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Sábado, 23 de Abril de 1994

I Série - Número 62

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

3.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE ABRIL DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

S U M Á R I O

0 Sr Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.ºs 396 a 399/VI, das propostas de resolução n.ºs 59 e 60/VI e do projecto de resolução n.º 108/VI
Foi apreciado o Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, que permite o acesso de capitais privados às actividades económicas de captação, tratamento e rejeição de efluentes e recolha e tratamento, de resíduos sólidos [ratificações n.ºs 105/VI (PCP) e 106/VI (Deputado independente João Corregedor da Fonseca, Os Verdes e PS)], sobre o qual intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor (Poças Martins), os Srs. Deputados Luís Sá (PCP), Raúl Castro (Indep.), Joaquim da Silva Pinto (PS) e José Silva Costa (PSD)

Procedeu-se também à apreciação do Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de Dezembro, que institui afigura da injunção [ratifimção n.º 112/VI (PCP)], tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Luís Filipe Madeira (PS), Correia Afonso (PSD) e Narana Coissoró (CDS-PP)
0 Decreto-Lei n.º 16/94 de 22 de Janeiro, Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, [ratificação n.º 114/VI (PS)] foi também apreciado. Usaram da palavra a diverso título, além do Secretário de Estado do Ensino Superior (Pedro Lynce), os Srs. Deputados Guilherme d'Oliveira Martins (PS ), Sousa Lara (PSD), Adriano Moreira (CDS-PP), Paulo Rodrigues (PCP), Carlos Lélis e Vítor Crespo (PSD)
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.

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António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social Popular (CDS-PP):
Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:

Raul Fernandes de Morais e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.05 396/VI- Altera o artigo 7.º do Estatuto do Jornalista (PS), 397/VI - Altera os artigos 37.º e 39.º da Lei n.º 58/90, de 7 de Setembro, sobre o regime da actividade de televisão (PS), 398/VI- Altera o 40.º da Lei n.º 58/90, de 7 de Setembro, sobre o regime da actividade de televisão (PS) e 399/VI- Assegura a consulta pública dos arquivos das extintas PIDE/DGS e LP e adopta outras medidas de preservação da memória histórica da luta contra a ditadura (PS), que baixaram à 1.ª Comissão; propostas de resolução n.º 59/VI - Aprova, para adesão, o Quinto Protocolo Adicional ao Acordo Geral sobre Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa e 60/VI - Aprova o Acordo de Segurança Social ou Seguridade Social entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil e respectivo Ajuste Administrativo; e projecto de resolução n.º 108/VI- Criação de um grupo de trabalho dependente da Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e da Subcomissão do Ambiente para proceder a um levantamento da actual definição jurídica internacional de utilização dos rios internacionais, um inventário das exigências da conjuntura e a uma proposta de acção legislativa (CDS-PP).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o período da ordem do dia de hoje é preenchido pelo debate de várias ratificações.
Vamos, então, dar início à apreciação do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, que permite o acesso de capitais privados às actividades económicas de captação, tratamento e rejeição de efluentes e recolha e tratamento de resíduos sólidos [ratificações n.ºs 105/VI (PCP) e 106/VI (Deputado independente João Corregedor da Fonseca, Os Verdes e PS)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, Srs. Deputados: De algum modo, podemos dizer que o debate acerca desta ratificação já foi travado nesta Câmara.
Com efeito, quando debatemos a lei de delimitação dos sectores público e privado, abordámos igualmente

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o conteúdo do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, tendo o Governo, devo dizê-lo, manifestado uma total indisponibilidade para ouvir as razões da oposição.
Entretanto, gostaria de recapitulá-las rapidamente. Na nossa óptica, trata-se do seguinte: sem dúvida alguma que, quer em relação à qualidade da água quer em relação aos efluentes, há determinadas funções que devem ser exercidas a um nível supramunicipal. É uma questão que, para nós, é clara, evidente e da mais elementar sensatez dos pontos de vista técnico, de gestão administrativa e político.
A verdade é que o Governo se aproveitou desta situação para criar sistemas multimunicipais que permitem uma forte intervenção do Estado, acabando por correr-se o risco de, neste domínio, haver um efectivo controlo por parte da administração central de determinadas funções, que couberam, até há pouco tempo, exclusivamente aos municípios.
A solução que preconizamos não é a de essas funções caberem exclusivamente a cada município isoladamente considerado. Entendemos, sim, que figuras como as associações de municípios e, em particular, as empresas públicas intermunicipais, com contratos e colaboração financeira, e não só, com o Governo, permitiriam resolver esta questão, preservando simultaneamente as atribuições e competências municipais.
É esta a nossa aposta, que, no fim de contas, é a aposta descentralizadora contra a aposta da centralização.
Deve dizer-se que o Governo só se lembrou da água e dos efluentes no momento em que foi aprovado o Fundo de Coesão e apareceu a perspectiva de fortes financiamentos comunitários. De facto, até esse momento, o Governo desinteressou-se praticamente das questões relacionadas com a qualidade da água e com o abastecimento de água de qualidade às populações.
Senão, vejamos: o Decreto-Lei n.º 74/90, de 7 de Março, aprovou normas relativas à água e à qualidade da água. Ora, as questões que colocamos são, por exemplo, estas: por que é que, passados mais de quatro anos sobre a publicação deste diploma, não foram aprovadas as normas de qualidade a que devem obedecer as águas doces superficiais para consumo humano? A verdade é que já passaram mais de quatro dos cinco anos... Como é possível aos municípios providenciarem imediatamente fontes alternativas de abastecimento, no caso de se verificar que as fontes utilizadas não têm qualidade?
Por outro lado, é também sabido que não há capacidade laboratorial no País para efectuar as análises que a lei requer.
Assim, pergunto: o que é que o Governo fez nesta matéria, passados mais de quatro anos sobre a aprovação deste diploma? Que medidas foram tomadas igualmente para garantir aquilo que o artigo 7.º deste diploma designa como «a melhoria contínua da qualidade da água através de planos e programas a implementar com esta finalidade»?
É evidente que o Sr. Secretário de Estado vai responder-nos dizendo o mesmo que no debate anterior, ou seja, que os municípios estiveram de acordo com o esquema de gestão administrativa da água e dos efluentes líquidos, estabelecido pelo Governo neste diploma. Porém, a explicação para essa atitude é muito simples: os municípios estiveram de acordo, porque não tinham outro remédio, não tinham esquemas institucionais alternativos!

Com certeza - e digo-o por conhecimento directo -, se tivesse sido permitido, designadamente, utilizar a figura das associações de municípios ou das empresas públicas intermunicipais, naturalmente com a colaboração da administração central, os municípios tê-lo-iam preferido.
A verdade é que, neste momento, aberrantemente, contra a opinião da generalidade dos municípios, inclusivamente dos do partido governamental, continua a ser vedada a possibilidade de as associações de municípios terem um quadro de pessoal privativo. Por outro lado, apesar das nossas propostas, não está viabilizada a possibilidade da criação de empresas públicas intermunicipais. Portanto, os municípios têm de colaborar num esquema financeiro e institucional que lhes retira competências, porque efectivamente não têm outro remédio.
Já que este Governo é surdo às razões invocadas, designadamente pela Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos e pela Associação Nacional de Municípios Portugueses, então, espero que esta ratificação, não servindo para alterar o diploma, possa, pelo menos, servir como alerta relativamente a uma medida que vai contra os interesses do poder local, destinando-se, no fim de contas, a controlar recursos financeiros comunitários numa matéria em relação à qual o Governo, até agora, manifestou total desinteresse.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

0 Sr. Raúl Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, começaremos por uma necessária rectificação: o Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, não trata apenas do acesso de capitais privados às actividades económicas de captação, tratamento e rejeição de efluentes e tratamento de resíduos sólidos, o que já seria muito, diga-se, mas ainda, o que é muito mais, de permitir o mesmo acesso de capitais privados à captação, tratamento e distribuição de água para consumo público.
No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 379/93, invoca-se, para justificar o sentido das medidas propostas, a alteração da lei dos sectores, que veio permitir o acesso de capitais privados às referidas actividades, embora, a nosso ver, mal, como resultou do oportuno voto negativo que tal alteração nos mereceu.
Quer isto dizer que não está em causa, em princípio, o poder concreto de legislar que o Governo veio usar, nem é agora o momento de, em tal sentido, deslocar a discussão. 0 que está em causa é o regime que o Governo pretendeu implantar com tal diploma, ora em ratificação.
Distingue-se entre sistemas multimunicipais e municipais, mas sempre em detrimento da competência que aos municípios pertence em tal matéria.
Trata-se de uma injustificável invasão da competência municipal, com as agravantes que, a seguir, se referirão.
Em primeiro lugar, criam-se cinco sistemas multimunicipais, o que, necessariamente, leva a perguntar: mas porquê estes cinco apenas e não outros, que igualmente poderiam beneficiar regiões excluídas? A resposta não é difícil: é o critério do fácil e do rentável, sobretudo do rentável.
Ficariam providos de sistemas multimunicipais o sotavento e o barlavento algarvios, a Grande Lisboa e o norte e o sul do Grande Porto. E as outras regiões do País? Essas, tão ou mais carentes do que estas cinco, não são «carne da perna» para as entidades privadas,

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não representam uma perspectiva de lucros fáceis e imediatos.
Mas, por outro lado, consagra assim o Governo do PSD um insólito sistema legislativo, pois se o Governo teoricamente quisesse criar outros sistemas multimunicipais, de cada vez que o quisesse fazer teria de publicar outros tantos decretos-leis, o que não se crê como e de que forma legislativa poderia ser feito.
Acresce que o próprio sistema de concessão se apresenta com contornos mal definidos e até contraditórios.
Atente-se, por exemplo, no que dispõe o artigo 7.º do mencionado Decreto-Lei n.º 379/93. Aí se estabelece que «( ... ) a propriedade dos bens integrados nos sistemas municipais e a ela afectos pertence à concessionária ( ... )», mas revertendo para os municípios no termo da concessão. Quer isto dizer que, transferida a propriedade para a concessionária, fica esta com os respectivos poderes, ou seja, o gozo, de modo pleno e exclusivo, dos direitos de uso, fruição e disposição (disposição, sublinhe-se) das coisas que lhe pertencem, como define o artigo 1305.º do Código Civil.
Ora, se a concessionária adquire a propriedade, através da concessão, e se, assim, fica com o poder de dispor dos respectivos bens, o que lhe permite alienar algum, alguns e, teoricamente, até todos os bens, objecto da concessão, como é possível fazer reverter ao concedente a propriedade dos mesmos bens, no fim da concessão?
Trata-se, como é evidente, de uma insanável contradição, para não dizer de um absurdo jurídico.
Acrescente-se, por outro lado, que a atribuição a entidades privadas da gestão e exploração dos sistemas municipais é inconciliável com os direitos dos utentes, naturalmente garantidos com a sua atribuição às autarquias locais.
Ainda recentemente, mais do que um presidente de câmaras municipais do Grande Porto salientava justamente que a captação e distribuição da água para consumo público é competência que não deve ser retirada aos municípios, pois só estes podem assegurar o que é e deve ser um serviço público, orientado não por critérios de lucro mas pela satisfação das necessidades do público utente.
É que, reconhecidamente, as entidades privadas têm em vista, por definição, a obtenção de lucros, ao contrário dos municípios que se propõem a prestação de serviços no interesse das populações.
Pouco após a constituição, no último Governo, da Secretaria de Estado dos Recursos Naturais, entretanto extinta, foi anunciado que, finalmente, iriam ser produzidos «importantes» diplomas para promover um adequado planeamento e gestão dos recursos hídricos.
Esses diplomas visariam regular o processo de planeamento dos recursos hídricos, estabelecer o regime de licenciamento da utilização do domínio hídrico e estabelecer o regime económico e financeiro da utilização do domínio público hídrico. E foi assumida oficialmente a sublime ideia de promover a conceptualização dos sistemas de saneamento básico, como sistemas multimunicipais e municipais.
Os diplomas relativos às três primeiras matérias acabaram por ver a luz do dia a 22 de Fevereiro de 1994 (Decretos-Leis n.ºs 45, 46 e 47/94), enquanto se foi mais apressado em legislar sobre este novo conceito de sistemas multimunicipais ou municipais (o decreto-lei em processo de ratificação).

É clarificadora esta maior urgência do Governo. 0 Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, interessa mais directamente aos grandes interesses que se movem por detrás dos negócios da água. É, de facto, tudo claro como água!
Abre-se a possibilidade de entregar à iniciativa privada a distribuição domiciliária da água: aí estão os sistemas municipais concessionáveis.
Provavelmente, autarquias do PSD serão pressionadas para concessionarem sistemas municipais de águas, esgotos ou lixos, como já sucedeu em Mafra e está em movimentação em Oeiras.
Mas o que «enche o olho» às multinacionais, especialmente francesas - Général des Eaux e Lyonnaise des Eaux, já com escritórios e subsidiárias a actuar em Portugal -, mas também espanholas - Águas de Barcelona e inglesas -, são os grandes sistemas de abastecimento de água e também alguns grandes sistemas de tratamento de esgotos e de lixos.
Para além da alteração da lei de delimitação de sectores, o esquema, para já, desencadeia-se assim, no que se refere ao abastecimento de água.
A EPAL é transformada de empresa pública em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, o que deverá constituir um primeiro passo para a posterior privatização (Decreto-Lei n.º 230/91, de 21 de Junho.
0 Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, cria, no seu artigo 3.º, n.º 3, cinco sistemas multimunicipais, que são precisamente as cinco áreas onde a EPAL pretende entrar: Sotavento e Barlavento algarvios, em negociação com municípios; Grande Lisboa (que ultrapassa a área definida como Grande Lisboa, abrangendo todos os municípios já abastecidos por ela - pela ordem, até Vila Franca de Xira-, e aqueles com os quais a EPAL já estabeleceu acordos, a partir de Constância); e as áreas Norte e Sul do Grande Porto, com as quais a EPAL está em negociações ou já assinou protocolos, e, salvo erro, já criou a Águas do Cávado, Sá.
A EPAL diz que traz a tecnologia francesa- Général ou Lyonnaise des Eaux, que têm claramente grande influência sobre ela para a vir «agarrar» futuramente.
Entretanto, a EPAL já conseguiu entrar para a exploração do sistema da Costa do Estoril, por pressão do Governo, e constituiu uma empresa com a Câmara Municipal de Lisboa para assegurar a exploração das três ETAR existentes na cidade - Beirolas, Alcântara e Chelas.
A EPAL manter-se-á como empresa de capitais públicos para a construção dos novos sistemas financiados pelo Fundo de Coesão, com a comparticipação de 85 %; só o novo adutor do Castelo de Bode à região de Lisboa deverá orçar uns 20 milhões de contos.
Só depois avançaria para a privatização. E as privadas (leia-se francesas) irão comprar o novo património pelo valor real, que daria um encaixe de milhões para o IPE, ou obterão a grande negociata de comprar um património por 15 % do seu valor real, que será a parte do co-financiamento português?
Note-se ainda que, no IPE, se criou uma subholding «Águas de Portugal», que gere todas as participações públicas empresariais e que já absorveu o capital da EPAL. E é bem mais fácil, e politicamente menos custoso para o Governo, privatizar, isto é, vender empresas do universo do IPE do que quaisquer empresas, ainda que não empresas públicas, dependentes do ministério da tutela.
Orientando-se por uma concepção centralizadora e atentatória da autonomia dos municípios, o Governo, com o

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Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, invade competências alheias, no seu afã de privatizar, para satisfazer grandes interesses alheios, mas com um diploma que, ainda por cima, é ambíguo e contraditório.
Por isso, defendemos a não ratificação do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto.

