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Sexta-feira, 6 de Maio de 1994 I Série - Número 68

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 5 DE MAIO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José de Almeida Cesário
Belarmino Henriques Correia

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 12 horas e 15 minutos.

Ordem do dia (1.ª parte).- Foi discutido e depois aprovado, na generalidade, na especialidade e em votação final global, o projecto de lei n º 407/VI - Amnistia diversas infracções e outras medidas de clemência (Presidente da AR, PSD, PS, PCP e Os Verdes), tendo intervindo, a diverso título, os Srs Deputados Guilherme Silva (PSD), Alberto Costa (PS), Narana Coissoró (CDS-PP), José Vera Jardim (PS) e Odete Santos (PCP).
Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de resolução n.º 63/VI, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
O Sr. Deputado António Maria Pereira (PSD) transmitiu à Câmara o testemunho da delegação de observadores da Assembleia da República às eleições na África do Sui e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Rui Vieira (PS), Pacheco Pereira e Carlos Oliveira (PSD).
O Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrígues (PCP) manifestou também o seu regozijo pela forma como decorreram as referidas eleições, assim como pelo seu resultado.
O Sr. Deputado Carlos Pinto (PSD) criticou a actuação do PS a nível do Parlamento Europeu quanto à problemática dos apoios à indústria têxtil portuguesa, tendo depois respondido a um pedido de esclarecimento e dado explicações ao Sr Deputado Joaquim da Silva Pinto (PS).
O Sr Deputado Carlos Lage (PS) abordou questões relativas às Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa. Respondeu ainda a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Manuel Moreira e Nuno Delerue (PSD).
Ordem do dia (2.ª parte).- Depois de o Sr. Deputado Carlos Figueiredo (PSD) ter feito a síntese do relatório elaborado pela Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente relativo ao projecto de lei n. º 378/VI - Alarga a possibilidade de os municípios nomearem vereadores a tempo inteiro (PCP), foi o mesmo discutido e rejeitado na generalidade Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados José Manuel Maia (PCP), Gameiro dos Santos (PS), Manuel Moreira (PSD), Júlio Henriques (PS) e Duarte Pacheco (PSD).
O Sr Deputado Fernando Condesso (PSD) fez a síntese do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n.º 346/VI - Aprova opções tendentes a assegurar o acesso dos cidadãos à informação sobre a legislação, a jurisprudência e a doutrina (reestruturando o Sistema Integrado de Tratamento de Informação Jurídica - DIGESTO) (PS), tendo o mesmo sido discutido e aprovado na generalidade Intervieram, a diverso título, além daquele orador, os Srs Deputados José Magalhães (PS) e António Filipe (PCP).
A Câmara aprovou cinco pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, um denegando autorização a um Deputado e os restantes autorizando Deputados a deporem em tribunal.
Foi rejeitado o voto n.º 103/VI - De protesto pelos acontecimentos ocorridos frente ao Ministério da Educação no dia 4 do corrente mês e de solidariedade com os estudantes (PS) e foram aprovadas, em votação global, as propostas de resolução n.º 57/VI - Aprova, para ratificação, o Tratado sobre o Regime "Céu Aberto", 59/VI - Aprova, para adesão, o Quinto Protocolo Adicional ao Acordo Geral sobre Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa e 60/VI - Aprova o Acordo de Segurança Social ou de Seguridade Social entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil e respectivo Ajuste Administrativo.
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo declaro aberta a sessão.

Eram 12 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel. Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Luís Santos da Costa.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.

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Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.

ORDEM DO DIA (1.ª parte)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a sessão de hoje vai ter o período da ordem do dia dividido em duas partes, a primeira das quais terá lugar de imediato com a apreciação do projecto de lei n.º 407/VI- Amnistia diversas infracções e outras medidas de clemência, subscrito por mim próprio, pelo PSD, pelo PS, pelo PCP e por Os Verdes.
Desde já informo que só vou dar a palavra aos Srs. Deputados para fazerem interpelações à Mesa se elas se relacionarem com o objecto específico deste tema; caso contrário, poderão fazê-las, na parte da tarde, no período de antes da ordem do dia.
Neste sentido, peço a compreensão dos Srs. Deputados.

O Sr. Guilherme de Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme de Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, não se trata de uma interpelação sobre o objecto específico deste debate, mas, de qualquer modo, pensamos tratar-se de uma questão suficientemente urgente, que rapidamente exporei, não fazendo a Câmara perder muito tempo.
Quero somente ler um voto, que vamos entregar, de imediato, na Mesa...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, seguramente, trata-se de um assunto que deve ser abordado no período de antes da ordem do dia, o qual só terá lugar na 2.ª parte da sessão de hoje, logo à tarde.

O Orador: - Mas trata-se de uma interpelação relativamente a uma questão grave, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, mas V. Ex.ª interpela a Mesa apresentando um voto?!

O Orador: - Sr. Presidente, faremos chegar à Mesa, de imediato, o voto, que tem como objectivo verberar os acontecimentos graves, ontem ocorridos, frente ao Ministério da Educação, e na sequência dos quais os estudantes foram duramente reprimidos pela polícia.

Aplausos do PS. Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - A Mesa foi informada. Logo à tarde, será apresentado o voto.
Vamos, agora, entrar no tema específico da primeira parte da ordem do dia.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, não sei se V. Ex.ª está informado de que, hoje à tarde, vai realizar-se uma reunião da Comissão de Educação, Ciência e Cultural com a Sr.ª Ministra da Educação exactamente para tratar deste assunto tão importante a que o Sr. Deputado Guilherme de Oliveira Martins fez referência.

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe a informação, Sr. Deputado. Afinal, a Mesa foi informada e não interpelada.
Antes de entrarmos no debate anunciado, quero informar a Câmara de que se encontrar na tribuna de

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honra a delegação do Grupo de Amizade Portugal/Espanha que faz parte do Congresso dos Deputados de Espanha e que se encontra aqui a fim de participar na III Cimeira Parlamentar Luso-Espanhola. Para eles peço a vossa especial saudação.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, vamos, então, iniciar o debate, na generalidade e na especialidade, do projecto de lei n.º 407/VI - Amnistia diversas infracções e outras medidas de clemência, para o que, como foi decidido na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, cada grupo parlamentar dispõe de 10 minutos.
Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem conhece minimamente o Sr. Presidente da Assembleia da República sabe bem não só do profundo humanismo que inspira a sua personalidade como da genuidade das suas convicções democráticas e quanto lhe é devido, como cidadão empenhado e Deputado constituinte, na construção do Estado de direito democrático, que hoje somos. Também é conhecida a sua constante atenção ao sentir colectivo.
Não admira, pois, que em conferência de líderes, S. Ex.ª tenha sugerido a hipótese de a Assembleia da República vir a incluir uma lei de amnistia entre as iniciativas destinadas a assinalar o 20.º aniversário do 25 de Abril. Desde logo, porém, ficaram definidos os parâmetros de uma tal lei - a exclusão dos crimes de sangue, de crimes de maior gravidade, de crimes praticados por responsáveis políticos e de outros que, pela sua natureza, firam, de forma particular, o sentimento geral.
Visava-se, pois, uma amnistia de pequenos delitos.
De um modo geral, os grupos parlamentares não recusaram a sugestão e aceitaram integrar um grupo de trabalho no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que, dentro dos parâmetros definidos e tomando por base a anterior Lei de Amnistia, aprovada em 1991, deveria elaborar um projecto de lei a ser submetido, posteriormente, à apreciação da conferência de lideres.
Coube-me, na qualidade de Presidente da 1.ª Comissão, presidir também àquele grupo de trabalho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Legislar é cada vez mais uma tarefa complexa e delicada e, como refere o Professor Antunes Varela, com múltiplos mecanismos de reacção e pressão social relativamente às leis, exigem-se hoje do legislador redobrados cuidados e particular ponderação. Mas se isto é certo em relação às leis em geral é-o ainda em grau maior no que a uma lei de amnistia diz respeito, que se não compadece de pressas ou precipitações.
É bom ter presente o ensinamento dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira que escreveram na sua Constituição Anotada: «Como acto essencialmente político - ainda que sob a forma de lei - a amnistia é essencialmente insindicável quanto à sua oportunidade e quanto é sua extensão, bem como quanto à determinação dos seus efeitos».
Para os que numa visão restrita de Abril entendam que o projecto de lei que hoje discutimos deveria já estar aprovado à data de 25 de Abril, direi apenas que comemorar 20 anos de uma efeméride que constitui um dos mais importantes marcos da História de Portugal deste século não se pode, nem se deve esgotar um só dia.
Como referiu o Dr. Almeida Santos, quando Ministro da Justiça, a propósito de lei similar à que ora debatemos, aprovar uma lei de amnistia constitui sempre um pequeno tormento. Bem me parece que o grau de tormento tem aumentado, o que não obsta a que, apesar de tudo, considere que valeu a pena.
Efectivamente, conseguimos a unanimidade dos grupos parlamentares relativamente à parte que constitui lei de amnistia propriamente dita e apenas em relação ao perdão ocorreu divergência da parte de um só grupo parlamentar.
Quando se admite, publicamente, a hipótese de vir a aprovar uma lei de amnistia, importa fixar, desde logo, uma data limite até à qual são consideradas as infracções a amnistiar.
Fixou-se como limite a data de 16 de Março de 1994, como forma ainda de associar esse antecedente do 25 de Abril, por vezes injustamente esquecido, mas que se integra no Movimento dos Capitães, que culminou um mês e pouco depois com a revolução.
Importa referir, ainda que suscitamente, o âmbito deste projecto de lei, na parte que se refere à amnistia.
São amnistiados os crimes de ofensas corporais de menor gravidade; os crimes de injúrias e difamação, com exclusão dos cometidos através da comunicação social atenta à sua repercussão; pequenos crimes de falsificação com expressa exclusão das facturas falsas; o crime de falsas declarações quanto à identificação e antecedentes comuns; os crimes de detenção ilegal de armas desde que tal posse seja regularizada; os crimes de natureza económica de menor gravidade com exclusão dos desvios de fundos de origem comunitária ou a contrapartida nacional de projectos comunitanamente participados; os crimes de desobediência e os cometidos por negligência não punidos com pena superior a um ano; os crimes de desvio de fundos por parte de empresas da comunicação social, obrigadas, algumas vezes, a afectar subsídios ao pagamento de salários desde que procedam a reafectação ou restituição de tais fundos em prazo fixado e os mesmos não tenham também origem comunitária; as contravenções ao Código da Estrada, com excepção dos crimes de condução com álcool, sem carta ou quando ocorra abandono de sinistrados; os crimes patrimoniais, como os cheques sem cobertura e, de furto, desde que ocorra prévia reparação do ofendido; as contravenções e contra-ordenações dentro de limites fixados e com exclusão das de natureza fiscal, aduaneira e financeira; as infracções de menor gravidade nos âmbitos desportivo e disciplinar.
A regra fundamental é a de ser assegurada sempre a prévia reparação do ofendido ou estar garantida a reclamação de indemnização cível.
Como referiu o Dr. Mário Raposo, com a pertinência e rigor que todos lhe reconhecemos, uma lei de amnistia pode, perante as vítimas, apresentar-se como um subcrime, como uma nova ofensa. Daí a necessidade de assegurar sempre a reparação legalmente possível, como condição prévia do benefício que se concede.
É assegurado aos arguidos abrangidos pela amnistia o direito de se excluírem à sua aplicação, desde que o requeiram no prazo de 10 dias a partir da publicação da lei, prerrogativa que visa garantir o direito de integral esclarecimento judicial das imputações que lhes são feitas.
Mas esta lei, como é usual, não se confina ao âmbito restrito da amnistia, incluindo outras medidas de cie-

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meneia, com relevância para o chamado perdão genérico e parcial da pena de prisão. Embora seja matéria doutrinariamente fixada, as confusões em que a comunicação social a tal respeito vem lavrando justificam que se adiante, aqui e agora, uma explicitação sobre cada uma das duas figuras.
Como refere o Professor Germano Marques da Silva: «A amnistia apaga os crimes e todas as suas consequências penais, mas não prejudica os direitos de terceiros a título de indemnização pelos prejuízos que causou». «A amnistia distingue-se do perdão de pena porque este é pessoal e limitado aos efeitos da condenação, mas o crime mantém-se».
Significa isto que os autores de infracções não amnistiadas respondem sempre em tribunal pelos seus actos, apenas beneficiando de eventual perdão parcial da pena de prisão que lhe seja aplicada, sendo obrigados a cumprir a restante pena.
Vejamos, então, qual o âmbito do perdão do presente projecto de lei.
São perdoadas as penas de prisão por dias livres e as em execução em regime de semi-detenção ou de trabalho a favor da comunidade, dada a sua menor gravidade ou por indiciarem a obtenção da reinserção social do condenado; as penas de multa quando aplicadas cumulativamente com a pena de prisão; e 180 dias das penas de multa em geral e ainda um ano das penas de prisão em geral.
São, porém, totalmente excluídos de tal benefício: os delinquentes habituais ou por tendência, ou alcoólicos habituais e equiparados, que também não beneficiam da amnistia; os membros das forças policiais de segurança e guardas prisionais quando os delitos por si praticados impliquem violação dos direitos fundamentais do cidadão; os transgressores ao Código da Estrada, em casos de condução com álcool ou abandono de sinistrados; os condenados por crimes que envolvam a utilização de facturas falsas; os condenados por crimes que consistam no desvio de fundos comunitários ou da res-péctiva contrapartida nacional; os condenados em penas superiores a três anos por crimes sexuais contra menores de 12 anos; os condenados por crimes contra as pessoas em penas superiores a 10 anos, que já tenham beneficiado de perdão anterior; os condenados por crimes de tráfico de estupefacientes em pena superior a sete anos de prisão.
Introduziu-se, pois, alguma coerência nas exclusões de perdão, tendo em conta a gravidade de certos crimes e a repulsa social a crimes de certa natureza.
Não era possível associar este acto ao 25 de Abril preterindo princípios e valores que a revolução restaurou, para jamais serem subtraídos ao nosso património colectivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma sociedade que não consiga conciliar as necessárias garantias de segurança com um acto excepcional de clemência, associado a acontecimentos dos mais relevantes da sua História, é uma sociedade gravemente doente. Não é, felizmente, esse o caso português.
Temos uma tradição penal e penitenciária humanista e um sentido de tolerância e de solidariedade que, por nosso intermédio, ganhou dimensão universal.
Estendemos a aplicação da presente lei a Macau, inserindo normas que garantem a sua adaptação às especificidades e ao ordenamento jurídico do território e estabelecendo, pela primeira vez, o valor de conversão do escudo para a moeda local, para efeitos dos crimes patrimoniais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Respeitamos as divergências, mas queremos dizer claramente que não aceitamos, em circunstância alguma, que uma lei de amnistia possa ser instrumentalizada e utilizada como arma de arremesso político. Parece-nos que é também uma boa maneira de comemorar Abril se demonstrarmos, perante o País, que na luta político-partidária não vale tudo e se soubermos preservar um sentido de Estado que honre a nossa democracia e a nossa condição de Deputados livremente eleitos pelo povo português.
Não será, pois, pela nossa mão que será posta em causa a pureza do sentido de clemência desta Assembleia nem a autenticidade do apego aos valores que nos levam a atenuar a situação adversa em que se encontram alguns dos nossos concidadãos, proporcionando-lhes a liberdade, ou um passo mais nesse sentido, que queremos associada nesta efeméride às liberdades que conquistámos em Abril.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ideia de uma amnistia comemorativa do 20.º aniversário do 25 de Abril, originariamente colocada aos vários grupos parlamentares por iniciativa do Sr. Presidente da Assembleia da República, suscitou da parte do Partido Socialista uma atitude de viabilização, que quisemos reflectida e criteriosa.
Ao longo dos anos que leva de vida a nossa democracia, seguiu o PS a orientação de princípio de se associar a este tipo de iniciativas, valorizando a sua inspiração humanista e, em particular, a consonância de gestos de pacificação desta natureza- desde que acautelados bens jurídicos fundamentais e os direitos das vítimas - com a celebração de datas como a que se tornou para os portugueses o símbolo do advento de uma sociedade democrática, aberta e tolerante.
O 20.º aniversário do 25 de Abril justificava para nós uma atitude de coerência, mas justifica também uma atitude de ponderação e de responsabilidade.
Numa situação de subdimensionamento, sobrecarga e crise do sistema prisional, de insuficiência dos meios postos à disposição dos departamentos de investigação e dos tribunais para responder, em tempo aceitável, às solicitações, de revisão da lei penal e de anunciada revisão da lei processual penal e, ainda, de insistente acentuação governamental de preocupações securitárias, era, em primeiro lugar, indispensável tornar claro perante o País se uma iniciativa desta natureza era ou não desejada, e com que latitude, por quem responde pela condução da política de combate ao crime. Daí que tenhamos sido nós quem, logo à partida, propôs que, como primeiro e inevitável passo, o Ministro da Justiça viesse à Assembleia, como aconteceu, para que sobre a matéria não subsistissem dúvidas.
Era, e é, nossa preocupação que uma medida como esta não representasse o branqueamento de uma política prisional imprevidente, que não se preparou para dar execução e sentido às decisões judiciais e que - para utilizar as palavras do próprio Ministro da Justiça se

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deixou «atropelar» pela sobrelotação, abeirando-se da ruptura.
Era nossa preocupação que não representasse também o alinhamento acrílico num sucedâneo expedito para a lentidão e desarticulação nas reformas penais e processuais penais e para os bloqueios por resolver no funcionamento do sistema judicial; que não se saldasse, enfim, por uma contribuição indirecta para a degradação em rotina de uma medida que tem de ser excepcional e não periodicamente chamada a pseudo-resolver o que só novas soluções legislativas e novas políticas podem solucionar.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, importa que, por via de uma rotinização do recurso à amnistia, se não amnistie também a política que, ciclicamente, dela vitalmente carece para aliviar as crises e impasses a que conduz.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela nossa parte, tivemos a preocupação de assegurar que esta lei penal de emergência, em qualquer das suas vertentes tradicionais - a amnistia propriamente dita e o perdão genérico -, tivesse em consideração os problemas e ameaças que, actualmente, se colocam ao exercício do poder/dever de perseguição de crimes pelo Estado.
Uma lei desta natureza não pode gerar na colectividade desconfiança ou dúvida em relação à determinação do Estado de perseguir e punir aqueles crimes que, agora, se perfilam como ameaças ou desafios maiores ao exercício desse poder.
Daí que tenhamos considerado indispensável que, do próprio âmbito dos perdões de pena, fossem excluídas certas categorias de crimes, designadamente os ligados às facturas falsas e ao tráfico de drogas.
Uma lei penal de clemência não deve, em qualquer caso, constituir motivo de alarme e de desconfiança na colectividade, nem afectar a confiança dos cidadãos na validade das normas e no exercício de funções essenciais por parte do Estado, sob pena de se comprometer esse desígnio maior de qualquer política criminal séria, que deve ser o de estabilizar, e não instabilizar, as emoções que o crime suscita na comunidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O facto de as medidas de perdão serem concedidas com carácter condicional, por um período de três anos, é um outro factor que valorizamos, dirigido como é a potenciar um efeito reintegrador, que também às leis penais de emergência deve caber prosseguir.
Valorizamos ainda em particular, num diploma que assinala o 20.º aniversário do 25 de Abril, as medidas especiais que nele contemplam os idosos e os jovens delinquentes. A sociedade que a Revolução de Abril permitiu está obrigada a desenvolver, em relação a eles, uma nova atitude e uma nova responsabilidade. Traduzi-lo neste diploma é uma solução a um tempo de congruência e de aposta no futuro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seria uma boa maneira de comemorar o 20.º aniversário do 25 de Abril que esta amnistia prenunciasse o fim de um ciclo de política criminal em que as insuficiências, inadequações e imprevisões das políticas legislativa, judicial e prisional carecem elas próprias de ser periodicamente amnistiadas, para prosseguirem sem nada aprender.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para que esse ciclo não recomece, seria um bom sinal que esta Assembleia fosse, a prazo breve, rigorosamente informada pelo Governo acerca do impacte das medidas, que hoje aprovamos, sobre os vários sistemas em cujo funcionamento se vão projectar e das consequências que vão ser retiradas no âmbito das políticas seguidas.
Tendo a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias começado por receber do Sr. Ministro da Justiça alguns dados estatísticos lamentavelmente equivocados sobre a duração das penas que a população prisional se encontra hoje a cumprir - e dos quais se podiam extrair juízos injustificados sobre as decisões dos juízes -, aqui fica o repto:
Que desta amnistia possa decorrer uma nova postura de responsabilidade para os que dela beneficiam, mas que dela possa resultar também uma nova exigência em relação a quem detém a responsabilidade de conduzir a política criminal;
Que esta comemoração do 20.º aniversário do 25 de Abril fique também associada a esta nova exigência no domínio da política criminal!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendeu o Sr. Presidente da Assembleia da República que uma das formas de comemorar o 20.º aniversário da revolução de 25 de Abril seria a Assembleia da República utilizar o poder legislativo, que, neste caso, lhe pertence exclusivamente, e fazer uma lei de amnistia, contemplando os pequenos delitos, de modo a não pôr em causa outros interesses, que também ao Parlamento cabe acautelar, quais sejam o de não perturbar a segurança do Estado e da sociedade, o de não representar um prejuízo para os cidadãos ofendidos com a prática de actos puníveis praticados contra os seus direitos, liberdades e garantias e a protecção dos bens jurídicos de que eles são detentores e cuja salvaguarda é uma das traves-mestras das democracias modernas e do Estado de direito.
A lei da amnistia é uma providência de carácter excepcional, que abre um parêntesis ao direito de punir que cabe também ao Estado realizar através de órgãos jurisdicionais.
Porque tem efeitos directos sobre a política criminal, que cabe ao Governo definir e sujeitar à aprovação da Câmara Legislativa, a amnistia representa um acto de graça ou de clemência que tem de ser sabiamente ponderado e doseado, de modo a não perturbar o equilíbrio, a harmonia, a estabilidade e o normal funcionamento dos órgãos e instituições, que têm por missão velar pela legalidade e tranquilidade da sociedade e, especialmente, garantir a liberdade de cada pessoa, em todos os aspectos em que este conceito se desdobra no dia-a-dia da realização da vida colectiva.
Por isso, as leis da amnistia não são medidas frequentes, não obedecem a quaisquer critérios de oportunidade política, têm somente uma perspectiva de o poder legislativo manifestar a sua vontade em circunstâncias

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que mereçam um consentimento tácito do próprio povo, detentores finais da soberania e em nome de quem os Deputados exercem as competências que lhes são constitucionalmente atribuídas.
Esta lei de amnistia que estamos hoje a debater e votar não seria sequer pensada por qualquer Deputado se não fosse o propósito da Assembleia da República, como Câmara representativa do povo português, celebrar a efeméride que lhe restituiu os seus próprios direitos e privilégios e, em plenitude, a legitimidade democrática dentro do Estado de direito, que o feito do 25 de Abril tornou possível.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, tendo sido decretada, em 1991, uma ampla amnistia, instituindo o perdão para diversos crimes, seria impensável que, decorridos apenas três anos, a Assembleia da República tornasse a utilizar o seu poder de clemência. E esta circunstância pesou bastante na feitura do projecto de lei hoje em debate, para restringir substancialmente o seu âmbito, de modo a circunscrevê-lo, na parte da amnistia, às infracções pouco graves, rodeando-a, mesmo assim, de condições apertadas como nunca antes se tinha feito.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O projecto de lei que estamos a debater, na parte da amnistia, é uma lei reduzida e escorreita. E a comissão de Deputados que a preparou teve a preocupação de imprimir um estilo inovador quanto à sua sistematização e redacção. Os preceitos são redigidos de modo a não levantar questões de interpretação ou dúvidas quanto ao exacto campo de sua aplicação, deixando de fora todas as infracções praticadas por qualquer agente no exercício de funções públicas e políticas, e, por vontade expressa do Governo, as infracções contra a economia ou fiscais.
Numa altura em que se procura combater e bem! - a evasão fiscal e dar luta sem tréguas aos fenómenos de corrupção, não faria sentido que tais infracções merecessem do legislador um gesto de clemência.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pode acusar-se a lei de ter ido longe demais, mas foi uma opção, embora com ela não concordemos totalmente. O mesmo se diga em relação ao tráfico de droga, um flagelo que não permite qualquer contemplação quanto à sua rigorosa punição.
As infracções amnistiadas ficam sob a condição suspensiva da prévia reparação dos lesados, evitando, assim, um prejuízo injusto, causado pelo infractor no património do ofendido. Deixa-se também - mais uma inovação- ao critério do infractor se deseja beneficiar da amnistia ou se, para afirmar a sua própria inocência, deseja demonstrar o infundado da acusação que lhe foi imputada em juízo.
É tradicional acoplar às disposições da amnistia as medidas relativas ao perdão de penas. Por um estranho comportamento de certa comunicação social, fez-se passar a mensagem de que o perdão era uma forma de desculpabilização das infracções criminais e, por tal via, por uma subtil distorção das palavras, o legislador - no caso concreto da mesma comunicação social -, a classe política, ao mesmo tempo que decidia amnistiar os chamados crimes de facturas falsas e de corrupção, perdoava aos infractores tais crimes.
Todas as explicações foram insuficientes para convencer os autores de tal aleivosa confusão. Esperamos que, publicada a lei, todos tenham a paciência de lê-la, de examinar as disposições sobre os perdões e de colocar este instituto e as soluções adoptadas no seu justo contexto, sem deformar da realidade.
O CDS-PP não está de acordo com as disposições sobre os perdões. Como se sabe, o perdão aplica-se a infracções não amnistiadas, praticadas até 16 de Março e em relação àqueles agentes que foram condenados e estão a cumprir penas.
No nosso sistema de execução de penas, em que o condenado, após o decurso de algum tempo, conjugado com o seu comportamento, é beneficiado com a liberdade vigiada ou condicionada, o perdão frequente representa uma ampla vantagem e a conjugação com os perdões anteriores leva ao resultado prático de a pena ficar substancialmente reduzida a um terço ou mesmo a um quinto da punição inicial, segundo os casos, aniquilando, assim, toda a filosofia da repressão ou da aplicação da pena efectivamente aplicada pelo julgador, considerando a culpa e todas as circunstâncias que a lei manda atender.
Por isso mesmo, as disposições sobre o perdão não podem, em caso algum, deixar de tomar em consideração o efeito concreto que ele produz na realização da justiça penal em acto. Julgamos que este vector do projecto não mereceu a importância que o CDS-PP queria que lhe fosse atribuído.
Choca-nos, muito particularmente, que os condenados por crimes de associações de malfeitores ou de alta violência e terrorismo, mesmo quando não tenham praticado os crimes de sangue ou com a prática destes tenham sido condenados a penas inferiores a 10 anos, sejam novamente, depois de 1991, beneficiados com nova redução da pena, o que, se está de acordo com a posição do PS, representa uma importante inflexão do PSD, quanto ao combate contra o terrorismo e seus agentes, como os pertencentes às organizações como as FUP e as FP-25 de Abril.
Por outro lado, ao introduzir o perdão para certos crimes e denegando-o a outros criam-se situações de extrema injustiça. Assim, ao denegar o perdão aos crimes em que o lesado seja o Estado, introduz-se uma discriminação negativa quanto aos crimes em que os infractores e os ofendidos sejam particulares ou associações de utilidade pública, não se fazendo a distinção entre os crimes de perigo e os de dano efectivo.
Quanto aos chamados crimes relacionados com facturas falsas, nega-se o perdão, mesmo quando não tenha havido danos para o Estado, se tudo tiver sido reposto por exemplo, e quanto aos crimes fiscais pode dar-se esta caricatura: se alguém tiver assaltado o cofre de uma repartição de finanças, levando dinheiro dos impostos pagos por outrem, beneficia da clemência do perdão, mas, se ele próprio incorre num crime fiscal por não ter pago o seu imposto, não tem esta graça do legislador. Poder-se-á interrogar se não haverá aqui uma falta de proporcionalidade que toca as raias da inconstitucionalidade...!
O legislador, na parte do perdão, ao discriminar os infractores (e não as infracções), porque se trata de pessoas submetidas a julgamento e condenadas, ao

