O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1997

Sexta-feira, 22 de Abril de 1994

I SÉRIE - NÚMERO 61

DIÁRIO da ASSEMBLEIA da REPÚBLICA

VI LEGISLATURA

3.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 21 DE ABRIL DE 1994

Presidente: Ex. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

S U M Á R 1 0

0 Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos Foram aprovados os n.ºs 48 a 53 do Diário.
Iniciou o debate sobre os recursos hídricos, nos termos do n.º 2 do artigo 76.º do Regimento da Assembleia da República, a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais (Teresa Patrício Gouveia)
Intervieram, em seguida a diverso título, além da oradora inicial, os Srs. Deputados António Murteira (PCP), António Lobo Xavier (CDS-PP), José Sócrates (PS), Nuno Delerue (PSD), Armando Vara e António Martinho (PS), José Manuel Maia (PCP), José Silva Costa e João Matos (PSD), Carlos Lage (PS), Nuno Ribeiro da Silva (PSD), António Campos (PS), Ferreira Ramos (CDS-PP) e Joaquim Silva Pinto (PS)
A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais encerrou o debate.
Mereceu aprovação um requerimento, apresentado pelo PSD, de baixa à Comissão de Agricultura e Mar antes da votação na generalidade do projecto de resolução n.º 96/VI (PCP)

Foi aprovado, na generalidade, especialidade e em votação final global o texto final elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias quanto à proposta de lei n.º 96/VI - Autoriza o Governo a transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 91/250/CEE - do Conselho, de 14 de Maio, relativa ao regime de protecção jurídica dos programas de computador.
A proposta de resolução n.º 58/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo de Sede entre o Grupo Internacional de Estudos do Cobre e a República Portuguesa foi aprovada em votação global.
Em votação final global foi ainda aprovado o projecto de lei n.º 236/VI - Alterações à Lei n.º 111/88, de 15 de Dezembro (Acompanhamento e apreciação pela Assembleia da República da participação de Portugal na construção europeia) (PS).
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 15 minutos

Página 1998

1998

I SÉRIE - NÚMERO 61
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.

Página 1999

22 DE ABRIL DE 1994 1999

Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Manuel dos Santos Murteira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.

0 Sr. Presidente:- Srs. Deputados, para leitura do expediente, tem a palavra o Sr. Secretário.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, informo que, neste momento, se encontram reunidas a Comissão de Educação, Ciência e Cultura e a Comissão Eventual com o Objectivo de Promover Contactos com o Congresso dos Deputados das Cortes Espanholas e que as Comissões de Saúde e de Petições reunirão às 16 horas e às 16 horas e 30 minutos, respectivamente.
Mais informo que a reunião da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares com o Governo terá lugar após o encerramento do debate sobre os recursos hídricos.

0 Sr. Presidente:- Srs. Deputados, vamos entrar na primeira parte do período da ordem do dia com a aprovação dos n.ºs 48 a 53 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 11 a 25 de Março.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, a segunda parte do período da ordem do dia, a sua parte substantiva, é preenchida por um debate sobre os recursos hídricos, que o Presidente da Assembleia da República, ouvida a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, nos termos do n.º 2 do artigo 76.º do Regimento, decidiu convocar.
Depois de acentuar que o tema escolhido para este debate é uma evidência - aliás, já tinha sido proposto, pelo menos parcialmente, pelo Partido Ecologista Os Verdes -, gostaria de agradecer à Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais e aos Srs. Secretários de Estado do Ambiente e do Consumidor e dos Assuntos Parlamentares a atenção que quiseram ter para com a Assembleia, participando directamente neste debate.
Para abrir o debate em nome do Governo, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, dispondo, para o efeito, de 45 minutos.

A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais (Teresa Patrício Gouveia): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é em vão que o Governo considera os recursos hídricos como uma das suas prioridades em matéria de ambiente. São muitas as medidas que estamos a empreender neste sector, por isso não poderíamos deixar de nos regozijar com o debate que hoje tem lugar nesta Assembleia, que nos parece útil e oportuno. Queremos que as questões do ambiente sejam amplamente discutidas e assumidas por todas as instâncias do Estado, pelo que quero manifestar, desde já, a satisfação com que aqui estou hoje.
Têm sido empreendidas, nos últimos meses, algumas iniciativas que considero estruturantes e que dão início a um ciclo de investimento, de reorganização institucional e de qualificação técnica e financeira de todo este sector, que quero sublinhar.
Estas iniciativas estão apoiadas num conjunto de diplomas legais recentemente aprovados, cuja comple-

Página 2000

2000

I SÉRIE - NÚMERO 61

xidade exprime de forma eloquente a natureza, ela mesma complexa, dos problemas de gestão da água em Portugal.
Julgo oportuno, por isso, fazer algumas considerações sobre estas iniciativas, as opções políticas que as sustentam e as medidas postas em marcha para a sua execução.
Referir-me-ei, em primeiro lugar, àquilo que, genericamente, se designa por indústria da água e, de seguida, às questões que se prendem com a gestão do recurso.
A alteração da lei de delimitação de sectores, que abre à iniciativa privada algumas áreas, até então reservadas ao Estado, e o diploma que estabelece o ordenamento básico para este sector de actividade não resultam de meras circunstâncias fortuitas ou de qualquer obstinação filosófica.
Pelo contrário, os passos que foram dados - e foram-no com prudência - resultam de uma análise profunda e exigente da situação concreta em que este sector se encontra em Portugal. Aliás, estas questões vinham já a ser levantadas há alguns anos nos meios profissionais e desde há muito era reconhecida a necessidade de relançar este sector, genericamente designado por saneamento básico, de uma forma que encorajasse o profissionalismo e o espírito empresarial.
Em primeiro lugar, a extrema dispersão dos sistemas de abastecimento de água e de tratamento de afluentes assume proporções especialmente inconveniente nas grandes manchas metropolitanas de Lisboa, Porto e Algarve. Estas zonas do País precisam de sistemas integrados, operados e mantidos com grande profissionalismo e configurados com uma escala técnica e economicamente adequada, congregando vários municípios em soluções conjuntas.
0 Fundo de Coesão tem por objectivo apoiar projectos estruturantes e constitui, assim, uma oportunidade ímpar de estruturar este sector de uma forma adequada nas regiões que requerem grandes intervenções.
Outro factor de mudança é aquele que determina uma aposta vigorosa na qualidade dos serviços prestados aos cidadãos. Não basta ter uma torneira em casa, é preciso que a água corra com regularidade e que seja de boa qualidade. Assegurar estes padrões de qualidade obriga a um nível de profissionalismo extremamente elevado, que assegure a sustentabilidade técnica e financeira dos sistemas de abastecimento.
Por estes motivos, uma gestão de tipo empresarial, independentemente de estarem em causa capitais públicos ou privados, é, de uma forma geral, reconhecida em todo o mundo como a mais adequada e precisa ser estimulada em Portugal.
Finalmente, Portugal está inserido num contexto comunitário, em que o mercado de bens e serviços está em vias de se tornar único e livre de quaisquer barreiras também neste sector. A indústria da água europeia atingiu níveis de desenvolvimento e de agressividade comercial muito elevados, tornando urgente estruturar o nosso mercado e estimular o nosso tecido empresarial, para não sermos simplesmente arrastados por uma dinâmica que não acautele os nossos interesses.
0 Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, prevê a existência de dois tipos de sistemas: os multimunicipais e os municipais.
Os sistemas multimunicipais, que abastecem as redes municipais, não têm um contacto directo com os utentes dado que prestam apenas um serviço aos municípios que expressamente o desejem. Por analogia com os sistemas de distribuição de energia eléctrica, diz-se que são sistemas em alta. Os sistemas em baixa, isto é, a distribuição domiciliária de água ou a recolha dos efluentes continua sendo uma responsabilidade das autarquias, que podem desempenhar directamente essas funções, tal como têm vindo a fazer, ou contratar empresas especializadas ao abrigo da nova legislação.
Os sistemas multimunicipais são sempre criados por decreto-lei e após se obter o parecer dos municípios territorialmente envolvidos.
Estes sistemas não foram, de forma alguma, criados à revelia dos municípios. Pelo contrário, todos eles assentam em protocolos que envolvem um total de 55 municípios, que claramente compreenderam a natureza transmunicipal dos problemas a resolver e a absoluta necessidade de criar sistemas de âmbito regional em que participem activamente.
De acordo com a legislação aprovada, estes sistemas têm um capital maioritariamente público. Os restantes 49 % do capital destas empresas poderiam ser, desde já, abertos aos privados. Todavia, não existe qualquer intenção de o fazer a curto prazo, porque se entende que a prioridade nos próximos anos é estruturar o sector, capitalizá-lo, assegurar-lhe sustentabilidade técnica e financeira, amadurecer o ordenamento jurídico do regime de concessões e garantir o prevalecimento do interesse público em todo este sector.
Devo sublinhar que, apesar do seu carácter maioritariamente público, os sistemas multimunicipais vão exercer a sua actividade num regime jurídico de concessão, o que contribui para assegurar o interesse público. A definição e o amadurecimento deste regime de concessões contribuirá, aliás, para que a posterior abertura dos sistemas multimunicipais aos capitais privados se possa processar num quadro claro e sem turbulência.
A este respeito, posso informar que estão em fase muito adiantada de preparação os decretos-leis que estabelecem o regime jurídico da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais, bem como os processos de constituição das empresas que vão dar execução aos sistemas já definidos.
No que diz respeito aos sistemas municipais, isto é, aqueles que permanecem na responsabilidade das autarquias, quero acentuar que nenhuma competência foi retirada aos municípios. Pelo contrário. foi posta à sua disposição uma nova possibilidade, que usarão apenas quando e onde entenderem. Refiro-me à possibilidade de entregarem a gestão dos seus sistemas a empresas privadas, por concurso público e através de um contrato de concessão.
0 conteúdo dos contratos a realizar é fundamental para salvaguardar o interesse do público e dos municípios, pelo que temos procurado alertar as autarquias para os aspectos mais relevantes destes contratos e estamos em condições de apoiar, supletivamente, as suas iniciativas nesta matéria.
Estas medidas estão intimamente associadas aos investimento que se pretendem realizar até ao fim da década. Mas pretende-se encarar os problemas deste sector para lá da fase de primeiro investimento, criando condições sólidas para a sua sustentação no futuro.
Desta exposição espero que resultem claras três ideias fundamentais.
Em primeiro lugar, não confundimos empresarialização com privatização. Ambas se afiguram necessárias, mas com calendários e exigências distintas. Pretende-se promover uma empresarialização tão generalizada

Página 2001

22 DE ABRIL DE 1994

2001
quanto possível porque se entende que esta é a melhor forma de levar qualidade ao sector. Pretende-se promover uma privatização gradual, para permitir o reforço do tecido empresarial português e o estabelecimento de um mercado genuíno e ordenado, baseado no regime de concessões, que assegure o prevalecimento do interesse público.
Em segundo lugar, não se pretende fazer nada sem as autarquias e muito menos, como é óbvio, em antagonismo com elas. Os municípios foram chamados a discutir estes sistemas multimunicipais já criados e a eles aderiram de livre vontade.
Finalmente, em terceiro lugar, procura-se assegurar a sustentabilidade deste sector para além do ciclo do primeiro investimento.
Mas a gestão dos recursos hídricos não se limita aos problemas que referi. 0 País está carente de um melhor ordenamento das bacias hidrográficas, que inventarie as necessidades e disponibilidades e que compatibilize os usos actuais e previsíveis com as exigências da protecção ambiental.
Vários instrumentos têm de ser mobilizados com este objectivo, sendo o principal o planeamento da bacia hidrográfica. Prevê-se a elaboração, até 1996, de planos para as bacias hidrográficas do Minho, Lima, Cávado, Ave, Douro, Leça, Vouga, Mondego, Lis, ribeiras do Oeste, Tejo, Sado, Mira, Guadiana e ribeiras do Algarve. Até 1997, deverá estar preparado o Plano Nacional da Água, que abrange todo o território nacional.
Pretende-se que o planeamento e a gestão da água sejam processos participados, tanto mais que são muitos e diversos os interlocutores relevantes e a concertação necessária.
Está prevista também na lei a criação de Conselhos de Bacia Hidrográfica e do Conselho Nacional da Água, que, além de acompanharem a preparação dos planos, têm importantes funções na definição de prioridades e objectivos para as utilizações da água.
Posso anunciar com satisfação que estão já avançadas as diligências para a constituição de todas estas estruturas, que tiveram já lugar as primeiras reuniões no Douro, no Leça e no Lis e que estão previstas, até ao final de Julho, reuniões de todos os Conselhos, sem excepção. Trata-se de um esforço sem precedentes para, de forma aberta e participada pela sociedade civil, introduzir mais coerência na utilização dos sistemas hídricos.
Se a via do diálogo e da concertação são fundamentais para a definição das principais estratégias de desenvolvimento dos sistemas hídricos, não é menos importante a afirmação dos poderes do Estado na observância das regras estabelecidas. Assim, julgou-se conveniente rever toda a legislação relativa ao licenciamento das utilizações do domínio hídrico, tanto mais que alguma desta legislação era já centenária.
Finalmente, quero referir o diploma que vem estabelecer um novo regime económico e financeiro de utilização do domínio hídrico, baseado nos princípios do poluidor-pagador e do utilizador-pagador, já consagrados na generalidade dos países desenvolvidos.
Trata-se de um diploma, porventura controverso, mas de grande alcance para assegurar uma utilização sustentada dos nossos recursos hídricos. As captações de água ou a rejeição de afluentes correspondem a utilizações de bens públicos, que devem ser regidas por mecanismos de compensação económica. 0 objectivo geral consiste em levar os utilizadores e os polidores a internalizar os custos que acarreta para uma sociedade a utilização que fazem dos recursos e, por esta forma, introduzir um factor de racionalidade e de incentivo aos usos de menor impacte.
A propósito da gestão dos recursos hídricos, não quero deixar de fazer algumas considerações sobre as incidências do Plano Hidrológico Nacional Espanhol, que tanta atenção tem merecido, aliás, justamente, por parte da opinião pública portuguesa.
Como é do conhecimento dos Srs. Deputados, estive ontem mesmo reunida, por minha iniciativa, com a Comissão Parlamentar de Ambiente para transmitir a esta Assembleia a informação de que dispomos e para dar a conhecer as múltiplas diligências que o Governo português tem feito, no sentido de garantir a salvaguarda dos interesses portugueses.
Não posso reproduzir aqui exaustivamente o que ontem apresentei a todos os grupos parlamentares, mas não quero deixar de aproveitar esta oportunidade para me dirigir ao Plenário e fazer algumas considerações que me parecem pertinentes.
0 Governo tem utilizado todos os meios ao seu alcance, numa posição de firmeza e determinação, para salvaguardar os interesses do País. As questões em apreço colocam-se entre dois países da União Europeia habituados a tratar dos problemas comuns de forma amigável e pela via do diálogo, sendo imprescindível que seja esta a via prosseguida.
A importância que conferimos a este assunto levou a que, por proposta de Portugal, ele fosse incluído na agenda da cimeira entre os dois Chefes de Governo realizada no passado mês de Dezembro. Obteve-se aí, ao mais alto nível, a garantia de que nenhuma das decisões finais seria tomada sem levar em conta os interesses de Portugal.

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Muito bem!

0 Orador: - 0 assunto foi retomado em contactos posteriores entre os Ministros dos Negócios Estrangeiros de ambos os países.
Na sequência desta cimeira, foram imediatamente intensificados os processos de troca de informação e discussão dos problemas relativos às bacias luso-espanholas. Houve reuniões de trabalho a todos os níveis e os espanhóis aceitaram juntar ao seu Plano Hidrológico um documento sobre as incidências em Portugal, até aí omissas.
Esta actividade culminou numa reunião entre os ministros dos dois países, em que foi reiteradamente afirmada por Espanha a intenção de nada fazer sem levar em conta os interesses portugueses. Mais uma vez foi manifestada pelas duas partes vontade de intensificar esforços comuns nesta matéria e foram criados grupos de trabalho para averiguar, com mais pormenor, alguns aspectos carentes de clarificação

0 Sr. João Mota (PSD): - Muito bem!

0 Orador: - Nesta reunião com o ministro espanhol fiz ver a imprescindibilidade de um novo convénio que regule, de forma mais ampla, os problemas de recursos hídricos nas bacias internacionais. Esta proposta foi aceite por Espanha.
Concomitantemente, o Governo português pediu a instituições e especialistas de reconhecido mérito uma análise técnica aprofundada da informação disponível.

Página 2002

2002

I SÉRIE - NÚMERO 61

0 resultado deste trabalho, que foi ontem apresentado à Comissão Parlamentar, veio confirmar as nossas preocupações relativamente a estas matérias. Estas preocupações foram imediatamente comunicadas à parte espanhola, com a insistência na necessidade urgente de celebrar um novo convénio.
A dimensão transfronteiriça dos problemas em questão, no espaço da União Europeia, levou-nos também a considerar da maior importância comunicar os motivos das nossas preocupações à Comissão Europeia. Com este objectivo, entendi oportuno, há algum tempo atrás, promover diligências que assegurem que são devidamente acautelados os interesses portugueses em iniciativas que envolvam a União Europeia. Foi enviada documentação relevante aos comissários com responsabilidades nestas matérias e eu própria promovi reuniões com o Comissário do Ambiente e com responsáveis pela gestão dos fundos de coesão.
Neste complexo processo negocial, existem alguns aspectos positivos e outros que requerem redobrada atenção. De entre estes últimos, destaco os seguintes: em primeiro lugar, Espanha formulou as suas intenções com base em valores médios de caudais e sem especificar a sua distribuição ao longo do ano. Para além da análise dos valores médios anuais, importa-nos, neste momento, garantir o que ocorrerá no semestre seco de cada ano e, sobretudo, em anos globalmente secos.
Em segundo lugar, Espanha propõe-se construir infra-estruturas, que lhe dão um controlo considerável dos caudais afluentes a Portugal, nas bacias luso-espanholas. Neste contexto, interessa-nos não só o que vai ser construído mas, muito especialmente, obter garantias de que a sua utilização não se desvia dos propósitos que venham a ser acordados.
Finalmente, a qualidade da água afluente de Espanha causa-nos preocupações crescentes. Se a poluição de origem doméstica pode mais facilmente ser controlada, a poluição difusa de origem agrícola tem-se intensificado e tende a intensificar-se como resultado do incremento da actividade agrícola prevista no Plano Hidrográfico Espanhol. Temos de assegurar que estes aspectos são devidamente considerados no convénio a celebrar.
No que diz respeito aos aspectos positivos, devo sublinhar também os que se afiguram relevantes.
Existe um clima de diálogo sincero e de permuta franca de informação que não nos permite fazer duvidar da boa fé das partes.
É aceite pelos dois países a necessidade e urgência de renegociar um convénio que formule de uma forma mais ampla todos os problemas que se colocam nas bacias internacionais.
As intenções espanholas ainda têm uma razoável margem de indefinição, estando em consideração vários cenários com implicações necessariamente distintas em Portugal. A dinâmica do processo negocial e o próprio processo interno em Espanha moldarão, por certo, opiniões finais.
A evolução do direito internacional e, especialmente, a evolução das políticas comunitárias, vão no sentido de defender os interesses de Portugal. A Convenção de Helsínquia, em fase de ratificação pelos dois países, consagra uma atitude de gestão conjunta das bacias internacionais, o que torna mais difícil a adopção de medidas estritamente unilaterais.
Problemas desta natureza, que, até há bem poucos anos, tinham uma dimensão exclusivamente bilateral, desenrolam-se agora no espaço político alargado e globalizante da União Europeia.
Srs. Deputados, continuarei a manter o Parlamento e a opinião pública informados sobre estes assuntos. Solicito, tal como ontem tive ocasião de fazer, o empenhamento da Assembleia da República nas iniciativas que se lhe afigurem adequadas, no âmbito das suas competências e do relacionamento interparlamentar com Espanha.

Aplausos do PSD.

Quero concluir a abordagem deste tema sublinhando a atenção muito especial que lhe dedico e reiterando a firmeza e a determinação do Governo em salvaguardar, por todos os meios ao seu alcance, os interesses imediatos e estratégicos de Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta intervenção já vai longa e julgo conveniente passarmos ao debate.
Como comecei por dizer, é com muito gosto que vemos estas questões assimiladas e discutidas por todos os órgãos do Estado e pelos cidadãos em geral. Aliás, encerra hoje a Presidência Aberta sobre Ambiente, em que estes assuntos foram objecto de grande interesse por parte de cidadãos e de autarcas de norte a sul do País.
Entre os muitos méritos que teve esta iniciativa, não pode deixar de se sublinhar a oportunidade que todos tiveram de exprimir os seus pontos de vista, num grande exercício de participação e debate, que, decerto, contribuiu para a sensibilização de toda a sociedade para os problemas do ambiente. Ficou demonstrado que, como eu própria tenho diversas vezes sublinhado, o ambiente não é só um assunto de especialistas, embora não possa deles prescindir, mas também uma questão que interpela a sociedade no seu conjunto e cada um de nós em particular.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos à Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, os Srs. Deputados António Murteira, António Lobo Xavier, José Sócrates, Nuno Delerue, Armando Vara, António Martinho, André Martins, José Manuel Maia e Eurico de Figueiredo.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

0 Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, V. Ex.ª, na sua intervenção, esqueceu-se de fazer uma análise dos resultados da política dos últimos governos em matéria de ambiente, o que é indispensável para depois podermos perceber melhor as propostas que o Governo aqui trás para a futura política do ambiente e as propostas alternativas que o PCP também quer apresentar.
Assim, gostaria de colocar-lhe três ou quatro questões. Como explica o Governo que se mantenham e acentuem as principais causas de degradação dos recursos hídricos nacionais? E esta é, recordo-vos, a opinião da comunidade científica e foi a que saiu da Presidência Aberta que hoje acaba.
Em segundo lugar, como é que se explica que estejamos perante um processo de crescente poluição das águas de superfície e dos aquíferos, particularmente dos rios portugueses, isto também de acordo com a comunidade científica?

