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Quinta-feira, 6 de Janeiro de 1994

DIÁRIO da Assembleia da República

Vi LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 5 DE JANEIRO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Meio

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Foram discutidos, na generalidade, os projectos de lei n.º 363/VI Processo de designação dos representantes portugueses no Comité das Regiões (PCP) e 364/VI - Regime legal da designação dos representantes portugueses ao Comité das Regiões (PS) e a projecto de resolução n.º 75/VI - Designação dos representantes portugueses ao Comité das Regiões (PSD) tendo os dois primeiros sido rejeitadas e o último aprovado, na generalidade, na especialidade e em votação final global.
Usaram da palavra a diverso título, os Srs. Deputados João Amaral (PCP), Guilherme Silva (PSD), Jorge Lacão (PS), Ferrando Condesso (PSD), António Lobo Xavier (CDS-PP) e 15abel Castro (Os Verdes).

A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de Deputados do PSD, do PCP e do CDS-PP.
Procedeu-se à apreciação das petições n.º 289/V (4.ª) e 57, 64, 85, 110 e 42/VI (1.ª). Intervieram os Srs. Deputados João Amaral (PCP), Marques Júnior (PS), Motta Veiga (PSD), José Manuel Maia (PCP), Carlos Maria Gonçalves (PSD), José Eduardo Reis (PS), António Barradas Leitão (PSD), Laurentino Dias (PS), António Filipe e Luís Peixoto (PCP), Miguel Relvas (PSD) Gameiro dos Santos e Elisa Damião (PS) Lino de Carvalho (PCP) Leite Machado (PSD), António Murteira (PCP), José Sócrates (PS), Branco Malveiro (PSD) e André Martins (Os Verdes).
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a
sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo Gomes de Carvalho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Vallére Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João José da Silva Magalhães.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa. Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Telmo José Moreno.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.

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Alberto Bernardes Costa. Alberto da Silva Cardoso. Alberto de Sousa Martins. Alberto Manuel Avelino. Ana Maria Dias Bettencourt. António Alves Marques Júnior. António Alves Martinho. António Carlos Ribeiro Campos. António de Almeida Santos. António Domingues de Azevedo. António Fernandes da Silva Braga. António José Borrani Crisóstomo Teixeira. António José Martins Seguro. António Manuel de Oliveira Guterres. Armando António Martins Vara. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos. Carlos Cardoso Lage. Carlos Manuel Luís. Carlos Manuel Natividade da Costa Candal. Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues. Eduardo Ribeiro Pereira. Elisa Maria Ramos Damião. Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo. Fernando Alberto Pereira de Sousa. Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa. Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins. Gustavo Rodrigues Pimenta. Helena de Melo Torres Marques. Jaime José Matos da Gama. João António Gomes Proença. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. João Maria de Lemos de Menezes Ferreira. João Rui Gaspar de Almeida. Joaquim Américo Fialho Anastácio. Joaquim Dias da Silva Pinto. Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira. Jorge Lacão Costa. José Alberto Rebelo dos Reis Lamego. José António. Martins Goulart. José Barbosa Mota. José Eduardo dos Reis. José Eduardo Vera Cruz Jardim. José Ernesto Figueira dos Reis. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida. José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos. José Manuel Santos de Magalhães. José Rodrigues Pereira dos Penedos. José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa. Júlio da Piedade Nunes Henriques. Júlio Francisco Miranda Calha. Laurentino José Monteiro Castro Dias. Leonor Coutinho Pereira dos Santos. Luís Filipe Marques Amado. Luís Filipe Nascimento Madeira. Luís Manuel Capoulas Santos. Manuel Alegre de Melo Duarte. Manuel António dos Santos. Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo. Raúl Fernando Sousela da Costa Brito. Rogério da Conceição Serafim Martins. Rui António Ferreira da Cunha. Rui do Nascimento Rabaça Vieira. Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues. António Manuel dos Santos Murteira. João António Gonçalves do Amaral. José Fernando Araújo Calçada. José Manuel Maia Nunes de Almeida. Lino António Marques de Carvalho. Maria Odete dos Santos. Octávio Augusto Teixeira. Paulo Jorge de Agostinho Trindade. Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira. António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier. Manuel José Flores Ferreira dos Ramos. Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins. 15abel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero reiterar a todos o meu desejo de que tenham tido boas festas de Natal e boa passagem de ano, com os votos de que o corrente ano vos traga muitos êxitos, nomeadamente, de um modo muito especial, êxitos parlamentares.
Dito isto, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa, bem como das reuniões de comissões marcadas para hoje.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 84/VI - Regulamenta a Lei n.º 20/92, de 14 de Agosto (Estabelece normas relativas ao sistema de propinas) -, que baixou à 7.ª Comissão; projecto de lei n.º 364/VI - Regime legal da designação dos representantes portugueses ao Comité Europeu das Regiões (PS), que baixou à 11.ª Comissão; proposta de resolução n.º 47/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção para a Vigilância de Pessoas Condenadas ou Libertadas Condicionalmente, que baixou à 1.ª Comissão; proposta de resolução n.º 48/VI - Aprova, para adesão, a Convenção para a Repressão de Actos Ilícitos Contra a Segurança de Navegação Marítima e o Protocolo Adicional para a Repressão de Actos Ilícitos contra a Segurança das Plataformas Fixas Localizadas na Plataforma Continental, que baixou à 3.ª Comissão; projecto de resolução n.º 75/VI - Designação dos representantes portugueses ao Comité Europeu das Regiões (PSD), que baixou à 11.ª Comissão; interpelação ao Governo n.º 15/VI - Política agrícola e situação da agricultura portuguesa (PS).
Entretanto, reuniu, às 11 horas, a Comissão de Economia, Finanças e Plano e encontra-se reunida, desde as 15 horas, a Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor-Leste.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o período da ordem do dia comporta dois temas distintos, o primeiro dos quais consiste na apreciação de diplomas sobre a representação portuguesa i o Comité das Regiões previsto no Tratado da União Europeia e o segundo na análise de petições apresentadas à Assembleia da República e já tratadas pela Comissão de Petições. Iremos, pois, abordar sucessivamente e pela ordem indicada os dois pontos da ordem de trabalhos.
Passamos ao primeiro ponto da ordem do dia, que consiste na apreciação dos projectos de lei n.ºs 363/VI (PCP) e 364/VI (PS) e do projecto de resolução n.º 75/VI (PSD), todos relativos à designação dos representantes portugueses ao Comité das Regiões da União Europeia.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Iremos hoje apreciar e deliberar, creio que em tempo útil, sobre a matéria da designação dos representantes de Portugal no Comité das Regiões.
Não posso deixar de me congratular, em primeiro lugar, com o facto com a iniciativa que tomámos de apresentar um projecto do lei ter sido detonado um processo que estava a correr à margem das instituições e que, como
tudo indicava, se inclinava para uma nomeação por parte do Governo de funcionários administrativos; coisa que era totalmente inaceitável.
O Comité das Regiões é, evidentemente, uma estrutura com importância na arquitectura institucional da Comunidade. Tem a importância de ser um órgão de afirmação democrática e de desenvolvimento da democracia no plano da descentralização e da representação das estruturas de poder descentralizado, bem como a de, nesse quadro, exercer funções consultivas relevantes, nomeadamente sobre importantes instrumentos de desenvolvimento regional.
O Comité das Regiões não é, obviamente, uma segunda câmara da Comunidade. Não é um senado nem uma câmara das nacionalidades, nem exerce funções desse tipo. É, como disse, um órgão consultivo constituído por grupos nacionais de representantes das autarquias regionais e locais.
O Comité das Regiões, como tal, não altera o carácter da Comunidade, assenti em Estados soberanos. Ao contrário do que alguns pretendiam, o Comité das Regiões não é um passo para uma comunidade ou federação de regiões. Não é um órgão de enlace e contacto directo entre as estruturas de direcção da Comunidade- Conselho e Comissão - e as regiões, por cima da soberania. Não é uma forma de esvaziamento tem de ser da soberania, combinada com o reforço dos poderes dos órgãos centrais da Comunidade. Essa componente- a da soberania- é tão relevante que neste debate. Se o Comité das Rede conteúdo e carácter positivo, é-o precisamente por representar a derrota daqueles que pensavam construir, no quadro institucional da Comunidade, uma estrutura que tivesse um poder que se sobrepusesse ao poder nacional.

O Sr. José Manuel Maia(PCP): - Muito bem!

O Orador: - Creio também - este é um aspecto importante que me cabe sublinhar - que o Comité das Regiões é em si mesmo uma exigência democrática, ou seja, uma exigência do processo de democratização da Comunidade, para acentuar e dar outra expressão ao papel dos órgãos de poder local e regional, particularmente no que toca à definição das políticas de coesão e desenvolvimento regional.
Com isto quero dizer, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que o Comité das Regiões não nasce da lógica de Maastricht, da lógica do Estado supranacional. A lógica que decorre de um comité com estas características é a lógica democrática. Por isso, devemos saudar a sua existência e considerá-la, a todos os títulos, positiva.
Uma segunda questão que passo a abordar tem a ver com a situação em Portugal no que toca às regiões. É lamentável, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que, estando Portugal a discutir na Assembleia da República, o órgão representativo de todos os portugueses, a forma de designar os seus representantes no Comité ,das Regiões, o País não esteja dotado das regiões, tal como a Constituição as prevê, tal como era necessário e obrigatório. Desde 1976, já lá vão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, 17 anos!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O processo de regionalização continua entravado, por responsabilidade do PSD, e creio que este é o momento azado para lançar aqui o repto no sentido de esta Assembleia retomar a iniciativa e desenvolver o processo de criação das regiões administrativas. Sei que o processo de criação de regiões administrativas tem grandes inimigos, nomeadamente aqui dentro, mas a verdade é que esse processo constitui uma exigência do poder local, do País real e da Constituição.
Nesse quadro, anuncio que o Grupo Parlamentar do PCP irá entregar na Mesa as iniciativas legislativas necessárias à criação das regiões, desta forma obrigando esta Assembleia, nomeadamente o partido maioritário, a retomar a apreciação desta matéria em sede de Assembleia da República.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, passo a debruçar-me sobre o fundo da questão que aqui nos traz, a da designação dos representantes de Portugal no Comité das Regiões.
O PCP apresentou um projecto, no qual são indicados os 12 representantes, todos eles eleitos locais e regionais, que são, para este efeito, eleitos por entidades que representam ou podem representar o próprio poder local e regional. São previstos, no nosso projecto, dois representantes das regiões autónomas, três representantes das áreas metropolitanas e representantes do resto das áreas regionais do País.
De acordo com o nosso projecto, os representantes das regiões autónomas são dois e são eleitos pelas assembleias legislativas regionais.
Por seu turno, os representantes das áreas metropolitanas são dois, no caso de Lisboa, e um, no caso do Porto, e são eleitos pelas assembleias metropolitanas.
Quanto às áreas regionais, aceitámos, para facilidade, as áreas das comissões de coordenação regional. Como estas têm um conselho consultivo onde tomam assento representantes das autarquias, era possível, a partir da eleição por esse conselho consultivo, encontrar uma forma democrática para a designação dos representantes no Comités das Regiões.
Do conjunto dos nove representantes das regiões e áreas, um por cada entidade, os três que sobram eram entregues às três maiores áreas: Área Norte, Área Centro e Área Metropolitana de Lisboa.
Desta forma, o projecto do PCP respeita uma tripla exigência democrática: garante, em primeiro lugar, que todos os 12 representantes são eleitos das autarquias locais e regionais e não funcionários da Administração Central indicados pelo Governo; garante, em segundo lugar, que os . representantes provêm das diferentes áreas e regiões do

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País, ou seja, garante o cumprimento de uma exigência democrática de regionalização da designação; garante, finalmente, um resultado com correspondência com a realidade política plural do País, tal como resulta das últimas eleições, e com completo respeito da proporcionalidade.
Convém aqui referir que a aplicação do método de Hondt aos resultados eleitorais nas últimas eleições, nomeadamente aos 305 municípios, conduz a que a distribuição dos 12 representantes deva ser de cinco para o PS, o primeiro partido, cinco para o PSD e dois para o PCP. Este é o resultado a que conduz o projecto do PCP, como também, aliás, o resultado a que conduz o do PS.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - 0 projecto do PSD levanta um gravíssimo problema de constitucionalidade, pois não consigo entender com base em que artigo é possível produzir uma resolução com eficácia externa sem outro conteúdo que não seja o de uma recomendação.
Por outro lado, correu por aí que o mesmo projecto do PSD resultaria de um acordo com o Partido Socialista, que muito estranhamos, se é que ele existe. Estranhamos, aliás, que nunca tenha havido qualquer desmentido desse pretenso acordo.
0 projecto do PSD tem por efeito, em primeiro lugar, o de possibilitar que não sejam indicados representantes das diferentes áreas e regiões do País. É possível, com tal projecto de resolução, que regiões inteiras fiquem sem qualquer representante ou, noutro sentido, que algumas regiões sejam representadas por eleitos que são completamente minoritários e não estão, pois, em condições de fazer essa representação.
Em segundo lugar, viola o princípio da distribuição proporcional já que o resultado a que conduz é ao de o PSD deter não cinco mas seis representantes e o PS, apesar e ser o partido maioritário, ter os mesmos cinco passando
assim a segundo partido e o PCP, em vez dos dois representantes, teria apenas um. 15to é, o PS, que é o partido com maior expressão autárquica, passaria para segundo lugar e era tirado um elemento ao PCP para ser entregue ao PSD.
A fórmula do PSD consegue esse efeito porque faz uma majoração do valor das Regiões Autónomas entregando-lhes os dois representantes a que têm direito natural e fazendo, no sistema de cálculo da distribuição dos 10 restantes, aparecer novamente as 30 autarquias das regiões autónomas.
15to é, a distribuição é feita aplicando o método de Hondt à distribuição de 10 representantes entrando em linha de conta com 305 municípios, o que, claro, beneficia o partido que tem maior representação nas autarquias das regiões autónomas, que é o PSD. Este é beneficiado porque é o partido maioritário nas duas regiões autónomas e obtém com isso dois elementos e depois volta a ser beneficiado porque obtém o mesmo resultado através das autarquias. É um duplo benefício conseguido com um eleitorado que não chega a meio milhão de eleitores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta fórmula do PSD se fosse aplicada, por um lado, às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores entregando um representante a cada uma das regiões e depois aplicada ao continente, à realidade dos 275 municípios, já conduziria a um resultado diferente, isto é, cinco representantes para o PSD, cinco para o PS e dois para o PCP. Só que, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a fórmula do PSD, mesmo corrigida desta maneira, continua a não garantir uma adequada representação regional.
Além disso, a fórmula do PSD tem o pressuposto de que o destinatário - a Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) - aceitaria esse critério e esse sistema. Mas a ANMP deliberou hoje exactamente o contrário, ou seja, manifestar-se indisponível para indicar quaisquer representantes caso prevaleçam critérios essencialmente partidários na composição da delegação portuguesa, visto considerar que tal solução não dá garantias de uma representação regional equilibrada.
E, ao mesmo tempo que faz isto, a ANMP apresentou uma proposta que consiste no seguinte: os 12 elementos seriam o Presidente do Governo Regional da Madeira, o Presidente do Governo Regional dos Açores, os dois Presidentes das Juntas Metropolitanas de Lisboa e Porto e oito Presidentes de Câmaras indicados pela ANMP na base de critérios que garantam a necessária representatividade regional.
Este sistema tal como está gizado é de claro conteúdo positivo e torna de objecto completamente impossível a proposta apresentada pelo PSD, já que a ANMP declarou que não fará a indicação que figura como pressuposto no projecto de resolução apresentado pelo PSD. Neste quadro, essa proposta não só era uma má solução, não só era uma solução discriminatória, que contrariava o princípio da adequada representação regional como é agora uma solução completamente inviável.

Aplausos do PCP.

Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, queremos manifestar a nossa concordância com a proposta apresentada pela ANMP e ao mesmo tempo toda a disponibilidade para, em sede de trabalho de especialidade, encontrar uma solução adequada que respeite os princípios e as exigências democráticas que devem estar contidas neste processo e assim respeitando a vontade dos municípios portugueses.

Aplausos do PCP.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

0 Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputados: Antes de me dirigir ao Sr. Deputado João Amaral, quero acompanhar a intervenção inicial do Sr. Presidente para desejar também a todos um Ano Novo Feliz e com muita produtividade parlamentar.
Sr. Deputado João Amaral, parece-me que V. Ex.ª lavrou num equívoco pois refere o comunicado de hoje de ANMP que não estará de acordo em colaborar na indicação, feita com base em critérios meramente partidários ou políticos, dos representantes portugueses no Comité das Regiões.
Todavia, Sr. Deputado, parece-me que nesse particular o projecto de resolução do PSD é coincidente com o ponto de vista da Associação Nacional dos Municípios Portugueses. Se V. Ex.ª reparar no conteúdo da projecto de resolução - e peço que mo confirme - está claramente referido que se pretende, articuladamente e com a audição prévia da ANMP, encontrar uma solução que garanta uma representatividade proporcional, designadamente, tendo em conta a aplicação do método de Hondt. E neste particular parece-me que as preocupações de representatividade da ANMP coincidem exactamente com as preocupações que o projecto de resolução do PSD também apontam.

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Assim, não vejo onde é que V. Ex.ª foi descobrir uma divergência que a própria ANMP não enuncia. A ANMP enuncia uma posição o que respeitamos e que, no nosso
entendimento, coincide com aquela que veiculámos através deste projecto de resolução. Pode V. Ex.ª esclarecer onde foi buscar essa divergência?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o
Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva V. Ex.ª seguramente que não leu a hoje pela ANMP e, como não a leu, vou pedir à Mesa que faça a distribuição deste documento que contém o comunicado da ANMP para que V. Ex.ª e todos os Srs. Deputados conheçam o respectivo conteúdo.
O que se passa é o seguinte. A ANMP reunida hoje de manhã e tendo em atenção a documentação que tinha presente, declarou e vou ler porque é a única forma de resolver a nossa divergência: «Existindo diferentes propostas sobre esta matéria, em discussão na Assembleia da República, a ANMP manifesta-se contrária às soluções cujo critério primordial seja o da representação partidária da delegação portuguesa.»
Ora, o critério que V. Ex.ª tem é o da representação partidária. Quando invoca a representação proporcional segundo o método de Hondt é da representação partidária que está a falar. O que a ANMP diz é que «A composição da delegação portuguesa deverá ser a seguinte: Presidente do Governo Regional dos Açores, Presidente do Governo Regional da Madeira, Presidente da Junta Metropolitana de Lisboa, Presidente da Junta Metropolitana do Porto, oito Presidentes de Câmara a indicar pela ANMP, na base de critérios que garantam a necessária representatividade regional».

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, V. Ex.ª aceita que a iniciativa do PCP e a posição que aqui defendeu é contrária à que vem veiculada pela ANMP? V. Ex.ª disse dois representantes do da tribuna «nós queremos garantir PCP, cinco representantes do PS e cinco do PSD», o que é a demonstração confessada de que VV. Ex.ªs veiculam uma representação partidária.

O Orador: - Sr. Deputado Guilherme Silva, tanto a sua pergunta como esta observação são óptimas porque me vão permitir esclarecer outra questão. Tanto o nosso projecto, como o do PS, como esta proposta têm uma base de distribuição regional que conduz a um certo resultado que é coincidente - e ainda bem que o é - com a distribuição proporcional em termos partidários, mas é coincidente porque a geografia politíco-eleitoral do País conduz a essa coincidência.
A proposta que V. Ex.ª faz é que inverte, desvirtua, esse princípio de representação proporcional, uma vez que sobrevaloriza as regiões autónomas e, por outro lado, esquece, põe completamente de parte, o critério de representação regional conduzindo, nomeadamente, a situações de haver regiões não representadas, regiões sobrerepresentadas ou regiões mal representadas.
Portanto, é neste quadro que o projecto de resolução do PSD, que - insisto - - é de duvidosa constitucionalidade, tem uma base errada e inaceitável conduzindo a um resultado incorrecto.
No entanto, a ANMP não se limitou a apresentar uma proposta e disse mais. Disse o que fazia a propostas que tivessem por base critérios meramente partidários e cito: «A ANMP manifesta-se desde já indisponível para indicar quaisquer representantes, caso prevaleçam critérios essencialmente partidários na composição da delegação portuguesa. Isto é, VV. Ex.ªs têm um projecto de resolução inexequível porque, além de ser de duvidosa constitucionalidade, teria de ser aceite pelo seu destinatário mas ninguém pode obrigar a ANMP a fazer essa indicação nesses termos que já declarou inaceitáveis.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria que as minhas primeiras palavras neste início de Ano Novo fossem também endereçadas a todos no sentido de lhes augurar as melhores felicidades pessoais no decorrer do ano e a melhor proficiência no vosso trabalho parlamentar.
Gostaria, Srs. Deputados, de vos chamar a atenção para a circunstância de, em tempo muito oportuno, o Partido Socialista por uma e outra vez ter apresentado na Assembleia da República uma proposta de calendário legislativo para que tivesse sido possível a criação tempestiva das regiões administrativas em Portugal por forma a que a eleição dos respectivos órgãos regionais tivesse podido ocorrer em simultâneo com as últimas eleições autárquicas de 12 de Dezembro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Tivéssemos procedido assim e o País não só estaria neste momento com um cumprimento integral dos comandos constitucionais em matéria de descentralização administrativa como igualmente teríamos criado quadro regular adequado para o exercício de um conjunto de funções essenciais entre as quais avultaria necessariamente a da indicação dos representantes portugueses ao Comité Europeu das Regiões.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Assim não quis a maioria, assim, mais uma vez, a maioria cometeu o pecado da missão e estão agora a revelar-se politicamente os efeitos negativos para o País dessa circunstância.
Mas como, muitas vezes, erros induzem outros erros, a verdade é que também fomos colocados perante as instituições comunitárias numa situação singular extremamente crítica. Com efeito, Portugal será o último país a indicar os representantes nacionais ao Comité Europeu das Regiões.
Sucede que esta nova instituição, criada pelo Tratado da União Europeia, já tem previsto o início das suas funções para o próximo dia 15 de Janeiro e não é um motivo de saúde democrática que Portugal não tenha podido fazer a indicação dos seus representantes a tempo e horas.
Sabemos por que foi que as coisas aconteceram assim. Elas aconteceram assim porque, durante largo tempo, o Governo esteve convencido da possibilidade política de indicar para o Comité Europeu das Regiões não eleitos

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locais e regionais mas, sim, funcionários públicos dependentes hierarquicamente de si próprio. Aquilo que o Governo efectivamente pretendia era a nomeação de representantes administrativos, a partir das comissões de coordenação regional, que, na Europa, dessem a ilusão de representarem as autarquias portuguesas e que, em Portugal, se limitassem não a uma representação autónoma do poder local mas a uma vontade hierárquica da voz do próprio Governo no Comité Europeu das Regiões.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Foi, claramente, o resultado eleitoral das eleições autárquicas de 12 de Dezembro que comprometeu este objectivo do Governo e, por isso, ele teve de render-se às evidências.
Em primeiro lugar, o Governo teve de render-se à evidência de que, no nosso Estado de direito e face à organização democrática do Estado, é necessário garantir a representação autónoma do poder local e regional no Comité Europeu das Regiões.
Em segundo lugar, o Governo rendeu-se a outra evidência, a de que não podia furtar-se ao debate político que hoje aqui travamos, porque a apresentação, tanto pelo Partido Comunista como pelo Partido Socialista, de projectos de lei que visam criar um regime jurídico transparente para a indigitação dos representantes portugueses permite, ou poderá permitir, se a maioria assim o entender, uma solução criteriosa para a indicação dos representantes portugueses.
Afinal, segundo o nosso critério, aquilo que queremos é que o conjunto das regiões portuguesas, de todas as pessoas colectivas de âmbito territorial, na compatibilização entre regiões do litoral e regiões do interior, na evidência da existência das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto e no reconhecimento da circunstância própria da existência das duas regiões autónomas, possam ter direito à indigitação democrática e transparente dos respectivos representantes no Comité Europeu das Regiões.
Assim, Srs. Deputados da maioria, é evidente que, neste momento, estão politicamente confrontados com, a oportunidade única de, aprovando os projectos de lei aqui presentes, poderem apresentar uma solução condigna no processo de indigitação dos representantes portugueses. Como já foi aqui salientado, outra não é a posição da Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Com efeito, todos sabemos que a Associação Nacional
de Municípios Portugueses tem-se «batido», ao longo dos
tempos, pela aplicação de dois princípios fundamentais:
primeiro, o de que tenham lugar no Comité Europeu das
Regiões apenas e somente representantes do poder local
directamente eleitos pelas populações; segundo, o de que
o processo de indigitação permita uma razoável cobertura
de todo o espaço regional português.
Estamos agora confrontados com a situação seguinte: o PSD, no projecto de resolução que nos apresenta, acolhe um daqueles princípios e rejeita o outro, ou seja, conforma-se, finalmente, com a ideia de que só poderão participar no Comité representantes autárquicos directamente eleitos pelas populações, o que, reconheça-se, é um passo positivo, mas, ao mesmo tempo, ainda não foi capaz de cumprir o segundo princípio e dar o segundo passo, isto é, ainda não foi capaz de compreender que Portugal deve cumprir o seu objectivo de regionalização e, como tal, deve permitir aos vários espaços regionais a auto-organização institucional necessária para o processo de indicação dos seus representantes.

Aplausos do PS.

