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Quinta-feira, 7 de Abril de 1994
I SÉRIE - NÚMERO 54

DIÁRIO da Assembleia da Republica

VI LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE ABRIL DE 1994

Presidente: Ex.10 Sr. António Moreira Barbosa de Meio

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis

S U M A R I 0

0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e da resposta a outros
Foi aprovado o voto n.º 101/VI - De pesar pelo falecimento do Professor Agostinho da Silva (Presidente da Assembleia da República, PSD, PS, PCP, CDS-PP e PSN). Intervieram, além do Sr Presidente, os Srs. Deputados Adriano Moreira (CDS PP), Raúl Rêgo (PS), Carlos Lélis (PSD), Octávio Teixeira (PCP) e Manuel Sérgio (PSN), após o que a Câmara guardou um m~ de silêncio.
0 Sr Deputado António Braga (PS) iniciou o debate de urgência, ao abrigo do artigo 77.º do Regimento e a ~ do PS, sobre a situação no Vale do Ave, intervindo também , a diverso título, além , do Sr. Ministro da Indústria e Energia (Mira Amaral), os Srs. Deputados Nuno Delerue (PSD), Nogueira de Brito (CDS-PP), Laurentino Dias e Joaquim da Silva Pinto (PS), Mário Tomé (Indep), José Manuel Maia (PCP), Silva Peneda (PSD) e Domingues Azevedo (PS).

Ordem do dia- A Câmara discutiu o projecto de deliberação PLI 12/VI - Constituição de uma comissão eventual para a avaliação e

análise da actual situação no Vale do Ave (PCP), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs Deputados José Manuel Maia (PCP), Domingues Azevedo (PS), Silva Penedo (PSD) e Nogueira de Brito (CDS-PP).

Foi apreciado o parecer do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações relativo a 1991 e 1992, sobre o qual se pronunciaram a diverso título, os Sr.s Deputados José Magalhães (PS), José Puig (PSD), Mário Tomé (Indep), João Amaral (PCP) e Narana Coissoró (CDS-PP).

0 relatório da Comissão Eventual de Inquérito, Parlamentar sobre a utilização das verbas concedidas, de 1988 a 1989, pelo Fundo Social Europeu e Orçamento do Estado para cursos de formação profissional promovidos pela UGT(Inquérito Parlamentar n.º 3/VI), assim como os projectos de resolução n.ºs 100 e 105/VI, apresentados, respectivamente, pela Comissão e pelo PCP, foram também apreciados Usaram d2 palavra, a diverso título, os Sr.s Deputados Cardoso Martins (PSD), Domingues Azevedo (PS), Odete Santos (PCP) e António Lobo Xavier (CDS-PP).

0 Sr Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos

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0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva. Adérito Manuel Soares Campos. Adriano da Silva Pinto. Alberto Cerqueira de Oliveira. Alberto Monteiro de Araújo. Alípio Barrosa Pereira Dias. Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto. Anabela Honório Matias. António Augusto Fidalgo. António Costa de Albuquerque de Sousa Lara. António da Silva Bacelar. António de Carvalho Martins. António do Carmo Branco Malveiro. António Esteves Morgado. António Fernando Couto dos Santos. António Germano Fernandes de Sã e Abreu. António Joaquim Correia Vairinhos. António José Barradas Leitão. António Manuel Fernandes Alves. António Moreira Barbosa de Meio. António Paulo Martins Pereira Coelho. Aristides Alves do Nascimento Teixeira. Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha. Belarmino Henriques Correia. Carlos Alberto Lopes Pereira. Carlos Alberto Pinto. Carlos de Almeida Figueiredo. Carlos Lélis da Câmara Gonçalves. Carlos Manuel de Oliveira da Silva. Carlos Manuel Duarte de Oliveira. Carlos Manuel Marta Gonçalves. Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira. Cecília Pita Catarino. Cipriano Rodrigues Martins. Delmar Ramiro Palas. Domingos Duarte Lima. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco. Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva. Ema Maria Pereira Leíte Lóia Paulista. Fernando Carlos Branco Marques de Andrade. Fernando dos Reis Condesso. Fernando José Antunes Gomes Pereira. Fernando José Russo Roque Correia Afonso. Fernando Monteiro do Amaral. Fernando Santos Pereira. Filipe Manuel da Silva Abreu. Francisco Antunes da Silva. Francisco João Bernardino da Silva. Guido Orlando de Freitas Rodrigues. Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva. Hilário Torres Azevedo Marques. Jaime Gomes Milhomens. João Alberto Granja dos Santos Silva. João do Lago de Vasconcelos Mota. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado. João Granja Rodrigues da Fonseca. João José da Silva Maçãs. João José Pedreira de Matos.

João Maria Leitão de Oliveira Martins. Joaquim Cardoso Martins. Joaquim Eduardo Gomes. Joaquim Maria Fernandes Marques. Joaquim Vilela de Araújo. José Agostinho Ribau Esteves. José Alberto Puig dos Santos Costa. José Albino da Silva Peneda. José Álvaro Machado Pacheco Pereira. José Ângelo Ferreira Correia. José Augusto Santos da Silva Marques. José de Almeida Cesário. José Fortunato Freitas Costa Leite. José Guilherme Pereira Coelho dos Reis. José Guilherme Reis Leite. José Júlio Carvalho Ribeiro. José Leite Machado. José Luís Campos Vieira de Castro. José Manuel Alvares da Costa e Oliveira. José Manuel Borregana Meireles. José Manuel da Silva Costa. José Mário de Lemos Damião. José Pereira Lopes. Luís António Martins. Luís Carlos David Nobre. Luís Filipe Garrido Pais de Sousa. Luís Manuel Costa Geraldes. Manuel Acácio Martins Roque. Manuel da Costa Andrade. Manuel de Lima Amorim. Manuel Filipe Correia de Jesus. Manuel Simões Rodrigues Marques. Maria da Conceição Figueira Rodrigues. Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira. Maria Helena Falcão Ramos Ferreira. Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia. Maria Luísa Lourenço Ferreira. Maria Manuela Aguiar Dias Moreira. Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa. Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo. Mário Jorge Belo Maciel. Melchior Ribeiro Pereira Moreira. Miguei Bento Martins da Costa de Macedo e Silva. Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas. Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos. Olinto Henrique da Cruz Ravara. Pedro Augusto Cunha Pinto. Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho. Pedro Manuel Cruz Roseta. Pedro Manuel Mamede Passos Coelho. Rui Alberto Limpo Salvada. Rui Carlos Alvarez Carp. Rui Fernando da Silva Rio. Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete. Simão José Ricon Peres. Vasco Francisco Aguiar Miguel. Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros. Alberto Arons Braga de Carvalho. Alberto Bernardes Costa. Alberto da Silva Cardoso. Alberto de Sousa Martins.

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Alberto Manuel Avelino. Alberto Marques de Oliveira e Silva. Ana Maria Dias Bettencourt. António Alves Martinho. António Carlos Ribeiro Campos. António de Almeida Santos. António Domingues de Azevedo. António Fernandes da Silva Braga. António José Borrani Crisóstomo Teixeira. António José Martins Seguro. António Manuel de Oliveira Guterres. Armando António Martins Vara. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos. Carlos Cardoso Lage. Carlos Manuel Luís. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues. Eduardo Ribeiro Pereira. Elisa Maria Ramos Damião. Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo. Fernando Alberto Pereira de Sousa. Fernando Alberto Pereira Marques. Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa. Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins. Gustavo Rodrigues Pimenta. Jaime José Matos da Gama. João António Gomes Proença. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. João Rui Gaspar de Almeida. Joaquim Américo Fialho Anastácio. Joaquim Dias da Silva Pinto. Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho. José António Martins Goulart. José Eduardo dos Reis. José Eduardo Vera Cruz Jardim. José Ernesto Figueira dos Reis. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida. José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos. José Rodrigues Pereira dos Penedos. José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa. Júlio da Piedade Nunes Henriques. Júlio Francisco Miranda Calha. Laurentino José Monteiro Castro Dias. Leonor Coutinho Pereira dos Santos. Luís Filipe Marques Amado. Luís Manuel Capoulas Santos. Manuel Alegre de Melo Duarte. Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio. Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo. Rui António Ferreira da Cunha. Rui do Nascimento Rabaça Vieira. Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues. João António Gonçalves do Amaral. José Manuel Maia Nunes de Almeida. Lino António Marques de Carvalho. Luís Carlos Martins Peixoto. Luís Manuel da Silva Viana de Sã. Maria Odete dos Santos. Octávio Augusto Teixeira. Paulo Jorge de Agostinho Trindade.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.

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António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier. José Luís Nogueira de Brito. Manuel José Flores Ferreira dos Ramos. Narana Sinai Coissoró.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Raúl Fernandes de Morais e Castro. Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: propostas de lei n.- 95/VI - Autorização para contracção de empréstimos externos (ALRA), que baixou à 6.º Comissão, e 96/VI - Autoriza o Governo a transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 91/250/CEE do Conselho, de 14 de Maio, relativa ao Regime de Protecção Jurídica dos Programas de Computador, que baixou, dada a relevância da matéria em causa, à La Comissão, por despacho do Sr. Presidente de 6 de Abril passado; projectos de lei n.º 392/VI - Alteração à Lei n.º 71/93, de 26 de Novembro (Orçamento suplementar ao Orçamento do Estado para 1993) (CDS-PP), que baixou à 6.& Comissão, e 393/VI - Regula a emissão e utilização de cartões automáticos de pagamento (PS), que baixou igualmente à 6.ª Comissão; inquérito parlamentar n.º 20/VI - Sobre as eventuais irregularidades praticadas pela administração do Hospital de Beja na concessão da exploração da morgue do hospital (PSD); interpelação ao Governo n.º 18/VI Centrada na política social e de emprego (CDS-PP); ratificação n.º 11 9/VI - Do Decreto-Lei n.º 78194, de 9 de Março, que igualiza a situação contributiva dos funcionários da Administração Pública com os demais trabalhadores por conta de outrem em matéria de segurança social (PS); projecto de resolução n.º 1 00/VI - Sobre a utilização das verbas concedidas, de 1988 a 1989, pelo Fundo Social Europeu e Orçamento do Estado para cursos de formação profissional promovidos pela UGT.
Foram apresentados na Mesa na última reunião plenária os seguintes requerimentos: ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Miranda Calha; a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira; aos Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelo Sr. Deputado Luís Sá; ao Governo Regional dos Açores, formulado pela Sr.ª Deputada 15abel Castro.
0 Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Magalhães, Fernando Pereira Marques, André Martins, Paulo Trindade, Leonor Coutinho, Filipe Abreu, Lino de Carvalho e Paulo Rodrigues, nas sessões compreendidas entre 3 de Junho e 3 de Março.
Irão reunir, pelas 16 horas, a Comissão de Economia, Finanças e Plano e a Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família.

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0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é esta a primeira vez que reunimos após a interrupção dos nossos trabalhos por motivo da Páscoa. Espero que todos tenham feito um bom período de repouso, durante os poucos dias em que puderam ficar em casa.
Entrando no ponto seguinte do período de antes da ordem do dia, cumpre-me informar que foi apresentado um voto de pesar, elaborado pelo Sr. Deputado Adriano Moreira e subscrito, com muita honra, por mim próprio e por vários outros Srs. Deputados.
Como é do conhecimento de VV. Ex.", faleceu, na manhã do domingo de Páscoa, o Professor Agostinho da Silva, porventura - direi eu - o mais original dos grandes pensadores portugueses deste século, um homem que correu todas as partidas do mundo, um visionário de utopias admiráveis, um pedagogo e, sobretudo, um prático da liberdade e da portugalidade como poucos.
Estando absolutamente impossibilitado de participar nas exéquias, enviei à familia um texto, em meu nome e no da Assembleia, e pedi ao Sr. Vice-Presidente Adriano Moreira que me representasse. Nesse texto, evoquei o exemplo de coerência e coragem que o Professor Agostinho da Silva sempre representou para todos e atrevi-me a dizer que Portugal perdeu uma das maiores figuras da sua cultura, um pensador brilhante, um filósofo sábio e um amante da liberdade.
Para explicitar perante todos o voto apresentado, subscrito, aliás, pela generalidade dos grupos parlamentares, o Sr. Secretário irá de imediato proceder à sua leitura.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto n.º 101/VI- De pesar pelo falecimento do Professor Agostinho da Silva, apresentado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, PSD, PS, PCP, CDS-PP e PSN, é do seguinte teor:
Agostinho da Silva ficará como um grande vulto da cultura portuguesa, uma das expressões mais lídimas dos que dedicaram a vida à defesa dos valores da liberdade e do humanismo. Símbolo do desapego pelos bens materiais e da elevação moral, foi um dos raros representantes e símbolos da persistência e validade do combate por um portuguesismo autêntico num mundo melhor.
A Assembleia da República expressa a sua maior consternação pelo desaparecimento de tão ilustre cidadão e português e apresenta sentidas condolências à familía enlutada.

0 Sr. Presidente: - Para breves intervenções sobre este assunto, irei dar a palavra aos representantes dos grupos parlamentares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira, que é, como disse há pouco, o autor do texto que acabou de ser lido.

0 Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A vida de Agostinho da Silva abrange todo o século XX, aquele que viu nascerem os maiores e mais definitivos desafios à maneira portuguesa de estar no mundo. E tendo percorrido, pela maior parte, o mundo que o português criou, envolvido este numa tormenta de mudanças que escapava à racionalização, ensinou pelo exemplo que, nesses casos, só a imaginação é mais importante que o saber.
último representante da escola de Leonardo Coimbra e Teixeira Rego, pertenceu a uma verdadeira ínclita geração em que se incluíam, entre outros, Delfim Santos, Adolfo Casais Monteiro, Pedro Veiga, José Marinho e Eudoro de Sousa. Persiste o mistério das razões que levaram, suponho que por decisão exclusiva de Alfredo de Magalhães, a extinguir a Faculdade de Letras do Porto, coisa que algures prometeu que esclareceria nas memórias, até hoje não sabidas. Por razões certamente mais socráticas do que esta, mas talvez também por esta, Agostinho tornou-se exemplo do promotor da escola trazida para a rua, ensinando, como também praticaram Eudoro de Sousa e Álvaro Ribeiro, em cafés e ainda em reuniões acidentais de ouvintes de acaso ou em barracos, dos que inquietam os municípios e governos.
No Brasil ensinou Eudoro de Sousa o seu grego, aprendido em Heidelberg, num barracão sem nenhum livro e chegando a ter, segundo consta, um só aluno, tudo segundo testemunha Almerindo Lessa. Agostinho da Silva, muito seu companheiro, quando fundou e dirigiu, na jovem Universidade de Brasília, o Centro de Estudos Portugueses, hoje desaparecido, integrado na geral e riquíssima biblioteca que ali reunimos ambos em colaboração, também quis salvaguardar a posse de um terreno destinado à construção pelas autoridades portuguesas, que nunca o fizeram, do edifício definitivo para a instituição, antes instalada em
pré-fabricados.
Para não perder o terreno, sujeito à impunidade do dá e tira, ali se instalou num barraco que anunciava ter capacidade para 1000 quilos ou dez pessoas. Habitava a precária instalação com alunos e assistentes, recebendo com as galas possíveis, que incluíam um galo polígamo e um pinheiro do Marão, os amigos e convidados, enriquecendo sémpre o convívio, de maneira inultrapassável, com o costumado discorrer, inspirado pelas noites sem igual do planalto, onde uma pequena capela aberta, mandada construir pelo presidente Juscelino, tem gravada a profecia de que naquele lugar, à beira de um lago artificial, estaria o berço de uma nova civilização, o mesmo futurismo que alimentava o pensamento de Agostinho, estudioso do frade Joaquim Flora, profeta dos novos tempos, da Idade Nova do Espírito Santo, o Espírito Santo festejado pelo povo com as "solenidades do Império", talvez inovação de Santa 15abel, mistério sobre o qual se debruçou o seu próximo Jaime Cortesão. Inquietação que incluiu, na circunstância de Agostinho da Silva, esse culto popular do Imperador Menino, o pensamento de António Vieira, a heteronomia de Pessoa e, finalmente, o projecto reinventado do Quinto Império português, espiritual e redentor.
Vagabundo das cátedras, isso não o impediu de revelar uma capacidade de realizador extraordinário, fundador de universidades e múltiplos centros de estudo, autor de mais de 200 títulos.
Em 1974, resolveu regressar a Portugal, para, como disse, olhar a Revolução. De então até à sua morte, nunca deixou de interpelar o futuro, desafiando os portugueses a assumirem a "invenção de qualquer coisa que tirasse o mundo da confusão em que está hoje" e pregando a reorganização do espaço atlântico, isso a que chamei, em tempos, o Oceano Moreno e que teria como responsáveis Lisboa, Luanda e Rio de Janeiro.
0 Padre Vítor Melícias, numa homilia inspirada, definiu-o, nos Jerónimos, como um "farol de condução deste povo", um homem que "levou e trouxe universalismo". Acrescentarei: e esperança, e confiança na criatividade rebelde, e amor à vida, sempre capaz esta de ultrapassar as catástrofes, de absorver os fins de época, de recriar os futuros.
Dizendo tranquilo, como foi lembrado: "A minha vida irá por onde quiser ir, eu sigo-a, vou pacífico na albarda do burro, pus-lhe a rédea ao pescoço, já que ele sabe melhor do que eu o caminho a seguir". Dele é de supor que, como

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imaginou um poeta brasileiro, quando pedir licença para entrar pelas portas do Céu, lhe respondam: "Entra Agostinho, você não precisa de pedir licença".

Aplausos gerais.

'0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.

0 Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associamo-nos ao voto proposto pelo Sr. Deputado Adriano Moreira, não com a sua eloquência, mas com a boa vontade de sempre do companheiro que fui de Agostinho da Silva na Seara Nova e na sua obra de renovação e, sobretudo, de divulgação cultural.
Para Agostinho da Silva a cultura não era um meio de promoção, mas um meio de comunicação e fraternidade que ele impunha a tudo. Aliás, ele, que era um erudito, divulgava a sua erudição e quase rastejava essa erudição, colocando-a inteiramente ao nível do povo. É que não há ciência para os ricos, pois esta tem de ser para a Humanidade, para todos os cidadãos ou, então, não é ciência!
Agostinho da Silva, em Portugal, no Brasil, em toda a parte, foi sempre um divulgador cultural nos seus exemplos e nas suas lições. No Brasil, depois do regresso, sempre limitado por todos os condicionalismos, ele venceu-os. É essa sua persistência e teimosia que constitui também uma grande lição daquele que tem qualquer coisa para comunicar e a comunica contra tudo e contra todos.
Associamo-nos ao voto de pesar, porque morreu, sem dúvida, um democrata. Mas a sua lição deve persistir e tomar-se realidade para todos nós.

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

0 Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste último domingo, morreu, português, quem foi durante longo tempo cidadão do mundo. Agostinho da Silva, perdido na sua movimentação pelo mundo, não era, devo confessá-lo, um dos meus autores de cabeceira - apesar de ter escrito mais de 200 livros - e foram os jornais e a televisão que mo fizeram entrar porta dentro.
Também nunca terá sido a profundidade do seu pensamento que me prendeu ao seu diálogo, mas sim a sua capacidade, quase marginal, de fazer tombar barreiras, de abrir janelas, de mostrar caminhos. Gosto de lembrá-lo vivo, porque gosto de lembrar o seu lado irreverente entre tanta gente, como nós, sempre tão bem comportada.
Herdeiro de outros pensadores, Agostinho da Silva, não quis ser académico, não se portou como académico e, com o avançar dos anos, encontrou naquela sua raiva mansa um segundo fôlego de comunicar. Lá para onde terá ido, deve estar a pregar outras partidas verbais, dizendo, talvez, que nem sabe sequer como lá chegou ou dizendo, talvez, que não sabe por que é que os outros lá estão.
Andarilho das cinco partes da Terra e dos continentes, o vagamundo Agostinho da Silva, no domingo, parou e a paragem é sempre para nós mais sensível, mais visível, quando se refere a alguém que vimos em movimento, alguém que vimos com um pulsar de vida. Agostinho da Silva, ao ver-nos todos aqui in memoriam, talvez fizesse um anti-discurso, não porque fosse contra mas porque era- e ~a ser- diferente. A nossa saudade por ele, a saudade que ele nos ensinou também ser saudade do futuro, vai ser a forma como o haveremos de lembrar, projectando a sua lembrança no futuro, num futuro com uma grande comunidade que não será por certo o Quinto Império mas a do Brasil, o seu Brasil, e este nosso Portugal.
Agostinho da Silva, sempre rebelde, morreu neste domingo, num domingo de Páscoa que, por ironia, era um dia de ressurreição.

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também nos associamos ao voto de pesar pelo falecimento de Agostinho da Silva e com isto, muito singelamente, queremos relembrar o livre pensador, o pedagogo, o amante dos valores da modéstia e da liberdade.

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

0 Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agostinho da Silva é para mim um herói da cultura, que o mesmo é dizer um homem, homem acima de tudo, homem a quem nada do que é humano foi alheio.
Morreu um herói da cultura, isto é, morreu um homem e sempre que um homem morre o mundo fica mais pobre, apesar do legado cultural que nos deixa e que nos cumpre criticar e desenvolver. Agostinho da Silva, um herói da cultura, ou seja, morreu um homem livre e libertador!
Subscrevi o voto de pesar n.º 101/VI e, assim, apresento sentidas condolências à família enlutada.
Aproveito também para relembrar a figura do meu mestre, Professor Delfim Santos, que um dia, na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, me iniciou na leitura de Leonardo Coimbra e de Agostinho da Silva. São homens como estes que são, simultaneamente, a memória e a profecia de uma Pátria. Escutar a sua mensagem é o mínimo que se exige a cada um de nós.

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, solicito à Câmara um minuto de silêncio em memória de Agostinho da Silva.

A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, vamos votar o voto de pesar entretanto apresentado.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Raúl Castro.

Este voto será comunicado, com o essencial das intervenções aqui produzidas, à família do Professor Agostinho da Silva.
Srs. Deputados, o período antes da ordem do dia compreende hoje um debate de urgência, a pedido do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e ao abrigo do artigo 77.º do Regimento da Assembleia da República, sobre a situação no Vale do Ave.
0 debate vai ser iniciado com uma intervenção do Sr. Deputado António Braga, a quem concedo, desde já, a palavra.

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0 Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao agendar este debate de urgêncía sobre a situação no Vale do Ave, os socialistas pretendem contribuir para que a crise em que vive esta zona dos distritos do Porto e de Braga, possa ser resolvida, antes de mais, num ambiente de tranquilidade e consenso quanto às políticas de incentivo às indústrias e, bem assim, quanto ao entendimento sobre os problemas sociais.
Não é nossa intenção, por isso, nem desfraldar a bandeira da miséria, nem difundir uma visão idílica de um paraíso inexistente. No entanto, constatamos hoje o que prevíramos com muita antecedência: a crise persiste e, em certos domínios, agrava-se. Infelizmente o Governo demorou demasiado tempo a reconhecer as dificuldades. Mas, tardou ainda mais a relacionar e identificar essas dificuldades como resultantes de uma crise estrutural.
Desde o ano de 1988 - ano do diagnóstico oficial - que muitas promessas de investimento e incentivos provenientes do poder central ficaram no tinteiro ou a meio caminho de concretização. Acima de tudo, desde esse ano, a situação não teve alterações significativas e, em muitos aspectos particulares, até piorou. Contudo, o Governo insiste em jogar com o argumento da aplicação local, em diversos programas, de milhões de contos provenientes de fundos comunitários.
Concretamente um Sr. Ministro falou há dias em 150 milhões de contos se bem que para nós esse número esteja claramente inflacionado por agregação de outros investimentos regionais. Mas, para efeítos de mero exercício de raciocínio, se aceitarmos como bom esse número, é caso para perguntar como é que é possível manter indicadores claramente negativos sobre a evolução da crise.
De facto, em 1990, o número de trabalhadores do sector têxtil, vestuário e calçado era de 124 374, o que correspondia a 79,1 % do total da indústria transformadora. Ora, em 1991, esse número baixou para 119 848, estimando-se a continuação dessa tendência nos anos seguintes. Se essa descida poderia apontar o caminho para a diversificação industrial, o peso relativo do emprego neste sector, desmente categoricamente essa ideia, pois de 1985 para 1991 aumentou de 79,1 % para 81 %.
Entretanto, um número significativo de empresas, que recorreram aos diferentes programas, mantém graves problemas de funcionamento. Num universo de 205 empresas da zona, que envolvem um total de aproximadamente 43 000 trabalhadores, 48 encerram ou já faliram, 22 paralisaram, 12 reduziram a sua actividade e 105 mantêm salários em atraso.
No período de Janeiro de 1988 a Dezembro de 1991, dos 1154 projectos apresentados, apenas 447 foram contemplados para investimento e incentivos. Mesmo assim, o reduzido número de postos de trabalho - 3623 - que resultaram desses projectos aumentou a dependência do têxtil, vestuário e calçado pois 68,4 % desses novos empregos dizem-lhe respeito.
Por outro lado, os indicadores sobre o cumprimento da escolaridade obrigatória apontam para taxas de insucesso e abandono alarmantes. 0 insucesso situa-se na média dos 25 % e o abandono, a partir da escola primária, mais propriamente nas ídades compreendidas entre os 12 e os 14 anos, é da ordem dos 23 %.
No que respeita à qualificação profissional, o panorama mantém-se com o número de profissões não qualificadas a ultrapassar as qualificadas.
0 flagelo da existência do trabalho infantil é reconhecido por todos. Contudo, não há indícios de que tenha sequer diminuído de forma significativa.
0 desemprego, claro está, aumenta diariamente.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estes indicadores demonstram uma de duas coisas: ou é mentira que se investiram os tais 150 milhões de contos ou, então, foram incompetentemente aplicados.

Aplausos do PS.

0 Governo e a maioria que escolham a resposta que mais lhes convenha.
Independentemente do atraso significativo da operação integrada, ou da deficiente aplicação dos diversos programas de investimento e incentivos, é forçoso reconhecer que subsistem situações graves que exigem intervenção ímediata.
São os casos da pobreza, do desemprego, do trabalho infantil e da formação profissional. É necessário, ao menos, atenuar os seus efeitos negativos, atacando as causas imediatas. Nesse sentido, entregaremos ao Sr. Presidente da Assembleia da República e à Mesa quatro projectos de resolução.
Propomos, concretamente: a criação do rendimento mínimo garantido para as familias sem rendimentos; o lançamento de um programa de emergència para combate ao trabalho infantil; um conjunto de incentivos no domínio fiscal para criação do emprego; e, finalmente, um outro programa de formação e qualificação profissional.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Todos estes programas têm um carácter de aplicação experimental, relativo à zona do Vale do Ave, para vigorar nos próximos dois anos, findos os quais deverão ser avaliados e depois, caso se justifique, aplicados a nível nacional.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 Vale do Ave possui enormes potencialidades, que são a garantia da esperança no futuro. Possui a população mais jovem da Europa e nela reside a nossa aposta fundamental. Nesta fase difícil é precíso suster as consequêncías mais dramáticas da crise. Esse é o sentido da emergência das propostas que aqui ficam.
Assim o entendam também a maioria e o Governo.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Nuno Delerue e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Braga, gostei do início da sua intervenção.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Já não é mau!

