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Terça-feira, 26 de Abril de 1994 I Série - Número 63 2059

DIÁRIO

VI LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

SESSÃO SOLENE COMEMORATIVA DO 25 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

Às II horas e 40 minutos, deu entrada na Sala das Sessões o cortejo em que se integravam o Sr. Presidente da República (Mário Soares), o Sr Presidente da Assembleia da República (Barbosa de Melo), o Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva), os Srs. Secretários da Mesa, os Srs Secretário-Geral da Assembleia da República e Chefe do Protocolo do Estado, membros da comitiva do Sr. Presidente da República e os secretários do protocolo do Estado
No hemiciclo, encontravam-se já, além dos Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Ministros e Secretários de Estado, os Ministros da República para os Açores e para a Madeira, o Procurador-Geral da República, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, os Presidentes do Supremo Tribunal Administrativo, do Tribunal de Contas e do Supremo Tribunal Militar, o Provedor de Justiça, os Chefes dos Estados-Maiores dos três ramos das Forças Armadas, o Presidente do Conselho Económico e Social, os Presidentes das Assembleias Legislamos Regionais dos Açores e da Madeira, Conselheiros de Estado, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Juizes do Tribunal Constitucional, o Governador Civil de Lisboa, o Vereador substituto do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o Presidente da Alta Autoridade para a
Comunicação Social, o Presidente da Comissão Nacional de Eleições, o Presidente da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, o Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Comandante Naval do Continente, o Comandante do Comando Operacional da Força Aérea, o Governador Militar de Lisboa, o 2.º Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana e o Superintendente-Geral da Polícia de Segurança Pública.
Encontravam-se também presentes nas tribunas e galenas o cardeal-patriarca de Lisboa, os Srs. Marechais António de Spínola e Costa Gomes, membros do Governo, do Corpo Diplomático e da Associação 25 de Abril e demais convidados.
Constituída a Mesa, na qual o Sr. Presidente da República tomou lugar à direita do Sr Presidente da Assembleia da República, a Banda da Guarda Nacional Republicana, postada na Sala dos Passos Perdidos, executou o Hino Nacional
Seguiram-se os discursos dos Srs Deputados Manuel Sérgio (PSN), Isabel Castro (Os Verdes), António Lobo Xavier (CDS-PP), Carlos Carvalhas (PCP), António Guterres (PS) e Pedro Passos Coelho (PSD) e dos Srs. Presidentes da Assembleia da República e Presidente da República.
Eram 13 horas quando a sessão foi encerrada.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro aberta a sessão.

Eram 11 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.

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Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

15abel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, na qualidade de representante do PSN, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Excelentíssimos Convidados, Militares de Abril, Sr.ªs e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Para evocar, em 1994, o 25 de Abril começo com Miguel Torga. "O difícil para cada português não é sê-lo; é compreender-se. Nunca soubemos olhar-nos a frio no espelho da vida. A paixão tolda-nos a vista. Daí a espécie de obscura inocência com que actuamos na História".
De facto, a nossa medida sempre foi - e é - um sentimentalismo exacerbado. O português não procura a verdade, quer ter certezas. Ora, toda a certeza decorre de um estatuto originário: o império da paixão, dado que não há certeza que não possa transformar-se numa apologia do despotismo.

Por isso, os primeiros dois anos após o 25 de Abril, embora o pluralismo partidário, a reorganização da acção sindical, a libertação dos presos políticos, o regresso dos exilados, o estabelecimento de relações diplomáticas com todos os povos do Mundo, a liberdade de expressão, de reunião, de informação, a descolonização, eleições plenamente democráticas e uma Constituição donde emergiam nítidos os Direitos do Homem, os primeiros dois anos após o 25 de Abril mais legitimaram o déspota do que interrogaram os fundamentos do poder.
Esta, aliás, é uma das lições a extrair do 25 de Abril: em Portugal, se é verdade que os ideais democráticos estão a deitar fundas raízes no coração de grande parte dos portugueses, ainda é evidente uma alergia às ideologias e aos partidos políticos que pretendem corporizá-las. É para o homem providencial, uma espécie de superego que normaliza as condutas e desresponsabiliza os cidadãos, que vai muita da nossa admiração imediata e vibrante.
A História é menos carismática do que sistémica e, como tal, o ditador, qualquer que ele seja e as formas de que se revista, não tem lugar num trabalho de construção colectiva, visto que não cabem os proprietários da verdade na criação progressiva e simultânea da democracia política e da democracia sócio-cultural. É preciso unir indissoluvelmente liberdade, justiça e cultura, para que a nossa democracia, de formal, se transforme numa democracia real, onde tenham possibilidades de expressão e de concretização dos, seus justos anseios os idosos, os jovens e as minorias, todos eles a dobrar o cabo das tormentas de sacrifícios sem conta.
Esta é a hora do 25 de Abril, porque o 25 de Abril está por cumprir-se! Há, em Portugal, o culto excessi-

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vo da efeméride. Celebrar o 25 de Abril bem é, conquanto não se descambe na funesta ilusão de que, para existir, basta ter História!
Compreende o Partido de Solidariedade Nacional o alcance transcendente, de forte cunho pedagógico, das comemorações dos 20 anos da Revolução dos Cravos. Aproveita mesmo a oportunidade para saudar, na figura do Sr. Presidente da República, todos os democratas portugueses que, durante mais de 40 anos, em luta árdua contra a ditadura, foram exemplo inescurecível de heroísmo, de sofrimento, de audácia, de epopeia, de fé. Poderíamos até cantar, aqui e agora, com a alma em festa de quem é livre, a última quadra da Trova do Vento que Passa, de Manuel Alegre: "Mesmo na noite mais triste/em tempo de servidão/há sempre alguém que resiste/há sempre alguém que diz não.
Mas, para o PSN, acima do mais, importa recordar o passado na medida em que soubermos aproveitar as suas lições, quero eu dizer, na medida em que soubermos estabelecer e restabelecer na pátria portuguesa os verdadeiros valores humanos e, portanto, uma vasta e profunda revolução moral nos ensine a conjugar o realismo político, a tolerância, a coragem, a solidariedade e a esperança.
Afinal, um povo com nove séculos de História há-de possuir na sua multidimensional experiência as virtualidades necessárias para extrair do seu inesgotável tesouro coisas velhas e coisas novas, que importa cotejar com as experiências alheias, sem que haja necessidade de negar as próprias.
Há 20 anos, o Movimento das Forças Armadas compôs, de armas encimadas por cravos da cor da utopia e do sonho, um hino de exaltação nacional. Que todos nós, os que não tivemos de ganhar o dia 25 de Abril de 1974, saibamos, de ora em diante, merecê-lo!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, como representante do Grupo Parlamentar de Os Verdes, tem a palavra a Sr.ª Deputada 15abel Castro.