Obviamente, é este pecado de omissão que o PSD vai continuar a assumir como responsabilidade própria e, por isso, vale a pena perguntar: quando é que os Srs. Deputados da maioria estarão politicamente preparados para concretizar, em Portugal, os objectivos da descentralização administrativa, tal como a Constituição os estabelece? Quando é que os Srs. Deputados da maioria aceitarão que Portugal possa ter, finalmente, uma estrutura administrativa com graus de descentralização adequados aos objectivos de um desenvolvimento regional equilibrado?
É que este ponto é o mais importante. E, senão, lembremo-nos todos: se o Comité Europeu das Regiões vai servir para alguma coisa é para traduzir a vontade regional no âmbito de cada Estado, sobretudo relativamente às políticas estruturais da Comunidade. E qual é o País que mais interesse tem em garantir uma posição activa na defesa de políticas estruturais correctas? Obviamente, é Portugal.

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

0 Orador: - Então, podemos perguntar como será possível que o Comité Europeu das Regiões traduza efectivamente uma vontade regional adequada de todos os espaços portugueses, se não garantirmos uma solução de representação efectiva de todos esses espaços regionais. Naturalmente, esta é uma contradição da qual o PSD não conseguirá sair e, por isso, se alguma coisa ficará para a história deste debate será o passo em frente que o PSD teve de dar para procurar salvar a face, tanto em função da nova realidade política portuguesa como em função das exigências de funcionamento das instituições da Comunidade. Um passo que, naturalmente, se salienta, mas que apenas demonstra os muitos outros que ficam por dar.
Srs. Deputados do PSD, mais uma vez, aqui fica um desafio político: façam aquilo que devem, cooperem no cumprimento integral da Constituição Portuguesa, permitam que Portugal tenha a representação institucional adequada, em termos regionais, no contexto do Comité Europeu das Regiões. Se o fizerem, cumprirão integralmente as vossas responsabilidades perante o País, se não o fizerem ficarão, mais uma vez, a dever aos portugueses o cumprimento integral do interesse nacional.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Fernando Condesso, João Amaral e António Lobo Xavier.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

0 Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, ouvi com atenção a sua intervenção e há dois pontos relativamente aos quais gostaria, desde já, de o questionar.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado referiu a intenção do Governo de indicar funcionários públicos para o Comité Europeu das Regiões e, por isso, gostaria de lhe perguntar qual o fundamento para essa afirmação, sendo certo que, da parte da minha bancada, não há conhecimento de qualquer intenção desse tipo e o texto que está no projecto de resolução, que consigna princípios de orientação a debater hoje, aqui, e a aprovar como recomendação ao Governo, tem uma perspectiva de princípio que é completamente alheia a essa informação que nos deu.

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Por outro lado, também o ouvi dizer que Portugal seria o último país a indicar os seus membros no Comité Europeu das Regiões. Assim, independentemente de considerações que têm a ver com a importância desse órgão, com a exigência de representatividade das pessoas colectivas territoriais, ou locais no Comité Europeu das regionais Regiões e com a existência de um processo eleitoral, independentemente dessas construções de ordem teórica, gostaria de lhe perguntar como é que consegue conciliar esse tipo de discurso com o facto de, na perspectiva do PS, essa indicação se fazer através da criação de regras que estão hoje a ser debatidas mas que foram propostas nas vésperas do Natal, ou seja, em 21 de Dezembro de 1993. Será que não estávamos todos preocupados em obter a maior representatividade possível das realidades das entidades regionais e locais, em face do processo eleitoral? O Sr. Deputado está a acusar o Governo, está a acusar-nos a todos, e também o PS, ou trata-se, efectivamente, de um discurso de pura «guerra» político-partidária, sem um conteúdo de realidade!

O Sr. Presidente: - O Sr. Jorge Lacão pretende responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral(PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, quero fazer-lhe algumas perguntas.

m primeiro lugar, gostava de dizer que o PSD recuou, isto é, pretendia indicar! funcionários administrativos e agora aparece aqui com uma proposta diferente. Mas o que lhe pergunto, Sr. Deputado Jorge Lacão, é o seguinte: o PSD tinha alternativa? É ou não verdade que, no quadro da Comunidade, é inaceitável uma indicação de funcionários e, mais, que já estão en curso processos de impugnação de designações feitas pelos Estados, porque não respeitam os princípios do Tratado? Ora, qual era a alternativa do PSD? O PSD não recuou face a nada de especial, recuou porque não tinha outra alternativa. E isso é muito importante, porque nós temos o direito de exigir o «óptimo» e não o «assim, assim».
Em segundo lugar, gostava de saber como é que o Sr. Deputado vê a distorção proporcional a que conduz o projecto de resolução apresentado pelo PSD. Então, o PS é ou não o partido mais votado a nível das autarquias locais? Como é que passa subitamente a segundo? Dir-se-á: «está bem, mas aqui o PSD tem mais representação».
Ora, aqui tem mais representação e, por isso, tem o Governo e, por isso, nomeia o Comissário e, por isso, tem assento no Conselho e, enfim, por isso, participa em todos do Governo. No entanto, a lógica do Comité Europeu das Regiões não é a lógica da representação da Assembleia da República, é a lógica do poder local. Por isso mesmo, como é que essa situação é aceitável, Sr. Deputado? E como é que é aceitável que o PSD passe para primeiro à custa de outro partido, do PCP?
Em terceiro lugar, e esta questão é muito importante, gostava de saber qual a solução que aqui tem de ser adiantada, face à deliberação tomada hoje pela Associação Nacional de Municípios Portugueses? Pode ser aceitável alguma solução que pretenda impor àquela Associação o que ela já disse que não quer, isto é, apenas critérios políticos e não de representação regional?

Finalmente, a última questão, que decorre de todas estas, é a seguinte: face à posição da Associação Nacional de Municípios Portugueses e face a todo este quadro, como é que V. Ex.ª se posiciona em relação ao projecto de resolução apresentado pelo PSD? Aprova-o, cruza os braços ou rejeita-o?

Vozes do PCP:- Muito bem perguntado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, quero fazer-lhe algumas interrogações e, ao mesmo tempo, manifestar algumas apreensões e posições do CDS em relação a esta matéria.
O debate a propósito deste tema está a orientar-se de forma a que, de um lado, se encontram aqueles que entendem que a pureza dos princípios exige a adopção de um critério absolutamente regional desligado das representações partidárias. Por essa razão, tanto o Partido Comunista Português como o Partido Socialista têm dito ao PSD que é preciso fugir a esse critério partidário e ter, nomeadamente, em conta a opinião da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Ora, a forma de escapar a esse espartilho partidário é recorrer aos critérios regionais.
Simplesmente, Sr. Deputado Jorge Lacão, o que vale também para o PCP, os critérios regionais que os senhores criaram valem o que valem e são esses como podiam ser outros. Por exemplo, no caso do Partido Comunista, têm uma longínqua base e ligação objectiva e são critérios regionais puramente discricionários.
Enquanto representante do CDS-PP, começo por fazer uma primeira referência relativa ao facto de ser necessário desmistificar a ideia de haver uma diferença entre os que querem a adopção de critérios partidários e os que querem a adopção de critérios regionais, porque os critérios regionais do PS e do PSD, para além desse valor, originam um certo resultado concreto político e não são neutros do ponto de vista político.
A segunda nota que deixo sobre este tema, até para saber se o Sr. Deputado concorda ou não com ela, é a seguinte: à criação do Comité Europeu das Regiões - e as palavras não têm qualquer sentido pejorativo nem crítico - preside a lógica de ultrapassagem do Estado nacional e de representação directa das regiões nas instituições comunitárias. Não vamos discutir quais são os poderes nem as implicações mas, seja-se mais ou menos federalista, mais timorato ou ousado em relação a essas matérias, essa é uma lógica institucional muito séria.
Aceitamos o Comité Europeu das Regiões e a eleição de representantes das regiões, mas queremos que essa lógica assente num critério regional depois de escolhido com os métodos constitucionais que são próprios.
Sem essa definição das regiões, verifica-se uma certa mistificação - perdoe-me que lho mencione - quando se diz que os que defendem as soluções do projecto de lei apresentado pelo PS ou pelo Partido Comunista Português é que são os puros da lógica do Comité Europeu das Regiões. Não é verdade! Baseiam-se num critério provisório que, repito, não é neutro e que não podemos aceitar nesta perspectiva.
O critério partidário não é puramente errado; o critério que assente nos municípios que existem e nos resultados eleitorais dos municípios é, porventura neste momento, o mais adequado e cauteloso nesta matéria.

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A terceira observação que gostava de fazer é a seguinte: os senhores dizem que é preciso ter uma lógica regional nesta matéria e desprezar os critérios partidários mas, depois, fazem referência às áreas metropolitanas, as quais obedecem a um critério que, pelo menos na lógica do CDS-PP, nada tem a ver com o problema das regiões em si.
Por essa razão, Sr. Deputado Jorge Lacão, quando apresentámos o nosso projecto de revisão da Constituição, tínhamos a preocupação, antes da criação das regiões, em dotar de algum carácter nacional os participantes nesse Comité Europeu das Regiões. Enquanto não houver regiões, as regiões e os representantes regionais propostos pelo PS valem o que valem, têm igual valor ao critério utilizado e às regiões provisórias propostas.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

0 Sr. Jorge Lacão (PS): Sr. Presidente, agradeço as questões colocadas e começo por responder ao Sr. Deputado Fernando Condesso que me questionou sobre a razão de ser da minha afirmação da intenção governamental de vir indigitar funcionários públicos.
É sabido que, várias vezes interpelado na Assembleia da República, umas, em Plenário, outras, em sede de comissões especializadas, por omissão, o Governo nunca tinha assumido a intenção de fazer e de garantir o princípio de indicação de eleitos autárquicos.
Por outro lado, em contactos conhecidos com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, o Governo tinha, de facto, manifestado a intenção de poder vir a nomear representantes das comissões de coordenação regional para o Comité Europeu das Regiões. Daí, sinalizei na minha intervenção a circunstância, que me parece positiva, de o Governo e a maioria terem abandonado essa intenção e de se terem, finalmente, conformado com o princípio da indicação de eleitos locais e regionais para o referido Comité.
0 Sr. Deputado Fernando Condesso referiu igualmente que a data da apresentação do projecto de lei da autoria do PS, relativamente tardia, não teria concorrido para que pudesse ter havido uma solução mais tempestiva da indigitação dos representantes portugueses. Ora, Sr. Deputado Fernando Condesso, acho que não podemos «fazer o mal e a caramunha». Ao longo de muitos meses, o PS aguardou, depois de sucessivas interpelações políticas ao PSD e ao Governo, que o PSD e o Governo assumissem as suas responsabilidades e apresentassem uma proposta ou um projecto de lei que definisse as condições de indigitação dos representantes portugueses. E foi exactamente porque, no limiar de todas as possibilidades, o Governo e o PSD cometeram o pecado da omissão que o PS teve de, supletivamente, tomar uma iniciativa própria para garantir um quadro possível de transparência para a indigitação dos representantes portugueses.
Penso portanto que, se alguém tem de ser politicamente culpabilizado, é naturalmente quem, em primeira mão, tinha uma responsabilidade de iniciativa e a não assumiu.
Sr. Deputado João Amaral, naturalmente que estou de acordo consigo quando me diz que não há razões para nenhum de nós embandeirar em arco pelo facto de o PSD se ter convertido a um critério justo, ainda por cima sabendo-se que resultou de uma pressão positiva e legítima da parte das instituições comunitárias, particularmente do próprio Parlamento Europeu, no sentido de assegurar que os Estados indigitassem não representantes das administrações governamentais mas efectivos representantes dos autarcas
e das regiões na base de um critério electivo.
Estou de acordo e em sintonia consigo, o PSD fez o que devia e não há qualquer razão para o aplaudirmos por esse facto; limitamo-nos a constatar que teve de mudar de posição por efeito da natureza das coisas.
Como tive ocasião de sublinhar, estamos evidentemente de acordo com a posição da Associação Nacional de Municípios Portugueses e congratulamo-nos, designadamente, com o facto de que tenha registado que, existindo diversas propostas conhecidas presentes na Assembleia da República, se venha manifestar contrária a soluções em que o critério primordial é o da representação partidária. Ou seja, implicitamente, a associação adere obviamente à filosofia dos projectos de lei apresentados pelo PCP e pelo PS e, portanto, a posição que aqui sustentamos está em sintonia com a da Associação Nacional de Municípios Portugueses.
De seguida, colocou uma segunda questão que, naturalmente, não pode nem deve ser escamoteada. Se, porventura, o PSD insistir na aprovação do seu projecto de resolução tendo como efeito a rejeição eventual dos nossos projectos de lei, o que vai passar-se? Surge aqui um problema que se nos coloca em termos de interesse nacional. Portugal não pode correr o risco de não ter os seus representantes, ainda que indicados de acordo com um mau critério, no Comité Europeu das Regiões, que começará a funcionar daqui a menos de 15 dias.
Trata-se de uma realidade que não escolhemos e em função da qual, se, porventura, o projecto de resolução do PSD vier a ser aprovado, se coloca a todos, ao PCP e ao PS, a necessidade de ponderar os comportamentos possíveis, sendo certo - e desta forma respondo à questão que me colocou - que o critério defendido pelo PSD não merece a nossa aprovação.
Que fique totalmente claro que o critério defendido pelo PS é um e só um - o que está confirmado no seu projecto de lei - e que em consequência não aderimos à solução apresentada pelo PSD, dado que, como dissemos, ela reflecte um passo positivo no sentido do princípio da electividade, mas não dá o segundo passo de distribuição territorial harmoniosa dos respectivos representantes.
Com estas palavras abro a porta para responder ao Sr. Deputado António Lobo Xavier. Naturalmente que estamos sempre, nesta matéria, perante uma espécie de petição de princípio. Mas o que há-de fazer, nesta circunstância, o Partido Socialista?
É sabido que o PS tem, desde há vários anos, apresentado na Mesa da Assembleia da República, com várias discussões real já em Plenário, um modelo concreto de regionalização. Julgo poder afirmar com verdade que somos, mesmo, o único partido que assumiu claramente um modelo concreto de regionalização para o País. Nesta circunstância, penso que o PS não deve ser criticado pela circunstância de tomar iniciativas consequentes com a sua própria visão do modelo de regionalização que pretende para o País.
Se alguma crítica deve ser feita - e julgo haver justiça nalguma parte da sua -, então, penso que ambos podemos endereçá-la ao destinatário certo que é, mais uma vez, o PSD pelo facto de, tendo uma cominação constitucional para a criação de regiões administrativas no País, continuar, por omissão, a impedir a sua criação, seja com o modelo do PS ou com qualquer outro para que não estejamos em circunstâncias sucessivas a verificar que Portugal precisa de um modelo institucionalizado que tarda em chegar por omissão, por inércia e por incapacidade política quer do Governo quer da parte do PSD.

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Neste sentido, estamos confrontados com duas soluções possíveis: aprovar, apesar de tudo, uma solução regional para a indigitação ou quedarmo-nos pela solução apresentada pelo PSD. São duas visões em concreto; provavelmente, a maioria vai decidir e, do nosso ponto de vista, já dissemos que entendemos que não vai decidir de acordo com o melhor critério e o melhor sentido dos interesses nacionais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Debatemos hoje um tema que, sem dúvida, é importante na construção europeia, especialmente, a questão da selecção dos representantes portugueses no Comité Europeu das Regiões recém-criado pelo Tratado da União Europeia.
Como nota introdutória destas palavras, não podemos deixar de referir quanto nos congratulamos com a instituição deste órgão comunitário de carácter consultivo que, pelo conhecimento próximo que os seus membros têm das realidades regionais e locais, irá sem dúvida ter influência, através dos seus pareceres, no processo legislativo comunitário no sentido da elaboração das melhores soluções em domínios importantes para a vida comunitária, como são aqueles que se referem às questões regionais.
O projecto de resolução apresentado pelo PSD é, desde logo, um texto que refere alguns princípios como recomendação ao Governo, demarcando-se do tipo de iniciativa de autoria do PS e do PCP, porquanto entendemos que, nos termos do Tratado esta é uma matéria em relação à qual o Governo, enquanto representante do Estado no Conselho de Ministros, não pode deixar de ter um papel fundamental quer a nível das propostas dos membros para o Comité quer a nível das decisões sobre a designação dos membros a nível do Conselho de Ministros.
É óbvio que tal não impede que haja uma cooperação entre o Parlamento e outras instituições em termos de debate dos princípios que vão nortear o Governo. E é esse debate que estamos aqui a fazer.
Assim, entendemos que não tem sentido pôr em causa a competência propositiva do Governo nesta matéria. Aliás, nenhum Estado, nenhum Parlamento o fez e não há legislação noutros países sopre esta matéria. Devo mesmo dizer que este debate sobre a proposição de membros para o Comité Europeu das Regiões se processa apenas no Parlamento português e, embora entenda que não deverá deixar de ser registado positivamente, é um debate que em outros Estados se processou através de outras sedes, tendo presente a competência propositiva do Governo, tal
como vem consagrada no Tratado da União Europeia.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Partido Social Democrata, na indicação dos
princípios que recomenda ao Governo, refere as regiões autónomas e os municípios como bases a partir das quais deve ser feita a aferição, a leitura, e a proposição de membros em termos de representatividade das instituições públicas territoriais nacionais. E não refere outras, porque não há outras realidades ou se as há não faz sentido partir delas para alcançar essa designação, como aliás já aqui foi referido pelo CDS-PP.
No que diz respeito às regiões administrativas, como não existem, não vale a pena criar a ficção de umas regiões administrativas criadas territorial para fins estatísticos a partir de matrizes de demarcação, como faz o PCP, ou de pseudo-regiões a partir de considerações à base de regiões de coordenação, que, no fundo, não são pessoas colectivas territoriais, têm outros fins e nunca poderiam dar origem à indicação de entidades ou de pessoas segundo a ideia da representatividade eleitoral directa a que o Parlamento Europeu faz referência e apela para que seja seguida.
Não tem, pois, sentido acabar por designar autarcas municipais não a partir da sede da sua representatividade mas de uma sede indirecta de regiões administrativas chamadas áreas administrativas criadas apenas para efeito desta indigitação.
Quanto à questão das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, dou perfeito assentimento às observações já aqui feitas. Essas áreas existem, são entidades, pessoas colectivas públicas com personalidade, têm órgãos, mas a representatividade política desses órgãos não é directa, é bebida nos próprios municípios, nos órgãos municipais a que pertencem. Considerar, por um lado, os municípios por si mesmos e, por outro, considerá-los nas tais áreas administrativas fictícias ou nas áreas metropolitanas é, no fundo, duplicar o critério de leitura de representatividades num plano directo e num plano indirecto. Não tem sentido e não é realmente esse o critério a que o Parlamento Europeu faz apelo na sua Resolução de Abril de 1993, cujas orientações sobre esta matéria acolhemos na nossa iniciativa, quer no plano dos representantes autárquicos directos quer no plano das regiões autónomas, entendendo que devem ser entidades dos órgãos próprios das regiões autónomas a participar neste Comité Europeu das Regiões. Entretanto, há pouco, ouvi aqui algumas referências à participação da Associação Nacional de Municípios, mas o PS não adere, a própria associação não quer. Ora, se não quer, paciência!
No que diz respeito à questão de o Governo ter tido a intenção de nomear funcionários públicos para o Comité Europeu das Regiões, aproveito para, em nome do meu grupo parlamentar, contestar que tenha havido ou que haja - e .º que importa é saber se há ou não - qualquer intenção de vir a fazer isso.
Na minha leitura do artigo 198.º do Tratado da União, as colectividades (a tradução da palavra francesa collectivitées), ou seja, as entidades públicas infra-estaduais, a que se refere o Tratado, não permitem, em bom rigor, representações da Administração Central e a ideia da representatividade política também consignada no Tratado não permitiria, de qualquer modo e a qualquer nível, a indicação de pessoas ligadas à Administração Pública.
No entanto, a nossa vizinha Espanha, de Governo socialista, tal como a Itália, designaram membros da Administração Pública. Por certo, os Srs. Deputados não prestaram atenção ao elenco das entidades já indicadas por outros Estados, ou não tiveram conhecimento dele. O facto de Portugal ainda não ter indicado o seu elenco até poderá fazer com que colha lições ou ensinamentos, ficando a saber, com antecedência, aquilo que os outros fizeram nessa matéria.
Com efeito, curiosamente, alguns Estados que designaram membros da Administração Pública situam-se ideologicamente, ao mesmo nível dos Deputados membros das bancadas de onde agora surgiu essa crítica, apesar de o Estado português não ter a intenção de assim proceder.
De qualquer maneira, diria que, em geral, a nossa ideia é a de que é o Governo que tem competência para propor os membros para o Comité Europeu das Regiões, pois nenhum processo eleitoral indirecto, ou de construção eleitoral como a que o PS ou o PCP pretendem fazer podem impor ao Conselho de Ministros uma proposta que só ao Governo compete fazer.

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Estranha-se, aliás, este tipo de processo eleitoral, mesmo indirecto, pois sabemos que o Parlamento Europeu é eleito directamente, embora já tenha sido eleito através de um processo indirecto por esta Câmara, mas, seja como for, estranha-se um processo eleitoral indirecto como o que propõe o PS, no seu projecto de lei, que é tão complexo que até as propostas teriam de ter entre 50 e 100 subscrições de eleitores da circunscrição administrativa, como se se tratasse de um processo para a criação de uma câmara parlamentar.
Ora, o Comité Europeu das Regiões não é uma câmara, independentemente dos poderes que possa vir a ter. Existem já duas câmaras, o Conselho e o Parlamento, que funcionam um pouco com poderes de decisão e como câmaras. Não sei se, no futuro, não haverá uma outra câmara, ou mesmo um senado, e como é que se constituirá, pois não se sabe ainda se será formada pelo Comité Europeu das Regiões, pelos representantes dos Estados ou se irá derivar do próprio Conselho de Ministros num enquadramento formal mais assumido, mas o que possa vir no futuro não pode pautar a nossa actuação no presente. 0 que vier no futuro será objecto de reflexão nessa altura, a menos que alguns queiram já hoje, de uma maneira encoberta, apesar das críticas que fazem a muitos pontos da construção europeia e ao sentido ideológico «constitucional» desta construção, avançar no sentido de pressionar esse tipo de construção, da qual, em termos de grandes parangonas, se vão demarcando.
Seja como for, o Comité Europeu das Regiões aí está. É um órgão consultivo importante, na medida em que, com os seus pareceres no processo legislativo, se vai enxertar em áreas fundamentais. Aproveitamos este momento para saudar a sua existência e em breve o seu início de funções, e concluo dizendo que vamos rejeitar os projectos de lei do PS e do PCP, porque, em geral, e não apenas num ou em dois pontos, são projectos de lei que têm insitos princípios de uma filosofia sobre esta matéria da qual nos demarcamos e, obviamente, iremos votar a favor a iniciativa apresentada pelo PSD, que, com toda a flexibilidade, respeita e segue as orientações incitas no Tratado da União Europeia.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada 15abel Castro.