0 Orador: - Infelizmente só foi do início, mas já não é mau, pois é um começo. V. Ex.ª não tem capacidade para ultrapassar essa visão completamente negativista em relação ao Vale do Ave. 0 Sr. Deputado António Braga, com esse discurso, está cada vez mais só, porque inclusivamente companheiros seus de partido já perceberam que esse discurso de miséria retira mais do que dá. Não é esse o

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discurso que interessa ao Vale do Ave, mas sim um discurso politicamente sério para poder ser eficaz.
Ninguém escamoteia, nem nós no PSD, que o Vale do Ave tem especificidades e dificuldades.
V. Ex.` colocou aqui o problema dos 150 milhões de contos que terão sido aplicados - palavras suas - no Vale do Ave. Pergunto-lhe: e se não tivessem sido investidos e se não tivesse havido uma posição de prioridade em relação ao Vale do Ave, qual seria a situação?
Sr. Deputado António Braga, a questão que coloca é, obviamente, politicamente incorrecta pois é precíso ter a noção que um escudo que se investe no Vale do Ave, embora sendo e correspondendo a uma necessidade, é um escudo que não se investe noutra região do país. VV. Ex.ªs são já useiros e vezeiros a fazer um discurso no Vale do Ave a favor deste contra Setúbal, em Setúbal contra o Vale do Ave, no litoral contra o interior, no interior contra o litoral, no continente contra as regiões autónomas, não tendo, por isso, um discurso nacional.

Protestos do PS.

Por essas e por outras, Sr. Deputado António Braga, é que mais do que a sua posição pessoal, enquanto Deputado por Braga, o que me interessa é a posição da sua bancada. E óbvio que o Vale do Ave é uma prioridade nacional, mas V. Ex.ª tem que dizer aqui contra quem, ou seja, em detrimento de quem é que teria que ser investido no Vale do Ave mais do que aquilo que está a ser investido.

0 Sr. José Vera jardim (PS): - Não é contra ninguém! 15so não tem sentido nenhum!

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

0 Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Delerue, foi o Sr. Ministro que disse que investiu 150 milhões de contos!
A conclusão que tiro é a de que essa verba de 150 milhões de contos era a suficiente para colocar o Vale do Ave no b("n caminho. Ora, isso não aconteceu, Sr. Deputado!

0 Sr. Miguel Macedo (PSD): - 15so é o que os senhores dizem!

0 Orador: - Não somos nós que dizemos isso, Sr. Deputado! Vã visitar a região do Vale do Ave e fale com os empresários. Ainda recentemente, quando o Sr. Ministro anunciou que nos últimos cinco anos tinham sido investidos 150 milhões de contos, um grupo de 500 empresários do sector mostrou que o seu optimismo era muito moderado, baseado na convicção de que não basta estarem montadas, a partir de cirna, as infra-estruturas. É preciso que elas cheguem, efectivamente, ao grosso da indústria do sector. E a incompetência na aplicação das verbas que leva a esta situação, Sr. Deputado!
Quanto à miséria, Sr. Deputado, tenha paciência, mas isso já é um pouco antigo.
Diz que fazemos um discurso em Braga, outro em Setúbal, outro em Coimbra e outro no Porto. 15so não é verdade e o senhor sabe muito bem que a questão que aqui levantámos não é a da miséria, mas também não é a do paraíso, que não existe.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Colocámos a questão como ela se apresenta, com o levantamento das situações, com estatístícas e números e o senhor não desmentiu um único! Essa é a verdade e prova a incompetência do Governo ao aplicar estes milhões de contos naquela região.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Dep,02do António Braga, no discurso de V. Ex., notei o anúncio de uma inflexão importante na política do seu partido, pelo que gostaria de saber se isso é ou não verdade.
Há uns dias atrás discutimos aqui um projecto de lei do PCP sobre o rendimento mínimo garantido. Nessa altura, os senhores não nos disseram que, afinal, tencionavam transformar o vosso projecto numa medida experimental, a vigorar apenas por um prazo de dois anos e no Vale do Ave.
Ouvi bem ou mal? É isso que VV. Ex.- vão fazer?

0 Sr. Miguel Macedo (PSD): - É isso mesmo!

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

0 Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, a questão que V. Ex., colocou é fugaz e perfeitamente linear.
0 que afirmamos é que a situação existente neste momento no Vale do Ave exige medidas de excepção para suster as consequências mais dramáticas da crise.
Apresentámos já um projecto de lei sobre o rendimento mínimo a aplicar ao nível de todo o País. Contudo, entendemos que, de ímediato, com a emergência que se reconhece, isso deve ser aplicado de forma experimental naquela região. Digo isto, Sr. Deputado, porque isso não pode ser feito de outra forma, na medida em que o Vale do Ave é uma região com características muito específicas.
Não há, pois, qualquer inflexão da nossa política. Pelo contrário, há uma aplicação de imediato, com sentido de emergência, dessa medida à região para assegurar um rendimento mínimo àquelas famílias. V. Ex.", que conhece bem o distrito, sabe perfeitamente que hoje há muitas famílias com enormes dificuldades de subsistência.
É esse, pois, o sentido que queremos dar à medida, não havendo inflexão de política.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.

0 Sr. Ministro da Indústria e Energia (Mira Amaral): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falar do Vale do Ave implica, naturalmente, falar da indústria têxtil e do vestuário, que, como sabem, tem grande importância nesta região do nosso país.
0 sector têxtil e do vestuário contínua a assumir uma grande importância no contexto da indústria portuguesa. Essa importância assume, por outro lado, uma relevância muito especial na economia de determinadas regiões do País, como é o caso do Vale do Ave.
A indústria têxtil portuguesa é largamente tributária dos mercados internacionais, principalmente do comunitário e, por isso, não podia deixar de ser afectada pelo enquadramento internacional, que, como todos sabem, tem sido

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desfavorável. As causas desta situação radicam, pois, na retracção dos mercados internacionais tradicionais para as exportações portuguesas, o que está aliado à crescente agressividade da concorrência de países com baixos custos de produção, principalmente de países asiáticos.
No entanto, é de referir também que factores de ordem interna têm contribuído para essa situação. Com efeito, nos últimos anos começou naturalmente a acelerar-se o processo de ajustamento estrutural da indústria portuguesa, com a eliminação de unidades industriais, que, como todos sabíamos, mostravam claros sinais de ineficiência, ineficiência essa que vinha desde há muitos anos. Para quem conhece a indústria portuguesa isto não é novidade nenhuma e já todos sabíamos que isto ia acontecer.
No entanto, e simultaneamente, posso dizer que felizmente encontram-se indícios do reforço da capacidade competitiva de muitas empresas industriais com actuações a nível de estratégias de diferenciação em resultado do enorme esforço de modernização e de reestruturação que tem sido realizado pelos empresários do sector, com o correspondente apoio do sistema de incentivos. Nos últimos anos foram aprovados, no âmbito dos diversos sistemas de incentivos, cerca de 2000 projectos, que representaram investimentos globais no sector têxtil e do vestuário da ordem dos 280 milhões de contos, para os quais o Governo atribuiu incentivos financeiros a fundo perdido da ordem dos 85 milhões de contos.
Temos de ter consciência de que o projecto de ajustamento estrutural do sector têxtil e do vestuário que se iniciou vai continuar, sendo necessário simultaneamente prosseguir o esforço de melhoria da competitividade das empresas que demonstrem viabilidade. Esse esforço tem de ser centrado nas seguintes preocupações: orientação para um produto que, pelas suas características, permita um maior valor acrescentado e uma menor pressão concorrencial de países de mão-de-obra barata; melhoria da capacidade comercial e de marketing das empresas, transformando-as em empresas que vendem produtos e não apenas em empresas que disponibilizam capacidades de produção; continuação do processo de inter-nacionalização destas empresas e incrementação da capacidade de resposta em encomendas tendencialmente mais pequenas, introduzindo maior flexibilidade nos sistemas de produção e de gestão das empresas; finalmente, continuação da correcção das estruturas financeiras de empresas com deficiências crónicas de níveis adequados de capitais próprios e permanentes.
Ao mesmo tempo, e paralelamente, iniciámos um processo em regiões com forte dependência do sector têxtil e do vestuário. Esse processo tem o objectivo de desenvolver actividades alternativas e geradoras de emprego, que possam absorver ou minimizar as consequências no nível de emprego das respectivas regiões É aquilo que já iniciámos no Vale do Ave!
A região do Vale do Ave representa 9 % do produto industrial do País e perto de 14 % do emprego da indústria transformadora nacional, assumindo-se como uma das regiões mais industrializadas de Portugal fora dos pólos de concentração tradicionais de Lisboa, Porto e Setúbal. Como sabem, esta região caracteriza-se pela forte presença da indústria têxtil e do vestuário, que é responsável por 77 % do emprego industrial da região.
A região do Vale do Ave encontrava-se já em 1988 com um ambiente semelhante às zonas em mutação e declínio industrial e isso era visível nos seguintes factores: na excessiva dependência face a uma única actividade industrial; na necessidade de modernização e de reestruturação dos sectores têxtil e do vestuário; na inexistência de uma
rede de infra-estruturas de base, nomeadamente no domínio viário e de serviços de apoio à actividade industrial; por último, nos problemas de poluição industrial do rio Ave e de ordenamento do território.
Face a essas ameaças, o Governo encontrou as respostas adequadas, quer inicialmente no programa de infra-estruturas - o chamado PROAVE -, quer depois na operação integrada de desenvolvimento do Vale do Ave, coordenada pelo Ministério do Planeamento e da Administração do Território e com a intervenção dos vários ministérios sectoriais.
Devido aos problemas existentes, a acção do Governo centrou-se basicamente no apoio à melhoria da competitividade das empresas do sector têxtil e do vestuário; no apoio à diversificação da estrutura produtiva da região através da criação e desenvolvimento de actividades económicas alternativas ao têxtil e vestuário; no aumento da eficiência da envolvente empresarial e produtiva da região; na promoção de medidas de carácter social que pudessem minimizar os efeitos advenientes do processo de ajustamento estrutural pretendido para a região.
Vamos, então, aos resultados da OID do Vale do Ave.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Graças ao esforço do Governo e à acção lançada pela OID é possível, neste momento, dizer que os investimentos no Vale do Ave ascendem aos tais famosos 150 milhões de contos. 15to é facilmente compreensível. É que numa economia de mercado 150 milhões de contos de investimento não são 150 milhões de contos de incentivos do Governo. Uma coisa é investimento feito pela actividade privada e empresarial e outra são incentivos do Governo. Para quem conhece a economia de mercado compreende isto facilmente.
Neste sentido, posso dizer-lhes que estes 150 milhões de contos de investimentos foram afectos a várias áreas, a primeira das quais a actividade produtiva, em que foram investidos cerca de 108 milhões de contos. A segunda área é a da criação de infra-estruturas, em que investimos cerca de 39 milhões de contos.
Quanto à actividade produtiva, posso dizer que no Vale do Ave, deste investimento de cerca de 109 milhões de contos, os incentivos financeiros atribuídos ascenderam a 39 milhões de contos.
Quanto à criação de infra-estruturas, os incentivos ascenderam a cerca de 24 milhões de contos.
Em resumo, dos cerca de 150 milhões de contos de investimentos desencadeados pela OID do Vale do Ave o Governo comparticipou com incentivos a fundo perdido da ordem dos 63 milhões de contos.
Nestas verbas não estão englobadas todas as medidas no domínio dos recursos humanos e da acção social. 0 Ministério do Emprego e da Segurança Social, através do Instituto de Emprego e da Formação Profissional, entre 1990 e 1993 afectou 9 milhões de contos
a acções no domínio do emprego e da formação profissional.
Por outro lado, na área da segurança social, através da Protraía n.º 735/91, prevê-se gastar, entre 1993 e 1996, cerca de 13 milhões de contos, que devem ser acrescidos ao esforço financeiro já atrás referido.
É importante dizer-vos também que na área da indústria foram apoiadas, e já estão felizmente em funcionamento, infra-estruturas indispensáveis, como o Centro Tecnológico para a Indústria Têxtil e do Vestuário - o CRIEVE -, que vai dar um grande apoio na região do Vale do Ave à indústria têxtil e do vestuário.
0 processo de ajustamento e de diversificação da estrutura produtiva da região tem de ser necessariamente um

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processo lento. Só aqueles que não percebem o que é uma estrutura económica e social é que pensam que este problema pode ser resolvido de um dia para o outro através de apoios financeiros do Governo.
A alternativa com ajustamento mais rápido, para além de não ser economicamente possível nem ser realista, poder-se-ia traduzir num agravamento insustentável das dificuldades da economia da região, com consequências socialmente negativas na libertação de mão-de-obra têxtil, sem o correspondente desenvolvimento paralelo junto das actividades. Ao mesmo tempo que modernizamos a indústria têxtil e do vestuário estamos a fomentar, através do SINDAVE (Sistema de Incentivos à Diversificação Industrial), a criação de novas unidades, quer no sector industrial, quer no sector terciário, que fomentem a diversificação da região e que possam absorver a mão-de-obra entretanto libertada nas empresas que, para serem competitivas, têm de fazer ajustamentos na escala laboral de produção.
Em suma, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o esforço de investimento concretizado e em curso aponta já, felizmente, para o início de superação de debilidades estruturais que vêm desde há muito tempo e que, nos domínios concretos do ambiente e do ordenamento, atingiam, em 1987, níveis preocupantes.
A conclusão dos projectos em curso, em articulação com os previstos para o futuro, permitirá não só dotar a região com uma rede de infra-estruturas de nível mais adequado à sua importância económica, mas também continuar a atrair novos capitais e novas iniciativas empresariais para o Vale do Ave.
Este esforço governamental, necessariamente acompanhado a nível local pelas autarquias, pelas associações empresariais, pelos empresários e pelos trabalhadores, vai ser continuado e reforçado neste novo Quadro Comunitário de Apoio, tanto em termos de apoio às infra-estruturas como à actividade produtiva e empresarial da região.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Governo está consciente que os problemas do Vale do Ave estão longe de estarem resolvidos. Tem, no entanto, números e autoridade suficiente, por aquilo que fez, para dizer-vos que iniciou, de forma definitiva e irreversível, o processo de modernização e de ajustamento cultural do Ave.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Laurentino Dias, Joaquim da Silva Pinto, Mário Tomé e José Manuel Maia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

0 Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Indústria e Energia: Registando, antes de mais, a presença do Governo neste debate, o que nos agrada por permitir promover aqui a discussão que entendemos importar para a região do Vale do Ave, quero também realçar a coragem da presença de V. Ex.ª neste debate e, sobretudo, a coragem de vir repetir neste início de debate, no mesmo tom de relatório de caracterização da política industrial do Governo e da situação, em particular, do têxtil e do vestuário do Vale do Ave, aquilo- que vem sendo o discurso adormecente de V. Ex.ª e do Governo em face da crise evidente e conhecida da região desde há vários anos a esta parte. 0 que V. Ex.ª fez não foi mais do que ser coerente com o que tem dito ao longo dos anos e permita-me que faça aqui um parêntese para dizer que têm falado demais e feito de menos em relação àquela região.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Tive, aliás, a oportunidade de estar presente em alguns colóquios e conferèncias que V. Ex.ª e o Governo promoveram naquela região e de ver quão grande era a diferença, porventura não entre o diagnóstico feito pelo Governo e por aqueles que estão directamente interessados na região- os empresários, os trabalhadores e outras instituições -, mas sobretudo entre a visão não só da realidade como também do futuro e daquilo que era preciso fazer, de facto, para que aquela região saísse da crise de que V. Ex.ª agora não fala, mas que durante todo este tempo negou, como se nós, socialistas, e outros, atempadamente não tivessemos chamado a atenção para a situação de crise das empresas e para os fenómenos de grande dificuldade social dos trabalhadores, que são quase 200000 naquela região.
Ao cabo e ao resto, Sr. Ministro, o que V. Ex.ª aqui veio fazer não foi responder às propostas concretas que o PS apresentou e que nada representam de novo no sentido de V. Ex.ª ter sido apanhado desprevenido por elas, uma vez que o Secretário-Geral do PS já tinha publicamente, em deslocações que fez ao Vale do Ave, adiantado estas soluções.
Gostaria que V. Ex.ª sobre elas falasse, como gostaria que nos dissesse se acha ou não preocupante as situações de desemprego de 20 000 cidadãos no Vale do Ave, de salários em atraso de 20 ou 30 000 cidadãos dessa região e das familias inteiras que viviam exclusivamente da indústria têxtil e que estão sem emprego, sem salários e, porventura, em vias de ver terminado o período de recebimento de subsídio de desemprego ou de subsídios sociais de desemprego.
Gostaria que V. Ex.ª nos falasse sobre isto, para nos dizer se está ou não de acordo que é preciso, para evitar a pobreza, as dificuldades económicas e as carências imensas que aquela gente tem, implantar um rendimento mínimo garantido, como o PS propõe.
Gostava também que nos dissesse alguma coisa sobre a formação profissional, já que dela se esqueceu no seu discurso.
Sr. Ministro, permita-me que termine este pedido de esclarecimento, relembrando que, nesta Casa- e também lá fora, por via dos jornais -, já ouvimos membros do Governo falarem, enquanto intenções de investimento no Vale do Ave, em números como estes: 117 milhões de contos em 1990; 42 milhões de contos em 1991; 750 milhões de contos em 1992 e 80 milhões de contos em Dezembro de 1993.
Sr. Ministro, ninguém neste país acredita que isso tenha sido investido no Vale do Ave, porque todos sabem que aquela gente não é um sorvedouro de dinheiros públicos e que, antes, tem trabalhado e assegurado, ao longo de todos estes anos, muitas das receitas do Estado, como toda a gente sabe também o que é que representa a indústria e o trabalho no Vale do Ave. Sr. Ministro, ou esse dinheiro nunca lá chegou e serve apenas de propaganda ao Governo ou, então, exige-se que V. Ex.ª aqui explicite, claramente, onde, quando, como e com quê fez o Governo os investimentos que V. Ex.ª apregoou.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.

0 Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Sr. Deputado, começo por agradecer a sua referência à política in-

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dustrial do Governo. Vejo que está atento e que reconhece que há uma política industrial
Depois, gostava de dizer-lhe que nunca escondi as dificuldades da indústria portuguesa e as do Vale do Ave. 15so é uma coisa e outra coisa é começar a agravar, artificialmente, situações de dificuldade. Quando o poder público, quando aqueles que são responsáveis, que têm capacidade de acesso à comunicação social, começam a falar sistematicamente em crise, nada mais fazem do que agravar os problemas existentes na região. Tenho exemplos concretos de empresários que se me têm queixado daqueles que têm falado sistematicamente em crise do sector no Vale do Ave. Quem percebe alguma coisa de economia sabe perfeitamente por que é que imediatamente a banca se fecha. Tal acontece porque o sistema financeiro julga que é todo um sector que está em causa e o crédito às empresas desse sector ou dessa região imediatamente é fechado, agravando assim problemas que não existiam ou reforçando aqueles que já existiam. È por isso que um Governo responsável se nega a falar com o tom declamativo com que VV. Ex.--- querem carregar o ambiente do Vale do Ave.
Tal não significa que sejamos irrealistas e desconhecedores da situação e, por isso, não lhe nego que o Vale do Ave é uma região sensível, que muito nos preocupa. Por isso mesmo foi objecto de medidas excepcionais do Governo, quer em termos de política regional, quer em termos de política industrial, quer em termos de política de emprego ou social. Elas estão à prova, não vou repeti-las senão V. Ex.ª dizia que estou a fazer um relatório. Como sabe ler, poderá facilmente manuseá-las.
Gostava também de dizer-lhe que, felizmente, temos no Vale do Ave excelentes empresas, mesmo no sector têxtil e de vestuário, do melhor que existe a nível europeu. Não são tantas como aquelas que gostaríamos que fossem, quer eu quer o Sr. Deputado, mas já temos, felizmente, excelentes empresas. Se o Sr. Deputado tivesse tido a bondade de acompanhar o Grupo Parlamentar do PSD - e foi-lhe feito o convite - na sua deslocação àquela região, teria visto essas excelentes empresas do Vale do Ave.

0 Sr. Duarte Lima (PSD): - É isso mesmo.

0 Sr. Laurentino Dias (PS): - Eu nasci lá, vivo lá há 40 anos!

0 Orador: - Então talvez esteja distraído, talvez vá directamente pela auto-estrada de Fafe para o Porto, apanhe um avião para Lisboa e não se aperceba da realidade industrial do Vale do Ave.

Risos do PS.

Por outro lado, quero dizer-lhe, para responder à sua pergunta, que executámos uma OID para o Vale do Ave, estamos agora a estudar o seu resultado e, em face disso, naturalmente que iremos alinhar um conjunto de medidas no novo Quadro Comunitário de Apoio que darão continuação à OID do Vale do Ave. Não estou a revelar-lhe qualquer segredo de Estado ao dizer-lhe que, ainda ontem, no gabinete do Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, ele próprio, eu, o Sr. Ministro-Adjunto, o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social e o Sr. Secretário de Estado da Educação e Desporto, estivemos a trabalhar em conjunto para promover a continuação da OID do Vale do Ave. Não vou revelar-lhe

hoje qual é esse conjunto de medidas, mas dele será informado na altura adequada, pois o Governo tem o seu timing e os seus momento de decisão.
Portanto, não estamos condicionados pela vossa interpelação parlamentar, para anunciar o conjunto de medidas para o Vale do Ave.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto.

0 Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Indústria e Energia, ouvi-o, naturalmente, com a maior atenção e quero sublinhar, antes de mais, que V. Ex.ª, ao fazer a apologia da aplicação das medidas que o Governo atribuiu ao Vale do Ave, esqueceu-se dos contributos dados pelos não relacionados com o Governo, nos quais nos incluímos, já que diagnosticámos a situação e, em diálogo construtivo, procurámos implementar esse programa. Mas é uma forma de fazer política...
Agora do que V. Ex.ª se esqueceu - e isso é condenável foi do mérito dos empresários. A eles se deve, sobretudo, a acção de reconversão, de teimosia e de persistência, que o Governo efectivamente apoiou, como era sua obrigação.
Sr. Ministro, quero fazer-lhe três perguntas, que me for" suscitadas pela sua intervenção.
E fundamental, até pelo Quadro Comunitário de Apoio à actividade privada, fazer o cruzamento adequado entre uma política industrial e uma política de planeamento regional.
A presença da Sr.ª Secretária de Estado do Planeamento e do Desenvolvimento Regional, que saúdo, tranquiliza-nos quanto a esse esforço de colaboração
inter-governamental. Mas V. Ex.ª só fez uma referência à acção das câmaras municipais na parte final da sua intervenção, ao falar das infra-estruturas e isso, Sr. Ministro, em meu entender, é errado. Ou V. Ex.ª esqueceu-se e agora vai corrigir ou V. Ex.ª persiste nesse esquecimento e, então, temos de ajudá-lo a corrigir-se, porque as câmaras municipais têm um papel muito importante no acompanhamento da política económica e têm de fa7p-r sentir e de fazer transparecer esse problemas.
Há, aliás, um plano concreto elaborado pelas câmaras e estas queixam-se que o Ministério da Indústria e Energia, o Governo, não as tem ouvido devidamente.
Por outro lado, Sr. Ministro, V. Ex.ª no PEDID II, que está em fase adiantada de gestação - e pena foi que o não tivesse feito no PEDIP I, mas mais vale tarde do que nunca -, fala numa acção de apoio às pequenas e médias empresas, muito concretamente por acções específicas em linhas estratégicas do ministério, que criem nichos de empresas, que criem produtos e semi-produtos, que criem a articulação entre várias PME e que fortaleça os serviços industriais. É a ortodoxia que muitos de nós andamos para aí a defender há muito tempo.
Sr. Ministro, vai haver uma acção específica em relação ao Vale do Ave? Tem V. Ex.ª uma linha estratégica para as PME que as transforme em fontes empregadoras?
Por último, V. Ex.ª centrou a sua intervenção na indústria têxtil e falou da necessidade da modernização da indústria têxtil do vestuário, mas deixou-me alguma perplexidade. Gostava de saber se a sua previsão para o Vale do Ave vai no sentido de uma reconversão da indústria têxtil ou se vai ser para o aproveitamento de uma estrutura e de um equipamento industrial para a diversíficação do tecido empresarial e industrial.

Vozes do PS: - Muito bem!

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0 Sr. Duarte Lima (PSD): - Devia continuar para abordar as questões com mais seriedade.

0 Orador: - Dá-me um minuto?

0 Sr. Duarte Lima (PSD): - Com certeza.

0 Orador: - Sr. Presidente, posso continuar, já que disponho de mais um minuto, cedido pelo PSD? É pouco, mas sempre dá para alguma coisa.

0 Sr. Presidente: - Assim, a Mesa permite que conclua, Sr. Deputado.

0 Orador: - Sr. Presidente, o PSD dá tão pouco que sempre que dá alguma coisa devemos aceitar.

0 Sr. Duarte Lima (PSD): - V. Ex.ª aborda as questões com seriedade.

0 Orador: - Dentro da seriedade que V. Ex.ª reconhece, gostaria de ser um pouco mais específico.
Sr. Ministro da Indústria, quando V. Ex.ª fala na modernização do tecido empresarial no Vale do Ave fá-lo pensando na modernização e no fortalecimento da indústria têxtil, na perspectiva de um RETEX, para criar ali, digamos, uma nova estrutura industrial? É que é muito importante que haja uma linha de orientação.
V. Ex.ª não irá certamente responder-me que deixará isso à exclusiva iniciativa dos empresários. V. Ex.ª referiu que é necessário haver uma política industrial e a política industrial é, pelo menos, isto.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Indústria e Energia, ouvi, com atenção, a sua intervenção, que foi, um pouco, uma apresentação do óbvio. Aliás, já tinha lido as suas linhas fundamentais, durante uma viagem que fiz, com destino a Braga, a convite da União dos Sindicatos, para visitar exactamente o distrito de Braga e o Vale do Ave.
No entanto, Sr. Ministro, esse óbvio tem sido perturbado pelos critérios de Maastricht e pelo "pato-bravismo" do Sr. Primeiro-Ministro, desde 1989 até 1992, a querer dar exemplos de modernização, desenvolvimento, privatizações e europeísmo. De facto, com as taxas de juro, a valorização do escudo e os critérios nominais de convergência o Sr. Primeiro-Ministro deu cabo da indústria, em geral, nomeadamente da indústria do Vale do Ave, a qual, ainda por cima, está perturbada por outras questões que o Sr. Ministro referiu, como a da concorrência, designadamente dos países asiáticos, a que também estamos demasiado subordinados devido a Maastricht e à Europa.
Fala-se, um pouco, em dois discursos, o da miséria e o do sucesso, e parece-me que ambos têm razão de ser: o discurso do sucesso para aqueles que têm sucesso, isto é, os empresários que despedem os empregados, recebem os fundos, adoptam o lay-off e, depois, retomam esses empregados sem direitos, que foi ao que assistimos, aquando da visita ao Vale do Ave, e o discurso da miséria dos trabalhadores que estão no desemprego, são perseguidos e não têm direitos nas empresas, que foi o que, realmente, vimos.
Quero dizer-lhe que foi pena que os Srs. Deputados do PSD não tivessem querido aceitar o convite da União dos Sindicatos de Braga, para visitar o Vale do Ave.

