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Sexta-feira, 14 de Janeiro. de 1994

1 Série - Número 26

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Vi LEGISLATURA

3 A SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 13 DE JANEIRO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Meio

Secretários: Exmos. Srs.João Domingos Fernandes de Abreu Salgado José Mário Lemos Damião José de Almeida Cesário

s U M Á R 10

A Sr.0 Presidente declarou aberta a s~ às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do M&- Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas e de requerimentos.
0 Sr Deputado Angelo Correia (PSD) abordou diversas questões relacionadas com a defesa e segurança europeias re~endo dipois a pedidos de esclarecimento dos Srs Dep~ José Lello (PS) João Amaral (PCP) e Miranda Calha (PS).
0 Sr. Deputado Rui Cunha (PS) chamou a a~ para a necimidade da ~ de me~ de ~ am ~ no â~ da segu~ social
0 Sr. Deputado Luís PeLwto (PCP) criticou a política de saúde e respondeu, no fim, a um pedido de esclarecimento do Sr. DepuÍtidos António Bacelar (PSD).

Ordem do dia- Foi aprovado o voto n. 1 971V1, de pesar pelo fiéan~ do M~ dos Ne~ 6~ da Nonieg4 Jan H~
Procedeu-se à apreciação das petições n.O' U 95, 97, 11 1/VI (1.ª 206IV (4.0), 123 e 831V1 (1.4), tendo intervinda, a diverso t(hdo os Srs.

Deputados Carlos Pereira (PSD), Fernando Pereira Marques (PS), José C~ (PCP José Leite Machado (P5D Antônio Murteira (PC^ 15abel Castro (Os Venles), Helena Torres Marques (PS), José Vera Jardim (PS), Odete Santos (PCP) Correia Afonso (PSD) Narana Coissoró (CDS PP) Paulo Trindade (PCPX Artur Penedos (P5 José Ping (PSD) José Edi~ Reis (PS), João Corregedor da Fonseca (Wep.), Acdcio Roque (PSD), João Proença (PS), Adriano Moreira (CDS-PP), André Martins (Os Verdes) e António Vairinhos (PSD).
A Câmara aprovou três pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando três Deputados a deporem como testemunhas.
Foram aprovadas, em votação g~ as propostas de resolução n.11 28 e 461V1 - Aprovank para ratífi~, respectivamente, o Protocolo n.º 10 e o Protocolo n.º * 9 à C9nvençilo para a Protecção dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais, e n.º 291V1 - Aprova, para ratificação, a Convenção sobre Repressão e Prevenção de Crimes Contra Pessoas que Gozam de Protecção Internacional. incluindo Agentes Diplomáticas.
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo Gomes de Carvalho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Vallére Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Telmo José Moreno.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.

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António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Helena de Meio Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
Adriano José Alves Moreira.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.

ANTES DA ORDEM DO DIA.

0 Sr. Presidente: - Vamos dar início ao período de antes da ordem do dia.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das reuniões de comissões marcadas para hoje.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos, os seguintes diplomas: o projecto de lei n.º 367/VI - Utilização de detectores de metais (PS), que baixou à 7.º Comissão; ratificações n.ºs 108/VI Decreto-Lei n.º 394193, de 24 de Novembro, que altera o Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, que aprova o regime jurídico das infracções fiscais não aduaneiras (PCP), 109/VIDecreto-Lei n.º 418/93, de 24 de Dezembro, que altera o Decreto-Lei n.º 79-AI89, de 13 de Março, relativo ao subsídio de desemprego (PCP).
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Magalhães, na sessão de 7 de Março; José Calçada, na sessão de 2 de Julho; Paulo Rodrigues, no dia 14 de Outubro; Adão Silva, na sessão de 20 de Outubro; António Filipe, nas sessões de 3 e 29 de Novembro; Luís Filipe Madeira, na sessão de 11 de Novembro; André Martins, na sessão de 17 de Novembro; Manuel Baptista Cardoso, na sessão de 18 de Novembro; Luís Peixoto, na sessão de 29 de Novembro.
Hoje, reuniram as Comissões especializadas de Negócios Estrangeiros, às 11 horas, e as de Saúde, Trabalho, Segurança Social e Família, às 11 horas. Irão reunir as de Petições, às 15 horas, Economia, Finanças e Plano, às 17 horas e 30 minutos, e Assuntos Europeus, às 16 horas.

0 Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

0 Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É costume, tem sido uma tradição desta Câmara, que as declarações políticas incidam sobre temas de natureza quase exclusivamente internas ao próprio Estado português. Não entende o PSD, nem o seu Grupo Parlamentar, que, independentemente da bondade dessa tradição, não devam existir excepções. Julgamos ter encontrado uma razão para uma excepção, e a excepção prende se com a última Cimeira da Aliança Atlântica realizada há alguns dias atrás. É extremamente importante, para um
mundo, para a Europa e para Portugal, o conteúdo e as consequências dessa
Cimeira.
Gostaria de destacar algumas razões contributivas para essa avaliação.
Em primeiro lugar, recoloca os Estados Unidos da América numa relação atlântica, numa relação de maior solidariedade com a Europa, facto esse que, ou sobre o qual existiam algumas dúvidas desde o tempo da Administração Bush. No interior dos Estados Unidos três versões: uma

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claramente isolacionista; outra claramente vertida sobre o Pacífico; e uma outra sobre a Europa. A Administração Clinton na sua primeira manifestação política, na Aliança Atlântica, celebra a "re-solidariedade" atlântica com a Europa. Esse facto não só é extremamente importante para a segurança da Europa e do Mundo como tem consequências directas sobre Portugal, que, daqui a pouco, gostaria de reter.
A segunda consequência importante desta Cimeira traduz-se numa redefinição e num esclarecimento sobre a entidade europeia de segurança e defesa.
Desde há uma década existe um debate forte na Europa, sobre o papel do pilar europeu e qual a sua relevância face ao pilar norte-americano. Esta Cimeira consagra não só um reconhecimento formal dessa identidade, reforçando, aliás, a perspectiva que Portugal sempre tem defendido, como adianta um passo importante, que se traduz na possibilidade de às forças militares e à própria estrutura organizacional da Aliança Atlântica serem cometidas, através de um consenso prévio estabelecido com a UEO, a alocação de meios e estrutura dessa organização. Com isso se impediu aquilo que sempre criticámos: potencial duplicação de meios, de funções e até de postura.
Creio que a Europa mergulhou numa situação que, não sendo inovadora, ratifica uma postura institucional importante.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O terceiro facto, para o qual é preciso chamar a atenção, reside na disponibilização, visível desde 1991, da reformulação estratégica da Aliança Atlântica, em relação à capacidade das forças militares e da organização da própria Aliança Atlântica se disponibilizarem por mandato e em nome do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ou dos órgãos superiores da CSCE em fornecerem meios para intervenções de paz.
Srs. Deputados, creio que esta postura é extremamente importante. Todo o mundo reconhece que a única organização com poder militar eficaz e disponível é a Aliança Atlântica. Assim como foi necessário retirar uma carga política peculiar à Aliança Atlântica, após a queda do Pacto de Varsóvia, era necessário reposicionar a instituição, em termos de apoiar acções de manutenção da paz. A guerra fria das décadas de 50 até 80 tem de dar o passo à palavra Paz. Colocar as forças da NATO nessa disponibilidade das Nações Unidas e da CSCE é um passo importante para a paz.
Quarto ponto, celebra a necessidade da implementação dos acordos sobre a não proliferação de armas nucleares, sobre o controlo de armas químicas e o reforço da Convenção já existente sobre armas biológicas. As reuniões que os dirigentes americanos irão ter, amanhã e hoje, com os dirigentes ucranianos e russos são aspectos fundamentais para a paz no mundo e a estabilidade na Europa. São, por isso, de celebrar.
O último ponto importante desta reunião consagra a abertura limitada a Leste. A queda do Pacto de Varsóvia levou a um vazio de segurança no centro da Europa, sobretudo nos países que eram membros do Pacto de Varsóvia e que hoje em dia não têm qualquer articulação institucional que garantia a sua segurança.
A questão que podia colocar-se era a seguinte: de quem decorre a ameaça? E se bem que não pudesse ser constatável qualquer intervenção, qualquer iniciativa, qualquer postura da actual liderança russa, no sentido de ameaçar a estabilidade desses países, dois fenómenos emergentes nessa zona colocavam sérios embaraços. O primeiro é a destruição do arquétipo comunista.
O arquétipo ideológico comunista foi o cimento unificador que, durante décadas, permitiu que vários Estados convivessem e vivessem em paz.
Destruído esse arquétipo assiste-se à implosão natural daquilo que era o mais atrasado, o mais antigo, mas ao mesmo tempo o mais consistente elemento de aglutinação desses povos, ou seja, o seu próprio nacionalismo. Só que a implosão excessiva dos nacionalismos e a não identificação dos Estados-nação naquela zona do mundo, com a dispersão genética que lhes corresponde, são factores potenciadores de elevadíssimos riscos.
É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que abrir uma parceria para a paz, em relação a esses mesmos países, é importante, porque, ao mesmo tempo, lhes garanta não a articulação com o artigo 5.º do Tratado da Aliança Atlântica mas, pelo menos, a capacidade, perante eventuais ameaças, de sentirem que há dissuasores e capacidades reais de absorção dessas dificuldades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Europa, hoje, pode considerar-se mais estável, depois desta Cimeira. Isso projecta-se em Portugal, razão por que o tema tem relevância também nesta Assembleia da República. Porque quanto maior estabilidade no envolvimento externo a Portugal se manifestar, mais a estabilidade em Portugal fica consagrada, legitimada e protegida. Uma segurança assegurada - passo o termo do pleonasmo - no exterior consagra, defende e articula melhor a nossa própria segurança.
Mas, por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão é estratégica para Portugal. Um distanciamento entre os Estados Unidos e a Europa significaria que Portugal - zona de charneira, de interface atlântica, entre o continente americano e a Europa - ficaria desguarnecido o que acentuaria o fortalecimento da perificidade portuguesa.
A última Cimeira da NATO consagra o inverso, ou seja, o reforço da posição estratégica não só do arquipélago dos Açores mas de todo o potencial arquipelágico português. A última Cimeira da NATO é duplamente importante para Portugal.
O Estado português está de parabéns!
Não foi citado o seu nome no comunicado final, mas a opção política que Portugal tem assumido nos últimos anos foi coerente e correcta sob o ponto de vista estratégico. Fomos nós, portugueses, não só o PSD mas até outros partidos da oposição, que, em 1990, defenderam aqui, incluindo o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, a reformulação do Conselho Estratégico da NATO, verificada em 1991 e consagrada agora em 1994. Fomos nós que aderimos à UEO, dizendo sempre que não queríamos a duplicação de meios e estruturas, mas, antes, a convivência pacífica, a co-habitação, como expressão dos dois pilares dessa organização. A postura assumida agora em Bruxelas confirma a nossa tese.
Fomos nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que defendemos, há dois anos, durante a presidência portuguesa - e não nos esqueçamos disso! -, que o alargamento a Leste, político, estratégico e económico, tinha de ser gradual e progressivo. A Cimeira da Aliança Atlântica dá razão, ex post, às pretensões e às pressões portuguesas no passado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Europa não resolveu os seus problemas de segurança. A nova arquitectura de segurança e defesa europeia ainda tem problemas por resolver, dificuldades a esclarecer, mas a matriz é hoje mais

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clara e mais consonante com os interesses estratégicos da Europa e de Portugal. Nesta área, como noutras, poderemos dizer com toda a sobriedade e seriedade: continuamos bem!

(0 Orador reviu.)
Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Lello, João Amaral e Miranda Calha.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

0 Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ângelo Correia, antes de mais, ressalto a importância da sua intervenção, que abordou uma questão fundamental, e aproveito para sublinhar o modo, o estilo e a substância da mesma.
Salientou V. Ex.ª, a dado passo, a identidade, a defesa e a segurança europeias, o que, a meu ver, é também um aspecto importante, embora a sua abordagem se tenha quedado numa postura meramente institucional. sem ter - o que também referiu -, pessoalmente, mergulhado em tal temática. Por isso, Sr. Deputado, vou permitir-me discorrer sobre esta questão, saltando alguns passos da declaração final da Cimeira, dizendo que cinco dos seus parágrafos se dedicam a, digamos, sublinhar os aspectos positivos do Tratado de Maastricht e da União Europeia. Cito, designadamente, o parágrafo três, onde se apoia a emergência do Tratado de Maastricht e o lançamento da União Europeia, que reforçará o pilar europeu da Aliança, e o parágrafo 4, onde se refere o apoio expresso ao desenvolvimento da identidade, defesa e segurança europeias, perspectivando, a longo prazo, a defesa comum no seio da União Europeia, sendo, neste parágrafo, a emergência da identidade, defesa e segurança europeias considerada como um reforço da ligação transatlântica, disponibilizando-se os Estados europeus para assumirem uma maior responsabilidade na defesa e segurança comuns.
Ora, este tema é igualmente referido nos parágrafos 5 e 6 e no parágrafo introdutório, onde se falava já na necessidade de adaptar as estruturas políticas e militares da Aliança ao desenvolvimento da referida identidade de defesa e segurança, ou seja, o amigo americano junta-se ao federalista Mitterrand e a outros sujeitos europeístas, como o senhor Kohl e o Sr. Gonzalez, no apoio ao que V. Ex.ª mais odeia na vida, ou seja, à parte substantiva da política europeia de segurança e de defesa comuns, à parte do Tratado de Maastricht que mais parecia inexequível: a defesa militar.
Assim, pergunto-lhe se esta, para si, não foi uma espinha na garganta da Cimeira da NATO?

0 Sr. Presidente.- - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª desejar responder já ou no fim?

0 Sr. Ângelo Correia (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Ângelo Correia, tenho grandes limitações de tempo e, por isso, não poderei participar no debate com o tempo e a profundidade que pretendia.
De qualquer forma, quero sublinhar que a perspectiva em que se colocou relativamente a esta Cimeira da NATO, ao referir que ela foi no sentido de dar um passo para a paz e estabilidade na Europa, suscita-me uma opinião, que gostaria de deixar aqui expressa, com muita clareza, de grande reserva e até de divergência, e isto por três razões que sublinho muito rapidamente.
Em primeiro lugar, por considerar que a doutrina daquilo que devo chamar o meridiano extensível para Leste significa a manutenção de um clima de tensão a Leste que não é, de forma alguma, propício a essa estabilidade que referiu.
Em segundo lugar, o facto de serem particularmente tímidas todas as referências à criação de um sistema de segurança no âmbito do Mediterrâneo e as que existem serem feitas sob a tutela da NATO não serem, por si, uma contribuição positiva para esse tal clima de estabilidade na Europa.
Em terceiro lugar, e como não podia deixar de sublinhar, porque a forma como é desenhada a articulação entre a NATO e a UEO é uma clara forma de tutela, isto é, a UEO utiliza ou pode utilizar os meios infitares da NATO nas condições e circunstâncias determinadas, mas depois da autorização da NATO, isto é, não existe, ao contrário do que o senhor afirmou, uma prova de confiança nas estruturas europeias, sendo criado um sistema de tutela, de ingerência e de direcção.
Por estas razões, não nos parece que esta Cimeira possa ser qualificada como uma cimeira histórica no sentido da estabilidade europeia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

0 Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Deputado Ângelo Correia, gostaria de, muito brevemente, porque também tenho limitações de tempo, dizer duas ou três coisas relativamente à sua intervenção.
0 Sr. Deputado ateve-se, em termos institucionais, ao comunicado final da Cimeira da NATO e apontou três pontos essenciais que foram, no fundo, a confirmação da posição dos Estados Unidos em relação à defesa da Europa, a ponderação sobre o alargamento da NATO - este foi um aspecto extremamente relevante desta Cimeira - e o papel alargado da UEO.
No entanto, V. Ex.ª não fez qualquer referência relativa à segurança do Mediterrâneo e também à problemática do Norte de África, o que, penso, são matérias que deveriam estar interrelacionadas com o que foi o comunicado final, não obstante este não ter feito qualquer referência a esta matéria.
Assim sendo, gostaria de ouvir a opinião do Sr. Deputado Angelo Correia sobre este assunto.

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

0 Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começarei a responder pela ordem inversa das perguntas, com o devido respeito.
Sr. Deputado Miranda Calha, a Aliança Atlântica, na actual fase, conseguiu disponibilizar, como organização militar e como força, uma disposição substantiva de resposta a um pedido da CSCE e das Nações Unidas para cumprir objectivos de natureza militar, sendo a resposta genérica para qualquer parte do Mundo incluindo, como é óbvio, o Mediterrâneo.