A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece-nos que a discussão sobre o Comité Europeu das Regiões e o processo de representação é de extrema importância, mas, de qualquer modo, não gostaria de deixar de sublinhar que esta é uma discussão tardia, porquanto desde há muito se conhecia o calendário, se sabia que em 15 de Janeiro a primeira reunião ocorreria e os outros Estados da União tinham avançado com o seu processo de eleição de representantes ao Comité Europeu das Regiões. Assim, para nós, trata-se de uma discussão inútil e deliberadamente atrasada.
Aliás, já em 2 de Novembro, em sede de Comissão de Assuntos Europeus, tivemos oportunidade de questionar o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros sobre esta matéria e, na altura, o Sr. Ministro disse-nos que o Governo português ainda não tinha uma posição definitiva sobre o modelo a adoptar, nem tão pouco tinha intenção de avançar com o processo sem que o resultado das eleições de 12 de Dezembro ocorresse. Esta é, portanto, uma questão que nos

parece manifestamente secundária, porquanto o que se pretendia não era escolher o modelo, que já estava claramente definido, não no texto do Tratado de Maastricht, que, efectivamente, é ambíguo, mas em resoluções do Parlamento Europeu, nomeadamente na de 23 de Abril, e num relatório da Comissão Institucional do Parlamento Europeu, de 10 de Junho, que também, com grande clareza, apontava para a solução única: os representantes do Comité Europeu das Regiões deveriam ter a legitimidade do voto, ou seja, ser eleitos.
E se esta é para nós uma questão clara, o recuo do PSD nesta matéria também é, pois acontece não por sua vontade mas porque a isso é obrigado pelas instâncias comunitárias e pelo próprio processo que se desenvolveu.
Mas o que já não é claro assim é a razão que, neste momento, leva a que não se atenda às recomendações das instâncias comunitárias - e que é a vontade expressa da Associação Nacional de Municípios -, não obrigando, tal como já aconteceu em outro passo, o PSD a reconhecer, hoje, uma representatividade regional nos eleitos portugueses. E dizemos isso não porque tenhamos a convicção de que o Comité Europeu das Regiões vai ser qualquer coisa diferente do que já é, pois, em termos do Tratado, entendemos que tem um papel extremamente reduzido. Não é uma câmara para tomada de decisões mas um órgão consultivo e parece-nos que é muito mau que este órgão comece o seu caminho apagando-se ainda mais no papel já reduzido que lhe é atribuído.
Em nossa opinião, o papel do Comité Europeu das Regiões, no futuro, provavelmente já na próxima revisão do Tratado da União, em 1996, tenderá a alterar-se em face de uma arquitectura europeia extremamente centralizada e sufocante, que não dá às regiões qualquer papel de participação relevante. Julgamos que essa situação terá obrigatoriamente de vir a ser revista e alterada e o papel das regiões, a sua identidade própria, reconhecido, assim como a sua participação mais activa e o envolvimento nas políticas comunitárias, as quais se relacionam, nomeadamente, com os quadros comunitários de apoio e os fundos de coesão. Portanto, pensamos que esse é um papel que tenderá a ser valorizado e, assim, terá de ser alterado.
Porque assim é, pensamos não haver quaisquer razões é essa a posição de Os Verdes e a que queremos, hoje, sublinhar - para, em 15 de Janeiro, Portugal não estar representado no Comité Europeu das Regiões. Não acreditamos que será por o PSD não abdicar do seu projecto de resolução e não atender ao espírito das resoluções do Parlamento Europeu, por um lado, e do Comité Europeu das Regiões e da Associação Nacional de Municípios Portugueses, por outro, que Portugal não irá estar representado no Comité Europeu das Regiões. Seguramente, o PSD iria rever a sua posição.
Porém, parece-nos negativo dar como adquirido a abdicação de um princípio que nos parece importante - a participação regional e a sua correcta valorização através de uma presença diversificada -, adoptando, à partida, critérios de mal menor.
Por isso, em nossa opinião, quer o projecto de lei apresentado pelo PS, quer o apresentado pelo PCP, são pontos de partida importantes para a eleição dos representantes portugueses no Comité Europeu das Regiões. E esse o nosso entendimento e votaremos favoravelmente esses projectos, contra o do PSD.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

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O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, após ouvir a sua intervenção, vejo nela algumas questões que pensava estarem já ultrapassadas, quer pelas intervenções, quer pelos pedidos de esclarecimentos anteriores, voltando de novo a questão desta intervenção tardia do Governo na designação dos representantes no Comité Europeu das Regiões.
Sr.ª Deputada, o Governo; naturalmente, em face de um processo eleitoral autárquico, o mínimo que podia fazer era tomar em linha de conta esse mesmo processo eleitoral e, se o não tivesse feito, teria sido atacado pelo contrário. Com que fundamento vê m a Sr.ª Deputada insistir na questão de ser feita a designação tardiamente?
Aliás, o Sr. Deputado Jorge Lacão, dizia: «nós também fizemos uma proposta ta 'dia para este debate, mas isso nada significa, não desculpa o Governo, porque deveria ter apresentado uma proposta; várias vezes questionámos o Governo» - há pouco, referia a intenção governamental de virem ou não a ser indigitados funcionários da Administração Pública - «e ele omitiu a resposta». Há um conjunto de argumentações, neste debate, que é profundamente demagógico. O Governo nada tinha de apresentar porque não tinha essa intenção mas, sim, pura e simplesmente, a de ler os resultados das eleições autárquicas e, nessa altura, fazer a sua designação.
O processo que se seguiu é coerente e democrático. Foi esse que se seguiu, nada há de tardio. Se algo é tardio é este processo, que os senhores provocaram fora de tempo. Se o quisessem provocar, que o tivessem feito antes! Não venham agora desculpar-se, dizendo que estiveram à espera que o Governo interviesse, que propusesse o debate, porque o Governo nunca pensou em fazê-lo. Portanto, não tinham de esperar pelo Governo.
Vêm agora falar no Parlamento Europeu, na democracidade e no facto de serem pessoas eleitas. Na verdade, são pessoas eleitas ao nível da representatividade local ou regional. Não tem de haver uma dupla eleição. Uma eleição para o Comité?! Mas onde é que isso está?! A que nível é isso defensável? Não tem sentido esse tipo de intervenção, já aqui foi demonstrado por mim.
Os Srs. Deputados referem as resoluções do Parlamento Europeu. Querem saber o que o Parlamento Europeu diz na resolução sobre este tema? Considera essencial que, na criação do Comité, sejam acauteladas as seguintes condições: garantia de que como suplentes, sejam autarcas de nível sub-estatal - e disponho da legitimidade democrática, directa, perante uma assembleia regional e local -- e que cada uma das regiões constitucionalmente reconhecidas nos Estados membros, cuja estrutura seja predominantemente regional, se encontre representada no Comité das Regiões.
Ora, somos nós, através do nosso projecto de resolução, os únicos a respeitar o que é solicitado pelo Parlamento Europeu:...

O Sr. João Amaral (PCP): - Essa agora!

O Orador: - ... legitimidade democrática directa, representatividade democrática, a partir dos que são efectivamente eleitos como autarcas nos vários níveis regionais, a nível municipal, e representatividade dos que, constitucionalmente, a têm, na realidade, a nível das regiões autónomas, que são as entidades ligadas aos órgãos de poder próprio das regiões autónomas.
Conhecida a resolução, os senhores estão, frontalmente e em todos os aspectos, contra ela.
O que o PSD defende, nos seus princípios, é o que está dentro da defesa dos pontos de vista do Parlamento Europeu.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sabe que não tem razão alguma, para que está com isso?

O Orador: - Sr. Deputado, se quer intervir, faça-o no tempo de que dispõe.
Para terminar, pergunta à Sr.ª Deputada Isabel Castro se há duas leituras das recomendações, se há várias leituras da legitimidade. Na realidade, não entendi a sua intervenção.

O Sr. Presidente: - Dentro do tempo de que dispõe e para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Condesso, na minha intervenção refiro-me a eleitos porque, em 2 de Novembro do passado ano, o Sr. Ministro falava em funções mistas, ou seja, não tinha por adquirido que os representantes portugueses do Comité Europeu das Regiões irão ser exclusivamente eleitos das autarquias locais.
Depois, em nosso entendimento, o que se deveria ter definido era os critérios a aplicar e, do nosso ponto de vista, critérios e princípios não são algo que se «cozinhe» em função de resultados eleitorais. Daí que, para nós, era perfeitamente pacífico que, em Novembro, pudessem ter sido discutidos, nomeadamente com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, os critérios que deveriam nortear os representantes portugueses, independentemente dos resultados. Estes adaptar-se-iam e, portanto, encaixariam numa escolha, neste caso e em nosso entendimento, uma escolha regional, já feita. Para nós, não seria preciso esperar por resultados eleitorais, porque os princípios não se ajustam ao que surge, na altura, os princípios existem, adoptam-se ou não e é em função deles que as escolhas devem ser feitas.

O Sr. Presidente: - Usando o tempo do PSN, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Sr." Deputada Isabel Castro já disse o essencial do que me levou a pedir a palavra: se está assente, se é claro e evidente que o PSD cometia, digamos, neste processo dois «aleijões» fundamentais e se recuou num, por pressão da Comunidade, como podemos, antecipadamente, não lutar para que o segundo erro fundamental seja corrigido?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pergunto ao Sr. Deputado Jorge Lacão, como podemos, antecipadamente, dizer que vamos cooperar com uma solução que, à partida, é errada. Em concreto, por que razão, colocando-se a Associação Nacional de Municípios Portugueses numa posição muito firme, não assumimos também uma posição muito firme, que conduza o PSD a ser, também aqui, obrigado a recuar? Esta é a questão a que o Sr. Deputado tem de responder.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

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0 Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputa
dos: 0 Sr. Deputado João Amaral suscita a necessidade de
se tomar uma posição firme. Venha ela, Sr. Deputado! A
posição firme é votarmos conscientemente os projectos de
lei que apresentámos. Já tive ocasião de dizer que o Par
tido Socialista se identifica não necessariamente com todas
as soluções em concreto mas com a filosofia do projecto
apresentado pelo PCP, que, no essencial, não difere da do
projecto apresentado pelo PS.
0 que está em causa é a tomada de uma posição política
inequívoca, a favor de uma solução, a que preconiza dois
princípios, os quais não me canso de reiterar: o da indigitação de membros directamente eleitos e o da adequada
distribuição territorial desses elementos, sabendo - o

Sr. Deputado João Amaral não o pode ignorar - que para Pausa.
haver uma adequada distribuição territorial teria de ser

definido um regime jurídico nesse sentido. É exactamente
visando esse escopo que apresentámos as soluções legais
que constam do nosso projecto de lei.

Neste debate, estamos a fazer não uma interpelação Pausa
recíproca entre o PS e o PCP sobre a matéria mas, sim,

uma interpelação - que julgo ser comum - do PS e do PCP
ao PSD e estamos a apelar ao PSD para ser sensível aos
nossos argumentos.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
0 Orador. - Evidentemente - e fi-lo da tribuna -, convidamos o PSD a ponderar os argumentos deste debate e a
admitir aceitar uma solução que passe pelas apresentadas
nos projectos de lei do PS e do PCP. Politicamente, a solução é fácil: basta votar favoravelmente, na generalidade,
os dois projectos de lei e rapidamente disponibilizar-nos-emos
para, na especialidade, pudermos encontrar a solução possível e tão consensual quanto seria aceitável neste caso.
Este, naturalmente, é o apelo político que fica feito ao PSD,
com toda a frontalidade e, porque não dizê-lo, com toda a
veemência. 0 PSD é que, politicamente, tem de dar resposta a este apelo e desafio.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais
inscrições, declaro encerrado o debate dos projectos de
lei n.ºs 363/VI e 364/VI e do projecto de resolução n.º 75/VI.
Por outro lado, informam-me que os diversos grupos
parlamentares se não opõem a que se passe de imediato à
sua votação. Desse modo, passaremos à votação dos projectos de lei n.ºs 363/VI e 364/VI e do projecto de resolução n.º 75/VI, exactamente por esta ordem.
0 Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, peço a
palavra para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente: - Para esse efeito, tem a palavra.
0 Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, solicito apenas a V. Ex.ª que refira de novo a ordem das votações.
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos começar pelo
projecto de lei n.º 363/VI - Processo de designação dos
representantes portugueses no Comité das Regiões (PCP),
depois, o projecto de lei n.º 364/VI - Regime legal da designação dos representantes portugueses ao Comité Europeu das Regiões (PS) e, por último, o projecto de resolução n.º 75/VI - Designação dos representantes portugueses
ao Comité das Regiões (PSD). As votações na generalidade, claro está, referem-se aos projectos de lei.

Sr. Deputado, pede a palavra para que efeito?

0 Sr. João Amaral (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Para esse efeito, tem a palavra.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, creio que o projecto de resolução também tem uma votação na generalidade, visto que ao seu conteúdo podem ser introduzidas alterações, aquando da discussão e votação na especialidade.

0 Sr. Presidente: - Assim se entenderá, Sr. Deputado.

Srs. Deputados, cumprido o tempo côngruo, peço que ocupem os vossos lugares, a fim de procedermos às votações agendadas para hoje.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, do projecto de lei n.º 363/VI - Processo de designação dos representantes portugueses no Comité das Regiões, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS e votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda.

Srs. Deputados, vamos passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 364/VI - Regime legal da designação dos representantes portugueses ao Comité Europeu das Regiões, da autoria do PS.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS e votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda.

Srs. Deputados, vamos agora votar o projecto de resolução n.º 75/VI - Designação dos representantes portugueses ao Comité Europeu das Regiões, apresentado pelo PSD.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, votos contra do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda e abstenções do PS e do CDS.

Srs. Deputados, está encerrado o primeiro ponto do período da ordem do dia.
0 Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de Deputados.

0 Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição dos Srs. Deputados Jerónimo de Sousa, do PCP, com início em 22 de Dezembro passado, Falcão e Cunha, do PSD, com início em 7 de Dezembro passado, João Gouveia, do PSD, com início em 3 de Janeiro corrente, Elias da Costa, do PSD, com início em 20 de Dezembro passado, e Freitas do Amaral, do CDS-PP, para o período de l de Janeiro corrente a 15 de Fevereiro próximo, respectivamente pelos Srs. Deputados João Camilo, Acácio Roque, Helena Ferreira Mourão, Ribau Esteves e Narana Coisso-

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ró. Foi ainda solicitada a substituição do Sr. Deputado João Camilo, do PCP, por um período não inferior a 45 dias, com início em 22 de Dezembro passado, pelo Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dó PSN.

Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho(PSD): - Sr. Presidente, a prática recente relativamente à aprovação de projectos de resolução tem permitido que façamos apenas uma votação. Não quero agora iniciar uma discussão sobre se essa será, ou não, a forma mais correcta de o fazer mas essa tem sido, de facto, a prática generalizada.
No entanto, como o Sr. Deputado João Amaral, antes das votações, interpelou V. Ex.ª no sentido de solicitar a identificação dos três momentos, isto é, a votação na generalidade, a votação na especialidade e a votação final global, e como isso não ocorreu antes do anúncio da votação efectuada para a aprovação pó projecto de resolução n.º 75/VI, não quereria que subsistisse a dúvida quanto à definitiva aprovação deste projecto de resolução.
Deste modo, se esse for o consenso alcançado pela Câmara, poderemos assentir em que ele está votado em votação final global; se assim não for, seria bom procedermos às duas votações hipoteticamente em falta.

O Sr. Presidente: - Quod abundai non nocet, Sr. Deputado. Assim, apesar de não ter chegado à Mesa qualquer texto de alteração, se VV. Ex.ªs me permitem, sugiro que votemos, agora, na especialidade e em votação final global, o projecto de resolução. Com isto, economizo-vos um exercício físico.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, pela minha parte, congratulo-me com a oportunidade de voltarmos a votar este documento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação na especialidade e final global do projecto de resolução n.º 75/VI - Designação dos representantes portugueses ao Comité Europeu das Regiões, apresentado pelo PSD.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, votos contra do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda e abstenções do PS e do CDS.

Srs. Deputados, vamos dar início ao segundo ponto da ordem de trabalhos de hoje.

Neste momento, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação da petição n.º 57/VI (1.ª), apresentada pelo Sindicato dos Trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, solicitando que a Assembleia da República se pronuncie sobre a reestruturação dos EFFA no que concerne à garantia dos postos de trabalho e dos direitos dos trabalhadores, bem como à defesa e dinamização dos mesmos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Ao abordar, aqui na Assembleia da República, a problemática dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, queria, em primeiro lugar e em nome do PCP, exprimir a nossa saudação e a nossa homenagem, desde logo, às empresas, como tal, pelo relevante papel que desempenharam e desempenham ao serviço das Forças Armadas e, por isso, dos interesses nacionais, mas também aos seus trabalhadores, a todos os que nelas trabalham a todos os níveis de responsabilidade, aos que lhe deram a sua vida ao longo dos anos e hoje se empenham e lutam em sua defesa.
Saudamos também os organismos representativos dos trabalhadores, as comissões representativas, e, em particular, ao Sindicato dos Trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas. Não pode jamais deixar de registar-se aqui que, durante muitos anos, desde os tempos do bloco central, sucessivos governos impediram, ilegal e inconstitucionalmente, o direito de associação sindical destes trabalhadores, numa clara e afrontosa violação dos seus direitos fundamentais!
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, a petição que apreciamos foi entregue na Assembleia da República em Fevereiro de 1992, ou seja, há 23 meses! Ela é subscrita por perto de 4000 trabalhadores, isto é, mais de metade do total dos trabalhadores das 10 empresas abrangidas.
Mesmo assim, apesar da manifesta representatividade da petição, ela demorou perto de dois anos a ser apreciada pelo Plenário. É um atraso escandaloso e inaceitável e que aqui critico frontalmente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os cidadãos têm o direito de petição e esse direito consubstancia-se também na garantia da apreciação das suas solicitações num prazo breve e em tempo útil.
Ora, a petição apresentada tinha em conta a publicação, então ocorrida, há mais de dois anos, de um despacho dos Ministros da Defesa Nacional e das Finanças, referente ao aí designado «processo de reestruturação dos EFFA».
Face a esse despacho, de Outubro de 1991, os signatários manifestavam a sua preocupação em termos que vale a pena aqui analisar. Dizia-se aí o seguinte: «Os signatários são de opinião que, efectivamente, são necessárias medidas de apoio, renovação e dinamização que garantam perspectivas de desenvolvimento.
Mas verifica-se que o Governo não tem apoiado os investimentos necessários e conhecem-se intenções de encerramentos. Fica assim legitimamente fundada a preocupação de que este processo desencadeado pelo Governo conduza não à desejada reestruturação mas a um desmantelamento inaceitável e a privatizações, tudo em prejuízo das funções logísticas actuais e dos direitos dos trabalhadores (num processo semelhante ao da INDEP).
Por outro lado, os trabalhadores e as suas organizações não estão representados nas comissões criadas pelo Governo nem este promoveu a consulta ou outra forma de

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participação, violando assim os direitos de participação dos trabalhadores consignados na Constituição e na lei.
Face à situação com que os trabalhadores se defrontavam, há mais de dois anos, os cerca de 4000 peticionários
concluíam pedindo: «a defesa e dinamização dos EFFA; a
garantia dos postos de trabalho e direitos dos trabalhadores; a efectivação do direito de participação dos trabalhadores e suas organizações.» .
Cabe agora ver, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que se passou nestes dois anos. Ora, o que se passou mostra que eram plenamente justificadas as apreensões dos trabalhadores.
Em primeiro lugar, os Estabelecimentos Fabris, no seu conjunto, não foram dinamizados. Pelo contrário, alguns deles foram conduzidos a situações de impasse e esvaziamento, passando pela saída de trabalhadores, facto que até impede, muitas vezes, as empresas de cumprir as encomendas. E o que se passa, por exemplo, nas Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento e na parte fabril da Manutenção Militar.
Em segundo lugar, os postos de trabalho não foram defendidos. Pelo contrário, a política de reformas antecipadas foi para os estabelecimentos uma política de «terra queimada», de liquidação de muitos postos de trabalho, e nalguns sítios, como nas Oficinas Gerais de Material de Engenharia, conduziu aos contratos de prazo.
Em terceiro lugar, também o direito de participação dos trabalhadores foi claramente desrespeitado. Desde logo, sublinho-o, não se compreende nem se aceita que representantes dos trabalhadores não participassem nas comissões criadas para analisar as empresas. A afirmação de que tratando-se de questões incluídas na área da defesa nacional nelas não caberia a participação dos trabalhadores, ou é fruto da mania das grandezas e de um elitismo bacoco, ou, o que é capaz de ser mais certo, não passa de uma desculpa barata para evitar a entrada dos trabalhadores em comissões, cujas ordens eram precisamente de conduzir à ofensa dos direitos dos trabalhadores.

0 Sr. José Manuel Maia (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - Quanto à defesa dos interesses nacionais na manutenção destas empresas no âmbito das Forças Armadas, o que está a passar-se com as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, com a sua transformação em sociedade anónima, é uma verdadeira porta aberta para uma futura entrada em força de interesses privados, nacionais e estrangeiros, dentro da empresa.
A legislação aprovada em Conselho de Ministros, que, aliás, é inconstitucional, designadamente por falta de audição das organizações representativas dos trabalhadores, além de criar um inaceitável estatuto dual para os trabalhadores, além de fixar um capital para a empresa de valor manifestamente inferior ao valor da empresa, além de conduzir a mais encargos para a Força Aérea e quebrar um cordão umbilical, que era essencial, o que faz objectivamente é criar condições para que, amanhã, uma empresa de alto valor estratégico, como são as OGMA, acabe por cair nas mãos de um qualquer empório multinacional.
Quanto ao Arsenal do Alfeite, as medidas tomadas, de autonomização da Marinha, também não se mostram muito claras nos seus objectivos, podendo apontar para o mesmo caminho traçado para as OGMA.
Como se vê de tudo isto, estes dois anos não foram nada positivos para os EFFA.
Os Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas e os seus trabalhadores bem mereciam um tratamento totalmente diferente por parte do Governo e dos responsáveis.
Os EFFA foram ao longo dos anos, e são ainda hoje, um importante instrumento de apoio logístico das Forças Armadas.
Incluídos no âmbito das Forças Armadas, são uma garantia estratégica indispensável para a sua operacionalidade nas diferentes circunstâncias em que podem ser chamadas a operar. A sua existência e funcionalidade é do interesse nacional, no quadro dos objectivos da política de defesa nacional.
Com a sua capacidade, podem e devem servir, em tempo de paz, não só as Forças Armadas como as Forças de Segurança e a cooperação com os países africanos de língua oficial portuguesa. Podem ainda servir certos segmentos do mercado que necessitem de apoio específico, no âmbito das funções sociais do Estado. Basta pensar-se no que faz nesse âmbito o Laboratório Militar para se perceber o que quero dizer com isto.
Nós, Partido Comunista Português, defendemos a existência e dinamização dos estabelecimentos fabris; entendemos que os necessários processos de reestruturação devem visar sempre a defesa e não o desmantelamento desses estabelecimentos e só podem ser concretizados com a participação das organizações representativas dos trabalhadores; defendemos a manutenção no âmbito das Forças Armadas, independentemente da diversificação da sua actividade em tempo de paz; e entendemos que os postos de trabalho e os direitos dos trabalhadores devem ser defendidos e garantidos.
Neste quadro, iremos propor à Comissão de Defesa Nacional que faça o levantamento da situação dos estabelecimentos, um a um, elaborando relatórios sobre as suas perspectivas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda se está a tempo de fazer inflectir um processo que, conduzido como está a ser, contraria os interesses nacionais, compromete uma vertente significativa dos objectivos da política de defesa, atinge estabelecimentos fabris com uma história rica e activa ao serviço das Forças Armadas e viola, de forma grosseira, os direitos dos trabalhadores.
Estamos a tempo de alterar esta situação e, pela nossa parte, não nos pouparemos a esforços para que isso suceda.

Aplausos do PCP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda.

A Sr a Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

0 Sr. Marques Júnior (PS): - Sr a Presidente, Srs. Deputados: Há cerca de dois anos, deu entrada na Assembleia da República uma petição subscrita por cerca de 4000 trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, solicitando a sua apreciação em tempo útil e com urgência - a petição n.º 57/VI (l.ª).
Estava em causa, segundo os trabalhadores, a reestruturação dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas e a «preocupação de que o processo desencadeado ' pelo Governo conduzi-se não à desejada reestruturação mas a um desmantelamento inaceitável e à privatização, tudo em prejuízo das funções logísticas actuais e dos direitos dos trabalhadores».
0 seu receio era fundamentado naquilo que consideravam ter sido um processo semelhante, como foi o caso da INDEP, assim como no facto de os trabalhadores e as suas organizações não estarem representados nas comissões, nomeadas pelo Governo, incumbidas de estudar e propor a respectiva reestruturação, nem sequer terem sido «con-

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sultados, violando os direitos dos trabalhadores, consignados na Constituição e
na lei».
A sua petição solicita, pois, à Assembleia da República que se pronuncie sobre todo o processo, no sentido da defesa e dinamização dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, da garantia de postos de trabalho e direitos dos trabalhadores e da efectivação do direito de participação dos trabalhadores e suas organizações num verdadeiro processo de reestruturação.
Á questão prévia que importa colocar mais uma vez é o atraso com que, a Assembleia da República discute uma petição com estas características, em que há um tempo útil para além do qual a petição perde sentido.
Uma outra questão ó que o facto de a petição, em virtude do número de subscritores, ser automaticamente discutida em Plenário tem levado simplesmente a aguardar o seu agendamento, em vez de, simultaneamente, se fazerem diligências em nome da Comissão de Petições e da Assembleia da República.
Esta acção poderia, em tempo útil, conduzir à correcção de algumas anomalias, minorando os prejuízos resultantes do tempo que leva a Assembleia da República a discutir em Plenário e a tomar eventuais decisões.
Todo este processo f ode e deve ser invertido- a actual lei sobre petições, aprovada na sessão anterior, já permite algumas melhorias - sob perigo de pormos em causa um instrumento fundamental para os cidadãos, daqueles que mais o aproximam dos seus representantes e que, por esse facto, mais pode contribuir para o prestígio ou desprestígio da Assembleia da República.
Relativamente ao objectivo da petição que estamos a analisar e à solicitação dos trabalhadores é importante referenciar que a reestruturação dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas é absolutamente necessária e reconhecida pelos próprios trabalhadores.
As Forças Armadas portuguesas têm vindo a sofrer um processo de reorganização, reestruturação e racionalização que resulta ainda, em muitos casos, da necessidade de adaptação de uma estrutura que, nas suas linhas essenciais,
era a que resultava das necessidades da guerra em África.
Independentemente do juízo de valor que se faça sobre o novo modelo de Porcas Armadas em curso, influenciado também, mais recentemente, pela alteração do cenário estratégico mundial, é evidente que seria necessária uma profunda reestruturação, e esta terá de passar, necessariamente, pela reestruturação das unidades fabris do sector da defesa e, no caso concreto, pela restruturação dos Estabelecimentos Fabris; das Forças Armadas, que mantêm praticamente o mesmo estatuto e a mesma estrutura organizacional.
É, pois, necessário adequar a missão dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas com as necessidades actuais das Forças Armadas, tendo em conta o novo conceito estratégico militar e o desenvolvimento e capacidade actual da nossa indústria.
A questão que se coloca é a de saber em que medida é que a reestruturação em curso pode ou não comprometer o seu objectivo principal, que é o de actuarem como órgão de apoio logístico militar e, por outro lado, potenciarem, de forma ainda mais evidente, um instrumento de política de cooperação 10 sector específico da defesa, sem que este, no entanto, passar pôr em causa o seu objectivo principal.
O despacho conjunto dos, Ministros da Defesa Nacional e das Finanças, de 18
de Outubro de 1991, sobre a reestruturação dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, estabeleceu como objectivo que a «função arsenal terá de continuar, em princípio, a ser prosseguida no âmbito das Forças Armadas, enquanto outras actividades com natureza de apoio logístico, para além da função arsenal, apenas deverão manter-se no caso de não haver resposta alternativa na iniciativa privada (...)».
Este objectivo político deixa dúvidas legítimas até por admitir que a própria logística operacional pode sair do âmbito das Forças Armadas e suscitou da minha parte, em requerimento dirigido ao Governo, em 30 de Janeiro de 1992, por alturas da apresentação da petição à Assembleia da República, as seguintes questões:

