orçamento do Estado para 1993 é feito sobretudo á custa de quem trabalha e dos pequenos contribuintes. A esse respeito, há uma página do Orçamento que é elucidativa.
De facto, se lermos a página 41, podemos constatar que, em sede de IRC, os grandes contribuintes, as grandes empresas, pagaram menos 55 milhões de contos, enquanto que os pequenos contribuintes, as pequenas empresas, pagaram mais 10 milhões de contos do que estava previsto. Isto é, mesmo nesta área, o «buraco» orçamental é feito e é pago pelo pequeno contribuinte; é feito pela pequena empresa e é pago pelos trabalhadores. Esta é outra questão relativamente à qual gostaria de ouvir o seu comentário.
Uma outra questão, Sr. Ministro, tem a ver com a LISNAVE. Já foram aqui referidos alguns dos ângulos altamente criticáveis do problema, como os de se indemnizar um grupo económico, de se desmantelar praticamente uma indústria e de se despedir 4000 trabalhadores.
Contudo, há uma questão de fundo subjacente ao que vem no Orçamento e, aliás, ao decreto que V. Ex.ª publicaram: é que trata-se de mais uma medida de política de «vistas curtas». Por razões de mera conjuntura económica, W. Ex.as estão a desmantelar um sector de construção e de reparação naval. Isto é, sacrificam um sector estratégico- e, implicitamente, o futuro do País - a meras razões de conjuntura e de interesses particulares, neste caso, os de um grupo económico. Gostava que o Sr. Ministro se referisse também a esta estratégia em relação ao futuro de um sector que está a ser desmantelado por estas razões.
Finalmente, Sr. Ministro, gostaria de fazer um comentário. É evidente que, hoje, o discurso do Ministro das Finanças e a política orçamental do Governo está prenhe de falta de credibilidade. E essa falta de credibilidade da política orçamental, Sr. Ministro, é, hoje, igual à falta de credibilidade do seu discurso quando vem a esta Assembleia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, V. Ex.ª voltou à questão do «oásis» e, depois, à palavra, ainda, hoje, não ouvida, «autista», que é habitual ouvir-se muito dessa bancada. Falou ainda da questão da memória. A memória é realmente qualquer coisa que nunca nos pode faltar e, por isso mesmo, falei das taxas de juro a longo prazo, como indicador da credibilidade a médio prazo da política económica global, precisamente por os mercados financeiros nacionais e internacionais serem realmente aqueles que têm a memória E se o senhor, além de memória, tivesse também vontade de dizer aquilo que se passou, saberia que a tal página, que o senhor julga que acrescentámos à última hora, foi entregue no dia 14 de Outubro, como o resto do acervo, ao Sr. Presidente da Assembleia da República. Desafio-o formalmente a provar que houve aí algum acrescento!
O que aconteceu - e foi várias vezes explicado, em sede de Plenário e de comissão, mas volto a dizê-lo para que a memória se refresque - é que o Fundo Monetário Internacional, que é a entidade que faz previsões para a economia mundial, dispunha de previsões que julgámos excessivamente optimistas. Então, preparámos o Orçamento com base em estimativas de menos um ponto, o que é um ajustamento enorme e único.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sim, sim! É enorme! É uma enormidade!

Página 123

29 DE OUTUBRO DE 1993 123

O Orador: - Porém, a realidade ultrapassou as nossas piores suspeitas. Por isso mesmo, temos aqui um gráfico, ilustrador da imprevisibilidade da conjuntura na Comunidade Europeia, que tem exactamente esse título «Imprevisibilidade das variáveis macroeconómicas».
Memória quem não a tem é o senhor, porque o tal anexo demonstrava a transparência e a consistência das nossas previsões. Enquanto economista profissional, chamado até aqui de Professor por um Deputado com responsabili-dades nesta Câmara, desafio qualquer um aqui minimamente alfabetizado e alfanumerizado a demonstrar que as nossas previsões não eram as consistentes com a informação que existia!

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Analfabeto é V. Ex.ª!

O Orador: - Como economista profissional, desafio qualquer dos senhores a fazê-lo! Aliás, disponibilizo-me para participar numa sessão especial, se necessário!

Protestos do PS.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não se enerve! Não perca a educação!

O Orador: - Só me enervo quando tocam na economia, quando tocam na rainha das ciências sociais!

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E o senhor é o rei!

O Orador: - Nessa altura é que me enervo. Sou um economista profissional e, portanto, quando atacam a economia desta maneira descabelada, enervo-me! É natural!

Aplausos do PSD.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Mas o que o senhor demonstra é uma ciência pouco exacta!

O Orador: - Agora já estou calmo, Sr. Deputado Lino de Carvalho, já posso responder-lhe.
O senhor referiu o quadro dos pequenos e dos grandes contribuintes, mas é pena que o senhor não tenha lido a página seguinte!
Estávamos a falar de economia e eis que surge o Sr. Deputado Manuel Alegre. Permita-me que o saúde, Sr. Deputado!

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Isto é uma assembleia política!

O Orador: - Passemos, então, à leitura da página seguinte. Fala-se aqui dos grandes contribuintes, dizendo-se: «Este comportamento encontra-se em conformidade com os resultados da experiência de outros países que apontam no sentido de que as situações de recessão económica têm um efeito proporcionalmente maior nos grandes contribuintes». Isto está aqui explicado e, por acaso, foi discutido em sede de comissão. E pena que o Sr. Deputado não tenha sido informado disso...
Quanto à questão da LISNAVE, não se trata da reestruturação de um sector. A vossa bancada tem insistido nisso, mas não é disso que se trata! Trata-se, sim, da aplicação de uma lei portuguesa, de um' decreto-lei de 1962, a que já fizémos referência. Nada tem a ver com o sector, é apenas uma empresa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, o artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais diz que uma empresa que reinvista uma mais-valia tem direito a não pagar IRC por essa mais-valia.
O artigo 7.º do presente Orçamento suplementar revoga esse artigo do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
A oposição vem dizer que há aqui uma retroactividade, porque aqueles contribuintes que utilizaram este benefício este ano contavam com ele através de uma lei que, agora, é revogada; logo, perdem o direito com que contavam.
A minha pergunta é muito clara - e julgo que com isto esclarecemos definitivamente a opinião pública, que os partidos da oposição tentam confundir...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Aí vem o golpe de rins!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É a pergunta encomendada!

O Orador: - É uma pergunta que incomoda a oposição e não o Ministro das Finanças!

Protestos do PS e do PCP.

O Orador: - Srs. Deputados, ouçam a pergunta com atenção!

Protestos do PS e do PCP.

O Orador: - Que agitação, Srs. Deputados! Afinal, a agitação não vem do nosso lado mas, sim, do da oposição! Os senhores é que estão agitados com o Orçamento!
Se me permitem, a pergunta que quero fazer ao Sr. Ministro das Finanças é muito simples e clara e talvez VV. Ex.ª, a partir de agora, não falem mais em retroactividade acerca desta matéria.
Sr. Ministro, uma empresa que obteve uma mais-valia, em 1993, e que, neste momento, já reinvestiu essa mais-valia, tem direito ao benefício ou perdeu-o com este Orçamento suplementar?

A interpretação do PSD é que obviamente tem direito a esse benefício.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Aí está!

O Orador: - A minha pergunta, Sr. Ministro, é esta: interpretei bem?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, enervo-me quando falam mal da economia, mas a oposição enerva-se quando se fala da moralização fiscal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não sei muito bem como interpretar isto, mas, com certeza, que existe essa interpretação.

Página 124

124 I SÉRIE-NÚMERO 5

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Está muito enganado!

O Orador: - Dei a resposta à pergunta na minha intervenção. «Rejeitamos veementemente» - estou a reler - «a interpretação que ousa acusar o Governo de bulir com a confiança dos contribuintes. O que queremos é a moralização da administração fiscal nas matérias contempladas.» E depois dou um exemplo. Digo assim: «(...), moralização que protege o reinvestimento das mais-valias realizadas antes da entrada ern vigor da presente lei.»
Portanto, isto é qualquer coisa que se deve explicar e penso que tem toda a razão o Sr. Deputado Rui Rio em colocar a questão. E, como era também de esperar- aliás, fiz referência ao trabalho jurídico que foi feito aqui nesta Assembleia-, tem toda a razão a interpretação que atribuiu ao PSD.
Então, alguém tem uma mais-valia, o regime actual é que tem dois anos para anunciar se vai reinvestir ou não. Bem, e aqui o que é que aconteceu!? Se fez esse anúncio na sua declaração - a última vez que entregou uma declaração era a do ano anterior - evidentemente beneficia. Isso está perfeitamente claro na lei. Mas coloca-se aqui uma questão que, evidentemente, é do foro da administração fiscal e a resposta é claríssima: é que um acto, qualquer acto, praticado por um contribuinte de boa fé, qualquer que seja a insuficiência actual da lei, para o futuro é outra questão, mas todo o passado é protegido...

Risos do PCP.

Se essa pessoa que realizou a mais-valia reinvestiu já, Srs. Deputados jusfiscalistas, está inteiramente com o direito ao benefício. E a administração fiscal não tem dúvidas nessa matéria!

Aplausos do PSD.

Agora, há aqui os bizantinos, há aqui os especiosos, há aqui os jusfiscalistas bizantinos...! E foi por isso que eu disse, e volto a referir- até foi uma parte que não estava escrita - que «se não conseguimos ter a pureza jurídica que realmente é necessária», para tornar isto, que é óbvio - aliás, foi dito ao abrigo do estatuto da oposição e há aqui quem não me vai desmentir, porque isso foi dito perante testemunhas ao abrigo do estatuto da oposição-, que não há retroactividade, nem do terceiro grau, «então, se for necessário fazer ali um retoque, faça-se o retoque»!
Agora, não se vá é...

Risos do PS, do PCP e do CDS-PP.

... com mistificações! Isso é que nunca!

Aplausos do PSD.

Bulir com a confiança dos contribuintes é que nunca!
Sr. Deputado Rui Rio, fez muito bem ern perguntar, porque penso que ainda havia nervosismo ali daquele lado. Daqui, do meu lado direito, daqui menos!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- Para uma interpelação á mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa e no exacto sentido da interpelação, face às declarações prestadas agora pelo Sr. Ministro. • Peremptoriamente o Sr. Ministro afirmou que o que está presente pelo Governo nesta Câmara é uma coisa completamento diferente daquela que eu tenho aqui. Gostaria, pois, de saber, Sr. Presidente - e era esta a interpelação à Mesa -, se a Mesa teve conhecimento da entrada de qualquer alteração ao n.º 4 do artigo 7.º da proposta de lei n.º 78/VI, de alteração do Orçamento do Estado para 1993, na medida em que nesse n.º 4, na versão que tenho e que me foi entregue pelos Serviços da Assembleia, se diz: «4 - É revogado o artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais sem prejuízo da continuação da sua aplicação às mais-valias e menos-valias realizadas até ao termo do exercício de 1992.» Como o Sr. Ministro agora disse que era para todas as operações já realizadas também em 1983, eu gostaria de saber se já deu entrada na Mesa a alteração a este n.º 4 do artigo 7.º!?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É isto mesmo! O Sr. Rui Carp (PSD): - Não percebeu!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Lobo Xavier pediu a palavra para que efeito?

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - É também para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do CDS-PP dá consenso para que o relatório da 1.ª Comissão possa ser modificado de modo a poder-se adaptar a esta versão soft, mas muito mais aceitável do entendimento do PSD sobre o tema!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Muito bem! Risos do PS e PCP.

O Sr. Presidente: - Ao que penso, também para fazer uma interpelação à Mesa, pediu a palavra o Sr. Ministro das Finanças. Tem, pois, a palavra para o efeito.
O Sr. Ministro das Finanças: - É só para esclarecer o Sr. Deputado Octávio Teixeira, Sr. Presidente. Ele leu ali qualquer coisa que realmente não foi o exemplo nem a pergunta que foi colocada. Até ao termo do exercício de 1992 qualquer mais-valia ou menos-valia realizada, independentemente de ser reinvestida, goza do benefício.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não foi nada disso, Sr. Ministro!

O Orador: - A pergunta que foi feita aqui e que é bem diferente, para 1993, é se foi reinvestido ou não, porque o acto de reinvestir é que é o acto que é protegido! É uma diferença total!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o texto de que a Mesa dispõe é o que foi entregue. VV. Ex.ª cruzaram

Página 125

29 DE OUTUBRO DE 1993 125

informações e espero que tenham conseguido tomar nota da resposta correcta. A Mesa só tem o texto que foi aqui referido no início.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Congratulo-me por ter ficado para o fim, porque posso intervir numa altura em que me posso congratular com esta grande vitória do CDS-PP no debate do Orçamento suplementar.

Aplausos do CDS-PP. Risos do PSD.

E, Sr. Ministro, canto vitória do CDS-PP fazendo a justiça que há bocado solicitou olhando para esta bancada: eu sou testemunha! V. Ex.ª disse-me, a mim, na apresentação da proposta de lei de alteração ao Orçamento do Estado para 1993 - e não o nego - que «não seriam no Orçamento suplementar iludidas as expectativas dos sujeitos fiscais.» De tal maneira que quando recebi a proposta de lei fiquei surpreendido e a comunicação social até me perguntou: «Mas então o que é que acontece? O senhor declarou outro dia, para a imprensa, que o Sr. Ministro lhe tinha garantido isto. Então, o Sr. Ministro mentiu-lhe?» Eu disse: «Não, não quero empregar essa palavra forte, quero esperar para ver o que é que vai acontecer.» E o Sr. Ministro agora acabou por fazer jus, primeiro, quando disse no debate, há pouco no seu discurso, que as medidas tomadas não afectariam decisões tomadas face a legislação anterior mais favorável. Sr. Ministro, o que estava no texto do Orçamento...

Vozes do PS e do PCP: - Está!

O Orador: - Sim, estava e está!

E quando V. Ex.ª agora fala em mais-valias ou menos-valias realizadas e as separa do acto de investimento, esquece-se de que o que é revogado com efeitos produzidos até 31 de Dezembro de 1992 é o artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. E aí estão consideradas a mais-valia e a menos-valia e o reinvestimento.
Portanto, Sr. Ministro, o que V. Ex.ª acaba de esclarecer - e a minha bancada congratula-se que o Sr. Ministro o tenha feito - carece de uma alteração do n.º 4 do artigo 7.º do Orçamento suplementar, mas entendemos e consideramos que o Sr. Ministro está duplamente vinculado a introduzir esta correcção e, por isso, nos congratulamos com o facto. Só lamentamos que tenha havido aqui tanto Deputado que em manifestações de excesso de zelo tenha vindo aqui dizer que não havia retroactividades, que não havia problemas, negando os interesses...