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É certo que o Mediterrâneo tem questões particulares a resolver, mas aí a NATO se interviesse, no âmbito específico NATO, poderia, eventualmente, estar a causar maior perturbação e conflitualidade potencial em relação ao Magrebe e ao Norte de África do que fazendo-o através do âmbito da CSCE ou das Nações Unidas.
Nesse aspecto é mais inteligente, mais rigorosa e, sob o ponto de vista do Direito Internacional, mais justificável, o requerimento à NATO do que uma perspectiva autonomista da própria instituição. Como tal, está respondido o problema de uma maneira mais legitimada e, sobretudo, mais inteligente.
Sr. Deputado João Amaral, ouvi o que o senhor disse, mas discordo, apesar de reconhecer que V. Ex.ª tem todo o direito em não concordar e dizer que este instrumento, este meeting, esta Cimeira da NATO, não teve resultados positivos.
Senão vejamos: o grande problema para a Europa nos próximos tempos, e não falámos na Jugoslávia, os quatro Deputados que interviemos nesta questão, porque a percepção da questão jugoslava é muito mais complexa. A Jugoslávia é o ponto de encontro de três religiões, é a confrontação simultânea, étnica, para-estatal e religiosa.
É a pré-figuração de eventuais conflitos mais graves no final deste século e do princípio do próximo, por isso é uma questão que não tem uma matriz interpretativa de acção meramente militar, nem meramente diplomática, mas é uma questão que releva, às vezes, questões meta-sociais com as quais dificilmente a política é compaginável. Por isso, e bem, nenhum de nós falou na Jugoslávia, porque talvez seja uma questão que o tempo terá de matar por si, infelizmente!
Por outra razão, porque por mais apelos que se façam a outros meios de intervenção, nomeadamente à intervenção aérea, como foi sugerido nesta Cimeira, todos sabemos que uma coisa é intervir pelo ar, outra é ter países com dispositivos terrestres na região com a conflitualidade que isso causa. Por isso, todos sabemos a inevitabilidade da indefinição sobre a questão da Jugoslávia
Mas, tirando esta questão que, infelizmente, é uma questão grave e cada vez mais importante, onde há o cruzamento das religiões - muçulmana, bizantina e católica -, o problema fundamental da Europa é como compaginar soberanias existentes com a criação de Estados ou de estruturas supra-nacionais com o contraponto do desenvolvimento cada vez maior das regiões.
O fenómeno a que se assiste hoje na Europa é o esvaziamento progressivo dos Estados-Nação, através da criação de poderes supra-nacionais, mas invertendo na base da pirâmide a tendência de soberania do Estado-Nação, esvaziando-o através da outorga de poderes às regiões.
Isto é um fenómeno vigente e claro, hoje em dia, em toda a modelação de alguns escultores de Maastricht, mas que, ainda não chegou aos países de Leste porque o modelo de soberania, a outro nível mais amplo, ainda não foi consagrado. Mas, independentemente de ser consagrado, já se verificou que na base as discrepâncias genéticas e raciais, os nacionalismos exacerbados, que estão a emergir, têm de ser contidos em termos democráticos e a violência é a pior forma de combatê-los. No meu entender, são questões que o tempo consome, mas para as quais é preciso evitar toda a agressividade de natureza político-militar.
Mas para evitar a agressividade de natureza político-militar é preciso intervir um factor chamado dissuasor político-militar. A Europa está em paz há 50 anos porque houve um dissuasor fortíssimo de um lado e de outro: chamava-se União Soviética e Estados Unidos e cada um tinha armas nucleares que matavam uns e outros. É o dissuasor que evita a guerra e que promove a paz! Hoje, no final do século XX, não podemos falar de dissuasor da forma como falávamos na década de 50, 60 ou 70, antes pelo contrário, o dissuasor tem de ser compaginado em duas vertentes diferentes.
Em primeiro lugar, um down gradding forte daquilo que é o seu potencial, o que está a acontecer com a eliminação das INF e com o START. A consagração nesta Cimeira de uma tentativa, no âmbito da Aliança Atlântica e das suas relações com a Ucrânia, com o Casaquistão, com a Bielorússia e com o actual poder russo - já resolvidas, excepto no plano técnico-, significam um passo em frente na prossecução desta primeira vertente.
A segunda vertente da dissuasão deve passar cada vez mais para o âmbito convencional e não nuclear e abandonar, de uma vez por todas, as questões de intervenção química ou bacteriológica, questão esta que é atacada na Cimeira da NATO, sendo portanto mais um passo para a paz.
Só é possível a nova Europa emergente com os fantasmas que decorrem de 1938/39, porque a memória colectiva dos povos é uma coisa muito forte, vide Rússia hoje em dia.
É fundamental evitar que o epicentro político-militar da Europa seja a Alemanha, não porque tenhamos medo da Alemanha, pela simples razão daquilo que um companheiro do seu partido definiu, e bem, como o fantasma alemão de 1938. A questão dos Sudetas, do Ainschluss, todas essas questões que emergiram há quarenta e tal anos, são questões que hoje em dia devem ser abordadas tematica-mente de modo a nunca deixar que seja visível para o Leste europeu que a Alemanha passe a ser a potência directora da Europa e da Aliança Atlântica.
É preferível que sejam os Estados Unidos e numa relação íntima, a médio prazo, com a Rússia. É a forma de reequilíbrio da própria Europa, é a única forma de encontrarmos paz! Colocar os Estados Unidos umbilicalmente ligados à Europa é o factor mais forte, porque não estão cá presentes suficientemente em termos físicos, materiais e convencionais, mas estão no limite, no granus salis, que é fundamental para justificar que são dissuadores efectivos.
É, por isso, Sr. Deputado João Amaral, pela terceira razão, que acho que isto é um contributo para a paz.
Por último, Sr. Deputado, a Polónia, a República Checa e a Hungria são países que vivem no terror por terem saído de um modelo e não terem amarra de segurança. Eles pedem insistentemente para entrar na NATO e a NATO disse-lhes sempre que não, mas, anteontem, disse sim. A questão do sim está resolvida. O que não está resolvido é o "quando" e o "como". Mas isso é uma antecâmara, é um pré-posicionamento político para uma entrada na NATO.
Dir-me-á o Sr. Deputado João Amaral: "mas isso é uma ameaça à Rússia". Não é! Ouvimos o que o marechal Grachev disse há seis meses, ouvimos o que o Sr. Jirinovski diz todos os dias, não sabemos qual o poder político futuro na Rússia, mas sabemos uma coisa, sabemos que o conceito de segurança europeia para nós e para a maior parte da Europa vai de Vancouver a Vladivostoque e incluirá sempre a Rússia.
Por isso, o passo para a paz, dado nesta Cimeira, não foi alargar o cordão sanitário até à fronteira da Bielorússia ou da Ucrânia, foi assegurar aos países de Leste que há uma cooperação, não ao abrigo do artigo 5.º, mas pela celebração do artigo 10.º. que nos permitirá, a longo pra-

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zo, estender a outros países, conforme está no comunicado, essa mesma possibilidade.
Sr. Deputado João Amaral, tantos argumentos a favor de quê? Da tensão, da guerra fria? Não, da paz! Só pode haver uma questão, é o receio pretérito de que a Aliança Atlântica seja hoje a mesma coisa do que foi há 10 anos.
O Sr. Deputado João Amaral é um homem inteligente e sabe que isso não é assim. Só basta, para si, passar da sua inteligência ao seu discurso político.
Sr. Deputado José Lello, agradeço-lhe a pergunta e até a possibilidade de clarificação.
Como sabe, não votei o Tratado de Maastricht. Hoje em dia, parece que ninguém aplaude Maastricht, naquela altura, todos o aplaudiam. Há dois anos, não votei, porque estava, e estou, e não era preciso estar contra, porque a história de um ano e meio demonstrou a invalidade relativa do Tratado. Dir-me-ão: não se deve olhar para o Tratado em si, mas para o espírito do Tratado. Com o devido respeito, é impossível separar o espírito da compaginação temporal da sua execução. E o que está no Tratado de Maastricht são compaginações temporais.
O que deram os critérios de convergência na Europa? Divergência em vez de convergência, pobreza em vez de expansão. O que é que deu? Nada vi que, até hoje, me garantisse, no aspecto sistemático, que Maastricht tivesse sido uma redescoberta importante, independentemente dos aspectos positivos que o Tratado tem. O grande aspecto positivo que o Tratado tinha, e que, agora a Cimeira da Aliança Atlântica reforça, é exactamente a questão que o Sr. Deputado me colocou.
Não falo da política externa comum, porque não acredito que seja possível uma política externa comum na Europa unificada a curto prazo. Pelo contrário, sinto que na Europa, a curto prazo, vão coexistir memórias colectivas diferenciadas que vão impedir uma política externa comum em questões importantes e sensíveis.
Vamos encontrar uma plataforma unificada para políticas externas comuns em questões de menor grau, de menor importância. Para as questões fundamentais, não vai existir. Não vamos mais longe, vamos à questão da Jugoslávia. É um caso visível da incapacidade sistémica, psicológica, genética, orgânica, da Europa poder ter, já hoje, uma política externa comum. Devemos, com isso, invalidar a cooperação europeia? Era o pior erro, para a Europa e para Portugal, invalidar uma estratégia, um posicionamento, que nos obrigasse a demarcarmo-nos uns dos outros.
A Europa tem de se entender! A Europa tem de convergir! A Europa tem de se unificar! O problema é o ritmo e a natureza dessa convergência. É isso que eu discuto. Foi por isso que eu aplaudi um ponto fundamental do Tratado de Maastricht, porque era o mais restritivo de todos, era aquele que dizia que a Europa poderá vir a ter uma política de defesa comum, mas, até lá, tem de se entender com a NATO. É o que o Tratado de Maastricht diz.
O que a Cimeira da Aliança Atlântica veio reconfirmar é exactamente essa postura. Mas mais, veio trazer um problema para a Europa. Quando a Cimeira diz "maior protagonismo da entidade de defesa europeia", isto quer dizer que o burden sharing, a partilha de custos, responsabilidade e orgânica vai ser assumida também pela Europa, o que significa maior dispêndio europeu.
Durante muitos anos, a Europa confiou nos Estados Unidos. O preço da identidade autónoma da Europa é o maior custo que ela vai pagar. Mas ainda bem, porque é necessário que o paguemos, porque temos de caminhar para uma política que cimente uma maior unidade e uma maior coerência e convergência na Europa para a sua defesa comum. Com uma diferença, é que durante 40 anos a defesa da Europa foi feita contra um inimigo que se conhecia e que existia, e que agora não há. Agora, defende-se de quê? De expectativas, de potenciais ameaças, mas não de factos reais. Aí, a dificuldade de matriciá-la. Daí, a dificuldade de interpretá-la. Mas daí o grande desafio a todos os países, inclusive, Portugal.

(O Orador reviu.) Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.

O Sr. Ruí Cunha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A população mundial, de 1950 a 1990, passou de 2,5 para 5,3 biliões de pessoas. No ano 2150 a humanidade contará 11,5 biliões de pessoas.
Mas enquanto se assiste a um crescimento exponencial na população do mundo, na Europa verifica-se o contrário. Em 1950 os europeus eram 15 % da população mundial, em 1990 estavam reduzidos a apenas 9,4 % dessa população e no ano 2150 não passarão de 3,7 %.
Na Europa, designadamente nos países da União Europeia, o número de pessoas idosas cresce impressionantemente. Segundo o Censo 91, as pessoas com mais de 64 anos aumentaram 19,2 % em Portugal no espaço de apenas 10 anos (de 1981 a 1991).
Em Portugal, as pessoas com mais de 60 anos eram 18,2% da população total em 1991, serão 20% no ano 2000 e 22 % no ano 2020, quando em 1960 representavam apenas 11,6% da população.
Sendo cada vez maior o peso que a população passiva representa para a população activa, é indispensável uma forte sensibilização da sociedade no seu todo, de forma a que nunca nos esqueçamos que devemos às gerações que nos precederam tudo o que há de bom no mundo em que vivemos e que, ao abandonar o circuito produtivo, o idoso não cessou o seu contributo à sociedade, e que esta tem obrigações indeclináveis para com ele.
A necessidade imperiosa desta sensibilização levou a que, por decisão do Conselho de Ministros da Comunidade Europeia, 1993 fosse proclamado o Ano Europeu do Idoso e da Solidariedade entre as Gerações. O ano de 1993 chegou ao seu termo. Em Portugal, como correspondeu o Governo àquela decisão comunitária?
Logo nos princípios de 1993, o então Ministro Silva Peneda, com pompa e circunstância, em cerimónia realizada no Centro Europeu Jean Monnet, anunciou ao País que o Governo iria celebrar condignamente o Ano Europeu do Idoso e da Solidariedade entre as Gerações.
Celebrações essas, para as quais, aliás, o Governo dispunha de apoios financeiros comunitários, que iriam ser concretizadas através de uma série de acções conducentes à sensibilização do conjunto da sociedade e da implementação de medidas que iriam contribuir para a melhoria do bem-estar da população idosa.
Cabe-me aqui perguntar se, desde o cidadão mais distraído ao cidadão mais informado, algum se deu conta da concretização das intenções então anunciadas? !A contrário, a situação vem-se degradando dia-a-dia, nuns casos por iniciativa do próprio Governo, noutros por uma apatia confrangedora. Um dos direitos que assiste aos idosos é o de escolherem livremente onde querem residir. A sua opção pode recair na permanência em casa- mantendo-se no seio

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Logo nos princípios de 1993, o então Ministro Silva Peneda, com pompa e circunstância, em cerimónia realizada no Centro Europeu Jean Monnet, anunciou ao País que o Governo iria celebrar condignamente o Ano Europeu do Idoso e da Solidariedade entre as Gerações.
Celebrações essas, para as quais, aliás, o Governo dispunha de apoios financeiros comunitários, que iriam ser concretizadas através de uma série de acções conducentes à sensibilização do conjunto da sociedade e da implementação de medidas que iriam contribuir para a melhoria do bem-estar da população idosa.
Cabe-me aqui perguntar se, desde o cidadão mais distraído ao cidadão mais informado, algum se deu conta da concretização das intenções então anunciadas contrário, a situação vem-se degradando dia-a-dia, nuns casos por iniciativa do próprio Governo, noutros por uma apatia confrangedora. Um dos direitos que assiste aos idosos é o de escolherem livremente onde querem residir. A sua opção pode recair na permanência em casa- mantendo-se no seio da família ou vivendo só- ou na integração num alojamento colectivo.
A primeira opção é claramente aquela que contribui decisivamente para o bem-estar emocional do idoso e que evita a sua "generalização". Mas a manutenção em casa pressupõe uma política de incentivos às famílias e uma rede de apoio domiciliário, que deverá assentar em núcleos concelhios, coordenados pelos serviços da segurança social, integrando as autarquias e a sociedade civil que, através das misericórdias, IPSS e outras associações, vem desenvolvendo um esforço notável de solidariedade.
Mas também, de um ponto de vista económico, o apoio domiciliário deveria ter prioridade, pois a sua gestão é menos dispendiosa do que a construção e manutenção de equipamentos colectivos.
Mas, na prática, o que é que verificamos? Centenas de instituições que prestam apoio domiciliário continuam a aguardar a celebração de protocolos com os Centros Regionais de Segurança Social, que lhes permitam apoio financeiro, de forma a poderem prosseguir aquela actividade.
Muitos casos há em que o protocolo apenas cobre uma pequena parte dos idosos abrangidos, protelando os serviços da segurança social, por vezes ao longo de anos, o seu alargamento.
Por sua vez, os Centros de Saúde, na sua esmagadora maioria, continuam de costas voltadas, inviabilizando uma componente essencial do apoio domiciliário, qual seja a prestação de cuidados médicos e, sobretudo, de enfermagem.
Numa situação de grave crise de emprego como a que vivemos, o PS tem vindo, constantemente a propor, pela voz do seu Secretário-Geral, o apoio do Estado à criação de postos de trabalho na área do apoio domiciliário. Seria uma forma de o Governo fomentar uma política de emprego e não, como é sua prática, uma política de manutenção do desemprego, e, ao mesmo tempo, contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população idosa. Mas a tudo isto o Governo responde com a mais desumana insensibilidade.
Em 1991, o Governo, através do Ministro do Emprego e da Segurança Social, anunciou a disponibilização de uma verba superior a cinco milhões de contos para um programa de lançamento de novos equipamentos, com a criação, até 1994, de 2100 lugares.
Estamos em 1994, e dos 2100 lugares prometidos apenas foram criados pouco mais de 150. Paralelamente, a situação, na maioria dos lares lucrativos, designadamente na área metropolitana de Lisboa, atingiu tal gravidade, que o Sr. Provedor de Justiça, em intervenção pública, classificou alguns óbitos ocorridos nesses lares como homicídios por omissão.
A divulgação pública destas situações humilhantes para a dignidade humana e a falência do programa para o lançamento de novos equipamentos, anunciado em 1991, levou a que o Governo voltasse a anunciar, em 1993, a disponibilização de uma verba desta vez da ordem dos dez milhões de contos para a criação, não de 2100, mas de 3500 lugares, e a intenção de celebrar, a curto prazo, um protocolo com as IPSS, com vista à implementação do programa.
Mas meio ano se passou e tudo continua como dantes.
Entretanto, o ministro mudou. E, segundo as palavras do próprio Primeiro-Ministro, mudaram as pessoas mas a política é a mesma. Será que, após as acusações feitas aos funcionários do Ministério do Emprego e da Segurança Social e às próprias IPPS, o Governo se prepara para continuar a inventar bodes expiatórios para a sua incúria e insensibilidade?
0 Governo terá de explicar claramente por que é que uma fatia importante da comparticipação do Orçamento do Estado para a segurança social, em 1994, apareça sob a forma de empréstimo. Terá de dizer se isto significa a sua demissão perante os deveres que a Constituição e a própria lei da segurança social lhe incumbem, isto é, se a protecção social dos portugueses é um assunto que não lhe diz respeito.
Em 6 de Maio de 1993, tive ocasião de, nesta mesma tribuna, propor uma série de medidas que seriam, pelo menos, uma forma de amortecer o acréscimo de dificuldades que a política do Governo vem avolumando sobre os idosos portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para quando a criação do cartão do idoso, como réplica aos benefícios concedidos ao cartão jovem?
Para quando a plena e livre utilização do passe social?
Para quando a criação de equipas de saúde de vocação gerontológica nas comunidades onde mais de 25 % da população ultrapasse os 65 anos?
Para quando a formação específica em geriatria nas várias profissões de saúde?
Para quando a publicação de um código de conduta aplicável às instituições que mantenham ou apoiem idosos, no sentido de salvaguardar a sua integridade física e moral, a sua dignidade e privacidade.
Para quando a implementação de um efectivo apoio domiciliário?
Para quando a proclamação de uma declaração dos direitos dos idosos?
Ano de 1993 - Ano Europeu do Idoso e da Solidariedade entre as Gerações.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Por iniciativa do Parlamento Europeu, reuniu-se, no Luxemburgo, em 22, 23 e 24 de Novembro passado, o Parlamento Europeu do Idoso.
Do documento final, conhecido como "Declaração do Luxemburgo", ressalta a recusa dos idosos quanto à substituição de um sistema público de pensões por um

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privado, que deverá ser apenas complementar e nunca substituir o público.
Da mesma forma, salienta-se a proposta, apoiada pelo Presidente da Comissão dos Assuntos Sociais do Parlamento Europeu, Sr. Van Welzen, da criação de uma directiva comunitária que obrigue os Estados membros a implementarem um rendimento mínimo garantido para os idosos, medida esta que o PS vem insistentemente reclamando para a população portuguesa, mas que o Governo recusa com a mais absurda argumentação.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Em Portugal, por culpa exclusiva do Governo e do PSD, 1993 foi transformado no "ano português contra o idoso e contra a solidariedade entre as gerações".
0 Partido Socialista não se confronta com este estado de coisas. A sua luta contra a arrogância e a insensibilidade de Cavaco Silva e do seu Governo não se esgotou em 1993.
0 PS assume três compromissos para com os idosos portugueses.
Primeiro, para o PS, todos os anos serão de solidariedade entre as gerações e de respeito e apoio aos idosos.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Segundo, o PS não prometerá na oposição o que não puder cumprir no Governo.
Terceiro, o PS, quando após as próximas eleições legislativas assumir funções governativas, manterá a mesma postura solidária e dialogante para com os idosos.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Para o PS, a solidariedade para com os idosos é uma postura permanente e uma forma de estar na vida e na política.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

0 Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há um mês que a saúde tem novo Ministro, que, de alguns sectores profissionais e mesmo de responsáveis políticos de alguma oposição, tem recebido o "brinde" do benefício da dúvida, quando não da expectativa de mudança desta política, não obstante as suas declarações iniciais de que iria continuar rigorosamente a política do PSD, a política deste Governo, a política que tem conduzido ao desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde. Como disse o Primeiro-Ministro, mudaram os ministros mas a política é a mesma.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

0 Orador: - 0 actual Ministro da Saúde, homem de percurso contraditório, tem-se desdobrado em declarações que, na sua generalidade, são motivo para profunda decepção, de todos quantos no dia a dia vêem dificultado o seu acesso a serviços de saúde no âmbito do Serviço Nacional de Saúde.
0 PCP, desde já, inequivocamente, deixa claras as suas mais profundas reservas e a sua oposição frontal às orientações essenciais, de inspiração neoliberal, da política que o novo Ministro anunciou ir prosseguir.
No seu discurso, não se consegue discernir uma análise séria da situação real das causas que a ela conduziram, e que foram, entre outras: critérios economicistas; graves restrições financeiras; processos de "comando" administrativo desadequados; crescente inadequação de equipamentos; desprezo pelas práticas de defesa e promoção da saúde; criação sistemática de desigualdades no acesso aos cuidados de saúde da população em geral.
No discurso do Ministro da Saúde, e apenas a um mês da sua posse, são já claras as opções tomadas: desresponsabilização do Estado pela garantia do direito à saúde da população com a fixação em 4 % do PIB para o orçamento da saúde; imposição à grande maioria da população do pagamento dos cuidados de saúde, em nome de uma pretensa "justiça social"; precipitação da entrega a grupos financeiros privados, das mais importantes e lucrativas parcelas do sector público; manutenção da prática da imposição do Estatuto do SNS deste Governo, diploma que mereceu a generalizada discordância e oposição; manutenção da actual Lei de Gestão dos Serviços de Saúde.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As sucessivas declarações do Ministro da Saúde, invocando sistematicamente a "justiça social" e regadas com mistificatórias "teorizações" do "Estado Providência de segunda geração", têm sido inspiradoras da solução encontrada, qual ovo de Colombo, para a resolução dos problemas de funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, e que não é mais nem menos do que a reedição da velha fórmula neo-liberal de todos sobejamente conhecida: "Quem quer saúde paga-a!".
A fórmula agora encontrada é, no entanto, mais populista. Dizem que quem vai pagar são os ricos e os remediados, e, curiosamente, quem o diz são exactamente os mesmos governantes que, não utilizando o sistema fiscal, protegem descaradamente os detentores de rendimentos mais elevados, praticando uma escandalosa permissividade face ao alastramento de fenómenos de evasão e fraude fiscal.