Será que a natureza de apoio logístico militar deixou de ser estratégico relativamente às Forças Armadas?
Em que medida é que as Forças Armadas não serão prejudicadas pela eliminação dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas com actividades de natureza de apoio logístico?
Não haverá contradição no respectivo despacho entre «inquirir da capacidade e da relação entre a actividade global desenvolvida e o desempenho da missão primária dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas enquanto órgão logístico militar» e a eliminação dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas com actividade de natureza de apoio logístico, com excepção das de função arsenal?
Qual o tipo de participação e informação que está a ser dado, quer aos directores dos estabelecimentos, quer aos respectivos trabalhadores?
Que garantias podem ser dadas no sentido de que as medidas a tomar não prejudicarão os direitos dos trabalhadores?
Por último, que medidas concretas se pensa tomar para garantir em absoluto o apoio logístico necessário ao cumprimento da missão das Forças Armadas, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra, sabendo que, pelo menos, o nível mínimo de apoio terá de ser garantido para situações de emergência?
Estas questões, que, no fundo, representam também as preocupações genéricas subjacentes à petição n.º 57/VI (1.ª), mereceu uma resposta do Governo que, no essencial, reforça as boas intenções subjacentes à ideia de reestruturação, mas não dá garantias suficientes que levem a afastar as dúvidas que se levantam. A verdade é que passaram dois anos e ainda não são do nosso conhecimento as propostas de solução encontradas, de modo a podermos ajuizar globalmente da sua validade.
A informação mais actualizada de que dispomos foi-nos fornecida pelo Ministério da Defesa Nacional, aquando da discussão do Orçamento do Estado para 1994, e refere que foram concluídos os estudos e o relatório final, abrangendo simultaneamente um estabelecimento de cada ramo (Arsenal do Alfeite, Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento e Oficinas Gerais de Material Aeronáutico), estando em vésperas de conclusão os estudos de reestruturação relativamente aos três restantes estabelecimentos fabris pertencentes ao Exército (Manutenção Militar, Oficinas Gerais de Material de Engenharia e Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos).
No que diz respeito às Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA), foram elaborados dois projectos de decreto-lei que, segundo a comunicação social de 23 Dezembro passado, terão sido aprovados em Conselho de Ministros: um sobre o pessoal militar e civil das OGMA e outro visando a transformação do estabelecimento em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.
Esta solução - e é a única em concreto - levanta fundadas dúvidas sobre a salvaguarda dos interesses específicos

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da Força Aérea, nomeadamente na prioridade às necessidades de manutenção inopinada dos sistemas de armas e demais apoios, assim como a mudança dos estatutos das OGMA pode provocar eventuais aumentos de encargos de exploração, que terão de ser compensados através de um suplemento no orçamento de exploração da Força Aérea, para além das que o Sr. Deputado João Amaral apresentou e que subscrevo integralmente.
Quanto ao Arsenal do Alfeite, decorre um conjunto de medidas visando reforçar a sua autonomia financeira, de modo a proporcionar um quadro de gestão idêntico ao que hoje existe nas OGMA, designadamente em termos de um melhor relacionamento orçamental do Arsenal do Alfeite com a Marinha.
Quanto às Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento (OGFE) e como o estudo aponta para o encerramento deste estabelecimento, aguardam-se, segundo o Governo, os estudos dos outros estabelecimentos fabris do Exército, para serem aprovados, em simultâneo, as medidas e soluções finais, visando a reestruturação global dos quatro Estabelecimentos Fabris do Exército.
Independentemente de as soluções que se começam a desenhar para os Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas suscitarem as mais sérias dúvidas, quer no que diz respeito ao objectivo para que foram criados, que é o de actuarem como órgãos de apoio logístico militar, quer na salvaguarda dos interesses específicos de cada um dos ramos das Forças Armadas, que pode, nomeadamente, pôr em causa a operacionalidade das Forças Armadas - aquilo a que podemos chamar a logística operacional -, assim como implicar a necessidade de um reforço substancial do orçamento das Forças Armadas, subsistem as questões que foram objecto da petição, ou seja, a defesa e a dinamização dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, a garantia dos postos de trabalho e direitos dos trabalhadores, assim como a efectivação do direito de participação dos trabalhadores e suas organizações no verdadeiro processo de reestruturação, que não foram devidamente salvaguardados.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

0 Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Não estando em causa a necessidade de reestruturação dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, parecem ser legítimas as preocupações manifestadas em ordem, a saber se esta reestruturação se subordina ao interesse específico do conceito estratégico-militar e ao interesse mais geral da Defesa Nacional para que foram criados, ou se, pelo contrário, lhe está subjacente um interesse meramente economicista que secundariza o interesse nacional, como se depreende de algumas linhas de orientação subjacentes aos respectivos estudos.
Pr outro lado, os estudos efectuados parece não terem tido em devida conta a defesa dos interesses dos trabalhadores nem os seus direitos, o que, independentemente de outras considerações, vulnerabilizam as soluções que venham a ser encontradas.
Pela nossa parte, continuaremos a questionar, como sempre temos feito, no sentido de que as soluções sejam aquelas que melhor servem o interesse nacional, questionando eventuais interesses particulares que lhes possam estar subjacentes.
Aplausos do PS, do PCP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Motta Veiga.

0 Sr. Motta Veiga (PSD): - Sr a Presidente, Srs. Deputados: 0 Sindicato dos Trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas apresentou uma petição, em Janeiro de 1992, solicitando a apreciação por esta Assembleia das medidas de reestruturação daqueles estabelecimentos, integrados na reestruturação geral das Forças Armadas, tendo em vista a sua dinamização e defesa, a garantia dos postos de trabalho e direitos dos trabalhadores e a efectivação do direito de participação dos trabalhadores e das suas organizações nesse processo.
Cabe aqui, consequentemente, analisar a actual situação e, em particular, se terão sido garantidos os direitos dos trabalhadores respectivos.
Ora, o processo de reestruturação dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas assumiu, de facto, particular ênfase após o despacho conjunto dos Ministros da Defesa Nacional e das Finanças, de 9 de Outubro de 1991, que definiu a sua metodologia, quer no âmbito da Inspecção-Geral de Finanças, quer da Comissão para a Reestruturação da Indústria de Defesa (CORINDE), tendo estabelecido como orientação os objectivos fundamentais da política a seguir nesta matéria: a função arsenal deverá continuar, em princípio, a ser prosseguida no âmbito das Forças Armadas; outras actividades com natureza de apoio logístico deverão apenas manter-se no caso de não haver resposta alternativa da iniciativa privada ou, havendo-a, se uma análise rigorosa de custos for favorável à manutenção; as actividades de apoio social deverão ser enquadradas pelos organismos vocacionados para tal; as actividades comerciais e industriais não abrangidas pelas alíneas anteriores devem ser prosseguidas fora do âmbito institucional das Forças Armadas e as actividades de cooperação têm uma natureza residual e por isso não se justificará a manutenção dos estabelecimentos.
Dentro deste quadro político, desde logo traçado, sem dúvida justificado pelas novas realidades económicas, sociais e políticas em que se enquadram as Forças Armadas, a reestruturação dos estabelecimentos fabris tem-se processado, atendendo às respectivas funções específicas.
A Fábrica Nacional de Cordoaria não tinha qualquer função útil, tendo deixado de constituir uma necessidade da Marinha e, sendo uma actividade claramente anti-económica, acabou por ser extinta. Contudo, o pessoal em causa ou solicitou voluntariamente a reforma ou foi transferido para outros serviços da Armada, pelo que nenhum direito dos trabalhadores respectivos foi afectado.
Os estabelecimentos fabris com a função de arsenal, isto é, no sentido de apoio logístico de grande manutenção, são três: as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, o Arsenal do Alfeite e as Oficinas Gerais de Material de Engenharia.
As Oficinas Gerais de Material Aeronáutico são as que têm o seu processo de reestruturação mais avançado, tendo sido recentemente aprovado em Conselho de Ministros a sua transformação em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos. Esta transformação visa o seu desenvolvimento, e não a redução da sua actividade, e deu lugar a um longo processo em que as estruturas representativas dos trabalhadores têm sido regularmente ouvidas.
Os direitos dos trabalhadores foram salvaguardados pelo diploma respectivo, podendo estes optar pela passagem ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, por manter o actual regime ou pela aposentação em determinadas condições.

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Estabelecem-se também meios para aumentar o nível técnico do seu pessoal não se prevendo a necessidade de diminuição dos efectivos. No que respeita ao Arsenal do Alfeite, em consequência dos estudos que foram elaborados, este, embora mantendo a condição de estabelecimento fabril da Armada, está a sofrer um processo de ajustamento do estatuto orgânico e do estatuto de pessoal, no âmbito da respectiva reestruturação e reorganização funcional, que visa melhorar o seu funcionamento, ajustando-o às novas realidades.
É um processo em que também têm sido ouvidas as estruturas representativas dos trabalhadores, embora se preveja que o ajustamento na área de pessoal, pelas eventuais medidas que visam aumentar a percentagem de pessoal técnico em relação ao estante, será um processo lento e, sem dúvida, com audição do pessoal respectivo.
De qualquer forma, o estatuto equivalente ao de função pública jamais será afectado e, portanto, os trabalhadores nunca terão o seu estatuto funcional afectado.
Quanto às Oficinas Gerais de Material de Engenharia, o processo de análise dos estudos de reestruturação já está em fase final, mas só teve lugar numa segunda fase, encaminhando-se para uma solução semelhante à do Arsenal do Alfeite, isto é, manutenção do estatuto de estabelecimento fabril, com algumas eventuais melhorias, designadamente de produtividade e de tecnicismo, sem consequências para o pessoal em termos de postos de trabalho.
Os restantes estabelecimentos fabris que tinham actividades de produção, aprovisionamento, armazenagem, distribuição e comercialização è, em alguns casos, de mero apoio social (messes, supermercados, secção comercial das Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento) são três: a Manutenção Militar, as Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento e o Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos.
Estes estabelecimentos deixaram, em grande medida, ter justificação, pois nasceram em épocas distantes, tendo em vista a guerra em África, mas que agora têm uma justificação muito duvidosa, situam em áreas em que designadamente aqueles que se situam em áreas em que o mercado civil pode satisfazer e que até entram em concorrência directa com este, como é o caso de fábricas de
moagem, de bolachas, de vestuário, de calçado, de produtos farmacêuticos, etc.
Naturalmente que a actividade de aprovisionamento, armazenagem e distribuição poderá vir a ser exercida por um órgão logístico a integrar ha estrutura do Exército, que absorverá, em grande parte, o pessoal disponível. De qualquer forma, não afectará os direitos adquiridos e está em fase de mera análise, em diálogo com as estruturas representativas dos trabalhadores.
Por outro lado, a situação nestes estabelecimentos fabris é efectivamente objecto das medidas de contracção, mas já não é, de forma alguma, tão preocupante como aquilo que, eventualmente, podia ser no momento em que foi feita a petição. De facto, voluntariamente, requereram a sua desvinculação, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 253/93, um grande número de trabalhadores: nas Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento, e os 1040 existentes, 546 pediram a desvinculação; na Manutenção Militar, dos 1850 existentes, 840 pediram a desvinculação; e no Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos, dos 285 existentes, 207 pediram a desvinculá-lo.
Em conclusão, dir-se-á que este processo de reestruturação destes estabelecimentos fabris tem vindo a ser executado por fases, com manifesto cuidado no que toca às soluções encontradas, com respeito pelos direitos dos trabalhadores e com a sua participação, não sendo, actualmente, motivo de particular preocupação, dado que as eventuais reduções ou reconversões a empreender situam-se numa área em que a sua dimensão é muito reduzida e não põem em causa o estatuto de funcionários públicos que lhe está subjacente, bem como os seus direitos adquiridos.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos passar a discussão da Petição n.º 64/VI (l.º) - Apresentada pelo Sr. Luís Manuel Gouveia Neto Mendes e outros, solicitando a reposição da Linha Ferroviária do Dão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º 64/VI (1.ª), hoje presente ao Plenário da Assembleia da República, é, quer pela matéria que versa, quer pelo número de subscritores que tem (1278), quer ainda pelos muitos milhares de cidadãos que a apoiam, uma petição da maior importância.
Desejam os peticionantes que a Assembleia da República se pronuncie sobre o problema das vias férreas de bitola estreita, particularmente as linhas do Dão e do Vale do Vouga, de ligação entre Viseu-Santa Comba Dão e Sernadas-Viseu, respectivamente.
Tal desejo tem por base o facto da linha ferroviária do Dão ter servido, ao longo de muitos anos, milhares de passageiros e habitantes de freguesias dos concelhos de Viseu, Tondela e Santa Comba Dão e a CP, sem qualquer processo prévio de auscultação das populações servidas, ter acabado com o serviço ferroviário, substituindo-o por serviço rodoviário.
Acresce que o referido serviço rodoviário tem vindo a sofrer reduções de carreiras, prejudicando os cidadãos que necessitam de se deslocar, particularmente os que estudam ou trabalham com horários nocturnos, não assegurando, assim, o indispensável serviço público.
É assim que, pela via desta petição e da participação activa dos cidadãos, voltamos ao debate da problemática do caminho de ferro, que deveria estar ao serviço das populações e do País pela acção motora que desempenha no crescimento económico e no desenvolvimento regional, e da acção dos Governo PSD, encetada em 1987/1988, de encerramento de linhas, ramais e estações, contra os interesses das populações, das autarquias, dos trabalhadores da CP e da economia nacional.
Importa, a propósito, recordar as várias iniciativas do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, nomeadamente os projectos de lei entregues na Mesa da Assembleia da República, em Junho de 1986 e em Março de 1990, para que fossem «adoptadas medidas tendentes a suspender o encerramento de linhas, ramais e estações e à definição das condições a que deve obedecer o dimensionamento da rede ferroviária nacional».
Importante foi igualmente a intervenção, de entre outras, realizada no Plenário da Assembleia da República pelo Partido Comunista, em Maio de 1988, aquando da implementação dos novos horários de verão, denunciando ser o desajustamento dos mesmos em relação aos interesses dos utentes a forma de degradar a oferta, com o objectivo de, mais facilmente, o Governo proceder ao encerramento de linhas, ramais e estações.
Na altura, Deputados houve - e não só do PSD - que consideraram ser a intervenção alarmista. Para os verda-

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deiros incrédulos de então, eis hoje a situação e o que foi a resposta do Governo e da CP.
Desde 1987, fecharam já cerca de 900 km de linha férrea e 300 estações, distribuídos por todo o território nacional, mas com particular incidência nas regiões interiores, como Trás-os-Montes, Alentejo e Beira Interior, bloqueando aldeias, vilas e cidades e deixando localidades praticamente isoladas. Tudo isto em termos de uma visão economicista, descurando o carácter social que a empresa deve ter.
De norte a sul, o isolamento aumenta e as alternativas, em vez de facilitarem a vida às pessoas, são mais caras e mais perigosas. Provam-no as inúmeras vítimas e acidentes viários registados desde então.
0 tempo de deslocação residência/emprego aumentou substancialmente, com graves reflexos na qualidade de vida e na célula familiar; a distância entre os estabelecimentos de ensino e as aldeias e a falta de dinheiro inviabilizam a frequência da escola por muitos miúdos. Assim, essas crianças, porque nada têm para fazer, são lançadas, a breve prazo, no «entretenimento do trabalho».
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: 0 encerramento de 17 linhas e ramais, com cerca de 900 km de via férrea, continuam a ser causa de problemas sociais de difícil resolução, pelas consequências imediatas da dificuldade no acesso a muitos aglomerados populacionais, que ficam apenas com os serviços rodoviários, na sua maioria de má qualidade, ainda com a agravante de muitas camionetas das rodoviárias, apenas passarem pelas estradas principais, não chegando às aldeias.
Toda esta situação estimula, com certeza, o Governo a inaugurações «com grande pompa» de novas e largas vias rodoviárias, que, sem dúvida, encurtam a distância entre cidades mas não atenuam os prejuízos sociais e económicos causados pelo abatimento à circulação das «máquinas de ferro» que, transportando mercadorias e pessoas, uniam as cidades, vilas e aldeias do interior de Portugal.
Sr a Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à Linha do Dão, que é objecto particular da petição e considerando que foi aberto concurso público com vista à concessão «temporária» do transporte alternativo, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 7/93, de 9 de Janeiro, importa chamar a atenção dos Srs. Deputados e perguntar ao Governo:
Que garantias são dadas aos idosos, militares, estudantes e reformados de continuarem a beneficiar de redução nos preços dos bilhetes?
Que garantias são dadas à população de que as tarifas não vão aumentar por falta de concorrência da própria CP?
Que garantias são dadas às populações de localidades servidas por apeadeiros, que obrigam a desvios no trajecto rodoviário, de que não deixam de ser servidas por transportes?
Que garantias são dadas quanto ao transporte de mercadorias que sirva as populações e as empresas agrícolas e industriais?
Ainda quanto à Linha do Dão, o Grupo Parlamentar do PCP declara que defende, de forma inequívoca, a sua reabertura com infra-estruturas e material circulante ajustados aos dias de hoje e, entretanto, considerando que até a Estação de Viseu já foi demolida, deve continuar o serviço rodoviário alternativo da CP, devendo manter-se em qualquer situação os direitos adquiridos pelos cidadãos, nomeadamente quanto a percursos, horários e preços.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: 0 Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português manifesta a sua solidariedade às populações do interior do País afectadas pela política do Governo PSD de encerramento de linhas e ramais ferroviários e reafirma a sua disponibilidade para a aprovação
de medidas tendentes à reabertura de linhas e ramais encerrados, assente na definição das condições a que deve obedecer o dimensionamento da rede ferroviária nacional, tendo em consideração os interesses das populações, das autarquias e da economia nacional.
No entanto e como o Governo não dá mostras de pretender inverter a sua política antipopular, restará à população encerrar a «linha» e os «ramais» do PSD.
Sr.ª Presidente, desta minha intervenção faz parte ainda um anexo que dá nota das malfeitorias do PSD relativamente à linha férrea, mas, como não disponho de mais tempo, solicito que ele também seja publicado no Diário da Assembleia.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Marta Gonçalves.

0 Sr. Carlos Marta Gonçalves (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A solicitação dos peticionantes merece da nossa parte e do Grupo Parlamentar do PSD uma particular atenção, pois está em discussão a defesa dos interesses das populações no que diz respeito à sua deslocação.
Contudo e em relação ao problema levantado, importa aqui lembrar a importância que, no passado, tiveram os serviços ferroviários e, em particular, as Linhas do Dão e do Vale do Vouga no desenvolvimento da economia da região.
Ao longo dos anos, estas linhas serviram milhares de passageiros e habitantes das diferentes freguesias do Distrito de Viseu, possibilitando a sua deslocação para as terras vizinhas, para as sedes do concelho ou para a capital do distrito, assim como o transporte de mercadorias e bens necessários à vida comunitária da região. Foram os anos de ouro destas linhas ferroviárias, pois não havia meios de transporte alternativos e com qualidade.
Com o desenvolvimento do País, com a abertura de novas estradas e de novos acessos, com o aparecimento de mais e melhores transportes rodoviários, os passageiros, até aí habituais do caminho de ferro, passaram a utilizar outros meios de transporte mais rápidos, mais acessíveis, com melhores horários e adaptados às novas realidades, com melhores condições e com acessos mais eficazes aos seus destinos.
As linhas referidas, em particular a do Dão, foram perdendo utentes e naturalmente a sua importância.
Por outro lado, o equipamento ferroviário foi ficando mais velho, mais antiquado, não tendo sido feita a sua melhoria e renovação e por isso passou a haver menos passageiros e mercadorias para transportar, tomando-se insustentável a exploração ferroviária.
Depois de passados já alguns anos após a substituição do serviço ferroviário pelo serviço rodoviário na Linha do Dão, importa lembrar as razões então evocadas pela CP para as alterações verificadas.
Assim, o serviço efectuado não era rentável e havia um aumento crescente de encargos de exploração que a CP directamente não podia suportar, devido à redução crescente de passageiros e mercadorias provocada pela evolução de outros módulos de transporte, e a desadequação do equipamento existente e a sua modernização implicava um esforço financeiro de centenas de milhares de contos sem, depois, haver as devidas contrapartidas.
Em 1987, o serviço de passageiros na Linha do Dão tinha uma receita mensal de 1800 contos mensais ou seja 15 contos por comboio. Os custos de exploração então suportados atingia o montante de 65 000 contos mensais ou seja 45 contos por comboio, o que significava que a dimensão

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da procura não era adequada ao comboio, mas, sim, a outro módulo de transporte.
Por isso e sem demagogia, interessa lembrar a todos que
hoje as linhas, e alguns troços, estão desafectadas do domínio público ferroviário e não nos parece que, a curto prazo, seja possível a sua reabilitação.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Contudo, não podíamos deixar passar esta oportunidade sem alertar as entidades responsáveis para a necessidade de o serviço alternativo então criado - o transporte rodoviário - ser melhorado, quer
em termos qualitativos, quer em termos quantitativos.
As populações servidas pelo novo transporte rodoviário merecem-nos todo o respeito e têm o direito de se poderem deslocar para as diversas zonas do distrito e do País nas melhores condições.
Estas populações não possuem outro transporte público ou privado e por isso precisam não só que os transportes rodoviários se mantenham, mas também que possam vir a ser significativamente melhorados no que diz respeito ao número de carreiras, novos circuitos, horários e condições de transporte, assim como as respectivas acessibilidades.
Os concelhos de Tondela, Santa Comba Dão e Viseu têm tido um grande progresso e desenvolvimento nos últimos anos, face à abertura de novos acessos e de novas estradas - o IP5 e o IP3 : são um bom exemplo -, que possibilitaram a instalação, na região, de novas unidades industriais, cujos trabalhadores residem e habitam nas freguesias limítrofes das sedes dos concelhos referidos; por isso, é importante que as entidades competentes possam valorizar e dignificar o actual transporte rodoviário para servir com qualidade as populações.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Importa igualmente referir a necessidade de valorizar os antigos espaços e edifícios ferroviários que ficaram abandonados e que se estão a degradar dia após dia. É um património valioso, que poderia e deveria ser aproveitado para fins sociais, turísticos, desportivos ou culturais, através de acordos de colaboração a estabelecer com associações, clubes, juntas de freguesia, instituições de solidariedade social e câmaras municipais das zonas onde estão localizados, permitindo, assim, a sua rentabilização e o aproveitamento destas estruturas para as comunidades locais.
Sabemos que da parte da CP haverá disponibilidade para estudar a preservação desse património e a sua utilização pelas instituições locais. Lembrava, por exemplo, que, em 1990, foi celebrado um protocolo entre a CP e a Câmara Municipal de Viseu para o aproveitamento dos espaços da cidade e das freguesias limítrofes.
Por isso, apelamos para que outras autarquias possam igualmente utilizar esses espaços e edifícios, para bem das comunidades em que se inserem.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Entendemos, assim, que o antigo transporte ferroviário de bitola estreita no Dão não terá grandes possibilidades de vir a ser'revitalizado, mas, por outro lado, deverá ser melhorado o transporte rodoviário e acreditamos que as entidades competentes vão ter em atenção estas nossas recomendações.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado José Eduardo Reis.

O Sr. José Eduardo Reis (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A petição em apreço, subscrita por mais a à Assembleia da República de 1000 peticionantes, solicita à Assembleia da República providências para que sejam reinstalados e reactivados os ramais ferroviários de via estreita do Dão e do Vale do Vouga.
O primeiro, criado por Portaria Régia de 17 de Novembro de 1889, foi inaugurado em 25 de Dezembro do ano seguinte, pelo então Ministro dos Transportes Tomaz Ribeiro, com grande pompa e circunstância, pois era um polo de desenvolvimento económico para a região que servia, três concelhos e nove localidades, contribuindo para engrandecer e fortalecer o importante comércio de Viseu, bem como para facilitar o acesso das populações carenciadas, dos estudantes e dos trabalhadores à capital do distrito.
A linha do Vale do Vouga, também conhecida por Vouguinha, se bem que semelhante na sua essência à Linha do Dão, supera-a com o deslumbramento das suas paisagens. Criada por Decreto de 12 de Março de 1906, foi inaugurada em 23 de Novembro de 1908 pelo Rei D. Manuel II, tendo conhecido um período de alguma importância até 1947, altura a partir da qual passaria, infelizmente, a ser administrada pela CP.
Por falta de sensibilidade e de carinho por parte da CP, a situação do Vouguinha começa então a complicar-se. Esta linha ferroviária, para além do serviço prestimável que oferecia às populações residentes, poderá sem dúvida alguma vir a ser um dos melhores cartazes turísticos não só dos distritos de Viseu e de Aveiro como de todo o País. A sua luxuriante vegetação, o alcantilado do seu traçado e a sua beleza natural seriam, por si só, razões mais que suficientes para não delapidarmos mais este património nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não obstante o inegável serviço público que estas duas linhas ferroviárias representavam, o Governo PSD, surdo aos protestos das populações, resolveu pura e simplesmente encerrá-las, alegando «uma maior eficiência económica nos transportes ferroviários», esquecendo, mais uma vez, que os serviços de utilidade pública existem para servir as populações, nomeadamente as mais carenciadas, e não podem ser avaliados em termos de lucro.
Desactivaram-se estas duas linhas sem se terem equacionado devidamente todas as alternativas que pudessem viabilizar a sua manutenção.
A solução que na altura se colocou ao desaparecimento deste meio de transporte foi a da sua substituição por autocarros. Porém, volvidos poucos anos, estes começaram já a escassear, temendo-se que os mesmos possam vir, inclusive, a desaparecer.
Os trabalhadores ferroviários desses ramais viram-se então obrigatoriamente reformados ou transferidos para distritos distantes, das suas residências e dos seus agregados familiares.
Para além do encerramento destas linhas de via estreita, a Câmara Municipal de Viseu permitiu-se mandar demolir a estação ferroviária da cidade, que deveria constituir um valioso património municipal de reconhecido valor históri-co-sentimental, podendo servir de palco a variadíssimas manifestações de interesse cultural.
As outras estações, algumas de rara beleza, encontram-se abandonadas e em lamentável estado de degradação. A estação de Torredeita é, porém, uma agradável excepção, pois foi cedida para sede do rancho folclórico local.
Que fazer, pois, para recuperar o que foi abandonado, degradado e destruído? É hoje opinião unânime das populações que estas duas vias deveriam ser recuperadas.
Considerando a necessidade de criar e desenvolver um polo de desenvolvimento turístico nesta região do País e também a extraordinária beleza paisagística, bem como as

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potencialidades termaais do distrito de Viseu, defendemos o reaproveitamento das vias ferroviárias do Dão e do Vale do Vouga, empenhando-se nesse projecto não só a CP como as câmaras municipais por elas servidas, a regiões de turismo, bem como possíveis investidores privados.
Haja vontade política em tirar estas duas linhas ferroviárias desta «dolorosa agonia» e estamos certos de que será encontrada uma solução capaz de defender esta herança histórica e cultural.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação da petição n.º 85/VI, apresentada pelo Sr. Joaquim Gil Sousa Piló, e outros, solicitando que seja efectuado um inquérito por forma a apurar as causas de afundamento do navio Bolama e a determinar as responsabilidades inerentes.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Barradas Leitão.