A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Excelentíssimo Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e restantes Membros do Governo, Srs. Capitães de Abril, Srs. Convidados, Sr.ªs e Srs. Deputados: Hoje é dia de falar de Abril, não só como festa, evocação saudosa, mas como aventura colectiva há 20 anos iniciada por um povo em busca de si próprio, da sua identidade e do sentido da construção do seu futuro.
Abril é a aventura que jovens cansados da guerra tornaram possível - os capitães - que, com mãos de paz, colheram e, generosos, repartiram as flores da liberdade que outros, durante décadas de inconformismo, tinham na Terra semeado.
Abril é a alegria imensa que invadiu as praças, a poesia que tomou as ruas, a comoção de todo um povo que nelas convergiu e em liberdade se reencontrou, soltando das gargantas roucas as palavras de há tanto sonhadas.
Mas Abril também representa o passado, que se recusou e se não pode hoje tornar abstracto ou absolver, do tempo do poder autoritário - violento, absurdo, castrador - dos chefes carismáticos que não toleravam a diferença, que fardavam jovens e faziam-nos desfilar em dias, ditos, de raça; esse tempo absurdo em que, nas escolas, crianças cresciam, por sexos, separadas.
O tempo em que o tempo tinha parado no país do subdesenvolvimento, do obscurantismo, do isolamento, em que a cultura era proibida, os intelectuais considerados inimigos e o lápis azul da censura uma presença constante.
O tempo do arbítrio e de todos os medos, em que houve lugar a tribunais plenários; o tempo das paredes com ouvidos em que existir era ser suspeito; o tempo dos muros, das grades, da tortura e da morte, da humilhação de outros povos que, com brutalidade, noutras latitudes se tentava perpetuar; o tempo do tempo em que os jovens não tinham escolha e eram condenados à opção da guerra ou do exílio.
Este foi o tempo que Abril tornou passado e o poder libertário rompeu, rasgando novos horizontes e dando asas ao sonho da liberdade assumida, da igualdade consagrada, da tomada de palavra pelas mulheres, da alteração da moral sexual e familiar, do poder que ao nível das Comunidades se organizou, dos alcançados direitos, liberdades e garantias da pessoa humana enquanto ser social e cultural e da terra repartida. O tempo em que democracia foi não só sinónimo de livre escolha, mas de intervenção criadora e de participação plural, viva e responsável na vida pública e da assunção plena não só do direito à liberdade, mas do direito de, em liberdade, construir o futuro, no qual, pela primeira vez, o ambiente foi também como direito fundamental consagrado, embora muito timidamente no modo de agir corporizado.
Sr. Presidente, Srs. Capitães de Abril, Sr.ªs e Srs. Convidados: Vinte anos depois de Abril, falar do futuro é falar da democracia por reinventar, de ser capaz de devolver aos cidadãos a confiança nas instituições que sobre si se fecham, surdas, incapazes de interpretar os sinais de descontentamento que elas próprias geram, de buscar espaços alternativos de organização social e de participação e de neles envolver cidadãos que, recusando a apatia e o conformismo, se não submetam à lógica da derrota, de compreender a urgência de promover um desenvolvimento ecologicamente equilibrado que satisfaça as necessidades do presente sem comprometer o futuro, um desenvolvimento alternativo pensado para um tempo novo e por diferentes valores e valias pautado, portador de uma nova ética nas relações da Humanidade e desta com a natureza.
Por essa razão, trata-se de uma democracia mais humana e igualmente participada por mulheres e homens; de uma democracia mais solidária, porque não geradora de exclusão e de agressão ambiental; de uma democracia mais democrática, porque mais autenticamente vivida e partilhada; de uma democracia que recuse a exclusão e o apartheid social, que não consinta a intolerância, o racismo e a xenofobia, que não aceite que imigrantes possam viver marginalizados ou clandestinos, que não permita que direitos, liberdades e garantias possam ser impunemente violados; de uma democracia que não admita que o segredo de Estado se transforme no Estado do segredo, que recuse a padronização e o amorfismo da cultura e na inquietação e diversidade se afirme; de uma democracia que, como fortaleza, se não feche e que, aberta ao mundo, se mantenha e em cooperação e solidariedade cresça e se afirme, que não permita que Timor seja uma causa perdida, que nunca pare de surpreender, que em Abril se redescubra; de uma democracia para uma sociedade que, pelo sonho, se deve deixar ir, lembrando, como dizia a velha canção, que "o sonho é uma constante da vida" e

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que "sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança".
Viva o 25 de Abril!

Aplausos do PS, do PCP e do Deputado independente Raúl Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, na qualidade de representante do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Ilustres Convidados, Srs. Deputados: Comemoramos hoje, com as maiores galas da nossa praxe, a passagem do vigésimo aniversário do 25 de Abril e fazemo-lo aqui, na Assembleia da República, com a consciência de que, para além das crises sentidas e das reformas desejadas, para além da detracção e do "pensamento decadentista", é sobretudo nesta Casa que se legitima uma especial reflexão sobre a democracia portuguesa ou sobre o futuro de Portugal.
A preparação da nossa liturgia, já antiga, foi, mais uma vez, castigada com aquela quase desesperante preocupação de evitar o desdouro que o tempo e a ritualidade das festividades oficiais emprestam quase sempre à celebração das mais relevantes datas da nossa História.
Desta vez, além do mais, a comunicação social precedeu-nos, fazendo um enorme esforço de esclarecimento e debate e gerando profusas controvérsias, indignações, recordações, justificações, revelações e enganos.
Reconheça-se que a polémica nunca tinha chegado tão longe e que a regra tem sido, estritamente quanto ao juízo sobre a importância da Revolução, a da quase unanimidade das opiniões expressas. Este ano não foi assim e alguns reflectem mesmo sobre a possibilidade de ter ocorrido uma mudança brusca da consciência colectiva, quando a experiência ensina que estas mudanças só lentamente vão atravessando as gerações.
Sosseguem os tutores da memória colectiva. Em 1994, o País não mudou especialmente o seu juízo sobre o processo de construção da democracia portuguesa, se descontarmos o impacto que algumas revelações ou confirmações produziram na mente dos observadores ou dos actores políticos mais eruditos. Aconteceu simplesmente que houve condições para que se defrontassem publicamente e sem restrições os entusiastas, os cépticos e os adversários do 25 de Abril, sendo que a participação destes últimos constituiu uma indisfarçável novidade.
Para nós, de facto, a evocação deste aniversário do 25 de Abril trouxe alguns diferentes processos comunicativos - uns, mais felizes, outros, menos conseguidos -, mas todos são consequência do estádio actual de um dos maiores sucessos destes últimos 20 anos. Refiro-me, como é óbvio, à liberdade de expressão e, especialmente, ao seu mais eficaz instrumento, o pluralismo dos meios de comunicação social.
Alguns ficaram chocados por assistirem à possibilidade de escutar as justificações e mesmo as convicções de alguns responsáveis do antigo regime. Ultrapassando a legitimidade da sua indignação individual, julgaram entrever um temível processo em que a comunicação social seria o agente capaz de produzir o que chamam de branqueamento da História. Mas essa indignação assume, por vezes, um inconfessável desejo de tutela da consciência, a qual querem poupar ao que consideram alienação. Alguns destes indignados, mesmo quando são - e são muitas vezes - inconfundíveis defensores da liberdade, esquecem que, na sua crítica da comunicação social ou na formatação alternativa que meticulosamente sugerem para os programas televisivos a que assistimos, revelam ou deixam transparecer uma sombra de transigência com alguma censura. Ora, o facto é que, existindo - como existe - a liberdade de intervenção política, de contradita, de esclarecimento, estando a sociedade portuguesa em óbvias condições de reacção e de sentido crítico, não choca mais a difusão da justificação dos culpados do que as célebres proibições da apresentação de imagens de arquivo sobre o antigo regime, ditadas pelos cuidadosos gestores do PREC para a eliminação científica de qualquer saudosismo menos ortodoxo. Alguém julga, ainda, em Portugal, que a História muda o seu curso com o simples virar das faces dos retratos para a parede?
Se se pode ver algum sinal neste novo ambiente, esse é seguramente o de que o tempo e o povo concorrem, inexorávelmente, para desvalorizar os créditos mais antigos dos políticos. O povo respeita o passado, mas não vive de memórias e nenhum político construa a sua carreira na convicção de que são suficientes - ainda que heróicos e sublimes (e são muitas vezes heróicos e sublimes) - os seus sofrimentos com exílios ou prisões.
Aliás, valha a verdade, alguns dos que hoje mais se indignam chegaram a metamorfosear-se de vítimas em culpados, de tal modo procuraram estabelecer um regime restritivo em matéria de liberdade, de escolhas e de futuro.
O ambiente mudou, talvez, só porque os cidadãos já se não bastam com a autoridade das vítimas nem exigem a contrição em silêncio dos culpados. Preocupa-os porventura menos o conhecimento exacto da autoria e da responsabilidade do 24 e do 25 de Abril do que o conhecimento do futuro que lhe preparam e do novo País que os políticos vão antecipando. Talvez por isso mesmo vejam o lado positivo da Revolução menos no seu papel instantâneo de conditio sine qua non do estádio actual da democracia e mais no processo de construção de um novo destino para Portugal. Talvez por isso, também, quase todos nós, nesta data, ao longo dos anos, fomos fazendo aqui sobretudo discursos de futuro. Com certeza, é por isso ainda, que, se a avareza do tempo desta cerimónia consentisse longas reflexões históricas, eu escolheria seguramente o tema da importância determinante das figuras civis que a História privilegiará, como Mário Soares, Sá Carneiro e Freitas do Amaral.
Há ainda, porventura, um motivo suplementar para que, desta vez, a nossa liturgia exija um especial cuidado. Não é tanto a magia das duas décadas completas, mas especialmente a consciência - sentida, em primeiro lugar, pelo Sr. Presidente da República -, de que há já uma geração com discernimento político e capacidade eleitoral, para a qual o 25 de Abril corre o risco de significar apenas o que resulta das reconstituições dos programas de televisão ou dos manuais escolares.
Os políticos não podem legar a essa geração uma História escrita pelo seu próprio punho, sobretudo porque, como se tem visto, não estamos ainda de acordo sobre a versão do passado.
Não sei a que liras essa geração, que é ainda a minha, irá estar mais atenta. Decerto que ouvirá a nota exaltada das vítimas do anterior regime; decerto ouvirá dedilhar a corda paternalista dos que resumem tudo