Vozes do PCP:- Muito bem!

0 Orador:- As soluções encontradas por este Governo, mais inconsistentes se tornam quando é internacionalmente reconhecido o efeito social catastrófico, com a criação de gravíssimas desigualdades entre os cidadãos, que este tipo de política, assente na lógica do lucro máximo, produziu em países como os Estados Unidos e Reino Unido, para não falar no crescimento insuportável dos custos, desperdícios e irracionalidade na oferta de cuidados que geraram.
Tudo isto não autoriza o PCP a uma postura expetantes ou à concessão de um "estado de graça" ao novo Ministro da Saúde, como fez, aliás, o Secretário-Geral do PS.
0 PCP, reafirmo, recusa firmemente esta política de saúde que pretende dividir os portugueses em cidadãos de primeira e de segunda, distinguindo os que têm capacidade económica para poderem usufruir de cuidados de saúde de qualidade e os restantes, condenados apenas ao acesso, a um sistema residual sem qualidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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0 Orador: - 0 PCP não se desresponsabiliza, no entanto, do papel que lhe cabe enquanto oposição, de apresentar propostas, apontar soluções e participar no diálogo, quando ele existir.
É nesse sentido que assumimos a proposta da necessidade de um alargado debate nacional centralizado na análise da situação do sistema de saúde, que possa conduzir à sua alteração.
Defendemos a necessidade do aumento dos recursos e da melhor utilização dos meios públicos disponibilizados para a saúde.
Defendemos a desgovernamentalização, a descentralização e a autonomia do Serviço Nacional de Saúde.
Defendemos a utilização intensiva da capacidade produtiva instalada, a adopção de novos sistemas de organização da produção de cuidados de saúde e uma melhor articulação entre cuidados diferenciados e cuidados primários.
Assumimos a necessidade de uma gestão democrática e participada pelos trabalhadores da saúde e pela população. -
Defendemos a necessidade de controlo da qualidade e a necessidade de humanização dos serviços de saúde.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, são estes os princípios capazes, no entender do PCP, de conduzir a um Serviço Nacional de Saúde universal e tendencialmente gratuito, como a Constituição da República Portuguesa preconiza, que gostaríamos de ouvir da boca do principal responsável pela saúde em Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Só isso nos permitiria uma posição expectante e é isso que nos leva a sublinhar pública e inequivocamente a frontal oposição do PCP às orientações essenciais da política "velha" deste Ministro "novo".

Aplausos do PCP.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.

0 Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Peixoto, foram feitas, na intervenção de V. Ex.ª, algumas referências ao novo Ministro da Saúde.
Permitir-me-á que lhe diga que essa me parece uma atitude precipitada, na medida em que, como V. Ex a sabe, o novo Ministro da Saúde irá reunir, na próxima semana, com a Comissão de Saúde. Por conseguinte, não deverá V. Ex.ª- permita-me que lho diga- tirar conclusões precipitadamente.
Fala-se muito não só deste mas de outros ministros, dizendo-se que a política de saúde é a mesma e só muda o ministro. Desculpar-me-ão V. Ex.ª e a sua bancada que pergunte se por acaso, quando o secretário-geral do Partido Comunista mudou, também a política do Partido Comunista mudou.

0 Sr. José Puig (PSD): - E bem precisava!

0 Orador: - Será que pelo facto de mudar um ministro a política do Partido Social Democrata tem forçosamente de mudar? Pode é haver uma nova forma de estar dentro dessa mesma política!
Parece-me, em suma, ser extemporâneo começar desde já a atribuir nota negativa a uma pessoa que, pelo seu passado e pela sua idoneidade profissional, tem todas as hipóteses de vir a ser um bom Ministro da Saúde.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, com um minuto cedido pela Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

0 Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Bacelar, entendemos que a política do PCP é correcta, razão por que não muda com a mudança dos secretários-gerais.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - De outra forma, a política do Ministério da Saúde, que não é a melhor para o País, deveria mudar com a mudança de ministro. De qualquer forma, quem realmente disse que mudava apenas o ministro foi o Sr. Professor Cavaco Silva.
0 que interessa aqui reafirmar é que não estamos tranquilos, porque o Sr. Ministro, apesar de estar no poder há muito pouco tempo, já proferiu algumas declarações que, em nosso entender, apontam decisivamente para o rumo que irá tomar em termos de gestão do Ministério da Saúde e que, no essencial, mantém as medidas que o ministro anterior ia tomando. Já as referi aqui, pelo que me dispenso de as repetir.
Deixo, em todo o caso, um aviso que já há alguns meses fiz nesta Assembleia, a propósito deste mesmo assunto da saúde: lembrem-se de que os ministros passam e VV. Ex.- ficam. Não queiram também precipitadamente optar pela defesa de um ministro que depois não sabem se terão de deixar cair como deixaram cair o anterior!

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Em resumo, não só discordo do que o Sr. Deputado disse, pois a nossa posição é fundamentada em declarações do Ministro, como aconselho a que os Srs. Deputados do PSD não se precipitem na defesa do actual Ministro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um voto de pesar, com o n.º 97/VI, pelo falecimento do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Noruega, Jan Hoiston.
Permito-me recordar, a este respeito, o papel discreto e decisivo que este insigne político desempenhou na aproximação entre a Frente de Libertação da Palestina e o Estado de 15rael e que o acordo a que se chegou nessa área muito se deve ao mérito e sobretudo ao estilo de trabalho desse homem, que soube ser discreto em política, uma virtude que hoje se perde com demasiada facilidade. Soube ser discreto e por isso teve êxito.
Está em apreciação o referido voto.

Pausa.

Não havendo inscrições, vai proceder-se de imediato, segundo consenso dos grupos parlamentares, à votação do voto n.º 97/VI, apresentado pelo PS.

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Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Luís Fazenda.

É o seguinte:

Voto n.º 97/VI
De pesar pelo falecimento do
Ministro dos Negócios Estrangeiros
da Noruega, Jan Holston

A Assembleia da República manifesta o seu profundo pesar pelo falecimento do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Noruega, Jan Holston.
A sua acção decisiva na conclusão dos acordos de paz israelo-palestinianos ligou decisivamente o seu nome à acção internacional em favor da paz e abriu o caminho para o termo de um conflito de décadas e para uma convivência pacífica e estável no Médio-Oriente.
A estabilidade no Médio-Oriente é um factor de promoção do progresso em toda a bacia do Mediterrâneo e, por esse facto, um objectivo importante para a segurança da Europa do Sul.
Ao manifestar o seu pesar pela morte de Jan Holston, a Assembleia da República faz votos para um desenvolvimento pacífico e uma implementação rápida dos acordos de paz israelo-árabes.

O Sr. Presidente: - Terminámos, Srs. Deputados, o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 25 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão de várias petições.
O primeiro grupo de duas petições, a apreciar conjuntamente, é composto pelas petições n.ºs 88/VI/SL e 95/VI/SL, ambas subscritas pela Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas e relativas a questões inerentes à reestruturação da Secretaria de Estado da Cultura.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pereira.

O Sr. Carlos Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos hoje em apreciação as petições n.ºs 88 e 95/VI 1.ª), apresentadas pela Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas-BAD, solicitando que a Assembleia da República accione os mecanismos necessários às questões inerentes à reestruturação em curso na Secretaria de Estado da Cultura que se referem à Biblioteca Nacional e à sua fusão com o Instituto Português do Livro e da Leitura.
Assim, estas petições têm de ser situadas no tempo para serem perfeitamente compreendidas. Por isso, temos de ter em consideração que foram apresentadas em Abril de 1992, isto é, quando nascia a reestruturação da Secretaria de Estado da Cultura. Neste contexto, temos de considerar como natural este receio à mudança, este estado de espírito, que aliás tem estado ligado a todas as grandes mudanças.
Todos conhecemos as reacções havidas aquando do nascimento das duas novas grandes religiões- o cristianismo e o islamismo- e hoje todos reconhecemos a sua
influência no mundo actual. Mas também na área da ciência e da cultura este fenómeno de oposição à mudança se verificou. Quem não conhece a reacção que Platão teve ao discurso escrito e as reacções que todo o mundo dito civilizado teve à descoberta de Galileu? Mas estas reacções não se deram só em tempos idos, pois, também nos nossos dias, todos conhecemos as reacções às teorias de Einstein e, mais recentemente ainda, à engenharia genética nascente.
É, pois, neste contexto e neste espaço temporal que devemos aceitar como natural esta posição de preocupação face à mudança. Uma mudança - se real - implica sempre uma ruptura com o status quo existente e o assumir de uma nova postura e de novos comportamentos.
Pena é que os tempos regimentais disponíveis não permitam fazer hoje uma primeira avaliação do impacto desta reestruturação, pelo que me reterei apenas nos pontos específicos focados nas petições.
Da fusão anunciada não resultou nem a tão temida perda de identidade nem os graves prejuízos para o bom desempenho até então prestado. Hoje podemos afirmar que os serviços foram optimizados e que como resultado desta operação surgiram melhores prestações.
A dinâmica criada pelo lançamento da PORBASE-Base Nacional de Dados Bibliográficos não desapareceu. Bem pelo contrário, assumiu uma nova dinâmica que em muito beneficiou os diversos utentes.
Finalmente, não foi, de forma alguma, posta em causa "a maior rede coerente de infra-estruturas culturais".
É evidente que, ao discutirmos hoje estas petições, nos colocamos numa posição de vantagem sobre os seus subscritores, pois podemos constatar todos os benefícios resultantes da reestruturação sobre a qual estas incidiram.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Através das petições n.ºs 88 e 95/VI (1.ª da iniciativa da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas-BAD, 1126 e 3007 cidadãos, que subscreveram uma e outra, pediam que esta Assembleia se pronunciasse sobre o processo de reestruturação então em curso de diversos organismos sob a tutela da Secretaria de Estado da Cultura. Estão estas petições datadas, respectivamente, de Março e Abril de 1992, sendo, desde logo, de relevar o facto de só hoje subirem a Plenário.
Não poderei, no entanto, deixar de recordar que estas petições são a confirmação daquilo que o meu grupo parlamentar teve a ocasião de afirmar e denunciar em várias circunstâncias, nomeadamente em intervenção por mim feita, nesta Casa, em 29 de Abril desse mesmo ano.
Dizia eu nessa oportunidade - peço licença para me citar - que "por maioria de razões quando de cultura se trata, qualquer reestruturação, qualquer alteração orgânica visando a racionalização funcional e uma exigente gestão dos recursos, não se esgota na mera dimensão normativa e formal. Há que contar com as pessoas, há que mobilizar as pessoas, fazê-las participar com a sua criatividade, a sua experiência, a sua vontade e generosidade".

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Ou seja, os peticionários, ao recorrerem a esta Assembleia, não só manifestavam legítimas preocupações em relação ao processo de reestruturação empreendido, como denunciavam o voluntarismo e a ausência de diálogo que caracterizaram tal processo.
Mas referiam-se eles especificamente à fusão da Biblioteca Nacional com o Instituto Português do Livro e da Leitura, questionando as razões, a justeza e os objectivos de tal medida. Com efeito, não se percebia então, como hoje ainda não se percebe, qual a vantagem em retirar autonomia e em esbater a identidade de uma Biblioteca Nacional que, por definição, deve desempenhar, com dignidade institucional, três grandes funções: de biblioteca erudita, de agência bibliográfica nacional e de unidade de investigação. 15so, com o, objectivo de a amalgamar com um organismo de natureza e fim totalmente distintos, que se deveria caracterizar pelo dinamismo e pela operacionalidade, necessários às actividades promocionais do livro e da leitura.
Não obstante, a fusão concretizou-se. Poderia dizer-se hoje que, não tendo havido vantagens funcionais visíveis e avaliáveis, as houve, pelo menos, no domínio da gestão dos meios financeiros.
Factos recentes parecem, no entanto, não permitir tirar sequer essa conclusão optimista. Na verdade, recordarei que ainda recentemente a imprensa se fez eco de um documento datado de Agosto último, subscrito pela Presidente do agora IBL e dirigido ao Sr. Secretário de Estado, onde se falava das "restrições orçamentais" a que se teria de proceder até ao fim do ano de 1993, que seriam "dramáticas para o funcionamento da instituição".
Ou seja, constata-se que se mantém a instabilidade orçamental e a precariedade funcional, aspectos que não parece ser possível resolver solidamente se atentarmos ainda no facto de a dotação para o instituto em questão no Orçamento do Estado para 1994 registar um mero aumento de 2,6 % (que, portanto, nem chega a metade da inflação prevista) em relação ao ano anterior.
Concluindo, os problemas da cultura em Portugal, das instituições e das pessoas que a sustentam e lhe dão vida não se resolvem com fogos de vista e com voluntarismo, nem muito menos com as manifestações de auto-congratulação em que é exímio o Sr. Secretário de Estado. Esses problemas exigem, sim, sentido de Estado, bom senso e até bom gosto.
Esperemos que o futuro não continue a dar razão às preocupações expressas pelos peticionários há quase dois anos atrás.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

0 Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como que simbolicamente, nove meses depois da sua entrada nesta Casa, sobe hoje ao Plenário a Petição n.º 88N1 (1.2), na qual se solicita que a Assembleia da República se debruce com atenção sobre as implicações da chamada reestruturação dos serviços dependentes da Secretaria de Estado da Cultura, então em curso, na Biblioteca Nacional e no Instituto Português do Livro e da Leitura. A lentidão com que nesta Casa se desenrola o processo das petições faz com que, infelizmente e com frequência, o seu conteúdo se encontre desactualizado no momento em que acabam por subir a este Plenário.
Julgamos não valer a pena continuar a relevar este absurdo, assim como o prejuízo que ele causa à credibilidade da Assembleia da República no seu relacionamento institucional com os cidadãos. Mas não é menos verdade que esta lentidão acaba também por revelar potencialidades inesperadas- a que chamaríamos positivamente perversas- do instituto da petição, na medida em que não raramente somos confrontados com a confirmação a posteriori da razoabilidade, da sensatez e da pertinência dos alertas que enformam o conteúdo das petições.
0 que muitas e muitas petições simplesmente nos acabam por dizer é: "Estão a ver como tínhamos mesmo razão?" Mantêm, neste sentido, apesar do seu aparente desfasamento cronológico, toda a sua força política e todo o seu carácter pedagógico. Assim este Governo e a maioria que o suporta as quisessem ouvir! Claro que "ouvir" é coisa a que este Governo está pouco habituado - e ainda bem recentemente ficou claro que não permitirá que algo tão comezinho como a aceitabilidade das leis possa pôr em causa a governabilidade do País! E nós, ingénuos, a pensarmos que a aceitabilidade era - não a única, certamente - mas uma das condições da governabilidade!...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome de uma eficácia de que ninguém vê os resultados - os resultados positivos, queremos dizer -, o Governo, através da Secretaria de Estado da Cultura, corta a direito. Ouvir os interessados, ouvir os especialistas, torna tudo tão demorado! E corre-se até o risco de que eles nos demonstrem que têm razão. Como, aliás, acontece na petição ora em apreço.
Nela, os bibliotecários, arquivistas e documentalistas através da sua Associação representativa, de âmbito nacional- alertavam para os riscos de uma reestruturação que não salvaguardasse esses papéis fundamentais desempenhados pela Biblioteca Nacional e pelo Instituto Português do Livro e da Leitura na cultura portuguesa. A Associação manifestava já então o seu total desacordo pela extinção de um organismo como a Biblioteca Nacional e a sua substituição por um outro que, apenas em nome de uma pretensa economia de meios, não garantiria a dimensão e a orgânica adequadas à prossecução de funções inalienáveis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A realidade tem vindo infelizmente a demonstrar que possuía toda a razão de ser o alerta lançado pelos bibliotecários, arquivistas e documentalistas. Mais: que o seu alerta apenas pecava por defeito. Mais do que uma reestruturação pervertida por critérios economicistas, mais do que uma reestruturação à revelia dos trabalhadores, técnicos e especialistas ligados às instituições, mais do que uma reestruturação contra a cultura e identidade nacionais, mais do que uma reestruturação que burocratiza, centraliza e finalmente põe em causa uma Rede Nacional de Leitura Pública, mais do que tudo isto, esta reestruturação coloca à frente da cultura- tal como o Governo e a SEC a entendem- autênticos homens-de-mão do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Secretário de Estado, e de que são exemplos as brilhantes lantejoulas de um teatro acefalizado ou o controlo policial do acesso dos investigadores aos chamados "arquivos da PIDE/DGS".

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estas duas petições, infelizmente pela lentidão própria dos trabalhos parlamentares, inscrevem-se num grupo cujo núcleo essencial já tinha perdido actualidade. No entanto e sem prejuízo de se poderem tecer sobre o seu conteúdo considerações de política geral, o facto é que, como petições, como elementos que justificam que os cidadãos se dirijam à Assembleia da República- e por lentidão desta-, pereceu o interesse da petição. Em todo o caso, foram mencionadas e viu-se sobre cada uma delas as posições que os grupos parlamentares entenderam dever tomar.
Vamos passar agora a um segundo grupo de petições, essas, sim, com actualidade, mas antes quero saudar todos os cidadãos presentes, que aqui estão para ouvir o eco que a sua manifestação cívica encontrou na Câmara, e, ao mesmo tempo, apresentar as desculpas pelos atrasos inevitáveis provocados pelo grande volume de petições apresentadas.
Todavia e porque se trata de uma representação institucional, aproveito para saudar a Sr. Dr.ª Maria de Jesus Serras Lopes, ex-Bastonária da Ordem dos Advogados e o Sr. Dr. Castro Caldas, actual Bastonário. Mas é apenas por serem uma representação institucional que os especifico diante de todos os outros cidadãos aqui presentes.
Vamos, pois, passar à apreciação da petição n.º 97/VI (1.º), apresentada pelo Sr. Rogério Mestre Gonçalves e outros, relativa à criação de mecanismos que permitam o desenvolvimento da área adjacente à Mina de S. Domingos, no concelho de Mértola.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Leite Machado.