0 Sr. António Barradas Leitão (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Através da petição n.º 85/VI, vem um grupo de 1177 cidadãos requerer que a Assembleia da República tome posição sobre as circunstâncias que rodearam o naufrágio do navio Bolama, ocorrido em 4 de Dezembro de 1991 - fez exactamente ontem dois anos e um mês.
Pretendem os peticionantes, designadamente, que se proceda «ao desafundamento do navio, através das autoridades navais competentes» - continuo a citar - e a um rigoroso inquérito por forma a apurar as causas do afundamento e a determinar as responsabilidades inerentes».
Depois de um período de muita incerteza e de muitas especulações, motivadas pela forma estranha como o desaparecimento do navio se deu, é hoje possível conhecer parte da história do naufrágio do Bolama através dos relatos da imprensa, uma vez que não se conhecem ainda as conclusões do inquérito promovido pelas autoridades.
0 arrastão Bolama, propriedade de uma sociedade mista lusoguineense, foi construído no estrangeiro, adquirido pela referida sociedade mista a uma empresa dinamarquesa e operava ultimamente em águas africanas, nomeadamente na República da Guiné-Bissau.
Era, segundo os conhecedores, considerado um barco com pouca estabilidade.
Talvez por isso, sofreu obras de alteração num estaleiro português, obras que se presume terem ficado concluídas em data anterior a 4 de Dezembro de 1991, altura em que saiu para o mar, também presumivelmente para um ensaio ou prova de mar.
Uma vez que a prova de ma, segundo as informações de que dispomos, não estaria autorizada pela autoridade marítima, assim como não estaria autorizado o desembaraço do navio, logo que foi detectada a sua saída do porto de Lisboa, foi-lhe ordenado pelo Controlo Marítimo que regressasse, o que, por razões que se desconhecem, não foi cumprido pelo seu comandante.
Algum tempo depois, logo que se concluiu estar o navio desaparecido, as autoridades iniciaram as operações de busca, utilizando meios aéreos e marítimos.
Apesar de todos os meios disponibilizados, nas semanas que se seguiram ao acidente nada foi detectado: não foi encontrado qualquer indício sobre a situação do navio.
Somente mais de uma semana depois começaram a dar à costa, ou a serem recolhidos, corpos de algumas das 30 pessoas que seguiam a bordo e, mais de um mês e meio

depois, vieram os destroços do Bolama, finalmente a ser detectados pelo sofisticado equipamento do Instituto Hidrográfico, em local situado a poucas horas de navegação do sítio donde safra.
Como é habitual nestas situações, após o desaparecimento da embarcação, a autoridade marítima procedeu a inquérito para averiguar as causas do sucedido, o qual foi completado com os elementos recolhidos após a localização dos destroços.
Concluído este inquérito, foi o mesmo enviado, nos termos da lei, ao Ministério Público, a fim de averiguar a eventual existência de infracções de ordem penal.
Apesar de já terem passado dois anos sobre o naufrágio, continuam sem se conhecer os resultados do inquérito que, segundo informações prestadas aos familiares das vítimas, se encontra ainda no chamado «segredo de justiça».
Foi também por este facto - grande demora no conhecimento dos resultados do inquérito atempadamente realizado - que os peticionantes, entre eles os familiares mais próximos dos tripulantes e de outros passageiros do Bolama, apresentaram a petição que hoje aqui se discute, a qual mantém assim a sua actualidade.
Embora se compreendam as razões que estão na base dessa preocupação dos peticionantes, não pode a Assembleia da República pronunciar-se sobre os seus fundamentos, atento o princípio da separação de poderes.
Na verdade, estando ainda pendente - e nas mãos das autoridades judiciais ou do Ministério Público - o inquérito promovido pelas autoridades marítimas, não nos é possível tomar posição sobre as causas do acidente.
Associamo-nos, todavia, às preocupações dos peticionantes. pela demora que se vem a verificar na apresentação
pública das conclusões desse inquérito. Pensamos que já
levou tempo demais!
Esta demora, para além das situações de incerteza e de angústia que provoca, tem também graves consequências de ordem material, em especial para os familiares mais próximos das vítimas, uma vez que atrasa a definição sobre a atribuição de responsabilidades, sendo natural que, nestas circunstâncias, as companhias de seguros se escudem na ausência de resultados do inquérito para não assumirem claramente a responsabilidade pelos riscos eventualmente cobertos.
Também as empresas com eventual responsabilidade, quer a empresa armadora, quer os estaleiros onde a reparação foi efectuada, quer mesmo os responsáveis técnicos, evitarão sempre a assunção de quaisquer responsabilidades até à decisão das autoridades judiciais.
A demora verificada tem consequências dramáticas, sendo vários os casos de famílias que ficaram na mais completa miséria, por lhes ter faltado, de um momento para o outro, o suporte material que lhes chegava pelo marido ou pelo pai inesperadamente desaparecido.
Por estas razões, a que ninguém pode ficar insensível, impõe-se a divulgação pública dos resultados do inquérito o mais rapidamente possível, de forma a poderem ser atribuídas responsabilidades a quem efectivamente as tiver, acabando também de vez com as especulações e acusações gratuitas.
Um outro aspecto da petição tem a ver com os meios necessários à prossecução do inquérito a que nos temos vindo a referir.
Entendem os peticionantes que o navio deveria ser trazido à superfície, de forma a melhor poderem ser apuradas as causas do sinistro. Quanto a este aspecto, teremos mais uma vez que reafirmar a nossa confiança nas institui-

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ções, esperando que inquérito possa ser conclusivo e rápido, mesmo nas circunstâncias em que se desenrolou, isto é, mesmo com o navio submerso.
Não podemos, aprioristicamente, defender que se tome esta ou aquela atitude
até que os especialistas apresentem as suas conclusões.
Deixemos aos técnicas e especialistas nestas matérias a decisão sobre se é ou
não possível chegar a conclusões seguras quanto as causas do sinistro e, portanto, a um completo apuramento da verdade, com os meios de que actualmente dispõem. Se se verificar que estes são insuficientes, que se procurem então outros, de forma a que, repito, o inquérito seja conclusivo, seguro e conduza a decisões justas.
Uma última observação é sobre o enquadramento jurídico deste caso e sobre a necessidade de tomada de eventuais medidas legislativas com vista a prevenir e evitar a repetição de acidentes tão trágicos como o que aqui hoje estamos a tratar.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente.
Sem pretendermos, como atrás já afirmámos, fazer qualquer juízo sobre as caus is do sinistro, juízo que, repito, é da competência das autoridades judiciais, o certo é que uma análise muito sucinta de alguns dos factos conhecidos parece conduzir-nos à conclusão da existência de indícios de desrespeito de normas cê segurança.
A ser verdade que e navio Bolama sofreu obras de reparação num estaleiro português - o que parece inquestionável -, deveriam ter tido tais obras de alteração objecto da aprovação por parte da Inspecção-Geral de Navios, o que não sucedeu.
Mas, ainda que se entendesse que, por ter pavilhão estrangeiro, o Bolama na 3 estaria sujeito a essa aprovação prévia do projecto de alteração, ainda assim haveria que obter a confirmação por parte das autoridades portuguesas de que as obras efectuadas haviam respeitado os critérios de estabilidade estabelecidos pela Organização Marítima Internacional (OMI).
Para que o navio se pudesse fazer ao mar seria necessária, pois, a realização
De uma vistoria prévia, o que também não ocorreu, por não ter sido requerido pela empresa armadora nem pela empresa responsável pelas obras de alteração.
Quero com isto dizer que, se a empresa armadora tivesse cumprido as suas
obrigações, certamente que hoje não surgiriam dúvidas sol ré a natureza das alterações técnicas introduzidas no navio, e sobre a existência de um nexo de causalidade entre as alterações e o naufrágio do Bolama.
Não tendo isso sucedido, persistirá a dúvida sobre se o naufrágio se ficou a dever a causas fortuitas ou a negligência de alguém, pelo menos até ao conhecimento dos resultados do inquérito.
Parece-nos também, por outro lado, que não se justificará a tomada de quaisquer medidas legislativas no tocante ao cumprimento das regras sobre estabilidade de navios, uma vez que as regras internacionalmente aceites e aplicadas em Portugal são suficientes.
Haverá, sim, quanto anos, que intensificar a fiscalização de segurança já existentes, quer do cumprimento das regras quer as referentes à estabilidade de, navios quer as referentes os meios de segurança e mente os infractores.
Parece-nos também importante que se intensifique a formação profissional dos profissionais marítimos na área da segurança.
E, satisfeitas que estão hoje quase totalmente as necessidades de formação profissional no sector das pescas, deverá dar-se maior incremento à formação nos domínios da segurança, encaminhando para essa área grande parte dos meios humanos, logísticos e financeiros existentes.
Em conclusão, parece-nos fundamental que sejam divulgados urgentemente os resultados do inquérito efectuado às causas do naufrágio do Bolama, de forma a apurar responsabilidades e a obter um ressarcimento justo dos prejuízos morais e materiais sofridos pelos familiares das vítimas.
Parece-nos ainda importante que se intensifique a fiscalização do cumprimento das regras de segurança dos navios e da navegação, bem como a formação profissional dos inscritos marítimos na área da segurança.
Se assim fizermos, estaremos certamente a contribuir para que tragédias como a do Bolama não se repitam.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Há alguns dias, tive oportunidade de, em nome do PS, falar pessoalmente com uma delegação de familiares dos ocupantes do navio Bolama, no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Não tendo essa audiência a ver com esta petição, ela trouxe, no entanto, ao meu conhecimento e do meu partido algumas questões que, sem trazerem a solução para as grandes questões dos familiares dos ocupantes do navio Bolama, determinam, naturalmente, a necessidade de uma palavra desta Câmara e, neste caso, do meu partido.
Os factos são públicos e conhecidos: este barco fez-se ao mar em 4 de Dezembro, como já aqui foi dito, e, antes de partir para o mar, havia sido não apenas reparado mas profundamente remodelado; saiu para uma dita «experiência de pesca» autorizado pela Direcção-Geral de Pescas, sob despacho do Sr. Ministro do Mar.
Estes são os factos que antecederam aquilo que se transformou, depois, numa tragédia: o barco desapareceu e, depois de muitas especulações, verifica-se que está no fundo do mar e que, dos tripulantes e dos passageiros desse navio, apenas se recuperaram oito corpos, estando, porventura, ainda no mar, pelo menos, duas dezenas de cidadãos; cidadãos portugueses como nós!
Há algumas questões que, obviamente, se levantam desde o início e que, após dois anos e um mês - como acabou de ser referido por um Deputado do PSD -, não podemos também deixar de levantar.
A actividade marítima obedece a regras e está sujeita a leis, a regulamentos e a fiscalização. Assim vejamos: a profunda remodelação que este navio teve antes de sair para o mar foi ou não sujeita à necessária vistoria da Inspecção-Geral de Navios? Que vistoria? Que resultados teve essa vistoria, se é que alguma vez ela foi feita?! Ninguém - nem nós nem os familiares dos ocupantes do barco nem a opinião pública- sabe!
O navio, no dia em que saiu para o mar, foi interceptado pela Polícia Marítima, como, aliás, já aqui foi dito pelo Deputado do PSD, porque não o deveria ter feito, uma vez que não tinha sido solicitado o seu desembaraço às

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autoridades marítimas - é assim que se diz, tecnicamente, nesta gíria. Pergunto: por que razão, apesar de ter sido interceptado, o navio pôde depois sair? Ou seja, apesar de a empresa não ter feito o pedido de desembaraço que devia, o barco fez-se ao mar.
Naquele dia e naquela embarcação, que tripulantes estavam matriculados: apenas o piloto e outro? Quem eram as outras pessoas que iam lá e em que condições se deslocavam e faziam a viagem? Que segurança zelava por qualquer eventual acidente que pudesse acontecer? Que seguro era ou não responsável, não apenas pela vida mas também, eventualmente, por indemnizações aos familiares de vítimas, caso houvesse um acidente, que infelizmente ocorreu?
Logo após o acidente, não houve apenas um rigoroso inquérito: foram feitos dois ou três rigorosos inquéritos, iniciados em Dezembro de 1991 e dos quais, hoje, ainda não se conhece qualquer resultado. E isto não tem a ver apenas com a obrigação que, em termos de opinião pública, incumbe sobre quem promove tais inquéritos de dar a conhecer quais os seus resultados.
Porventura, numa situação que não possa ser mais do que uma tragédia... De facto, na altura, por virtude da falta de conhecimento, admito que tenha sido, eventualmente, aventado como sendo mais do que uma tragédia, envolvendo situações menos claras. Admito que isso não tenha acontecido .... não sei! Mas sei e reconheço que os cidadãos portugueses directamente interessados neste caso têm o direito de saber o que se passou e em que circunstâncias tudo isto aconteceu.
Esta petição formula dois pedidos à Assembleia da República: o desafundamento do navio e a prestação de um esclarecimento público da situação. É óbvio que o desafundamento do navio tem a ver com questões de natureza técnica e, provavelmente, também com os seus custos e, sobretudo, com áreas que extravasam a competência desta Assembleia. Creio que os familiares, com quem, aliás, falei há dias, como já referi, têm consciência de que essa decisão não versa uma matéria da competência desta Casa.
Como dizia, nessa mesma petição, pedem a realização de um rigoroso inquérito e o conhecimento público das circunstâncias que envolveram o acidente. Devo dizer que já temos conhecimento, pelo menos, da realização de dois ou três inquéritos. 0 que é preciso é que esses inquéritos, além de rigorosos, sejam públicos para que sejam claras as circunstâncias e fique claro o que aconteceu.
A preocupação do PS deriva fundamentalmente, não apenas do esclarecimento que, em termos públicos, entendemos que deve acontecer mas de uma questão que, aliás, o Sr. Deputado do PSD já aqui abordou na intervenção que fez: a situação dos familiares dos desaparecidos no navio Bolama.
Não há dinheiro que pague a dor, o sofrimento, a angústia, a perda dos familiares. É o pior de tudo aquilo que na vida nos pode acontecer. Não há dinheiro que pague, naturalmente, o fadário que muitos dos familiares dos desaparecidos no navio Bolama têm tido nestes últimos dois anos, nomeadamente à procura de inquéritos cujos resultados não conhecem, de certidões de óbito que não são possíveis obter, bem como de declarações de morte presumida, encontrando portas fechadas, aqui e ali, para conseguirem a solução para algumas das suas graves situações económicas.
Foi aqui dito pelo Deputado do PSD que a situação económica de muitos dos familiares dos desaparecidos no navio Bolama é de completa miséria. E disse mais: que ninguém pode ficar insensível a esta situação. Também penso o mesmo.
Será que os cidadãos familiares, portugueses como nós, filhos e viúvas dos homens que circulavam no barco nesse dia não têm o direito e não merecem do Governo português, que representa o Estado, mais do que um simples cartão de condolências ou de pêsames!? Será que hoje o Governo português está disposto a dizer o mesmo que disse há dois anos atrás, em Dezembro de 1991, num comunicado oficial, que passo a citar: «0 Governo acompanha com solidariedade o sofrimento dos familiares dos ocupantes do Bolama»?
Será que basta apresentar os pêsames? Será que a situação em que ficaram os familiares dos ocupantes do navio Bolama não exige mais do que isso da parte de um Governo, ou seja, mais do que a solidariedade formal e a apresentação de pêsames?! Em nosso entender, exige sim. Exige que o Governo entenda que esta é uma situação de natureza excepcional e que aqueles que iam no barco nesse dia não tiveram até hoje direito a receber nem indemnizações, nem pensões de sobrevivência, nem qualquer ajuda do mesmo Governo que há dois anos dizia «acompanhar com solidariedade o sofrimento dos familiares»!...
Não é a separação de poderes entre a Assembleia, o Governo e os tribunais que pode justificar tudo ou servir de desculpa, pois há situações que um governo de boa fé tem de, excepcionalmente, tratar como casos excepcionais. Não podendo nós hoje desafundar o Bolama ou trazer à vida as pessoas que circulavam no barco nesse dia, temos o dever e a obrigação de chamar a atenção para os familiares dos que desapareceram nesse dia, que merecem, como qualquer cidadão, e têm, como qualquer cidadão, o direito a sobreviver, apesar do infortúnio, da dor e do sofrimento que naturalmente esta situação lhes provocou.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

0 Sr. António Filipe (PCP): - Sr . a Presidente, Srs. Deputados: Apreciamos hoje uma petição. subscrita por mais de 7000 cidadãos, solidários com os familiares das vítimas do chamado caso Bolama, que, como afirmam em comunicado de imprensa que hoje mesmo distribuíram, não pedem muito a esta Assembleia; pedem apenas justiça e respeito pelo valor da vida humana!
Já passaram mais de dois anos sobre o trágico desaparecimento do navio Bolama, com 30 pessoas a bordo, em 4 de Dezembro de 1991. De então para cá especulou-se muito sobre o real destino desta embarcação. Fizeram-se conjecturas; anunciaram-se inquéritos; teceram-se comentários sobre as condições de segurança a bordo das embarcações de pesca.
No entanto, passaram dois anos e não são do conhecimento público nem do conhecimento dos familiares das vítimas os resultados de quaisquer diligências realizadas com vista ao apuramento de responsabilidades pelo ocorrido. Passaram dois anos sem que as famílias dos náufragos do Bolama tenham recebido quaisquer indemnizações ou beneficiado de quaisquer medidas compensatórias da difícil situação em que ficaram com a perda dos seus familiares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As condições que rodearam a saída para o mar do navio Bolama, em 4 de Dezembro de 1991, não podem deixar de ser exaustiva-

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mente apuradas. Sabe-se que, antes de ter naufragado, o Bolama sofreu várias transformações. Importa que se saiba, com rigor, que transformações foram essas; importa saber se essas transformações foram comunicadas previamente à Inspecção-Geral de Navios ou à Capitania; se foi pedida a respectiva vistoria; se foram devidamente autorizadas. Importa que se saiba, com rigor, se antes de ter saído para o mar para experiências de pesca - que conduziram ao seu naufrágio - o Bolama foi ou não submetido aos testes de estabilidade e de agulhas que são obrigatórios antes de se sair para o mar quando se fazem transformações.
Não estão sequer ainda cabalmente esclarecidas as condições concretas em que o Bolama saiu para o mar, se foram feitas as vistorias indispensáveis para esse efeito, se estavam reunidas as condições de segurança para que o navio se fizesse ao mar, quem autorizou a saída e a pedido ou por pressão de quem.
O naufrágio do Bolama não aconteceu, com toda a probabilidade, por simples obra do acaso. Há circunstâncias por esclarecer; há responsabilidades por apurar; haverá eventuais responsáveis por sancionar. Ò trágico desaparecimento do Bolama não pode cair no esquecimento. E indispensável que os processos de averiguação em curso se concluam, que os seus resultados sejam divulgados e que deles sejam retiradas todas as consequências, doa a quem doer.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O resultado de toda esta situação é o de que os familiares dos náufragos do Bolama, que evidentemente não têm qualquer responsabilidade nas circunstâncias em que tudo aconteceu, ficaram numa situação dramática, que a é hoje não foi resolvida.
O apuramento de responsabilidades é, naturalmente, necessário para a resolução definitiva desta situação, mas não podemos aceitar passivamente que passe tanto tempo sem que os familiares das vítimas do naufrágio do Bolama sejam indemnizadas ou que, pelo menos, sejam encontradas formas de minorar as situações dramáticas em que ficaram. Entendemos que o Estado não pode ficar indiferente perante estes dramas. Se é verdade que o mais importante - a perda de vidas humanas - não pode, infelizmente, ser reparado, a situação em que ficaram os familiares das vítimas deve merecer toda a solidariedade e tudo deveria já ter sido feito para minorar as consequências da tragédia que sobre eles se abateu.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Se não tivesse ocorrido o naufrágio do Bolama, provavelmente ninguém teria reparado nas circunstâncias anómalas que com toda a probabilidade o provocaram; provavelmente ninguém repararia na falta de condições de segurança a bordo nem na irresponsabilidade de deixar fazer ao mar um navio nessas condições. Quantos «Bolamas» andarão por aí, sujeitos a que a tragédia lhes bata à porta, à espera que exista uma fiscalização eficaz sobre as condições de segurança a bordo dos navios de pesca?
É indispensável, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, que se faça luz sobre as responsabilidades pelo naufrágio do Bolama, que sejam reparados, na medida do possível, os danos causados aos familiares das vítimas e que seja efectivamente consagrada e fiscalizada a aplicação de normas mínimas de segurança para a navegabilidade, particularmente das embarcações de pesca, para que outros dramas possam ser evitados.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português não se alheará deste grave problema e manterá nesta Assembleia, designadamente nas comissões competentes, a
atenção que ele merece, até que lhe seja dada uma solução digna e se dê resposta aos justos anseios das famílias no sentido de que, finalmente, lhes seja feita justiça e sejam efectivamente reconhecidos os seus direitos.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Passamos, Srs. Deputados, à apreciação da petição n.º 110/VI, apresentada pela União dos Sindicatos do Distrito de Santarém, solicitando a tomada de medidas urgentes para os graves problemas económicos e sociais que afectam empresas de Tomar, os respectivos trabalhadores e população em geral.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º 1 IO/VI, publicada, em 20 de Novembro de 1992, no Diário da Assembleia da República e assinada por 1279 cidadãos, solicita a tomada de medidas urgentes por forma a solucionar o grave problema económico e social que afecta grande parte das empresas de Tomar, respectivos trabalhadores e a população em geral.
Mais de um ano passou desde essa data e a realidade é que, neste período, as únicas alterações existentes foram o agravamento da situação. Com números, podemos afirmar que se registam: na indústria do papel menos 556 postos de trabalho - 323 na Matrena e 233 na Porto Cavaleiros -; na indústria têxtil menos 316 postos de trabalho- 30 na empresa Graça & Sobrinho e 286 na Fiação de Tomar, actualmente completamente paralisada, como aliás a Matrena e a Porto Cavaleiros -; na indústria cerâmica menos 20 postos de trabalho- 10 na M. F. Eusébio e igual número na A. Ferreira & Filhos.
Mantêm-se, no entanto, outros sinais de crise iminente. A confirmá-la está a situação de salários em atraso e dívidas a trabalhadores, que afectam neste momento 317 trabalhadores na IFM e 349 na Mendes Godinho, autêntico barril de pólvora pronto a explodir a qualquer momento.
E o concelho de Tomar, sem dúvida, um concelho em crise económica e social. No primeiro trimestre de 1993 existiam aí 2003 desempregados, segundo fonte do Instituto do Emprego e Formação Profissional, sendo a situação ainda mais preocupante se atendermos ao facto de que, na maior parte dos casos, se está prestes a esgotar o período de recurso ao subsídio de desemprego e subsídio social de desemprego, do qual vive grande parte dos trabalhadores.
A Matrena encontra-se encerrada e com um processo de recuperação em tribunal, mas cuja concretização tem tardado. Os trabalhadores vivem do subsídio de desemprego.
A Porto Cavaleiros encontra-se encerrada e com um processo de recuperação em tribunal - também aqui os trabalhadores vivem do subsídio de desemprego.
A Fiação de Tomar encontra-se paralisada por falta de pagamento de energia e tem processo de viabilização aprovado, mas nunca cumprido. Nem todos os trabalhadores têm direito ao subsídio de desemprego, devido às constantes interrupções da laboração.
Na Graça & Sobrinho também os trabalhadores vivem do subsídio de desemprego, cujo período de concessão (reafirme) estás prestes a finalizar.
Reclamam os peticionários uma posição desta Câmara no sentido do apoio às suas justas reivindicações: pagamento imediato de salários em atraso e demais regalias sociais e elaboração, por parte do Governo, de um plano de intervenção para a bacia do Nabão e sua posterior execução. É uma reclamação justa!