Vozes do PSD: - Não há!

O Orador: - ... dos eleitores que os elegeram para esta Assembleia, para defenderem, além do mais, os seus interesses como contribuintes.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - É porque poderíamos perguntar, se o Sr. Ministro fala de moralização, o que é que é moralizado com as normas que propôs. São as medidas imorais que o próprio Governo tinha tomado ou é a prática imoral dessas medidas? Sr. Ministro, a prática imoral dessas medidas não se moraliza com este tipo de revogações, moraliza-se, sim, com uma actuação diferente dos serviços de fiscalização tributária.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Esperava melhor!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, falou-se aqui há pouco de memória... Vejo que foi há 15 dias, há tão pouco tempo...! Havia testemunhas... Podem vir aqui agora e falarmos dessa sessão em que fui claríssimo dizendo-lhe que não havia retroactividade. Foi, de resto, uma sessão interessante, como são sempre as sessões em que V. Ex.ª está à puridade e em que pode falar a sua alma!... Aí encontrámos um grande consenso sobre a questão da moralização fiscal. E agora, do que o Sr. Deputado está a dizer, não percebo quais são, sinceramente, as suas dúvidas...!
Eu disse, e é muito claro, que não podia haver, dada a filosofia que preside a este Orçamento - mas não só a este, ao Orçamento para 1992 e ao Orçamento original para 1993 e para o de 1994. A protecção da confiança dos contribuintes é decisiva. E, por conseguinte, não vamos afectar a estabilidade das expectativas. Mas, evidentemente, vamos lutar, e vamos lutar muito, contra a evasão fiscal legal ou ilegal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ah! vamos, vamos! E isso vai doer a muita gente em muito sítio. E vai enervar muita gente. Vai enervar, vai.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Vai enervar muita gente!
Por isso disse aqui que os impostos não são só para a arraia miúda. Daí que quando há 15 dias falámos pensei que tinha sido claro. Não fui! Lamento.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, o que disse aqui é que para nós, neste Orçamento, como aliás em tudo o que tem a ver com a lei fiscal, a estabilidade do contrato de colaboração com os contribuintes é preciosa. Essa é a autoridade moral que temos para punir depois aqueles que escapam às suas obrigações.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E quando falei da cultura económica socialista, Sr. Deputado Nogueira de Brito, foi precisamente porque considero que um dos efeitos do intervencionismo excessivo é perder-se o respeito pelo cumprimento da lei fiscal. Então, como é que foi possível o Sr. Deputado pôr sequer a hipótese de que aquilo que pretendíamos fazer ia agora retorcidamente envolver uma discussão especiosa e, enfim, para especialistas jurídicos?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É clara a intenção política, que, de resto, foi dita à oposição antes de apresentarmos a proposta de

Página 126

126 I SÉRIE-NÚMERO 5

lei e foi repetida em comissão. Se o seu partido não se fez representar nela, pois, pela minha parte, entendo que perdemos alguns esclarecimentos, mas o que é certo é que repetimos que não havia vas criadas.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS):- Isso é falso!

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP):- Mas há !

O Orador: - Mas não queremos perder tempo, Srs. Deputados. Queremos) que entre em vigor o mais depressa possível, porque consideramos que estes mecanismos são benefícios excessivos, uma vez que se está a esquecer que eles devem ser temporários e execepcionais porque queremos uma base ampla para manter as taxas baixas. Essa é a nossa filosofia.
Ora bem, se não fomos claros, tentei esclarecer. Aliás, a pergunta do Sr. Deputado Rui Rio permitiu, enfim, referir de novo estes aspectos. Tenho a certeza - dado o talento e, repito aqui, o talento jusfiscalista que existe nesta Câmara - de que se for preciso fazer alguma alteração,...

O Sr. António Lobo Xavier (CDS/PP): - Há, há!

O Orador: - ... penso que está perfeitamente claro o que a administração fiscal) vai fazer. Esta vai sempre proteger as expectativas criadas; vai fazê-lo. É essa a nossa intenção e eu anunciei-o! Agora, se há qualquer coisa que é considerada menos clara pois isso com certeza que será analisado na especialidade. Mas não me posso congratular com o facto de aquilo que pensei ser uma mensagem muito clara não ter sido entendido pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Presidente: - Ò Sr. Deputado Nogueira de Brito pediu a palavra para quê efeito?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa no sentido de solicitar-lhe que transmita ao Sr. Ministro das Finanças, já que não me posso dirigir directamente ao Sr. Ministro agora, que o Sr. Ministro foi muito claro quando outro dia conversou com o CDS-PP na véspera da apresentação do Orçamento suplementar e voltou a ser claro agora, na última intervenção que fez, muito embora reduzindo de forma considerável a base da afirmação feita na primeira reunião.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Começo por falar de um episódio exemplar da nossa História recente. No dia l de Junho de 1993, o Governo fomentava o aumento dos preços dos combustíveis - gasolina super, sem chumbo e gasóleo subiam assim cerca de 6 % sob a justificação da adequação à subida do dólar nos 12 meses anteriores.
No dia seguinte, 2 de Junho de 1993, a comunicação social divulgava declarações do Primeiro-Ministro Cavaco Silva. Falando à entrada de uma cerimónia comemorativa numa fábrica, o Primeiro-Ministro, perante as afirmações das empresas petrolíferas que haviam declarado que o aumento dos preços ia todo para impostos, confirmava que o Governo previa arrecadar com os novos preços cerca de 20 milhões de contos. E proclamava com aquele seu ar definitivo a que nos habituou: «seria irresponsável o agravamento do défice».
Sr. Presidente e Srs. Deputados, passados quatro meses e meio, o Governo apresenta o Orçamento suplementar para 1993, o que o PS exigia desde o dia l de Junho, ficando o País perplexo com o que aí se verifica: o aumento do défice atinge 475 milhões de contos e tal buraco orçamental leva a uma enorme derrapagem, fazendo passar o défice global dos 4,3 % do produto interno bruto, que haviam sido previstos, para 8,1 %.
Perante as declarações do primeiro responsável pela governação, feitas em Junho, certamente que se esperava um reconhecimento de culpas ou, melhor, um reconhecimento de irresponsabilidade. Mas, de forma inconcebível, o mesmo Primeiro-Ministro que, em Junho, havia afirmado a irresponsabilidade de permitir o agravamento do défice, veio agora à RTP dizer que sempre defendera que, em situações recessivas como a de 1993, o défice público deveria aumentar e que até, desde há muito, havia insistido neste ponto junto de outros governantes europeus, como se o Governo não tivesse recusado qualquer aumento, ligeiro que fosse, da despesa pública em 1993 aquando do debate de há um ano, exactamente em nome do sacrossanto controlo do défice. A falta de seriedade política deste processo é, pois, facilmente demonstrável .

Aplausos do PS e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Perante um descontrolo galopante da situação financeira do Estado, como já não se via desde 1975, o Primeiro-Ministro recusa-se a assumir as consequências políticas de declarações feitas no decurso do debate orçamental de há um ano, e repetidas em Junho, sobre a irresponsabilidade de permitir-se o agravamento do défice público e, numa alteração de 180º no seu rumo, vem agora defender o que sempre negara.
Mais: quis iludir os portugueses tratando o descontrolo das finanças públicas como se tivesse sido uma escolha racional e atempada. Há falta de seriedade política quando, perante o descontrolo a que chegou, vem agora afirmar que sempre defendeu o aumento do défice. É redondamente falso! O Primeiro-Ministro trata a opinião pública portuguesa como se esta fosse sempre facilmente manipulável; o Primeiro-Ministro quer transformar a desorientação do Governo em virtude de Estado. Esta é a primeira mistificação política deste Orçamento suplementar.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, a diferença entre as receitas previstas e as receitas obtidas em 1993 atinge valores impressionantes: nos impostos directos, essa diferença chega a 164 milhões de contos, ficando a cobrança abaixo do alcançado em 1992 em cerca de 50 milhões; nos impostos indirectos, a diferença entre previsões e resultados chega a 211 milhões de contos. Nestes, aquilo que o Estado recolhe em 1993 será inferior ao obtido em 1992 em mais de 100 milhões de contos!
Se referenciarmos mais concretamente cada um dos principais impostos, concluímos que, no que respeita ao IRS, perderam-se 55 milhões de contos em relação ao espera-

Página 127

29 DE OUTUBRO DE 1993 127

do, mas que se está cerca de 30 milhões acima de 1992; que, quanto ao IRC, a perda foi de quase 110 milhões (o que, face aos 383 milhões previstos, representa quase 30 % de erro), ficando a receita, em 1993, em 55 milhões de contos abaixo da de 1992; que, no IVA, o buraco atinge mais de 200 milhões, apontando-se, em 1993, para cobranças inferiores, em mais de 100 milhões de contos, relativamente às de 1992; e que, até no Imposto Sobre Produtos Petrolíferos, apesar dos aumentos de preços de que falei há pouco, há uma diferença para menos de quase 20 milhões em relação ao previsto para 1993 e de 5 milhões em relação ao cobrado em 1992. A conjugação de todos estes resultados mostra que, em 1993, aumentou fortemente a injustiça fiscal.
Se admitirmos como correcto um produto interno bruto de 11 343 milhões de contos em 1992, como faz o Banco de Portugal no seu relatório anual há alguns meses publicado, a diferença aproximada de 3 % entre o crescimento económico previsto para 1993 nos tempos da miragem do «oásis» - de que o Sr. Ministro das Finanças não gosta de ouvir falar agora - e a provável queda no produto significa um erro de 350 milhões de contos para o PIB em 1993. Só a conjugação de uma situação de caos na Administração com a irresponsabilidade das previsões efectuadas quanto às receitas fiscais pode explicar que, perante o enorme erro de sobrestimação do PIB em 350 milhões de contos, tenha havido um erro ainda mais gigantesco de sobrestimação nas receitas dos impostos de 375 milhões de contos! A incompetência técnica como elemento de irresponsabilidade política é assim visível a olho nu!

Aplausos do PS.

A tentativa de justificar o injustificável através de desculpas como as que vêm contidas no relatório que acompanha a proposta de Orçamento suplementar para 1993 não tem qualquer êxito.
Na verdade, a justificação europeia não colhe: Portugal é o país onde, em ano de mudança de sistema de cobrança do IVA, maior é o desvio entre o previsto e o arrecadado. No Luxemburgo, no Reino Unido e na Bélgica o aumento da evasão foi pouco significativo; na Alemanha e na Dinamarca não houve qualquer erosão e o próprio relatório indica que, em relação aos quatro países em que maiores diferenças se verificaram entre as receitas cobradas e os valores previstos - Portugal, Espanha, França e Itália -, os desvios nos dois primeiros são cerca do dobro nos dois últimos, nada se dizendo sobre a diferença nos desvios entre Portugal e Espanha, porventura, porque a conclusão não seria satisfatória.
Falar de «sobreavaliação da base de referência» ou de um «abrandamento não previsto da actividade económica no segundo semestre de 1992» são verdadeiras desculpas de mau pagador e mau recebedor. Dizer que, actualmente, «há convicção de impunidade de certos agentes económicos», «práticas de falsas exportações e introdução de bens no mercado nacional sem liquidação do IVA» e, ao mesmo tempo, assumir que «não será realista que todo o imposto vai ser recuperado» corresponde a um conformismo inaceitável.
Afirmar que «houve perda de eficácia da administração do IVA a partir de 1989, aumento de situações de evasão fiscal, perda de receita por motivo de elisão fiscal e diminuição de eficácia no sistema de detecção de omissos e do de liquidações oficiosas, bem como do processamento informático das declarações», como se diz no relatório do Orçamento, é sem dúvida realista. Mas há que perguntar: quem tem a responsabilidade política de toda esta evolução injustificável - desculpem, ia dizer de toda esta bagunça? E a resposta só pode ser uma: o Governo e o seu principal responsável, o Primeiro-Ministro!

Aplausos do PS.