O Sr. Leite Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º 97/VI (1.ª), subscrita por 1190 cidadãos, é da autoria do núcleo dos Amigos do Concelho de Mértola, em Lisboa, Liga dos Amigos da Mina de S. Domingos, Junta de Freguesia de Corte do Pinto, Câmara Municipal de Mértola e tem por finalidade denunciar a crescente degradação de todo o "Couto Mineiro" que está por explorar há mais de um quarto de século o que é impeditivo do desenvolvimento da área adjacente a S. Domingos com a consequente deterioração do tecido económico e social da povoação.
Estas, então famosas, minas situadas no Baixo Alentejo, a 18,2 km de Pomarão, na serra do mesmo nome, localizam-se na margem direita do rio Chança, entre as freguesias de Corte do Pinto e Santana de Cambas, concelho de Mértola. Tornaram-se notáveis por serem as mais ricas em cobre e a sua exploração remonta à dominação romana e árabe. Nas escavações efectuadas era frequente encontrarem-se objectos de grande valor arqueológico tendo, entre eles, sido encontrado, em 1867, uma moeda em ouro, da época do Imperador Nero, de grande valor numismático.
Rasgada por avenidas e construções de aspecto alegre e risonho, a aldeia de S. Domingos é dotada de estruturas sociais, actualmente desactivadas, tais como biblioteca, teatro, campos de futebol e de ténis e uma linha férrea privativa de 18 km, que remonta
m aos tempos áureos da plena laboração. Esta importantíssima mina de pirite cúprica foi explorada desde meados do século XIX (1857) por Nicolau Bianca que cedeu os seus direitos a Ernesto Deligny, Luis Decozes e Eugênio Leclerc. Mais tarde é detentora da propriedade a sociedade anónima La Sabina que cedeu a exploração à sociedade inglesa Mason and Barry, Lda., de Londres, que entre 1859 e 1866, empregava cerca de 2300 trabalhadores e exportava perto de 700000 toneladas de pirites.
Localizadas em subsolo rico em manganês, cobre e chumbo, as minas de S. Domingos entraram em declíneo e a sua degradação foi tal que teve como consequência o encerramento, há cerca de 25 anos, deste magnífico complexo mineiro, o que asfixiou economicamente toda a região. Considerando que aproximadamente 2300 ha são propriedade privada pertencente à Sociedade Anónima de Capitais Estrangeiros, La Sabina, com sede em Huelva, pretendem os peticionários o desbloqueamento da área pois a situação actual não permite o aproveitamento daquele património de arqueologia industrial causando a degradação da situação sócio-económica com o consequente desemprego.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há cerca de um ano deslocou-se pela primeira vez a S. Domingos o Primeiro-Ministro, Prof. Cavaco Silva, que percorreu toda a região e tomou contacto com a realidade actual daquelas estruturas tendo-se ali deslocado, posteriormente, elementos do seu Gabinete para levantamento da situação. Para além deste aspecto de importante relevância, vários outros membros do Governo já ali se deslocaram para, em cooperação com a Câmara de Mértola e outras forças vivas da região, encontrarem soluções para os problemas com os quais o PSD está profundamente preocupado.
Para nós é insustentável e incompreensível que uma empresa estrangeira, no caso a La Sabina, seja detentora de toda uma freguesia, terrenos, habitações e demais estruturas, como se de uma "coutada" se tratasse, sem que a mesma rentabilize os terrenos e estruturas existentes e concretize a sua finalidade económica e social.
Assim, o PSD associa-se ao espírito desta petição e sensibilizará o Governo para a aceleração definitiva de uma solução sobre toda esta situação. É necessário revitalizar o tecido social e económico do Alentejo sob pena de quanto mais tarde mais acentuada será a desertificação humana, geográfica e económica que a todo o custo devemos e desejamos evitar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como acabou de dizer o Sr. Deputado do PSD, esta situação é do conhecimento do Governo, dos Deputados eleitos pelo distrito de Beja e de todas as outras entidades. Só que se arrasta há 30 anos e expressões de boa vontade como as que acabámos de ouvir têm sido muitas - designadamente quando o Sr. Primeiro-Ministro lá foi disse que ia resolver a situação mas esta continua por resolver. Esperamos que as palavras que acabámos de ouvir tenham uma objectivação, isto é, que o problema venha a ser resolvido.
São Domingos é uma serra no sudoeste alentejano. A história da Mina de S. Domingos, do Pomarão e das suas gentes, poderia ter saído de uma daquelas extraordinárias obras de Gabriel Garcia Marquez. É, contudo, a história bem real e presente, de duas povoações e par-

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te de um concelho, o de Mértola, que são propriedade de um empresa estrangeira, a Lã Sabina. Uma história que começa em 1859, e que ainda não se sabe, nem quando nem como vai acabar. A história contemporânea, que já foi traçada e com a qual estou de acordo, começa a 12 de Janeiro de 1959, quando a mina passa a pertencer à sociedade Lã Sabina, que tinha sede em Paris apesar de constituída em Huelva e com posição de sociedade anónima em Portugal, solução que lhe permitiu a obtenção de direitos de exploração.
Com a exploração da mina nasce o maior complexo mineiro do País e desenvolvem-se duas povoações- a Mina de S. Domingos e o Pomarão. É instalada a primeira central eléctrica do Alentejo e montada a primeira linha ferroviária do País, numa distância de 17 km, ligando a Mina de S. Domingos ao Pomarão, onde são construídas as instalações portuárias para escoamento do minério, designadamente para a Grã-Bretanha.
A face negra da mina residiu na exploração desumana e numa vida sem um mínimo de condições dignas para os mineiros, as suas mulheres e filhos. As crianças eram, a partir dos 12 anos, usadas em trabalhos no fundo das galerias subterrâneas. Por isso, a Mina de S. Domingos foi palco de manifestações e greves, sede do Sindicato Mineiro e, entre 1930 e 1931, lá se publicaram 22 números do periódico A Voz do Mineiro.
Em 1962 a fábrica de enxofre é fechada e aqui começa o declínio e a morte da Mina de S. Domingos. Em 1965, há 29 anos, a empresa concessionária, a Mason & Barry, decide o encerramento da Mina. Em 1967, as represas são abertas e a Mina inundada, para impedir o acesso à zona de extracção; a 22 de Abril de 1968 é anunciada a falência da Mason & Barry e nesse ano é feito o último despedimento.
Com a falência da empresa concessionária, regressa a Lã Sabina, que há 110 anos atrás concessionária à Mason & Barry a exploração da zona. É então que a Lã Sabina se comporta como uma potência a agir em território colonizado, comportamento que ainda hoje não cessou. Apesar da proposta então feita para a revitalização das localidades e da zona com a implementação de um importante projecto na área do turismo, a Lã Sabina, não dando ouvidos a essa proposta, desmantelou completamente as infra-estruturas do complexo mineiro e sociais, vendendo para a sucata tudo o que existia de metálico, assistindo-se à mais fria e sistemática destruição de um património de interesse arqueológico para a época industrial de que se tem notícia em todo o Alentejo e abandonou a área de que é proprietária, situação em que se mantém.
0 encerramento da mina e o impedimento por parte da empresa, com o consentimento do Governo de então, de se avançar para o proposto projecto de desenvolvimento turístico, gerou uma grande recessão económica e social do concelho de Mértola e o despovoamento do concelho de Mértola (tinha 27000 habitantes em 1960, 11000 em 1980 actualmente tem menos), no qual a actividade mineira constituía a principal actividade económica.
Perante esta situação, foi elaborado e já está aprovado pela Câmara Municipal de Mértola, um Plano Geral de Urbanização para a Mina de S. Domingos e o Pomarão. Com este plano pretendem-se "criar condições para a revitalização de S. Domingos e do Pomarão, uma vez que estes locais têm para oferecer um extraordinário património natural, urbano e arquitectónico", que poderá e deverá ampliar o património já existente em Mértola, cuja valorização e organização é fruto do trabalho que está a ser feito e já é reconhecido a nível nacional e que, como se sabe, é dirigido pela equipa de Cláudio Torres.
Além disso, o seu enquadramento geográfico é muito bom dada a sua proximidade de Espanha e a navegabilidade do Rio Guadiana (até Vila Real de Santo António) e da Albufeira do Chança, bem como a qualidade dos factores climáticos, que fazem da Primavera e do Outono as melhores estações para a prática do turismo, o que permite funcionar em complementaridade com outras regiões, como seja a costa algarvia, da qual dista apenas 70 km.
A La Sabina, embora tenha perdido em 1984 a concessão da exploração mineira, continua a ser proprietária do solo (2200 a 2300 ha) onde assenta a povoação da Mina de S. Domingos, assim como de 76 % das suas casas de habitação, e de cerca de 60 % das casas do Pomarão - isto é uma situação extraordinária que não se percebe como é que pode acontecer em 1994. 0 facto do solo e de parte da localidade ser propriedade de uma empresa estrangeira, tem impedido e impede a integração desse território no ordenamento nacional, impede a solução do problema das habitações, impede a execução do já falado Plano Geral de Urbanização para a Mina de S. Domingos e o Pomarão.
0 Grupo Parlamentar do PCP, querendo contribuir para a solução desta questão, vai entregar de imediato na Mesa da Assembleia da República um projecto de resolução, que, espero, tenha o apoio dos outros grupos parlamentares, no qual se propõe que a Assembleia da República se pronuncie no sentido de serem encontradas medidas com vista à solução da questão da propriedade do solo e da questão das casas de habitação da Mina de S. Domingos e do Pomarão, que são propriedade da empresa Lã Sabina, de forma a permitir a integração dessa área no ordenamento do território e assegurar os direitos das populações e dos habitantes dessas casas.
A manter-se a actual situação, a Mina e o Pomarão serão a curto prazo povoações fantasmas, em ruínas e desertificadas. Está nas *mãos da Assembleia da República, nas nossas mãos, Srs. Deputados, evitar mais sofrimentos àquelas pessoas e abrir-lhes o caminho da esperança para uma vida melhor e mais digna. Sejamos solidários e justos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr." Deputada 15abel Castro.

A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, manifesto o meu apreço pela intervenção do Grupo Parlamentar do PSD, que manifestou o desejo de dar outro destino à vida da população da Mina de S. Domingos. Como há uma proposta concreta, desejo que as palavras se transformem em acto, que é da mais elementar justiça não só pela riqueza patrimonial da área de que estamos a falar, não só por ser confrangedor ver a sorte das populações que vêem degradar e desertificar um espaço, mas por ser particularmente importante num concelho que tem 60 % da sua área ocupada por causa de uma Lei da Caça que inviabiliza o desenvolvimento da região e a trans-

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forma numa coutada sem que isso tivesse significado novos postos de trabalho e desenvolvimento.
Por último, saúdo o Grupo Parlamentar do PSD acrescentando que subscrevo desde já a solução do problema.
Aplausos de alguns Deputados do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou fazer a história da Mina de S. Domingos porque os colegas que me precederam já o fizeram de uma forma que me pareceu bastante correcta e exaustiva. Porém, gostaria de convidar os meus colegas que não conhecem a Mina de S. Domingos a deslocarem-se a Mértola e a visitarem Corte do Pinto e a própria Mina porque é das regiões mais bonitas, mais curiosas e simultaneamente mais estranhas do nosso país. Trata-se de uma mina inundada, que está numa região privilegiada, tendo mesmo uma albufeira que também é extraordinariamente bonita e que podia ter uma outra utilização, uma vez que não pode ser a mineira, que permitiria fixar populações e dar-lhes um futuro e até um futuro risonho.
No entanto, nada disso acontece, como explicaram os meus colegas, pois existe uma empresa que já não tem a concessão da exploração da mina mas que é dona, em território português, dessa região.
Em primeiro lugar, gostaria de chamar a atenção para o facto de um concelho, que tem tão pouca população, conseguir apresentar, em Lisboa, uma petição com mais de 1000 assinaturas, o que significa que toda a população de Mértola, mesmo a que lá não vive, e todos aqueles que a conhecem, sabe como é importante encontrar uma solução para este problema.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também gostei muito de ouvir, hoje, o PSD falar da sua abertura a uma solução mas, como o PSD é responsável pelo Governo há tantos anos, já a poderia ter encontrado. Todavia, nunca é tarde!
Nós próprios tínhamos encarado duas soluções possíveis, a expropriação e a expropriação em direito de superfície, que ajudava a resolver o problema de uma forma menos onerosa para a Câmara, mas quem conhece os recursos da Câmara de Mértola sabe que, em qualquer dos casos, estes são meios que extravasam, e muito, as suas possibilidades. Assim, ou o Governo intervém directamente com meios e o PDR poderia estar aí para resolver este problema, ou muito dificilmente ele será ultrapassado.
Entretanto, não ouvi falar nesse assunto mas as notícias mais recentes são bastante mais optimistas: primeiro, Lã Sabina, desde o ano passado, passou a ser uma sociedade portuguesa, embora formada por capital estrangeiro; segundo, esta sociedade parece ter agora outra abertura em relação ao problema, que é um problema social fundamental. As pessoas vivem em casas que não são suas, nas quais não podem fazer obras porque não lhes pertencem ou estarão a "fazer filhos em mulheres alheias", pelo que é fundamental resolver esse problema.
Mas as notícias que tenho são de que a nova Lã Sabina está interessada em vender as casas aos actuais residentes ou a pessoas que, eventualmente, venham a ocupar as casas que estão abandonadas, o que permite pensar que estamos em vias de resolver rapidamente a situação social destas pessoas e também de um futuro aproveitamento turístico da região, que beneficia de um porto extraordinariamente perto, o do Pomarão, da Ribeira de Chança, que tem uma barragem lindíssima, que podia também ser aproveitada, e da própria barragem que fica na Mina de S. Domingos.
Penso que há hipóteses de resolver esta situação, sobretudo se houver, junto da empresa, posições do Estado no sentido de dizer que queremos este assunto resolvido e, ou a empresa resolve a bem, com a população, ou, se não resolver a bem, através do PDR, o Governo tomará as medidas e dará os meios financeiros necessários para que haja uma expropriação daquela região.
Espero que a proposta que o PCP fez e que engloba a necessidade de resolver este problema, venha a beneficiar do apoio total desta Câmara, pois com isso daremos um importante impulso à solução de uma questão que é absolutamente fundamental.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Terminou a discussão, que, aliás, passa por questões constitucionais, como é visível para quem conhecer as regras básicas de protecção do direito de propriedade.
Passamos agora à petição n.º 111/VI (1.a), subscrita em primeiro lugar pela Sr.ª Dr.ª Maria de Jesus Serra, Bastonária da Ordem dos Advogados, e outros, onde se pede que seja considerado ilegal colocar o advogado em posição de contribuinte económico do IVA e se propõe que as isenções passem a ser restauradas, tendo como finalidade maior facilidade no acesso à justiça por parte dos cidadãos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

0 Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já a propósito de várias intervenções nesta matéria de petições, tem sido chamada a atenção, até por V. Ex.ª, Sr. Presidente, para o atraso com que estamos a responder às petições que entraram nesta Casa. Só que, neste caso, tal como noutros, o atraso não justificou que o problema já estivesse resolvido, continuando ele exactamente na mesma e, porventura, pior ainda do que estava na altura em que esta petição foi dirigida a esta Câmara.
As relações entre o IVA e os serviços de justiça são, Sr. Presidente e Srs. Deputados, bem demonstrativas do posicionamento e da postura deste Governo perante a justiça e o acesso à justiça.
Efectivamente, trata-se de uma história atribulada. Sempre sob o pretexto da harmonização tributária na Comunidade, designadamente do IVA, quando é sabido que Portugal se adiantou manifestamente, não usando totalmente dos prazos de que podia ter usado para ir realizando paulatinamente essa harmonização, no que diz respeito à justiça, para além da introdução do IVA inicialmente e do aumento da sua taxa de 8 para 16 %, surge em Março de 1992 aquilo que consideramos- e que considera a Ordem dos Advogados e, por isso mesmo, dirigiu esta petição à Assembleia da República uma autêntica aberração, porventura mesmo uma violação dos dispositivos constitucionais do acesso ao direito e à justiça.

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De facto, existia até Março de 1992 uma isenção que abrangia os serviços de justiça quando prestados a determinadas categorias de cidadãos, como os desempregados e os reformados, a determinadas categorias de cidadãos quando peticionassem em determinado tipo de acções - era o caso das acções de natureza laboral -, de um modo geral, no que respeitava às acções sobre o estado das pessoas e, ainda, e naturalmente, quando tais pessoas beneficiassem de assistência judiciária. Com a passagem de um sistema de isenção, de uma taxa zero, para uma taxa de 5 %, vem agravar-se substancialmente os custos da justiça nestas categorias de acções e de pessoas que, manifestamente, deveriam ter do Estado uma protecção muito especial.
E a prova de que assim é está nas intervenções variadas do Sr. Ministro da Justiça, desde logo na discussão do Orçamento para 1992, ao chamar ele próprio a atenção (aliás, em resposta a intervenção minha na Comissão) para o excessivo custo da justiça em Portugal e para o agravamento que significava a introdução desta taxa de IVA de 5 % para estas categorias de acções e para estas categorias de pessoas. Só que o Sr. Ministro nem sequer se terá apercebido da situação em todas as suas consequências.
A verdade é que, nessa intervenção, o Sr. Ministro disse, textualmente, que a taxa do IVA, no que diz respeito à assistência judiciária, descia. Ora bem, passados dias, em intervenção televisiva, "metia os pés pelas mãos" e dizia que, afinal, não era bem assim e que, realmente, iria haver IVA para os processos do foro vulgarmente conhecido pela assistência judiciária.
A preocupação da Ordem dos Advogados subdivide-se, digamos assim, em duas preocupações, uma das quais é de natureza social. Os advogados, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não estão naturalmente preocupados em pagar o IVA, visto que nunca lhes passou pela cabeça (terá passado pela cabeça do Sr. Ministro da Justiça, isso sim!) que fossem os próprios advogados a pagar o IVA do seu bolso - isto no que se refere aos processos de patrocínio oficioso.
Ora, o que é que se passa hoje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é um autêntico desconchavo- não tem outro nome - e é o seguinte: o cofre dos tribunais paga à Ordem ou aos tribunais, consoante o caso, o IVA corresponde à factura de prestação de serviço dos advogados e estes vão entregá-lo no Ministério das Finanças. Vejam VV. Ex.ªs que conduzem estas abstrusas situações criadas por um Governo que tem mostrado grande insensibilidade a este tipo de problemas! 15to implica que não são os advogados que pagam o IVA- obviamente não podem ser eles os contribuintes finais do IVA mas é o próprio Estado que paga a si próprio, passando as verbas dos cofres dos tribunais para o Ministério das Finanças!
Com o terminar da autonomia financeira dos cofres, perguntamo-nos como é que irá ser e bom era que o Ministério da Justiça nos desse algum esclarecimento a esse propósito. Uma coisa é certa: o Estado pagará ao Estado e isto continuará por um percurso sinuoso que passa dos cofres para a Ordem, da Ordem para o advogado e do advogado outra vez para os cofres do Estado, embora outros, neste caso, os cofres do Ministério das Finanças.
Mas fica de pé, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma parte social do problema - parte extremamente gravosa- que é o aumento dos custos para os consumidores
finais da justiça quando eles não tenham patrocínio oficioso. Trata-se, como já referi, das várias categorias de reformados, dos trabalhadores em processos laborais, dos desempregados e também de todos aqueles que tenham de recorrer aos tribunais para acções sobre o estado das pessoas.
0 PS, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tem apresentado nesta Câmara, a propósito dos orçamentos anuais, várias propostas no sentido de minorar os custos, que várias vezes classificou e continua a classificar, como, aliás, o faz a Sr a Bastonária da Ordem dos Advogados, que aproveito para saudar daqui, muito cordialmente, bem como o meu colega, Dr. Castro Caldas, actual Bastonário da Ordem, como os mais altos da Europa e o PS já o provou nesta Câmara. E com esta medida do Governo, de Março de 1992, eles foram, ainda e mais uma vez, agravados.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é - tempo de a Câmara tomar posição, à falta de iniciativas próprias do Governo, que muitas vezes não passam de afirmações absolutamente "tranquilizadoras" do Sr. Ministro da Justiça.
15to porque o Sr. Ministro da Justiça, Sr. Presidente e Srs. Deputados, actua muitas vezes como um tranquilizante, com todas as acções nefastas que estes têm: tenta pôr todos a dormir, relativamente à justiça! Mas nós continuamos acordados, e bem acordados, em relação aos problemas da justiça e este, dos excessivos custos da justiça, é, sem dúvida nenhuma, um dos mais iníquos que existem em Portugal.
A justiça, o direito à justiça e o acesso ao direito não tem, Sr. Presidente, uma dignidade inferior ao direito à saúde, ao direito ao trabalho, ao direito à educação. É tempo de o Governo o perceber e nós continuaremos a fazer todos os esforços nesta Câmara para que assim seja.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr a Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta petição, subscrita pela Sr.2 Bastonária e por advogados portugueses, permitiria, se houvesse tempo para isso, fazer um percurso, ainda que breve, por várias e gravosas medidas relativamente aos cidadãos, no que toca à área da justiça.
Pelo género de actividade e formação que têm, os advogados estão muito bem posicionados para se aperceberem do estado em que se encontra a concretização dos direitos dos cidadãos, nomeadamente do acesso ao direito e aos tribunais, que é a tónica fundamental da petição apresentada.
Os advogados encontram-se, por isso mesmo, em boas condições para observar como o direito social se vem tornando um "parente pobre", através do seu esvaziamento e da colocação de alguns alçapões, como sejam os prazos que fazem precludir direitos dos cidadãos, em matéria laboral e de arrendamento, e que exigem que o Estado cumpra aquilo que a Constituição prescreve, ou seja, garantir o direito à informação e à consulta jurídica a todos os cidadãos.
Porque os advogados se apercebem que não há concretização do acesso ao direito e aos tribunais e que têm sido tomadas graves medidas contra este direito, lideraram, não há muitos anos, uma luta justa em nome dos cidadãos contra um aumento brutal das custas judiciais.