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Sr a Presidente, Srs. Deputados: É o próprio Governo que reconhece a situação de crise existente. Foi por ele encomendado ao Centro Regional de Segurança Social o diagnóstico da situação que foi feito.
A própria Comissária da Luta Contra a Pobreza reuniu em Tomar, no dia 7 de Setembro de 1993, com todos os envolvidos no processo e foi a própria a reconhecer a necessidade de criação de um gabinete de emergência social para fazer face a tão grave problema. Disponibilizou-se mesmo uma verba, insuficiente apesar de tudo, de 29 000 contos para necessidades imediatas.
No entanto, nada foi feito e nada continua a ser feito. Nem as esmolas chegaram, nem os planos de emergência julgados necessários se estão a concretizar e, mais grave do que tudo isto, nem se verifica haver vontade política deste Governo do PSD em criar um plano de intervenção vocacionado que permita a reestruturação das indústrias do concelho de Tomar, essa sim a única medida que se impõe e que o PCP tem defendido e continua a defender.
Até quando se irá manter esta situação? Quanto mais tempo irão os trabalhadores e as suas famílias aguentar?
Nós, PCP, estamos conscientes de que só outra política será a solução para a crise que se abate neste caso sobre o concelho de Tomar.

Aplausos do PCP.

A Sr a Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Relvas.

0 Sr. Miguel Relvas (PSD): - Sr a Presidente, Srs. Deputados: Debatemos hoje a petição n.º 110/VI, apresentada por cerca de 1300 cidadãos que solicitam à Assembleia da República a tomada de medidas urgentes para que se resolvam os graves problemas económicos e sociais que afectam as empresas de Tomar e os respectivos trabalhadores.
Compete-me, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, começar por referir o grande respeito que nos merecem todos aqueles que são afectados pelo agravamento da situação sócio-económico-laboral no concelho de Tomar e realçar o nosso forte empenhamento na resolução dos problemas que lhe estão associados.
0 concelho de Tomar é uma das regiões do País que apresenta um nível de industrialização intermédio. No entanto, a indústria transformadora é a actividade económica mais importante do concelho e nele se encontram localizadas algumas das empresas industriais com significativa relevância sectorial no contexto nacional.
A situação preocupante de algumas empresas industriais, ao contrário do que alguns pretendem insinuar, não tem origem nos últimos sete anos. São, sim, situações de crise com origem bem distante no tempo, que resultam de debilidades estruturais agravadas com o decorrer dos anos, de investimentos realizados em contraciclo e de outras situações de falta de investimento em unidades que se tornaram incapazes de competir num mercado aberto e de concorrência acrescida e que uma conjuntura menos favorável tomou mais evidente.
0 forte e significativo empenhamento do Governo no desenvolvimento deste concelho e da consolidação do tecido empresarial é demonstrado entre 1988 e Setembro de 1993, com um assinalável total de 59 projectos. De assinalar ainda, a diversidade de sistemas e medidas de apoio, em que foram concedidos incentivos de mais de dois milhões de contos, num total que. ultrapassou os oito milhões de contos de investimento. Refira-se o esforço de acompanhamento dos desempregados com particular relevância para o último ano, traduzido no programa de apoio à criação do próprio emprego e no reforço dos programas de formação profissional nas empresas.
Naturalmente que este esforço se manterá no âmbito dos variadíssimos programas e sistemas no decorrer dos próximos anos, mas é exigível que a autarquia tenha capacidade e vontade para potenciar as grandes oportunidades que se lhe deparam em diversos domínios, com particular destaque para os investimentos nas áreas dos recursos naturais e das acessibilidades, sendo necessário para tanto que saiba desenvolver a estratégia adequada para cativar novos investimentos, a exemplo de outros concelhos do distrito e da região.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: No plano social é fundamental que no âmbito dos Serviços Regionais da Segurança Social e do Comissariado Regional do Sul contra a Pobreza bem como da autarquia se intensifique e aprofunde a componente de intervenção social imediata e eficaz no apoio económico e social às famílias em situação de risco.
No quadro da realidade de Tomar, entre as situações que não podem deixar de exigir especial atenção, destacam-se os trabalhadores de meia idade que, ficando sem emprego, têm as maiores dificuldades de reintegração no mercado de trabalho, as crianças e os idosos integrados em famílias ameaçadas e ou afectadas pela perda de postos de trabalho e dos jovens à procura do primeiro emprego.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Parece-nos, no entanto, fundamental delinear uma estratégia eficaz, que perspective a resolução em termos estruturais, pelo que nos parece decisivo que o Ministério do Emprego e da Segurança Social implemente, desde já, o «Projecto de Desenvolvimento Global e Integrado de Acção Social no Vale do Nabão», que não pode deixar de se traduzir num esforço que exigirá a colaboração e empenhamento da Câmara Municipal, do Centro de Emprego, da Coordenação da Área Educativa, das organizações não governamentais (ONG's), das associações patronais e sindicais e das instituições particulares de solidariedade social, envolvendo todas as entidades e agentes ligados directa e indirectamente à resolução destes problemas num processo que não pode deixar de ser dinamizado e financiado parcialmente pelos serviços de segurança social.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gameiro dos Santos.

0 Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, um comentário à intervenção acabada de fazer pelo Sr. Deputado Miguel Relvas. E um comentário para lamentar que o Sr. Deputado Miguel Relvas venha a esta Câmara falar em forte empenhamento do Governo e do PSD na resolução da crise social grave com que se defronta o concelho de Tomar e outros concelhos vizinhos quando o que se prova e o que se demonstra é que, ao longo dos anos, o Governo e o PSD não fizeram rigorosamente nada para resolver o problema da crise industrial grave com que se defronta o concelho de Tomar.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Inclusivamente, este Governo é responsável por ter atribuído a algumas empresas fundos comunitários para

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apoio ao investimento, prosseguindo depois políticas económicas, designadamente
e na área monetária e cambial, que as asfixiaram completamente e que provocaram a sua paralização e o aumento do desemprego.
Portanto, queira desculpar, Sr. Deputado Miguel Relvas, mas não tem qualquer razão para vir falar como falou nesta Câmara, pois o Governo e o PSD são os principais responsáveis pela crise grave com que se defronta o concelho de Tomar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 1991, durante a campanha eleitoral para as eleições legislativas, o PS apresentou ao eleitorado do Distrito de Santarém um manifesto eleitoral, onde se propunha a criação de um sistema de incentivos às empresas em zonas de crise industrial grave, no caso concreto do distrito de Santarém, na área do triângulo «Tom ir, Torres Novas e Abrantes/Tramagal». Já nessa altura tivemos oportunidade de alertar para a crise que se vislumbrava, decorrente da aplicação de uma política monetária que se traduzia na prática de taxas de juro altíssimas (imito superiores a 20 %) e de uma política cambial alicerçar a numa valorização artificial e excessiva do escudo.
Perante a situação de crise que se avizinhava, o Governo e o PSD mantiveram a sua postura de optimismo irresponsável. O Governo não atacou a fundo os problemas estruturais da indústria portuguesa e os resultados estão à vista: empresas falidas, empresas paralisadas à espera de qualquer solução que lhes permita a viabilidade, com o consequente reflexo em termos de aumento do desemprego!
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Estamos todos lembrados da célebre declaração do Sr. Primeiro-Ministro quando, ao ser confrontado com o aumento do desemprego, disse que a situação não era grave, já que tínhamos uma das mais baixas taxas de desemprego da Europa comunitária. Eram, ao tempo, cerca de 100 000 povos desempregados. «Poucos», para a estatística do Sr. Primeiro-Ministro!...
Mas esqueceu-se o Governo de que a crise do emprego afectava a população
jovem à procura do primeiro emprego e a população dos 45 aos 55 anos com dificuldades crescentes em voltar facilmente à vida activa. A crise do emprego trouxe problemas económicos e sociais graves às inúmeras famílias atingidas: rendas de casa e empréstimos habitacionais para pagar e dificuldades alimentares crescentes, designadamente nas crianças em idade escolar.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Perante a grave crise que afecta a indústria em Tomar e que se traduz já no encerramento, entre outras, das Fábricas de Papel de Matrena e Porto Cavaleiros, das Empresas de Fiação de Tomar, da Graça e Sobrinha L.dª (cerca de 1400 postos de trabalho), e nas grandes dificuldades por que passam as empresas do Grupo Mendes Godinho e IFM, dificuldades que poderão comprometer, a curto prazo, cerca de 700 postos de trabalho, a Câmara Municipal de Tomar não podia ficar indiferente. Assim, após reunir com as centrais sindicais, associações patronais e Ministério do Emprego e da Segurança Social - só não reuniu com o Ministério da Indústria e Energia porque o Ministro Mira Amaral, Deputado eleito pelo círculo de Santarém, se recusou a fazê-lo... -, participou com outras instituições num projecto que a Comissária de Luta Contra à Pobreza veio a apresentar em Tomar no Verão passado.
Tal projecto, além do diagnostico da situação, apontava como essenciais as seguintes medidas: na área económica, viabilização urgente das Empresas que ofereçam garantias de competitividade; criação do sistema de apoios e incentivos ao investimento produtivo; e, na área social, criação de centro de emergência social para intervir nos casos sociais mais graves; implementação de um projecto de acção social a nível concelhio, de modo a permitir a recuperação dos recursos humanos numa perspectiva não assistencial mas dinamizadora da actividade produtiva.
Criaram-se, assim, expectativas junto das famílias atingidas pelo drama do desemprego, mas, lamentavelmente, o projecto apresentado pela Comissária da Luta contra a Pobreza ficou na gaveta perante o agravamento continuado da situação social das famílias atingidas.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Infelizmente, hoje, como em 1991, as propostas do PS continuam actuais. Assim, é urgente implementar, a muito curto prazo, medidas que permitam a entrada em funcionamento das empresas do sector papeleiro e têxtil que dispõem de tecnologia moderna e que só a política monetária e cambial do Governo colocou em dificuldades; medidas que evitem a paralização das empresas do Grupo Mendes Godinho, onde, aliás, o Estado tem responsabilidades acrescidas; medidas tendentes à criação de um sistema de incentivos às empresas situadas em zonas de crise industrial, envolvendo, nomeadamente, Tomar, Torres Novas e Abrantes/Tramagal; e, por último, medidas que visem a implementação de acções de apoio social ás famílias atingidas pelo flagelo do desemprego.
Em 1991, prevenimos o Governo para a crise que se vislumbrava. Agora, em 1993, depois da passividade do Governo, exigimos medidas que permitam a recuperação do tecido industrial e a criação de postos de trabalho.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos passar á apreciação da petição n.º 289/V, apresentada pela Comissão Central dos Trabalhadores da Rodoviária Nacional, solicitando a intervenção da Assembleia da República no sentido de garantir, o respeito da Constituição da República Portuguesa nos processos de privatização de empresas do sector empresarial do Estado.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A presente petição, subscrita por 1482 trabalhadores da ex-Rodoviária Nacional, coloca, de novo, em debate a Lei das Privatizações no que concerne aos direitos dos trabalhadores. Relembro, a propósito, o projecto de lei alternativo que apresentámos e que visava, entre outros aspectos, garantir a transparência dos processos e a consagração dos direitos gerais e específicos decorrentes da contratação colectiva, dos lucros da empresa, das regalias sociais e, obviamente, dos preceitos constitucionais.
Nesse debate a questão da participação dos trabalhadores no capital da empresa foi alvo da maior controvérsia entre os oradores dos diversos partidos, com destaque para o Governo e PSD, tendo sido secundarizado o debate desta temática. Constata-se hoje a evidência: o Governo não foi inocente quando se limitou a transcrever de forma genérica os preceitos constitucionais e manteve, como pretendia, a paz social, gerindo a seu favor as elevadas expectativas que tais transformações geraram na economia, que inibiram os trabalhadores de reagirem contundentemente à redução clara do estatuto social com o regresso a

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relações de trabalho de diálogo e contratualização piores, em alguns casos, das existentes na chamada primavera marcelista.
0 PS pretendeu, no artigo 27.º do projecto de lei n.º 441/V que apresentou, acautelar os direitos de participação nos órgãos sociais das novas empresas resultantes da privatização nos termos da Lei n.º 49/79, que, diga-se em abono da verdade, no tocante aos direitos de participação, nunca foi devidamente regulamentada tendo ficado a sua concretização ao livre arbítrio e à cultura de cada empresa e dos seus gestores. Por isso entendemos que, tendo sido um passo importante para a participação em Portugal, está longe de ter sido uniforme e, embora com bons exemplos positivos devido a escolhas equilibradas dos trabalhadores, nomeadamente no sector financeiro, não foi universal mesmo nas empresas públicas.
Não passou, porém, de uma expectativa positiva que o PSD quase erradicou da vida social das empresas portuguesas, permitindo, assim, a regressão do diálogo no interior da empresa, com consequências desastrosas para os direitos dos trabalhadores e, como no caso presente, para a defesa do serviço público, indispensável ao desenvolvimento harmonioso e solidário entre o interior, as periferias urbanas e os grandes centros de decisão estratégica, que tinha nos representantes dos trabalhadores naturais defensores.
Acresce a este acto puro e duro de liberalismo anti-social do Governo, a violação do direito de informação e consulta prévia das comissões de trabalhadores, a qual, como sublinha o Sr. Provedor da Justiça, é a segunda violação da Constituição e da Lei n.º 46/79, no âmbito deste processo.
A primeira alegada inconstitucionalidade, que consta no parecer do Sr. Provedor, é a de que do Estatuto da RNIP - hoje diluída em 13 empresas, das quais restam apenas três por privatizar - não faz parte a participação efectiva na gestão de qualquer representante dos trabalhadores.
De novo, não parece ser inocente que apenas hoje analisemos este facto na Assembleia da República, quando já não existe Rodoviária Nacional e a RNIP está quase extinta, dando lugar a empresas autónomas que deveriam ter herdado a obrigatoriedade de manter nos seus órgãos de gestão representantes dos trabalhadores.
Com este direito dos trabalhadores foi «enterrada» toda uma filosofia social de progressiva democratização da empresa e motivação co-responsável dos trabalhadores. Tal como o Acordo de Empresa, isto adiciona a insegurança e o desinvestimento nas condições de trabalho aos baixos salários praticados naquela empresa.
Aguarda-se ainda o veredicto do Tribunal Constitucional, conforme foi solicitado pelo Sr. Provedor de Justiça, que terá consequências relativamente às quais o PS deseja que se traduzam na aproximação ao modelo anterior, uma vez que justiça já não se fará, porque nestes últimos três anos muito mudou e ter-se-á, porventura, perdido um direito dos trabalhadores da Rodoviária Nacional, tal como sucede com as comissões de trabalhadores, hoje, em vias de extinção, não por falta de lei mas pelas condições objectivas criadas pelo Governo do PSD.
Também os direitos sindicais, de acordo com os relatórios da Inspecção-Geral do Trabalho, são crescentemente violado, desencorajados e marginalizados, quando não perseguidos os sindicalistas que ousam fazer sindicalismo de empresa.
Consequentemente, no quadro europeu, Portugal regista um elevado défice de participação em representação dos interesses dos trabalhadores ao nível da empresa, sendo, portanto, reduzida a capacidade de diálogo e negociação com vista à modernização da organização do trabalho, com evidentes prejuízos de produtividade e acentuando-se a necessidade de, num quadro de crise económica e social, inverter o sentido das coisas e começar, de facto, a humanização das relações sócio-profissionais na empresa.
Lamentavelmente, o diálogo social na empresa não dá dividendos eleitorais ao Governo. Daí que o diálogo social se processe apenas para o público, para a imagem, não tendo consequências na vida das empresas e nas relações sócio-profissionais.
Por tudo isto, o PS considera que a petição dos trabalhadores da ex-Rodoviária Nacional deve ser aceite e que este caso deve ser corrigido, tendo de ser alterado, de acordo com a sua pretensão, o Estatuto da RNIP e das l3 empresas dela resultantes.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A história recente do processo de privatizações está cheia de pequenas grandes histórias de ilegalidades, atitudes pouco transparentes, prejuízos para a economia e os interesses nacionais, desrespeito pelos direitos e garantias dos trabalhadores!
A petição n.º 289/V, que hoje nos é aqui trazida, não foge a este quadro. Subscrita por quase l500 trabalhadores da RNIP Rodoviária Nacional, Investimento e Participações, S.A., esta petição, embora quase três anos depois de ter dado entrada na Assembleia da República e quando a RNIP está quase extinta, mantém, apesar de tudo, plena actualidade não só quanto ao caso em apreço mas como mais um exemplo e um alerta para todos os outros processos de privatização - e são muitos! -, sobre os quais recaem os mesmos pecados originais.
E o que pretendem os trabalhadores peticionantes da RNIP? Tão-só que sejam respeitados os comandos constitucionais que mandam que seja assegurada a participação dos trabalhadores na gestão das empresas do sector público e que as comissões de trabalhadores sejam ouvidas e participem na elaboração da legislação e de todas as matérias relevantes para o exercício das suas funções.
Nada disto foi ou é cumprido, de forma sistemática, pelo Governo do PSD!
0 Governo transformou a Rodoviária Nacional, EP numa sociedade de capitais públicos, criando a RNIP sem garantir a participação dos trabalhadores nos órgãos de gestão da nova empresa; alterou profundamente o decreto que criou a RNIP, cindindo-a em 13 empresas com vista à respectiva privatização, sem qualquer audição prévia efectiva da comissão de trabalhadores e sem que nestas empresas, por sua vez, tivessem sido garantidos os direitos de participação dos trabalhadores e das respectivas comissões.
Promovem-se transferências de trabalhadores, rescisões de contratos e despedimentos sem qualquer informação prévia ou intervenção da comissão de trabalhadores, processo que, aliás, já deu origem à diminuição de centenas de postos de trabalho.
Nenhum destes comportamentos respeita a Constituição e a lei, como, aliás, o próprio Provedor de Justiça refere.

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No requerimento de pedido de declaração de inconstitucionalidade, enviado ao Tribunal Constitucional pelo Provedor de Justiça, pode ler-se que - e cito - o «capítulo III dos Estatutos da RNIP - postos em vigor pelo Decreto-Lei n.º
12/90 - não se compagina bem como o com os imperativos constitucionais», bem como o Decreto-Lei n.º 47/91, que o altera e promove a cisão final da RNIP,
foi - como confirma o Provedor de Justiça - editado ser i prévia audição da Comissão de Trabalhadores da RNIP».
Estão, pois - e cito ainda o Provedor de Justiça-, «feridas de inconstitucionalidade material as normas dos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 12/90, de 6 de Janeiro, o seu anexo e o Decreto-Lei n.º 47/91, de 24 de Janeiro».
Não é por acaso que tudo isto acontece na RNIP e em tantos outros processos privatizações. O PSD tem, da concepção de Estado, uma ideia autoritária, fechada, de negócio entre amigos do poder, desvalorizando a participação demo
democrática dos cidadãos e, particular, dos trabalhadores.
A desvalorização funcionamento democrático das instituições é uma prática
do PSD, a qual, no caso em apreço - como noutros -, tem um objectivo claro: afastar os trabalhadores, sobretudo quando estes têm uma opinião crítica e coerente, dos mecanismos de informação e decisão em processos onde os seus direitos e garantias, bem como o interesse nacional estão em causa.
A criação e a cisão da RNIP e as privatizações, já realizadas ou em curso, das diversas empresas rodoviárias estão aí a confirmá-lo: desde 1980 que se deixaram degradar ostensivamente a frio a, a situação financeira e o serviço público prestado pela Rodoviária Nacional, ao mesmo tempo que eram aumentadas as tarifas como base da estratégia da privatização; áreas mais lucrativas da actividade foram tomadas por um ou dois grupos do ramo- estão, aliás, a formar-se novos monopólios no sector, designadamente pelo controlo por um único grupo, o Grupo Barraqueiro, das novas empresas rode viárias privatizadas; despedimentos e processos coactivo; tendentes à rescisão de contratos, como está a acontecer na Rodoviária do Alentejo, ao mesmo tempo que, nas novas empresas, não são respeitados muitos dos direitos adquiridos, havendo uma redução efectiva dos salários reais e, como já foi aqui referido, não sendo sequer admitida a legislação das comissões de trabalhadores; encerramento de múltiplas carreiras, designadamente no interior do País, pelo simples argumento de que não são «rentáveis».
Esta perspectiva financista de gestão de áreas sociais indispensáveis à vida das populações, e que constitui, obviamente, a lógica de funcionamento do sector privado, tem vindo a contribuir para um ainda maior isolamento das populações afectadas pelos cortes de carreiras, para a degradação dos serviços prestados e até mesmo das condições de segurança, o que traduz uma expressão clara da crescente desresponsabilização do Estado das suas funções sociais, promovida pelo PSD.
Há, pois, toda a legitimidade para esta petição e é nossa opinião que a Assembleia da República não pode ficar-lhe indiferente, devendo enviar ao Governo um sinal forte de que as ilegalidades existentes' devem ser corrigidas, designadamente através da alteração dos Estatutos da RNIP e das empresas a que a RNIP deu lugar.
Pela nossa parte, deixamos aqui esta proposta. Esperamos que todos, em especial o PSD, nos acompanhem, não desvalorizando, mais uma vez, o importante mecanismo de intervenção dos cidadãos! que é o instituto da petição.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Leite Machado.

O Sr. Leite Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A Comissão Central de Trabalhadores da então Rodoviária Nacional tomou a iniciativa de desencadear a presente petição, que contém 1482 assinaturas e que, no seio desta Câmara, correu os seus trâmites processuais, em conformidade, aliás, com o disposto nos artigos 245.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República.
O direito de petição e o seu exercício constituem, como se sabe, uma das formas de participação política que a lei regula e a Constituição da República consagra no seu artigo 52.º.
Os subscritores da petição alegam, em síntese, que os Decretos-Leis n.05 12/90, de 6 de Janeiro, e 47/91, de 24 de Janeiro, que transformaram a Rodoviária Nacional, E.P., na RNIP, S.A. (Rodoviária Nacional, Investimentos e Participações, SÁ), terão desrespeitado, de uma forma clara, os artigos 281.º, n.º 2, 54.º e 90.º da Constituição da República Portuguesa.
Recordam os autores e signatários da referida petição, em abono da sua tese, que o Decreto-Lei n.º 12/90 não acata o direito, que tem dignidade constitucional, dê os trabalhadores participarem nos órgãos sociais da nova empresa, RNIP, S.A.
Mais acrescentam que o Decreto-Lei n.º 47/90, que alterou substancialmente o Decreto-Lei n.º 12/90, antes referido, foi editado sem prévia audição dos trabalhadores da RNIP, S.A., o que o invalida face à hierarquia das normas e da Constituição.
Estas as razões, todas de índole jurídico-constitucional, que motivaram e determinaram os peticionários a recorrer ao direito de petição.
Sabem, no entanto, os subscritores, e nós próprios, nesta Casa, não o ignoramos, que não é o momento nem a instância adequada para dirimir a questão de plano que a petição encerra e coloca no seu texto, qual seja a de declarar inconstitucionais os dois diplomas legais atrás referenciados.
A este propósito, aliás, vem a «talhe de foice» recordar que esta mesma questão, e o processo que a documenta, se encontra pendente de apreciação e decisão do Tribunal Constitucional, uma vez que o Exmo. Provedor de Justiça, no uso das suas competências e a requerimento dos peticionários, requereu a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de algumas das normas contidas nos textos legais citados.
Porque assim é, estamos certos de que a questão controvertida que opõe os peticionários ao Governo, enquanto autor dos diplomas legais impugnados, será, oportunamente, decidida por quem tem competência específica para tal - o Tribunal Constitucional.
No entanto, não deixará de ser oportuno e pertinente lembrar que, sem prejuízo das questões técnico-jurídicas ora suscitadas, os decretos-lei referenciados comportam aspectos de filosofia política da maior relevância e actualidade, muito especialmente no domínio dos transportes terrestres.
De resto, os diplomas legais aludidos na petição serão, por certo, mais facilmente entendidos e compreendidos em toda a sua extensão, se conjugarmos a sua disciplina jurídica com os princípios e soluções preconizadas pela Lei de Bases dos Transportes Terrestres, que esta Assembleia já aprovou, na generalidade.
É inequívoco que os aludidos diplomas legais viabilizaram a transformação da Rodoviária Nacional, E.P., na Ro-