0 Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero assinalar que é o terceiro dia consecutivo que o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor está connosco, sendo, naturalmente, positiva aos nossos olhos essa disponibilidade para o diálogo.
A temática em debate, Sr. Presidente e Srs. Deputados, reveste-se da maior importância e o Partido Socialista só tem que congratular-se pela iniciativa de quantos entenderam chamá-la hoje a uma discussão alargada, muito embora eu não possa concordar com a posição demolidora assumida na ratificação n.º 106/VI e também não esteja em concordância plena com os Deputados comunistas. Efectivamente, a bancada do PS propõe-se fazer uma análise crítica construtiva em relação ao Decreto-lei n.º 379/93, de 5 de Novembro.
0 diploma representa um progresso ao consagrar o acesso de capitais privados às actividades de captação, tratamento e distribuição de água para o consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos. Progresso esse pelo qual o Partido Socialista sempre se bateu, protestando, inclusive, mais do que uma vez, pelas demoras e hesitações do Governo do Dr. Cavaco Silva e da maioria parlamentar que o apoia em dar o passo que se impunha e vinha tardando, valorizando a participação activa da economia privada em áreas de primordial relevância para a valorização do ambiente, para a defesa da saúde e para a mais racional utilização dos recursos naturais.
Cada vez mais me convenço de que o PS é, hoje permitam-me que o diga, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o partido político português mais empenhado em promover e garantir a participação da sociedade civil nos negócios do Estado, trazendo não só ao diálogo com a Administração e o Governo os agentes económicos, sociais e culturais, mas facultando-lhes um papel de crescente protagonismo, de que o acesso ao investimento dos capitais privados em actividades relacionadas com o ambiente não é mais do que um exemplo, embora em si mesmo significativo e importante.
Aliás, o que nos preocupa em relação ao espírito e ao articulado do decreto-lei em debate, não é, obviamente, por tudo quanto tenho estado a dizer, o princípio da abertura ao capital privado em actividades como estas. Antes pelo contrário, o que sempre nos preocupou, e preocupa agora, é a tendência estatizante que prevaleceu no espírito do legislador, apontando para uma perigosa governamentalização da água.
Ao criar-se a figura dos sistemas multimunicipais, pôsse directamente em causa uma área de competência expressamente atribuída aos municípios pelo Decreto-Lei n.º 100/84, tanto mais que se ignorou um critério económico na definição do sistema multimunicipal, preferindo-se ficar confinado a um critério físico de fronteira.
Como dizia, e bem, o meu colega de bancada Dr. Artur Penedos, em 25 de Fevereiro passado, se uma rede penetrar noutro concelho, além daquele que é sua origem, independentemente da extensão e número de localidades ou cidadãos servidos, então, temos aí, se o Governo quiser, um sistema multimunicipal.
Ora, não será este um caminho para os municípios perderem, ou poderem perder, a propriedade dessas partes da rede só por serem concelhos vizinhos? E justificar-se-á que tais municípios fiquem em desvantagem em relação aos municípios que apenas exploram redes confinadas aos respectivos territórios?
Afinal, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, o que o legislador parece aconselhar, como efeito perverso, aos municípios é que promovam apressadamente os investimentos necessários para reconfigurar as redes, subtraindo-as, assim, à intervenção governamental.
Que fique bem claro que o PS defende, hoje como sempre, a modernização da administração local, mas considera que tal modernização terá sempre de passar pela valorização dos municípios, porque só assim se defenderá eficazmente os interesses e as aspirações das populações.
Não deixamos, assim, de partilhar com a bancada comunista da preocupação sobre a menor clarificação feita neste diploma legal em relação ao conceito de sistema multimunicipal, permitindo-se uma exagerada discricionariedade do Governo.
Nessa medida, cremos que, independentemente da componente da necessidade de um investimento predominante do Estado, se deveria exigir para a classificação de sistema multimunicipal uma área de, pelo menos, três a quatro municípios, pois o preconizado número de dois é manifestamente insuficiente e a sua referência resulta num factor de inadequada perturbação na distinção entre os sistemas multimunicipal e municipal. E não será de mais exigir, como atrás dissemos, uma fundamentação económica para a criação de um sistema multimunicipal.
Ficará, por tudo isto, o Governo com as mãos livres para cortar no tecido do poder local, em si mesmo sensível, enquanto expoente do País autêntico, a seu bel-prazer - e falo no Governo de hoje e nos governos futuros.
Concretamente, não deve deixar de se considerar perigoso possibilitar que, por mero despacho do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, se possa, no caso dos sistemas multimunicipais, dispensar, ou não, os utilizadores, que são os municípios, da ligação aos sistemas privados e ainda - cito o número 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro - da criação de condições para a harmonização, ou não, com os respectivos sistemas municipais.
No que respeita a estes sistemas municipais parece-nos correcto, como o legislador preconizou, que a exploração e a gestão possa ser directamente efectuada pelos respectivos municípios e associações de municípios ou seja atribuída, em regime de concessão, a entidades públicas ou privadas de natureza empresarial, bem como a associações de utilizadores.
Contudo, teríamos desejado que o legislador fosse mais pedagógico e afirmativo, em defesa da solução do regime de concessão a entidades de natureza empresarial, assim como nos parece que, neste caso, o prazo mínimo da concessão deva ser de 10 anos e não de 5, como se estabeleceu.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Confiamos que o debate parlamentar a que estamos a proceder possa conduzir a que o assunto seja cuidadosamente analisa-

o

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do, em sede da Comissão Parlamentar de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente.
Esta a posição do PS, que me honro de defender, disponibilizando-nos para colaborar com as entidades que promoveram a ratificação do diploma e bem assim com as restantes forças políticas aqui representadas para obtermos o generalizado consenso de que a relevância da matéria em causa justifica uma acrescida ponderação.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor.

0 Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor (Poças Martins): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conforme foi referido anteriormente, uma boa parte do que se poderia dizer hoje foi já dito quando discutimos o Decreto-Lei
n.º 372/93, de 29 de Outubro, cuja ratificação havia sido pedida.
Quero começar por referir que achamos da máxima importância este conjunto de medidas que permite, realmente, a abertura do sector de saneamento básico à iniciativa privada, à criação desses sistemas multimunicipais e ainda ao alargamento das possibilidades actuais de gestão, que as próprias câmaras têm.
Este diploma não só permite que tudo continue a ficar como dantes, se for essa a vontade das autarquias, como também lhe abre caminhos novos. As autarquias podem continuar a gerir os seus sistemas, como o faziam antes, por uma gestão directa, mas abre-se-lhe também o caminho da gestão delegada quando e se, elas autarquias, assim entenderem.
No que diz respeito aos sistemas multimunicipais, creio que é curioso referir que, entre as duas primeiras intervenções, há, por um lado, uma crítica relativamente à criação desses sistemas e, por outro, alguma pena por não se poderem estender mais. Não sei em que ficamos!?
Estes sistemas multimunicipais - e queria refrescar um pouco a memória neste domínio -, essencialmente, sucedem-se a uma filosofia de obras públicas, que era vigente em Portugal na construção destes sistemas. É sabido, e também já aqui foi mencionado, que, da óptica estritamente autárquica, essa filosofia não é adequada para a construção de sistemas de saneamento básico em largas zonas do País. Há municípios que não têm sequer capacidade de, no seu território, irem buscar água ou terem sítio para descarregar os seus esgotos. São precisas soluções com escala e, relativamente a estas soluções, temos várias alternativas. Houve uma altura em que o saneamento básico era da iniciativa da administração central. Temos sistemas que foram feitos nessa óptica, estando alguns deles já a funcionar e outros entrarão em funcionamento brevemente.
Na década 70, com a assumpção, por parte do sector autárquico, da competência do saneamento básico, houve, realmente, a definição de numerosos sistemas municipais e intermunicipais, que coexistem claramente com os sistemas multimunicipais.
Nesta altura, temos alguns sistemas intermunicipais, e recordo, por exemplo, o do Vale do Ave, em que as autarquias conseguiram articular-se na concepção de uma solução adequada, solução essa que está a será largamente subsidiada. Como não havia razão para se passar a um sistema multimunicipal, não se fez isso.
Os sistemas multimunicipais apareceram quando foi necessário criar soluções que as próprias autarquias não haviam previsto. Nomeadamente, os sistemas multimunicipais do Grande Porto, do Algarve e da Grande Lisboa foram criados com expressa adesão dos municípios, porque, devo dizê-lo, não se criou qualquer sistema multimunicipal sem a adesão expressa de cada um dos 55 municípios que assim o entenderam, municípios, como já referi, desde Vila Real de S. António até Barcelos, de Arouca até Lisboa. Estranho que haja alguma atitude paternalista relativamente às decisões que esses municípios tomaram com toda a liberdade. Portanto, esses sistemas multimunicipais foram criados quando, numa outra óptica exclusivamente autárquica, intermunicipal, não foi possível criar outras soluções. Não vejo, pois, onde é que há invasão relativamente às competências autárquicas, que se mantêm na totalidade. Os sistemas multimunicipais permitem apenas que as autarquias possam exercer ainda melhor, com mais qualidade, as suas competências e, essencialmente, que os utentes disponham de água de qualidade ao mais baixo custo. É esse o nosso objectivo e não o de ver quem é que tem competência. Essencialmente, o Governo pretende que os utentes tenham água de qualidade a preço mais baixo e que haja soluções para os esgotos também a um preço mais baixo, de forma compatível com a preservação da natureza.
Passo agora a responder a algumas questões mais específicas que foram levantadas.
Foi referida a eventual falta de capacidade laboratorial para resolver o problema do controlo das águas. A resposta a essa questão é simples: adoptámos o princípio da responsabilização, em primeira análise, dos gestores dos serviços, quer sejam as próprias autarquias, quer sejam os concessionários, a fim de fazerem o acompanhamento contínuo dos serviços, havendo depois entidades fiscalizadoras e inspectoras. Sem pretendermos criar demasiados laboratórios públicos, criámos a figura de laboratórios credenciados, que poderão fazer essas análises.
Quanto à pergunta no sentido de saber a razão dos cinco sistemas, a resposta é simples: estes sistemas foram aqueles para os quais não havia solução no âmbito intermunicipal e que passou a haver. As câmaras municipais só por si, por razões diversas, não criaram essas soluções e foi esta iniciativa que permitiu criá-las. As outras regiões, que correspondem àqueles casos em que os municípios definiram, eles próprios, em conjunto, soluções adequadas, estas estão a ser executadas e subsidiadas. Recordo, por exemplo, a zona de Aveiro, a do Vale do Ave, a do Lis, a do Alviela, onde havia soluções já definidas no âmbito autárquico e nós ajudámos em termos de financiamento.
Foi também levantado o problema da propriedade da concessão. Ora, é claro que não estamos a falar de privatização mas de concessão. Realmente, o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 379/93 diz que a propriedade dos bens integrados nos sistemas multimunicipais pertence à concessionária, durante o período de concessão, mas o n.º 3 do artigo 9.º diz que "A concessão pode abranger a utilização de obras e equipamentos instalados pelo município ou municípios concedentes". Em sede do contrato de concessão, far-se-á a distinção entre a parte dos sistemas que vão ser construídos de novo e aque-

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les que vão ser utilizados pelo concessionário. Portanto, não há aqui nenhuma passagem de propriedade do sector público, nomeadamente, para o sector privado.
O aspecto do lucro foi aqui referido como se fosse uma coisa má. Não temos, de modo alguns, essa visão. Consideramos que a actividade privada - aliás, como tem vindo a ser feito em imensos países e em Portugal noutros sectores - é perfeitamente competente, eficiente e devidamente controlada para tratar do problema da água. O que as empresas privadas têm que mostrar é que vão conseguir, por melhoria da eficiência, praticar preços mais baixos do que a gestão directa das autarquias. E as autarquias vão decidir se querem continuar a fazer esse mesmo serviço directamente ou concessioná-lo a uma empresa privada. Se a empresa privada praticar um preço mais baixo, a autarquia decidirá conforme entender. Nós, enquanto Governo, não temos nada a ver com isso.
Relativamente à intervenção do Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto, registo a crítica construtiva que fez e a discordância de fundo, penso eu, relativamente às intervenções anteriores,...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - ... acrescentando que concorda que a iniciativa privada tenha acesso ao sector do saneamento básico.
Quanto à tendência estatizante, repito a resposta que, creio, já dei anteriormente, ou seja, não há qualquer tendência estatizante. Definiram-se sistemas multimunicipais apenas em sítios onde não havia soluções do âmbito autárquico, anteriormente. Onde as havia, estas foram apoiadas com o mesmo empenho que estes sistemas multimunicipais o foram.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Luís Sá e Joaquim da Silva Pinto. Informo que o PSD cede entre três a quatro minutos ao Governo para que o Sr. Secretário de Estado possa responder.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, não vou abordar a entrada do capital privado porque creio que a questão foi discutida a propósito da ratificação do Decreto-Lei n.º 372/93. Não deixo, em todo o caso, de anotar que há uma relação entre a escolha de municípios nos quais poderá haver sistemas multimunicipais e em que o Governo pode estar interessado e a eventual ponderação da rentabilidade do ponto de vista do capital privado. Mas deixemos de parte essa questão.
O Sr. Secretário de Estado afirmou que - e eu comecei por concordar com tal, na minha intervenção - para estas funções administrativas é necessário encontrar economias de escala. Entretanto, ignorou o facto de serem possíveis soluções como empresas intermunicipais da responsabilidade total dos municípios. E, mais, ignorou o facto de ser possível entregar estas funções a regiões administrativas, que estão previstas no Programa do Governo e no Manifesto Eleitoral do PSD.
Recordo, de resto, que desde 1977 são apresentados projectos de lei nesta Casa, que, aliás, propõem que este tipo de funções sejam entregues a regiões administrativas. Creio, pois, que não é justo dizer que o facto de estas funções poderem implicar um nível supramunicipal tenha de significar controlo da administração central, entrada em força da administração central nestas funções. Gostaria de ouvir um comentário seu sobre esta matéria.
Quanto à falta de laboratórios, devo dizer que eles existem, designadamente privados e credenciados pelo Governo. Não ignoramos este facto, nem eu ignorei esta questão quando a levantei. De facto, o grande problema é o de saber se, se todos os municípios do País realizarem análises regulares, como deveriam fazer, em matéria de controlo da água, há ou não capacidade laboratorial no País. A resposta é claramente negativa, tanto mais que quatro anos decorridos da publicação do Decreto-Lei n.º 74/90, de 7 de Março, com preocupações, no papel, em matéria de qualidade da água, este problema ainda está por resolver.
O Sr. Secretário de Estado também não abordou a questão das normas sobre a qualidade de águas doces superficiais, relativamente às quais há, de resto, como é sabido, directivas comunitárias.
Assim, a questão que coloquei foi a de saber por que razão é que, mais de quatro anos depois da publicação do diploma sobre a qualidade da água, este problema ainda não está regulamentado, não se permitindo que os abastecedores de água procurem fontes alternativas de abastecimento no caso de as actuais não garantirem o preenchimento das normas de qualidade.
Quanto a esta questão, que é de grande interesse em termos ambientais e de defesa do consumidor, gostaria que houvesse resposta do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, há mais um orador inscrito para lhe pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto.

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, apesar de ter pouco tempo, gostaria que fosse um pouco mais explícito quanto a este aspecto: estamos de acordo quanto à entrada de capitais privados, mas estamos em desacordo no que respeita à definição dos sistemas multimunicipais.
Primeiro, não crê V. Ex.ª que seria necessário encontrarmos para a definição de um sistema um critério mais marcadamente económico e não unicamente uma arquitectura geográfica de vizinhança?
Segundo, não crê V. Ex.ª que para o sistema multimunicipal dois municípios representam uma área muito pequena?
Terceiro, o Sr. Secretário do Estado disse - e eu gostei de ouvi-lo - que os sistemas multimunicipais que estão definidos foram-no após audiências com as respectivas autarquias. Naturalmente que o meu colega Deputado Luís Sá disse, com alguma ironia, que talvez alguns destes municípios tenham sido forçados a aceitar essa circunstância, mas não é isso que V. Ex.ª e eu estamos a discutir e a fazer juízos de valor.

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No entanto, há uma coisa que eu gostaria de saber: não seria possível, em vez de se dizer no n.º 2 do artigo 1.º "São sistemas multimunicipais os que sirvam pelo menos dois municípios ( ... )" - e V. Ex.ª já sabe que eu sou muito alérgico a esta área tão reduzida - "(...) e exijam um investimento predominante a efectuar pelo Estado em função de razões de interesse nacional, sendo a sua criação precedida de parecer dos municípios territorialmente envolvidos", dizer-se "parecer favorável"? É que VV. Ex.ªs, pelos vistos, andaram bem, mas amanhã podem outros governos - ou mesmo o vosso!
andarem pior!... Há bons e maus momentos!...

