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Quinta-feira, 5 de Maio de 1994

I Série - Número 67

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 4 DE MAIO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em interpelação à Mesa. o Sr. Deputado Laurentino Dias (PS) desmentiu o alegado incidente diplomático ocorrido com parlamentares portugueses da delegação de observadores da AVEPA as eleições da África do Sul
A Câmara aprovou o voto n º 102/VI, de pesar pela morte do desportista brasileiro Ayrton Senna (PSD, PS, PCP e PSN), após o que guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 83 º do Regimento, o Sr. Secretário de Estado da Cultura (Pedro Santana Lopes) produziu uma intervenção sobre o tema "Politica da Cultura e respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Fernando Pereira Marques (PS), Paulo Rodrígues (PCP), Duarte Lima (PSD), António Filipe (PCP), Mano Tomé (Indep.) e João Amaral (PCP)
Em declaração politica, o Sr. Deputado Paulo Rodrígues (PCP) condenou a política educativa do Governo, tendo respondido, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Guilherme d'Oliveira Martins (PS) e Marília Raimundo (PSD).
Também em declaração politica, o Sr. Deputado Pacheco Pereira (PSD), tecendo considerações acerca do Congresso Portugal: que futuro?, criticou a participação do Sr. Presidente da República.
O Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo (PSD) falou de diversos problemas da Região Autónoma dos Açores e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Martins Goulart (PS).
A Sr.ª Deputada Helena Torres Marques (PS) referiu-se às próximas eleições para o Parlamento Europeu e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Antónia Lobo Xavier (CDS-PP) e Nuno Delerue (PSD).
Ordem do dia.- A Câmara deu assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República à África do Sui, de 8 a 13 de Maio
A proposta de resolução n. º 57/VI - Aprova, para ratificação, o Tratado sobre o Regime «Céu Aberto» foi apreciada, tendo usado da palavra, além dos Srs. Secretários de Estado das Comunidades Portuguesas (Luís Macedo) e da Defesa Nacional (Figueiredo Lopes), os Srs. Deputados Belarmino Correia (PSD), João Amaral (PCP) e Miranda Calha (PS).
Entretanto, foi aprovado um parecer da Comissão Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à substituição de um Deputado do PS.
Procedeu-se à discussão da proposta de resolução n º 59/VI - Aprova, para adesão, o Quinto Protocolo Adicional ao Acordo Geral sobre Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa. Intervieram, além do Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (Luís Macedo), os Srs. Deputados Alberto Martins (PS) e Rui Gomes da Silva (PSD).
Foi ainda debatida a proposta de resolução n.º 60/VI -Aprova o Acordo de Segurança Social ou de Seguridade Social entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil e respectivo Ajuste Administrativo, tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, os Srs. Deputados Paulo Trindade (PCP), Artur Penedos (PS) e Rui Gomes da Silva (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.

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António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luis Barreto Ferro Rodrigues.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

João António Gonçalves do Amaral.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

artido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 997 VI- Altera o Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro (Lei de Imprensa), que baixou à 1.ª Comissão; projecto de lei n.º 403/VI - Rectifica os limites dos Concelhos de Lisboa e Loures (PS), que baixou à 5.ª Comissão; projecto de lei n.º 404/VI - Revoga e substituí o Estatuto do Direito de Oposição (PS), que baixou à 1.ª Comissão; projecto de lei n.º 405/VI- Criação da Freguesia de Olhos d'Água no Concelho de Albufeira (PS), que baixou à 5.ª Comissão; projecto de lei n.º 4067 VI- Criação da Freguesia de Ferreiras no Concelho de Albufeira (PS), que baixou à 5.ª Comissão; projecto de lei n.º 407/VI- Amnistia diversas infracções e outras medidas de clemência (PAR, PSD, PS, PCP e Os Verdes), o qual será discutido e votado na sessão de amanhã, às 12 horas, na primeira parte da ordem de trabalhos; ratificação n.º 120/VI- Decreto-Lei n.º 99/94, de 19 de Abril, que «Define a estrutura orgânica relativa à gestão, acompanhamento, avaliação e controlo da execução do Quadro Comunitário de Apoio (QCA)» (PCP).
Cumpre-me informar a Câmara que a audição parlamentar n.º 17/VI, apresentada pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho e outros, sobre o processo do Hospital do Patrocínio, foi rejeitada na reunião da Comissão de Saúde, que teve lugar no dia 26 do corrente.
Deu ainda entrada na Mesa o voto n.º 102/VI, de pesar pela morte do desportista brasileiro Ayrton Senna, apresentado pelo PSD, PS, PCP e PSN.
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: Aos Ministérios do Mar, da Justiça e do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelo Sr. Deputado António Vairinhos; Ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo; Ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Caio Roque e Fernando de Sousa; Ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado João Rui de Almeida; Ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues; Aos Ministérios da Agricultura e do Comércio e Turismo, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; à Câmara Municipal de Loulé, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Viegas; Aos Ministérios da Agricultura e da Indústria e Energia, formulados pelo Sr. Deputado Raúl Castro; Ao Governo, à Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia e a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Manuel Silva Azevedo, na sessão de 21 de Abril; Anabela Matias e Jor-

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ge Coelho, nas sessões de 26 e 29 de Novembro; Luís Peixoto, nas sessões de 30 de Novembro, 12 de Janeiro e no dia 17 de Fevereiro; Lino de Carvalho, Leonor Coutinho, Jorge Paulo Cunha e Paulo Rodrigues, nas sessões de 9, 23, 24 e 25 de Fevereiro; Rui Vieira e Luís Sá, nas sessões de 16 e 23 de Março.
Estão reunidas as seguintes Comissões: Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias; Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente; Economia, Finanças e Plano; Agricultura e Mar; Assuntos Europeus; Eventual para a História do Parlamento; Eventual para a Reforma do Ordenamento Administrativo; Eventual com o objectivo de promover contactos com o Congresso dos Deputados das Cortes Espanholas; e a Subcomissão das Obras Públicas e Transportes.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado que a pediu para uma interpelação à Mesa, anuncio que se encontram nas galerias grupos de alunos da Escola Secundária Nuno Alvares de Castelo Branco, do Externato Formigueiro, do Conselho Escolar da Cruz da Légua, da Escola C + S Dr.ª Maria Alice Gouveia de Coimbra, e da Escola Secundária St.ª Maria do Olival de Tomar, a quem saudamos.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, encontram-se na Tribuna os Srs. Deputados do Bundestag que integram a Comissão de Transportes do Parlamento Federal alemão, que está hoje reunida com a Subcomissão das Obras Públicas e Transportes da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente. Em nome da Câmara, saúdo todos os Srs. Deputados do povo alemão.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Faz hoje oito dias, nesta Câmara e sob a forma de interpelação à Mesa, foi feita uma pergunta sobre eventuais incidentes ocorridos com uma delegação de Deputados que se deslocou à África do Sul, na qual eu próprio me integrava.
Tanto quanto apurei após a chegada a Portugal, essas notícias surgidas na comunicação social referiam-se objectivamente a mim próprio e ao Sr. Deputado Acácio Barreiros, também do Partido Socialista. Portanto, devemos um esclarecimento à Câmara em relação a essas notícias que não correspondem, nem de perto nem de longe, àquilo que foi a verdade dos factos. Sr. Presidente, a explicação é bem simples e pretendo dá-la muito sinteticamente.
Ambos integrámos uma delegação de parlamentares convidada pela AWEPA [European Parliamentarians for (Southern) África], Associação de Parlamentares Europeus, em que também se incluíram quatro Deputados do PSD. Quando chegámos à África do Sul, verificámos, um dia após a nossa chegada a Joanesburgo, que tinha sido modificada a nossa escala de trabalho, previamente acordada em Lisboa, e que, portanto, os locais de observação que nos estavam destinados já não eram os que tinham sido definidos.
Dissemos desde logo, perante a Organização, que não tínhamos qualquer objecção a levantar àquela alteração desde que o novo local para o qual nos designavam como observadores tivesse a relevância política adequada à presença, como observadores, de Deputados do Parlamento português. Chegados a esse mesmo local, verificámos que, de facto,- perdoe-se-me a expressão - não tinha qualquer relevância política para justificar um trabalho de observação ao longo de uma semana.
Neste sentido, comunicámos à delegação e à respectiva direcção que pretendíamos a transferência para um outro local de observação onde desempenhássemos a nossa missão com importância e interesse significativos. Conseguimos a transferência no dia seguinte e passámos a integrar a mesma delegação da AWEPA numa outra localidade, onde desenvolvemos a missão de observação até ao fim, tendo participado no meeting final, em que, de facto, foi compreendida a posição que tínhamos tomado e que tinha sido aceite pela presidência da associação que nos tinha convidado. Para além disso, o nosso trabalho, não só o meu e o do Deputado Acácio Barreiros mas também o dos Deputados do PSD, foi considerado extremamente positivo.
Portanto, ao contrário de algumas notícias veiculadas em órgãos de comunicação social, não houve qualquer expulsão de Deputados de qualquer missão à África do Sul, não houve qualquer incidente diplomático ou outro envolvendo a mesma delegação.
Assim, julgo que vale a pena dizer nesta sede, para que conste da acta, que quer eu próprio, quer o Deputado Acácio Barreiros, quer qualquer outro Deputado desta Assembleia devemos sempre fazer o que norteou o nosso objectivo: garantir que, nesta ou em qualquer outra missão «fora de portas», asseguramos com a nossa presença naquilo para que fomos convidados, não pessoalmente mas enquanto Deputados de uma instituição, a preservação da dignidade da função em missões desta natureza. Creio que ao fazê-lo actuamos sempre como devemos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Muito obrigado. Sr. Deputado, pelas palavras oportunas que aqui trouxe.
Srs. Deputados, antes de passarmos às intervenções previstas para o período de antes da ordem do dia, vou dar a palavra ao Sr. Secretário João Salgado para a leitura do voto n.º 102/VI, de pesar que, aliás, já foi anunciado e, em seguida, passaremos à respectiva votação.
Sr. Secretário, tem a palavra.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o voto de pesar n.º 102/VI é do seguinte teor:

A trágica morte de Ayrton Senna da Silva na pista de Imola deixa enlutado o Brasil e também Portugal, unidos no mesmo sentimento de perda e pesar.
O desporto mundial viu desaparecer um dos seus mais autênticos e admiráveis praticantes, um jovem que é um exemplo de coragem, de empenhamento e de inigualáveis qualidades humanas e profissionais, às quais a Assembleia da República presta sentida e devida homenagem.
Evocamos a memória de Ayrton Senna, o Homem, o desportista, o símbolo amado do Brasil e também de uma comunidade Luso-Brasileira, de língua, de cultura e afecto.
Em solidariedade com o povo brasileiro, a Assembleia da República endereça ao Congresso da República Federativa do Brasil o seu voto de pesar.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, julgo que este voto exprime de forma breve e eloquente aquilo que vai na alma de todos os parlamentares desta Assembleia da República.
Estamos a homenagear um homem que se devotou, sem cálculos e até ao limite, à missão que escolheu para si próprio e para se realizar diante dos homens e estamos a homenagear uma figura emblemática do país irmão que é o Brasil. Assim, após pôr este voto à votação, vou pedir à Câmara que guarde 1 minuto de silêncio por intenção desse brasileiro insigne que foi e é Ayrton Senna.
Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, este voto vai, pois, ser enviado ao Congresso do Brasil.
Peço à Câmara que guarde 1 minuto de silêncio por intenção de Ayrton Senna.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento, aliás como, desde ontem, já é do conhecimento dos grupos parlamentares, vai usar da palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura, para uma intervenção sobre o tema «Política da Cultura».
Sr. Secretário de Estado, tem a palavra por 10 minutos, como é regimental.

O Sr. Secretário de Estado da Cultura (Pedro Santana Lopes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendeu o Governo usar desta faculdade regimental para expor ao Parlamento a situação e o grau de desenvolvimento de alguns projectos de especial responsabilidade que estavam entregues também à Secretaria de Estado da Cultura e que, no passado, em tempos ainda bem recentes e mesmo actuais, certamente, constituíram- e constituem- motivos de preocupação para todos nós.
Em primeiro lugar, gostaria de fazer uma referência ao caso de Lisboa 94, Capital Europeia da Cultura. Passados que são pouco mais de dois meses sobre a data da sua inauguração podemos, sem receio de nos considerarmos excessivamente optimistas ou precipitados, dizer que está a dar excelentes frutos o modelo de colaboração encontrado entre o Governo e a Câmara Municipal de Lisboa, bem como a programação delineada pela Sociedade Lisboa 94.
Até ao momento, e durante estes primeiros dois meses, cerca de 400 000 pessoas - em registo de entradas pagas - frequentaram já as iniciativas levadas a cabo pela Sociedade Lisboa 94. Se projectarmos tal facto ao ano todo, como calculam e facilmente entenderão, ele baterá as expectativas mais optimistas e ultrapassará, em resultados, as iniciativas da generalidade das capitais que nos precederam.
É bom que isto seja dito porque muitos foram os receios e os temores! De facto, muito se disse e escreveu sobre a falta de tempo com que a iniciativa teria sido organizada, sobre a falta de recursos financeiros disponíveis para a organização e sobre a dispensabilidade, mesmo, de uma iniciativa deste tipo.
Lisboa 94, Capital Europeia da Cultura pode ser considerada desde já um sucesso: a generalidade das iniciativas estão esgotadas, pois, mal as bilheteiras abrem, as lotações das salas ficam completamento repletas, quer em exposições, das quais destaco a que está a ter lugar no Museu de Arqueologia, quer no ciclo das grandes orquestras mundiais, quer nos espectáculos realizados no Centro Cultural de Belém, no Teatro S. Luís, no Coliseu e na Caixa Geral de Depósitos. Como disse, estas iniciativas têm contado com lotações esgotadas ou, no caso das exposições, com grande afluência de público- cerca de 400 000 pessoas em dois meses!
Aliás, há duas semanas, no Conselho de Ministros da Cultura, em Atenas - e todos sabemos como os ecos se transmitem rapidamente-, tive oportunidade de receber felicitações da generalidade dos ministros da cultura das Comunidades Europeias sobre o sucesso que está a ser Lisboa 94, sucesso transcrito na generalidade da imprensa internacional, como as Sr/s e os Srs. Deputados também sabem.
O segundo caso a que queria fazer referência, por ter constituído motivo de preocupação desta Câmara durante muito tempo, é o do Centro Cultural de Belém.
Julgo que os exercícios de memória, também em política, são sempre úteis. Assim, todos estaremos recordados de quantos inquéritos, quantas horas, quantas reuniões e sessões aqui levamos a cabo, primeiro para averiguar da justeza do projecto, depois para apurar da legalidade das contas e, por fim, para nos convencermos, a todos, da certeza de que o Centro Cultural de Belém não iria ser «um elefante branco do cavaquismo, entregue às moscas em vez de entregue à cultura» mas ter uma programação cuidada, metódica, levada a cabo com rigor e abraçada pelo público.
Face à actual ausência de opositores, que é facilmente constatável, em relação ao projecto Centro Cultural de Belém e à sua própria actividade, o Governo é levado a concluir que esse problema que existiu durante anos na sociedade portuguesa, nalguns casos e a alguns títulos compreensivelmente, desapareceu. Com efeito, não é descortinável em nenhuma intervenção política, iniciativa ou atitude qualquer gesto, opção ou palavra de censura em relação quer à programação, quer à actividade desenvolvida pelo Centro Cultural de Belém.
Este é outro caso de tranquilidade para as nossas consciências- do Governo e, julgo, da Câmara Municipal de Lisboa. Com certeza, porque foi um investimento considerável do erário público, eram exigíveis resultados imediatos e visíveis. O Centro Cultural de Belém, como as Sr.ªs e Srs. Deputados sabem, é outro caso de afluência permanente de público.
No ano passado, quando esteve apenas metade do ano em funcionamento, o Centro Cultural de Belém teve cerca de meio milhão de visitantes com registo de entradas pagas. E, como sabem, o Grande Auditório foi apenas inaugurado no último trimestre do ano.
Nestes 10 minutos de que disponho para fazer esta intervenção inicial, gostaria ainda de fazer referência a um outro caso: o do Teatro Nacional de S. Carlos, por ter constituído também um motivo de grande preocupação nesta Câmara. Sabem os Srs. Deputados quanto chegou a ser posto em dúvida que este teatro chegasse a comemorar o seu bicentenário!
No entanto, as comemorações do seu bicentenário terminaram com um total de 55 produções levadas a cabo, com um total de 47 522 espectadores e com uma

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média, praticamente, de lotações esgotadas em concertos, recitais e espectáculos.
Ora, a temporada do bicentenário foi levada a cabo, as obras do teatro foram realizadas e as pessoas perguntavam: «Será que o Teatro de S. Carlos reabriu e está a produzir apenas porque estamos a festejar os 200 anos? E o que acontecerá para o ano?» Já estamos no ano seguinte ao do bicentenário e o número de espectáculos é, este ano, superior e, se tudo continuar a correr como até aqui, a média vai ultrapassar a do próprio bicentenário.
Até hoje, Lisboa 94 apenas teve dois espectáculos cancelados, em virtude de músicos de um país estrangeiro estarem em greve, fenómeno que se verificava há anos em Portugal mas que, como sabem, deixou de acontecer graças aos resultados da política levada a cabo.

Aplausos do PSD.

Se me permitem, também em relação ao Teatro Nacional D. Maria II, gostava de fazer uma breve referência. Com certeza, todos estaremos recordados como foi dito que, após a produção Passa por mim no Rossio, o Teatro Nacional D. Maria II voltaria à desertificação ou não seria mais do que um teatro de revista. Ora, depois de Passa por mim no Rossio, este teatro já levou à cena a reposição de Zé Runa, a peça O leque de Lady Windermere e, ultimamente, esteve em cena Clamor, estando já a ser encenada a peça As Fúrias, de Filipe La Féria, em co-produção com Lisboa 94.
Para além disto, foi ainda reinaugurada a Sala Estúdio, com várias produções experimentais, depois da conclusão das obras do Teatro D. Maria II.
Também aqui as nossas preocupações podem ficar de lado. A programação está estabelecida até ao final de 1995, seguindo este teatro o seu caminho, tranquilamente.
Em relação aos museus de Portugal, Srs. Deputados, esperamos este ano, pela primeira vez, ultrapassar o número de 1 milhão de visitantes, apesar de vários museus se encontrarem fechados, durante meses, para a realização de obras profundas de reestruturação. Posso confirmar também a esta Câmara que o principal museu de Portugal, o Museu Nacional de Arte Antiga, será inaugurado - desde já convido todos os Srs. Deputados a estarem presentes na sua inauguração, no próximo dia 19 de Maio, pois esta é uma obra que a todos encherá de orgulho e que colocará este museu ao nível dos grandes museus do mundo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Também quanto ao Museu de Arte Contemporânea do Chiado, cujo custo das obras excedeu o da adjudicação, o relatório do Conselho Superior de Obras Públicas confirma a inexistência de quaisquer anormalidades, pelo que o museu abrirá no mês previsto, ou seja, no dia 28 ou 29 do próximo mês.
Para terminar, gostava de referir o caso da Orquestra Sinfónica Portuguesa porque julgo ser o mais significativo em relação àquele que foi o passado recente e, de algum modo, já remoto de Portugal. Durante 20 anos não tivemos temporada sinfónica mas, neste momento, a Orquestra Sinfónica Portuguesa actua regularmente no Centro Cultural de Belém com as salas cheias.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Aliás, Srs. Deputados, hoje as galerias deste Hemiciclo parecem as salas do Grande Auditório do Centro Cultural de Belém em dia de concerto da Orquestra Sinfónica Portuguesa: cheias de juventude!

Aplausos do PSD.

E tudo isto se processou, depois de profundos processos de reestruturação, sem agitações, com tranquilidade, serenidade e consenso entre os conselhos de gerência, os trabalhadores e os artistas, ou seja, o contributo de todos vós, Srs. Deputados da oposição e do partido que apoia o Governo, foi muito útil ao longo deste ano e possibilitou vivermos, neste momento, uma situação de algum conforto e tranquilidade, face às pesadas responsabilidades que nos têm estado entregues.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Cultura, temos reparado que, nos últimos tempos, V. Ex.ª está numa fase de balanço. Lá terá as suas razões, são problemas seus e do seu partido! Não vou especular sobre isso.
Num contexto destes, é difícil também fazer um balanço crítico daquilo que tem sido a política que V. Ex.ª tem corporizado. No entanto, gostaria de aflorar aqui, muito rapidamente, algumas questões.
V. Ex.ª falou do Centro Cultural de Belém. Se for consultar as actas desta Assembleia, reparará que, tanto eu como o meu grupo parlamentar, nunca pusemos em causa esse projecto,...