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Porque os advogados se apercebem das dificuldades que são colocadas aos cidadãos no acesso à justiça, lideraram também uma luta justa contra o seu encarecimento, que partia da filosofia de um tribunal de círculo afastado dos cidadãos, obrigando a várias e a caríssimas deslocações.
A justiça é, de facto, uni bem essencial e não um bem de consumo supérfluo ou quase supérfluo. Por isso mesmo, compete ao Governo tomar medidas para concretizar este direito.
0 facto de terem acabado as isenções em relação à prestação de serviços por advogados e o facto de se ter aumentado a taxa de prestação de serviços, vieram, no nosso País, em que não está garantido o direito à consulta jurídica, à informação, ao patrocínio judiciário, agravar a situação. Neste quadro, aquilo que se passou relativamente ao IVA veio ainda colocar o acesso ao direito e aos tribunais numa área reservada só a alguns, de onde, à partida, estão excluídos aqueles que vivem no limiar e abaixo do limiar de pobreza e que têm direito a concretizar os seus direitos e a ser informados.
Li na petição algumas referências que considero curiosas. Li, por exemplo, que há serviços, como a dos artistas tauromáquicos, que estão isentos de IVA. Os tribunais não são, de facto, uma arena onde as pessoas vão recriar-se, são locais onde, depois de esgotadas todas as vias, os cidadãos buscam a realização dos seus direitos. Os tribunais são, de facto, o último reduto para a concretização dos seus direitos. Por isso, a justiça não deve ser reservada apenas a alguns.
Imaginem VV. Ex.- que um advogado, no decurso de um processo assaz complicado, entende que seria necessário pedir um parecer a um jurista mais conceituado, que poderia influenciar decisivamente a resolução do caso. Já pensaram quanto é que o cidadão teria de pagar de IVA por esse parecer?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta medida tomada quanto ao IVA sobre os serviços prestados pelos advogados parece-me como que uma restrição a um dos direitos fundamentais, restrição essa sobre a qual a Assembleia da República deve tornar unia posição contrária àquela que tomou sempre que se discutiu o Orçamento do Estado. A Assembleia da República deve, de facto, garantir um direito fundamental dos cidadãos, o direito à justiça.

Vozes do PCP:- Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.3 Deputada 15abel Castro.

A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de dizer que concordo com as intervenções feitas até agora. Todavia, há três questões que queria sublinhar, pois parece-me interessantes.
A Sr.ª Deputada Odete Santos já se referiu à primeira questão que queria abordar e que tem a ver com a própria valorização social que se atribui à actividade do advogado. Pensar que a prestação de serviços à um advogado a um cidadão é objecto, no sistema fiscal português, de IVA e que, por exemplo, as actividades de desportistas, as empresas funerárias, os professores privados e os artistas tauromáquicos não o são, leva-nos a fazer curiosas e bizarras interrogações sobre o sentido que se atribui ao papel que cada um deve ter.
Penso que esta é a primeira constatação sobre a qual o Parlamento deve reflectir.
A segunda questão que queria abordar é a seguinte: sendo errado onerar a prestação de serviços por parte dos advogados com IVA, fez-se crer à opinião pública e ao cidadão descuidado que fazer incidir sobre essa actividade o IVA era uma certa forma de justiça, dando a ideia errada de que os advogados são pessoas muito ricas, que ganham muito dinheiro, pelo que fazer incidir sobre eles este imposto era um benefício.
Creio que é tempo de desmontar e clarificar esta ideia deturpada que se tem tentado fazer passar. Efectivamente, o IVA reverte exclusivamente para o Estado, pelo que não é o advogado o beneficiário do seu pagamento, pelo contrário, ele é penalizado, e o único prejudicado é o cidadão.
Penso que é óbvia a importância desta petição, na medida em que não basta a Constituição dizer que é garantido a todos o acesso à justiça. Mais do que dizê-lo importa garanti-lo efectivamente e, aqui, o IVA é tão-só mais uma forma de obstaculizar as muitas outras que os cidadãos têm de livre acesso à justiça.
A proposta que nos comprometemos a apresentar aqui, hoje, é a de fazer com que todo o grupo de pessoas às quais era atribuída a taxa zero na prestação de serviços por advogados - os desempregados, os reformados, os que beneficiam de assistência jurídica, os trabalhadores com processo laboral e quaisquer pessoas que em qualquer processo sobre o Estado possam beneficiar de novo de uma taxa zero. 15to não resolve o conjunto dos problemas, mas é um importante passo que o Parlamento deve dar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

0 Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais de 1000 advogados portugueses, tendo à frente a Sr.ª Bastonária da Ordem dos Advogados, a quem cumprimento, bem como ao Sr. Bastonário em exercício, vieram, em 1992, expor à Assembleia das República o seu inconformismo acerca de diversas questões relativas ao IVA. Nasceu, assim, esta petição, que chega ao Plenário dois anos depois.
Os advogados vieram dizer que não aceitam o agravamento das taxas do IVA que incidem sobre os serviços profissionais prestados pelos advogados portugueses. A história é fácil de contar.
Em 1986, quando sucumbiu o Código do Imposto de Transacções, entrou em vigor o Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, vulgarmente conhecido por IVA. Os jurisconsultos, os advogados e solicitadores, portanto, as profissões ligadas ao Direito ficaram isentas da sua aplicação. Mais tarde, em 1988, acabou a isenção! Os serviços prestados por aqueles profissionais passaram a ser tributados em IVA à taxa de 8 %.
Por razões de ordem social, exceptuaram-se, então, ficando isentos, apenas os serviços prestados a reformados ou desempregados, as pessoas que beneficiassem de assistência judiciária, os trabalhadores com processos judiciais de natureza laboral e os processos sobre o estado das pessoas. Sobre estes serviços não incidia, então, IVA. A partir de 1992 tudo mudou! A taxa do IVA, na generalidade dos serviços, passou a

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ser de 16 % e, naquele domínio em que a natureza social dos serviços tinha justificado a isenção, esta também acabou, passando a aplicar-se uma taxa de 5 %.
No fundo, a petição subscrita por mais de 1000 advogados portugueses foca duas situações de incidência do IVA sobre os seus serviços profissionais: a primeira é a de que, em 1987, todos os serviços estavam isentos, enquanto a partir de 1992 ficaram sujeitos a uma taxa que passou de 8 % para 16 %; a segunda situação - ainda actual e mais grave - é a de que, quanto aos serviços profissionais cuja isenção se justificava por razões de natureza social, acabou a isenção em 1992, passando a sofrer a incidência de uma taxa que, apesar de se chamar "reduzida", é de 65 %.
Temos de compreender que os advogados portugueses se insurjam e não aceitem tal taxa. Quando, em 1977, o Conselho das Comunidades Europeias, pela 6 a Directiva, estabeleceu a matéria colectável sobre que incidiria o Imposto sobre o Valor Acrescentado esqueceu-se então do caso especial dos profissionais de Direito. Proeurou estabelecer regras para a integração das economias e harmonização das legislações dos diversos Estados, quis assegurar que o orçamento das Comunidades seria financiado pelos seus recursos próprios entre os quais estão, naturalmente, as receitas do IVA mas esqueceu-se dos advogados, dos seus serviços profissionais, cuja natureza teria justificado a isenção.
A função social dos advogados e dos seus serviços deveria ter estado na base de um tratamento especial, como aconteceu com os médicos, mas o Conselho das Comunidades esqueceu-se e produziu a 6.ª Directiva em 17 de Maio de 1977, a qual sofre, portanto, deste pecado.
0 advogado, ao longo dos tempos, tem assumido sempre um compromisso com o Direito e corri a justiça; encontramo-lo sempre contra o forte que oprime e ao lado do fraco que precisa; é um defensor natural da liberdade e dos direitos humanos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Já foi dito que os advogados são os verdadeiros protectores da sociedade contra o povo e o poder melhor arbitrário. Em todas as ditaduras os advogados são sempre perseguidos e, por vezes, eliminados.
Tudo isto porquê? Porque o advogado foi sempre um servidor da justiça e do Direito e é isto que confere aos seus serviços e à sua função a natureza social que justificaria a isenção.
A antiga assistência judiciária e o moderno acesso ao Direito que a Constituição garante no seu artigo 20.º não teriam sido possíveis sem o esforço, a generosidade e o entusiasmo dos advogados portugueses.
Mas, voltando à razão desta petição, que é o IVA, direi ainda que tem, de facto, de reconhecer-se que é especialmente difícil aceitar o IVA, mesmo à taxa reduzida de 5 %, quando os serviços profissionais do advogado são prestados a reformados, a desempregados, a pessoas que por insuficiência de meios económicos recorrem ao apoio judiciário ou, ainda, nas acções sobre o estado das pessoas.
É sabido que no apoio judiciário os serviços profissionais dos advogados são pagos pelo Estado segundo tabelas publicadas de valor reduzido, normalmente desactualizadas. Fazer incidir o IVA à taxa de 5 % sobre os honorários tabelados que o advogado recebe do apoio judiciário é, pelo menos, uma violência, que torna bizantino o próprio sistema. É o Estado que paga pelo Ministério da Justiça e é o próprio Estado que recebe pelo Ministério das Finanças. No circuito há toda uma burocracia inútil a suprimir e a economizar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Esta petição, subscrita por mais de 1000 advogados portugueses, é uma cruzada para dar a conhecer ao Parlamento um protesto importante contra esta solução e convence o cidadão de boa fé. Shakespeare disse: "Saca sempre a tua espada por uma boa causa". Esta parece-me ser uma boa causa e as boas causas, Srs. Deputados, nunca se perdem. 0 que acontece é que, por vezes, demoram tempo a ser ganhas...

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, permita-me V. Ex.ª que saúde a Sr.º Bastonária da Ordem dos Advogados cessante e o actual Bastonário da Ordem.
Este tema reveste-se, sem dúvida, de grande importância.
Foi aqui dito que esta petição é subscrita por mais de 1000 advogados. Não seria preciso que o fosse, pois bastaria a assinatura da própria Bastonária ou do Bastonário da Ordem para ela representar todos os advogados portugueses. Bastaria uma única assinatura para que esta petição tivesse a força moral de, perante esta Assembleia, ver discutida a sua substância.
Quem é o último a falar, naturalmente, não tem de repetir todos os argumentos já aqui apresentados sobre a iniquidade e o exagero desta taxa de IVA. E não tem de os repetir, sobretudo num circunstancialismo como o que hoje nos envolve, de uma crise económica grave, onde todos os dias há violações de leis laborais, falências, acções de reestruturação das empresas e violações constantes de direitos individuais. Aliás, ainda ontem ouvimos dizer, na abertura do ano judicial, que é cada vez maior o número de acções nos tribunais, o que significa que a conflitualidade jurídica não cessa de crescer.
Naturalmente, a questão das taxas de IVA pode representar uma boa fonte de receitas para o Estado, mas traduz uma situação iníqua sob o ponto de vista moral, ético e de exercício da profissão. E é substancialmente iníqua, porque- veja V. Ex a Sr. Presidente, e vejam os Srs. Deputados - numa acção de difamação ou numa acção cível, em que podem estar em jogo milhares de contos ou milhões de escudos, a parte vitoriosa paga o IVA. A parte que saiu vitoriosa num processo-crime contra quem até litigou de má fé e não ganhou a acção, isto é, depois de o tribunal lhe ter dado a acção, depois de ter litigado contra outra parte que age de má fé, depois de um indivíduo ser absolvido num processo-crime, o IVA que ele pagou para obter a sua absolvição, para obter o ganho da causa numa acção cível através do seu advogado, não lhe é restituído. Fez-se-lhe justiça mas, para se lhe fazer justiça, para ele ganhar a causa, para ele obter a sua absolvição, apesar disto, tem de pagar 16% de IVA pelos serviços prestados pelo seu advogado.
Basta ver esta iniquidade, de o direito estar totalmente dissociado da fonte de receita, isto é, não basta ter

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razão nos tribunais, pois mesmo que se tenha razão, mesmo que a acção seja procedente, mesmo que o arguido seja absolvido, ele tem de pagar ao Estado uma taxa de 16 % de IVA por se ter sentado no banco dos réus injustamente, por ter sido agredido, por ter sido civilmente demandado numa acção em que teve ganho de causa.
Basta esta clamorosa ofensa ao próprio direito para que todo este sistema seja repensado. E não estou aqui a falar como advogado nem com um interesse corporativo, estou a falar como cidadão e como representante, livremente eleito, dos cidadãos, estou a falar por aqueles que, injustamente, pagam o IVA e também como servidor do Estado que, injustamente, o recebe.
Nós fazemos parte de órgãos de soberania, fazemos parte do Estado e, pessoalmente, enquanto parte de um órgão de soberania do Estado, tenho a vergonha de dizer que, efectivamente, nesta querela, a taxa de IV A de 16 % sobre todos os serviços prestados por jurisconsultos, por advogados, por solicitadores e também a taxa de 5 % sobre os desempregados e sobre os trabalhadores são uma autêntica violação das normas de um Estado de direito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos de fazer alguma coisa, temos de apresentar um projecto de lei, porque nós sabemos que o Sr. Ministro da Justiça, em si mesmo, é um bom Valium. Simplesmente, o seu efeito passa e, quando o efeito passa, torna-se, como outros neuróticos, um eufórico e, na euforia, é capaz de aumentar ainda mais as injustiças, conforme está a acontecer em todos os outros sectores.
Por isso mesmo, peço a todos os Srs. Deputados, independentemente de serem ou não advogados, pois nós não estamos a defender aqui, nas nossas bancadas, qualquer interesse corporativo, que nos acompanhem para que, unanimemente, seja votada uma resolução no sentido de pedir ao Governo que reveja imediatamente esta iniquidade que recai sobre os aspectos fundamentais da aplicação do direito e do próprio funcionamento do Estado de direito, que é o nosso.

(O Orador reviu).

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos a apreciação da petição n.º 111/VI (1.ª)- Apresentada pela Sr.ª Bastonária Maria de Jesus L. M. Serra Lopes e outros, considerando ilegal transformar o advogado em contribuinte económico do IVA e propondo que as isenções possam ser restauradas tendo como finalidade uma maior facilidade do acesso à justiça dos cidadãos.
Vamos agora proceder à discussão da petição n.º 206/V (4.ª)- Apresentada pela Comissão de Trabalhadores da COVINA, requerendo que sejam salvaguardados os direitos consignados na Lei n.º 46/79, de 12 de Setembro, que envolve o processo da Lei-Quadro das Privatizações.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Dezembro de 1990, 1034 peticionantes, trabalhadores, familiares e reformados da empresa COVINA dirigiram-se a esta Assembleia, dando conta de que: estava indiciada a venda a estrangeiros de todo o capital social público da COVINA; não estavam a ser respeitados os direitos de participação dos trabalhadores, consagrados na Lei n.º 46/79; verificava-se uma total falta de transparência, face ao secretismo que envolvia o processo.
Perante este quadro, solicitavam os peticionantes a intervenção desta Assembleia.
Mais do que começar por lamentar o proverbial atraso com que as petições sobem ao Plenário desta Câmara- neste caso, três anos-, importará fazer um pequeno historial de como, na auto-designada democracia de sucesso do PSD, se destrói uma empresa, neste caso a COVINA, única produtora nacional de vidro plano.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 1986, o Governo do PSD "injectou" na COVINA 12 milhões de contos, visando a sua reconversão tecnológica.
O capital da empresa era de 5 milhões de contos, dos quais 80 % constituíam capital público e 20 % eram pertença da multinacional francesa Saint-Goubain.
Em 1990, o Governo publicou o Decreto-Lei n.º 406/90, autorizando o IPE a alienar o capital público da COVINA.
Nessa data, Sr. Presidente e Srs. Deputados, era já do conhecimento geral o "apetite" da multinacional Saint-Goubain pela aquisição da totalidade do capital da COVINA.
Foi nesse momento que os peticionantes, de uma forma muito oportuna, solicitaram a intervenção desta Assembleia.
Entretanto, o processo de alienação do capital público começa a concretizar-se e os mais de 1200 postos de trabalho da COVINA começam a ser reduzidos. E, de facto, a entidade que adquire ô capital é a multinacional Saint-Goubain, através da sua filial espanhola designada Cristaleira Espanhola, S.A.
É esta empresa que, em Julho de 1991, reforça o capital da COVINA para 10,5 milhões de contos, só não ficando proprietária de duas acções com o valor total de 2000$.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na melhor das hipóteses, por 10,499 998 milhões de contos, a Saint-Goubain ficou na posse total do património de uma empresa onde o Governo português investira, em 1986, 12 milhões de contos.
Este autêntico escândalo, esta venda ao desbarato de uma unidade produtiva, a única fabricante portuguesa de vidro plano, e a redução dos postos de trabalho constituem o retraio da política económica e social do Governo do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os direitos de participação, que a Lei n.º 46/79 reconhece às comissões de trabalhadores, não foram cumpridos em todo este processo. Daí que a Comissão de Trabalhadores da COVINA não pudesse entregar à Comissão de Petições provas efectivas da venda do capital público da empresa a uma entidade estrangeira, neste caso a multinacional Saint-Goubain.
O Governo PSD usou o princípio do "quero, posso e mando", recorreu à política do facto consumado, utilizou o método da falta de transparência e "cozinhou" a negociata no secretismo dos gabinetes ministeriais, como denunciavam os peticionantes.
Tudo isto, Srs. Deputados, como se o capital da empresa COVINA fosse um bem privado dos membros do Governo, do PSD ou do Primeiro-Ministro Cavaco Silva.