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estabelecer critérios de políticas de crimes politicamente perdoáveis e outros politicamente imperdoáveis, que não faz qualquer sentido, coonesta uma perversão legislativa que, mesmo que aprovada agora, não deverá de futuro servir como precedente.
Pelas razões expostas, o CDS-PP vota a favor da parte da amnistia e vota contra o grupo de normas relativas aos perdões.
A nossa rejeição quanto aos perdões discriminatórios, dado ser uma parte essencial da lei e a gravidade dos crimes contemplados e ainda a nossa posição de sempre quanto aos crimes de organizações terroristas e de malfeitores, pelas discriminações injustas que introduz quanto à clemência, como o critério de apreciação política para beneficiar uns, deixando de fora outros, distorcendo, assim, a proporcionalidade das medidas de pena quanto aos infractores em concreto e infracções em geral, introduzidas à última da hora, por exigências de consenso tripartidário, tornou esta lei desequilibrada e, em algumas partes, tortuosa.
Tudo isto leva-nos a rejeitar o projecto de lei na votação final global.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há dois pedidos de esclarecimento, mas como o Sr. Deputado Narana Coissoró e um dos Deputados que quer pedir esclarecimentos já esgotaram os seus tempos, darei dois minutos a cada um dos Deputados que se inscreveu e dois minutos ao Sr. Deputado Narana Coissoró para responder, solicitando-lhes a maior contenção possível.
Para fazer o seu pedido de esclarecimento, tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, V. Ex.ª integrou o grupo de trabalho mas, talvez por ter feito parte da representação parlamentar que esteve como observadora nas eleições da África do Sul, não teve conhecimento de alguns aspectos que, entretanto, foram alterados.
Penso, por isso, que lhe escapou esse aspecto, que foi pensado num determinado momento em relação a certo tipo de crimes, de distinguir entre o ofendido ser o Estado ou não. Essa solução foi eliminada e, portanto, a preversão que V. Ex.ª - e bem! - ali observou tinha razão ser em relação ao projecto numa determinada fase mas não em relação à versão definitiva que o projecto de lei veio a assumir.
Em relação à questão de as associações criminosas poderem beneficiar de perdão, como V. Ex.ª sabe, o seu partido votou favoravelmente a lei de amnistia de 1991, em qualquer restrição quanto ao perdão nesse particular, portanto, há uma certa inovação na posição que agora vem aqui assumir. Mas sempre lhe quero dizer que, pelo menos em relação às situações mais graves, essa situação está acautelada, na medida em que em relação a crimes contra as pessoas punidos com penas superiores a 10 anos, que já beneficiaram de perdão, há uma exclusão. Penso que as situações mais graves e mais relevantes nessa área são excluídas por esta norma. Portanto, não é uma admissibilidade genérica que esse tipo de crime e dos crimes conexos a essas situações possam estar, de facto, parcialmente perdoados nesta lei. Não são amnistiados, como sabe, e é duvidoso que, com a extensão que também pode ter resultado da sua intervenção, possam estar, de facto, parcialmente perdoados.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, estava à espera da sua intervenção com alguma expectativa para saber como é que V. Ex.ª, com a sua conhecida habilidade de parlamentar ilustríssimo, ia ter uma saída minimamente airosa para a série de contradições em que o seu partido e a sua bancada entraram ao longo deste processo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas há uma coisa, Sr. Deputado Narana Coissoró, que tem de ficar aqui claramente dita e, se possível repetida: é que VV. Ex.ªs, pela voz do seu líder parlamentar, disseram claramente que se opunham ao perdão não pelas circunstâncias e razões que V. Ex.ª ali enunciou mas, fundamental ou exclusivamente, pela razão de que não viam fundamento para que fossem excluídos do perdão os chamados conjuntos de crimes que integram as facturas falsas. Sr. Deputado, isto tem de ser dito claramente, tem de ficar bem percebido e bem entendido!
Foi a partir daí. Sr. Deputado, que, naturalmente, V. Ex.ª tentou encontrar razões que sabe que não são válidas, pois sabe que, normalmente, uma lei de amnistia não é compreensível sem ter um perdão anexo, que estas duas medidas de política criminal andam tradicionalmente unidas. Mas o que acontece, Sr. Deputado, é que o CDS-PP, desde o princípio deste processo - e foi talvez o único ponto em que teve alguma coerência do princípio ao fim -, afirmou que não pretendia e não via razões para excluir as facturas falsas do perdão. Nós, pelo contrário, vemos e essa é a grande diferença!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, há uma coisa que queria dizer em público e toda a gente sabe, principalmente os meus ilustres colegas que integraram a comissão que preparou este projecto de lei.
Logo no primeiro dia, quando me sentei à mesa do grupo de trabalho, disse para todos tomarem nota de que a minha colaboração nesse grupo de trabalho, a que entusiasticamente me dedicaria, não significava que as posições que eu viesse a tomar em colaboração com os colegas para fazer esta lei correspondessem no fim à aprovação do projecto de lei, pois o meu grupo parlamentar reservava-se o direito de votar esse texto do modo como entendesse.
Portanto, como Deputado, julgo-me na obrigação de dar a minha colaboração em todos os aspectos em que ela é pedida, sem vincular o meu grupo parlamentar ao voto final que faz sobre o projecto de lei. É porque uma coisa é trabalhar para a Assembleia da República e outra é a decisão política de votar ou não essa lei, conforme se quer - e por este trabalho nem sequer pedimos que nos paguem...
Quanto às questões que o Sr. Deputado Guilherme Silva colocou, devo dizer que o problema das infracções fiscais é o problema do património do Estado, não apenas

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na sua faceta do Estado como cobrador mas porque representa um património a favor do Estado. O que está em causa quando se condena a evasão fiscal não é o enriquecimento do infactor mas, sim, a diminuição do património do Estado, com que o Estado tem de pagar as despesas.
Portanto, quando dizemos que há uma discriminação entre o património do Estado e o dos particulares também temos em vista o afastamento das infracções fiscais. O que eu disse foi que compreendíamos- e está aqui escrito - que se combata a evasão fiscal e que, por isso, não deve haver complacências contra os infractores, mas que isso se tinha levado longe demais. E entendemos que foi longe de mais porque, dentro de certos parâmetros, as infracções fiscais foram tradicionalmente - já que se falou de tradição - amnistiadas com pagamento devido.
Quanto ao problema dos perdões das FP-25, em 1991, votámo-los favoravelmente porque se tratava da primeira amnistia, mas, então, dissemos: «Vamos fazer a contragosto este acto de clemência em relação às penas como primeiro perdão». Agora, de três em três anos, se os membros das FP-25 são amnistiados, dentro de mais dois ou três anos... Dada a frequência com que esta amnistia se faz, realmente não devia ser aplicada.
Quanto aos crimes graves punidos com penas superiores a 10 anos, devo dizer que há crimes de sangue punidos com penas inferiores a 10 anos, alguns mesmo praticados pelas FP-25, e esses ficam perdoados.
Portanto, as vossas interrogações fraquejam e não atingem a minha intervenção.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado José Vera Jardim, quero dizer que nunca por nunca ser - não temos medo de dizê-lo aqui no Plenário, nos jornais ou onde quer que seja- distinguimos o caso das facturas falsas, que para nós são um crime como qualquer outro. Não foi porque a comunicação social arranjou, uma bela manhã, às 7 horas, um noticiário a dizer que a classe politica, por um lado, não amnistiava e, por outro, perdoava as facturas falsas que viemos a correr para adoptar posição diferente da que devia ser aprovada. A correr vieram os Deputados do PS para o seu grupo parlamentar para não ouvirem as palavras sensatas do presidente do vosso partido. É porque o presidente do Grupo Parlamentar do PS, segundo a comunicação social, tentou convencer-vos - e bem - sobre qual era a diferença entre perdão e amnistia, o que é que ele significava. Disse-vos que não corressem atrás da comunicação social, porque não era ela que fazia a amnistia e mandava nos Deputados, portanto, não se tratava de dar uma satisfação à comunicação social, mas de um poder da Assembleia da República. Só que os senhores correram atrás da comunicação social, quiseram dar-lhe satisfações, quiseram disparatar na conferência de imprensa sobre a comunicação social e agora vêm dar o peito à comunicação social...

Protestos do PS.

Os senhores o que querem é dar o peito à comunicação social e dizer: «Nós fizemos a vossa vontade e aqueles malandros não fizeram»...

O Sr. José Magalhães (PS): - Está a enfiar a carapuça!

O Orador: - Nós não somos malandros, nem fazemos a vontade à comunicação social, fazemos a doutrina e entendemos que o crime das facturas falsas nada tem de mais repugnante do que o dos violadores, o dos assassinos, o do caso das FP-25 e de muitos crimes que aqui são perdoados.
Portanto, o crime das facturas falsas é um mito, um fantasma, que persegue o PS mas não o CDS-PP!
Esta foi a razão por que dissemos que o crime as facturas falsas deveria ser também perdoado. VV. Ex.ªs não o quiseram aceitar e, por causa disso, enxofraram, esmigalharam a lei, confundiram tanto a parte do perdão que a lei se tornou uma verdadeira lei torta que sai desta Assembleia. Por isso votaremos contra, o que se ficará a dever aos senhores e à comunicação social e a mais ninguém!

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Para defesa da consideração.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não ouvi nada que justifique que lhe dê a palavra de imediato. Por isso dar-lhe-ei no fim do debate, como é, aliás, a regra que sempre tenho seguido.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao darmos a nossa adesão à ideia de uma medida de clemência que assinalasse o 20.º aniversário do 25 de Abril, fizemo-lo demarcando logo de início, genericamente, os seus horizontes.
A amnistia deveria ter em mira os pequenos delitos e deveria ser recusada aos crimes que, de uma forma ou de outra, se inserem numa linha de perversão do Estado de direito democrático.
Desde o início recusámos que à lei da amnistia e do perdão presidisse a ideia de resolver o problema de superlotação das prisões. De facto, qualquer lei da amnistia tem de ser devidamente ponderada por forma a não contender com a política criminal. Neste aspecto, os últimos elementos conhecidos, pesem embora as conhecidas insuficiências das estatísticas, revelam um panorama alarmante relativamente à segurança dos cidadãos.
Apenas num ano, o crime violento conheceu um incremento de 20 %, destacando-se o aumento do narcotráfico, dos chamados assaltos à mão armada, dos raptos e sequestros de menores. Assim, havia plena justificação para os limites estreitos que, logo de início, colocámos na mira da lei da amnistia.
O 20.º aniversário do 25 de Abril, a que o povo português deu uma merecida ênfase, justificava, pois, que relações conflituais ou infracções de menor monta merecessem a clemência da democracia.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - E, precisamente porque se tratava de assinalar uma data que é o pilar das liberdades, todas as situações em que estivessem sob perseguição aqueles que lutam pelo desenvolvimento e efectivação da Constituição de Abril mereciam, mais do que todas, a graça de verem anulada aquela perseguição. Por essa

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razão, desde o início, propusemos que os agentes ou funcionários com estatuto especial acusados de infracções disciplinares por causa do exercício de actividades em associações profissionais fossem amnistiados, independentemente da gravidade da - suposta, dizemos nós - infracção. É claro que estava em mira a situação dos dirigentes da associação profissional da PSP, cuja legitimidade saiu, aliás, reforçada muito recentemente.
Esta era uma situação verdadeiramente paradigmática daquelas que, tendencialmente, estão no objectivo de qualquer amnistia de um Estado de direito democrático. Infelizmente, a nossa proposta não conseguiu vingar, o que não podemos deixar de assinalar e de lamentar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, até à presente proposta de amnistia sucederam-se medidas de clemência reclamadas até aqui, angustiadamente, para aliviar o estrangulamento dos tribunais. Em todas elas nos furtámos a prosseguir tal objectivo porque não era essa, de facto, a finalidade e o fundamento das anteriores leis.
O presente projecto de lei que a Assembleia hoje aprecia também teve de furtar-se a pressões de sinal diferente. Houve quem, do exterior, chegasse a apontar o número de presos a abranger pela amnistia e pelo perdão como forma de resolver o grave problema das prisões. Esse também nunca pode ser o objectivo de qualquer amnistia.
O sistema prisional sofre de gravíssima doença, mas a necessária operação de alta cirurgia não podia passar por uma posição irresponsável da Assembleia da República que colocasse ainda em maior insegurança os cidadãos, escancarando as portas das cadeias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Os problemas das prisões têm de ser resolvidos pelo Governo por forma a garantir a ressocialização dos reclusos, respeitando os seus direitos de pessoa humana, assegurando desta forma a segurança do universo dos cidadãos.
Lucidamente, assim o entenderam muitos reclusos, que, em carta que nós recebemos e que deve ter sido recebida por todos os grupos parlamentares -, expressamente referiram que não reclamavam perdões de pena, e que nem isso estava na base da sua luta, mas, sim, condições dignas nos estabelecimentos prisionais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Trabalhámos sem ter na mira as estatísticas oficiais dos reclusos e das penas que estão a cumprir, as quais, como recentemente ouvimos denunciar, não correspondem à realidade. Trabalhámos tendo na mira que situações havia que tinham de ser excluídas liminarmente da amnistia: os crimes cometidos por políticos e os que envolvessem as conhecidas fraudes com verbas do Fundo Social Europeu e da contrapartida nacional, os crimes de corrupção, os chamados crimes das facturas falsas e os crimes de sangue.
E, numa aparte, sempre direi ao Sr. Deputado Narana Coissoró que quem congemina um crime de facturação falsa prolongado no tempo por forma a «roubar» o Estado, de facto, denota ter uma mente muito mais delituosa e criminosa do que alguém que, num dia, às vezes para arranjar dinheiro para consumir droga, assalta uma casa ou um cofre, ainda que seja do Estado.

Protestos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E os membros das FP-25?

A Oradora: - Já lá vamos, Sr. Deputado!
Desde o início, ficou claro que os crimes das facturas falsas teriam de ficar excluídos, pois só aparentemente estão em causa apenas valores patrimoniais.
A facturação falsa, na medida em que mina uma fonte de receitas necessária para a satisfação de direitos sociais, ajuda o Governo a desculpabilizar-se pela não concretização desses direitos e acaba por atingir todos os cidadãos. É claro que a desculpa não serve, mas pode ser uma forma de desculpabilização.
Cremos que, por isso mesmo, tem ampla justificação a recusa de perdão de pena para tais crimes por se revelarem, afinal, como comportamentos delituosos que afectam a concretização do próprio Estado de direito democrático.
Quanto aos perdões de pena, este projecto, pelo elenco de crimes excluídos dos perdões, responde ao sentimento geral das vítimas e da população em geral que, de amnistia para amnistia, viam somar perdões sobre perdões, de tal forma que a reclusão acabava contra o que os tribunais tinham decidido ao apreciar a medida da culpa dos arguidos.
As propostas do PCP quanto às restrições do perdão que reapresentamos por escrito na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares foram, no fundamental, consideradas. É certo que nos crimes contra as pessoas - e esta proposta foi apresentada no grupo de trabalho - o que consta do projecto é de uma benevolência maior do que aquilo que propusemos nesse grupo de trabalho.
Tendo por baliza o que consta da proposta de lei de alteração do Código Penal, relativamente à liberdade condicional dos condenados em pena superior a 5 anos por crime cometido contra as pessoas, chegámos a propor a exclusão destes casos da medida de perdão. Fomos, neste aspecto, tão longe quanto nos foi possível.
Registamos a exclusão do perdão, conforme propusemos, dos narcotraficantes condenados em pena grave, o que revela já uma verdadeira inserção numa máquina de lucro que atinge a juventude e que não deixa de configurar-se como uma arma política contra o avanço da democracia.
Registamos, também, o acolhimento da nossa proposta relativamente à exclusão de crimes repelentes, crimes sexuais, cometidos contra menores de 12 anos e de crimes contra as pessoas por parte de agentes que têm uma especial obrigação de respeitar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
A lei no seu conjunto, mas especialmente na parte dos perdões, revela o cuidado que o grupo de trabalho teve em não interferir com a política criminal e em limitar, tanto quanto foi possível, a interferência da lei na aplicação das decisões dos tribunais.
A amnistia representa sempre, ao fim e ao cabo, uma certa intromissão no poder judicial e é uma lei que não pode evitar desequilíbrios, mas, apesar de representar uma certa intromissão, a verdade é que a Constituição a estabelece como uma medida de clemência e graça absolutamente excepcional a assinalar momentos particularmente importantes da vida política. E o 20.º aniversário do 25 de Abril merece, afinal, ser assinalado com este projecto de lei cuidadosamente preparado!
A democracia não poderia servir quaisquer outros anseios senão os de proporcionar a pequenos delitos

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(ainda que alguns deles erradamente com uma moldura penal extremamente elevada do Código Penal e que, por isso mesmo, perdeu a credibilidade nesses casos por sobrevalorizar os valores patrimoniais), e com absoluto respeito pelos direitos das vítimas, o apagamento de condutas delituosas. E porque nos parece que o projecto cumpre no fundamental - ainda que aqui e além tivéssemos outras propostas tal objectivo, a ele demos a nossa colaboração, a ele damos a nossa adesão.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Raúl Castro.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da consideração em relação à intervenção do Sr. Deputado Narana Coissoró, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, muito rápida, mas veementemente, quero repudiar a acusação feita por V. Ex.ª de que o Grupo Parlamentar do PS se deixava conduzir pela comunicação social. Sabe V. Ex.ª que tal afirmação é falsa porque o Grupo Parlamentar do PS e os seus representantes no grupo de trabalho da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sempre disseram claramente que a posição final do PS, perante o projecto de diploma, seria ditada pela inclinação global que resultasse de uma votação ou de uma apreciação, pelo menos, pelo seu grupo parlamentar. Não há, assim, qualquer enviesamento da posição do PS por intervenção da comunicação social!
Mas, já agora, Sr. Deputado, deixe-me dizer-lhe o seguinte: que discurso é, afinal, o do CDS-PP? Aquele que, lá fora, é o discurso sanitário do sistema e que, aqui, perante o problema das facturas falsas, que V. Ex.ª sabe que é um problema que a consciência social portuguesa associa ao funcionamento em geral do sistema económico, do sistema social e do sistema político do país, VV. Ex.ªs desconsideram? Há que ter um único discurso, Sr. Deputado! Ficamos à espera de um mínimo de coerência da parte do CDS-PP.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, V. Ex.ª tem-se distinguido em atribuir falsidades ao CDS-PP. Os jornais, passados uns dias, publicam excertos das sessões plenárias, e depois vê-se quem faltou à verdade e fez afirmações falsas e quem disse verdades.
Portanto, principalmente o Sr. Deputado José Vera Jardim, devia ter o cuidado de, quando acusa o CDS-PP de falsidades, ter bem presente o que está a dizer porque, ao ler os jornais, vai ficar mal colocado.
Por outro lado, temos um discurso sanitário em todas as situações: desde as casas de banho aos palácios reais!...

Risos do CDS-PP, do PSD e do PS.

Não escrevemos umas coisas nas portas das toilettes e outras no grupo parlamentar. O discurso sanitário é o mesmo!
Porém, entendemos que as facturas falsas estão previstas em duas infracções graves: ou têm repercussão fiscal e já estão previstas ou trata-se de um crime de burla que está previsto igualmente e V. Ex.ª, como grande jurista que é, sabe que não há um crime tipificado de factura falsa.
Portanto, o crime das chamadas facturas falsas ou é punido como crime de falsificação de documentos com relevância fiscal e crime contra a economia ou como crime de burla, os quais estão precavidos na lei.
Agora, ern relação ao barulho que se fez à volta do facto de este grupo de trabalho não ter amnistiado nem perdoado as facturas falsas, V. Ex.ª vai ver e, daqui a seis meses, conversamos sobre se, realmente, as facturas falsas foram ou não previstas neste projecto de lei.
Este caso faz-me lembrar o da Alta Autoridade contra a Corrupção. Dizia alguém que era tão alta, tão alta que a corrupção toda passava-lhe por baixo.
Esta lei pode vir a ser tão alta, tão alta que toda a factura falsa lhe passe por baixo. Esperemos para ver!

Risos do CDS-PP, do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate do projecto de lei n.º 407/VI, que amnistia diversas infracções e estabelece outras medidas de clemência, a propósito do 20.º aniversário do 25 de Abril.
Uma vez que todos os grupos parlamentares estão de acordo, passamos de imediato à sua votação.
Antes, porém, quero congratular-me com o nível da discussão que aqui fizémos sobre um tema de tão relevante importância para as instituições e a nossa homenagem a um acto que mudou o curso da História de Portugal, sem esquecer as medidas de clemência, que fazem parte igualmente da democracia.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, este projecto de lei.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do PSN.

Srs. Deputados, como foi previamente acordado, a votação na especialidade far-se-á por três blocos. Assim sendo, vamos votar os artigos 1.º ao 7.º, inclusive, do projecto de lei n.º 407/VI.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do PSN.