Página 2003

22 DE ABRIL DE 1994

2003
Questão mais importante ainda é a de saber como é que é possível e como se explica que ao longo de 20 anos nem o País nem a Assembleia da República tenham sido informados - soubemo-lo ontem - de que os principais rios portugueses, o Douro, o Tejo e o Guadiana, tenham perdido, os primeiros, um quarto e o Guadiana mais de metade dos caudais que nos chegam de Espanha?
Estamos, sem dúvida, perante uma grave situação que pode comprometer o futuro plano hidrológico nacional, traduzindo, não podemos deixar de dizê-lo, a irresponsabilidade e a incapacidade de todos aqueles que nos últimos anos têm tido obrigação de governar o País.
Sobre a legislação que a Sr.ª Ministra aqui apresentou, quero dizer-lhe que cresce a opinião - e isto é visível se analisarem com detalhe os diplomas - de que o Governo não está a legislar prosseguindo os objectivos nacionais mas, sim, pressionado por interesses privados, que estão a querer «abocanhar» aquilo a que chamam já o negócio chorudo da água, e no sentido de governamentalizar as centenas de milhões de contos que virão da Comunidade para o sector dos recursos hídricos.
Relativamente à questão da gestão e planeamento das bacias hidrográficas a Sr.ª Ministra falou em coerência. Bom, talvez em nenhum outro aspecto seja tão desarticulada e pressagiante de um desastre grande para a política que propõe como no da gestão e do planeamento.
Como é que a Sr. Ministra e o Governo explicam que a gestão seja feita por umas entidades, o planeamento por outras e a recolha de dados passe a ser feita por diversas entidades que actuam de forma desarticulada? Como é que isto pode funcionar, Sr.ª Ministra?!
Como é que se explica que, violando a Lei de Bases do Ambiente, violando a acta que assinámos no Rio de Janeiro, se tenha abandonado o conceito de gestão por bacia hidrográfica, que irá dar uma situação muito interessante deste tipo: por exemplo, a bacia hidrográfica do rio Tejo passará a ter um planeamento conjunto mas a gestão será feita por três direcções regionais, a do centro, a de Lisboa e a do Alentejo. Ora, isto é uma política clara de clientelismo...

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Muito bem!

0 Orador: - ... que irá conduzir a uma situação de grande fracasso. Por isso, o PCP, desde já, diz que vai reclamar a revogação desta legislação.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito bem!

0 Orador: - Finalmente, gostaria de referir que as negociações com Espanha têm constituído um dos grandes fracassos não só deste Governo como dos anteriores.
Assim sendo, a questão que lhe coloco é a seguinte: posto este problema em termos nacionais e de opinião pública, vai o Governo, finalmente, adoptar uma posição de Estado soberano e independente - como tem direito de fazer - nas negociações com Espanha ou vai continuar a ter uma posição de ir atrás da política espanhola nesta matéria?
De facto, a opinião do PCP é a de que Portugal não pode aceitar o plano hidrológico espanhol na sua actual versão, pois isso seria comprometer não apenas o futuro dos recursos hídricos nacionais mas também o futuro do ambiente em Portugal e o do desenvolvimento económico e social do nosso país, porque a seguir aos recursos humanos não tenho dúvidas de que os recursos hídricos serão, porventura, num país como o nosso, os mais importantes recursos de que dispomos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa foi informada de que a Sr.ª Ministra responderá depois do próximo pedido de esclarecimento, para o qual concedo a palavra ao Sr. Deputado António Lobo Xavier.

0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Sr.ª Ministra descia da tribuna de onde fez a sua intervenção e, por certo, não reparou que entre as palmas que recebeu da sua bancada houve também algumas da minha.
Todavia, devo dizer-lhe que é fundamental esclarecer por que razão é que demos algumas palmas e por que motivo não as demos de forma entusiástica e completamente aberta: é que o discurso que a Sr.ª Ministra proferiu era um discurso ao qual aderiríamos entusiasticamente se tivesse sido proferido há quatro ou cinco anos.
De facto, o conteúdo das suas palavras é inteiramente aceitável, do nosso ponto de vista, não fora a situação conjuntural que neste momento vivemos. Recordemos algo que - aliás, o PS fá-lo-á com muito mais propriedade, reconheça-se, e não tenho qualquer intenção de me antecipar nessa matéria, cujo desplotar é, digamos assim, propriedade do PS - se passou no ano passado quando, ao colocar-se em tom dramático a questão do plano hidrológico espanhol, para os mais interessados membros do Governo nesta matéria isso não passava de um alarmismo injustificado e, inclusive, um dos então secretários de Estado do seu Ministério a Sr.ª Ministra ainda não estava nesse cargo - acusou de ignorantes todos os que se alarmavam com a situação do plano hidrológico espanhol...

0 Sr. Armando Vara (PS): - É verdade!

0 Orador:- ... e disse que nada disso era importante e que todas as cautelas estavam a ser tomadas.
No entanto, hoje, das suas palavras, são nítidas as acções de última hora, as acções multiplicadas e complexas empreendidas em muito pouco tempo, o que nos leva a crer que o Governo acordou tarde e que se está a desmultiplicar em contactos e iniciativas mas que tudo isto já devia ter sido feito há muito anos.
Recusamo-nos a aceitar que o plano hidrológico espanhol, com todas as consequências que tem no nosso país, seja um facto consumado. Porém, a verdade é que as coisas estão na mesa com esse contorno e será preciso muita mobilização de todos os portugueses e de todas as entidades responsáveis para que esse plano não produza todas as suas consequências.
Nesse sentido, digo-lhe que todos esses planos que anunciou ligados às bacias hidrográficas, o plano da água, tudo isso está certo, mas tudo isso vem dramaticamente tarde! Todos esses planos estão, à partida, dramaticamente condicionados, reduzidos e limitados por aquilo que os espanhóis fizerem.
Finalmente, gostaria de perguntar-lhe por que é que os espanhóis têm este plano hidrológico e isto é motivo para todos nós meditarmos. Naturalmente é porque têm uma preocupação absolutamente desligada das orientações e dos objectivos comunitários, ou seja, têm uma

Página 2004

2004

I SÉRIE - NÚMERO 61
orientação estratégica de auto-suficiência agrícola à qual nós não ligamos coisa alguma, invocando as regras e os princípios comunitários, e à qual os nossos parceiros comunitários fazem «vista grossa», dispensando-se de excessos de zelo e incluindo esse objectivo na sua estratégia nacional.
Assim, pergunto, quanto aos planos das bacias hidrográficas, ao plano da água, que objectivos estratégicos nacionais estão pensados? São estudos? São esquemas? São planos mais ou menos vagos? Já estão traçados os grandes objectivos nacionais?

Vozes do CDS-PP:- Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais.

A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais: - 0 Sr. Deputado António Murteira referiu-se à crescente poluição e ao facto de se manterem as causas de poluição dos recursos hídricos em Portugal.
Ora, devo contestá-lo e dizer-lhe que, neste momento, podemos demonstrar que não existem, em Portugal, graus crescentes de poluição correspondentes ao grau de crescimento e de desenvolvimento industrial do País. É mais difícil demonstrar esta não relação, mas é facto que se a poluição tivesse crescido na mesma proporção que tem crescido o desenvolvimento, ela seria certamente muito maior e não é esse o caso, porque o Governo tem tomado medidas no sentido de evitar e de prevenir esse tipo de situações.
Toda a gente sabe que existe legislação publicada ao longo destes anos que determina a forma como são licenciadas as industrias no nosso país.

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Essa legislação tem estado na gaveta!

A Oradora: - Portanto, podemos afirmar que, no presente, não há instalações de indústrias que não garantam o cumprimento das normas em vigor.
Na verdade, existem situações localizadas e amplamente conhecidas, como também são amplamente conhecidas as soluções em curso para a sua resolução.
Quanto à questão das bacias hidrográficas, penso que isso é um leit motiv que regularmente aparece nestas discussões. Aliás, o Governo tem explicado frequentemente como é que a questão da gestão das bacias não está desvirtuada na lei do planeamento entretanto publicada.
De facto, a gestão das bacias tem um instrumento fundamental que é o planeamento. Ora, é no momento de planear que se inventariam os recursos, as disponibilidades, as compatibilizações dos usos e que se delineia o futuro de uma bacia hidrográfica.

0 Sr. António Murteira (PCP): - Sem dúvida!

A Oradora: - Este é, pois, um instrumento fundamental da gestão que está confiado aos concelhos de bacia onde estão representados todos os utilizadores.
Portanto, penso que é um pouco querer iludir a realidade questionar o Governo nesta matéria. Aliás, não percebo muito bem a sua referência ao clientelismo ao focar uma eventual repartição da administração da bacia hidrográfica do rio Tejo. De facto, não vejo que relação é que isto possa ter com o clientelismo!

0 Sr. José Sócrates (PS): - As nomeações! As nomeações!

A Oradora: - Quanto muito teria a ver com descoordenação administrativa, mas isso são coisas bem diferentes!
Quanto ao Sr. Deputado António Lobo Xavier, quero agradecer-lhe as palmas, que, de facto, não vi quando descia da tribuna.
Relativamente ao plano hidrológico espanhol, também gostaria de contestar a sua afirmação de que o Governo acordou tarde e a más horas para esta questão. Naturalmente, temos de ver o contexto em que algumas declarações foram feitas, num período de campanha eleitoral em que se acenderam os ânimos e se disseram coisas que, provavelmente, não devem ter o entendimento que se lhes pode dar.
De facto, o Governo, desde há muito tempo, vem acompanhando esta questão. Senão, vejamos: as primeiras versões deste plano datam do ano passado e já antes de eu desempenhar estas funções tinha havido contactos com o governo espanhol relativamente a este assunto, estando em funcionamento a comissão dos rios internacionais que tem desenvolvido os contactos entre as administrações dos dois países, razão pela qual não podemos dizer que houve um vazio na acção do Governo.
Para além disso, no último ano, por proposta portuguesa, foi incluída na Cimeira Luso-Espanhola a questão do plano hidrológico espanhol e isso não foi certamente por acaso e por pensarmos que esta questão não merecia toda a nossa preocupação.
A partir daí, têm-se desenvolvido uma série de contactos com o governo espanhol que, podemos dizê-lo, tem sempre assumido uma atitude de grande franqueza e transparência na informação que nos tem dado, embora seja essa a reacção normal de um país com o qual mantemos relações francas.
Naturalmente que não podemos aceitar, de forma alguma, que esta questão seja encarada como um facto consumado, que não é! Na realidade, neste momento o Plano Hidrológico Nacional Espanhol não é um facto consumado. Mesmo em Espanha, ele tem vindo a ser objecto de amplo debate, de ampla contestação e de alterações subsequentes, que nos têm vindo a ser regularmente remetidas e, por nós, analisadas. Aliás, ainda há poucos dias recebi, de entidades administrativas espanholas, requerimentos do Parlamento espanhol ao seu governo a pedir larguíssima informação, por forma a fundamentar a análise deste plano, sobre o desenvolvimento agrícola, os consumos de água, sobre, enfim, uma série de questões que demonstram haver ainda, em Espanha, muitas interrogações à volta desta questão, mas isto não nos descansa.
0 Governo está efectivamente preocupado com aquilo que ontem mesmo tive ocasião de explicar, sem qualquer reserva, como não poderia deixar de ser, a este mesmo Parlamento. Foram fornecidas a este Parlamento todas as informações disponíveis relativamente a esta matéria e aos contactos mantidos com Espanha.
Não obstante as declarações feitas pelo governo espanhol ao mais alto nível político, do primeiro-ministro, dos ministros dos negócios estrangeiros, do ambiente e da agricultura, em público - e queremos tomá-las por boas, pois não temos qualquer razão para pensar que não tenham sido feitas de modo responsável, para as não ter em boa conta -, o Governo decidiu que seria conveniente alargar esta questão ao contexto da Co-

Página 2005

22 DE ABRIL DE 1994

2005
munidade Europeia e, como disse há pouco, fizémos diligências no sentido de não haver qualquer envolvimento da Comunidade sem que os interesses portugueses estejam acautelados, conforme tive oportunidade de dizer.
Deste modo, em minha opinião. neste momento, o Governo não tem deixado de fazer aquilo que é sério, oportuno, realista e imperativo em nome dos interesses portugueses, que jamais deixaremos de acautelar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

0 Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, desejo interpelá-la sobre o Plano Hidroiógico Nacional Espanhol, desde logo porque, em meu entender, é politicamente, o assunto mais relevante deste debate sobre os recursos hídricos e o mais sério e delicado que se coloca a Portugal no que diz respeito aos seus assuntos de gestão hídrica. E devo dizer que não fiquei satisfeito com as resposta dada pela Sr.ª Ministra.
A história do comportamento político do Governo nesta matéria é irrelevante para a fase que estamos a viver, pelo que gostaria de recordar algumas coisas à Câmara e à Sr.ª Ministra.
A primeira fase do discurso político do Governo, no que diz respeito ao Plano Hidrológico Nacional Espanhol, foi a do disparate, porque, como todos se lembram, o assunto foi levantado pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto, que chamou a atenção do País...

Risos do PSD.

... para o facto de esse plano poder pôr em causa os interesses portugueses, manifestando deste modo as suas preocupações. A isto o Governo respondeu da forma que vou ilustrar, citando algumas declarações dos então responsáveis, e, Sr.ª Ministra, não se esqueça que nessa altura era Secretária de Estado do governante que produziu estas declarações.
Como dizia, nessa altura, esse responsável disse que «o plano apenas traça grandes directrizes», tentando, por um lado, minimizar o interesse e a importância do plano hidrológico espanhol e, por outro, esquecendo-se que qualquer plano traça grandes directrizes, fazia-o para esconder a debilidade portuguesa É que nós não temos grandes directrizes na nossa política hídrica, tal como a Sr.ª Ministra foi incapaz de se pronunciar neste debate.
Depois disse que a grande preocupação espanhola não era tirar água a Portugal e com isto queria o Sr. Ministro dizer que os espanhóis não são uns malvados!
Sim, senhor, nós sabemos! Mas também sabemos que os espanhóis pensam nos seus interesses e, quando se trata de considerá-los, não pensam nos dos portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Depois disse aquilo que já foi citado pela bancada do CDS-PP, uma frase extraordinária: «os transvases não são preocupantes. Só se preocupa quem é ignorante!» E foi mais longe, escrevendo uma carta ao Presidente da Câmara Municipal do Porto, da qual vou citar algumas partes: «desfavoreceu a imagem de Portugal no país vizinho ( ... ); tomou iniciativas paralelas ( ... ), teve atitudes precipitadas e aventureiristas( ... ); pôs em causa a unidade nacional (...)» - e já cá faltava esta!
Foi esta a forma como o Governo reagiu ao anúncio responsável de S. Ex.ª o Presidente da Câmara Municipal do Porto. 0 que é que acontece um ano depois? Um ano depois a Ministra está na mesma posição que o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto se encontrava há um ano atrás. Inacreditável! Um ano depois de o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto ter manifestado preocupação, a Sr.ª Ministra vem, afinal, mostrá-la também!

Protestos do PSD.

Sr.ª Ministra, esta posição do Governo português não é uma coisa de águas passadas, é relevante para a posição negocial do Governo português. A verdade, é que o Governo português, ao minimizar publicamente o impacte do Plano Hidrológico Espanhol, não ganha margem de manobra na negociação com a Espanha, pelo contrário, perde alguma, porque...

Aplausos do PS.

... não se pode, na negociação com a Espanha, valorizar a importância do plano e ao mesmo tempo dizer à opinião pública portuguesa para não se incomodar e não se afligir, porque nada disto é preocupante.

Vozes do PS: - Muito bem'

0 Orador: - Pela primeira vez, um ano depois, a Sr.ª Ministra reconheceu ontem, na Comissão, que o Plano Hidrológico Nacional Espanhol pode pôr em causa interesses portugueses. Ora, acontece que, um ano antes, vários responsáveis do Partido Socialista tinham dito exactamente o mesmo e foram atacadíssimos por isso.
Portanto, Sr.ª Ministra, gostaria de colocar-lhe algumas questões. Nessa sua posição, reconhece ou não uma dose de autocrítica relativamente às posições do Governo português? Reconhece que a posição de desvalorização pública do Plano Hidrológico Nacional Espanhol compromete ou não a negociação com Espanha?

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Até hoje, a Sr.ª Ministra o mais que pôde dizer foi isto: «estou muito preocupada com o Plano Hidrológico Nacional Espanhol». Sr.ª Ministra, isso é fraco, porque preocupados estão todos os portugueses!
0 que a Sr.ª Ministra tem a obrigação de dizer à Câmara, aos Deputados, é quais são as orientações políticas que vai seguir na negociação; o que é inegociável; quais são os interesses portugueses que estão fora de questão, que não se podem negociar e o que pensa dos transvases. É sobre estas questões que a Sr.ª Ministra tem de nos dizer o que pensa,...

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - ... não basta dizer que está preocupada, porque isso é fraco.
Sr.ª Ministra, gostaria de lembrar que estas declarações de anteriores responsáveis não foram feitas em altura de campanha eleitoral mas, sim, numa altura

Página 2006

2006

I SÉRIE - NÚMERO 61
muito distante e que as primeiras versões do Plano Hidrológico Nacional Espanhol já então contemplavam os transvases, pelo que, na altura, era perfeitamente visível que punham em causa os interesses portugueses.
Para concluir, Sr.ª Ministra, ontem na Comissão foi dita uma frase muito apropriada. Foi lembrado um grande pensador que um dia escreveu sobre as idiossincrasias ibéricas: «os catalães negoceiam; Castela conquista e os portugueses costumam queixar-se».
Ora, o que a Sr.ª Ministra está a fazer, quanto ao Plano Hdrológico Nacional Espanhol, é queixar-se baixinho e eu, sinceramente, estou farto das vitórias morais portuguesas e das derrotas efectivas. Não quero que Portugal ataque e a Espanha ganhe, quero, sim, ver, da parte de Portugal, uma posição clara sobre esta matéria, pois, já conhece a nossa posição: o Plano Hidrológico Nacional Espanhol é inaceitável nas condições em que está proposto a Portugal. Sendo assim, gostaríamos de ver, da parte do Governo português, uma posição com igual clareza.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra do Ambiente e dos Recursos Naturais, todos sabemos que a limitação do uso de qualquer recurso natural gera, como é natural, tensões, e a água é, por natureza e definição, um bem limitado e, ainda por cima, mal distribuído. A sua abundância em excesso nalgumas regiões e alturas do ano, é exactamente a contra-moeda da sua falta noutras regiões do País e épocas do ano.
De resto, no mundo de hoje, a água continua a ser um instrumento de paz e de guerra e vale a pena recordar dois episódios, um mais longínquo e o outro mais recente, que demonstram e atestam bem aquilo que acabo de afirmar.
Quem não se lembra do que foi a negociação da transferência da soberania de Hong-Kong para a soberania chinesa e quem não se lembra do que é hoje a guerra e a imposição de uma paz no Médio Oriente, grande parte derivada desse recurso inestimável que é a água.
Mas vem isto a propósito, Sr.ª Ministra, daquilo que hoje já aqui foi tratado e que tem a ver com o Plano Hidrológico Nacional Espanhol, que tanta polémica e demagogia tem suscitado.
É certo que todos sabemos que não há, neste momento, um projecto aprovado. É certo que todos sabemos que a concorrência entre as autonomias de Espanha gera alguma conflitualidade, por vezes perversa para Portugal. É certo que todos sabemos que o Governo português tem instrumentos jurídicos ao seu alcance, porque parte das obras que o governo espanhol quer fazer aprovar no seu plano hidrológico são candidatas ao fundo de coesão, que pode e vai, com certeza, utilizar. É certo que está por saber exactamente a quantidade, o tipo e de onde seria canalizada essa água para outras regiões espanholas, em detrimento de Portugal.
Como é do conhecimento de todos, a água que hoje em dia se retira deste rio - e trato especificamente da questão do no Douro -, para uso doméstico, é insignificante e a água que Portugal larga para o oceano é quantitativamente superior, na pior das hipóteses, à que os espanhóis quereriam retirar-nos.
0 Sr. Armando Vara (PS): - Então, é melhor ficar lá do que ir para o mar?!

0 Orador: - Mas também sabemos, Sr.ª Ministra e Srs. Deputados, que isto é uma matéria onde a demagogia é fértil.
Ouvi o Sr. Deputado do PS referenciar a intervenção do Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto mas recordo que as primeiras intervenções públicas sobre esta matéria foram feitas por Deputados da Assembleia da República e alguns deles do PS.

0 Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

0 Orador: - 0 Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto utilizou, num momento de campanha eleitoral, com grande demagogia,...

0 Sr. José Sócrates (PS): - Campanha eleitoral?!

0 Orador:- ... uma questão simples, que sabia ter, nas gentes do Norte, como tem, um terreno fértil.
Porém, o que está em causa, Sr.ª Ministra e, sobretudo, Srs. Deputados do PS, é uma questão simples: ninguém - e já tive oportunidade de o dizer na Assembleia da República -, nenhum parlamentar, nenhum governo, do CDS-PP ao PCP, é capaz de alienar um bem inestimável como é o rio Douro. No entanto, qualquer governo deve perceber que o tratamento destas questões tem sempre um terreno fértil, onde pode fervilhar, e que não pode dar azo a um anti-iberísmo, que é bacoco, que não tem sentido e que nos prejudica mais do que nos dá.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Portanto, Sr.ª Ministra, queria que V. Ex.ª ficasse ciente do seguinte: o Governo português tem instrumentos para utilizar, mas, se estiver em causa um bem nacional como o rio Douro, com a importância económica, cultural, social e política que tem, saiba V. Ex.ª que terá o Grupo Parlamentar do PSD na primeira fila da defesa desse interesse, da mesma forma que estaremos sempre ao lado daquilo que for a defesa saudável dos interesses que são não do PS nem do PSD mas de todos.
Neste propósito, Sr.ª Ministra, interessava esclarecer, desde já, algumas questões, porque se ouviu muita coisa que não é só uma preocupação saudável mas um aproveitamento eleiçoeiro, traiçoeiro, bacoco e demagógico

Vozes do PS: - Bacoco?!

0 Orador: - Gostaria que V. Ex.ª esclarecesse se, no que toca ao rio Douro,...

Vozes do PS: - Eh! Está a exagerar!