Vozes do PSD: - Nós?! Nós é que os convidámos!

0 Orador: - Deviam tê-lo aceite, para não irem apenas visítar os empresários de sucesso, como fizeram no âmbito do seu partido, que são os que colocam os trabalhadores na situação de desemprego e sem direitos, de total desastre em face das relações laborais.
Nesta base, em função do que pude constatar nessa visita, quero fazer algumas perguntas ao Sr. Ministro.
Em primeiro lugar, gostava de saber o que o Governo vai fazer para responder, no imediato, a situações que considero como violações dos direitos humanos. Digo isto, com todo o peso que a afirmação tem e, uma vez que agora não tenho tempo, poderemos depois falar sobre quais são essas violações directas dos direitos dos trabalhadores, abaixo do que é imaginável.
Em segundo lugar, gostava de saber como é que estão as medidas que o Governo disse que ia tomar, já há bastante tempo, em relação ao trabalho infantil.
Finalmente, a minha última pergunta não se dirige exactamente ao Sr. Ministro, mas, de toda a forma, vou fazê-la, uma vez que se relaciona com um correlegionário. Assim, gostava de saber se o cabeça de lista do PSD, engenheiro Eurico de Melo, tem ou não salários em atraso nas suas empresas, conforme li na imprensa.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

0 Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Indústria e Energia, vou colocar-lhe duas breves questões, porque tenho pouco tempo, uma vez que ainda farei uma intervenção.
A primeira questão é mais uma constatação: embora V. Ex.ª já tenha abandonado a "teoria do oásis" e já fale em dificuldades, a verdade é que, na sua intervenção, não se referiu às questões sociais graves que existem na região, nomeadamente a problemática dos salários em atraso, dos despedimentos, do trabalho infantil e de milhares à procura do primeiro emprego, e era importante que dissesse algo sobre isso.
A segunda questão tem a ver com a confiança. É impossível resolver o problema de qualquer região se não houver confiança dos actores: confiança das populações, confiança dos trabalhadores, confiança dos empresários. E, de facto, o que se nota é que não existe confiança. Ainda anteontem, tivemos a possibilidade de ver um debate na televisão - e, com certeza, o Sr. Ministro também o viu ou, pelo menos, disseram-lhe -, em que foi clara a desconfiança dos empresários em relação às medidas do Governo, ao ponto de um deles perspectivar que, a continuar a actual política, um terço das actuais empresas encerrarão no espaço de seis meses.
Assim, a questão que lhe coloco é a seguinte: existem estudos, planos e projectos - e compilei apenas alguns, como o PEDIP, o PMIT, o PROAVE, o SINDAVE, o NACEAVE, o RETEX, o EEVA -, relativamente aos quais gostava de saber se V. Ex.ª não entende que, em vez de articularem, desarticulam e que o que devia ser feito era um plano integrado que tivesse todas estas medidas. Gostava de saber se o Sr. Ministro não conclui que se trata de muitas siglas e de muito pouca "uva".

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.

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0 Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto, começo por lhe responder, pois, como sabe, é com todo o prazer que troco pontos de vista, sempre elegantes e amigáveis, consigo sobre a política económica e industrial.
Em primeiro lugar, gostava de lhe dizer que não falei dos empresários por uma razão muito simples: há muito tempo, defini que, numa economia de mercado, a política industrial era complementar ao esforço dos empresários.
Ora, como imaginava que todos já soubessem esta definição de política industrial, não valia a pena estar aqui a explicitar aquilo que, para mim, era óbvio, ou seja, que toda a acção do Governo é complementar ao esforço dos empresários, dos trabalhadores, dos autarcas e das associações. Aliás, eu próprio já o disse e, como tal, não valia a pena explicitar aquilo que, para mim, já em óbvio há muitos anos e que é o objecto da minha definição de política industrial no quadro de uma economia de mercado.
Portanto, Sr. Deputado, quanto aos empresários e aos autarcas estamos esclarecidos, isto é, o Governo não pode, não deve, nem sabe fazer tudo e, por isso, nestas matérias, as coisas precisam de ser feitas em conjunto com as forças económicas e sociais que actuam nas regiões, como, aliás, tem acontecido. Foi essa a lógica da OID do Vale do Ave, é nesse espírito que vamos continuar e é com todo o gosto que lhe dou esta explicação, Sr. Deputado.
No que se refere à linha estratégica para as PME do Vale do Ave, como sabe, a indústria portuguesa é esmagadoramente formada por PME e, portanto, quase que diria, com algumas excepções, que a política industrial portuguesa quase se confunde com a política de apoio às PME.
No entanto, devo dizer-lhe que há um problema crítico nas PME: a questão dos recursos humanos e a questão da cooperação para atingirem os benefícios de um mercado mais vasto, como é o mercado único europeu. Trata-se de duas questões cuja tónica vai ser muito reforçada no PEDIP II.
Não tenho tempo para lhe explicitar, aqui, toda a linha estratégica, mas deixo-lhe estas duas pistas. Certamente, em sede de comissão especializada, teremos tempo para voltar a debater esta matéria, com profundidade.
No que diz respeito à articulação dos apoios, quero dizer-lhe que no Vale do Ave, para modernização das empresas do sector têxtil e vestuário, vamos ter fundamentalmente o PEDIP H, gerido em conjunto com os 400 milhões de ECU da iniciativa comunitária para o sector têxtil.
Por outro lado, para o eixo de diversificação e fomento de actividades alternativas, vamos ter ainda o Programa RETEX.
Se quiser, Sr. Deputado, todos estes apoios podem ser vistos, em termos de sector têxtil, como eixos do Programa de Modernização da Indústria Têxtil, o PMIT, que apresentei em 1990.
Assim, a mensagem que vos quero deixar é a de que tudo isto vai ser gerido de forma articulada e integrada, mas com dois objectivos claros no Vale do Ave: a modernização daquilo que é viável e pode ser competitivo e a diversificação e criação de actividades alternativas, não só na indústria mas também no comércio e serviços, para o qual já existe um instrumento, que é o RETEX. 0 instrumento de modernização será, por excelência, o PEDIP 11, associado aos 400 milhões de ECU de iniciativa comunitária.
Sr. Deputado Mário Tomé, não posso aceitar que diga que, no nosso pais, existe violação dos direitos humanos. Felizmente, vivemos numa democracia e num Estado de direito onde existem leis, instrumentos, tribunais e órgãos fiscalizadores que actuam quando alguém prevarica, seja
da parte empresarial, seja da parte dos trabalhadores. Portanto, não posso aceitar a sua afirmação.
Por outro lado, também não posso aceitar - e digo-o de forma indignada - a sua referência ao Engenheiro Eurico de Melo.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Pode indignar-se à vontade, mas isso vem nos jornais e eu quero saber se é verdade!

0 Orador: - Ao longo dos meus anos na vida política, desde que conheci o Engenheiro Eurico de Melo, as vezes que ele se me dirigiu foram para pedir e tratar questões globais do sector têxtil e vestuário e nunca para tratar de problemas das suas empresas. Aliás, devo dizer-lhe, com toda a sinceridade, que nem sequer sei qual a situação das empresas que o Engenheiro Eurico de Melo tem, se é que as tem.
Nunca me foi feito nenhum pedido em relação a esta matéria, estou ignorante em relação a ela e, como tal, não lhe posso responder.

Aplausos do PSD.

Finalmente, Sr. Deputado José Manuel Maia, quanto à criação de empresas no Vale do Ave, uma questão importante é a do clima de confiança. Por isso mesmo, felizmente alguns Srs. Deputados do PS já o compreenderam e, por isso, lhes agradeço, recuso-me a carregar com tons negros a realidade do Vale do Ave. Existem dificuldades e todos as reconhecemos, mas dizer que todo o sector de uma região está em crise seria agravar esses problemas e a questão da confiança, que é essencial numa economia de mercado.
Com toda a minha energia e convicção, sempre me recusarei a usar uma linguagem de catástrofe para o Vale do Ave. E, nesta matéria, considero, com toda a honestidade, que estou a prestar um bom serviço ao País, à região do Vale do Ave, às empresas e aos próprios trabalhadores.
Posso dizer-lhe que os Ministérios da Indústria e Energia e do Emprego e da Segurança Social estão a trabalhar num programa conjunto, específico, de criação de empresas, mas posso dizer-lhe também que, mesmo no Vale do Ave, nos seus quatro concelhos, os números que temos correspondem a 810 empresas criadas, das quais 39 estão dissolvidas, o que traduz um saldo positivo de 771 empresas criadas.
Apesar das dificuldades, temos, pois, notas positivas e elementos de confiança sobre o futuro, bem atestados por este saldo positivo muito substancial de criação de novas empresas, que mostra que uma estrutura empresarial é como um corpo vivo, ou seja, tem células que morrem mas tem outras que estão constantemente a nascer e são em maior número do que as que morrem. É isto que nos permite estabelecer um ambiente de confiança em relação ao futuro, embora estejamos conscientes das dificuldades actuais.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

0 Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No uso da figura regimental do debate de urgência, debruçamo-nos hoje sobre a crise no Vale do Ave.
Em toda a região, existem problemas de natureza diversa e todos eles muito complexos.
A consciência de que se vive uma crise profunda no Vale do Ave está cada vez mais enraizada. Os sindicatos têm tido um papel muito importante na avaliação e denúncia da situação, mas também na apresentação de propostas

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para a saída da crise. Os oito municípios da área formaram a Associação de Municípios do Vale do Ave e apresentaram, em Junho de 1993, um plano estratégico. A comunicação social regional e nacional vem produzindo diversas peças que são também contributos valiosos.
Prova ainda desta crescente consciência da magnitude e relevância dos problemas é o facto de os três maiores grupos parlamentares - o do PCP, o do PS e o do PSD com um Deputado do CDS-PP - terem realizado, no passado mês de Fevereiro, iniciativas sobre o Vale do Ave.
No caso do Grupo Parlamentar do PCP, e como é do conhecimento de todos, realizámos no distrito de Braga, nos dias 21 e 22 de Fevereiro, as nossas jornadas parlamentares, efectuámos visitas a diversas instituições e estruturas representativas da vida económica, social e cultural e uma audição pública sobre a situação económica e social do distrito.
No dia 14 de Março, por iniciativa da União dos Sindicatos do distrito de Braga, Deputados comunistas, do PS, de Os Verdes e da UDP tiveram a possibilidade de ouvir trabalhadores, visitar empresas e constatar os reais problemas da região. 0 PSD recusou-se a estar presente, perdendo uma outra importante realidade: o quotidiano difícil e a luta dos trabalhadores.
Não ficámos pela opinião de uma das partes, aprofundámos o conhecimento da região, que confirma a gravidade da situação económica e social, com particular relevo para o sector têxtil.
No plano social, são já mais de 200 empresas encerradas, mais de 10 000 trabalhadores com salários em atraso e a manutenção e agravamento do trabalho infantil.
Os trabalhadores despedidos, a receberem subsídios da segurança social, ultrapassam os 15 000, a que se juntam mais 20 000 pessoas à procura do primeiro emprego.
Preocupante, também, é o número de trabalhadores que já não beneficiam de subsídios e não conseguem novo emprego, situação que atinge, sobretudo, as mulheres com mais de 40 anos de idade, cuja reintegração no mercado de trabalho é considerada extremamente difícil.
A acompanhar o número de desempregados, as dívidas à segurança social, que, em Janeiro de 1993, totalizavam cerca de 30 milhões de contos, atingiram, em Fevereiro de 1994, 40 milhões de contos.
Nas salas dos tribunais passou a ser rotina a presença de assembleias de credores, aguardando a decisão dos processos de recuperação de empresas. Presentemente, são cerca de 12 000 os postos de trabalho dependentes de decisão judicial. E se tivermos em conta, pela prática corrente, que só metade das empresas, em processos de falência, são viabilizadas e que os processos de recuperação têm passado por despedimentos, conclui-se que parte daqueles 12000 postos de trabalho também estão condenados.
Podem os Srs. Deputados do PSD e o Governo falar da meia dúzia de empresas que visitaram e que, felizmente, vão bem. Podem mesmo, para se tomar credível a "mensagem", falar daquelas outras três empresas bem, menos bem ou com dificuldades. Mas a realidade, Srs. Deputados, é bem diferente. A região está mais pobre, a sua estrutura produtiva mais enfraquecida, os trabalhadores e a maioria do povo vivem hoje pior, há mais desemprego, subemprego, salários em atraso e trabalho infantil, degradando-se claramente os padrões e a qualidade de vida.
Podemos elucidar-vos sobre o que se passou - e continua a passar-se - nos vários sectores de actividade e em, pelo menos, 200 empresas do distrito de Braga e da região do Vale do Ave. Refiro-me à situação de empresas em que há salários em atraso, despedimentos, suspensão da laboração, que estão encerradas, cuja falência foi decretada ou vivem grandes dificuldades.
15to acontece no sector têxtil, do vestuário e do calçado, no sector eléctrico e electrónico, no sector metalúrgico e metalomecânico, mas também no sector das moagens, no sector das carnes, com particular incidência para a problemática dos matadouros, que teve o seu desfecho há relativamente pouco tempo com o protesto dos trabalhadores e da própria lavoura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muitos exemplos poderiam ser dados, mas disponho de pouco tempo. Porem, pela importância da situação e para que seja possível dar a conhecê-la, solicito a aquiescência do Sr. Presidente para a distribuição e, se possível, publicação da minha intervenção na parte que não foi lida e de meia dúzia de documentos entregues por estruturas representativas dos trabalhadores aos Deputados que vistam o distrito de Braga, os quais dão uma ideia da situação económica e social da região.
0 tempo vai passando, a região é cada vez mais estrangulada, as populações perdem a confiança, a indústria mais importante - a têxtil - continua a não apresentar os índices de reestruturação, de reconversão e de modernização indispensáveis para sobreviver num contexto internacional cada vez mais agressivo e competitivo.
Da situação que hoje se vive no Vale do Ave, que afecta muitas empresas e muitos milhares de trabalhadores e suas famílias, têm responsabilidades muitos patrões que não investiram, que não renovam atempadamente os equipamentos das suas fábricas. Mas tem também responsabilidades o Governo do PSD pela falta de medidas preventivas, atempadas e suficientes e pela insistência numa estratégia económica prejudicial aos sectores produtivos.
Atente-se no Acordo sobre o GATT que não trará melhores dias para uma área tão importante e sensível como a têxtil, situação que fará progredir ainda mais o desemprego e os problemas sociais de regiões de mono-indústria, como é o caso do Vale do Ave.
As contrapartidas financeiras são claramente insignificantes face aos montantes exigidos para a modernização e reestruturação do sector. Recorde-se, a propósito, a exiguidade dos 80 milhões de contos anunciados, comparados com os 750 milhões de contos em que se avaliava o Programa de Modernização da Indústria Têxtil - PMIT - que o Sr. Ministro Mira Amaral propagandeava, alto e bom som, -
em vésperas das eleições legislativas de 1991.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É verdade - e por essa razão o afirmamos - que existem algumas melhorias, nomeadamente na rede de equipamentos escolares, na formação profissional e técnico-profiissional, na rede viária principal. Mas é pouco, muito pouco para a grave crise que se instalou na região do Vale do Ave.
0 desenvolvimento é um todo com diversos segmentos e o desenvolvimento das regiões deve ter obrigatoriamente uma dimensão social de progresso, de melhoria do bem estar das populações. Importa, assim, atacar de forma coerente e integrada os problemas da região e, desde logo, o sector do têxtil e vestuário, mas também os que estão ligados ao ordenamento do território que agravam ainda mais a já degradada situação ambiental, a problemática da concentração e monolitismo industrial centrada no têxtil, dos incentivos e apoios à diversificação da estrutura produtiva, sem esquecer o problema das acessibilidades, nomeadamente a rede viária secundária e os transportes públicos. Mas, principalmente, e porque os homens e as mulheres são o centro das nossas preocupações, é imprescindível implementar medidas de protecção social, nomeadamente em matéria de

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abono de família, de pré-reforma e de reforma antecipada, de compensações salariais por desemprego e outras.
Foi neste quadro de preocupações que as jornadas parlamentares do PCP realizadas no distrito de Braga, em Fevereiro, concluíram pelo uso do direito de agendamento do seu projecto de lei n.º 309/VI, que fixa um rendimento mínimo de subsistência a que todos os cidadãos portugueses residentes em Portugal têm direito. 0 debate em Plenário realizou-se no passado dia 24 de Março e procederemos amanhã à sua votação.
0 PSD já manifestou a sua intenção de rejeitar a iniciativa legislativa, o que bem demonstra a sua insensibilidade social. Mas as jornadas parlamentares debruçaram-se também sobre o trabalho infantil que se mantém e agrava e que, para além do que representa em si mesmo, é também o reflexo da degradação social ligada à desorganização do sistema produtivo, do crescimento do desemprego e dos salários em atraso, à falta de estruturas sociais de apoio, à inadequação do sistema de ensino, à desenfreada busca de lucros sem olhar a meios.
É assim que, além de outras iniciativas parlamentares, o Grupo Parlamentar do PCP propõe, no âmbito dos debates mensais sobre assuntos de actualidade e de relevância nacional, a realização de um debate sobre a problemática do trabalho infantil.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto à indústria têxtil, reafirmamos o compromisso de defesa com determinação deste sector industrial e dos seus trabalhadores, pronunciamo-nos pela necessidade de ser adoptado com urgência um plano global de modernização, de reorganização tecnológica, de diversificação da base produtiva da região, para onde convirjam os vários programas, projectos e medidas avulso existentes e sublinhamos a necessidade urgente de uma política activa de promoção externa da produção portuguesa, de diversificação de mercados, de orientação da produção para segmentos de maior qualidade e de reconversão e valorização profissionais.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - É esta vontade de agir, de participar, de encontrar soluções que anima o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, na qual se insere a proposta de criação de uma comissão parlamentar de acompanhamento da situação do Vale do Ave, iniciativa que será debatida na ordem do dia da reunião plenária de hoje.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos interessados e disponíveis para que se alterem os caminhos do Vale do Ave que apenas desembocam em "becos" em que a única saída é o Fundo de Desemprego e a pobreza mais ou menos escondida. 0 Vale do Ave não pode, nem deve, ser a "terra dos meninos que não brincam", a "região dos homens sem sonhos" ou a "região dos sonhos pequenos".

Aplausos do PCP.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Peneda.

0 Sr. Silva Peneda (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É a primeira vez, sensivelmente após 10 anos de exercício de funções no Governo, que, na qualidade de Deputado, me dirijo a esta Câmara. Por essa razão, permita-me, Sr. Presidente, que me prevaleça desta oportunidade para saudar V. Ex.a, bem como todos os Srs. Deputados.

0 tema hoje em análise tem a ver com uma parcela do território que conheço bem e a diversos títulos - o Vale do Ave. Trata-se de uma região com problemas que não podemos nem devemos escamotear ou esconder, problemas de natureza económica existem e, por arrastamento, verificam-se problemas de natureza social.
A primeira questão é a de saber se o simples funcionamento do mercado é suficiente para ultrapassar os estrangulamentos sentidos na região. A minha resposta a esta questão é clara e absolutamente negativa. Vou mais longe: não acredito que os problemas do Vale do Ave possam ser resolvidos ao sabor das conjunturas económicas mais ou menos favoráveis. Elas podem, em certas circunstâncias, ajudar, mas, seguramente, o vaguear da conjuntura nunca resolveu questões de estrutura.
Em minha opinião, no Vale do Ave existem especificidades e complexidades de diferente natureza, que claramente justificam uma intervenção activa dos poderes públicos.
0 Vale do Ave não é, por isso e apenas, um problema económico, uma questão social. 0 Vale do Ave é hoje, essencialmente, um problema político. E tal sucede porque, posta a questão em termos de necessidade de intervenção activa dos poderes públicos, há que tomar opções acerca do tipo de intervenção, do seu grau, dos instrumentos a mobilizar, dos meios a disponibilizar, da estratégia a seguir, dos objectivos que pretendem atingir-se.
Mas temos de ter presente que o País não se esgota no Vale do Ave e que os meios a mobilizar são, e serão sempre, escassos. E o princípio da busca da máxima eficácia das despesas públicas obriga a ter presente aquilo que os economistas designam por custos de oportunidade. 15to é, um escudo investido no Vale do Ave é um escudo que não será investido noutra região do País e desse escudo há que procurar tirar o máximo de rentabilidade económica e social não só em termos da região mas também do País.
Gostaria, agora, de abordar o essencial da questão que tem a ver com o tipo de intervenção dos poderes públicos na região.
A história económica recente do Vale do Ave fez-se, ao longo das últimas décadas, ao sabor de impulsos próprios das fases iniciais de um processo de industrialização. A primeira vez que surgiu uma iniciativa por parte de um governo, reconhecendo a especificidade própria da região, os seus problemas e os seus estrangulamentos e pondo em prática um conjunto de acções articuladas que visavam determinado tipo de objectivos de desenvolvimento, aconteceu em 1987 com um governo presidido pelo Professor Cavaco Silva.

Aplausos do PSD.

Antes de 1987, não se conhece, para além de louváveis estudos e análises de diagnóstico da situação, qualquer iniciativa política de abordagem integrada da região. Neste caso, a iniciativa política significou não apenas um discurso ou meras intenções mas, claramente, a tomada de decisões acerca do lançamento de projectos, de obras e dos mais diversos apoios. Por outras palavras, a iniciativa política significou acção e passou-se de intenções- se é que as havia anteriormente - a actos.
Gostaria de relembrar que, em 1987, a conjuntura era claramente expansionista. Até poderia dizer-se que os problemas do Vale do Ave, nesse ano, não surgiam com o impacto nem com a carga social que hoje podem ser sentidos.
Foi, de facto, em 1987 que se deram os primeiros passos para a montagem de uma operação integrada de desenvolvi-

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mento para o Vale do Ave. Nesse tempo, a concentração
dos problemas sociais do País tinha a ver essencialmente
com Setúbal. Atacou-se nessa altura- e penso que com
assinalável êxito- os mais graves problemas dessa região
mas, simultaneamente, houve visão para arrancar com outra iniciativa que tinha a ver com o Vale do Ave.
Foi desta forma que surgiu o PROAVE, em 1990, programa que envolveu um volume de investimentos de cerca de 17 milhões de contos. Surge também a Operação Integrada de Desenvolvimento para o Vale do Ave que envolve 26,5 milhões de contos de investimento nos domínios da acessibilidade, da educação, da agricultura, do ambiente e dos recursos naturais e em 1991, através de uma decisão do Conselho de Ministros, surge um vasto conjunto de medidas necessárias à modernização e reconversão do tecido económico da região, através de um sistema de incentivos à diversificação industrial do Vale do Ave. Ainda em 1991, surge um vasto conjunto de medidas claramente de âmbito social, com os mais diversos apoios no domínio da protecção social, da formação profissional e da criação de emprego.
Se tivermos em conta todo este vasto conjunto de acções, chegamos à conclusão de que o investimento feito na região no período de 1989 a 1993 foi superior a 140 milhões de contos.
Seguramente que todos podemos apontar, aqui e ali, uma ou outra medida, uma ou outra acção onde as coisas correram menos bem. Aceito essas observações. Até podem ser úteis e pertinentes no sentido de corrigir-se um ou outro aspecto de natureza administrativa, de introduzir-se uma ou outra inflexão que venha a mostrar-se mais ajustada, de valorar-se mais um ou outro aspecto porventura mais negligenciado. Tal é normal, salutar e próprio da adaptabilidade dos diferentes programas à luz da experiência que se for colhendo.
Não vi, até agora, da parte do Governo qualquer relutância quanto a esses aspectos; pelo contrário, apenas disponibilidade. Foram inúmeras as múltiplas reuniões efectuadas, a maior parte delas na própria região, muitas das quais por iniciativa do Governo, com representantes de autarquias, de agentes económicos e sociais, de entidades patronais, de sindicatos, sobre os mais variados temas que podem afectar o desenvolvimento da região.
Mas, em termos de juízo político da acção do Governo, o facto mais importante que não posso deixar de sublinhar é não ser conhecida, antes da iniciativa tomada pelo Governo do Professor Cavaco Silva, em 1987, nenhuma outra que abordasse e apresentasse a programação integrada deste vasto conjunto de acções para o Vale do Ave.
Antes, ninguém se lembrou de pôr em prática nada de parecido ou se, porventura, foi esse o caso, essa observação foi considerada menos importante, pouco ou nada prioritária. Se é verdade, foi pena, pois tinha-se ganho tempo. Mas, sinceramente, tenho para mim que, antes de 1987, ninguém se lembrou do Vale do Ave e dos seus problemas. E esta e só esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a realidade nua e crua das coisas!
Se, em política, a capacidade de iniciativa é um mérito, ele cabe por inteiro aos governos presididos pelo Professor Cavaco Silva.
Governar é, fundamentalmente, decidir bem e em tempo oportuno e todos temos de reconhecer que, com a tomada de iniciativas, algumas das quais aqui enunciei, esses governos decidiram bem.
Perante a complexidade dos problemas da região e da abertura revelada pelo Governo em colaborar com todas
as entidades que pudessem, por qualquer forma, contribuir para que os obstáculos viessem a ser ultrapassados, esperava-se, da parte da oposição, um contributo sereno e responsável. Infelizmente, tenho de constatar que não tem sido assim: alguma oposição tem feito do Vale do Ave o discurso da perda de esperança, da crise pela crise, amplificando, não só interna como externamente, a ideia da crise.

0 Sr. António Braga (PS): - 15so não é verdade. É desvirtuar o que foi dito!

0 Orador: - 0 contributo dessa oposição tem sido apenas, e só, o de amplificar a crise. Sem ideias, sem soluções alternativas, preocupa-se tão-só em minar a confiança dos agentes económicos e sociais.

0 Sr. António Braga (PS): - Em pressionar!

0 Orador: - Pela nossa parte, nunca dissemos que os problemas do Vale do Ave se resolvem apenas na base da acção ou de decisões do Estado, nem os problemas do Vale do Ave nem os do País.
Pela nossa parte, nunca dissemos que no Vale do Ave tudo vai bem. A prova desse facto é que foi montado todo este vasto esquema de incentivos e de apoios para a região.
0 que sempre dissemos, e aqui repetimos, é que ao Estado deve caber intervir estrategicamente apoiando e dinamizando as iniciativas válidas daqueles que estão no terreno. 0 pior, Srs. Deputados, que pode acontecer a uma região é a criação de um clima de descrença e de perda de entusiasmo.