São os seguintes:

Artigo 1.º

Desde que praticadas até 16 de Março de 1994, inclusive, são amnistiadas as seguintes infracções:

a) Os crimes de ofensas corporais voluntárias, quando a doença ou impossibilidade de trabalho causada não tenha excedido 10 dias e não se verifiquem as sequelas ou circunstâncias previstas nos artigos 143.º e 144.º do Código Penal;
b) Os crimes previstos nos artigos 142.º e 147.º do Código Penal, quando haja perdão de parte;
c) Os crimes previstos no artigo 152.º, com excepção da alínea c) do seu n.º 1, e no artigo 155.º do Código Penal;

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d) Os crimes previstos nos artigos 164.º, 165.º, 166.º, 168.º e 169.º do Código Penal, salvo se tiverem sido cometidos através dos meios de comunicação social;
e) Os crimes previstos no artigo 228.º, n.º l, do Código Penal, salvo se instrumentais de infracções contra a economia ou fiscais ou se praticados no exercício de funções públicas ou políticas;
f) Os crimes de falsificação de vales postais e de cheques, quando a conduta respeite exclusivamente ao preenchimento daqueles, abuso da assinatura de outrem ou à utilização do uso assim falsificado e o seu montante não exceder 200 contos;
g) Os crimes previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 235.º do Código Penal, quando a utilização ou entrega do documento de identificação vise obter ou facultar direitos ou vantagens no que toca a deslocação e, bem assim, os crimes previstos no n.º l do artigo 228.º e nos n.08 l e 2 do artigo 230.º do mesmo diploma, quando a falsificação ou fabrico se refira a bilhetes ou passes para deslocação em transportes públicos colectivos;
h) O crime de falsas declarações quanto à identificação e aos antecedentes criminais do arguido;
i) O crime previsto no artigo 177.º do Código Penal;
j) O crime de uso, porte e detenção de arma de defesa previsto e punível pelas disposições conjugadas do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, e artigo 260.º do Código Penal, desde que o detentor regularize a situação nos 180 dias subsequentes à entrada em vigor da presente lei;
l) Os crimes previstos nos artigos 296.º e 297.º, se a qualificação resultar apenas de uma ou mais das circunstâncias referidas nas alíneas a), f) e g) ao seu n.º 1 e c) e h) do seu n.º 2 e 299.º, 300.º, n.º 1, 304.º, 308.º, 309.º, n.º 3, alínea b), 316º, 319º, 320º, n.ºs l, 2 e 3, e 329.º, n.º 3, do Código Penal, quando o valor total das coisas objecto de subtracção ou apropriação, dos prejuízos patrimoniais causados ou dos benefícios ilícitos, intentados ou obtidos, não for superior a 500 contos;
m) Os crimes previstos nos artigos 302.º, 303.º e 305.º do Código Penal;
n) Os crimes de desobediência previstos no artigo 388.º do Código Penal e noutras disposições legais, e, bem assim, aqueles que a lei mande punir com as penas cominadas para tais crimes;
o) Os crimes cometidos por negligência, quando não sejam puníveis com pena de prisão superior a um ano, com ou sem multa;
p) Os crimes cometidos por negligência, mesmo que puníveis com pena de prisão superior a um ano, com ou sem multa, quando o ofendido seja ascendente, descendente, irmão, cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens do arguido ou quem com ele conviver em condições análogas às dos cônjuges ou quando haja perdão de parte;
q) O crime previsto nos artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei n.º 13 004, de 12 de Janeiro de 1927, e no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, bem como o crime de burla previsto no artigo 313.º do Código Penal, se cometido através de cheque;
r) Os crimes previstos no n.º 1 do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, e no artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;
s) Os crimes contra a economia e, bem assim, aqueles que a lei punir com as penas cominadas para tais crimes, mesmo quando dolosos e ainda que em forma continuada, desde que puníveis com multa ou com prisão até um ano, com ou sem multa, e os crimes de açambarcamento e especulação, quando o valor total dos produtos ou mercadorias açambarcadas ou o total do lucro especulativo, tentado ou obtido, não ultrapasse os 500 contos;
i) Os crimes previstos no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, desde que:
o subsídio, subvenção ou crédito bonificado tenha sido atribuído a empresa ou instituição como forma de apoio à imprensa não sejam provenientes de fundos comunitários nem deles constituam contrapartida nacional, o infractor não tenha sido anteriormente condenado por crime da mesma natureza e a conduta não consubstancie nem concorra com qualquer outro ilícito criminal não amnistiado pela presente lei, sob a condição de apresentar, no prazo de 120 dias a contar da entrada em vigor da presente lei, documento emitido pela entidade concedente comprovativo de que o subsídio, subvenção ou crédito bonificado foi utilizado para o fim a que se destinava ou restituído.
u) As infracções previstas no artigo 33.º da Lei n.º 7/92, de 12 de Maio;
v) Os crimes previstos nos artigos 13.º, 15.º, 24.º, n.º 3, 28.º, n.º l, alínea a), e 31.º da Lei n.º 30/87, de 7 de Julho, e puníveis nos termos do artigo 40.º da Lei n.º 89/88, de 5 de Agosto;
x) As infracções previstas nos artigos 44.º e 45.º da Lei n.º 58/90, de 7 de Setembro;
z) As infracções previstas nos artigos 31.º e 32.º da Lei n.º 87/88, de 30 de Julho;

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aa) Os crimes previstos no artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 48 912, de 18 de Março de 1969, atenta a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 22/85, de 17 de Janeiro, e no artigo 108.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, quando praticados nas instalações de associação sem fins lucrativos e desde que os réditos apurados nas atinentes práticas fossem destinados, ainda que indirectamente, a custear actividades filantrópicas, culturais, desportivas ou de melhoria comunitária, ou outras de equivalente interesse social, desenvolvidas ou promovidas pela associação, e, bem assim, os crimes previstos nos artigos 58.º e 59.º do Decreto-Lei n.º 48 912 e 110.º e 111.º do Decreto-Lei n.º 422/89;
bb) As infracções ao regime da propriedade da farmácia, desde que a situação seja regularizada no prazo de um ano a contar da publicação da presente lei;
cc) As infracções aos regimes de caça e pesca desportiva puníveis com coima, multa ou prisão até seis meses, salvo se a conduta em causa tiver provocado perdas importantes nas populações de espécies de fauna selvagens legalmente protegidas;
dd) As contravenções ao Código da Estrada ou ao seu Regulamento, ao Regulamento de Transportes em Automóveis, ao Decreto-Lei n.º 45299, de 9 de Outubro de 1963, aos Decretos n.05 47 123, de 30 de Julho de 1966, e 28/74, de 31 de Janeiro, à Portaria n.º 758/77, de 15 de Dezembro, e aos demais regulamentos e posturas relativos ao trânsito, parqueamento e transporte rodoviários, abrangendo-se as medidas de segurança e penas acessórias decorrentes dessas contravenções;
ee) As contravenções ao Regulamento para a Exploração e Polícia dos Caminhos de Ferro;
ff) As contravenções puníveis com multa cujo limite máximo não exceda 500 contos e as contra-ordenações puníveis com coima até 2000 contos, com excepção das de natureza fiscal, aduaneira, financeira e bancária e das previstas na alínea seguinte;
gg) As contra-ordenações previstas no artigo 82.º, n.º 5 2, 3 e 4, do Decreto Regulamentar n.º 43/87, de 17 de Julho, e no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 304/87, de 4 de Agosto, e outras, no âmbito do sector das pescas, punidas com coima cujo limite máximo não exceda 600 contos;
hh) As infracções às leis, estatutos e regulamentos desportivos, salvo quando punidos com irradiação;
ii) As infracções às leis sobre taxas de rádio puníveis com multa;
jj) As infracções disciplinares puníveis pelo Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, directamente ou por remissão, quando a pena aplicável ou aplicada não seja superior a suspensão e, bem assim, as infracções praticadas pelos funcionários ou agentes com estatuto especial, quando a sua gravidade não seja superior a das referidas no n.º 1 do artigo 24.º daquele Estatuto, salvo quando os factos imputados integrem ilícito criminal ou quando o infractor já tiver anteriormente sido punido com censura ou pena mais grave;
ll) Os ilícitos disciplinares militares quando punidos com pena não superior a prisão disciplinar.
mm) As infracções disciplinares cometidas, no exercício da sua actividade, por profissionais liberais sujeitos a poder disciplinar das respectivas associações públicas de carácter profissional, salvo quando os factos imputados integrem ilícito criminal ou quando o infractor já tiver anteriormente sido punido com censura ou pena mais grave.

Artigo 2.º

1. A amnistia decretada nas alíneas f) e) do artigo 1.º é concedida sob condição suspensiva da prévia reparação ao lesado e, no caso da alínea q), ao portador do cheque, ainda que não tenha sido deduzido pedido cível de indemnização, salvo se for concedido perdão de parte ou desistência de queixa.
2. A condição referida no número anterior deve ser satisfeita nos 90 dias imediatos à notificação que para o efeito deve ser feita ao arguido ou, não sendo a mesma possível, da sua notificação para julgamento, se antes o não tiver sido independentemente de notificação.
3. Considera-se satisfeita a condição referida no n.º 1 quando o lesado ou o portador do cheque se declarem reparados ou renunciem à reparação.
4. Sempre que o lesado for desconhecido, não for encontrado ou ocorrendo outro motivo justificado e se a reparação consistir no pagamento de quantia determinada, considera-se satisfeita a condição referida no n.º 1 se o respectivo montante for depositado na Caixa Geral de Depósitos em nome e à ordem do lesado ou do portador do cheque, no prazo previsto no n.º 2.
5. No caso da alínea q) do artigo l.º o montante indemnizatório é calculado nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro.
6. Nos demais casos em que se não mostre suficientemente apurado o valor da indemnização reparatória o juiz, mediante requerimento do Ministério Público ou do arguido a apresentar no prazo referido no n.º 2, fixa, por despacho irrecorrível, e após efectuar as diligências que julgue necessárias, o valor da indemnização.
7. Nas situações previstas no número anterior ou quando a situação económica do arguido e a ausência de antecedentes criminais o justifique o juiz, oficiosamente ou a requerimento, concede novo prazo de 90 dias para a satisfação da condição referida no n.º 1.

Artigo 3.º

1. Para efeitos da presente lei, considera-se perdão de parte a declaração do ofendido a prestar directamente nos autos ou por requerimento até à publicação da

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sentença da primeira instância, no sentido de não desejar que seja intentado ou prossiga o pertinente procedimento criminal.
2. O perdão relativo a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes.
3. No caso de pluralidade de ofendidos ou titulares do direito de perdão, é condição da sua eficácia que o perdão seja concedido por todos.
4. No caso de o ofendido ter morrido ou ser incapaz, o direito de perdão pertence ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e descendentes maiores ou ao representante legal e, na sua falta, aos ascendentes, irmãos e seus descendentes.

Artigo 4.º

São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estiverem destinados a servir para a prática de uma infracção amnistiada pelo artigo 1.º, ou que por estas tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novas infracções.

Artigo 5.º

Nos processos pendentes sem que seja declarado extinto o procedimento criminal por força da amnistia decretada no artigo l.º são oficiosamente restituídas as quantias relativas à taxa de justiça pagas pela constituição de assistente.

Artigo 6.º

1. Independentemente da aplicação imediata da presente amnistia, os arguidos por infracções previstas no artigo l.º podem requerer, no prazo de 10 dias a contar da entrada em vigor da presente lei, que a amnistia não lhes seja aplicada, ficando sem efeito o despacho que a tenha decretado.
2. A declaração do arguido prevista no número anterior é irretractável.

Artigo 7.º

1. A amnistia prevista no artigo 1.º não extingue a responsabilidade civil emergente de factos amnistiados.
2. O assistente, que à data da entrada em vigor da presente lei se encontre notificado e em prazo para deduzir pedido de indemnização cível por dependência da acção penal extinta pela amnistia, pode fazê-lo, oferecendo prova nos termos do processo declarativo sumário.
3. O lesado não constituído assistente e o assistente ainda não notificado para deduzir pedido cível sê-lo-á para, querendo, em 10 dias, deduzir o pedido cível, nos termos do número anterior, sob pena de o dever fazer em separado no foro cível.
4. Quem já haja deduzido tal pedido, pode no prazo de 10 dias seguidos, contados a partir da notificação que para tanto lhe deve ser feita, requerer o prosseguimento do processo, apenas para apreciação do mesmo pedido, com aproveitamento implícito da prova indicada para efeitos penais.
5. Quanto aos processos com despacho de pronúncia ou que designe dia para audiência de julgamento, em que o procedimento criminal seja declarado extinto
por força das alíneas a), c), d), e), o), p) e s) do artigo 1.º, pode o ofendido, no prazo de 10 dias seguidos, contados a partir do trânsito em julgado da correlativa decisão, requerer o seu prosseguimento, apenas para fixação da indemnização cível a que tenha direito, com aproveitamento implícito da prova indicada para efeitos penais.
6. Nas acções de indemnização cível propostas em separado, na sequência da aplicação da presente lei, qualquer das partes ou terceiros intervenientes podem, até 8 dias antes da audiência de discussão e julgamento, requerer a apensação do processo em que tenha sido decretada a amnistia ou, até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, requerer a junção de certidão da parte do processo relevante para o pedido cível.
Srs. Deputados, passamos à votação dos artigos 8.º ao 15.º, inclusive, do referido projecto de lei.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro e votos contra do CDS-PP.

São os seguintes:

Artigo 8.º

1. Relativamente às infracções praticadas até 16 de Março de 1994, inclusive, são perdoadas:

a) As penas de prisão por dias livres e as em execução em regime de semi-detenção ou de trabalho a favor da comunidade;
b) A totalidade das penas de multa aplicadas cumulativamente com pena de prisão pela prática da mesma infracção;
c) 180 dias das penas de multa aplicadas a título principal ou em substituição de penas de prisão;
d) Um ano em todas as penas de prisão, ou um sexto das penas de prisão até oito anos, ou um oitavo ou um ano e seis meses das penas de prisão de oito ou mais anos, consoante resulte mais favorável ao condenado.

2. O disposto na alínea d) do número anterior é aplicável às penas de prisão maior, de prisão militar e de presídio militar.
3. O perdão referido no n.º 1, alíneas e) e c), abrange a prisão alternativa na respectiva proporção.
4. Em caso de cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única e é materialmente adicionável a perdões anteriores, sem prejuízo do disposto no artigo 10.º.

Artigo 9.º

1. Salvo disposição da lei em contrário os reincidentes beneficiam da amnistia e do perdão concedidos na presente lei.
2. Não beneficiam da amnistia nem do perdão decretados na presente lei:
a) Os deliquentes habituais ou por tendência ou alcoólicos habituais e equiparados;
b) Os membros das forças policiais e de segurança ou funcionários e guardas dos

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serviços prisionais relativamente à prática, no exercício das suas funções, de delitos que constituam violação de direitos, liberdades ou garantias pessoais dos cidadãos, independentemente da pena;
c) Os transgressores ao Código da Estrada e seu Regulamento, quando tenham praticado a infracção sob a influência do álcool, ou com abandono de sinistrado, independentemente da pena;
3. Não beneficiam do perdão previsto no artigo anterior:
a) Os condenados pela prática de crimes contra a economia ou fiscais, de burla ou de abuso de confiança, quando cometidos através de falsificação de documentos;
b) Os condenados pela prática dos crimes previstos no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, quando os subsídios, subvenções ou créditos sejam provenientes de fundos comunitários ou da respectiva contrapartida nacional;
c) Os condenados em pena de prisão superior a três anos pela prática de crimes sexuais de que tenham sido vítimas menores de 12 anos;
d) Os condenados pela prática de crimes contra as pessoas a pena de prisão superior a 10 anos, que já tenha sido reduzida por perdão anterior;
e) Os condenados a pena de prisão superior a sete anos pela prática de crime de tráfico de estupefacientes.
4. A exclusão de perdão prevista nos n.ºs 1 e 2 não prejudicam a aplicação do perdão previsto no artigo anterior em relação a outros crimes cometidos, devendo, para o efeito, proceder-se a adequado cúmulo jurídico.

Artigo 10.º

Relativamente às infracções praticadas até 16 de Março, inclusive, a pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos a deliquentes com menos de 21 anos, à data da prática do crime, ou com 70 ou mais anos, em 25 de Abril de 1994, será sempre substituída por multa na parte não perdoada, salvo se forem reincidentes ou se encontrarem nalguma das situações previstas no artigo seguinte.

Artigo 11.º

O perdão a que se refere a presente lei é concedido sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infracção dolosa nos 3 anos subsequentes à data da entrada em vigor da presente lei, caso em que à pena aplicada à infracção superveniente acrescerá a pena ou parte da pena perdoada.

Artigo 12.º

Relativamente a condenações em pena suspensa, o perdão a que se refere a presente lei e o disposto no artigo 10.º só deve ser aplicado se houver lugar à revogação da suspensão.

Artigo 13.º

Relativamente aos processos que tenham por objecto factos ocorridos até 16 de Março de 1994, inclusive:

1. Ainda não submetidos a julgamento e que, não obstante a amnistia decretada no artigo l.º, hajam de prosseguir para apreciação de crimes susceptíveis de desistência de queixa, o tribunal, antes de iniciar a audiência de discussão e julgamento, deverá realizar tentativa de composição das partes.
2. Nos 45 dias imediatos à entrada em vigor da presente lei proceder-se-á a requerimento do Ministério Público ou oficiosamente, consoante a fase processual, ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ponderando-se a possibilidade de revogação face à pena previsível em consequência da aplicação desta lei.

Artigo 14.º

Sem prejuízo das normas do Registo Criminal, são cancelados todos os registos relativos a transgressões, contravenções e contra-ordenações por violação de normas do Código da Estrada e legislação complementar cometidas até 16 de Março de 1994.

Artigo 15.º

1. As penas de demissão aplicadas ao abrigo do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 247 84, de 16 de Janeiro, ou a funcionários ou agentes com estatuto especial ou decretadas acessoriamente a condenação criminal serão substituídas por aposentação compulsiva ou passagem à reforma, consoante os casos, desde que os interessados o requeiram no prazo de 90 dias seguidos, contados a partir da entrada em vigor da presente lei ou ao trânsito em julgado da atinente decisão, e se verifique o condicionalismo exigido pelo Estatuto da Aposentação ou pelo estatuto equiparado aplicável.
2. A substituição ora prevista no n.º 1 só se efectua quando as infracções punidas tenham sido praticadas até 16 de Março de 1994, inclusive, e não produz efeitos em relação ao período anterior a esta data.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação dos artigos 16.º e 17.º do projecto de lei n.º 407/VI.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do PSN.

São os seguintes:

Artigo 16.º

1. Os benefícios concedidos pela presente lei aplicam-se no território de Macau, com as necessárias adaptações.
2. São aí amnistiadas as infracções essencialmente idênticas às infracções agraciadas do artigo 1.º mediante referência a preceitos ou diplomas que não se encontrem em vigor no território.
3. Os valores pecuniários expressos, nesta lei, em escudos, serão convertidos à razão de 20$ por pataca.
4. O disposto no artigo 15.º aplica-se às penas de demissão, qualquer que seja o estatuto disciplinar ao abrigo do qual tenham sido determinadas.

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Artigo 17.º

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do referido projecto de lei.

Submetido à votação, foi aprovado, tendo obtido os votos a favor do Sr. Presidente da Assembleia da República, do PSD, do PS, do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro e o voto contra do CDS-PP.

Srs. Deputados, retomaremos os nossos trabalhos às 15 horas.

Está suspensa a sessão.

Eram 13 horas e 25 minutos.

Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Correia Afonso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, para anunciar que deu entrada na Mesa, e foi admitida, a proposta de resolução n.º 63/VI, que aprova para ratificação a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha, para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, que baixou à 3.ª Comissão.
Foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os requerimentos seguintes: ao Ministério da Agricultura, formulados pelos Srs. Deputados José Costa Leite, Lino de Carvalho, Marília Raimundo, António Morgado e Fialho Anastácio; aos Ministérios das Finanças e da Educação, formulado pelo Sr. Deputado José Reis Leite; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Melchior Moreira; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Júlio Henriques; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado José Lello; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Ana Maria Bettencourt, Julieta Sampaio, Raúl Castro, José Eduardo Reis e Paulo Rodrigues; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; ao Ministério do Emprego e Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Paulo Trindade e Raúl Castro; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Marília Raimundo e Álvaro Viegas; ao Ministério do Planeamento e Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Luís; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados António Braga, Fernando Pereira Marques, Joel Hasse Ferreira e Lino de Carvalho; aos Ministérios do Ambiente e Recursos Naturais e da Indústria e Energia, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Paulo Casaca, no dia 31 de Agosto; José Magalhães, na sessão de 10 de Novembro; Mário Tomé, nas sessões de 18 de Novembro e 25 de Fevereiro; António Martinho, no dia 24 de Novembro; Luís Pais de Sousa e Paulo Rodrigues, nas sessões de 2 e 11 de Fevereiro; António Filipe, nas sessões de 2 e 17 de Março; Macário Correia, no dia 8 de Março; Guilherme d'Oliveira Martins, nas sessões de 26 de Novembro e 24 de Março.
Informo ainda que a Comissão de Petições reunirá às 16 horas e 30 minutos e que as Comissões de Educação Ciência e Cultura e de Saúde já se encontram reunidas desde as 15 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Informo a Câmara de que se encontram inscritos, para intervenções de assuntos de interesse político relevante, os Srs. Deputados António Maria Pereira, Miguel Urbano Rodrígues, Carlos Pinto, Carlos Lage e Narana Coissoró.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Maria Pereira.

O Sr. António Maria Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, ao propor ao Sr. Presidente da Assembleia da República que autorizasse a deslocação de uma delegação parlamentar à África do Sul durante as eleições, procurou corresponder a um apelo da Comissão Eleitoral Independente, organizadora das eleições, para que a comunidade internacional enviasse um número importante de observadores a fim de poderem testemunhar o modo como as eleições decorreriam na África do Sul.
O facto de Portugal ter interesses muito fortes na África do Sul, na medida em que ali habitam várias centenas de milhar de portugueses, foi outra das razões determinante para a presença nesse país da delegação parlamentar no período crítico das eleições.
Por isso, a programação da nossa viagem foi estabelecida em função de dois objectivos: observação in loco do processo eleitoral e contacto com portugueses aí residentes.
Este programa foi cumprido, conforme, em pormenor, se exporá em relatório a apresentar brevemente ao Sr. Presidente da Assembleia da República.
Os Deputados portugueses, investidos no estatuto de observadores, estiveram em Joanesburgo e Pretória e deslocaram-se ainda à cidade do Cabo e a Durban. Visitaram, nestas cidades, numerosas secções de voto; deslocaram-se às townships mais miseráveis; falaram com os votantes de todas as etnias e extractos sociais; ajudaram mesmo, em algumas secções, às operações materiais preparatórias das votações; verificaram algumas operações de reconciliação e contagem de votos.
Por outro lado, foram ao encontro dos portugueses residentes, com quem conviveram; visitaram numerosas associações de portugueses; inquiriram sobre o seu estado de espírito.
Durante a sua estadia na África do Sul os Deputados portugueses tiveram o seu tempo constantemente ocupado nestes trabalhos e regressam com a consciência de que representaram condignamente a Assembleia

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da República num período decisivo para a África do Sul e para os portugueses que lá habitam.

O Sr. Ruí Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Terminado o processo eleitoral, as nossas conclusões, relativamente aos dois objectivos da missão que a delegação se propôs, são os seguintes: por tudo o que vimos e também pelo que ouvimos, lemos e soubemos, é nossa convicção que as eleições sul-africanas foram globalmente justas e honestas - just and fair, para usar a linguagem das Nações Unidas.
Houve, é certo, em algumas secções de voto, problemas administrativos, designadamente de ordem logística e/ou informática, os quais, no entanto, acabaram por ser resolvidos ou estão a ser investigados nos termos previstos na lei eleitoral. Contudo, considerando as tremendas dificuldades da organização de um processo eleitoral num país em que vários milhões de negros votavam pela primeira vez, em que não havia cadernos eleitorais baseados num censo à população, em que um dos partidos só muito tarde declarou concorrer às eleições, e atendendo ao modo ordeiro como todo o processo eleitoral decorreu, praticamente sem violências ou coacções dignas de registo, bem como a grande afluência da população às umas, a conclusão é de que essas irregularidades, ou mesmo ilegalidades, pontuais não afectam a correcção do processo eleitoral considerado na sua globalidade.
Por outro lado, dos nossos contactos com os portugueses da África do Sul, concluímos que, na generalidade pelo menos, não pensam regressar a Portugal, que participaram em grande número no acto eleitoral e que, neste momento, estão numa atitude de expectativa optimista relativamente ao futuro da África do Sul.
Isto quanto à nossa missão.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para além do que vem dito, gostaria de realçar aqui o facto de os Deputados portugueses terem presenciado um acontecimento histórico de proporções transcendentes, que altera radicalmente o contexto político da África Austral. Um acontecimento histórico que, se nos limitarmos aos tempos mais recentes, eu compararia à queda do muro de Berlim ou à revolução do 25 de Abril em Portugal.
Tal como estes dois últimos acontecimentos, as realizações multi-raciais na África do Sul representam, antes do mais, uma grande vitória do ideal da liberdade, que é o substrato dos direitos do homem e da democracia.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Há cerca de meio século, quase na mesma altura em que era proclamada, nas Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem - em cujo artigo 1.º se declara que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, não podendo ser estabelecida qualquer distinção fundada na raça, na cor ou no sexo -, a África do Sul, num movimento em sentido oposto, institucionalizava o hediondo regime do apartheid que, na realidade, correspondia a um novo tipo de escravatura, em que a cor negra da pele condenava milhares de homens e mulheres a não terem direito de cidadania no seu próprio país, a serem desterrados para townships miseráveis e insalubres ou para as zonas inóspitas dos bantustões, a não poderem ter educação, que era reservada apenas aos brancos, a terem de viver toda a vida miseravelmente, a não poderem exprimir a sua revolta sob pena de serem presos, torturados e executados como dezenas de milhar o foram.
O espectáculo que presenciámos nas secções de voto das miseráveis townships, em que em longas filas de quilómetros homens e mulheres negros aguardavam pacientemente durante horas e horas o momento culminante em que, pela primeira vez na sua vida, iam exercer o seu direito de homens e mulheres livres a votarem no seu próprio país, nunca mais o esqueceremos. Como nunca mais esqueceremos a emoção que havia em tantos rostos, onde, com frequência, as lágrimas afloravam.
Esta formidável transição de um regime opressivo, violador dos mais fundamentais direitos do homem e condenado por todo o mundo civilizado, para a democracia multi-racial foi possível graças à conjugação de vários factores. Antes do mais, a luta, muitas vezes armada, dos negros sul africanos contra o regime iníquo imposto pelo governo de Pretória; depois, a reacção mundial de uma intensidade sem precedentes, conduzindo à condenação da política do apartheid, ao isolamento e à aplicação de sanções à África do Sul; e, finalmente, a quase miraculosa coincidência de, de um lado e outro da barricada, terem emergido dois homens excepcionais que, ultrapassando os profundos ressentimentos do passado, compreenderam que só através da conciliação e da negociação seria possível evitar o abismo da guerra civil para que o país fatalmente corria.
Através de dificuldades extraordinárias, em que um passado de anos e anos de confrontação armada tinha deixado marcas profundas, Nelson Mandela conseguiu ultrapassar o trauma de 27 anos de cadeia e entender-se construtivamente com o representante máximo do sistema que o tinha conduzido à prisão; e, por outro lado, o Presidente De Klerk, sobrepondo-se à linha política do seu partido, responsável pelo sistema do apartheid, conseguiu, assumindo todos os riscos, fazer inflectir essa linha ao ponto de passar a condenar o que antes tinha tenazmente defendido.
Ambos compreenderam que só assim seria possível salvar a África do Sul da catástrofe que se anunciava no horizonte.
Quando o Presidente De Klerk libertou Nelson Mandela e iniciou o processo negocial que conduziu às eleições multi-raciais, alguém lhe perguntou se ele não tivera consciência do risco enorme que corria pelo facto de, estando no poder, aceitar eleições em que, com certeza, o seu partido seria vencido. A resposta foi: «eu tinha uma opção entre aceitar este risco ou a certeza de avançar fatalmente para a catástrofe de uma guerra civil. Preferi assumir o risco».
Os factos provaram que a corajosa aposta de De Klerk estava certa. E mais, provaram que, graças sobretudo ao prestígio, ao sentido de Estado e à liderança indiscutível de Nelson Mandela, esse risco acabou por ser ultrapassado. Ao realizar, pela primeira vez na sua História, eleições multi-raciais que decorreram sem acidentes, a África do Sul deu um exemplo de civismo, não só à África mas ao mundo inteiro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa época em que somos constantemente bombardeados com notícias horríveis de genocídios, massacres, torturas, guerras e tantos e tão graves atentados aos direitos do homem, que nos chegam da Bósnia, do Burundi, do Ruanda, de Angola e tantas outras bandas, é reconfortante poder

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afirmar que, finalmente, assistimos, na África do Sul, a uma grande e espectacular vitória da causa dos direitos humanos.