0 Orador: - Não é exagero, diz-se, inclusive, que está em causa o vinho do Porto!
Sr.ª Ministra, gostaria de ter, da sua parte, uma palavra muito clara em relação a isto. Está ou não em causa o vinho do Porto, tal como o conhecemos hoje em dia?

0 Sr. Presidente: - Faça favor de terminar, Sr. Deputado.

0 Orador: - Termino de imediato, Sr. Presidente.

Página 2007

22 DE ABRIL DE 1994

2007
Diz-se que a paisagem do rio Douro, tal qual a temos hoje, está em causa. Queria que V. Ex.ª esclarecesse a Câmara sobre este ponto, ou seja, se essa paisagem ficará inalterada para os interesses portugueses e se Portugal estará sempre na primeira linha da defesa desses interesses, tal qual os conhecemos hoje.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

0 Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, ontem, na reunião da Comissão, ao ouvi-la dizer que estava preocupada com o Plano Hidrológico Espanhol, tive oportunidade de lhe dizer que esse facto tinha aumentado a minha preocupação. Quero agora referir que, ao ouvir a intervenção do Sr. Deputado Nuno Delerue, essa preocupação aumentou ainda mais.
Está, com certeza, recordada que, ontem, lhe coloquei uma questão - e vou agora expô-la publicamente - que tem a ver com a convicção de alguns sectores, e com a minha própria convicção, de que o Governo, no que se refere ao Plano Hidrológico Espanhol, está preparado para aceitar o mais, pretendendo apenas negociar o menos.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - E a intervenção que o Sr. Deputado Nuno Delerue acabou de fazer vai nesse sentido, porque quando indicia que é preferível que a água fique em Espanha em vez de ir para o mar, está, de certa forma, a abrir a possibilidade e a preparar a opinião pública para virmos a aceitar o Plano Hidrológico Espanhol nos termos em que ele é proposto.

Protestos do PSD.

Por isso, Sr.ª Ministra, o que quero saber é se a hipótese de aceitar o plano e receber uma compensação com o aumento do caudal do Guadiana, que começa a ser ventilada, de alguma forma, é verdadeira, tendo o Governo claudicado quanto aos interesses dos portugueses em relação a esse plano. Ou seja, pergunto se, por vias intermédias, se pode vir a verificar uma contrapartida da aceitação do plano, que se traduzia no aumento do caudal no Guadiana.
0 segundo aspecto que quero focar tem a ver com os rios mais pequenos, nomeadamente o Tuela e o Rabaçal, que já tive oportunidade de referir.
A Sr.ª Ministra disse que tinha iniciado o processo ou que tinha tido conversas com os responsáveis espanhóis no sentido de rever ou estabelecer um novo convénio com Espanha relacionado com os recursos hídricos.
0 Sr. Secretário de Estado, que se encontra à sua direita, disse, na semana passada, quando questionado pelas populações de Vinhais a propósito do rio Tuela, que havia um convénio que Portugal tinha de respeitar.
A primeira declaração que ouvi, transcrita depois pela comunicação social e feita na presença do Sr. Presidente da República, que originou, aliás, como estarão recordados, uma posição do Sr. Presidente da República sobre o facto de esse convénio ter sido assinado por dois Estados naturalmente livres e soberanos mas com regimes não propriamente democráticos, foi a reacção do Sr. Secretário de Estado que disse que há um convénio que é preciso respeitar.

Com o decorrer do dia, com o aumento da contestação das populações, no fim da tarde, o Sr. Secretário de Estado já dizia que o assunto era preocupante e que alguma coisa tinha de ser feita.
Em primeiro lugar, o que retiro é que o Governo, nesta matéria, como em muitas outras, não tem agido, não tem orientado, não tem governado. 0 Governo, nesta matéria, como em muitas outras, apenas reage aquilo que são as expressões de opinião pública e limita-se, nalguns casos, a fazer uma marcação cerrada - expressão que também está na moda - à oposição. 0 Governo, em vez de governar, faz oposição à oposição.
De qualquer modo, gostaria de saber se o convénio a que a Sr.ª Ministra se referiu tem a ver também com os pequenos rios, nomeadamente o Tuela e o Rabaçal.
Para terminar, Sr. Ministra, quero apenas alertar para um aspecto, também abordado na intervenção do Sr. Deputado Nuno Delerue, que não tem a ver com nenhum anti-iberismo bacoco mas com a necessidade de sermos capazes de defender, intransigentemente, os interesses de Portugal, porque o claudicar na defesa desses interesse é que pode criar situações melindrosas para as relações entre os dois países.

Vozes do PS: - Muito bem !

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais.

A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, ouvi-o repetir, uma vez mais, o que me disse ontem em sede de Comissão, para além de me questionar sobre um assunto de que tive já oportunidade de esclarecer este Plenário, na sequência, aliás, de uma questão posta, de uma maneira bem diferente, pelo Sr Deputado António Lobo Xavier.
Realmente, o Sr. Deputado, como membro de uma bancada que pretende ser responsável e com a vocação que diz ter para ser governo, não pode ter atitudes demagógicas. Esta não é uma questão susceptível de ser colocada a nível partidário, porque é uma questão nacional.
Essas atitudes demagógicas são típicas de quem nunca se pôs na situação de quem tem a responsabilidade efectiva de intervir no plano do Estado .

0 Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Consumidor: - Muito bem!

A Oradora: - .. e no plano do Governo, com a seriedade que isso implica.

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados, é fácil colocarmo-nos numa situação de vociferar numa bancada. Talvez isso traga grandes compensações emocionais, talvez traga até uma grande mediatização, mas não traz qualquer eficácia a esta questão, que tem de ser tratada noutro plano com a seriedade e a eficácia que ela exige.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Esse tique da oposição está a cristalizar-se numa atitude consolidada e sistemática, que não

Página 2008

2008

I SÉRIE - NÚMERO 61
acredito que possa conduzir o PS a uma posição de liderança e de responsabilidade governativa.
Julgo que os portugueses não pedem isso do Governo. 0 que eles pedem é uma atitude bem diferente, uma atitude que lhes dê garantia de que o Governo está a defender, intransigentemente, os interesses portugueses, com a postura, a oportunidade, a discrição e a seriedade que a questão exige. É, pois, isso que o Governo tem feito até agora.
Não estou na situação de seguir a posição de A, B ou C, estou a tratar deste assunto com a seriedade e a responsabilidade política que ele exige.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, estive, ontem, durante quatro horas a explicar quais os passos que o Governo tem dado e irá dar, quais as linhas de orientação estratégica e negocial. Repito, estive quatro horas a explicar isto na reunião da Comissão e enunciei todas as posições e orientações durante a minha longa exposição inicial. Portanto, se o Sr. Deputado não ouviu foi porque não quis!
Além disso e a propósito da situação que referiu do Maranon, ontem citado pelo Sr. Deputado Joaquim Silva Pinto na Comissão, não penso que essa situação tenha mais do que algum interesse literário, porque senão Portugal não existia há 800 anos, com a história que tem.
Sr. Deputado Nuno Delerue, a questão do rio Douro é pertinente. Tem vindo a ser estudada e não considero que o problema principal que se põe seja em relação ao vinho do Porto mas, sim, em relação à totalidade dos valores que o rio Douro consagra, nomeadamente os valores ecológicos, os valores consuetudinários paisagísticos e os valores hidreléctricos, que, naturalmente - e agora aproveito para responder ao Sr. Deputado Armando Vara -, não tencionamos trocar por qualquer outra compensação.
Penso que, quer hoje quer ontem, não pode ter percebido das minhas palavras que tenha havido indício de qualquer intenção de negociar os caudais do Douro da maneira como o Sr. Deputado invocou.
Quanto ao convénio relativamente ao Tua e ao Rabaçal, o que eu disse - e julgava que tinha sido entendida - quando falei nas negociações de convénios, foi que estava a referir-me à negociação do convénio que regula os rios internacionais e que diz respeito a 1968 e não a este convénio específico, cujas consequências existem para os rios Tuela e Rabaçal.
Portanto, em relação a esse convénio, não podemos aceitar o princípio de que, pelo facto de ser um convénio negociado antes de 1974, ele deva ser denunciado, porque senão não sei o que aconteceria a todos os convénios que Portugal negociou até hoje. 15so é completamente impensável!
0 Sr. Secretário de Estado irá, depois, intervir no sentido de lhe dar mais algumas informações sobre esta situação, que ele tem acompanhado mais directamente.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

0 Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, é verdade que bem cedo esta Câmara se preocupou com o problema do Plano Hidrológico Nacional Espanhol, preocupação que surgiu de várias bancadas. Apenas e tão-só fizemos o que nos cumpria, isto é, preocupámo-nos com os problemas que dizem respeito aos nossos concidadãos, aos portugueses.
Inicialmente, o Governo afirmou desconhecer o problema, pouco depois minimizou a sua importância. Um secretário de Estado ousou mesmo insultar Deputados, autarcas e investigadores que se pronunciaram sobre estas questões. Hoje, o Governo já parece aceitar que este problema é nacional, que diz respeito a todos os portugueses
Inicialmente, o Governo não esclareceu esta Câmara nem respondeu a um requerimento, apresentado concretamente por mim e pelo Deputado Eurico Figueiredo, sobre o desvio do caudal do rio Douro.
Sr.ª Ministra, apesar de ontem termos estado a debater a situação do Plano Hidrológico Espanhol, urge esclarecer todas as consequências para Portugal decorrentes desse plano. Daí, a minha preocupação quanto ao problema do desvio do caudal do rio Douro e de outros rios relativamente aos seguintes aspectos: abastecimento de água às populações ribeirinhas, produção de energia eléctrica; navegabilidade do rio Douro, concretamente, e também do rio Guadiana; incidência ao nível da poluição do próprio rio, consequências ao nível da fauna e, porque não - e isso devia ser objecto da audição que está em curso nesta Assembleia -, ao nível climatérico. A pergunta não é inocente mas as consequências não estão totalmente provadas.
A gestão dos recursos hídricos, Sr.ª Ministra, sobretudo dos que têm implicações transfronteiriças, devem ser vistos no âmbito da União Europeia. Acho que há acordo sobre este aspecto. Aliás, já em tempos enviei um requerimento à Comissão das Comunidades Europeias e, hoje, aqui, eu e o Deputado Eurico Figueiredo assumimos o compromisso de dinamizar o movimento popular para apresentar ao Parlamento Europeu uma petição, usando o direito que todos os cidadãos da Europa têm.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr Presidente, Sr.ª Ministra, o Grupo Parlamentar de Os Verdes apresentou ao Governo, em 19 de Janeiro de 1993, um requerimento no sentido de saber se o Governo tinha conhecimento do Plano Hidrológico Espanhol e das eventuais consequências do transvase de caudais.
0 Governo respondeu que tinha conhecimento e que o governo espanhol o tinha enviado atempadamente - é assim que está expresso na resposta ao requerimento ao Governo português, de onde se podia depreender que os transvases de caudais previstos não eram significativos e, portanto, não tinham impactes relevantes no desvio dos caudais dos rios portugueses.
Foi esta a resposta que o Governo, na altura, através do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, deu ao Grupo Parlamentar de Os Verdes.
Portanto, na altura, em Janeiro de 1993, a posição do Governo era a que acabei de dizer; ontem e hoje, a Sr.ª Ministra afirma-se profundamente preocupada. A minha pergunta é a seguinte: o que é que mudou?
Do conhecimento que temos das duas versões do Plano Hidrológico Espanhol, as mudanças não foram significativas. Daí, a minha pergunta.

Página 2009

22 DE ABRIL DE 1994

2009
Em segundo lugar, queremos saber se o Governo assume toda a responsabilidade pelo facto de ter deixado decorrer um ano sem impedir, por sua iniciativa, que o governo espanhol continuasse a trabalhar na elaboração e a tomar decisões no Plano Hidrológico Espanhol à margem dos interesses portugueses.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

0 Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, V. Ex.ª teve, recentemente, oportunidade de correr o País e, por isso mesmo, penso que desta vez estará em melhores condições para responder às questões concretas que vou colocar relativamente ao distrito de Setúbal.
Como sabe, nesse distrito, a quase totalidade da água usada para o abastecimento urbano, industrial e até agrícola é captada em aquíferos subterrâneos, estando acima dos 90 % a população servida por rede.
Por outro lado, a rede da colecta de esgotos ronda, aproximadamente, os 100 % mas, quanto ao tratamento destes, a situação é francamente má e até pior do que o nível nacional relativamente ao tratamento de águas residuais, de esgotos. etc.
No que se refere aos recursos hídricos de superfície, a situação pode ser considerada grave e causadora de justificadas preocupações.
0 rio Sado (isto está confirmado por informações recentes, divulgadas no 2.º Congresso da Água) encontra-se poluído em praticamente toda a sua extensão, pelo que a sua água não é considerada adequada para o consumo humano e, em alguns troços, não possui qualidade para o simples contacto com a pele, sendo este facto devido às emissões de afluentes não tratados de origem urbana, industrial e agrícola. As albufeiras existentes, cujos casos mais preocupantes são os do Vale do Gaio, de Campilhas e de Pêgo de Altar, encontram-se poluídas por contaminantes de origem agrícola, agroalimentar e suinicultura - há aqui um grande impacto das suiniculturas -, pelo que se encontram casos graves de eutrofização. Também o rio Tejo continua com níveis elevados de contaminantes de origem industrial, que são carreados pelos seus afluentes, assim como de poluição orgânica de origem urbana.
Quanto aos recursos hídricos de superfície, referentes à península de Setúbal (agora já não apenas ao distrito de Setúbal), a situação não é menos preocupante: no aquífero superficial foi detectada contaminação por hidro-carbonetos, entre outros poluentes, pelo que a sua utilização como origem de água para abastecimento humano se encontra comprometida, a não ser que sejam usados processos de tratamento complexos. Quanto ao aquífero subterrâneo, este ainda se mantém com boa qualidade mas, devido ao facto de praticamente toda a água utilizada para o abastecimento urbano, industrial e agrícola ter esta origem, encontra-se sob forte pressão, correndo-se um risco sério - sem dúvida, muito sério - de, dentro de muito pouco tempo, haver necessidade de recorrer a origens de água fora da própria península de Setúbal.
Assim, Sr.ª Ministra, que medidas e meios financeiros existem para alterar esta situação que acabei de descrever relativamente ao distrito e à península de Setúbal?
Neste contexto, gostaria de colocar à Sr.ª Ministra ainda a seguinte questão: sabendo que a Associação de Municípios do Distrito de Setúbal, já por várias vezes aliás, já esteve marcada uma, mas foi desconvocada tem pedido audiências ao Ministério do Ambiente para apresentar projectos dos municípios do distrito e da península de Setúbal ligados ao abastecimento da água e à colecta e tratamento de esgotos, baseados na integração dos sistemas existentes num único sistema, que permitirá a sua gestão de modo mais eficaz e racional, até com boas economias de escala, que coloco é a de saber por que é que não é recebida a referida Associação nem são tidos em conta estes projectos, que me parecem ser úteis e que correspondem à filosofia que é defendida (pelo menos, em teoria) pelo Governo nesta matéria?
Por último, colocar-lhe-ei algumas questões rápidas acerca das quais gostaria de ouvir a Sr.ª Ministra.
Primeira, quanto ao desenvolvimento de acções e de iniciativas complementares, concretamente em relação à Lagoa de Albufeira, qual é o ponto da situação e que nova etapa para a protecção e o necessário reequilíbrio ambiental desta área e, em particular, da lagoa?
Segunda, quanto à Lagoa de Melides, que, desde 1980 (repito, 1980!), anda em diálogo entre a Câmara de Grândola e departamentos da Administração Central, com troca de correspondência que, certamente, estará no Ministério - para quando a sua recuperação e para quando a definição de objectivos relativamente a este recurso?
Terceira, relativamente à Ribeira de Grândola, há muito que se fala de estudos para o seu aproveitamento integrado, nomeadamente para a instalação de minicentrais hidroeléctricas, e também para a sua utilização para o abastecimento público, quando é que estarão finalizados os estudos e quando é que se inicia a obra de aproveitamento desta ribeira?
A quarta e última questão é sobre a Lagoa de Santo André, em Santiago do Cacém. Sabe-se das acções que estão a ser desenvolvidas pela Câmara Municipal, mas o problema é tão grande como a importância desta lagoa, tanto por ser uma das mais importantes do País como no próprio conjunto das lagoas costeiras europeias - que medidas existem de apoio às acções que já estão a ser levadas a cabo, nomeadamente o tratamento de águas residuais e de esgotos, o desassoreamento e a própria recuperação do sistema dunar, que é extremamente importante para esta zona?
Espero que a Sr.ª Ministra ou o Sr. Secretário de Estado possam responder a estas questões.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais.

A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais: - 0 Sr. Deputado António Martinho referiu que os Deputados, quando questionam o Governo, estão a cumprir o seu dever - não tenho a menor dúvida sobre isso, nem me ocorreria pensar que não deveria ser objecto de interesse parlamentar uma questão como esta, que tem suscitado o debate, hoje, aqui. Mais uma vez, quero pedir-lhe desculpa, a si e ao Sr. Deputado Eurico Figueiredo, por não ter sido dada resposta por escrito ao requerimento que foi dirigido ao Ministério do Ambiente há algum tempo atrás - já falámos sobre isso ontem, mas renovo as minhas desculpas -, mas penso que a questão colocada nesse requerimento já terá sido respondida na reunião que tivemos ontem e neste debate de hoje.

Página 2010

2010

I SÉRIE - NÚMERO 61
Quanto ao que se refere aos planos espanhóis para o rio Douro em matéria de abastecimento de água, produção de energia eléctrica e navegabilidade, e no que diz respeito ao abastecimento de água para consumo humano, penso que esse é talvez o aspecto que menos influência terá - naturalmente que as captações de água para consumo humano, hoje em dia e, sobretudo, no futuro, serão, cada vez mais, feitas fora do leito do rio Douro, recorrendo a outras fontes. Creio que a questão da navegabilidade também não se porá de forma relevante. No que respeita à produção de energia eléctrica, já não digo a mesma coisa, antes pelo contrário essa é talvez a situação mais preocupante relativamente ao caudal do Douro.
Naturalmente que os aspectos climatéricos são aqueles que nos preocupam, de uma maneira geral, embora aí sejamos um pouco impotentes, mas, em todo o caso, teremos de tomar medidas no sentido de nos adaptarmos a alterações climatéricas e de pluviosidade, se se verificar isso - contudo, essas alterações não estão hoje provadas. 15to prende-se com a questão que há pouco foi abordada, em relação a tabelas de anos que são consideradas necessárias para se poder ter alguma confirmação relativamente àquilo que seja efectivamente uma alteração climatérica: são precisos longos anos até que se possam confirmar essas alterações e fazer uma leitura de onde se retirem consequências relativamente a essas evoluções.
No plano da União Europeia, o Sr. Deputado disse que iria hoje mesmo tomar a iniciativa, em colaboração com o Sr. Deputado Eurico Figueiredo, de dinamizar o movimento de interesse popular no âmbito parlamentar europeu - naturalmente que essas iniciativas são oportunas e, na medida em que o Governo proeurou internacionalizar e levar a uma instância comunitária esta questão, parece-me perfeitamente justificada esta e qualquer outra iniciativa
Sr. Deputado André Martins, quanto às posições anteriores do Governo, penso que já respondi a essa questão a propósito de outras perguntas: não creio que o Governo possa ser acusado de, durante um ano, não ter tomado qualquer iniciativa neste âmbito porque, ainda no fim do ano passado, eu própria fiz várias diligências em relação a esta matéria, como, aliás, tive ocasião de explicar, e essas diligências não foram as primeiras - naturalmente que, antes disso, tinha havido contactos entre os governos, como disse há pouco, existindo instâncias da Administração que dialogam sobre este assunto.
0 Sr. Deputado José Manuel Maia colocou várias questões relativas à península de Setúbal: não sei se estou em condições de responder-lhe com o detalhe que, provavelmente, requererá quanto a essa matéria, mas terei muito gosto em transmitir-lhe posteriormente a resposta a algumas das questões que referiu.
Em todo o caso, quanto ao tratamento dos efluentes líquidos e sólidos de Setúbal, naturalmente que isso começa a ser uma competência comunitária, o que não significa que não possamos dialogar com o município, tal como temos feito com outros acerca destes aspectos. Justamente, durante a Presidência Aberta, tive ocasião de trocar algumas impressões com o Presidente da Câmara de Setúbal que me disse que tinha pronto um plano para uma estação de tratamento de efluentes para Setúbal e que estava a avaliar as possibilidades de financiamento no âmbito do Quadro Comunitário de

Apoio. No que diz respeito aos resíduos sólidos, talvez não tenha recebido ainda a Associação de Municípios do Distrito de Setúbal, mas tenho tido contactos com muitos autarcas e muitos presidentes de câmaras da península de Setúbal e têm sido abordados projectos nesta área, de recolha de resíduos sólidos. Está neste momento em fase negociada um acordo com estes municípios no sentido de se promover o financiamento de uma estação de tratamento de resíduos sólidos para a península de Setúbal, financiamento esse que está previsto nos projectos incluídos no Fundo de Coesão. Em relação aos outros aspectos de maior pormenor, dar-lhe-ei a informação numa fase posterior.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

0 Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, é impossível ignorar que hoje acaba a Presidência Aberta sobre o Ambiente, estando nós num debate sobre recursos hídricos, uma das matérias fundamentais da questão ambiental.
E, acabando hoje a Presidência Aberta, isso dá-nos um bom ensejo e uma boa oportunidade para felicitar o Sr. Presidente da República por essa iniciativa. 0 objectivo assumido nesta Presidência Aberta, o de sensibilizar os cidadãos para as questões ambientais, foi sem dúvida conseguido com pleno êxito e merece o aplauso do PS como, aliás, o mereceu de todos os outros partidos políticos.
No entanto, esta Presidência Aberta teve, ainda, um outro efeito muito importante: o de alertar a opinião pública para a degradação ambiental no nosso país. Em 18 dias de Presidência Aberta, o ambiente do País esteve exposto e ninguém pode dizer que está contente com o que viu - nem sequer o Sr. Deputado Silva Marques. E, se alguma imagem fica desta Presidência Aberta, é a da deterioração da situação ambiental; o sentimento que fica é o do agravamento da crise ambiental entre nós, que é, aliás, confirmada, pela análise objectiva dos principais indicadores ambientais.
Este debate sobre recursos hídricos, que se realiza no final desta Presidência Aberta, constitui um bom ensejo para que esta Assembleia reflicta sobre o modelo de desenvolvimento seguido nos últimos anos, principalmente no que respeita ao problema ambiental que todos estamos de acordo sobre isso - deve ser entendido como um objectivo do desenvolvimento tão importante como qualquer outro. Neste balanço, certamente já não estaremos todos de acordo. Mas é assim a polémica político-partidária, verdadeiro sal da democracia, sempre necessária em todos os assuntos políticos e, por maioria de razão, naquele que é hoje um dos mais importantes e actuais: o ambiente.
Bem sei que é injusto considerar como ponto de partida para a política de ambiente a adesão à CEE. Antes, o ambiente já tinha, com certeza, os seus defensores e as suas ideias. Mas não há dúvidas de que foi a adesão que criou expectativas fundadas de potenciar a problemática ambiental, considerando-a como questão central na política de desenvolvimento e com a possibilidade de conferir ao ambiente um estatuto político que, até então, nunca teve. Essa esperança, entre os que acompanham as questões ambientais com mais proximidade, veio fundamentalmente da adesão à Europa. E fundamentalmente por três razões: por um lado, a le-

Página 2011

22 DE ABRIL DE 1994

2011

gislação ambiental europeia podia constituir o motor da legislação portuguesa e inspirar um quadro regulamentador capaz de proteger e valorizar o ambiente em Portugal; por outro lado, a experiência e as práticas ambientais seguidas nos países do centro e do norte da Europa deveriam servir de exemplo para a construção de uma efectiva política de ambiente em Portugal; finalmente, e não menos importante, os fundos comunitários deveriam permitir o acesso a recursos financeiros indispensáveis para realizar os investimentos ambientais indispensáveis ao desenvolvimento do país.
Srs. Deputados, a adesão à Europa constitui, portanto e sem dúvida, a oportunidade do ambiente. Infelizmente, oito anos depois, o espectáculo que esta Presidência Aberta proporcionou, a análise da maior parte dos indicadores ambientais, a emergência de novos problemas ambientais que se vieram juntar aos antigos, são dados indesmentíveis da crise, são dados indesmentíveis de um balanço de frustração, um balanço de falhanço.
A pergunta que se impõe é: como chegámos aqui? Como é que os governos desde 1985, que tiveram a Lei de Bases do Ambiente logo em 1987, que tiveram a maior parte dos problemas já estudados e diagnosticados, que tiveram dinheiro e acesso a fundos comunitários, que viveram épocas de crescimento económico e tiveram estabilidade política, podem apresentar um resultado tão medíocre e um estado do ambiente no País, que é lastimoso?
A simples resposta conformista que a culpa é de todos nós, dos nossos hábitos, do nosso estádio de desenvolvimento não me convence, como convence o Sr. Deputado Silva Marques! ...