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Entretanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Governo PSD, candidamente, através do Ministério das Finanças, informava esta Assembleia, em Dezembro de 1992, num ofício dirigido à Comissão de Petições, que "a COVINA foi alienada pelo IPE, S.A. nos termos e condições fixados pelo Decreto-Lei n.º 406/90, de 26 de Dezembro, e Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/90, de 27 de Dezembro".
Ora, se algum dos Srs. Deputados teve curiosidade de procurar a resolução em causa terá verificado que a mesma se refere à alienação da UNICER e que nada tem a ver com a COVINA.
O Ministério das Finanças, o Governo PSD confunde cerveja com vidro nas informações que presta a esta Câmara, tal está inebriado numa sede de privatizar, privatizar, privatizar.
No mínimo, existe displicência na forma como são encaradas as solicitações da Assembleia da República, por parte do Governo PSD.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É um escândalo a somar-se a outros escândalos!

udo isto, quando estão em causa dinheiros públicos, tudo isto, quando estão em causa postos de trabalho, Srs. Deputados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta postura exige uma redobrada atenção da Comissão de Petições, aquando da elaboração e aprovação dos respectivos relatórios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Prosseguindo no tempo, chegamos a Janeiro de 1994 e confrontamo-nos com a situação de a actividade de produção estar quase totalmente paralisada, estando o seu encerramento definitivo já anunciado para 31 de Março próximo, os postos de trabalho, que eram 1200, em 1986, foram reduzidos para pouco mais de SOO e as instalações da COVINA estão hoje a servir de armazém aos excedentes de vidro produzido em Espanha pela multinacional Saint-Goubain, com vista a abastecer o mercado português.
A concretizarem-se as intenções desta multinacional, face à complacência do Governo do PSD, em Abril próximo, Portugal será o único Estado comunitário que deixará de ter produção própria de vidro plano. Será mais um escândalo a juntar aos outros escândalos já atrás referidos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição que estamos a discutir é mais do que pertinente e actual. Todas as preocupações dos peticionantes estão mais do que confirmadas.
O caso COVINA é um exemplo flagrante da política do Governo de Cavaco Silva e do PSD: destruição do aparelho produtivo, extinção de postos de trabalho, desbaratamento de dinheiros públicos para servir interesses privados e interesses das grandes multinacionais.
Pelas ilegalidades de todo este processo, o Grupo Parlamentar do PCP não admite que esta Assembleia conclua que agora já não há nada a fazer.
Não assistiremos passivamente à destruição do aparelho produtivo que o Governo e o PSD pretendem atirar para as "costas largas" da conjuntura internacional e da recessão.
O Grupo Parlamentar do PCP continuará a não deixar passar em claro, manterá a denúncia persistente de que o Governo e o PSD são os responsáveis pela destruição do aparelho produtivo e pelo aumento do desemprego e poderão ser os responsáveis por, depois de séculos de actividade, Portugal poder deixar de produzir vidro plano a partir de 31 de Março de 1994.
Se tal se confirmar, será mais uma negra data histórica na cronologia da auto-designada democracia de sucesso do PSD.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Trabalhadores, familiares e reformados da empresa COVINA peticionaram esta Assembleia, há mais de três anos, sobre os receios, ao que parece, fundados, acerca do futuro da empresa e de quantos nela trabalhavam.
Pelo conjunto de documentos que constituem este processo, facilmente se constatará que a Assembleia desenvolveu um conjunto de iniciativas, visando a recolha de elementos de análise que lhe permitissem ajuizar da justeza das posições dos peticionários.
Acontece, porém, que as respostas às suas solicitações ou nunca chegaram ao destino- a esta Assembleia - ou foram formuladas de uma tal forma que levaram a concluir não assistir qualquer razão aos peticionários. Para esta conclusão do relator da Comissão, destaco a resposta do Sr. Ministro das Finanças, datada de 4 de Julho de 1992, que afirma, e passo a citar, que "... a COVINA foi alienada nos termos e condições fixadas pelo Decreto-Lei n.º 406/90, de 26 de Dezembro, e Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/90, de 27 de Dezembro".
Do referido ofício do Sr. Ministro só podem ser extraídas por esta Assembleia as seguintes conclusões: os receios contidos na petição em discussão não têm razão de ser, porque foi cumprida a lei. Acontece, porém, que a referida resposta, nomeadamente no que se refere à Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/90, tinha a ver com a UNICER, como já foi dito hoje nesta Câmara, e não com a COVINA. Ora, que raio de credibilidade poderemos atribuir ao Governo e ao Ministro das Finanças de então?
Assim, se esta fosse a verdade, só nos restaria uma atitude: arquivar a petição por falta de fundamentos.
Acontece, no entanto, que a verdade do Ministro, que já foi ou já não é, serviu apenas para levar esta Assembleia a concluir erradamente. E digo "a concluir erradamente", porque, pelos vistos, a COVINA, S.A., foi alienada na seguinte percentagem: 10,498 milhões de contos para a Cristaleira Espanhola e apenas 2000$ para um trabalhador que mantém o anonimato - e a isso tem direito-, mas que, pasme-se, é também representado pela Cristaleira Espanhola. Parece que Mário Conde já fez escola em Espanha!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É claro para o Partido Socialista que o Governo do Professor Cavaco Silva não soube ou não quis defender os interesses da nossa economia. E não soube ou não quis, porque, ao permitir ou ao negociar a venda aos espanhóis e/ou franceses, mais não fez do que hipotecar o emprego e a produção nacional.

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Mais, quando celebrou o contrato com operadores do projecto Ford/Volkswagen e estabeleceu a incorporação de 40 % de produtos nacionais nos automóveis, esqueceu completamente que a produção da COVINA seria um elemento fundamental para concretizar tais objectivos.

0 Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Muito bem!

0 Orador: - Dirá o Governo e a maioria que o sustenta: "Lá está o PS a mistificar as coisas". Mas não, Srs. Deputados, não há qualquer mistificação da nossa parte. Acreditamos e podemos provar que este Governo não serve os interesses do País, porque, ao entregar a COVINA a interesses que nada têm a ver com os nacionais, esqueceu-se de que esta empresa, em função das experiências feitas em matéria de produção de vidro para ópticas do audiovisual, só produzido pelos japoneses, apresentou resultados positivos.
Só que aos interesses nacionais se sobrepuseram outros- espanhóis e franceses- que, fruto das dificuldades que enfrentam, decidiram proceder já ao encerramento da COVINA em Março próximo, tendo em vista colocar toda a sua produção naquilo que esta empresa passará a ser, ou seja, um entreposto espanhol para colocar a etiqueta de produto nacional naquilo que é genuinamente espanhol.
Pior ainda, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os projectos do Governo em relação à Ford IVW, que vai colocar os componentes à base do vidro, serão prosseguidos pelos espanhóis e não pelos portugueses.
Aumenta a gravidade deste problema quando é sabido que a COVINA tem vindo a facturar anualmente mais de 10 milhões de contos, dos quais mais de 5 milhões se destinam ao mercado externo.
Torna-se pior, muito pior, quando é também sabido que a COVINA é a única indústria nacional que fabrica vidro plano, destinado essencialmente à construção civil, à indústria do mobiliário e dos electrodomésticos.
Portugal passará a ser o único país da Comunidade sem produção própria do referido vidro plano. Não bastavam as dependências que a sociedade portuguesa tem relativamente aos espanhóis, era preciso entregar-lhes também este sector de actividade!
As preocupações dos cidadãos trabalhadores da COVINA ou familiares eram fundadas: os interesses dos trabalhadores não foram salvaguardados e está anunciado, como disse há pouco, o encerramento da empresa em Março próximo. Por outro lado, os interesses nacionais ficaram defraudados, pois serão os espanhóis a produzir e a colocar a etiqueta de Portugal.
Os problemas decorrentes do desemprego que, com medidas deste tipo, agravam substancialmente a exclusão social, situação contra a qual temos vindo a lutar, merecem desta Assembleia uma posição muito firme, que chame à responsabilidade o Governo do Professor Cavaco Silva, de forma a ser dada uma resposta firme relativamente à defesa dos interesses do nosso tecido produtivo. Exigimos também do Executivo uma resposta clara e objectiva no sentido da manutenção do emprego aos mais de 500 trabalhadores da COVINA, S.A., já ameaçados de despedimento daqui a 2 meses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A maioria que nos governa sustenta o Governo dos "pacotes" adornados com laçarotes de milhões de contos, mas que, como é hoje bem visível, são vazios de conteúdo no tocante à resolução do flagelo social que atravessa o País e que se traduz em desemprego, em exclusão social e em miséria. Infelizmente para o País, este Governo não dá qualquer sinal de poder resolver tão gritantes problemas sociais.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

0 Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Abordamos hoje um processo de privatização cuja legalidade e pressupostos não foram, pelo menos de forma consistente, colocados em causa por nenhuma das intervenções que me precederam.

Risos do PS e do PCP.

Efectivamente, a COVINA, S.A. é uma das poucas empresas cujo capital foi vendido a estrangeiros, por razões que estão bem expressas na respectiva resolução do Conselho de Ministros.
Aliás, sobre os aspectos desta resolução que foram abordados, só posso interpretar tais afirmações com algum humor. Senão, vejamos: foi referido que o Ministério das Finanças informou esta Assembleia de que se tinha procedido à venda do capital da COVINA pelo IPE, S.A., nos termos do Decreto-Lei n.º 406/90, de 26 de Dezembro, e da resolução do Conselho de Ministros n.º 20/90, de 27 de Dezembro. Acontece que esta resolução tem como epígrafe "Condições de Alienação da UNICER". Porém, em 27 de Dezembro de 1990, foi publicada outra resolução do Conselho de Ministros...

0 Sr. Artur Penedos (PS): - Sem número!

0 Orador: - Exacto!
Como devem calcular, não queria fazer, principalmente no Plenário, uma injustiça ao Sr. Deputado José Eduardo Reis, que apresentou o relatório da Comissão de Petições.
Se pensam que o Sr. Deputado José Eduardo Reis não leu a epígrafe da citada resolução nem reparou que, no Diário da República, de 27 de Dezembro de 1990, foi publicada a resolução que definia as condições de alienação das acções da COVINA, S.A., meus senhores, estão a passar-lhe um atestado e nem digo de quê. Certamente que analisou esta resolução, pois não tem tamanha incapacidade, razão pela qual escreveu no mencionado relatório que "o ministério da tutela não incorreu na ilegalidade e na falta de transparência de que vinha acusado. Assim sendo, o objecto desta petição deixou de existir, pelo que deverá mandar-se proceder ao arquivamento deste processo". Ora, penso que o Sr. Deputado José Eduardo Reis o fez em consciência, porque, caso contrário, estavam a passar-lhe um atestado, pelo menos, de analfabetismo e não quero cometer para com ele esta injustiça.
Não podemos esquecer-nos de que a COVINA foi uma das poucas empresas cujo capital foi vendido a estrangeiros. Importa referi-lo para tornar bem clara a postura deste Governo relativa a privatizações de forma a não haver equívocos neste processo. E deixem-me dizer-vos que, na própria resolução, estão bem expostas as razões desta alienação, designadamente a necessidade de um preço de venda potenciado. Tanto

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assim é que o Sr. Deputado acabou por confirmar que só uma acção no valor de 2000$ teria sido adquirida por um trabalhador português.
Diz a resolução que a venda será feita pelo preço de 2600$ por acção à Cristaleira Espanhola, S.A. e que as acções que cabem aos trabalhadores, e que são 10 %, sê-lo-ão a 2400$ por acção. Se, em condições mais vantajosas, nenhum português, nem os trabalhadores dessa empresa, usou um direito que lhe era atribuído e que decorre da lei relativamente a 10 % das acções, tal significa que o preço de 2600$ por acção foi potenciado com este ajuste directo.
São também invocadas razões relativas à necessária reestruturação que bem se impunha naquele caso. Recordo- a quem se esqueceu- que as crises conjunturais da COVINA remontam a 1975, pois esta empresa esteve em risco de fechar nessa altura. Posteriormente, para operar a necessária reestruturação, salvar a sua competitividade e conseguir que a sua privatização tivesse efeito útil, foi preciso injectar muitos milhões de contos.
Se bem se lembra, o Sr. Deputado Paulo Trindade - pois há coisas que se esquecem-, a COVINA esteve prestes a ser encerrada em 1975, mas as consequências sociais desse facto teriam sido bastante mais graves nessa altura do que tendo ocorrido na actualidade e, de seguida, explicar-lhe-ei por que razão faço esta afirmação. Apenas quero completar a enumeração das razões aduzidas na resolução. São elas a pequena dimensão do mercado interno e a consequente e necessária dependência do mercado externo desta empresa.
Efectivamente, houve uma significativa diminuição dos postos de trabalho da COVINA que se processou sem dramas sociais, porque, em 100 % dos casos, as rescisões dos contratos foram negociadas amigavelmente. Também foram concedidas reformas antecipadas, mediante a colaboração da segurança social, e não podemos esquecer-nos da importância da formação profissional.
Há poucos dias, a propósito de outro assunto, eu fazia ver aos Deputados do PCP a importância que a formação profissional tem assumido em todos os países da Europa. E, falando em formação profissional, estou a pensar igualmente, em termos de mobilidade, na reconversão de sectores, de empresas, porque, hoje, ao ritmo a que se processa a reestruturação, não há possibilidade de combater esse drama, essa chaga, que é o desemprego se não apostarmos fortemente na formação profissional, o que, neste caso, aconteceu.
Foi veiculado pela comunicação social a perspectiva de a empresa encerrar em Março de 1994. Preocupa-nos que sejam colocados em causa os actuais postos de trabalho sem este problema ser devidamente tido em conta pelas entidades competentes. Mas o mesmo jornal referia que se tratava de uma paragem temporária com vista à reestruturação, apontando até como uma das razões desse facto, a necessidade de mão-de-obra - que sei existir- na Ford/VW. Sobre a necessidade desta reestruturação temporária, deixem-me dizer-vos que, em função desta petição, vamos aleitar as entidades governamentais competentes para que os compromissos assumidos sejam cumpridos pela Administração.
A comissão de trabalhadores da COVINA tem a exacta noção do cerne deste problema e não vale a pena, Sr. Deputado Paulo Trindade, defender a este propósito soluções retrógradas que só conduzem à inviabilização das empresas e do tecido social e económico na sua generalidade, pois já falharam em todo o mundo e não vão resultar em Portugal. Segundo um determinado jornal, de 28 de Dezembro, a posição da comissão de trabalhadores, ainda por cima, a propósito da empresa espanhola concorrente, era explicitada desta forma: "O grupo possui duas empresas em Espanha, uma, em Barcelona, outra, nas Astúrias e, embora os salários sejam ali muito superiores, não é menos verdade que ambas produzem o quíntuplo da COVINA com um pouco mais de metade dos nossos trabalhadores".
O cerne da questão reside neste aspecto da competitividade, da abertura dos mercados, que não podemos evitar. Sem isto, se queremos soluções artificiais, só vamos dar origem a uma bola de neve que nunca mais tem fim.
Com base nestes pressupostos, a reestruturação é necessária e tem de continuar a ser feita. Não há dúvida de que a extinção dos postos de trabalho é preocupante e que diversas instituições - a segurança social, centros de emprego e formação profissional - têm de ter noção deste facto. Aliás, estamos a alertá-las e vamos continuar a tomar essa atitude junto das entidades governativas competentes para que cumpram todos os compromissos assumidos. Porém, não temos dúvidas de que a vossa solução é retrógrada, que, assim como não resultou em nenhuma parte do mundo, não resultaria em Portugal e quase levava, em 1975, à extinção desta empresa, o que teria custos sociais muito mais agudizados do que no momento presente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Reis.

O Sr. José Eduardo Reis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Puig, agradeço que não me tenha passado um atestado de analfabetismo, mas quero dizer-lhe que, na conclusão do relatório que apresentei à Comissão de Petições, não levei em conta o que constava do Diário da República mas apenas a informação prestada pelo Governo, no caso, pelo Ministério das Finanças, que é por ela responsável. Por outro lado, não fui o único a aprovar o relatório, pois a Comissão votou-o favoravelmente, por unanimidade.

O Sr. José Puig (PS): - Mas o relatório está correcto!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminada a discussão da petição n.º 206/V (4.ª), passamos à petição n.º 123/VI (l.1)- Apresentada pela União dos Refugiados de Timor- URT, solicitando a recuperação do tempo de serviço perdido pelos funcionários e agentes do Estado que na província ultramarina de Timor foram obrigados a permanecer como prisioneiros-reféns.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, que dispõe apenas de dois minutos concedidos pela Mesa, atendendo a que, por não constituir grupo parlamentar, não teria, neste caso, direito ao uso da palavra.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, informo a Mesa de que o Grupo Parlamentar do PCP cedeu-me o tempo de que dispunha para esta matéria.

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0 Sr. Presidente: - Com o pedido de desculpas da Mesa, tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 território de Timor, submetido à barbárie militarista indonésia, constitui, sem dúvida, uma das regiões do mundo onde o direito internacional e os mais elementares direitos humanos são permanentemente violados, pelo que têm de se manter esforços credíveis no sentido de levar a comunidade internacional a obrigar a potência ocupante a abandonar Timor-Leste possibilitando-se, assim, àquele sacrificado povo a livre escolha do seu destino.
Referir a tragédia que se abateu sobre os Timorenses, relembrar os massacres que já custaram centenas de milhar de vítimas, é um imperativo de todos nós. Desde que Timor foi invadido, os problemas criados ao seu povo nunca mais cessaram. É tempo, julgamos nós, de fazer respeitar os direitos inalienáveis dos Timorenses.
Sob a égide do Secretário-Geral das Nações Unidas têm decorrido rondas negociais, difíceis, que não se compadecem com atitudes divisionistas e aventureiras, consubstanciadas, por exemplo, na actuação de uns tantos indivíduos que, sem respeito pela tragédia que os indonésios fizeram abater sobre os Timorenses, um verdadeiro genocídio, pretendem, através de uma vaga associação, desenvolver relações de amizade com o governo daquele país, numa impressionante manifestação de desprezo pelo acto ilegal, ilegítimo e violento perpetrado contra um povo que tem direito à sua autodeterminação.

0 Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - Para além dos casos públicos lamentáveis, de que todos temos conhecimento - prisões, torturas, massacres -, outros há que passam despercebidos e que merecem atenta reflexão, como acontece com antigos "funcionários e agentes do Estado", que prestaram serviço na então colónia de Timor e que, como declaram, "foram obrigados, pela Indonésia, a permanecer como prisioneiros-reféns naquele território". Integrados na União dos Refugiados de Timor- URT, estes antigos funcionários apresentaram à Assembleia da República, já nesta Legislatura, uma petição, subscrita por mais de 1000 cidadãos, na qual se pretende que a Assembleia da República se manifeste quanto à possibilidade de muitos deles recuperarem os vínculos à Administração Pública e a sua reintegração nos serviços públicos. ,
Uma vez que a petição vinha subscrita por mais de 1000 cidadãos e porque cumpria os preceitos legais, poderia desde logo ser agendada para Plenário pois, à data da sua entrega, bastavam aquelas assinaturas. Entendeu-se, porém, tanto eu, como Deputado-relator, como a própria Comissão, que o assunto merecia um estudo aprofundado. Apoiado pela Sr.ª Dr.ª Cláudia Ribeiro dos serviços da Assembleia, que fez um exaustivo levantamento técnico da situação, tive a oportunidade de apreciar a complexidade do problema, tendo solicitado informações complementares e recebido, por diversas vezes, representantes dos peticionários, que também se reuniram conjuntamente comigo e com o Presidente da Comissão de Petições. E, desde logo, ressaltou a justeza da pretensão apresentada.
Do trabalho desenvolvido resultou um parecer votado por unanimidade, incluindo o PCP, Grupo Parlamentar a quem fico a dever a possibilidade de, neste momento, poder intervir sobre a matéria.
A situação exposta é, de certo modo, complexa, mas tem solução desde que se crie legislação apropriada, que o bom senso político e a justiça social, com certeza, não recusarão.
Convém, contudo, referir que o Estado português, perante o afluxo de funcionários das antigas colónias, aprovou leis para solucionar os novos problemas surgidos. De uma maneira geral, os cidadãos que regressaram a Portugal e que estavam vinculados à Administração Pública nas antigas colónias viram regularizada a sua situação, salvo algumas excepções que convém encarar, estabelecendo-se um quadro legal que impeça a continuação de algumas discriminações desnecessárias e inaceitáveis num país democrático. Nesta última situação, contam-se, talvez, cerca de 300 funcionários que se integravam na Administração portuguesa, em Timor-Leste.
Depois da invasão das forças militares do regime opressor indonésio, alguns dos nossos conterrâneos conseguiram abandonar aquele território, que está sob administração portuguesa, de acordo com uma Resolução da ONU. Outros, no entanto, foram obrigados a permanecer em Timor por vários anos.
Segundo os peticionários, a maior parte destes funcionários sente-se marginalizada nos seus direitos, quer quanto à sua reintegração na Administração Pública, quer quanto às remunerações ou reformas a que se julga com direito.
Analisada a especificidade do problema e consultada múltipla legislação, torna-se claro que é necessário encontrar uma solução que contemple as situações que urge atender.
Os peticionários fizeram chegar ao Deputado-relator e à Comissão de Petições variada documentação, bem como uma relação dos funcionários e agentes abrangidos pelo problema em apreciação.
A Comissão de Petições, de acordo com o que foi proposto no parecer, foi de entendimento que o problema pode ser solucionada, mas carece, como já referi, de legislação própria. Eu mesmo, como Deputado da Intervenção Democrática- ID, já apresentei um projecto de lei que visa tentar manter aos citados funcionários, desde que o comprovem, os direitos que usufruíam enquanto membros da Administração Pública portuguesa.
Julgamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que esta é uma petição, na generalidade, justa e a Assembleia da República sai prestigiada se concorrer para que seja encontrada uma solução legal e humana.
Não podemos aceitar que cidadãos de um Estado democrático e conterrâneos nossos possam ou continuem a ser discriminados. Infelizmente, assiste-se, actualmente, a actos discriminatórios graves, em muitos sectores da nossa sociedade. Devem, por isso, ser envidados esforços que concorram para a adopção de uma solução democrática, como a que preconizamos, para os funcionários que prestaram serviço em Timor antes de ocorrer a invasão por parte da Indonésia.