Justificar os desvios nos impostos directos afirmando que, no decurso do ano de 1992, não foi possível distinguir as receitas do IRS das do IRC e que assim se sobreavaliaram receitas possíveis num e subavaliaram noutro imposto é demasiado absurdo e exemplificador de confusão na administração fiscal para ser visto como desculpa. Não é uma desculpa, mas pode ser encarado como verdadeira acusação.
A segunda mistificação política deste Orçamento suplementar é a manobra de desculpabilização face à perda de receitas. O Governo esquece que a sobreavaliação das receitas a que há um ano procedia era o corolário lógico de uma atitude ridícula de apresentação a qualquer custo de previsões de défice orçamental para Bruxelas ver. O Governo esquece as suas responsabilidades directas no caos em que a administração fiscal mergulhou.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Convém também não esquecer o irrealismo das previsões macroeconómicas apresentadas pelo Governo há um ano atrás. A ridícula auto-propaganda do «oásis» - palavra que, hoje, o Sr. Ministro das Finanças não gosta de ouvir- parece ter convencido os seus próprios autores, tendo sido apresentadas perspectivas de crescimento totalmente absurdas.
A terceira grande mistificação política deste Orçamento suplementar é a tentativa de justificar os erros de previsão cometidos como se de uma norma europeia se tratasse. Esquece o Governo que, quando desta tribuna demonstrámos que as políticas do Governo arrastariam o País para a estagnação - senão para a recessão - e que o crescimento não ultrapassaria 0,5 %, chamaram-nos miserabilistas e catastrofistas. Afinal, éramos até moderadamente optimistas: as políticas do Governo conduziram Portugal para a recessão, a desconfiança instalou-se nos agentes económicos, os ziguezagues da política económica mostraram a inexistência de rumo, a credibilidade do Primeiro-Ministro desfez-se.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do lado das despesas sem juros, os quadros inseridos no relatório do Orçamento mostram à vista desarmada que o tecto de 2,9 milhões de contos foi ultrapassado ao nível do Orçamento do Estado para 1993. Os cerca de 100 milhões de contos de ultrapassagem de tal tecto auto-assumido e auto-sacralizado deveram-se às despesas com transferências para a segurança social.
A quarta mistificação política do Orçamento suplementar é a negação da ultrapassagem do tecto da despesa sem juros. Tratar as transferências do Orçamento do Estado para o orçamento da segurança social como se não fossem despesas do Orçamento do Estado mas apenas do sector público administrativo é uma autêntica falácia e, mais uma vez, uma manobra para tentar impressionar Bruxelas e a preparação de novas ofensivas contra a segurança social, que, aliás, já estão explicitadas na proposta de lei do Orçamento do Estado para 1994.
Apesar do Orçamento suplementar, agravou-se em 1993 a situação das dívidas dos Ministérios a fornecedores, empreiteiros e outros agentes económicos, o que é particularmente grave no caso do Ministério da Saúde. Mas também no Ministério da Educação os problemas são

Página 128

128 SÉRIE-NÚMERO 5

conhecidos: as enormes insuficiências humanas e materiais no funcionamento das escolas levam a que a não utilização em 1993 de 3 milhões de contos previstos no Orçamento seja uma autêntico escândalo.
A quinta mistificação política do Orçamento suplementar é a tese implícita de que, agora, a situação financeira dos Ministérios já é tão boa que até foi possível fazer poupanças em áreas como a educação, como se no nosso país fosse possível poupar numa área com tantas e tão gritantes carências.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a retroactividade das medidas tomadas contra os benefícios fiscais constitui uma violência, uma prepotência jurídica, que põe em causa a eventual justeza de algumas medidas tomadas. Realmente, a política do Governo parece ser de moeda cara e de fala barato, o que é grave!
Aliás, o que aqui se passou, há pouco, não foi um recuo, mas uma debandada, a vergonha de um espectáculo maí encenado. Na Comissão de Economia, Finanças e Plano- de que tanto o Sr. Ministro falou - alguém perguntou a partir de que momento entrava em vigor o Orçamento suplementar no que dizia respeito aos benefícios fiscais e a resposta, que certamente consta da acta dessa reunião, foi: «em l de Janeiro de 1993».
A sexta mistificação politica do Orçamento suplementar reside na demagogia do ataque retroactivo aos benefícios fiscais. Esquece o Governo que o principal responsável pelos benefícios agora postos em causa é o próprio Governo e que, quando avançou com eles, certamente esperava, a médio prazo, resultados económicos e sociais. Só que não deixou que o médio prazo chegasse, tal era a sua voracidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num ano em que é de todos conhecido o brutal agravamento da situação financeira das empresas públicas, não se concebe que o Governo venha agora afirmar que as necessidades de financiamento do sector público administrativo, resultantes da assunção de passivos das empresas públicas não financeiras, ficariam 23 milhões de contos abaixo do previsto. É também significativo notar a contradição entre as receitas das privatizações calculadas neste contexto (175 milhões de contos) e as que continuam a constar do Orçamento suplementar (225 milhões).
A sétima mistificação política deste Orçamento suplementar consiste na tentativa de escamotear a gravidade da situação financeira do sector público alargado ao camuflar a situação das empresas públicas e fingindo, ao mesmo tempo, que nada de anormal se passou com as privatizações.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, este Orçamento suplementar poderia intitular-se: «O Primeiro-Ministro Cavaco Silva e as sete mistificações».
Um Governo em que o Primeiro-Ministro alienou em 1993 o crédito de autoridade, competência técnica e seriedade política de que, justa ou injustamente, dispôs durante anos, perdeu toda a confiança. Um sintoma da gravidade da situação a que se chegou é que começa a ser quase irrelevante a demissão ou manutenção do actual Ministro das Finanças. Um Governo que apresenta este Orçamento suplementar com estas justificações demonstra incoerência e agrava a crise de falta de credibilidade.
Este Orçamento suplementar é a maior consagração de incompetência e de inconsistência de que há memória desde há muitos anos. Por razões políticas, económicas e financeiras, mas também por razões de princípio e de coerência, o PS vota contra este Orçamento suplementar com a tranquilidade e a segurança que certamente não poderão ter muitos Deputados da maioria que irão viabilizá-lo.

Aplausos do PS e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Rui Rio, Castro Almeida e Silva Marques.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, é caso para dizer que, quem o ouvir falar, não o leva preso! Lá isso é verdade!
O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Quem não ouvir, também não. Isso era antes do 25 de Abril!
O Orador: - O Sr. Deputado insiste em falar na retroactividade...
Eu sei que não pode ser preso, porque tem imunidade parlamentar, apenas utilizei uma figura de estilo.
O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Sr. Deputado, é só por isso? Faça o favor de explicar-se!

O Orador: - Sr. Presidente, solicito que me seja descontado este tempo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, o Sr. Deputado Rui Rio não quer ser interrompido e tem esse direito.
Faça favor de prosseguir, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Ferro Rodrigues insiste em falar na retroactividade quando já foi aqui explicado aquilo que pretendia que o não fosse - mas que foi - e a que chama uma explicação debandada. Enfim, trata-se de uma noção que certamente a Sr." Deputada Edite Estrela não conhece, isto é, a confusão entre explicação e debandada. E, quanto às sete mistificações, com certeza que o Sr. Deputado se inspirou na conferência de imprensa ontem dada pelo Sr. Engenheiro António Taveira a propósito do presidente da câmara do Porto.
Posso ter muito respeito por V. Ex.ª mas, pela sua política orçamental, não tenho qualquer respeito. Fui consultar uns jornais da altura em que aqui procedemos à discussão do Orçamento do Estado para 1993 - que é precisamente aquele de que estamos a falar - para verificar que propostas o PS apresentava então.
Em matéria de receitas, o Partido Socialista nunca disse que os cálculos tinham sido sobrevalorizados, mas que procederia a abatimentos no IRS, o que implicaria uma perda de 35 milhões de contos na receita. São números do Partido Socialista e não do Partido Social-Democrata. Quer isto dizer que a quebra verificada na receita do IRS, que V. Ex.ª veio aqui criticar, dizendo ser da ordem dos 55 milhões de contos, se o Partido Socialista fosse Governo - o que é impossível - ou, melhor, se votássemos a favor do que V. Ex.ª queriam, a quebra seria de mais 35 milhões de contos, ou seja, de mais 64 %.
Portanto, do lado das receitas, o projecto do PS em política orçamental para 1993 era, nada mais nada menos, do que agravar o défice em mais 35 milhões de contos.
Do lado da despesa, como não podia deixar de ser, VV. Ex.ª vieram agravar também o défice com uma série de despesas para tudo e mais alguma coisa, inscrevendo até uma verba de 3,4 milhões de contos para a Deputada Edite Estrela poder fazer um dicionário. Seriam mais 49 mi-

Página 129

29 DE OUTUBRO DE 1993 129

Ihões de contos que VV. Ex.ª teriam inscrito do lado da despesa.
Resultado final, o título da notícia: «PS acrescenta 84 milhões de contos ao défice.»
Mas nela também se transcreve a declaração final do Sr. Deputado Manuel dos Santos, segundo a qual os pressupostos do Orçamento do Estado assentavam em projecções irrealistas e o crescimento do produto não ia ser tão grande como o previsto.
Ora, VV. Ex.ª são duplamente irresponsáveis: viram na «bola de cristal» que a economia não ia crescer tanto mas, mesmo assim, ainda agravaram o défice! De facto, trata-se de uma dupla irresponsabilidade da vossa parte em matéria de política orçamental!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No que diz respeito à carga fiscal...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

No que diz respeito à carga fiscal, V. Ex.ªs afirmaram que ia aumentar sobremaneira. Mas, quando as receitas fiscais sobre o produto interno bruto, tal como V. Ex.ª medem,...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - A OCDE também o faz.

O Orador: - ... era de 25 % e vai ser este ano de 22,5 %, que têm V. Ex.ª a dizer relativamente ao agravamento da carga fiscal? Como é que V. Ex.ª descalçam agora esta bota?
Mas também faço a seguinte sugestão quando o Sr. Deputado refere que o Sr. Ministro devia pôr umas orelhas de burro e ir para o canto da sala dizer que aumenta a carga fiscal: ponham V. Ex.ª, todo o grupo parlamentar, umas orelhinhas de burro e peçam desculpa ao Sr. Ministro, que só vos fica bem!

Aplausos do PSD. Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida.

O Sr. Castro Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, quero fazer-lhe um apelo de serenidade para, com calma, podermos fazer uma discussão serena sobre o que hoje está aqui em causa.
É líquido, damos todos como assente, que houve um erro, um desvio nas previsões do Orçamento de 1993.

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - Esse erro nas previsões, o desvio que hoje se verifica, consistiu basicamente, como bem sabe, numa quebra de receitas fiscais.
Como interpreta o Sr. Deputado que, por toda a Europa, tenha acontecido idêntico erro nas previsões dos Orçamentos dos diversos Estados europeus e que ainda tenha sido maior do que em Portugal?
Com certeza que o Sr. Deputado Ferro Rodrigues tem, tal como eu, conversado com muitos empresários e tem ouvido dizer «neste ano de 1993, a minha empresa vai facturar menos x do que contava». Isto é, as empresas também se enganaram nas suas previsões pois esperavam facturar mais; até o próprio Partido Socialista, como está demonstrado, enganou-se nas previsões que fez para 1993.
Sr. Deputado Ferro Rodrigues, do meu ponto de vista, o erro, o desvio que é inequívoco estar patente, não tem de ter culpados, pois é uma inevitabilidade face às alterações verificadas. Ninguém esperava que a crise, em 1993, na Europa, tivesse esta dimensão. Ninguém o esperava! As previsões do Fundo Monetário Internacional, da OCDE, da Comissão Europeia não indicavam que, neste ano de 1993, viesse a verificar-se esta situação na economia internacional.
Que interessa aos portugueses dizer que houve um desvio de 100, de 200 ou de 300 milhões de contos?

O Sr. José Magalhães (PS): - Nada!...

O Orador: - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, o que interessa nesta fase é constatar, face à diferença verificada, face à diminuição de receitas relativamente ao que se esperava, que opções, que alternativas tinha o Governo.
Pergunto-lhe, agora: que alternativas tem a oposição para suprir o agravamento do défice?

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Vocês estão mesmo à rasca!!

O Orador: - O Sr. Ministro das Finanças já fez essa pergunta no seu discurso e eu não ouvi qualquer resposta na sua intervenção de há pouco, mas tem agora oportunidade de esclarecer-nos.
Face ao agravamento do défice verificado, pode aumentar-se os impostos, pode cortar-se às despesas ou pode aumentar-se o défice e suprir com um empréstimo. O que faria o PS diferentemente daquilo que o Governo vem aqui propor? É isto que interessa aos portugueses saber. A opção do Governo foi esta. Qual era a do PS?

Vozes do PS: - Mudar de Governo!

O Orador: - Sr. Deputado, faço-lhe notar que, do ponto de vista do bolso dos portugueses e da carga fiscal, era irrelevante que o Governo tivesse previsto o aumento de receitas superior ou inferior em 100 milhões de contos há 10 meses atrás, o que interessa é ver que impostos paga e de que forma contribuem para o Orçamento do Estado.
Gostaria que o Sr. Deputado Ferro Rodrigues nos esclarecesse, com toda a clareza, qual era a forma socialista de resolver o problema do défice.
Este aumento do défice resulta de uma diminuição da receita fiscal e das transferências para o orçamento da segurança social derivados de uma diminuição de descontos por força do agravamento do desemprego e do aumento da despesa resultante dos subsídios de desemprego. Pergunto-lhe: o PS concorda ou não que é legítimo agravar o défice para suprir carências sociais resultantes do agravamento do desemprego? A vossa solução teria sido deixar agravar o défice como o Governo fez ou teria sido aumentar as prestações e os impostos de quem trabalha ou, pelo contrário, reduzir as prestações sociais dos desempregados?
Sr. Deputado Ferro Rodrigues, para que o debate seja esclarecedor, gostaria que, se puder ou se o deixarem, esclarecesse com rigor as questões que acabei de colocar-lhe.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

Página 130

130 I SÉRIE-NÚMERO 5

Vozes do PS: - Óhhh..!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, é verdade que pouco tenho a acrescentar neste momento, mas, apesar de tildo, ainda irei referir um ponto. De facto, o meu colega definiu a questão correctamente, porque, com toda a franqueza, ouvir os socialistas, sobretudo o Sr. Deputado Ferro Rodrigues, dá para perguntar por que é que eles se irritam tanto, sobretudo porque é que ele está tão irritado.

Risos.

Essa irritação decorre de um prazer, isto é, será que ele pensa: ainda bem que a crise foi maior do que se esperava. Será esta a razão profunda? Não acredito que um socialista tenha que Ter esse estado de espirito, que eu diria mórbido, para fazer prevalecer os seus ideais.
Então, de que decorre essa irritação? E no sentido de apontar o dedo a outro, dizendo: você enganou-se!?. Mas, meu Deus, os socialistas enganaram-se, o Deputado Ferro Rodrigues enganou-se, o próprio (Deputado Manuel dos Santos, que nunca se engana, também se enganou!! Eu li os discursos de ambos aquando do debate do Orçamento do Estado para 1993 e nenhum deles previa a grandeza da crise.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Ora leia lá!

O Orador: - Vou ler, sim, senhor, para mostrar que o Sr. Deputado Manuel dos Santos nunca se engana...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Leia a entrevista do Álvaro Barreto!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, convidou-me para ler o seu texto e, agora, já está a dizer para ler o texto de outro. Se me permite, eu privilegio os seus textos...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito obrigado!

O Orador: - ... e espero que não leve a mal esta minha deferência pela oposição.

Risos.

Sr. Deputado Manuel dos Santos, apesar do cientismo socialista na previsão da História, apesar dessa mística do cientismo histórico, estava longe de prever o grau de gravidade da situação, porque o Sr. Deputado dizia: «continua a pensar-se que não estamos num período de pré-recessão da economia portuguesa, continua a insistir que não é necessária uma politica pública que lute, ciclicamente, contra essa situação(...)».

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - É isso! Muito bem!

O Orador: - Mas o senhor está a dizer que se está num período de gravidade, mas não está a anunciar o grau da recessão que aí vinha

Risos do PS.

O Sr. Rui Vieira (IS): - Leia o resto!

O Orador: - Não será por minha causa que os senhores deixarão de se ouvir a vós mesmos.

Risos.