Risos do PSD.

... a não ser nos aspectos e perspectivas irresponsáveis, nomeadamente quanto à forma como o mesmo foi conduzido e encarado tanto do ponto de vista da construção como da sua viabilidade financeira.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os ruídos que vêm da bancada da maioria demonstram a superficialidade e a ignorância com que têm acompanhado todas estas reformas.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Segundo as últimas notícias, concretamente em relação à questão do Centro Cultural de Belém, confirmam-se as nossas preocupações quanto à viabilidade financeira do projecto e à leviandade com que foi criada a Fundação das Descobertas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em 1993, segundo números divulgados, que gostaria que V. Ex.ª confirmasse ou infirmasse, em quatro meses de actividade, registaram-se 800 000 contos de prejuízo e, para 1994, está previsto um défice de 2 milhões de contos.
No que se refere ao mecenato, V. Ex.ª, em declarações, inclusive, à imprensa estrangeira, considerou que

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facilmente reuniria um milhão de contos com os contributos de 50 mecenas, contribuindo cada um com 20 000 contos, no entanto, neste momento, esse mecenato reduz-se a 240 000 contos. E, segundo estudos oriundos da própria administração do Centro Cultural de Belém, actualmente fala-se na necessidade da constituição de um fundo de investimento de 10 milhões de contos.
Sr. Secretário de Estado da Cultura, esta realidade financeira verifica-se, inclusive, pelo facto de, ern 1993, o Orçamento do Estado ter previsto, em PIDDAC e em Receitas Gerais do Estado, uma transferência de 294000 contos, verba que, para 1994, também em Receitas Gerais do Estado e em PIDDAC, aumentou para cerca de 3 milhões de contos.
Sr. Secretário de Estado da Cultura, talvez seja um facto que os espectáculos têm tido uma grande afluência. Não pomos isso em causa. Este ano, existe um dinamismo real, graças, nomeadamente, às comemorações de Lisboa 94, Capital Europeia da Cultura. Mas, do ponto de vista que nos preocupa, que é o da viabilidade financeira, sobre que bases vai assentar a viabilidade do Centro Cultural de Belém?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª tem prosseguido uma concepção de cultura que, em nosso entender, tem privilegiado, sobretudo, o êxito de festival, o fogo de vista e o êxito de bilheteira. E, quando afirmamos isto, não temos uma visão elitista da cultura, mas, sim, uma visão que tem em conta as profundas carências estruturais com que se depara o nosso pais e a sua cultura.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:- Nesse sentido, colocar-lhe-ia também algumas questões que não foram aqui abordadas por V. Ex.ª.
No domínio da leitura pública, o programa de criação de uma rede de bibliotecas públicas, em conjugação com as autarquias, e também com o seu dinheiro, não deveria estar dissociado de um projecto, que, actualmente, é inexistente, de uma rede de bibliotecas e mediatecas escolares. É preciso uma concertação entre V. Ex.ª, a Secretaria de Estado da Cultura e o Ministério da Educação.
No domínio da música, V. Ex.ª falou dos êxitos da Orquestra Sinfónica, mas esqueceu-se de dizer que os músicos dessa orquestra continuam a trabalhar em regime de recibo verde, em regime de prestação de serviços, não obstante estarem submetidos a um contrato de trabalho subordinado.
Mas ainda neste domínio, quero referir os atrasos da Secretaria de Estado da Cultura em relação ao apoio à formação de orquestras. Nomeadamente quanto às orquestras regionais os atrasos da Secretaria de Estado da Cultura já têm mais de um ano. É o caso, por exemplo, da decisão relativa à Orquestra de Évora. Neste domínio, é indispensável também uma política de concertação com o Ministério da Educação, num projecto devidamente estruturado de educação musical.
Mas mais grave ainda, Sr. Secretário de Estado da Cultura, num momento em que tanto se fala de lusofonia, a retórica, muitas vezes patrioteira, no domínio da língua não passará disso, se a SEC não conjugar esforços com os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Educação, valorizando devidamente o Instituto Camões.
Ora, o que se tem observado, nomeadamente no Orçamento do Estado para este ano, é que houve uma redução da verba para a cooperação cultural com os países de língua oficial portuguesa, sem esquecer- e são estas opções que não entendemos- que é maior a dotação para a Comissão das Comemorações dos Descobrimentos do que a destinada à criação de centros culturais no estrangeiro.
São todas estas incongruências que nos fazem concluir...

O Sr. Presidente:- Peco-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.

... que, por mais importantes que seja um projecto como Lisboa 94, Capital Europeia da Cultura, se estes problemas estruturais não forem resolvidos, ele pode vir a constituir um choque frustrante, já que, após um período de grande fartura na oferta, se adivinha o regresso a uma rotina marcada pelas carências advindas destes problemas estruturais, que V. Ex.ª não soube resolver.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues. Como há um outro pedido de esclarecimento do Sr. Deputado António Filipe, peco-lhe que tenha em atenção o tempo atribuído ao seu partido.

O Sr. Paulo Rodrígues (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Cultura, é sempre agradável ver um membro do Governo satisfeito com a sua área governativa. Foi isto que observámos, há pouco, nas palavras de V. Ex/.
Em todo o caso, deve saber que essa visão idílica que transmitiu aqui não é compartilhada por muitos portugueses que se importam com a situação cultural do País.
Talvez por não querer, V. Ex.ª não referiu aqui um conjunto de questões mais delicadas, das quais vou citar apenas algumas que foram notícia nos últimos dias e que preocuparam portugueses que se importam com a cultura.
Certamente que não compartilham da sua visão idílica os actores e o encenador do Teatro da Graça e todos aqueles que frequentam os espectáculos promovidos por ele.
Certamente que não compartilham da sua visão idílica todos os que assistiram espantados ao episódio das obras disparatadas da Fortaleza de Sagres, que, como sabe, foram caracterizadas por uma total falta de responsabilidade, agravado ainda pelas despesas, que se prevêem avultadas, para as corrigir.
Certamente que também não compartilham da sua visão idílica aqueles que vêem com preocupação o atraso na recuperação dos frescos de Nasoni na Sé do Porto, o atraso nas obras da Sala do Tesouro da Sé do Porto, ou o atraso de decisões na transferência da Delegação Regional do Norte da SEC para Vila Real ou ainda o caso da Fundação de Serralves.
Sr. Secretário de Estado da Cultura, o PCP vê com muito agrado que as salas de teatro e de concertos, de Lisboa, estejam, como têm estado em muitos casos, cheias, nas comemorações de Lisboa 94, Capital Europeia da Cultura, mas a nossa preocupação- e trata-se de uma preocupação fundada - reside, tão simplesmente, em não querermos que, não existindo, como efec-

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tivamente não existe, uma política de fundo que crie as raízes e as condições que permitam uma actividade cultural constante e profícua, passado esse evento, se volte, de facto, a uma rotina, que gostaríamos de ver ultrapassada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Cultura, quero, em primeiro lugar, felicitar V. Ex.ª por se ter deslocado, de motu próprio, à Assembleia da República e ter feito a intervenção que fez.

Vozes do PSD:- Muito bem!

Vozes do PS: - É a sua obrigação!

O Orador: - Como dizia, há dias, um Deputado dessa bancada, as obrigações também devem ser dignas de registo e de atenção quando são cumpridas, como o Sr. Secretário de Estado da Cultura as tem cumprido!
Gostava de começar por dizer que são, de facto, oportunas a sua intervenção e as referências que fez. A forma como aqui foi feita a referência ao Centro Cultural de Belém é o exemplo mais paradigmático daquilo que foi anunciado, aquando da sua entrada na Secretaria de Estado da Cultura, como sendo o princípio do caos nessa área, e que, progressivamente, se veio a mostrar um trabalho desenvolvido com pertinácia e competência por V. Ex.ª e pela sua equipa, que obedece a uma linha de condução política. Obviamente com coisas que falta fazer, porque sabemos que os meios, na cultura como nos outros domínios, não são suficientes para as necessidades.
Portugal, felizmente, tem um património riquíssimo e, por isso, não é possível ocorrer a tudo. Assim, devemos utilizar o termo de comparação entre aquilo que se fazia até há muito poucos anos atrás e aquilo que está a ser feito agora.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Julgo que todos aqueles que tiveram responsabilidades directas na governação ou que foram apoiantes de outros partidos na governação deveriam ter essencialmente este termo de comparação. O que é verdade é que Portugal esteve, durante muitos anos, durante décadas - no anterior regime e já depois na democracia-, sem investir praticamente um tostão na cultura, e agora está a fazer-se um esforço, de uma forma sistemática e coordenada, que é ciclópico.
Claro que, do lado da oposição, o que tem acontecido, nomeadamente por parte do Partido Socialista, é um discurso tremendista permanente. Creio que se o Sr. Secretário de Estado da Cultura e o Governo, de uma maneira geral, tivessem ido atrás do que tem sido sempre o discurso do Partido Socialista, o Centro Cultural de Belém não teria sido, seguramente, acabado, tal como não teria sido acabada qualquer outra grande obra.
Mas é sintomático este princípio de inversão...

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Que inversão!?

O Orador: - Não quero agredi-lo, Sr. Deputado! Quero simplesmente dizer-lhe que registamos que, apesar de manterem um tom crítico, há um princípio de inversão na vossa posição, e na sua em particular que nunca foi uma voz particularmente crítica em relação a este tema, mas sabe que outros responsáveis pela cultura no seu grupo parlamentar o foram e o qualificaram como «Centro Comercial de Belém». Isso fez escola no seu partido.
Foi preciso vir uma cantora estrangeira, a Montserrat Caballé, dizer que o Centro Cultural de Belém tinha boa acústica, para toda a gente se render a ele!.
Aquilo a que assistimos, hoje, aqui é um princípio de mudança de posição. Penso que o Partido Socialista se está a pôr agora na vanguarda de muitas coisas: há dias, o Eng.º António Guterres disse que, no 25 de Abril, também estava na primeira fila com o Dr. Mário Soares e, por este caminho, seguramente, em 1998, vamos ter o Partido Socialista na primeira linha a defender também a Expo 98, portanto não vamos levar excessivamente a sério as críticas que agora fazem.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Sr. Secretário de Estado da Cultura, gostava de deixar uma pergunta concreta que V. Ex.ª não abordou na sua intervenção e que desse também à Câmara, já que aqui está...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Quem é que atacou a Expo 98?!

O Orador: - O Sr. Secretário de Estado da Cultura também já fez elogios ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa em relação à Exposição Lisboa 94. Isso já tranquilizou o Sr. Deputado Ferro Rodrigues?

Protestos do PS.

O Partido Socialista, como habitualmente, faz muito barulho!
Sr. Secretário de Estado da Cultura, gostaria que nos explicasse- talvez não o tivesse podido fazer no seu discurso por falta de tempo - o que se passa e o que se vai passar doravante com a célebre polémica de Sagres. Sabemos ser este um assunto que preocupa a Secretaria de Estado da Cultura e, por isso, há-de imaginar que também seja um tema que preocupa os Deputados de todas as bancadas. Creio, assim, que valeria a pena aproveitar a presença de V. Ex.ª na Assembleia da República para, sobre este assunto, dizer mais alguma coisa.
Quero ainda deixar registado que o Sr. Secretário de Estado da Cultura procurou não pagar a injustiça, como normalmente faz o Partido Socialista, com a injustiça. Registo como um facto assinalável, do ponto de vista do comportamento democrático, a referência que V. Ex.ª fez ao papel que a Câmara Municipal de Lisboa, através do seu Presidente, Dr. Jorge Sampaio, e o Dr. Vítor Constâncio, como Presidente da Sociedade Lisboa 94, têm desempenhado, de forma competente, no magnífico evento que está a decorrer durante este ano.
Gostaria, também, de deixar associada a esta referência do Sr. Secretário de Estado da Cultura a palavra do meu grupo parlamentar, uma palavra de louvor e de grande estímulo ao trabalho que não só a Secretaria de Estado da Cultura como o Sr. Presidente da Câmara de Lisboa, Dr. Jorge Sampaio, e o Dr. Vítor Constâncio, à frente da Lisboa 94, têm desenvolvido ao longo deste ano e vão com certeza continuar a desenvolver.

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª não se referiu a uma questão sobre a qual tem efectivamente responsabilidade e que tem sido muito suscitada pela opinião pública: a questão dos arquivos da PIDE-DGS. Não se referiu a esta matéria, pensávamos que o fizesse, mas, como o não fez, entendemos devermos fazê-lo nós, na medida em que existe uma lei desta Assembleia que determina que, passados 20 anos sobre o 25 de Abril de 1974 - que se concluíram no passado dia 25 de Abril -, os arquivos da PIDE-DGS sejam abertos.
Ora, na prática, tal não está a acontecer, arrogando-se o Director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, que tem à sua guarda o arquivo da PIDE-DGS, o direito de seleccionar, face a um pedido concreto de acesso a documentos, quais os que podem ser comunicáveis e os que o não serão.
O que poderá verificar-se é que a abertura dos arquivos da PIDE-DGS, determinada por esta Assembleia, seja efectivamente negada aos investigadores e que seja, portanto, impossibilitado o estudo de um período da história contemporânea cujo conhecimento é fundamental para a investigação histórica. Assim, corre-se o sério risco de se defraudar aquela que foi a intenção manifestada por lei desta Assembleia da República, que é efectivamente a de serem abertos os arquivos da PIDE-DGS.
Esta é a questão de fundo, mas poderá colocar-se uma questão de ordem prática, muitas vezes invocada e noticiada, qual seja a do estado calamitoso em que se encontra o tratamento informático do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Como é do conhecimento geral, esse tratamento vai ainda em 1926, ou seja, termina alguns anos antes da PIDE ter sido criada, e, portanto, poderemos dizer que o tratamento informático dos arquivos da actividade dessa polícia política está a zero.
Recentemente, tivemos oportunidade de visitar o Arquivo Nacional da Torre do Tombo e verificámos que, por este caminhar, muitos anos serão necessários até que esse tratamento informático esteja feito. Ora, essa situação é inadmissível, é calamitosa e tem de ser alterada.
No entanto, como disse, a questão de fundo a colocar é a de se permitir que o Director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo possa decidir, ele próprio, quais são os documentos que os investigadores podem consultar e aqueles a que não terão acesso, o que é extraordinariamente grave.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terá a palavra, mas não agora.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado, para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram feitos.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, mas é exactamente neste momento que precisava de interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Então, faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, apesar de os Deputados independentes não terem direito à palavra neste debate, gostaria de ser esclarecido, uma vez que tenho um dossier pendente com o Sr. Secretário de Estado - o dossier Sociedade Língua Portuguesa - sobre o qual já tive ocasião de fazer vários requerimentos e de falar com o Sr. Secretário de Estado durante a discussão do Orçamento do Estado, que me respondeu estar tudo a andar. Contudo, o facto é que, agora, nas comemorações do 25 de Abril, estive numa iniciativa levada a efeito por essa sociedade e foi-me comunicado que tudo estava exactamente na mesma, ou seja, que não tinham sede e que continuavam sem qualquer proposta nem qualquer ideia concreta sobre isso por parte da Secretaria de Estado.
Assim, se o Sr. Presidente mo permite, dada esta situação concreta, gostaria de perguntar ao Sr. Secretário de Estado se me pode informar do andamento dessa questão.

O Sr. Presidente: - Para responder, em cinco minutos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura.

O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Sr. Presidente, somando as perguntas às interpelações, não sei se, em cinco minutos, conseguirei responder. No entanto, farei um esforço.
Começaria por dizer ao Sr. Deputado Fernando Pereira Marques que julgo que não fica mal a ninguém dizer que mudou de opinião. O Sr. Presidente da República, Dr. Mário Soares, disse uma vez, do alto desta tribuna- eu estava a assistir naquela galeria, como um destes jovens que aqui estão -, no debate de encerramento de uma moção de censura ao 1.º Programa do Governo Constitucional, que «só os burros não mudam de ideias». Disse-o o Sr. Presidente da República e eu julgo não haver qualquer mal no facto de uma pessoa mudar de opinião, desde que não o faça todos os dias.
Agora, o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques dizer que os elementos do PS nunca puseram em causa o projecto do Centro Cultural de Belém...

O Sr. Pereira Marques (PS): - Sr. Secretário de Estado, eu falei em meu nome.

O Orador: - Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, tal como eu dizia há dias num debate na televisão, julgo estarmos aqui a falar a título institucional, representando cada um a sua entidade - eu falo em nome do Governo, o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques falou em nome do PS. E não venho aqui em acto de vingança por tantas horas que aqui passámos com dúvidas. Não! Acho que este é um motivo de congratulação para todos nós.
O PS, quando esteve no Governo, certamente que fez coisas bem feitas e outras mal feitas e é preciso sabermos reconhecer aquilo que foi bem feito e que teve bons resultados. Penso que é importante que hoje o PS diga o que o Sr. Deputado acabou por dizer e está implícito nas suas palavras: ao fim e ao cabo, o Centro Cultural de Belém foi uma boa iniciativa, o público abraçou-a. Acho que não vem daí mal nenhum ao mundo. Compreendo não digo a sua vergonha mas o seu constrangimento e entendo que será preferível dizer que essa

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iniciativa resultou bem, que tínhamos razão, que se felicitam por ter corrido bem. Agir assim é bonito na vida e é bonito na política!

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, eu próprio quantas vezes tomei decisões, no Governo ou fora dele, em que certamente errei e outras que correram mal - todos o fazemos. Agora, o caso do Centro Cultural de Belém foi um caso que mobilizou a opinião pública e em que muitas suspeitas se levantaram.

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - E vai continuar a ser!

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - A questão não é essa, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - Sr. Deputado, há um ponto que tem de ser aqui esclarecido e, dado que o ouvi em silêncio absoluto, permita-me que lhe peça que faça o mesmo. V. Ex.ª fala na viabilidade financeira do Centro Cultural de Belém, mas o PS, de uma vez por todas, tem de chegar a uma conclusão e dizer se quer que o Centro seja economicamente viável - os senhores dizem financeiramente viável, mas tenho a impressão de que querem dizer economicamente viável e não financeiramente viável - e que, portanto, tenha uma exploração equilibrada, ou se, como o dizem relativamente a outras instituições, sendo uma entidade que prossegue fins predominantemente culturais, necessita de algum apoio do Estado para levar a cabo essas mesmas actividades. O PS tem de escolher uma das duas posições.

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - E o Governo também!

O Orador: - Exactamente. Só que o Governo está a fazê-lo, disse-o e inscreveu no Orçamento do Estado a verba com que, este ano, dota a Fundação das Descobertas para a prossecução dos seus objectivos.
Sr. Deputado Paulo Rodrigues, devo dizer-lhe que a sua intervenção aponta exactamente para os mesmos problemas levantados num artigo publicado há 10 dias por um certo matutino lisboeta- que, por uma questão de elegância, não vou nomear qual é: os frescos de Nazoni e a Sala do Tesouro da Sé do Porto, a delegação de Vila Real e a Fundação de Serralves. São exactamente os mesmos problemas. É esta a lista, nem mais nem menos um!
Mas, respondo-lhe a todos: quanto aos frescos de Nazoni na Sé do Porto já lá está, desde a semana passada, a brigada de pintura da Divisão Mural do Instituto José de Figueiredo; a Sala do Tesouro da Sé do Porto não tem qualquer problema e vai agora ser concluída; na delegação de Vila Real, o delegado toma posse para a semana, pois só ontem veio do Ministério das Finanças a portaria com os novos quadros, que aprovei também ontem.
Relativamente ao Teatro da Graça- outra questão que o Sr. Deputado mencionou -, devo dizer-lhe que, no ano passado, foi atribuído a esse teatro um subsídio anual de 44 000 contos, tendo-se comprometido o mesmo, em contrato com o Estado, a realizar 150 espectáculos. Realizou 115 espectáculos, incluindo os da itinerância e, no final do ano, foi-lhe atribuído ainda um subsídio de 3 000 contos para obras, tal como, este ano, vai receber mais.
No entanto, nem em número de espectadores nem em número de espectáculos realizados essa companhia de teatro cumpriu o que está previsto no regulamento. Ora, tal como apoiamos outros teatros que ultrapassam até aquilo a que se tinham comprometido e aumentamos esses apoios, àqueles que não cumprem o que está estipulado com certeza que não podemos renovar o apoio- nesse caso, o mais fácil será dizer que não há qualquer regulamento e que se faz a distribuição das verbas sem seguir quaisquer normas.
Agora, tal como referi as palavras de muito elogio que aqui dirigi à Câmara Municipal de Lisboa por causa de Lisboa 94, quero voltar a referir que a Câmara Municipal de Lisboa é a única câmara de uma capital da Comunidade Europeia que não dá subsídios à actividade de companhias de teatro. E também já disse que, se a Câmara Municipal de Lisboa der um subsídio ao Teatro da Graça, nós daremos um montante de apoio igual, de forma a iniciarmos este processo de distribuição de apoios. Agora, não pode continuar a ser o Estado, sozinho, a apoiar 20 companhias de teatro, qualquer dia 30 ou 40, em Lisboa.