Risos do PSD.

Para mim, há uns mais responsáveis que outros e, entre esses, está quem governa. A crise ambiental não é um castigo dos céus, não deriva de uma fatalidade histórica dos portugueses - não temos que nos resignar a isso; ela resulta, em larga medida da decisão política e das opções políticas tomadas. 0 Governo é culpado! Culpado, desde logo, por, nestes últimos oito anos, ter sacrificado tudo aos objectivos imediatos de crescimento económico. A febre do crescimento a todo o custo levou a que nenhuma política tivesse preocupações ambientais. A política das obras públicas, por exemplo, fez-se em permanentes conflitos com o ambiente: a Via do Infante, a auto-estrada do Norte e agora a nova ponte sobre o Tejo em que, mais uma vez, o ambiente foi sacrificado, são exemplos reveladores das opções políticas. Mas vejamos a política florestal: aí, foi o que se viu - eucaliptizou-se a floresta, transformando-a numa simples reserva de matéria-prima para a indústria das celuloses Foi um acaso, Srs. Deputados? Não foi! Foi uma opção política, baseada na famosa doutrina «eucalipto/petróleo-verde»!
A mesma coisa na indústria: nenhum esforço sério de reconversão ambiental da nossa indústria foi levado a cabo nestes últimos oito anos - os contratos-programa ficaram no papel, os incentivos económicos e financeiros não existiram e o resultado é o parque industrial ambientalmente inviável que temos hoje no País.
Em suma, Srs. Deputados, foi o crescimento contra o desenvolvimento. Inevitável? Não! É o resultado de uma opção errada e de uma concepção ultrapassada do desenvolvimento.

Mas o Governo é também culpado pelo fraco investimento no Ambiente. Os orçamentos do Ambiente, nestes últimos oito anos, não passaram dos 0,5 % do total dos investimentos do Estado nem dos 0,15% do produto, enquanto toda a Europa já chega aos 1% do
produto. Nestes últimos oito anos houve dinheiro para tudo, menos para o ambiente.
E, afinal, de quem é a culpa de as leis ambientais serem más, tecnicamente fracas, feitas à pressa e, pior do que tudo, de não serem cumpridas?
Quem é o responsável por este abismo que separa o país legal do país real? Quem é o responsável pela ausência de fiscalização e cumprimento da lei que faz desesperar qualquer cidadão que quer defender e fazer respeitar os seus direitos ambientais? Quem o responsável pelo descrédito em que caiu a legislação ambiental? Quem é culpado pala selva burocrática, pelo emaranhado legislativo tantas vezes usado pelos prevaricadores como refúgio seguro?
E não será o Governo culpado da dança de responsáveis que nestes oito anos caracterizou o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais? Já tivemos Pimenta, Macário, Real, Borrego e, agora, Teresa Gouveia. Em oito anos, Srs. Deputados, cinco Ministros, portanto um ano e meio por Ministro. Tanta mudança num Ministério que exige políticas prospectivas e de longo fôlego só pode dar como resultado um ministério à deriva, sem orientação e sem política!...
Em oito anos o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais nunca foi notícia pelas soluções: foi sempre notícia pelos problemas!
É significativo que, em oito anos e com tantos problemas no País, o Ministério do Ambiente não tenha uma única obra, uma única realização que se possa visitar e da qual se possa dizer: aqui está qualquer coisa para mostrar. Nada! 15so mesmo constataram o
Sr. Presidente da República e o Grupo Parlamentar do PSD na sua excursão ambiental. Não descobriram nada para que pudessem dizer: «Aqui está uma obra do Governo!»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que respeita aos recursos hídricos, o panorama é tão desanimador como o de outras áreas da política de ambiente. É, no entanto, a área mais visível e chocante da crise ambiental e a que espelha melhor o nível pardacento das preocupações ambientais do Governo.
A ausência de uma política clara e consequente nos últimos anos, a ausência de investimento na despoluição de áreas críticas, a ausência de objectivos ambientais nas políticas industriais e agrícolas, a falta de planeamento e de um quadro legal estável, coerente e tecnicamente adequado têm levado, ao contrário daquilo que a Sr.ª Ministra aqui afirmou há pouco - e isso está provado nos relatórios científicos apresentados nos encontros a que tenho assistido -, ao declínio da qualidade e ao agravamento dos problemas da poluição hídrica, como é demonstrado pelos vários estudos que têm sido publicados.
Já mereceu discussão e crítica a legislação recente sobre as questões da água, feita mais com o objectivo de administrar os fundos comunitários do que para dotar o País de um planeamento e gestão adequado e moderno.
Também já mereceram reparo os adiamentos e a gestão catastrófica em que se encontram os principais investimentos ambientais na despoluição hídrica, como é o caso da Ria de Aveiro, do saneamento básico da Costa do Estoril (isto para já não falar dos rios Trancão e Alviela). VV. Ex.ªs não têm uma única obra para

Página 2012

2012

I SÉRIE - NÚMERO 61

mostrar e já lá vão oito anos de promessas!... Por exemplo, em relação ao rio Alviela, já houve três Secretários de Estado que prometeram que iam lá tomar banho, mas a verdade é que até hoje ninguém se atreveu...

Protestos do PSD.

Srs. Deputados, mas a questão mais actual e o mais sério problema com que o País está defrontado no que respeita aos nossos recursos hídricos é a que resulta do Plano Hidrológico Nacional Espanhol. Lembro à Sr.ª Ministra que a invocação do estatuto de superioridade de visão de Estado é próprio de quem não tem uma cultura política e de quem tem, no fundo, um sentimento de insegurança e de pequenez. Quem tem segurança não precisa de invocar esse nível de superioridade de considerações dos interesses do Estado. Aliás, a Sr.ª Ministra devia saber que os interesses do Estado não são propriedade do Governo nem muito menos de um Ministro. Portanto, a invocação ficou mal e é própria de quem não tem cultura política. Todos os partidos têm direito a ter a sua própria visão de Estado e nenhum tem direito a defender aquilo que são, na sua perspectiva, os interesses nacionais. Quanto mais nacional é um problema maior razão há para que todos os partidos se pronunciem sobre ele. De resto, as diferentes visões não diminuem o problema, antes pelo contrário, a pluralidade de opiniões é que toma um problema verdadeiramente nacional - isto vem, Sr.ª Ministra, em todos os manuais de ciência política!

Protestos do PSD.

Há um ano que o Presidente da Câmara do Porto chamou a atenção do País para o problema do Plano Hidrológico Nacional Espanhol, tendo manifestado a sua apreensão e pedindo explicações; há um ano que vários responsáveis do PS têm chamado a atenção para o facto de este Plano pôr directamente em causa interesses portugueses nos domínios hídricos, energéticos e ambientais.
Pois, durante este ano o Governo, de forma, aliás, desajeitada, tentou sempre minimizar o problema e desvalorizar o assunto!
Embaraçado, porque o Plano Hidrológico Nacional Espanhol mostrava directamente as fraquezas do Planeamento Hidrológico Português, o Governo nunca reconheceu as dificuldades e os problemas que o plano espanhol coloca a Portugal.
Hoje, sabendo-se o que sabe, não podemos deixar de lamentar que a arrogância e o autoconvencimento dos governantes tão facilmente os tenha atirado para o terreno da pura irresponsabilidade.
Mas tudo tem limites! Pressionado pela evidência da realidade, o Governo mudou de atitude. Ontem, na Comissão, o Governo reconheceu, finalmente, que o Plano Hidrológico Nacional Espanhol põem em causa interesses portugueses, pelo que de declarou preocupado.
Ficámos, pois, a saber que o Governo também aprende. Demora tempo é certo, mas aprende!
Depois de ter dito coisas horríveis do Dr. Fernando Gomes, não espero que este Governo lhe peça desculpas. Sei que a grandeza deste Governo não dá para tanto... Para nós, que acreditamos na redenção das atitudes, basta-nos que o Governo tenha finalmente acordado para o problema.
Pela parte do PS, o Governo sabe que pode contar connosco em tudo o que seja a defesa dos interesses nacionais. Já o disse e repito-o: para o PS o Plano Hidrológico Nacional Espanhol e, principalmente, os transvases previstos na bacia do Douro e do Guadiana, tal como estão previstos, são inaceitáveis!
No entanto, é necessário que o Governo vá mais longe e torne mais clara a sua posição. Desafiada para isso há bocado a Sr.ª Ministra não o fez, mas, de qualquer forma, espero que o faça ao longo deste debate!
A Ministra diz-se preocupada, mas preocupados estão todos os portugueses. Dos governantes espera-se algo mais.
Quais as orientações políticas para a negociação? Que interesses portugueses são inegociáveis e estão fora de questão? Que é que se espera obter? Quais os objectivos a atingir, tendo em conta as necessidades futuras do País?
Estas questões exigem respostas claras e urgentes. É dever dos governantes dá-las, pois só assim é possível em consciência avaliar o desempenho do Governo.
Governar é mais do que atribuir subsídios, anunciar pacotes e prometer soluções. Em 1995 completam-se 10 anos de adesão. Se em 10 anos a política de ambiente não sair do tom pardacento em que tem vivido, então a oportunidade que a Europa deu ao desenvolvimento e à modernização do País perder-se-á e nem com toda a boa-vontade o Marcelo Rebelo de Sousa será capaz de dar nota positiva a este Governo!

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

0 Sr. António Murteira (PCP). - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: As políticas ambientais e de recursos hídricos têm encarado, no fundamental, a Natureza e os recursos que ela nos proporciona como fonte de exploração e de lucro numa perspectiva imediatista de carácter conservador.
Em nosso entender, numa moderna política de desenvolvimento económico e social a abordagem da questão ambiental e dos recursos hídricos deve assentar na observância da relação histórica e interactiva entre a Natureza e o Homem numa perspectiva integrada, global e estratégica. 15so implicará o avanço para novos conceitos de desenvolvimento, esforço, criatividade e vontade política para se progredir no sentido de um desenvolvimento sustentado e solidário
Partilhamos do ponto de vista de que, na gestão dos recursos hídricos, a qualidade e a quantidade das águas devem ser consideradas como dois aspectos da mesma questão.
Portugal dispõe de recursos hídricos suficientes, desde que racionalmente aproveitados através de um correcto planeamento e gestão, incluindo o das águas das bacias hidrográficas dos rios internacionais que partilhamos com Espanha.
A falta de dados fiáveis disponíveis torna, contudo, difícil apreciar com rigor a evolução da qualidade das águas em Portugal.
Tendo em conta as opiniões emitidas pelas mais diversas entidades, tudo indica estarmos perante um processo de crescente poluição das águas de superfície e dos aquíferos, particularmente dos rios portugueses, pro-

Página 2013

22 DE ABRIL DE 1994

2013
blemas estes que a Presidência Aberta sobre o Ambiente veio confirmar e reforçar.
0 incrível acabou por acontecer como corolário de uma política sem estratégia: fomos ontem informados, Srs. Deputados, de que os principais rios internacionais do nosso país - o Douro, o Tejo e o Guadiana - perderam, nos últimos 20 anos, os dois primeiros cerca de 1/4 e o Guadiana mais de metade do caudal da água que vinha de Espanha.
A confirmar-se, esta é uma situação extremamente grave em termos da quantidade e, por consequência, da qualidade das águas, com repercussões ambientais e económico-sociais que o País desconhece. Neste sentido, é estranho que o Sr. Deputado Nuno Delerue entenda que esta não é uma questão importante e assim, em vez de abordá-la responsavelmente, a tenha rotulado.
Como é possível, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, que durante 20 anos o País não tenha sido devidamente informado de uma tão grave situação e das suas consequências? Como é possível que não tivessem sido tomadas quaisquer medidas? Há pouco coloquei esta pergunta à Sr.ª Ministra, mas até agora ainda não obtive uma resposta. De qualquer forma, gostava de ouvir um comentário sobre esta matéria.
Mantêm-se, em nossa opinião, as principais causas de degradação dos recursos hídricos. A Sr.ª Ministra disse que contradiz esta opinião, mas vejamos: cerca de 60 % das águas residuais continua a ser directamente lançada nos vários receptores, sem qualquer tipo de tratamento. Portugal, com o PSD no poder, ocupa o último lugar (mesmo atrás da Grécia) em percentagem de população servida por redes de drenagem e por Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR's). No tocante à poluição industrial e agrícola, as medidas tomadas e o controle da sua aplicação são manifestamente insuficientes e ineficazes. Por outro lado, os passos dados com vista à solução do problema dos resíduos urbanos, industriais e hospitalares são lentos e insuficientes.
De acordo com dados de 1987, Portugal produz mais de 1 milhão de toneladas/ano de resíduos e «a eliminação é feita em 75 % do total produzido sem quaisquer tratamentos prévios», isto é, são simplesmente descarregados no solo.
Mantém-se a falta de estações de tratamento de resíduos tóxicos como também o perigo, perante o silêncio comprometedor e preocupante do Governo - e pergunto-lhe, Sr.ª Ministra, o que vai fazer em relação a esta questão -, das centrais nucleares instaladas nas principais bacias hidrográficas do Douro, Tejo e Guadiana em território espanhol.
Os caudais dos principais rios internacionais (Douro, Tejo e Guadiana) sofreram uma forte redução nos últimos 20 anos, com os impactes que isso tem na qualidade das águas: sentem-se cada vez mais os efeitos de uma desordenada e «comercialista» politiquice florestal - e hoje é reconhecido que isso foi um fracasso! - sobre os ecossistemas e sobre a quantidade e qualidade dos recursos hídricos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Tudo isto é agravado pela ausência de um sistemático e equilibrado ordenamento do território.
Perante estes dados volto a perguntar-lhe, Sr.ª Ministra: ainda continua a entender que não se mantêm as causas de degradação dos nossos recursos hídricos?
0 planeamento e a gestão dos recursos hídricos - e isto não serve para interpelar o Governo, pois é um problema da máxima importância, que merece que dialoguemos sobre ele - são, porventura, ou deverão ser, a questão central, a trave-mestra de uma correcta política nacional de recursos hídricos.
Apesar de decisiva, esta questão tem passado despercebida (ou tem sido secundarizada) ao Governo, à opinião pública e, mesmo, a muitos órgãos de comunicação social.
Vejamos, pois, a opinião da comunidade científica e técnica sobre esta mapa questão.
0 II Congresso da Água, que decorreu em Abril em Lisboa, considera que, em matéria da gestão dos recursos hídricos e da legislação produzida pelo Governo, «se poderá inferir que o Governo chama a si próprio exclusivamente esta tarefa, solução inédita e altamente centralizadora e governamentalizadora, que não tem paralelo na generalidade dos países democráticos e avançados nesta matéria e, em particular, nos países europeus».
A gestão participada dos recursos hídricos é da maior importância.
Na legislação avulsa - e digo «avulsa» porque nem sequer temos uma Lei de Águas - produzida pelo Governo as autarquias são particularmente atingidas, desde a «retirada de competências à atribuição de poderes meramente consultivos em matérias muito importantes».
Não fica também assegurada a gestão participada no processo de decisão dos utilizadores da comunidade científica e técnica, das associações de defesa do ambiente e das populações.
Sobre a decisão do Governo de não considerar a bacia hidrográfica como unidade de gestão de recursos hídricos - uma coisa é o planeamento e outra a gestão e, tal como a Sr.ª Ministra disse, o planeamento será porventura o primeiro e o fundamental acto de gestão, daí que não se entenda que em matéria de gestão não tenham sido consideradas as bacias hidrográficas - mas, sim, apenas como unidade de planeamento decisão, diz o Professor Luís Veiga da Cunha que «Esta alteração orgânica viria a materializar um gigantesco passo atrás, com a oficialização da ideia de que a gestão dos recursos hídricos deixava de fazer-se por bacias hidrográficas».
Sobre o pacote governamental de 22 de Fevereiro de 1994, diz-nos também o Professor Luís Veiga da Cunha: «Ficou, assim, a gestão dos recursos hídricos a cargo de entidades com limites territoriais coincidentes com os das NUT's 2 e o 'planeamento' dos mesmos recursos a cargo de entidades com limites coincidentes com os das bacias hidrográficas». Aponta situações como esta: a bacia hidrográfica do rio Tejo tem três direcções regionais a tratar da sua gestão!
Diz também: «Destruir a lógica da gestão por bacias hidrográficas não irá certamente criar condições para ajudar a resolver os problemas existentes em Portugal em matéria de recursos hídricos mas, sim, favorecer e acelerar a já anterior situação de degradação do sector das recursos hídricos, com a gestão a ser feita por uma entidade, o planeamento por outra e a recolha de dados por diversas entidades actuando de forma desarticulada». E continua: «É difícil de entender como, com esta dualidade de critérios, as coisas podem funcionar, já que o planeamento é uma das mais importantes, senão a primeira, das acções de gestão. Como foi sublinhado no II Congresso da Água, «não deixa de causar

Página 2014

2014

I SÉRIE - NÚMERO 61

estranheza que o Governo tenha optado, uma vez mais, pela produção de legislação avulsa sobre aspectos parciais da gestão dos recursos hídricos, embora importantes, em vez de ter procedido à discussão e definição de uma política nacional de recursos hídricos (como se fez em Espanha, em França e Itália) a culminar com a elaboração de uma Lei da Água».
É estranho que o Governo tenha rejeitado o conceito de gestão e planeamento integrados por bacia hidrográfica; que o Governo tenha rejeitado a filosofia de gestão democrática e participada e tenha optado por um modelo duro, centralizado e governamentalizado.
Como acabámos de constatar, mais uma vez, o Governo não soube, não quis ou não pôde acertar o passo para apanhar o comboio.
Porquê? Não sabemos, embora cresça a opinião de que certos e influentes interesses privados no chamado «negócio da água» e a divisão centralista e clientelar do Governo em relação aos fundos comunitários para o sector possam estar por detrás do caminho escolhido.
É uma legislação e uma política para os recursos hídricos que é preciso rejeitar e combater decididamente!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Portugal não pode aceitar o Plano Hidrológico Nacional Espanhol na sua versão actual!
Vejamos porquê!
Depois de ter analisado a política do Governo para os recursos hídricos, percebe-se melhor que o País foi apanhado de surpresa, não por mera casualidade ou fatalidade do destino, como agora se pretende fazer crer, mas, sim, porque o Governo não esteve à altura de cumprir o seu dever!
Percebe-se melhor também que, tendo sido apanhado em falta, o Governo queira agora negociar às escondidas, correndo desesperadamente, descalço e de chapéu na mão, atrás de um comboio que os espanhóis já puseram em movimento e a alta velocidade há mais de uma década (isto considerando que foi em 1985 que aprovaram a Lei da Água).
Percebem-se melhor agora as razões pelas quais o País continua sem ser devidamente informado, à mercê de boatos, de especulações e incertezas, sobre o significado e impacto do Plano Hidrológico Nacional Espanhol no nosso país. Esta constitui uma questão nacional da máxima importância!