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Sr. Presidente, respondendo directamente à questão colocada pelo Sr. Deputado Luís Sá sobre se o critério de escolha de municípios para os sistemas multimunicipais não estaria relacionado com a rentabilidade e com os capitais privados, quero dizer-lhe que o acesso dos privados só será feito pela mão das autarquias se estas assim o entenderem. Nós não temos nada a ver com isso. Na verdade, a cada uma das 55 autarquias que fazem parte dos sistemas multimunicipais compete, a elas e não ao Governo, repito, decidir se vão ou não fazer a concessão dos seus sistemas. O critério nem sequer é nosso!
Quanto à questão de saber se temos capacidade instalada, nomeadamente laboratórios privados, posso dizer-lhe que acreditamos nas virtualidades e na agilidade do mercado para responder a situações deste tipo.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Está visto que o mercado não responde!

O Orador: - Não queremos um sector público muito grande; queremos um sector público reduzido...

O Sr. Luís Sá (PCP): - Nulo!

O Orador: - ... e só faremos aquilo que o sector privado não poder fazer melhor. Por exemplo, no caso dos laboratórios acreditamos que o sector privado terá condições para responder melhor, mais rapidamente e com menores custos, pelo que não queremos intervir neste sector.

O Sr. Luís Sá (PCP): - E acha que isso vai acontecer?

O Orador: - Quanto às economias de escala, creio que já respondi, mas posso voltar a dizer que essa hipótese está em aberto. As autarquias, por exemplo, no Vale do Ave, estão a evoluir no sentido de gerir o próprio sistema, com, por exemplo, a associação de utilizadores, e nós não temos nada contra isso, uma vez que essas autarquias encontraram uma solução e nós apenas ajudámos a implementá-la.
Quanto às normas sobre águas doces superficiais, Sr. Deputado, elas constam do Decreto-Lei n.º 74/90, de 7 de Março, onde vem expresso várias normas sobre água bruta destinada a potabilização, falando-se, inclusive, de água tipo AI, A2 e A3 e também de normas para a água da torneira. Portanto, não sei quais as normas relativas às águas é que não estão definidas, pois elas constam expressamente deste decreto-lei, como já disse, e são a transcrição quase literal de directivas comunitárias sobre o assunto.
O Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto, relativamente aos critérios que foram seguidos para a definição de sistemas multimunicipais, referiu que eles teriam sido critérios apenas de vizinhança. De facto, assim não foi. Estes sistemas foram definidos à volta de uma solução técnica de abastecimento de água a um conjunto de autarquias. Assim, foi definido um conjunto de autarquias que não tinha o seu problema de água resolvido e foi definida uma solução. É óbvio que se tratava de municípios vizinhos, mas a delimitação não começou por ser um problema de vizinhança mas, sim, um conjunto de municípios que tiveram de ser agregados à volta de uma solução.
Finalmente, registo as suas palavras ao dizer que andámos bem neste domínio. Espero que se continue assim!

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Mas dois municípios, no meu entender, continuam a representar uma área muito pequena para se criar um sistema multimunicipal. E quanto ao parecer deveria ser parecer favorável!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Costa.

O Sr. José Silva Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O sector do saneamento básico em Portugal caracteriza-se historicamente por baixos níveis de qualidade, por atrasos e carências diversas, incluindo a dos próprios agentes envolvidos: os municípios.
Apesar do crescimento do sector verificado nos últimos anos, particularmente na última década, os nossos níveis de atendimento continuam ainda a apresentar valores algo distantes das médias comunitárias.
Em termos comparativos, poderemos referir que apenas 75% da população portuguesa está ligada a sistemas de abastecimento de água contra 95 % da média comunitária, sendo o mínimo de 78% e o máximo de 100%. No que respeita à ligação a sistemas de águas residuais, drenagem e tratamento, o nível de atendimento em Portugal é de 50% contra 85,8% de média comunitária, sendo o mínimo de 58,9% e o máximo de 97,6%.
Teremos de considerar ainda que não basta ter os sistemas de abastecimento de água ou de tratamento de efluentes a funcionar: é necessário que o serviço prestado aos utentes seja de qualidade.
Porém, verifica-se que a exploração, geralmente da responsabilidade dos municípios, é, com alguma frequência, feita com baixos níveis de serviços prestados aos utentes, com preocupações mais quantitativas do que qualitativas a que não serão alheias algumas deficiências estruturais como, por exemplo, a formação dos recursos humanos, as reduzidas equipas técnicas, a falta de experiência na programação e planificação a médio e longo prazo, a dificuldade de articulação com outras entidades, etc.
O planeamento municipal em saneamento básico, quando existe, é em geral insuficiente e desarticulado com o dos municípios limítrofes. Daqui resultam sistemas não optmizados sem os benefícios de efeitos de escala, o que origina dificuldades de agregação dos

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sistemas, dando lugar a um elevado número de sistemas dispersos e de pequena dimensão, o que vem criar problemas de agravamento de custos de construção e de exploração.
É neste contexto que o Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, estabelece o ordenamento básico para este sector da actividade económica, procurando encorajar o profissionalismo e o espírito empresarial, criando ou possibilitando a criação de sistemas integrados, configurados com uma escala técnica e economicamente adequada, congregando vários municípios em soluções conjuntas.
O PCP alega, mais uma vez - aliás, o Sr. Deputado Luís Sá referiu que esta discussão já aqui teve lugar, mas eu não sabia que essa referência iria ser feita -, a insuficiência de clarificação do conceito de sistema multimunicipal. Porém, ainda ontem, nesta Câmara, a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais teve oportunidade de prestar, novamente, esclarecimentos sobre este conceito, e permito-me recordar as suas palavras: "os sistemas multimunicipais têm uma natureza estruturante e têm por objectivo captar, tratar e fornecer água de qualidade para abastecer as redes municipais já existentes ou a criar. No domínio dos efluentes, estes sistemas têm um papel análogo, isto é, o de tratar por junto e rejeitar os efluentes recolhidos nas várias redes municipais.
Os sistemas multimunicipais não têm um contacto directo com os utentes, dado que, com excepção da EPAL, em Lisboa, prestam apenas um serviço aos municípios que expressamente o desejem".
Ora, Srs. Deputados, no que respeita aos cinco sistemas multimunicipais de captação, tratamento e abastecimento de água para consumo dos municípios, criados pelo Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, desejaram-no 55 municípios, tantos quantos os que aderiram, de sua livre e expressa vontade ....

O Sr. Luís Sá (PCP): - Que remédio!

O Orador: - ... assente em protocolos, a estes novos sistemas de âmbito regional.
Os sistemas municipais não são beliscados. Nenhuma competência é, em nossa opinião, retirada às autarquias. Pelo contrário, são postos à sua disposição novos instrumentos de gestão que estas usam quando e como quiserem: podem integrar o sistema multimunicipal, onde ele for criado, ou continuar no sistema municipal, neste caso só ou em associação com outros municípios; podem continuar a fazer uma gestão directa dos seus sistemas ou concessioná-los a empresas privadas por concurso público e através de contratos de concessão.
Assim, e tendo em conta as carências e dificuldades que atrás referimos, apesar dos inegáveis esforços e do importante papel que tem sido desempenhado pelas autarquias nesta matéria, elas ficam agora mais apetrechadas para reforçar o seu extraordinário papel no desenvolvimento regional. Nestes termos, somos de opinião que o decreto-lei em apreciação constitui um verdadeiro instrumento de apoio a uma correcta política de desenvolvimento sustentado em saneamento básico.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Silva Costa, não tive oportunidade de participar desde o início neste debate dado que a circulação nesta cidade, designadamente à sexta-feira, não é fácil. Mas, como não podia deixar de ser, pois também pedimos a ratificação deste decreto-lei, não quero perder a oportunidade de dizer algumas coisas que contrariam a posição que o Sr. Deputado, em nome do PSD, aqui expressou e que é, naturalmente, contrária ao entendimento do Governo quanto à abertura destes dois sectores à iniciativa privada.
Não está, neste momento, em causa a abertura à iniciativa privada, no sentido em que entendemos que não se deve abrir a determinados sectores e em determinadas condições, muito bem definidas. 0 que está em causa, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados do PSD, é o facto de o Governo tudo ter feito, ao longo destes anos, desde que existe o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais - e duvido mesmo que não tenha sido esse o objectivo principal, ou um dos principais, para que foi criado o Ministério do Ambiente -, para que fosse criado o chamado "mercado da água" em Portugal. Toda a legislação vai nesse sentido, como se verificou no debate de ontem, nesta Assembleia, onde se deixou hipotecar o futuro de Portugal, os interesses dos portugueses, por o Governo ter seguido esta política e desta forma. E isto que, neste momento, condenamos, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados do PSD!
Como é que o Governo se desresponsabiliza das suas competências atribuídas por lei - a legislação foi elaborada por este Governo, e diz que compete ao Governo a elaboração, designadamente, do plano nacional de tratamento de resíduos sólidos e dos respectivos planos regionais - e depois faz campanha contra as autarquias por estas não terem cumprido as suas?
Esta é uma das questões que levantamos, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, porque, em primeiro lugar, competia ao Governo dar orientações, tendo em conta o interesse nacional, as especificidades regionais, em termos da existência das características dos próprios resíduos produzidos, o aproveitamento, a reciclagem e a diminuição da poluição e dos resíduos depositados em aterros. Daqui a 50 anos, se continuarmos com esta política, os campos portugueses, as periferias das cidades serão autênticos aterros, autênticos depósitos de resíduos deste país.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado André Martins, peço desculpa por o interromper, mas gostaria de saber se V. Ex.ª está a fazer uma intervenção ou a formular pedidos de esclarecimentos. É que concedi-lhe a palavra para pedir esclarecimentos, o que tem um tempo regimental fixado, que já ultrapassou.

O Orador: - Sr. Presidente, estou a justificar, com esta minha intervenção, a formulação da pergunta que irei fazer ao Sr. Deputado José Silva Costa...

O Sr. Presidente: - Sendo assim, faça favor de concluir, pois já ultrapassou o tempo.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
São estas as questões de fundo, Sr. Secretário de Estado e Srs., Deputados do PSD, que estão em causa.
Há, no entanto, uma outra que também não podia deixar de referir, que é a seguinte: o Governo fala em

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eficácia, em eficiência que os municípios não têm sabido dar no que diz respeito à resolução destes problemas. E diz: "É necessário que os cidadãos paguem mais pela água que recebem, porque Portugal é o país onde a água é mais barata". Esta é a grande preocupação do Governo e do PSD e não a de saber que Portugal é o terceiro país da Comunidade com maiores recursos hídricos, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo. 15to não conta para VV. Ex.ªs, mas sim que os cidadãos portugueses paguem mais pela água que recebem, independentemente da quantidade e da qualidade dos recursos que temos. 15to é que VV. Ex.ªs não são capazes de dizer.
Sr. Deputado José Silva Costa, a questão que quero colocar é a seguinte: considera ou não que os municípios portugueses têm, ao longos destes 20 anos, desenvolvido acções o melhor que sabem nas piores condições, dado que têm tido falta de apoio, por parte do Governo, em meios técnicos, financeiros e outros para fazerem melhor?
V. Ex.ª, para justificar o decreto-lei, teve necessidade de vir pôr em causa o trabalho que os municípios têm feito e que tem transformado este país.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Costa.

O Sr. José Silva Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, agradeço a pergunta que me colocou e devo dizer que, como é natural, prezo muito a actividade dos municípios e considero que têm tido um papel importantíssimo nesta matéria, o que, aliás, referi na minha intervenção, e de outra forma não podia pensar, pois também sou um autarca. Como tal, acompanho de perto os problemas das autarquias e conheço o papel importante que elas têm tido nestas e noutras matérias ao nível do desenvolvimento regional. Mas, apesar disso, não posso deixar de considerar as muitas carências que continuam a verificar-se na qualidade do tratamento da água, nomeadamente das águas residuais, e, inclusive, da própria recolha e tratamento dos lixos. Por isso, considero que a proposta feita pelo Governo, através do Decreto-Lei n.º 379/93, vai no sentido de suprir essas carências evidenciadas pelas autarquias e não de estar contra as autarquias, ou seja, no sentido de complementar a sua actividade para o desenvolvimento das regiões e do país.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, que dispõe de tempo cedido pelo CDS-PP.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor : Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho pena que o Sr. Deputado André Martins não tenha podido participar na totalidade do debate, o que me obriga a repetir algumas das coisas já ditas, porque, segundo creio, a resposta às suas perguntas encontra-se aí.
Relativamente aos resíduos sólidos, o Governo tem definido os critérios com as autarquias para a definição dos sistemas numa escala adequada; em particular, tem potenciado a eliminação das lixeiras, que são inevitáveis em municípios com apenas alguns milhares de habitantes, que querem resolver sozinhos o seu problema; tem potenciado a criação de soluções na dimensão de centenas de milhar de habitantes, quer por meio de licenciamento quer no apoio privilegiado de subsídios para o efeito.
Portanto, no âmbito dos resíduos sólidos, a nossa política tem sido a de respeitar, como sempre, a iniciativa autárquica e a de ser supletivo na criação de sistemas com a dimensão adequada.
Registo também que o Sr. Deputado André Martins não considera que o sector privado seja um mal neste caso, o que contraria algumas opiniões anteriores que já aqui ouvimos.
A sua afirmação sobre o preço da água é totalmente contrária ao que foi dito. O nosso objectivo, ao permitir o acesso do sector privado, em regime de concessão e com concurso público, ao sector do saneamento básico e à definição de sistemas com escala adequada vai, fundamentalmente, no sentido de uma baixa de custo. O que queremos, muito claramente, é que os utentes beneficiem de uma água de qualidade, de acordo com as normas, ao mais baixo preço possível. Acreditamos que o facto de as autarquias poderem recorrer, quando e como quiserem, de acordo com a lei, a concursos públicos para o sector privado vai poder traduzir-se numa baixa de custos.
De facto, o que pretendemos - e acreditamos que este sistema o propicia - são custos baixos e serviços de qualidade.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado André Martins pediu a palavra para que efeito?

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, uma vez que o Governo já não tem tempo, cedo-lhe dois minutos para que me possa responder, caso o entenda.
Sr. Secretário de Estado, certamente que o Governo tem argumentos, porque se não os tivesse não teria apresentado este decreto-lei. 0 que não podemos é aceitar os argumentos que invoca, porque não acreditamos neles e porque existem experiências anteriores.
Para que a expressão que o Sr. Secretário de Estado utilizou, referindo-se ao que eu disse, fique bem clara, devo dizer que, no caso do saneamento básico ou da água, que é um sector básico e fundamental, essencial à própria vida e ao desenvolvimento deste país, ou de qualquer país, não é aceitável a argumentação de que a qualidade da água e os baixos custos se vão fazer sentir agora com a abertura à iniciativa privada.
E isso que recusamos, porque sabemos que se os municípios não têm fornecido água com a devida qualidade às populações é porque não têm condições, não têm meios financeiros e técnicos para o fazer. Aliás, estou a referir-me à grande maioria dos municípios portugueses e penso que é também nesta perspectiva que o Sr. Secretário de Estado falou.
Portanto, a esmagadora maioria dos municípios portugueses têm feito tudo o que tem sido possível, de acordo com os meios de que dispõem, para satisfazer

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o melhor que podem os interesses e as necessidades das populações.
Não tenho qualquer dúvida nesse aspecto.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, terminou o seu tempo.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Por isso, Sr. Secretário de Estado, não podemos aceitar a sua argumentação.
Diga-me, por exemplo, quanto é que o Estado português teve de pagar pelo facto de o aterro da Serra do Pereiro estar a ser explorado pela iniciativa privada de uma forma que...