Aplausos do PSD e do PSN.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do voto n.º 103/VI - De protesto pelos acontecimentos ocorridos frente ao Ministério da Educação no dia 4 do corrente mês e de solidariedade com os estudantes (PS).

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor: A Assembleia da República manifesta o seu mais vivo repúdio pelos graves acontecimentos ocorridos ontem, dia 4 de Maio, frente ao Ministério da Educação, durante os quais estudantes foram duramente reprimidos pelas forças policiais que assim violaram normas fundamentais do Estado de Direito, não correspondendo à atitude de diálogo assumida pelos estudantes.
Mais manifesta a Assembleia da República total solidariedade com os estudantes portugueses nas suas justas reivindicações pela dignificação e qualidade da educação em Portugal.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Vieira.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Maria Pereira, concordo plenamente consigo, quando afirma que as recentes eleições na África do Sul foram um grande momento na história desse país, e foram-no porque, em primeiro lugar, com estas eleições se volta a derradeira página do apartheid e, em segundo lugar, porque marcaram o nascimento da democracia num dos mais importantes países do continente africano e, em terceiro lugar, porque consagra a reconciliação do povo sul-africano em torno de um destino comum na pluralidade das suas raças, culturas e tradições.
Estas eleições foram também um grande momento para o continente africano, porque renasce a esperança da democracia num continente marcado pelo despotismo e pela violência e porque se esboroou finalmente o insensato sonho do homem branco de construir em África a réplica do seu país de origem, contra a cultura e a tradição das populações locais.
Sr. Deputado António Maria Pereira, estas eleições - e também estou de acordo consigo - foram ainda, reconhecidamente, um grande momento para a causa dos direitos humanos. E aqui - acompanho-o também -, cabe-me fazer uma referência a dois homens excepcionais em todo o processo sul-africano: Nelson Mandela e William De Klerk.
No entanto, estas eleições marcam também o início de uma enorme responsabilidade e de um grande desafio para todos os novos governantes da África do Sul. Na verdade, há necessidade de criar milhões de empregos num país que tem praticamente metade da sua mão-de-obra, da sua população activa, desempregada; há necessidade de construir cerca de um milhão de casas para grande parte da população, que, como sabemos, se encontra a viver em barracas e em ghettos, bairros completamente degradados; é necessário um enorme esforço e um grande desafio na educação e na saúde e, enfim, assegurar a paz e a segurança dos cidadãos num pais com cidades como Joanesburgo, que tem níveis de criminalidade e de violência muito superiores às das cidades mais violentas dos Estados Unidos da América.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria também de referir a importância que teve a iniciativa da Assembleia da República em enviar à África do Sul a sua delegação. Aliás, não fomos os únicos a ter essa iniciativa, já que acompanhámos países que têm interesses especiais em África, como a Inglaterra, a França e a Alemanha.
Finalmente - e com a benevolência do Sr. Presidente -, gostaria de deixar aqui os meus votos pessoais para que os novos governantes da África do Sul saibam consolidar a democracia e que esse país passe agora a ser uma referência de paz e de desenvolvimento para toda a África.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não iria, propriamente, pedir um esclarecimento ao nosso colega António Maria Pereira, que fez a sua intervenção e que presidiu à delegação à África do Sul, mas sugerir à Mesa e a esta Assembleia...

O Sr. Joaquim Silva Pinto (PS): - A sugestão é uma figura regimental?!...

O Orador: - ... que enviasse, em nome dela, através de uma salva de palmas, uma saudação aos dois grandes obreiros desta mudança histórica na África do Sul: o Dr. Nelson Mandela, provavelmente próximo presidente da República da África do Sul, e o actual presidente, o Sr. Frederik De Klerk, pelo papel histórico que assumiram numa das transformações mais importantes do nosso século.
Portanto, desde já, a Assembleia, independentemente das conclusões desse voto, deveria fazer essa saudação, porque ela tem, essencialmente, não o sentido formal mas um sentido político.
Proponho, pois, uma salva de palmas aos Srs. Nelson Mandela e De Klerk, solicitando ao Sr. Presidente da Assembleia, em exercício, que envie felicitações a ambos em nome desta Assembleia.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, sugeria, se fosse possível, que fosse obtido um texto consensual das diversas bancadas, que o transmitirei à Embaixada da África do Sul.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Oliveira.

O Sr. Carlos Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, simplesmente, salientar a participação maciça da comunidade portuguesa na África do Sul nessa votação, embora ela seja projectada inúmeras vezes como sendo uma comunidade conservadora, pouco participativa, completamente arredada do processo político na África do Sul.
Mais uma vez verificamos que isto não corresponde à verdade. Os vários observadores constataram, nas

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áreas de residência predominante portuguesa, que as filas para a votação tinham a presença maciça da comunidade portuguesa. Eu próprio e vários membros da delegação não encontrámos um único português que nos tivesse dito que não tinha votado. Com certeza que houve inúmeros, mas não encontrámos um único que nos tivesse dito que não tinha votado.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado António Maria Pereira.

O Sr. António Maria Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, estou inteiramente de acordo com as intervenções que aqui foram feitas e subscrevo inteiramente o voto que aqui foi manifestado, estando, aliás, já a redigir um projecto nesse sentido.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr. Miguel Urbano Rodrígues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fui testemunha em Joanesburgo de um terramoto político. A ida às umas dos sul-africanos culminou um processo de mudança que, quaisquer que sejam os seus desdobramentos, ficará a assinalar um acontecimento sem precedentes na História.
Na definição dos juízes da Comissão Eleitoral Independente, aceite por milhares de observadores internacionais, estas eleições, foram globalmente justas e livres. O povo da África do Sul compartilha, na sua esmagadora maioria, tal conclusão.
Ali não houve apenas uma luta entre forças políticas com programas e objectivos não coincidentes. Assistimos ao desfecho eleitoral pacífico de um confronto racial trágico que durante três séculos e meio cobriu de sangue o extremo Sul da África.
Não foi sem emoção que registei no país a formação de uma atmosfera de diálogo humanista de povos e comunidades cujas relações há meia dúzia de anos eram ainda as de senhores para servos. Creio, entretanto, que o momento de euforia não deve gerar a ilusão de que a África do Sul se transformou magicamente, pela força do voto, numa só nação, da qual o racismo e as relações de dependência foram erradicados. Na semana da esperança- se assim se lhe pode chamar - li dezenas de vezes nos grandes jornais de Joanesburgo uma conclusão: «Agora somos todos iguais!» Li também outra bela profissão de fé: «pela primeira vez todos os sul-africanos são livres!»
A igualdade e a liberdade não nascem, porém, nas suas formas superiores, apenas das instituições e da emoção. Por si só a esperança não molda o mundo. É suficiente percorrer, quase no coração de Joanesburgo, a curta distância que separa o luxuoso Standton City da misérrima township de Alexandra para sermos confrontados com assustadores abismos entre os homens. Á transformação da África do Sul numa nação una e autêntica é, por ora, apenas um voto generoso.
De tudo o que observei, o que mais me impressionou foi a alegria do povo negro- três em cada quatro sul-africanos no dia em que os resultados da eleição trouxeram a certeza da grande viragem. Após séculos de colonização estrangeira, iniciada com a conquista holandesa, prosseguida e ampliada pelo império britânico, os sul-africanos negros suportaram quase meio século de apartheid- sistema monstruoso que hierarquizava os homens segundo a cor da pele. O apartheid acabou legalmente, é um facto, durante o governo de Frederik De Klerk. O seu fim não foi, contudo, uma concessão da minoria branca à maioria negra. A África do Sul, mergulhada na violência, isolada economicamente, submetida a uma política condenada pela consciência universal, caminhava para um espantoso caos.
A aceitação da igualdade de todos os cidadãos perante as umas foi o desfecho de uma longa, dramática e heróica luta. Finalmente, a engrenagem foi destruída. O entusiasmo comovente que transformou as townships das grandes cidades em terreiros de festa traduz o orgulho e a alegria daqueles que pelo voto levaram o poder ao ANC - o partido que acreditou sempre na liberdade -, e vão elevar à Presidência da República um negro, Nelson Mandela, herói do seu povo, admirado e respeitado por toda a humanidade.
Sem pretender criticar aqui os que acordaram atrasados para a história, é justo e oportuno recordar que o meu partido, o Partido Comunista Português, foi pioneiro na solidariedade à luta de libertação travada pelo ANC. Esteve sempre, desde o início, ao seu lado.
Srs. Deputados, não existe obviamente eleição perfeita. Nesta, houve muitas irregularidades e insuficiências, tantas que a votação foi prolongada por um dia em algumas regiões. Escassearam boletins de voto; faltou material em muitas secções; surgiram problemas na fase do transporte das umas e da contagem que ainda não terminou. Afinal, desconhecia-se que a África do Sul tem mais dois ou três milhões de habitantes do que se supunha.
A surpresa dos observadores estrangeiros nasceu, porém, não da quantidade e importância das falhas registadas, mas da sua pequena expressão, pois não pesaram nem na atmosfera límpida do processo, nem no resultado do voto popular.
Srs. Deputados, falei com muitos portugueses de diferentes quadrantes sociais e com mundividências diferenciadas. A grande maioria criou raízes indestrutíveis na África do Sul. Sintetizo esse estado de espírito na opinião ouvida de uma mulher de Pretória, a Olga, irmã de duas funcionárias desta Assembleia, a Cila e a Mila. Sem o saber, ela deu-me a bela definição de Pátria, de António Sérgio. «Sou portuguesa, nascida em Angola. • Vim para a África do Sui para ficar. Aqui nasceram os meus filhos, aqui aprenderam a descobrir a vida. Esta é também a minha terra. Gosto desta gente, sejam eles negros, brancos ou mulatos!»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É muito positivo que nestes dias Mandela e Frederik De Klerk, o presidente que vai ser eleito e o presidente que sai, tenham manifestado a convicção de que o ANC e o novo Partido Nacional vão cooperar na construção de uma África do Sul diferente e melhor.
O slogan do ANC - uma vida melhor para todos - vai, entretanto, esbarrar, desde o primeiro dia do Governo de Unidade Nacional com enormes obstáculos.
Os beijos que as mulheres do Soweto atiravam na ponta dos dedos aos observadores internacionais não têm o poder de apagar repentinamente a herança de séculos de uma desigualdade minuciosamente planeada e defendida pelas armas.
A África do Sui está longe de ser o país imaginado em Portugal. O poder económico está ali maciçamente

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concentrado nas mãos de meia dúzia de gigantescas empresas e de uma pequena elite branca.
Num país cujo PIB per capita é pouco superior a um terço do português, a quase totalidade da população negra vive na miséria. Lembro apenas que 77 % da população trabalhadora tem um rendimento inferior a 18 contos por mês.
Encontrava-me em Thokoza quando ouvi pela rádio do carro um discurso muito belo sobre a necessidade de brancos, negros, mulatos e asiáticos concentrarem os seus esforços na criação de um país novo. Meditei, então, no apelo de Mandela para que todos colaborem no esforço prioritário no futuro imediato: criar empregos, construir casas, melhorar e dignificar os sistemas de ensino e de saúde.
Em Thokosa havia tiroteio naquele dia num dos hostels imundas barracas com estilo de caserna onde vivem sobretudo zulus. A votação fora interrompida. Não havia mais boletins. Nas bermas da estrada montanhas de lixo agrediam a paisagem e um cheiro nauseabundo subia daquelas estrumeiras. Nas secções de voto os olhares eram duros. Ali não penetrava o vento da fraternidade. E, infelizmente, na África do Sul há muitas Thokozas...
Srs. Deputados, fala-se muito em Portugal do AWB, o partido da extrema direita branca. Fui por isso até Ventersdorp, a pequena cidade a 250 km de Joanesburgo, que é um dos bastiões de Terre Blanche. Das estradas, vi as faixas demarcando imaginários limites do Volkstaat, o mítico estado bóer idealizado pelos senhores do AWB. As imagens daquilo que observei alarmaram muita gente na Europa. Os comandos do AWB, encapuçados, as trincheiras de sacos de areia nos passeios, em frente da sede da organização, o monumento que os wentcommando ergueram numa praça, as cruzes de inspiração suástica, as águias, todo o cenário envolvente irradiavam o desafio à liberdade, expressavam a contestação da mudança. Faziam rondas pelas ruas, chegaram a apontar armas ao grupo de que eu fazia parte. O tenente da polícia lembrou-me o oficial do romance eterno de Alan Patton: «Chora minha terra bem amada!»
Terre Blanche e a sua gente podem fazer muito mal e derramar sangue, mas não será aquela escumalha racista e nazi que impedirá o avanço do processo de democratização. A ameaça principal vem de outro lado e não resultará sequer da inevitável contestação do Inkata Freedom Party e do seu chefe Buthelezi. Creio que o maior problema que o Governo de Unidade Nacional vai enfrentar é inseparável da natureza dos obstáculos nas frentes económica e social. A unidade no Executivo será frágil e pode ser abalada pelas contradições entre a enorme expectativa gerada entre as massas - que esperam muito no tocante à dignificação da vida- e a inevitável resistência de influentes sectores da minoria branca à perda de privilégios que o apartheid lhes permitiu acumular. A nova e cautelosa política económica do ANC - mesmo sem nacionalizações- envolve um desafio muito complexo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como membro da delegação desta Assembleia tive a oportunidade e a felicidade de presenciar uma eleição que deixará marcas profundas na história da África e da totalidade da Terra, pátria do Homem. Considero, aliás, um acontecimento comparável à Revolução Francesa ou à Revolução Russa de 1917.
Por vezes esperamos dezenas de anos por um acontecimento que muda a vida de um povo. Lembrei-me em Joanesburgo do 25 de Abril durante a emocionante festa da vitória do ANC quando Mandela acabou de falar. Poucos se conheciam no grande salão do Carlton, mas todos dançavam abraçados, até Mandela. Todos, juntos, riam, choravam e cantavam. Tive consciência de ser testemunha de uma página de história profunda.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O realismo não impede o optimismo. Regresso da África do Sul com confiança reforçada. Volto de uma terra que foi berço de um regime odioso, confiante de que o povo sul-africano, na sua caminhada para uma nação multi-racial, possa abrir uma janela de esperança para a África e para o mundo. A humanidade está vocacionada para ser mestiça.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pinto.

O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi recentemente concluído o Acordo Geral de Tarifas e Comércio. Depois de longas negociações, abriram-se novas perspectivas ao comércio mundial, designadamente às pequenas economias cujas barreiras no domínio aduaneiro eram impeditivas de crescimento e desenvolvimento.
O Conselho da União Europeia aprovou este acordo, que foi formalizado em Marrocos em Abril passado e, no quadro desta negociação, foi unanimemente reconhecido pela Comissão da União Europeia enquanto negociadora mandatada pelo Conselho a orientação persistentemente defendida pelo Governo português quanto a um sector fundamental da nossa economia o sector têxtil nacional.
Por isso, não podia deixar, nesta circunstância, de me congratular com o êxito relativo, sempre relativo porque se trata de negociação bastante difícil e que teve um calendário bastante dilatado, e que é bom até no empenho que o Governo pôs na sua negociação.
Além disso, queria referir algumas circunstâncias que são muito positivas para esse sector: em primeiro lugar, a obtenção de um prazo transitório de 10 anos para a integração total do sector têxtil nas novas regras do comércio mundial; em segundo lugar, o reforço das regras e disciplinas no âmbito do combate ao dumping proveniente e praticado por alguns países, à fraude e à evocação acrescida da cláusula de salvaguarda que muitos países utilizam para derrogar os períodos de abertura do seu comércio à concorrência mundial.
Também em relação a aspectos positivos obtidos, não posso deixar de aqui abordar as questões referentes à abertura de novos mercados tradicionalmente fechados, como o dos Estados Unidos, em relação ao qual Portugal conseguiu que se iniciasse, em 1985, um período de redução das imposições aduaneiras.
Serve tudo isto para concluir que as linhas-mestras da posição portuguesa obtiveram vencimento no documento final do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio. O carácter vital e as características do sector industrial português dos têxteis foram objecto, neste período, de sucessivos memorandos e de um debate acrescido por parte da delegação portuguesa e do

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Governo português, que conduziram à obtenção de um apoio extraordinário à indústria têxtil de cerca de 400 milhões de ECU, equivalentes a 80 milhões de contos, e de uma linha de crédito de 500 milhões de ECU bonificada e apoiada pelo Banco Europeu de Investimentos.
Compreende-se que, no quadro de uma política industrial que o Governo vem prosseguindo, era extremamente importante obter esta decisão. À vertente comercial deste acordo o Governo foi capaz de aliar uma vertente de apoio industrial, que sem dúvida, em conexão com o RETEX e com o Programa Específico de Desenvolvimento da Indústria Portuguesa (PEDIP), vai seguramente criar novas perspectivas para a modernização e o reforço da competitividade deste sector no nosso país.
Por isso, a Comissão aprovou um programa respeitando o compromisso político da União Europeia de 15 de Dezembro de 1993.
É a este respeito que tenho de lamentar a posição do Partido Socialista sobre a matéria, designadamente dos seus parlamentares no Parlamento Europeu. De facto, a partir dessa circunstância, do que se tratou foi de traduzir na prática a canalização para Portugal do referido apoio. Mais uma vez o Partido Socialista e os seus Deputados ao Parlamento Europeu mostraram que são capazes de nas palavras, nesta mesma Câmara, estarem permanentemente a falar dos problemas da indústria, dos trabalhadores e das dificuldades de competição na Europa, mas quando chega o momento de traduzirem isso na prática, tergiversam, hesitam e afastam-se do interesse nacional.

Aplausos do PSD.

O que é mais lamentável é que a este propósito utilizem técnicas de malabarismo orçamental perfeitamente inaceitáveis. Compreendemos que da parte do Grupo Socialista no Parlamento Europeu haja alguma incomodidade, porque o Governo português foi o único a conseguir, no âmbito das negociações do Uruguay Round, que um sector específico obtivesse apoios específicos. Nenhum outro governo- o belga, o espanhol, o alemão ou o francês - conseguiu algo no quadro de uma negociação muito vasta, que demorou e em que os interesses globais em jogo eram relevantíssimos. Mas o Governo português conseguiu esses apoios específicos.
Quando se esperava que imediatamente o grupo de Deputados portugueses, de todas as bancadas, se mostrasse sintonizado com a urgência em disponibilizar estes meios para que a indústria e a economia portuguesas pudessem a eles ter acesso ainda durante o ano de 1994. ao que assistimos foi a manobras de atraso, de interpretação diversa, que conduziriam a que tais fundos apenas fossem disponibilizados para Portugal em 1995. Fizeram-no através de uma manobra de inserção desta linha de apoio numa rubrica a que chamavam de «política industrial», agarrados a uma ortodoxia orçamental e a um discurso que teve apenas como único objectivo, sem dúvida, atrasar a vinda de recursos essenciais para o sector têxtil português.

Aplausos do PSD.

Fazemos aqui esta chamada de atenção apenas por se tratar de um facto que não pode passar em claro.
Ainda há poucos dias, esteve entre nós o presidente do Partido Popular Espanhol, o Sr. Aznar, que, interrogado sobre qual era a sua opinião acerca da utilização
dos fundos e da forma como o Governo espanhol tem conduzido a defesa dos interesses industriais de Espanha, não teve dúvidas em dizer bem e de se identificar com tudo o que tem sido feito, mesmo que, compreensivelmente, mostre algumas reservas, até por ser o líder de um partido da oposição.
Em Portugal é diferente. Sempre que há uma oportunidade, o Partido Socialista, apesar de declarações de intenção, como ainda ontem aqui produziu, sobre o seu apego à defesa e à praticabilidade de um exercício europeu consequente com os interesses nacionais, acaba por ter, a cada passo, atitudes desse teor.
O Partido Socialista não foi capaz de perceber que o referido sector representa cerca de 30 % da mão-de-obra da indústria transformadora, nem foi capaz de perceber que o mesmo sector representa cerca de 32 % das exportações nacionais. Quando, portanto, se ouvirem vozes nesta Câmara acerca desta circunstância, teremos de ter presente que uma coisa são as palavras e outra a prática do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podíamos deixar passar em claro este facto, no momento em que os portugueses avaliam a capacidade de sintonia entre o Governo e os parlamentares europeus. Mais um vez se comprovou que essa sintonia foi útil para o País.
O único que se excluiu dessa sintonia e dessa capacidade de entendimento do interesse nacional foi o Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto.

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Orador, fez V. Ex.ª uma intervenção que não posso deixar de lastimar, porque V. Ex.ª veio...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Faltar à verdade!

O Orador: - ... procurar aproveitar circunstâncias e afirmou uma série de inverdades.
Pergunto-lhe, muito concretamente, o seguinte: é ou não verdade que foi exactamente o Partido Socialista, muito concretamente eurodeputados eleitos desta bancada, que denunciou há três anos a grave crise da indústria têxtil, chamando a atenção do País e do Governo para a circunstância de que essa crise não era conjuntural, mas estrutural?

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - É ou não verdade que, quando aqui esteve pela última vez, o Sr. Ministro da Indústria e Energia - honra lhe seja feita- sublinhou, dirigindo-se a esta bancada, o sentido construtivo com que temos mantido um diálogo na área da política industrial, responsabilizando o Governo, como o deve ser, mas apresentando soluções concretas e alternativas, muitas das quais foram, aliás, acolhidas, como o próprio Sr. Ministro referiu, em sede de PEDIP II face às imprudências e aos vazios do PEDIP I?
Chamo a atenção dos meus colegas da Comissão de Economia, Finanças e Plano, pedindo-lhes o favor de

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neste momento dizerem o que se nela se tem passado ao vosso imprudente colega, que veio aqui dizer coisas sem nunca ter tido uma participação efectiva na vida deste Parlamento e na dita comissão. O Sr. Deputado veio aqui dizer coisas que não sabe e ressarcir-se dos seus insucessos eleitorais, procurando agradar, mas no mau caminho.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Faça V. Ex.ª o favor de perguntar aos seus colegas se é ou não verdade termos sido nós que chamámos a atenção, no seio da Comissão de Economia, Finanças e Plano, para que era preciso quebrar a tendência para uma dicotomia entre as empresas do futuro, de alta tecnologia, e as indústrias tradicionais, que precisam também elas, concretamente as do sector têxtil, de ser melhoradas, com apoios, a fim de virem a actualizar-se no plano tecnológico. O Governo soube ouvir - honra lhe seja feita - e o PSD soube dizê-lo - honra lhe seja feita -, mas o PS teve o mérito de ter sido o primeiro a afirmá-lo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Faça V. Ex.ª o favor de não confundir situações, porque o próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros disse nesta Câmara, acerca do apoio comunitário que V. Ex.ª neste momento pôs em bicos de pés, e que foi honra do Governo, foi negociado pela entidade comunitária. Nós, portugueses, fizémos o que pudemos. Disse o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros ter sido à última hora que encontrou soluções. Referi na ocasião, com alguma ironia, que foi pena não ter tido um pouco mais de tempo, porque então teria encontrado melhor. Seja como for, terá feito o que pôde.
Vem V. Ex.ª dizer que o Partido Socialista obstaculizou uma solução, o que é falso. O que o Partido Socialista procurou fazer foi que essas medidas fossem integradas numa política industrial global. Isso é pensar e fazer. Se VV. Ex.ªs fazem sem pensar, então essa coerência é lastimável.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pinto.

O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Interpelante, quero desde logo anotar duas coisas sobre o pedido de esclarecimento que acabou de ser formulado pelo Sr. Deputado: o nervosismo com que fez a sua série de perguntas...

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Foi a indignação!