Protestos do PS.

O Orador: - Srs. Deputados, a minha intervenção não 'foi um balanço de actividade. No dia em que o for, se os senhores me derem oportunidade para tal, estarei disposto a mais uma interpelação ou a um debate sobre política geral. Vim falar de assuntos muito concretos, que foram motivo de preocupação para esta Câmara durante muitos anos.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Foram e ainda são!

O Orador: - Mas se são, só o são depois de eu falar neles, porque os senhores nunca mais falaram neles! Então, têm andado distraídos com outros assuntos!

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, foram aqui colocadas duas questões importantes sobre as quais penso que a Câmara tem o direito e a obrigação de estar informada: as obras da Fortaleza de Sagres e os arquivos da PIDE-DGS, questão já tratada com o Sr. Subsecretário de Estado em ocasião anterior.
Relativamente às obras da Fortaleza de Sagres, ao contrário do que tem sido referido em sínteses noticiosas de algumas estações de televisão- é bom que isto seja dito e estranho que a questão tenha sido colocada pelo Grupo Parlamentar do PCP-, o projecto foi encomendado em 1988, na sequência de uma comissão interministerial, na qual estavam representadas muitas entidades, incluindo a Câmara Municipal de Vila do Bispo, cujo Presidente pertencia à coligação da Aliança Povo Unido, que votou favoravelmente o projecto.

Protestos do PCP.

Srs. Deputados, é bom que as pessoas fiquem devidamente informadas. Estavam representadas a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, a Direcção do Património do Estado, a Comissão dos Descobrimentos - que, depois, mudou de posição - e a Associação Portuguesa de Arquitectos. Foram cerca de 12 as entidades que aprovaram o projecto. E o que ai-

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gumas estações de televisão dizem é que, há dois ou três anos, Santana Lopes resolveu fazer obras em Sagres, que agora não gosta delas e que, se calhar, vai deitá-las abaixo. Só que o projecto foi aprovado por uma comissão interministerial, houve um concurso de ideias, foram escolhidos três projectos por unanimidade, encomendados pelo Professor António Lamas, então presidente do IPPC e, desses três projectos, foi escolhido um - o do Arquitecto João Carreira.
Anteontem, realizámos um colóquio, no Mosteiro dos Jerónimos, onde estiveram presentes todos os membros desse júri - convidámos também o Professor António Lamas a estar presente, ao que este se escusou- onde todos, incluindo a Associação Portuguesa de Arquitectos, confirmaram que é aquele o projecto que escolheram, o que demonstra que o projecto não foi escolhido pela Secretaria de Estado da Cultura. E devo dizer que estava também presente a Câmara Municipal de Vila do Bispo.
O que acontece é que a Câmara de Vila do Bispo mudou de mãos e, actualmente, o seu Presidente da Câmara é representante do PS. Ora, quando a câmara pertencia à APU, o PS era contra a câmara e contestava o projecto que o seu presidente apoiava, pelo que, agora, tem de continuar a fazê-lo. E o que nós entendemos é que a responsabilidade institucional não pode andar ao sabor destas mudanças de titular. Tal como o caso da Comissão dos Descobrimentos, que, quando o seu Presidente era o Comandante Serra Brandão, era a favor do projecto e, quando passou a ser presidida pelo Sr. Dr. Vasco Graça Moura, levantou reticências ao mesmo. Devo dizer-lhes, Srs. Deputados, que continuei a ter a mesma posição, apesar de o projecto ter sido encomendado no tempo da minha antecessora; assumi essa obra, tal como assumi outras. Julgo que é isto a responsabilidade institucional e julgo que é assim que nos devemos comportar.

Aplausos do PSD.

Em relação à questão do arquivo da PIDE-DGS, devo dizer-lhe, Sr. Deputado António Filipe, que entendo que essa questão não é mais importante do que a de outros arquivos que envolvam os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos. Não dou uma relevância particular ao arquivo da PIDE-DGS e, se alguém tem mais preocupações com esse arquivo do que com os outros, esse alguém não serei eu, como julgo que não será nenhum de nós, nem os senhores. Ainda hoje voltei a confirmar com o Director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo - porque entendo que a lei tem de ser cumprida - que os arquivos estão, de facto, acessíveis.
Nunca vi os senhores preocuparem-se tanto com os arquivos da PIDE nem quando, durante 18 anos e meio, estiveram entregues a outras entidades que não ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, nomeadamente, a uma comissão de tratamento de arquivos, presidida pelo, não sei se tenente-coronel se coronel...

O Sr. João Amaral (PCP): - Os arquivos estavam à guarda da Assembleia da República desde 1982.

O Orador: - Então, Sr. Deputado João Amaral, se estavam à guarda da Assembleia sob tutela dessa comissão, ainda é pior, o que pode avaliar-se pelo tratamento que lhes foi dado durante todos esses anos. O que os senhores exigem agora que o Arquivo Nacional da Torre do Tombo faça num ano e meio, a Assembleia não fez numa década!

Aplausos do PSD.

;O Sr. João Amaral (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Secretário de Estado, está equivocado, pois não exijo que seja feito qualquer tratamento informático. O acesso aos arquivos da PIDE processava-se sem meios informáticos, pelo que podem ser utilizados no estado em que se encontram. O tratamento informático é um plus que facilitaria o seu manuseamento, mas não é essa a questão.
Importa dizer que a aplicação que, no seu ou em nome do Governo, o Director da Torre do Tombo está a fazer da lei impede, na prática, os investigadores e historiadores de terem acesso aos arquivos e de cumprir-se a lei aqui votada há três anos. Segundo esse normativo, a partir de 25 de Abril de 1994, o acesso dos investigadores e historiadores é livre, pois os arquivos constituem um elemento importante para a nossa História e esse acesso está a ser impedido.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, solicito-lhe que conclua rapidamente a sua resposta.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, calculava que essa questão me fosse colocada hoje e, não só por essa razão, ainda hoje de manhã voltei a tratar dessa matéria com o Director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, que voltou a confirmar-me que, neste momento, a equipa que está a tratar do arquivo da PIDE foi reforçada por mais quatro pessoas, são seis técnicos principais e quatro tarefeiros.
O Sr. Deputado João Amaral diz que a informatização não é importante e que os inspectores da PIDE não precisavam de computadores, mas julgo que esse processo é importante para os historiadores, até porque os tempos são outros.

O Sr. João Amaral (PCP)- - Não é essa a questão!

O Orador: - O Director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo disse-o e assumo aqui essa responsabilidade.
Se for feito um requerimento, a lei manda abrir os arquivos, embora ainda não estejam devidamente tratados. O tempo de resposta que pode decorrer até o investigador lhes aceder, e que varia consoante os casos, pode ir de uma a três semanas, o que é natural. Se alguém vir o seu direito de acesso aos arquivos cerceado, que o prove, porque no mesmo dia tomarei a medida correspondente a essa atitude. Tratar-se-ia de um caso de violação de lei: as pessoas têm direito de acesso, porque a lei determina-o.
Ainda na semana passada, por exemplo, a família de Zeca Afonso pediu uma série de elementos para uma exposição de evocação que constavam do arquivo da PIDE/DGS, os quais demoraram dois dias a serem facultados.
Porém, o Sr. Deputado não imagina as cartas que ontem e anteontem chegaram ao Arquivo Nacional da

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Torre Tombo, enviadas por pessoas que eram perseguidas e fiscalizadas pela PIDE- e, consequentemente, presumem que constam nesses arquivos dados pessoais da sua vida privada e familiar- manifestando preocupação em relação a possíveis divulgações sem o devido cuidado. Mas não vai ser por essa razão que o acesso será impedido a quem apresente e fundamente o seu pedido.
Sr. Deputado, a direcção da Torre do Tombo é demitida no dia em que não cumprir a lei, assim como espero ser demitido no dia em que não cumpra a lei. Dou-lhe essa total garantia; contudo, não nos peçam para fazer, em ano e meio, o que outros não fizeram em 20 anos.
Não nos preocupamos com quem tenha acesso aos arquivos da PIDE/DGS, desde que o faça respeitando a lei. Quem não a respeitou, como sabe, foi quem fez desaparecer depois do 25 de Abril, com acesso indiscriminado, vários ficheiros do arquivo da PIDE/DGS!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Já agora, Sr. Deputado João Amaral, julgo que todas as pessoas hoje aqui presentes deviam solicitar ao Director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo para esclarecer o que desapareceu, nos anos em que esteve entregue a outras instituições, do espólio do arquivo da PIDE/DGS. Se houver preocupação, isso deve ser feito e, Srs. Deputados, com isto não estou a fazer qualquer acusação a quem quer que seja.

O Sr. João Amaral (PCP): - Essa é que é boa! Ver o que desapareceu de facto!

O Orador: - É que não é admissível - e peço que os senhores não o voltem a repetir- que temos qualquer espécie de interesse na ocultação seja do que for do arquivo da PIDE/DGS. Peco-lhe que não volte a fazê-lo!

O Sr. João Amaral (PCP): - Fale por si, não pelo director porque não é essa a opinião do Dr. Fernando Rosas.

O Orador: - Eu estou a falar por mim!

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, tenho muito pena, mas peço que conclua.

O Orador: - Sr. Deputado Mário Tomé, ainda agora me confirmou o Sr. Subsecretário de Estado da Cultura que, há cerca de três ou quatro dias, foi concedido um subsídio, que não sei quantificar, pelo Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro à Sociedade de Língua Portuguesa.
Falta resolver a questão da sua sede, mas espero que a Sociedade de Língua Portuguesa fique instalada em dois edifícios na zona do Chiado e vamos ver se, até às férias do Verão, consigo encontrar uma solução para esse problema. Num dos edifícios, ainda funciona um serviço da Secretaria de Estado da Cultura, enquanto estamos a reconstruir o outro, o antigo edifício Época.
Muito obrigado. Sr. Presidente, pela sua generosidade.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, regista-se que o Sr. Secretário de Estado não respondeu às questões que colocámos e que os problemas a que se referiu, infelizmente, continuarão sem resolução.
Entretanto, em relação a este caso, que quase se tornou numa telenovela, da Fortaleza de Sagres, solicito à Mesa que faculte ao Sr. Secretário de Estado o Diário da Assembleia da República da reunião de 24 de Novembro de 1992, sobre o debate do Orçamento do Estado, onde levantei esta questão na óptica que me pareceu a correcta, ou seja, a da definição de opções e prioridades em relação à determinação das verbas orçamentais.
Seria útil que o Sr. Secretário de Estado pudesse consultar estas actas para que possamos perceber por que razão, em Novembro de 1992, apesar de algumas reservas, considerava não ter meios legais nem políticos para actuar nessa altura e só o fez em Março de 1993. Dessa forma, a opinião pública poderia ser elucidada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos ao ponto seguinte do período de antes da ordem do dia.
Para uma declaração política, tem á palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.

O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há escassas semanas, o PCP chamou a atenção desta Assembleia para a crise que atravessa o sistema educativo e a escola; afirmámos que é uma crise estrutural e de confiança e identificámos o PSD como o seu principal responsável.
O partido do Governo parece insensível a tais críticas mas trata-se de pura encenação, pois sabe que, cada dia que passa, se torna mais evidente a sua incapacidade de governar na área da educação, a sua escandalosa impotência para constituir uma única equipa que seja de especialistas na área educativa, o seu descrédito junto de pedagogos, docentes, instituições e estudantes, a total incapacidade para apresentar propostas que reúnam consensos para ultrapassar a crise.
Regularmente, as escolas e o País são perturbados com as vagas de contestação que dão resposta a decisões inadequadas, injustas e erradas.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Foi assim com as greves dos professores e com as lutas dos estudantes contra a PGA e as propinas, é assim um pouco por todo o País, com alunos e encarregados de educação a exigirem segurança e pavilhões desportivos, é assim, hoje mesmo, com os protestos de jovens estudantes contra as provas globais.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Recentemente, a Sr.ª Ministra da Educação rompeu o silêncio, a que nos começávamos a habituar, para expressar inquietantes e graves intenções. De facto, afirmou que, e passo a citar: «O superior já não é uma prioridade». A prioridade é agora o não superior, mas constatamos, surpreendidos, que também não é exactamente o ensino não superior porque a Sr.ª Ministra não pensa investir na rede pública do pré-escolar uma vez que, no seu entender, esta «não é uma prioridade educativa».
Já tivemos ocasião de denunciar o escândalo que constitui o facto de, no Ministério da Educação, se assistirem a constantes mudanças de prioridade que se

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explicam pelo facto de o Governo não possuir uma estratégia de desenvolvimento do sistema educativo suportada por estudos sérios e alicerçada em consensos com os parceiros sociais.
As orientações políticas relativas à rede de educação pré-escolar constituem uma das questões de mais gravosas consequências para todo o sistema educativo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pela influência positiva que pode exercer no percurso escolar dos alunos, a rede do pré-escolar permite aferir, em boa medida, o grau de democratização do acesso à educação e ao ensino.
É conhecido que a taxa de cobertura da rede de educação pré-escolar do nosso país é a mais baixa da Europa comunitária e que a assegurada pela rede pública é ainda menor e esta situação torna-se ainda mais negativa se tivermos em conta as assimetrias regionais que a caracterizam.
O Governo, despudoradamente, sempre fugiu nesta matéria para a frente prometendo o que não pensava cumprir. Neste mesmo Plenário, o então Ministro Couto dos Santos afirmou que, até ao fim de 1993, dotaria o País de uma rede de estabelecimentos de educação pré-escolar. Como se sabe, tal rede nunca foi concretizada nem os objectivos políticos definidos pelo Governo no PRODEP foram atingidos.
Entretanto, e não obstante haver educadores no desemprego, o Estado não deu resposta às propostas feitas pelas autarquias de criação de lugares de educadores de infância, que se elevavam a cerca de 800. O número de vagas nos quadros distritais de vinculação de educadores de infância publicados no Diário da República relativos ao ano escolar de 1994/95 é chocante: zero para o distrito de Setúbal, zero para o distrito de Bragança, uma para Portalegre, oito para Lisboa, etc.
O PCP tudo fará para contrariar mais esta medida de desresponsabilização do Governo por uma área estratégica da educação. Tendo apresentado um projecto de lei relativo à educação pré-escolar, exige ao Governo que, com carácter de urgência, defina e implemente um plano de alargamento da rede que concretize a democratização do acesso à educação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos últimos dias, o País viu os jovens do ensino secundário descerem às ruas em luta contra as provas globais. Ora, o PCP entende que a Assembleia da República não pode alhear-se desta importante questão.
No âmbito da reforma do sistema educativo, o Ministério da Educação produziu dois documentos sobre avaliação de alunos: um, que se destinava aos alunos do ensino básico, e outro, que se destinava aos alunos do ensino secundário, mas os dois despachos são perfeitamente antagónicos.
O que se destina ao ensino básico, e que já foi aplicado em 1993/94, propicia a transição generalizada dos alunos. Por via de aplicação deste despacho, segundo estimativas feitas pelo Ministério da Educação, a percentagem de alunos que transitaram em 1992/93 situa-se nos 95 %. E um autêntico «sucesso» para o Ministério da Educação! O despacho que os alunos agora contestam é bem diferente e visa, citamos, «introduzir mecanismos de selecção». Os dois modelos de avaliação, permissivo no básico, restritivo no secundário, esclarecem de forma concludente que a politica do PSD, em matéria de educação, é tudo menos neutra.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Orador: - Os diferentes certificados, de frequência e de aproveitamento, estabelecidos para o 3.º ciclo do ensino básico, possuem desigual valor, quer escolar quer social e não é difícil prever qual a origem social dos alunos que abandonarão a escola com um mero certificado de frequência.
O modelo de avaliação do ensino secundário constitui a tentativa de concretização da chamada «filosofia de exclusão» aplicada agora já ao nível do ensino secundário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os estudantes têm razão. Quer pela forma que assume quer pelos objectivos que visa, o despacho constitui uma ruptura com objectivos, conteúdos e metodologias de ensino preconizadas na reforma do sistema educativo e que constituem, em boa medida, o percurso escolar dos alunos que agora protestam.
Não é difícil prever que a introdução destas provas trará - está já a trazer - alterações na vida escolar. Actividades, como a área escola, que não se orientam imediatamente no sentido da preparação para a autêntica prova de obstáculos que constituem as provas globais serão secundarizadas e talvez anuladas, senão na legislação, na prática educativa corrente.
A Sr.ª Ministra defende a realização das provas em nome da qualidade de ensino e do prestígio do ensino secundário. Saiba a Sr.ª Ministra que a qualidade do ensino não resulta, nem exclusiva nem fundamentalmente, do modelo de avaliação e que o prestígio do ensino no exterior não é garantido, exclusivamente, de forma alguma, por qualquer diploma.
A Sr.ª Ministra não entende que a qualidade de ensino e o seu reconhecimento dependem, em boa medida, das condições em que esse ensino se processa e que, se uma parte da responsabilidade pela existência dessas condições pertence à escola, aos professores e às famílias, a maior parte dessa responsabilidade cabe, seguramente, ao Governo e ao Ministério da Educação.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Orador: - A Sr.ª Ministra afirmou não compreender o protesto dos estudantes. Não percebe que o despacho regulamentador destas provas foi emanado do Gabinete do Secretário de Estado da Educação e do Desporto, em 22 de Março último?
Não saberá a Sr. ª Ministra que só com o regulamento, embora ambíguo, se concretizaram aspectos essenciais da prova?
Não saberá a Sr.ª Ministra que, de acordo com o regulamento, os alunos terão conhecimento da matriz da prova com uma antecedência que pode ser apenas de 15 dias?
Não saberá a Sr.ª Ministra que alunos haverá que terão de realizar oito ou nove provas em duas semanas, numa semana e mesmo em menos tempo?
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PCP não pactua com os erros do Ministério da Educação do PSD e pronuncia-se inequivocamente pela suspensão das provas globais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Rodrígues, começo

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por saudar a sua intervenção e a justeza das ideias que aqui nos trouxe.
A primeira questão que gostaria de colocar-lhe prende-se com o ensino pré-escolar e com a clara contradição que existe entre a declaração da Sr.ª Ministra e o disposto na Constituição. O artigo 74.º, n.º 3, alínea b), diz que incumbe ao Estado criar um sistema público de educação pré-escolar.
Além disso, no próprio dia em que a Sr.ª Ministra fez estas declarações, por um lado surpreendentes, mas, por outro, confirmadoras de algumas suspeitas que já tínhamos, o Conselho Nacional de Educação aprovou, por unanimidade, um parecer sobre a educação pré-escolar onde se apontava claramente para a necessidade da assunção de responsabilidades pelo Estado na criação da rede de educação pré-escolar.
Referi há pouco que já existiam algumas das preocupações que agora estão clarificadas, designadamente quando aqui discutimos o PDR. Todos se recordarão certamente do facto de o Sr. Ministro Valente de Oliveira ter aqui dito que o PDR não previa o ensino pré-escolar, apenas pela razão formal de a educação pré-escolar não ser elegível em termos comunitários. Ora, está demonstrado que não era esse argumento formal a justificar a medida, mas uma opção do Governo, contrária ao que está estabelecido na Lei Fundamental.
É, pois, uma questão importante que não podemos deixar de ter em conta, uma vez que o que está em causa é a Lei Fundamental, mas também a educação, a igualdade de oportunidades na educação, a qualidade e a promoção do sucesso, que não são possíveis sem educação pré-escolar.
O segundo aspecto que me cabe abordar tem a ver com as provas globais deste ano em relação ao 10.º ano e, em termos mais amplos, ao ensino secundário. Também no mesmo dia em que a Sr.ª Ministra fez as declarações que há pouco referimos, o Conselho Nacional de Educação aprovou um parecer crítico sobre a matéria.
Eu próprio, como membro do Conselho, tive oportunidade de me abster na votação desse parecer, pela única razão de que o parecer propunha que este ano as provas fossem apenas experimentais, quando a minha posição e a do meu grupo parlamentar é a que também já foi explicitada pelo Sr. Deputado Paulo Rodrigues, no sentido da suspensão das provas, em razão não só da desarticulação completa entre as provas em causa e o espírito da reforma (nenhum documento da reforma refere esta prova) como também da própria introdução destas provas, tendo em conta o atabalhoamento e a precipitação que se verificam, bem como a angústia que neste momento os alunos do 10.º ano sentem, uma vez que, como foi dito, irão ser submetidos, sem que antes o tenham sido alguma vez, a um período intenso de provas relativamente às quais ainda não sabem bem, nalguns casos, que provas irão ser. Cabe perguntar, simultaneamente, porquê introduzir estas provas.
São estas basicamente as questões que suscitaria, desejando eu ouvir alguns comentários do Sr. Deputado Paulo Rodrigues sobre as decisões do Conselho Nacional de Educação, que o Sr. Deputado não referiu, mas que, naturalmente, importa também considerar nesta sede.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Marília Raimundo.