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Em Portugal cerca de 40 % dos recursos de águas superficiais provêm de Espanha através das bacias hidrográficas dos rios Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana e cerca de 2/3 do território português é abrangido por bacias hidrográficas internacionais.
Por aquilo que se conhece, designadamente através dos relatórios do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Portugal não pode aceitar o Plano Hidrológico Nacional Espanhol na sua actual versão porque os interesses nacionais seriam gravemente afectados. Seria bom que, hoje, a Sr.ª Ministra dissesse aqui se esta é ou não a posição do Governo. A situação é grave e o País tem o direito de conhecer a posição do Governo sobre esta matéria.
Quanto ao rio Douro, o caudal de água que chega a Portugal sofreu uma redução da ordem dos 20% nos últimos 20 anos. Com as transferências previstas no Plano Hidrológico Nacional Espanhol estima-se que o caudal de água sofrerá nova redução de 22 % até ao ano 2012.
Em relação ao rio Tejo, o caudal de água que chega a Portugal sofreu uma redução da ordem dos 27 % nos últimos anos e com o Plano Hidrológico Nacional Espanhol, sofrerá uma nova redução da ordem dos 15 %.
Ao contrário daquilo que a comunicação social tem veiculado, é no rio Guadiana e não no Douro que os problemas se podem colocar com maior gravidade pelas suas características e natureza. 0 caudal de água que chega a Portugal, nos últimos 20 anos, sofreu uma redução de 56 %, portanto passou a entrar menos de metade da água. 15to é extremamente grave e é incrível que o Governo nada tenha dito sobre esta questão!
Com as transferências previstas, prevê-se que o Guadiana I sofra nova redução da ordem dos 23 % e que o Guadiana II a jusante, portanto abaixo de Alqueva, da ordem dos 100 %. Esta situação seria desastrosa para Portugal - e não apenas para o Alentejo! - e teria consequências preocupantes no empreendimento de Alqueva.
Mas a situação é ainda agravada porque os «elementos disponíveis» no Plano Hidrológico Nacional Espanhol (também segundo os relatórios do LNEC) não permitem avaliar todos os impactes sobre as bacias hidrográficas destes rios, particularmente em anos secos, que são muito frequentes no nosso país.
Os factos obrigam-nos a concluir que o Governo, pela política feita até agora e pela política que desenha para o futuro, não está em condições de conduzir e defender os interesses nacionais nas negociações com Espanha e em matéria de política de recursos hídricos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Para uma nova política nacional de recursos hídricos, o PCP propõe: a discussão e definição de uma política nacional de recursos hídricos; a elaboração de uma Lei da Água; a elaboração do Plano Hidrológico Nacional de Portugal; a adopção do conceito de planeamento e gestão integrada por bacia hidrográfica e coordenação a nível das bacias hidrográficas internacionais; a adopção de uma filosofia de planeamento e gestão descentralizada e participada, designadamente a nível das instâncias de decisão, não só pela Administração Central mas também pelas autarquias, utilizadores, comunidade científica e técnica, associações de defesa do ambiente e populações (e sem isto nenhum plano hidrológico nacional poderá ter êxito);...

Vozes do PCP:- Muito bem!

0 Orador:- ... que Alqueva continue a ser considerado objectivo prioritário - e gostava que a Sr.ª Ministra, hoje, se pronunciasse sobre esta questão: a disponibilização de meios financeiros, científicos, técnicos, de fiscalização, formação e informação suficientes e adequados para solução dos graves problemas de poluição dos recursos hídricos, desde o saneamento básico aos outros; e, por fim, a tomada de iniciativa nas negociações com Espanha sobre o Plano Hidrológico Nacional Espanhol, designadamente na celebração de novos convénios que há mais de 10 anos deveriam ter sido acordados.
0 PCP propõe também, com vista a uma discussão e informação serena e alargada da questão dos recursos hídricos, particularmente da questão do Plano

Página 2015

22 DE ABRIL DE 1994

2015
Hidrológico Nacional Espanhol, que a Assembleia da República promova a realização de três debates, com a participação do Governo, da Assembleia da República, das autarquias, dos utilizadores da comunidade científica, nas áreas das bacias hidrográficas dos rios Douro, Tejo e Guadiana para que possamos aprofundar esta questão e formar uma opinião pública que eventualmente venha a apoiar as nossas posições de negociação com Espanha.
Também por proposta do PCP a discussão da questão dos recursos hídricos e do Plano Hidrológico Nacional Espanhol era um dos temas ou o tema principal a debater na Cimeira Inter-Parlamentar Luso-Espanhola, que decorrerá em Lisboa de 4 a 6 de Maio próximo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Precisamos de recuperar, preservar e potenciar os recursos hídricos nacionais.
Depende de todos nós e do nosso povo lutar com firmeza por uma nova política para os recursos hídricos.
0 País pode contar com o empenhamento do PCP para este trabalho e para esta batalha!

Aplausos do PCP.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Costa.

0 Sr. José Silva Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Murteira: 0 Real Decreto Legislativo (espanhol) n.º 1131/1988, que aborda a questão do impacte ambiental, diz, no seu artigo 23.º, n.º 1, que «quando o projecto tenha repercussões sobre o meio ambiente de outro Estado membro das Comunidades Europeias, o Governo dar-lhe-á conhecimento tanto do conteúdo do estudo de impacte ambiental como do seu efeito.»
Por outro lado, o artigo 24.º afirma: «para conseguir uma maior divulgação nas trocas de informações e consultas entre os diferentes Estados, uma mais eficaz participação nas actividades complementares de avaliação do impacte ambiental e uma solução amigável das controvérsias, seguir-se-ão, de acordo com o Direito Comunitário e, se for caso disso, com o Direito Internacional, as técnicas mais adequadas, segundo as diferentes actividades e componentes ambientais e segundo as legislações sectoriais aplicáveis em cada país.»
Este Decreto admite ainda - e traduzo apenas a ideia que se possam formar comissões bilaterais ou mistas para análise dos respectivos problemas, afirmando ainda que o Governo espanhol incorporará as decisões dessas comissões no estudos de impacte ambiental.
Portanto, parece haver uma clara intenção de o governo espanhol, em casos de problemas transfronteiriços, abrir negociações - aliás, até a própria lei espanhola o refere, o que, naturalmente, deve ser tido em conta, pois num Estado de direito a lei é para se cumprir. Assim, tendo em conta os dados que citei, penso que existem instrumentos legais que permitem que o Governo português possa negociar com Espanha o problema do Plano Hidrológico Nacional Espanhol e os seus efeitos em Portugal - e, seguramente, o Governo português não deixará de utilizar esses mesmos mecanismos!
Reafirmaria aqui que, como há pouco disse o meu companheiro Nuno Delerue, o Grupo Parlamentar do PSD dará todo o apoio ao Governo para a obtenção de resultados positivos nessas negociações.
Quero ainda referir que, por exemplo, nas Cortes de Aragão, todos os partidos (aí incluído o PSOE) votaram, por unanimidade, uma resolução que veta os transvases para fora da província de Aragão.
Sr. Deputado António Murteira, numa situação como esta, que preocupa todos os portugueses, está o Partido Comunista disposto, numa postura de interesse nacional, a apoiar o Governo nas suas negociações com o Governo espanhol no sentido de se obterem resultados positivos nesta questão, que tanto nos preocupa, do Plano Hidrológico Nacional Espanhol?
Finalmente e porque o Sr. Deputado referiu algumas questões relacionadas com a qualidade da água e o saneamento básico e tendo em conta que o seu camarada José Manuel Maia referia o distrito de Setúbal...

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, queira concluir.

0 Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
... e a pretensão da associação dos respectivos municípios de construir vários sistemas intermunicipais para tratamento de efluentes e captação de águas, pergunto-lhe: essa pretensão contempla as Câmaras Municipais de Santiago do Cacém (ETAR's de Santiago do Cacém, Cercal, Mimosa/Alvalade e Ermidas, etc., e a construção da rede de esgotos de Cruz dos Monumentos, Sonega, Espadanal e Cercal do Alentejo) e de Sines (níveis de qualidade da água que tem indícios de excesso de hidrocarbonetos e de Porto Covo)?

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu):- Sr. Deputado, queira concluir.

0 Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
E também contempla a construção da nova ETAR e nova captação de água para abastecimento em quantidade e qualidade à população de Porto Covo?

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

0 Sr. António Murteira (PCP). - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Silva Costa, a sua segunda pergunta foi exactamente a que o meu camarada José Manuel Maia fez à Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais e à qual a Sr.ª Ministra disse que responderia posteriormente, por isso passo adiante.
Em relação à sua primeira questão devo dizer que a entendemos da seguinte maneira: numa questão tão importante como esta dos recursos hídricos não podemos avançar para negociações com base na boa vontade ou nas intenções do Governo espanhol. Aliás, nem para uma coisa menos importante essa seria uma boa base para negociações. As negociações entre dois Estados independentes e soberanos têm que decorrer com base nos convénios já assinados e nas convenções de Direito Internacional que existem sobre a matéria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Essa, Sr. Deputado, é que tem que ser a base para as negociações!

Página 2016

2016

I SÉRIE - NÚMERO 61

0 Partido Comunista apoiará as posições negociais do Governo que traduzirem os nossos pontos de vista. Vamos esperar e ouvir a Sr.ª Ministra e só depois tomaremos uma decisão sobre se apoiamos ou não todas ou algumas das posições que o Governo venha a tomar sobre essa matéria. Mas, para já, fica claro e na minha intervenção também o deixei claro, que discordamos frontalmente de algumas das linhas apontadas para a futura política de recursos hídricos. E fazêmo-lo não apenas como contestação gratuita mas porque estudámos o problema e temos a opinião que o modelo - permitam-me esta expressão - escolhido não foi o melhor. E, mais cedo ou mais tarde, vai ser necessário que o País altere o rumo - aliás, isso aconteceu em Itália e a Sr.ª Ministra sabe-o bem. No entanto, era bom que não perdêssemos mais 10 ou 15 anos e que houvesse pela parte do Governo abertura para rever algumas das propostas e assim trilhássemos um caminho mais adequado.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Matos.

0 Sr. João Matos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Murteira, começo por cumprimentar V. Ex.ª pela intervenção que produziu nesta Câmara. É que, apesar de não concordar com a filosofia que emana do seu discurso, tenho que reconhecer que o Sr. Deputado, ao contrário de outros partidos da oposição, designadamente o maior partido da oposição que não conseguiu trazer uma única ideia nova a este debate, apresentou propostas concretas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Aliás, do seu discurso ressalta uma preocupação sobre o tema que hoje estamos a tratar, muito ao contrário do outro partido da oposição que mal tocou neste assunto e que nenhuma proposta nova trouxe a este debate. E isto é preocupante na medida em que estamos confrontados com o maior partido da oposição que ambiciona ser governo e a quem os portugueses exigem que tenha uma postura séria nos debates que travamos. 15to é o mínimo que os portugueses e Portugal exigem!

Vozes do PSD:- Muito bem!

0 Orador: - Por outro lado, queria colocar-lhe algumas questões que têm a ver com os níveis hoje atingidos pelas populações em termos de saneamento básico, de abastecimento de água ao domicílio, de tratamento de resíduos sólidos, de tratamento de águas residuais. Sr. Deputado António Murteira, não acha que nos últimos anos houve uma melhoria substancial em todos estes índices? E como poderíamos melhorar esta situação?
Relativamente ao Plano Hidrológico Nacional Espanhol e particularmente em relação ao Guadiana, o Sr. Deputado referiu - e bem! - que nos últimos anos, de 1971 a 1991, houve uma redução de caudal na ordem dos 56 % e pergunto-lhe: qual é a parte que se pode considerar desviada e qual a que resulta da diminuição da precipitação? 15to é importante para percebermos o que está em causa porque sem esta distinção é impossível fazer uma avaliação rigorosa de qual o impacte ambiental que tem o desvio do rio Guadiana.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

0 Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Matos, obrigado pelas suas perguntas e pela apreciação da intervenção que produzi em nome do Grupo Parlamentar do PCP.
Sobre as questões que me colocou, a minha opinião é a seguinte: é evidente, se considerarmos o período do 25 de Abril até agora, que alguma coisa, e nalguns aspectos muita, foi feita em matéria de saneamento básico. Aliás, não seria de esperar outra coisa, em primeiro lugar, porque recebemos bastante dinheiro da CEE e, em segundo, também na generalidade das autarquias houve um esforço muito grande para que essas questões fossem resolvidas. Estou a lembrar-me da minha zona no Alentejo em que, antes do 25 de Abril, muitas vilas e até cidades não tinham abastecimento de água, rede de esgotos e hoje a maioria da população do Alentejo está servida com esses meios.
Mas, repare, mantêm-se - e foi o que disse - as principais causas de degradação, porque cerca de 60 % das águas residuais continuam a ser directamente lançadas sem o devido tratamento. Não vamos no pelotão da frente na Europa, vamos atrás.

0 Sr. João Matos (PSD): - Estamos a aproximar-nos.

0 Orador: - E o Governo, em vez de estar a pensar em privatizar para dar lucros ao sector privado, deve, com as autarquias e as outras entidades, pensar na resolução destes problemas utilizando os fundos comunitários, não para alguns enriquecerem mais do que já estão mas para resolvermos os problemas. Este foi o sentido do nosso alerta.
Quanto à quebra dos caudais, segundo nos informou o Sr. Professor do LNEC, não são conhecidas as suas causas. Serão os desvios de água para rega em Espanha, os aumentos de consumo e provavelmente quebras cíclicas na precipitação. De qualquer maneira, estes dados são referentes a um período de 20 anos e comparados com os 25 anteriores. Portanto, já é um período suficientemente largo para, mesmo como indicador, nos dizer que devemos tentar perceber melhor o que está a passar e também tomar medidas para que esta situação seja, numa primeira fase, estancada e, numa segunda, se possível, resolvida.
Aliás, no caso do Guadiana, estou convencido de que o Governo espanhol nem sequer está a cumprir o convénio de 1968 segundo o qual competia a Portugal aproveitar o troço internacional, porventura através do Alqueva. Actualmente não temos a possibilidade de fazer isso em qualquer outro rio e os espanhóis através de furos, de captações de águas e de bombagens do Guadiana estão a utilizar água do troço que pertence a Portugal.
No entanto, entendemos que é estranho que durante estes 20 anos - e já não falo no tempo da ditadura porque aí era de esperar tudo - os governos não tenham alertado para esta questão e nem sequer ponho a questão de ser este Ministério ou apenas este Governo mas todos os governos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Página 2017

22 DE ABRIL DE 1994

2017
0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

0 Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Ministra, Srs. Membros do Governo: 0 Plano Hidrológico Nacional Espanhol entrou na agenda política nacional e tornou-se num dos temas mais quentes do dossier ambiental.
Esse plano algo megalómano reflecte uma visão hoje porventura ultrapassada, sendo um documento típico de um Estado modernizador e tecnocrático e, além do mais, prepotente quanto à utilização dos rios que desaguam em Portugal. Tributário de uma filosofia, hoje contestada e mesmo recusada, das relações do Homem com a Natureza, o Plano Hidrológico Nacional Espanhol não se contenta em regular, ordenar, rentabilizar e distribuir melhor os recursos hídricos da Península.
A concepção desse plano é inspirada pela velha mania de dominar a Natureza, manipular as forças naturais e submetê-las a critérios meramente económicos e de índole utilitária. As experiências de gigantismo no domínio hidráulico que se têm feito um pouco por todo o mundo estão hoje manifestamente em crise e a ser repensadas e não se compreende por que é que na Espanha se está a fazer uma experiência desse tipo.
Essa estratégia de relacionamento do Homem e das sociedades com a Natureza e, no caso vertente, com os rios ibéricos é completamente inaceitável. Impõe-se nos dias que passam um espírito de cooperação com a Natureza; recusa-se cada vez mais, por ser perigoso e contraproducente a longo prazo, o espírito de violentar e manipular a Natureza e de sujeitá-la aos caprichos da vontade humana.
Os efeitos perversos gerados pelas grandes intervenções do Homem no meio natural em virtude, nomeadamente, de grandes obras de engenharia, são hoje sobejamente conhecidos, bastando deixar que o tempo faça o seu percurso e os ecossistemas possam reagir às agressões de que são alvo. Hoje é preciso - e estamos em pleno tema ambiental - um novo contrato natural. Um dos traços característicos da vida intelectual do fim de século é o regresso da grande tradição da filosofia contratualista ilustrada por Hobbes, Locke e Rousseau. Só que o contrato é agora pensado não à escala de uma sociedade mas à escala do globo, não se destinando a regular apenas as relações do homem com o homem - seja ele intrinsecamente bom ou mau por natureza, conforme as filosofias - mas as relações dos homens entre si e com a Natureza. Os rios têm de ser objecto desse novo contrato natural.
Os rios são para os homens componentes essenciais da Natureza e da sua própria vida; os rios são como seres vivos, têm história e memórias, fazem parte da identidade de civilizações, povos e nações. Milan Kundera, na sua obra-prima A Insustentável Leveza do Ser - e cito de memória -, condena a crescente fealdade que invade a Natureza, condena o ruído universal que se propaga por todo o lado e fala dos rios, invertendo a bela metáfora de Heraclito do fluir do tempo como as águas de um rio, figurando com isso a perpétua mudança do ser, dizendo que os rios é que permanecem e os homens correm permanentemente nas suas margens.
Vem tudo isto a propósito das repercussões vastas e temíveis do Plano Hidrológico Nacional Espanhol sobre os rios portugueses, mas sobretudo sobre um rio - o Douro.
É que o Douro não é um rio qualquer - se é que há destes rios. Além de uma identidade física bem marcada com o seu leito, margens e caudal, o Douro é referência de uma cultura, com as suas lendas, os seus mitos, as suas ficções, os seus valores estéticos e paisagísticos e as histórias dos homens que há milénios vivem nas suas margens. 0 Douro é rio que banha o país vinhateiro.
Desviar uma parte importante do seu caudal é como que uma profanação, assim a sentem os povos da região duriense. É, enfim, correr o risco de descaracterizar o rio.
Afinal retirar 12 % do seu caudal, nos cálculos mais modestos, para matar a sede das zonas desérticas da Andaluzia não é pequena coisa, se se tiver em conta que, nos últimos 20 anos, o Douro já perdeu 20 % do seu caudal.
Em anos hidrologicamente secos, as albufeiras das barragens poderão transformar-se em gigantescos charcos e a corrente ficar reduzida a um fio de água.
0 peculiar ecossistema da região duriense pode ser, a médio prazo, afectado, o prestígio dos seus vinhos atingido, as suas enormes potencialidades turísticas lesadas, sobretudo se tivermos em conta que outras ameaças pairam sobre o rio, nomeadamente a ameaça, nunca definitivamente afastada, do cemitério nuclear de Aldeadávila.
Os prejuízos na produção energética das suas nove barragens são os mais quantificáveis e evidentes. Há responsáveis que dizem poderem ser aqueles compensados financeiramente, mas esses são os mesmos que estão dispostos a tudo sacrificar em troca de mais umas verbas provenientes dos fundos comunitários ... !!!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preciso combater o Plano Hidrológico Nacional Espanhol, nomeadamente os efeitos sobre o Douro. É preciso fazer recuar o Governo espanhol. É preciso oferecer uma resistência tenaz à aplicação integral deste plano.
Não se está contra a ideia de proporcionar água para as necessidades humanas nas zonas mais secas da Ibéria. 0 que se recusa é que a água seja transferida da Ibéria húmida para a Ibéria seca para alimentar gigantescos e perdulários perímetros de rega.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - 0 País acordou para este gravíssimo problema, depois de um longo período em que o Governo se empenhou em minimizá-lo, ocultá-lo da opinião pública, exibir um conhecimento que não tinha e mesmo ofender aqueles que despertaram o País para um assunto tão vital como este. Raramente se viu tanta presunção, ignorância e mistificação como nesta matéria.
Felizmente, o cenário mudou por completo. Graças, há que o reconhecer, ao novo estilo imprimido ao Ministério do Ambiente pela Sr.ª Ministra do Ambiente,...

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Muito bem!

0 Orador: - ... estilo mais aberto e verdadeiro e graças, sobretudo, ao Sr. Presidente da República que fez do Plano Hidrológico Nacional Espanhol e do desvio do caudal do Douro um dos pontos fulcrais da Presidência Aberta sobre o Ambiente.

Aplausos do Deputado do PS Joaquim Silva Pinto.

Página 2018

2018

I SÉRIE - NÚMERO 61

Há um antes e um depois em matéria ambiental, delimitados pela Presidência Aberta. 0 extraordinário protagonismo ambiental evidenciado pelo Sr. Presidente da República, o efeito pedagógico que teve sobre a opinião pública, o debate que provocou entre os principais actores ambientais, o abalo que provocou na opinião pública amplificado pela mestria com que o Chefe do Estado sabe inserir-se na sociedade mediática, garantem-nos que daqui para diante a ecologia entrará em força nas políticas governamentais e municipais.
É estimulante ter um Presidente da República sensível aos problemas humanos e ambientais que o progresso e a modernidade deixam no seu caminho cego. É um exemplo a seguir para todos aqueles para quem a renovação dos valores políticos e culturais não é palavra vã e para quem o debate filosófico e intelectual não é um luxo.
Mas saúdo também neste momento um Sr. Deputado que ousou publicar um livro sobre temas ecológicos e ambientais, muito recentemente: o Sr. Deputado Almeida Santos, que assim, mais uma vez, nos surpreende com mais uma expressão de uma rara sensibilidade aos problemas do seu tempo.

0 Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

0 Orador: - Mera coincidência? Talvez, mas creio que se trata acima de tudo de identidade entre dois espíritos: o do Sr. Presidente da República e do Sr. Deputado Almeida Santos, que, depois de uma longa caminhada em comum, coincidem na escolha de um mesmo tempo político - dois humanistas impenitentes.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Deputado Carlos Lage, estou de acordo com V. Ex.ª em matéria de ambiente, são tão bons os antigos ambientalistas como os novos e mesmo pessoas que chegam recentemente à sensibilização destas teses valem tanto como aquelas que, por razões de ordem vária, já estariam sensibilizadas há mais tempo.