Repare, o Sr. Deputado Ferro Rodrigues, que dá um toque muito mais tecnocrático às suas intervenções, dizia: «(...) um orçamento excessivamente restritivo, atendendo à actual situação de ameaça de recessão».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os senhores querem anunciar publicamente, aqui e agora, que os senhores nunca se enganam? Respondam!

Protestos do PS.

Sim ou não?
Afinal de contas, os senhores nunca se enganam. Sim ou não?
Fica-se a saber que os socialistas nunca se enganam. Muito bem, afinal de contas, que tipo de crítica é que os senhores têm andado a fazer?
Srs. Deputados, abandonem o negativismo, os senhores também se enganam, só se enganaram, aparentemente, menos do que nós, graças à almofada do vosso catastrofismo. Só por isso, nada mais!

Risos.

Quanto ao resto - e era esta nota que eu queria trazer à minha intervenção -, deixando de lado as irritações que decorrem de erros maiores ou menores, de facto, convinha que os senhores respondessem a duas questões que me parecem positivas.
Em primeiro lugar, o que é que os senhores fariam face à queda da receita e face ao aumento de despesa se, por acaso, a aceitassem?
Em segundo lugar, em que momento é que os senhores estão de facto a pronunciar-se com profunda convicção: no debate sobre o Orçamento suplementar, no debate aqui, interno, sobre as questões do País ou nas reuniões da Internacional Socialista?

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente. E, rapidamente, vamos aguardar as respostas dos socialistas que, com certeza, vão dizer que nunca se enganam.
Ou será quando aprovam as resoluções da Internacional Socialista onde, afinal de contas, se subscreve, em resumo, a política seguida pelo Governo perante a recessão?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.
O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Sr. Deputado Rui Rio, certamente que foi por infelicidade formal que teve algumas palavras menos correctas - aliás, eu sei que não disse o que pensa, às vezes não pensa o que diz.
Sr. Deputado, no ano passado, quando aqui discutimos as receitas, nunca pensámos que houvesse a dimensão de sobreavaliação que houve...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Ah, afinal, também se engana!

O Orador: - Uma sobreavaliação feita pelo Governo. Nunca pensámos que os senhores arrasassem a máquina

Página 131

29 DE OUTUBRO DE 1993 131

fiscal como o fizeram durante o ano de 1993. Contamos sempre que haja um mínimo de racionalidade na actividade do Governo, pelo menos, algum. Mas o que aconteceu este ano é totalmente irracional. E, desse ponto de vista, muito dificilmente previsível. É evidente que se o PS estivesse no Governo toda a política teria sido diferente, a política macroeconómica, globalmente, assim como o Orçamento e os resultados.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Era o caos!

O Orador: - Sr. Deputado Castro Almeida, de facto, houve um erro na sobreavaliação das receitas. Finalmente, alguém, entre a bancada do Governo e a do PSD, veio dizer que houve um erro, o que até agora parecia que não. Parecia que tudo isto tinha corrido normalmente, que até tinha sido uma coisa espantosa - os resultados magníficos que o Ministro das Finanças tinha conseguido para ô País neste Orçamento. Finalmente, apareceu. Só que o erro não é só de sobreavaliação, como eu disse na minha intervenção: é um caos total que está instalado na administração fiscal.
Sr. Deputado, o drama é que, hoje, pouca gente paga os impostos que deveria pagar e não é pelos apelos que faz o Sr. Ministro que isso vai ser mudado se continuarem a trabalhar no mesmo sentido.
Por outro lado, a questão da «música da alternativa», que é aquilo que os senhores gostam muito de colocar sempre que estão em dificuldades, devo dizer que os senhores dessa bancada têm também muitas responsabilidades. Os senhores e os que estão na bancada do Governo contribuíram fortemente para arrasar a economia portuguesa. E agora, que ela está arrasada, perguntam pela alternativa. Ó Srs. Deputados, sabem o que é isso? É a inteligência do desespero!
Sr. Deputado Silva Marques, quer que lhe leia, exactamente, a intervenção que fiz no ano passado?
Foi nessa intervenção, que fiz de improviso depois de o Sr. Ministro das Finanças ter falado, aqui, aquando da apresentação do Orçamento, que apresentei, também, sete razões - curioso o número sete!... -, para proceder exactamente ao contrário, isto é, para dizer que o Orçamento do Estado para 1993 não prestava.
«Primeira razão, este Orçamento, em conjunto com outras políticas erradas, pode levar o País à recessão» - o País está em recessão!
«Segunda razão, é um Orçamento que não levará à convergência real com a Comunidade Europeia mas a um aumento do diferencial entre a nossa taxa de crescimento e a taxa de crescimento dos outros países, em desfavor de Portugal» - aconteceu também!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - E mal!

O Orador: - «Terceira razão, é um Orçamento não de continuidade fiscal mas de continuidade da injustiça fiscal em Portugal» - como eu provei, materializou-se!
«Quarta razão, é um Orçamento sem prioridades na despesa, um Orçamento sem alma» - foi o que se verificou com o exemplo que eu dei sobre a educação e a maneira como geriram o orçamento do Ministério da Educação!
«Quinta razão, é um Orçamento que vê a reestruturação na Administração Pública como uma mera manobra, sem qualquer estratégia de qualidade e de melhoria dos serviços públicos» - está à vista, o que se passou com os serviços fiscais! Cinco a zero!
«Sexta razão, é um Orçamento de intimidação sobre os trabalhadores da Administração Pública» - é verdade, só que eles não se deixaram intimidar! «Sétima razão (...)» - sabe o que dizia? -, (...) é um Orçamento sem rigor em que o Governo muda as suas perspectivas e o seu quadro macro-económico e não procede a qualquer alteração orçamental qualquer que seja o nível da receita» - sete a zero!...

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Ministros, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Apresentou o Governo à Assembleia da República, na data fixada no artigo 9.º da Lei de Enquadramento Orçamental, quatro importantíssimos documentos que abonam muito favoravelmente à coerência, transparência e visão prospectiva que devem presidir à política económica, em geral, e à política orçamental e financeira, em especial. São eles: as Grandes Opções do Plano para 1994; a proposta do Orçamento do Estado para 1994; uma alteração ao Orçamento de 1993; o Programa Revisto de Convergência com a Comunidade Europeia (ou revisão do Q2).
Mas questionará algum Deputado mais distraído, como é timbre nas bancadas da oposição, por que é que fará ele referência a documentos que não constam da ordem do dia de hoje?
Porque, muito clara e frontalmente, o Governo procura assim assegurar que as correcções adequadas à gestão orçamental do ano de 1993 (leia-se: a alteração ao Orçamento do Estado para 1993, hoje vulgarizada na expressão «Orçamento suplementar») estejam ligadas à política para o próximo ano (leia-se: proposta do Orçamento do Estado e Grandes Opções do Plano para 1994) e aos objectivos de médio prazo (leia-se: programa de convergência revisto, na sequência do Q2, definitivamente ligado ao grande desafio contido na União Económica e Monetária Europeia tudo, enfim, nacionalmente enquadrado pelo PDR).
Por outras palavras, numa conjuntura de elevada imprevisibilidade (já falaremos adiante sobre ela), o Ministro das Finanças assegura-nos que, dentro dos meios postos à disposição do Executivo, está este a amortecer ao máximo os tremendos efeitos da prolongada crise económica internacional, num quadro de médio prazo, sem demagogia, sem temer medidas menos populares nem esconder dificuldades «na gaveta», moralizando as relações entre alguns contribuintes e o Estado. É o contraponto claro do ziguezague bem conhecido do PS, que promete «o verso e o reverso», consoante os seus clientes de ocasião.

Aplausos do PSD.

Também nos apraz, desde já, registar ter o Governo enviado o programa de convergência revisto a este Parlamento, antes mesmo de o ter enviado para Bruxelas (como sabem, o Conselho de Ministros da Comunidade Europeia é o destino normal desse programa de convergência). Trata-se de uma atitude que demonstra inequivocamente a sua consideração pela Assembleia da República. Aliás, foi reconhecido por várias bancadas parlamentares, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, não só esse envio prévio do programa de convergência revisto como também a maior quantidade e a melhor qualidade das informações prestadas nos relatórios do Governo, que permitem mais facilmente compreender as opções da política orçamental.

Página 132

132 I SÉRIE-NÚMERO 5

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que opções são essas que estão expressas ou subjacentes no dito «Orçamento suplementar» para 1993?
O Sr. Ministro das Finanças já aqui as enunciou muito claramente, mas, como a oposição insiste sempre num certo «autismo político», aqui as sumario, de novo, numa esperança, talvez vã, de que, finalmente, compreendam o que é que está em causa.
Houve uma acentuada quebra de receitas fiscais, justificada, do lado dos impostos sobre o rendimento, pelo profundo abrandamento internacional das actividades económicas, arrastando (infelizmente!) o desemprego e o encerramento de unidades | empresariais - embora, nesta vertente de encerramento de empresas, surjam casos que se ligam à necessidade, por vezes dolorosa, de não se adiar mais a reestruturação de sectores ou unidades pouco competitivos ou obsoletos, abrindo a seguir caminho à criação de unidades modernas, capazes de enfrentar a inevitável internacionalização ou globalização da economia portuguesa - e, do lado do IVA, para além daquela razão do abrandamento da actividade económica internacional, juntam-se a harmonização fiscal de 1992 (outra medida indispensável e corajosa no quadro de reforma fiscal) e a entrada em vigor do Mercado Único (Europeu, no início do corrente ano, neste caso incentivando a mobilidade fiscal muito superior à prevista, por toda a Europa comunitária.
Do lado das despesas do sector público administrativo, o Governo aguentou-as bem no limite total fixado no Orçamento do Estado para 1993, deixando variar apenas aquelas que têm efeitos antidepressivos e que tem a ver, quase em exclusivo, com a previdência social, por possuírem alguma elasticidade (antidepressiva) em relação ao produto nacional. Como sabem, trata-se das transferências ou contribuições da segurança social e dos subsídios de desemprego. Quando a actividade económica arrefece por retracção da procura, o produto nacional cai, arrastando o desemprego, aumentando automaticamente os montantes em subsídios de desemprego, servindo estes de paliativo ao efeito depressionário da redução do investimento. Que dizer disto senão que é correctíssimo, Sr. Presidente e Srs. Deputados?
Qualquer economista' que não preguice na desactualização teórica sabe isso, pois consta de qualquer manual de finanças públicas e de política económica, na matéria relativa à utilização dos estabilizadores automáticos! Infelizmente, não é o que se passa na oposição!
É evidente que, se há menos actividade económica, as contribuições para a Segurança Social, incidentes sobre a actividade laboral, dão menos receita ao Orçamento da segurança social. Recordo apenas, a polémica - velha mas sempre pertinente- da ligação e mesmo fusão entre os impostos sobre o rendimento do trabalho e essas mesmas contribuições. Mas essa é matéria para outra sede de discussão, porque, nesta altura, o que nos interessa é saber quais foram, então, as opções fundamentais que se colocaram ao Governo.
Primeira hipótese: ou a subida violenta - como disse ainda há pouco o Sr. Ministro das Finanças - das taxas de tributação, ou lançamento e adicionais ou mesmo de impostos extraordinários prática do PS -, ou ainda alargamento da sua base de incidência. Em suma, aumento da carga fiscal.
Segunda hipótese: corte drástico de dotações das despesas, mesmo as de investimento, podendo levar à paralisação dos serviços essenciais do Estado ou à interrupção de importantes projectos de obras públicas e sociais, comparticipados, muitos e eles, pelos fundos estruturais.
Terceira alternativa: aumento do défice, pontualmente, no corrente ano, interrompendo apenas em 1993 a impressionante e gradual queda do peso do défice orçamental na economia portuguesa, que só foi conseguido por governos sociais-democratas.
Optou o Governo por esta terceira alternativa (outros países europeus optaram pela primeira), para não hipotecar, neste caso, o Governo português, o processo de convergência real de Portugal (a par da convergência nominal) com os padrões médios da Europa e para evitar colapsos na protecção social dos trabalhadores portugueses e suas famílias.
Aliás, até foi alguém - e sublinho esta ideia - insuspeito quanto à não vinculação às teses do Governo que afirmou que «seria um erro histórico de proporções incalculáveis sacrificar o desenvolvimento em nome de uma ortodoxia liberal em perda e em crescente falta de credibilidade. Há que manter a inflação» - dizia essa personalidade -, «há que atingir, em tempo útil os critérios de convergência.» Este alguém era, nem mais nem menos, o Sr. Deputado Ferro Rodrigues, do Partido Socialista!...

Aplausos do PSD.

À vezes, também o Partido Socialista acerta quando julga que se está a enganar.
Foi precisamente, neste caso, o que o Governo fez, face a Uma negativa conjuntura económica internacional e, logicamente, «internalizada» pelo elevadíssimo grau de abertura de uma pequena economia como a portuguesa. Fê-lo no momento certo. Que fique bem claro: subscrevemos esta opção do Governo porque é correcta, é corajosa, aumenta a visibilidade do Orçamento, revela preocupação pela justiça social, até quando reduz pontualmente alguns benefícios fiscais que estavam a ter uma aplicação distorcida (no presente caso, de raiz temporária e abrangendo um limitadíssimo universo de empresas, quase todas ligadas ao sistema bancário), para não «carregar», neste caso, nas taxas dos impostos que recaem sobre centenas de milhar de cidadãos, não pondo assim em crise a confiança no sistema fiscal, ao contrário do que a oposição e algumas análises mais apressadas querem fazer crer à opinião pública.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A propósito da oposição, sejamos claros e objectivos: o PS, pelas propostas que apresentou há um ano durante o debate do Orçamento do Estado para 1993, não tem credibilidade política para desferir críticas a este «Orçamento suplementar».

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Ora essa!

O Orador: - Da leitura das propostas que o PS então apresentou numa «rocambolesca» conferência de imprensa, recordo que propôs mais despesas orçamentais (por acaso, em serviços onde até não existe insuficiência de verbas) e mais deduções nos impostos. Ou seja, mais gastos e menos receitas, logo, mais défice, que até nas próprias contas socialistas (que na altura se provou estar subavaliado) rondaria a centena de milhão de contos.
Entenda-se bem que seriam, pelo menos, mais 85 milhões de contos em cima do presente agravamento do défice de 455 milhões de contos - e não em vez desse défice, como

Página 133

29 DE OUTUBRO DE 1993 133

disse agora o Sr. Deputado Manuel dos Santos, certamente, equivocado -, sem qualquer contrapartida económica e social positiva. Pior do que isso, como a conjuntura se revelou ainda pior do que era previsto no ano passado por instituições tão cotadas e isentas como a OCDE, o FMI, o Banco Mundial, a Comissão Europeia, então, as propostas do PS ainda «cavariam» mais o défice orçamental.