0 Sr. António Braga (PS): - 15so é conversa!

0 Orador: - Dou um exemplo: alguma oposição fala da necessidade de criação de emprego. Todos sabemos que os empregos se criam nas empresas, mas estas só surgem se houver empresários dinâmicos e empreendedores e estes só surgem se houver dinamismo, capacidade empresarial e, sobretudo, confiança.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Minar a confiança dos agentes económicos é, claramente, dar um contributo muitas vezes decisivo para que se instale a descrença, a perda de entusiasmo e, por esta via, o aumento do desemprego.
Sejamos claros: não se pode num dia reclamar mais emprego e no dia seguinte minar, muitas vezes de forma desproporcionada, a confiança dos agentes económicos. Este comportamento só pode ter um nome, e digo-o sem rodeios: hipocrisia política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Outro exemplo que confirma esta minha observação e que surgiu no debate de hoje pela voz de um representante do Partido Socialista: foi dito claramente que se pretende um apoio experimental de dois anos para o Vale do Ave. Ora, quem quer experimentar, não tem certezas nem convicções. Já o sabíamos, mas hoje ouvimos com toda a clareza o Partido Socialista referi-lo. Pela nossa parte, também dizemos que os habitantes do Vale do Ave nunca serão cobaias!

Aplausos do PSD.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quer queiramos quer não, vivemos hoje num mundo que se encontra em competição global. A facilidade com que circulam todos os factores de produção obriga a que qualquer visão estratégica sobre uma região não possa descurar a imagem dessa região para o exterior. Hoje, ninguém investe na decadência, na desregulação social, na incapacidade ou em áreas onde a esperança desaparece.
Comecei por dizer que conheço a região do Vale do Ave muito bem e a muitos títulos. Também conheço as suas gentes. Estou convicto de que, na sua esmagadora maioria, os mais de 400 000 habitantes da região não estão dispostos a passar para o rol dos vencidos nem aceitam que alguém, mais levianamente, trace da região uma imagem miserabilista, a qual de facto, não corresponde à verdade.
Mas há no Vale do Ave sinais de insatisfação, Srs. Deputados. Compreendo esses sinais. Compreendo muito bem alguns sinais de insatisfação perante atitudes de ostentação despropositadas e sem qualquer sentido. Compreendo muito bem a revolta dos que vêem empresas falidas e os seus antigos proprietários ficarem desresponsabilizados por erros de gestão. Compreendo também a desilusão dos que vêem outros utilizar de forma abusiva os sistemas de ajuda e protecção social.
Mas também sinto que na região se tem a consciência de que não se pode continuar com soluções de prolongamento de agonias que se verificam há muitos anos, eternizando os que são maus empresários e prejudicando os bons e os que se querem lançar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Em nossa opinião, o que é viável deve ser apoiado de uma forma deliberada. A manutenção de situações claramente inviáveis enviesa e distorce a concorrência, é factor de perturbação económica e é, acima de tudo, um forte contributo para a injustiça social.
Pela nossa parte, também aqui o afirmo de forma categórica: não queremos escamotear os problemas, eles existem, não são de hoje e são facilmente identificáveis. As dificuldades são reais e sabemos bem que as condicionantes externas não são favoráveis ao que hoje é a base económica da região.
Não somos triunfalistas tolos, mas não fugimos às dificuldades. Seguramente, não cruzaremos os braços perante obstáculos que outros nunca sequer se disponibilizaram para ultrapassar.
Da parte da minha bancada e em nome do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, quero manifestar o nosso apoio à acção do Governo no que respeita ao Vale do Ave.
Gostaria de terminar com uma referência de postura perante a vida, os seus problemas e as suas dificuldades. Penso que vem a propósito. É a minha simples homenagem a esse grande português, que fez o favor de ser meu amigo e desapareceu do mundo dos vivos há poucos dias. Nunca desanimou, acreditou sempre na capacidade dos portugueses, acreditou sempre no futuro, era um sonhador lúcido e tinha boas razões. Recomendo vivamente os seus escritos. Chamava-se Agostinho da Silva.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado Silva Peneda teve a gentileza de saudar o Presidente da Assembleia da República e a Câmara, no início da sua primeira intervenção como Deputado. Por incumbência do Sr. Presidente da Assembleia da República, em seu nome e em nome dos Srs. Deputados, agradeço ao Sr. Deputado Silva Peneda o cumprimento e desejo-lhe prosperidade nas novas funções que está a desempenhar.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.

0 Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Peneda, V. Ex.ª continua no "país da Alice". Parece que andou pelo Vale do Ave e não o conhece.

Risos do PSD.

A Câmara deveria merecer, da sua parte, que foi responsável durante muitos anos pelo Ministério do Emprego e da Segurança Social deste país, uma intervenção mais consciente e mais conhecedora da realidade profunda do Vale do Ave e não um relatório adulador das suas próprias decisões sobre muitas matérias.
Sr. Deputado Silva Peneda, sempre que o Partido Socialista traz a esta Assembleia a realidade que se vive no Vale do Ave, há duas reacções possíveis por parte do Governo e de VV. Ex.-. No primeiro momento em que o Partido Socialista trouxe e denunciou os problemas existentes no Vale do Ave, os Srs. Deputados anunciaram "aos quatro cantos do mundo", dizendo: é mentira, os socialistas só vêem o negativo, não há problemas no Vale do Ave. Depois, acabaram por reconhecer a existência desses problemas. Hoje, vêm dizer: de facto, há problemas, mas nada podemos fazer.

Protestos do PSD.

Repare-se que - e aqui estamos em concordância - o Sr. Deputado Silva Peneda diz que a solução sobre o Vale do Ave é, fundamentalmente, política. Nesse domínio, estamos em total consonância, Sr. Deputado.
Mas V. Ex.ª subiu à tribuna e disse que foram canalizados para o Vale do Ave mais de 140 milhões de contos. Ora, visitámos o Vale do Ave e vimos pessoas com 40, 45 ou 50 anos, as quais já deixaram de receber o subsídio de desemprego. Essas pessoas, que não têm quaisquer rendimentos, já passam fome. Quando vemos estas situações, temos de concluir que V. Ex.ª fez uma boa peça oratória, mas ela nada teve a ver com o Vale do Ave.
0 Sr. Deputado já foi Ministro do Emprego e da Segurança Social e se diz que investiram 140 milhões de contos no Vale do Ave. Permita-me que lhe diga isto: ou é mentira o que dizem ou foram, e são, muito maus gestores dos dinheiros públicos. 15to porque, de facto, os problemas no Vale do Ave não estão resolvidos!
Como é possível que, se tudo é como acabou de dizer, no mês de Janeiro de 1994 tenha havido mais 1035 desempregados na região do Vale do Ave? Como é possível que o Sr. Ministro da Indústria e Energia venha aqui dizer que há um saldo positivo de 751 novas empresas criadas no Vale do Ave? Sr. Ministro, então, que números são estes? Essas empresas são para quê? São ou não para criar empregos? Onde estão os empregos, se o desemprego no Vale do Ave continua a aumentar?
VV. Ex.ª não se apercebem das contradições constantes em que caem!
0 Sr. Deputado Silva Peneda disse da tribuna que a oposição utilizava a hipocrisia política. Sr. Deputado, tenha tento nas afirmações que faz, porque a maior hipocrisia

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política que há em relação ao Vale do Ave provém exactamente do Governo, em relação à explicação das políticas daquela região, e desse grupo parlamentar, que cada vez mais fecha os olhos à realidade do Vale do Ave.

Vozes do PSD: - VV. Ex.- não o querem visitar connosco!

0 Orador: - A pergunta que lhe faço é apenas uma: não estando o Sr. Deputado de acordo com os projectos de resolução apresentados pelo Partido Socialista, como vai resolver os graves problemas de carência social, que neste momento existem no Vale do Ave? É que esses problemas são já de fome!
Sr. Deputado, não me venha dizer que não conheço a região do Vale do Ave. Nasci lá, cresci lá e vivo lá. Sinto a correr-me, dentro das velas, estes problemas, talvez com uma intensidade muito maior do que nas veias do Sr. Deputado.
Gostaria que me respondesse ao seguinte: sendo verdade o que acabou de dizer, como justifica o crescente e galopante aumento do desemprego e de situações de pobreza e precaridade na região do Vale do Ave?

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Peneda.

0 Sr. Silva Peneda (PSD): - Sr. Presidente, antes de mais, agradeço o cumprimento que me dirigiu.
Sr. Deputado Domingues Azevedo, o discurso que fiz nada teve a ver com o "país da Alice". Talvez se relacionasse mais com o "país do tanoeiro", que conheço melhor, e não com o "país da Alice".
Sr. Deputado, ficou bem patente no meu discurso que, por parte desta maioria, desta bancada e do Governo, os problemas do Vale do Ave não são "moda" de hoje. Se, de facto, já há uns anos atrás - e frisei o ano de 1987, como marco -, o Governo tomou iniciativas referentes à região, é porque sabia claramente, perante as circunstancias e a excessiva especialização do sector industrial na região, que iríamos ter problemas no Vale do Ave. Tive ocasião de dizer que essa decisão foi tomada numa época de expansão, quando não "era moda" falar-se do Vale do Ave. Portanto, se alguém teve o mérito da iniciativa política e se apercebeu primeiro de que iriam surgir problemas no Vale do Ave, esse alguém foi o Governo!

0 Sr. Domingues Azevedo PS): - Foi o Partido Socialista!

0 Orador: - Não estou aqui a confirmar ou não que havia problemas. Eles existiam, foram atacados pela primeira vez, desde essa altura. Dei imensos exemplos de um conjunto de iniciativas tomadas especialmente para aquela região, o que prova claramente ter havido uma opção política - e é isto que deve ser aqui julgado - de prioridade em termos de acção para o Vale do Ave.

0 Sr. Domingues Azevedo (PS): - E os resultados, Sr. Deputado?

0 Orador: - Pergunta-me pelos resultados. Sr. Deputado, imagino o que seria do Vale do Ave se não se tivesse tomado esse conjunto de medidas.
0 Sr. Deputado frisou, insisto, o problema da hipocrisia política. Se V. Ex.ª é um habitante do Vale do Ave, se lhe corre nas veias esse gosto, esse anseio pelo desenvolvimento para as suas gentes, não entendo como pode fazer um discurso contínuo tão miserabilista como o que fez!

0 Sr. Domingues Azevedo (PS): - Não fiz um discurso miserabilista!

0 Orador: - Sei que há problemas no Vale do Ave, mas hoje, por essa Europa fora, qualquer representante de uma região, quando quer promover investimento, atrair empresas e lutar seriamente pelo desenvolvimento, nunca usa esse tipo de discurso.

0 Sr. António Braga (PS): - Mete o pescoço na areia!

0 Orador: - Não, Sr. Deputado, não "mete o pescoço na areia". Resolve os problemas internamente, através de um clima de diálogo e de concertação.
Dou-lhe um exemplo: louvo, por exemplo, o papel dos presidentes das câmaras municipais, nomeadamente o Presidente da Câmara da sua terra, Famalicão, que, depois de uma visita dos Deputados, acabou por nos dizer que a intervenção no Vale do Ave terá de ser assumida como uma prioridade nacional idêntica à que foi feita em Setúbal, com resultados bem animadores.
Aqui temos um exemplo lúcido de alguém que sente na pele, este, sim, no terreno...

0 Sr. Domingues Azevedo (PS): - Subscrevo na íntegra! Mas que se faça!

0 Orador: - Não queria incomodar os Srs. Deputados, pelo que solicito ao Governo, através do Sr. Ministro Adjunto, que ofereça os longos relatórios que tem sobre o conjunto de acções e de programas que foram desenvolvidos durante os últimos anos, no Vale do Ave.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - P3ra uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 CDS-PP já falou longamente, nesta Casa e há pouco tempo ainda, sobre o Vale do Ave.
Foi, primeiro, o próprio presidente deste grupo parlamentar que, na sequência das visitas de avaliação ao local em que foi acompanhado por qualificados elementos do Grupo Parlamentar do PSD, entendeu - e muito bem! - dar contas ao Plenário da Assembleia, falando sobre o que viu e, sobretudo, o que pôde ouvir.

Depois, o meu colega da lista eleita pelo círculo de Braga, Eng.º Monteiro de Castro, aproveitando a oportunidade de uma passagem pela Assembleia, entendeu por bem falar dos problemas da sua região, que conhece bem, através de uma experiência vivida como empresário, autarca e homem que sente os problemas, mas que, sobretudo, sabe sobre eles reflectir e tirar conclusões.

0 Orador: - Ambos tiveram o mérito de não limitar as suas intervenções a enumerações mais ou menos enfadonhas de factos, temperados aqui e ali por entremeios poéticos de louvor às virtudes locais, como é muitas vezes do estilo.
António Lobo Xavier, com a grande capacidade que a Câmara e a opinião pública já reconheceram e aplaudem,...

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Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Laurentino Dias (PS): - Ali! São folares da Páscoa atrasados!

Risos.

0 Orador: - Sr. Presidente, espero que desconte esta exclamação de regozijo e concordância!
Como dizia, António Lobo Xavier colocou aqui os problemas gerais que a operação de recuperação tem levantado, dando voz a algumas das perplexidades que os agentes económicos abrangidos, empresários e trabalhadores, sentem com mais intensidade: o desequilíbrio, apesar de tudo, subsistente entre o nível dos apoios canalizados, a nível nacional, para empresas do sector público da economia, que mais não são do que formas artificiais de manter empregos inúteis e improdutivos e as importâncias utilizadas no âmbito da recuperação do Vale do Ave, em apoio directo a empresas que, embora a atravessar um período de indiscutível crise, foram durante anos os únicos factores de equilíbrio das nossas contas externas; a politização que comanda alguns dos casos concretos e mais conhecidos de apoio empresarial, com evidente concentração de meios em certas empresas que assim acabam por falsear as condições gerais de concorrência no mercado; o perigo que o recurso menos controlado às soluções de capital de risco pode envolver de regresso a situações de concentração do controlo das empresas nas mãos do Estado, em movimento inverso ao das privatizações e da alienação do capital detido pelo IPE; o risco dos atrasos na implementação das infra-estruturas provocados por disputas entre a administração central e a administração autárquica, por vezes com raiz política.
Tudo foi aqui sintetizado perante os Srs. Deputados que corríam o risco - pelo menos, uma parte dos Srs. Deputados de, tendo ficado deslumbrados com algumas árvores e com a música do Dr. Duarte Lima, perder a perspectiva de conjunto ou, como costuma dizer-se, a perspectiva da floresta.

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Não foi nessa!

0 Orador: - Foi no Porto! Foi antes!
É claro que o Deputado António Lobo Xavier não deixou de referir também tais árvores, ou seja, aquilo que de positivo tem sido feito e as mudanças que já é possível detectar, ao mesmo tempo que nunca se deixou dominar por uma atitude derrotista mas preferiu lançar um quadro em que nada faltasse, com a autoridade que invocou e que lhe vem também da circunstância de pertencer ao CDS-PP, condição privilegiada para de tudo falar com objectividade.
E, depois, veio o Deputado Monteiro de Castro que, perante a Câmara e com o saber que a experiência lhe ensinou, traçou um panorama da situação que serviu para sublinhar a enorme importância que, apesar de todos os programas específicos - que me desculpe o Sr. Ministro da Indústria! -, assume o quadro macroeconómico numa situação como esta.
Foi importante que pela mão do CDS-PP tenha aqui estado um homem da própria região do Vale do Ave, com uma experiência empresarial rica, vivida no dia a dia local, e que, pela sua voz, tenha ficado a mensagem de que os auxilios são muito bons, especialmente para quem os recebe, mas que, no conjunto, todos os que trabalham, investem e gerem o que pretendem, sobretudo, é um quadro económico compreensível e que lhes seja favorável.

0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Muito bem!

0 Orador: - 0 que todos querem é boas condições de acesso ao dinheiro e à energia.
0 que todos querem e precisam é de um quadro legal que lhes permita definir com realismo as condições a praticar no seu relacionamento interno.
Foram, em suma, duas intervenções que se completaram e que foram importantes e não podiam deixar de ser aqui recordadas hoje, num momento em que, por iniciativa de um dos partidos, se discute expressamente o tema do Vale do Ave, tema importante que constitui, sem dúvida, um teste decisivo à capacidade nacional de adaptação aos novos condicionalismos impostos pela abertura e internacionalização crescente das economias.
É, no fundo, o Vale do Ave que vai constituir o exame decisivo, simultaneamente prático e teórico, das recomendações apresentadas pelo Professor Porter sobre o futuro da nossa economia.
Vai ou não ser possível pegar num sector tradicional, em muitos casos obsoleto, dominando toda uma região, e modernizá-lo, aproveitando todas as vantagens que, em termos de competitividade, continua a oferecer? Estamos em crer que sim, sobretudo se soubermos definir e criar as condições gerais que permitam às velhas e às novas empresas trabalhar num universo de forte competição, valorizando sobretudo o que as distingue e que é susceptível de as manter ou transformar em vencedoras no mercado.
Por isso é que entendemos que mais do que apoios individualizados, sempre susceptíveis de falsear o cálculo económico e as regras do mercado, é preferível criar condições gerais: na educação, na formação profissional, nas infra-estruturas, na investigação. Para além, é claro, das condições próprias de um quadro macroeconómico estável e preocupado com a defesa e o progresso da economia.
Repito, Sr. Deputado Silva Peneda - e saúdo-o neste seu regresso à Câmara -, não podemos confundir mercado com conjuntura. 0 mercado é, sobretudo, uma fonte de racionalidade económica que serve para enfrentar e resolver tanto os problemas da conjuntura como os problemas estruturais. E isso que é conveniente não esquecer e que convém ter sempre presente.
Sabemos, é claro, que todas ou algumas destas perspectivas de abordagem do problema nos podem estar abertas com o Plano de Desenvolvimento Regional, com as opções estratégicas em que se baseia e com o Quadro Comunitário de Apoio que vai permitir passá-lo à prática. Vamos ver...
Mas continuamos sem saber, hoje, dia 6 de Abril de 1994 - dramaticamente sem saber -, como vai evoluir a aplicação das políticas de convergência nominal conducentes à instalação da União Monetária Europeia.
Quanto tempo vamos ter de banda alargada no Sistema Monetário Europeu? Vai continuar a haver metas e calendários a cumprir? Sem o irrealismo dos que estão em vigor? Ou pelo contrário?
É nesta perspectiva que o pessimismo nos assalta: na exacta medida em que começamos a não saber com que critério está o País a ser governado.
Têm víndo, com efeito, a acumular-se nos últimos tempos os sinais preocupantes neste domínio e, numa perspectiva de enquadramento do problema, não podemos deixar de referi-los hoje, aqui: desde logo, a instabilidade do Programa ou, melhor e antes mesmo do Programa, a instabilidade da inspiração fundamental do Governo.
0 partido que apoia o Governo vive, com efeito, dilacerado pela dúvida - e os Srs. Deputados têm de admitir

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isto! -, escancarada à luz do dia pelo ilustre parlamentar Pacheco Pereira, que consiste em saber até que limites deve o partido levar o seu pragmatismo. Deve assumi-lo definitivamente e teorizá-lo, desistindo confessadamente de qualquer inspiração ética? Ou deve simplesmente ser pragmático sem o confessar, invocando os valores sempre que isso se mostre compensador do ponto de vista eleitoral?
Trata-se de uma dúvida importante que, para além de dividir as hostes como o demonstraram os factos (sem a gravidade do que se passa no PS, é claro!), mina a própria credibilidade que o Governo deveria retirar de um partido possuidor de um quadro de referências identificado e por todos conhecido, evitando a piada desagradável da alternância de calendários (à segunda, uma posição e, à quarta, outra ... ).
Depois, e talvez em conformidade com as dúvidas apontadas e com um pragmatismo sem teoria, a pouca firmeza nas atitudes, traduzida na incapacidade para definir posições sobre problemas cruciais e para sustentar as posições a custo definidas.
Estão aí, com enorme eloquência, a demonstrá-lo os casos das dívidas fiscais e parafiscais dos clubes de futebol e o caso da participação de capital estrangeiro no capital dos bancos reprivatizados.
A desfaçatez com que, num caso, se desafiam as decisões e as posições tomadas pela Administração e a incapacidade que, no outro, o Estado português está a revelar para impor aos nuestros hermanos o cumprimento das leis portuguesas, aprovadas e publicadas em conformidade com os dispositivos constitucionais portugueses, constituem fonte das maiores dúvidas sobre a capacidade do Governo para enfrentar os difíceis momentos que a evolução da crise e o processo da construção europeia estão já a implicar.
Tudo para dizer que, sem políticas nacionais mais correctas e capacidade para as implementar, não há programas específicos que valham ao Vale do Ave e aos outros vales que atravessam as terras portuguesas. Talvez seja, por isso, tempo de começar a mudar.

Aplausos do CDS-PP.

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

0 Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Farei uma pequeníssima intervenção final neste debate.
Quando o PS agendou o debate sobre o Vale do Ave e quis trazer para esse debate quatro projectos de resolução- trabalho infantil, formação profissional, rendimento mínimo garantido e incentivos fiscais - tentou com isso sensibilizar os demais grupos parlamentares, e também o Governo, para que se discutissem questões concretas que importa serem conhecidas dos cidadãos daquela região, sobre as quais todos tomassem posições claras e definidas quanto ao "sim" ou ao "não" da bondade e da importância dessas propostas.
Como é óbvio, queríamos evitar que este debate fosse uma reprise, porventura alargada a esta Câmara, de alguns mini ou midi debates que aqui ou ali têm sido feitos sobre esta problemática do Vale do Ave, sobre a qual - e repito o que disse há bocado - se tem falado muito e, em nossa opinião, trabalhado pouco. Felizmente, tal não aconteceu e quer o Governo, quer a bancada do PSD "serviram-nos" aqui, de forma requentada, a sua costumeira e conhecida receita para o Vale do Ave. Claro que essa receita vem

agora com requebros novos e diferentes da era post-Porter e, ao fim e ao cabo, todo esse esforço acaba por garantir apenas que o vosso Primeiro-Ministro e Primeiro-Ministro de Portugal...

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Vosso, não! Nosso!

0 Orador: - ... e Primeiro-Mnistro de Portugal - disse eu! - não vai correr o risco de ter de cumprir aquela promessa que fez aos homens e às mulheres do Vale do Ave, que era a de "pôr as barbas de molho" pela região porque, à cautela, nunca as deixou crescer.
De qualquer forma, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, de novo foi agitado o panfleto dos 150 milhões de contos, verba onde, provavelmente, Sr. Ministro da Indústria, também estão incluídas algumas das contribuições municipais, onde, provavelmente, estão também contribuições de investidores prívados, onde, provavelmente, estão também contribuições de instituições!...
Dizia o Sr. Ministro que assim é e que quem não conhece as regras de mercado está distraído ou fala erradamente. Olhe, Sr. Ministro, fará a justiça de pensar que conhecemos minimamente as regras de mercado para sabermos que isso é verdade, mas V. Ex., também atenderá àquilo que a mim me indigna neste tipo de processos e que já há pouco referi, sob a forma de pergunta, na minha interpelação à Mesa. É que quem for coleccionar o resultado quantificado e apregoado das sucessivas deliberações do Governo chegaría à conclusão de que - e a comunicaçao social tem-no testemunhado no final de vários Conselhos de Ministros, ao longo de todos estes últimos anos -, porventura, somaria não 150 milhões mas 1000 milhões de contos. É que é essa a imagem que o Governo vem dando, não só ao Vale do Ave como à sociedade portuguesa em geral, e não é pela pressão do PS, Sr. Ministro, pois quando o PS faz o discurso que faz tem consciência de que cumpre o seu dever como partido da oposição, cumpre a sua função, que é a de chamar a atenção para uma região onde, ainda por cima, temos obrigações acrescidas por via das câmaras municipais que são detidas por socialistas, como é óbvio...

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Ora, se calhar, aí é que está alguma explicação!

0 Orador: - Folgo que o Governo, falando pouco das câmaras municipais, não diga sequer uma palavra quanto à eventual não colaboração das mesmas nesses projectos. Repito que folgo que isso aconteça.

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Olhe que eu tenho aqui uma carta muito interessante!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como dizia, situações desta natureza é que são inaceitáveis, ou seja, o que é inaceitável é que, ao longo destes anos, VV. Ex." venham dando a todo o País a imagem de que aquela região é um sorvedouro de fundos públicos, a imagem de que aquela região se limita a acumular, a receber e a mandar - não sei para onde! - milhões e milhões de contos através de sucessivas deliberações do Conselho de Ministros não executadas.
Sr. Ministro, já agora, permita-me uma sugestão que se prende com uma questão que tem sido posta e que vem sempre à baila em cada um dos debates. Têm sido investidos milhões de contos nos mais diversos projectos, nas mais

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diversas empresas, nos mais diversos sectores. Ora, o Governo, que gosta de se dizer tão bom aluno de Bruxelas, por que não faz esta coisa tão simples que trana alguma transparência a tudo isto: a exemplo dos cartazes que vemos, anunciando as diversíssimas obras, a cuja afixação, nas diversas instituições ou locais financiados, nos obrigam o Fundo Social Europeu e outros, como o FEDER, por que não adopta o Governo a medida tão simples de fazer com que seja necessário que, à porta das empresas e instituições do Vale do Ave que recebem fundos comunitários a propósito disto ou daquilo, fique claramente espelhado onde, como e quando foram investidos esses fundos, para que nós e todos os trabalhadores o saibamos? É que, repito, dessa forma era bem mais fácil sabermos o que acontecia...

Vozes do PSD: - Está lá!

0 Orador: - Não está, não!

Vozes do PSD: - Está lá, está!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: De facto, aquela região tem 30 % das exportações nacionais - 600 milhões de contos -, 9 % do produto industrial nacional, 14 % do emprego na indústria transformadora nacional, mas tem, também, 20 000 desempregados, trinta e tal mil pessoas com salários em atraso, questões sociais que são importantes e urgentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estes projectos de deliberação terão de ser discutidos por VV. Ex.ª. Não o foram hoje, mas vão ter de sê-lo porque o PS não desistirá destas propostas, considerando que elas servem, de facto e objectivamente, as populações do Vale do Ave que todos nós e não apenas o PS - temos a obrigação de defender.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

0 Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um pedido de esclarecimentos.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, o PSD já não tem tempo disponível e o PS também não.
Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que dou por encerrado o debate e por terminado o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 40 minutos.