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, queira concluir. V. Ex.ª cedeu parte do seu tempo e agora está a utilizar o da Câmara.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Secretário de Estado, o Governo teve de pagar, para resolver um problema do âmbito da iniciativa privada, que não foi controlado devidamente pelo Governo, 90 000 contos, a fim de repor uma situação que se deve ao facto de a iniciativa privada actuar da forma como actua, isto é, sem regras. E a responsabilidade primeira é do Governo. Foi disto que sempre o acusámos!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o. Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, relativamente aos argumentos, mais uma vez digo que alguém tem de argumentar e tem de decidir e implementar as coisas.
A abertura ao sector privado e o regime de concessões são acompanhados de um mecanismo de controlo extremamente rigoroso, essencialmente no que se refere à qualidade dos serviços e ao preço, controlo esse que é perfeitamente adequado ao regime de monopólio.
Há, efectivamente, situações anteriores em que municípios, face à pressão de realização desses serviços públicos, foram levados a elaborar contratos com menos garantias, contratos esses que, no âmbito da presente legislação, têm de ser alterados, no sentido de se conformarem com o controlo de qualidade e de preço que se exige a esta prestação de serviços em regime de monopólio.
De facto, concordo consigo quando diz que, na generalidade, os municípios têm feito aquilo que está ao seu alcance para resolver os problemas. Nalguns casos, por diversas razões, não se atingiu ainda a qualidade e os níveis atendimento que serão necessários e, precisamente por essa razão, é que se abriram mecanismos novos de que os municípios se poderão socorrer para resolver esses mesmos problemas e para quebrar algo que, de certa maneira, também tem estado na origem de alguma falta de qualidade.
Neste caso só há duas formas de resolver o problema: ou é o contribuinte a pagar, ou é o utente a pagar. Nós pretendemos que os sistemas sejam geridos de uma forma muito eficiente e, assim sendo, acreditamos que é socialmente mais justo que seja o utente a pagar em vez do contribuinte. Foi precisamente dentro desta óptica que nós avançámos, dentro de uma verdade de tarifas por estes serviços, porque acreditamos que é possível acabar com o ciclo vicioso de "baixa qualidade/preço degradado". Os preços destes serviços de saneamento básico - da água, do esgoto e do lixo - serão sempre preços muito baixos no orçamento familiar e é no sentido de que continuem a ser assim que os municípios devem continuar a utilizar os mecanismos que têm à sua disposição, como seja a gestão directa, e só começar a utilizar a gestão por privados quando isso for mais eficiente em benefício dos utentes, na qualidade e no preço.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): Srs. Deputados, terminada a discussão do Decreto Lei n.º 379/93, passamos ao Decreto-Lei n.º 404/93, que institui a figura da injunção [ratificação n.º 112/VI (PCP)].
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há quase um ano, o Sr. Ministro da Justiça fez afirmações destinadas a criar o convencimento na opinião pública de que a justiça, no prazo aproximado de um ano, se tornaria célere, expedita, se tornaria verdadeiramente justiça. O decurso do tempo demonstrou, mais uma vez, ser totalmente fundado o aforismo popular "palavras, leva-as o vento".
De facto, os tribunais estão a rebentar pelas costuras. E em época de crise, como a que atravessamos, os profissionais do foro não têm mãos a medir. Falham medidas anunciadas como grandes remédios; faltam as almejadas intervenções de grande cirurgia, como, por exemplo, a prolongada e arrastada revisão de um Código de Processo Civil burocratizante, convindo a um ordenamento - o actual - que endeusa a verdade formal tantas vezes geradora de injustiças. Mas do que não se coíbe o Ministério da Justiça é de ir deitando alguns remendos, aqui e além, na já tão costurada máquina processual.
Com o Decreto-Lei n.º 404/93, o Ministério da Justiça lançou mão da maleta de primeiros socorros, utilizando aspirinas numa infecção aguda. Com aquele diploma afirma ter em vista, em certos casos, uma justiça mais célere. Trata-se, no entanto, de uma medida de reduzida repercussão e que, a vingar, pela forma inadequada, vaga e obscura com que foi gizada, bem poderá acarretar ainda maiores perturbações nos tribunais. Trata-se de um perfeito exemplo de uma cura geradora de novas maleitas, que, como veremos, poderá mesmo provocar mais atrasos, não servindo nesse caso aos credores, e que não garante os direitos do réu - por isso mesmo também não servirá a figura processual, copiada, aliás, de modelos estrangeiros, e mal copiada.
O diploma em questão padece, de facto, de inconstitucionalidade tanto orgânica como materialmente. E vejamos: com a injunção, pretende-se substituir o processo sumaríssimo de declaração, ou convida-se as pessoas a fazê-lo, através do qual o juiz, decidindo um conflito de interesses, pronuncia uma sentença declarando um direito - sentença que, como é óbvio, passa a ter força executiva. Com a injunção, pretende o Ministério da Justiça, sem revogar o processo sumaríssimo de declaração, que eventuais credores de obrigações pecuniárias que não excedam o montante de 250 contos (fundadas em contratos) apresentem ao secretário judicial - e não ao juiz - os factos em que baseiam o seu

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direito para que o secretário judicial, com a fórmula "execute-se", substitua a sentença do juiz no processo sumaríssimo de declaração.
O secretário judicial, nos termos do diploma, terá de tornar inteligível o pedido do credor - até parece que o credor poderá apresentar um pedido ininteligível! - notificando o eventual devedor do pedido apresentado e por ele, secretário, burilado em termos inteligíveis. E nessa notificação, feita por carta registada com aviso de recepção, deverá indicar o dia em que termina o prazo para a dedução de oposição por parte do requerido. Depois, se no prazo assinalado não houver oposição, o secretário judicial decide se torna executivo - isto é, coercivo - o pedido do requerente, ou se lhe recusa a fórmula "execute-se".
Que actuação tem de ter, então, o secretário judicial? Tem de analisar a legalidade substancial do pedido; tem de verificar se se trata de uma contrato válido ou inválido; tem de aplicar o direito aos factos resultantes de documentos- pode tratar-se de dívida que não esteja vencida sequer, que não seja ainda exigível; tem de decidir sobre a regularidade da notificação e, no final, sentenciar que há um título executivo.
Assim, é óbvio que, por mais disfarces que se queiram colar ao diploma, com o mesmo se confere ao secretário judicial o poder de assegurar a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos, o poder de dirimir conflitos de interesses privados. É inequívoco que o secretário judicial terá de resolver de acordo com o direito, como diz Rodrigues Queiró, "uma questão jurídica, um conflito de pretensões entre duas ou mais pessoas, ou uma controvérsia sobre a verificação em concreto de uma ofensa ou violação da ordem jurídica"; ou, como diz ainda o mesmo Professor, "pratica um acto resolvendo uma questão de direito". O secretário judicial pratica, assim, por força do diploma, verdadeiros actos jurisdicionais. Não se trata, na verdade, de actos através dos quais o secretário se limite a confirmar que perante ele se constituíram entre as partes, por acordo de ambas, determinadas obrigações - com o que assumiria o papel de notário - e, por outro lado, a fórmula "execute-se" não garante que o devedor de facto se obrigou a pagar uma quantia determinada porque pode tratar-se de um contrato meramente verbal, até nulo por falta de forma.
Assim, nenhuma equiparação pode ser feita entre o título executivo saído da injunção do secretário judicial e os títulos executivos resultantes de documentos exarados ou autenticados pelo notário, ou os títulos executivos constituídos por cheques, letras, livranças e outros escritos particulares.
É que a fórmula "execute-se" representa já uma decisão de uma questão de direito porque o secretário tem de apreciar a adequação do pedido àquilo que vem no artigo l.º. E pode mesmo acontecer que uma escritura celebrada notarialmente, contendo obrigação de prestações futuras, que não seja, nos termos do Código de Processo Civil, título executivo por falta de documento comprovativo de pagamento de uma dessas prestações, seja submetida ao secretário judicial, que terá de decidir, na falta de documento comprovativo do pagamento dessa prestação futura, se dá forma executiva ou não ao pedido do requerente.
Estamos, portanto, perante um diploma que atribui ao secretário judicial a prática de actos jurisdicionais e, por isso mesmo, é inconstitucional por violar o artigo 205.º da Constituição da República, dado que a função jurisdicional compete apenas ao juiz. Mas é também organicamente inconstitucional porque, através de um decreto-lei não autorizado por esta Assembleia, o Governo usurpou a esta a competência para legislar - isto nos termos do artigo 168.º, n.º 1, alínea q) da Constituição. Assim, o diploma encontra-se ferido de morte e propomos que seja recusada a ratificação.
Entretanto, há outras questões que se suscitam: no preâmbulo, diz-se que, através dele, não se mostram diminuídas as garantias das partes. Mas isto não é verdade, pelo menos no que toca ao pretenso devedor, que pode até nada dever - alguém que nada deve pode ver-se de súbito a braços com uma penhora! 15to porque o secretário judicial manda expedir notificação por carta registada com aviso de recepção para uma morada, que pode até nem ser a verdadeira, indicada pelo credor; pode acontecer que o aviso seja assinado por outrem; pode mesmo estar assinado pelo próprio, que, na altura, podia estar em condições de saúde nas quais a lei, não permite fazer citações mas, mesmo assim, a notificação considera-se feita; e até, nos termos do diploma, pode ser feita já depois de passado o prazo para deduzir oposição - não percebemos como é que o secretário judicial, que tem obrigação de indicar o dia em que termina o prazo, pode adivinhar em que dia é que vai ser assinado o aviso de recepção!
Ora, a pessoa nestas circunstâncias (que pode até ter o aviso assinado por um vizinho, ou pode não ter ido levantar a carta aos correios) não está notificada a tempo mas, perante o artigo 255.º do Código do Processo Civil, aplicável às notificações, considera-se notificada. Colocada na impossibilidade de se opor, dir-se-á: mas contra o "execute-se" do secretário judicial o devedor pode opor-se sem embargos à execução que entretanto se venha a efectuar - como se diz no preâmbulo. Sim, poderá opor-se, mas, entretanto, os embargos não suspendem a execução: a penhora é feita e, se for feita através de descontos nos salários, o devedor ver-se-á privado de uma parte da sua subsistência.
Mas a injunção também não serve, de facto, aos credores porque com uma sentença num processo sumaríssimo de declaração imediatamente o credor pode nomear bens à penhora ou até, em certos casos, o Ministério Público, enquanto que através deste diploma não, a nomeação de bens à penhora é feita, primeiro, pelo executado e só depois se devolve ao exequente.
Assim, onde parecia que se aceleravam processos, que haveria maior celeridade, coloca-se, ao fim e ao cabo, mais entraves na máquina da justiça. E levantam-se outras questões: o que é a oposição ao requerimento? A mera negação serve de oposição? Quando deve ser indicada a prova? Perante o secretário judicial ou perante o juiz? A distribuição do processo terá de ser notificada às pessoas, para pagamento de preparos.
Esta justiça que aqui se transfigura é uma justiça que se impõe aos pobres, uma justiça pobre. Para aqueles que forem cumulando um rol na mercearia por falta de meios, que vão pagando a prestações, e depois dizem que já pagaram mas o credor diz que não! Em época de agravamento das exclusões sociais, o Ministério da Justiça responde acentuando a exclusão com uma justiça de segundo plano. Uma justiça que o Sr. Ministro quer enroupar de vestes diferentes para os "humilhados e ofendidos".

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Efectivamente, este pedido de ratificação é oportuno e o Decreto-Lei n.º 404/93, por muito mal que se diga dele, é sempre pouco. De facto, é um disparate sem nenhum sentido!
Não é que me preocupe muito o problema das inconstitucionalidades - neste caso não está aqui em causa nenhum direito fundamental - mas o que está mal é que este diploma é um disparate pegado, não tem o mínimo sentido! Aliás, começa por não ter o mínimo de utilidade: ninguém vai utilizar isto!
E se querem uma opinião perfeitamente isenta e despolitizada, tenho comigo o Boletim da Ordem dos Advogados, do qual consta um parecer prévio que destrói por completo qualquer intenção ingénua, diria mesmo, mais do que ingénua, naif. E que parece que quem fez isto nunca passou pelos tribunais. Tenho ideia de que vi por lá alguns dos governantes que estão hoje no Ministério da Justiça, no entanto, quem fez isto parece que não passou nunca por nenhum tribunal, que nem sequer faz ideia de como é que aquilo funciona, e por isso faz um disparate destes! Fizeram "orelhas moucas" ao parecer da Ordem dos Advogados...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O mesmo Boletim contém um artigo muito bem feito que acaba da forma que vou ler - e isto é suficiente (aliás, o autor é um advogado, um prático de direito do dia a dia nos tribunais): "admito que o Decreto-Lei tenha sido aprovado. Não sei como foi promulgado, mas desejo que, por razões puramente higiénicas, seja rapidamente revogado. E espero - não é demais referi-lo - que ninguém caia na asneira de utilizar este processo".
De facto, nunca vi coisa mais destruída! O diploma não tem sentido nenhum! Os senhores queriam celeridade processual? Então porque é que inventaram isto? Não têm a notificação judicial avulsa, muito mais rápida, muito mais fácil? Bastava dizer: "havendo a cominação de o notificando ter de dizer se aceita ou não a notificação, se a aceitar, é de título executivo. Era muito mais simples e cómodo e dava "milhões". As pessoas optavam por esse processo e sabiam que era o juiz que intervinha, mas agora não há nada. Há apenas um funcionário judicial, que, com todo o respeito que se tenha para com ele, não é o juiz.
Nenhum advogado de bom senso pode recorrer a este processo e espero que nenhum cidadão ingénuo e incauto caia nesta armadilha, porque, como está demonstrado neste artigo, este debate está esvaziado. Espero que o Governo tenha lido com atenção este artigo e o parecer da Ordem dos Advogados e reconheça que fez um enorme disparate. Não lhe ficará mal, por uma vez, "dar a mão à palmatória", retirar o decreto-lei, fazendo com que fique sem efeito, e indemnizar algum coitado que tenha acreditado nisto e se tenha metido neste buraco, de onde não sabe como sair.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas o melhor é requerermos a declaração de inconstitucionalidade do diploma!

O Orador: - Se quer arranjar uma boa injunção, Sr. Secretário de Estado, arranje uma expedita para ver se derrubamos este Governo!...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, estamos a apreciar o pedido de ratificação do diploma que cria o processo de injunção, cabendo-me dizer, antes de mais, que efectivamente, embora estejamos perante um diploma avulso, o mesmo diploma se encontra enformado do espírito da reforma da legislação processual civil.
Como certamente os Srs. Deputados saberão, publicámos as linhas orientadoras da nova legislação processual civil, linhas orientadoras essas que estão a ser objecto de debate público, o qual terminará no dia 18 de Maio precisamente na Ordem dos Advogados.
Após a realização do encerramento do debate público, uma já constituída comissão irá rever toda a legislação processual civil, por forma a que, num prazo relativamente curto, tenhamos eventualmente publicado um decreto intercalar que percorra horizontalmente todo o Código de Processo Civil, plasmando precisamente, nessa reforma, as linhas orientadoras publicadas, que tentam dar um visão completamente diferente do processo civil. A prazo ou a médio prazo, haverá então um novo Código de Processo Civil, também ele plasmado nas linhas orientadoras publicadas pelo Ministério da Justiça e em cuja elaboração trabalhou uma equipa de advogados e magistrados.
Quando se diz que este é um diploma pontual, é verdade que é pontual, enformado, no entanto, pelos grandes princípios que irão caracterizar o novo Código de Processo Civil. Não é, em todo o caso, um remendo, porque, como referi, tem a sua razão de ser. Iremos, aliás, muito proximamente submeter à apreciação do Conselho de Ministros um novo diploma que reformula completamente o processo de inventário, também nesta perspectiva da reforma.
Por isso, direi aos Srs. Deputados que os diplomas que forem sendo publicados na área processual civil não são diplomas desgarrados, mas diplomas que têm a ver com o todo complexo que é o mundo processual civil.
Disseram os Srs. Deputados Odete Santos e Luís Filipe Madeira que o diploma em apreço teve uma reduzida repercussão e não serve para nada, que ninguém o usa. Lembro aos Srs. Deputados que até 31 de Março deram entrada em todo o País 1657 processos de injunção,...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu não disse que ninguém o usa!

O Orador: - ... que só no mês de Março deram entrada 850 processos nos tribunais portugueses e que só na comarca de Lisboa deram entrada 192 processos de injunção.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E quais são depois as consequências e os embaraços em termos de acção executiva?

O Orador. - Permita-me a Sr.ª Deputada que continue a minha intervenção, porque também não interrompi V. Ex.ª.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - 15to é apenas um aparte, para constar da acta!