O Orador: - ... e a incoerência.
Devo afirmar-lhe a incapacidade de eu receber lições, nesta Câmara, de quem quer que seja sobre democraticidade, sobre a razão por que estou aqui e sobre outras coisas de que poderíamos falar a respeito da adesão aos princípios democráticos de exercício do poder.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estamos esclarecidos em relação a essa matéria.
Quanto à incoerência, é evidente que ela ressalta nesta circunstância e neste momento, porque o que agora aconteceu vem em contrário do que sempre foi a atitude do Partido Socialista, pelo menos nesta Câmara, e do que foi o empenho anterior no âmbito deste sector, concretamente- se quiser ouvir esta especificação - no âmbito do RETEX. É justamente essa incoerência que quis aqui sublinhar.
O que nos pode levar a perceber essa atitude é que em determinadas circunstâncias, no Parlamento Europeu, o Partido Socialista faz o frete - passo a expressão - ao Grupo Socialista do Parlamento Europeu. É que, Sr. Deputado, esta negociação é uma negociação diferenciada de todas as outras. Só Portugal conseguiu, no âmbito do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, um apoio suplementar de 80 milhões de contos, a que acrescem mais 90 milhões de uma linha de crédito bonificada.
Compreende-se que a pressão dos outros Deputados socialistas no Parlamento Europeu - e até o próprio Partido Comunista percebeu isto, pois votou com os sociais-democratas - tivesse criado alguns engulhes aos socialistas portugueses no Parlamento Europeu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, quero aqui trazer esta nota de incoerência, de incapacidade de perceber que os interesses nacionais estão permanentemente em jogo naquele fórum e, portanto, discursos como aquele que ontem aqui foi trazido sobre esta matéria, de adesão e de quase exclusão das outras famílias políticas, têm o peso que tem.
Pode o Sr. Deputado trazer aqui os testemunhos de membros do Governo que quiser, mas o que todos sublinham nesta altura é que se não fosse por acção dos sociais-democratas e - repito- do Partido Comunista Português no Parlamento Europeu, Portugal não poderia colocar ao dispor da indústria nacional, em 1994, cerca de 200 milhões de contos, que certamente vão promover o desenvolvimento empresarial e a manutenção de postos de trabalho.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, estão ou estiveram a assistir aos nossos trabalhos um grupo de 55 alunos da Escola Secundária do Laranjeira; um grupo de 37 alunos do Colégio do Sagrado Coração de Maria, de Lisboa; um grupo de 35 alunos da Escola Secundária Camilo Castelo Branco, de Linda-a-Velha e um grupo de 46 alunos da Escola Secundária de Sátão.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para defesa da honra e da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto.

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito obrigado pela atenção que me vão dedicar, assim o espero, para num minuto de uma breve intervenção fazer a defesa não só da consideração mas da honra.
Sr. Deputado Carlos Pinto, esta é a minha resposta às entrelinhas da intervenção de V. Ex.ª. Nunca no meu curriculum poderá ser apontado menor empenho no dese-

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jo da defesa de uma participação e de uma justiça social. Aliás, demonstrei-o muitas vezes ao lado de pessoas tão generalizadamente aplaudidas no nosso país como, por exemplo, o Sr. Marechal Spínola. E devo dizer a V. Ex.ª que aqueles que nos batemos por uma maior participação e democraticidade dentro de um regime autoritário estamos neste momento mais à vontade para dizer que é triste que em democracia haja alguns que; numa visão de retrocesso, defendam posições de autoritarismo. E essas, sim, são condenáveis!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pinto.

O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto, não pretendi, como é evidente, pôr ern causa a sua adesão a princípios que são comuns nesta sala a todos nós. Mas não admito, naturalmente, a indicação que V. Ex.ª fez no início das suas palavras e não admito porque referiu aí outras questões.
Como sabe, fui e sou titular de um cargo político nesta Câmara; fui titular de um cargo político por vontade popular e, por isso, ainda posso ter sensibilidade relativamente à lembrança provinda de alguns exemplares defensores, no tempo, deste tipo de questões. Mas, confesso, fiquei surpreendido pela introdução deste tema pelo Sr. Deputado.
Portanto, feitas as contas finais, quero dizer-lhe que, em relação à matéria que nos trouxe aqui, reafirmo que é para mim uma demonstração de incoerência, neste momento em que os portugueses têm que ter opções acerca das questões europeias, aquilo que o Partido Socialista fez. Certamente que V. Ex.ª também se sente em dificuldade para se pronunciar sobre esta questão e, por isso, invoca dificuldades de informação, que compreendo, mas convido-o a tomar conhecimento do que se passou no Parlamento Europeu na passada semana. E que, a partir daí, certamente que a forma actuante e firme como tentou falar-me das questões europeias deverá ser dirigida aos seus próprios parlamentares europeus.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As áreas metropolitanas representam, indiscutivelmente, uma inovação importante, mas solitária, na estrutura do poder local democrático. Nunca será demais realçar a importância das instituições metropolitanas. De facto, elas podem exercer uma espécie de pilotagem das áreas metropolitanas, contribuindo para a sua melhor governação. Sendo certo, por outro lado, que do progresso das áreas metropolitanas depende em grande parte o progresso do país, pois nelas se concentra 39 % da população portuguesa e nelas se gera cerca de dois terços do produto interno, está plenamente justificada a aposta nas áreas metropolitanas.
A integração e a globalização das economias torna vital para Portugal a aposta nas capacidades de competição económica e na vitalidade social e cultural das suas duas grandes concentrações urbanas com o objectivo de encontrarem o seu próprio espaço de internacionalização. Esta afirmação não pode ser interpretada como significando um privilégio atribuído às áreas metropolitanas no desenvolvimento do país. Pelo contrário, a bipolarização do nosso sistema urbano tem de ser contrariada. E os factos vão nesse sentido: a população das duas áreas metropolitanas estagnou; os seus centros, as cidades de Lisboa e Porto, perderam população.
Este processo de desurbanização das duas áreas metropolitanas prossegue com a chamada reurbanização, isto é, com o fenómeno da dispersão do crescimento urbano pelas zonas rurais que envolvem as áreas metropolitanas, mas, apesar disto, as economias de aglomeração terão ainda uma poderosa influência no futuro.
Por outro lado, o modelo territorial deverá ainda assentar no desenvolvimento de eixos de crescimento entre o litoral e o interior e, sobretudo, privilegiar uma rede de cidades e vilas do interior à volta das quais se estruture um modelo territorial mais equilibrado, a partir do qual se revitaliza o próprio mundo rural, já que o figurino de organização territorial tradicional daquele está completamente desintegrado e ultrapassado.
A teoria parece consensual, mas o que é que tem acontecido na prática?
A atitude do Governo em relação à realidade institucional das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto tem-se caracterizado por uma certa indiferença para não dizer pior. O debate sobre as estratégias metropolitanas, por iniciativa do Governo, tem sido pobre ou nulo. Pior ainda: as estratégias de modernização e desenvolvimento e o papel confiado a cada uma das duas áreas metropolitanas na competição internacional não têm sido convenientemente explicitados. E quando o é, no ardor de alguma polémica, como recentemente aconteceu, deixa no ar perplexidades e dúvidas que mais acentuam o grave défice de debate e informação sobre os cenários de desenvolvimento apoiados pelo Governo para cada uma das duas áreas metropolitanas e para as regiões por elas polarizadas.
Passado que está o período experimental, período do qual se podem colher múltiplas lições sobre as fragilidades evidentes das instituições metropolitanas, bem como das suas inegáveis virtualidades, é mister equacionar a nova etapa em que nos encontramos, etapa essa aberta pelas últimas eleições autárquicas, as quais renovaram a legitimidade eleitoral das áreas metropolitanas, porque, pela primeira vez, o eleitor votou nos municípios que as integram consciente de que também votava para as áreas metropolitanas. Esta asserção é ilustrada e comprovada pelo facto de todas as forças partidárias terem apresentado e divulgado programas ou ideias sobre as áreas metropolitanas, antes ou durante a campanha eleitoral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A mais flagrante fragilidade das áreas metropolitanas é a financeira, o que é reconhecido por todos. As áreas metropolitanas não possuem verdadeiramente um orçamento, estando assim completamente «desidratadas» e condenadas à impotência. A outra vulnerabilidade das instituições metropolitanas reside na posição débil que têm na contratualização do investimento nacional e comunitário razão principal, juntamente com a coordenação intermunicipal, para que foram criadas.
Olhando para o futuro e para as exigências inadiáveis de reforço da sua capacidade competitiva e de ré-

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vitalização social e cultural, as áreas metropolitanas tem, daqui para diante, de se ocupar, em especial, da promoção externa da sua própria imagem e da atracção do investimento estrangeiro, nomeadamente a Área Metropolitana do Porto para a qual esse investimento estrangeiro é vital, da animação da promoção turística e da animação da produção cultural. Por sua vez, as políticas industrial, educativa, de formação e as políticas ambientais deverão ter, por seu lado, uma clarificação metropolitana.
É necessário instituir uma prática de concertação permanente naqueles domínios, descentralizando decisões cruciais para o desenvolvimento e ordenamento metropolitanos. Esta prática requer um referencial político descentralizado, que só áreas metropolitanas fortes e prestigiadas poderão protagonizar.
As razões expostas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, determinaram-nos a apresentar recentemente um projecto de lei sobre as finanças metropolitanas (projecto de lei n.º 365/VI) que complementamos, hoje, com o que entregámos há pouco na Mesa, destinado a reforçar e aperfeiçoar as competências e as funções das áreas metropolitanas em coerência com as dotações financeiras que passarão a receber se esse projecto das finanças metropolitanas vier a ser aprovado.
Em breve síntese, diremos que o projecto de lei sobre finanças metropolitanas proporciona a estas instituições um orçamento próprio, certo e seguro, proveniente essencialmente de duas fontes.
Uma, a transferência directa do Orçamento do Estado, calculada em 10 % do somatório das transferências operadas pelo Fundo de Equilíbrio Financeiro para as autarquias integrantes de cada área metropolitana (este somatório, como é óbvio, é apenas uma base de cálculo, já que o Estado, terá de acrescentar a verba assim calculada ao referido FEF e não deduzi-la às autarquias).
A segunda consiste numa transferência, de baixo para cima, das autarquias para a área metropolitana respectiva, calculada em 10 % da contribuição autárquica recebida por cada município. Para exemplificar: se este mecanismo fosse aplicado imediatamente, a Área Metropolitana do Porto teria um orçamento de 2 206 000 contos para o ano de 1994 e um pouco mais para o próximo.
Este orçamento é modestíssimo, é um facto, mas não se destina a despesas correntes, que numa área metropolitana deverão ser mínimas, e sim a investimentos, designadamente investimentos estratégicos que reforcem a capacidade competitiva das áreas metropolitanas, e investimentos da solidariedade, isto é, destinados a apoiar as zonas das áreas metropolitanas com problemas de acessibilidade, de carácter social ou ambiental.
Por seu lado, o projecto que hoje entregámos na Mesa é inspirado pelas preocupações que no início referimos e pelas novas funções de investimento que deverão ser atribuídas às áreas metropolitanas.
Às funções clássicas já atribuídas às áreas metropolitanas pela actual lei quadro de «concertar», «articular», «coordenar», «harmonizar» as actividades dos municípios entre si e destes com a administração central, designadamente nos domínios do ambiente, transportes, ordenamento e saneamento, acrescenta-se no projecto um pequeno conjunto de poderes de iniciativa própria, essencialmente nos domínios do turismo, da promoção externa da área metropolitana, do desenvolvimento do seu tecido produtivo, reforçando-se ao mesmo tempo as suas capacidades em domínios tão cruciais como sejam o ordenamento urbanístico e a participação (e não mera consulta) no que diz respeito a investimentos da administração central e dos fundos comunitários.
Atribui-se à assembleia metropolitana um papel mais activo no debate e no controlo das políticas metropolitanas. Aproveita-se, igualmente, esta revisão da lei para determinar um prazo certo para a assembleia metropolitana ser eleita. De facto, é absurdo que, quatro meses após as eleições autárquicas, ainda não estejam a funcionar as novas assembleias metropolitanas. Estabelece-se o prazo máximo de um mês, após a proclamação dos resultados das eleições municipais e de instalada a última câmara municipal, para as assembleias serem eleitas.
Com estes dois projectos, Sr. Presidente, Srs. Deputados, fica reforçado o quadro institucional das áreas metropolitanas e a sua arquitectura política bem mais equilibrada. Mas não fica tudo feito.
Há ainda que regulamentar e desconcentrar competências e serviços para o âmbito das áreas metropolitanas. Esse papel cabe ao Governo, que sobre isso tem a palavra. Cabe também ao PSD, o qual tendo uma importante quota de responsabilidade na elaboração da lei-quadro das áreas metropolitanas, contribuiu igualmente para gerar expectativas.
Finalmente, faço votos para que estes dois projectos, porventura alterados e modificados, sejam aprovados a tempo de os seus comandos financeiros terem tradução no próximo Orçamento do Estado. Só assim as instituições metropolitanas terão o indispensável oxigénio para um pleno exercício nos três restantes anos do mandato três anos que espero sejam de velocidade de cruzeiro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos inscreveram-se os Srs. Deputados Manuel Moreira e Nuno Delerue se bem que o Sr. Deputado Carlos Lage não disponha de tempo para responder.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Lage, queria dizer-lhe que o PSD e eu próprio somos o mais possível favoráveis à existência em Portugal de áreas metropolitanas. Aliás, a Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto, que institucionalizou as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, teve como base um projecto de lei do PSD, que tive a honra de subscrever em primeiro lugar, aquando da sua apreciação e votação, gerou nesta Assembleia da República um amplo consenso ao qual o seu partido esteve associado. E pena foi que tivéssemos demorado tantos anos, porque sou daqueles que pensam que as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto já deviam existir há mais anos do que aqueles que já têm.
Nessa altura, ficou claro que a filosofia política subjacente às Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, e aí o seu partido também esteve connosco, devia ser não de uma autarquia supramunicipal mas sim de uma associação de municípios de tipo especial. Continuamos, coerentemente, a defender esse modelo para as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, mas parece que o Partido Socialista, passado pouco tempo, evoluiu, mudou de opinião, como decorre do seu projecto de lei de criação das regiões administrativas onde se admite que as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto podem evo-

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luir para uma região administrativa, passando assim a ser uma autarquia supramunicipal.
Não é esse o nosso entendimento e parece-me que não é o entendimento do Sr. Deputado, mas é esse que está consagrado no projecto de lei do seu partido.
Gostava de saber claramente qual é o seu pensamento. Deseja, enquanto Deputado da Nação, do Partido Socialista, que as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto evoluam mais tarde para uma autarquia supramunicipal, para uma região administrativa ou não?
Nós, social-democratas, achamos que não, pois consideramos que, mesmo quando existirem regiões administrativas no nosso espaço continental, as áreas metropolitanas podem e devem continuar a existir integradas na sua região natural, porque entendemos que elas são essenciais à cooperação entre os diversos municípios que as integram para a resolução concreta dos problemas das populações das duas metrópoles de Lisboa e do Porto.
Também na altura em que discutimos o diploma da criação das áreas metropolitanas, definimos genericamente quais as suas atribuições e competências e os respectivos meios financeiros. Recordaria até a esta Câmara, porque os normativos legais talvez já estejam um pouco esquecidos, que a lei diz claramente que as áreas metropolitanas têm competências nas seguintes matérias: transportes colectivos urbanos e suburbanos; vias de comunicação de âmbito metropolitano; infra-estruturas de saneamento básico e de abastecimento público; protecção do ambiente; recursos naturais; espaços verdes, protecção civil; acompanhar a elaboração dos planos de ordenamento de território metropolitano e a sua execução. Além disso, têm também de dar parecer sobre investimentos da administração central nas respectivas áreas, bem como os que sejam financiados pela Comunidade Europeia e têm ainda outras atribuições que lhes sejam transferidas da administração central ou delegadas pelos municípios das respectivas áreas metropolitanas.
Por isso, aqui se consagra um conjunto vasto de competências que não podemos ignorar e que julgo que são suficientes para que as áreas metropolitanas possam desempenhar de uma forma cabal as suas funções.
Existem também nas Áreas Metropolitanas os meios financeiros, os quais decorrem não só das transferências do Orçamento do Estado mas também das dos próprios orçamentos dos municípios e de outros tipos de financiamentos, também consagrados no artigo 5.º da Lei n.º 44/91, o qual me escuso de citar.
Estão passados dois anos e meio sobre a institucionalização das áreas metropolitanas. Concordo com o Sr. Deputado quando diz que seria bom que se estabelecesse um prazo para a entrada em funções da Assembleia Metropolitana, que já deveria estar a funcionar, uma vez que passaram quatro meses sobre as últimas eleições autárquicas, mas que, como todos sabemos só vai entrar em funcionamento dentro de poucas semanas.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Com uma grande representação do PSD!

O Orador: - Neste novo mandato das autarquias locais - um mandato completo de quatro anos -, em que vão funcionar as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, vamos ter talvez o tempo necessário para um aprofundamento do espírito metropolitano, que defendemos intransigentemente, após o que poderemos fazer uma reflexão em conjunto, para ver se há necessidade de fazer aperfeiçoamentos e de suprir lacunas na lei que institucionalizou as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. Até ao momento, creio que ainda não podemos dizer, com todo o rigor e propriedade, que existe falta de meios legais para que as áreas metropolitanas possam cumprir bem as suas funções e dar, como já disse, uma resposta cabal às grandes preocupações das populações das duas metrópoles.

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Lage, permita-me que comece este pedido de esclarecimento por uma breve nota. Já ontem tive oportunidade de colocar uma questão à sua colega de bancada, a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, e como a coincidência entre os candidatos ao Parlamento Europeu e os Deputados do Partido Socialista é alguma, estou convencido de que vamos continuar nestes pedidos de esclarecimento, porque o vosso protagonismo nestas datas tem sido superior ao que era a média.
Em relação ao diploma, Sr. Deputado, tenho duas dúvidas, que começam com dois aspectos de somenos importância, mas que me parecem, apesar de tudo, politicamente relevantes.
A primeira é a seguinte: este diploma é apresentado pelo Partido Socialista, mas é assinado exclusivamente por Deputados do Porto. Não sei se isto resulta de alguma dificuldade de última hora em recolher assinaturas ou de uma leitura política que, no fundo é esta: este diploma é, de facto, mais importante para o Porto do que para Lisboa, em função, até, da própria contabilidade que pode ser feita num caso e noutro. Certamente, V. Ex.ª esclarecerá esta questão.
Por outro lado, o diploma tem algo que é curiosíssimo: uma exposição de motivos feita em papel timbrado do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e um articulado feito com folhas que, manifestamente, eram timbradas mas deixaram de o ser. Não sei se isso tem também alguma leitura em relação ao local físico onde terá sido dactilografado ou informatizado o diploma, mas V. Ex.ª esclarecerá esta pequena curiosidade que vale o que vale e, necessariamente, não vale muito.
Sr. Deputado Carlos Lage, o que vale é a noção que temos, no Grupo Parlamentar do PSD, de que há aqui uma evolução importante na posição do Partido Socialista, evolução, ela mesma, legítima. A este propósito, recordo as discussões havidas sobre a matéria, a consideração e a crítica que V. Ex." e o seu colega de bancada, o Sr. Deputado Jorge Lacão, fizeram em relação ao que seria um poder demasiado das áreas metropolitanas enquanto associação de municípios especiais, podendo resultar em matéria de conflitualidade se, eventualmente, as suas competências fossem alargadas.
Concretamente, pergunto-lhe se não entende que a consagração deste tipo de poderes, que não são tão reduzidos quanto V. Ex.ª procurou fazer passar aqui, porque a definição, por exemplo, do que é uma via rodoviária não é uma competência menor mas sim major, não poderá traduzir, no fundo, uma tentativa de imple-

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mentar, em Portugal, uma regionalização só para algumas zonas do País. Esta foi uma crítica que, muito justamente, o Partido Socialista fez, aquando da discussão destas matérias, ao Partido Comunista Português.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se não entende que, no mínimo, é profundamente estranho que este diploma, que, segundo palavras suas, o Partido Socialista entende que deveria ser amplamente consensualizado, não tenha merecido, em primeira análise, uma discussão aprofundada nas próprias áreas metropolitanas a que se destina.
Tanto quanto sei, esta iniciativa, há algum tempo, era subscrita por Deputados do Partido Socialista do Porto e não foi discutida na assembleia metropolitana - de todo o modo, ela ainda não entrou em funcionamento - nem nas respectivas assembleias municipais. Por isso, estamos, no mínimo, a discutir uma iniciativa legislativa estranha, que, na nossa opinião, representa uma evolução perigosa do Partido Socialista, mas temos alguma curiosidade acerca das respostas que, no que respeita à matéria mais ou menos interessante, V. Ex.ª entender por bem dar.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage. Como não dispõe de tempo para esse efeito, a Mesa concede-lhe um minuto e pede-lhe a extrema habilidade de, nesse tempo, responder.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, responder a todas estas questões em um minuto seria quase um milagre, que nem um Deputado europeu veterano conseguiria fazer.
Todavia, quero tranquilizar os Srs. Deputados Manuel Moreira e Nuno Delerue, que também foram eleitos pelo círculo do Porto e devem estar interessados no destino e no futuro da Área Metropolitana do Porto.
Srs. Deputados, a natureza das áreas metropolitanas não muda com estes diplomas que apresentamos. Aliás, a concepção da natureza das áreas metropolitanas foi lançada há muito tempo pelo Partido Socialista, no Porto, e apresentei um primeiro projecto sobre áreas metropolitanas, exactamente com a estrutura que depois o Sr. Deputado Manuel Moreira veio a retomar e modificar, em 1982/83, tendo feito sucessivas tentativas, nesta Câmara, para que esse projecto fosse aprovado.
Mas não importa de quem é a paternidade das iniciativas. O que importa é o seu resultado e garanto-lhe que não há mudança da natureza das áreas metropolitanas mas sim uma alimentação financeira dessas áreas. Essa é a questão fulcral e os Srs. Deputados sabem-no perfeitamente.
A área metropolitana não tem orçamento próprio, os 20 ou 30 OOO contos que o Governo transferiu, através do Orçamento do Estado, são uma migalha, uma insignificância, são algo que chega a ser humilhante. Ora, uma instituição, para funcionar, deve ter um orçamento certo e mecanismos de transferência certos.
A preocupação que tivemos, no projecto de lei sobre as finanças das áreas metropolitanas, que é um projecto essencial, foi a de sermos imparciais, isto é, a percentagem transferida do Orçamento do Estado deve igualar a que é transferida das autarquias, da contribuição autárquica para o orçamento metropolitano.
Por outro lado, Sr. Deputado Manuel Moreira, respondendo à questão fundamental que me colocou - se penso que as áreas metropolitanas se devem ou não
transformar em regiões-, digo-lhe já que não. Sempre me bati contra isso porque sou a favor das regiões. O que consta do projecto de lei do Partido Socialista é uma faculdade de haver uma votação nas respectivas áreas metropolitanas, de serem elas a decidir se querem ou não transformar-se numa região, o que até poderia ser, diga-se de passagem, objecto de referendo. Pessoalmente, sou a favor das áreas metropolitanas, tal como estão previstas na lei e tal como vão ficar depois de modificadas legalmente, caso estes projectos sejam aprovados, pelo que sou contra a transformação da área metropolitana do Porto, em especial, numa espécie de enclave regional. Sempre me bati contra essa doutrina, contra esse isolamento de uma área metropolitana que polariza um espaço muito vasto.
Sobre isso, não haja dúvidas, sou contra a transformação das áreas metropolitanas em regiões.
Quanto às tecnologias, Srs. Deputados, isso não é objecto de debate parlamentar. Quero apenas dizer-vos que no Partido Socialista há, e sempre houve, uma certa liberdade de apresentar iniciativas legislativas neste Parlamento. Eu sempre me reivindiquei dessa liberdade e se há projectos que podem ter um significado local ou regional maior, é natural que os Deputados desse círculo se sintam mais motivados para os apresentar.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Ou não será para aí que caminha o nosso sistema político, para responsabilizar cada mais o Deputado no respectivo círculo eleitoral?

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, vamos proceder agora à votação do voto n.º 103/VI, que foi há pouco lido.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente. É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para esse efeito, tem a palavra.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, a bancada do Partido Socialista foi informada pela Mesa de que esta votação seria feita à hora regimental. No caso de ser feita de imediato, solicito a V. Ex.ª que aguardemos alguns minutos, uma vez que os autores do voto, nomeadamente o primeiro subscritor...

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, o lapso foi meu, mas o Regimento manda que seja agora. Se as bancadas estiverem de acordo em que seja apenas à hora regimental, assim faremos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, desse modo, proponho que V. Ex.ª tente obter o consenso das bancadas para que a votação seja feita à hora regimental. Se não o conseguir, teremos de aguardar dois ou três minutos, para que o primeiro subscritor possa vir ao Plenário, porque, como sabe, ele está neste momento numa reunião da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, com a presença da Sr.ª Ministra da Educação, estando, portanto, em trabalho perfeitamente justificado e, aliás, ligado a esta matéria, com certeza.

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O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, consensualizamos que a votação possa ser feita depois, se o Sr. Presidente assim o entender, pelo simples facto de que este voto é apresentado no momento em que decorre uma reunião da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, com a presença da Sr.ª Ministra da Educação, exactamente para tratar de assuntos conexos. Seria desagradável que a votação se realizasse sem a presença dos subscritores do voto e da totalidade dos Deputados da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, que não podem estar presentes porque se encontram precisamente a discutir esta matéria.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para esse efeito, tem a palavra.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, começo por agradecer o concordância do PSD e, presumo, a do PCP, para que a votação se faça à hora regimental.
Em segundo lugar, quero esclarecer a Câmara, uma vez que o Sr. Deputado Nuno Delerue, involuntariamente, cometeu uma incorrecção. Como é óbvio, a reunião que decorre neste momento, com a presença da Sr.ª Ministra da Educação, não tem como objecto essencial e fundamental a discussão do voto que apresentámos.
Tal reunião está marcada há, seguramente, mais de uma semana e este voto refere-se a um acontecimento concreto e específico que ocorreu ontem, pelo que o Sr. Deputado não disse toda a verdade.
É evidente que a reunião em curso não deixará de contemplar os acontecimentos de ontem e, portanto, nesse sentido, é perfeitamente justificado o meu pedido de adiamento, para que a votação se faça numa altura em que toda a gente possa estar presente.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para esse efeito, tem a palavra.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, a minha intervenção anterior não enformou de qualquer erro. Eu disse, isso sim, que a matéria consagrada no voto poderá ser, necessariamente, discutida na reunião da Comissão de Educação, Ciência e Cultura. Este facto, que o Sr. Deputado Manuel dos Santos invoca, já traduz a posição final do PSD no sentido de que o voto só traduz uma versão dos acontecimentos. Aliás, o Partido Socialista nem se preocupou, sabendo que hoje havia uma reunião com a Sr.ª Ministra da Educação, em ouvir a outra versão dos acontecimentos.
É por este exclusivo motivo que o PSD votará contra.
No entanto, o PSD está disponível para votar agora ou às 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, nos termos regimentais, este voto deveria ser votado agora. No entanto, por um simples requerimento, o Regimento permite que seja votado na reunião seguinte. Interpretando o Regimento, se este permite o adiamento para a reunião seguinte, então, por consenso, também permitirá o adiamento para o período regimental de votações. Para tal, preciso é que as bancadas me digam se temos o consenso para esse fim.