ORDEM DO DIA

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu):- Srs. Deputados, vamos dar início à discussão do projecto de deliberação n.º 12/VI - Constituição de uma Comissão Eventual para a avaliação e análise da actual situação no Vale do Ave (PCP).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

0 Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os argumentos para a necessidade do projecto de deliberação n.º IZIVI, da iniciativa do PCP, foram bem explanados no debate que agora terminou, no período de antes da ordem do dia.
Na verdade, e considerando a importância, para a região e para o País, dos problemas económicos e sociais que afligem o Vale do Ave, todas as intervenções têm um traço comum: admitem que há dificuldades e problemas económicos e sociais nessa região que devem ser atendidos. È na questão da graduação desses problemas que encontramos divisões. Mas, repito, todas as intervenções tiveram esse denominador comum, que importa assinalar.
Por outro lado, é importante que se restabeleça a confiança nos intervenientes de um processo de modernização do sector, que é também de modernização da própria região, e, para isso, é fundamental o contributo de todos. É, pois, neste quadro que se insere o projecto de deliberação n.º 12/VI.
Todavia, para que essa confiança se estabeleça, é também importante o contributo da Assembleia da República porque, contribuindo a Assembleia, os seus Deputados com grande inserção nas regiões -, com certeza, não só poderão trazer a real imagem dessas regiões e dos problemas por elas vividos como também poderão apresentar as propostas que garantiam o salto em frente necessárío para revelar a actual situação de crise.
Penso que o debate sensibilizou todos para este problema, mas importa, sobretudo, que ele seja complementado com esta iniciativa que permitirá uma abordagem, maís profunda e com mais tempo, deste tema por parte dos Deputados de todas as comissões, de forma a que possam nascer daí iniciativas e acções tendentes a procurar as soluções consentâneas com as dificuldades que se apresentam na região.
Por outro lado, importa referir que este projecto de deliberação, datado de Dezembro de 1991, dá continuidade ao trabalho de apreciação de uma petição, petição essa apresentada na V Legislatura- e aqui permitam-me, por prazer da crítica, sublinhar que outro tratamento tem que ser dado a este tipo de iniciativas, que têm na sua base questões que os cidadãos colocam à Assembleia da República, pois só passados mais de três anos é que esta teve a "luz" e a decisão do Plenário da Assembleia da República.

0 Sr. Laurentino Dias (PS): - Muito bem!

0 Orador- - Também esse aspecto é demonstrativo da importância deste projecto de deliberação e de quanto é fundamental que se congreguem vontades para se resolver o problema do Vale do Ave. ,
Este é um dos nossos contributos e esperamos que os Srs. Deputados, em particular os do PSD, finalmente, estejam cientes de que a Assembleia da República também deve participar nas questões de desenvolvimento, em particular no Vale do Ave.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.

0 Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta iniciativa do Partido Comunista Português colhe o nosso apoio e o nosso concurso. Entendemos que, de facto, a constituição desta comissão, com vista a avaliar a evolução e apresentação de propostas a aplicar no Vale do Ave, tem diversas virtualidades que defendemos.
Pensamos que a constituição desta comissão não conflitua com os projectos que hoje apresentámos, no âmbito do debate que antecedeu a discussão deste projecto de deliberação. Pelo contrário, pensamos que esta comissão de análise permanente dos problemas do Vale do Ave pode,

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inclusivamente, enriquecer a matéria constante dos diplomas que hoje apresentámos.
Por outro lado, entendemos que a constituição desta comissão tem a virtude de chamar e empenhar a própria Assembleia da República, através dos seus Deputados, como instituição na tentativa de solução dos problemas desta região, porquanto, como representantes do povo- em especial nós, Deputados pelo distrito de Braga e eleitos por aquela região -, apoiamos esta medida e esta solução apresentada pelo PCP.
Estas iniciativas são bem-vindas para o Vale do Ave e estamos dispostos a apoiar todas as que forem tomadas, venham elas de onde vierem! Não temos sobre esta matéria uma visão sectária nem, de m(>do algum, como há pouco aqui foi dito, um discurso miserabilista da situação. Estamos cansados, isso sim, que nos prometam coisas e não nos dêem nada! Por isso, venham de onde vierem, o Partido Socialista dá o seu apoio às iniciativas que tenham por objectivo minorar os efeitos da crise actualmente existentes no Vale do Ave, mas não está disponível para discursos ou afirmações perfeitamente demagógicas que nada têm a ver com aquela região, antes pelo contrário, pretendem encobrir a situação de muita dificuldade que, actualmente, lá se vive.
Posto isto, o Partido Socialista votará favoravelmente o projecto de deliberação apresentado pelo Partido Comunista Português.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Peneda.

0 Sr. Silva Peneda (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando se abordam questões de desenvolvimento de qualquer parcela do território há sempre um ingrediente fundamental: a congregação de vontades. De facto, o Partido Social Democrata não acredita que o desenvolvimento de uma região se possa fazer apenas à custa do' esforço de uma única vontade, seja do Governo, das autarquias ou das empresas.
Durante estes anos de actividade governativa, para além das iniciativas que iam sendo tomadas, ficou patente que houve sempre uma preocupação muito grande em termos de articulação com os vários agentes económicos e sociais da região. Contudo, entendo que essa articulação tem de ser feita, fundamentalmente, ao nível local.
Sinceramente- e o caso de Setúbal desenvolveu-se também sem a iniciativa do Parlamento e sem a criação de comissões deste género -, julgo que todas as forças políticas representadas nesta Câmara devem dar o seu melhor no sentido de que, a nível local, se possam gerar as sinergias, bem como os exercícios de compatibilidade entre as diversas acções que têm de ser complementares.
Eu próprio, na altura em que estive à frente do Ministério do Emprego e Segurança Social, quando foi lançado todo um conjunto de medidas de protecção social propus que elas fossem acompanhadas pelas partes ~ e sindical em reuniões periódicas. Julgo, que essa análise, feita por quem está no local e sente o pulsar da região no dia à dia, é muito salutar.
0 Partido Social Democrata não vai votar favoravelmente esta iniciativa porque não nota qualquer hesitação da parte do Governo quando solicitado para o diálogo e para abordar as questões da própria região. Pelo contrário, até verificamos que muitas das iniciativas de debate, de encontros, de análise e de abordagem dos problemas do Vale do Ave foram levadas a cabo pelo próprio Governo.
Recentemente, os próprios Deputados do PSD fizeram uma visita à região, que se pretendia descomprometida. Convidámos todos os grupos parlamentares para se associarem, mas tal não foi possível. Em todo o caso, julgo que esta componente de congregação de esforços deve ser fundamentalmente feita ao nível local
Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PSD votará contra este projecto de deliberação apresentado pelo PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

0 Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Peneda, a questão que coloca não colhe porque o seu grande argumento é o de que "esta questão deve ser resolvida a nível de Governo, a nível local ou regional e a nível de executivos". Veja-se o caso de Setúbal - que não vou agora comentar, mas em relação ao qual há muito para dizer... Mas não vale a pena irmos par ai!
De facto, não houve intervenção do Parlamento no caso de Setúbal. Mas, Sr. Deputado, relativamente à questão do Vale do Ave, coloco-lhe a questão ao contrário: porque não a intervenção do Parlamento? Será que não há aqui ninguém com ideias e que só os membros do Governo é que as têm?! 0 próprio Sr. Deputado Silva Peneda, desde que saiu do Governo, deixou de ter ideias e não tem possibilidade de, no quadro de uma comissão, dar também a sua opinião para que algo se modifique e se altere?

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - 0 Parlamento não se prestigia se tiver intervenção nestas acções? Não será uma forma genuína e pura a de a Assembleia da República, na sua pluralidade, fazer intervir os partidos e grupos parlamentares aqui representados de forma articulada?
Então, por que razão votam contra o projecto de deliberação? Os senhores vão ter maioria na comissão, por isso deixem os outros Deputados e grupos parlamentares contribuir de uma forma positiva relativamente às questões do Vale do Ave. É certo que nos dirá: "Se assim for, isto é, se votamos contra o projecto em discussão, ficam coarctados de participar". Claro que não, Sr. Deputado! Podemos apresentar requerimentos ao Governo e intervir de outras formas, mas é diferente! Na comissão teríamos oportunidade de aprofundar o debate e o conhecimento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Peneda.

0 Sr. Silva Peneda (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Manuel Maia, pensei que tinha sido claro mas vou insistir, tentando clarificar o espírito do Sr. Deputado acerca da nossa posição.
Não se trata de coarctar uma iniciativa do Sr. Deputado nem dos outros grupos parlamentares. De facto, aquando da visita dos Deputados ao Vale do Ave, por exemplo, esperava muitas solicitações e teria muito gosto que se tivessem associado!
0 que afirmo é que os problemas de desenvolvimento regional - e falo com algum conhecimento de causa - têm especificidades muito próprias que devem ser debatidas no

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sentido da congregação de esforços. Julgo que não devemos politizar este tipo de problemas mas, sim, criar todas as sinergias no sentido de complementar as iniciativas sectoriais com as locais, e tudo será bem vindo - espero bem quando for solicitado. As iniciatívas relativas ao Vale do Ave marcam posição com a sua presença no sentido de ajudar aqueles que lá estão a tentar vingar e a fazer dos investímentos que se estão a realizar vantagens e valores acrescentados mais positivos.
Sinceramente, não acreditamos que esta comissão, tal como este projecto de deliberação, tivesse qualquer tipo de utilidade para o desenvolvimento da região do Vale do Ave.

0 Sr. José Manuel Maia (PCP): - Fazem mal!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, animados pelo mesmo espirito que nos levou a "comungar" na caravana do PSD, vamos votar favoravelmente esta iniciativa.
Compreendemos as razões que levaram o PCP a propor a constituição desta comissão - não se trata de uma iniciativa original - e estamos convictos de que este partido, inspirado pela iniciativa do PSD, decidiu tomá-la em mão e dar-lhe um carácter mais permanente e mais estável, razão pela qual propôs a constituição desta comissão para a avaliação e análise da actual situação no Vale do Ave.

0 Sr. José Manuel Maia (PCP): - Que iniciativa?

0 Orador: - A íniciativa do PSD no sentido de os parlamentares irem ao Vale do Ave observar e analisar localmente os problemas!

0 Sr. José Manuel Maia (PCP): - Mas a nossa iniciativa tem três anos! É de Dezembro de 1991!

0 Orador: - Então, peço desculpa, quem não teve originalidade foi o PSD. Mas tanto me faz!

0 Sr. José Manuel Maia (PCP): Não é bem a mesma coisa!

0 Orador: - Então, não foi o PSD mas, sím, o PCP que teve originalidade. Muito bem! Então esta foi uma iniciativa original que já inspirou o PSD e que, naturalmente, agora por ricochete, volta a inspirar o PCP!

Risos,

É claro que iremos votar favoravelmente o projecto de deliberação n.º 12/VI, apresentado pelo PCP, e teríamos muito gosto em fazer parte da comissão a constituir. É evidente que, do nosso ponto de vista, ela não vai tentar substituir o Governo nem a Administração e, portanto, terá uma missão não executiva mas de acompanhamento, de controlo e de fiscalização que servirá para chamar a a~, no Parlamento, para um problema que, sendo geograficamente uma questão local, é, pelo seu significado, pela sua extensão e pelos aspectos dramáticos de que se reveste, pela exemplaridade que vai poder ter no sentido da alteração ou manutenção do padrão de especialização da indústria portuguesa, um problema nacional. Portanto, concordamos com esta iniciativa e não é pelo facto de ela ser apresentada pelo PCP que vamos votar contra! Pelo contrário, vamos votar a favor!

Por outro lado, entendemos que as objecções colocadas pelo Sr. Deputado Silva Peneda não têm razão de ser, porque, na realidade, os planos não se confundem. É evidente que, no plano da execução, convém concitar as energias e as boas vontades de todos no local ao executar. A expressão regional da execução deve ter essa preocupação. Porém, este acompanhamento deve ser feito a nível nacional para exprimir a respectiva dimensão nacional do problema.
Assim sendo, vamos votar a favor deste projecto de deliberação. 0 PSD poderia talvez reflectir um pouco e, no espírito da "caravana" que o levou ao Vale do Ave, deveria votar favoravelmente esta iniciativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do parecer do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações relativo a 1991 e 1992.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

0 Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Congratulamo-nos pelo facto de finalmente estarmos a discutir este parecer, que foi apresentado no mês de Junho do ano passado, mas não podemos congratular-nos com as condições em que o debate se processa.
Liminarmente, gostaria de dizer que talvez seja altura de pensarmos num outro figurino, completamente diferente, para este tipo de debates. Um outro figurino, desde logo, porque seria importante que o debate tivesse sido precedido da audição não apenas do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações - audíção essa que teve lugar - mas também de outras entidades responsáveis pela fiscalização dos Serviços, a começar pela Comissão de Fiscalização dos Bancos de Dados, que tem um papel muito importante, e, por outro lado, mesmo de outros membros do Governo, relevantes para a clarificação de certas situações que têm vindo a lume em termos públicos e em relação às quais a Assembleia da República tem uma responsabilidade de clarificação e de esclarecimento.
Em segundo lugar, seria importante que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias pudesse sobre a matéria elaborar, ela própria, um ponto de vista, um parecer, um relatório. É uma tradição parlamentar e é, naturalmente, um benefício para a instrucção do debate que tem lugar em sede de Plenário.
Quanto à metodologia, gostaríamos ainda de deixar pro memoria a sugestão de que o Governo não se alheie deste debate. Por um lado, porque responde pela condução da política dos Serviços e pela sua gestão corrente em todos os aspectos e, por outro, porque um debate destes a ter lugar com a ausência do Governo é um julgamento com um dos "interessados" ausente, ou seja, é um julgamento anómalo, em que falta uma componente de contraditório e, portanto, um elemento de clarificação, cuja valia dispensa qualquer consideração adicional.
Em terceiro lugar, é importante que o debate seja tempestivo. Começou V. Ex., por anotar, Sr. Presidente, que íamos debater o parecer do Conselho de Fiscalização respeitante aos anos de 1991 e 1992. E, ao fazê-lo, salientou implicitamente o aspecto um pouco anómalo da natureza do debate, porque o que estamos hoje a apreciar é um documento atinente ao funcionamento dos Serviços em dois anos pretéritos num texto em que o Conselho, por sensatez que, aliás, gostaria de saudar como positiva -, se alongou

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referindo alguns factos ocorridos já em 1993, antecipando, assim, o seu mundo fiscalizador. No entanto, a tempestividade deste tipo de controlo é um elemento essencial à sua eficácia. De facto, a Assembleia deve debater "a quente" aquilo que quente é e deve debater sobre os acontecimentos aquilo que sobre os acontecimentos deve ser discutido para mais-valia da fiscalização a empreender.
0 figurino está, pois, errado e, em nossa opinião, há que melhorá-lo - e bastante -, para o que contaremos, creio, com a colaboração de todos os grupos parlamentares e, estou seguro, do próprio Governo - tive ocasião de trocar algumas impressões preliminares informais com o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, que não deixou de corroborar o interesse numa mais-valia de um debate deste tipo.
Gostaria ainda de sublinhar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o parecer do Conselho de Fiscalização é um documento relevante. Alguns tenderão, olhando o texto, a dizer que ele reafirma coisas anteriormente afirmadas, o que é inteiramente verdade. Mas a reafirmação de uma verdade não deixa de, em si mesma, ser ímportante, se aquilo que é reafirmado for relevante- e esse é precisamente o caso. 0 que é que o Conselho reafirma? Reafirma várias coisas extraordinariamente importantes, a primeira das quais é a de que vivemos, neste domínio, numa situação de relativa anomia. Ou seja, sendo os Serviços de Informações um domínio em que o cumprimento da lei reveste dificuldades muito específicas e, em alguns casos, tormentosas, a situação que se vive, em Portugal, é, desde há muitos anos, a de incumprimento aberto do quadro decorrente da lei que criou o Sistema de Informações da República. E isto não pode ser dito sem que se extraiam todas as consequências, em termos de gravidade, da afirmação produzida. Não é normal num Estado de Direito democrático que uma lei tão importante, como a dos Serviços de informações, esteja pública e abertamente incumprida, com reiterados alertas por parte do Conselho de Fiscalização e de diversos interventores públicos, a começar por esta bancada! Não é normal que isso aconteça por despacho do Primeiro-Ministro! Não é normal que, em vez de três serviços, tenhamos tido, ao longo destes anos, dois, acumulando um deles funções que não lhe cabem! Não é normal que, por despacho do Primeiro-Ministro, isso aconteça contra a lei e que o Conselho alerte, realerte e trialerte e a situação se mantenha!
Portanto, o relatório, ao reafirmar esta anomalia, vem novamente "pôr o dedo na ferida" e, ao vir novamente "pôr o dedo na ferida", cumpre uma função extremamente importante.
0 segundo aspecto para que o parecer chama a atenção - e que nos sensibiliza especialmente - é o de que há anúncio público de esforços de revisão da
lei-quadro. E o que se sabe dessa revisão, desde logo, é pouco, mau e insuficiente. Porém, na parte em que é sabido e apurável, não é reconfortante; é, pelo contrário, razoavelmente inquietante. Se o objectivo da lei-quadro era o de criar serviços separados e compartimentados, impedindo a concentração polici4 que é o fantasma que sobre todos nós paira, devido à experiência trágica da PIDE; se a ideia era a de evitar também inconvenientes, que se verificam em outros países democráticos, de desvio de poder e de utilização dos serviços para finalidades inadequadas e inconstitucionais e se estes objectivos se conjugavam ainda com o de evitar que polícias exerçam funções de informação e serviços de informações exerçam funções policiais, então, a realidade portuguesa actual, em vários pontos, distancia-se deste arquétipo e o projecto legislativo que circula no Governo, entalado não se sabe rigorosamente onde, parece reeditar alguns dos perigos, que se quiseram evitar ao aprovar a lei dos Serviços de Informações e que o Conselho de Fiscalização exorciza no seu parecer neste ponto em condições merecedoras da nossa solidariedade e concordância, porque são um alerta extraordinariamente importante. Assim haja ouvidos para esse alerta!
Gostaria, em terceiro lugar, de chamar a atenção para o facto de haver na actuação dos serviços uma omissão de regras de enquadramento, designadamente quanto a certas actuações particularmente melindrosas. Tive ocasião de, através de requerimento, solicitar à Procuradoria Geral da República um parecer, que, aparentemente, fez doutrina, quanto à possíbilidade de acompanhamento por parte de serviços de informações de actividades de associações legalmente constituídas. Esse parecer é, no entanto, um documento que se limita a equacionar critérios gerais para esse efeito, não emitindo qualquer juízo sobre a maneira concreta como os Serviços de Informações portugueses, em concreto também, acompanham actividades de associações legalmente constituídas segundo o nosso direito interno.
A Procuradoria Geral da República não estudou esse aspecto e o Conselho de Fiscali7ação abordou-o, mas concluiu não ter encontrado elementos que permitissem comprovar a existência de disfunções violadoras de direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição e na lei. Esta afirmação, em nossa opinião, deve ser temperada por um facto, também realçado pelo Conselho, que é chocante: o Conselho não dispõe de meios bastantes e adequados para levar a cabo as suas finalidades legais e constitucionais. E esta afirmação não pode ser dita com um tom correntio e banal, porque é, em si mesma, de uma significativa gravidade. De facto, o Conselho diz-nos que não viu aquilo que ele próprio diz que os seus olhos dificilmente lobrigam, por: alínea a), falta de luz; alínea b), falta de óculos, provavelmente. Ora, é nossa missão, política e legal, dar-lhe esses óculos e essa luz! Se o Conselho está "às escuras", que venha a luz! Se o Conselho tem falta de visão, por estrabismo, miopia ou outro qualquer vício, congénito ou não, que seja feita a correcção adequada! Estamos disponíveis para essa correcção adequada. Quanto aos meios e formas adequadas de fiscalização, a legislação que, ao que parece, o Governo tem em gestação não dá resposta adequada a estas carências.
Em quarto lugar, há um problema adicional: o de que, aparentemente, há polícias que exercem funções próprías de serviços de informações. E, mais ainda, se a legislação recentemente aprovada em matéria de pré-inquérito, eventualmente, passasse o crivo de constitucionalidade- coisa que espero não aconteça- viria a criar um problema gravíssimo, porque seria praticamente a consagração de jure da possibilidade de colheita de um vastíssimo volume de informações, exercendo-se, então, a nível policial (PJ), aquilo que, nos termos da lei-quadro, deve ser função reservada a serviços de informações, inquinando a filosofia de funcionamento do sistema.
Uma última observação neste campo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a de que num domínio crucial há uma absoluta falta de meios. E esse domínio é tão crucial que é politicamente escaldante que isso aconteça! Esse domínio é o dos bancos de dados dos Serviços de Informações. Há uma Comissão de Protecção de Dados da Procuradoria Geral da República, que, até hoje, não apresentou o seu relatório. Apresentou um relatório, entrou em crise e defluiu - nunca mais se soube do seu paradeiro, se é viva ou morta, se produz ou não, e o que produz.

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0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, faça o favor de concluir.

0 Orador: - Concluo, já, Sr. Presidente.
Essa Comissão tem poderes limitados e inadequados e viu-se impossibilitada de fiscalizar, por exemplo, os bancos de dados a que recorria o Serviço de Informações Militares, durante muitos anos, com o pretexto fácil,
jurídico-formal e um pouco ridículo de que os bancos de dados não eram pertença jurídico-formal do Serviço e Informações Militares, mas, sim, de um
Estado-Maior. E uma desculpa ridícula e uma situação intolerável e muito perigosa, porque o sistema, desse ponto de vista, está todo ele, de raiz, mal concebido. E se, há tempos, foi escândalo, em Portugal, o facto de um PIDE ou um ex-PIDE ter coleccionado fotografias de uns tantos políticos, averbando rascunhadamente com a sua caligrafia, mais ou menos ignóbil, umas tantas informações de carácter político sobre as suas actividades, próprias ou impróprias, o que será, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o facto de nós, Assembleia da República, não podermos garantir que isto não existe, de um modo muito mais sofisticado, subtil e incognoscível, em bancos de dados razoavelmente organizados na nossa Administração Pública! Penso que temos obrigação de clarificar este ponto.
Concluía, Sr. Presidente, dizendo duas coisas: o Grupo Parlamentar do PS vai requerer ao Sr. Primeiro-Ministro, ao abrigo da legislação sobre segurança interna, uma audiência para ser, directa e imediatamente, informado sobre a situação do País em matéria de serviços de informações e sobre o processo de revisão da lei-quadro do Sistema de Informações da República, que tem estado excessivamente no segredo.
Em segundo lugar, vamos propor que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias...

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, tem de concluir, porque já esgotou largamente o tempo de que dispunha.

0 Orador: - Sr. Presidente, peço a sua tolerância por 10 segundos, para concluir este pensamento.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Já lhe dei 2.5 minutos de tolerância, Sr. Deputado.

0 Orador- - Se me conceder esses 10 segundos, Sr. Presidente, direi que a nossa segunda iniciativa vai no sentido de propor à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que encarregue uma subcomissão ou qualquer entidade competente de elaborar um relatório sobre o estado actual do Sistema de Informações da República, preparando a revisão da lei e, assim, preparando a Assembleia da República para esse debate, que deve ser sério, digno, alargado e instruído.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

0 Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava de começar a minha intervenção abordando dois ou três pontos de alguma relevância levantados na intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, que me parece não terem fundamento.
No que se refere à presença do Governo, devemos ter bem presente que estamos a analisar um parecer elaborado
por um conselho eleito pela Assembleia da República, que antes o veio apresentar nas Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e de Defesa.
0 Governo, quando muito, podia estar neste debate como fiscalizado, só que o parecer apresentado pelo Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações nas comissões não demonstra ou nao sugere qualquer ilegalidade ou violação de direitos fundamentais, porque, se tivesse havido qualquer sugestão nesse sentido, com certeza que o membro do Governo responsável iria a essas comissões explicar, expor ou justificar tais situações.
Como ninguém solicitou a presença do Governo em comissão, porque, em face do parecer apresentado, não havia essa necessidade, não vemos qual a necessidade de o fiscalizado estar aqui hoje neste debate.

0 Sr. José Magalhães (PS): - 0 melhor é falar pelo Governo!

0 Orador: - E não veio porque isto é apenas alegado aqui no Plenário, quando nas comissões não foi alegado por ninguém, inclusivamente pelo Sr. Deputado José Magalhães.
Quanto às preocupações respeitantes à apresentação de uma proposta de lei e à Comissão de Acompanhamento da Assembleia da República, devo dizer que a lei que há-de substituir ou complementar a Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, tem, necessariamente, de vir a este Plenário para debate e, portanto, não há lugar a essa preocupação.
Entrando mais a fundo neste tema, quero frisar que, sempre que, nesta Casa, debatemos um parecer do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, verificasse, pontualmente, uma ou outra tentativa de fuga deliberada às questões nucleares que a este respeito se colocam.
Bom seria que, de uma vez por todas, carreássemos esta matéria para o seu exacto plano, manifestando as nossas opiniões de forma clara, eventualmente até polémica, acerca das funções, da estrutura, da actuação e do controlo dos diversos serviços de informações.
Desde logo, cabe novamente - e pensamos que nunca é demais - reconhecer que a existência destas instituições se afigura cada vez mais indispensável.
Nas sociedades actuais, com os seus complexos modelos sociais, a concentração populacional e as variações demográficas, a abertura de fronteiras e as formas organizadas de criminalidades e de terrorismo, a existência de serviços de informações é exigência que se impõe a cada Estado, para efectiva segurança das suas populações. Exigência que se intensifica quando a estrutura desse Estado radica nos princípios e valores democráticos.
Mas, nestes Estados, os parlamentos não desejam, e não devem, abrir mão dos poderes de fiscalização dos serviços de informações. Daí que, na Lei n.º 30/84, de 5 se Setembro, tenha sido prevista a instalação do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, constando do seu artigo 8.º as respectivas competências.
Em primeiro lugar, deve questionar-se se a natureza pluralista e desgovernamentalizada da composição deste órgão, bem como a postura de isenção e os profundos conhecimentos dos seus actuais membros, justificam ou não o total apoio e confiança da Assembleia da República.
A resposta do Grupo Parlamentar do PSD é claramente afirmativa e - nunca é demais repeti-lo - entendemos que a Assembleia da República deveria mesmo, por unanimidade, expressar grande apreço pelo trabalho desenvolvido por todos os membros do Conselho de Fiscalização dos

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Serviços de Informações, que souberam, desde logo, elevar-se das cores políticas e ideológicas de cada um, apresentando as suas iniciativas, relatórios e conclusões, num clima de grande consenso.
Assim sendo, é natural que tenhamos sempre enorme expectativa na análise dos relatórios que, nos termos legais, são apresentados à Assembleia da República.
Em primeiro lugar, porque vivemos num Estado de Direito e porque os direitos fundamentais, consagrados constitucionalmente, não podem ser- não permitiremos que o sejam - reduzidos a "chavões" ou a "letra morta", interessa-nos saber se, eventualmente, existiram actividades por parte dos Serviços de Informações que representassem violações daqueles.
Aí tranquilizamo-nos, quando constatamos que o Conselho de Fiscalização, após a análise de diversos relatórios, solicitados de forma aleatória, nomeadamente sobre a concessão de vistos de entrada de estrangeiros em Portugal e sobre segurança nos estábelecimentos de ensino, nos assegura que "tanto quanto nos foi possível verificar por aqueles relatórios e reuniões havidas, .... considera-se que o Serviço de Informações de Segurança tem obedecido aos preceitos constitucionais e legais estabelecidos no respeito dos direitos fundamentais dos cidadãos".
Tranquilizamo-nos de forma acrescida quando verificamos que, em resposta a questões colocadas por um nosso colega Deputado, o Sr. Procurador-Geral da República emite um parecer, no qual confirma o entendimento da lei e das funções dos serviços que vem sendo defendido pelo Conselho de Fiscalização, legitimando, nomeadamente, a produção de informações relativas a grupos ou a associações legalmente constituídas, desde que, como é óbvio, se respeitem os requisitos e o enquadramento legal.
A propósito das considerações há pouco tecidas sobre este mesmo parecer, parece-me até duvidoso que um parecer pudesse sair deste nível de abstracção em relação às situações concretas, em primeiro lugar porque é um parecer e, em segundo, porque se analisasse alguns aspectos mais concretos de cada uma dessas actuações, se calhar - e é uma questão que posso colocar - estava a invadir competências do próprio Conselho de Fiscalização.
Com o mesmo agrado constatamos que "o Conselho de Fiscalização e a Comissão de Dados têm tido reuniões conjuntas e, até agora, ainda não foi comunicado ao Conselho de Fiscalização pela Comissão, resultante de alguma participação de cidadãos, qualquer queixa contra os Serviços".
Considerações de todo em todo semelhantes às anteriormente produzidas valem para os Serviços de Informações Militares, para a sua estrutura e funcionamento, já que o Conselho, da análise dos respectivos relatórios, não detectou nenhum ilícito ou menção que importasse acentuar.
Para quem, de facto, subscreve os mais sagrados valores do Estado de Direito democrático, estas informações não podem deixar de constituir o aspecto mais relevante de todo o relatório do Conselho de Fiscalização, por esclarecer as maiores preocupações que podem ser suscitadas pela existência e actuação dos serviços de informações.
Também aqui, em relação às considerações que já se fizeram quanto à alegada ausência de poderes do Conselho de Fiscalização- e daí aparecer essa ausência como causa de não serem detectadas eventuais violações -, devo dizer que, se não são detectadas, não é por incompetência do Conselho de Fiscalização. Poderia ser - e às vezes isso é sugerido, se não alegado expressamente - por falta de meios, mas devo relembrar que, na própria reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, foi comentada a proposta feita pelo Grupo Parlamentar do PCP e por um dos membros do Conselho de Fiscalização - concretamente o Dr. Anselmo Rodrigues e rejeitada expressamente, na medida em, segundo as palavras dele, "deve rejeitar-se uma proposta como a do PCP, que defende uma busca completa e brusca dos Serviços.
Entende o próprio Conselho de Fiscalização que não é essa a sua missão e que uma proposta do género da do PCP - e o Sr. Deputado José Magalhães fez alguns afloramentos que se enquadram no mesmo sentir e no mesmo pensar - são, pura e simplesmente, de rejeitar.
Depois, e só depois, devemos analisar as reflexões do Conselho acerca do enquadramento legal dos Serviços de Informações, bem como das suas próprias competências.
Notamos a preocupação várias vezes expressa pelo Conselho, no sentido de que não sejam atribuídas aos Serviços de Informações Militares tarefas que, em bom rigor, se inserem no âmbito de outras áreas da defesa nacional.
Apesar de não referida há pouco a propósito dos comentários, aliás, repetidos, do Conselho de Fiscalização, essa é talvez a preocupação mais forte, com maior ênfase e mais vezes repetida por esse Conselho.
Veio já a público, através da comunicação social, que se encontra na sua fase final de elaboração uma iniciativa legislativa do Governo sobre esta matéria, que, naturalmente, tem de passar por esta Assembleia.
Pensamos que boa parte das considerações do Conselho de Fiscalização serão tidas em conta nesse trabalho e enriquecerão o debate que, então, aqui se realizará.