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numa história de divulgação; decerto que ouvirá ainda o som dos prudentes compromissos, em que se reconhecem erros e acertos, para tudo se fechar num balanço positivo.
Suponho que a minha geração concluirá, por entre as reais angústias de educação e de emprego, que a Revolução não foi original, como prometiam os revolucionários, nem no sistema político que gerou nem no modelo económico que se foi instalando. Aos defensores do antigo regime e aos homens de Abril, essa geração lembrará, como Adenauer, que a História muitas vezes parece uma soma de coisas que poderiam ter sido evitadas.
Dispenso, pois, a juventude a quem me dirijo, especialmente, de mais palavras sobre a Revolução traída, sobre a Revolução falhada ou sobre a Revolução triunfante. Nem, de resto, a adesão a qualquer dos mitos assentaria bem em quem, no 25 de Abril de 1974, não tinha pensamento para ser culpado nem idade para ser vítima e pouparei ainda mais palavras sobre a experiência que constituiu o mais injusto dos infortúnios, a de ser perseguida por alguns dos libertadores.
A esses jovens, a quem se dedica particularmente esta comemoração, preferiria lembrar que, o que de mais importante se passou nos últimos 20 anos, foi, em primeiro lugar, a súbita ruptura com um destino traçado para o País. No fim do regime, a "nação peregrina em terra alheia" não dispunha de convicção para prosseguir a guerra nem o poder possuía criatividade ou aceitação para divulgar um propósito que não fosse o da resistência sem sentido, de tão indiferente que foi perante o povo e de tão soberbo que julgava negligenciável a conquista de apoios.
E o País demorou, sofrendo, às vezes à deriva, até encontrar outra vocação. Esse novo destino, essa nova vocação traduzida na construção e na relação de pertença a uma União Europeia - apesar de ser um destino e uma vocação mais partilhada e universal -, tem de ser explicado, debatido, preparado e compreendido sob pena de se correr o risco de termos simplesmente deixado África, para não sermos colonialistas, e entrado na Europa para sermos colonizados ou dependentes.
Para que se não cometa em democracia o erro que foi fatal ao autoritarismo, devemos julgar indispensável, o apoio e a mobilização desta juventude para a nova peregrinação. Mas nada lhe peçamos sem a consultar, sem que os políticos digam frontalmente o que pensam e o que querem, sem secretismos ou ambiguidades, ou estaremos aqui amanhã a lamentar a incompreensão e a protestar as nossas boas intenções como aqueles que hoje exibem, à procura de um público perdido, as vagas recordações da resistência.