0 Sr. José Lello (PS): - É o seu caso!

0 Orador: - E reconheço que V. EX.ª fez, no que respeita nomeadamente ao Plano Hidrológico Nacional Espanhol, aqui um discurso moderado, um discurso sensato e equilibrado. É o discurso que interessa quando está em causa a defesa de um bem que é de todos, que não é do PS tal como não é do PSD e que, no fundo, é um denominador comum de toda uma região.
Reconhecendo essa qualidade, e aplaudindo no essencial o discurso que V. Ex.ª aqui fez, quero colocar-lhe duas questões, a primeira das quais é a de saber se a moderação do seu discurso é também uma inflexão de estratégia em relação a companheiros seus de partido que não tiveram essa mesma posição e essa mesma visão nacional de defesa do interesse nacional quando a questão há algum tempo atrás se colocou.
E digo-lhe isto, Sr. Deputado Carlos Lage, com uma grande facilidade, pois não tenho dúvidas de que, tanto no Partido Comunista, como no Partido Socialista, como no PSD, como no CDS-PP, em relação a esta matéria, é muito mais aquilo que nos une do que aquilo que nos divide. Não é essa a questão que politicamente interessa discutir; o que interessa discutir é se tal como a questão foi por vezes colocada isso não nos prejudicou mais do que aquilo que nos trouxe de positivo.
Antes de lhe formular a segunda questão, quero salientar o seguinte aspecto: obviamente que temos de ser sensíveis a questões de solidariedade, de solidariedade nacional. Um plano hidrológico nacional é com certeza um plano de repartição de um recurso que é necessariamente um recurso limitado, por vezes escasso. E é exactamente esta consciência de solidariedade nacional que nos obriga a tratar, até em termos de verbas comunitárias, o Alentejo com a importância não económica mas de coesão nacional que em questões de água merece.
Mas se reconhecemos este direito a nós próprios, também temos de reconhecer aos outros o mesmo direito, portanto tudo aquilo que seja feito em Espanha, que não nos prejudique e que não ponha em causa interesses nacionais vitais é tolerável. Temos de reconhecer que os espanhóis têm exactamente o mesmo direito que nós temos, por questões de solidariedade e de interesse nacional, de gerirem os recursos desde que, repito, não nos prejudiquem.
E sobre este aspecto V. Ex.ª tem na sua intervenção uma expressão que me parece ser preocupante e que gostava que explicasse um pouco melhor. É porque a região do Douro, tal qual a conhecemos, com o caudal de água que a bacia do Douro hoje tem, Sr. Deputado Carlos Lage, havemos de reconhecer é obviamente imutável! A paisagem da região duriense é imutável independentemente de os espanhóis retirarem ou não retirarem ao rio Douro uma gota de água.
Não é essa a questão. 15so é uma forma demagógica de colocar o problema de uma forma que assusta as populações - V. Ex.ª sabe que é verdade, como eu sei que é verdade - e que, portanto, diria, é uma forma menos séria de colocá-la.
Era conveniente que pela sua palavra e pela sua voz, e como complemento a uma intervenção que, reafirmo, foi moderada e equilibrada, esta questão também pudesse ser esclarecida pela sua pessoa para que não se suscite em relação à sua intervenção a mais pequena dúvida.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

0 Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Deputado Nuno Delerue, fez uma intervenção a propósito da minha intervenção, o que compreendo perfeitamente. Não vou por isso responder a todos os aspectos da sua intervenção, apenas me limitando a duas observações.
A primeira tem que ver com a moderação e com a imoderação. Não creio que tivesse havido, da parte do Sr. Presidente da Câmara do Porto, qualquer imoderação...

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Não falei nele!

0 Orador: - Foi a ele que se referiu, como é evidente!
Não houve qualquer imoderação na sua tomada de posição quanto ao Plano Hidrológico Nacional Espanhol e quanto ao rio Douro. Não houve! Houve, sim, um

Página 2019

22 DE ABRIL DE 1994

2019
alertar do País para uma realidade que estava oculta ou recalcada. Houve um alerta para um tema que era ignorado pelos governantes. Todos os episódios posteriores vieram demonstrar que a ignorância era absolutamente indisfarçável e que o alheamento de um problema tão delicado era uma das características dos governantes que antecederam a actual Sr.ª Ministra do Ambiente. Não quero com isto fazer-lhe um cumprimento envenenado, é apenas a constatação de uma realidade.
E ao Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto ninguém lhe roubará esse mérito, que foi o de ter sacudido a opinião pública e de ter chamado a atenção para um problema que daqui em diante, aliás, se identifica com o próprio Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto. E não é por acaso que o Sr. Presidente da República quando na Presidência Aberta esteve no Douro o chamou a pronunciar-se sobre esse tema.

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Por acaso, não foi de certeza!

0 Orador: - Quanto à moderação da minha intervenção, esta pode ser encarada por esse prisma, mas também pode ser considerada radical sob outros pontos de vista. Só considero desejável que haja redistribuição das águas do Douro para efeitos do consumo humano e para efeitos de saúde pública.

0 Sr. José Sócrates (PS): - Muito bem!

0 Orador: - Condeno os projectos faraónicos que hoje o Estado tecnocrático espanhol - não posso atribuir-lhe outra designação - está a conceber para irrigar zonas que têm tendência à desertificação e que são zonas eminentemente perdulárias de água, não se sabendo, a médio prazo, se tal facto não terá consequências ambientais nefastas e consequências económicas que sejam, com o rodar do tempo, perfeitamente penalizadoras da própria economia espanhola.
Hoje não é possível conceber estes fenómenos só numa perspectiva de desenvolvimento temporal. Por norma, os tecnocratas são de vistas curtas e os administradores e planeadores querem aprisionar o tempo em anos ou décadas, o que é absolutamente impossível. Os sistemas naturais são complexos, as suas alterações desenrolam-se ao longo de muitas décadas e a dado prazo dá-se conta que, em vez de progresso, houve retrocessos em grandes obras de engenharia, em grandes planos que despertaram e mobilizaram vontades e onde se gastaram e enterraram recursos infindos.
Quanto ao Douro e às suas imagens é evidente que eu não sou um simplificador. Não digo que o rio Douro, pelo facto de perder 850 hectómetros cúbicos de água por ano, vai ficar com o seu perfil totalmente alterado. Aliás, já tem havido intervenções no rio Douro, intervenções discutíveis... Um dia viajava eu de comboio pela margem do rio Douro, uma das barragens tinha sido esvaziada, e vi, pela primeira vez, o leito autêntico do rio, com grandes pedras graníticas escavadas, mas cobertas por uma camada horrível de lama que lhe davam um aspecto desolador - parecia quase de outro planeta. Tinha havido ali evidentemente uma intervenção... Já houve intervenções no rio Douro executadas pela engenharia portuguesa, mas a retirada das águas pode em certos momentos, e disse-o o Professor Álvaro Ribeiro, numa reunião da Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente,onde estive presente - não estive na última reunião da Comissão e, por isso, não posso pronunciar-me sobre o que disseram outros técnicos -, podia secar o Douro em determinadas zonas durante...

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira terminar, Sr. Deputado.

0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
E por isso não é alarmismo referir que pode haver mudanças na imagem do Douro, porque podem haver mudanças impalpáveis, psicológicas e isso é que conta, Sr. Deputado - a imagem externa do Douro, do vinho do Porto. A imagem passível de promocionar o Douro no exterior pode ficar afectada por dois fenómenos: o primeiro está relacionado com o desvio do caudal e o segundo - que referi na minha intervenção - com as ameaças de natureza nuclear que continuam a pairar sobre o rio.
Essas imagens são difíceis de definir, são cargas culturais, referências que se criam à volta do rio e que podem ser atingidas. E com isso a própria economia duriense, o prestígio do vinho do Porto e até as grandes potencialidades turísticas da região.
Aí está a razão por que o Douro é uma prioridade nacional. E por isso é que devemos estar todos unidos na sua defesa contra o Plano Hidrológico Nacional Espanhol e contra a tentativa de colocar um cemitério nuclear em Aldeadávila.
Mas o estarmos unidos nesse ponto não significa que percamos a memória e não fustiguemos aqueles que ainda há pouco tempo ignoravam completamente o problema.

0 Sr. Presidente (Ferraz de Abreu):- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva.

0 Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Permitam-me que saúde, em primeiro lugar, a iniciativa da presidência aberta e temática, que hoje termina.
Ficámos ainda contentes com a confirmação de que esta iniciativa do Sr. Presidente da República reúne um amplo consenso por parte de todas as bancadas, nomeadamente quando ouvimos o Sr. Deputado José Sócrates saudar essa iniciativa. Tínhamos ficado com alguma dúvida sobre algumas declarações que lemos na imprensa a respeito da convicção e do empenho com que o Sr. Deputado viu essa iniciativa do Sr. Presidente da República. Achamos, por isso, que o Sr. Deputado fez bem em dar este esclarecimento, até porque o Sr. Presidente da República citou o reconhecimento de um Deputado da bancada do Partido Socialista que teve uma intervenção empenhada nesta presidência e não era o Sr. Deputado José Sócrates.
A percepção das limitações do uso de qualquer recurso natural pelas comunidades humanas sempre gera tensões e é factor de conflitualidade. Quando esse recurso é essencial à vida, mais relevante se torna prever e prevenir problemas e antecipar soluções.
Todos sabemos que os recursos hídricos são alvo de uma pressão quantitativa e qualitativa que tem crescido exponencialmente, também em Portugal. 0 desenvolvimento económico, independentemente de conselhos avisados, tem acarretado sempre o aumento dos consumos e a maior exigência da qualidade, com a agravante de tornar mais vulneráveis e arrastar maiores agressões sobre, nomeadamente, os recursos hídricos.

Página 2020

2020

I SÉRIE - NÚMERO 61
Faço, a propósito, um parêntesis, porque na intervenção por si proferida o Sr. Deputado José Sócrates refere, com o seu tradicional niilismo criticista, que Portugal enfrenta uma situação que vai conhecendo uma degradação continuada e sistemática de todos os indicadores do ambiente. Não considera o Sr. Deputado, nesta sua vontade cega de atacar tudo e todos, que Portugal mantém, sob o ponto de vista de vários indicadores ambientais, um perfil invejável relativamente aos países mais desenvolvidos da Europa?
Infelizmente, não há notícia de qualquer comunidade humana dita desenvolvida, orientada por quaisquer valores ou ideologias, que tenha conseguido precaver-se de comportamentos lesivos de uma utilização harmoniosa da água. Também aqui colhe o dito de «casa roubada, trancas à porta».
Agrava ainda a situação o facto de a água ser um produto disseminado, alvo da utilização de todos os indivíduos para múltiplos fins. É dos casos em que é necessário existir enorme consciência cívica para minorar problemas. Apesar dos esforços feitos a nível do sistema de ensino e de múltiplas campanhas e acções de informação e prevenção, não tenhamos ilusão, porque ainda estamos muito longe da desejável actuação conforme com o respeito pela inteligente utilização dos recursos.
A este respeito, permitam-me sublinhar, mais uma vez, que a iniciativa da presidência aberta sobre esta matéria é mais uma campanha cívica de grande alcance, pelo impacto que tem ser o Chefe do Estado a orientá-la no sentido da sensibilização dos cidadãos para o problema ambiental, nomeadamente para o problema dos recursos hídricos.
Em Portugal, muitas décadas de passividade e inépcia levaram a que não se tivesse feito a devida actualização institucional, legislativa e de infra-estruturas antes de muitos erros terem sido cometidos e de a maior pressão sobre os recursos ter possibilitado decisões antecipadas, fora dos constrangimentos impostos pelas situações de facto. Basta ver que vivemos 70 anos com a mesma lei da água, que uma estrutura administrativa anquilosada sobreviveu imutável durante décadas, que em devido tempo não houve a preocupação de celebrar amplos convénios com a Espanha para acautelar a gestão das bacias hidrográficas comuns, que, enfim, fora as barragens e alguns sistemas de rega, não há notícia, até anos recentes, de investimento significativo no acautelamento de volumes e preservação da qualidade das águas.
No confronto com os países da União Europeia tomámos melhor consciência do nosso atraso, sendo os esforços da última década insuficientes para recuperar o tempo perdido, particularmente num contexto em que se verificou um enorme salto no consumo e na qualidade exigidas. Este aspecto não pode ser escamoteado.
Em 1985 iniciou-se uma profunda e aberta reflexão sobre o caminho das reformas políticas a introduzir e com o 1.º Quadro Comunitário de Apoio arrancou um conjunto amplo de investimentos, que será continuado e intensificado no decorrer do actual PDR. Basta ter presentes o imenso trabalho e a aplicação de meios que vem sendo canalizada para o «mapeamento» dos recursos subterrâneos e de superfície, a instalação e gestão da monitorização e as obras de regularização, controlo, despoluição e limpeza para concluir sobre a prioridade que o Governo dá aos recursos hídricos.
Já nesta Assembleia foi reconhecido o salto em frente dado por todo o País, nomeadamente no abastecimento de água às populações e no saneamento. Obras como as que estão em curso ou programadas, como, entre muitas outras, a despoluição e regularização da lagoa de óbidos e dos rios Leça, Ave, Liz, Alviela, Trancão, Guadiana e o saneamento da baía de S. Martinho, são a garantia de que o esforço da última década irá prosseguir.
A recente decisão de abrir o sector à iniciativa privada culmina um já importante caminho percorrido, reflectindo uma aposta pragmática e realista de atrair as empresas e o capital privado ao gigantesco esforço de gestão e investimento que é necessário ainda realizar. Contudo, o actual envolvimento dos privados coloca novas exigências à administração central e local para fiscalizar o interesse público em matéria tão sensível como a água.
Retomaremos este assunto mais à frente, relevando as dificuldades que julgamos ser necessário ultrapassar na fase de implementação da legislação que consubstancia as orientações políticas traçadas, com vista a atingir objectivos sem dúvida arrojados.
Temos, mais uma vez, de abordar nesta Casa o preocupante tema do chamado plano hidrológico espanhol, pelos riscos que ele encerra de vir a comprometer os pressupostos presentes na actual distribuição quantitativa e qualitativa dos recursos hídricos no nosso país. Trata-se de um assunto da maior importância, que levou o Grupo Parlamentar do PSD a tomar, há cerca de um ano, a iniciativa de propor a realização de uma audição parlamentar, que se realizou, apesar da incompreensão na altura de alguns partidos da oposição, nomeadamente o surpreendente voto contrário do Partido Socialista, que hoje se arvora no despoletador e despertador da atenção do País para as questões relativas ao plano hidrológico espanhol. Esquece-se que a primeira vez que o assunto foi debatido nesta Casa o foi por iniciativa do PSD através de uma proposta no sentido de desencadear uma audição parlamentar, a que o Partido Socialista se opôs votando contra.
Recordo ainda aos campeões do despertar do País para os assuntos ligados ao plano hidrológico espanhol que alguns Deputados do PSD, designadamente de distritos ligados ao Douro, apresentaram - antes, nomeadamente, de um dirigente importante do Partido Socialista aflorar, parece que em terras de Espanha, o assunto do plano hidrológico espanhol, antes de o Sr. Presidente da Câmara do Porto ter abordado essa questão em trânsito por terras de Espanha - uma solicitação, sob forma de requerimento ao Governo sobre matéria ligada ao plano hidrológico espanhol.
Tenhamos consciência de que o debate político, que coloca frente a frente o Governo português e o espanhol, vem-se desenvolvendo à partida num quadro de desvantagem para o nosso país, desde logo, obviamente, por quase todas as bacias hidrográficas em questão serem mais desenvolvidas no território vizinho e por nos localizarmos no «fim da linha» dos cursos de água em questão.
Cerca de 65 % do escoamento natural em Portugal provém de Espanha, e deste o rio Douro é responsável por mais de 50 % do escoamento proveniente daquele país.
Infelizmente, não houve no passado a visão para tomar, com antecedência suficiente, medidas capazes de procurar prevenir ou controlar o desenvolvimento em Espanha de situações de facto irreversíveis, que podem ser inconvenientes para Portugal.
Com efeito, os convénios luso-espanhóis firmados nos anos 60 limitaram-se exclusivamente aos troços frontei-

o

é

Página 2021

22 DE ABRIL DE 1994

2021
riços dos rios e contemplam apenas aspectos quantitativos relativamente a uma das múltiplas utilizações possíveis da água, a produção de energia eléctrica. Os convénios são acordos de âmbito muito limitado, não abrangendo as bacias hidrográficas no seu conjunto, sendo ainda omissos no que respeita à qualidade da água
Não consta ainda dos textos dos convénios, de forma explícita, a garantia de caudais que a Espanha se obrigue a deixar escoar para Portugal, para além de uma referência aos caudais mínimos de estiagem e de uma outra, algo ambígua, aos caudais «necessários aos usos comuns». Os caudais considerados no cálculo do potencial hidroeléctrico a partilhar não constam do texto dos convénios, mas apenas das actas das reuniões da comissão luso-espanhola. Estas actas têm valor jurídico controverso, podendo implicar recurso à arbitragem do Tribunal Internacional de Justiça, conforme estipulam os próprios convénios.
Acresce que, à luz dos convénios, existe uma disposição que, embora proibindo explicitamente o desvio de água de troços colaterais dos troços transfronteiriços dos rios, é omissa sobre o que se passa a montante dos troços fronteiriços.
Dizia o Eng.º Veiga da Cunha: «Se tivesse havido há vinte anos» - e não há 10 anos, como há pouco foi referido - «a clarividência de celebrar com a Espanha um bom acordo de utilização dos recursos hídricos transfronteiriços, este acordo seria, por certo, muito mais favorável do que um acordo agora negociado». Devo referir, a este propósito, que esse engano de 10 anos na citação há pouco feita pelo Sr. Deputado trazia alguma «água no bico». Mas, se atentar no texto original, verificará que o Eng.º Veiga da Cunha fala de há 20 ou mesmo 30 anos.
Partilhamos da reflexão que acabei de citar, pois houve falta de iniciativa nacional para conseguir celebrar convénios de âmbito mais vasto, quando há duas ou três décadas era relativamente pequena a pressão sobre a utilização da água.
Ao contrário de outros, que recentemente despertaram para as potencialidades de apenas explorarem uma campanha de «agit/prop», em torno de uma questão séria para os portugueses, assumimos a nossa quota-parte de responsabilidade por não termos atacado decididamente um problema que o antigo regime deseurou e o PREC esqueceu. Maior responsabilidade haverá, porventura, a partir do momento em que - não o esqueçamos - a Espanha lançou, em 1982, os primeiros documentos de trabalho com vista ao plano hidrológico espanhol e não lançámos um decisivo grito de alerta aos governos da altura.
A cimeira ibérica de Maiorca colocou pela primeira vez ao mais alto nível a discussão sobre o problema, tendo os chefes de governo decidido a criação do grupo de trabalho que funciona, envolvendo os ministérios do ambiente dos dois países. Acompanhamos com ansiedade e expectativa a evolução dos trabalhos, sabendo-se do contributo importante que também vem sendo dado por técnicos e organizações especializadas não oficiais, bem como das acções de sensibilização que têm vindo a ser desenvolvidas pelo Governo em Bruxelas, mas considerando que Portugal exige não poder ser prejudicado no reflexo de eventuais intervenções unilaterais nas três maiores bacias compartilhadas exclusivamente por Estados da União Europeia.
0 fórum de negociação política aberto - prenúncio de atitude razoável da Espanha, a corrigir mão de um processo onde se exigia maior transparência do país vizinho para com Portugal - tem de ser explorado com grande firmeza e eficiência política, para que seja possível compensar as desvantagens com que nos confrontamos, fruto das razões que anteriormente referi de modo sumário.
Julgamos que um acordo global é premente, cobrindo as bacias hidrográficas transfronteiriças e as múltiplas utilizações da água, quer no plano quantitativo, quer no qualitativo, bem como a definição de organismos mais eficazes no acompanhamento e gestão dos acordos a estabelecer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejamos que este debate, que oportunamente foi decidido agendar, sobre a problemática dos recursos hídricos, decorra em moldes profundos, sem a demagogia fácil a que a oposição nos vem, infelizmente, habituando, quando, em outras ocasiões, nos debruçamos sobre um assunto tão importante, vasto e complexo como o dos recursos hídricos.
0 Governo tem já hoje traçados, claramente, os princípios políticos que orientam o sector, tendo vindo a concretizar os passos básicos para lhe dar corpo. Permitam que os reproduza sumariamente, sendo um assunto que toca a todos os portugueses e, também, antecipando o calisto argumento niilista - convenhamos, aliás, algo preguiçoso e pouco imaginativo -, com que o Partido Socialista, particularmente, nos costuma brindar nestes debates, e brindou hoje, conforme vimos, na intervenção do Sr. Deputado José Sócrates.
A primeira linha que o Governo definiu, claramente, informa-nos da declaração de prioridade à política de recursos hídricos, no âmbito da política ambiental; da reestruturação ocorrida no Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, com a criação do Instituto da Água e das direcções-regionais do ambiente e recursos naturais; da abertura concretizada do sector do saneamento básico à iniciativa privada, através da revisão da lei de delimitação de sectores e da criação do regime de concessões; da recente aprovação de três diplomas essenciais, o planeamento dos recursos hídricos por bacias hidrográficas e a nível nacional, o licenciamento extensível a todos os utilizadores da água e o regime económico e financeiro, com a introdução dos princípios do utilizador/pagador e do poluidor/pagador.
Este novo quadro político e legislativo é, em si coerente, substituindo dezenas de diplomas - alguns em vigor há mais de um século - e incorporando alguns dos conceitos e princípios mais actualizados no sentido de uma boa gestão dos recursos.
Temos consciência de que o quadro traçado exigirá ainda grande esforço até estar integralmente aplicado e de que o caminho a percorrer encerra alguns riscos e dificuldades. Nomeadamente, espera-se que todos os utilizadores da água venham prontamente a contribuir para o recurso que consomem ou utilizam, a começar pelos mais representativos, como sejam, designadamente, os produtores de hidroelectricidade. Só a efectiva e pronta aplicação do princípio da universalidade pode permitir atingir a situação desejável da futura autonomia financeira das bacias hidrográficas, único modo de possibilitar uma gestão eficiente daquelas e a realização das obras e infra-estruturas necessárias.
A nosso ver, é desejável que não sejam os portugueses a«financiar a água» enquanto contribuintes, mas apenas na justa dimensão da utilização e dos consumos de cada um.
Preocupa-nos ainda a funcionalidade da gestão cometida às direcções-regionais do ambiente, quando se tra-