Aplausos do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para o que dispõe de três minutos cedidos pelo PSN.

0 Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Puig, gostava de lhe dizer que a sua intervenção é um pouco estranha.
Que o Governo esteja ausente é mau em geral, porque a sua presença alargaria o debate! V. Ex.ª parece estar a pressupor que ele só poderia estar ausente na qualidade de réu, e réu culpadíssimo, com necessidade de fazer alegações de defesa. Poderia estar aqui em várias outras qualidades, designadamente para esclarecer perspectivas, prioridades, explicar equívocos, clarificar posições, propostas de legislação, etc. Aliás, creio que talvez venha a enganar-se quanto ao figurino do debate!
Quanto à sua defesa oficiosa da situação actual parece-me difícil de sustentar. Então V. Ex., não considera grave que a lei não seja cumprida? Não considera grave que, em vez de três serviços de informações, haja, de facto, dois e que a situação seja confusa? Acha normal que a Divisão de Informações Militares (DIMIL) tenha sido criada por decreto-lei e esteja congelada à espera da revisão da lei que nunca mais vem? Acha que o nível de actuação dos Serviços é, no momento actual, suficientemente eficaz? Está satisfeito com esse nível de actuação?
Pergunto ao Sr. Deputado se leu o actual relatório sobre segurança interna apresentado há quatro ou cinco dias, em que a análise sobre as actividades que podem ameaçar as instituições democráticas é feita pelos serviços nos seguintes termos: "As mobilizações estudantis, as mobilizações sindicais e as acções públicas de tipo sectorial e corporatí-

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vo inscreveram-se no âmbito da contestação social própria das democracias ocidentais e não puseram em causa o Estado e as suas instituições. Algumas, aliás, foram de pequena representatividade e só conseguiram maior divulgação através do empolamento que lhe foi dado pela comunicação social".
Há serviços de informações que gastam tempo a escrever paleios destes. Devo dizer que este tipo de análise é de valia nenhuma do ponto de vista da defesa do Estado contra o terrorismo, contra a violência, contra as organizações de banditismo, de criminalidade altamente organizada, que são a meta principal dos Serviços de Informações que devemos ter, estruturados, eficazes e capazes de actuar contra criminosos e outros que ameacem a ordem constitucional estabelecida.
V. Ex.ª acha isto normal ou, pelo contrário, acha que deveríamos fazer um consenso para rever a lei nos aspectos em que ela é inadequada, para estabilizar o quadro legal e cumprir ponto a ponto esse quadro, num domínio em que ele tem de ser cumprido ponto a ponto, para que haja serviços e para que haja liberdades? A conjugação das duas coisas é possível, mas não assim!

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado José Puig, tem outro pedido de esclarecimento. Deseja responder agora ou no final?

0 Sr. José Puig (PSD): - No final, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para fazer o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Puig, queria começar por dizer que a referência que o parecer faz a toda a situação e à legislação revela mais uma certa má consciência ao contemporizar com a situação e por isso repete a legislação, as normas, como é que foi criado, porque é que existe, etc.
Mas, fundamentalmente, queria perguntar-lhe se, no seu entender, a Assembleia da República pode ignorar- na minha opinião, ignora - que os direitos de cidadania estão a ser ameaçados pelo SIS. 0 uso e a expressão dos direitos de cidadania não podem ser ameaçados pelo SIS, no entanto, este Serviço, pela sua intervenção, ameaça-os.
É público e notório que isso tem acontecido. Até já foram actores de movimentadas séries televisivas reais, que nós vimos. Já vimos alguns elementos desses serviços, na Cidade Universitária, a roubar um rolo de uma máquina fotográfica de uma estudante.
Por outro lado, gostaria que me dissesse como é que a actuação do Serviço de Informação de Segurança, que age com a máxima descrição possível, podem ser facilmente alvo de queixas dos cidadãos. É muito difícil isso acontecer. Se ele, pela sua própria definição, é quase secreto e actua com o maior secretismo possível, como é que o cidadão pode facilmente apresentar queixa da sua actuação, ainda por cima quando - e isso ficou aqui claro neste debate - o funcionamento desse Serviço está pejado de irregularidades?

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

0 Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, V. Ex.ª? perguntou-me como é que faço uma defesa oficiosa desta gravidade pelo facto de a lei não estar a ser cumprida. Devo dizer-lhe que comecei por
anunciar - e já veio na comunicação social - a proximidade de apresentação de uma iniciativa legislativa sobre esta matéria. E não tenho qualquer dúvida que ela vai merecer aqui um amplo debate, em que todos terão a oportunidade de dar as suas opiniões.
Se calhar, eu ficava mais preocupado se, por alguma precipitação, se tomassem e aprovassem iniciativas legislativas nesta matéria que pudessem distorcer as coisas e sugerir grandes erros de actuação a estes Serviços, alguns dos quais vêm alertados no parecer do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações.
Relembro-lhe que, após o 25 de Abril, também se demorou 10 anos até que se desse enquadramento legal a esta matéria, aliás com grandes confusões e propostas antagónicas pelo meio, como sabe. Trata-se de uma matéria muito sensível e muito delicada, portanto mais vale ter algum cuidado do que precipitarmo-nos e cometermos erros.
Quanto aos relatórios que o Sr. Deputado citou, devo dizer que o relatório sobre segurança interna, como deve saber, nada tem a ver com o relatório dos Serviços de Informações. Não foi o SIS que disse isso, mas, sim, o relatório de segurança interna. Uma coisa nada tem a ver com a outra. Não sei porque é que vem lançar a confusão! Não foi o SIS que fez esse relatório...

0 Sr. José Magalhães (PS): - Então, não foi?

0 Orador: - Não. Essas informações não são dadas com base nos relatórios do SIS.
Em relação à manifestação de estudantes, devo dizer-lhe unia coisa que me parece muito mais importante e muito mais simples sobre esta matéria - e com isto abordo também uma questão levantada pelo Sr. Deputado Mário Tomé- ficava muito mais preocupado se, em vez de um relatório com paleio de coisa nenhuma, fosse, eventualmente, verdade o que nos jornais se disse na altura, e que me pareceu sugerir na sua intervenção, sobre o facto de elementos do SIS terem retirado máquinas fotográficas e terem efectuado filmagens nessas manifestações.
Essa notícia veio no jornal, foi abordada na Comissão, onde foi levantada pelo Sr. Deputado João Amaral - parece-me que era isso que o Sr. Deputado estava a sugerir e eu ficava muito mais preocupado se nesses relatórios ou neste parecer viesse a dizer que isso se confirmou.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Também está como o Cavaco, que diz que 90 % é mentira!?

0 Orador: - Acontece que, por um membro do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações - o Dr. Anselmo Rodrigues - foi, de forma algo pormenorizada, dito na Comissão que podia garantir que o SIS não filmou, não retirou máquinas falsas a nínguém e tal não passou de uma invenção.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Disse isso para não preocupar o Sr. Deputado!

0 Orador: - Portanto, não fui eu que disse, mas, sim, ele- isso vem a propósito dos direitos de cidadania que, na sua expressão, são violados -, que é um Delegado do Ministério Público de grande idoneidade. E não me parece que o Sr. Deputado possa pôr isso em causa.
Na sua expressão, os direitos de cidadania são violados e neste parecer nada consta. Em primeiro lugar, devo dizer-lhe que o parecer que estamos a debater não é nosso,

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é de um órgão de composição pluralista e desgovemamentalizado de que falei na minha intervenção.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Dá-me licença que o interrompa?

0 Orador: - Sr. Deputado, não tenho tempo suficiente para mim, muito menos para lhe conceder!
Se o parecer não é nosso, não podemos dizer que, se lá não vem, é porque não pusemos.
Mas se na actuação do SIS há tanta discrição, como o Sr. Deputado diz, e se não há queixas porque é muito discreto, como é que o Sr. Deputado sabe tanta coisa? Aí existe alguma contradição e alguma incoerência.

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que é público e notório que o que tem marcado a actividade dos Serviços de Informações em Portugal - e tem sido, aliás, causa de crescente escândalo público é o mar de ilegalidades, abusos, desvio de funções e violações dos direitos fundamentais em que esses Serviços se vêm atolando nas suas actuações concretas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - 0 que se esperaria, então, de uma fiscalização sobre esses Serviços, para mais quando ela é assumída por uma Comissão eleita por essa Assembleia? Creio que o que se esperaria seria que essa Comissão manifestasse uma clara reprovação das ilegalidades cometidas e que contribuísse para conduzir esses Serviços para o caminho do respeito da Constituição e da lei, com salvaguarda absoluta da liberdade e dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Ora, o que se verifica não é nada disso. 0 parecer do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações passou por cima das polémicas e escândalos em que se têm envolvido os Serviços de Informações como se tais polémicas e escândalos não existissem como quem não ouve os protestos que se levantam por parte das organizações de trabalhadores, de agricultores e de estudantes.
É certo - e tenho de reconhecê-lo aqui para que não haja dúvidas - que esse parecer não branqueia a situação. Critica, por exemplo, o facto de continuarem por implementar os Serviços de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e de se permitir aos Serviços de Informações Militares acumularem as funções do SIED. Critica esse facto, bem como a anunciada intenção de o Governo legislar nesse sentido, fazendo a junção do SIED e dos Serviços de Informações Militares.
Por outro lado, e ainda em relação aos SIM, chama a atenção para o facto de estes se terem dotado de capacidade informática para terem uma base de dados que lhes é proibida por lei. Critica também uma proposta de lei do Governo, a chamada "lei anti-corrupção", quando esta permite à PJ acumular funções dos Serviços de Informações, ou seja, juntar a função policial e a função "informações". Critica, ainda, o facto de o secretário da Comissão Técnica se manter em funções, apesar de ter feito já 70 anos - o que é uma coisa importante, como se vê! Críticas,

pois, à PJ, ao secretário da Comissão Técnica, às intenções legislativas do Governo e aos Serviços Militares de Informações. Críticas justas!
Pergunto, por exemplo, quanto aos SMI: o que andam a fazer esses serviços? Para que querem o banco de dados? Que utilização fazem dele? Que dados aí recolhem? Que fichas andam a organizar?
Os Serviços de Informações Militares, herdeiros da célebre DINFO, não têm um passado brilhante. Basta recordar os envolvimentos com a Renamo, com a Unita e com muitos dos casos que aí se passaram ou, por exemplo, o caso do escandaloso envolvimento numa operação terrorista em França, o chamado "caso GAL", com o recrutamento de terroristas que assaltaram à bala um bar em Nayonne (França), atingindo inclusivamente uma criança.
E, já agora, porque aqui foi referido, basta lembrar, também, as fichas de militantes do PCP e do PS - manuscritas, ou não eram fichas -, detidas por um informador chamado Mário Cunha, que era um serventuário da DINFO e que, para informação do Sr. Deputado José Puig, que o não sabe, era o célebre Mário Cunha que recrutou o grupo que se integrou nos GAL e que foi a Nayonne, em França, fazer acção terrorista.
Hoje o que se pergunta é isto: o que andam a fazer os Serviços de Informações Militares com esse banco de dados? Esta questão tem de ser esclarecida pelo Governo e pelo Ministro da Defesa Nacional!

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Mas, aparte estas tímidas reservas, o parecer do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, quanto às questões essenciais do Serviço de Informações de Segurança (SIS) e às suas actuações ilegais e abusivas, deixa tudo na mesma, sem a mais pequena beliscadela e sem a mais pequena reserva. Quase com louvor!
Direi que, assim, o SIS pode dormir descansado!

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Nós não podemos!

0 Orador: - Até podem escolher o dia de hoje, em que aqui se discute o parecer que os deveria fiscalizar, para fazer uma espécie de operação de auto-promoção e virem, provocatoriamente, congratular-se pelo teor do mesmo parecer! É óbvio! Desta forma, o SIS prosseguirá e intensificará o caminho de ilegalidades em que se entrou, às ordens e sob a direcção do Governo do PSD. Em vez da produção de informações - e cito a lei - "para garantir a segurança interna e necessária a prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem e a prática de actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de Direito democrático" (é para isto que serve o Serviço de Informações de Segurança e é disto que a lei o incumbiu), o SIS vai continuar a defender as opções político-partidárias do Governo PSD, contra aqueles que sofrem as consequências e que, sofrendo-as, se lhe opõem pelos meios legítimos que estão ao seu alcance. Vai continuar a intimidar manifestantes, com filmagens e com outro tipo de provocações. Vai continuar a infiltrar-se, como fez numa associação de estudantes e vai continuar a achar que os seus alvos são os trabalhadores, os agricultores e os estudantes uma das áreas preferenciais de actuação do SIS -, tudo para bem do PSD, do Governo e do Professor Cavaco Silva. 15to é, continua a actuar como uma espécie de serviço político de informações - estou cheio de pudor! - de apoio e protecção ao Governo.

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Sem qualquer pudor, o SIS até invoca um parecer de um adjunto do
Procurador-Geral da República - é uma invocação sem nenhum sentido, completamente ilegítima e abusiva, porque nas conclusões desse parecer não são nunca permitidas as actuações do SIS contra organizações sociais legítimas e actuando de acordo com a lei. 0 que dizem as conclusões do parecer a este respeito é que o que a lei permite são actuação contra as associações proibidas pela Constituição, isto é, as organizações para-militares, criminosas ou semelhantes. É o que se diz, textualmente, nas conclusões desse parecer.

Vozes do PCP e do Deputado independente Mário Tomé: - Muito bem!

0 Orador: - Podem pois os bandidos, terroristas, espiões e quejandas figuras do crime altamente organizado andar por aí descansadas, porque o SIS não tem tempo para andar atrás deles! Prefere umas manifestaçõezinhas! 0 ideal é mesmo uma associaçãozinha de estudantes! E uma infiltraçãozinha - isso, então, é óptimo!

0 Sr. Luís Sã (PCP): - Bem dito!

0 Orador: - 0 SIS anda mais ocupado a montar provocações, como é o caso do "relatório secreto" sobre os famosos gangs de negros, que, milagrosamente, foi cair nas mãos do jornal Independente, que lhe deu o tratamento que todos puderem ler! Ou, então, em filmagens, à porta desta Assembleia, de estudantes e outros energúmenos inimigos do Prof. Cavaco!
Srs. Deputados, como isto lembra o 24 de Abril!

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - 0 que este parecer vem, afinal, pôr a nu é a necessidade e a urgência de reformar a lei de enquadramento dos Serviços de Informações, fundamentalmente em dois aspectos: em primeiro lugar, garantindo melhor e mais eficazmente as liberdades e direitos dos cidadãos, através da definição, com mais rigor, dos limites dos Serviços de Informações e dos sistemas de controlo das suas actuações e, em segundo lugar, garantindo uma efectiva fiscalização dos serviços, através de uma Comissão com uma base de constituição mais alargada e dotada de reais poderes, incluindo o poder de inspecção directa e sem pré-aviso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Enquanto o Conselho de Fiscalização não tiver este poder de inspecção directa e sem pré-aviso, não há fiscalização efectiva, mas apenas uma pseudo-fiscalízação, porque esta se baseía, exclusivamente, no que os próprios Serviços fornecem ao Conselho de Fiscalização - e os serviços só fornecem essas informações com a forma e o conteúdo que entendem! Nunca fornecerão ao Conselho de Fiscalização senão aqueles relatórios que, exactamente, querem dar, para os fins que quiserem e com todas as mentiras que forem necessárias!

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - De outra forma, eram demitidos!

0 Orador: - É neste quadro que apresentámos um projecto de lei para "alteração da composição e competências do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações".

Vamos requerer a adopção do processo de urgência para esse projecto de lei porque não pactuaremos, em nenhumas circunstâncias, com o processo de ilegalidades e abusos que configura os Serviços de Informações como um quisto na democracia portuguesa, actuando contra as liberdades e os direitos fundamentais dos cidadãos!

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, o debate que aqui foi travado não foi, propriamente, sobre o parecer do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, na medida em que este parecer mereceu, tanto da parte das Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e de Defesa como aqui, no Plenárío, uma plena aceitação, dado os factos aí referidos serem objectivos e irrefutáveis. As críticas que, pertinentemente, lhe vêm sendo feitas e foram aquí apresentadas pelo Sr. Deputado José Magalhães não são de agora, porque não são novas. São críticas que vêm sendo feitas através do tempo e, realmente, o Governo tem-se mostrado cego e surdo quanto à implementação das propostas feitas para a revisão da lei ou, pelo menos, para a revisão de alguns dos preceitos daquela lei.
Vêm sendo feitas críticas, muitas vezes não rebatidas pelo Governo, de que os Serviços de Informações excedem a sua competência. Depois, verificámos que essas críticas não tinham fundamento, na medida em que eram atribuídos ao SIS actos praticados por outros órgãos de segurança - todos lembramos as manifestações sindicais e de estudantes em que o SIS foi acusado de ter estado a filmar, tendo-se, depois, verificado que não tinham sido esses serviços quem estava a filmar, mas os agentes da PSP, que, para sua própria segurança (neste caso, corporativa) e para documentar que os seus actos não excediam as suas competências, umas vezes fardados e outras vezes não, filmaram os acontecimentos.
Ainda outras vezes tivemos informações de que o SIS teria agentes infiltrados. Foi o caso de um estudante, quando, nas cantinas e nas próprias manifestações, apareceu um senhor que era até dirigente da Associação Académica de Lisboa e, ao mesmo tempo, era funcionário do SIS. E aqui colocava-se o problema de saber- o SIS colocou-o- se havia qualquer oposição discriminatória negativa a que os funcionários do SIS pudessem ser estudantes e que, como quaisquer outros, tomassem as suas refeições nas cantinas ou tomassem parte nas manifestações. 15to é: se havia alguma lei que lhes vedasse serem estudantes, comerem na cantina ou assistirem às manifestações.

• Sr. José Magalhães (PCP): - Em acumulação?!

• Orador: - Até aqui poderia haver algumas reacções chocantes, como vimos em certos órgãos de comunicação social, em que, no tumulto dos estudantes, aparecia um estudante com um círculo de giz à volta, dizendo-se "era este senhor que estava a assistir à manifestação". Tratou-se, realmente, de um abuso por parte da comunicação social, na medida em que não me consta que exista em Portugal qualquer lei que diga que um estudante-trabalhador não pode trabalhar no SIS.
E se se pretende que exista uma discriminação, então, faça-se a lei a dizer que os funcionários do SIS nunca

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podem ser estudantes, nunca podem ir comer à cantina e nunca podem ir a uma manifestação! Terão de deixar de ser cidadãos, terão de deixar de ser estudantes e terão de deixar de usar os direitos que lhes competem, porque podem aparecer com um círculo de giz, dizendo "ali, aquele senhor é daquele serviço e estava a vigiar"!
Ora, nós não pactuamos com estas acusações! Nós queremos provas e ninguém, nesta Câmara, foi capaz de dizer que aquele senhor que aparecia com um círculo de giz à sua volta tivesse dado ao SIS quaisquer informações, queixas ou feito denúncias! E até foi provado mais: o SIS não tinha filmado rigorosamente nada e nunca ninguém pode demonstrar, nem o Sr. Primeiro-Ministro nem a qualquer grupo parlamentar, que esse senhor, que aparecia com a sua cara aureolada, tivesse feito o que quer que fosse! Não devemos cair "no oito e no oitenta" e, por outro lado, não podemos deitar constantemente sobre o SIS toda a espécie de raiva e de baba certos partidos gostariam de poder sempre demonstrar que estamos a viver num regime policiado!
Não há, realmente, da parte do SIS, qualquer "pecado" contra os direitos, liberdades e garantias. E é preciso que o CDS-PP o diga, mesmo que o partido que apoia o Governo não o queira dizer. Eu, digo-o sinceramente, quis investigar este caso, não apenas porque conhecia o estudante, do qual tenho as melhores referências, mas porque queria realmente saber se, efectivamente, ele era ou não agente do SIS. E nunca ninguém foi capaz de me dizer que era! E o relatório prova o que digo.
Esta Câmara tem de evitar este tipo de labelos que lança sobre os direitos, liberdades e garantias de qualquer cidadão. E nós devemos ser os primeiros a ser isentos...

0 Sr. João Amaral (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

0 Orador: - Já o deixo falar, Sr. Deputado.
Como dizia, temos de ser isentos e quando há motivos para criticar o SIS temos de fazê-lo com toda a veemência. Mas o que não podemos fazer é confundir um estudante, que toma parte numa manifestação, que come na cantina da universidade, só porque é funcionário do SIS, discriminando-o negativamente. Não é a primeira vez que digo isto, já fiz esta queixa neste Plenário, quando foi levantado o caso. Portanto, não é um assunto novo e - repito - o SIS não deve merecer este tipo de acusações.
Faça favor, Sr. Deputado João Amaral.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Narana Coissoró, pedi para interromper não para me envolver na discussão mas apenas para saber se o tal estudante da direcção da Associação Académica era ou não funcionário do SIS.

0 Orador: - Era, sim senhor.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Pergunto, porque isso foi confirmado pelo próprio Director do SIS!

0 Orador: - Era e é, Sr. Deputado. E o que é que tem isso?! Há alguma lei que diga que um estudante não pode ser funcionário do SIS?!

0 Sr. João Amaral (PCP): - Pedi para interpelar, e agradeço a oportunidade, exactamente porque fiquei espantado com a sua pergunta. 0 Sr. Deputado pergunta: "o que é que isso tem?" Não tem nada! De facto, não tem nada, a não ser...

0 Orador: - Nesta Câmara, ele foi acusado de espião e a comunicação social apresentou uma fotografia em que...

0 Sr. João Amaral (PCP): - Não é acusado de espião, Sr. Deputado Narana Coissoró. Ele é um profissional do SIS, que recolhe informações da direcção da associação académica e transmite-as aos serviços. E o Sr. Deputado dá-lhe um louvor por isso.

0 Orador: - Mas quem lhe disse que recolhe? 0 senhor prova?

0 Sr. João Amaral (PCP): - Então, não recolhe?!... Se ele não recolhe, é despedido! É a solução!

0 Orador: - Não foi despedido!

0 Sr. João Amaral (PCP): - Mas é despedido!

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Narana Coissoró, faça favor de concluir.

0 Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Portanto, isto de lançar l~ sobre os estudantes, sobre as pessoas que efectivamente não podem ser discriminadas, é uma coisa que tem de acabar. As críticas, quando as há, têm de ser fundamentadas e não se pode lançar qualquer suspeita sobre pessoas que trabalham para o SIS. Se efectivamente houver provas de que ter havido denúncias, agentes provocadores,- infiltrações, o partido que faz as acusações tem de as provar. Porem, o que não se pode fazer é atirar acusações para o ar, traçar círculos de giz, ou seja não se pode fazer aquilo que eu digo, que é a difamação das pessoas.
Portanto, temos de saber viver com o SIS, porque é um dos serviços fundamentais para a preservação do Estado de Direito em Portugal.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, concluída a apreciação do parecer do Conselho de Fiscalização sobre o funcionamento dos Serviços de Informações relativo a 1991 e 1992, vamos dar início ao debate do relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar sobre a utilização das verbas concedidas, de 1988 a 1989, pelo Fundo Social Europeu e Orçamento do Estado para cursos de formação profissional promovidos pela UGT (Inquérito Parlamentar n.<_ vi.br='vi.br' _3='_3'> Para uma intervenção, não só na qualidade de relator mas ' também em representação do seu grupo parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Martins.

0 Sr. Cardoso Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República, através da sua Resolução n.º 23192, de 21 de Julho, constituiu a Comissão Parlamentar. de Inquérito sobre a utilização de verbas concedidas pelo Fundo Social Europeu e pelo Orçamento do Estado para cursos de formação profissional promovidos pela União Geral de Trabalhadores, nos anos de 1988 e 1989.
0 âmbito da Comissão foi expressamente delimitado pela citada Resolução e o seu funcionamento e duração seguiram o regime jurídico dos inquéritos parlamentares.
Já no decurso do prazo adicional de 30 dias, concedido pelo Plenário, foi elaborado, discutido e votado na Comissão o relatório final bem como o projecto de resolução, em debate na ordem do dia.