Aplausos do PSD.

E só tenho pena que o Sr. Deputado Ferro Rodrigues não esteja presente, porque considero que é uma autêntica falta de vergonha política a afirmação ainda agora proferida por esse Sr. Deputado, dizendo que o Governo havia deliberadamente sobreavaliado a receita, quando, na altura, o PS disse precisamente o contrário.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Já agora, também recordo que o PS se enganou para mais na previsão do crescimento do PIB para 1993: previu um crescimento de 0.5 %. Se houve erro de previsão, também o PS o cometeu.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas o que interessa é saber se há melhores alternativas de política económica às do Governo, ou se há mesmo qualquer alternativa no campo da oposição. O facto é que não apareceu nenhuma, limitando-se o PS a dizer que é preciso pleno emprego, não cuidando de dizer como, salvo quando recentemente o seu secretário-geral - que lamento não estar presente - brandiu com a peregrina ideia do «mercado social de emprego», expressão sofisticada que julgo significar que o Estado deveria «encharcar» os seus quadros de pessoal com mais tarefeiros, mesmo com pouco que fazer, ao arrepio de tudo o que se faz por essa Europa fora (salvo, talvez, no passado, na ex-União Soviética).
Sobre isso, apenas faço algumas perguntas: quem pagaria esse acréscimo de encargos para o Orçamento? Os contribuintes, em especial os que pagam com retenção na fonte e as empresas, que seriam coarctadas de capital, para investirem e, logo, criarem mais oportunidades de trabalho?
Cabe aqui recordar três anos que dizem muito do PS em matéria de investimentos: 1978, com menos 18 % na formação bruta de capital fixo, 1983, com menos 7.5 %, e 1984, com menos 18 % no investimento. E nessas alturas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não havia recessão internacional como há hoje.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, para onde saltariam os juros do crédito com essas políticas de aumento do consumo público? E que seria da competitividade nacional num mercado internacional aberto, onde é impensável o retorno à fixação administrativo-política das taxas de juro activas e passivas?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Coloco ainda duas perguntas: qual foi o ano, Srs. Deputados, em que a perda da receita orçamental foi maior, 1993 inclusive? Foi em 1978. E não havia recessão internacional. E quem eram o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças?
E em que ano houve adopção de medidas de agravamento fiscal directo e rectroactivo, em especial sobre os rendimentos do trabalho? Foi em 1983, com o imposto extraordinário.
A quem pertencia a condução do Executivo, nesses anos? Todos o sabem: ao Partido Socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques-(PSD): - É preciso ter memória!

O Orador: - Começo a desconfiar se a direcção parlamentar do PS não se quer servir deste «Orçamento suplementar» para alguns «ajustes de contas domésticos»!
Mas mais grave do que essa total falta de criatividade, para um partido que se reclama de alternativa, é o completo silêncio quanto a incentivar um acordo social que garanta a estabilidade para mais emprego e mais competitividade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, é meu entendimento que também não são as soluções orçamentais de base monetarista as mais adequadas à conjuntura que estamos a atravessar, porque dificultam a recuperação da economia, descurando aspectos do complexo social que não são nada despiciendos para quem tem responsabilidades governativas, embora compreenda que essa é a análise típica quando oriunda dos bancos centrais, por terem objectos específicos diferentes das políticas do governo.
Aliás, não será demais recordar que dois flagelos que apoquentaram a economia portuguesa entre 1975 e 1979 e entre 1981 e 1985 estão perfeitamente controlados pelo Governo: refiro-me à inflação e aos colapsos da balança de pagamentos. E, se o desemprego se agravou, ele ainda está num nível muito inferior à média europeia e o grande sucesso obtido pelo Governo na semana passada, com a confirmação em Bruxelas de que vamos beneficiar mesmo da duplicação dos fundos estruturais, para além dos sinais de recuperação das economias alemã e americana, alimentarão alguma confiança acrescida na retoma da nossa economia no próximo ano.
Por outro lado, as constantes alusões depressivas e à crise pela oposição fazem-me recordar um dos maiores economistas de sempre, o austríaco Joseph Schumpeter, que escreveu um artigo, em 1934, intitulado «Depressões económicas. Podemos nós aprender algo com o passado?» onde, passando em análise várias crises ocorridas no século XIX, alerta os seus leitores para vários pontos importantes que resumirei sinteticamente: primeiro, não existem duas crises económicas iguais, pelo que os antídotos não devem ser aplicados cegamente; segundo, quem efectivamente quer vencer a crise tem de exibir claro empenho e confiança nisso mesmo e não pode mostrar que está derrotado à partida (como faz, infelizmente, a oposição e alguns seus «companheiros de estrada»);...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... terceiro, dever-se-ão corrigir as medidas de política gradualmente e à medida em que vão conhecendo os resultados.
Parece-me que o Governo tem seguido esta orientação. Ainda bem. Acrescentarei apenas mais uma constatação que me parece evidente mas, por ter vindo de personalidades da área socialista, não resistirei a apontar. Escreve o Prof. João Ferreira do Amaral: «(...) foi-se criando progressivamente nos agentes económicos um clima de pessimismo que

Página 134

134 I SÉRIE - NÚMERO 5

é sempre mau conselheiro, principalmente quando se quer resolver os problemas e ultrapassar os obstáculos que o projecto da integração europeia necessariamente cria.» E diz mais: «Para este clima actual muito contribuem as declarações permanentes, a nível europeu, sobre os riscos, as limitações, os desequilíbrios, a necessidade de restrições que vêm a acompanhar incompreensivelmente o processo de realização da UEM, como se esta fosse um pesado fardo a suportar em vez de constituir uma parte importante de um projecto de progressão. A variável chave nos próximos anos será a produtividade. Só um crescimento muito rápido da produtividade poderá proporcionar um ajustamento bem sucedido.» Para aumentar a produtividade - acrescentei - « (...) é necessário actuar em várias frentes, aumentado o investimento em capital físico e capital humano, (...) desinvestindo nos sectores condenados cuja única justificação era a utilização de mão-de-obra barata».
Que pena, Srs. Deputados socialistas, que não oiçam os bons conselhos da vossa família só porque eles coincidem pontualmente com as políticas do Governo.
Por outro lado, o Dr. Manuel José Homem de Melo, também da área socialista, Diário de Notícias...

Risos do PS.

Vá lá, tenham consideração pelos vossos companheiros das campanhas presidenciais.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Está aqui o Pacheco Pereira!

O Orador: - Escreveu o seguinte: «(...) Sir Leon Brittan, vice-presidente da Comissão Europeia, também não podia ser mais claro. Pensar que Portugal seria capaz de eximir-se às incidências da crise que se abateu sobre a economia mundial não é sério.»
E a que assistimos nós no PS senão uma dúplice atitude, como ainda há pouco, e muito bem, o meu companheirode bancada, Silva Marques, aqui apontou? Quando está com os seus camaradas da Internacional Socialista (ou Partido Socialista Europeu) clamam pela solidariedade europeia contra o desemprego, contra a recessão; quando estão «cá por casa», de cada vez que o Governo defende o reforço da coordenação das políticas económicas de todos os Estados europeus, o PS diz que «com o problema dos outros, podemos nós bem!» Que exaltante coerência.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Certo é que o Governo português tem procurado não travar a estratégia de recuperação e modernização empreendida desde 1986, amortecendo ó mais possível as «pancadas» da crise económica internacional, de modo Ia garantir estabilidade social, para que, o mais tardar em 1999, possamos entrar com os outros Estados-Membros na III Fase da União Europeia, com perspectivas mais risonhas para a presente e para as próximas gerações, sempre garantindo que controla o processo.
E é essa a diferença face à oposição: o PSD e o seu Governo estão a fazer a História. O PS limita-se a seguir a História.
Julgo que os portugueses estão a perceber isso mesmo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, vou ser muito breve, até porque o seu discurso foi feito de citações e vou terminar também com uma citação, porque vem a propósito.
Primeiro, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que se enganou. Eu não disse que o aumento de défice que o PS propunha, de 0.5 %, não se somava ao já existente. À partida, se houvesse o descalabro, em vez de 8.1 % passariam a ser 8.5 %.

Vozes do PSD: - Claro!

O Orador: - Mas é preciso ver, Sr. Deputado Rui Carp, a natureza das propostas e o efeito que o aumento da despesa tem, por exemplo, na cobrança dos impostos. Se tivesse investido mais na administração fiscal...

Risos do Sr. Ministro das Finanças.

Não se ria, Sr. Ministro.
Se tivesse investido mais na administração fiscal, como, aliás, alertaram os sindicatos respectivos, tinham cobrado mais impostos.
Por exemplo, este é um tipo de proposta de aumento da despesa que acabava por dar lucro ao Governo, em termos orçamentais.
Os Srs. Deputados do PSD passam a vida a falar na crise e a comparar- o Sr. Ministro, aliás, faz isso com alguma subtileza- os resultados objectivos de um certo tipo de governação dos últimos anos com índices semelhantes de anos anteriores. Mas querem comparar as condições que tiveram que afrontar os governos socialistas com as condições reais de enquadramento que VV. Ex.ªs tiveram nos últimos tempos? São comparáveis, essas situações?

O Sr. Rui Rio (PSD): - São piores, agora!

O Orador: - O Sr. Deputado quer comparar uma situação de pré-ruptura financeira com uma situação, até há pouco tempo, de entrada no País de um milhão de contos por dia e que vai ser agora de dois milhões de contos?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso nada tem a ver com o assunto!

O Orador: - Isso é comparável? Quando é que os senhores deixam essa cassette!
Finalmente, Sr. Deputado, peço-lhe um comentário. Vou ler-lhe uma citação, de um ilustre Deputado da sua bancada, proferida no dia 24 de Julho de 1993. Perguntava-se-lhe o seguinte: «O Governo insistiu na tese do oásis até há escassos meses. Terá descoberto a crise tarde demais?» Responde assim o Sr. Deputado Álvaro Barreto: «Não tenho a mínima dúvida. Considerei irrealista o cenário que serviu de base à preparação do Orçamento para 1993. Sei bem que é dada muita importância, quer pelo Primeiro-Ministro, quer pelo Ministro das Finanças, à gestão das expectativas, mas quando já se sabe que o cenário vai ser negativo, essa atitude é perigosa», Sr. Ministro das Finanças.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - «Depois as pessoa são acusadas» - é o que os senhores nos fazem - «de serem incompetentes ou inconsistentes por não avisarem a tempo e horas.»
Ora, foi isto que lhe quis dizer há pouco. O sentimento dos empresários, que V. Ex.ª viu na cerimónia da

Página 135

29 DE OUTUBRO DE 1993 135

inauguração de um banco mas que eu vejo no quotidiano, é de desconfiança em relação ao seu Governo e à sua política, é de falta de rumo! Sobre isso não tenha a mais pequena dúvida, Sr. Ministro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel dos Santos, V. Ex.ª disse que não disse. Já tenho dificuldade em saber o que o PS diz, porque diz tanta coisa diferente... O certo é que utilizei os documentos que tenho disponíveis, os que surgiram na imprensa e no Portugal Socialista e que decorrem da vossa conferência de imprensa.
Nesses documentos, era claro que VV. Ex.ªs criticavam o Governo, dizendo que tinha receita subavaliada, por isso, permitiam-se propor, ou contrapropor, mais deduções fiscais, porque diziam que não havia perda de receita. Queriam menos IRS, queriam mais um conjunto de reforços orçamentais e aumentavam a despesa. Estive a ver ao pormenor onde é que, neste Orçamento, há reforços nas diversas dotações orçamentais, onde é que há perda de receita fiscal e, como os senhores só acertam, infelizmente, por acaso, nada coincide com a proposta do Governo.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Vocês, nem por acaso!

O Orador: - Ou seja, repito, se isto tivesse sido, por absurdo, contemplado no Orçamento para 1993, tínhamos um défice orçamental agravado em, pelo menos, mais 100 milhões de contos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Já lhe expliquei isso!

O Orador: - VV. Ex.ªs dizem que nós, na altura, não sabíamos que íamos ter esta depressão internacional. Então, em que ficamos? Quem não sabe prever? Quem tem culpa das imprevisões ou das previsões menos correctas? Afinal de contas, só o Governo é que tem culpa quando se constata, nas organizações internacionais, que elas tiveram uma perspectiva mais optimista da evolução económica? Quando é o PS, já tem desculpa? VV. Ex.ªs têm um peso com duas medidas, conforme as vossas conveniências.
Quanto às considerações do enquadramento dos últimos tempos e dos milhões de contos que referiu, V. Ex.ª acabou por se contradizer. Disse: nós, quando éramos Governo, não tínhamos os milhões de contos que vão agora entrar.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Têm entrado até agora!

O Orador: - O que significa que o Governo também ainda não teve esses milhões de contos a mais. Significa isso, portanto, que VV. Ex.ªs estão a contar, perdoem-me a expressão, com o ovo no rabo da galinha. Nós, se vamos ter essa duplicação de fundos estruturais, é porque o Governo conseguiu, ao longo destes anos, ganhar credibilidade em Bruxelas, na Comunidade Europeia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É que se não fosse assim, estávamos na situação da Grécia.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas esqueceu-se de criar credibilidade em Lisboa.

O Orador: - Já percebi que os senhores gostam muito de alguns modelos que estão agora muito em voga na política grega.
Quanto às outras opiniões pessoais, merecem-me o maior respeito, mas, naturalmente, tenho de me louvar nas posições do partido e do Governo e essas estão correctas. Aliás, VV. Ex.ªs, mais uma vez, revelaram uma completa incapacidade para se assumirem, hoje como no futuro, como alternativa ao Governo do PSD. Isso é um facto indesmentível e inquestionável e qualquer pessoa de boa fé poderá hoje tirar essa ilação deste debate.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quando, a propósito de um litígio, se faz uma transacção, é costume negociar também o comunicado final, onde se diga, claramente ou não, que nenhuma das partes ganhou, que todas tinham razão e que nenhuma ofendeu a outra. Sucede que, nesta matéria, não houve negociação. O CDS-PP não foi ouvido, em termos formais, no quadro de uma negociação e está, portanto, livre para fazer o comentário que entender ao que se passou aqui hoje.
Assim, em primeiro lugar, esse comentário é de regozijo. Valeu a pena todo o trabalho que tivemos a lutar, nesta Câmara e fora dela, para que a protecção da confiança fosse respeitada e para que o Governo se comportasse como se deve comportar um Governo num Estado de direito democrático. Valeu a pena, porque, para um partido como o CDS-PP, um pequeno ganho que seja, em matéria de protecção da confiança, é um triunfo memorável e, só por isso, já podemos dizer que, para nós, o mandato, nesta sessão, já está justificado.