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doviária Nacional, Investimentos e Participações, S.A., logrando-se, desse modo, uma alteração essencial da sua natureza jurídica, já que de pessoa colectiva de direito público passou a assumir-se como pessoa colectiva de direito privado, com o estatuto de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.
Ora, do plano de cisões previsto naqueles textos legais nasceram 13 sociedades regionais, sendo nove de transporte de passageiros, dois industriais e dois de carga.
De sublinhar que adquiriu, aqui, especial relevo a consagração de uma óptica descentralizadora que, no plano organizativo, passou pela criação de modelos empresariais de adequada dimensão e maior autonomia, com clara incidência regional.
Com efeito, a descentralização correspondeu à introdução de unidades operativas mais eficazes e expeditas, já que aproximou as novas empresas, dotadas de património e órgãos sociais próprios, das populações que visam servir, promovendo um conhecimento mais atempado e mais profundo e sobrevalorizando o vector «procura», pelo que passaram a propiciar decisões mais certas e mais justas.
Pelo exposto, desde logo se conclui que as mutações operadas não se limitaram a simples alterações normativas ou conceituais, sem repercussão substancial e profunda no animus, na forma de abordagem, nos objectivos globais, nos métodos e nas estruturas em presença.
Na verdade, se pensarmos nas mudanças estruturais
assim operadas e as conjugarmos com a filosofia e os no
vos princípios consagrados na lei de bases dos transportes
terrestres, que esta Câmara já aprovou na generalidade,
facilmente concluiremos que, no fundo, tratou de submeter-se a realidade dos transportes terrestres ao grau de
evolução entretanto registado na sociedade portuguesa no
sentido de maior democracia e liberdade.
É óbvio que o legislador dos diplomas em causa não ignora que o transporte regular de passageiros, com as exigências de circulação intensa, programada, certa e segura, que impõe necessidades económicas e sociais da sociedade moderna, não. pode deixar de ser um serviço público, isto é, um serviço reclamado globalmente pela comunidade nacional na sua expressão mais vasta aos níveis regional e local.
A qualidade de serviço público decerto que impõe, como condição necessária, a garantia do Estado, mas não mais do que isso. Não é, com efeito, forçoso nem conveniente que deva ser necessariamente o Estado a explorar esse serviço. Como se depreende do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 12/90, de 6 de Janeiro, o seu papel pode e deve ser supletivo; o Estado só deve intervir face a uma eventual omissão, passividade, insuficiência ou deficiência da iniciativa privada que lese gravemente o interesse público.
Mexeu-se, desta forma, radicalmente na filosofia do sistema, fazendo-se profissão de fé - de uma fé realista e comprovada, não utópica - nas virtualidades da concorrência como meio mais idóneo para promover a eficácia do sistema de transportes. Concorrência, dissemos, mas uma concorrência justa e leal para que não se criem privilégios e fomentem marginalizações e o público - o seu destinatário exclusivo - possa melhor ser servido em qualidade e em preço.
Por fim, restará dizer que, não obstante as transformações empreendidas, o Estado não se encontrará desatento, nunca prevalecendo a ideia de lucro a todo o custo com o sacrifício das necessidades colectivas e do interesse público. É que o Estado continuará a velar para que sejam assegurados serviços públicos que exijam um planeamento básico (caso dos transportes urbanos e ferroviário) e não deixará de intervir, supletivamente, em relação a todos os restantes que, respeitando a necessidades atendíveis, não estejam a ser adequadamente respondidos pela iniciativa privada.
Concretizando a ideia de «menos Estado mas melhor Estado», a concluir, diremos que, desde a vigência dos textos legislativos em causa até hoje, das 13 novas empresas saídas da cisão antes referida, pelo menos, seis delas já foram privatizadas e estão totalmente nas mãos da iniciativa privada, que, sem esquecer a função social que a empresa deve desempenhar, deverá respeitar os princípios da livre contratação.
Relativamente à questão técnico-jurídica ainda pendente, resta-nos aguardar que o Tribunal Constitucional, no seu alto juízo, a aprecie e decida com a justiça que caracteriza os seus acórdãos.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está terminada a discussão da petição n.º 289/V.
Vamos dar início ao debate da petição n.º 42/VI, apresentada pela Liga para a Protecção da Natureza e pela QUERCUS, solicitando que seja decretada uma moratória, com efeito imediato, sobre a aprovação de quaisquer empreendimentos turísticos e loteamentos fora das áreas urbanas, obras costeiras, projectos de agricultura, pecuária, etc., até à aprovação do Plano de Ordenamento da Área de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

0 Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como temos no nosso país uma das mais belas e preservadas costas, a Costa Vicentina, a Liga para a Protecção da Natureza, a QUERCUS, a Geota e a SOS Sudoeste, entregaram à Assembleia da República uma petição na qual sugerem que seja feita uma moratória, entendendo essas organizações que essa era, há dois anos atrás, a melhor forma de preservar esta costa e o seu património. Queremos, desde já e inequivocamente, manifestar o nosso apreço por este tipo de intervenção que traduz a existência de organizações sensíveis a estes problemas do ambiente e do património e cuja participação e intervenção constitui uma componente fundamental de uma democracia p,3rticipada tal como a entendemos e defendemos.
Lembro que estamos a apreciar uma petição entrada neste Parlamento em Fevereiro de 1992, isto é, há cerca de dois anos, o que, só por si, é elucidativo do estilo de trabalho que a maioria impõe à Assembleia da República nesta como noutras matérias.
Em Julho de 1988, foi criada a Área de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, depois de as autarquias da região se terem batido durante longos anos por esta iniciativa, designadamente, as Câmaras Municipais de Sines, de Odemira, de Aljezur, de Vila do Bispo e também a Liga para a Protecção da Natureza.
Com a criação desta área protegida, entendem as autarquias ser possível, por um lado, preservar e valorizar a costa e, por outro, conseguir um desenvolvimento integrado que beneficie as populações que vivem ou passem a residir nessa zona e criar condições para fixar, particularmente, os jovens. Esta medida é importante, dado tratar-se de uma zona hoje muito apetecida pelos especuladores de toda a espécie, pelos que querem enriquecer, rápida e

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facilmente, à custa de tudo e de todos e também por aqueles que, aos mais diversos níveis do poder, continuam a dar apoio a estas situações.
Confiamos que as autarquias desta zona saberão, juntamente com as populações, com as associações de defesa do ambiente e do património, com o Instituto de Conservação da Natureza e outras entidades, defender este belo e importante pedaço da nossa costa e do nosso País.
Contudo, não nos parece adequado que, passados dois anos após a apresentação e entrega da petição, seja agora decretada uma moratória; até porque, para além deste aspecto, a zona dispõe hoje de autarquias atentas e firmes na defesa do ambiente, do património e também do desenvolvimento das condições conjunto de instrumentos uns já em vigor e outro de planificação e de intervenção, ou em fase final de aprovação, talvez até excessivos, nomeadamente, o Plano Regional de Ordenamento do Território do Litoral, o Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve, os planos directores municipais de um conjunto de autarquias, os planos locais de urbanização, os planos de pormenor e, agora, já em fase de debate público, o Plano de Ordenamento da Área de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Por essa razão, impõe-se, em nossa opinião, proceder a uma correcta articulação entre os diversos planos existentes- de forma a não se deixar criar uma teia burocrática de competências dispersas que inviabilize intervenções adequadas nesta área; ao rápido, mas .consciencioso, aprontamento dos planos ainda per terminar e aprovar; ao cumprimento por todos, partícula mente pelos empresários e pelo Governo, das normas e das leis que já hoje defendem a área protegida, equacionar do-se, não da forma como está a ser feita mas democrática e participadamente, a criação do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina para proporcionar o desenvolvimento e criar contrapartidas para os municípios e as populações desta região.
Impõe-se que estas medidas sejam tomadas para que, de futuro, não aconteçam situações de que, infelizmente, temos conhecimento como, por exemplo, a urbanização turística do Vale da Telha, em Aljezur, que é de lamentar, ou outras, na nossa opinião, ainda mais graves e recentes, como no caso do Brejão, em que um cidadão francês instalou, em plena área protegida, uma exploração agrícola intensiva, sem respeitar as normas de defesa do ambiente em vigor no nosso País nem a dignidade e os direitos dos trabalhadores portugueses.
Este senhor tem-se portado- posso dizer-vos porque conheço muito bem o problema- como se vivesse numa colónias tem para com nossos trabalhadores e o nosso País atitudes semelhantes às de um colono. Mas tão ou mais grave do que a atitude do Sr. Roussel foi a do Sr. Primeiro-Ministro - e a do Governo - que, com a sua presença naquela exploração e, depois, em declarações públicas, deu o seu aval a este comportamento, humilhando os pequenos e médios agricultores alentejanos.

Aplausos do PCP, do PS e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Impõe-se também que o Governo responda, rápida e positivamente, às propostas das autarquias e de outras entidades, com vista a prevenir e reparar prejuízos causados pelos incêndios que têm devastado milhares de hectares da área protegida, particularmente, em Aljezur.
Nesse sentido, parece-nos que deve procurar-se, rapidamente, elaborar e executar um projecto de protecção contra incêndios na área protegida, um projecto de limpeza e reflorestação da zona ardida na área protegida, que se mantém no mesmo estado desde os incêndios - alguma coisa foi feita pelos agricultores, mas a verdade é que não têm meios, porque são pessoas pobres -, e um projecto para indemnização aos agricultores e a outros que tenham sido afectados pelos incêndios, particularmente, pelo ocorrido em 23 de Julho de 1993 que, só no concelho de Aljezur, fez com que ardessem 4300 hectares. Foram destruídos gados, searas, parte da floresta, algumas casas, podendo falar-se num prejuízo calculado em 300 000 contos o que, para algumas pessoas, não será nada, mas que para esta gente é muito dinheiro e não podemos esquecer-nos de que é o seu presente, e futuro, que fica empenhado se não forem rapidamente tomadas algumas medidas. Creio que elas estão ao nosso alcance e que estaremos certamente todos de acordo para impedirmos uma situação destas.
Propõe-se ainda que, no âmbito dos planos existentes ou em fase de acabamento ou no de acções específicas, mas realistas e concretizáveis, se considerem projectos de apoio aos agricultores, pescadores e outros trabalhadores e empresários da zona com vista ao aproveitamento das potencialidades e recursos destes concelhos, tais como: a pesca artesanal; actividades agro-pecuárias tradicionais; introdução de novas culturas, que, aliás, estão a tentar fazê-las sozinhos, como a do amendoim e outras; aproveitamento dos regadios instalados - por exemplo, no concelho de Odemira já existe a barragem e os canais de rega primários e secundários e, contudo não são usados por razões que, agora, não posso desenvolver, por evidente falta de tempo, mas que estão aptos a ser usados e há vontade por parte dos agricultores em usá-los, pois temos falado com eles para que trabalhem aquelas terras e utilizem a água; a recuperação de montes, de casas e aldeias para o turismo de habitação e rural, uma vez que se trata de uma zona com grandes potencialidades para o efeito, onde existem muitos montes abandonados.
Contudo, todos estes projectos implicam a existência de formas de informação e de apoio concretos, tendo em conta as pessoas a quem se dirigem, porque, se assim não acontecer, os interessados nem sequer sabem a quem recorrer, como fazer os projectos ou como se devem orientar em todo este processo.
Ora, se não houver da parte do Governo sensibilidade para estas situações concretas, é evidente que esta zona e outras como esta não terão grandes possibilidades, mas, se ela existir, tratam-se de zonas que possuem grandes potencialidades e em relação às quais se pode, por um lado, preservar a paisagem e, por outro, promover um desenvolvimento equilibrado.
Finalmente, gostaria de apelar um pouco à boa vontade de todas as bancadas parlamentares no sentido de se encontrarem soluções para estes problemas, porque podem ser resolvidos e, em minha opinião, esta é uma batalha que todos podemos vencer e, se a vencermos, todos ficamos a ganhar, particularmente os que habitam nas áreas referidas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta petição tenciona pedir uma moratória sobre a aprovação de quaisquer empreendimentos turísticos até à aprovação do Plano de Ordenamento da Área

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de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Cabe, à partida, à Assembleia da República reflectir sobre o processo de apreciação das suas petições e, tal como já foi referido pelo Sr. Deputado que me antecedeu, entendo que, de facto, não é nada abonante para a imagem da Assembleia da República estarmos a analisar esta petição só agora, dois anos depois da sua entrega nesta Casa, quando ela visava justamente uma moratória. Ora, esta situação impõe, naturalmente, urgência em que esta Assembleia reflicta sobre este processo de apreciação das petições, alterando-o rapidamente de modo a que as intenções e as expectativas dos peticionários não sejam, como têm sido até aqui, frustradas.
Esta petição deve merecer-nos a maior consideração. 0 facto de a estarmos a analisar dois anos depois impede-nos de dar uma resposta em relação às ansiedades e aos motivos que justificaram a sua apresentação. A verdade é que ela é apresentada por um grupo de subscritores, nos quais se incluem duas das mais representativas e prestigiadas associações de ambiente.
Ora, acontece que o discurso do Estado apela à participação, quer do associativismo ambiental, quer das pessoas individualmente, na protecção e na valorização do nosso património ambiental, mas tem sido um pouco hipócrita e cínico, porque cada vez que os cidadãos se organizam para intervir, defendendo as suas causas ambientais, o Estado, na maior parte dos casos, tem feito «ouvidos de mercador». Era bom que, nesta altura, a Administração e também esta Assembleia fizessem desta petição um caso exemplar, dando uma resposta positiva a esta razoável e expressiva vontade manifesta de proteger um património natural, que é dos mais ricos do País, de modo a encorajar estas acções do movimento associativo ambiental.
Esta petição incide, de facto, sobre uma questão concreta: uma área protegida. Mas a verdade é que ela suscita imediatamente um pensamento sobre o estado geral das áreas protegidas em Portugal e também uma apreciação sobre a política de conservação da natureza como parte da política ambiental.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se me é permitido, gostaria de, em breves palavras, expor o ponto de vista do meu partido sobre a política de conservação da natureza, em geral, e sobre a situação nas nossas áreas protegidas. Se calhar, para repetir o que já temos dito no passado, mas a verdade é que não mudando a realidade, não pode mudar o discurso!
As nossas áreas protegidas são tudo menos protegidas. Basta qualquer dos Srs. Deputados visitar uma delas. Esta do Sudoeste Alentejano é um bom exemplo, mas poderiam ir ao Parque Natural da Serra da Estrela, ao Parque do Gerês, a qualquer das áreas protegidas e todos, se quisermos fazer uma apreciação sem preconceitos, seremos unânimes em dizer que a situação das nossas áreas protegidas já não tem a ver com o nível de desenvolvimento do País, nem com o nível de consciência ecológica e de valorização da política de conservação da natureza, enquanto uma política fundamental ao desenvolvimento do País.
De facto, a situação é muito preocupante. Em primeiro lugar, todas as nossas áreas protegidas enfermam de uma brutal falta de investimento, pois não se faz investimento na valorização do património natural, não há um conhecimento científico detalhado e sistematizado sobre a maior parte das áreas e, não havendo esse conhecimento científico, não há, naturalmente, a divulgação dessa riqueza, quer junto das comunidades locais, quer junto da comunidade nacional.

Com efeito, o País não conhece as suas riquezas naturais, nem as suas áreas protegidas. Certamente, se perguntar aos Srs. Deputados quantas áreas protegidas é que o País tem e quais são elas, a maior parte dos senhores não me saberá responder, acontecendo o mesmo com o cidadão comum.
E mais, Srs. Deputados, a maior parte das pessoas que vivem nas áreas protegidas não sabe que vive numa área protegida, nem sabe a razão por que é que isso constitui um património a defender e não apenas algo que as inibe de ter acesso aos benefícios do desenvolvimento e do crescimento económico.
A verdade é que falta uma estrutura de apoio, faltam pessoas, quadros, falta tudo isso. Daí o Plano de Ordenamento - que também não existe - da Área de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, objecto desta petição.
15so tem como consequência algo muito evidente: o facto de as estruturas centrais ou com responsabilidades ao nível da conservação da natureza terem cada vez menos aceitação ao nível das comunidades locais. Não há uma única comunidade local inserida numa área de paisagem protegida que goste da administração local dessa mesma área, porque elas estão condenadas a serem instrumentos de inibição do que, em alguns sítios, constitui o acesso às coisas boas que a sociedade contemporânea pode proporcionar e uma inibição do crescimento e do desenvolvimento.
A verdade é que a política de conservação da natureza tem de ser uma política nacional. 15so quer dizer que tem de ser paga por todos os portugueses e não pode ser conseguida apenas à custa da inibição das pessoas que vivem nesses locais. Por isso, abro aqui um parêntesis para dizer que concordo, em absoluto, com o Sr. Deputado António Murteira, quando disse que as indemnizações compensatórias a essas áreas, os investimentos que o Estado tem de fazer nessas áreas são fundamentais para que as comunidades locais comecem a compreender que vivem num sítio privilegiado e não, ao contrário, a serem inibidas de terem acesso a um normal desenvolvimento e crescimento económico.
Em síntese, Srs. Deputados, a política de conservação da natureza é um parente pobre de algo que já é pobre: a política de ambiente, em Portugal. É, digamos, a parte mais fraca dessa política, porque não há investimento, nem estudo e, mais importante do que isso, nem vontade política para dar uma resposta positiva ao que qualquer país, moderno e europeu, tem obrigação de fazer: cuidar dos seus valores naturais.
Incidindo a petição sobre a área do sudoeste alentejano, importa também dizer que esta área protegida está muito mais ameaçada do que todas as outras do nosso país, porque é uma área do litoral. Quer ao nível dos empreendimentos turísticos, quer de outros, sabe-se a apetência que há por estas áreas do litoral. 0 litoral é sempre uma área mais procurada, visando dar satisfação a todos os interesses e ao desenvolvimento económico, muitas vezes conseguido à custa da protecção do ambiente.
Esta área tem, em síntese, três grandes problemas, alguns já existentes e alguns que a ameaçam. Dos problemas já existentes destaco, em primeiro lugar, o Complexo de Sines, que transforma esta área numa área em risco, pelo facto de toda a actividade do Complexo de Sines ser uma área industrial pouco condizente com os objectivos de uma área que visa proteger os valores naturais mais representativos do País.

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Em segundo lugar, consta haver, também -e- ouvi falar, vem nos jornais -, a intenção de alargar as actividades do porto, o que vem pôr ainda n ais em perigo aquela área protegida. Todos conhecemos a já longa história de derrames e marés negras naquela área, fruto das actividades do porto. Seria bom que o Estado fizesse um grande esforço, quer no sentido de evitar o (alargamento das actividades, quer no de fiscalizar as actividades do porto, de modo a que os derrames e tudo o que se relaciona com a lavagem dos cascos dos navios não venha a provocar ainda mais incidentes e poluição do que a já existente nesta zona.
Por outro lado, saliento também a concentração da agricultura intensiva naquela zona. Todos sabemos da utilização de pesticidas, em larga escala, em toda a área protegida, que põe em causa as protecção dos valores botânicos mais representativos. Aqui, gostaria de abrir outro parêntesis para falar do que foi um exemplo e um paradigma do sucesso agrícola deste Governo: o tão falado projecto da Odefruta, apontado pelos responsáveis ministeriais como o grande investimento e o grande exemplo de agricultura intensiva, visitado e aprovado por ministros. A verdade é que, desde logo, essa exploração agrícola intensiva era um investimento que exigiria um estudo de impacto ambiental, que não existe. Depois, não houve um parecer da área de paisagem protegida. Finalmente, este investimento foi, sob o ponto de vista ambiental, completamente ilegal. No entanto, foi aprovado, quer pelo Ministro ca Agricultura, quer pelo então Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, que se deslocaram lá, expressamente, para ver o local e para «aplaudir» o que constituía o paradigma da
exploração agrícola...

O Sr. Presidente(Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
... de sucesso do actual Governo. Na realidade, o resultado foi o que sabemos, é conhecido o falhanço, a região sofreu consequências ambientais e as compensações pelo crescimento económico e pela actividade agrícola não tiveram bons resultados para a região, antes pelo contrário. Mas o maior perigo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, reside fundamentalmente no apetite turístico por aquela zona. Estão pedidas, para essa zona, cerca de 50000 ca-
falar e que iriam bloquear mas: a Herdade dos Aivados, a Vila Formosa, o Vale da Telha - o tal projecto do Presidente do Sporting Clube de Portugal, o Sr. Sousa Cintra que já tem casas mas não tem infra-estruturas -, todos esses de que ouvimos falar e que iriam bloquear completamentamente uma área protegida, porque com mais 50 000 camas naquela zona duvido muito que se possa fazer um trabalho sério de protecção da natureza.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Diria, em síntese, que esta é uma das áreas protegidas mais importantes do País e é, em simultâneo, a que está mais seriamente ameaçada. Impõe-se, portanto, que a Administração tome em conta o desejo dos peticionários. Sei que o Plano de Ordenamento está quase a ser aprovado, já foi ultrapassada a fase do inquérito público, mas a verdade é que os peticionários pedem algo que a Administração já há muito deveria ter feito, ou seja, pôr em stand by todos os requerimentos de actividades turísticas até à £ provação do Plano de Ordenamento, naturalmente depois de consultadas as instituições da área e feitos os inquéritos públicos, como a lei manda.
Em síntese, quero apoiar a petição e recomendar à Assembleia da República e ao Governo que levem em conta as intenções e os fundamentes dos requerentes desta petição.

Aplausos do PS e Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Branco Malveiro.

O Sr. Branco Malveiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com um especial interesse e redobrado empenho que hoje, aqui, neste Plenário, tenho a oportunidade de tecer algumas considerações sobre a problemática da Área de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, bem como sobre toda a plêiade de situações que ressaltam da criação daquele Parque Natural e do seu consequente Plano de Ordenamento. Isto porque tive a oportunidade, então no exercício das funções de Governador Civil do Distrito de Beja, de ter acompanhado de perto e com certa intensidade a formulação do Decreto-Lei n.º 241/88, de 7 de Julho, que, em boa hora, vem salvaguardar os valores naturais, culturais e paisagísticos daquela zona litoral.
É assim que hoje, e nos mesmos pressupostos de então, me associo às boas intenções dos peticionários subscritores da petição em apreciação, pois que também ela releva, de uma forma até exuberante, a atitude do Governo, que, em consonância com as Câmaras Municipais de Sines, Odemira, Aljezur e Vila do Bispo, veio classificar a região como área protegida, no sentido de evitar a sua maior ocupação e utilização no interesse do colectivo (onde se incluem também as associações de defesa do ambiente e do património), para que o desenvolvimento daquela orla marítima se possa perspectivar de forma equilibrada, conscienciosa e racional.
Neste contexto, ficam, pois, minimizadas e salvaguardadas, à partida, as preocupações manifestas, até porque, já numa sua comunicação de Dezembro findo, o Instituto da Conservação da Natureza apontava as linhas-mestras do Plano de Ordenamento que elaborou e submeteu a inquérito público, inquérito este cujo prazo está a decorrer até ao dia 20 deste mês- e não me chocava que o mesmo pudesse vir a ser prorrogado por mais alguns dias, para uma mais ampla divulgação e participação (aliás, esses pedidos têm sido uma constante).
Nele, aquele Instituto define algumas das linhas orientadoras para o modelo sócio-económico de desenvolvimento proposto e para cuja acção o Instituto de Conservação da Natureza disporá de um orçamento global de cerca de 8 milhões de contos.
Acresce ainda o facto de a comissão encarregada do estudo do Plano de Ordenamento integrar, além de representantes dos vários ministérios envolvidos, igualmente representantes das autarquias atrás referidas.
É, porém, real a existência, como já aqui foi frisado, de um conjunto de problemas, que afectam aquela zona e são razão bastante para as manifestas preocupações de todos aqueles, pessoas e instituições, que pretendem que a zona do litoral do Sudoeste de Portugal se mantenha sem as tais adulterações dos seus recursos naturais.
As principais preocupações, algumas das quais já aqui foram referidas, são, nomeadamente, o problema do Complexo de Sines, a agricultura intensiva, a pressão urbana e turística, o crescimento desordenado, a falta de estudos científicos e técnicos, etc. Estes são alguns dos grandes problemas que afectam aquela nossa região.
Pensamos que, com a elaboração do novo Plano de Ordenamento do Parque Natural, se tem em vista não só a protecção dos actuais espaços naturais e das paisagens mas

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também a preservação das espécies, da flora e da fauna. Pretende-se igualmente não perder de vista- e isto para nós é extremamente importante - o desejável e imperioso desenvolvimento económico, social e cultural da região de uma forma ordenada e equilibrada, conducente ao tão ambicionado progresso e bem-estar das populações.
0 próprio Instituto da Conservação da Natureza define como objectivos prioritários a defesa das condições do ambiente marítimo e da ocupação urbanística, assim como a salvaguarda do património, entre outros, tais como o apoio ao desenvolvimento local e à promoção de actividades de recreio e de lazer.
Todas estas razões com que nos congratulamos na salvaguarda do binómio desenvolvimento/qualidade de vida, que todos almejamos num Portugal moderno e de futuro, levam-me a concluir que, em minha modesta opinião, não se justifica a moratória aqui solicitada.
Fazendo agora um pequeno parêntesis, gostaria de dizer aos Srs. Deputados António Murteira e José Sócrates, a propósito de uma referência há pouco feita por ambos, que, efectivamente, a petição em discussão deu entrada na Assembleia há dois anos. Mas também é verdade que ela está em condições de ser agendada desde 15 de Fevereiro de 1993 e o relator até foi uma Sr a Deputada do PS.

0 Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Se está em condições de ser agendada, por que razão ainda não o foi?!

0 Orador: - Portanto, quando se diz que «a maioria nos cala a boca, não nos deixa falar e atrasa por dois anos a discussão da petição», é preciso também ter conhecimento do funcionamento da Assembleia da República, Sr. Deputado José Sócrates. Portanto, a petição já se encontra em condições de ser discutida em sede de Plenário há quase um ano, só que o seu agendamento depende da decisão da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, de que o seu partido também faz parte, Sr. Deputado.

0 Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - E quem é que manda?!