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O Orador: - Face aos números que apontei, e considerando que estamos nos primeiros três meses de vigência do diploma, não vejo, de forma alguma, que possa afirmar-se haver uma reduzida repercussão, um reduzido apoio ou um reduzido impacto desta nova legislação nos nossos tribunais.
Quanto às alegadas perturbações nos tribunais, diria que elas só continuarão caso se queira manter o esquema actual de funcionamento dos tribunais, sobretudo dos tribunais de grande porte. Refiro-me precisamente aos tribunais de Lisboa, Porto e arredores, nos quais há uma efectiva e verdadeira massificação da justiça, que queremos combater.
Não se compreende que um juiz - falo, neste caso concreto, com alguma experiência - passe pelo menos toda a manhã a dar sentenças cominatórias. Não há razão para isso. O juiz deve estar reservado a actos eminentemente jurisdicionais, sendo certo que o processo de injunção vem libertar o juiz de tarefas que, na nossa perspectiva, são administrativas.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não são, não!

O Orador: - O secretário judicial só pode recusar o recebimento da injunção naquelas situações em que ao secretário ou ao escrivão é permitida a recusa da entrega de papéis na secretaria,...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, não! Leia melhor o artigo, Sr. Secretário de Estado!

O Orador: - ... quando não se conforme com a pretensão deduzida de acordo com o artigo 1.º.
É óbvio, Sr.ª Deputada Odete Santos, que, se um secretário judicial recebe um processo de injunção em que lhe peçam a lua (é um exemplo de escola), não mandará notificar a parte contrária. Nesta sede devem prevalecer os juízos do bom senso e da experiência, bem como os poderes que os oficiais de justiça têm de não receber os papéis.
Consideramos, em suma, que não há qualquer invasão da esfera jurisdicional do juiz face à intervenção no processo do secretário judicial, quando apõe a fórmula executória.
Por outro lado, a notificação por carta registada com aviso de recepção, como os Srs. Deputados saberão, é um meio cada vez mais frequente de notificação ou citação nos nossos tribunais.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - De citação de pessoas colectivas!

O Orador: - Sim, na sequência do decreto-lei intercalar de 1985, mas cuja jurisprudência, como saberão, vem cada vez mais alargando esse meio de notificação também às pessoas singulares.
Em relação a processos de montantes elevadíssimos, como, por exemplo, os relativos a dívidas hospitalares, todos os Srs. Deputados que têm prática de foro saberão que a citação ou a notificação também é feita por carta registada com aviso de recepção.
Quais são os meios de defesa perante uma citação que possa estar incorrecta ou mal feita? São, obviamente, os embargos. Julgávamos que a questão era clara, mas tivemos a preocupação de explicitar no preâmbulo, ainda com maior clareza, que nos embargos podem ser deduzidos todos e quaisquer fundamentos e não apenas os que possam basear uma oposição à sentença.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas a penhora continua!

O Orador: - Diz-se claramente que a fórmula do exequatur, aposta pelo secretário, não contém em si absolutamente nada de actuação jurisdicional.
Uma vez que se falou do parecer da Ordem dos Advogados, aproveito para referir que talvez tenha havido uma leitura um pouca apressada do mesmo. Reproduziria, a propósito, uma frase desse parecer. Depois de levantar um problema de inconstitucionalidade (que resolvemos ou clarificámos precisamente, como acabei de dizer, referindo que poderia haver embargos de largo alcance e não apenas com os fundamentos da oposição à sentença), diz o mencionado parecer da Ordem dos Advogados, um documento público recebido no Ministério da Justiça, que a providência da injunção "satisfaz um salutar desígnio de simplificação processual" e que "o silêncio do devedor, na perspectiva apenas da formação do título executivo, é garantia suficiente da existência do crédito, não se vislumbrando quaisquer razões, fora de um arcaico atavismo, que exijam uma intervenção jurisdicional no sentido acabado e rigoroso da expressão".
Ao contrário do que foi dito, o parecer da Ordem dos Advogados é favorável ao processo de injunção.
Uma recente revista, conhecida pela sua qualidade, publica no último número - refiro-me à revista SUB Judice - artigos de importantes processualistas, um dos quais refere que se deveria ir mais além no processo de injunção. Diz que não há razão para a limitação dos 250 contos e que haveria que avançar mais no sentido da legislação alemã, na qual não há qualquer limitação na prestação pecuniária para se poder utilizar o processo de injunção. Esses processualistas saúdam o diploma.
Face à receptividade que nos primeiros três meses de aplicação desta nova legislação (até agora já entraram 1657 processos), na perspectiva do Ministério da Justiça, temos a esperança que este meio, que é só um meio, que é só um instrumento que não queremos maximalizar, possa aliviar extremamente a vida dos nossos tribunais, libertando o juiz de funções que não são jurisdicionais mas administrativas e dignificando, por outro lado, o secretário judicial que queremos ver cada vez mais preparado tecnicamente por forma a responder a actuações que não têm a ver com a actuação jurisdicional do Estado nem dos Tribunais mas com o normal funcionamento dum tribunal.
Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, com alguma humildade, sempre vamos pensando, reflectindo e lendo algumas coisas e é capaz de ser forçado - não digo indelicado - rotular um diploma de disparate, quando houve várias pessoas e não são propriamente tolos, a pensar sobre os respectivos princípios e as consequências e sobre o modo como iriam os tribunais reagir à implementação de um novo instrumento jurídico-processual civil.

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, vejo que V. Ex.ª, não gostou

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da expressão "disparate" mas, com o devido respeito, é preciso chamar os nomes às coisas e quando se trata de um disparate devemos dizê-lo. Não é por se tratar do Governo, onde parece que ninguém se engana, onde dizer que fizeram um disparate é uma ofensa, que não devemos deixar de o apelidar assim, pois efectivamente trata-se de um disparate tremendo.
Aliás, com o devido respeito, a sua leitura do parecer da Ordem dos Advogados é que é apressada, pois trata-se de um parecer dado a alguém que tem em mente fazer uma lei e não de um comentário, que, esse sim, seria violento, seria duro.
Sr. Secretário de Estado, este parecer é um chamar à razão, é dizer "não façam isto mas antes aquilo" e vou ler como termina esse parecer: "Sem prejuízo de esta desejada simplificação ser de acolher, parece preferível que, em vez da adopção de uma nova providência consagrada em diploma avulso, se modifique a disciplina jurídica do processo sumaríssimo de declaração, adaptando-o por forma satisfazer ...".
15to é o que é recomendado, amavelmente, dizendo para não fazerem isto mas antes aquilo. Porém, os senhores não ouviram porque não costumam ouvir e quando pedem pareceres é para cumprir o formalismo legal, pois não têm a intenção de ouvir, de dialogar. Os senhores sabem tudo, os senhores nunca tem dúvidas e raramente se enganam! Desta vez enganaram-se.
Lamento os tais milhares de processos que o Sr. Secretário de Estado diz que entraram nos tribunais e o senhor também os lamentará quando estiver perante as reclamações e talvez o Estado devesse indemnizar aqueles que, pensando que iam por um caminho mais curto, se meteram por atalhos. E, como V. Ex.ª sabe muito bem, também no processo civil quem se mete por atalhos mete-se em trabalhos.
Qual a razão porque não aproveitou a notificação judicial avulsa? Não me venha dizer que os juízes passam as manhãs a dar despachos, pois seria um mero "notifique-se" e, que diabo, um juiz normal, mesmo escrevendo lentamente, "avia", por manhã, 500 processos desses! Repito, 500 processos desses, Sr. Secretário de Estado! E a notificação podia ter a cominação: "a não negação da dívida ou a confissão dá origem a título executivo." 15to era simples e não ocupava os juízes!
O senhor sabe isso melhor do que eu porque foi juiz com todo o mérito e brilho, tenho muito gosto em o dizer, e por isso não se ofenda com estas frases de tipo parlamentar pois não está em causa o seu mérito profissional.
Todavia, está em causa alguma desatenção do Ministério da Justiça pois, apesar de ter havido a participação de muita gente certamente respeitável, não quiseram meditar sobre o assunto, não testaram esta matéria num tribunal de ensaio. E certamente hoje, no Ministério, dirão que foi asneira mas agora o orgulho impede que digam que se enganaram e, consequentemente, que retirem este diploma. De certo que o manterão! Só que os que caírem nestas redes vão pedir contas a quem os enganou, sem querer certamente, e nunca mais ninguém irá por esta via pois existem outros processos mais simples.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, não retiramos o diploma porque o consideramos importante. O Sr. Deputado referiu uma recomendação da Ordem dos Advogados que aconselha uma ligeira alteração no processo mas o que pretendíamos era separar águas, dar ao juiz aquele conjunto de atribuições que encerram em si uma actuação jurídica, uma actividade jurisdicional, libertando-o de funções administrativas. Portanto, quando o Sr. Deputado diz que acha muito bem que o juiz carimbe "notifique-se", "notifique-se", "notifique-se", pergunto: queremos que o juiz português do ano 2000 seja um juiz de chancela? Certamente que não. Queremos que o juiz esteja reservado a dirimir questões essencialmente de direito e que não seja um juiz de chancela ou de sentenças tabelares.
Assim, julgo que a separação das águas passa por aqui e que este processo de injunção é algo que vem explicitar que não queremos a justiça massificada, que não queremos o juiz funcionarisado, mas queremos um juiz verdadeiro, um juiz para dirimir conflitos. E este diploma, que julgamos não conter incorrecções formais, - a única que continha foi corrigida (respondo assim à Sr.ª Deputada Odete Santos) em Diário da República - está bem elaborado e estamos convencidos que vai continuar a ter impacto nos tribunais. E, sobretudo nas situações, nomeadamente de grandes empresas, de seguradoras que têm centenas de processos de cobrança de prémios, é o processo ideal para libertar os tribunais dessas centenas ou desses milhares de processos. Felizmente algumas seguradoras já estão a utilizá-lo.
Finalizo dizendo que continuo com esperança que, por esta via, se dê um passo, mas só um pequeno passo, no sentido de evitar a massificação da justiça portuguesa.

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP veio requerer a apreciação do Decreto-Lei n.º 404/93, que instituiu a figura da injunção. Além de descrer da sua eficácia, invoca, principalmente preocupações de ordem constitucional. 15to porque lhe pareceria estarem diminuídas as garantias das partes intervenientes no processo.
Para o PSD, cuja actuação política passa sempre pela salvaguarda e reforço dos direitos e garantias dos cidadãos, esta posição do PCP é louvável e há que registá-la, como sempre registamos as preocupações no sentido de salvaguardar os direitos dos cidadãos.
Mas, neste caso concreto, ao PCP falta fundamento. A primeira pergunta que se pode pôr será esta: o que é a injunção? E a resposta imediata vem do próprio relatório do diploma: não é um processo jurisdicional, será um processo, talvez, administrativo.
Na aparência, a injunção assemelha-se ao processo sumaríssimo, nomeadamente no limite do valor, metade da alçada da 1ª instância, e ambos se desenvolvem na área da autonomia da vontade das partes, que é importante, Srs. Deputados.
Mas, na realidade, estes processos têm grandes diferenças, de que cito só uma, muito importante na análise do PCP: o processo sumaríssimo é jurisdicional, o processo de injunção não é.

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Por outro lado, o processo sumaríssimo termina com uma sentença e o processo de injunção não e precisamente por isso na fase executiva do processo sumaríssimo a defesa está limitada apenas aos casos que a lei enumera, enquanto que na injunção, porque não é jurisdicional, na fase executiva, a defesa não tem limites porque pode evocar tudo aquilo que poderia ser invocado na fase declarativa.
A fórmula executória "execute-se" é apenas um acto administrativo, não é uma sentença.
Se no processo de injunção - administrativo, repito existisse uma redução dos direitos de defesa, estes estariam, então, compensados na fase executiva seguinte, já jurisdicional, com o aumento das hipóteses de defesa. No entanto, na injunção não há qualquer diminuição de direitos e garantias e, Sr.ª Deputada Odete Santos, também não é uma justiça de segundo plano ou de segunda ordem, como acabou de referir há pouco. Embora em Portugal esta seja uma figura nova, sabem os Srs. Deputados que, em França, ela existe já há muitos anos, bem como no direito anglo-saxónico, e tem exercido a sua função com resultados positivos, não tendo posto nunca os direitos das partes em perigo ou em causa.
A injunção significa, antes de mais, menos burocracia, menos formalismo e mais celeridade e verifico, com surpresa, que aqueles Srs. Deputados que aqui sempre reclamam contra a burocracia e o formalismo, de cada vez que se simplifica uma formalidade, reclamam, injustificadamente, pela insegurança dos direitos das partes.
A evolução do processo civil, Srs. Deputados, tem sido e há-de continuar a ser no sentido de simplificar, ainda que garantindo os direitos. Foi assim na transição do Código do Processo Civil de 1876 para o de 1939 e, segundo referiu o Sr. Secretário de Estado, há-se ser assim na próxima reforma do Código do Processo Civil, que se espera e que já cá devia estar.
Porém, desburocratizar e simplificar não significa pôr em causa os direitos das partes. Aliás, esses direitos devem ser sempre salvaguardados e por isso comecei a minha intervenção louvando a iniciativa do PCP.
No entanto, lamento dizê-lo, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, a sua leitura do parecer da Ordem dos Advogados não foi apressada mas meteórica, porque se o tivesse feito com mais atenção poderia ler lá, textualmente, o seguinte:

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Eu li a conclusão!

O Orador: - Sr. Deputado, os pareceres não se lêem pelas conclusões! Nesse caso, as leituras não serão meteóricas mas mais velozes do que a luz!
Repare, Sr. Deputado, que o parecer diz, textualmente: "A ideia, no quadro apontado, de facilitar ao credor a obtenção do título executivo é, pelo que acaba de expor-se, uma ideia que se aprova e acolhe". E, logo a seguir, esse mesmo parecer, que o Sr. Deputado leu dessa forma mais do que meteórica, diz ainda: "Não se descortinam, de facto, quaisquer razões que impossibilitem, no processo sumaríssimo, a aposição da fórmula executória por via administrativa e desjurisdicionalizada, sempre que, regularmente citado, o réu não conteste". Como disse o Sr. Secretário de Estado, o parecer da Ordem dos Advogados é claramente favorável à injunção e a sua conclusão, Sr. Deputado, possivelmente, não foi bem tirada nem bem lida.
No entanto, algumas questões deverão ou poderão ser colocadas, embora quase todas abstractas e vazias de sentido. A título de exemplo, vou colocar algumas.

Na injunção atribui-se ao silêncio do réu o significado de confissão e é discutível que seja assim ou que deva ser assim. Como os Srs. Deputados sabem, foi buscar-se este entendimento ao direito anglo-saxónico e ao germânico, mas esta é já hoje a tradição do direito processual português, porque este entendimento existe no Código do Processo Civil desde 1939 - há mais de 50 anos! - e nunca ninguém protestou nem clamou contra isso.

A Sr a Odete Santos (PCP): - O Sr. Deputado está a aceitar que isso é uma confissão! Então, ainda é pior!

O Orador: - Poderá ser pior, Sr.ª Deputada, mas V. Ex.ª não falou nisso. Fui eu que falei e a diferença é essa.
Mas, continuando, temos outra hipótese: poder-se-á dizer que, ao introduzir a injunção no ordenamento processual português se legislou sobre a competência dos tribunais e das entidades não jurisdicionais que resolvem conflitos. Ou, ainda, poder-se-á dizer que esta iniciativa governamental - estou a referir-me ao Decreto-Lei n.º 404/93 - teria reduzido, como aliás a Sr.ª Odete Santos referiu, os direitos das partes no processo civil. Concluir-se-ia, então, que haveria inconstitucionalidade orgânica, como a Sr.ª Deputada também concluiu.
Só que, Sr.ª Deputada, repare que não é assim, porque o processo sumaríssimo jurisdicionalizado mantém-se e este não é um processo jurisdicionalizado mas um processo administrativo. Além disso, se houvesse - e insisto no "se" - uma redução de direitos na fase administrativa, haveria, para compensá-la, um acréscimo de direitos na fase executiva, porque, como sabe, na injunção pode usar-se a oposição na fase executiva, pelos embargos, em todos os casos em que esta poderia ser usada no processo declarativo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas a penhora vai correndo!