Aplausos do CDS-PP e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, como representante do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal da Justiça e do Tribunal Constitucional, Srs. Deputados, Sr.ªs e Srs. Convidados: No vigésimo aniversário do 25 de Abril, as nossas primeiras palavras são de saudação para os heróicos capitães de Abril, a quem prestamos sentida homenagem, que, naquela inesquecível madrugada, abriram decisivamente o caminho da liberdade e da democracia e que merecidamente ganharam um lugar no coração dos portugueses e das portuguesas amantes da paz e da liberdade.
Passados 20 anos, renovamos também aqui a nossa sentida homenagem e profunda gratidão, a todos os patriotas, a todos os democratas, a todos os antifascistas, a todos os homens e mulheres que, ao longo de décadas de um combate incerto e difícil, empenharam as suas forças e energias, muitos sacrificando até as suas próprias vidas, para que fosse posto fim a um ciclo negro e repressivo da nossa História.
Evocamos hoje o levantamento militar de 25 de Abril e o imediato e poderoso levantamento popular que tornou pequenas as praças e as ruas do nosso País e que encheu aquele Maio dos Maios, o 1.º de Maio em liberdade, em que o povo mostrou que queria tomar nas mãos o seu destino, partindo depois da sua iniciativa as grandes conquistas democráticas.
Voltados para o futuro e, dirigindo-nos à juventude, lembramos - pois há quem queira ter memória curta - que a PIDE existiu, que esta tenebrosa polícia política perseguiu, prendeu, torturou e matou ao serviço de uma ditadura fascista que alguns pudicamente apelidam de "antigo regime" ou de "regime derrubado".
É preciso que isto se lembre quando assistimos no nosso país à mistificação histórica do que foi quer o antes quer o depois do 25 de Abril e, na Europa, ao ressurgimento dos nacionalismos, do fascismo, do racismo e da xenofobia.
É preciso que se diga, não só a pensar nas novas gerações, mas também na nossa responsabilidade de tudo fazer e para que a mentira não passe por verdade, que a paz e o fim da guerra colonial, porque de guerra colonial se tratou, se inscrevem entre as mais justas, necessárias e importantes realizações da Revolução de Abril, que a recusa ou o adiamento da concretização do direito à independência significaria a continuação da guerra, do sacrifício da juventude, do povo português e dos povos das colónias e que as principais responsabilidades pelos dramas e sofrimentos posteriores às independências têm de ser assacados ao regime fascista e à guerra que foi movida contra os novos Estados independentes e as suas opções soberanas.
Com toda a firmeza combateremos as tentativas de reescrever a História e as campanhas de palavras e imagens que procuram resumir o 25 de Abril a um alucinante vendaval de conflitos, agitação e confrontos e insistiremos em que a Revolução de Abril foi sobretudo um tempo de participação popular, de liberdade e de democracia conquistadas e exercidas, de dignificação humana, de generosidade, de solidariedade, de grandeza e beleza nas pequenas e grandes transformações da vida, de pujante afirmação de elevados valores éticos e cívicos.
Salientaremos que os confrontos e conflitos verificados tiveram causas e que a maior foi a resistência e a oposição violenta aos rumos emancipadores do 25 de Abril.
A Revolução foi sonho e esperança, foi festa e liberdade, grandes transformações políticas, económicas, sociais e culturais, foi a institucionalização do poder local democrático e a consagração de importantes direitos dos trabalhadores e dos cidadãos.
Mas, mais do que uma discussão sobre o passado, o 25 de Abril é sobretudo uma afirmação do presente e uma referência essencial na luta para um futuro melhor. Por isso, comemorar Abril nos dias de hoje é combater

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o autoritarismo, a governamentalização do Estado e a sua desresponsabilização em áreas fundamentais como a saúde, o ensino e a habitação, é combater a degradação da democracia, a concentração da riqueza e a reconstituição das oligarquias financeiras, as exclusões sociais e a pobreza, é garantir às mulheres uma efectiva participação em igualdade e à juventude um emprego e uma escola de qualidade e democrática, é apoiar os deficientes e melhorar a vida dos reformados, pensionistas e idosos.
Comemorar Abril, nos dias de hoje, é não esquecer os povos irmãos das
ex-colónias, manifestar a nossa solidariedade activa com o povo maubere e lutar por um Portugal de progresso e de justiça numa Europa de paz e de cooperação.
E, numa época de regressão social, de desemprego crescente, de liquidação de direitos dos trabalhadores, de ruína da nossa agricultura e das nossas pescas e de ameaças à soberania nacional, é ainda nos valores e ideais de Abril que se pode encontrar um renovado impulso na luta por uma nova política e por um novo rumo na integração europeia.
Por isso, reafirmamos que, 20 anos depois, a passagem do tempo deve trazer não a desvalorização da Revolução de Abril mas a condenação da ofensiva da política de direita que liquidou muitas das suas conquistas e destruiu boa parte das suas realizações.
Vinte anos depois, os portugueses não perderam a sua capacidade de indignação, de revolta e de luta e, para frustração de alguns, mesmo que se digam jovens, quando muitas vezes já não o são por mentalidade e por afirmação, a Revolução dos Cravos continua no coração do povo e os valores de Abril permanecem como referências essenciais para uma nova política ao serviço dos portugueses e de Portugal.
Viva o 25 de Abril! Viva o Portugal democrático, livre e independente!

Aplausos do PCP, de alguns Deputados do PS, de Os Verdes e do Deputado independente Raúl Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, na qualidade de representante do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros dos órgãos de Soberania, Sr.ªs e Srs. Convidados e, permitam-me que destaque com particular respeito e afecto, Srs. Capitães de Abril aqui presentes:...

Aplausos do PS.

... Decidi intervir neste debate quando senti a obrigação de exprimir, em nome de todos os socialistas, o nosso orgulho, como portugueses, em pertencer ao Portugal de Abril, impulso motivado não tanto pelas caricaturas do antigo regime e da Revolução que nos têm servido ultimamente nem sequer por aquilo que de Abril tem dito os que contra Abril sempre estiveram; impulso que me veio, sobretudo, pela forma envergonhada com que de Abril têm falado muitos daqueles que, na política ou fora dela, foram dos principais beneficiários da Revolução de Abril.

Aplausos do PS e do Deputado independente Raúl Castro.

Como se Abril tivesse sido o preço que todos pagámos pela liberdade. A liberdade não tem preço, os direitos humanos não se compram, não se vendem nem podem ignorar-se. E, por isso, mesmo que Abril tivesse sido o preço da liberdade, teria valido a pena pagá-lo.
Só que Abril não foi o preço da liberdade, mas a vitória da liberdade e da paz. Muitos dos que me estão a ver e a ouvir, neste momento, poderiam não estar vivos se com Abril a guerra não tivesse terminado.

Aplausos do PS e do Deputado do PSD Fernando Amaral.

A paz é outro valor que não tem preço e só quem está em guerra, só quem vive em guerra, a pode apreciar devidamente.
Todos gostaríamos que a descolonização pudesse ter corrido melhor, mas não era fácil, não era possível. Feita tarde demais, após 13 anos de guerra, num período em que aqui, em Portugal, tivemos de lutar para que a liberdade se não perdesse.
Mas, até nesta matéria, os saudosistas do antigo regime não têm qualquer autoridade. Mesmo que quisessem hoje agarrar-se ao princípio, para nós inaceitável, de uma pátria pluricontinental e indivisível que a Revolução teria traído, já não o podem fazer. Afinal, sabemo-lo agora, a ditadura, no desespero do seu estertor, também tinha começado a negociar a independência das colónias.
Liberdade e paz, mas também criação de condições para uma economia moderna e desenvolvida no quadro de uma sociedade mais junta e culturalmente aberta e
plural. A este respeito, temos assistido a uma completa mistificação, a ponto de um dos mais altos responsáveis do País ter afirmado, recentemente, que a economia portuguesa estaria muito melhor se não fosse o 25 de Abril. É uma afirmação insólita e sem fundamento.
Em primeiro lugar, porque a economia portuguesa estava a entrar em profunda crise desde finais de 1973. Depois, porque um sistema corporativo é incompatível com a flexibilidade necessária para se ser competitivo nos tempos de hoje. Também porque, com uma guerra colonial em rápido agravamento e, com o progressivo acesso dos movimentos de libertação a armas mais sofisticadas, exigindo um brutal aumento das despesas militares, teria sido inevitavelmente asfixiado, mais tarde ou mais cedo, o crescimento económico. Finalmente, porque a ditadura nos impedia a participação de pleno direito na integração europeia. Ficaríamos obrigados pelos acordos já assinados a abrir as nossas fronteiras à concorrência internacional, mas não teríamos tido acesso ao apoio maciço dos fundos comunitários.
Houve também quem chegasse a afirmar que, em matéria económica, o 25 de Abril só tinha acontecido em 1985. Vejamos os números: de 1974 a 1985, absorvendo as consequências de dois aumentos brutais do preço do petróleo, com a perda do império colonial e a necessidade de acolher os retornados, sem fundos comunitários, antes, com duas ingerências do Fundo Monetário Internacional, com os efeitos de um processo revolucionário e de diversos períodos de instabilidade política, mesmo assim - repito -, de 1974 a 1985 - e espantem-se os Srs. Deputados -, a economia portuguesa cresceu em média anual significativamente mais do que o conjunto da Comunidade Europeia.
É fácil falar hoje dos erros e dos excessos da revolução. Com certeza que os houve e conheci-os bem. Ao lado daquele que é o hoje o Presidente da República,

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Mário Soares, e de muitos outros, tive ocasião de lutar em 1974 e em 1975...