A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Rodrigues, quero colocar-lhe duas questões, uma das quais se refere, no essencial, à educação pré-escolar.
Sabemos - já o ouvimos, mais do que uma vez, na Comissão de Educação, Ciência e Cultura - que estamos todos de acordo, incluindo o Governo, em generalizar, assim que possível, a educação pré-escolar. O Governo vem, aliás, afirmando que tem projectos, pelo menos para as crianças com cinco anos de idade, a propósito dos quais já se falou muito do chamado «ano zero».
O que também sabemos é que temos aquilo que temos e somos o país que somos. Temos de pensar- todos estamos de acordo com isso- em que a experiência tem revelado, ao longo de todos estes anos, que há instituições privadas de solidariedade social que neste campo têm sido capazes de propiciar a complementaridade desejável, até pelo número de horas que dedicam, muito mais de acordo com a vida que hoje em dia os pais das crianças levam. Essas instituições são capazes de complementar, muitas vezes melhor do que o ensino oficial, essa tarefa de educação, o que também acontece com as autarquias, que neste domínio têm prestado - e estou certa de que continuarão a fazê-lo - um auxílio precioso.
Julgo que estas experiências no terreno não podem ser postas de parte. E necessário, obviamente, generalizar a todos a educação pré-escolar, mas temos de dar tempo ao tempo.
Quanto à questão das provas globais e dos modelos de avaliação que acabou de ser aqui suscitada, quero apenas, não pretendendo agora entrar noutros pormenores, colocar-lhe duas perguntas.
É ou não certo que os alunos sabiam desde há muito que teriam de se submeter a provas?
É ou não certo que, uma vez que essas provas são feitas na escola de acordo com as matérias ministradas aos alunos e com o que os professores ensinaram, esta será uma forma de, pelo menos neste ano, começar a imprimir aquela qualidade que o ensino secundário tem de propiciar aos alunos, por efectivamente não se tratar de escolaridade obrigatória?

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.

O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, quero dizer-lhe, sobre a pergunta que colocou e os comentários que teceu, que o Grupo Parlamentar do PCP tem acompanhado com interesse os pareceres, as opiniões e as reflexões que o Conselho Nacional de Educação tem produzido sobre esta matéria.
Não o referi por falta de tempo, mas não me passou despercebido (como - assim o espero - a qualquer membro desta Assembleia) que, quando da publicação do relatório do Conselho Nacional de Educação sobre a reforma, se perguntava simplesmente o seguinte: «Quando se assume definitivamente que a educação pré-escolar e o ensino básico merecem toda a prioridade em matéria de acção social escolar». Para bom entendedor meia palavra basta!...
Às perguntas da Sr.ª Deputada Marília Raimundo responderei com perguntas. Até quando pode o Gover-

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no, relativamente às intenções referidas, continuar a fazer promessas que não pretende cumprir, como, entre outras, a «elaboração, até final de 1993, de um programa para o desenvolvimento da rede do ensino pré-escolar a nível nacional»? As palavras que acabei de citar não são minhas mas do então ministro Couto dos Santos, foram proferidas nesta Assembleia e mereceram os aplausos do PSD. É por isso que responsabilizamos o PSD e o Governo e exigimos que cumpram as suas promessas.
Diz a Sr.ª Deputada que se faz o que se pode, mas então, se não podem, não faziam estas promessas e apresentavam claramente ao País o que pretendem fazer. Não é isso, porém, o que tem vindo a acontecer.
Perguntou ainda a Sr.ª Deputada se os alunos não sabiam há muito que teriam de fazer a prova de avaliação. Faço-lhe outra pergunta em resposta à sua: o Governo não sabia há muito que teria de publicar a regulamentação e o despacho sobre essa avaliação?
O despacho em causa foi publicado em Outubro, depois de iniciadas e preparadas as actividades escolares, e o regulamento foi emitido pelo Ministério da Educação em Março. Não é justo criticar os alunos face a esta situação. É justo, isso sim, criticar o Ministério da Educação.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vai realizar-se na próxima semana uma iniciativa política intitulada «Congresso: Portugal que futuro?», que afirma ter como motivação um «sobressalto cívico» de um conjunto de cidadãos e como objectivo combater a «tentação de um novo situacionismo» que existiria hoje em Portugal.
Não está em causa, obviamente, o direito de os cidadãos terem voz na vida pública sem passar pelos partidos. Bem pelo contrário, são bem-vindas todas as iniciativas que ajudem a minimizar a excessiva hegemonia que os partidos têm sobre a vida pública.
Não estão em causa, obviamente, as pessoas que se envolveram na sua organização nem a consideração por elas, como idêntica consideração merecem as críticas substantivas que no passado alguns dos membros do Congresso dirigiram pontualmente à actividade do Governo, como é o caso do Professor Mattoso quanto à política dos arquivos ou do Professor Mariano Gago quanto à política da ciência. Nenhum governante sério pode deixar de as ter em conta, mesmo que com elas não concorde.
O que está aqui em causa não são os méritos académicos individuais de alguns dos membros do Congresso, nem o sentido da sua intervenção cívica nas áreas da sua especialidade, mas, sim, o seu papel numa iniciativa política de carácter global que consubstancia em 1994 algumas das piores ideias políticas que têm tido curso nos 20 anos da democracia portuguesa.
O Congresso é, ern primeiro lugar, realizado contra o PSD e o seu governo. É esse o seu sentido político essencial!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem, está a acertar!

O Orador: - Mas nem por isso deixa de ser na prática, desde a sua iniciativa nos bastidores presidenciais, entre membros antigos e actuais do Partido Socialista, incluindo o seu fundador e ex-secretário-geral, e os habituais «companheiros de estrada» socialistas, uma poderosa e devastadora crítica à direcção actual do Partido Socialista e à sua actuação política, considerada incapaz de fazer uma efectiva oposição.

Aplausos do PSD.

É, na sua iniciativa, na sua materialização, nos métodos e nas pessoas, uma pública passagem de um atestado de incompetência política ao Partido Socialista. A incomodidade que o Partido Socialista mostrou e aquela que certamente irá mostrar nos próximos dias são disso reveladoras.
Mas, mais importante do que as críticas dirigidas a este ou àquele partido pelos sobressaltados congressistas, são as ideias e as concepções políticas que presidem a este Congresso, a sua utilização sistemática de tácticas de disfarce e ocultação para esconder os seus objectivos políticos e, por último, o inadmissível apoio institucional que colheu do Presidente da República.
O Congresso em si não terá muita importância, condenado ao fracasso pela visão paupérrima e simplista que transporta dos problemas nacionais e pela tendência inevitável para se tornar num comício permanente do princípio ao fim. Dificilmente, a julgar pelo manifesto e pelo tipo de organização, ultrapassará a propaganda anti-PSD e anti-Governo mais grosseira e trará qualquer crítica substantiva que mereça ser tomada em conta.
Poderíamos estar sobre ele silenciosos, desvalorizando pelo silêncio aquilo que efectivamente pouco valor tem. Mas pagamos o preço de lhe fazer alguma imerecida publicidade, porque o silêncio sobre as ideias, as concepções e as atitudes políticas com que não concordamos pode sugerir complacência e indiferença perante os seus efeitos negativos.
Quando os partidos políticos não se comportam ao exemplo do ditado «quem não se sente não é filho de boa gente», introduzem anomia na vida pública e não cumprem o seu papel de pedagogia cívica e política. Outros, não concordando e permanecendo silenciosos, pagarão o preço desse silêncio mais cedo do que esperam.
Apesar dos esforços dos seus organizadores para «reciclarem» o Congresso após o fracasso inicial do seu lançamento, ele permanece sob a égide de um documento cujas ideias e concepções políticas enquadrarão todos os seus trabalhos, por muito distanciados que dele queiram agora parecer alguns dos seus participantes. As conclusões desse manifesto tirarão sempre credibilidade aos trabalhos do Congresso, marcando desde o início todas as intervenções e determinando-lhe uma intenção no âmbito da politica mais politiqueira.
Esse manifesto contra aquilo a que chamam «situacionismo» representa, enquanto análise da vida pública portuguesa, um discurso feito de slogans, redutor de todos os problemas a dicotomias pouco complexas, quase todas elas desprovidas de sentido, como meio de enunciar problemas ou encontrar soluções. Não contém uma única ideia nova ou uma única proposta substantiva, retratando um país inexistente, conformado e receoso, pessimista sobre o seu destino, perplexo face à Europa, desmobilizado sobre o seu futuro como nação. Ironicamente, este mesmo país que os congressistas do «sobressalto» descrevem como conformado e ré-

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signado tinha acabado, dias antes da publicação deste manifesto, de dar a maioria dos seus votos ao principal partido da oposição. Estranho situacionismo este!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não temos ilusões sobre o sentido político da realização de tal Congresso e sobre a estratégia em que se insere. É por isso que dificilmente é aceitável a ideia da espontaneidade e genuinidade do «sobressalto».
Será que pensam os seus organizadores que nos convencem de que este Congresso se realiza neste tempo e deste modo por puro acaso de algumas conversas de circunstância de alguns «independentes» da sociedade civil?
Serão eles capazes de nos olhar de frente e nos dizerem que a iniciativa deste Congresso nada tem a ver com a actuação política do Presidente da República, nada tem a ver com os timings de acção política daqueles que pensavam ver o PSD em profunda crise após as eleições autárquicas, nada tem a ver com a convicção exposta, por muitos dos seus inspiradores, de que 1994 era o ano da última oportunidade para os adversários do Governo? Ou será que querem que a gente não pense?
E não adianta tentar iludir-nos, negando intenções ao Congresso que nunca ninguém de bom senso lhe atribuiu, para, nessa negação, esconder objectivos bem mais concretos e precisos. De facto, não pensamos que o Congresso se destine a fundar um novo partido- destina-se a educar e a corrigir o que há, o Partido Socialista-,...

Aplausos do PSD.

... nem que se destine a «formar» uma coligação - destina-se a sugerir fortemente a sua necessidade ao Partido Socialista -, nem ainda que pretenda lançar qualquer candidato à Presidência- destina-se a manter uma plataforma que o permita e a publicitar alguns nomes «independentes» para o efeito. Fará tudo isso com a ambiguidade suficiente para parecer que não diz o que realmente diz e não faz o que realmente faz.
Se o Congresso se bastasse na crítica a um partido ou ao Governo, ainda se compreenderia. Mas cada vez mais o Congresso assume a linguagem, os tiques e os truques do discurso anti-partidos, que é também em Portugal um discurso anti-parlamentar e hostil aos mecanismos das democracias representativas.
Os organizadores do Congresso acham que eles próprios se distinguem dos partidos por não se «regerem pela lógica da luta pelo poder», entendido este como se fosse uma coisa vil, feita de enganos e artimanhas, a que eles, evidentemente, são alheios e superiores.
O discurso anti-poder pode ser muito simpático para os anarquistas, mas não fica bem em quem se encontra bem instalado dentro desse mesmo poder, detendo cargos e funções no establishment do poder político, cultural, académico, judicial e económico.

Aplausos do PSD.

Para quem é juiz, reitor, magistrado, conselheiro de Estado, antigo ministro, administrador de fundações, vereador, Deputado, mandatário de políticos e de listas eleitorais, todos eles, até porque conhecem bem o poder de dentro, não podem patrocinar este discurso anti-poder sem hipocrisia.

Aplausos do PSD.

Acresce que este discurso não pode ser feito numa democracia sem a distinção essencial de que em democracia o poder político é legitimado e é uma forma de exercício da vontade popular. É para isso que os cidadãos votam- para exercerem por via da representação política o seu poder- e ainda não se descobriu outra forma de garantir a expressão consistente das opiniões políticas que não seja pela mediação partidária.
Não tenham ilusões os congressistas, nem nos iludam a nós. A questão é que, mesmo sem servidão partidária, a lógica deste Congresso e dos seus participantes é estritamente a lógica da intervenção partidária no seu pior sentido, feita de silêncios, ocultações, meias-palavras e disfarces que são características do pior da intervenção política, partidária ou não.

Aplausos do PSD.

A desvalorização do sentido das palavras - um dos efeitos mais perniciosos e reducionistas do mau discurso político- tem aqui abundante expressão. É o calar dos defeitos próprios pela enunciação dos defeitos alheios, é a hipocrisia de se esconder o que se pensa quando não é «politicamente correcto».
Que diferença há entre ter um partido por detrás ou não neste Congresso? Seria ele muito diferente se fosse, por exemplo, uma daquelas convenções da Esquerda Democrática que o PS fez em tempos? Se o presidente do Congresso caísse de Sirius e observasse os esforços do Comandante Gomes Mota nos últimos meses, não diria que obedeceriam a uma lógica de tomada do poder e não os classificaria de formas «repugnantes» da vida partidária?
Ao excluírem à partida da reflexão sobre o futuro os portugueses que maioritariamente apoiaram o PSD, reduziram o Congresso a uma actividade da oposição, o que em si não tem mal nenhum. O que tem maí é disfarçá-lo!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se o Congresso é aquilo que é suposto ser - o resultado espontâneo das pessoas que nele se inscrevem- e não é programático nem antecipa as suas conclusões, por que razão os seus organizadores tanto se preocupam em gerir as suas ausências (excluindo o PSD) ou em ocultar o seu excesso de presenças (escondendo o PCP)?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ao escolherem politicamente as presenças e as ausências, ao quererem esconder os «dirigentes partidários» e a presença incómoda do PCP, o que é que fazem senão «gerir uma imagem», como agora se diz? Não é isso o pior da lógica partidária, querer parecer ser o que não se é?

Aplausos do PSD.

Uma lógica de verdadeira independência não se preocuparia obsessivamente em se demarcar da vida política partidária. Aceitaria dela o que tem mérito, recusaria o que é perversão e não se preocuparia muito com os partidos mas, em primeiro lugar, com a sociedade e a opinião pública.

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Uma lógica de verdadeira independência não excluiria à cabeça o PSD nem o Governo, mas aceitaria o que há de positivo na sua acção e criticaria o que não há. Acima de tudo, seria indiferente aos efeitos políticos do Congresso.
Uma lógica de verdadeira independência não situaria o Congresso tão obsessivamente dentro do terreno das polémicas partidárias, as únicas, aliás, cujos temas se encontram expostos no manifesto inicial, e não faria julgamentos de valor sobre a eventual eficácia da oposição.
Uma lógica de verdadeira independência não conduziria aos pouco subtis ataques à imprensa, de que é exemplo o artigo do seu presidente no Expresso, em que admoesta os jornalistas por estes não fornecerem aos leitores «informações objectivas» sobre o Congresso e previne-os que se esquecem da objectividade quando tratam de matérias de facto e «logo se percebe que o fazem por filiação partidária». Hoje, poucos dirigentes políticos teriam coragem de dizer isto desta forma, mas se o fizessem não cairia o Carmo e a Trindade?
Uma lógica de verdadeira independência não teria tanto a preocupação em «gerir a imagem», escondendo os políticos e mostrando os «universitários», seguindo à letra a táctica de fazer uma fachada, mostrando os «companheiros de estrada» para esconder os verdadeiros decisores. A ridícula publicação das listas de profissões dos inscritos no Congresso é tirada a papel químico de idênticas listas com que alguns partidos de esquerda queriam disfarçar a sua «má» composição social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É puro nevoeiro! E desde quando é que pessoas que sempre se assumiram como tendo uma intervenção política - no MASP, no PRD, nos movimentos liderados pela Engenheira Maria de Lurdes Pintassilgo e que são membros activos do PS, do PCP, do PSR, da Política XXI- passaram agora a ser apresentados com a categoria de «professores universitários»,...

Aplausos do PSD.

... como para esconder o seu envolvimento político com um manto corporativo mais conveniente do que o disfarce?
A luta pelo poder político não se esgota apenas nas acções que explicitamente tem a marca de origem partidária ou que são feitas com um partido como sujeito.
Se assim fosse, haveria um partido, o PCP, que durante muitos anos quase que não tinha «vida partidária» exterior, dado que durante anos e anos e em quase todas as suas iniciativas se disfarçava sempre de qualquer outra coisa, criando abundantemente movimentos adjectivados de «democráticos» e «unitários» e partidos fantasmáticos para disfarçar as suas iniciativas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, pelas piores razões de mimetismo político, é ao PCP e às suas tácticas de ocultação que este Congresso foi buscar múltiplas sugestões.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Compreende-se que o PCP se sinta lá bem, dado que eles reconhecem o estilo...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas agora foram corridos da primeira fila!...

O Orador: - Isso é uma forma de provarem a sua própria medicina!...
Não basta, por isso, estar sempre a falar de «independência» para se ser efectivamente independente. Se tal fosse o caso, por que é que se iria buscar inspiração a um político activo, como é o Presidente da República, demasiado comprometido politicamente para um gosto genuinamente independente? E não se compreenderia porque, se há «situacionismo» em Portugal, ele manifesta-se às mil maravilhas em muitos dos aspectos da própria ideologia presidencial, à sombra da qual se colocam os organizadores do Congresso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Resumindo e concluindo, uma lógica de verdadeira independência nunca produziria este Congresso, com as suas formas caducas de intervenção política, com os seus disfarces pouco subtis, com a sua linguagem politicamente redutora sobre a realidade nacional. Dificilmente os partidos políticos fariam pior!...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Presidente do Congresso «Portugal: que futuro?» considera a vida política portuguesa «partidária e repugnante», afirmando que as pessoas dela «se alheiam» porque é um «jogo que lhes está vedado.»
Este discurso não é novo nos 20 anos da nossa democracia. Foi feito por aqueles que, em nome que de um outro Presidente da República, fundaram um «partido ético» destinado a terminar com os «partidos repugnantes», por singular acaso aqueles em que a esmagadora maioria dos portugueses se reconheciam.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Foi feito por muita gente que, nostálgica da revolução que não fez em 1974 e 1975, se recusou nos 10 anos seguintes a aceitar as regras da democracia representativa e que quis, sob vários nomes, «aprofundá-la» ou limitando-a com mecanismos de democracia directa através de variantes exóticas de «movimentos populares de base», ou com partidos de tipo novo ao modelo do socialismo castrense árabe. Foi o caso do chamado «eanismo», que conheceu o seu requiem em 1987, e do chamado «pintassilguismo», que morreu na primeira volta das eleições presidenciais de 1985.
Compreende-se, por isso, que alguns dos seus próceres estejam- e bem!- activos neste Congresso. Eles juntam-se hoje a outra das variantes desse mesmo discurso anti-partidos e anti-Parlamento, que é feita pela direita do Dr. Manuel Monteiro.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O Deputado António Lobo Xavier vai reagir!

O Orador:- Algumas dessas ideias conheceram no passado o combate de um político chamado Mário Soares e de alguns membros da bancada do Partido Socialista. Parecem, hoje, terem esquecido esses combates. É pena!...

Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: - O Congresso «Portugal: que futuro?» apresentou-se como

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uma tentativa de reedição, em 1994, dos congressos da oposição democrática realizados em pleno regime de ditadura anterior ao 25 de Abril.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é verdade!