(0 Orador reviu.)

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Roque.

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0 Sr. Acácio Roque (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º 123/VI (1.a), apresentada pela União dos Refugiados de Timor- URT, solicitando a recuperação do tempo perdido pelos funcionários e agentes do Estado que na província de Timor foram obrigados a permanecer como prisioneiros-reféns, foi subscrita por 1155 cidadãos, alguns dos quais (cerca de 300) envolvidos directamente no assunto em apreço, pelo que deve merecer a melhor atenção da Assembleia da República, quer em relação ao levantamento do problema suscitado por esta petição, quer ainda ao agendamento para discussão, em Plenário, dos projectos de lei existentes, no sentido de se aprofundar o conteúdo agora proposto pelos peticionários.
Trata-se de uma matéria complexa,- que envolve alguma legislação publicada com o intuito de resolver os problemas que se depararam aos portugueses, funcionários e agentes do Estado, que exerceram funções em territórios sob administração portuguesa.
Hoje, de uma forma geral, todos esses nossos compatriotas, que regressaram a Portugal e que estavam vinculados à Administração Pública, têm a sua situação regularizada.
No entanto, ficou demonstrado, através da presente petição, da iniciativa da URT - União dos Refugiados de Timor, que existem portugueses (algumas poucas centenas) que não viram ainda satisfeitas as suas reivindicações, nem resolvidos os seus problemas.
Neste caso, encontram-se alguns funcionários e agentes - do Estado que exerciam funções em Timor, por altura da invasão deste território por tropas de um Estado estrangeiro, não autorizando a saída destes nossos concidadãos, destabilizando-lhes, de um momento para o outro, toda a harmonia familiar e profissional existente. Foi o que veio a acontecer com os portugueses, hoje representados pela URT, que viveram por algum tempo a condição de prisioneiros-reféns, já que as tropas invasoras não permitiam a sua saída do território de Timor.
Ao longo de vários anos, estes nossos concidadãos, subscritores da petição n.º 123/VI (1.% têm-se desmultiplicado em inúmeros contactos de sensibilização das dificuldades com que sobreviveram e dos direitos que pensam serem-lhes devidos. Ao subscreverem esta petição, vêm reivindicar que seja publicada a devida legislação promotora da correcção de todas as situações, que consideram injustas, prejudicando a correcta reintegração, na Administração Pública e na sociedade portuguesa, dos funcionários e agentes da província ultramarina de Timor, que nela foram abandonados como prisioneiros-reféns.
Assim, entendem que a legislação a publicar deverá, desde já, estabelecer o seguinte: o pagamento das remunerações actuais (NSR) da categoria de integração no QGA (Quadro Geral de Adidos) ou no QEI (Quadro de Efectivos Interdepartamentais), correspondentes ao período de 1 de Agosto de 1975 até à véspera da referida integração naqueles ou noutros órgãos de administração; compensação desse tempo de serviço, ainda não contado pela prévia reclassificação, sem limites de habilitação literária, nos termos do artigo 7.º-B do Decreto-Lei n.º 110-A181, de 14 de Maio, aditado pelo Decreto-Lei n.º 245181, de 24 de Agosto, e progressão de duas categorias na carreira ou situação funcional anterior equiparada com remuneração pelo escalão máximo daquela que for atribuída, deduzindo-se no valor das novas remunerações a liquidar os quantitativos já abonados; o aumento de 100 % da contagem, para efeitos de aposentação, pelo risco de vida de permanência em situação de guerra, pelo mesmo período; e, finalmente, revisão de todas as outras situações vinculares, anteriormente solicitados, constantes na presente petição.
Este problema, como facilmente se pode verificar, envolve várias entidades, tais como a Direcção-Geral da Administração Pública (responsável pela questão do QEI) e a Caixa Geral de Aposentações (incumbida da contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação, nos termos do Decreto-Lei n.º 315/88), pelo facto de serem ambas tuteladas pelo Ministério das Finanças, a quem compete informar sobre o cabimento orçamental dos custos financeiros resultantes das pretensões dos peticionários, pelo que somos de opinião que a solução definitiva deste assunto passará pelo diálogo necessário entre todas as entidades responsáveis e representantes da URT, de forma a produzirem trabalho profícuo e seguro, cujo resultado venha a traduzir-se numa discussão, na Assembleia da República, o mais consensual possível, em torno dos projectos de lei existentes.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

0 Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos uma petição apresentada pela União de Refugiados de Timor, referente aos trabalhadores que prestaram serviço à Administração portuguesa. Petição que traduz o drama dos Timorenses que vivem, hoje, sob ocupação militar indonésia e que sofrem o desrespeito quotidiano dos mais elementares direitos humanos. Petição que também se refere àqueles que se gressaram foram libertando de tal jugo e, entretanto, Portugal.

Como é do conhecimento geral, com a descolonização previu-se a integração dos trabalhadores da Administração colonial regressados a Portugal, prevendo-se, nomeadamente na legislação de 1975 e 1976, o seu ingresso no Quadro Geral de Adidos, para posterior integração nos serviços ou aposentação.
aqui, de realçar uma primeira diferença negativa para os trabalhadores de Timor: enquanto para Angola e Moçambique se previu a integração dos assalariados eventuais, tal não aconteceu para Timor, caso em que a lei apenas abrangeu os funcionários e agentes.
Para os funcionários do Estado e dos Corpos Administrativos de Timor está hoje em vigor o Decreto-lei n.º 420/85, que mantém o reconhecimento do direito à integração no Quadro de Efectivos Interdepartamentais, o qual deve ser requerido até 60 dias após o regresso a Timor. Mas, passados 20 anos da tomada de Timor pela força militar indonésia, qual é a situação? -
Foram até hoje integrados, segundo dados da Direcção-Geral da Administração Pública, menos de 100 trabalhadores, dos quais há mais de sete pedidos pendentes de análise, tendo sido indeferidos cerca de 30 processos, por falta de documentos. Existe, neste momento, um pedido da Cruz Vermelha de análise de 27 novos casos.
Nunca foi feito qualquer levantamento do número total de trabalhadores passíveis de serem abrangidos.

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Em Timor, como, aliás, nas restantes colónias, existiam dois quadros: um Quadro Comum, gerido pelo Ministério do Ultramar, que integrava muito poucos trabalhadores de Timor, visto que integrava apenas trabalhadores com a categoria de chefe de secção ou superior; um Quadro Privativo, cujos dados aparentemente se perderam, o que impede uma visão de conjunto e dificulta a vida de muitos trabalhadores que, neste momento, não conseguem obter a documentação exigida. Segundo dados da União de Refugiados de Timor, o número total de trabalhadores da Administração passíveis de ser abrangidos será da ordem de 300.
É neste quadro global que devemos analisar a petição, que prevê, nomeadamente, o pagamento de remuneração desde 1 de Agosto de 1975 e a contagem de todo o tempo, com eventual bonificação, para efeito de progressão na carreira e aposentação. Reivindicações, aliás, que nos parecem dever ser devidamente ponderadas. É evidente que as situações são e foram diversas, mas todas têm em comum a sujeição a uma ocupação militar, a opressão, a perseguição individual e colectiva, nomeadamente àqueles que estavam mais ligados à Administração portuguesa.
0 número de trabalhadores envolvidos não é grande, mas os custos sofridos por cada um deles são muito violentos. É necessária uma actuação clara do nosso país face aos mesmos e é urgente passar das palavras aos actos.
Por isso, o Partido Socialista propõe, nomeadamente: que o Governo legisle no sentido de aplicar a Timor solução idêntica à encontrada para os trabalhadores assalariados eventuais regressados de Angola e Moçambique; que se proceda a um levantamento exaustivo da situação dos trabalhadores já integrados ou aposentados, dos prejuízos sofridos, e também dos trabalhadores passíveis de virem a ser abrangidos no futuro; que se publique legislação que permita, caso a caso, a atribuição da indemnização adequada a cada um dos trabalhadores, independentemente da integração ou aposentação a que tem direito.

Vozes do PS:- Muito bem!

0 Orador:- 0 Partido Socialista considera que as medidas legislativas devem resultar de um diálogo no quadro desta Assembleia e manifesta a sua total disponibilidade e empenhamento para o mesmo.
Tenhamos presente que a solução urge. São passados quase 20 anos e muitos dos abrangidos já não podem esperar mais!

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

0 Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 dia de hoje tem sido largamente dedicado à questão de Timor. Em face desta circunstância, talvez devêssemos obrigar-nos a pensar que o Estado português debate-se com o problema de Timor, em relação ao qual há dificuldades estruturais que dificilmente consegue enfrentar, pelo que não é aceitável que problemas que estão ao alcance da nossa decisão pareçam estar rodeados de dificuldades equivalentes e que os anos passem sem serem resolvidos.
Em minha opinião, ao ponderarmos sobre esta matéria, deve ter-se em atenção que até a linguagem precisa de ser actualizada. Na verdade, os peticionários não estavam apenas ao serviço da Administração portuguesa mas ao serviço da soberania portuguesa. Não se trata, portanto, de um caso de contrato de trabalho mas de submissão cívica às consequências de uma estrutura do Estado e de uma política em cuja definição não colabora. Não se trata de um problema que deva ser tratado com a frieza tecnocrática habitual do Estado mas de um problema humano exigente, que não é compatível com esta demora de 15 anos, tantos são os que Já decorreram desde que eles exigem a justiça que têm direito.
Penso que as propostas que foram feitas, e muito especialmente a análise e a proposta do Sr. Deputado João Proença, merecem o apoio da Câmara. Mas sugeria a necessidade de evidenciarmos que, passados 15 anos, é necessário que a averiguação, o inquérito, a decisão, o diálogo e o processo legislativo tenham em conta que a única coisa que se pode fazer com o tempo é não o perder e que, por isso mesmo, o custo deste problema em tempo já é intolerável. Trata-se de uma obrigação do Estado e este não deve tardar mais em cumpri-la.
Neste sentido, o CDS-PP apoia as propostas que foram apresentadas.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, terminada a apreciação da petição n.º 123/VI (1.a), passamos à apreciação da petição n.` 83N1 (1.a) Apresentada por Abel dos Santos e outros, solicitando a tomada de medidas para evitar a venda do Museu da Marioneta ao estrangeiro.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

0 Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs.Deputados: Sobe ora ao Plenário a petição n.º 83N1 (1.1), na qual um grupo de 1855 cidadãos solicita a esta Câmara a tomada de medidas com vista a evitar a venda do espólio do Museu da Marioneta ao estrangeiro.
Trata-se de um museu que é o único do género no País, contendo na sua colecção peças valiosas do património português e mundial, particularmente no que respeita a bonecas e cenários.
Não se trata de um "museu", no sentido pejorativo da palavra, mas, antes, de um museu vivo, integrando nele a Companhia das Marionetas de São Lourenço, a qual, nos espectáculos que tem vindo a realizar no País e no estrangeiro, garante a existência de uma tradição portuguesa e lisboeta de teatro e de ópera para marionetas.
É ainda um museu que apresenta uma vertente pedagógica e didáctica muito acentuada, dispondo de um conjunto de serviços paralelos de natureza educativa (no âmbito de um acordo com o próprio Ministério da Educação), colocados ao serviço, nomeadamente, das nossas escolas do ensino básico e dispondo mesmo de um "atelier" de imaginação do espectáculo para crianças.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É hoje universalmente reconhecida a raiz profunda do teatro de marionetas no imaginário colectivo dos povos e na literatura oral an

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terior à História escrita. Constitui, por outro lado, um exemplo perfeito da relação dialéctica entre a mão e o cérebro e, deste modo, apresenta igualmente um fortíssimo potencial sócio-educativo no domínio da socialização e da aprendizagem das crianças, particularmente das que apresentam graus diversos de deficiência psicomotora.
Não pode, assim, esta Assembleia deixar de ser sensível ao teor da petição em apreço. Não pode esta Assembleia deixar que, por insensibilidade (aliás, já tradicional) do Governo e da Secretaria de Estado da Cultura ou pela enervante lentidão de burocracias autárquicas se corra o risco de vermos alienado para o estrangeiro um tão rico e singular património.
Sabemos, aliás, estar já em curso nos competentes serviços da Câmara Municipal de Lisboa um projecto conducente à recuperação física do edifício do Museu. 0 mínimo que se pode pedir é que o Governo lhe siga o exemplo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

0 Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Março de 1992, 1855 cidadãos subscreveram uma petição endereçada a esta Assembleia, na qual manifestavam a sua preocupação quanto à possibilidade de se perder para o estrangeiro o acervo do Museu da Marioneta, sito em Lisboa, pedindo, ao mesmo tempo, as providências necessárias para impedir que tal acontecesse.
Importa, em primeiro lugar, realçar o facto positivo de um tão significativo número de cidadãos, dinamizados por vários professores de uma escola preparatória, se ter mobilizado em prol de uma questão de interesse cultural.
A não passividade perante o que consideravam ser uma situação lesiva do património nacional, o recurso a esta Assembleia nomeadamente, a uma das suas comissões permanentes- e a mobilização de esforços e de vontades demonstram um exemplar sentido de cidadania.
Ora, será através do desenvolvimento desta cidadania e, por consequência, da generalização de uma tomada de consciência deste tipo, sempre que as situações o justifiquem, que a democracia se aprofundará e ganhará expressões cada vez mais perfeitas.
0 Museu da Marioneta é uma instituição privada que reúne a referida colecção de peças valiosas, tem uma dimensão artística através da Companhia das Marionetas de São Lourenço- e, ainda, uma vocação pedagógica e didáctica.
Tanto quanto foi possível apurar, e dois anos volvidos sobre a situação que motivou a petição que apreciamos, os aspectos mais gravosos dessa situação foram superados. Inclusive, não se concretizou a venda, que se temia, do acervo ao estrangeiro.
Quanto às instalações, que enfrentavam os problemas inerentes a um prédio antigo numa das zonas históricas da cidade, está em curso uma intervenção de reabilitação por parte da Câmara Municipal de Lisboa.
Não possuindo elementos mais detalhados sobre outros aspectos referentes ao funcionamento e à viabilização desse Museu em termos financeiros, gostaria, no
entanto, de tecer algumas considerações gerais que esta questão me suscita.
Na verdade, uma política consequente de defesa e valorização do património não pode nem deve confinar-se ao património edificado e histórico, ao que é grandioso e monumental. Inclusive, na vertente museológica, dever-se-á evitar concentrar esforços e recursos unicamente nas grandes colecções nacionais que, por muito importantes que sejam, não esgotam nem a nossa memória nem a nossa herança cultural e patrimonial.
A definição de património cultural deverá, assim, integrar também os saberes e ofícios tradicionais, os vestígios de hábitos e costumes de outras gerações, as colecções etnográficas locais e as peças remanescentes de fases passadas do desenvolvimento industrial, das formas e modos de trabalhar e produzir.
15to não com o intuito de simplesmente preservar e salvaguardar mas também, e sobretudo, de potencial essas pontes entre o passado e o presente, enquanto elementos dinâmicos de acção e animação cultural, nomeadamente em articulação com as escolas. Os museus, quaisquer que sejam, deverão tornar-se espaços vivos de formação e sensibilização.
Neste domínio do património, como noutros, há que promover uma visão inter-disciplinar e activa, a única capaz de contribuir para que esse mesmo património seja não um repositório de coisas mortas mas, sim, um elemento de desenvolvimento cultural.
Para isto, é necessária uma convergência de esforços e de meios. Meios privados, sempre que possível, mobilizando desde particulares a empresas. Todavia, os poderes públicos, e muito particularmente a administração central, não podem fugir ao seu papel fundamental e às suas responsabilidades. Para tal, exige-se uma acção responsável e equilibrada de disponibilização e gestão de meios técnicos e financeiros, sem esquecer uma indispensável intervenção no domínio do enquadramento legal.
A cultura do efémero e do espectáculo, que se pode justificar em doses responsáveis para animar os espíritos, dará frutos mais imediatos e visíveis de natureza política e até eleitoral. No longo prazo, porém, se por ela nos quedarmos, não se defenderá o interesse nacional nem saberemos transmitir o nosso legado, enquanto povo, às gerações futuras.
0 Museu da Marioneta, como outros projectos do género, merece e deve, seguramente, ser apoiado. Foi o que compreenderam e quiseram afirmar os peticionários que a esta Assembleia se dirigiram.

Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Barbosa de Melo.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 1987, Lisboa contava-se como uma das poucas capitais da Europa que não dispunha ainda de um museu da marioneta, apesar da rica tradição e importante actividade dos bonecreiros no nosso país. Nesse mesmo ano, por iniciativa da Companhia das Marionetas de São Lourenço, e resultante de um espólio recolhido durante cerca de 25 anos, instalou-se no primeiro andar de um velho edifício da Costa do Castelo, no largo Rodrigues de Freitas, o Museu da Marioneta.