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A importância e o interesse da opinião pública pela matéria em averiguação ficou bem patente no acompanhamento feito pela comunicação social das reuniões da Comissão e no relevo atribuído aos seus trabalhos. Aliás, já a documentação, em dois volumes, distribuída na primeira reunião da Comissão era constituída exclusivamente por recortes da imprensa relativos a notícias, entrevistas e "locais" sobre a utilização das verbas do Fundo Social Europeu.
A atenção, predominantemente crítica, da comunicação social sobre a utilização dos apoios do FSE criou algumas falsas expectativas quanto ao relatório final da Comissão, sobretudo por não se ter em conta que os inquéritos parlamentares têm por função vigiar o cumprimento da Constituição e das leis e a fiscalização das acções do Governo e da Administração, embora possam ter por objecto qualquer matéria de interesse público relevante para o exercício das atribuições da Assembleia da República.
É evidente que, neste quadro, não cabia à Comissão de Inquérito proceder à investigação penal ou formular juízos quanto a irregularidades individuais ou a factos susceptíveis de procedimento criminal da competência dos tribunais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 relatório foi elaborado por três relatores designados pela Comissão, um do PSD, outro do PS e outro do PCP. Numa análise sucinta, diremos que, de acordo com a finalidade do inquérito, o relatório dá particular relevância ao contexto legal, comunitário nacional, à data dos factos, aos factos em si mesmo e à actuação do serviço da administração pública. Os factos que a Comissão considerou relevantes e que tomou conhecimento ou pela inúmera documentação, remetida sobretudo pelo Governo, ou pelos depoentes ouvidos durante o inquérito são devidamente elencados. A Comissão teve a preocupação de esclarecer as circunstâncias que rodearam a concessão dos apoios para a formação profissional à UGT e, sobretudo, de analisar criticamente a actuação da Administração, quer no processo de candidatura aos fundos, quer no controlo pedagógico e no contabilístico-financeiro subsequentes.
Os parâmetros da averiguação foram dados pela própria resolução e as conclusões confinam-se necessariamente ao objecto da Comissão.
Assim, foi averiguada a natureza, a base legal, os critérios e o montante das verbas concedidas à UGT em 1988 e 1989, concluindo-se que não foi dado à central sindical tratamento diferenciado ou privilegiado e ainda que os apoios foram atribuídos de forma isenta e de acordo com a legislação aplicável. A referência, nas conclusões, ao desajustamento do Regulamento Comunitário do FSE às nossas estruturas nacionais de formação profissional resulta dos depoimentos prestados e da análise à reforma que o Regulamento viria a sofrer em 1989, cujo vector fundamental foi a descentralização e a participação dos Estados membros na gestão do Fundo Social Europeu, por forma a adequá-lo às realidades nacionais.
Ficou claro no inquérito que a legislação portuguesa acompanhou a evolução das nossas estruturas e agentes de formação, sem descurar o objectivo fundamental dos nossos interesses nacionais na captação de apoios essenciais para o nosso desenvolvimento. No contexto europeu, a nossa legislação era tida como uma das mais rigorosas, o que atesta a vontade inequívoca do Governo em garantir a correcta aplicação dos dinheiros públicos.
Em averiguação esteve igualmente o modo como o Ministério do Emprego e Segurança Social e os serviços competentes agiram ao conceder e fiscalizar a utilização dos referidos Fundos.

Face às informações e relatórios carreados para a Comissão e perante os depoimentos prestados, impunha-se a conclusão que quer o DAFSE, quer a Inspecção-Geral de Finanças, quer o Instituto de Emprego e Formação Profissional levaram a cabo verificações, auditorias e controlo técnico-pedagógico sobre as acções de formação. Foi, aliás, através das acções de fiscalização que foram detectadas irregularidades e questionados determinados procedimentos da UGT e das empresas por ela subcontratadas.
No domínio fiscal, essas acções conduziram à liquidação da contribuição industrial de 1988, por parte do ISEFOC instituto criados pela UGT para assegurar a programação e a organização das acções de formação -, e ao acréscimo em montante superior a 56 000 contos da matéria colectável, do mesmo ano e referente ao mesmo instituto.
Mereceu tratamento nas conclusões a organização administrativa deficiente do ISEFOC à data dos factos em inquerito.
Na verdade, ficou provado que a UGT, embora não tenha dificultado o acesso aos dossiers e à documentação pelos serviços de controlo, revelou falta de capacidade de resposta as exigencias de organização técnico-contabilística. A Comissão não vai além disso nas suas conclusões, mas é óbvio que poderão ter residido aí muitas das dúvidas suscitadas pelos serviços da administração e mesmo na opinião pública.
A violação às normas legais, com indícios de prática de crimes, por parte de responsáveis de algumas empresas subcontratadas pela UGT, mereceu da parte da Comissão o tratamento político adequado, consubstanciado pela aprovação, por unanimidade, do projecto de resolução apresentado pelo PSD, no sentido de informar o Governo das conclusões do inquérito e de remeter ao Ministério Público a documentação, as actas e o relatório da Comissão para os efeitos devidos, designadamente no âmbito do procedimento penal. Procedimento penal que é do foro dos tribunais, não cabendo, pois, à Comissão retirar conclusões nessa matéria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dificilmente um relatório parlamentar sobre a matéria em causa poderia suscitar total convergência de opiniões. 0 Partido Socialista, embora dividido quanto à apreciação do relatório, não resistiu à tentação de procurar, já no dia da aprovação do relatório, atacar o Governo. 0 Partido Comunista Português, na sua linha de actuação terá visto na Comissão um campo fértil a retirar dividendos de eventuais reparos à Administração e de censura - quanto mais melhor - à UGT. Da nossa parte, o PSD, demos particular relevo à necessidade de esclarecimento dos factos e circunstâncias que rodearam a concessão e utilização dos dinheiros públicos, a legalidade da actuação da Administração Pública,...
Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não parece!

Sr. João Amaral (PCP): - É normal!

Orador: e especificamente do Governo quanto aos critérios da atribuição dos Fundos e, sobretudo, "separar o trigo do joio", evitando o desprestígio e os anátemas sobre a formação profissional em geral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como tudo na vida, o relatório não é perfeito nem as suas conclusões são apodicticas. Apesar de tudo, o relatório merece, o nosso acordo e o projecto de resolução o nosso total apoio.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, quero informar a Câmara de que, além do relatório que

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anunciei, também estão em apreciação, nos termos do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, os projectos de resolução n." 100/VI, da iniciativa de vários Deputados da Comissão, e 105/VI, do PCP, que, com certeza, já terão na vossa posse, visto já ter sido feita a respectiva distribuição.
Para uma intervenção, não só na qualidade de relator mas também em representação do seu grupo parlamentar, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.

seus competentes serviços. É, pois, natural que se ponha um cuidado acrescido na análise deste problema e que das conclusões das inquirições efectuadas e documentos analisados surja uma ideia nova do funcionamento do DAFSE, tais como a criação de um serviço especializado de apoio técnico-contabilístico de acompanhamento das acções, com vista a credibilizar a conta de saldo a apresentar pelas mesmas entidades.

Quanto à inclusão nas conclusões de factos sobejamento provados, como foi a divergência de tempo entre a percepção, por parte do Governo, das verbas comurtitárias e a sua correspondente entrega aos promotores, os Deputados do PSD não aceitaram que estas evidências fizessem parte das conclusões finais do relatório, não obstante o que aqui se encontra esses factos fazerem sobejamente parte do relato, o qual - o relato apenas - merece a concordância do PS.

Em tudo visionaram os Srs. Deputados do PSD uma crítica, mínima que fosse, ao DAFSE e, num excesso de zelo político-partidário, não permitiram a inclusão de quaisquer sugestões ou críticas que visavam, única e simplesmente, aumentar a eficácia do DAFSE, aliás, em nosso entender, concemente às funções da própria Comissão. Pretenderam, outrossim, lançar sobre algumas entidades que se dedicam à formação profissional as deficiências da própria organi-

0 Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: No decurso da Comissão de Inquérito
constatou-se e ficou provado que a Administração portu
guesa, em especial o DAFSE, não detinha uma estrutura
humana organizativa e técnica capaz de dar resposta às
exigências de qualidade que a aplicação dos fundos co
munitários recomendava.
0 Governo português, após a adesão à Comunidade,
viu-se na posse de elevadas verbas oriundas de fundos
comunitários sem que tivesse uma estratégia concertada
capaz de rentabilizar a aplicação dos mesmos. A necessi
dade da sua aplicação em tempo certo levou a que as en
tidades que geriam o Fundo Social Europeu criassem uma
imagem junto dos empresários de facilidade de utilização
daquelas verbas, sem que esclarecessem as exigências de
diversa ordem, nomeadamente organizativas, no que con-

cerne à sua utilização. zação dos serviços responsáveis.
A prova mais evidente desta desorientação é a aceita- Neste domínio e porque as conclusões do relatório não
ção pacífica da existência de gabinetes privados de orien- garantem a fidelidade ao relato, sendo artificiais em rela
tação na utilização dos fundos sem que o DAFSE exigisse ção a tudo aquilo que se relata, o PS, indo ao encontro do
o mínimo de qualidade e acompanhamento das acções. Este procedimento que já teve na Comissão de Inquérito, vai
estado de coisas levou a que as empresas e as instituições votar desfavoravelmente as conclusões constantes do rela
que se dedicaram à formação profissional se vissem, poste- tório da Comissão de Inquérito, que estamos a analisar.
riormente, confrontadas com algumas situações menos re-

gulares, decorrentes da exigência do cumprimento de nor
mas sobre as quais nunca lhes havia sido feito qualquer
esclarecimento.
Por outro lado, o modelo de financiamento das acções
de formação profissional mostrou-se inadequado às reali
dades financeiras exigidas com as mesmas acções, constitu
indo, na prática, um desnorte que conduzia necessariamen
te à inevitável falência de quem se dedicava às acções de
formação profissional.
Em vez de um acompanhamento técnico-contabilístico e
financeiro aos promotores das acções, o DAFSE limitava
se, e limita-se, a analisar um dossier de candidatura, numa
fase inicial, e um dossier de saldo, numa fase final, sem ter
qualquer tipo de preocupação durante a fase de execução
das acções.
Constatou-se e provou-se que houve lapso de tempo,
injustificado, entre o recebimento dos dinheiros comunitá
rios e a sua entrega aos promotores das acções de forma
ção, factos que obrigaram ao recurso ao crédito bancário
para saldar os seus compromissos financeiros para com as

aquisições e os custos das acções. 0 mecanismo encontra
va-se, e encontra-se, viciado, sendo ele mesmo o aliciante,
de algum modo o justificativo, para a criação de alguns
artificialismos, de duvidosa intencionalidade, com vista a
incorporar nos cursos das acções de formação os custos

financeiros suportados pelas aludidas entidades.
A formação profissional dos trabalhadores portugueses
foi, e será, um dos grandes objectivos das ajudas comuni
tárias; delas beneficia o Governo, como gestor da socieda
de, e as empresas, como receptoras de mão-de-obra com
elevado grau de especialização. Daí, numa primeira fase,
a vocação para a formação profissional caber, genuinamen
te, nas acções a desenvolver pelo Governo, através dos

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presideiite (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Cardoso Martins, pede a palavra para que efeito?

0 Sr. Cardoso Martins (PSD): - Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Cardoso Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Domingues Azevedo, em primeiro lugar, como é que considera que o Governo não tinha qualquer estratégia no domínio da formação profissional quando, por outro lado, é reconhecido unanimemente que o quadro legislativo nacional, que tinha por referência o regulamento do FSE, se revelou adequado, pelo menos, à captação das verbas disponíveis por parte do FSE para a formação profissional dos trabalhadores portugueses?

Em segundo lugar, como é que V. Ex.& compatibiliza a sua posição com as próprias declarações dos dirigentes da UGT, que consideram globalmente positivo o saldo das acções de formação profissional, em geral e durante esse período, em termos nacionais?

Finalmente, refere V. Ex.ª que não constam das conclusões quaisquer críticas aos serviços da administração. É evidente que o que não se dá é relevo a determinadas críticas que foram retiradas das declarações dos depoentes, designadamente uma, em concreto, que foi referida pelo Sr. Deputado e que é a de o DAFSE não estar devidamente adequado, em termos de pessoal e de estrutura, para dar respostas às solicitações dos formadores. Ora bem, apenas

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um em 15 depoentes se pronunciou em relação a essa matéria. Portanto; considera que deveria constar como conclusão apenas unia afirmação isolada de um dos depoentes?

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.

0 Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cardoso Martins, vou começar por responder à sua última questão. Foi unânime a inclusão deste pormenor no relatório mas V. Ex.- retiraram-no das conclusões, à revelia do próprio PS. Na verdade, este pormenor estava lá, nas conclusões. Por isso, não há aqui nenhuma contradição da nossa parte.
Referiu V. Ex.ª que existia uma estratégia e um quadro legal de funcionamento e que isso é reconhecido. Sr. Deputado Cardoso Martins, vou confrontá-lo com algumas situações. Quando lidamos com a Administração Pública, temos de a conceber como tendo um funcionamento, no mínimo, seguro e como uma pessoa de bem com a qual estamos a tratar, ou seja, tem de haver garantia da decisão e credibilidade na própria decisão. Ora, como é que o Sr. Deputado Cardoso Martins pode fazer uma afirmação dessas se entre três despachos exarados pelo DAFSE em relação às acções de formação promovidas pela UGT existe uma diferença de 396 mil contos? Como é que V. Ex., explica isto?
Há um primeiro despacho do DAFSE que solicita à UGT que devolva, daquilo que já recebeu, 96 mil contos, relativos ainda à conta de pré-financiamento das acções, e, por fim, o último despacho do Director do DAFSE concede à UGT uma importância cuja diferença entre o despacho inicial e o último é de 396 mil contos. Sr. Deputado, considera que há um quadro legal transparente, um modo de funcionamento inequívoco, com estes pormenores? Então, pergunto-lhe: que funcionários, que serviços temos nós, que se enganam na análise destes processos em 396 mil contos?! Entende V. Ex.ª que os particulares têm de estar sujeitos a estes erros?
V. Ex.ª pergunta-me também como é que concilio a posição do PS e a da UGT, que considera haver um saldo globalmente positivo nas acções de formação profissional. 0 Sr. Deputado não deve ter ouvido a minha intervenção, porque quer a UGT quer outras associações, entidades ou empresas que se têm, até hoje, dedicado às acções de formação profissional têm, neste domínio, executado acções de substituição de funções que genuinamente competiriam ao próprio Estado, ao próprio Governo, porque é do seu interesse a ministração de formação. E estas entidades, quer sejam empresas, quer sejam instituições, independentemente de a quem se dedicam, merecem, no final deste processo, um voto de louvor.
Aliás, no decorrer da própria Comissão nunca foi posta em dúvida a qualidade da formação prestada pela UGT, nem eu a ponho em dúvida. A UGT, neste processo, em minha opinião, foi sobejamente maltratada, quer em conclusões apressadamente elaboradas por instituições que, neste país, gozam de credibilidade, quer por decisões apressadas e depois confirmadas pela contradição dos diversos despachos do Sr. Director-Geral do DAFSE, numa diferença nominal, como já referi, de 396 mil contos.
Assim, não há nenhuma contradição em relação à avaliação que o PS faz das acções de formação promovidas pela UGT. Penso até que o País deve muito à UGT e a outras entidades congéneres que se têm dedicado às acções de formação profissional, não só devido ao mecanismo mal
concebido de financiamento destas acções, que é um mecanismo ele mesmo já viciado e que conduz, necessariamente, à impossibilidade da sua ministração - repare, que só muito recentemente este mecanismo foi alterado - porque levava as empresas a terem custos que não estavam previstos no início das acções de formação, como seja o crédito nos mercados financeiros, recurso esse que se devia, em parte, ao excessivo tempo que o DAHE demorava no pagamento da conta de saldo e também às divergências de tempo, que ficaram provadas por documentos fornecidos pelo próprio DAFSE e que V. Ex.ª não referiu, dado que o DAFSE recebeu as verbas em Junho de um determinado ano e as entregou apenas três meses depois e repare que elas já eram do DAFSE mas, sim, dos promotores das acções de formação!
Se o Sr. Deputado integra isto num quadro transparente e juridicamente seguro do funcionamento das acções de formação, perdoar-me-á mas não é esse o meu conceito de transparência e de segurança de um quadro de funcionamento.
Ainda quanto ao quadro jurídico, o Sr. Deputado sabe que muito pouca divulgação foi feita acerca do modo de funcionamento das acções de formação. De facto, o que constatamos é que o Governo português se viu, de um momento para o outro, a braços com milhões de contos sem saber o que havia de fazer com eles! E começou a dizer às pessoas: "gastem, gastem de qualquer maneira!" Depois, veio pedir responsabilidades às pessoas!

0 Sr. Arménio Santos (PSD): - Só falta fazerem um inquérito ao Governo!

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra a Sr., Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um dia destes, para que bem utilizemos a língua portuguesa, teremos de crismar as comissões de inquérito, alterando-lhes o nome.
De facto, a contumaz persistência dos Deputados da maioria vem transformando aquelas comissões em verdadeiras "comissões de branqueamento". Alguém necessita de salvar a face perante acusações que lhe são feitas? Esse alguém colhe o beneplácito régio da maioria? Tem o caminho aberto: solicita que a Assembleia da República faça um inquérito e, sob a mira da comunicação social, sairá branqueado, sem que se tenha de incomodar muito!
A Comissão de Inquérito sobre a utilização das verbas concedidas de 1988 a 1989 pelo Fundo Social Europeu e Orçamento de Estado tinha por objectivo fundamental averiguar a actuação do Ministério do Emprego e Segurança Social, principalmente o DAFSE, relativamente à concessão e utilização das verbas, e também o comportamento da Administração Fiscal perante a UGT quanto, à utilização daqueles fundos. Não estava nem está em causa qualquer inquérito à UGT ou ao instituto por esta criado, o ISEFOC, para o desenvolvimento de actividades de formação profissional.
A Comissão contou com elementos riquíssimos para produzir um trabalho muito diferente daquele que hoje apreciamos em Plenário, que se caracteriza, nomeadamente nas conclusões, por uma extrema pobreza. Contou, desde logo, com um importante relatório da Inspecção-Geral de Finanças e, no decurso do processo - aliás, no desenvolvimento de um requerimento que eu apresentei - pôde contar com o relatório de uma sindicância ao DAESE, ordenada em Janeiro de 1988 pelo Sr. Ministro do Emprego e Segurança Social, depois de ouvido o Sr. Procurador-Geral da Repú-

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blica, relatório que fora negado à Comissão anteriormente constituída no âmbito do Inquérito Parlamentar do n.º 4/VI.
Quer o relatório da IGF, quer o relatório da sindicância, forneceram elementos eloquentes que comprovam que o DAFSE - dirigido por quem, a partir de fins de 1987, passou a dirigir a formação profissional ria UGT/ISEFOC - favoreceu e fomentou o enriquecimento de empresas privadas, como a Consulta e a Partex, à custa dos dinheiros destinados à formação profissional Em 31 de Março de 1989, já na posse de um relatório intercalar da sindicância, o Sr. Ministro do Emprego e Segurança Social tinha na sua mão provas de que os dinheiros da fôrmação profissional eram malbaratados.
Na verdade, dos documentos atrás referidos e dos testemunhos ouvidos, provou-se que o DAFSE não fornecia informações aos candidatos a subsídios; que os candídatos não tinham outro remédio, pois para isso eram empurrados, senão socorrer-se das tais empresas privadas que, beneficiando da sua situação privilegiada junto do DAFSE, auferiam chorudos lucros como meros intermediários.
Provou-se que gabinetes como a Consulta e a Partex, que detinham aquela posição privilegiada ainda quando foram apresentadas candidaturas para 1988 (um dos anos abrangidos pelo inquérito), obtinham do então Director-Geral do DAFSE, hoje assessor da UGT/ISEFOC, folhas oficiais de registo de entrada de candidaturas para que registassem os seus próprios dossiers quando lhes aprouvesse.
Provou-se que aqueles gabinetes beneficiaram do privilégio de ser incluídos nos candidatos aos subsídios do FSE, conforme regras definidas em 1986 pelo então Ministro do Trabalho e Segurança Social.
Provaram-se ligações estreitas entre os funcionários do DAFSE e as empresas Consulta, Partex, e entre outras empresas como a Racioconta e a Parageste, a Depron, empresas envolvidas nos dossiers da UGT.
Provou-se, e o relatório de sindicância refere-o, que foram apresentados a Bruxelas projectos desmesurados face às capacidades concretas de realização, o que correspondia a um desiderato do Sr. Ministro do Emprego.
Provou-se que, em negociação directa com o Sr. Ministro do Emprego, a UGT apresentou um dossier agrupado em 1988, com aplicação de fundos de valor extraordinário, 8 milhões de contos, por forma a que a UGT tivesse prioridade na concessão de subsídios, dossier que veio depois a sofrer grandes cortes por falta de capacidade de realização.
Do relatório da Inspecção-Geral de Finanças ressalta que, sem a adequada fiscalização por parte do Ministério do Emprego, a UGT/ISEFOC empolou os custos da formação profissional através dè uma cadeia quase infindável de subcontratações, onde surgem empresas e instituições que nada fizeram e se limitaram a apresentar facturas para justificar despesas que não foram feitas. Assim aconteceu, por exemplo, com o Movimento de Regionalização do Algarve, que arrecadou 7 550 contos, com a Parageste, empresa ligada à Consulta, que, sendo subcontratada pelo ISEFOC, nada fez senão subcontratar serviços de outras firmas, como a Henriques & Madeira, da qual é sócio o sócio-gerente da
Parageste, e, nada tendo feito, arrecadou um lucro de mais de 5 milhões de escudos.
Assim aconteceu também com a Racioconta, cujo sócio gerente colaborou em vários dossiers com a Partex, que, subcontratada pelo ISEFOC, nada fez senão subcontratar os serviços a que se comprometera (e tê-lo-á feito, de facto?) noutra empresa cujo nome o sócio-gerente da Racioconta, subitamente atacado de amnésia, diz não se recordar.
0 ISEFOC, dispondo- segundo um documento entregue pelo Sr. Engenheiro Veludo,, desse mesmo instituto - de um importante parque de equipamento informático, vai, no entanto, alugar à Simpar equipamento informático (a Simpar é uma empresa ligada à UM), pagando a UGT uma verba de 24 mil contos pelo aluguer de material informático à Simpar que, por sua vez, o tinha alugado à firma Selo.
A Progesi, subcontratada para a realização de um curso, não o faz e subcontrata a realização do mesmo à Fotocarácter, arrecadando, sem nada ter feito, um lucro de 440 000 contos.
Empresas como a EPTEC, a Henriques & Madeira e a Eurequipa, registaram lucros, respectivamente, de 292,66 %, 158,57 % e 109,4 %, quando é certo - e está provado nos autos - que existe uma norma comunitária que diz que, na utilização destes dinheiros públicos, nas subcontratações, não se deve ultrapassar uma margem de lucro de 50 %.
Provou-se que, das contas que o ISEFOC apresentou à UGT, resultaram para aquele um lucro de 23 000 contos, quantia, por sinal, idêntica à que foi dispendida pelo ISEFOC com o Congresso da UGT.
De facto, o ISEFOC, nos saldos dos dossiers de formação profissional, apresentou custos com o Congresso - e isto é dito no relatório da Inspecção-Geral das Finanças -, com deslocações de dirigentes da central sindical, com a execução de material como boletins de voto de determinada associação sindical e com a execução de cartões de delegado e convidado executados pela firma Grafiespaço.
Provou-se o envolvimento da firma Consulta, do Sr. Melro Félix, a contas com um processo-crime no dossier agrupado apresentado pela UGT em 1988.
Na verdade, embora se tivesse retirado formalmente a Consulta do dossier (para o que, seguramente, o processo-crime em curso terá influenciado), era na Consulta que, surpreendentemente, estavam arquivados todos os dossiers de saldo da candidatura agrupada e foi aí que um dirigente da UGT foi buscá-los em finais de 1989.

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr.ª Deputada, queira terminar.

A Oradora: - Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente.
Pena foi que, pedida a localização do Sr. Melo Félix ao Ministério da Justiça, esta entidade demorasse um mês a responder. E porque a maioria PSD recusou a suspensão dos trabalhos da Comissão, por mim requerida, para que fosse possível ainda esclarecer o envolvimento da Consulta, a Comissão ficou impossibilitada de o ouvir.
Provou-se que não havia fiscalização adequada das acções de formação profissional, nem mesmo pela própria UGT em relação às subcontratadas, porque, no dizer do Sr. Engenheiro Veludo, não tinham que fazer essa fiscalização, bastando-lhe que essas empresas não ultrapassassem a verba disponível, quando é certo que quem subcontrata é responsável pelos trabalhos da subcontratada!
Provou-se, finalmente, que a administração fiscal beneficiou o ISEFOC. Na verdade, sendo a decisão do processo de reclamação graciosa do acto de liquidação da contribuição industrial da competência do Director Distrital de Finanças, a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos avocou o processo para dar um parecer favorável ao ISEFOC, tentando impor a solução ao Director de Finanças através do vínculo hierárquico.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por todas estas razões que sinteticamente apontei, não podia, apesar de ter sido nomeada relatora e de ter trabalhado para isso, subscrever o relatório que hoje é discutido.

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I SÉRIE - NÚMERO 54
Sr. Arménio Santos (PSD): - Então, Sr. Presidente, o tempo já vai longo!...

0 Sr. Rui Carp (PSD): - A Sr.ª Deputada já não tem tempo!

A Oradora: - Relatórios como este não dignificam as comissões de inquérito nem a Assembleia e, ao invés do que se possa pensar, também ninguém sai branqueado, muito menos o Governo!

Aplausos do PCP.

0 ,Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Aos Srs. Deputados que protestaram devo dizer que a Sr.ª Deputada Odete Santos não ultrapassou o seu tempo. Antes pelo contrário, podia ainda utilizar 1,3 minutos, na medida em que, embora não tenha subscrito o relatório, foi nomeada relatora e, como tal, para além do tempo de que dispunha, tinha ainda 5 minutos.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Essa é uma interpretação muito curiosa!

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Martins.