O Orador: - Tal comparação implica não só a sugestão de que em 1994 os cidadãos se encontram numa situação idêntica à que se encontravam antes de 1974, como a de que existe hoje uma qualquer ditadura sobre o livre pensamento, a livre expressão política, a livre organização.
A utilização desta comparação é insultuosa para todos nós, para essa obra colectiva dos portugueses, que é a democracia. Comparar essa vivência em democracia, que não é posse nem obra de nenhum partido político particular mas de todos os portugueses, com a situação vivida num regime iníquo, autoritário e violento, em que existia repressão política, censura e uma guerra colonial, é fazer a pior pedagogia do 25 de Abril.
Posso falar com a autoridade de quem esteve pessoalmente presente nesses congressos da oposição democrática e recordo demasiado bem como eles correram e como eles terminaram- à bastonada da polícia pelas ruas de Aveiro.
Não me venham, pois, com mistificações da história!
É por tudo isto que é inadmissível que no plano político o Sr. Presidente da República, que afirma não querer «interferir» na governação, que diz querer «unir» os portugueses e que foi eleito por uma esmagadora maioria para fazer isto mesmo, aceite patrocinar um congresso onde explicitamente a maioria dos portugueses está excluída e que só tem uma única lógica: atacar o PSD e o Governo!
Um Presidente da República a patrocinar um congresso da oposição a um Governo que é também da sua responsabilidade é completamente injustificável!

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - O Congresso «Portugal: que futuro?» não é um congresso de professores universitários, de advogados, de médicos, um congresso de sociologia ou uma reunião sobre os direitos humanos, daquelas reuniões e congressos a que o Sr. Presidente da República honra - e muito bem! - com a sua presença. É um congresso de políticos, que irá discutir política e tirará conclusões políticas. É um acto de inteira legitimidade democrática, mas é um acto de política partidária no sentido restrito que representa a opinião de uma «parte» e explicitamente exclui a outra. Aceitar patrociná-lo é uma atitude que divide os portugueses, que imiscui a função presidencial na política corrente, tirando-lhe elevação, capacidade de moderação e equilíbrio.
Lamentamos ter de dizê-lo, mas é nossa obrigação fazê-lo com clareza.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de confirmar se não há pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não registou qualquer inscrição.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Nesse caso, Sr. Presidente, apenas queria dizer que compreendo a incomodidade dos meus pares sobre esta matéria!...

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo.

O Sr. Manuel Silva Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Açores - região autónoma deste, ainda, Estado unitário que é Portugal -, mercê das prerrogativas que a Constituição e o Estatuto Político-Administrativo lhe conferem, têm tido uma governação competente e eficaz, saída de eleições livres, têm contado com a tenacidade e abnegação de um povo, nado e criado com um pé na terra e outro no mar, de coração partido pela emigração a que foi obrigado mas quase sempre ansiando regressar.
Por isso, os Açores de hoje não são mais o arquipélago de outrora: do atraso colonial a que nos votaram, cárcere de indesejáveis de sucessivos regimes, onde não chegava a comunicação e as comunicações eram parcas, onde não se sentia o agitado palpitar do mundo.
Ignoravam-nos quase todos: dos Açores se ouvia falar pela presença dos americanos, da qual, durante décadas, nada beneficiámos; por previsões meteorológicas, onde se referia o nosso frequente anticiclone, tantas vezes confundido com tempestades; por esparsas referências da História de Portugal da época dos Descobrimentos ou das lutas liberais; por notícias de cataclismos telúricos que nos abalaram, e abalam a nossa vida de ilhéus.
Ignoram-nos ainda. Para isso tem contribuído a ausência de .informação sobre o arquipélago nos órgãos de comunicação social. E esta, ainda quando acontece, é, quantas vezes, distorcida. Exemplo disso é a já célebre, por tão badalada, mas tristíssima reportagem da RTP, alegada matança de golfinhos nos mares dos Açores.
Apesar de tudo, fomos um povo em geral culto, de uma cultura de «experiência feita», de muito livro lido à bruxuleante luz da candeia para um auditório, quantas vezes analfabeto de letra mas letrado pela escola da luta com o mar e seus monstros, com o fogo e a lava que, frequentemente, arrasavam a terra- os poucos teres e haveres de cada um.
Queremos continuar a ser um povo culto. Por isso a nossa juventude aproveita o que as centenas de escolas que, hoje, proliferam nos mais diversos graus de ensino proporcionam. Por isso nos empenhamos na formação profissional que tem vindo a abranger milhares de activos. Por isso utilizamos os contactos mais diversos que nos são facultados com o exterior, mercê de mais e melhores comunicações.
Queremos continuar a ser um povo culto na senda de homens que os Açores deram a Portugal e ao mundo: homens de letras e artes, de investigação e ciência, de púlpito e de cátedra, de evangelização pelos quatro cantos do mundo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Açores, hoje, estão diferentes. Por muito que isso custe a muitos, somos uma região autónoma com órgãos de Governo próprio - Assembleia Legislativa e Governo -, com os poderes que a Constituição e o Estatuto Político-Administrativo lhes conferem. Por mais que os centralistas agitem bandeiras, acusando-nos de perigoso separatismo quando fomos, somos e seremos portugueses dos melhores; por mais que os fiscalizadores e zeladores da ordem constitucional «usem óculos de ver ao perto» sem rasgo para enxergar mais longe...; por mais que alguns dos que se sentam nas cadeiras do poder teimem em limitar-nos os horizontes, incapazes de sonhar como sonharam e lutaram os grandes autonomistas da nossa história insular e aqueles que têm vindo, com persistência, a tornar realidade esses sonhos, velhos de muitos anos; por mais que os guardiães do erário público pensem e digam, ainda que à boca pequena, que gastamos demais; por mais que nos queiram coordenar, tutelar, fiscalizar, de modos diversos, os Açores, hoje, são diferentes. Dizem-no os residentes, com excepção de uns poucos de memória curta; dizem-no os que nos visitam e que, anteriormente, nos conheciam, podendo, por isso, comparar; dizem-no os nossos emigrantes, de visita à terra natal ou definitivamente regressados para viverem o resto dos seus dias.
Difícil, muito difícil foi chegar aqui. Só quem conhece, na prática, a nossa descontinuidade geográfica, as nossas condicionantes climáticas, a nossa debilidade económica motivada pela nossa pequenez e afastamento dos grandes centros é que pode compreender os muitos milhões de contos que ainda é necessário investir. Só quem conhece a exiguidade de dimensão uma vezes e de população outras da maioria das nossas ilhas e, ao mesmo tempo, entende que toda a pessoa tem direito a um mínimo de condições para viver percebe que tenha sido necessário dotar sete das nove ilhas, onde somente vive um quarto da população dos Açores - cerca de 60 000 pessoas -, de portos, aeroportos, centros de saúde, escolas, lares de 3.ª idade e respectivos equipamentos, para só falar de sectores essenciais à população. Só quem conhece os Açores sabe o que foi necessário fazer para contemplar com o mínimo de condições as restantes duas ilhas- aí, onde vivem três quartos da população.
É que, infelizmente, há neste país muita gente que não nos conhece. Mesmo no Governo, mesmo nesta Casa, também nos órgãos que controlam e fiscalizam. Se nos conhecerem, quantas dificuldades serão ultrapassadas!? Se nos conhecerem, quantas dúvidas desvanecidas!
Só quem conhece a realidade geográfica dos Açores sabe que não é possível extinguir ali duas das três direcções de finanças existentes. Só quem conhece a nossa descontinuidade sabe que a PSP ali necessita de mais pessoal para cumprir as suas missões. Só quem deliberada ou inconscientemente ignora que somos ilhas se permite legislar sobre orlas marítimas ou navegação costeira sem atender aos órgãos de Governo próprio da região, como manda a nossa Lei Fundamental. Só quem não conhece a realidade das pequenas ilhas se permite desactivar um aeroporto (caso das Flores) ou o centro de controlo aéreo oceânico de Santa Maria. Só quem nos conhece sabe da necessidade de garantir um serviço público de transportes de modo a não ficarmos puramente dependentes de guerras comerciais, que, às tantas, nos poderiam deixar isolados do mundo. Só quem não reconhece a nossa identidade cultural e espiritual - reconheceu-a, por diversas vezes, o Sr. Presidente da República na recente Presidência Aberta - se permite cortar 40 % nos gastos com a produção da RTP - Açores. Só quem nos conhece entende não ser possível superar os poucos mas profundos problemas ambientais que nos perturbam só com os nossos recursos científicos e financeiros, como foi admitido na recente Presidência Aberta, em boa hora promovida também na Região. E o rol poderia continuar.
Felizmente que são cada vez em maior número os Deputados desta Casa que se deslocam aos Açores. Integrados em comissões parlamentares, muitos têm tido oportunidade de tomar conhecimento das realidades geográfica, social e económica da nossa terra. Recentemente, uma luzida representação desta Casa, chefiada por Sua Excelência Presidente da Assembleia, esteve no Arquipélago para participar na sessão solene inaugural das Comemorações do Centenário da Autonomia, tendo, naturalmente, aproveitado, no pouco tempo de que dispôs, para se inteirar daquilo que hoje somos e daquilo que num futuro próximo pretendemos vir a ser. A Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares deste nosso Parlamento, correspondendo a um oportuno convite do Presidente do Governo Regional, decidiu enviar aos Açores uma delegação parlamentar, que, livremente, poderá percorrer as distâncias que entender, ver o que quiser, contactar quem desejar, em suma, inteirar-se daquilo que nós somos. Inseridos nestes contactos, salientamos a «Presidência Aberta» dedicada ao Ambiente, durante a qual o Sr. Presidente da República, governantes, Deputados, cientistas, técnicos e jornalistas tiveram oportunidade de nos conhecer melhor. Referirei também a próxima visita do Primeiro-Ministro na sequência de outras que nos últimos anos tem efectuado à Região Autónoma e que tem permitido um olhar diferente sobre as nossas realidades. Outros membros do Governo- de que saliento o Ministro do Planeamento e da Administração do Território - ali se têm deslocado no âmbito das suas funções. Só o conhecimento que este Sr. Ministro e sua equipa têm da região permitiu que o PDR tivesse em atenção as questões mais prementes que se põem ao nosso desenvolvimento.
Cabe aqui um apelo a outros responsáveis governamentais ou de empresas tuteladas pelo Estado, muito em especial aos do Ministério das Finanças, para que visitem os Açores e conheçam a nossa realidade, pois são eles que decidem, anualmente, os montantes a consagrar em sede de Orçamento do Estado para colmatar os «custos da insularidade». É com eles que se dialoga e estabelece, em primeira instância, acordos ou protocolos financeiros entre a Região e o Estado. Destes dependerá, em muito, a boa, e queremos que completa, execução do PDR. Como fazê-lo, justa e correctamente, se uma das partes não conhece a nossa realidade, melhor dito, a nossa insularidade?
Refira-se, todavia, em relação a todas estas visitas e contactos, um senão: é que, na sua grande maioria, não permitem perceber a nossa real insularidade. Nestes roteiros incluem-se, normalmente, S. Miguel, Terceira, Faial e, às vezes, o Pico, por ficar ali ao lado. Esquecem-se de Santa Maria, Graciosa, S. Jorge e, às vezes, o Pico. Esquecem-se, sobretudo, das mais ocidentais: as Flores e o Corvo e é nestas que se sente sobremaneira a insularidade. Dir-me-ão que não é possí-

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vel, em tempo tão curto, percorrer todas as ilhas e é verdade. Só que esta constatação prova que a insularidade dos Açores é mais profunda do que muita gente possa pensar. Lembrá-lo aqui é pertinente, pois que quem tem o poder frequentemente nivela- quantas vezes por baixo- as insularidades das duas regiões autónomas. Lembrá-lo aqui poderá parecer redundante. Não o é, todavia, pois que todos aqueles que nunca experimentaram a insularidade na sua verdadeira extensão comparam-na- quantas vezes para desculpabiliza desatenções e omissões - à interioridade, como se o mar que nos separa, internamente e do exterior, fosse igual à terra que, apesar de tudo, une o interior ao litoral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que há muito para fazer nos Açores tem-no reconhecido a Comunidade Europeia. Muitas afirmações e alguns actos têm permitido importantes realizações nos últimos anos, visando uma aproximação aos níveis de vida do Continente. Não esperamos tudo da Europa! Esperamos também que a solidariedade nacional, claramente consagrada na Constituição, seja crescente, sobretudo no momento em que a crise económica também nos atinge. Importa não esquecer que somos poucos, dispersos, longínquos e, nestas circunstâncias, aqueles que mais são atingidos.
Já é tempo de se reconhecer na prática a realidade geográfica descontínua dos Açores e daí retirar as devidas consequências.
Por mais que isso custe, nós não somos Continente. Somos um arquipélago ultraperiférico de Portugal Continental e do Continente Europeu, constituindo uma região dotada de autonomia política e administrativa (quem dera também financeira!), que muitos elogiam encomiasticamente, mas que, na prática, é, ainda, ferida de ressaibos centralistas. Haveria melhor maneira de enaltecer a autonomia das regiões do que promover uma revisão constitucional específica sobre a matéria se não for possível fazer a revisão geral em tempo útil, conforme sugeriu o Presidente do Governo Regional?
O centenário da autonomia dos Açores ficaria, assim, indelevelmente assinalado e a democracia mais fortalecida.
De uma maneira ou de outra, continuaremos, nós, açoreanos, no nosso posto, a lutar por melhores dias, pois que o regime autonómico é dinâmico.
Continuaremos a construí-lo! Nesta tarefa queremos envolver todos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Martins Goulart.

O Sr. Martins Goulart (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo, ouvi com particular atenção a sua intervenção, que foi suficientemente vasta para impedir que eu, em três minutos, o máximo tempo de que disponho, possa comentar um discurso que entendo ser de oposição ao Governo da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ao considerar, vastas vezes, de forma crítica, as questões que têm dificultado o desenvolvimento harmonioso da Região Autónoma dos Açores e até os mecanismos de relacionamento entre a Região Autónoma e os outros órgãos de soberania, registo o desassombro com que V. Ex.ª proclamou a sua posição
relativamente aos problemas que a Região Autónoma defronta, no sentido de se procurarem melhores formas de articulação entre o Estado e a Região Autónoma.
Porém, fico-me, pura e simplesmente, por uma pergunta que lhe quero dirigir porque, se por um lado, apelou ao entendimento e ao conhecimento que se deve procurar, alimentar e fortalecer entre os cidadãos portugueses residentes na Região Autónoma e os cidadãos portugueses residentes no restante território nacional, penso que, talvez por equívoco, terá iniciado o seu discurso referindo - e não sei se vou reproduzir literalmente a sua frase inicial- que os Açores eram uma região autónoma deste ainda Estado unitário que é Portugal. Sei que mais tarde disse que éramos portugueses dos melhores. Mas, às vezes, são pequenos equívocos que fazem com que permaneçam no espírito de alguns questões latentes que podem dificultar esse diálogo e esse entendimento.
Agradecia, por isso, a V. Ex.ª que me esclarecesse se, efectivamente, foi um equívoco o facto de ter referido que os Açores são uma região autónoma de este ainda Estado unitário que é Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo.

O Sr. Manuel Silva Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Martins Goulart, começo pela última questão que me colocou relacionada com a afirmação «deste ainda Estado unitário que é Portugal», que produzi e que causou algum sururu na Sala.
Penso que essa afirmação não comporta nenhum drama. Se Portugal algum dia resolver consagrar na Constituição que em vez de um Estado unitário teremos um Estado regional, em que uma das regiões seja a dos Açores, não deixaremos de ser portugueses, e dos melhores, por causa disso.
Relativamente às outras questões, começou por dizer que o meu discurso era de oposição- a classificação é sua. É evidente que apontei factos concretos que no Governo, até nesta Assembleia, em órgãos de fiscalização e de controlo me parecem estar mal, que ainda não estão ajustados àquilo que pensamos da nossa autonomia e àquilo que queremos para os Açores e fundamentei isso na falta de conhecimento que se tem da nossa realidade autonómica.
Um dia destes, folheando um dos últimos acórdãos do Tribunal Constitucional, sobre um assunto agora irrelevante, constatei que um dos juízes vencidos, a certa altura, dizia que «só quem não conhece a realidade dos Açores, o isolamento, a sua geografia, pode permitir a opinião ...», como era a opinião maioritária dos juízes que tinham votado favoravelmente pela inconstitucionalidade de um diploma da Assembleia Regional.
De facto, como procurei evidenciar na minha intervenção, aqui está tudo: se nos conhecerem quantas dificuldades serão aplanadas, se nos conhecerem quantas dúvidas serão desvanecidas!
Saliento mais uma coisa que poderá ter passado desapercebida na minha intervenção e que me parece muito importante. É que as pessoas que visitam os Açores, desde os governantes aos outros cidadãos, dizem que conhecem o Arquipélago porque visitam S. Miguel e a Terceira, ou porque visitam uma ou outra

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ilha, e esquecem-se das outras ilhas. E é nessas ilhas que se vê muito mais a insularidade. Digamos que em algumas ilhas dos Açores existe a insularidade dentro da insularidade. E penso que isto poderá ter passado desapercebido, mas é importante.
Finalmente, quanto à sua referência ao discurso de oposição, penso que é importante trazer estes assuntos a esta sede, porque a dialéctica entre autonomia e centralismo sempre existiu e sempre há-de existir. De facto, o meu discurso foi de oposição, de oposição ao centralismo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma última intervenção no período de antes da ordem do dia, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, registo o desconforto com que o PSD encara a realização de um congresso como «Portugal: que futuro?», 20 anos após o 25 de Abril.
Proponho-vos agora que falemos das eleições europeias.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O PS considera que as eleições europeias do próximo dia 12 de Junho são particularmente importantes para o povo português.
Em primeiro lugar, porque vai poder escolher os Deputados portugueses que no Parlamento Europeu irão acompanhar a implementação das novas possibilidades abertas à Europa, e em especial a Portugal, pela União Europeia: os novos direitos políticos e sociais, as novas políticas e o reforço da coesão económica e social que se traduz no Pacote Delors II. Serão estes os Deputados que no Parlamento Europeu irão acompanhar e discutir o II Quadro Comunitário de Apoio para Portugal que se estenderá até ao final da legislatura, em 1999.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Serão também estes Deputados que irão participar activamente, a partir de 1996, na revisão do Tratado Maastricht e na definição do futuro da União Europeia.
Mas estas eleições são também importantes porque irão constituir um momento decisivo para que os eleitores portugueses responsabilizem os Governos de Cavaco Silva pela situação de crise que o País atravessa.
A integração europeia de Portugal permitiu-nos aceder a condições únicas para a modernização da nossa economia e da nossa sociedade.
Com efeito, para fazer face aos desafios do Mercado Interno, a Comunidade Europeia pôs à disposição dos países membros menos desenvolvidos um vultuoso programa de ajudas, que duplicava os fundos estruturais até aí recebidos. Foi o pacote Delors I.
Este instrumento poderia ter sido concebido como um programa de desenvolvimento das infra-estruturas, ou como um programa de desenvolvimento económico, mas a Comissão Europeia optou por um Plano de Desenvolvimento Regional.
Pretendia, assim, dotar os países membros menos desenvolvidos dos meios financeiros necessários para que procedessem ao seu desenvolvimento regional equilibrado e fortalecesse o respectivo sistema produtivo por forma a poderem competir num mercado aberto.
O dinheiro veio e foi gasto. Milhões, como nunca se tinham visto no século actual.
Mas que resposta daremos nós aos contribuintes europeus e aos contribuintes portugueses que foram obrigados a complementar os auxílios comunitários por, depois de passados cinco anos e gastos 3500 milhões de contos, os desequilíbrios regionais se terem acentuado, a desertificação de enormes zonas do país crescido dramaticamente e o sistema produtivo- a agricultura, as pescas, a indústria- em vez de crescer registar quebras impensáveis e o desemprego acelerar todos os dias? A economia, por muito que o Governo queira esconder, está parada. Ninguém paga a ninguém, a começar pelo Estado, que não paga aos empreiteiros, aos seus fornecedores e que há mais de seis meses não devolve às empresas o IVA a que estas têm direito.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!