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Com seis anos de actividade, o Museu tem tido uma intensa actividade de divulgação, através da exposição, de espectáculos, de documentação e animação diversas, do espólio e da tradição portuguesa de teatro de marionetas.
A exposição é constituída por marionetas, máscaras, cenários, adereços, máquinas de cena e documentação provenientes de Portugal, desde os mais primitivos bonecos de Santo Aleixo aos históricos bonecos populares portugueses dos séculos XIX e XX e à colecção de marionetas de São Lourenço, dispondo ainda de exemplares de vários países da Europa e Ásia.
Descrever a actividade da Companhia e do Museu, em Portugal e no estrangeiro, seria impossível e fastidioso neste curto espaço de tempo, embora elucidativo da sua importância. Não resisto, no entanto, a referir um aspecto que me despertou particular reparo e que, em parte, tive oportunidade de observar: as visitas guiadas incluem sessões de demonstração com audiovisuais, ensino de técnicas de construção e manipulação, exercícios de improvisação e pequenos espectáculos, despertando uma sensibilização nas crianças e nos jovens para o teatro. Registe-se que o Museu é visitado por cerca de 30 000 crianças, anualmente, representando, hoje, uma referência imprescindível na formação didáctica das crianças e dos jovens portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os 1855 cidadãos que subscreveram a petição n.º 83M (1.a), que hoje sobe a Plenário, vêm, no fundo, relembrar a esta Assembleia, e dar maior relevo, as afirmações e preocupações que aqui transmitimos já em Dezembro de 1991. Então, no mesmo sentido, demos alarme da situação em que se encontrava o Museu, na Assembleia Municipal de Lisboa. Ao mesmo tempo, transmitimos as nossas preocupações e demos conta da situação de que tomámos conhecimento à Presidência da República.
Desde 1991 até hoje, praticamente, mantém-se tudo na mesma. No essencial, nada foi mudado. Na realidade, face ao desencadear de pressões e, certamente, da sensibilização das pessoas que têm poder para intervir nesta matéria, a Secretaria de Estado da Cultura entendeu conceder um "subsídio de emergência", mas, até hoje, não houve outra intervenção conducente a que este espólio possa manter-se, activar-se e ficar ao serviço, sobretudo, das gerações futuras, dos mais jovens, para que esta identidade cultural se possa reproduzir, manter-se através de gerações, como tem acontecido nos nossos dias.
Da parte da Câmara Municipal de Lisboa, houve, efectivamente, promessas e alguma coisa tem sido feita. No entanto, de concreto, o Museu permanece num edifício em situação de iminente ruptura e todo aquele espólio pode ser perdido de um momento para o outro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta altura, depois de tudo o que referi e da sensibilização feita, nomeadamente através do Grupo Parlamentar de Os Verdes e, agora, de uma forma acrescida por esta escola preparatória, é necessário dizer, mais uma vez, através dos Deputados desta Assembleia, que é importante que este património e espólio encerrado naquela casa antiga, velha e a cair, na cidade de Lisboa, possa ser enquadrado nas preocupações das entidades com responsabilidades na sua manutenção, nomeadamente a Secretaria de Estado da Cultura, em particular, e o Governo, em geral, não esquecendo o Ministério da Educação, pois 40 000 crianças l ano visitam o Museu, o que faz dele o Museu mais visitado em Portugal, pelo que não pode ser abandonado da forma como tem sido até agora.
Naturalmente, também deixamos aqui, à atenção da Câmara Municipal de Lisboa, o reparo no sentido de que seja acelerado o processo de recuperação, tendo em conta os interesses dos próprios proprietários do Museu e o programa de actividades que esses proprietários têm para a dinamização da cultura em Portugal.
São estas as recomendações que deixamos aos Srs. Deputados, a fim de delas também fazerem eco junto destas instituições que têm a responsabilidade de manter este património vivo, para que as gerações futuras possam dele usufruir, como nós tivemos oportunidade de o fazer.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.

0 Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 que foi dito até agora pelos vários intervenientes relativamente à petição n.º 83/VI (1.a), em análise neste momento, isto é, sobre o pedido de medidas para evitar a venda do espólio do Museu da Marioneta exige que faça uma clarificação. Começaria por referir-me à intervenção do Sr. Deputado André Martins, que colocou este problema em 12 de Dezembro de 1991, aquando de uma declaração política feita nesta Câmara. Gostaria de dizer-lhe que 90 % da sua intervenção de hoje foi a repetição daquilo que referiu há dois anos.

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Alguma razão tenho para ter feito isso!

0 Orador: - 0 Sr. Deputado tem razão e evidencia, de alguma forma, a situação em que todos nos encontramos aqui, ou seja, a de não dominarmos muito bem a actual situação a que estão sujeitos o Museu da Marioneta e a Companhia das Marionetas de São Lourenço. Já tive oportunidade de falar aqui com várias pessoas e o que se passa é o seguinte: em primeiro lugar, tratou-se aqui - e bem - da iniciativa de um conjunto de cidadãos, que, tendo reunido um espólio, quis fazer um museu. E o passo que deu, que talvez possa não ter sido o mais adequado, foi arranjar um edifício ou um andar velho num sítio qualquer e instalar lá esse espólio, sem pensar sequer se, eventualmente, não iria degradá-lo ainda mais, face à falta de condições que esse espaço tinha.
Não sei, Sr. Deputado, se eu teria procedido deste modo. Talvez tivesse começado por dialogar com as entidades oficiais no sentido de tentar encontrar um espaço adequado para essa instalação...
Ora, sendo privado e depois de instalado em condições precárias, presumo que as pessoas mais directamente interessadas entenderam, de certa forma, pressionar as entidades que poderiam ter a ver com a matéria, dizendo algo do género: "A criança está aqui, não tem roupa para vestir, está nua, não tem chupeta, mas, como nós pusemos aqui a criança, agora, dêem-nos todas essas condições". E a verdade é que talvez"a carroça tenha andado um pouco à frente dos bois".
Este Museu é recente, surge em 1987, e o problema põe-se em 1991. Convém dizer que o Museu surgiu em 1987, mas houve apoios. E se, na altura, alguém apoiou, foi a própria Secretaria de Estado da Cultura.

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Posso dar-lhe alguns exemplos: no ano de 1987, quando apareceu o Museu, foi atribuído pela SEC à Companhia das Marionetas de São Lourenço um subsídio de 1500 contos sob forma de "aquisição de espectáculos", em 1988, a Companhia recebeu dois subsídios pontuais, no valor de 3000 contos, para a realização do espectáculo "Retábulo de Mestre Pedro" e outro, no valor de 1000 contos, para a organização e divulgação do Centro de Documentação do Museu da Marioneta, que foi citado pelo Sr. Deputado José Calçada como algo de existente no próprio Museu; em 1990, houve ainda candidaturas a outro tipo de apoios, que têm continuado. Até que, mesmo em 1991, depois de a Companhia anunciar que iria vender o espólio, pensando que talvez com essa pressão as coisas se resolvessem com maior facilidade, ainda apresentou candidaturas à Direcção-Geral da Acção Cultural, o que faz pressupor que, apesar de dizer que ia vender o espólio, na realidade, não tinha mesmo intenção dê o fazer, já que apresentou candidaturas. Portanto, como se vê a sua criação foi apoiada pela SEC.
Estou de acordo com a colocação deste problema e com o facto de o Sr. Deputado André Martins, na altura, ter proposto que fosse ouvida a Comissão de Educação, Ciência e Cultura. Aquilo com que em talvez não concorde - e isto a título meramente pessoal - é que se ande aqui a fazer um "jogo do empurra" de tal forma que, depois, foram alguns elementos - e não interessa quem - da própria Comissão de Educação, Ciência e Cultura que recomendaram aos próprios o seguinte: "A melhor forma de os senhores resolverem o problema é apresentarem uma petição". E lá está a Comissão de Petições a servir, muitas das vezes, como depositária de matérias, como se a sua capacidade fosse ilimitada! Por que é que os membros da Comissão de Educação, Ciência e Cultura - perdoem-me os meus colegas - não tomaram diligências, tal como constava da sua proposta, no sentido de interceder junto das entidades competentes, a primeira das quais é a Câmara Municipal de Lisboa, que já deveria ter feito o projecto de recuperação do edifício onde está instalado? Parece, no entanto, que esse passo já foi dado. Muito bem! Parabéns! Se isso tivesse sido feito há mais tempo, provavelmente, o espólio não teria estado a degradar-se.
Por outro lado, verifica-se que, face a propostas concretas, como as que têm sido feitas, até agora, a SEC tem-nas apoiado.
Então, Sr. Presidente e Srs. Deputados, diria que aquilo que todos nós, e principalmente a Comissão de Educação, Ciência e Cultura, temos de fazer é tentar apoiar estas pessoas. Além disso, ainda há outro problema: é que, não sendo o grupo permanente de artistas fixo - entram uns e saem outros -, há muitas dificuldades em organizar os próprios espectáculos, espectáculos esses que também são apoiados, o que, tudo somado, toma muito difícil a existência do Museu da Marioneta.
Assim, há três pontos onde temos de actuar: em primeiro lugar, devemos apoiar as pessoas no sentido de encontrarem um grupo fixo, a fim de poderem concretizar os espectáculos que se propõem; depois, esses espectáculos têm de ser apresentados à SEC, ano a ano, um conjunto deles ou de realizações, para que possa ser dado apoio financeiro e outros à sua concretização; em terceiro lugar, temos de pressionar a Câmara Municipal de Lisboa para que rapidamente recupere as instalações, relativamente às quais diz ter o projecto concluído.
Estas são três vertentes de actuação que o PSD apoia. E o PSD tudo fará, quer na Comissão de Petições quer na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, no sentido de encontrar uma solução para que exista um Museu da Marioneta- mas efectivo
- que possa apoiar as escolas- mas em condições! - e que, mais do que servir Lisboa, Sr. Deputado, possa servir o País em geral.
Esta é a posição do PSD!

Aplausos do PSD.

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Para que efeito?

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Vairinhos fez algumas referências à minha intervenção. Já não disponho de tempo para intervir, mas o PCP cede-me um minuto. 0 meu objectivo não é o de rebater aquilo que o Sr. Deputado disse; o que pretendo é...

0 Sr. Presidente:- Sr. Deputado, só posso dar-lhe a palavra para outro efeito, não para esse.

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Então, peço a palavra para exercer o direito de defesa da consideração.

0 Sr. Presidente: - Dou-lhe a palavra para esse efeito, por três minutos, Sr. Deputado.

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Vairinhos, V. Ex.ª referiu-se à forma como fiz esta exposição; ao facto de ter dito algumas das coisas que afirmei aqui em 1991. Ora, penso que não é difícil de compreender que o fiz propositadamente. E que as afirmações que produzi em 1991 ainda se justificam, actualmente, em 1994. Por isso, repetir algumas das coisas que nos parecem essenciais acerca da importância daquele Museu, não me parece errado. Julgo que era uma forma de todos reflectirmos um pouco sobre o significado daquele Museu e a importância que pode vir a ter para as gerações futuras.
0 Sr. Deputado fez aqui o discurso do Sr. Secretário de Estado da Cultura, que certamente nunca o fez noutro sítio e nem sequer, tanto quanto sei, se tem dignado a dialogar com a Companhia das Marionetas de São Lourenço. Esta é a verdadeira questão.
0 Sr. Deputado deu-nos aqui a entender que conhecia perfeitamente os problemas. Ora, partindo do princípio de que a SEC conhece tão bem os problemas daquela Companhia e do Museu da Marioneta, a questão que se coloca é esta: cabendo à Secretaria de Estado da Cultura defender a cultura, em Portugal, e o património histórico-cultural português, património da Humanidade- porque, penso, é assim que deve ser referido e aquando da minha intervenção tive oportunidade de trazer aqui algumas peças, que eram significativas para se reconhecer que, efectivamente, é o património da Humanidade que está em causa -, poderá ou não o entendimento do Secretário de Estado da Cultura acerca destas questões pôr em causa o patri-

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mónio da Humanidade? E poderá Portugal estar à mercê da melhor ou pior disposição de um Secretário de Estado da Cultura?
Sr. Deputado, Portugal não pode de forma alguma deixar que aquele património passe para mãos estrangeiras! 15to é um risco! E quem é que controla isto?

0 Sr. Presidente: - Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

* Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
* questão que se coloca, Sr. Deputado, é a da necessidade de um entendimento entre o Secretário de Estado da Cultura e o Museu da Marioneta. E a isto, Sr. Deputado, V. Ex.ª não respondeu. 0 que nos disse aqui foi aquilo que certamente muitos de nós já sabemos.

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.

0 Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, antes de mais, gostaria de dizer que se abriu aqui um precedente, contra o qual nós, PSD, temos de protestar. É que o Regimento não prevê este tipo de situações mas tão-só uma intervenção sobre cada petição. E que não houve defesa da consideração...

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vairinhos

o Sr. Deputado André Martins pediu a palavra para Deputado exercer o direito de defesa da consideração e, para esse fim, os Srs. Deputados têm sempre o direito de usar da palavra e a Mesa tem de votá-la dar. De outro modo, a Mesa falharia na aplicação de um direito elementar de
todos os Srs. Deputados.

0 Orador: - Com certeza, Sr. Presidente, mas, tal como o Sr. Deputado André Martins disse, nem a sua honra nem sua a consideração foram ofendidas e ele admitiu-o. De qualquer forma, não pretendo entrar em litígio com quem quer que seja.
Como o Sr. Deputado usou da palavra não por eu ter ofendido a sua consideração mas, sim, para ter a oportunidade de fazer uma segunda intervenção, gostaria de clarificar o seguinte: não sou nem nunca serei candidato a Secretário de Estado da Cultura! Sr. Deputado André Martins, veja lá, não vá o Sr. Dr. Pedro Santana Lopes pensar que estou a candidatar-me ao lugar dele!...
Agora, o que interessa é ter-se a noção precisa de que a posição do PSD é a de defender e apoiar estas iniciativas. 0 senhor sabe- e pode constatá-lo nos vários Orçamentos do Estado- que o dinheiro atribuído à cultura, em Portugal, é pouco. É verdade! Mas se for analisar os diferentes Orçamentos, ao longo dos anos, verá qual foi o partido político que mais dinheiro gastou com a cultura, em Portugal. A conclusão é fácil.
Porém, deixe-me dizer-lhe que o problema básico é este: imaginemos que o Sr. Deputado, em vez de coleccionar os bonequinhos, se lembra de coleccionar carrinhos - e tem o direito de fazê-lo - e, amanhã, mete esses carrinhos todos, sem dar conta a ninguém, numa mansarda qualquer, a cair, numa casa de Lisboa. Ora, se o senhor não falou a quem quer que seja no assunto, se não proeurou diálogo, quer que a SEC vá adivinhar que o senhor tem os carrinhos metidos na mansarda? Ou, pelo contrário, o senhor deve apresentar um projecto, dizer aquilo que tem e, essencialmente, dialogar para encontrar essas soluções?
É que, apesar de tudo, a SEC deu apoios ao Museu e o senhor tem obrigação de saber isso, porque até disse que tinha dado -, mas a Câmara Municipal de Lisboa, até ao momento, ainda não deu!
Agora, se todos estamos de acordo que se deve valorizar o nosso património cultural, então, para que estamos a discutir, Sr. Deputado? A proposta que apresentei vai no sentido de todos os Deputados, em geral, e, em particular, aqueles que fazem parte dessa comissão especializada darem as mãos para fomentar o diálogo e encontrar as soluções adequadas.

0 Sr. Presidente: - Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Soluções essas que passam, volto a dizê-lo, por três vertentes: em primeiro lugar, por um núcleo de artistas fixo, porque sem artistas as marionetas não se mexem; em segundo lugar, por um espaço com dignidade, onde possa ser colocado esse espólio, os centros de documentação e tudo aquilo que faz parte do Museu; e, em terceiro lugar que haja programas concretos, anuais ou não,...

0 Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.

0 Orador: - ... submetidos à Secretaria de Estado da Cultura, para que possam, efectivamente, ser apoiados.

Esta é a nossa posição e a nossa disponibilidade é total para encontrar soluções nesta matéria.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vairinhos, como vê, a Mesa aceitou a qualificação dada pelo Sr. Deputado André Martins aquando do seu pedido de palavra e, por isso, quando deu a palavra a V. Ex.ª foi para dar explicações. Aceitou as suas explicações com a mesma benevolência com que aceitou o pedido para defesa da consideração do Sr. Deputado André Martins, que não sei se também se enquadrariam bem no tema, como quis censurar a Mesa. Está encerrado o incidente.
Srs. Deputados, vamos passar às votações...

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, era apenas para perguntar duas coisas ao Sr. Deputado André Martins.

0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado não pode...

0 Orador. - Sr. Presidente, trata-se de uma intervenção!

0 Sr. Presidente: - Então, faça favor de continuar.

0 Orador: - Não sou especialista nesta matéria e, verdadeiramente, não sei se este Museu da Marioneta

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é uma colecção particular ou não. Se for uma colecção particular, a única coisa que o Estado pode fazer é classificá-la e negociar com o particular no sentido de, se houver uma venda para o exterior, o Estado ter a preferência.
Imaginemos que eu faço uma colecção porque gosto, ou até com a finalidade de a vender, e, amanhã, o Sr. Deputado ou qualquer outra pessoa ou grupo acham que essa colecção é uma maravilha- eu fi-la por isso e que é magnífica para o nosso País. Mas, só porque ela/é boa para o País, fico privado de vender uma coisa que é minha e que fiz até pensando que dela poderia tirar o máximo lucro!?
A única coisa que V. Ex.ª pode propor e o máximo que o Estado pode fazer - porque sou um grande defensor da iniciativa privada, ao contrário do Sr. Deputado, que entende que tudo deve ser tomado pelo Estado de qualquer maneira ou expropriado- é dizer o seguinte: "Esta colecção é magnífica e o Estado não gostaria de deixar que ela fosse parar a mãos alheias. Quanto é que o senhor quer por ela? Eu dou o mesmo que lhe oferecerem e tenho o direito de preferência na sua aquisição". Agora fazer uma lei para que uma colecção de um particular não possa ser vendida a um estrangeiro...?! Em Portugal?... Em 1994?... Sr. Deputado, isso só em 1975, no 11 de Março! Por amor de Deus!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate sobre a petição n.º 83/VI (1.a) - Apresentada pelo Sr. Abel dos Santos e outros, solicitando a tomada de medidas para evitar a venda do Museu da Marioneta ao estrangeiro.
Terminámos, assim, o tema da nossa discussão de hoje e passamos ao último ponto da ordem de trabalhos, que são as votações. Temos para votar, em votação global, as propostas de resolução n. 28/VI, 46/VI e 29/VI, que discutimos na sessão de ontem.
Antes de procedermos, por esta ordem, à sua votação, o Sr. Secretário vai dar conta de três pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativos ao Estatuto dos Deputados.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Júlio Henriques (PS) a depor, como testemunha, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Luís Fazenda.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Inspecção-Geral da Segurança Social, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Branco Malveiro (PSD) a ser ouvido num processo disciplinar que se encontra pendente naquela inspecção.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está- em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Luís Fazenda.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva (PSD) a depor, como testemunha, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Luís Fazenda.

Srs. Deputados, vamos agora passar às votações programadas para hoje. Em primeiro lugar, faremos a votação global da proposta de resolução n.º 28/VI Aprova, para ratificação, o Protocolo n.º 10 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Luís Fazenda.

Srs. Deputados, seguidamente, vamos votar, em votação global, a proposta de resolução n.º 46/VI- Aprova, para ratificação, o Protocolo n.º 9 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Luís Fazenda.

Srs. Deputados, vamos agora votar, em votação global, a proposta de resolução n.º 29/VI- Aprova, para ratificação, a Convenção sobre a Repressão e Prevenção de Crimes contra Pessoas que Gozam de Protecção Internacional Incluindo Agentes Diplomáticos.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Luís Fazenda.

Srs. Deputados, esgotámos a nossa ordem de trabalhos de hoje.
0 Plenário volta a reunir amanhã para uma sessão de perguntas ao Governo, com perguntas aos Ministérios da Saúde, do Ambiente e Recursos Naturais e da Agricultura e à Secretaria de Estado da Cultura.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PSD):

António José Barradas Leitão.
António Maria Pereira.
Arménio dos Santos.

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Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Albino da Silva Peneda.
José Guilherme Reis Leite.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel de Lima Amorim.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Luís Santos da Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
Luís Carlos Martins Peixoto.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

15abel Maria de Almeida e Castro.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Alípio Barbosa Pereira Dias.
António José Caeiro da Motta Veiga.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
José Pereira Lopes.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

António Manuel dos Santos Murteira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.

Partido do Centro Democrático Social- Partido Popular (CDS-PP):

José Luís Nogueira de Brito.

Deputado independente:

Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda.

A DivisÃo DE REDACÇÃO E APOIO AUDI0VISUAL.

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