Pausa.

Visto não haver objecções, será votado à hora regimental.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Já sabemos que o PSD vai votar contra!

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Claro, queremos saber o que se passou!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

(2.ª parte)

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, vamos iniciar a segunda parte da ordem do dia, com a discussão do projecto de lei n.º 378/VI - Alarga a possibilidade de os municípios nomearem vereadores a tempo inteiro (PCP).
Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado .Carlos Almeida Figueiredo.

O Sr. Carlos Almeida Figueiredo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma breve alocução para, sucinta e objectivamente, dar conta do objecto do projecto de lei n.º 378/VI, que alarga a possibilidade de os municípios nomearem vereadores a tempo inteiro, permitindo, desta forma, um aumento do número de vereadores naquela qualidade.
Fundamenta-se esta proposta nas constantes e crescentes solicitações aos eleitos locais, na complexidade e na cada vez maior especialização dos dossiers, mas também no constante recurso, por parte das câmaras municipais, a expedientes, de que são conhecidos casos vários, em que a desproporção de meios é torneada pelo recurso à atribuição de tempos inteiros destinados a vereadores através de lugares nos conselhos de administração dos serviços municipalizados.
O presente projecto de lei propõe, por isso, nova redacção para o artigo 45.º da Lei n.º 100/84, de 29 de Março.
Foi parecer da Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente, analisados os considerandos e pressupostos que presidiram à apresentação do presente projecto de lei, que o mesmo está em condições constitucionais e regimentais para subir a Plenário.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção como autor, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 378/VI, de iniciati-

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va do Grupo Parlamentar do PCP, que é hoje apreciado pelo Plenário, ao propor o alargamento da possibilidade de os municípios nomearem vereadores em regime de permanência justifica-se a si próprio.
Na verdade, poucas pessoas põem hoje em dúvida a importância da contribuição dos eleitos locais para o progresso e o bem-estar das populações, bem como para a defesa e consolidação do regime democrático português.
No entanto, 18 anos de prática de um sistema é tempo suficiente para se proceder a mais uma avaliação crítica do seu funcionamento e para se colher os ensinamentos que justifiquem as adaptações que o tornem mais ajustado às realidades.
Temos uma perspectiva evolutiva. Tudo evolui, justificando-se, por isso, as necessárias adaptações às novas realidades. Isso corresponde a uma postura de observação permanente, de aprendizagem com a prática e de diálogo com os interessados, que, no caso em apreço, respeita ao conteúdo das funções e ao modo como elas são ou não desempenhadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fácil é constatar o que se passa em muitas câmaras municipais. Aí um grupo de vereadores (os vereadores de primeira classe) mostram muito saber, acompanham relativamente bem as matérias compreendidas nos seus pelouros e um outro grupo de vereadores (os vereadores de quinta classe) vêem-se confrontados com reuniões quinzenais ou mesmo semanais, com pesadíssimas agendas, em que têm de pronunciar-se sobre a mais variadíssima gama de assuntos, sem disporem do tempo e até do apoio técnico-administrativo de que precisariam.
Se juntarmos às reuniões camarárias e à sua preparação o facto de, com frequência, o vereador poder ainda estar encarregado de um ou mais pelouros, ter apenas direito à dispensa da sua actividade profissional de 32 horas por mês, e além disso ter a sua vida familiar e eventualmente outras formas de intervenção social, teremos um quadro que facilita uma situação muito comum: forte pendor presidencialista na administração municipal, apenas atenuado pela existência de um grupo de vereadores a tempo inteiro, e relativa marginalização dos restantes vereadores, sobretudo quando não são afectos à força política pela qual se candidatou o presidente.
Na verdade, não é raro ouvir-se, em contacto com vereadores que não estão a tempo inteiro ou a tempo parcial, que «o presidente acompanha, por não terem tempo, os pelouros que lhes foram distribuídos, acabando por centralizar tudo» e que «o Presidente se entende com os serviços para o desenvolvimento das acções dos pelouros e nós ficamos de fora».
É assim que, em muitas autarquias, aspectos essenciais da gestão municipal, muitas decisões tomadas, o conhecimento dos recursos disponíveis e das opções em causa não são do conhecimento de uma parte significativa - cerca de metade - dos vereadores eleitos.
Existindo esta situação importa dar passos por forma a proporcionar uma maior colegialidade na administração municipal ao nível da câmara, contribuindo para o aprofundamento da democraticidade e da transparência do funcionamento das autarquias. Trata-se, tão só, de garantir que, na prática quotidiana, seja respeitada a vontade popular expressa nas umas. E isso só será possível assegurando aos eleitos verdadeiramente interessados a possibilidade de trabalharem e de contribuírem para a resolução dos problemas das populações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aos membros eleitos dos executivos pede-se, naturalmente, que executem, mas exige-se-lhes que o façam de modo pronto e eficaz. Todos sabemos como as populações estão hoje atentas ao modo como governam aqueles que elas designaram para o fazer em seu nome. As populações pedem responsabilidades ao presidente da câmara como coordenador de uma equipa, mas quanto aos vereadores atribui-lhes responsabilidades equivalentes.
Não é assim justo pedir aos eleitos nas câmaras municipais que estudem, que tomem decisões eficazes e atempadas na satisfação das necessidades e dos anseios das populações, e que, por outro lado, se lhes dificulte, através de peias legais injustificadas, a concretização do decidido colectivamente, ou mesmo a formulação de uma vontade ou de uma opinião fundamentada.
Os actuais dispositivos legais obrigam a que muitos eleitos sejam arredados da sua capacidade e desejo de melhor desempenho das funções para as quais foram democraticamente eleitos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É neste contexto que se insere- e pretende dar uma primeira resposta- o projecto de lei n.º 378/VI, do Grupo Parlamentar do PCP, no entendimento que os municípios desempenham no quadro da Administração Local um crescente e complexo conjunto de funções.
Como refere o preâmbulo do projecto de lei, a progressiva intervenção em domínios novos de gestão urbana, social e ambiental, o estudo e análise de dossiers cada vez mais complexos, as numerosas solicitações ao nível de representação em estruturas e organizações nacionais e internacionais, designadamente comunitárias, a contribuição acrescida para o desenvolvimento e a utilização eficaz de todos os instrumentos financeiros da Comunidade Europeia, vêm pondo em evidência, de forma inequívoca, a escassez do número e da disponibilidade dos vereadores (primeiros responsáveis pela gestão) face ao volume de solicitações a que os municípios são chamados.
Só o enorme esforço dos eleitos tem permitido que, no essencial, a prossecução cabal dos objectivos e das tarefas municipais não tenha sido prejudicada.
A situação é tal que são conhecidos casos vários em que esta evidente desproporção de meios é torneada pelo recurso à atribuição de tempos inteiros destinados a vereadores, através de lugares nos conselhos de administração dos serviços municipalizados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A dignificação do poder local e das condições de exercício pelos seus titulares, a elevação do nível de desempenho e eficácia dos seus órgãos e o interesse das populações impõem a rápida adequação dos meios disponíveis - ao nível dos principais protagonistas pela gestão- ao crescimento do número e complexidade de solicitações que o governo municipal coloca.
Por isso, e sem prejuízo da reconsideração global do problema, tal como o Grupo Parlamentar do PCP propôs no seu projecto de lei n.º 94/VI e que continua pendente na Assembleia, urge, desde já, adiantar medidas que possam, no imediato, tornear as dificuldades que a lei actualmente coloca.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: As medidas propostas alteram os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º, do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 18/91, de 12 de Junho.

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O PCP propõe no concreto: que regresse ao colectivo camarário a decisão sobre a existência de vereadores em regime de permanência e se abra a possibilidade de que nos municípios com 100 000 ou mais eleitores possa exercer funções a tempo inteiro mais um vereador; que se mantenha a competência da assembleia municipal para fixar o número de vereadores em regime de permanência que exceder os limites de competência camarária, possibilitando, no entanto, o exercício de funções a tempo inteiro a mais um vereador nos municípios com menos de 100 000 eleitores, a mais dois vereadores nos municípios com 100 000 ou mais eleitores e a mais um vereador nos municípios de Lisboa e do Porto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consideramos que, desta forma, se dá um passo importante na transparência e na moralização do poder autárquico, no reforço da participação, eficácia e operacionalidade dos executivos camarários que, certamente, se reflectirá positivamente no processo de desenvolvimento e na resolução das necessidades e anseios das comunidades locais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Gameiro dos Santos e Manuel Moreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gameiro dos Santos.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Manuel Maia: Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que, a meu ver, a questão do aumento do número de lugares de vereadores a tempo inteiro, que o Partido Comunista trouxe hoje à Assembleia da República, não pode ser desligada de outras questões fundamentais com que se defrontam as autarquias portuguesas, tais como terem uma Lei das Finanças Locais completamente desajustada da situação em que vivemos e terem uma Lei de Atribuições e Competências também completamente desajustada da situação actual, que têm prejudicado - e bem - a forma como os autarcas procuram resolver os problemas das comunidades locais.
Portanto, parece-me que esta questão deveria ser analisada nesta perspectiva global, ou seja, julgo ser pacífico que as autarquias ainda podem exercer muito mais competências do que as que exercem actualmente, desde que, obviamente, lhes sejam facultados os meios financeiros que, infelizmente, o Governo lhes tem retirado de forma brutal nos últimos anos. Portanto, para nós era bom que esta questão fosse discutida nesta perspectiva global.
De resto, gostaria de dizer-lhe também que se nos grandes municípios acontece aquilo que o Sr. Deputado referiu é porque, muitas vezes, havendo falta de vereadores a tempo inteiro, essas falhas às vezes são colmatadas, digamos assim, marginalmente, através da atribuição de lugares nos conselhos de administração, não deixa de ser verdade que, por exemplo, nos municípios pequenos, a proposta apresentada pelo Partido Comunista pode dar origem a um número excessivo de vereadores a tempo inteiro, com consequências até de ordem financeira nos orçamentos dos próprios municípios.
Por isso mesmo, independentemente das razões que o meu camarada Júlio Henriques exporá na sua intervenção, vamos viabilizar, na generalidade, este projecto de lei, mas vamos apresentar, em sede de especialidade, propostas de alteração para ajustar o vosso projecto de lei às reais necessidades dos municípios portugueses.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Manuel Maia: Penso que o que está subjacente ao vosso projecto de lei - è isso está claramente dito no seu preâmbulo - é a tentativa de fazer com que não se continue a usar o expediente político para ultrapassar o limite estabelecido na lei para os vereadores ern regime de permanência, colocando vereadores em regime de permanência nos serviços municipalizados de vários municípios do País. E nós sabemos que está a generalizar-se um pouco essa situação por muitas câmaras do País e, designadamente, nas lideradas pelo seu partido.
Por isso pergunto-lhe, em primeiro lugar: concorda que continue a utilizar-se esse expediente político e acha que esteve no espírito do legislador, quando da aprovação da legislação que regula as autarquias locais, que os vereadores que pudessem vir a estar nos Conselhos de Administração dos serviços municipalizados fossem remunerados, para esse efeito, com o mesmo montante que recebem os vereadores em regime de permanência na câmara municipal? Concordam que isso aconteça? Pensa que, efectivamente, foi isso que esteve na ideia do legislador que, na altura, elaborou a legislação?
Segundo aspecto: se, porventura, o vosso projecto de lei agora em discussão fosse aprovado, que garantias nos davam o Sr. Deputado e o seu partido de que, mesmo alargando-se até aos limites que são propostos pelo PCP a possibilidade de os municípios nomearem vereadores a tempo inteiro, de que essa prerrogativa ou esse expediente político, melhor dizendo, não continuaria a ser usado por parte de muitas autarquias locais? Quem nos garante que as Câmaras Municipais, embora alargando até ao máximo a possibilidade que o projecto de lei lhes concede, não continuariam a colocar vereadores nos conselhos de administração dos serviços municipalizados?
São estas as questões que coloco à consideração de V. Ex.ª e para as quais gostaria de obter uma resposta clara.

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gameiro dos Santos: Perguntou-me se esta questão não deveria ser analisada numa perspectiva mais ampla e mais geral e eu respondo-lhe que sim, poderia sê-lo. Só que, para hoje, é esta que está agendada e não uma perspectiva mais ampla e geral.
Como o Sr. Deputado sabe tão bem como eu, o PCP tem vários projectos pendentes na Assembleia da República, que têm a ver com o reforço das freguesias e com questões como as atribuições e competências do poder local, as finanças, as empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais, o exercício a tempo inteiro para membros das juntas de freguesia e o reforço das competências e meios financeiros das próprias juntas de freguesia no quadro da sua dignificação.

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Por isso mesmo digo - e tive oportunidade de referi-lo - que este, embora seja um passo pequeno, não deixa de ser um passo importante, ou seja, não podemos estar- e permita-me esta figura- com muita sede e recusar meio copo de água apenas porque temos sede suficiente para bebermos um copo cheio. Eu digo que era bom bebermos um copo cheio, temos sede para isso, mas é importante que se reduza um pouco essa sede e, neste quadro, possamos avançar alguma coisa relativamente a esta questão.
Chamo até a sua atenção- e aqui respondo também, em parte, às questões que me colocou o Sr. Deputado Manuel Moreira - para o facto de que, ainda hoje, tive a possibilidade de receber dois fax de câmaras municipais que não são de maioria CDU. Um deles é da Câmara Municipal de Gouveia, assinado pelo Sr. Presidente António José Santinho Pacheco, e manifesta o seu apoio e concordância com o espírito e objectivos que estão subjacentes no projecto de lei n.º 378/VI. O outro é da Câmara Municipal de Vagos, esta até de uma outra forma, assinada pelo Sr. Presidente, Dr. Carlos Fernandes Bento, que também não é da CDU, e que nos diz que, em relação aos municípios com 20 000 ou menos eleitores, considera a absoluta necessidade de três vereadores a tempo inteiro.
O senhor diz-me que é demais. Não sei se é de mais ou não. Nunca fui vereador de uma Câmara. Mas, por aquilo que conheço do trabalho das câmaras municipais, considero que não há vereadores a mais, mesmo que todos aqueles permitidos por lei estivessem a trabalhar para a câmara, a meio tempo ou a tempo inteiro. Não considero que é de mais, pelo grande número de problemas e questões a resolver e pela necessidade de implementação de acções tendentes a possibilitar o bem-estar e a qualidade de vida das populações. E para isto não há gente a mais a trabalhar. Onde há pessoas a mais a trabalhar, possivelmente, é em sítios como, por exemplo, as CCR, que estão cheias de funcionários e a única coisa que fazem é dificultar a acção das autarquias e dos municípios na resolução destes problemas.
Sr. Deputado Manuel Moreira, perguntou-me qual era a lógica do legislador. Tenho ideia de que não será a de arranjar um escape para que existam mais vereadores a tempo inteiro. Por outro lado,...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Nos SMAS!

O Orador: - Nos SMAS e noutros, porque como sabe não é só nisso.
Por exemplo, não é preciso irmos muito longe, vamos a Oeiras, onde, como o senhor sabe, há dois vereadores que estão a trabalhar na Câmara...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Só aí!?

O Orador: - Não! Sei que é geral. Estou apenas a dar-lhe um exemplo, pois temos de ter os pés assentes na terra para compreendermos estas coisas. A situação verifica-se em todas as câmaras independentemente da maioria, não tenho dúvida absolutamente nenhuma. Eu ia dar-lhe este exemplo de Oeiras onde há um vereador que exerce funções na câmara, mas que está a ser pago pelos serviços municipalizados, e outro, que também exerce funções na câmara, mas que está a ser pago por uma associação de municípios de tratamento de lixos, como penso que também sabe.
Outro exemplo é o caso de Sintra, onde um vereador que exerce funções na câmara, está também a ser pago pelos serviços municipalizados.
O importante nesta matéria é haver transparência, moralização, que é o que não se verifica. Ou seja, os eleitos nas câmaras são obrigados a recorrerem a estes expedientes, não para seu benefício próprio, mas como meio de acorrerem à enormidade de solicitações para resolverem os problemas das populações. E como tal penso que é extremamente importante que se resolva o mais depressa possível este problema.
Pergunta-me se isto garante. Equacionamos e temos presente...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Se isso garante e se concorda?

O Orador: - Exacto, temos um outro projecto de lei que, esse sim, pensamos que garante completamente. Ou seja, que deviam ser as assembleias municipais a decidir o número de vereadores a tempo inteiro que os executivos deveriam ter em função do trabalho que há para fazer. Esta seria uma solução transparente para o problema. Quando houvesse um acto eleitoral essas maiorias seriam avaliadas e penso que assim é que era democrático. Não é coarctar, como está a ser feito, a possibilidade de os municípios actuarem, como acontece através da Lei n.º 100/84.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Não deu garantias!

O Orador: - Não é uma questão de garantias!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Henriques.

O Sr. Júlio Henriques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista acolhe com interesse todas as iniciativas que se inscrevam no âmbito da melhoria do funcionamento das autarquias locais, moldando e afirmando a sua autonomia, princípio consagrado, aliás, na Constituição da República.
Em tese, somos por uma mais aprofundada autonomia do poder local como o demonstram as múltiplas iniciativas legislativas que apresentámos e, nesse contexto, somos pela possibilidade da não fixação do número de vereadores que poderão vir a exercer nos executivos municipais em regime de permanência: a tempo inteiro ou a meio tempo, dependendo da aprovação pela assembleia municipal.
Como limite, defendemos que exista na lei, tão somente, um dispositivo que fixe o máximo percentual da despesa com a administração e pessoal, tomado na base das receitas correntes do município, na senda da doutrina que vem sendo feita pelo Decreto-Lei n.º 116/84, de 6 de Abril, na parte em que trata, concretamente, do «limite dos encargos».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para nós inaceitável que, ano após ano, com ambiguidade quanto baste, venha o PSD inviabilizando na Assembleia da República a aprovação de projectos de lei dirigidos à melhoria do funcionamento das autarquias, designadamente os apresentados pelo meu grupo parlamentar, que constituem um todo homogéneo, exequível e necessário ao desenvolvimento e progresso do País.
É, do ponto de vista democrático, inaceitável, por exemplo, que desde 20 de Março de 1992 - e sublinho,

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desde 20 de Março de 1992- estejam «congelados» os projectos de lei do PS sobre finanças locais, competências e atribuições das autarquias, bases das empresas públicas municipais, intermunicipais e regionais, sendo certo que foram aprovados em Plenário, na generalidade, e baixaram à Comissão a requerimento do PSD. E é de novo o momento de sublinhar que baixaram à Comissão a requerimento do PSD pelo prazo de 60 dias! Já passaram, pois, mais de dois anos e um tal facto merece, sem dúvida, uma forte reprovação.
O mesmo se diga relativamente ao processo de criação de regiões administrativas do Continente e da sua instituição em concreto que, sendo imperativo constitucional e aprovada que está na Assembleia da República, por unanimidade, a respectiva lei-quadro (Lei n.º 56/91), persiste o PSD em manter uma situação que é também ela inaceitável. Confiamos em que o Sr. Presidente da República, face ao requerimento que acabamos de lhe dirigir, venha a suscitar junto do Tribunal Constitucional a apreciação e consequente declaração da existência, neste caso, de inconstitucionalidade por omissão.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o projecto de lei n.º 378/VI, da iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP e que hoje apreciamos, ao pretender dar maior operacionalidade aos executivos municipais avança, a nosso ver, um pequeno passo, positivo, embora desenquadrado de uma mais vasta moldura legal que importa trazer a Plenário.
Porque estamos de acordo com a filosofia que se expende na justificação de motivos, votaremos favoravelmente, na generalidade, apresentando, em sede de especialidade, as propostas de alteração que considerarmos pertinentes. Desde logo, tendo em conta a realidade financeira dos municípios, trazida pelos sucessivos governos do PSD a níveis de sustentabilidade e o facto relevante de serem em número de 207 (207 em 305) os concelhos com menos de 20 000 eleitores e destes 121 com menos de 10000 ou mesmo menos de 5000 eleitores, o faremos com relação ao n.º 2 do artigo 1.º do projecto de lei em apreço.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino formulando um voto: que, a pretexto deste debate, a Assembleia da República, a maioria e os demais partidos, assuma relativamente aos projectos pendentes em matéria de descentralização e poder local as suas altas responsabilidades.
No próximo ano haverá eleições.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Duarte Pacheco e José Manuel Maia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Júlio Henriques, gostaria de começar por realçar duas notas da sua intervenção. Em primeiro lugar, o discurso normal do Partido Socialista que, neste momento, é de dizer que sim a tudo e depois logo se vê. Já há pouco, pela intervenção do Sr. Deputado Fialho Anastácio, nos ficou essa sensação que o seu discurso repete. Ou seja, «nós somos favoráveis, depois logo se vê»! É sempre o caminho mais fácil a que já nos habituaram. Enfim, é a posição oficial do Partido Socialista, de nunca dizer que não, tentando agradar a gregos e troianos.
A segunda nota é que não percebi, então, da sua intervenção qual tem sido o comportamento dos Deputados do Partido Socialista na Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente e, nomeadamente, aqui no Plenário. Não vejo qual a capacidade de influenciarem a direcção do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, visto que se há projectos de lei que estão pendentes na Comissão há mais do que os tais 60 dias, ao abrigo do direito potestativo, podiam, a qualquer momento, agendar essa discussão e essa votação. Estão, ou não, interessados nessa verdadeira discussão? Se estivessem já tinham tido tempo suficiente para provocar esse agendamento. Ou seja, voltamos atrás, à situação de dizer que sim, mas talvez não!
Por fim, em relação à posição em concreto, gostaria que nos esclarecesse se, em relação a este projecto de lei, o Partido Socialista está em condições de o aprovar na globalidade, ou, caso contrário, quais as questões com que não concordam?

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Deputado Júlio Henriques, desde logo devo ressalvar, porque me parece importante, a sua postura construtiva. Disse: «na especialidade vamos ver», o que significa que têm propostas de alteração. Também consideramos que o projecto de lei pode ser melhorado. Dirigindo-me concretamente ao PSD, se tem propostas, vamos para a especialidade. Vamos ver essas propostas, discuti-las, ver o que é melhor, mas atendendo aos problemas subjacentes ao nosso projecto de lei.
Mas, a questão que lhe quero colocar, é a seguinte: na sua intervenção tentou demonstrar a dificuldade da aplicabilidade do projecto, dizendo que nos municípios pequenos há grandes dificuldades financeiras. Acredito que o Sr. Deputado tenha lido bem o projecto de lei, embora me desse outra sensação, pois a única coisa que este pretende é alargar a possibilidade de nomeação de vereadores em permanência. Ou seja, o projecto de lei não diz que, sendo aprovado, os municípios são obrigados a ter tantos vereadores em regime de permanência.
Assim sendo, pergunto-lhe se não considera, por outro lado, que os eleitos que estão nas câmaras e assembleias municipais, têm conhecimento de qual é a situação financeira das autarquias e são pessoas competentes capazes de verem que não têm condições para ter esses vereadores a tempo inteiro?
E com certeza não os terão, porque o que pretendem não é estar a tempo inteiro, mas ter possibilidades de resolver os problemas das populações!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Henriques.