A Oradora: - O povo português pergunta realmente como isto é possível, como é que quanto mais o país recebe da Comunidade menos produz!
É razoável e sensato que quem sozinho administrou com tanta irresponsabilidade o I Plano de Desenvolvimento Regional venha agora ser responsável pela aplicação do n Plano de Desenvolvimento Regional, que, como o primeiro, nada tem de regional, mas que conta com o dobro das verbas vindas da Comunidade e o dobro dos impostos pagos pelos contribuintes portugueses?
O povo português não pode esquecer que o PSD tem, sozinho, governado Portugal desde que entrámos na Comunidade Europeia em 1986 e que só a ele se podem e se devem exigir responsabilidades.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora:- É essencial que no dia 12 de Junho os portugueses digam basta a este desperdício imperdoável, de verbas, de vontades e de iniciativas e que penalizem fortemente o PSD pela situação em que o país se encontra.
E que não se deixem enganar pelos partidos que por serem contra a União Europeia tentam encontrar na Europa as culpas que, em dimensão decisiva, cabem ao Governo português.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

A Oradora: - O próprio Engenheiro Eurico de Melo, na sua primeira entrevista ao Expresso como cabeça de lista do PSD às eleições europeias, disse: «Sempre divergi, nomeadamente, da velocidade com que se estava a querer fazer a convergência nominal económica. Portugal não tem capacidade de fazer essa convergência a grande velocidade e quando se quis fazer isto feriu-se - e feriu-se muito - a convergência real. Os efeitos estão à vista e foram agravados pela crise».
Até o próprio Engenheiro Eurico de Melo aponta quem são os responsáveis. Curioso é que o manifesto eleitoral do PSD para estas eleições europeias afirme peremptoriamente que «considera imperioso que Portugal se empenhe na realização dos critérios de convergência e mantenha como prioridade a sua participação plena na terceira fase com o horizonte de 1997.
Mas, então, em que ficamos, Srs. Deputados do PSD? O horizonte temporal deve ser logo em 1997, como se diz no vosso manifesto eleitoral, ou defendem a redução da velocidade com que se está a querer fazer a convergência nominal, como afirma o vosso ca-

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beça de lista? Não podemos brincar com estes assuntos! É que este é um aspecto essencial que põe em causa a sobrevivência do nosso sector produtivo.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, também as posições do CDS-PP e da CDU não têm aparecido claras. A CDU que sempre foi contra a adesão de Portugal à Europa mantém uma posição coerente. Votou contra o Acto Único, votou contra a União Europeia e luta por uma Europa que não existe.
É um jogo viciado à partida. É querer eleger Deputados para exercerem funções em órgãos onde consideram que Portugal não deveria estar representado.
Curiosamente, é esta também a actual posição do CDS-PP, que não da sua bancada parlamentar, a quem presto a minha homenagem. É que a actual direcção do CDS-PP, contrariando as posições assumidas desde sempre pelo seu partido, defende agora uma Europa intergovernamental semelhante à que quer o PCP, mas que também não existe. O que dirão os eleitores do CDS-PP que, como eu, se lembram dos tempos de Freitas do Amaral e de Lucas Pires, em que o partido era entusiasticamente apoiante de uma Europa mais unida política, económica e socialmente?
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, é demasiado grave e divergente o que está em jogo e, por isso, o Dr. António Vitorino, aquando da apresentação do manifesto eleitoral do PS esta semana, no Porto, lançou três reptos que eu aqui venho recordar e reforçar.
Primeiro repto: surgiram nos últimos dias notícias não desmentidas de que há quem pense que os debates entre os quatro cabeças de lista são pouco esclarecedores. Hoje mesmo o Engenheiro Eurico de Melo, em declarações à rádio, afirmou a sua recusa de voltar a participar neste tipo de debates. Ele lá saberá porquê!
O PS espera sinceramente que estas posições não constituam um pretexto para que os cabeças de lista se furtem ao debate democrático, à clarificação total das suas posições políticas e, desta forma, à efectiva mobilização do eleitorado para as eleições de 12 de Junho.
Por isso, o nosso cabeça de lista António Vitorino desafiou os cabeças de lista do PSD, do PCP e do CDS-PP, no sentido de realizarem debates dois a dois nos vários canais de televisão, por forma a tornar claras quais as diferenças recíprocas das várias candidaturas. E hoje mesmo renovou este desafio ao Engenheiro Eurico de Melo. Os debates a dois evitam todos os receios manifestados pelo cabeça de lista do PSD.
A essência da democracia é o debate. Esperamos convictamente que nenhum dos outros cabeças de lista se furte a este repto. É que quem recusa debates demonstra ter medo de não estar à altura do que deles se espera e torna-se pelo menos responsável moral pela abstenção!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Segundo repto: o PS integra, como se sabe, a maior família política europeia no Parlamento Europeu - o Grupo Socialista Europeu. Mas à clareza dos compromissos europeus do PS corresponde a maior confusão quanto aos restantes partidos concorrentes a estas eleições.
A este propósito, gostaríamos de convidar o PSD a clarificar, de uma vez por todas, qual o grupo parlamentar que vai integrar na próxima legislatura.
O PSD tem estado integrado, como se sabe, no Grupo Liberal e Reformista e agora vem publicamente «namorar» o Partido Popular Europeu com a benção do candidato independente Lucas Pires.
Convém recordar que o PPE é o partido que expulsou o CDS-PP do Dr. Manuel Monteiro por este não ser suficientemente federalista. Que posição tomará então o PPE se ler a já referida entrevista do Engenheiro Eurico de Melo ao Expresso em que este disse - e volto a citar: «Sou totalmente contra qualquer tipo de federalismo. Não pode haver dúvidas a esse respeito, porque o programa do PSD impede qualquer tipo de federalismo».
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, o povo português tem o direito de saber que compromissos europeus vai o PSD assumir, que solidariedades europeias sustentarão as posições do PSD, como é que o PSD pretende defender os interesses nacionais no futuro Parlamento Europeu.
É que não deve ser por acaso que a primeira reunião do grupo do Partido Popular Europeu está marcada para o dia 27 de Junho no Estoril!
Por outro lado, na semana passada, o Deputado do PS ao Parlamento Europeu, Coimbra Martins, apresentou uma proposta de resolução visando impugnar a legalidade do Decreto-Lei n.º 94 211, de 11 de Março de 1994, do Ministro do Interior francês Pasqual, que põe em causa a liberdade de circulação dos trabalhadores, visando especialmente os emigrantes portugueses.
Trata-se de um atentado à cidadania da União consagrada no Tratado de Maastricht.

O Sr. José Magalhães (PS):- Exacto!

A Oradora: - Neste contexto, não deixa de ser significativo que tudo indica que o CDS-PP virá a integrar no Parlamento europeu o grupo do RDE, a que pertence o RPR francês, o partido do Ministro Pasqua, responsável por aquele decreto.
Gostaríamos, por isso, de lançar aqui ao Dr. Manuel Monteiro e ao CDS-PP o repto de tornar claro quais os compromissos do CDS-PP com o RDE e de lhe perguntar se aceita sentar-se ao lado dos Deputados que apoiam legislação francesa lesiva dos interesses dos emigrantes portugueses em França.

O Sr. José Magalhães (PS): - Aceita e aplaude!

A Oradora: - Aqui se vêem os efeitos do nacionalismo e quem é que é prejudicado em primeira linha pelas políticas nacionalistas.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - O anti-europeísmo do Ministro Pasqua é idêntico ao do Dr. Manuel Monteiro e as principais vítimas de um e de outro são, infelizmente, os emigrantes portugueses em França.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, os socialistas têm um percurso político de fidelidade ao ideal europeu,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sinuoso e tortuoso!

A Oradora: - ... que lhes permite reivindicarem para si a responsabilidade histórica de terem apontado o rumo da integração europeia.

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Para o PS a integração plena de Portugal no todo europeu constitui a única via para a reconstrução do papel do Estado português no mundo, para a modernização do Estado e da economia e para a liberdade da sociedade civil.
O PS considera que a União Europeia é uma construção política original, comportando elementos federais e elementos confederais, em que a essência da sua estrutura reside, e continuará a residir, no encontro de vontades de Estados soberanos, livres e independentes.
Aos demissionistas e isolacionistas contrapomos a firme convicção de que é na União Europeia que os portugueses têm que vencer! Persistindo na defesa dos interesses concretos dos portugueses, sem transigências nem ambiguidades. Conscientes que o desafio é grande, mas que só a aposta europeia vale a pena. Com a força da nossa própria identidade, da nossa cultura e dos nossos cidadãos haveremos de viver melhor numa Europa de paz, de emprego, de bem-estar e de solidariedade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Lobo Xavier e Nuno Delerue.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, ouvi, primeiro através do sistema de vídeo da Assembleia da República, em parte, e depois, ao vivo, a sua intervenção como que a sublinhar esse seu novo papel, de que já é candidata ao Parlamento Europeu, independentemente até da posição que o seu partido toma sobre as quotas - as célebres quotas!
A primeira coisa que lhe quero dizer é a seguinte: não podemos fazer uma marcação homem a homem ao tom e ao modo como o Partido Socialista resolveu agora entrar na segunda fase da pré-campanha eleitoral.
Mas, a si, Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, sempre lhe diremos o seguinte, em primeiro lugar: não lhe agradecemos o cumprimento que fez à bancada parlamentar do CDS-PP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Enjeitamos qualquer referência, e consideramo-la ofensiva e de mau gosto, que pretenda desligar a bancada parlamentar do CDS-PP da sua direcção.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Enjeitamos também qualquer intromissão que pretenda colocar, de algum modo, a bancada parlamentar do CDS-PP em situação de confronto com o presidente do partido.

Segunda questão: Sr.ª Deputada, é preciso ter cuidado com estas intervenções porque fez uma intervenção em que o ponto principal era a questão da coerência histórica. Ora, Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, em matéria de coerência histórica o Partido Socialista melhor faria se não dissesse nada a esse propósito...

Vozes do PS: - Essa agora!

O Orador: - Vou-lhes explicar porquê.
Porque a posição do Dr. Mário Soares, que foi secretário-geral do Partido Socialista, que negociou e que foi um dos principais adeptos e entusiastas da adesão de Portugal à Comunidade, tal como o Professor Freitas do Amaral foi presidente do meu partido, tem uma posição sobre a Europa completamente diferente daquela que os senhores defendem.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP):- Muito bem!

O Orador: - É uma posição em que aceita, na Europa, um Governo, uma Constituição, um Parlamento. Aceita mesmo um Presidente da Europa, uma posição ultrafederalista que os senhores ou não subscrevem ou, pelo menos, dizem não subscrever.
Portanto, em matéria de confronto com a História, a Sr/Deputada Helena Torres Marques à-vontade, e nós estamos. E a bancada parlamentar do CDS-PP está à-vontade porque o Prof. Freitas do Amaral saiu do CDS-PP justamente por ter a mesma posição. Portanto, ele achou melhor sair do partido, coisa que não acontece no seu, onde as pessoas, quando têm opiniões completamente diferentes, não saiem, ficam lá e falam.
O Dr. Lucas Pires também saiu e, se virmos quem mudou mais, se fizermos uma análise cuidada das mudanças, poderemos ficar surpreendidos.
Mas quero dizer-lhe ainda que os Deputados do CDS-PP que aqui estão votaram contra a ratificação do Tratado de Maastricht e que os antigos militantes do CDS-PP que citou já não estão no partido e nunca se sentaram aqui desde que Portugal entrou para a Comunidade Europeia. Isto é que é importante, isto é que é sério!
Portanto, preferiria que a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, sobre essa matéria, tivesse sido correcta, tivesse tido cuidado com os seus «telhados de vidro» e não entrasse por caminhos onde, infeliz ou felizmente, nós todos temos alguma coisa a lamentar.
Por último, também não aceito as suas referências à divisão crítica sobre o processo da integração europeia, ao seu anátema contra quem pede esclarecimentos, quem pede debate, quem pede tempo, quem pede que as coisas caminhem mais devagar, como não aceito que fale do CDS-PP e nas suas posições sobre esta matéria como se fosse um partido isolado. «No concerto Europeu há apenas um partido isolado em Portugal, que tem uma posição absolutamente inaceitável e retrógrada, esse partido é o CDS-PP do Dr. Manuel Monteiro...»- parece ser esse o seu tom!...-, o que significa um desrespeito profundo para com muitos povos da Europa, que se dividem - porventura mais do que aqui -, que se extremam em posições sobre esta matéria - muito mais do que aqui -, sem que ninguém nesses países se atreva a condená-los da forma como a Sr.ª Deputada nos condenou.
Sr.ª Deputada, relativamente à coerência e ao respeito pelo povo- e digo-o com o pensamento em antigos dirigentes do Partido Socialista -, para respeitar a coerência e para respeitar o povo melhor seria que tivessem aceitado o referendo na altura própria e que não viessem agora, tão tarde, aperceber-se das suas virtualidades e dos seus benefícios.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP):- Muito bem!...

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Correia Afonso.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, também saúdo o seu duplo estatuto de Deputada à Assembleia da República e de candidata ao Parlamento Europeu. De resto, candidata num lugar injusto, na minha opinião - permita-me este comentário-, sobretudo para um partido que tinha definido como critério político a valorizar uma significativa presença de mulheres, com quotas que, inclusivamente, não concretizou na primeira oportunidade que teve para o fazer.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Isso é conversa para o Dia Internacional da Mulher.

O Orador: - De resto - e porque as listas significam o que significam-, valerá a pena dizer mais duas coisas sobre esta matéria, porque elas são, em si mesmas, paradigma daquilo que é o coerência e o discurso político do Partido Socialista.
E a primeira coisa que quero dizer é que o PS acusa normalmente o PSD de asfixiar o debate político em Portugal, de restringir o Estado a uma enorme «laranja» e quando nós comprovamos no concreto, em relação a lugares que são algo apetecidos, aquilo que é a quota de independentes numa lista e na outra, as ilações são evidentes: depois da lista que fez para o Parlamento Europeu, o PS não tem legitimidade para fazer esse tipo de discurso, como não a tem para encher a boca com o Norte, como tantas vezes faz, num discurso que eu não sei bem se é de nortismo ou de nortada, e depois ter como representante do Norte o quinto ou sexto (presumo que é o sexto) candidato na sua lista ao Parlamento Europeu.
Mas, enfim, isto são, obviamente, curvas mais apertadas em que a política é fértil, e nós estamos a elas habituados vindas do Partido Socialista ou até do CDS-PP.
Ouvi com muita atenção a intervenção do Sr. Deputado António Lobo Xavier, muito boa na opinião do Sr. Deputado Narana Coissoró, e lembrei-me, com alguma piada, daquelas que são as grandes vedetas do CDS-PP recuperadas no seu último Congresso. Recordei-me de pessoas com mérito inegável, mas, meu Deus, o Dr. Cavaleiro Brandão e o Dr. Morais Leitão, eles mesmos, os números dois dos ultrafederalistas Freitas do Amaral e Lucas Pires!
Enfim, em matéria de coerência estamos entendidos e queremos dizer muito claramente que, nesta matéria, e em relação às eleições para o Parlamento Europeu, o PSD não aceita, de maneira nenhuma, converter este assunto numa discussão à volta da aplicação das verbas do I Quadro Comunitário de Apoio em Portugal. Nós suscitámos esta questão na Assembleia da República, pedimos a colaboração e a compreensão dos outros partidos para que este debate pudesse ser feito num tom sereno, calmo e a seu tempo. Os outros partidos, nomeadamente o Partido Socialista, inviabilizaram-no e, portanto, o que está em causa não é o resultado da aplicação das verbas dos fundos comunitários. Essa avaliação há-de fazer-se- e terá de fazer-se-, mas é, obviamente, matéria para as eleições legislativas de 1995.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Mas vai haver um debate entre o Engenheiro Eurico de Melo e o Dr. António Vitorino?

O Orador: - Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, há só uma questão que eu quero deixar muito clara, porque foi uma questão concreta que a Sr.ª Deputada aqui colocou: os debates na televisão.
A nossa disponibilidade para debates televisivos esclarecedores é total.

Vozes do PS:- Ah!...

O Orador: - Só que, Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, não somos nós que condicionamos os apetites dos vários órgãos de comunicação social e, portanto, a crítica que está implícita na afirmação que fez tem outro tipo de destinatários que não o PSD. São os responsáveis desses órgãos de comunicação social que, eventualmente, os prevêm. Não há no PSD, neste momento, nenhum convite de órgãos de comunicação social para debates a dois com a presença do Engenheiro Eurico de Melo. Quando os houver eles serão equacionados e a disponibilidade do PSD é, obviamente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, total.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Essa é uma boa notícia.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, quero, em primeiro lugar, agradecer as perguntas que me foram feitas, em especial ao Sr. Deputado António Lobo Xavier, que veio do seu gabinete para o Plenário a fim de podermos trocar estas opiniões.
Penso que foi exactamente devido a essa deslocação, em que não pôde ver a televisão nem ouvir-me, que fez algumas das afirmações que produziu, que não correspondem exactamente ao que eu disse.
O Sr. Deputado conhece-me já há muito tempo, sabe que sou muito precisa naquilo que escrevo, que estudo bem as coisas que faço e, portanto, não fiz algumas das afirmações que mencionou.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Então repita-as.

A Oradora: - Em primeiro lugar, se não se importam, queria pegar num assunto que me é caro: o problema das quotas.
Falaram ambos os Srs. Deputados neste tema e, como acho que tenho razão, quero publicamente dizer que todos os que me conhecem nesta Câmara sabem que trabalho em matéria de assuntos europeus há muitos anos. Portanto, era natural que eu entrasse na lista do meu partido para o Parlamento Europeu. Mas, de facto, devia haver mais mulheres nas listas e lamento que assim não seja.
Gostava, porém, que os senhores «enfiassem a carapuça», já que, tendo o PSD tantas mulheres no seu grupo parlamentar que podiam ser candidatas ao Parlamento, é exactamente uma candidata independente, Helena Vaz da Silva - que, aliás, vou ter muito gosto em encontrar no Parlamento Europeu - quem representa as mulheres social-democratas. Acho que isto é uma afronta para as mulheres social-democratas e que elas não mereciam que lhes fizessem isso.

Risos do PSD.

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Quanto ao PCP, esse então não põe qualquer mulher em lugar elegível, o mesmo acontecendo com o CDS-PP. Portanto, nem sequer têm este argumento para invocar.
Sr. Deputado António Lobo Xavier, a coerência do PS em matérias europeias está acima de todas as questões. Nós somos profundamente europeístas, desde o primeiro dia estamos com a adesão, nós fizémos a adesão. Nós estamos com o Acto Único, com o Tratado da União Europeia e queremos reforçar cada vez mais o papel de Portugal na Europa.
A posição do Dr. Mário Soares é perfeitamente legitíma, porque nós, no PS, primeiro consideramos ser legitimo que cada um tenha a sua opinião e o Dr. Mário Soares, neste momento, nem sequer é membro do Partido Socialista.
Mas muito mais importante, na minha perspectiva, é que a intervenção do Dr. Mário Soares como Presidente da República foi excelente, porque demonstrou ao portugueses que se no futuro a União Europeia viesse a transformar-se num Estado federal isso era bom para Portugal, não ficava em causa a soberania portuguesa e que os receios que o Dr. Manuel Monteiro e o CDS-PP andam a apontar são perfeitamente injustificados.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E o Dr. Mário Soares era o Governador de Portugal e não o Presidente da República.

A Oradora: - Ninguém melhor que o Presidente da República para pôr os problemas no seu lugar.
Mas, como sabe, não é essa a posição do Partido Socialista e eu defendi a posição do meu partido.
Fico, porém, com muita pena que não tenham respondido à pergunta que vos lancei no sentido de saber onde é que o CDS-PP vai sentar-se. Vai sentar-se ao lado do partido do ministro Pasqua, que é contra os emigrantes portugueses?

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Mas os socialistas europeus foram sempre a favor de Portugal?

A Oradora: - Foram sempre a favor de Portugal, defendemos sempre os interesses portugueses na primeira família política da Europa.
O Sr. Deputado Nuno Delerue também não respondeu às perguntas que fiz. Disse não querer que neste debate para as eleições europeias se discuta a aplicação do I Quadro Comunitário de Apoio. A opinião é sua! O senhor não quer, mas nós queremos!... E queremos porque achamos essencial que os portugueses percebam que a culpa da nossa crise actual não é da Europa, é da forma como o Governo português aplica as políticas e as verbas que vêm da Europa. Isto para nós é decisivo e iremos fazê-lo, com certeza.
O Sr. Deputado também não me respondeu em que família política vai ficar, afinal, o PSD. Vai para o PPE? Então o PPE vem a Lisboa fazer uma reunião sem ter cá nenhum partido congénere?
Sr. Deputado, o Dr. Lucas Pires, que, como toda a gente sabe, tem tido uma posição ultrafederalista, está a encaminhar decisivamente o PSD para o PPE.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Mais que o Mário Soares?

A Oradora: - O Mário Soares não toma decisões sobre o PSD!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Toma, toma!