O Orador: - Srs. Deputados, volto a dizer que esta iniciativa do Governo é positiva, porque desburocratiza, simplifica e contribui para a celeridade processual.
Para terminar, gostaria de vos ler um texto, escrito há quase 100 anos, por um dos grandes mestres do processo civil, que todos conhecemos, Chiovenda.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Que culpa tem disto o Chiovenda!

O Orador: - Se o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira me der licença, lerei o texto de que vos estava a falar, acrescentando que gostaria que o que foi dito há quase 100 anos fosse uma profecia: "Quanto mais domina nas relações sociais a correcção e a boa fé, quanto mais nas relações políticas reina a confiança entre os cidadãos e os poderes públicos, quanto mais é difundido o hábito de olhar para a substância das coisas e menos difundido o espírito do formalismo, tanto mais os litígios poderão processar-se celeremente e exigirão menos garantias e formalismos".

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A injunção não olha para a substância! É ao contrário!

O Orador: - Srs. Deputados, repito, gostaria que esta previsão fosse uma profecia!

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - O Sr. Deputado Luís Filipe Madeira pediu a palavra para um pedido de esclarecimento mas o Sr. Deputado Correia Afonso não tem tempo para lhe responder e o Sr. Deputado também já não pode conceder-lho, porque, há pouco, não lhe descontaram o tempo que cedeu ao Governo.
No entanto, a Mesa cede-lhes algum tempo para o efeito.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, penso que poderemos dividir o tempo ao meio.
Sr. Deputado Correia Afonso, quando o ouvi falar, tive saudades de um brilhante advogado, que conheci em Lisboa, chamado Correia Afonso, porque creio que
esse advogado não subscreveria este decreto-lei.
Diz o Sr. Deputado que a intenção é óptima. Também as barbeirais figuras do século XVIII, quando sangravam os desgraçados, tinham a prestimosa intenção
de os curar, só que os matavam. Aqui também há uma excelente intenção, mas estão a sangrar este sistema quando ele precisava não de sangrias mas de coramina!
Diz o Sr. Deputado que Chiovenda faz essa brilhante citação. Com certeza, e se quiser mais nomes, poderei citar-lhe, também, Carnelutti, Rosemberg e, aqui em
Portugal, Alberto dos Reis, Manuel de Andrade, etc.
Posso citar-lhe uma dúzia de nomes!
Só que não é isso que está em causa, não são os objectivos deste diploma que estão em causa mas saber se ele é eficaz e se consegue atingir o desiderato.
E não consegue!
O Governo quer desjurisdicionalizar estas pequenas coisas? Com certeza que sim! Para isso tem o notário, o chefe da polícia ... E porque não as companhias de
seguros, por pequenos créditos, emitirem letras contra os devedores e protestá-las por falta de aceite, constituindo, depois, títulos executivos? É muito mais razoável e muito mais simples do que esta confusão em que se meteram, porque, contra a boa intenção do Governo, isto não vai resultar, vai criar mais problemas do que aqueles que pretendem evitar e é contra isto que protesto, em nome do interesse da justiça em Portugal.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, tem a palavra, por igual tempo, o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, é difícil discutirmos quando temos conceitos diferentes.
Quando, há pouco, o Sr. Deputado disse considerar um acto jurisdicional o acto mecânico de um juiz, que, numa manhã, assina 500 despachos, constatei que os nossos conceitos de jurisdição ou de acto jurisdicional são completamente distintos. O acto jurisdicional não é um acto mecânico e formal mas, sim, um acto de conteúdo e de pensamento.
Se temos conceitos diferentes, então, não podemos ter a mesma opinião a respeito deste diploma.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, Sr. Secretário de Estado, vejo que este decreto-lei tem a sua assinatura, pelo que, suponho, deve ter sido feito durante a ausência do Sr. Ministro. Se assim não fosse, teríamos aqui, hoje, um discurso humanista sobre o universalismo da justiça portuguesa. Ficamos, pois, sem este suplemento da cultura jurídica!

Para aliviar um pouco este debate, gostava de contar-lhe uma história muito conhecida. O Dr. Ramada Curto estava sentado na Brasileira, com o cabelo todo loiro. De repente, entrou um amigo e disse-lhe: "ó Ramada, que ideia foi essa?", ao que ele replicou "A ideia era óptima, a tinta é que era péssima".

Em relação à injunção, a ideia também é óptima mas a tinta péssima. Efectivamente, o Dr. João Luís Lopes dos Reis, que escreveu um artigo a este respeito no Boletim da Ordem dos Advogados - e V. Ex.ª também o leu com certeza, pois tem aí uma vasta bibliografia sobre o assunto - diz o seguinte: "São, como logo se vê, inúmeras e diversas espécies de deficiências da regulamentação adoptada. Há erros de português e de terminologia jurídica, defeitos de concepção e de enquadramento no sistema jurídico e constitucional e erros de estruturação processual. A nova injunção do direito processual civil português não é, desde logo, injunção alguma e nem sequer consiste num acto judicial".

Embora não mate ninguém, há aqui um problema de inconstitucionalidade orgânica, porque efectivamente o artigo 168.º, alínea q), da Constituição refere que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre a "organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição dos conflitos". Para nós, esta é uma matéria da competência dos tribunais. Ora, como este decreto-lei foi feito sem autorização legislativa da Assembleia da República, há sempre motivos para duvidar se há ou não uma inconstitucionalidade.

No entanto, tal como referiu aqui o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, não é este o problema principal.

V. Ex.ª anunciou hoje algumas novidades, nomeadamente que o despacho cominatório é um despacho administrativo, pelo que os juízes perdem tempo com isso. É a primeira vez que ouço tal coisa, Sr. Secretário de Estado! Não há tratado algum que diga que um despacho cominatório não é uma actividade jurisdicional, embora seja cominatório. É uma actividade jurisdicional e não administrativa, em que o juiz tem de perder tempo. Se ele não tivesse de perder tempo com esta actividade, então dizia, pura e simplesmente, ao oficial de diligências: "leve estes processos todos e ponha lá".
A segunda questão tem a ver com a citação, que também é um acto jurisdicional. Na injunção, a citação é substituída pela notificação, o que cria o problema de a parte principal que anteriormente fazia parte do processo sumaríssimo - as dívidas pecuniárias ou a indemnização calculada em quantia certa - deixar de o fazer para haver lugar à injunção.

Portanto, pode optar-se pelo processo sumaríssimo ou pela injunção ou pelas duas coisas. Pergunto: posso pôr um processo sumaríssimo e, à cautela, uma injunção ou uma preclude a outra? 15to tem de ser bem explicado, porque há aqui uma duplicação de meios jurisdicionais em vez de uma economia.
Por outro lado, V. Ex.ª diz que a orientação é para a notificação ser feita por correio. Ora, todos sabemos

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que um qualquer vizinho pode assinar, que uma criança de 14 ou 15 anos pode receber uma notificação e, ao confundi-la com a propaganda do Tide ou do supermercado da SONAE, deitá-la no lixo, pois não vale a pena guardar e encher a caixa do correio com aqueles papéis, mesmo que estejam registados.

Risos da Deputada Odete Santos do PCP.

Portanto, é preciso que haja a certeza de que realmente a pessoa recebe essa notificação. V. Ex.ª dir-me-á que, depois, nos embargos, na contestação, a pessoa pode invocar esse facto. Enxerta-se, pois, outra vez, um processo jurisdicional nos embargos quando o Sr. Secretário de Estado acabou de dizer que se trata de um processo administrativo, ou seja, é um processo administrativo que passa a ser jurisdicional através dos embargos. Para que é que serviu, então, o processo administrativo, para que é que serviu essa facilitação se, depois, surge uma jurisdicionalização no processo de embargos? Quanto a mim, isto nada veio a resolver!
A terceira questão tem a ver com a tal óptima intenção. No fundo, o que esta injunção faz é dizer ao secretário do tribunal que, antes de transformar um documento particular num título executivo, dê 8 ou 10 dias para o outro pagar. Mas para isso é preciso criar este "arsenal" todo?...

O Sr. Presidente (Adriano Moreira):- Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Não basta fazer aquilo que o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira referiu, ou seja, criar uma figura, se é que ela não existe, em que a notificação judicial avulsa quando aceite sem oposição pelo réu, pelo notificado, tenha força executiva? Portanto, é o oficial de diligências que cita o réu e é ele que diz se aceita a notificação judicial avulsa, a qual serve de título executivo. Por que é que não se estabelece isto, Sr. Secretário de Estado?
V. Ex.ª meneia a cabeça e não digo que o faz como o Velho do Restelo - segundo diz o Sr. Primeiro-Ministro, quem meneia a cabeça é Velho do Restelo, é derrotista, é pessimista, não confia nos portugueses, etc. -, mas o Sr. Secretário de Estado não confia no oficial de diligências, na notificação judicial avulsa, no credor de boa-fé.
Pergunto: por que é que não se estabelece isso? Por que é que não se pensou numa notificação judicial avulsa que seria aceite pelo notificado, o qual diria "recebi essa notificação e vou pagar"? Por que é que não funciona essa figura jurídica, que seria fácil, rápida, dando maiores garantias do que a chamada injunção?

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, dou por encerrado o debate da ratificação n.º 112/VI.
Vamos, pois, passar à ratificação n.º 114/VI - Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro (Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo), apresentada
pelo PS.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em todo o processo que rodeou a aprovação do Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro, e a revogação do Decreto-Lei n.º 171/89, de 19 de Agosto, não ficaram claras as razões profundas que presidiram à alteração da legislação não integralmente aplicada e cujas virtualidades não chegaram sequer a ser provadas ou desmentidas.
Tudo começou por um anteprojecto estranhamente superficial, burocratizador, que abria a porta a discricionaridades. As reacções gerais não se fizeram esperar e foram em uníssono negativas. O Governo teve de emendar a mão e apresentou, então, uma nova versão, mais próxima da que aqui está presente, que foi objecto de críticas sérias, designadamente no Conselho Nacional de Educação.
Não estava em causa o rigor necessário, do mesmo modo que houve unanimidade nos receios relativamente à proliferação de estabelecimentos do ensino superior particular e cooperativo sem garantias de qualidade e com objectivos ligados ao ganho fácil e imediato. À pergunta porquê uma nova lei, correspondia invariavelmente o silêncio.
Mas o essencial que está presente nesta questão tem a ver com o modo como esta iniciativa se insere na filosofia geral do Governo, no tocante às perspectivas de desenvolvimento do ensino superior em Portugal.
É sabido que, em Portugal, a taxa de escolarização no ensino superior, expressa como a percentagem de jovens do grupo etário 20-24 anos que frequentam este nível de ensino, quase duplicou de 1987 para 1992, de 13,4% para 25,3%. O número de candidatos aumentou, entre 1988 e 1991, de 95%, enquanto o número de vagas cresceu em 130%. Mas como se alcançou esta situação?
Nos últimos cinco anos, a frequência do ensino superior público aumentou cerca de 40%, enquanto a frequência do privado cresceu 250%. O aumento da taxa de escolarização fez-se, assim, devido ao desenvolvimento extraordinário do ensino superior privado e cooperativo. Pela primeira vez, aliás, em 1991, o número de alunos entrados no sector privado ultrapassou o número de alunos entrados no sector público. Assim, dentro de três ou quatro anos passará, pois, a haver mais alunos no privado do que no público.
Mas, como salienta o Memorando sobre o Ensino Superior na Comunidade Europeia - Contribuição portuguesa, e passo a citar, é "forçoso reconhecer que, na generalidade, o ensino privado não tem um adequado nível de qualidade, sendo um número muito significativo de instituições pouco mais do que escolas secundárias de nível superior, sem quadros docentes qualificados e onde a prática da investigação está ausente". Acresce que as licenciaturas e graus académicos oferecidos pelo ensino superior privado são, em geral, as que não exigem investimentos significativos em equipamento e apresentam baixos custos de funcionamento.
Assim, torna-se indispensável assentar, neste domínio, em alguns princípios fundamentais sem os quais nos arriscamos a ter um crescimento quantitativo do ensino superior sem que haja uma articulação entre a liberdade de ensinar e aprender, a procura de qualidade e de exigência e a satisfação de necessidades de desenvolvimento.
Antes do mais, o Estado tem de assumir um papel estratégico insubstituível, que não se confunde com dirigismo, burocracia e discricionaridade. Há que definir prioridades, que apostar no investimento intenso e selectivo. Infelizmente, o plano de desenvolvimento regional não é claro na resposta a perguntas como estas:

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qual a responsabilidade efectiva do ensino superior público na absorção dos candidatos até ao final do século? Qual a importância relativa prevista para os ensinos público e privado? Que relação se estabelecerá entre o universitário e o politécnico? Como se fará a avaliação do ensino superior privado, na prática?
Por outro lado, tendo em consideração as profundas distorções sociais patentes na frequência do público e do privado e o facto de se terem agravado as desigualdades entre os alunos do ensino superior, como ainda há pouco tempo salientou aqui, nesta Câmara, o Sr. Deputado Adriano Moreira, não é aceitável que as preocupações fundamentais sejam de índole burocrática, mantendo-se uma incompreensível inércia e uma falta de iniciativa, por exemplo, quanto à acção social escolar.
Mas vejamos, de modo positivo e construtivo, alguns dos pontos que merecem ou podem merecer reservas no Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro, e que entendemos deverem ser ponderados em comissão, motivo pelo qual apresentamos um conjunto de 14 alterações. Por virtude desta nossa iniciativa, este decreto-lei terá de ser agora apreciado na Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
Antes de mais, entendemos que o sistema de reconhecimento do interesse público é demasiado rígido e pesado, podendo comprometer os objectivos de autonomia e de responsabilização, no que toca ao ensino superior particular e cooperativo.
Por outro lado, as competências do Ministério da Educação devem, a um tempo. garantir a responsabilização estratégica do Estado, que há pouco referi, relativamente ao desenvolvimento do ensino superior e à concretização de uma autêntica igualdade de oportunidades.
Na organização dos estabelecimentos de ensino superior abrangidos pelo estatuto, não deve haver rigidez nos esquemas a adoptar nem tentação uniformizadora, já que o rigor no cumprimento dos requisitos e a responsabilidade devem constituir, afinal, as autênticas e verdadeiras pedras de toque, até para incentivar os estabelecimentos que, realmente, têm qualidade e distingui-los daqueles que a não têm.
O processo de reconhecimento deve, assim, obedecer a um regime claro, transparente e rigoroso e não deve adoptar-se, por exemplo, no que toca ao indeferimento tácito, um sistema contrário à tradição jurídica neste domínio.
Suscitaram-se, muitas vezes, quanto a esta matéria, algumas questões que não correspondiam à realidade, mas, de facto, como sabemos, no Código de Procedimento Administrativo, a regra é a do indeferimento tácito. No entanto, neste caso, seria adequado encontrar-se uma solução - que levasse a Administração a pronunciar-se pela positiva ou pela negativa- sem o que o pedido deveria considerar-se, porventura, deferido -, devendo, ao menos, repito, cometer-se à Administração o dever de agir.
Aliás, por isso o direito alemão prevê a acção cujo pedido consiste na declaração da obrigação, por parte da Administração, de praticar um
acto administrativo que omitiu ou a que se recusou, contrariando uma
vinculação legal, e o direito italiano, por exemplo, prevê o sistema do
silêncio-incumprimento, segundo o qual o princípio é o de que a inércia da Administração, legalmente obrigada a agir, apenas significa uma recusa de tomar providências, sem que tal omissão envolva uma tomada de posição sobre a pretensão do particular.