Vozes do PSD: - Não exagere!

O Orador: - No entanto, poderia gerar-se a ideia de que esta interpretação sugerida pelo Sr. Ministro das Finanças tinha, afinal, apagado todo o drama. Poderia até transparecer para o exterior que já não há qualquer problema de dano da confiança, de retroactividade e que com esta interpretação - ela, sim, bizantina - o Governo tinha resolvido todos os problemas. Não é verdade! No documento que o Governo aqui apresentou continuam a verificar-se graves agressões à confiança dos cidadãos, continuam a existir, ainda que se façam as correcções aqui anunciadas, normas retroactivas e, se esta proposta for aprovada, a haver lesão da confiança dos cidadãos.
Com efeito, o Sr. Ministro das Finanças dizia: são interpretações bizantinas! Mas ele ganhou o campeonato das interpretações bisantinas!... De facto, o que diz a proposta de lei é que o artigo 18.º do estatuto dos benefícios fiscais é revogado sem prejuízo da continuação da sua aplicação às mais-valias realizadas até ao termo do exercício de 1992. E com este diálogo, súbito e expontâneo, entre o Sr. Ministro das Finanças e o Sr. Deputado Rui Rio acrescenta-se ao artigo que também ficam salvaguardadas as mais-valias realizadas em 1993, desde que se verifiquem antes da entrada em vigor desta lei e desde que o reinvestimento seja efectuado antes da entrada em vigor desta lei.

Página 136

136 I SÉRIE - NÚMERO 5

Em matéria de correcção, o Governo apenas veio corrigir os mais lestos, aquele que poderão rapidamente ir a correr comprar títulos do Estado para utilizar o valor de realização antes da aprovação da lei. Não chega! É pouco! Nada se faz em matéria de protecção dos grupos e de consolidação. É verdade que os grupos podem sair da consolidação sem graves danos, mas não se protege nada do que os grupos fizeram para se colocarem em condições de acederem a esse sistema. É pouco, Sr. Ministro das Finanças! E desafiava a bancada da maioria e o Governo a tirarem todas as consequências da declaração que o Sr. Ministro das Finanças fez.
Segundo as palavras do Sr. Ministro, este orçamento não lesa qualquer direito já constituído, qualquer expectativa ou situação já existentes, nem, afinal, a confiança dos contribuintes. Ora, é preciso que tiremos todas as consequências destas afirmações. É preciso que esta declaração seja levada até às suas últimas consequências e que, em sede de especialidade, se consiga introduzir os esclarecimentos necessários para que esta importante declaração do Sr. Ministro seja levada à prática. Numa palavra, e voltando à prática que aqui foi seguida, é preciso que o Sr. Deputado Rui Rio faça mais perguntas, pois fez poucas. Tinha de fazer mais tranquilos!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Diga quais!

O Orador: - Contudo, não sei o que é mais grave: se a interpretação bizantina do Governo, apesar de ser proveitosa para os contribuintes, se a coerência e seriedade com que a bancada do PSD aqui aplaudiu o relatório e parecer do Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, manifestando estar inteiramente de acordo com ele.
Na verdade, a leitura que o Presidente da 1.ª Comissão fez do artigo era exacta neste igual à nossa e à dê qualquer pessoa que sabe lê; medianamente. De facto, não se colocava qualquer problema, pois não existia retroactividade e, mesmo que existisse, nada a proíba.
Porém, agora, a bancada do PSD vibrou um golpe na coerência, na honestidade e no espírito de serviço do Sr. Deputado Guilherme! Silva, Presidente da 1.ª Comissão. Alguém poderia tê-lo avisado de modo a que esta pergunta do Sr. Deputado Rui Rio tivesse chegado a tempo de salvar o serviço que ele, corajosamente, prestou ao PSD.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Neste debate sobre 1993, entendemos ser fundamentais e o Orçamento suplementar para importante falar de dois aspectos.
O primeiro tem a ver com a sombra da retroactividade dos preceitos, já aqui referidos, um problema que só em parte está resolvido e que ensombrava claramente a discussão deste orçamento.
A este propósito, já hoje, de manhã, referindo uma nota pessoal sincera, tive oportunidade de dizer como me custava a acreditar que da parte de uma pessoa com quem me habituei - quando ainda ela não tinha a pasta das Finanças - a falar sobre a confiança e a estabilidade, que, em termos de leis, merecem as economias de mercado, viesse uma i agressão a essa estabilidade e confiança. Embora, esta questão já tenha sido minorada e a sombra da retroactividade atenuada, ainda fica uma agressão com feridas de que dificilmente os contribuintes recuperação tão cedo.
O segundo aspecto respeita aos erros de previsão que caracterizou esta execução orçamental. Não dizemos, com falta de espírito cristão, que errar não é humano; não dizemos que um ministro ou um governo não podem errar. Não pretendemos ser impiedosos a esse ponto, mas gostaríamos que ficasse claro que não é o problema do erro que faz falar aqui a oposição e que determina o seu julgamento, mas é, tão só, a forma como a verdade do Governo foi afirmada, aquando do debate sobre o Orçamento do Estado para 1993.
Todos podem errar, mas não podemos ter a mesma tolerância para com aqueles que persistem no erro com arrogância, sobranceria política, palavras duras, ironia e com cinismo, antes do tempo. Esse é que é o verdadeiro problema! Ele não está em saber como se reage contra este défice súbito nem em saber quais são as alternativas da oposição para combater este défice, mas está em julgar a indiferença do Governo perante os avisos que lhe foram feitos e em julgar politicamente o estilo do Governo, quando aqui discutiu o Orçamento do Estado para 1993.
Pessoalmente, recusar-me-ei a discutir as alternativas, embora saiba que nem tudo é, exactamente assim, como o Governo diz. Não é verdade, por exemplo, que os erros na avaliação da receita sejam todos justificados ou que tenham todos a ver com o abrandamento económico. Não é verdade! Boa parte deles são erros grosseiros de previsão e de funcionamento dos serviços. Mas esses erros são explicáveis e, embora seja verdade que na administração fiscal existe, talvez, o conjunto de funcionários mais competente e mais preparado de todo o funcionalismo público português, eles têm a ver com a reestruturação da administração fiscal - porventura, não directamente comandada pelo Sr. Ministro ou pelo Sr. Subsecretário de Estado -, ou seja, com aspectos concretos dessa reforma.
Na verdade, esses erros de previsão têm a ver com a visão economicista e a obsessiva preocupação de cortar os gastos de um serviço como o da administração fiscal, com o facto de não se dotar de meios a fiscalização e também com o problema de se ter errado previsões, designadamente, em matéria de informática. Logo, nenhum dos caminhos sérios que toma a reforma da administração fiscal merece tranquilidade da nossa parte, nomeadamente no que diz respeito às nomeações e ao tempo de duração das comissões dos chefes das repartições de finanças.
Com efeito, ninguém poderá julgar ilegítimo que entendamos que o Governo «mete» política na administração fiscal, quando estabelece um regime de permanência ou de saída dos chefes das repartições de finanças, como o que está preparado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, para terminar, quero só dizer que o Sr. Ministro, a propósito deste Orçamento, veio aqui falar-nos de uma teoria contratualista, de um contrato entre o Estado e os contribuintes e fê-lo utilizando expressões de sabor anglo-saxónico. Ora, essas expressões têm um sentido preciso, sério, um sentido histórico importante. Trata-se de uma visão liberal!
Nós, Sr. Ministro, contentamo-nos com o sentido germânico, com o sentido de que o Estado vai cumprir as regras do Estado de direito democrático, intervindo na economia e conduzindo-a com respeito por esse Estado. Não me importo que haja algumas alterações a esse contrato, se for preciso realizar a justiça; não me importo que haja alterações a esse contrato, se for preciso realizar mais bem-estar ou tomar medidas em momento de necessidade por qualquer situação de crise económica. Mas, Sr. Ministro das Finanças e Srs. Membros do Governo, o que é preciso é cumprir o contrato e a nossa confiança, como partes nesse contrato, foi abalada. Não podemos deixar de o negar!

Página 137

29 DE OUTUBRO DE 1993 137

Aplausos do CDS-PP e do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, tenho de registar, claramente, nesta Câmara, o regozijo do CDS-PP pelas opções de política fiscal do Governo. É importante que isto fique bem registado, para que, no futuro, não haja posições contraditórias por parte do CDS-PP. E foi, precisamente, essa contradição que foi revelada no seu discurso de improviso. Parece até que teve de o alterar à última da hora, mas não sei, dou-lhe, portanto, o benefício da dúvida!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Foi de improviso, mas melhor do que alguns escritos!

O Orador: - Exactamente! Aliás, os discursos do Sr. Deputado António Lobo Xavier justiça lhe seja feita - são sempre bons, sejam de improviso ou escritos. E um facto digno de se registar e não tenho qualquer pejo em fazê-lo.
O que já não gosto muito é que use a táctica de «dividir para reinar», dizendo que uns disseram isto, outros aquilo. Pode estar certo, Sr. Deputado, que há uma perfeita coesão e sintonia entre o PSD e o Governo, nesta matéria de política, porque conhecemos os objectivos a atingir e as medidas a seguir. Deste modo, como ainda há pouco disse, ali da tribuna, subscrevemos inteiramente a política orçamental e fiscal do Governo.
Gostaria ainda de esclarecer algumas afirmações que V. Ex.ª fez, porque me parece que ainda não entendeu bem certas aspectos. Por exemplo, quando há pouco o Sr. Deputado Rui Rio questionou o Sr. Ministro das Finanças, devo esclarecê-lo que se limitou a transmitir o entendimento que o PSD já fazia da matéria fiscal aqui contida.

Risos do PCP. Não havia dúvidas!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Fazem piruetas sobre piruetas!

O Orador: - E não há qualquer contradição relativamente ao relatório e parecer que foi hoje aprovado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, pois o que ele demonstrou é que não há inconstitucionalidade. Isso é uma matéria que está arrumada e esclarecida.
Assim, o que agora tínhamos interesse em saber era o que é que sucederia a quem já tivesse reinvestido. Ora, o Sr. Ministro das Finanças limitou-se a assentar, alto e bom som, aqui no Plenário, aquilo que era o entendimento do Governo e o do PSD: é que não havia prejuízo para quem já tivesse reinvestido. E aqui é que está a vossa contradição: é que quando no n.º 4 do artigo 7.º do Orçamento suplementar se fala do exercício de 1992 é precisamente para o efeito contrário daquele que o Sr. Deputado aqui referiu, ou seja, é para evitar essa correria especulativa que às vezes o CDS-PP, embora se afirme agora partido popular, tende a proteger.
Assim, a questão que gostaria de colocar é esta: de que lado está o CDS-PP? É do lado de uma dezena de empresas e de alguns bancos, que serão prejudicados em benefícios fiscais...

Aplausos do PSD.

..., ou é do lado de centenas de milhares de contribuintes portugueses?
O CDS-PP tem de por isto bem claro para sabermos se faz ou não jus ao nome de partido popular.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier, que dispõe de dois minutos cedidos pelo PSD.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que me espanta é que o Sr. Deputado Rui Carp esteja ali a pensar que me «entalou» de alguma forma...

Risos gerais.

O Sr. Deputado Rui Carp esquece que sei muito bem qual o universo dos prejudicados, e eu já o referi claramente. Aliás, sempre disse que o que estava em causa eram as sociedades portuguesas com lucros, ou seja, as sociedades mais bem organizadas, porventura as que fazem melhores processos de reestruturação, as que melhor sabem jogar com os dados.
O Sr. Deputado Rui Carp podia perguntar ao Sr. Ministro das Finanças se quem está preocupado com essas empresas despreza os trabalhadores. É que uma vez, numa conferência no Hotel Tivoli, em que eu, jovem licenciado, ingénuo partidário da justiça fiscal, participei ao lado do Sr. Ministro das Finanças - conferência essa em que, aliás, foi brilhante, como sempre - eu disse: «nesta reforma fiscal há algum benefício talvez exagerado às mais-valias, talvez se pudesse ter dado aqui menos e reduzir um bocado os escalões e as taxas dos impostos». E o agora Sr. Ministro das Finanças disse-me: «Você é ingénuo, você ainda não percebeu bem isto: se tributar o capital, se você quiser ir apanhar o capital, quem paga a factura são os trabalhadores mais tarde ou mais cedo» E eu percebi logo isto! Isto ficou logo no meu património, Sr. Deputado Rui Carp, no seu é que isso não ficou.

Risos do CDS.

O Sr. Deputado, porventura, anda mais longe da realidade do que eu!
Referi-me ao Sr. Deputado Guilherme Silva sem querer tirar algum partido da contradição entre o que aqui se passou e o relatório que ele elaborou, dada a consideração pessoal que tenho por ele. Mas o que é verdade é que no relatório que os senhores aqui apoiaram entusiasticamente, o que constava era que se o entendimento fosse de que as mais-valias realizadas desde l de Janeiro de 1993 fosse prejudicada, isso não implicava inconstitucionalidade alguma, porque, no entendimento que tiraram de uma cartola, a dívida, e passo a citar, «só nasce em 31 de Dezembro». Foi esta a ideia desta manhã.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - A ideia da tarde é outra, salvando-se o Sr. Ministro das Finanças por via das perguntas do Sr. Deputado Rui Rio. Ainda bem que assim foi, pois não pretendi tirar partido da contradição da sua bancada, antes pelo contrário.
Finalmente, gostaria de dizer que não fico integralmente satisfeito com isto, porque não vejo por que razão é que

Página 138

138 I SÉRIE - NÚMERO 5

hão-de ser mais protegidos os que são mais lestos a reinvestir. Na verdade, o Sr. Deputado Rui Carp devia saber que um projecto de reinvestimento se for sério, se merecer, por isso, tutela de direito, não se pode fazer em três dias ou quatro que vão demorar daqui até à aprovação da lei.