0 Orador: - Era esta a informação que também queria dar-lhe.
Penso que a moratória solicitada, passados estes dois anos (pela razão técnica que ainda agora tentei explicitar), não se justificará. 15to por várias razões já aqui apontadas, com as quais concordamos. A saber: o Plano de Ordenamento está na fase final, já em debate público, terminando a 20 de Janeiro; existe um quadro legal que permite suster as agressões ao ambiente, que se tem revelado eficaz, e verifica-se uma boa cooperação entre as autarquias envolvidas e o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais.
A nossa posição, no entanto, é a seguinte: se por qualquer dificuldade imprevista o Plano de Ordenamento não for aprovado brevemente, poderá então fazer sentido essa, moratória. É isto o que nos apraz registar.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se os residentes na Área de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina e as associações do ambiente que apresentaram esta petição à Assembleia da República tivessem ouvido o optimismo expresso nas afirmações agora feitas pelo Sr. Deputado do PSD, certamente que teriam reacções bastante fortes e negativas, como tem acontecido, de resto, no debate que está a decorrer na área de paisagem protegida sobre o Plano de Ordenamento.
Naturalmente, o PSD responsabiliza-se por estas afirmações e não rejeita todas as críticas que são dirigidas ao Governo por ter um Ministério do Ambiente e Recursos Naturais que lhe serve de capa a uma política que é contrária ao desenvolvimento e ao bem-estar das populações, designadamente nas áreas protegidas. As populações que vivem nas áreas protegidas são penalizadas por múltiplas formas, pois, para além de terem os problemas de qualidade de vida impostos aos cidadãos em geral no nosso país, têm ainda o inconveniente de viverem nessas áreas, em relação às quais o Governo se tem limitado a elaborar decretos-leis que as definem como áreas protegidas, metendo, depois, na gaveta a sua regulamentação e a criação de condições para que aquelas populações possam ter direitos iguais aos que estão fora dessas áreas.
0 Governo e o PSD esquecem essa regulamentação e é isso que aqui está em causa, Srs. Deputados.
Em Portugal, existem 31 áreas protegidas e todas elas, à excepção da do Parque Nacional, foram criadas nos últimos oito anos. 15to significa, Sr. Deputado Branco Malveiro, que o principal responsável pela situação que se vive nas áreas protegidas em Portugal e pelo estado de degradação em que elas se encontram é exclusiva deste Governo, porque, efectivamente, as únicas quatro áreas protegidas que têm planos de ordenamento são aquelas que estão mais votadas ao abandono.

0 Sr. António Vairinhos (PSD): - Quais?!

0 Orador: - Quem as conhece, estará, certamente, de acordo comigo, mas, Srs. Deputados, seria bom que todos nos informássemos sobre as condições em que os técnicos, os profissionais e os cientistas trabalham nestas áreas protegidas, sobre as dificuldades que eles têm para receber os vencimentos e sobre as dificuldades do Serviço Nacional de Parques...

0 Sr. António Vairinhos (PSD): - 15so já não existe!

0 Orador: - ... para poder garantir o pagamento a pessoas para fazerem a limpeza dos caminhos e outras tarefas, a fim de que não haja maior número de incêndios do que aquele que tem ocorrido nas várias áreas protegidas.
Voltando à petição que tem como organizações subscritoras a Liga para a Protecção da Natureza, a QUERCUS, a GEOTA e o SOS Sudoeste, apresentada há dois anos, quero deixar claro que ela não foi agendada porque quem faz o agendamento e quem tem a iniciativa nesta Assembleia, seja na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, seja em qualquer comissão, é, naturalmente, a maioria, que é o PSD!
Portanto, se as petições não são agendadas atempadamente no sentido de, em tempo oportuno, ir ao encontro das solicitações e das preocupações dos peticionários é porque a maioria não faz os agendamentos em devido tempo.

0 Sr. António Vairinhos (PSD): - Não é verdade!

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O Orador: - É verdade, Sr. Deputado.

No que se refere ao pedido que é feito na petição, isto é, que seja decretada uma moratória pela Assembleia da República, em nosso entender, nesta altura, não faz muito sentido.
Aliás, pensamos mesmo que, na altura em que a própria petição foi apresentada,
esta não seria a melhor forma de a "infelicidade", digamos assim, de viver numa área protegida e são penalizados por esse facto, e isto não pode ser permitido neste país.
Como se sabe, existem regulamentos que impedem que uma pessoa possa investir onde e como quer numa área protegida, como qualquer outro cidadão o poderá fazer fora dessa área; porque um cidadão não pode construir a sua casa como quer e lhe apetece nem investir nas actividades económicas que lhe interessarem, como qualquer outro cidadão o pode fazer fora dessas áreas. É neste sentido que digo que é uma "infelicidade" ter nascido numa área protegida.
Ora, esses cidadãos não têm culpa disso! Agora, quem tem culpa da situação em que eles se encontram é, efectivamente, o Governo, seja este ou outro qualquer, mas no caso é este, porque, como já disse, das 31 áreas protegidas, 30 foram criadas por este Governo.
De facto, esta moratória para que não fossem impedidos investimentos enquanto não estivesse aprovado o Plano de Ordenamento só ia penalizar aqueles que menos culpa têm da situação e não fazer com que se avançasse mais rapidamente na elaboração do Plano de Ordenamento, que era o objectivo.
Entendemos as razões que levaram à apresentação da petição. É uma forma de estas associações, preocupadas com a situação, poderem intervir, poderem dirigir-se à Assembleia da República e de a questão ser aqui discutida.
Por isso, saudamos mais esta iniciativa, que permite que a Assembleia da República e os Deputados tomem consciência da situação em que se encontram as áreas protegidas em Portugal, dos problemas do ambiente e dos problemas da conservação da natureza que, no fundo, são os problemas do futuro da humanidade.
A Área de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina é, efectivamente, a mais importante e rica da Europa meridional, porque, quando ela, em 1988, foi criada, já estava praticamente dizimada toda a riqueza em termos de património natural e cultural da costa meridional da Europa.
Por isso, dizem os peticionários, a iniciativa da criação da área de paisagem protegida em 1988 foi um facto histórico. É verdade, Srs. Deputados, e temos de ter bem consciência do que isto significa!
Por isso, pensamos que, embora esteja a decorrer o debate público do Plano dei Ordenamento, por aquilo que conhecemos das propostas apresentadas, devemos pôr todas as reticências em relação ao que este Plano de Ordenamento poderá significar na prática. É mais um documento que vai ficar na gaveta e que durou seis anos a elaborar. Quem foi penalizado? Foram as autarquias responsáveis
pelo desenvolvimento local Ou seja, o mais prejudicado se criaram condições para
naturalmente, as populações, foi o País, uma vez que não o potencial desenvolvimento turístico daquela região, condicionado e não aproveitado. Houve aproveitamento, isso sim, de acordo com a outra visão economicista da política do Governo, tendo o Ministério do Ambiente como capa. Com efeito, o já aqui referido projecto do Sr. Roussel foi, de facto, apadrinhado pelo próprio Primeiro-Ministro Cavaco Silva: foi o mais significativo - dito pelo Sr. Primeiro-Ministro investimento estrangeiro em Portugal. Tal fez com que vários ministros lá fossem e falassem da importância da criação de condições para que este investimento estrangeiro se realizasse em Portugal.
Como todos sabemos, a situação económica desse empreendimento está periclitante e a situação social daí resultante é já conhecida. Também as consequências para o ambiente são assustadoras e, neste momento, incontroláveis e. incalculáveis, uma vez que um investimento agro industrial daquela natureza, com a introdução intensiva de produtos químicos no solo e na atmosfera, traz para toda aquela região consequências que, por agora, são incalculáveis.
Tudo isso foi feito no âmbito do Programa Operacional de Desenvolvimento Rural do Mira,...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): Sr. Deputado queira terminar,

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

... programa esse apresentado em Bruxelas pelo Ministério da Agricultura, sem que este tenha sequer consultado, na altura devida, os responsáveis do ambiente em Portugal.
Quando a Comissão teve conhecimento do que se passava e do tipo de investimento que estava em causa, chamou a atenção dos responsáveis do Governo, no sentido de que deveriam ter obtido um parecer do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais.
É assim que as coisas se passam em Portugal com este Governo. Daí ter necessidade de reafirmar a capa que significa o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais para a política deste Governo!...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que temos de aproveitar estas iniciativas das petições para assumirmos também a responsabilidade da iniciativa. Por isso, o meu grupo parlamentar, oportunamente, apresentará um pedido de audição parlamentar, a promover pela Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente, no sentido de que essa Comissão elabore um relatório onde se façam recomendações sobre a situação e a evolução futura desta área protegida que, no fundo, será o próximo Parque Natural da Costa Vicentina e Sudoeste Alentejano.
Naturalmente, com esta iniciativa, pretendemos que sejam ouvidos os responsáveis da administração central e das autarquias locais, as associações de defesa do ambiente, bem como todas as organizações que, na região, estão a ser penalizadas com esta situação de criação de uma área protegida. As pessoas têm de estar condicionadas à lei, mas essa lei não é susceptível de ser aplicada, porque não está regulamentada. Esta é a situação que queremos ver ultrapassada
A nossa proposta vai, precisamente, no sentido de nós, Deputados, estarmos também sensibilizados para o problema, de forma a contribuirmos com a nossa deslocação ao local...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira concluir, Sr. Deputado. Já ultrapassou largamente o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como dizia, através do nosso relacionamento com os interessados, poderemos também contribuir para que o Governo desencadeie todos os meios necessários até estar terminado este processo, que, naturalmente, terá de conduzir a um plano de desenvolvimento sustentável do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vincenti-

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na, através de uma gestão participada e com fundos que têm de existir, efectivamente.
Como se sabe, neste momento, este Plano de Ordenamento não tem fundos. Foi avançada uma verba, mas sem qualquer sustentação em termos de Quadro Comunitário de Apoio.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, esgotámos os pontos que constavam da ordem do dia de hoje.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, a partir das 15 horas.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Anexo a que se refere a intervenção
do Deputado do PCP José Manuel Maia,
sobre a apreciação da petição n.º 64/VI (1.ª)

Linhas e ramais suspensos desde 1987 e localidades servidas pela linha do Dão.

Linhas e Ramais Encerrados

. Em 28 de Maio de 1987:
. Ramal de Montemor-Torre da Gadanha, com 13 km
. Ramal Montijo-Pinhal Novo, com 11 km
. Ramal Mora-Evora, com 60 km

Em 1 de Agosto de 1988:
. linha do Sabor, trajecto entre Pocinho e Duas Igrejas, com 105 km

Em 18 de Outubro de 1988:
. Linha do Douro, trajecto entre Pocinho e Barca de Alva, com 28 km

Em 28 de Setembro de 1989:
. Linha do Dão, trajecto entre Viseu e Santa Comba Dão, com 49 km

Em 1 de Janeiro de 1990:
. Ramal Évora-Vila Viçosa, com 75 km
. Linha Porto-Fafe, trajecto entre Guimarães e Fafe, com 22 km
. Linha do Tâmega, trajecto entre Amarante e Arco do Baúlhe, com 40 km

Em 1 de Janeiro de 1990:
. Ramal Portalegre-Estremoz, com 64 km
. Ramal Reguengos-Évora, com 41 km
. Ramal Moura-Beja, com 59 km
. Ramal Sines-Ermidas, com 48 km
. Linha do Vouga, trajecto entre Sernadas e Viseu, com 79 km
. Linha do Minho, trajecto entre Valença e Monção, com 16 km
. Linha do Corgo, trajecto entre Vila Real e Chaves, com 71 km

Em 15 de Dezembro de 1991:
. Linha do Tua, trajecto Mirandela-Bragança, com 81 km

Total de via encerrada, 862 km.

Localidades servidas pela Linha do Dão: Viseu, Valdemoinhos, Tondelinha, Travassô de Orgens, Figueiró, Mosteirinho, Torredeita, Varzea, Farminhão, Parada de Gônta, Sabugosa, Casal, Naia, Tondela, Tonda, Nagosela, Treixedo, Santa Comba Dão.

Rectificação ao n.º 17, de 30 de Novembro

Na pág. 545, l.ª cl., no último parágrafo, devido a um empastelamento, não ficou aí incluída uma parte do texto. Assim, a partir da l.61 e até ao final da pág. deve constar o seguinte:

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, vamos passar à votação desta proposta.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.

Com esta votação, esgotámos o ponto 2 do guião, relativo a propostas de criação de artigos novos.
Srs. Deputados, passamos, agora, ao ponto 3 do guião.
Antes de entrarmos no tema propriamente dito, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Manuel dos Santos, presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano, para interpelar a Mesa.

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, vamos agora votar o articulado da proposta de lei e as propostas de alteração, de aditamento ou de substituição com ela relacionadas.
Apelo para que haja um consenso no sentido de discutirmos e votarmos esta matéria por capítulos, o que será mais rápido, e de o fazermos começando pelo Capítulo VI - Impostos directos -, que engloba os artigos 22.º a 29.º.
A minha ideia é, pois, a de votarmos, de imediato, o Capítulo VI - Impostos directos -, deixando o artigo. 9.º para o fim.

0 Sr. Presidente: - Dado nenhum Sr. Deputado se opor a esta sugestão, vamos começar por discutir e votar o Capítulo VI do articulado da proposta de lei n.º 80/VI, abrangendo os artigos 22.º a 29.º, inclusive.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, antes de me debruçar, em nome da minha bancada, sobre a problemática do artigo 22.º, solicitaria ao Governo um esclarecimento sobre uma questão importante para o debate deste artigo.
Quando no artigo 22.º da proposta de lei se propõem alterações ao artigo 55.º do CIRS não se mantém o seu n.º 7. Parto do princípio de que isto é apenas uma gralha, na medida em que a análise dos próprios cálculos incluídos pelo Governo no relatório sobre os efeitos das alterações ao IRS tem exactamente em conta os contribuintes com deduções ou abatimentos garantidos pelo IRS. Como o n.º 7 é precisamente o número que garante determinado nível de abatimentos, partimos do princípio de que é um lapso, uma gralha. Mas, antes de entrarmos na discussão, gostaríamos que o Governo esclarecesse se o é, ou não.

0 Sr. Presidente: - Para fazer uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, enquanto presidente da Comissão de Economia, Finanças e

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Plano, desejo dar uma discussão desta questão, formação à Câmara. Aquando da discussão desta questão, em sede de comissão, fui informado pelo Governo de que não se tratava de uma gralha. Julgo que, na altura, esqueci de o dizer aos membros da comissão.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso é grave!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O CDS-PP, embora tenha apresentada várias propostas em matéria fiscal, dispõe de pouco tempo para explaná-las.
Para iniciar este debatei no fundo, sobre a política fiscal do Governo para 1994, por razões de forçada economia de meios, começaria por apresentar o sentido geral das ideias do CDS-PP acerca desta matéria.
A ideia geral que colhemos da proposta de lei do Governo em matéria de politica fiscal merece-nos, num aspecto formal, um comentário não imediatamente negativo.
Por um lado, há modificações propostas para os códigos dos impostos sobre o rendimento tecnicamente bem elaboradas e com as quais não temos quaisquer discordâncias.
Por outro lado, nunca como nesta proposta de lei do Orçamento de Estado para 1994, as questões fiscais designadamente a evolução da receita e os problemas com ela relacionados, foram tão pormenorizadamente apresentadas pelo Governo.
Essa parte técnica da iniciativa em discussão merece uma séria referência positiva.
Já relativamente à política a concreta, estamos em profundo desacordo. Isto, porque o que avulta nestas propostas do Governo, a partir do artigo 22.º e seguintes, é a ideia básica de eliminação dos benefícios fiscais, constantemente referidos ao longo das intervenções públicas e das páginas dos próprios relatórios como algo de precário, de concedido sem qualquer estabilidade, quando o CDS-PP entende as coisas de outro medo. Os benefícios fiscais que o Governo pretende extinguir não são simplesmente benefícios fiscais avulsos mas, sim, partes muito claras e divulgadas sobre a política do Governo desde a reforma fiscal.
A política do Governo, desde a reforma fiscal, e, portanto, do Governo presidido pelo mesmo Primeiro-Ministro, era uma política de utilização clara do sistema fiscal, umas vezes, bem, outras, mal, em nosso entender, em benefício da poupança, do mercado de capitais, da reestruturação e da internacionalização das empresas.
Portanto, estes benefícios não são peças avulsas de medidas impensadas, que falta ponderar e cujo custo falta avaliar; eram peças concretas, decisivas e fundamentais da política, pelo menos, dos ministérios das Finanças anteriores a este, ou melhor, anteriores ao fim de 1993.
Tem sido muito discutida a questão da justiça ou da injustiça do sistema fiscal. Ora, entendemos que o sistema fiscal não é , sobretudo no que respeita ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, um modelo de justiça , mas podia ser modelo de sistema fiscal ligado ao desenvolvimento e ao crescimento.
Isto é, aceitaríamos, transitoriamente, algumas distorções à justiça, se essas distorções fossem claramente motivadas! pela protecção da poupança, do investimento e da internacionalização da economia portuguesa.
Algumas destas linhas foram sendo seguidas. Hoje, porém, elas foram abruptamente interrompidas em nome, diz-se, de uma pretensa moralização do sistema, quando, afinal, o foram, pura e simplesmente, em nome da erosão das receitas fiscais e da sua perda por outra via que não simplesmente esta dos benefícios fiscais.
Ora, como a nossa ideia sobre a política económica do Governo tem uma base fiscal muito clara sobre o que devia ser uma política fiscal alternativa, uma política não virada para o investimento público, assente na crença não de que o investimento público é que vai recuperar o País mas, sim, na de que, pelo contrário, é preciso proteger o que resta do sector produtivo, e também baseada na ideia de que o aumento dos impostos e das prestações sociais acontece em países congéneres da Comunidade Europeia, mas justamente naqueles que não têm problemas de reestruturação industrial, de estrutura de objectivos económicos. Entendemos, por isso, que a política económica na sua vertente fiscal devia assentar em continuar a proteger a poupança, o mercado de capitais, a reestruturação das empresas - e, adicionalmente, o investimento das empresas e a utilização de lucros no investimento das empresas - e a internacionalização.
Somos fundamentalmente contra todas as medidas do Governo, porque, além disso, as novas medidas que se substituem à extinção dos benefícios fiscais trazem sempre, mas sempre, mais burocracia.
Em matéria de fusões e de fundos de investimento, os regimes propostos pelo Governo para substituir os antigos são, passo a expressão, regimes claramente mais burocráticos, com mais intervenção por parte da Administração e com mais ónus e encargos do lado das empresas e dos sujeitos passivos.
Regra geral, somos contra isto. Relativamente ao caso concreto que começámos a discutir, objecto de várias interpelações, isto é, o n.º 7 do artigo 55.º do Código do IRS, que o Governo pretende eliminar, quero lembrar à Câmara que esse n.º 7 foi aqui proposto, há muito pouco tempo, pelo Governo, que explicou não ser justo uns prevalecerem-se de deduções e de abatimentos documentados - normalmente, os titulares de grandes rendimentos - e outros, uma grande massa, não terem esses abatimentos e não beneficiarem de coisa alguma. Era a lógica justicialista, de que os impostos não são para a arraia-miúda, que aqui desaparece, subitamente, com a eliminação deste n.º 7 do artigo 55.º.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao orador seguinte, gostaria de clarificar que começámos a debater o Capítulo VI, mas, nos termos do artigo 160.º do Regimento, estamos, neste momento, a discutir o artigo 22.º da proposta de lei. Isto, para lembrar que é sobre este artigo que, neste momento, incide a discussão, terminada a qual passaremos à votação do mesmo.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo, através do Sr. Ministro das Finanças, tem vindo, sucessivamente, em relação ao quadro fiscal para 1994, a não falar verdade aos contribuintes portugueses.
A não falar verdade, porque o Sr. Ministro das Finanças, até por dever de ofício e informação, sabe que, em 1994, vai haver um significativo aumento da injustiça fiscal para os portugueses. Mas se acreditarmos na boa fé do Sr. Ministro, teremos de concluir, então, que ele não sabe fazer contas, o que é extremamente grave.

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Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - 0 Sr. Ministro sabe, e não diz aos contribuintes portugueses, que a simples actualização dos escalões do rendimento, quando não acompanhada pela mesma actualização das deduções, não corresponde a um desagravamento fiscal igual ao índice da actualização.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - 0 Sr. Ministro sabe, e não diz aos contribuintes portugueses, que, com a abolição das deduções automáticas ao rendimento, vai penalizar os contribuintes, em especial os de menor formação e sensibilidade, para as questões de natureza fiscal.
0 Sr. Ministro sabe, e não diz aos contribuintes portugueses, que, por efeito da alteração da fórmula de cálculo da matéria colectável do IRS, vai, em 1994, penalizar brutalmente deficientes e reformados.
0 Sr. Ministro sabe, e não diz aos contribuintes portugueses, que os rendimentos provenientes de rendas de prédios, rústicos ou urbanos, vão ser fortemente agravados, em 1994.
0 Sr. Ministro sabe, e não diz aos contribuintes portugueses, que, durante 1994, as poupanças aplicadas em planos de poupança reforma (PPR) e na habitação vão ser fortemente penalizadas.
0 Sr. Ministro sabe, e oculta aos portugueses, que os agricultores, em especial os de pequena dimensão, segundo o orçamento proposto pelo Sr. Ministro para 1994, vão ser agravados fiscalmente em 60 % no montante do imposto.

Vozes do PCP: - É verdade!

0 Orador: - 0 Sr. Ministro sabe, e não diz aos contribuintes portugueses, que, em 1994, se prepara para obrigar os sujeitos passivos de IVA a financiarem coercivamente o Estado em 967 milhões de contos, através do aumento de 500 para 1500 contos do limite mínimo que confere direito ao reembolso neste imposto.
Porque o Sr. Ministro sabe, e não diz aos portugueses a verdade, teremos necessariamente de concluir que o Sr. Ministro tem faltado à verdade em tudo o que sobre os impostos para 1994 tem dito ao País.
Quando uma das partes não fala verdade, não pode estabelecer com a outra um contrato de colaboração, porque as premissas dessa parte estão viciadas desde início. Sr. Ministro, desde a entrada em vigor da reforma fiscal, nunca se verificou semelhante desnorte no campo da fiscalidade.
Neste domínio, o Sr. Ministro não sabe de onde vem, onde está e para onde vai. Ontem, era importante proteger as poupanças, tendo-se criado, para o efeito, um mecanismo liberatório; hoje, penalizam-se naquilo que elas têm de mais genuíno. Ontem, era importante proteger fiscalmente a habitação, para que esta se desenvolvesse e, através deste mecanismo, se tentasse resolver o problema da sua carência; hoje, penalizam-se os investimentos na habitação.
Sr. Ministro, já que V. Ex.ª não tem tido a coragem, nem a sensibilidade suficiente, para introduzir no sistema fiscal as alterações que, em nosso entender, o tomariam mais justo, o Partido Socialista pede-lhe um favor: não espartilhe mais; pare, veja o que é e deve ser o sistema fiscal português e, então, poderá tomar consciência dos factos.
Reconheça, Sr. Ministro das Finanças, os seus próprios erros, em especial no corte das despesas de funcionamento da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos que a tornaram perfeitamente inoperante, sendo tal facto a mais importante justificação para as quebras de receitas em 1993, muito embora lhe custe a aceitar esta verdade.
V. Ex.ª primeiro, tem de saber como é que funcionam os serviços e só depois deve introduzir as alterações que muito bem entender. Mas, primeiro, deve conhecer como eles funcionam, o que não acontece neste momento.
Não se ponha, Sr. Ministro, no alto da sua cátedra, lançando labéus ou dúvidas sobre a honorabilidade dos contribuintes portugueses, pois não tem esse direito; nem sobre os serviços, e não apenas os que estão na superintendência de V. Ex.ª Não faça isso, Sr. Ministro, porque os contribuintes portugueses não são fraudulentos nem evasores. VV. Ex.ªs é que, pela forma como praticam determinado tipo de acções, levam a que os contribuintes tenham uma má vontade de colaborar com a administração fiscal.
Sr. Ministro, estruture os serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos sem recorrer ao cartão do PSD; liberte-se, de uma vez por todas, de introduzir a política nos impostos; esqueça-se do cartão em casa; analise, com todos os interessados, quais são as dificuldades do sistema e, então, sim, com humildade e com o conhecimento da realidade, poderá firmar um contrato com os portugueses, porque, se assim for, dentro destes parâmetros, não tenho quaisquer dúvidas de que os portugueses cumprirão a sua parte. Assim cumpra o Sr. Ministro a que lhe compete!
Neste Orçamento, o Partido Socialista apresenta diversas propostas de alteração que visam, objectivamente, materializar o que, até hoje, tem sido dito pelo Governo aos contribuintes.
Este não é o nosso sistema fiscal. Por diversas vezes, temos denunciado as suas injustiças e contradições, no entanto, a exemplo de outros anos, e com um PSD maioritário nesta Assembleia, mais preocupado em agradar ao chefe do que reflectir sobre as questões de fundo do sistema fiscal, concluímos que não há, neste momento, condições para se discutir, com seriedade, as alterações por nós pretendidas, não obstante, da sua aprovação, advirem, efectivamente, para os cidadãos um rendimento real líquido de 1 %, sensivelmente. Com as propostas do Governo, em nenhuma das classes de rendimentos previstas no Código do IRS isso acontece, antes, pelo contrário, todas elas têm rendimentos líquidos reais negativos.
Esperamos, sinceramente, que estas nossas propostas sejam aprovadas, repondo, assim, a verdade dos factos e que, desta forma, se passe a falar verdade aos portugueses e se deixe de mentir.

Aplausos do PS.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto. António Maria Pereira. Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva. Fernando Carlos Branco Marques de Andrade. Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira. José Albino da Silva Peneda. José Ângelo Ferreira Correia. Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo. Pedro Augusto Cunha Pinto. Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.

Partido Socialista (PS):

António Luís Santos da Costa.

Página 772

772 I SÉRIE - NÚMERO 22

António Poppe Lopes Cardoso.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.

Partido Comunista Português (PCP):

Luís Carlos Martins Peixoto.

Deputado independente:

Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda.

Faltaram à sessão as seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Alípio Barrosa Pereira Dias.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
José Pereira Lopes.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira Mourão.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Maria Teresa Dória Santa Clara Comes.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

José Luís Nogueira de Brito.

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