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1654 I SÉRIE-NÚMERO 50

dência do poder legislativo pela maioria absoluta de que dispõe na Assembleia da República. Esta salvaguarda não o escuda, porém, da condenação da sociedade civil. Eufemismo repetidamente usado para designar, afinal, o povo.

Face à Constituição da República Portuguesa, o autoritarismo do poder executivo fica também à mercê da condenação do poder judicial, independente e legitimado pela Constituição para administrar a justiça em nome do povo.

0 Sr. Ministro da Justiça recebeu, assim, uma difícil tarefa: a de conseguir temperar a independência do poder judicial, no seu entendimento e no do Governo excessiva. E, embora continue a afirmar que o cidadão é o vértice da política de justiça - proclamação que já era feita mesmo nos tempos do mais feroz autoritarismo -, a verdade é que toda a sua política se cifra no tratamento da justiça como questão de Governo e não como questão de Estado. Uma questão em que, esquematicamente, o triângulo poder político/poder judicial/povo conhece o seu vértice no poder executivo.

0 PCP considera que, neste momento, pairam graves ameaças sobre a independência dos tribunais e que também aqui está em causa o Estado de direito democrático. Primeiro, tratou o Sr. Ministro de subtrair à fiscalização do Ministério Público a actividade pré-processual dos órgãos de polícia criminal e de lhe retirar a coordenação das acções de prevenção. Depois, investiu contra o Conselho Superior da Magistratura e tentou transformá-lo num organismo carregado de matizes corporativas, um órgão marcadamente de auto-governo. Paralelamente, o Sr. Ministro, através da Lei da Corrupção, tentou subtrair ao poder judicial a investigação dos crimes de corrupção, colocando esta investigação na Polícia Judiciária, aqui funcionalmente na dependência do poder executivo e não na dependência do Ministério Público. Sorrateiramente, o Governo apresentou um regulamento disciplinar da Polícia Judiciária, prescrevendo um dever de cega obediência dos seus agentes relativamente à hierarquia. Mais recentemente, o Governo apresentou uma execrável proposta que reforça os poderes policiais e coloca sob suspeita todos os cidadãos.

É bem evidente que, destas medidas, ressalta a invasão da esfera judicial pelo policial, com o que o poder executivo pretende ferir a própria legitimação do poder judicial. Ao mesmo tempo, a política de justiça tem continuado a cifrar-se por omissões graves quanto aos meios de que a organização judiciária dispõe para administrar a justiça. E por acções de igual gravidade. Poderíamos falar da situação dos funcionários judiciais em greve relativamente às horas extraordinárias; dos funcionários do Instituto de Reinserção Social, que reclamam a falta de pagamento dos subsídio de risco; ou da situação dos guardas prisionais e do sistema prisional em ruptura; e ainda do reordenamento judiciário, feito de supetão, que provoca novas rupturas.

0 Governo, desta forma, infringe o dever de proporcionar os meios que dotem a justiça de eficácia. Mas do que o titular da pasta da Justiça não se esquece é de, manuseando o verbo, desferir, a propósito de tudo e de nada, ataques ao poder judicial, aos magistrados, de que são exemplos algumas das suas intervenções feitas nesta Assembleia.

A situação é de tal forma conflituosa que o debate se transpôs para a opinião pública. E nesse debate, que tem afinal como protagonista o cidadão e os seus direitos fundamentais, o Governo disfarça mal a incomodidade de ter de co-habitar com um poder judicial independente. Subitamente, o Sr. Ministro da Justiça surge preocupado com um alegado excesso de protagonismo do poder judicial.

E importante destacar que este debate surge impulsionado pelos seguintes factores: a firme actuação do poder judicial, através dos magistrados do Ministério Público e dos magistrados judiciais, no combate a uma das maiores chagas que corroem a democracia - a corrupção; a denúncia firme dos magistrados nas tentativas governamentais de invadir a esfera do judicial pelo policial; a denúncia vigorosa feita pelos magistrados das tentativas governamentais de limitar, contra o que a Constituição estabelece, a independência dos tribunais.
0 Governo e, em especial, o Sr. Ministro da Justiça encaram o poder judicial como um contrapoder e negam-lhe a solidariedade que, num regime democrático, deve existir entre os poderes executivo, judicial e legislativo.

0 PCP entende que o poder judicial exerce, em relação aos outros dois poderes, uma função muito importante - uma função legitimadora desses poderes, porque ao poder legislativo e executivo não basta a representatividade que recolheram nas umas. A sua actuação tem de legitimar-se diariamente, de acordo com as normas constitucionais. Nessa legitimação quotidiana, aqueles dois poderes não podem prescindir da função legitimadora que, relativamente a eles, exerce o poder judicial, fiscalizando eventuais infracções aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, controlando a actividade das instituições a fim de evitar que se desviem da lei, questionando e declarando a constitucionalidade das leis - porque, em democracia, não há omnipotências legislativas.

É normal em democracia que, no exercício da sua função legitimadora do poder político, o poder judicial censure explicitamente comportamentos ilegais através de processos instaurados contra representantes do poder executivo e que no banco dos réus se sentem pessoas «de colarinho branco». E a esta função do poder judicial, legitimadora do poder político, é absolutamente essencial a preservação da sua independência. 0 poder político tem, assim, o dever de garantir essa independência, proporcionando ao poder judicial os meios para que este se legitime, ao mesmo tempo que, assim actuando, o poder judicial garante a legitimação daquele.

Não tem sido esta a actuação do Governo. Não tem sido este o procedimento do Sr. Ministro da Justiça. Mas deve ficar bem claro que, na sua actuação, não é o poder judicial ameaçado que fica diminuído, porque o déficit de legitimação que pudesse vir a surgir seria imputável ao poder político.

Mas, porque seriam os magistrados os primeiros a sentir as consequências daquela acção deslegitimadora, é natural que eles sejam os protagonistas de um combate que visa a manutenção do figurino constitucional da independência dos tribunais e para a qual é fundamental preservar a Constituição do actual Conselho Superior da Magistratura. 0 texto constitucional foi classificado de exemplar por magistrados estrangeiros. 0 que poderia fazer recuar o texto constitucional?
Qualquer tentativa de introduzir em revisão constitucional limitações à independência dos tribunais teria a oposição firme do PCP.

0 Governo receia o novo magistrado, o juiz necessariamente político, porque a independência é, ela mesma, uma forma de ser político. É o cidadão que exige um juiz inserido na sociedade civil, intérprete da lei à luz da Constituição e, por isso mesmo, também ele contribuindo para a formação da direcção política do Estado de direito.

É em nome desse Estado de direito e da independência dos tribunais que um novo modelo de magistrado surgiu, de formação cultural nova, porque exigida pelo desaparecimento da fractura com a sociedade civil, pela condenação do seu isolamento propiciadora da dependência.

A formação dos magistrados e a sua selecção, o próprio ensino nas facilidades de Direito, a própria garantia do