O Sr. Rui Carp (PSD): - E o tempo que está para trás?

O Orador: - Esse reinvestimento só se destina a salvar os que podem rapidamente utilizar grandes recursos financeiros em títulos. Assim, dada a incerteza que se gerou desde há 15 dias, só poderá usufruir desta pequena benesse, que louvo, os que podem, rapidamente, repito, utilizar disponibilidades financeiras em títulos.
Respondendo concretamente à questão que o Sr. Deputado Rui Carp me colocou, dir-lhe-ei que estou muito mais preocupado com as centenas de milhar do que com as escassas centenas de contribuintes, Sr. Deputado. O que já aprendi, ao contrário de outros, é que não é possível salvar centenas de milhar se fizermos agressões, às centenas que ainda subsistem com a (cabeça fora de água.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputado, tem a palavra para esse efeito.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, queria pedir autorização à Mesa para esclarecer um aspecto da intervenção do Sr. Deputado António Lobo Xavier já que, em meu entender, não interpretou correctamente o sentido da resposta do Sr. Ministro das Finanças ao meu pedido de esclarecimento em relação ao texto da lei.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputado, isso é abrir um novo debate, pois o Sr. Deputado António Lobo Xavier quererá também responder ao seu pedido de esclarecimento.

O Sr. Rui Rio (PSD): -- Sr. Presidente, o PSD dá tempo para o Sr. Deputado responder.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem um minuto para pedir esclarecimentos, mas terá de ceder ao Sr. Deputado António Lobo Xavier o tempo necessário para responder.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Deputado, aquilo que está no presente articulado, que está e vai continuar a estar, diz que as mais valias que foram realizadas até ao termo do exercício de 1992 têm dois anos para serem reinvestidas; as de 1993, têm de ter sido reinvestidas.
Sr. Deputado, é precisamente para evitar a correria de momento relativamente a troca e venda de acções que a lei está nestes termos.

O Sr. Presidente: - (Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, apenas para continuar por escassos segundos esta discussão.
De facto, o Sr. Deputado Guilherme Silva viu bem. O que o artigo diz é que, de facto, só são protegidas em termos de realização as mais mais-valias realizadas.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Daí a explicação!

O Orador: - Isto é, correspondentes a operações efectuadas até ao fim de 1992. Qualquer leitor, mesmo que não seja um observador atento, percebe que transposto o ano de 1992 nenhuma realização de mais-valia é protegida.
Agora, o Sr. Ministro das Finanças vem dizer: «não, a realização de mais-valias em 1993, desde que ocorra reinvestimento antes da entrada em vigor da lei de alteração do orçamento, também é protegida».

O Sr. Rui Rio (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Portanto, isto não chega. É bom, é óptimo, é esplêndido, é um recuo importantíssimo para o principio da protecção da confiança, mas não chega, Sr. Deputado.
Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de alteração do Orçamento do Estado para 1993 foi tornada obrigatória pelo «buraco» de 364 milhões de contos registado no défice do Estado, em sentido estrito, a que acresce o aumento dó défice da segurança social de 133 milhões de contos.
Convém, aliás, recordar que no dia 26 de Maio, numa intervenção proferida nesta Assembleia, dirigi-me ao Sr. Ministro das Finanças, dizendo que, com base nos elementos já disponíveis na altura, que eram do 1.º trimestre, tudo apontava para um agravamento do défice superior a 100 milhões de contos, ao que o Sr. Ministro respondeu: «É muito menos! É muito menos!». Bem, agora, são qualquer coisa como 500 milhões de contos.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Estes enormes «buracos» orçamentais resultam quase que exclusivamente da quebra das receitas fiscais estimadas face aos montantes previstos no Orçamento inicial.
Daqui decorre que a responsabilidade política essencial deste tão acentuado agravamento do défice pertence, em exclusivo, ao Governo, porque foi ele que não só fez as projecções macroeconómicas subjacentes à elaboração do Orçamento do Estado para 1993 como também, contra a realidade vivida e a evidência mostrada pelo PCP e por outros partidos da oposição, fez impor essas irrealistas projecções macroeconómicas em Dezembro de 1992, aquando da votação do Orçamento do Estado para o corrente ano.
Como alguém já o disse: «não é o maior défice da História portuguesa mas o descontrolo, a proporção do erro».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esse descontrolo é do Governo! Esse erro crasso é da responsabilidade exclusiva do Governo!
Os responsáveis pelo erro não são o Fundo Monetário Internacional, a OCDE ou quaisquer outras entidades externas. Essas responsabilidades são da barca governamental do PSD, do seu «capitão» Cavaco Silva e do «vagomestre» Braga de Macedo,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

Página 139

29 DE OUTUBRO DE 1993 139

O Orador: - ... porque, na altura da votação do Orçamento do Estado para 1993, já era conhecida a real evolução da economia portuguesa, pelo menos para os primeiros três trimestres de 1992. E a tendência evolutiva não podia enganar ninguém com o mínimo de bom senso: por todos os indicadores relevantes, já se sabia, então, que a evolução do produto interno bruto tinha caído abruptamente, de uma taxa de 3,9 %, no 1.º trimestre, passou para 1 %, no 2.º trimestre, e 0,3 %, no 3.º trimestre. Só o Governo os não quis ver! Quiçá esperando um milagre! Mas, seguramente, despojado de qualquer bom senso, ignorava a realidade, recusava admitir os resultados nefastos da sua política irresponsável. Isto é, o erro crasso que gerou tão grande buraco orçamental é da responsabilidade exclusiva da teimosia doentia do Governo e da sua irresponsável e completamente desacreditada política económica.

Aplausos do PCP.

Aliás, é oportuno desmentir a ideia que o Primeiro-Ministro expressou, em recente entrevista televisiva, ao tentar inculcar na opinião pública que o aumento do défice decorria de um aumento de despesas tendente a contrabalançar a crise da actividade económica empresarial. É falso, como se vê!
Não foi por aumento das despesas que o défice quase duplicou mas por quebra de receitas, por erro de previsão, por desconhecimento da realidade do País, por teimosia política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Para nós, a questão essencial não é a da dimensão do défice orçamental que se atingiu. Não somos nós, ao contrário do Governo, quem defende a tese da relação directa e imediata entre a dimensão do défice orçamental e o nível da inflação. Tese, aliás, desmentida por muitos exemplos de outros países, desde a Bélgica ao Reino Unido, da Itália aos EUA.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Bravo!

O Orador: - Para nós, a questão essencial reside no erro cometido e nas razões que conduziram a esse erro.
Por isso, não nos cansemos de repetir e de mostrar que temos de atribuir, como, aliás, há pouco referiu o Sr. Ministro, «a César o que é de César», isto é, a responsabilidade do erro é do Governo, e apenas dele!
Mas, Srs. Deputados, se foi o «buraco» do défice que obrigou o Governo a apresentar este Orçamento suplementar, não é menos certo que o Governo proeurou aproveitar a boleia para «contrabandear» dois pesados contentores.
Por um lado, o Governo aproveita a maré para impor um pacote de alterações fiscais com efeitos retroactivos. Sobre a questão da retroactividade desse pacote já foi tudo dito esta manhã, e, por isso, não voltaremos ao assunto. Mas quero declarar desde já que o Grupo Parlamentar do PCP apresentará uma proposta de alteração ao Orçamento suplementar, visando impedir a aplicação retroactiva das alterações fiscais apresentadas pelo Governo. E diga-se a propósito que, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, o Sr. Ministro das Finanças só defendeu a sua tese de «não retroactividade» com base no n.º 7 do artigo 7.º do Código do IRC, o que, claramente, não se aplica ao artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Sr. Ministro das Finanças, pode dar as cambalhotas que quiser, o que não pode é vir, aqui, usar, inclusivamente - é um problema dele -, Deputados da bancada do PSD, para tentar mentir em relação àquilo que fez e disse na Comissão de Economia, Finanças e Plano.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

É, porém, oportuno analisar a questão sobre o ângulo das razões governamentais que levaram a este pacote fiscal. A razão deste pacote fiscal não assenta numa hipotética vontade moralizadora por parte do Governo. O Governo conhecia, há vários anos, o montante, imoral e injusto, que os benefícios fiscais em causa comportavam, tal como conhecia a natureza das operações que os poucos contribuintes beneficiados, os grupos económicos em especial, praticavam para avolumar essas benesses.
Nós próprios, Grupo Parlamentar do PCP, temos apresentado anualmente, em sede de debate orçamental, não só os valores oficiais da despesa fiscal em IRC como também exemplos dessas operações, para sustentar as nossas propostas de revogação de tão iníquas benesses.
Por isso, as razões do Governo não têm a ver com a moralidade.
A verdade é que o Governo propôs este pacote fiscal apenas agora, no quadro de um acentuado agravamento do défice, resultante do erro das suas projecções, da sua incapacidade para combater o crescimento da evasão e da fraude fiscais, resultante ainda da ruptura que o próprio Governo gerou nos departamentos de fiscalização fiscal, designadamente com a criação dos «disponíveis» na Direcção-Geral das Alfândegas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E com este pacote fiscal, neste momento, o Governo procura, mais uma vez, alijar responsabilidades próprias e incutir a ideia de que o «buraco» do défice orçamental em 1993 se fica a dever não só ao FMI mas também aos «exagerados» contribuintes que aproveitaram todas as portas que o Governo lhes abriu, em matéria de benefícios fiscais.
Mais uma vez, a culpa não seria do Governo que propôs, aprovou e concedeu as benesses fiscais, mas dos contribuintes que não perceberam que aquilo era tudo a brincar, que tomaram a sério a legislação fiscal e aproveitaram os benefícios concedidos.

Aplausos do PCP.

Por outro lado, Srs. Deputados, o Governo pretende ainda fazer passar neste Orçamento suplementar uma «indemnização» - dita assim - aos proprietários da LISNAVE. Estranha «indemnização»! O Governo propõe-se pagar algumas dezenas de milhões de contos (o montante certo, ou o seu limite máximo, não nos é revelado), mas, seguramente, algumas dezenas de milhões de contos, ao grupo económico proprietário da LISNAVE, pelo facto de esse grupo pretender encerrar a empresa, colocar no desemprego 4000 trabalhadores e monopolizar o sector da construção e reparação naval no nosso país.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Um escândalo!

O Orador: - A isso chama-se benesse ilegítima e imoral e não indemnização!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Página 140

140 I SÉRIE - NÚMERO 5

O Orador: - Isto é pactuai- e incentivar a destruição da estrutura produtiva nacional para beneficiar negócios imobiliários especulativos. E, como sempre, nestes negócios e nestas políticas os trabalhadoras são esquecidos, nunca são ouvidos, são sempre os sacrificados. Isto é afinal mais um exemplo das orientações centrais da política do Governo que conduziram à recessão económica e à crise social.
O Orçamento suplementar é filho directo dessas orientações e dessa política. Combatemos as orientações e a política! Rejeitemos os resultados!

Aplausos do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, suponho, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.
Assinalo que o Sr. Deputado Octávio Teixeira não tem tempo para responder.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Tenho 4 minutos.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, o seu discurso não traz nada de novo relativamente ao discurso da sua bancada, a não ser um crescente embaraço, porque, no fundo, V. Ex.ª veio aqui dizer: «estamos contra a os benefícios fiscais, mas, por outro lado, também estamos contra a redução dos benefícios fiscais por parte do Governo.» Ou seja, afirmou uma série de contradições que, por serem ideológicas, são compreensíveis.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Não percebeu bem!...

O Orador: - Quero desde já afirmar, com muita clareza, que o PSD toma as suas atitudes livre e democraticamente e que não foi a reboque de ninguém que fez o seu pedido de esclarecimento ad Governo.
Sr. Deputado, o PSD não admite afirmação que V. Ex.ª fez de que tinha andado aqui a fazer fretes ao Governo ou que tinha andado a seu reboque. O PSD toma as suas atitudes livremente e quando as toma fá-lo porque sabe que é para bem do povo português e do programa que foi, maioritariamente, subscrito e sufragado nas últimas eleições.
Portanto, não admitido expressões como as que o Sr. Deputado aqui referiu. Cubra as contradições e as incoerências da bancada comunista como quiser, mas não o faça insultando a nossa bancada, porque os insultos ficam para quem os pratica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira, a quem peço para investir bem o seu tempo, com benefício fiscal.

Risos.

O Sr. Octávio Teixeira '(PCP): - Serei breve, Sr. Presidente.

Sr. Deputado Rui Carp, posso dizer-lhe, com toda a sinceridade e sem pretender usar a expressão que utilizou, que quem se mostrou embaraçado com a pergunta que fez foi o senhor. Mas claramente!...
O nosso embaraço não existe, Sr. Deputado! Hoje, de manhã, tive oportunidade de o esclarecer, claramente, na intervenção que fiz! Ainda ião percebeu, mas amanhã verá a nossa votação na especialidade!
Somos favoráveis à revogação daqueles benefícios fiscais!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Então por que é que não os apoiam?!

O Orador: - Fizemo-lo, propusemo-lo ao longo dos anos! Somos favoráveis, mas não o admitimos- e isso é manter também a nossa coerência - em relação à aplicação retroactiva da legislação fiscal.
Portanto, mantemos a coerência em todos os aspectos, quer em relação à substância, quer em relação à forma como é feito.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foi clarificado e vai continuar clarificado: a nossa coerência é total, inversamente àquilo que acontece com o PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sobre a questão do frete, Sr. Deputado, não sei se utilizei essa expressão (se não lhe chamei frete chamei outra coisa qualquer), mas, relativamente ao que aqui se passou hoje, é evidente que quando se pretendeu dizer - e o Sr. Ministro disse-o, como o disse também e o Sr. Deputado Rui Rio - que na Comissão de Economia, Finanças e Plano já se tinha esclarecido essa situação, quis referir aquilo que disse da tribuna e que agora repito: é mentira que isso tenha sucedido. Na Comissão de Economia, Finanças e Plano o Sr. Ministro não disse nada disso. Antes pelo contrário.
Sr. Deputado, se fez fretes, já que utilizou essa expressão, se esta cambalhota tiver fretes, eles não são para fazer aqui dentro. Se essa cambalhota se deu foi hoje e fora deste Plenário. E, se foram feitos fretes, não sei a quem eles foram feitos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - O Sr. Deputado Nogueira de Brito pede a palavra para que efeito?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS/PP): - Sr. Presidente, para interpelar a Mesa, no sentido de saber se ela poderia tentar esclarecer o Sr. Deputado Rui Carp que, ao tomar esta posição de defesa da confiança do sistema fiscal, estamos a defender milhões de contribuintes.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Oh! Muito obrigado! Tão simpático, mas não se incomode!...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Ah! Mas que recuperação!...