A Oradora:- Sobre o PSD?!...
Neste aspecto, o Dr. Mário Soares prestou mais um serviço inestimável ao País.
Mas o que quero dizer-vos é que, no dia seguinte às eleições, iremos ver onde é que o PSD está integrado, vamos ver se o programa do PSD está ou não de acordo com o do PPE e vamos ver se o Engenheiro Eurico de Melo é ou não, mais uma vez, ultrapassado.
Sr. Deputado, nós queremos os debates a dois e registamos, com muito agrado, a indicação hoje aqui dada pelo PSD de que o Engenheiro Eurico de Melo está disposto a fazer debates a dois nas eleições para o Parlamento Europeu. Se isso acontecer é excelente, vamos ter esse debate, o que, em minha opinião, é muito importante para o esclarecimento destas eleições.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, terminou o período antes da ordem do dia.

Eram 18 horas e 25 minutos.

ORDEM DO DIA

Entrando na ordem do dia, passo à leitura de uma carta do Sr. Presidente da República, dirigida ao Sr. Presidente da Assembleia da República:

Sr. Presidente e Meu Excelentíssimo Amigo,

Estando prevista a minha deslocação à República da África do Sui, entre os próximos dias 8 e 13 de Maio, para assistir, em representação de Portugal, à cerimónia de posse dos novos Presidente e Vice-Presidente da República da África do Sul, em Pretória, e para contactar com as comunidades portuguesas, em Pretória e na Cidade do Cabo, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República.
Aproveito a oportunidade para comunicar a Vossa Excelência que, por motivos de saúde, não efectuei as deslocações a Marrocos e a França, que estavam previstas para a passada semana.
Apresento a Vossa Excelência os meus respeitosos cumprimentos de muita estima e consideração.
Srs. Deputados, dou agora a palavra ao Sr. Secretário, para proceder à leitura de um parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é do seguinte teor:

A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar em viagem de carácter oficial à República da África do Sul, entre os dias 8 e 13 de Maio, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:

Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à deslocação de carácter oficial à República da África do Sul, entre os dias 8 e 13 de Maio.

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O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Vamos votar o parecer e proposta de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade,, registando-se a ausência do CDS-PP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

Srs. Deputados, vamos dar início à ordem de trabalhos de hoje com a apreciação da proposta de resolução n.º 57/VI - Aprova, para ratificação, o Tratado sobre o Regime «Céu Aberto».
Para fazer a apresentação da proposta, na qualidade de relator, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Belarmino Correia. Dispõe de cinco minutos para esse efeito, mas, uma vez que também está inscrito para fazer uma intervenção, pode fazê-la de seguida. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Belarmino Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de resolução n.º 57/VI foi objecto de dois relatórios, um da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, outro da Comissão de Defesa Nacional, e ambos os relatórios foram aprovados por unanimidade.
O relatório aprovado na Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação foi elaborado pela Sr." Deputada Helena Falcão, que foi substituída, pelo que irei falar apenas sobre o relatório aprovado na Comissão de Defesa Nacional.
Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: O Governo, de acordo com o artigo 200.º, n.º 1, alínea d), da Constituição da República Portuguesa, apresenta à Assembleia da República a proposta de resolução n.º 57/VI, que aprova para ratificação o Tratado sobre o Regime «Céu Aberto».
Compete à Assembleia da República, segundo estatui o artigo 164.º, alínea j), da Constituição: «Aprovar as convenções internacionais que versem matéria da sua competência reservada, os tratados de participação de Portugal em organizações internacionais, os tratados de amizade, de paz, de defesa, de rectificação de fronteiras, os respeitantes a assuntos militares e ainda quaisquer outros que o Governo entenda submeter-lhe».
O Tratado em causa visa, fundamentalmente, conforme ficou acordado na Conferência de Helsínquia, em 24 de Março de 1992, sobre «Segurança e Cooperação na Europa», estabelecer e definir um regime de maior transparência e segurança nas actividades militares, no que se refere à vigilância e observação aérea, impedindo o regresso a uma situação de suspeita e alerta que os Estados viveram no tempo da «guerra fria».
A ideia de um Tratado desta natureza surge com o Presidente Eisenhower, na Cimeira de Genebra, em 1955, e não obteve sucesso.
Voltou-se ao mesmo tema com o Presidente Bush, em 1989, que conversou e discutiu o problema com o Presidente Gorbachov, pois este aceitou discutir a proposta, não se conseguindo, apesar disso, obter resultados positivos.
Com as mudanças políticas operadas em Moscovo, em 1991, foi possível, em 24 de Março de 1992, aos Ministros dos Negócios Estrangeiros, assinarem oficialmente o Tratado, resultando de uma cooperação estreita entre a Rússia e os países ocidentais.
O Tratado abrange, além dos países ocidentais, os chamados países do Leste, os países que integravam o Pacto de Varsóvia e as Repúblicas ex-Soviéticas.
O Tratado Open Skies vem, assim, trazer uma democratização do espaço aéreo, permitindo aos Estados subscritores, segundo as regras estabelecidas no mesmo, efectuarem voos, restringindo a sua própria soberania sobre os seus espaços aéreos.
Essa democratização de observação aérea só é possível através de um conjunto de regras que a tornem material e juridicamente possível. Materialmente, pelo seguinte: o Tratado veio criar uma alternativa importante e válida à vigilância por satélite, que poucos Estados possuíam; veio facilitar a todos a observação do espaço aéreo com redução de custos, através de tipificação de sensores; veio permitir a cooperação e associação de grupos de Estados, restringindo custos na formação de pessoal e de equipamento, possibilitando ainda a utilização de aeronaves do país observado; veio permitir obter informações, cópias dos dados recolhidos tanto em relação ao seu próprio Estado, como em relação a terceiro país.
Juridicamente, o Tratado veio restringir a soberania dos Estados sobre os seus próprios espaços aéreos, dado que têm o dever de aceitar voos de observação sobrevoando qualquer parte dos seus territórios, excepto em matérias que digam respeito à segurança de navegação aérea, e beneficiando da regularidade do tráfego aéreo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Tratado contém 19 artigos que tratam pormenorizadamente de algumas matérias. São as seguintes: definições; quotas; sensores; designação do avião; selecção dos aviões de observação; disposições gerais para a realização dos voos de observação; requisitos para o planeamento das missões; voos de trânsito; proibição, desvios em relação aos planos de voo e situações de emergência; dados recolhidos pelos sensores durante os voos de observação; uma Comissão Consultiva para o regime «Céu Aberto»; notificações e relatórios; responsabilidade; designação do pessoal, privilégios e imunidades; o Benelux - Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos são considerados um único Estado; duração e retirada do Tratado; emendas e revisão periódica; depositários; aplicação provisória e entrada em vigor por etapas do presente Tratado; textos fazendo fé- alemão, inglês, espanhol, francês, italiano e russo.
Na abertura do espaço aéreo a cada país é-lhe atribuída uma quota de participação que consiste no número de voos que cada Estado tem de realizar e aceitar - quota activa e passiva.
Os números de voos estão estabelecidos em função do interesse e da dimensão de cada país.
No entanto, os voos a efectuar têm procedimentos a seguir, ao nível da navegação aérea, tendo em vista a segurança, determinadas distâncias do solo, articuladas com os níveis ou altitudes dos voos, velocidades, etc.
Portugal, teoricamente, tem direito a dois voos por ano.
No momento da ratificação há que ter em conta dois aspectos: privilégios e imunidades. O pessoal de cada Estado beneficia de privilégios e imunidades previstos na Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas.
Relativamente ao regime de responsabilidade dos Estados, cada Estado é responsável pelos danos causados a outro, de acordo com os princípios do Direito Internacional.
No que se refere à fase da entrada em vigor, prevê-se uma entrada progressiva, aproximadamente de 3 anos, depois de começar a vigorar.
Por outro lado, o Tratado também prevê, antes da sua entrada em vigor, algumas disposições transitórias.
Para o processo de ratificação e entrada em vigor exigem-se 20 instrumentos de ratificação. A entrada em

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vigor dar-se-á passados 60 dias, mas as regras e procedimentos verificam-se somente entre os países que tenham procedido à ratificação do Tratado.
Neste momento, 13 países entregaram já os instrumentos de ratificação nos países depositários, que são a Hungria e o Canadá, e os casos mais delicados e complexos são a Rússia, a Bielorússia e a Ucrânia, países onde se verificam dúvidas e hesitações quanto ao interesse do Tratado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora o objectivo fundamental deste Tratado seja de ordem militar, facilitando o cumprimento de acordos, controlo de armamentos existentes e futuros, vigilância e controlo dos espaços aéreos, etc., admite-se que o regime Open Skies possa vir a ser útil para as questões do ambiente (vigilância) e/ou ainda para a gestão de crises.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de resolução n.º 57/VI, que aprova, para ratificação, o Tratado sobre o Regime «Céu Aberto», foi presente ao Conselho Superior de Defesa Nacional, o qual, no exercício da sua competência, emitiu parecer favorável. Estão cumpridas todas as formalidades legais.
É nossa opinião que o presente Tratado vem promover o desenvolvimento da paz, da estabilidade e da segurança na Europa e, eventualmente, poderá vir a alargar-se a outras regiões.
Por isso, o Grupo Parlamentar do PSD vai votar favoravelmente a presente proposta de resolução.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (Luís Macedo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Considerando que todos têm a documentação referente a este Tratado, que é exaustiva, e depois da também exaustiva explanação do Sr. Deputado relator, permito-me abreviar esta intervenção, focando somente os aspectos que, na perspectiva do Governo, são essenciais e importa reter.
Através da generalização do direito de observação aérea, o Tratado Open Skies visa estabelecer um regime geral de transparência e confiança político-militar que impeça um regresso ao estado de suspeita e alerta em que a Europa viveu no tempo da «guerra fria».
O Tratado Open Skies é o resultado de uma fase de cooperação, particularmente fecunda, da Rússia com os países ocidentais que importa preservar e pôr em prática, face às evoluções recentemente verificadas no Leste Europeu e na Eurásia.
Embora inicialmente negociado segundo uma lógica de blocos, o Tratado ultrapassou a desagregação do «Leste» e da própria URSS, continuando a abranger todos os antigos países do Pacto de Varsóvia e parte significativa das Repúblicas ex-Soviéticas. De entre estas, apenas assinaram a Rússia, a Ucrânia, a Bielorússia, a Geórgia e o Quirgistão, mas, ainda assim, o Tratado Open Skies é o único instrumento jurídico internacional existente no âmbito político-militar que se deverá aplicar a todo o território russo, criando, portanto, um espaço de transparência que se estende «de Vancouver a Vladivostok».
Ao ultrapassar a lógica dos blocos, o Tratado cria também um instrumento que pode vir a revelar-se de grande utilidade na distensão de focos de crise regional que podem vir a surgir em grande parte da Europa, particularmente na zona central e oriental.
Para além disso, o texto admite que o regime Open Skies possa vir a servir em situações que ultrapassam as actualmente previstas, avultando aqui a vigilância ambiental ou a gestão de crises.
De referir também que, no âmbito do Tratado CEE, esta prevista a possibilidade de utilização da observação aérea como um dos modos de verificação do' respeito das obrigações de redução de armamento assumidas pelos Estados. Será, portanto, natural que os procedimentos desenvolvidos, no quadro do regime Open Skies, sejam também usados neste contexto.
Cabe ainda assinalar aqui que a cobertura geográfica do Tratado tem vocação para se expandir, estando previsto um prazo alargado de assinatura para as repúblicas sucessoras da União Soviética, um regime especial de adesão pelos demais Estados participantes na CSCE, embora aqui ainda seja preciso ultrapassar a objecção de Ancara a uma participação cipriota, e ainda a eventual admissão de quaisquer outros países, avultando, neste caso, o interesse japonês.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No contexto de alguma lentidão relativamente à ratificação pela Rússia, Ucrânia e Bielorússia, a ratificação rápida do Tratado pelos diferentes países ganha especial importância.
No mesmo sentido deverá contribuir a marcação do mês de Outubro como termo da aplicação provisória e, implicitamente, como meta política para a sua entrada em vigor.
Tal como na Cimeira de Helsínquia os chefes de Estado e de Governo da CSCE puderam registar a assinatura do Tratado Open Skies, em Budapeste teriam a ocasião de saudar a respectiva entrada em vigor. Seria um sinal bem-vindo de que permanecem vivas as condições e as esperanças de um sistema de segurança cooperativa «de Vancouver a Vladivostok».

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de me dirigir ao Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e ao Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Parlamentares, para salientar o seguinte: foi importante para este debate, que o Governo tivesse fornecido, atempadamente, elementos informativos acerca do conteúdo do Tratado e do seu estado de ratificação.
Como reclamei, várias vezes, que esses elementos fossem facultados, quero salientar esse facto, a primeira vez que ocorre, para que ele sirva de bom exemplo em situações futuras.
A pergunta que quero fazer ao Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas tem a ver com uma questão muito concreta. Nos elementos que nos foram enviados referia-se que os Estados que estavam acima da quota de oito tinham de ratificar o Tratado para que ele pudesse entrar em vigor, isto é, era obrigatório um mínimo de 20 países, nos quais teriam de estar incluídos todos os que tivessem um número de inspecções superior a oito.
Ora, na altura em que os documentos foram redigidos, faltavam ainda cinco desses Estados, entre os quais a Rússia e a Itália.
Assim, gostava de saber qual a situação actual desse processo, para sabermos se a forma esperançosa,

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como concluiu a sua intervenção, no sentido de que o processo de ratificação possa ser realizado, tem alguma coisa a ver com a realidade.
A segunda questão que lhe quero colocar pode ser ainda mais delicada deste ponto de vista: partindo do princípio de que a Rússia continua a não ratificar o Tratado, qual a sensibilidade diplomática que existe hoje em torno dessa ratificação por parte da Rússia? Faço-lhe esta pergunta, porque, como bem se entende - não é preciso ler quaisquer documentos-, o que está a ser feito neste momento é uma espécie de operação de pressão sobre alguns países, nomeadamente sobre a Rússia, que parecem estar com dificuldades em ratificar.
Gostava, pois, de saber se se caminha, realmente, no sentido da ratificação ou se se visualizam efectivas dificuldades.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional (Figueiredo Lopes): - Sr. Presidente, se me permitisse, seria eu a responder ao Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Com certeza, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional (Figueiredo Lopes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, na verdade, tratando-se de questões essencialmente de carácter operacional e técnico, pareceu ao Governo conveniente que aqui estivesse também representada a área da defesa nacional, o que faço com muito gosto.
Posso, pois, confirmar que é necessário que um número mínimo de 20 países ratifique o Tratado para que ele entre em vigor, e, neste momento, faltam ainda oito.
De facto, entre os que faltam, causa-nos alguma preocupação a lentidão, como o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas o referiu, da Rússia, da Bielorússia e da Ucrânia. Há, no entanto, informações, da parte dos países que estão em falta, de que há uma certa aceleração no sentido de que na próxima reunião, em Outubro, se possa dar por concluído todo este processo inicial, para que se possa assinalar a entrada em vigor deste Tratado.
Daí que, na óptica do Governo português e tendo em consideração os objectivos fundamentais e essenciais deste Tratado, que vão no sentido de tornar mais transparente a segurança internacional e a segurança de cada país que vai assinar o Tratado, parece-nos importante que os países que ainda não o ratificaram o façam com a maior urgência. Só assim poderão impulsionar aqueles que, porventura, tenham algumas hesitações e, sobretudo, aqueles em relação aos quais existem algumas preocupações, não por ausência de vontade manifesta de o assinar, mas pela introdução de mecanismos, eventualmente de carácter burocrático, que têm constituído algum atraso e são objecto de preocupação daqueles que querem ver este Tratado em vigor o mais rápido possível.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Quero também aproveitar a ocasião para salientar e juntar as minhas palavras às do Sr. Deputado João Amaral. De facto, foi extremamente importante e oportuno que, juntamente com os textos que nos foram distribuídos e que vamos analisar e votar, pudesse vir também uma informação que ajudasse, precisamente, a perspectivar os assuntos e a equacioná-los na sua maior amplitude. Penso que essa é uma prática correcta e adequada e faço votos para que ela continue a ser utilizada pelo Governo.
Pela nossa parte, o PS dá o seu apoio à ratificação do Tratado sobre o regime «Céu Aberto». Desenvolvido no âmbito da Conferência de Segurança e Cooperação Europeia, o Tratado estabelece o citado regime aplicável à realização de voos de observação entre os Estados signatários.
No essencial, este Tratado vem na sequência de outras acções, algumas das quais já aqui foram tratadas, como foi, por exemplo, as referentes às reduções de armas convencionais (CEE) e de meios humanos (CFEla) e, no fundo, pretende fazer também a aplicação de um regime de transparência e de confiança político-militar em tudo diferente daquilo que existia na Europa nos anos caracterizados pela política de blocos.
Tratando-se de uma ideia antiga, a verdade é que o Tratado só foi possível ser assinado em Helsínquia, em 1992, na sequência das enormes mudanças que tiveram lugar a Leste e, no fundo, também devido a um trabalho de cooperação, que ultrapassou alguns dos aspectos essenciais que caracterizaram as políticas que estavam ligadas ao Pacto de Varsóvia e às repúblicas da antiga URSS.
Pensamos também que este Tratado serve, naturalmente, para a distensão de focos de crise regional, cuja utilização pode também ser alargada, como, aliás, já foi referido, à vigilância do ambiente ou à gestão de crises. A cobertura geográfica do Tratado tem também, segundo ele próprio postula, condições para a respectiva expansão, prevendo-se diversas tipologias, quer de prazos quer de regime, para posteriores assinaturas e adesões.
As possibilidades de observação aérea, que são largamente descritas no texto, conseguem-se através de um conjunto de disposições- e talvez destacasse um ponto importante que, no fundo, tem subjacente uma ideia de cooperação relativamente significativa - que incluem a abertura de uma excepção ao princípio de soberania dos Estados e o dever dos Estados em aceitarem voos de observação.
Ainda segundo o Tratado, a observação aérea implica quotas de participação - e certamente não se poderão fazer os voos que se pretendem - e existirá também um regime próprio e adequado em termos de privilégios e imunidades e de responsabilidade dos Estados para a compensação de danos causados na implementação do mesmo.
Muito embora se constate que 13 países já concluíram os processos inerentes de ratificação, faltam ainda alguns, entre os quais sobressaem, como acabámos há pouco de referir, os casos mais complexos da Rússia, da Bielorússia e da Ucrânia. Parece-nos, pois, que será da maior relevância proceder-se à ratificação do Tratado e, deste modo, contribuir para a entrada em vigor do mesmo, em Outubro próximo, em Budapeste, correspondendo-se assim à declaração de 11 de Junho de 1993 do Conselho de Cooperação do Atlântico Norte,

