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23 DE ABRIL DE 1994

não representam uma perspectiva de lucros fáceis e imediatos.
Mas, por outro lado, consagra assim o Governo do PSD um insólito sistema legislativo, pois se o Governo teoricamente quisesse criar outros sistemas multimunicipais, de cada vez que o quisesse fazer teria de publicar outros tantos decretos-leis, o que não se crê como e de que forma legislativa poderia ser feito.
Acresce que o próprio sistema de concessão se apresenta com contornos mal definidos e até contraditórios.
Atente-se, por exemplo, no que dispõe o artigo 7.º do mencionado Decreto-Lei n.º 379/93. Aí se estabelece que «( ... ) a propriedade dos bens integrados nos sistemas municipais e a ela afectos pertence à concessionária ( ... )», mas revertendo para os municípios no termo da concessão. Quer isto dizer que, transferida a propriedade para a concessionária, fica esta com os respectivos poderes, ou seja, o gozo, de modo pleno e exclusivo, dos direitos de uso, fruição e disposição (disposição, sublinhe-se) das coisas que lhe pertencem, como define o artigo 1305.º do Código Civil.
Ora, se a concessionária adquire a propriedade, através da concessão, e se, assim, fica com o poder de dispor dos respectivos bens, o que lhe permite alienar algum, alguns e, teoricamente, até todos os bens, objecto da concessão, como é possível fazer reverter ao concedente a propriedade dos mesmos bens, no fim da concessão?
Trata-se, como é evidente, de uma insanável contradição, para não dizer de um absurdo jurídico.
Acrescente-se, por outro lado, que a atribuição a entidades privadas da gestão e exploração dos sistemas municipais é inconciliável com os direitos dos utentes, naturalmente garantidos com a sua atribuição às autarquias locais.
Ainda recentemente, mais do que um presidente de câmaras municipais do Grande Porto salientava justamente que a captação e distribuição da água para consumo público é competência que não deve ser retirada aos municípios, pois só estes podem assegurar o que é e deve ser um serviço público, orientado não por critérios de lucro mas pela satisfação das necessidades do público utente.
É que, reconhecidamente, as entidades privadas têm em vista, por definição, a obtenção de lucros, ao contrário dos municípios que se propõem a prestação de serviços no interesse das populações.
Pouco após a constituição, no último Governo, da Secretaria de Estado dos Recursos Naturais, entretanto extinta, foi anunciado que, finalmente, iriam ser produzidos «importantes» diplomas para promover um adequado planeamento e gestão dos recursos hídricos.
Esses diplomas visariam regular o processo de planeamento dos recursos hídricos, estabelecer o regime de licenciamento da utilização do domínio hídrico e estabelecer o regime económico e financeiro da utilização do domínio público hídrico. E foi assumida oficialmente a sublime ideia de promover a conceptualização dos sistemas de saneamento básico, como sistemas multimunicipais e municipais.
Os diplomas relativos às três primeiras matérias acabaram por ver a luz do dia a 22 de Fevereiro de 1994 (Decretos-Leis n.ºs 45, 46 e 47/94), enquanto se foi mais apressado em legislar sobre este novo conceito de sistemas multimunicipais ou municipais (o decreto-lei em processo de ratificação).

É clarificadora esta maior urgência do Governo. 0 Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, interessa mais directamente aos grandes interesses que se movem por detrás dos negócios da água. É, de facto, tudo claro como água!
Abre-se a possibilidade de entregar à iniciativa privada a distribuição domiciliária da água: aí estão os sistemas municipais concessionáveis.
Provavelmente, autarquias do PSD serão pressionadas para concessionarem sistemas municipais de águas, esgotos ou lixos, como já sucedeu em Mafra e está em movimentação em Oeiras.
Mas o que «enche o olho» às multinacionais, especialmente francesas - Général des Eaux e Lyonnaise des Eaux, já com escritórios e subsidiárias a actuar em Portugal -, mas também espanholas - Águas de Barcelona e inglesas -, são os grandes sistemas de abastecimento de água e também alguns grandes sistemas de tratamento de esgotos e de lixos.
Para além da alteração da lei de delimitação de sectores, o esquema, para já, desencadeia-se assim, no que se refere ao abastecimento de água.
A EPAL é transformada de empresa pública em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, o que deverá constituir um primeiro passo para a posterior privatização (Decreto-Lei n.º 230/91, de 21 de Junho.
0 Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, cria, no seu artigo 3.º, n.º 3, cinco sistemas multimunicipais, que são precisamente as cinco áreas onde a EPAL pretende entrar: Sotavento e Barlavento algarvios, em negociação com municípios; Grande Lisboa (que ultrapassa a área definida como Grande Lisboa, abrangendo todos os municípios já abastecidos por ela - pela ordem, até Vila Franca de Xira-, e aqueles com os quais a EPAL já estabeleceu acordos, a partir de Constância); e as áreas Norte e Sul do Grande Porto, com as quais a EPAL está em negociações ou já assinou protocolos, e, salvo erro, já criou a Águas do Cávado, Sá.
A EPAL diz que traz a tecnologia francesa- Général ou Lyonnaise des Eaux, que têm claramente grande influência sobre ela para a vir «agarrar» futuramente.
Entretanto, a EPAL já conseguiu entrar para a exploração do sistema da Costa do Estoril, por pressão do Governo, e constituiu uma empresa com a Câmara Municipal de Lisboa para assegurar a exploração das três ETAR existentes na cidade - Beirolas, Alcântara e Chelas.
A EPAL manter-se-á como empresa de capitais públicos para a construção dos novos sistemas financiados pelo Fundo de Coesão, com a comparticipação de 85 %; só o novo adutor do Castelo de Bode à região de Lisboa deverá orçar uns 20 milhões de contos.
Só depois avançaria para a privatização. E as privadas (leia-se francesas) irão comprar o novo património pelo valor real, que daria um encaixe de milhões para o IPE, ou obterão a grande negociata de comprar um património por 15 % do seu valor real, que será a parte do co-financiamento português?
Note-se ainda que, no IPE, se criou uma subholding «Águas de Portugal», que gere todas as participações públicas empresariais e que já absorveu o capital da EPAL. E é bem mais fácil, e politicamente menos custoso para o Governo, privatizar, isto é, vender empresas do universo do IPE do que quaisquer empresas, ainda que não empresas públicas, dependentes do ministério da tutela.
Orientando-se por uma concepção centralizadora e atentatória da autonomia dos municípios, o Governo, com o