Risos do PSD.

... para combater esses erros e excessos e para evitar que a democracia portuguesa soçobrasse e não me recordo da presença, nessa luta, de alguns dos que hoje mais criticam os erros e os excessos da Revolução ou a esse propósito de riem.

Aplausos do PS.

Mais erros e excessos teve a Revolução Francesa e ela não deixa de ser o título de orgulho para toda uma nação e a referência de valores para dois séculos de vida democrática no mundo.
Nós, socialistas, orgulhamo-nos do 25 de Abril e que tenha sido um exemplo de transformação democrática, sem derramamento de sangue, que se propagou à Europa do Sul - à Grécia e à Espanha - e foi mais tarde seguido um pouco por toda a parte na América Latina, agora, na Europa Oriental, infelizmente, nem sempre com o mesmo êxito.
E quando olhamos para o Leste, para o que se passa em tantos países, mais se nos enraíza o orgulho pelo 25 de Abril português e pelo admirável bom senso e sentido de tolerância de que o nosso povo soube dar provas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente da República, Minhas Senhoras e Meus Senhores: não basta quedarmo-nos na contemplação do passado. Vivemos num mundo em profundas transformações e há hoje, inegavelmente, um pouco por toda a parte, um divórcio crescente entre governantes e governados, entre instituições e a opinião pública.
A democracia representativa, submetida à pressão dos meios de comunicação social, à rapidez com que circula a informação e aos impulsos desejáveis de cidadania e de participação, enfrenta um evidente desafio nas sociedades modernas. Enfrenta-o também em Portugal onde são claros muitos indícios de um certo mal-estar na sociedade civil.
A resposta mais fácil é a dos que, sucumbindo à demagogia e ao populismo, apostam no descrédito das instituições para a obtenção de vantagens imediatas no plano partidário ou pessoal.
É um mau caminho. Politicamente perigoso, eticamente condenável e democraticamente inaceitável. Mas também o imobilismo e a auto-satisfação não fazem sentido.
Uma boa maneira de celebrarmos o 25 de Abril em conjunto, nesta Câmara, será realizando, em 1994, uma revisão constitucional que estabeleça um equilíbrio reforçado entre o funcionamento pleno da democracia representativa e a participação directa dos cidadãos, valorizando a sua capacidade política eleitoral e alargado a área de influência das suas escolhas sobre as decisões públicas.
Uma revisão constitucional que não vejo como uma negociação partidária à procura de mais vantagens para cada um, mas como um esforço comum de quem está consciente das necessidades de aperfeiçoamento e reforma do nosso sistema político, dando conteúdo a um novo impulso democrático.
Para além das questões vitais da descentralização, da transparência, do combate à corrupção, hoje matérias de simples lei ordinária, considero quatro eixos fundamentais para a necessária reforma do sistema político, se possível consensual, a consagrar em sede de revisão constitucional.
A primeira tem a ver com a personalização das escolhas dos cidadãos na Lei Eleitoral para a Assembleia da República e com a acrescida responsabilização dos eleitos perante os eleitores.
Não abdicamos do princípio da proporcionalidade, mas estamos disponíveis para a instituição de círculos de candidatura uninominais, desde que a compensação proporcional possa ser feita em círculos regionais ou num círculo nacional. Desta forma, cada zona do País poderá passar a saber quem é a sua Deputada ou o seu Deputado.
A segunda consiste na abolição do monopólio partidário na apresentação de listas para os órgãos políticos a todos os níveis Não há democracia sem partidos e não alinharei em qualquer campanha que vise desacreditar os partidos políticos. Contudo, os partidos não devem basear a sua influência em privilégios constitucionais mas na validade das suas propostas e na qualidade dos seus membros.
Aos cidadãos independentes deve ser dada a faculdade de apresentar candidaturas a todos os órgãos de poder, desde o Parlamento Europeu à Assembleia da República, desde as assembleias regionais às câmaras e assembleias municipais. O sistema político deve acolher e não temer nem impedir a iniciativa dos cidadãos.
Em terceiro lugar, revitalizar o nosso sistema democrático passa, sem dúvida, por diversificar as formas de expressão da vontade popular. Com efeito, temas há que, cada vez mais, pela sua natureza transversal em relação aos partidos, merecem ser colocados à decisão da colectividade de modo directo, quer a nível local, quer nacional.
Para tanto - e estamos dispostos a isso -, a próxima revisão constitucional deve alargar o elenco das questões que podem ser colocadas ao eleitorado, quer por via das consultas directas a nível local, quer por via do referendo nacional.
Continuo contrário à adopção de mecanismos plebiscitários de alteração do regime constitucional. Mas temos de reconhecer que a Constituição envolve hoje o referendo num espartilho tão apertado de restrições que ele se toma praticamente inviável para todas as matérias substanciais.
De igual modo, a próxima revisão constitucional não poderá deixar de sublinhar, tal como já pretendemos em 1992, e agora fizemos consagrar parcialmente na lei, as indeclináveis responsabilidades da Assembleia da República na futura revisão do Tratado da União Europeia e nos processos comunitários de decisão.
Neste contexto, o processo de revisão do Tratado da União Europeia, a ocorrer após 1996, constituirá um bom momento para que a Assembleia da República promova um fórum alargado de debate e acompanhamento das grandes decisões a tomar para o futuro da União, nele promovendo a participação activa da sociedade civil, com especial destaque para as organizações sindicais e patronais, profissionais e culturais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente da República, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Aperfeiçoar o sistema político será, sem dúvida, a melhor forma de exprimir a

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nossa gratidão para com todos aqueles que contribuíram para a Revolução de Abril.
Gratidão para com os militares, os capitães de Abril, que nessa madrugada tiveram a coragem de pôr fim à ditadura. Mas gratidão também, é bom nunca esquecê-lo, para com os que, lutando durante décadas, sacrificando interesses, a liberdade e a própria vida, abriram o caminho para essa madrugada.
O futuro do regime democrático será tanto mais positivo quanto mais se souber enraizar nos valores que deram sentido a essa luta. Adquiridos o direito à paz, à liberdade e ao desenvolvimento, importa que reafirmemos, com redobrado vigor, o direito à memória. Memória que é o penhor da identidade do nosso regime; memória que é a base indispensável da nossa cultura democrática.
No lamentável episódio da atribuição a dois membros da polícia política da ditadura da pensão recusada a Salgueiro Maia, se o que fere é a injustiça gritante, a inversão de valores, o que preocupa e o que nos tem de preocupar a todos é a falta de cultura democrática que o tornou possível.