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, V. Ex.a, mais uma vez, veio aqui à Assembleia da República reafirmar o seu optimismo e confiança nas previsões que o Governo, através do Ministro das Finanças, ficciona, convencidos que a economia e a realidade se podem transformar por decreto.
Embora em nosso entender este seja um problema que o Governo e o PSD têm de resolver, como as consequências dessa actuação afectam a generalidade dos portugue-

Página 141

29 DE OUTUBRO DE 1993 141

sés e condicionam o desenvolvimento do nosso país, estamos profundamente preocupados e, naturalmente, empenhados em evitar que esta situação se perpetue com efeitos cada vez mais nefastos para o futuro. E, por isso, queremos confrontá-lo com alguns dados que desde há muito estavam perspectivados pelos partidos da oposição: só não vê que não quer, só não viu quem não quis!
A primeira questão que se coloca prende-se com o facto de nos apresentarem, hoje, não um orçamento rectificativo mas um verdadeiro orçamento substitutivo para o ano de 1993, quando há menos de um ano nos garantiam rigor e verdade nas propostas e avaliações que faziam - como é óbvio, rigor e verdade não é coisa com que na língua e cultura portuguesas se possa designar um buraco orçamental de 450 milhões de contos à distância de nove meses!
E as nossas preocupações acentuam-se quando avaliamos alguns dos sintomas ou factos reais de que, em nosso entender, resulta o buraco.
Assim vejamos: verificamos que nas receitas o Estado vai arrecadar menos 55 milhões de contos, no. IRS, do que o anteriormente previsto; que o rendimento colectável dos portugueses decresceu, a que não pode ser estranho o desemprego crescente; que os contribuintes se vêem esforçando, e com êxito, em encontrar fugas ao fisco, o que revela uma crescente desconfiança e descrédito dos cidadãos na pessoa de bem a que deve corresponder a Administração num Estado de direito democrático.
Verificamos que os impostos indirectos, e em particular o IVA, terão uma quebra, relativamente ao previsto, da ordem dos 203 milhões de contos.
Ora, sendo o IVA um imposto que incide sobre o consumo, o Sr. Ministro das Finanças não nos quis dizer que em 1993, apesar de Portugal ter vindo a receber l milhão de contos por dia da Comunidade Europeia, se acentuaram a degradação das condições e a qualidade de vida dos portugueses, resultantes em nosso entender do desemprego crescente, dos salários em atraso e da falência de empresas. Factos e situações que o Sr. Ministro e o Governo, quando apresentaram o orçamento que agora querem substituir, se recusaram a reconhecer como já existentes ou estarem iminentes.
Se estes dados não são suficientes para justificar apreensão a quem assumiu a responsabilidade de governar o País e prometeu corresponder às aspirações dos portugueses, vejam-se as expectativas que o Governo agora apresenta para a evolução do orçamento da segurança social: um défice de mais de 100 milhões de contos, sendo 62 % dos quais para subsídio de desemprego, salários em atraso e outros apoios ao desemprego.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Se isto não são as sucessivas confirmações, não tanto duma crise externa mas, fundamentalmente, de uma política desastrosa que o Governo, e em particular o Primeiro-Ministro, não tem querido assumir, é legítimo perguntar: tendo todos conhecimento das razões que têm levado à demissão de Ministros em vários países europeus, incluindo Portugal, face à derrocada que se verifica no défice do Orçamento de Estado para 1993, por razões morais, éticas e políticas, o actual Ministro das Finanças deveria ou não apresentar a sua demissão?
Será que o Sr. Ministro não se sente minimamente incomodado com os dados e a realidade que são iniludíveis? Ou será que estamos perante uma situação, também não revelada mas fortemente previsível, em que o Primeiro-Ministro, por razões óbvias, não consegue encontrar um candidato alternativo para o Ministério das Finanças?

Aplausos do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Amado.

O Sr. Luís Amado (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A apresentação de um Orçamento suplementar para 1993 vem pôr em evidência a dificuldade da situação financeira económica e social do País que o Governo não pode mais continuar a iludir. Mas evidência também uma nova realidade política com que o País está hoje confrontado e, nesta perspectiva, este debate orçamental constitui um ponto de viragem para a actual maioria.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esta maioria é o resultado conjugado de um mito, de uma ideia e de uma fórmula de governo - e, naturalmente, de uma conjuntura excepcional: o mito do rigor, da seriedade e da competência tecnocrática por um lado, uma certa ideia de estabilidade por outro, e uma fórmula de governo assente num comando político-partidário forte, tendencialmente autoritário e centralista por vocação.
Tudo isto está hoje posto em causa - o mito da competência, a ideia de estabilidade e a própria fórmula de governo -, facto que este debate só reforça. Perante isto, mesmo as boas políticas se arriscam a soçobrar, pois o problema é já, provavelmente, da política e não das políticas. E na maioria há já quem pense assim.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na origem desta maioria existe o mito de dela depender um governo de rigor, de seriedade e de competência. Compreende-se que assim tenha sucedido.
Numa época em que as ideologias tradicionais deixaram de ter força mobilizadora e em que um generalizado e difuso sentimento de insegurança se desenvolve, as pessoas pretendem acima de tudo ser bem governadas.
Esta maioria tem a dimensão que tem porque fez associar ao seu discurso político uma imagem de rigor, de seriedade e de competência que seduziu muitos portugueses, sobretudo durante o primeiro Governo do Professor Cavaco Silva- o mais pequeno e mais humilde politicamente -, dependente que estava de uma base parlamentar minoritária, tendo por isso que procurar aqui nesta Assembleia os apoios e os equilíbrios necessários.
Talvez por isto mesmo seja hoje considerado por muitos observadores o mais competente dos seus governos. Foi, pelo menos, o mais eficaz politicamente porque criou o mito que os fundos estruturais e uma conjuntura extremamente favorável ajudaram a construir.
Este mito desfez-se!
A imagem que o Governo transmite para o cidadão comum e para a opinião pública em geral é a de desorientação, incompetência, ineficácia, falta de seriedade e transparência em muitas áreas da governação, sendo essa imagem responsável pela gravidade da situação que se vive em muitos sectores da actividade económica e pela ineficácia de sectores fundamentais da Administração Pública, como a educação e a saúde.

Vozes do PS: - Muito bem!

Página 142

142 I SÉRIE - NÚMERO 5

O Orador: - Uma imagem que a discussão deste Orçamento Suplementar reforça, já que, como dizia recentemente um ex-Ministro das Finanças do partido da maioria, «o défice já foi maior, mas o descontrolo e o erro nunca foram tão grandes».
Não há exercício contabilístico que apague esta imagem: o Governo errou, falhou rotundamente as suas previsões e pôs em causa as suas próprias políticas! O mito da competência, do rigor e da eficácia tecnocráticas ruiu e com ele desfaz-se uma certa ideia de estabilidade, tão cara à maioria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não há autêntica estabilidade governativa sem confiança, e este Governo está a perder o crédito de confiança que a maioria dos portugueses lhe conferiu.
Desde logo, porque parece não haver já confiança no interior do Governo e um
governo que começa a dar a imagem política de divisões! no seu seio já não pode mobilizar a confiança dos cidadãos.
Em segundo lugar, porque o Governo criou falsas expectativas e iludiu muitos portugueses e os agentes económicos, muito particularmente com estas orçamentais e com cenários macro-económicos irrealistas como hoje se comprova.
Da mesma forma que muitas pequenas poupanças foram atraídas para a euforia bolsista que o Governo de então ajudou a criar, também hoje muitos empresários foram iludidos por cenários de exagerado optimismo e vêem as suas expectativas de negócio e ide investimento frustradas.
Compreende-se que o Governo queira fazer a gestão psicológica das expectativas como forma de estimular a actividade económica, injectando optimismo nos agentes económicos.
Mas, para além de certos limites, o voluntarismo põe em causa a credibilidade das j opções do Governo no futuro, acentuando a desconfiança e a reserva dos agentes económicos quanto às suas propostas.
O Governo está a ser vítima, por isso mesmo, daquilo a que a sociologia chama «Lei de bronze das expectativas frustradas», e que agudiza a indisfarçável crise de confiança que se vive. Crise de confiança que tenderá a acentuar-se ainda mais com a actual proposta de lei, com as alterações apresentadas às normas do regime dos benefícios fiscais com aplicação retroactiva, e que, independentemente de uma qualquer declaração formal de inconstitucionalidade, afectam, indiscutivelmente, o princípio da protecção da confiança dos contribuintes.
As dificuldades financeiras com que o Governo se confronta na execução do Orçamento do corrente ano são evidentes e a brutalidade das quebras de receitas verificadas nos diferentes impostos justifica a desorientação do Ministério neste domínio!
Mas o descontrolo que se verifica no sector da administração fiscal, iniludível hoje, é também, e antes de mais, o fracasso de um modelo de gestão seguido na Administração Pública segundo um comando político-partidário, tendencialmente autoritário lê centralista, que estimula o clientelismo e as fidelidades partidárias, gerando por vezes uma promiscuidade inadmissível entre o partido e a Administração, responsável por tensões e conflitos desmobilizadores e geradores de muita passividade nos serviços.
Ora, o que se passa com a reforma da administração fiscal não é, afinal, muito diferente do que acontece com a reforma da educação ou do sistema de saúde.
As reformas da administração têm de ser feitas com princípios de transparência e de rigor e, sobretudo (como no caso da administração fiscal), com o respeito pela cultura específica de cada sector e com a participação das pessoas que nela trabalham. Sem a correcção rápida de disfunções evidentes na máquina fiscal, sobretudo na área da fiscalização, a situação só poderá agravar-se e o colapso anunciado será inevitável.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como alguém escreveu, a acção política tem de oscilar permanentemente entre «o optimismo da vontade e o pessimismo da razão». O pessimismo do PS, que tanto aqui têm sido criticado, é ainda hoje o pessimismo da razão, o que é, nos tempos que correm, outra maneira de ser realista.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - O Sr. Deputado Olinto Ravara pediu a palavra para formular um pedido de esclarecimento, mas o Sr. Deputado Luís Amado já não dispõe de tempo para responder.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Olinto Ravara (PSD): - Sr. Presidente, de qualquer forma, gostaria de fazer uma pergunta muito rápida ao Sr. Deputado Luís Amado...

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Cede tempo ao Sr. Deputado para poder responder?

O Orador: - Sim, Sr. Presidente.
Gostaria que o Sr. Deputado me resolvesse esta sua contradição e da sua bancada. Ainda há poucos anos atrás, em pleno período de euforia económica em toda a Comunidade Europeia, dizia V. Ex.ª que o sucesso do nosso país se devia exclusivamente a factores de ordem externa, negando qualquer valor à política económica seguida pelo Governo, e agora, quando em toda a Europa comunitária se vive um clima de claro abrandamento e de desaceleração da actividade económica, vem dizer, perante todos, que isto apenas se deve a uma política desajustada, negando qualquer importância, qualquer valor à incidência da crise internacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Amado.

O Sr. Luís Amado (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Olinto Ravara, se houve incoerência, não foi minha!
De qualquer forma, apenas queria dizer-lhe, muito rapidamente, que, face à gravidade da situação económica, do quadro e do cenário macro-económico do País e, sobretudo, à relação directa que o Governo estabelece entre esse mesmo cenário e a crise internacional, sou levado a pensar que, provavelmente, também posso aplicar o mesmo juízo retroactivamente e, portanto, aceitar que se atribua a responsabilidade pelos sucessos da política económica de então ao cenário macro-económico.
Penso que é justamente a situação que vivemos que legitima, de certo modo, o ponto de vista crítico que os Deputados do Partido Socialista então proclamavam, que não era - quero deixar reforçado! - o meu.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que dou por encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 78/VI e passamos à respectiva votação.

Página 143

29 DE OUTUBRO DE 1993 143

Mas antes, enquanto aguardamos que entrem na Sala alguns Srs. Deputados que se encontram fora do Hemiciclo, vamos votar alguns pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, pelo que peço ao Sr. Secretário da Mesa o favor de proceder à respectiva leitura.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, a solicitação da Procuradoria-Geral da República, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Nuno Delerue a prestar declarações, como testemunha, em processo que se encontra pendente naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.
O Sr. Secretário (João Salgado): - A solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Adão Silva a prestar declarações, na qualidade de testemunha, em processo que se encontra pendente naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.
O Sr. Secretário (João Salgado): - A solicitação dos Juízos Correccionais da Comarca de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar os Srs. Deputados Jaime Gama e José Magalhães a deporem, na qualidade de testemunhas, em processo que se encontra pendente naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 78/VI - Alteração à Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro (Orçamento de Estado para 1993).

Srs. Deputados, vamos proceder à votação.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, amanhã temos um dia longo de trabalho parlamentar. Por isso, pretendo iniciar pontualmente às 10 horas o trabalho da Câmara, cujo tema será a discussão e votação na especialidade e a votação final global desta proposta de lei que foi agora aprovada na generalidade. Não havendo mais nada a tratar, declaro encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Anabela Honório Matias.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.

Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
António Alves Marques Júnior.
António Fernandes da Silva Braga.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Barbosa Mota.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):
Ana Paula Matos Barros.
António Maria Pereira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
Manuel de Lima Amorim.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.

Página 144

144 I SÉRIE-NÚMERO 5

Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Helena de Melo Torres Marques.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPUBLICA

Depósito legal n.º 8818/85

Imprensa Nacional-Casa Da Moeda, E.P.

PORTE PAGO

1 -Preço de página para venda avulso, 6$50 + IVA.

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - O texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República.

PREÇO DESTE NÚMERO 273$OO (IVA INCLUÍDO 5 %)

Toda a correspondência quer oficial quer relativa a anuncios e a assinaturas do «Diário da Republica» e do «Diário da assembleia da Republica».Deve ser dirigida a administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda. E.P. Rua de D. Francisco Manuel de Melo. 5-1092 Lisboa Codex.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×