0 Sr. Cardoso Marfim (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, V. Ex.ª referiu-o, em resumo, e penso que foram mesmo apreciadas como tal no âmbito da Comissão, a irregularidades e a indícios de crimes perpetrados por responsáveis de algumas empresas subcontratadas, que referiu.
Sr.ª Deputada, não considera que a apreciação e o julgamento sobre essa matéria compete exclusivamente aos tribunais? Não será uma atitude correcta, do ponto de vista político, não será esse o tratamento que devem merecer esses factos no seio da comissão, ou seja, a sua remessa, como propôs o PSD, ao Ministério Público para o devido procedimento penal, no caso de ainda não ter sido iniciado, ou para dar um contributo positivo no sentido de proporcionar elementos novos à investigação penal que todos concluímos que já estava em curso?
Penso, Sr.ª Deputada, ao constarem como conclusões os factos que referiu, alguns deles de difícil prova, que isso não seria tão concludente como V. Ex.ª pretendeu ao dá-los de imediato como provados.
Finalmente, como não podia deixar de ser, devolvemos a tese de branqueamento, seja de que situações for, no âmbito desta ou de outras comissões de inquérito, pois, pelo contrário, o PSD quis dar um contributo positivo não só para o esclarecimento de uma matéria tão sensível à opinião pública mas, sobretudo, para evitar que se lancem anátemas sobre a formação profissional em geral quando existe este ou aquele caso perfeitamente localizado de algumas empresas, e já em investigação, que violaram não só a lei como também cometeram graves ilegalidades.
Devolvemos, portanto, essa acusação, que é manifestamente injusta e injustificada, pois, a raciocinamos assim, mal iria esta instituição tão recente dos inquéritos parlamentares.
Não foi essa a nossa posição no âmbito desta Comissão e não será nas que vierem a ser criadas para o efeito.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.

0 Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, compreendo o esforço desenvolvido pela Sr.ª Deputada no sentido de, de algum modo, criar uma atmosfera de onde apenas saiam afirmações e nada se prove.
Arrolou a Sr.ª Deputada os factos em que assentou a sua afirmação para depois, como já foi dito pelo Sr. Deputado Cardoso Martins, concluir - de algum modo, em minha opinião, com muita infelicidade - dizendo que a Comissão serviu para branquear o que quer que fosse.
No que diz respeito aos Deputados do Partido Socialista, não temos de branquear nada. A nossa, cor é uma cor fixa e o que tratamos tem também essa natureza de fixidez.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - 0 que fizeram ao Casaca?

0 Orador: - Está com a mesma cor!
Não tivemos pois, a preocupação de branquear o que quer que fosse, pelo que essa sua acusação não serve.
Mas vamos aos factos em que toda a sua afirmação assenta.
No que toca à espiral de custos, isso foi suficientemente provado ao nível da Comissão e acompanhado com uma série de pareceres de juristas eminentes deste país, que nem a Sr.ª Deputada, também jurista, contestou.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Por que escorraçaram os Srs. Deputados José Paulo Casaca e Menezes Ferreira?

0 Orador: - 0 Sr. Deputado Silva Marques está preocupado com isso, mas depois far-lhe-emos o desenho.
Outro dos aspectos em que assentou a argumentação da Sr.ª Deputada foi o dos supostos custos-fantasmas, o que é grave, desde logo por ter alguma actualidade. Além disso, sabe a Sr.ª Deputada que, no âmbito da comissão de inquérito, a única situação que poderia indiciar a existência de custos-fantasmas respeitava a uma empresa, tendo sido declarado pelo Sr. Secretário-Geral da UGT, na Comissão, que, não obstante a UGT ter pago a essa empresa a importância que lhe foi facturada, se indiciava que efectivamente não houve a contraprestação na formação profissional e que, em consequência, a UGT pôs essa empresa em tribunal.
Quanto aos restantes custos-fantasmas que V. Ex.ª advogou, eles são de muito duvidosa credibilidade.
A Sr.ª Deputada não tem qualquer razão - ficou mais do que provado - quando diz que o ISEFOC foi beneficiado pela administração fiscal. É um princípio do funcionamento da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos que uma entidade superior tem sempre poder de decisão em relação a uma entidade inferior. Ao assentar a sua acusação dizendo que, nos termos do Código do Processo Tributário, a competência, prevista na lei, era específica do director distrital e foi avocada pelo director-geral, aconselhá-la-ia a ler a Lei Orgânica da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Domingues Azevedo, peço-lhe, em relação à questão do branqueamento, que esteja com atenção aos anúncios da televisão, porque há detergentes que fixam a cor. Por isso, o facto de ter a cor fixa não quer dízer nada.
Só que o Sr. Deputado enfiou a carapuça, mas enfiou-a mal. Quando falei do branqueamento, dirigi essa acusação

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aos Deputados do PSD, porque na comissão de inquérito em apreço, como em quase todas as outras (escapou uma, não sei, porquê), a preocupação desses Deputados é branquear, branquear, branquear. Atente-se no que se passou, por exemplo, na última comissão de inquérito relativa ao Fundo Social Europeu.
Essa acusação não se dirigia, pois, à sua bancada, mas à do PSD. Não percebo, a este respeito, como pode o Sr. Deputado Cardoso Martins falar em devolver a acusação. Nós, PCP, somos acusados de branquear alguém nas comissões de inquérito? Parece-me que não!

0 Sr. Arménio Santos (PSD): - Os interesses que defendem não sei!...

0 Sr. Cardoso Martins (PSD): - São inconfessáveis!

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - pelos vistos, estão a defender interesses!

A Oradora: - Sim, é isso que confessam: que estão a defender interesses!
Efectivamente, as comissões de inquérito não se substituem aos tribunais, mas fazem avaliações políticas. A avaliação política de toda esta actuação dos serviços do DAFSE sobre a utilização dos fundos da formação profissional está feita no relatório da sindicância que o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social ordenou em 1988, mas que se reporta a anos atrasados e também ao de 1988. Está feita, e muito bem feita!
Aliás, não disse aqui nada que não constasse desse relatório. Onde é que se viu, num Estado de direito democrático, arrancarem-se as folhas de um livro oficial, dá-las a um Sr. Dr. Fulano de Tal, gerente de uma empresa privada, e dizer: "leva estas folhas para casa, para preencheres os dossiers, quando quiseres e como te apetecer". E isso está no relatório da sindicância e está lá que houve um empolamento!

0 Sr. Cardoso Martins (PSD): - E refere-se a que ano?

A Oradora: - Ao ano de 1988. Está lá expresso, Sr. Deputado! V. Ex.ª não quis ver esse parágrafo, mas está lá e isto diz tudo sobre o funcionamento de um departamento que funcionava como um bunker e que se destinou a facilitar que empresas como a Consulta e a Partex embolsassem milhares e milhares de contos.

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr.ª Deputada, queira concluir.

A Oradora: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Domingues Azevedo, tudo o que aqui disse foi tirado do relatório da Inspecção-Geral de Finanças. Já sei que V. Ex.ª não concorda com esse relatório, como nunca concordou ....

0 Sr. Domingues Azevedo (PS): - Nalgumas partes!

A Oradora: - ... mas a mim parece-me um relatório exemplar de, rigor e honestidade, pois foi tirado de depoimentos de testemunhas, muito embora ao Sr. Deputado tenha apenas servido uma.
Por fim, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que V. Ex., até nem leu o despacho do Sr. Director Distrital de Finanças em que este se rebela contra a avocação do processo, feita pelo Director-Geral das Contribuições e Impostos, e em que diz que é ele e só ele que tem a competência para essa avocação. E, se quer, até lhe digo para ler o Código do Processo Tributário!
Aliás, esta situação é como se um desembargador de um Tribunal da Relação tivesse um amigo com um processo num tribunal de comarca e dissesse ao juiz desse processo que lho enviasse para dar um parecer. Seguidamente, dá um parecer favorável ao amigo e determina que o juiz decida de acordo com ele! Foi isto o que se passou e pergunto se não o escandaliza, Sr. Deputado Domingues Azevedo!

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já temos manifestado a nossa opinião sobre o modo como muitas vezes se desenrolam os inquéritos nesta Câmara e até temos tido uma preocupação especial sobre o seu funcionamento e a sua dignificação, dado não sermos, de modo nenhum, partidários da selectividade das conclusões, sobretudo numa matéria como esta.
A oposição tem criticado a utilização dos fundos comunitários, às vezes com mais razão e outras com menos, mas se há algum domínio onde a oposição está tranquila em matéria de críticas ao quadro legal da aplicação interna de fundos, ao funcionamento dos actos de atribuição e ao funcionamento da fiscalização é no da aplicação das verbas e dos fundos que estão aqui em causa.
Nesse domínio, por muito que digam os responsáveis comunitários quando querem fazer esse obséquio ao Governo português e isso só dá a medida do valor dessas declarações dos altos responsáveis comunitários, por muito que louvem a correcção da aplicação dos fundos, a verdade é que no curto espaço de alguns anos assistimos ao caos que foi a utilização do Fundo Social Europeu, assistimos à derrocada de inúmeros funcionários públicos de alto nível, à derrocada de políticos e à generalização de processos de investigação, de inquéritos que não mais acabam.
Neste domínio, neste quadro da selectividade das conclusões, não somos, portanto, partidários do amaciar das averiguações e das conclusões que elas permitem tirar, seja quem for que esteja em causa e mesmo tendo em atenção que este não podia ser um inquérito - como diz o cabeçalho - sobre a utilização das verbas mas, sim, um inquérito sobre os actos de atribuição e o modo como se procedeu à fiscalização. Desde cedo advertimos que era isso que estava em causa!
Quanto às conclusões, o que se justifica especialmente é fazer um julgamento severo sobre os responsáveis do Governo e os funcionários que dirigiram estes departamentos do Estado.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Esse é que é o problema!

0 Orador: - Sabemos que a utilização desses fundos se processou num quadro de desperdício, de irresponsabilidade, de falta de credibilidade e de corrupção.
Em relação a essa matéria, concordamos que são importantes algumas das declarações da Sr.ª Deputada Odete Santos. Situamo-nos, pois, algures entre o discurso brando e o discurso da Sr.ª Deputada sobre este caso.

0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate.

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A votação dos projectos de resolução n.º 100 e 105/VI e o projecto de deliberação n.º IZIVI será feita na próxima quinta-feira.
A nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, quinta-feira, pelas 15 horas, com período de antes da ordem do dia e tendo como ordem do dia a discussão conjunta dos projectos de lei n.º 157/VI - Garante aos jovens menores o livre exercício do direito de associação (PCP) e 323/VI - Exercício do direito de associação de cidadãos menores (PSD), bem como a discussão dos projectos de lei n.ºs 310/VI - Cria o provedor dos direitos e interesses dos idosos (PS) e 392/VI - Alteração à Lei n.º 71/93, de 26 de Novembro (Orçamento Suplementar ao Orçamento do Estado para 1993) (CDS-PP).
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Intervenção enviada à Mesa, para publicação, relativa ao debate de urgência, ao abrigo do
artigo 77.º do Regimento e a pedido do PS, sobre a situação no Vale do Ave

Sr. Presidente, Srs. Deputados: No uso da figura regimental do debate de urgência, debruçarmo-nos hoje sobre a crise no Vale do Ave. Sem retirar importância ao debate, certamente concluiremos que apenas uma hora não é tempo suficiente para tão grave problema.
No entanto, se o debate permitir sensibilizar da importância para a Região e o País dos problemas económicos e sociais que afligem o Vale do Ave, então o debate valeu a pena.
0 Grupo Parlamentar do PCP considera que se deve ir mais longe e complementar o debate. Propomos, assim, que seja criada uma estrutura parlamentar constituída por Deputados de diversas comissões especializadas que se embrenhe na região, avalie e analise a actual situação e proponha as medidas necessárias e suficientes para o desenvolvimento integrado da Bacia do Ave.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em toda a região, existem problemas de natureza diversa e todos eles muito complexos.
A consciência de que se vive uma crise profunda no Vale do Ave está cada vez mais enraizada.
Os sindicatos têm tido um papel muito importante na avaliação e denúncia da situação, mas também na apresentação de propostas para a saída da crise. Os oito municípios da área formaram a Associação de Municípios do Vale do Ave - AMAVE - e apresentaram, em Junho de 1993, um Plano Estratégico. A comunicação social regional e nacional vem produzindo diversas peças que são também contributos valiosos.
Prova ainda desta crescente consciência da magnitude e relevância dos problemas é o facto de os três maiores grupos parlamentares - PCP, PS e PSD com um Deputado do CDS-PP - terem realizado no passado mês de Fevereiro iniciativas sobre o Vale do Ave.
No caso do Grupo Parlamentar do PCP, e como é do conhecimento de todos, realizámos no distrito de Braga, nos dias 21 e 22 de Fevereiro, as nossas jornadas parlamentares, efectuámos visitas a diversas instituições e estruturas representativas da vida económica, social e cultural e uma audição pública sobre a situação económica e social do distrito.
Também no dia 14 de Março, e por iniciativa da União dos Sindicatos do Distrito de Braga, Deputados comunistas, do PS, de Os Verdes e UDP tiveram a possibilidade
de ouvir trabalhadores, visitar empresas e constatar os reais problemas da região. 0 PSD recusou-se a estar presente, perdendo uma outra e importante realidade - o quotidiano difícil e a luta dos trabalhadores.
Os Deputados comunistas nos três dias que permaneceram no distrito de Braga e no Vale do Ave, em particular, dialogavam com as forças vivas - com os sindicatos, os empresários e os trabalhadores, com as autarquias, as populações e os ambientalistas, com os comerciantes, os agricultores e os estudantes e professores.
Não ficámos pela opinião de uma das partes. Aprofundámos o conhecimento da região real, que confirma a gravidade da situação económica e social com particular relevo para o sector têxtil. No plano social, são já mais de duzentas empresas encerradas, são mais de 10 000 trabalhadores com salários em atraso é a manutenção e agravamento do trabalho infantil.
Os trabalhadores despedidos a receberem subsídios da segurança social ultrapassam os 15 000, a que se juntam mais 20 000 pessoas à procura do primeiro emprego.
Preocupante é também o número de trabalhadores que já não beneficiam de subsídios e não conseguem novo emprego. Situação esta que atinge, sobretudo, as mulheres com mais de 40 anos de idade, cuja reintegração no mercado de trabalho é considerado extremamente difícil.
A acompanhar o aumento do número de desempregados, as dívidas à segurança social, que, em Janeiro de 1993, totalizavam cerca de 30 milhões de contos, subiram para 33 milhões de contos em Março do mesmo ano e atingiam em Fevereiro de 1994 os 40 milhões de contos.
Nas salas dos tribunais passou a ser rotina a presença de assembleias de credores, aguardando a decisão dos processos de recuperação de empresas. Presentemente são cerca de 12 000 os postos de trabalho dependentes de decisão judicial. Se tivermos em conta, pela prática corrente, que só metade das empresas em processos de falência são viabilizadas e que os processos de recuperação tem passado por despedimentos, conclui-se que grande parte daqueles 12000 postos de trabalho estão também condenados. -
Podem os Srs. Deputados do PSD e o Governo falarem da meia dúzia de empresas que visitaram e que, felizmente, vão bem - da Coelima e da Lameirinho (em Guimarães), da Vieira de Castro e Filhos, da têxtil Manuel Gonçalves e da Continental-Mabor (em Vila Nova de Famalicão), da Maconde (em Vila do Conde). Podem mesmo, para se tornar credível a "mensagem", falarem daquelas outras três empresas, menos bem ou com dificuldades, como a Sociedade Têxtil A Flor do Campo (em Santo Tirso), a Sociedade Têxtil da Cuca (em Caldas de Vizena) ou o Grupo Somelos (em Guimarães).
A realidade, Srs. Deputados, é bem diferente. A região está mais pobre, a sua estrutura produtiva mais enfraquecida, os trabalhadores e a maioria do povo vivem hoje pior, há mais desemprego, subemprego, salário em atraso e trabalho infantil, degradam-se claramente os padrões e a qualidade de vida.
Podemos dar-lhes o que se passou e o que se passa nos vários sectores de actividade e em, pelo menos, 200 empresas do distrito de Braga e da Região do Vale do Ave.
No sector da têxtil, vestuário e calçado, as situações de muitas empresas com salários em atraso, ou despedimentos, ou suspensão da laboração, ou encerradas, ou com falência decretada, ou em grandes dificuldades.
São exemplo no concelho de Guimarães os casos da têxtil Lopes Correia, da Varela Pinto, da Freitas e Almeida, da Flor de Vizela, da Fábrica de Vila Pouca, da Fian-

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deira do Lordelo, da Vibratex, da Baganheira, da Fifitex, da Rasil, da EIP- Pevidem, da Leite e Barreira, da Filadélfia, da Calqui, da Ficol, da Decamolhes, da Sedas Vizela, da Progresso Covas, da Garça Real, da Barna Portuguesa, da Xavi, da Sisalex, da Luzcor, da Passacava, da Rofélilu, da Vimaranis, da Moreirense, da Tarf, da Guima, da Fábrica do Cavalinho, podendo ainda mencionar mais 47 empresas.
No concelho de Famalicão, e ainda do sector têxtil, dispomos do exemplo de mais 29 empresas e do concelho de Fafe de mais de 22 empresas.
Outras empresas e outros sectores?
Por exemplo, no sector eléctrico e electrónico:
A empresa Roedstein (em Famalicão) reduziu os postos de trabalho, recorre a milhares de horas extraordinárias e mantém mais de 50 % dos trabalhadores em situação de contratados a prazo;
A empresa Kromberg e Schubert (em Guimarães) tem cerca de 75 % dos trabalhadores em contratos a prazo, dos quais mais de 80 % são mulheres vítimas de discriminação salarial e profissional;
0 complexo Grundig-Blaupunkt (em Braga). Uma das empresas a BPPO, cerca de 90 % dos trabalhadores são contratados a prazo. A Grundig que recorre sucessivamente a trabalhadores contratados a termo, despede-os no prazo estipulado no contrato para, no dia seguinte, celebrar novos contratos com os mesmos trabalhadores, ao mesmo tempo que mantém um processo de despedimento colectivo de contornos "poucos claros". Despedimento esse que, por exemplo, integra representantes dos trabalhadores e uma trabalhadora vítima de acidente de trabalho ocorrido em 1991, que a obrigou a baixa médica prolongada e a intervenção cirúrgica, invocando a empresa como motivo para o despedimento o "elevado absentismo ao trabalho" precisamente após o acidente.
No sector metalúrgico e metalomecânico a situação não é melhor:
0 Grupo Pachando é exemplar;
As empresas António Peixoto - Pachando e a FPS - Fábrica Portuguesa de Segmentos estão com processos de recuperação em tribunal e os trabalhadores com prestações em atraso;
As Oficinas Metalúrgicas Peixoto, com concordata de viabilização, tem dezenas de trabalhadores com o contrato suspenso e continuam por pagar os salários de Outubro e Novembro e os subsídios de férias e Natal de 1991;
A empresa de Metais Prumo deve aos trabalhadores subsídios referentes a 1991 e salários de meses de 1992;
A Heiririch Fluck tem todos os trabalhadores com o contrato suspenso e continuam sem receber os salários de Dezembro de 1992 e Janeiro de 1993;
Na Onça- Produto Metalúrgicos assiste-se à redução continuada dos postos de trabalho. A Adérito Guimarães foi declarada falida. A Empresa Técnica de Torneira está reduzida a 10 trabalhadores e a CEIA - Centro de Equipamentos Industriais e Agrícolas a 8 trabalhadores;
Na Sorotos Metalúrgicos estão em causa os 160 postos
de trabalho. ?
Certamente os Srs. Deputados estão cansados ou incomodados. Para terminar apenas mais dois exemplos:
A Sociedade Industrial do Vouga - Fábrica de Moagens (em Barcelos) que foi comprada pela Soprogal que é uma participada da Sapropor que, por sua vez, é a "holding" do grupo norte-americano Conagra, está a proceder ao despedimento colectivo dos eus 108 trabalhadores.
Os matadouros públicos de Barcelos, Braga, Cabeceiras de Basto e Fafe estão em processo de encerramento e os seus 160 trabalhadores preocupados com o futuro incerto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Outros, muitos outros exemplos poderiam ser dados mas para não "maçar" mais os Srs. Deputados e com a aquiescência de V. Ex.a, Sr. Presidente, solicito a distribuição de meia dúzia de documentos entregues aos Deputados que visitaram o distrito de Braga por estruturas representativas dos trabalhadores e que dão uma ideia, embora resumidas, da situação económica e social da região.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 tempo vai passando, a região é cada vez mais estrangulada, as populações perdem a confiança, a indústria mais importante - a têxtil - continua a não apresentar os índices de reestruturação, reconversão e modernização indispensáveis para sobreviver num contexto internacional cada vez mais agressivo e competitivo.
Da situação que hoje se vive no Vale do Ave que afecta muitas empresas e muitos milhares de trabalhadores e suas famílias, têm responsabilidades muitos patrões que não investiram, que não renovam atempadamente os equipamentos das suas fábricas. Mas tem também o Governo do PSD pela falta de medidas preventivas, atempadas e suficientes e pela insistência numa estratégia económica prejudicial aos sectores produtivos.
Atente-se no Acordo sobre o GATT que não trará melhores dias para uma área tão importante e sensível como a têxtil e que fará progredir ainda mais o desemprego e os problemas sociais de regiões de mono-indústria, como é o caso do Vale do Ave.
As contrapartidas financeiras são claramente insignificantes face aos montantes exigidos para a modernização e reestruturação do sector. Record6-se, a propósito, a exiguidade dos 80 milhões de contos anunciados, comparados com os 750 milhões de contos em que se avaliava o Programa de Modernização da Indústria Têxtil - PMIT - que o Sr. Ministro Mira Amaral propagandeava em vésperas das eleições legislativas de 1991.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É verdade, e por isso o afirmámos, que existem algumas melhorias, nomeadamente na rede de equipamentos escolares, na formação profissional e técnico-profissional, na rede viária principal. Mas é pouco, muito pouco para a grave crise que se instalou na região do Vale do Ave.
0 desenvolvimento é um todo e com diversos segmentos. E o desenvolvimento das regiões têm obrigatoriamente de ter uma dimensão social de progresso, de melhoria do bem-estar das populações.
Importa, assim, atacar de forma coerente e integrada os problemas da região.
Desde logo o problema do sector do têxtil e vestuário, mas também os problemas ligados ao ordenamento do território que agravam ainda mais a já degradada situação ambiental, mas também a problemática da concentração e monolistismo industrial centrada na têxtil, dos incentivos e apoios à diversificação da estrutura produtiva, sem esquecer o problemas das acessibilidades, nomeadamente a rede viária secundária e os transportes públicos.
Mas principalmente, e porque os Homens e as Mulheres são o centro das nossas preocupações, é imprescindível implementar medidas de protecção social, nomeadamente em matéria de abono de família, pré-reforma e reforma antecipada, compensações salariais por desemprego e outras.
Foi ainda neste quadro de preocupações que as Jornadas Parlamentares do PCP realizadas no distrito de Braga, em Fevereiro, concluíram que:
Considerando o rápido alastramento da pobreza e da exclusão social que se regista em Portugal, em consequência das políticas económica e sociais do Governo, o Grupo Parlamentar vai utilizar o direito de agendamento da ordem do dia do seu projecto de lei n.º 309/VI, que fixa um rendimento mínimo de subsistência a que todos os cidadãos têm direito. 0 debate em Plenário realizou-se no passado dia 24 de Março e amanhã far-se-á a votação. 0 PSD já

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I SÉRIE - NÚMERO 54

manifestou a sua intenção de rejeitar a iniciativa legislativa,o que bem demonstra a sua insensibilidade social.
Mas as jornadas parlamentares debruçaram-se também sobre o trabalho infantil, que se mantém e agrava e que,
para além do que representa em si mesmo, é também o reflexo da degradação social ligada à desorganização do
sistema produtivo, do crescimento do desemprego e dos salários em atraso, à falta de estruturas sociais de apoio, à
inadequação do sistema de ensino, à desenfreada busca de lucros sem olhar a meios.
É assim que, além de outras iniciativas parlamentares, o Grupo Parlamentar do PCP propõe, no âmbito dos debates mensais sobre assuntos de actualidade e relevância nacional, um debate sobre a problemática do trabalho infantil.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto à indústria têxtil, reafirmamos o compromisso de defesa com determinação
deste sector industrial e dos seus trabalhadores e pronunciarmo-nos pela necessidade de ser adoptado, com urgência, um plano global de modernização, reorganização tecnológica, de diversificação da base produtiva da região para
onde convirjam os vários programas, projectos e medidas avulso existentes e sublinhamos a necessidade urgente de
uma política activa de promoção externa da produção portuguesa, de diversificação de mercados, de orientação da
produção para segmentos de maior qualidade, e de reconversão e valorização profissionais.
É esta vontade de agir, de participar, de encontrar soluções que anima o Grupo Parlamentar do PCP e em que
se insere a proposta de criação de uma comissão parlamentar de acompanhamento da situação do Vale do Ave e que
será debatida na ordem do dia da reunião plenária de hoje.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos interessados e disponíveis para que se alterem os caminhos do Vale do
Ave, que apenas desembocam em "becos" em que a única saída é o Fundo de Desemprego e a pobreza mais ou
menos escondido.
0 Vale do Ave não pode continuar a ser a "terra dos meninos que não brincam", a "região dos homens sem
sonhos" ou a "região dos sonhos pequenos".

0 Deputado do PCP, José Manuel Maia.

Rectificações

Ao n.º 9, de 6 de Novembro de 1993
- Na pág. 243, 2.º cl., 1. 39, onde se lê "Decreto-Lei n.º
84/93, de 24 de Maio" deve ler-se "Decreto-Lei n.º 187/
93, de 24 de Maio".

Ao n.º 43, de 3 de Março de 1994
- Na pág. 1435, no frontespício do Diário, onde se lê "2ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)" deve ler-se "3.ª
SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994>.
- Na pág. 1440, 2.ª col., 1. 18, onde se lê "por não ter chamado a atenção para o sumo massacre> deve ler-se "por
não ter chamado a atenção para o segundo massacre."
- Nas mesmas pág. e col., 1. 24, onde se lê "que deram essa evidência" deve ler-se "que deram a conhecer essa
evidência".

Ao n.º 49, de 17 de Março de 1994
- Na pág. 1650, 2.ª col., não deve constar o nome do Deputado António Bernardo da Gama Lobo Xavier como tendo faltado à sessão, devendo sim ser incluído nos Deputados presentes à sessão. Na pág. 1623, 2.ª col.

Ao n.º 50, de 18 de Março de 1994
Na pág. 1656, 1.ª cl., 1.5., onde se lê "0 Sr. Alberto Costa (PS)" deve ler-se "0 Sr. Alberto Cardoso (PS)".

- Nas págs. 1681 a 1684, onde se lê "0 Sr. Presidem. te:" deve ler-se "0 Sr. Presidente (Correia Afonso):".

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Maria Pereira.
Arménio dos Santos.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Manuel Nunes Liberato.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.

Partido Socialista (PS):

António Alves Marques Júnior.
António Poppe Lopes Cardoso.
Helder Oliveira dos Santos Filipe.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Manuel Santos de Magalhães.
Manuel António dos Santos.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.

Partido Comunista Português (PCP):

Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrígues.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

João Álvaro Poças Santos.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Macário Custódio Correia.
Luís António Carrilho da Cunha.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Maria Moreira.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

António Luís Santos da Costa.
Helena de Melo Torres Marques.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

António Manuel dos Santos Murteira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

15abel Maria de Almeida e Castro.

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