Página 2022

2022

I SÉRIE - NÚMERO 61
te de existir mais do que uma direcção a intervir na mesma bacia hidrográfica. É necessário estar muito atento a estas situações, sob pena de qualquer desarticulação poder pôr em causa os efeitos desejados pela nova legislação. Os conselhos de bacia têm, no caso, um papel particularmente importante, para obstarem a que se concretize o risco de eventuais dificuldades de articulação ao nível das DRA.
Vejamos o que a experiência ensinará, mas é indubitável que o edifício está definido e que as linhas estão traçadas e a ser implementadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A concluir este debate, fazemos votos que ele seja, de facto, profícuo, que permita uma análise sobre os recursos hídricos e parece-nos claro que não pode ser escamoteada a real existência de um quadro institucional e legislativo que o Governo definiu.
Naturalmente, a oposição tem toda a legitimidade para eventualmente discordar, no todo ou em parte, das decisões tomadas pelo Governo. Faça-o saber aos portugueses e os portugueses julgarão, mas não se fique pela postura, a que nos habituou, de «tapar o sol com a peneira» da sua falta de imaginação e de ideias concretas. Esperamos ouvir, até ao fim deste debate, uma ideia nova ou, pelo menos, uma ideia que saia da sombra, pela boca dos porta-vozes dos partidos da oposição.
Por nós, continuamos convictos de que as linhas políticas para o sector defendidas pelo PSD e apresentadas a sufrágio nos manifestos eleitorais continuam actuais e têm vindo a orientar a actuação do Governo. Continuamos a pugnar por objectivos ambiciosos, onde, nomeadamente, os cursos de água sejam tomados não apenas como um leito por onde as águas se escapam mas, sim, como um centro de ecossistemas que têm de se manter equilibrados e devem ser preservados para permitir o usufruto de toda a complexa riqueza que proporcionam ao homem.
É este o objectivo último que cabe vir a atingir no futuro, só possível, tenhamos consciência, se houver uma participação activa de todos os agentes económicos e cidadãos.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

0 Sr. António Murteira (PCP ): - Sr. Presidente, antes de mais, quero agradecer ao CDS-PP a cedência de um minuto.
Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva, quero dizer-lhe que estou de acordo com algumas ideias que apresentou, com alguns conceitos que enunciou, mas, em questões fundamentais, estamos bastante distantes.
Já não tenho oportunidade, nem tempo, para lhe colocar essas questões, mas, por exemplo, em relação ao conceito de gestão por bacia hidrográfica e outros, que são importantíssimos neste domínio, não temos a mesma opinião. Aliás, o Sr. Deputado não justificou nem explicou por que razão foi abandonado o conceito de gestão por bacia hidrográfica e como é que se vai fazer uma gestão onde irão participar várias entidades em diversas áreas.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado, queria perguntar-lhe se está de acordo que é necessário informar e até, de certa forma, tornar activa a opinião pública, no sentido de poder vir a apoiar, se for esse o caso, isto é, se houver acordo, as posições negociais que o Governo português vier a assumir com a Espanha.
Nesse sentido, gostava também de saber se está de acordo com a proposta que foi feita pelo Partido Comunista Português, vendo-se, depois, os moldes em que se organizaria a realização dos três debates que indicámos
A terceira questão que quero colocar-lhe tem a ver com o facto de me terem parecido existir, pelo menos, algumas nuances ou diferenças entre aquilo que o Sr. Deputado disse e o que foi dito pelo Sr. Deputado Nuno Delerue e por um Deputado do Partido Socialista.
A utilização das bacias hidrográficas internacionais não pode ser regida a «olho» ou através de intervenções unilaterais, como me pareceu ter resultado de um diálogo entre um Deputado do PS e um do PSD. Essa utilização tem de assentar em convénios bilaterais e no direito internacional existente, senão, temos o arbítrio e a utilização a «olho» e isso não pode ser.
Assim, mais uma vez, gostava de saber qual a opinião da bancada do PSD sobre esta matéria, se é a sua ou se é a do seu companheiro de bancada que interveio há pouco.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

0 Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva, ouvi-o e fiquei convencido de que tudo está num «mar de rosas», os malandros da oposição é que não têm ideias, mas o Governo, que está cheio de ideias e de actividade, está a resolver os problemas
De facto, estamos aqui a tratar uma questão estratégica, decisiva num clima mediterrânico. Os nossos recursos não são ilimitados e dá-me impressão que os espanhóis trouxeram para Portugal uma grande questão, que, aliás, já tenho suscitado várias vezes, nesta Casa, que é a do plano nacional de aproveitamento hídrico.
Infelizmente, não há qualquer plano. 0 Sr. Deputado falou em legislação, mas não conhecemos e continuamos à espera que nos apresentem um plano de aproveitamento das bacias nacionais. E se nas estrangeiras há problemas, nas nacionais, não conheço nenhuma, com excepção da do Mondego, que tem em andamento um velho plano, onde exista um aproveitamento.
Ora, como a água é o primeiro factor de fixação das pessoas, é um dos grandes factores de ocupação do território, a nível nacional, e é um factor importantíssimo de desenvolvimento de todas as regiões, aspiramos a que o Governo se digne dizer-nos o que vai fazer com os nossos próprios recursos. Até hoje a resposta tem sido zero, mas a intervenção do Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva deu a sensação de que o Governo está em grande movimento.
Os espanhóis já vão no seu terceiro plano de aproveitamento e já criam problemas na consciência nacional, pois já chegam ao incrível e ridículo de desviar os rios.
Posto isto, fico perplexo com o facto de o Sr. Deputado não se levantar e exigir ao Governo que, sem desviar os nossos recursos hídricos de um lado para outro, nos apresente, pelo menos, um programa de aproveitamento e utilização desses recursos, os quais, como já disse, são fundamentais, são estratégicos, são de grande importância nacional e têm a ver com a fixação das pessoas no interior, com a vida e o desenvolvimento do mundo rural.

Página 2023

22 DE ABRIL DE 1994

2023

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Finalmente, temos uma intervenção séria do Partido Socialista sobre esta questão.

0 Sr Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva.

0 Sr. Nuno Ribeiro da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Murteira, agradeço as suas questões, mas, naturalmente, conforme ficou evidenciado aquando do debate sobre a alteração à lei de delimitação de sectores, não estamos de acordo com aspectos como a da empresarialização da água, o que certamente o seu partido não compartilha, como disse, aliás, na sua intervenção.
Por outro lado, gostaria de saber como é que o Sr. Deputado encontraria forma, designadamente, mas não só, de mobilizar o mais rápido possível - dado que pretendemos, com a maior velocidade possível, atingir standards elevados em todos os parâmetros que têm a ver com os recursos hídricos -, só com meios públicos, as somas fabulosas de capitais e de meios necessárias para conseguirmos desenvolver todas as frentes de investimento que nos permitam, nos múltiplos parâmetros de performance dos recursos hídricos, atingir rapidamente níveis elevados.
Portanto, a questão tem a ver com uma atitude de responsabilidade, de Estado e de envolvimento no dia a dia das decisões ou com um discurso esotérico que, de facto, não obriga as pessoas a tomar as decisões e a fazer as opções que os recursos limitados, que existem em todo o mundo, sempre obrigam.
Sobre a mobilização popular em torno da questão que se possa vir a colocar, no desenvolvimento do debate com as autoridades espanholas, sugeria que se tivesse em linha de conta, e não sabemos a forma como o processo irá evoluir, como disse na minha intervenção, que há algo de positivo no facto de a questão ter sido discutida na última cimeira ibérica e de ter sido criado um fórum para debater estas questões, mas este aspecto não deixa de relevar que a Espanha não teve um comportamento com a transparência devida para com Portugal, na última década, durante os trabalhos que foram sendo desenvolvidos em tomo do plano hidrológico espanhol.
Aliás, a propósito das referências aqui produzidas pelo Sr. Deputado José Lello sobre Aldeadávila, em que por mais de uma vez assumiu uma posição de campeão, há cerca de 10 anos, quando esse problema se colocou, não me lembro de ter visto o Sr. Deputado a falar sobre o assunto.
Fiz parte da equipa que acompanhou esse processo e posso dizer que, a dada altura, o Governo concluiu ser importante a sensibilização das populações face a algumas posições irredutíveis por parte das entidades espanholas com responsabilidades em relação a Aldeadávila.
Foram tomadas algumas medidas e, no que diz respeito à perspectiva de recuperação que o Sr. Deputado José Lello há pouco referiu, o Governo português conseguiu fazer vencer as posições portuguesas, tanto que a Comissão das Comunidades Europeias não aceitou o financiamento do projecto espanhol e os espanhóis congelaram-no. 15to não quer dizer que ele não possa vir a ser retomado e devemos estar atentos para essa eventualidade, mas também não podemos lutar contra moinhos de ventos quando, neste momento, o processo está parado.
Apesar de ter participado nessa equipa, não tive qualquer pejo em sensibilizar as autoridades e as autarquias locais bem como as múltiplas instituições representativas das comunidades locais para os riscos do problema. Naturalmente que os argumentos devem ser utilizados de forma aquilatada pois não vamos «caçar moscas com carabina», mas desenvolver os nossos trunfos conforme as necessidades do processo negocial.
A intervenção do Sr. Deputado António Campos, a confirmar a sua recente preocupação e protagonismo nestas questões ambientais - que foi muito bem reconhecida pelo Sr. Presidente da República - vem, de facto,...

0 Sr. António Campos (PS): - Quando o senhor começou já eu cá andava há anos'

0 Orador:- ... colocar o problema numa perspectiva algo genérica. 0 Sr. Deputado diz que já cá anda há muitos anos, o que é natural, porque também é mais velho do que eu. Mas esses anos a mais não lhe despertaram a curiosidade ou não teve disponibilidade para investigar que trabalhos existem na Direcção-Geral dos Recursos Hídricos sobre a gestão das bacias hidrográficas do nosso país, e falo no Professor Amaro da Costa a título de exemplo.
Diz o Sr. Deputado «Queremos um plano hidrológico nacional», dando a ideia de que as dezenas, centenas, milhares de técnicos e todo o trabalho que há dezenas de anos vem sendo feito...

0 Sr. António Campos (PS):- As gavetas estão cheias!

0 Orador: - Sr. Deputado. não me interrompa porque também não o fiz.
Como estava a dizer, o trabalho e a informação que têm vindo a ser capitalizados neste país em múltiplos organismos e instituições não permitiu que tivéssemos noção do que são os nossos recursos e a forma como devem ser geridas as nossas bacias hidrográficas.
As questões que levantou nada vêm aditar de substancial ao que já tinha sido dito e julgo ser partilhado pelos diferentes grupos parlamentares. Não estamos aqui - não é isso que nos divide - a discutir quem é o campeão na defesa dos interesses nacionais nem a fazer medições de nervosismos e de decibéis expressos por cada bancada em função da preocupação que nos causa o plano hidrológico espanhol.
Essa preocupação foi exprimida por todos, nomeadamente pelo Governo, e também sabemos que existem aspectos essenciais em relação aos quais Portugal não pode ceder. Importa, pois, fazer o seu acompanhamento de forma decidida e séria, concretizando os planos que - como tive oportunidade de dizer na minha intervenção - há vários decénios deviam ter sido negociados com Espanha. Esses planos deverão ser amplos de forma a permitirem uma gestão combinada e negociada com a Espanha no que respeita aos rios transfronteiriços, constituindo-se depois organismos com efectiva capacidade de controlar e de fiscalizar a aplicação dos acordos que venham a ser negociados com as autoridades espanholas, cobrindo lacunas que deviam ter sido contempladas há alguns decénios atrás.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

Página 2024

2024

I SÉRIE - NÚMERO 61
0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Porque a água é um recurso natural essencial à existência de vida e ao desenvolvimento económico e social, promover, na Assembleia da República, um debate sobre a situação e perspectivas dos recursos hídricos em Portugal é, em quaisquer circunstâncias, uma iniciativa de relevante interesse para o país. Quando, como nesta oportunidade, e desde há mais de um ano, largos sectores da sociedade portuguesa se confrontam com as consequências para Portugal da eventual aplicação da versão conhecida do designado Plano Hidrológico Nacional de Espanha, este debate parlamentar revela-se como uma exigência nacional.
0 Partido Ecologista Os Verdes, perante a degradação crescente do estado do ambiente em Portugal, protagonizando uma concepção globalizante e interactiva dos problemas ambientais, identificou na política de ambiente que está a ser seguida em Portugal dois sectores de alto risco para a qualidade de vida, a saúde pública e o desenvolvimento sustentável, a saber: a situação dos resíduos, em particular, dos tóxico-perigosos, e a situação dos recursos hídricos.
Sobre a problemática dos resíduos, de entre as várias iniciativas que promovemos denunciando uma política irresponsável, cabe aqui destacar a interpelação ao Governo que realizámos há precisamente um ano. Apesar disso, a situação não deixou de se agravar por falta de qualquer iniciativa governamental, sendo extremamente preocupante a contaminação dos aquíferos.
Quanto aos recursos hídricos, cabe aqui hoje realçar o requerimento dirigido ao Governo, em 19 de Janeiro de 1993, na esteira do eco que nos chegou sobre as preocupações ambientalistas das organizações espanholas a propósito do plano hidrológico de Espanha, a que o Governo respondeu afirmando que já conhecia o plano enviado pelo governo do país vizinho e que a alteração de caudais propostos não afectava significativamente os rios Douro, Tejo e Guadiana. Face a esta resposta, que não correspondia às informações de que dispúnhamos, em declaração política, denunciámos a situação e apresentámos em 28 de Janeiro um projecto de deliberação para que se realizasse um debate no Plenário com a presença do Governo, iniciativa que veio a ser recusada não só por este como pelo PSD.
Na Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente propusemos e foi aprovada a vinda à Comissão do Governo, o que não se veio a verificar. Perante esta situação e porque tivemos acesso a uma versão do plano hidrológico de Espanha que veio confirmar todas as nossas suspeitas quanto aos efeitos negativos para Portugal, agendámos um debate sob a forma de iniciativa legislativa, para o qual convidámos o Governo. 0 debate realizou-se mas o Governo, mais uma vez, entendeu prosseguir a sua política de não dar cavaco. Como não podia deixar de ser, o debate versou sobretudo os efeitos para Portugal da eventual aplicação do Plano Hidrológico de Espanha.
Hoje, por iniciativa do Sr. Presidente da Assembleia da República, que acolheu uma sugestão do Grupo Parlamentar Os Verdes, debate-se a situação e perspectivas dos recursos hídricos em Portugal. É sabido que a postura do Governo se alterou: agora, ouvimos dizer à Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais que está preocupada. Há um ano atrás, o Governo não estava preocupado ou não sabia - o que não é menos grave - que os principais rios internacionais tinham diminuído de caudal à entrada de Portugal nos últimos 20 anos: o Tejo e o Douro em mais de 20 % e o Guadiana em cerca de 60 %.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, em 1986, a Associação Portuguesa de Recursos Hídricos, a propósito do Dia Nacional da Água, e porque reconhecia a necessidade de promover uma adequada política de recursos hídricos em Portugal, apresentou um documento em que identificava «Dez vectores de acção para o estabelecimento de uma política da água para Portugal» e que, pela sua importância e actualidade, hoje aqui os referimos no essencial
Primeiro vector, reconhecimento da água como um dos factores fundamentais de uma política de desenvolvimento económico e social que vise o aumento do bem-estar e da qualidade de vida dos cidadãos; segundo, adopção de uma estrutura recionalizada de gestão dos recursos hídricos, com a necessária articulação entre as administrações de bacia hidrográfica e os organismos centrais; terceiro, adopção de uma política integrada de protecção e de promoção dos cursos de água; quarto, incentivo da participação das populações e dos utilizadores da água no processo de formação das decisões, condição necessária para o êxito de qualquer política de recursos hídricos e de desenvolvimento sustentável; quinto, criação de condições para a participação activa e interessada dos técnicos portugueses na elaboração e implementação de uma nova política da água; sexto, adopção de incentivos económicos na gestão dos recursos hídricos, muito em especial, dos princípios do utente-pagador e poluidor-pagador; sétimo, modernização da legislação relativa à água; oitavo, apoio a uma política de investigação e de desenvolvimento no domínio dos recursos hídricos como base indispensável ao lançamento de uma nova política para a água; nono, definição e lançamento de uma política de formação de pessoal e décimo - último e não menos importante vector -, actualização do acordo com a Espanha relativo à gestão das bacias internacionais luso-espanholas, por forma a adequá-lo às novas realidades e necessidades. Tal acordo terá de contemplar os aspectos da quantidade e qualidade da água. Ora, este documento foi apresentado em 1986!
Para quem esteja mais ou menos atento à política de recursos hídricos que vem sendo seguida, facilmente reconhece que não são aquelas as primeiras preocupações do Governo e, por isso, tudo está por fazer se excluirmos algumas acções avulsas implementadas sem coerência e, assim, sem resultados práticos positivos.
0 Governo do PSD, nos últimos oito anos, no que se refere em particular à política de ambiente, incluindo a política de recursos hídricos, quando não esteve a trabalhar para as campanhas eleitorais, investiu todo o seu tempo na criação do chamado mercado da água, cuja obsessão liberalista impediu a realização de uma adequada política nacional e integrada dos recursos hídricos em Portugal. Os resultados estão à vista e dois exemplos são demonstrativos da forma como o futuro de Portugal tem estado a ser hipotecado.
Sendo a água um recurso natural decisivo para o desenvolvimento económico e social de Portugal, a política dos recursos hídricos deveria estar inserida na política geral do ambiente e do ordenamento do território, perspectivadas numa estratégia de desenvolvimento sustentada.
A ausência de conhecimento sobre uma caracterização sistemática da qualidade e quantidade dos recursos

Página 2025

22 DE ABRIL DE 1994

2025

hídricos de superfície e subterrâneos em Portugal, bem como das suas utilizações e necessidades a nível nacional, regional e local, impedem a tomada de decisões adequadas à resolução dos problemas existentes e às necessidades de desenvolvimento do país a médio e longo prazo.

Recorde-se que Os Verdes sempre têm reivindicado a elaboração e execução do Plano Nacional de Política de Ambiente e Ordenamento do Território, identificado como um instrumento da política de ambiente na lei de bases de 1987, que o Primeiro-Ministro Cavaco Silva prometeu aos portugueses em 1990, e que, até hoje, não surgiu à luz do dia.

A falta de planos sectoriais, como o plano nacional de recursos hídricos, o plano nacional de resíduos e o plano nacional de política e ordenamento dos espaços florestais - uma das mais graves causas da degradação hídrica - impedem que o plano nacional de ambiente seja elaborado com suporte de conhecimento e estratégias credíveis, a menos que tal plano mais não venha a ser do que uma mera listagem de intenções incoerentes, vaga e sem quaisquer garantias de boa execução, como acontece com o actual Plano de Desenvolvimento Regional que o Governo considera substituir o plano nacional de política de ambiente.

Por outro lado, sendo que mais de 40 % das águas superficiais que correm em Portugal são provenientes de Espanha, que cerca de 64 % do território do continente é ocupado por bacias hidrográficas luso-espanholas e, considerando que a unidade básica de gestão dos recursos hídricos é a bacia hidrográfica (artigo 12.º da Lei de Bases do Ambiente), deveria o Governo português, por obrigação, tomar iniciativa no sentido de estabelecer acordos que garantissem a gestão integrada e optimizada dos recursos hídricos daquelas bacias hidrográficas, tanto no que se refere aos aspectos de quantidade como de qualidade.

Por não o ter feito atempadamente, tem o Governo do PSD andado de «calças na mão» atrás dos espanhóis para saber se ainda está a tempo de arrepiar caminho e evitar a política do facto consumado que o Governo espanhol parece disposto a impor, pelo menos, até não ser contrariado pela razão dos povos e do Direito Internacional, o que até agora não aconteceu de forma clara e determinada.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, face ao exposto, não parece poder causar muita admiração que Os Verdes saúdem a iniciativa do Governo espanhol de elaborar o Plano Nacional Hidrológico previsto na sua lei de águas desde 1985, independentemente de o considerarmos megalómano e atentatório dos interesses portugueses.

Parece-nos mesmo que esta «ameaça» pode ser o sinal do fim da letargia em que se encontram os responsáveis pela política governativa nos últimos oito anos em Portugal e que têm ignorado a razão e as chamadas de atenção da comunidade científica, dos partidos da oposição e do próprio Presidente da República.

Esperamos que a política de ambiente, no futuro, venha a reflectir o reconhecimento de que o actual Governo não tem feito o que era possível e desejável para garantir o bem-estar dos portugueses e promover um desenvolvimento sustentável para o nosso país.

Quanto à solidariedade, quando esteja em causa a afirmação da defesa do interesse nacional, ela é total da parte do Grupo Parlamentar Os Verdes, mas é necessário que cada um assuma as suas responsabilidades perante o povo português.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a
palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

0 Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 CDS-PP
regista - não é a primeira vez que o faz, de resto - a
nova postura do Ministério do Ambiente e Recursos
Naturais desde que V. Ex.ª ocupa esta pasta.
Por uma vez, com a mudança do Ministro algo se
alterou, senão a política, e já lá iremos, pelo menos, a
postura: diminuiu a arrogância, aumentou o esforço de
diálogo, nomeadamente com esta Câmara, o que dá ideia
da consciencialização de que a luta pela preservação do
ambiente e qualidade de vida terá, para ser bem sucedida,
de contar com a participação interessada de todos.
Numa análise rigorosa, podemos hoje dizer que a
problemática ambiental não é exclusivo de nenhum partido com assento nesta Assembleia e que a quantidade
elevada de debates sobre esta matéria e, nalguns casos, a sua profundidade é a prova clara de que todos
os partidos têm aquilo a que poderemos chamar uma
consciência ambiental.
Da parte do CDS-PP interessará, mais uma vez, aproveitar esta ocasião para expressar a nossa opinião de
que o ambiente terá, cada vez mais, de passar a ser
preocupação permanente em todos as áreas, ou seja,
como já aqui defendemos, horizontalizar a estrutura do
Ministério do Ambiente e Recursos Naturais. Só assim
se evitará que, por vezes, haja a convicção de que V.
Ex.ª e a sua equipa se encontram sozinhos a remar
contra ou em sentidos diferentes de outros Ministérios.
De declarações recentes, ficámos a saber que recusa frontalmente o fundamentalismo ambiental e também
nós aplaudimos essa posição. No entanto, o não fundamentalismo, a ponderação, o diálogo, a serenidade na avaliação dos problemas ambientais não justificará a falta de
coragem na tomada de decisões nem poderá ser a absolvição para os «pecados» cometidos pelo Governo ou substituir-se à inactividade do Governo e do Ministério do Ambiente em áreas que consideramos fundamentais.
Neste debate, não nos poderemos esquecer de que
o PSD está sozinho no Governo há quase uma dezena
de anos, sete dos quais com uma maioria absoluta, por
tanto, com responsabilidades acrescidas.
Se V. Ex.ª quiser ser consequente e, genuína e seriamente, catalizar os esforços e boa vontade dos portugueses na questão ambiental, então, facilmente reconhecerá que cometemos - o Governo cometeu - graves erros que todos iremos pagar na política ambiental. V. Ex.ª facilmente aceitará, embora se compreenda que o
não grite, que aos seus antecessores (Ministros ou Secretários de Estado) faltou-lhes, por vezes, a capacidade de enfrentar o risco da decisão, tendo-se esquecido que o mandato conferido é exactamente o de governar e, correndo os riscos inerentes, o de decidir.
A Sr.ª Ministra acompanhar-nos-á ao dizermos que,
nesta matéria - como, infelizmente, em muitas outras -,
não bastará acenarmos com directivas transpostas para
que possamos tranquilamente mencionar que temos um
corpo legislativo que nos permite encarar o futuro.
V. Ex.ª certamente reconhecerá que, não só em a questões de forma mas também de substância, teria agido de outra forma, por exemplo, e entrando na ordem do dia, neste aspecto que passámos grande parte do debate a discutir- a condução da questão do Plano
Hidrológico espanhol.