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que se congratulava pelo facto de um grande número de Estados signatários do Tratado «Céu Aberto» o terem já ratificado e apelava a que os processos de ratificação em curso se desenrolassem o mais breve possível.
Aliás, Sr. Presidente e Srs. Deputados, destacava ainda, e em relação à declaração referida, as saudações elogiosas para com a CSCE- sob cuja égide se trabalhou o Tratado em análise - que decidiu reforçar as suas capacidades operacionais através de reformas estruturais importantes. Aí se refere o desenvolvimento da capacidade de aleita rápido e de prevenção de conflitos e a vontade de fazer progredir rapidamente os trabalhos do Fórum CSCE para a cooperação em matéria de segurança.
Sublinhe-se que também neste sentido se pronunciava o Conselho do Atlântico Norte, reunido em Atenas em 1993: «Os trabalhos do CSCE continuarão a beneficiar do nosso apoio activo».
É certo que a CSCE funcionou até 1989 como um instrumento que visava ultrapassar a divisão artificial da Europa. Desde a Carta de Paris por uma Nova Europa que marcou o fim da guerra fria e institucionalizou a CSCE, a sua capacidade política teve aspectos menos consequentes, como se verifica em relação à guerra da Jugoslávia e ao ressurgimento das minorias nacionais.
Na verdade, a CSCE não foi, porventura, dotada de meios operacionais capazes. Por outro lado, é preciso não esquecer o confronto entre diversas instituições que, neste momento, existem em termos europeus, com uma importância tão grande como são a OTAN, a União Europeia, a União da Europa Ocidental e o próprio Conselho da Europa.
É a partir da Cimeira de Helsínquia que parece nascer um novo «élan». O documento «os desafios da mudança» introduz alterações importantes nas já referidas capacidades em matéria de segurança e no desenvolvimento de actividades relativas à dimensão humana, sem contar com uma certa reactivação das medidas, visando o desenvolvimento da cooperação nos domínios económico, científico, tecnológico e do ambiente. O documento de Helsínquia aponta, pois, para reestruturações importantes, donde se destaca o Comité de Altos Funcionários, a promoção funcional do «Bureau» das instituições democráticas e dos direitos do Homem- efectuado a partir do mais modesto «Bureau» de eleições livres.
É também criado, através desta nova reestruturação, o Alto Comissário para as minorias nacionais; dá-se alguns passos no reforço do Centro de Prevenção de Conflitos, ao mesmo tempo que é criado um novo órgão «Fórum para a Cooperação» em matéria de segurança e a CSCE passa também a ser habilitada para operações de manutenção da paz.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assistimos a mudanças significativas aos mais diversos níveis. Depois do optimismo, talvez exagerado, sobre a nova Europa, temos agora um novo documento de Helsínquia, porventura, mais realista sobre a situação internacional que hoje se vive.
Se trouxe aqui alguns aspectos relacionados com as recentes transformações da CSCE tal fica a dever-se à ideia de que esta era também uma oportunidade para ouvir, por exemplo, a opinião do Governo sobre esta instituição da Europa e sobre as respectivas opções em termos da sua evolução. Nem sempre é possível fazer esta análise, mas a verdade é que, reunião após reunião, se vão traçando rumos e abrindo horizontes.
A CSCE procura ainda a sua própria identidade e o seu lugar numa Europa, ela própria, envolvida em múltiplas dúvidas e incertezas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como referi no princípio, damos o nosso apoio ao Tratado sobre o regime «Céu Aberto».
Para todos os efeitos, é nosso entendimento que, embora se vivam hoje contextos diferenciados, aquele constituirá mais um contributo nos objectivos permanentes que nos norteiam de paz e segurança na Europa.
O espírito de cooperação e confiança, que nasce de documentos como este, são um indicativo de que se pode encarar com mais optimismo o futuro do nosso continente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Devo dizer que não vou fazer qualquer reflexão sobre a Conferência de Segurança e Cooperação Europeia nem sobre outras conferências de segurança, pois quero cingir-me apenas ao Tratado.
De facto, o sentido global deste Tratado é positivo - e isto tem de ficar esclarecido, independentemente de qualquer consideração posterior. É positivo que ele tenha sido concebido e será positivo que entre em vigor.
Simplesmente, se há algumas dificuldades no percurso convém também ver se é tudo «líquido» no que toca ao conteúdo do Tratado ou se algumas dessas dificuldades não resultam do próprio conteúdo. Creio que, neste aspecto, vale a pena assinalar uma coisa que me parece significativa: embora assinado em 1992, a concessão do Tratado tem subjacente a lógica dos blocos, que o marca de uma forma muito profunda.
Portanto, o que acontece é que tudo o que está em aberto no Tratado- e que não é pouco!-, e que são componentes técnicas relevantes, múltiplas, era facilmente resolvido numa contabilidade que, no essencial, era feita entre duas partes. É muito complexo numa contabilidade multipolar e assente, quer se queira quer não, em múltiplas desconfianças, que existem no centro da Europa e, por isso, é importante registar que não são só, provavelmente, mais vontades, mas há reais dificuldades técnicas que convém encarar com espírito positivo.
Estou genericamente de acordo com a ideia de fomentar um élan que conduza à ratificação e à entrada em vigor do Tratado, mas creio que esse élan deve ser completado com aquele realismo de adaptar nas soluções técnicas, atendendo aos múltiplos interesses que podem estar em questão.
Não vale a pena explicar aos especialistas o que é que isto significa, mas é evidente que a capacidade de sobrevoar entregue a um número múltiplo de países, num quadro multidireccional, tem efeitos totalmente diferentes visto por cada um dos lados. Por. exemplo, o que é que significa, no plano da quota passiva, para os Estados Unidos, a imposição para ser sobrevoado? Não significa nada, sejamos realista! Mas no centro da Europa já tem um significado muito grande. Ora, isto cria uma situação que não vale a pena esconder, porque ela está em cima da mesa, no jogo diplomático.
Convém, pois, ajudar o Tratado a entrar em vigor. De alguma forma, julgo fazer um apelo, pois parece-me que este é que é o aspecto importante.
A segunda observação, que é uma das que esteve aqui ausente, é a de que nós também somos parceiros

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e não meramente subscritores. E como parceiros que somos também podemos ser sobrevoados e também vamos poder sobrevoar.
Penso que a nossa quota é dois, isto é, vão ser dois países a sobrevoar-nos e nós vamos sobrevoar dois. Imagino que iremos talvez sobrevoar - e tenho uma série de palavras que não as vou dizer...-, mas também não vou dizer que sejamos sobrevoados...
Sr. Secretário de Estado, gostava de ver essa questão mais equacionada.
Eu sei que só temos amigos..., mas há uma velha teoria segundo a qual convém ter especiais cuidados com os amigos... Por isso, no campo técnico, convém que, pelo menos, fique bem claro que as possibilidades técnicas - e sei que o sistema é sempre gizado em contrapartidas, se vamos fiscalizar a Holanda, a Holanda também nos pode fiscalizar. Essa questão está sempre assente no Tratado- sejam potenciadas, para que, quando isso entre em vigor, possamos também ter acesso à informação, compreendê-la e poder ficar numa posição sólida.
Peço desculpa por não fazer grandes lucubrações em torno da estratégia mundial e por me ter circunscrito a este modesto Tratado, mas creio que será um passo positivo para o quadro geográfico da Conferência de Segurança e Cooperação Europeia.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, uma vez que não há inscrições, declaro encerrado o debate sobre a proposta de resolução n.º 57/VI, que irá ser votada amanhã, em Plenário, no período regimental de votações.
Entretanto, dou a palavra ao Sr. Secretário para proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (Caio Roque): - Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à rectificação da substituição da Sr.a Deputada Leonor Beleza, do PSD, com início em 23 de Fevereiro passado, inclusive, e não em 18 de Fevereiro, conforme o relatório n.º 20, de 23 de Fevereiro de 1994, pelo Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS-PP, de Os verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos dar início ao debate sobre a proposta de resolução n.º 59/VI- Aprova, para adesão, o Quinto Protocolo Adicional ao Acordo Geral sobre Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (Luís Sousa de Macedo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O presente protocolo foi concluído em Estrasburgo, no âmbito do Conselho da Europa, em 18 de Junho de 1990. Na única disposição (artigo 1.º n.º 1) que apresenta relevância do ponto de vista substancial, estabelece que os «membros do Tribunal e da Comissão ficam isentos de impostos sobre salários, emolumentos e subsídios, que lhes sejam pagos pelo Conselho da Europa».
O referido instrumento insere-se no desenvolvimento do Acordo Geral sobre Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa, aprovado pelo Decreto n.º 41/82, de 7 de Abril, e justifica-se politicamente pela conveniência de Portugal participar na formação do direito produzido pelo Conselho da Europa, em cujo quadro têm sido criados muitos princípios e regras estruturantes de um direito comum aos países membros desta organização europeia.
Os Ministérios consultados, Finanças e Justiça, consideraram não haver impedimentos, de ordem técnica ou jurídica, à aceitação deste instrumento internacional, tendo em conta, respectivamente, precedentes e casos análogos, já admitidos pela ordem interna portuguesa. No fundo, trata-se efectivamente de uma situação que é, normalmente, reconhecida em relação aos titulares de certos cargos em organizações internacionais.
Com efeito, este Protocolo faz parte de um conjunto de instrumentos jurídicos internacionais aplicáveis neste domínio aos membros e participantes em processos do Tribunal Europeu e da Comissão, sendo o único a que Portugal ainda não se vinculou.
Acresce que, conforme se salienta no preâmbulo do Protocolo em causa, nos termos do artigo 59.º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, os membros das duas referidas instâncias abrangidas pelo Quinto Protocolo têm direito, durante o exercício das suas funções, a usufruir os privilégios e imunidades previstos no artigo 40.º do Estatuto do Conselho da Europa, sendo, pois, necessário complementar o Acordo Geral acima mencionado através do presente Protocolo.
Note-se, por fim, que Portugal não é parte no Acordo sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, tendo tratado as questões que se colocam nesta matéria, caso a caso, através de Acordos com as organizações internacionais em que participa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: A proposta de resolução n.º 59/VI, que o Governo apresenta à Assembleia da República para aprovação, respeita ao Quinto Protocolo Adicional ao Acordo Geral sobre Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa.
O presente protocolo incide sobre a «questão magna» da isenção de impostos sobre salários, emolumentos e subsídios pagos pelo Conselho da Europa aos Membros da Comissão e aos Membros do Tribunal.
O presente protocolo constitui uma especificação sobre os privilégios e imunidades cujo quadro genérico está referido no Protocolo Segundo (no que respeita aos Membros da Comissão Europeia dos Direitos do Homem) e no Protocolo Quarto (no que respeita aos Membros do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem).
O protocolo cuja aprovação é agora proposta à Assembleia da República tem natureza meramente estatutária e situa-se no âmbito do Acordo Geral sobre Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa, de 2 de Setembro de 1949, o qual foi ratificado por Portugal em 6 de Julho de 1982.
Aberto à assinatura dos Estados membros em 18 de Junho de 1990, o presente protocolo foi já ratificado

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pela Áustria, Dinamarca, Finlândia, Grécia, Irlanda, Polónia, Suíça e Inglaterra e assinado pela Alemanha, Hungria, Itália, Luxemburgo e Turquia.
A proposta em apreço merece o nosso voto favorável e a nossa concordância.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: De forma sucinta, é também para anunciar que o PSD votará favoravelmente esta proposta de resolução n.º 59/VI, que aprova, para adesão, o Quinto Protocolo Adicional ao Acordo Geral sobre Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa.
Aliás, nas respectivas intervenções, quer o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas quer o Sr. Deputado Alberto Martins resumiram aquilo que leva o PSD a também votar favoravelmente esta proposta de resolução, pelo que nada mais haverá a acrescentar.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está encerrado o debate sobre a proposta de resolução n.º 59/VI, a qual será votada na sessão plenária de amanhã, à hora regimental.
Vamos iniciar o debate da proposta de resolução n.º 60/VI- Aprova o Acordo de Segurança Social ou de Seguridade Social entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil e respectivo Ajuste Administrativo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estando em vigor desde Dezembro de 1970, o Acordo de Previdência Social Luso-Brasileiro e o respectivo Ajuste Administrativo, assinados no ano anterior, diversas alterações legislativas em ambos os países, embora sem pôr em causa os princípios neles consagrados, vinham justificando a sua actualização.
Ao longo de sete reuniões, a comissão mista prevista no acordo finalizou um novo texto que, mantendo o essencial do regime anterior, introduz medidas que permitem garantir a protecção dos benefícios sociais dos nacionais de um dos Estados que se transferiram para o território do outro.
O presente texto de acordo e o respectivo ajuste administrativo, assinados em Maio de 1991, em Brasília, por S. Ex.ª o Primeiro-Ministro, resultam desse processo de revisão e vêm consagrar as soluções que foram sendo encontradas para obviar às dificuldades de coordenação decorrentes das alterações legislativas até então verificadas nos dois países.
Em linhas gerais, o Acordo visa promover o bem-estar das pessoas que estejam ou tenham estado sujeitas às legislações sobre segurança social dos dois países, por forma a evitar que a emigração, ou mesmo a permanência temporária no território de outro dos Estados contratantes possa afectar os benefícios decorrentes dessas legislações.
Além disto o Acordo garante um conjunto de situações que vão desde a igualdade de tratamento, à exportação de prestações e a cuidados de saúde.
Dando solução à principal preocupação sentida pela comunidade portuguesa do Brasil, o Acordo vem resolver o problema que era colocado pela legislação brasileira, que faz prescrever os direitos às pensões de previdência social (velhice e invalidez), decorrentes dos descontos efectuados pelos trabalhadores durante a sua vida activa, se as mesmas não forem requeridas no prazo de 12 meses.
De facto, nos termos da legislação interna brasileira, quando uma pessoa interrompe as quotizações para a segurança social, por um período superior a 12 meses (ou 24 meses, no caso do trabalhador ter efectuado descontos durante mais de 10 anos), sem ter requerido uma prestação, perde a qualidade de segurado social, prescrevendo o direito aos benefícios decorrentes das quotizações efectuadas, a não ser que, ao abrigo de um acordo internacional, o interessado possa recorrer à totalização dos períodos de seguro cumpridos nos dois países.
Tão-pouco a pensão prorratizada brasileira lhes seria atribuída, uma vez que os próprios interessados não a requeriam, por esta pressupor pensão prorratizada por parte da segurança social portuguesa - alternativa à pensão nacional portuguesa que, em princípio, lhes é mais favorável.
Atentas as disposições legislativas da seguridade social brasileira, esta situação ficou salvaguardada, mediante a aplicação dos seguintes critérios: a Segurança Social Portuguesa concederá uma pensão totalizada apenas quando necessário, isto é, apenas quando o beneficiário não preencher os requisitos inerentes para a atribuição duma pensão nacional.
A seguridade social brasileira concederá sempre uma pensão totalizada, para que o beneficiário não perca os direitos adquiridos enquanto activo ao abrigo daquela legislação.
Tal como se verifica relativamente a todas as convenções de segurança social de que Portugal é parte, a entidade nacional responsável para a sua execução é a Secretaria de Estado da Segurança Social.
Julgamos que com este Acordo, em cuja negociação intervieram o Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Emprego e Segurança Social e da Saúde, é dado mais um importante passo para assegurar a garantia dos benefícios sociais dos trabalhadores emigrantes, na concretização do artigo 59.º, n.º 2, alínea e), da Constituição e na sequência do Programa do Governo, no que se refere ao alargamento da rede de acordos bilaterais de segurança social.
Pensamos também que é mais um passo, entre muitos que têm sido dados ultimamente, para o estreitamento das relações e dos laços profundos que ligam Portugal e o Brasil.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, utilizo a figura regimental do pedido de esclarecimentos apesar de o Grupo Parlamentar de PCP estar, de facto, inteiramente de acordo em dar o seu voto favorável a este Acordo entre a República Federativa do Brasil e a República de Portugal, o qual se justificava até pelo que o Sr. Secretário de Estado aqui disse.
Com efeito, o Acordo em vigor vinha já de 1969 e carecia de ajustamentos, nomeadamente de ordem técnica face ao evoluir das legislações e dos próprios esquemas de segurança social dos dois países. Por isso,

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pergunto apenas ao Sr. Secretário de Estado por que razão só três anos depois traz a esta Câmara a aprovação deste Acordo. Pensamos que já há muito tempo deveria ter entrado em vigor.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Paulo Trindade, de facto, houve um lapso de tempo aparentemente considerável que teve na sua base duas razões fundamentais: uma que se prende com o próprio processo interno de ratificação deste Acordo pela parte brasileira e outra que tem a ver, pura e exclusivamente, com o critério de oportunidade política face a um conjunto de situações que neste momento estão a ser negociadas - felizmente com bastante êxito - com o Brasil.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo, nos termos constitucionais e regimentais, apresentou à Assembleia da República, para aprovação, o Acordo celebrado entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil em 7 de Maio de 1991.
O Acordo em debate, conforme pode ler-se no seu articulado, substitui «o Acordo de Previdência Social, celebrado entre o Governo de Portugal e o Governo da República Federativa do Brasil em 17 de Outubro de 1969(...)».
O novo Acordo parece decorrer, por um lado, da sua harmonização com novos conceitos e disposições introduzidas nas legislações dos dois países e, por outro, da vontade normal e desejável de permanentemente ser melhorada a protecção social aos nacionais dos países subscritores.
Garantir aos nossos concidadãos, deslocados um pouco por todo o mundo, condições de acesso à assistência médico-sanitária, prestações de velhice, invalidez e sobrevivência nos países de acolhimento e estender aos seus familiares iguais direitos e garantias vigentes nos países subscritores, constitui obrigação inalienável dos agentes políticos e tem, necessariamente, que determinar o aplauso geral.
Lamentamos que o Acordo em discussão não se encontre totalmente liberto de impedimentos, no que à mobilidade dos trabalhadores respeita. Referimo-nos concretamente às limitações impostas a algumas classes profissionais que, infelizmente, não encontram neste Acordo a possibilidade de, também elas, poderem deslocar-se por tempo indefinido para fora do seu país e verem acumulados os direitos que o presente Acordo reconhece à esmagadora maioria das classes profissionais dos países subscritores.
O nosso lamento, entenda-se, é perfeitamente pontual se observada a globalidade da medida e tem como objectivo principal, apenas e só, alertar os negociadores deste tipo de acordos bilaterais para futuras revisões.
Não será, pois, lícito a qualquer pessoa ou entidade extrair conclusões contrárias ao espírito da nossa intervenção. É que a nossa posição, em matéria de coberturas sociais, protecção aos cidadãos e garantias de existência digna durante e após o normal ciclo de trabalho, não oferece dúvidas à sociedade portuguesa.
As iniciativas que temos assumido, designadamente no capítulo da defesa dos idosos e dos excluídos socialmente, são exemplo mais que suficiente para ilustrar o que afirmámos.
Pena é que outros com mais poder - o que resulta da maioria que detêm nesta Assembleia- não demonstrem igual sensibilidade social.
Finalmente, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Partido Socialista manifesta, antecipadamente, o seu apoio e aprovação ao Acordo de Segurança Social ou Seguridade Social e respectivo Ajuste Administrativo, celebrado entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil e recomenda ao Governo que não se limite a celebrá-los. Deverá dar passos qualitativos no capítulo da informação/divulgação.
Esses passos significam que o Acordo ou acordos que celebra com outros países não devem ficar apenas pelos gabinetes da administração central. Pelo contrário, tratando-se de conceder aos cidadãos mais e melhores regalias de índole social, importa que se promova ampla e diversificada divulgação junto dos potenciais beneficiários.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, Srs. Deputados: O Sr. Secretário de Estado já resumiu de forma bem elucidativa o conteúdo do Acordo e as razões que levam o Governo a fazer a sua apresentação, na Assembleia da República, para posterior ratificação.
Todavia, existem três ou quatro ideias importantes que gostaria de desenvolver quanto ao conteúdo deste Acordo que, desde logo, permite a melhoria da situação dos trabalhadores dos dois países no domínio social.
Em primeiro lugar, gostaria de salientar a preocupação social demonstrada, em relação ao conteúdo do Acordo e sua feitura, pelos dois países envolvidos; em segundo lugar, saliento o facto de este Acordo dar resposta aos interesses dos trabalhadores portugueses que desenvolvem a sua actividade no Brasil, de forma a que estes possam garantir a sua situação em termos de segurança social, independentemente do sítio onde passem, de alguma maneira, as suas vidas depois de deixarem de trabalhar; em terceiro lugar, refiro o conteúdo das explicações dadas pelo Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, nomeadamente no cumprimento da Constituição e do Programa do Governo, que também constituem razões que deveremos aqui salientar.
Por último, é de referir a importância que tem este Acordo na ligação ao Brasil. Penso que este é mais um passo dado na prossecução e junção dos interesses entre Portugal e o Brasil. Por tudo isto, o PSD votará favoravelmente esta proposta de resolução.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Não havendo mais inscrições, está encerrado o debate da proposta de resolução n.º 60/VI.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 12 horas, com a discussão, na generalidade e especialidade, do projecto de lei n.º 407/VI - Amnistia de diversas infracções e outras medidas de clemência (PAR, PSD, PS, PCP e Os Verdes). Cada grupo parlamentar poderá usar da palavra por um período de 10 minutos.

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Às 15 horas, inicia-se a 2.ª parte da reunião plenária e, para além do período de antes da ordem do dia, terá como ordem do dia a apreciação dos projectos de lei n.ºs 378/VI - Alarga a possibilidade de os municípios nomearem vereadores a tempo inteiro (PCP) e 346/VI - Aprova opções tendentes a assegurar o acesso dos cidadãos à informação sobre a legislação, jurisprudência e a doutrina, reestruturando o sistema integrado de tratamento de informação jurídica- DIGESTO (PS).
Está encerrada a sessão

Eram 19 horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
José Albino da Silva Peneda.
José Angelo Ferreira Correia.
José Manuel Nunes Liberato.
José Pereira Lopes.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

António Carlos Ribeiro Campos.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.

duardo Ribeiro Pereira.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.

Partido Comunista Português (PCP).

António Filipe Gaião Rodrígues.
António Manuel dos Santos Murteira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Maria Pereira.
Arménio dos Santos.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Miguel de Vallcré Pinheiro de Oliveira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Luís Santos da Costa.
Carlos Cardoso Lage.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Luís Filipe Marques Amado.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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