O Sr. Júlio Henriques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Duarte Pacheco, Sr. Deputado José Manuel Maia, começo por responder registando com apreço que considerou construtiva a minha intervenção. Não é outra a postura do Partido Socialista nesta Câmara e, muito em especial, no que tange às questões do poder local.
Disse o Sr. Deputado José Manuel Maia que terei lido, e li bem, o vosso projecto de lei. É certo que não

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determina que os municípios com menos de 20 000 eleitores tenham necessariamente, para além do presidente, exercendo a tempo inteiro, mais três vereadores. Vem criar essa possibilidade por proposta do executivo municipal enquanto órgão colegial, que é uma inovação que passou ao Sr. Deputado relator, mas uma inovação que o PS aprova. E a câmara e não o presidente que aprova a permissão de poderem ser três os vereadores a tempo inteiro.
O problema que se coloca, Sr. Deputado José Manuel Maia, é que é minha convicção, tal como a sua, que os autarcas pretendem servir bem a população que os elegeu. Mas também não é menos verdade que se geram, aqui e além, algumas pressões perversas. Havendo hoje a possibilidade de numerosos municípios do País terem ao seu serviço, em regime de permanência, para além do presidente, não somente um, mas dois vereadores, a minha suspeição é que, criando a lei o dispositivo que venha a permitir três, se crie alguma condição, em termos psicológicos, para dar o salto de um para dois.
E, de facto, como disse o meu camarada Gameiro dos Santos, nas condições actuais, com as autarquias em asfixia financeira e sem que tenhamos uma nova lei de finanças locais, uma nova lei de enquadramento do funcionamento das autarquias, uma nova lei de competências, por certo não poderemos dar um passo, embora parcial/tão longo quanto se pretenderia, pois também o PCP tem, no tal grande congelador a que nos obriga o PSD, alguns projectos para os quais, se bem me recordo, na mesma data, foi igualmente requerida a baixa à Comissão por 60 dias.
O Sr. Deputado Duarte Pacheco disse que ia referir dois aspectos da minha intervenção e começou logo por imputar ao PS - fazendo-o com grande inexactidão - uma compostura no sentido de que este aprova e depois se vê, o que não é verdade. Eu devolvo à sua bancada essa afirmação, dado que o que o PSD tem vindo a fazer em matéria de iniciativa legislativa relativamente ao poder local é o «aprova e depois se vê».
Aliás, a Lei-Quadro das Regiões Administrativas, Lei n.º 56/91, foi uma iniciativa aqui votada por unanimidade e colheu muito daquilo que era o nosso projecto - os projectos são, aliás, sobrepostos no seu articulado. Essa votação aconteceu no momento que o PSD entendeu ser próprio para os seus interesses enquanto partido eleitoral, em 1991, criando no País a ideia de que, agora sim, haverá lei-quadro, de que viria aí a lei da criação das regiões administrativas e, concomitantemente, a lei da sua instituição em concreto.
Assim não aconteceu e a existência ou não da lei-quadro aprovada é indiferente ao funcionamento da democracia no poder local. Devolvo-lhe, pois, a imputação, Sr. Deputado.
Depois, V. Ex.ª referiu que, se o PS se interessasse verdadeiramente pelo assunto, poderia, na Comissão ou fora dela, usar do seu direito potestativo para promover o agendamento. Posso afirmar-lhe que, quer em Comissão, quer ao nível da direcção do nosso grupo parlamentar, quer na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, isso tem sido tentado sem êxito, porque, penso, mais uma vez e sempre, temos a maioria a impor-se e a sobrepor-se. Não é, pois, por nossa culpa.
Por último, o Sr. Deputado Duarte Pacheco perguntou-me concretamente se a minha bancada aprovava, na globalidade, este projecto de lei. Sr. Deputado, eu disse, daquela tribuna, que, na generalidade, votaremos favoravelmente o projecto de lei e tive o cuidado de dizer ainda - de alguma forma, o meu camarada Gameiro dos Santos explicitou-o também - que apresentaremos, em sede de especialidade, as alterações que considerarmos pertinentes, essencialmente relativas àquela parte que trata os municípios com menos de 20 000 eleitores, porque entendemos que há que ver muito bem essa matéria, sobretudo enquanto não tivermos uma nova lei de finanças locais e uma nova lei de atribuições e competências.
Em suma, na generalidade, votaremos favoravelmente este projecto de lei e, na especialidade, apresentaremos as nossas próprias propostas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República aprecia hoje o projecto de lei n.º 378/VI, da iniciativa do PCP, que tem por objecto «Alargar a possibilidade de os municípios nomearem vereadores a tempo inteiro», introduzindo deste modo alterações aos n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 100/84, na redacção estabelecida pela Lei nº 18/91, que seguidamente enuncio: retira os presidente das câmaras a competência para, até um certo limite, fixarem o número de vereadores em regime de permanência, transferindo-a para o órgão colegial camarário; paralelamente, contempla o aumento do número de vereadores em regime de permanência, nomeadamente no município de Lisboa, que passa de quatro para cinco, nos municípios com 100 000 ou mais eleitores, onde passa de três para quatro e nos restantes municípios não sofre qualquer alteração; quando a competência para a fixação de tal limite for da assembleia municipal, contempla o alargamento do número de vereadores em regime de permanência, designadamente para os limites, de sete para oito em Lisboa, de seis para sete no Porto, nos municípios com 100 000 ou mais eleitores de cinco para sete, nos municípios com 50 000 e menos de 100 000 eleitores de quatro para cinco, nos municípios com mais de 20 000 e menos de 50 000 eleitores de três para quatro e nos restantes de dois para três.
O PSD considera que o projecto de lei do PCP propõe-se fazer, mais uma vez, uma alteração ao artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 100/84, quando, ainda em 1991, efectuámos uma alteração a esse artigo, que decorre da Lei n.º 18/91, em vigor. Com este projecto de lei do PCP volta-se a propor a retirada de competências aos presidentes das câmaras municipais, transferindo-as para os órgãos colegiais, cuja composição integra representantes eleitos por diversas forças político-partidárias, podendo esta proposta de alteração contribuir deste modo, em muitos casos, para o bloqueamento funcional dos municípios.
Consideramos esta alteração uma mera operação de estética, que nada tem a ver com critérios de eficácia de gestão autárquica, servindo apenas intuitos políticos. O PCP apenas pretende reforçar o lobby político no poder local, visando dificultar a gestão municipal e em nada beneficiando os interesses das populações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando, no preâmbulo do projecto de lei, o PCP invoca, para apresentação

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desta sua iniciativa legislativa, a intervenção das autarquias locais em novos domínios, parece não ser consentâneo com o teor do articulado do referido projecto, pois consagra um tratamento desigual entre municípios. Senão, vejamos: o alargamento dos limites legais dos vereadores em regime de permanência, previsto nas alíneas do n.º 1 do artigo 45.º, só contempla o Município de Lisboa e aqueles com 100 000 ou mais eleitores, ignorando quer o Porto quer os restantes municípios portugueses de média e pequena dimensão. Assim, pergunto ao PCP se, na sua perspectiva, o acréscimo de trabalho dos eleitos locais apenas se encontra circunscrito a um leque reduzido de municípios.
E, como se tal situação não fosse suficientemente lesiva, propõe ainda o PCP critérios distintos de alargamento do número de vereadores em regime de permanência, quando resultantes de deliberação da respectiva assembleia municipal. Neste caso, está a dar-se ênfase aos municípios com 100 OOO ou mais eleitores, que julgamos ser excessivo, propondo o aumento de cinco para sete vereadores, enquanto que, para os restantes, apenas contempla o acréscimo de um vereador.
Consideramos, ainda, que não faz sentido aumentar as despesas de funcionamento das câmaras municipais, dado que não equivalerão, por certo, a um acréscimo de eficácia da gestão autárquica.
Quando o PCP nos vem dizer, no preâmbulo do seu projecto de lei, que propõe esta alteração para evitar o recurso à atribuição de tempos inteiros destinados a vereadores, através de lugares nos conselhos de administração dos serviços municipalizados, o que nunca esteve no espírito inicial do legislador, mas que a legislação em vigor não impede claramente, ninguém nos pode assegurar que esse expediente político não continuava a ser utilizado por parte de muitas câmaras municipais do país, mesmo que fosse aprovado o projecto de lei do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, por último, importa analisar as verdadeiras razões que eventualmente terão levado o PCP a apresentar este projecto de lei. Segundo a opinião do Grupo Parlamentar do PSD, existem motivações políticas determinantes para que o projecto de lei do PCP incida essencialmente sobre um determinado grupo de municípios: em Lisboa, a gestão autárquica é partilhada pelo PCP e pelo PS e em alguns dos municípios com 100 000 ou mais eleitores, nomeadamente os concelhos de Almada, Amadora, Loures e Vila Franca de Xira, são zonas da sua influência política. Assim, existe uma clara preocupação por parte do PCP de reforçar posições em alguns dos concelhos mais importantes da Área Metropolitana de Lisboa, onde poderá aumentar o número dos seus vereadores com pelouros distribuídos, atribuindo-lhes o regime de permanência.
O Grupo Parlamentar do PSD considera que o actual quadro legal, que prevê o limite de vereadores em regime de permanência nas câmaras municipais, é suficiente para o desempenho das importantes e nobres funções e competências que estão atribuídas aos municípios portugueses. Assim, o Grupo Parlamentar do PSD irá votar contra esta iniciativa legislativa do PCP.

(O Orador reviu.)

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que pretendem pedir esclarecimentos, quero anunciar que, da manifestação que
se encontra no exterior, estão, neste momento, a apedrejar tudo o que está à volta, nomeadamente os carros estacionados à frente do Palácio e do lado da Calçada da Estrela. Não interromperei a sessão, mas os Srs. Deputados que queiram salvaguardar os seus carros façam o favor de tomar as devidas providências.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, fiquei espantado - espantadíssimo mesmo - como tudo o que disse na sua intervenção que não tem nada a ver com a verdade. Começou logo por dizer que, ainda há pouco tempo, este artigo foi alterado através da Lei n.º 18/91. Ora, isso não é verdade e o Sr. Deputado sabe-o muito bem. Este artigo foi alterado pela Lei n.º 25/85 e a Lei n.º 18/91 não altera estes artigos.

O Sr. Manuel Moreira (PSD):- É a 18/91!

O Orador: - Isso é confusão sua! Foi alterado, sim, pela Lei n.º 25/85 e toda a gente sabe disso. Vá vê-lo aos «papelinhos», na decorrência e à luz da Lei n.º 19/77. Mas nem vale a pena continuar a falar nisto!
E, depois, termina com esta coisa fabulosa: o que o PCP quer é aumentar o número de vereadores a tempo inteiro nas suas autarquias, naquelas com mais de 100 000 eleitores! Só que, a seguir, fala em Vila Franca de Xira! Então, o Sr. Deputado não sabe que Vila Franca de Xira tem 80 000 eleitores?! Isto demonstra como é que o Sr. Deputado vem fazer um debate na Assembleia, sem, no mínimo, se dar ao trabalho de ir saber o que é verdade e o que é a realidade das coisas. Todos os seus argumentos caem pela base depois disto!
E o Sr. Deputado vem dizer-me, ainda, que o PCP pretende reforçar o lobby político no poder local. Sr. Deputado, o PCP não precisa de reforçar o lobby nas autarquias, porque, como sabe, saiu reforçado do ponto de vista das eleições autárquicas. O PSD é que precisa! Se alguém precisa de algum lobby do ponto de vista do poder local é o PSD, que saiu das eleições autárquicas com a derrota que toda a gente conhece. E o Sr. Deputado Manuel Moreira em especial! E se continua assim qualquer dia dizem-lhe adeus. Têm lá uns membros nas assembleias municipais que levam a voz do PSD, mas a verdade é que isto demonstra que aquilo que o Sr. Deputado aqui veio dizer não tem qualquer base as questões que veio aqui colocar não são sérias, não têm seriedade política.
Depois, o Sr. Deputado Manuel Moreira dá-se ao luxo de dizer que o projecto do PCP retira ao presidente da câmara municipal o poder para nomear vereadores, dando competência ao colégio! Então, o Sr. Deputado acha isto mal?! Acha mal proporcionar que se reforce a democraticidade e que a colegialidade se reforce?! Acha isto mal?! Não sei onde vamos parar e o que é que o PSD pretende relativamente ao poder local.
Aliás, o PSD vem dizer, ainda, que o PCP, relativamente a certos municípios, não aumenta o número de vereadores e que só o fazemos de um certo nível para cima. Isso não é verdade! E não invoque aquele primeiro número! A alteração é global e para todos os municípios é proposto o aumento de um vereador. A excepção é apenas relativamente àqueles municípios que têm mais de 100 000 eleitores e são pouco mais de uma

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dúzia os municípios que se encontram nessas condições e que devem ter dois vereadores, aproximando-se do Município do Porto.
O Sr. Deputado sabe, com certeza, muito bem qual é a diferença que existe entre uma câmara municipal, como, por exemplo, a do Porto, que, neste momento, tem à volta de 280 000 eleitores, a de Loures, que tem cerca de 260 000 eleitores e mesmo a de Sintra, que tem, neste momento, cerca de 210 000.
Então, o Sr. Deputado não acha correcto que estes municípios se aproximem mais e dêem um salto do ponto de vista da possibilidade de sofrerem um aumento de dois vereadores?!
No entanto, em todos os outros municípios colocamos mais um vereador, do ponto de vista da competência da assembleia municipal.
Por último, disse o Sr. Deputado que, com o nosso projecto de lei, não haverá acréscimo da eficácia. Sr. Deputado Manuel Moreira, ou o senhor não fala com os autarcas ou, então, não anda neste mundo! Não anda cá! Nem conhece qual é o papel dos autarcas!
O Sr. Deputado é, realmente, membro de uma câmara municipal, mas posso dizer que tenho quase a certeza de que não faz nada para essa câmara municipal senão ir às reuniões!
A forma como aqui defendeu a questão da não possibilidade de aumento dos vereadores a tempo inteiro nas câmaras é de uma pessoa que não sabe qual é o trabalho de uma câmara. Não sabe! E se andou lá, andou um pouco a brincar. Eu sei que há alguns autarcas que andam lá a brincar, mas esses são uma minoria.
Aliás, o Sr. Deputado tem na sua bancada pessoas que sabem muito bem a que me refiro, uma das quais entrou hoje em exercício de funções nesta Assembleia. Ora, se falar com essa pessoa, saberá qual é o trabalho dos autarcas, o esforço que dispendem e os sacrifícios por que passam e também qual a necessidade que têm de que haja maior participação dos outros autarcas, maior distribuição do ponto de vista dos pelouros, para que exista mais eficácia e maior operacionalidade nas câmaras.
Mas também defendem que haja transparência e moralização, que é o que os senhores não querem. Os senhores querem é que continue esta situação de todos os autarcas poderem estar a tempo inteiro, que é o que se passa por vezes. Os senhores estão a defender, embora sem dizê-lo, é que todos os autarcas trabalhem a tempo inteiro mas só em situações ínvias e menos correctas. E é isso que nós não queremos. Queremos é a moralização e transparência do poder local.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, se o desejar,, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Manuel Maia, em primeiro lugar, quero dizer a V. Ex.ª que penso que o PCP certamente não vai dar-nos lições de vontade de dignificação e afirmação do poder local, de reforço das suas atribuições e competências, pois julgo que a história de dezoito anos do poder local democrático demonstra que o PSD também pode reivindicar para si próprio um papel protagonista nesse esforço que fizemos no sentido da afirmação e consolidação de um verdadeiro poder local em Portugal, que dê resposta cada vez mais positiva às aspirações das comunidades locais, freguesias e municípios. Como tal, eu próprio, desde as primeiras eleições autárquicas, sempre estive e estou envolvido na defesa do poder local, pelo que não vou receber lições, nem do Sr. Deputado nem de qualquer outro Deputado, quanto ao interesse, ao empenhamento, ou à vontade política de afirmação ou de reforço do poder local em Portugal.
Assim, quero dizer-lhe que quando nós, os Deputados da minha bancada, intervimos, fazemo-lo sempre com toda a seriedade. Hoje, mais uma vez, quisemos analisar o projecto de lei do PCP com esse mesmo espírito. Julgo que o interpretámos bem, que percebemos bem qual é o seu alcance e objecto e que procurei, naquela tribuna, fazer uma análise crítica a esta iniciativa legislativa do PCP.
Sou dos que também pensam que não deve existir na lei um pendor demasiado presidencialista dos presidentes de câmara. Eu próprio sou dos defendem que deve haver maior colegialidade dos órgãos autárquicos, mas esta não se verifica apenas quanto à questão que o PCP hoje nos propõe alterar e que é a de retirar aos presidentes de câmara capacidade de serem eles próprios a fixar o número de vereadores em regime de permanência. Esse é um dos aspectos que concordo que deve continuar na competência dos presidentes das câmaras.
O poder local em Portugal é dinâmico, não é estático, o que nós próprios sempre defendemos. Penso que, ao longo destes dezoito anos, quer a Assembleia da República quer o próprio Governo já fizeram várias alterações às principais leis do enquadramento jurídico do poder local, designadamente, à lei de atribuições e competências, à Lei das Finanças Locais. No entanto, admitimos - nunca dissemos o contrário - que, no futuro, em função do aprofundamento do poder local, da sua própria dinâmica, das necessidades e das suas novas exigências, possam fazer-se novos ajustamentos à legislação. Mas não podem obrigar-nos a concordar com as ideias e com os projectos da oposição. É que nós social-democratas também temos ideias e projectos e, por isso, queremos apresentá-los, no nosso próprio timing, à consideração de todos os Deputados de cada um dos partidos, para se possível obtermos um amplo consenso. Aliás, sempre defendemos que deve haver um grande consenso político em matéria de alteração do ordenamento jurídico do poder local em Portugal.
Repito que eu próprio defendo que há necessidade de se fazer algumas correcções ou aperfeiçoamentos na legislação vigente. Aliás, dentro de algum tempo, o Sr. Deputado vai ter oportunidade de conhecer algumas iniciativas legislativas que o PSD está a preparar pára apresentar nesta Câmara, no sentido de reforçar as atribuições e competências das assembleias municipais por considerarmos que tal é positivo na sua qualidade de órgão fiscalizador dos executivos municipais.
Por outro lado, quando, em nome do meu partido, afirmei que não nos parecia correcto retirar aos presidentes de câmara a capacidade de designar e fixar o número de vereadores em regime de permanência foi porque também consideramos que as forças políticas que ganharam as eleições numa grande parte das câmaras não têm a maioria absoluta. Ora, nós queremos que as câmaras municipais sejam realmente governos municipais, com estabilidade, e não pretendemos criar condições para que surjam situações de bloqueio do

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funcionamento das autarquias locais. Somos contra isto, sempre fomos e consideramos que uma proposta como a que está presente no projecto de lei do PCP poderia levar a isso. Isto é, a vossa proposta de alteração poderia levar a que nas câmaras onde a força politica que venceu as eleições não dispõe da maioria absoluta houvesse o tal bloqueio, até porque as outras forças presentes no executivo poderiam tentar extrair dividendos políticos, fazendo com que a câmara se tornasse ingovernável. Repito que somos contra isso.
Assim, por uma questão de coerência, queremos que o País seja governável, queremos estabilidade política, tanto a nível nacional como a nível municipal. Portanto, é nesse sentido que criticamos o projecto de lei do Partido Comunista Português.
Para além disto, julgamos que o facto de aumentar o número de vereadores, nalguns casos excessivo, em alguns municípios, não o fazendo noutros - estejam certos que li bem o vosso projecto de lei -, não iria aumentar a eficácia das autarquias locais.
Eu próprio não conheço apenas a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, onde tenho assento há três meses, não tendo qualquer pelouro nem estando em regime de permanência porque o meu partido respeitou a vontade popular. O Partido Socialista venceu as eleições para esta autarquia, governa-a e nós estamos lá numa postura activa, de procurar também com a nossa quota parte de responsabilidade política, nas reuniões semanais e fora delas, intervindo, apresentando ideias e propostas, fazendo críticas à gestão do partido liderante daquela autarquia. Por isso, devo dizer que não recebo lições do Sr. Deputado acerca da postura e da vontade politica que os meus pares do PSD e eu próprio temos na Câmara Municipal de Gaia, no sentido de contribuirmos para um verdadeiro desenvolvimento do município. Aliás, penso que, nestes três meses, já demos provas dessa nossa postura de oposição construtiva.
Assim, consideramos que não é através do alargamento do número de vereadores em regime de permanência que se aumenta a eficácia do órgão nem a capacidade da gestão autárquica. Aliás, já que citou o caso da Câmara Municipal de Gaia, digo-lhe que, neste momento, apenas há quatro vereadores em regime de permanência do PS, que ainda há um lugar por preencher e que foi colocado um vereador do PS no Conselho de Administração dos SMAS, remunerado, quando está, de facto, em regime de permanência na câmara municipal, dado que é aqui que exerce as suas funções autárquicas durante mais tempo enquanto se limita apenas a participar nas reuniões do Conselho de Administração dos SMAS quando ocorrem.
Para terminar, quero dizer-lhe que, para além de nós próprios, social-democratas, julgo que o Partido Socialista também tem dúvidas acerca deste projecto de lei e daí ter dito que o viabilizaria, embora não esteja em concordância com toda a filosofia nem com todas as propostas do mesmo.
Pela nossa parte, consideramos que, segundo a análise que fazemos sobre o interesse do poder local e o funcionamento das câmaras municipais, este projecto de lei não se adequa nem é realista para dar uma maior eficácia ao poder local. Por isso, julgo que aqui há outros interesses, que, naturalmente, serão legítimos de parte do seu partido, os quais não somos obrigados a subscrever nem a sufragar. Nesse sentido, não estamos dispostos a votar favoravelmente o vosso projecto de lei.

(O Orador reviu.)

O Sr. João Matos (PSD):- Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas direi algumas palavras para referir que, através do que diz o PSD, inviabiliza-se, sem dúvida, que um maior número de eleitos trabalhe em benefício das populações. A este propósito, Sr. Deputado Manuel Moreira, não vale a pena invocar questões da não eficácia nem vale a pena dar o exemplo da Câmara Municipal de Gaia...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - O senhor é que falou em Gaia!

O Orador: - Falei e, se calhar, falei bem, mas o tempo o dirá!
Como dizia, a questão que coloco - e sublinho isto - é a de que o projecto de lei apenas abre a possibilidade do aumento do número de vereadores a tempo inteiro, não implicando qualquer obrigação de os municípios os terem.
Por outro lado, também importa referir que só aqueles que não têm apego a valores como a Moral, a participação, a eficácia ou a funcionalidade dos órgãos autárquicos podem estar contra, na globalidade, uma proposta destas. Tenham paciência!
Os senhores podem argumentar, como o PS diz, que, no que toca aos municípios mais pequenos, isto é de mais e aquilo é de menos, mas não podem proceder como procedem, «traçando um risco» sobre o projecto de lei, isto é, não podem ser oposição à oposição, que é como agora fazem.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- Muito bem!

O Orador:- Os senhores são contra tudo!
No entanto, ao mesmo tempo que o PSD inviabiliza projectos de lei destes, que, sem dúvida, corrigiriam preceitos e dispositivos legais que são injustificados, a verdade é que se assiste ao Governo a reforçar estruturas desconcentradas da administração central, à margem das populações, sem qualquer legitimidade eleitoral mas com acções- e grandes! - que têm repercussões nos municípios. Isto é o que acontece com as CCR onde cada vez ingressam mais funcionários- e a pagarem-se bem! -, com atribuições que deveriam ser das regiões e também a imiscuírem-se naquilo que são competências dos municípios. Ora, a verdade é que para estes funcionários há tudo - aumentam-se os quadros cada vez mais-, mas aos que têm legitimidade democrática e foram eleitos pelas populações para trabalharem, a esses, o PSD diz que não podem trabalhar a tempo inteiro.
Pela nossa parte, continuamos com as nossas propostas porque pensamos que são as mais correctas.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, está encerrado o debate do projecto de lei n.º 378/VI.
Vamos dar início à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 346/VI- Aprova opções tendentes a

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assegurar o acesso dos cidadãos à informação sobre a legislação, a jurisprudência e a doutrina (reestruturando o Sistema Integrado de Tratamento de Informação Jurídica - DIGESTO) (PS).
Para uma intervenção, tem a palavra o relator da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Sr. Deputado Fernando Condesso, que dispõe de cinco minutos, como é regimental.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias aprecia o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista que, no fundo, pretende repensar alguns aspectos do Sistema Integrado para o Tratamento da Informação Jurídica, que já existe sob a sigla DIGESTO e que tem vindo a ser desenvolvido a partir de uma resolução do Conselho de Ministros de Outubro de 1992.
Trata-se de um projecto que tem um grande interesse, em termos da Administração Pública, das instituições ligadas à aplicação e ao ensino do Direito e dos particulares em geral, tanto empresas como cidadãos.
A Comissão, apreciando o sentido do projecto de lei, deu um parecer favorável à sua apreciação em sede do Plenário da Assembleia da República.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de sublinhar que nos congratulamos com o facto de a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias ter podido apreciar e aprovar o parecer de que nos deu conta o Sr. Deputado Fernando Condesso, que é o autor do texto submetido à nossa reflexão. Esse texto procura, ele próprio também, carrear argumentos relevantes para que a Câmara possa ponderar- é importante que o faça- as opções a tomar em relação à utilização de novas tecnologias para facilitar o acesso dos órgãos de soberania e dos cidadãos à informação legislativa, jurisprudencial e doutrinal em Portugal.
Trata-se de uma questão à qual não temos dedicado ainda a atenção que, seguramente, ela merece, mas creio que foi dado um passo positivo no sentido de aumentar os instrumentos de que dispomos para fazer essa necessária reflexão.
Não adopto nesta matéria uma perspectiva miserabilista e o ponto de vista que está subjacente ao projecto de lei do Partido Socialista é o de considerar que foram dados passos positivos. Não temos razões para dizer que Portugal não dispõe de aplicações de novas tecnologias para garantir um maior acesso à informação legislativa jurisprudencial. O nosso problema não é, pois, uma estreia absoluta na utilização de bases de dados, designadamente para esse efeito, mas resulta do facto de, provavelmente, se poder dizer com rigor que não há uma política nacional - com o significado que esta expressão tem - de expansão da utilização de novas tecnologias nestes domínios.
Além do mais, não há concatenação e articulação das experiências-piloto, realizações e outras iniciativas que, ao longo dos anos, esparsamente e segundo filosofias, em muitos casos, bastante diferentes, foram sendo adoptadas em vários segmentos da nossa Administração Pública.
Não é, pois, rigoroso dizer que Portugal não tenha dado passos. É rigoroso dizer que os passos dados não obedeceram a uma perspectiva que fosse filiada numa estratégia clara, com meios adequados ao seu serviço e que se filiasse numa óptica de abertura e de promoção do mais amplo acesso à informação legislativa e jurisprudencial.
Na mesma data em que apresentámos este projecto de lei, tivemos ocasião de apresentar algumas outras iniciativas, para as quais me permito chamar a atenção da Câmara, não porque tenham sido agendadas para este dia- nem era obrigatório que o fossem - mas porque estão pendentes e se filiam na mesma preocupação.
Uma delas procura garantir o efectivo acesso dos cidadãos ao sistema de informação, isto é, dos utentes de serviços públicos- o denominado INFOCID, dependente da Secretaria de Estado da Modernização Administrativa. Uma outra procura garantir o acesso dos cidadãos à rede electrónica de informação parlamentar, que se deveria chamar, em nossa opinião, ARLEX, à semelhança da PCMLEX que já se encontra em funcionamento.
Esta iniciativa, bem como o projecto de deliberação tendente à realização de uma audição parlamentar sobre o desenvolvimento de sinergias entre os sectores público e privado e outras medidas para o reforço da liberdade de acesso a documentos da Administração Pública e para a liberalização do mercado de informação são uma tentativa, da parte do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, para desencadear, a nível parlamentar, um debate mais alargado sobre a utilização de novas tecnologias neste domínio crucial, ou seja, o domínio da informação.
Devo dizer, no entanto, que todas estas iniciativas - que terão algum mérito de pioneinsmo - seriam, se nos quedássemos por aqui, insuficientes. Em todo o caso, na altura em que estas iniciativas foram apresentadas, não tinham ainda sido aprovadas pelo Conselho das Comunidades as decisões de Dezembro do ano passado que, de forma clara, empenharam a União Europeia na criação de uma verdadeira infra-estrutura comunitária de informação, verdadeiras «auto-estradas» europeias de informação.
As opções tomadas nesse Conselho Europeu, depois bem expandidas e desenvolvidas no documento da Comissão Europeia sobre iniciativa de crescimento e emprego - o eixo primeiro desse documento crucial -, definem hoje uma estratégia, com a qual estamos de acordo, tendente a criar, na União Europeia, não só essa infra-estrutura comunitária essencial mas uma série de iniciativas que permitam expandir e fazer sedimentar a expansão de utilização de todo o tipo de novas tecnologias que possam contribuir para alterar radicalmente a forma como produzimos e como circula a informação no território da União Europeia.
Essas iniciativas tão cruciais não têm sido objecto de debate nesta Câmara- foram-no apenas em parte, há algumas semanas, quando discutimos a transposição da nova directiva sobre protecção de programas de computador. Fazemo-lo hoje porque é nossa intenção dar relevo e conceder alguma atenção às implicações destas opções tomadas a nível comunitário.
Devo dizer que há uma estreita harmonia entre a iniciativa que hoje aqui apresentamos e as opções estratégicas que vieram a ser definidas no Conselho Europeu que mencionei. Essa sintonia não é estranha, na