A forma a utilizar, no caso do reconhecimento de um estabelecimento de ensino particular e cooperativo, deverá ser, por outro lado, aquela que já constava do decreto-lei anteriormente em vigor, que era a da portaria, ficando, no entanto, clara a justificação e os fundamentos da decisão, num acto de natureza administrativa responsabilizador e claramente inserido nas opções estratégicas do Estado que venham a adoptar-se.
Muitas vezes, tem-se aqui invocado a questão da Lei de Bases do Sistema Educativo, quando refere a necessidade de decreto-lei, mas essa necessidade verifica-se apenas no que se refere à criação de universidades, não sendo o reconhecimento dos estabelecimentos que está em causa. Portanto, aqui, quando falamos em portaria, temos em conta a necessidade de não adoptarmos o procedimento de reconhecimento de interesse público nestes casos.
Por fim, é pelo menos discutível que os titulares dos órgãos de direcção não possam ser titulares dos órgãos de estabelecimentos de ensino. Naturalmente, quanto à fiscalização é necessário que não haja confusão, mas quanto à direcção têm havido algumas dificuldades práticas que não podemos deixar de atender.
Este é o quadro geral: autonomia, responsabilidade, transparência e função estratégica do Estado, eis os pontos fundamentais que têm de ser garantidos. Não é aceitável uma perspectiva espontaneísta, até para garantia do êxito de projectos sérios, fundamentados e orientados para o desenvolvimento económico e social do País.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Correia Afonso.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, sob a forma de pedido de esclarecimento, pensava discordar da orientação desta intervenção não fora a segunda parte produzida mitigar a primeira e, portanto, já não discordar tanto dela.
O Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, na primeira fase da sua intervenção, fez uma crítica generalista, que considero um pouco abusiva, mas, na segunda, emendou a mão e disse que havia estabelecimentos que tinham qualidade e outros que a não tinham e, por isso, era preciso distingui-los.
De qualquer forma, permito-me sublinhar a segunda parte da sua intervenção contra a primeira e deixar ficar aqui esta referência.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior, queria fazer um breve comentário, de resto condicionado pelo tempo, a respeito deste diploma.
Em primeiro lugar, gostava de dizer que considero que, de forma geral, merecem toda a atenção as sugestões e críticas feitas pelo Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.
Por outro lado, também quero sublinhar que a gestão que o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior tem feito, nesta área, tem sido aberta a essas sugestões e correcções, pelo que suponho que também vai

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prestar grande atenção aos comentários que, hoje, aqui serão feitos.
Pelo que toca à filosofia organizacional que consta do diploma, gostava de dizer que também concordo com a supressão do n.º 3 do artigo 22.º do Decreto-Lei
n.º 16/94, de 22 de Janeiro, e que também entendo que os indeferimentos não devem resultar de omissão do governo, pois o governo deve indeferir expressamente e não tacitamente.
Para encurtar esta intervenção, gostaria de insistir em que o ponto principal deste diploma, que representa um passo em frente na regulamentação em vigor, é sempre o que diz respeito à qualidade.
Naturalmente, é bom que os professores defendam imediatamente a qualidade dos estabelecimentos onde ensinam e que idoneidade dos professores seja garantia suficiente dessa qualidade. No entanto, isso não nos deve levar a omitir que nos defrontamos com um sério problema de qualidade no País. 15to não significa responsabilizar directamente os interventores, porque aquilo que acontece é que a explosão da demanda foi muito grande, o Estado não pôde elaborar uma resposta que estivesse à dimensão dessa demanda e sucedeu que o critério do mercado ultrapassou o da qualidade e que uma parte do ensino privado, algumas vezes, faz mal aquilo que o Estado não faz nem bem nem mal, porque o Estado não é capaz de responder às exigências da procura.
Esse problema da qualidade tem sobretudo a ver com o pessoal docente e com a ratio estudante/pessoal docente. Devo dizer que o critério que o Ministério introduz neste diploma, do ponto de vista teórico, parece-me bem orientado e fundado relativamente à determinação do número de doutores e de mestres que deve existir.
Simplesmente, devemos considerar que, se aplicarmos o critério a algumas faculdades do Estado, é provável que não se verifique essa correspondência da ratio exigida no decreto-lei em apreço, o que vai reflectir-se muito agudamente no ensino privado, porque nenhum dos estabelecimentos de ensino privado ou cooperativo e, mesmo, concordatário, teve tempo suficiente para produzir os doutores que são indispensáveis para corresponderem à ratio que, teoricamente, parece bem fundada e é introduzida no diploma.
Por consequência, se não tivermos alguma ponderação para relacionar o princípio teórico bem fundado e a realidade a que se vai aplicar, talvez possamos estar a contribuir para a falta de autenticidade que lavra neste domínio, que o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior conhece perfeitamente e tem procurado combater não apenas como membro do Governo mas como professor da Universidade Técnica.
Por isso mesmo, chamava, por exemplo, a atenção de que, exigindo-se um doutor por cada 200 alunos - se a minha memória não falha - e como a média das universidades privadas com menos frequência é de 5000 alunos, tal significa que por cada 1000 alunos teria de haver cinco doutores e, assim, as universidades que têm menos frequência deviam ter, pelo menos, mais de 20 doutores. Sabemos que não temos capacidade para fornecer esse número de responsáveis às universidades, sobretudo atendendo aos regimes variados de dedicação exclusiva, de tempo completo, etc.
Então, atrevia-me a sugerir que não abandone o Governo o princípio teórico da excelência mas que se dote da flexibilidade necessária para acompanhar a evolução que devemos incentivar. Por essa razão, sem fazer questão da forma, que pode ser aperfeiçoada, permitia-me juntar às sugestões que foram defendidas, já nesta reunião, uma nova norma a acrescentar ao artigo 14.º que permitisse protocolos de cooperação entre todas as universidades públicas e privadas, faculdades ou institutos, para que claramente assumissem esses professores a responsabilidade da cooperação nas universidades privadas e que isso fosse possível independentemente do estatuto do professor, por razões que não vale a pena desenvolver e que o Sr. Secretário de Estado, como profissional do ensino, conhece tão bem como eu. Julgo que dessa maneira contribuiríamos muito para a clareza e transparência da situação e para a livre circulação dos docentes em todo o sistema, constituindo um passo para, finalmente, pormos um ponto final naquilo a que tenho chamado as duas velocidades a que estamos submetidos.

Vozes do CDS-PP, do PSD e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues

O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Suponho que este pedido de ratificação constitui uma oportunidade bastante interessante para confrontar o Governo com aquelas que têm sido as suas opções na área de política educativa, em particular no ensino superior, e até com legislação que, ele próprio, está obrigado a respeitar.
Desde logo, recordamos que a proliferação de estabelecimentos de ensino superior privado ou cooperativo, frequentemente sem qualidade devido à ausência de instalações, de qualificação de pessoal docente e também à revelia de qualquer plano estratégico harmonizado com os interesses do País, está em total contradição, por exemplo, com os propósitos contidos no Decreto-Lei n.º 271/89, de 19 de Agosto, que falava de iniciativas privadas correspondentes a interesses socialmente válidos. Ora, em muitos casos não foi disso que se tratou.
Também sabemos que a legislação que esteve em vigor convém recordá-lo - falava na intervenção do Estado na fiscalização da qualidade de ensino: o Estado apoia, estimula e fiscaliza as entidades instituidoras dos estabelecimentos de ensino seguindo critérios, nomeadamente, de garantia de elevado nível científico, cultural e pedagógico.
Obviamente que o Governo apoiou o que não devia apoiar, como frequentemente sucede; estimulou o que lhe competia, frequentemente, contrariar e, muitas vezes, não fiscalizou o que devia fiscalizar.
Esta situação não ocorre por simples distracção do Governo, pelo que a proliferação, nos moldes que já foram aqui devidamente apontados, do ensino superior particular não aconteceu por acaso. Tal sucedeu ao mesmo tempo que têm acrescido as dificuldades em relação ao ensino superior público, não só no acesso mas também as resultantes de insuficiente investimento, o que pensamos tratar-se da consequência de uma opção política de fundo do Governo do PSD que deve estar presente nesta discussão.
Hoje, constatamos que, contrariando todas as disposições, nomeadamente a da lei de bases do sistema educativo e a liberdade de ensinar, os jovens que ingressam no ensino superior particular não o fazem por

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opção, o que se procura defender e preservar, mas por não terem acesso ao ensino superior público. Por vezes, trata-se até de alunos com elevadas classificações.
Antes de mais nada, era essa palavra de crítica e de denúncia, relativamente a esta situação, que gostaríamos de aqui deixar.
Por outro lado, não podemos deixar de notar que, em relação ao diploma em vigor, algumas das suas disposições confirmam inteiramente esse mesmo diagnóstico. Não deixa de ser sintomático que, nalguns artigos se coloquem questões como a da exigência da criação de extensões de estabelecimentos dar lugar a novos estabelecimentos. Naturalmente que concordamos com este aspecto, mas é óbvio que este artigo vem confirmar que se pretende - "depois de casa roubada, trancas à porta", como costuma dizer o nosso povo - vir obviar ao que não tem vindo a acontecer, ou seja, têm proliferado extensões em situações que fogem à fiscalização devida pela lei.
Queremos lembrar que algumas das determinações que visam assegurar qualidade e fiscalização no desenvolvimento do ensino particular já constavam da lei anterior, pelo que seria positivo que o Governo nos elucidasse do balanço que faz da aplicação desta lei e das verdadeiras causas que estiveram na origem de algumas destas posições, que surgem de novo neste decreto-lei e constavam do anterior, não terem sido devidamente acatadas.
Surgem algumas insuficiências e aspectos menos claros neste decreto-lei, algumas até um pouco preocupantes, porque parece que o próprio Governo não acredita muito na sua capacidade de levar a cabo os propósitos subjacentes à lei. Por exemplo, diz-se, no artigo 30.º deste Decreto-Lei n.º 16/94, que na fixação de vagas para os estabelecimentos do ensino superior particular e cooperativo serão tidas em conta, entre outras coisas, a prática de infracções às disposições deste diploma. Acreditamos que esta disposição indicia que o próprio Governo está desde já a prever que possa ser generalizado o não cumprimento do decreto-lei, o que, certamente, é lamentável.
Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior, gostaríamos que nos dissesse se o nosso entendimento sobre o artigo 29.º, que prevê situações excepcionais relativamente aos estabelecimentos de ensino, se confirma. Nós pensamos que estas disposições não se aplicam aos estabelecimentos de ensino já criados e autorizados, e gostaríamos que o Sr. Secretário de Estado nos esclarecesse se é esse também o entendimento do Governo.
Para além das insuficiências que tem, o decreto-lei merece-nos críticas. Desde já, apresento-vos uma que nos parece extremamente importante: a questão da autonomia. O Governo, neste decreto-lei, "dá com uma mão o que tira com a outra". Enquanto preconiza a autonomia, em modos que, julgamos, são um recuo relativamente ao diploma anterior, vem dizer o seguinte: "o sistema de participação deve, ainda, assegurar a possibilidade - friso, a possibilidade - de os representantes dos corpos docentes serem ouvidos pela entidade instituidora em matéria relacionadas com a gestão administrativa, científica e pedagógica dos estabelecimentos de ensino".
Se há autonomia no ensino superior particular e cooperativo, e pensamos que deve existir, os conselhos científicos não devem ter a possibilidade de ser ouvidos, antes, devem ser efectivamente ouvidos, nomeadamente em matéria da demissão de docentes e de pessoal não docente. Nesse sentido, fizemos propostas que esperamos, venham a ser consideradas e aprovadas.
Este, é um aspecto que gostaríamos de ver clarificado, isto é, se o Governo tem o entendimento de que deve haver autonomia científica e pedagógica, como, de facto, figura no articulado deste diploma, mas, em contradição, não está devidamente concretizado.
Finalmente, chamo a vossa atenção para o seguinte: foram as situações de excepção, pensamos nós, que em muitos casos possibilitaram, estando em vigor o decreto-lei anterior, algumas e frequentes situações de quebra de qualidade de ensino. Sendo assim, tendo em atenção o n.º 2 do artigo 16.º do diploma em apreço, que diz que as condições exigidas para a criação de escolas não integradas podem ser dispensadas nos casos em que os cursos "se revelem de interesse estratégico para o desenvolvimento do sistema educativo", pergunto se esta estratégia está definida pelo Governo, se existe e se, pelo contrário, não se trata de um conceito vago, o qual pode, obviamente, dar lugar a situações de continuidade...

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: Termino já, Sr. Presidente.
Para terminar, o que gostaria de dizer era o seguinte: podemos, com certeza, melhorar esta lei. Esperemos que, na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, haja possibilidade e vontade de melhorar esta lei. No entanto, o problema não está exclusivamente na lei mas, também, na vontade política do Governo em alterar por completo o que têm sido as suas orientações relativamente ao ensino superior em Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em educação nada deveria ser um produto, tudo deveria ser exigência e um dos nomes para a exigência é a qualidade. É pela qualidade e para a qualidade que uma dinâmica de estratégia, e não uma dinâmica em cima do acontecimento, tem de ganhar expressão legislativa, a qual, por definição e a contrario, é um processo moroso, tanto a montante, na produção do texto, como a jusante, nos efeitos da própria legislação.
O Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins trouxe-nos alguns números. Sem contrapor mas juntando, em convergência, números muito simples e claros, relativamente apenas ao ensino particular e cooperativo, tenho dados de que, em 1989, havia 42 instituições de ensino superior particular e cooperativo e que, em 1993, havia 100. Quanto a frequências, em 1989, havia 30 000 alunos e, em 1993, 75 000 alunos - estes números referem-se a um prazo de quatro anos. Para os pitagóricos nada havia mais belo do que os números, mas a questão está em sabê-los interpretar..., portanto, não faço comentários a estes números, a esta hora, neste dia de sexta-feira e em fase final de discussão.
O PS, ao fazer o seu pedido de ratificação do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, na sua argumentação justificativa, afirma que não estariam

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ainda esgotadas as virtualidades do estatuto anterior. Srs. Deputados, é bom ver a oposição falar de virtualidades, mas já não é um hábito bom o sistema de recusa a uma inovação metódica que, no plano legislativo, é preciso saber antecipar e fazer de uma forma previsional, para que o próprio texto legislativo produza efeito em tempo útil, seguindo a regra de verificação no terreno.
O Governo quis produzir um texto, aqui aprovado em Janeiro deste ano, que introduz melhorias que a prática tinha apontado e recomendado. Srs. Deputados, essa é uma prática nossa, do PSD, uma prática reformista. Ora, quando, com este argumento de que não estavam ainda esgotadas as virtualidades do diploma anterior, o PS formula este seu pedido de ratificação, ficamos sem saber se a proposta global do PS seria a da reposição por inteiro do Estatuto anterior, com ou sem repristinação técnica e legal, como sabemos. Mas a verdade é que, só agora, a esta hora em que a Mesa nos forneceu esses dados, sabemos que o PS apresentou na Mesa propostas de alteração, de eliminação, de substituição e de artigos novos, que o PCP também apresentou algumas propostas e que o CDS-PP apresentou uma.
Ora, regimentalmente, a apresentação de propostas de alteração na Mesa, num processo de ratificação, obriga à análise conjunta em sede de comissão, já com a probidade de estudo e a ponderação que não seriam consentidas pelos 10 minutos regimentais a que temos direito em sede de Plenário. Assim, o PS juntou-se afinal a nós na tal dinâmica atenta, não obsessiva, de inovação metódica, não sistemática. Como tal, vamos também considerar que é proveitoso, que, desta vez, é possível reformularem-se algumas alíneas, alguns pontos, alguns artigos, em matéria do ensino particular, que é uma das tónicas do ideário do nosso partido.
Quando falamos em reformular alíneas não nos referimos propriamente às que constam da vossa proposta, até porque as mesmas só agora são do nosso conhecimento e, portanto, seria espúrio pronunciarmo-nos sobre a sua bondade. Mas, em caso de coincidência, juntaríamos outras achegas, nomeadamente quanto ao princípio da separação entre a entidade instituidora e os órgãos académicos, quanto ao silêncio da administração e seus efeitos - o que já foi aqui falado várias vezes -, concretamente, se os processos estiverem devidamente instruídos, quanto aos artigos 64.º e 62.º, entre outros. Poderemos realizar um trabalho atento sobre isso, acompanhando uma dinâmica que, tal como os números de há pouco apontavam, cresceu tanto que exige imensa atenção por parte do Governo e de todos aqueles que, como nós todos, se empenham.
No entanto e de acordo com a prática parlamentar, não deixo de assinalar uma "feliz" contradição: é que o PS não queria o novo e actual Estatuto; cantava as virtualidades do documento anterior mas, finalmente, vem contribuir agora para, do Estatuto vigente da autoria do Governo, fazer um estatuto ainda mais novo. Resta-nos agradecer essa colaboração - sem ironia - porque a matéria merece-nos todo o esforço e toda a convergência da nossa atenção para essa dinâmica.
No entanto, como houve essa contradição, resta-nos a certeza, para estabilidade das opiniões, de que nós, PSD - e esforçadamente, Sr. Deputado! -, consideramos que não se esgotarão ainda as virtualidades de se legislar cada vez mais com acerto.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior (Pedro Lynce): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista requereu a ratificação parlamentar do Decreto-Lei n.º 16/94 que aprova o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo.
Ao fazê-lo, o Partido Socialista invoca apenas um argumento: o de que o Decreto-Lei n.º 271/89, agora revogado, não esgotou as suas virtualidades, pelo que conclui que não havia que aprovar novo Estatuto.
Como se verá, esta ideia do Partido Socialista é inaceitável. É inaceitável porque parte de um pressuposto errado e é-o pela concepção educativa estática que encerra.
Assim e em primeiro lugar, a concepção do Partido Socialista assenta num erro de interpretação: é que o Decreto-Lei n.º 271/89 foi revogado mas não cessou a produção dos seus efeitos. Efectivamente, como se dispõe nas normas transitórias do Decreto-Lei n.º 16/94, aquele diploma mantém-se em vigor em relação aos estabelecimentos de ensino superior particular e cooperativo já reconhecidos, concedendo-se um prazo de transição, de cerca de dois anos e meio, para a adaptação à nova legislação.
Deste modo, o legislador conciliou a publicação de um novo estatuto dotado de maiores exigências pedagógico-científicas, com os direitos adquiridos e com o projecto de ensino que o próprio Ministério da Educação havia aprovado.
O Decreto-Lei n.º 271/89 mantém-se, portanto, aplicável a essas situações.
É um facto, pelas razões históricas já largamente conhecidas, que o ensino superior tem caminhado a duas velocidades: público e privado. Se, eventualmente, houve uma justificação para este dualismo, atendendo à sua génese diferenciada no tempo, é chegada a altura de procurarmos entre os dois subsistemas a convergência desejada, que terá de se afirmar pela qualidade, pelo rigor e pela exigência.
Nesta perspectiva, o Governo entende que o ensino superior particular e cooperativo se deve reger - e deve reger-se cada vez mais - por critérios de exigência que se aproximem dos que são utilizados no ensino público.
Este conceito que defendemos exprime-se no reconhecimento ao ensino superior particular e cooperativo da dignidade de um verdadeiro parceiro do Ministério da Educação, em paralelo com o constituído pelo ensino público, no diploma que institui o Conselho do Ensino Superior ou na proposta de lei apresentada a esta Assembleia sobre avaliação do ensino superior.
Não têm, portanto, razão aqueles que nos criticam quando afirmam que este Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo desvaloriza e minoriza o papel do ensino privado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O novo Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo não é uma ruptura em relação às soluções anteriores. O novo Estatuto pretende, sobretudo, marcar o aperfeiçoamento, o melhoramento dos critérios e das exigências qualitativas acolhidas no anterior, fruto da experiência adquirida nos últimos anos, sem esquecer a necessidade de estabelecer os parâmetros para o futuro.
Contém, sem dúvida alguma, inovações e alterações importantes mas, em grande parte, o regime que agora