Aplausos do PS, de pé, do PSN e do Deputado independente Raúl Castro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Convidados, que muito nos honram com a sua presença, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Evocar uma data histórica importante, como é a do 25 de Abril, comporta sempre um duplo risco, aqui já bem comprovado.
Por um lado, o de deixar as comemorações demasiado marcadas pela preocupação política de actualidade, como se a História não passasse de um simples pretexto, como qualquer outro, para disfarçar, na solenidade de palavras evocativas, algumas meras intenções políticas que se jogam no presente mais imediato.
Por outro lado, o de procurar, ainda que involuntariamente, reescrever a História, do antes e do depois, numa atitude, por vezes, pouco serena, à medida das ambições perdidas e não realizadas ou exorcizando fantasmas que nada dizem aos mais novos nem ao futuro. Sobretudo quando o tempo, ele mesmo, mal ganhou ainda distância suficiente para ser escrito ou interpretado, e quando muitos dos seus protagonistas são ainda parte activa do palco da História que ainda hoje vivemos e construímos.
Queremos destacar aqui o respeito por aqueles, de entre os mais importantes, que guardam sábia e prudente discrição sobre o passado, evitando ser historiadores de si próprios.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Escapam assim, enquanto agentes percursores da mudança, à quase fatalidade de se verem preteridos pelos protagonistas que se lhes seguiram, na ausência de sentimentos que a História quase sempre acaba por reservar.

Perdoar-se-á, pois, que, mais do que entre preitos de gratidão, sem dúvida merecidos, a evocação do 25 de Abril se transporte para lá do olhar sobre o passado, para se colocar no horizonte da realidade que se deseja para o futuro.
De facto, o que importa aqui não é tanto a luta da memória contra o esquecimento, mas antes o redescobrir pontos de partida para novas ideias e acções. As datas, com o tempo, acabam por se confundir e por perder significado. Os ideais, no entanto, mesmo mudando, continuam a ser portadores de mudança.
E é isso, também, que aqui está hoje em causa. Compreender que os ideais não merecem por serem enunciado abstracto ou referência histórica, mas por respeitarem à pessoa concreta de cada dia, em face dos seus problemas e dificuldades práticas, das suas esperanças e ambições, do tempo e do mundo em que vive e não do que já foi ou já passou.
Não vem, por isso, a despropósito lembrar a juventude nesta evocação do 25 de Abril. Porque, afastada qualquer tentação paternalista, são os jovens, realmente, os grandes animadores de novos ideais e os portadores de maior novidade e mudança.
Sem obrigação pela memória, embora curiosos pelas lições da história, os mais jovens não se destinam ao papel passivo de educandos de feitos passados nem se condenam a ser meros herdeiros do futuro sem direitos a decidi-lo. Interessa, portanto, atender ao seu presente e aos seus problemas.
Aos mais jovens preocupará, sem dúvida, encontrar respostas para problemas tão concretos como os da educação ou os do emprego.
Apesar de tudo, ficamos igualmente inconformados com a persistente falta de qualidade das escolas e do ensino, como com o consequente fenómeno de exclusão educativa, que ainda hoje as taxas de abandono escolar traduzem e que a deficiente preparação para a vida activa agrava.
E ficamos apreensivos, certamente, por reconhecer as crescentes dificuldades na obtenção de saídas profissionais, muitas vezes até para os mais qualificados. Sobretudo, atendendo a que às mais optimistas perspectivas de recuperação económica não corresponde, infelizmente, idêntico optimismo de oportunidades geradoras de emprego.
É certo que estas não são dificuldades exclusivas do nosso país. Mas não será, certamente, no exterior que encontraremos todas as razões que a justificam. Há aqui, pois, uma responsabilidade que sobre todos nós pesa na solução de problemas que também são nossos.
Mesmo olhando aos méritos, que a muitos pertencem diferentemente, por hoje nos encontrarmos num caminho de desenvolvimento que afasta o pessimismo doentio de outros tempos, há claramente algo de não cumprido na promessa - mais do que nos acontecimentos que nos trouxeram de 1974 até aqui.
Seja, pois, ao nível da educação e do emprego, ou seja ainda ao nível da habitação, da droga ou da degradação da qualidade de vida nos centros urbanos, para não citar outros, há ainda desafios enormes, mas necessariamente tangíveis, que devem hoje ser enfrentados.
Não se pense, porém, que eles traduzem, para a minha geração, desprendimento por valores ou excesso de pragmatismo na satisfação de necessidades mais individuais. Antes pelo contrário.
Até o valor da liberdade, já para não falar de outros, só faz sentido se, para além do plano das liberdades