Página 2026

2026

I SÉRIE - NÚMERO 61
Já hoje aqui se escalpelizou esta questão e, acerca dela, o CDS-PP pretende somente notar a inércia do Governo português em se dotar de um instrumento relevante para os recursos hídricos. V. Ex.ª pode hoje mostrar o Decreto-Lei n.º 45/94, que está datado, o que leva a perceber que foram tardiamente sensibilizados para a necessidade desse normativo, não se compreendendo o porquê de tal atraso. Mas interessa também questionar o Governo - como, aliás, já o fez esta bancada - sobre quais são os grandes objectivos estratégicos, caso existam, que enformarão tal plano.
Na verdade, este debate comprova-o, os recursos hídricos são uma riqueza única, imprescindível e estratégica. Condicionarão o nosso futuro não só industrial e agrícola, mas o desenvolvimento no seu todo, representando um factor relevante na qualidade de vida. Por essa razão, o CDS-PP questiona, para além da quantidade, a qualidade dos recursos hídricos, fundamentalmente, os destinados ao consumo.
Sabendo-se que a água é o último repositório e elemento essencial na corrente alimentar, é nossa opinião que, enquanto se não atacarem as fontes poluidoras, não poderemos ter água de qualidade. Não se poderá ter água de qualidade enquanto aproximadamente 1 milhão de toneladas de lixo não tiver tratamento conveniente e adequado nem enquanto 2 milhões de toneladas de resíduos tóxicos e perigosos forem lançados em quase 2000 locais sem qualquer acompanhamento.
Este é também um erro do Governo em matéria ambiental. São quatro anos em que nada de concreto se fez e nestes 1500 dias quantos novos problemas foram criados que demorarão décadas para que a natureza os resolva.
V. Ex.ª apresentou, em relação a esta temática, assumindo tacitamente os erros anteriores, um novo calendário para a construção da central de tratamento de resíduos perigosos e perigosos. Seria interessante que nos pudesse dar conta da evolução desse programa tendo em atenção, até, que uma das metas para a listagem lata dos pontos de descarga é este mês de Abril, porque, V. Ex.ª também o assumiu, a falha do programa anterior (e ainda não se sabe quanto nos custará essa falha) ficou a dever-se a falta de informação.
Aproveito- e espero que o compreenda - para lhe perguntar directamente o que se passa de concreto em relação aos concelhos de Oliveira do Bairro e Vagos em que uma das empresas do consórcio tem vindo a adquirir terrenos, especulando-se acerca da sua finalidade, nomeadamente, com a possibilidade de destinar-se à instalação do sistema de resíduos tóxicos e perigosos. Pergunto que informações o Ministério do Ambiente já deu, quando foram, ao que se sabe, solicitadas às referidas autarquias e populações.
Este segredo e esta necessidade de nada se saber em relação a matéria ambiental causa uma revolta assinalável nas populações, gera movimentos de repúdio, neste caso, compreensíveis, se dissermos que esta área se encontra a menos de 1 km da malha urbana.
Restará ao CDS-PP reafirmar a sua posição coincidente com a do Governo (pelo menos, com a que tinha há um ano) de que o factor principal na localização de tal sistema será o da percentagem de criação de resíduos tóxicos e perigosos.
Fechando este parêntesis a que espero a Sr.ª Ministra preste os esclarecimentos que ache convenientes, retomemos a questão da qualidade da água para perguntar se se tem feito o acompanhamento à actividade de controlo das câmaras municipais e se, ao contrário do que afirmava o ex-Ministro Carlos Borrego, V. Ex.ª pode afirmar que a legislação é cumprida e o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais garante a qualidade da água do abastecimento público? Estamos ou não em condições de atingir a percentagem de 90% no tratamento de esgotos no ano 2000? E estamos em condições de dar cumprimento às directivas comunitárias que impõem, entre outras, a obrigação de tratamento secundário antes do fim do ano 2005 nos aglomerados urbanos com mais de 2000 habitantes? E se o sistema público de abastecimento de água oferece algumas garantias de qualidade (recordo que o ex-Ministro confirmou em 1992 que o abastecimento público estava, em algumas zonas, em risco), qual é a garantia de qualidade da água dos 40 %, no Porto, ou dos 80 %, em Estarreja - com o que significa falarmos de Estarreja -, de pessoas que não têm abastecimento público?
E o rigor na aplicação das verbas ao dispor do Governo português e de Portugal? Como vê o Governo os milhares de contos que foram investidos em estações de tratamento de águas residuais, que hoje não funcionam nem se prevê que venham a funcionar? 0 que terá falhado aqui?
Provavelmente, isso levar-nos-ia a outra questão fundamental: a da atrofia do poder local, a quem financeiramente se sufoca, impedindo-o de cumprir, por vezes, os seus desígnios no desenvolvimento do País.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma última palavra, para reafirmar que o CDS-PP estará sempre empenhado e dará o seu contributo para a construção de uma consciência ambiental no nosso país.
Respondendo ao repto do Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva, entregámos já na Mesa um projecto de resolução, com a finalidade de criar um grupo de trabalho que se debruçará, num prazo de 60 dias, sobre possíveis iniciativas de direito interno e internacional que possam responder à conjuntura difícil que hoje discutimos, nomeadamente sobre a questão do Plano Hidrológico Nacional Espanhol, esperando, desde já, que possamos recolher, por parte da Câmara, o consenso para este projecto de resolução.

(0 Orador reviu).

0 Sr. Presidente: - Para a intervenção de encerramento do debate, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais.

A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Nacionais:- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que ficou demonstrado, por este debate, que o Governo tem ideias claras e globalizantes e uma filosofia coerente, em matéria de gestão de recursos hídricos. Essa filosofia e essas orientações são articuladas segundo alguns princípios.
0 primeiro é o princípio regulador do Estado. 0 Estado, administração central, quer-se enunciar, cada vez mais, como autoridade de regulação e não como executora destas atribuições e competências, a não ser quando o seu papel regulador for chamado.
0 segundo é o princípio do reforço, da tradição e da capacidade municipalista. Nesta área, a tradição portuguesa é fortemente municipalista e é isso que queremos reforçar. Nos conselhos de bacia encontra-se prevista uma larga representação de municípios; as várias opções de gestão que a nova legislação lhes atribui vai neste sentido; existem cada vez mais possibilidades e

Página 2027

22 DE ABRIL DE 1994

2027
encorajamento à articulação municipal e ao reforço da capacidade financeira, de acordo com a iniciativa que os municípios tiverem para se organizarem, de modo a subscreverem candidaturas a fundos comunitários.
0 terceiro é o princípio da co-responsabilização, o qual orienta a legislação e a política do Governo nesta matéria. É uma
co-responsabilização que existe entre o Estado, as autarquias, as instâncias várias da sociedade e os cidadãos.
0 quarto é o princípio da abertura ao sector privado, de maneira a possibilitar uma maior profissionalização deste sector, o que não significa, como aqui se quis fazer crer, a obtenção de lucros indevidos, à custa dos cidadãos que, em último lugar, queremos favorecer.
Finalmente, os princípios da universalidade ou licenciamento e do planeamento integrado. 0 Sr. Deputado António Murteira e alguns Deputados do Partido Socialista por várias vezes se referiram à questão do planeamento, nomeadamente ao planeamento por bacia. Srs. Deputados, afirmo que o planeamento é o instrumento mais nobre da gestão, faz parte dela, pois não consideramos o planeamento por um lado e a gestão por outro.
Ora, o planeamento tem a atribuição, que enunciei, de definição das linhas estratégicas de gestão que vão orientar as bacias hidrográficas. 0 planeamento está confiado aos conselhos de bacia, onde estão representados todos os utilizadores.
Poderia dizer que começamos de uma maneira ténue, gradualista, mas é essa a nossa intenção. 0 Governo não tem, de modo algum, uma posição ideológica ou de princípio em relação a esta matéria. Não temos qualquer objecção em relação à gestão por bacia, antes pelo contrário, parece-me que devemos caminhar gradualmente no sentido do reforço da capacidade dos conselhos de bacia. Esta é uma visão mais pragmática. Não temos qualquer posição de princípio em sentido contrário, pois parece-nos ser mais realista caminharmos gradualmente e dar mais atribuições aos conselhos de bacia à medida que eles se reforcem e podem assumir mais competências. Não temos aqui qualquer atitude de princípio, pelo contrário, achamos que o planeamento e a gestão devem caminhar no sentido de um progressivo reforço desses conselhos.
Estas iniciativas legislativas foram largamente debatidas na Assembleia - recordo-me de ter vindo aqui várias vezes fazê-lo - e foram objecto de trocas de impressões com a comunidade científica. Creio que, de uma maneira geral a comunidade científica considerou estas iniciativas legislativas como globalmente positivas.
Não ouvimos, durante este debate, qualquer alternativa de carácter sistémico e estrutural...

Vozes do PSD:- Muito bem!

A Oradora: - ... a estas orientações, em matéria de política de ambiente, no que diz respeito aos recursos hídricos.
No entanto, os objectivos de política do Governo, relativamente a estas matérias, não se esgotam num comprazimento teórico com a coerência legislativa nesta área. Visam, sobretudo, o bem-estar e a qualidade de vida dos portugueses e, nesse sentido, tanto os instrumentos legais como os recursos financeiros disponíveis têm uma tradução prática e visam concretizar no terreno projectos estruturantes, com resultados efectivos para a população portuguesa.
Sr. Deputado José Sócrates, não haverá muitas obras realizadas directamente pelo Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, pois este não tem uma vocação de obras públicas. Prefere, antes, propiciar condições para que as autarquias e outras instâncias possam exercer as suas capacidades, porque não temos uma vocação centralizadora nem estatizante.
Esperamos que no fim deste Quadro Comunitário de Apoio estejam substancialmente concretizados os grandes sistemas de abastecimento de água e saneamento, que os níveis de atendimento dos portugueses avancem, melhorem, no sentido de atingirem as médias e os padrões europeus e que estejam resolvidos problemas crónicos de poluição, que todos os portugueses conhecem, que queremos erradicar e cuja erradicação está em curso, como amplamente é conhecido.
Na mesma altura, espera-se que estejam criados sistemas
auto-sustentados e economicamente sólidos, para que os recursos financeiros, de que agora dispomos de modo excepcional e que provavelmente não teremos na mesma medida, que Portugal vier a ter possam ser afectados a objectivos indicadores de uma qualidade de vida mais elevada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para terminar, assinalo a vivacidade deste debate. Recordo que, em tempos, se criticava o Governo por não ser capaz de promover legislação, agora questiona-se a sua capacidade de promover a aplicação dessa legislação. 0 tempo e os portugueses o dirão.
Uma última palavra relativa à questão do Plano Hidrológico Nacional Espanhol.
0 debate foi vivo e empenhado, mas gostaria de registar o facto de que não retive qualquer orientação ou sugestão ao Governo para que tomasse iniciativas, no âmbito da sua competência, para além das que está a tomar. Registo ainda que foram referidas algumas iniciativas, nomeadamente, pelo PCP, os Verdes e o CDS-PP como a celebração do novo convénio que o Governo está a negociar, como foi amplamente divulgado.
Para além disto, não me parece que tenha havido qualquer sugestão dirigida ao Governo, no âmbito das suas competências específicas, para além das que o Governo informou estar a exercer. Naturalmente, foram aqui feitas sugestões no plano das iniciativas parlamentares, que saúdo e manifesto mais uma vez a colaboração do Governo a essas iniciativas, se para tal for solicitado.
Quero, em todo o caso, relevar deste debate o que me parece mais positivo: em última análise, uma postura, por parte de todas as bancadas, no sentido de reconhecer o interesse nacional desta questão, de crítica positiva, construtiva e de empenhamento nesta problema, que é manifestamente do interesse nacional. Quero justamente relevar essa posição de disponibilidade de todas as bancadas e também o Governo reitera a sua disponibilidade para continuar a informar o Parlamento e participar em todas as iniciativas para as quais for solicitado.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente:- Durante as respostas que a Sr.ª Ministra deu aos pedidos de esclarecimento formulados a propósito da sua primeira intervenção, o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto inscreveu-se para defesa da sua consideração.
A Mesa, de acordo com o n.º 3 do artigo 92.º do Regimento, anotou o pedido e, por fim, dá agora a palavra ao Sr. Deputado, para esse fim.

0 Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Sr. Presidente, a Sr.ª Ministra teve a amabilidade de me citar na

Página 2028

2028

I SÉRIE - NÚMERO 61

sua intervenção e intervenho para defesa da minha própria honra e também da de Gregório Maranon, porque muitos dos Srs. Deputados não participaram na troca de impressões, aliás estimulante, que tivemos ontem, pelo que fica registado em acta da sessão plenária algo que poderia ser menos entendido.
Devo dizer a VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, ontem, ao fazer essa citação, me circunscrevia a um período do nosso diálogo em que recomendava vivamente ao Governo uma maior firmeza no diálogo com o seu congénere espanhol na defesa dos interesses de Portugal quanto a uma matéria particularmente crítica. Aliás, ontem, todos quantos participámos na reunião da comissão parlamentar em causa tivemos um diálogo muito avivado porque as populações do Norte e do Sul, concretamente as que vivem em grande e natural correlação com o Douro e com o Guadiana, estão em período de perplexidade.
Foi por essa razão e nesse contexto que citei a frase de Maranon, que dizia que, nas idiossincrasias ibéricas, havia os castelhanos, que se impunham pelo combate, os catalães, que se distinguiam pela negociação, e os galaico-portugueses, que se queixavam, pelo que recomendei à Sr.ª Ministra que não se queixasse mas que tanto V. Ex.ª como o seu Governo fossem bem firmes nesse diálogo.
Ontem, cumprimentei a Sr.ª Ministra pelo espírito de abertura, de clareza e de transparência com que se conversou em sede da referida comissão. No entanto, quero recordar a V. Ex.ª que se Portugal é independente há oito séculos e meio tal não quer dizer que durante todo este tempo não tenhamos tido bons e maus governos. V. Ex.ª compreenderá que não considere como um dos melhores o Governo a que pertence.
Para além disto, devo dizer a V. Ex.ª que a independência não se manifesta só no campo político mas também no económico e que há graves permissibilidades por parte do actual Governo em relação à interferência do poder económico espanhol em Portugal e, agora também, nessa matéria tão vital e tão importante como é a da água.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais.

A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais: - Sr. Presidente, não sinto necessidade de dar explicações porque não tenho a noção de ter agredido a honra do Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto...

0 Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - É a consideração, Sr.ª Ministra!

A Oradora: - ... nem a sua consideração.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr Presidente: - Srs. Deputados, reservo para mim próprio a última palavra neste debate para congratular-me convosco e com o Governo pelo nível da discussão que aqui fizemos e ainda para salientar que, do debate parlamentar, ficou claro que este é um tema relevantíssimo para o interesse nacional. Penso que a Câmara está de parabéns pelo modo como decorreu e mais uma vez renovo os meus agradecimentos à Sr.ª Ministra e aos Srs. Secretários de Estado pelo facto de terem estado presentes e de tanto terem animado o debate.
De acordo com o que foi combinado há pouco, vamos proceder às votações agendadas para a sessão de hoje.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP). - Sr. Presidente, sob a forma de interpelação à Mesa, queríamos dizer o seguinte: o primeiro texto que vamos votar é um requerimento de baixa à Comissão de Agricultura e Mar, apresentado por Deputados do PSD, relativo ao projecto de resolução do nosso partido, sobre o programa de compensação financeira para os pescadores por motivo de abate e imobilização definitiva ou temporária das embarcações.
Nós, PCP, somos autores do referido projecto de resolução e, regimentalmente, o PSD tem poderes para pôr este requerimento à votação porque o mesmo não foi objecto de agendamento, portanto, não podemos impedir a respectiva votação. No entanto, queremos sublinhar que, na nossa qualidade de autores do projecto de resolução, não estamos de acordo com este requerimento de baixa à comissão e gostaríamos que o projecto fosse votado em sede de Plenário.
Infelizmente, repito que, por não ter sido agendado este requerimento, não podemos impedir que se cumpra o Regimento mas, por razões éticas e políticas e até por alguma praxe parlamentar, penso que deveria ser aceite e admitida a vontade dos proponentes do projecto de resolução.
Contudo, se o PSD insistir no seu requerimento, contra o qual votaremos, obviamente, solicitamos que, pelo menos, seja cumprido o Regimento. É que, no seu artigo 156.º, o Regimento diz que deve ser definido o prazo pelo qual o projecto baixa à comissão para ser votado. Ora, o requerimento que temos perante nós não define qualquer prazo. Assim, solicitamos que, pelo menos, este preceito regimental seja cumprido, Sr. Presidente.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP)- - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Perante esta interpelação, a Mesa, por sua vez, interpela o Partido Social-Democrata, lembrando que, efectivamente, o artigo 156.º do Regimento indica que deve ser assinalado um prazo para votação em comissão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Sr Presidente, informo a Mesa que manteremos o nosso requerimento, aditando-lhe o prazo a que se refere o Sr. Deputado Lino de Carvalho e que será de 45 dias.

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

0 Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, é também para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

Página 2029

22 DE ABRIL DE 1994

2029
0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, é para dizer que nos louvamos nas palavras do Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Obviamente, nos termos regimentais, não podemos impedir a votação do requerimento apresentado pelo PSD, aliás, agora melhorado com a indicação de um prazo, mas também nós pensamos que o que deveria ser votado nesta sede era o projecto de resolução n.º 96/VI, do PCP, uma vez que essa é que seria a maneira de clarificarmos as posições dos diversos partidos políticos quanto à compensação financeira para os pescadores, que o PCP propõe através do referido projecto de resolução.
Portanto, o nosso voto contra o requerimento apresentado pelo PSD significa exactamente que aceitamos e nos louvamos nas considerações que foram feitas pelo Deputado do PCP.

Vozes do PS: - Muito bem!

Srs. Deputados, vamos proceder à votação do requerimento de baixa à Comissão de Agricultura e Mar, antes da votação na generalidade, do projecto de resolução n.º 96/VI - Programa de compensação financeira para os pescadores por motivo de abate e imobilização definitiva ou temporária das embarcações (PCP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS-PP e do PSN e votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raúl Castro.

Segue-se a votação, na generalidade, especialidade e final global, do texto alternativo elaborado pela 1.ª Comissão relativo à proposta de lei n.º 96/VI - Autoriza o Governo a transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 91/250/CEE, do Conselho, de 14 de Maio, relativa ao regime de protecção jurídica dos programas de computador.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Mário Tomé.

Vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 395/VI - sobre protecção jurídica dos programas de computador (PS).

0 Sr. Alberto Costa (PS)- - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, quero apenas referir que, em ofício dirigido à Mesa, prescindimos da votação do nosso projecto de lei pelas razões nele expostas.

0 Sr. Presidente:- Sr. Deputado, tinha acabado de ser informado pelos Secretários da Mesa de que havia sido retirada a votação do referido projecto de lei n.º 395/VI.
Passamos, então, à votação global da proposta de resolução n.º 58/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo de Sede entre o Grupo Internacional de Estudos do Cobre e a República Portuguesa.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, terminamos hoje os nossos trabalhos com a votação final global do texto final elaborado pela Comissão de Assuntos Europeus relativo ao projecto de lei n.º 236/VI - Alterações à Lei n.º 111/88, de 15 de Dezembro (Acompanhamento e apreciação pela Assembleia da República da participação de Portugal na construção europeia) (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 10 horas, e terá como ordem do dia a discussão das ratificações n.ºs 105/VI (PCP), 106/VI (Deputado independente João Corregedor da Fonseca, Os Verdes e PS), 112/VI (PCP) e 114/VI (PS). No final, terá lugar uma reunião da conferência de líderes.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da Silva Pinto.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Anabela Honório Matias.
António de Carvalho Martins.
António José Caeiro da Motta Veiga.
Arménio dos Santos.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Pereira Lopes. Manuel Maria Moreira.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.

Partido Socialista (PS):

Carlos Cardoso Lage.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Manuel Santos de Magalhães.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD).

Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Domingos Duarte Lima.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Página 2030

2030 I SÉRIE - NÚMERO 61
Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
António Fernandes da Silva Braga.
António Poppe Lopes Cardoso.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
João António Gonçalves do Amaral.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

José Luís Nogueira de Brito.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

15abel Maria de Almeida e Castro.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

PORTE
PAGO

1 - Preço de página para venda avulso, 7$00 +IVA.

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 -0 texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República

PREÇO DESTE NÚMERO 250$00 (IVA INCLUÍDO 5%)

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×