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se contempla encontra largos traços de semelhança com o Estatuto do Ensino Particular, de 1985 e de 1989. Assim, permitam-me que destaque as alterações que merecem maior realce, pelas consequências que poderão trazer à melhoria da qualidade do ensino.
Em primeiro lugar, quanto à exigência do reconhecimento do interesse público dos estabelecimentos de ensino.
É a própria Constituição que afirma a garantia da liberdade da criação de escolas. Esta garantia deve ser entendida como abrangendo as escolas de todos os níveis de ensino e, necessariamente, também de nível superior. Mas esta garantia da liberdade de criação de escolas do ensino superior não é dissociável da competência, que ao Estado é também constitucionalmente atribuída, de fiscalizar os estabelecimentos de ensino particular.
A garantia do direito à liberdade de aprender e de ensinar e, por isso, de fundar e dirigir escolas não pode ser separada da competência que ao Estado pertence em matéria de educação e de ensino.
Deste modo, o que está reservado para a intervenção da Administração é o reconhecimento do interesse público dos estabelecimentos que pretendam ministrar ensino superior, leccionar cursos e atribuir graus de bacharel, de licenciado, de mestre e de doutor ou o diploma de estudos superiores especializados, critério que se justifica com o facto de serem estes os graus e diplomas expressamente enunciados na Lei de Bases do Sistema Educativo.
A razão de ser desta norma prende-se com a experiência dos últimos anos do Estatuto agora substituído, entendendo-se que a autorização de funcionamento de um curso deve ser acompanhada pelo reconhecimento do grau ou do diploma que esse curso visa conferir. Trata-se, no fundo, de acautelar os direitos e as expectativas dos alunos que pretendam vir a cursar esses estabelecimentos de ensino.
Procura-se, assim, garantir que quando o estabelecimento de ensino abre as suas portas e inicia a ministração de cursos conferentes de graus estão já garantidos as condições de organização e de funcionamento, o plano de estudos e o corpo docente adequado à ministração desse tipo de cursos, dignificando deste modo a própria instituição.
A intervenção da Administração limita-se a certificar e a verificar se essas condições organizatórias estão preenchidas, sem condicionar a autonomia pedagógica e científica de cada instituição.
Mas a Administração demitir-se-ia das suas funções se não acautelasse que estão preenchidas as condições inerentes à dignidade e qualidade do ensino professado.
A pulverização de escolas e de cursos sem dignidade científica e sem exigência pedagógica conduziria a uma verdadeira destruição da confiança social que deve existir nos diplomados do ensino superior.
A outra alteração mais evidente tem a ver com o reforço das exigências pedagógico-científicas das instituições, obrigando à existência de um corpo docente cada vez mais qualificado e à diversificação das áreas de ensino professadas.
Note-se que até nestas matérias o legislador teve a prudência de aliar às exigências feitas regimes de excepção bem definidos, quer prevendo os casos em que não exista pessoal docente com a habilitação exigida no ensino público quer prevendo a possibilidade da existência de instituições especializadas em áreas cuja oferta é insuficiente e o seu conteúdo científico e pedagógico possa ser considerado inovador.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como está expresso no Programa do Governo, a educação é a primeira prioridade nacional.
Compreende-se, por isso, a particular atenção, a preocupação constante com que estas questões são entendidas pelo Governo. O ensino particular constitui, para nós, um motivo de particular regozijo pela sua importância, pela sua dimensão, pela qualidade científica e pedagógica que, de uma forma geral, os seus projectos têm revestido.
Por isso o apoio crescente que o Ministério da Educação tem vindo continuadamente a atribuir a este sector de ensino. Compreende-se, no quadro de recursos escassos com que nos debatemos em relação às necessidades, que esse apoio tenha de ser gradual, ainda que beneficiando de contínuo crescimento.
Destacaria o apoio que tem sido dado à formação de docentes, à aquisição de equipamento didáctico para os complexos pedagógicos e bibliotecas, ao investimento em infra-estruturas e o alargamento aos estudantes do ensino privados dos benefícios sociais que são concedidos aos estudantes do ensino público, nomeadamente através da atribuição de subsídios para propinas e autorização de refeições em instituições públicas, o que contamos, brevemente, possa ser generalizado a todos os estudantes do ensino privado.
É tempo de concluir!
A importância que tem para nós o ensino superior leva-nos a estimular qualquer tipo de debate aberto sobre o mesmo, nomeadamente, no que se refere ao Decreto-Lei n.º 16/94, às escolas, aos cursos e aos alunos deste sistema de ensino, de modo a que se possa contribuir para um ensino de melhor qualidade e exigência.
Assumimos claramente que o apoio do Estado ao ensino particular e cooperativo se insere, mais do que no imperativo constitucional, na filosofia da salvaguarda da liberdade de ensinar e de aprender, corolário de uma sociedade aberta, pluralista e democrática.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Guilherme d'Oliveira Martins e Vítor Crespo.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª fez o discurso em resposta ao discurso que não fiz e que julgava que iria fazer aqui. De qualquer modo, a minha questão é muito simples e tem a ver com o facto de precisarmos de saber, exactamente, qual a resposta para aquele mistério que consta do Plano de Desenvolvimento Regional, isto é, qual a perspectiva do Governo quanto ao peso relativo dos ensinos particular e cooperativo, público, politécnico e universitário em 1999.
O Sr. Ministro anterior, Engenheiro Couto dos Santos, nunca foi capaz de responder a esta questão, mas, certamente, o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior terá uma resposta.
Gostaria ainda de fazer duas referências apenas. A primeira, para dizer que há já seis semanas que solicito ao Governo a sua presença para dar resposta à questão da situação da acção social escolar no ensino superior. Espero, pois, que na próxima sessão de perguntas

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ao Governo possamos ter aqui o Sr. Secretário de Estado para responder a essa questão, pois o que se tem verificado é que o Governo não tem escolhido essa pergunta que é, naturalmente, de extraordinária importância.
Como última referência, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Sousa Lara, que há pouco referiu que a minha primeira parte do discurso era demasiado negativista, que citei o memorando que foi enviado pelo Governo às Comunidades Europeias sobre essa matéria.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Secretário de Estado, havendo mais um orador inscrito para lhe pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Crespo.

O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, em primeiro lugar, queria focar a serenidade e o espírito construtivo que foi revelado por todos os grupos parlamentares e pelo Governo, em particular, sobre esta matéria delicada do ensino particular e cooperativo.
É verdade que este é um sistema que anda a duas velocidades - o que tinha de acontecer, pelo menos no crescimento, uma vez que o ensino particular e cooperativo é totalmente recente. Assim, o único problema que tem de preocupar-nos é a "segunda velocidade" no que diz respeito à qualidade e, quanto a isso. temos de reconhecer, como o Sr. Deputado Sousa Lara acabou por dizer - é um facto -, que há ensino particular de qualidade e ensino particular que não tem qualidade; se quisermos, até no ensino público encontramos alguma coisa deste género.
Louvando-me deste espírito construtivo e da necessidade de olharmos de perto o ensino particular e cooperativo e o público, as saídas profissionais, o número de diplomados, a sua relevância social e a qualidade dos cursos com impacto no desenvolvimento do País, perguntava, praticamente a todos - aliás, pegando numa certa sugestão levantada pelo Sr. Deputado Adriano Moreira e, embora não goste da palavra protocolo -, se não seria possível olharmos claramente, sem perda da identidade das diferentes instituições, o estabelecimento daquilo a que poderei chamar um "ERASMO interior" para alunos e professores de maneira que a qualidade do ensino possa melhorar com todas as capacidades internas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr Narana Coissoró (CDS-PP): - Uma boa ideia. Mas como é sua, o Governo não faz!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - Sr Presidente, penso que, eventualmente, nas palavras do Sr. Deputado d'Oliveira Martins, há um ligeiro equívoco. Com toda a sinceridade, só agora tive conhecimento das alterações que o Sr. Deputado ou o seu partido apresentaram, por isso vim preparado em relação ao motivo pelo qual me convocaram a estar aqui presente.
Penso, contudo, que iremos ter oportunidade de discutir este assunto com mais pormenor mas, em todo o caso, não queria deixar de felicitá-lo porque, provavelmente, evoluiu. As suas expressões actuais, em relação à razão que me fez vir à Assembleia da República, demonstram que, eventualmente, teria havido uma evolução, o que registo com todo o agrado.
Todavia, tendo presente a intervenção inicial do Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, nomeadamente quando sublinha que a taxa de escolarização teria subido bastante devido, fundamentalmente, à entrada de alunos no subsistema do particular, julgo que vale a pena esclarecer bem que essa não é a nossa preocupação, Sr. Deputado!

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - A intenção é a mesma!

O Orador: - A nossa preocupação não é saber a origem e para onde eles foram mas, sim, se, eventualmente, essa taxa está coberta ou não pela qualidade que devemos exigir Essa, sim, é que é a nossa preocupação de momento!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Tem de ser!

O Orador: - Repare, Sr. Deputado, que neste momento é relativamente fácil fazer uma crítica dessas! Há, pois, que recuar meia dúzia de anos, ou seja, quando as universidades públicas estavam em situação idêntica! E o Sr. Deputado conhece-as bem, quer em Trás-os-Montes, quer no Alto Douro e Vila Real, passando pela Beira Interior e Algarve, até à Madeira, eventualmente, nem sequer existiam doutores e mestres.
Por isso, sinceramente, penso que é justo que se comparem estes períodos e não apenas a situação actual, pois estaríamos a criar uma injustiça tremenda.
Não queria deixar, também, de chamar a atenção, e aproveitando a interpretação do Sr. Deputado...

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - E o PDR, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Só um minuto, se faz favor.
Como dizia, e aproveitando a interpretação do Sr. Deputado Paulo Rodrigues, a nossa preocupação em termos de fiscalização é permanente. Até lhe posso dizer que cada uma das instituições do ensino particular é fiscalizada pelo menos uma vez por ano! E o que é que acontece, Sr. Deputado? Acontece que entendemos que, neste momento, a nossa actuação deve, acima de tudo, ser pedagógica e não repressiva.
De qualquer forma, chamo a atenção para o facto de essa acção pedagógica já ter contribuído para que muitos cursos e instituições não abrissem e, inclusive. houvesse instituições cujo número de vagas - como aconteceu ainda no ano anterior - fosse de zero.

O Sr. Presidente (Correia Afonso). - Queira terminar, Sr. Secretário de Estado.

Vozes do PS: - E o PDR?

O Orador: - Penso que não seria correcto nem eticamente razoável que viesse para aqui, neste momen-

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to, falar sobre o PDR quando o que está em causa agora, fundamentalmente, é o estatuto do ensino particular e cooperativo.

Protesto do Deputado do PS Guilherme d'Oliveira Martins.

Sr. Deputado, se me permite, gostaria de continuar.
De qualquer forma, volto a afirmar nesta Câmara que não temos quaisquer dúvidas em definir os objectivos que nos propomos com o PDR. Agora, não me parece correcto, até sob o ponto de vista ético, tendo eu sido chamado para discutir com todos o problema do estatuto do ensino particular e cooperativo, que venha aqui definir uma meta que, em termos políticos, tem outra interpretação

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Esgotou o tempo de que dispunha para usar da palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - Sr. Presidente, se me permite, existem três ou quatro pontos que me parecem importantes e que gostaria que ficassem perfeitamente claros. Em primeiro lugar, o apoio inequívoco ao princípio da liberdade de ensinar e de apreender, liberdade que exige, contudo, responsabilidade, quer científica quer pedagógica...

A Sr.ª Ana Maria Bettencourt (PS): - E a liberdade de se escolher o curso que se quer?!

O Orador: - Dá-me licença que conclua, Sr.ª Deputada?!
Liberdade essa, dizia, que também exige responsabilidade social, nomeadamente perante os alunos.
Em segundo lugar, o estatuto agora apresentado exprime uma linha de continuidade da política educativa do Governo em relação aos estatutos anteriores; em
terceiro lugar, defendemos um sistema de ensino superior, em matéria científica e pedagógica, dotado de regras unitárias e comuns ao ensino publico e não público; continuamos a investir fortemente no ensino superior, tanto no público como no não público e, por fim, reafirmamos a vontade clara de que a acção social seja tendencialmente aplicável, tanto ao ensino público como ao não público.

Aplausos do PSD.

O Sr Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, com a intervenção do Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior, encerrámos o debate
Quero ainda informar que deram entrada na Mesa propostas de alteração, substituição ou eliminação relativas ao Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro, apresentadas pelo PS, CDS-PP e PCP, que baixam à respectiva comissão.
Na próxima segunda-feira, dia 25, realiza-se, às 11 horas e 30 minutos, uma Sessão Solene Comemorativa do 20.º Aniversário do 25 de Abril. Foi já distribuído o esquema geral da sessão a todas as bancadas e a todos os Srs. Deputados, pelo que a Mesa, a menos que assim seja requerido, se dispensa de, em pormenor, o repetir.
Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 30 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Joaquim Correia Vairinhos.
Francisco João Bernardino da Silva.
José Macário Custódio Correia.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

António Carlos Ribeiro Campos.
António José Martins Seguro.
João António Gomes Proença.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
José Manuel Santos de Magalhães.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
Luís António Carrilho da Cunha.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel da Costa Andrade.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS).

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade

Partido do Centro Democrático Social - Partido
Popular (CDS-PP).

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.

Deputado independente:

Mário António Baptista Tomé

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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