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políticas e sociais, que sabemos adquiridas, ele se apresentar como um verdadeiro conjunto de direitos que cumpre concretizar e realizar. E é assim que, se a liberdade respeita à dignidade do próprio homem, é também na sua valorização enquanto indivíduo e no respeito pelo seu direito à felicidade e pela própria vida que se deve aferir, então, a sua condição de liberdade.
Disto têm hoje os jovens boa consciência. Reivindicam, com certeza, com mais exigência a satisfação de direitos que decorrem de valores bem assimilados e, ao mesmo tempo, não se alheiam, certamente, de ajudar a forjar novos valores para enfrentar o mundo em que vivemos.
Um mundo com uma preocupante pressão demográfica, que divide cada vez mais os poucos muito desenvolvidos dos crescentemente muito pobres, envergonhando uma das maiores maravilhas deste século no Ocidente - a que se dedicaram, praticamente, as últimas décadas e a que, parece, se aguarda encomendar as próximas -, que é a ciência económica; um mundo, também, em que as drásticas agressões ao ambiente convivem, sem solução prática sensível, a par com discursos exacerbados de alguns que, em nome do ambiente, parecem querer opor-se a novas mudanças e conservar, imutável, a natureza e a sociedade; um mundo que, de repente, parece, por tanto lado, afastar-se de um caminho de paz e de segurança e onde até os sistemas democráticos oferecem vulnerabilidades que semeiam descrédito e ditam afastamento dos cidadãos relativamente ao sistema político.
Convém, por tudo isto, manter optimismo moderado. Como moderados devem ser os ímpetos de pompa e de celebração pela celebração, evitando ritualizar um cortejo político que pode bem ajudar a afastar-nos das preocupações e aspirações da maioria dos cidadãos, sobretudo dos mais jovens. E que pode, também, impedir-nos de aprender com as lições passadas o suficiente para não perdermos tanto tempo como já o fizemos.
Realmente, foi quase preciso aguardar pela queda do Muro de Berlim para ver a nossa referência constitucional razoavelmente aberta à modernidade que já muitos tinham iniciado. Esperemos agora, com expectativa justificada - até pelo teor da intervenção aqui proferida pelo líder do Partido Socialista -, que a próxima revisão do Texto Fundamental não seja uma oportunidade adiada para encontrar melhores soluções políticas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas há boas razões para manter intactos os ideais que hoje aqui nos reúnem. É na nobreza do ideal e na inquietação criadora em que ele se forja que encontramos motivo para merecer melhor a confiança que quisermos reclamar para o futuro.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Sr. Cardeal-Patriarca de Lisboa, Eminência, Srs. Embaixadores, Srs. Ministros, Srs. Convidados, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: A Sessão Solene Comemorativa do 20.º Aniversário do 25 de Abril inscreve-se numa já longa tradição parlamentar. É este um espaço essencialmente pluralista e, por isso, um lugar onde é natural ouvir reflexões de tonalidade diferente sobre esse acontecimento político e social que teve as maiores repercussões na história contemporânea de Portugal.
Os discursos dos representantes dos partidos parlamentares, que acabámos de ouvir, exprimem, nesta oportunidade, os diversos pontos de vista hoje relevantes para a Assembleia da República. Está aí cumprido, assim, o papel próprio do Parlamento. Por isso, limitar-me-ei a brevíssimas considerações sobre o sentido da evocação do 25 de Abril nesta solene cerimónia.
A acção político-militar do Movimento das Forças Armadas, desencadeada em 25 de Abril, tinha dois grandes objectivos, na intenção expressa pelos seus líderes: por um lado, o desmantelamento do regime político vigente e a eliminação "do nosso sistema de vida de todas as ilegitimidades que o abuso do Poder tinha legalizado" e, por outro lado, a "restituição ao povo português das liberdades cívicas" e do inalienável direito de "escolher livremente a sua forma de vida social e política". E estou a citar passos das proclamações oficiais difundidas nos dias 25 e 26 de Abril de 1974.
O primeiro desses objectivos - o efeito de negação, digamos assim - foi rapidamente alcançado. E foi-o em situação de consenso social generalizado: no vasto arco das doutrinas, opções e sensibilidades políticas então existentes, poucos - muito poucos, mesmo - foram os que não reconheceram de imediato a decrepitude do regime derrubado, a sua aberrante desconformidade com as exigências da dignidade humana e a sua incapacidade para resolver os graves problemas do País, nomeadamente o de uma guerra colonial sem sentido e sem fim.
O segundo objectivo - o efeito de afirmação -, esse, foi mais difícil de realizar. Para chegar a instituições políticas suficientemente democráticas, o povo português precisou de vencer vários desvios e imprevistos, e teve de esperar até à concretização da Revisão Constitucional de 1982. Mas também este objectivo acabou por se atingir em paz e através do consenso democrático - ainda que um consenso laboriosamente construído ao longo do tempo.
Por conseguinte, podemos congratular-nos hoje com a realização dos dois grandes objectivos que conscientemente motivaram o Movimento das Forças Armadas para intervir, em 1974, na vida política. Os seus dirigentes fizeram um bom "uso da força que lhe é conferida pela Nação através dos seus soldados, como dizia também um desses textos.
Os objectivos que a si se propuseram os "Capitães de Abril" continuam a ser firmemente saudados pela esmagadora maioria dos portugueses de todos os estratos sociais e de todas as parcelas territoriais. O derrube do regime opressivo, autoritário e arcaico não perdeu, seguramente, o consenso generalizado e a gratidão do povo português.

Aplausos de alguns Deputados do PS.

A igual dignidade social de todos, sem distinções em razão do sexo, da raça, do território de origem ou das convicções políticas ou ideológicas; o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais; a existência de instituições democráticas - eleições livres, partidos políticos, sindicatos livres, direito à greve, etc., etc. -, em suma, as regras basilares da liberdade e da democracia, hoje consagradas na Constituição da República e nas leis, são tidas pelo povo português como uma aquisição históri-

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ca e como um feito excepcional dos "Capitães de Abril". As muitas pessoas, simples ou ilustres, que entusiasticamente se lançaram na longa e exaltante reconstrução da Pátria apenas prosseguiram a obra iniciada por esses soldados generosos.

É sobretudo com este espírito - como resulta das intervenções ouvidas - que a Assembleia da República, reivindicando a sua natureza de assembleia representativa de todos os cidadãos, evoca hoje, em Sessão Solene, o 20.º Aniversário do 25 de Abril. E, para lembrar, em particular à juventude, que a democracia e o inerente respeito pela dignidade humana são tarefas colectivas sempre inacabadas. Sem o empenho e a generosidade das pessoas e das liberdade podem murchar...

Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Excelências: Em nome da Assembleia da República e em meu nome pessoal, agradeço a subida honra que V. Ex.ªs nos quiseram dar aceitando o convite para esta Sessão Solene. A Vossa presença nesta Sala veio aumentar a grandeza e o brilho da comemoração parlamentar do 20.º Aniversário do 25 de Abril.
Agradeço, por fim, aos órgãos de comunicação social, em particular às rádios e televisões, o seu cuidado em levar este acto a todos os portugueses, incluindo os que vivem fora de Portugal.
Muito obrigado a todos!

Aplausos gerais

Por direito próprio, vai usar da palavra S. Ex.ª o Sr. Presidente da República.

O Sr. Presidente da República: - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr. Cardeal-Patriarca, Eminência, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Srs. Marechais de Abril, Srs. Capitães de Abril, Srs. Embaixadores, Caro Michel Rocard, Minhas Senhoras e Meus Senhores: A celebração do 20.º Aniversário da Revolução do 25 de Abril, que restituiu a Portugal e aos portugueses a dignidade e restaurou o regime democrático pluralista deve ser realizada com verdadeiro sentido de futuro e em íntima comunhão com a juventude já nascida depois de 1974 - as gerações de Abril.
Esta é, quanto a mim, a mais sólida garantia de que as celebrações não terão um carácter passadista mas, pelo contrário, constituem a plena demonstração de que o espírito do 25 de Abril está vivo e a mensagem fundamental de liberdade, de progresso e de modernidade que encerra contém potencialidades que nos permitem enfrentar positivamente as grandes incertezas deste nosso tempo tão complexo.
Esta sessão que realizamos na Assembleia da República - sede da representação nacional e do pluralismo democrático, que respeitosamente saúdo - significa um testemunho colectivo de fidelidade aos grandes e generosos ideais do 25 de Abril que importa saber renovar e aprofundar de acordo com as transformações históricas, que temos vivido, e com as legítimas e cada vez mais exigentes aspirações do nosso povo.
A quase unanimidade que hoje se expressa em torno do 25 de Abril e dos princípios democráticos - e que esta sessão, indiscutivelmente, traduziu - constitui motivo de orgulho para os que viveram o nosso tão complexo processo de transição para a democracia e a mais eloquente condenação do regime autoritário, ditatorial que governou Portugal durante quase cinquenta anos, a que a Revolução dos Cravos, com generosidade, pôs fim.
Olhando para a frente, importa, acima de tudo, aproveitar o consenso nacional criado em tomo do 25 de Abril para mobilizar o País e, particularmente, a juventude, para os grandes combates que o futuro exigirá de todos.
A valorização da gente portuguesa continua a ser o primeiro e o mais decisivo desses combates. Devemos, por isso, apostar na educação, na ciência, na cultura, na formação profissional e não apenas na retórica dos discursos ou das piedosas intenções: investindo a fundo, com meios substanciais, no ensino, na investigação e na formação do maior número de portugueses, sabendo que é o investimento mais produtivo e a verdadeira condição sem a qual todo o progresso é ilusório ou precário.

Aplausos do PS e do Deputado do PSD Fernando Amaral.

A solidariedade para com os mais fracos, os mais desprotegidos e os mais pobres, designadamente as crianças, os idosos, os doentes e os deficientes, tem de
ser outro dos grandes desígnios nacionais. Não há desenvolvimento sustentado com exclusão social, marginalização dos imigrantes, enormes bolsas de pobreza e
acentuadas assimetrias regionais. Em Portugal - reconhecemo-lo com tristeza - continuam a existir situações gravíssimas que urge reparar e carências que nos envergonham e que, por isso, requerem uma intervenção urgente e decidida.
A defesa das grandes causas e o aprofundamento da consciência cívica devem nortear a nossa acção colectiva. A paz, a defesa do ambiente, a preservação do património natural e construído, a luta pela qualidade de vida são imperativos do tempo que vivemos.
A democracia tem de der defendida dos perigos que a atrofiam - da passividade, do conformismo, da indiferença. Precisamos de mais pluralismo, de maior participação dos cidadãos, de maior transparência na vida pública, de dar voz à sociedade civil. Os problemas só podem resolver-se com democracia, maior corresponsabilização, maior informação e esclarecimento dos cidadãos, a todos os níveis, do processo das decisões políticas, económicas, sociais e culturais.
O humanismo universalista que sempre caracterizou o génio português deve ser potenciado nas nossas relações com os outros povos e países, designadamente com os nossos parceiros da União Europeia. A Comunidade que estamos a caminho de construir com o Brasil e com os países africanos lusófonos deve ser fortalecida por uma política activa de afirmação da língua portuguesa no mundo e de intercâmbio cultural, na efectiva solidariedade entre os sete países que se exprimem no idioma de Camões, de Machado de Assis, de Craveirinha, de Pepetela e de Baltazar Lopes.
A Europa atravessa um período de perplexidade e de hesitações. Só com uma vontade política esclarecida e com um projecto europeu claro é possível avançar no sentido de conferir uma voz activa no mundo ao velho continente europeu. Temos de ser capazes de dar um conteúdo efectivo, transformador e original à União Europeia que não pode ser apenas um espaço de livre comércio.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os critérios imediatistas e tecnocráticos que até agora têm prevalecidos, os pequenos cálculos assentes nos egoísmos nacionais, a falta de visão sobre o grande projecto europeu só nos têm diminuído, em relação às expectativas criadas, tanto aos nossos próprios olhos de europeus, como aos olhos do resto do mundo, que tanto espera da Europa.

Aplausos do PS.

Fiéis à ideia inicial dos pais fundadores, devemos ser capazes de mobilizar os povos da União Europeia para as grandes tarefas da paz, da solidariedade, do diálogo Norte/Sul, do desenvolvimento cultural e científico, e para a resolução dos problemas resultantes do desemprego, da crise do Estado providência, da difusão e consumo da droga, de epidemias, como a sida. Só com uma nova mentalidade é possível construir a Europa dos cidadãos, da cultura, da ciência, do ambiente e da paz, prevenindo os perigos do racismo, dos nacionalismos agressivos, da intolerância e do regresso ao autoritarismo.
Sr. Presidente da Assembleia da República e Srs. Deputados, Durante os vinte anos que nos separam do dia inolvidável do nosso reencontro com a liberdade, o mundo mudou tanto e tão vertiginosamente como se tivessem passado muitas décadas, senão séculos. Caíram impérios, ruíram concepções que tinha hegemonizado, desde o princípio do século, a inteligência europeia, a crise económica arrasta-se sem resolução, o desemprego por toda a Europa aumenta, tornando-se uma ameaça terrível à estabilidade de velhas nações, as agressões ao planeta e à espécie humana tornaram-se mais evidentes aos olhos de todos.
A ciência e a tecnologia avançaram espantosamente, operando prodígios que mudaram os nossos quotidianos e a nossa relação com os outros. O mundo é um só. A informação é instantânea. As ciências da vida põem-nos problemas éticos jamais pressentidos. O renascimento de um novo humanismo que aproveite as conquistas modernas a favor do homem - de todos os homens - é a grande questão do nosso tempo.
O 25 de Abril foi, em muitos sentidos, uma revolução pioneira. Esse facto tem sido reconhecido por historiadores e analistas internacionais de grande prestígio.
Conseguimos instaurar uma democracia pluralista, vencer os radicalismos de sinal contrário, entrar na Comunidade Europeia, dar a Portugal uma voz respeitada no mundo. O que se fez nestas duas décadas foi imenso. Recebemos um País amordaçado, isolado, com uma guerra colonial em três frentes, que se perpetuava sem saída nem glória, um País com um imenso atraso, a todos os níveis, sem sociedade civil autónoma. Instituições como a censura e a odiosa polícia política fomentavam o medo, a subserviência e a denúncia. O pensamento era policiado e muitas vezes silenciado.
Fomos capazes, não obstante os acidentes de percurso, de construir um Estado de direito, de dar voz à sociedade e iniciativa aos cidadãos, de modernizar, até certo ponto, as estruturas económicas e sociais, de consolidar o poder local, de assegurar a autonomia aos arquipélagos dos Açores e da Madeira, de abrir a cultura e a ciência em diálogo com o que de mais avançado se faz no mundo, de criar uma nova consciência de cidadania.

Aprendemos com os erros da I República e do liberalismo, não os repetindo. Herdeiros de uma tradição, que é porventura a mais genuína da nossa história, sabemos que Portugal progride sempre que retomamos essa inspiração de liberdade, de tolerância e a visão do humanismo universalista. Sempre que a negamos, tudo anda para trás. Os grandes ideais libertadores da Revolução dos Cravos continuam válidos, desafiando a nossa capacidade de os realizar inteiramente ao serviço de todos os portugueses.
Nesta data de alegria e de júbilo, ponhamos de lado, por um momento, o que legitimamente nos divide, em termos político-partidário, e lembremos esse dia em que o País acordou de novo para a esperança e para a liberdade. É nosso dever ser dignos desse momento único que tivemos a felicidade de viver nas nossas vidas. Honremos os Capitães de Abril.
Saibamos ainda transmitir essa mensagem de liberdade criadora às gerações mais novas, com confiança em nós próprios, nos jovens, no seu inconformismo, idealismo e vontade de transformar o mundo e de mudar a vida.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrada a sessão.

Eram 13 horas.

A Banda da Guarda Nacional Republicana executou de novo o Hino Nacional.

Realizou-se então o cortejo de saída, composto pelas mesmas individualidades do da entrada, tendo o Sr. Presidente da República saudado o corpo diplomático com uma vénia ao passar diante da respectiva tribuna.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Augusto Fidalgo.
António Maria Pereira.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arménio dos Santos.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Domingos Duarte Lima.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
Joio Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Manuel da Silva Costa.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.

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26 de Abril de 1994 2071

Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
António Domingues de Azevedo.
António José Martins Seguro.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

José Luís Nogueira de Brito.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

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