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medida em que o debate europeu sobre esta matéria - largamente ampliado pela publicação do Livro Verde sobre Telecomunicações - aponta para grandes directrizes que são largamente consensuais às várias famílias políticas europeias e constitui uma absoluta necessidade, se queremos que a União Europeia esteja em condições de defrontar os seus concorrentes, tanto nos Estados Unidos da América como no Japão.
O empenhamento de um alto volume de recursos neste domínio e a realização, a nível europeu e nacional, de iniciativas que desenvolvam a utilização de novas tecnologias é, para todos nós, um ponto absolutamente crucial.
A iniciativa que agora debatemos tem um objectivo mais limitado. Reconhecemos que a existência do sistema de tratamento automatizado de informação legislativa e jurisprudencial é, em si mesma, positiva. Resulta de um esforço que já vem desde há muitos anos e representa um aperfeiçoamento.
Contudo, o sistema que funciona sob a designação - enigmática para não juristas- de DIGESTO tem consideráveis limitações. Em primeiro lugar, o sistema de tratamento, embora na sua designação se qualifique como integrado, não é, de facto, integrado. Estão na dependência do Ministro e do Ministério da Justiça muitas outras bases de dados bastante relevantes, tanto de carácter jurídico, como, por exemplo, a base de dados dos pareceres da PGR, a biblioteca da PGR, a jurisprudência do TC, a jurisprudência do STA, a jurisprudência do próprio STJ e os documentos do Gabinete de Direito Europeu, como de carácter administrativo e refiro-me, designadamente, às que no Ministério da Justiça tratam da identificação civil e criminal, do Registo Nacional de Pessoas Colectivas e do Registo Automóvel.
Por outro lado, Sr. Presidente, há zonas de informação jurídica que não estão absolutamente cobertas pelo DIGESTO. Refiro-me, como V. Ex.ª sabe, à jurisprudência de 1.ª e 2.ª instâncias, à bibliografia jurídica geral e especializada e às circulares administrativas que só muito parcialmente são cobertas pelo DIGESTO.
Em resposta ao requerimento n.º IO/VI (3.ª)-AC, que tive ocasião de apresentar, o Governo veio anunciar que tenciona alargar, designadamente, o âmbito do DIGESTO às circulares administrativas, mas essa expansão é, repito, ainda hoje muito limitada.
O sistema também não é, de facto, nacional. A produção normativa das regiões autónomas, não constando do Diário da República e figurando nos jornais oficiais das regiões, não é abrangida pelo DIGESTO. É óbvio que devia sê-lo e é desejável que venha a sê-lo.
Não é, igualmente, incentivado o acesso, através do DIGESTO, às cerca de 17 bases de dados comunitárias, algumas das quais em português e acessíveis gratuitamente para todos os cidadãos da Comunidade - este gratuitamente tem um «grão de sal» uma vez que é necessário, obviamente, pagar alguns custos de telecomunicações.
Por outro lado, o sistema INFOCJD, dependente da Secretaria de Estado da Modernização Administrativa, fornece, através da rede pública de videotex, alguma informação jurídica que, todavia não tem clientes dado o baixo uso do Videotex por parte dos seus potenciais utentes.
Acresce ainda, para corroborar o meu ponto de vista de que o DIGESTO não é o super-órgão de informação legislativa nesta matéria- e de, além de ser incompleto, tem concorrentes sem articulação - o facto de diversos departamentos, como o Departamento Central de Planeamento, o INDC e vários ministérios, como os do Ambiente e Recursos Naturais, do Comércio e Turismo e das Finanças, terem, eles próprios, sistemas autónomos, com características técnicas muitíssimo diversas, não articulados nem harmonizados e, em certos casos, pura e simplesmente incompatíveis e sem qualquer espécie de articulação na oferta de informação e na selecção de utentes-alvo. Em nossa opinião, isto é extraordinariamente negativo, se queremos atrair mais e mais cidadãos para a ideia de que podem utilizar este tipo de instrumento para aceder a informação sobre legislação e jurisprudência.
Por outro lado, Sr. Presidente, algumas das tarifas que certos serviços prevêem para o acesso- nos casos em que há tarifa, repito, e nos casos em que há acesso- são excessivamente elevadas e desencorajadoras do acesso.
Assim, um dos pressupostos essenciais para banalizar, vulgarizar e popularizar as bases de dados da Administração Pública de oferta de informação legislativa através de novos meios tecnológicos, isto é, o preço, o argumento económico existe em termos discutíveis na nossa realidade presente.
Por último, em vez de ser acedido por qualquer dos seus potenciais interessados, tanto na esfera da Administração Pública como no âmbito dos próprios órgãos de soberania- por exemplo, os Deputados teriam, seguramente, interesse em aceder a este instrumento -, o DIGESTO está hoje apenas ao serviço da Presidência do Conselho de Ministros e de um número muito reduzido de gabinetes ministeriais, o que, em nossa opinião, não faz, pura e simplesmente, qualquer sentido.
Por um lado, o Presidente da República, a Assembleia da República deveriam ter acesso a este sistema, por outro não vejo razões para que o sistema não seja aberto aos próprios tribunais, embora estes possam ter acesso às bases de dados do Ministério da Justiça, o que é uma compensação parcial.
Os Deputados têm, naturalmente; acesso às várias bases de dados da Assembleia da República e podem aceder, através de alguns dos serviços de que já dispomos, a várias e muitas, porventura, bases de dados, não só às 17 europeias que referi como a muitas outras situadas em várias partes do mundo e alcançáveis, designadamente, através da nossa biblioteca ou da DILP.
No entanto, Sr. Presidente, era justo, aconselhável e positivo que o DIGESTO, ele próprio, estivesse acessível à Assembleia da República. Por um lado, estamos a duplicar tarefas que o DIGESTO está a fazer melhor do que nós. Todos os dias, a Assembleia trata informação legislativa que está, seguramente, tratada com mais eficácia e sofisticação pelo pessoal de serviço à PCM-LEX. Por outro lado, porque a Assembleia da República deveria contribuir para o DIGESTO com informação parlamentar sobre os relatórios e debates parlamentares que o DIGESTO trata mal.
Há, portanto, aqui uma má repartição de tarefas: nós tratamos mal aquilo que o DIGESTO trata bem e o DIGESTO não tem aquilo que nós podíamos oferecer em melhores condições. Este é, pois, um aspecto a tratar e é nesse sentido, aliás, que aponta o projecto de lei que estou a defender. Creio que esse ponto é largamente consensual.
Mas há ainda um último aspecto, Sr. Presidente, que me parece chocante para quem esteja empenhado na

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sofisticação e no aperfeiçoamento do sistema que estamos a discutir, que é o do DIGESTO não fornecer textos integrais, isto é, não ser uma base de dados de texto integral. O DIGESTO fornece referências. Assim, se desejarmos saber que legislação existe sobre o leite, não apenas nos anos mais recentes como até remotamente, o DIGESTO dá-nos essa informação. Refere-nos os diplomas sobre a matéria publicados na I Série do Diário da República e, antes, no Diário do Governo, bem como se esses diplomas estão em vigor ou se foram revogados, mencionando ainda que diploma o revogou, informação que é extremamente importante e útil. Contudo, o DIGESTO já não nos fornece os textos integrais dos diplomas que virtualmente nos interessem.
Essa é uma séria limitação, é alguma coisa que tem sido objecto de discussão no âmbito dos responsáveis do sistema e que tem, em termos de execução, algumas dificuldades e alguns custos. Nem umas nem outros são, todavia, comparáveis à vantagem enorme de termos um instrumento que nos faculte textos integrais. Portugal não tem, como V. Ex.ª sabe- e eu não sei porquê! -, um Diário da República electrónico -, mas voltarei a esse assunto dentro de segundos. Mas, como dizia, não há qualquer razão para que uma base de dados como esta não venha a incluir textos integrais.
Sei, em resposta ao requerimento que referi, que o responsável da Presidência do Conselho de Ministros por esta área propiciou à Assembleia da República informações relevantes, que não posso extractar nesta sede mas que foram emanadas em resposta ao requerimento n.º 1O/VI (3.ª)- AC, que já mencionei. Além disso, há dificuldades de negociação com a Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
Em nossa opinião, deveríamos evoluir no sentido não só de esta base de dados vir a ser de texto integral mas também de Portugal vir a ter, como outros países da União Europeia, o Diário da República electrónico.
A realização do Diário da República electrónico, Sr. Presidente e Srs. Deputados, reveste relativamente poucas dificuldades. A Imprensa Nacional-Casa da Moeda tem as bandas magnéticas de todos e cada um dos Diários da República publicados, ou seja, tem em suporte electrónico tudo o que é necessário- e é caro! - para produzir uma publicação electrónica acessível através de linha telefónica ou editável através CD-ROM e, portanto, alcançável e consultável, virtualmente em qualquer parte do mundo, a custos consideravelmente mais baixos do que aqueles que decorrem da utilização do papel.
Os nossos concorrentes de outros países europeus têm este instrumento. Aqui mesmo ao lado, o boletim oficial espanhol é editado em CD-ROM correntemente, sendo facilmente acessível e pesquisável através desse meio. Em Portugal, razões de carácter burocrático- e devo dizer que alguma falta de audácia da Imprensa Nacional-Casa da Moeda e de uma política agressiva de colocação de produtos nesta área- têm impedido que isso aconteça.
Recentemente, tive uma reunião com a direcção da INCM para abordar especificamente esta matéria e fiquei encorajado quanto à ideia de que serão adoptadas medidas a algum prazo - que não posso garantir que seja curto- para alterar esta situação, que é, de facto, anómala e prejudicial para todos os utentes da comunidade jurídica e para os cidadãos em geral.
Esta omissão da INCM, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ainda tem uma outra consequência: a de que a popularização, em Portugal, de publicações electrónicas, de edições electrónicas acessíveis através de linha telefónica em modem e computador, como normalmente acontece em muitos países civilizados do mundo, está em atraso entre nós. Creio que, nós, Assembleia da República, poderíamos contribuir para vencer esse atraso.
Nesse sentido, o projecto de lei, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS, é um ensaio de uma das possíveis soluções. Outras haverá... Essencial é que comecemos e desenvolvamos um debate cultivado e informado sobre esta matéria, do qual possam resultar medidas concretas e positivas.
A minha última palavra, Sr. Presidente, é para sublinhar que o consenso alcançado, em sede de comissão, quanto às grandes opções contidas neste projecto de lei nos parece extraordinariamente positivo e de relevar. De relevar, por um lado, porque é uma área em que não deveria haver qualquer espécie de sectarismo nem outra postura que não a de grande coincidência de esforços para a alteração do nosso panorama, por outro, porque a comissão assume o compromisso de continuar este esforço e, por último, porque é tempo de a Assembleia da República se pronunciar sobre as iniciativas europeias, que, neste momento, estão em curso e que vão ter enormíssimas implicações em todos os nossos sistemas nacionais, designadamente na nossa infra-estrutura de telecomunicações.
Essas opções estão a ser adoptadas e discutidas a nível comunitário, mas não a nível nacional nas sedes adequadas, designadamente na Assembleia da República e já é tempo de interromper esse «voltar de costas» a opções tão importantes.
Esperemos, portanto, que os passos dados em torno deste diploma venham a multiplicar-se e que surjam iniciativas, eventualmente de outros partidos ou conjuntas, capazes de propiciar uma maior e melhor utilização das novas tecnologias, nomeadamente na educação e para divulgação junto dos cidadãos do direito e da jurisprudência que temos, e precisamos de ter, em melhor qualidade e mais fácil acesso.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Declaração Universal dos Direitos do Homem considera a segurança jurídica como um direito natural e imprescritível do cidadão e ela é indubitavelmente uma exigência do Estado de direito.
Mas como garantir a protecção jurídica e a segurança jurídica com a superprodução legislativa, a frequência das alterações e os remendos às normas, no fundo, com toda uma precariedade crescente e uma complexidade das próprias normas?
Como pressupor que o cidadão não ignora as regras quando é impossível que ele possa conhecê-las, nesta sociedade de contínuo crescimento legislativo, em face da própria complexidade da sociedade actual e da concepção moderna do papel do Estado nessa mesma sociedade, num mundo de crescente incremento de relações no plano da sociedade internacional, do volume do direito recebido e também da aceleração de fenómenos de descentralização e desconcentração com tudo o que isso significa em termos de multiplicação de normas?

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O crescimento da maré normativa, constituída por leis e regulamentos, nacionais ou não, imporia, com certeza, políticas de desinflação. Aliás, outros países prosseguiram acções neste domínio - e com algum êxito -, a saber: a Alemanha, a partir de 1986; a Suécia, após 1979; os Estados Unidos da América, depois da publicação das Sunset Legislations, de 1976, e o Reino Unido, no período do pós-guerra e até 1980, conseguiu mesmo fazer uma diminuição, na ordem dos 38 %, de textos legislativos em vigor.
A verdade é que Portugal, ao entrar na Comunidade Europeia, teve igualmente de contar com uma produção normativa a acrescer à sua própria produção nacional, como obviamente todos os Estados da Comunidade Europeia, quer em termos de diplomas de aplicação directa quer no domínio dos actos que devem ser transcritos para diplomas nacionais.
Quanto aos regulamentos e segundo o CELEX, principal base de dados da Comunidade Europeia, haveria, hoje, mais de 21 000 regulamentos em vigor; quanto às directivas, em 1981, tomei contacto com um estudo do Conselho de Estado francês segundo o qual cerca de 10 % das leis e regulamentos nesse país traduziam a aplicação de directivas comunitárias e este número, noutros países, não será por certo muito diferente.
Não é só o volume de diplomas nacionais que vai aumentando o Diário da República. No próprio Jornal Oficial da Comunidade esse volume tem aumentado de uma forma esmagadora, cifrando-se, entre 1986 e 1992, em 30 % do volume dos jornais oficiais, o que quer dizer algo, embora, repito, em termos puramente quantitativos. Esta situação vem trazendo atrasos nas publicações e até problemas no domínio das distribuições, também elas cada vez mais dilatadas.
Acresce que nem sempre esse fluxo criativo acaba por dar origem a uma diminuição de normas, em virtude da criação de outras, o que significa que há um aumento do próprio número de normas vigentes. Quero com isto dizer que a taxa da mortalidade legislativa é claramente muito inferior à da natalidade legislativa e é óbvio que esta inflação só dificulta o conhecimento das leis e implica uma desvalorização da legislação por estar muito distante do cidadão. O direito é desconhecido, por natureza, porque, apesar de, numa democracia parlamentar, pressupor-se o conhecimento da lei após aquele período da vacado legis, isso não ocorre e as normas que deviam proteger o cidadão constituem, cada vez mais, uma ameaça para ele.
Sendo assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, parece-nos óbvio que a existência do Sistema Integrado para o Tratamento da Informação Jurídica é um objectivo que, com já foi reconhecido pelos próprios autores do projecto de lei, se iniciou com uma resolução do Conselho de Ministros de 1992, visando enquadrar a informação jurídica em termos que, sem dúvida, deverão ser rigorosos, exaustivos, coerentes, mas que podem ser melhorados. A referida resolução que, no fundo, concretiza este projecto de lei, tem as suas lacunas e imperfeições e a própria evolução tecnológica permitirá, com certeza, que muitos desafios não resolvidos possam vir a ser enquadrados.
Em causa está o acesso a todos aqueles que tenham interesse neste sistema: instituições ligadas aos estudos e ao ensino do Direito, a Administração Pública- central, regional e local-, particulares, empresas, cidadãos em geral- eis um elemento fundamental do interesse do DIGESTO.
É a própria Constituição que consagra o acesso ao direito e aos tribunais mas, ao fim e ao cabo, este acesso aos tribunais tem de passar pelo acesso ao conhecimento do próprio Direito, até porque a Constituição consagra igualmente o direito à informação jurídica.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este projecto de lei, na esteira da referida resolução do Conselho de Ministros que criou o DIGESTO, pretende colmatar algumas lacunas situando-o no momento que vivemos, valorizando-o e tentando ampliá-lo. Faz um apelo a uma reflexão que possa, de uma maneira conjugada, diante das instâncias que o gerem - no que o Parlamento também tem uma palavra a dizer-, valorizar esta ideia, razão pela qual lhe damos o nosso apoio.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consideramos que esta iniciativa é bastante interessante e merecedora da nossa inteira concordância.
Parece-nos que o alargamento dos serviços a prestar pelo chamado DIGESTO - por forma a tornar o acesso às fontes do Direito, num sentido lato, mais fácil aos cidadãos, permitindo-lhes aceder ao conhecimento jurídico, de que não se excluem as empresas e outros utilizadores, como os órgãos de soberania, que não têm, neste momento, acesso a este sistema- não será apenas uma perspectiva interessante como muito útil e enriquecedora para a nossa democracia, considerando que uma vertente fundamental desta é o conhecimento, o mais perfeito possível, das leis que nos regem, isto é, dos direitos que os cidadãos têm e das obrigações que lhes incumbem.
Daí que consideremos esta iniciativa meritória e, como disse, votá-la-emos favoravelmente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, não havendo mais pedidos de palavra, declaro encerrado o debate do projecto de lei n.º 346/VI.
Vamos passar ao período de votações.
O Sr. Secretário vai proceder à leitura de vários pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Carlos Oliveira (PSD) a ser ouvido, na qualidade de testemunha, no âmbito de um processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Procuradoria-Geral da

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República, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar a Sr." Deputada Marília Raimundo (PSD) a prestar declarações no âmbito de um processo que se encontra pendente naquele organismo.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Visto não haver inscrições, vamos passar à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Polícia de Segurança Pública- Comando Distrital de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar os Srs. Deputados João Amaral (PCP) e José Magalhães (PS) a prestarem declarações no âmbito de um processo que se encontra pendente naquele organismo.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial de Figueira dos Vinhos, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Júlio Henriques (PS) a ser ouvido, na qualidade de testemunha, no âmbito de um processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Carlos Pinto (PSD) a depor na qualidade de testemunha, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos, de seguida, passar à votação do voto n.º 103/VI- De protesto pelos acontecimentos ocorridos frente ao Ministério da Educação no dia 4 do corrente mês e de solidariedade com os estudantes (PS), que já foi lido.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, quero apenas perguntar a V. Ex.ª se não haverá possibilidade de apresentar, muito sucintamente, as razões deste voto.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, no período de antes da ordem do dia, altura em que o voto foi lido, o assunto ficou decidido, pelo que agora, chegada a hora regimental de votação, apenas será votado.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, de facto, não foi esse o nosso entendimento. De qualquer modo, ou apresentaremos agora as razões desse voto ou faremos, logo a seguir, uma curta declaração de voto. Está nas mãos de V. Ex.ª decidir.
De qualquer modo, em nosso entender, ainda não apresentámos este voto.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, a Mesa entende que, lido o voto e dada a oportunidade de formularem uma intervenção para o apresentar, apesar de esta não ter sido feita, foi remetido para o período regimental de votação, a fim de se proceder à sua votação.
Sendo assim, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP e do Deputado independente Raúl Castro e a abstenção do PSN.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma curta declaração de voto...

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Sr. Deputado, julguei que pretendia anunciar a entrega, na Mesa, de uma declaração de voto, porque não pode fazer declaração de voto oral.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, nos termos regimentais, julgo que tenho possibilidade de fazer uma declaração de voto oral.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Julgo que não, Sr. Deputado, mas se indicar qual é o texto regimental...

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, de qualquer modo, sob a forma de interpelação à Mesa e não para fazer a declaração de voto, quero apenas comunicar que, em nome do PS, entregarei na Mesa uma declaração de voto, na qual reafirmamos as razões que nos levaram à sua apresentação.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

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O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, quero também dizer à Câmara que entregaremos uma declaração de voto, onde reafirmaremos as razões pelas quais votamos contra este voto precipitado.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - É um direito que vos assiste, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação global das propostas de resolução que foram ontem apreciadas.
Vamos votar, em primeiro lugar, a proposta de resolução n.º 57/VI - Aprova, para ratificação, o Tratado sobre o Regime «Céu Aberto».

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Vamos votar, em segundo lugar, a proposta de resolução n.º 59/VI - Aprova, para adesão, o Quinto Protocolo Adicional ao Acordo Geral sobre Privilégios e Imunidades do Conselho da Europa.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Vamos votar, em terceiro lugar, a proposta n.º 60/VI - Aprova o Acordo de Segurança Social ou Seguridade Social entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil e respectivo Ajuste Administrativo.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 378/VI- Alarga a possibilidade de os municípios nomearem vereadores a tempo inteiro (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PSN e do Deputado independente Raúl Castro e a abstenção do CDS-PP.

Vamos votar, também na generalidade, o projecto de lei n.º 346/VI- Aprova opções tendentes a assegurar o acesso dos cidadãos à informação sobre a legislação, a jurisprudência e a doutrina (reestruturando o Sistema Integrado de Tratamento de Informação Jurídica - DIGESTO) (PS).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, dia 6 de Maio, a partir das 10 horas, constando da ordem do dia a apreciação dos Decretos-Leis n.ºs 26/94, de 1 de Fevereiro, que estabelece o regime de organização e funcionamento das actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho, bem como os aspectos relativos às qualificações dos técnicos que asseguram aquelas funções [ratificações n.ºs 115/VI (PS) e 116/VI (PCP)] e 66/94, de 28 de Fevereiro, que altera as áreas de actuação dos gabinetes de apoio técnico [ratificação n.º 117/VI (PCP)].
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 55 minutos.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas à votação do
voto n.º 103/VI- De protesto pelos acontecimentos ocorridos frente ao
Ministério da Educação no dia 4 do corrente mês e de solidariedade
com os estudantes (PS)

O Grupo Parlamentar do PSD votou contra o voto n.º 103/VI apresentado pelo Partido Socialista referente ao sucedido, ontem, dia 4 de Maio, em frente ao Ministério da Educação, na medida em que o seu conteúdo traduz uma visão claramente aligeirada e eminentemente parcial dos factos a que se reporta.
Não cuidou o PS de aprofundar o que terá efectivamente sucedido, nem tão-pouco quis esperar pela reunião de hoje, com a Ministra da Educação, onde o tema poderia ter sido abordado. Quis, antes, criar um pequeno «facto político», colando-se, como é hábito, ao sucedido na interpretaçâo mais conveniente - que se trataria de uma manifestação ordeira e que as forças policiais responderam à ordem com a bastonada. Ora, sabe o PSD que a verdade dos factos é abissalmente diferente desta. Há, de resto, claros indícios de instrumentalização politica partidária em algumas das manifestações que hoje ocorreram em diversos pontos do País, em algumas das quais - como a que ocorreu em frente à Assembleia da República- se utilizaram métodos claramente ilegais e condenáveis como a destruição de viaturas.
Por último, o PSD aplaude o último parágrafo do voto em consideração, em que o PS se manifesta pela dignificação e qualidade da educação em Portugal e faz votos para que este sentimento norteie a posição do PS, acompanhando a do PSD e a do Governo, nomeadamente no que respeita ao sistema de avaliação dos estudantes do 45.º, ano de escolaridade.
Os Deputados do PSD, Silva Marques - Guilherme Silva - Rui Carp - Adérito Campos.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista votou positivamente e insistiu na urgência da deliberação sobre o voto considerando a gravidade dos acontecimentos ocorridos no dia 4 de Maio frente ao Ministério da Educação, testemunhados pelas estações de televisão e divulgados nos respectivos serviços noticiosos. As imagens que o País pôde ver foram bem demonstrativas de que a atitude policial foi desproporcionada e completamente desajustada das mais elementares regras de conduta a que deve obedecer uma força da ordem num Estado democrático.

O Deputado do PS, Guilherme d'Oliveira Martins.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):
António Augusto Fidalgo.

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António Maria Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Domingos Duarte Lima.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Albino da Silva Peneda.
José Angelo Ferreira Correia.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Alvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
Luís António Martins.
Manuel de Lima Amorim.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Maria Teresa Dona Santa Clara Gomes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

José Luís Nogueira de Brito.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Fernando Monteiro do Amaral.
José Agostinho Ribau Esteves.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.

Partido Socialista (PS)

António José Martins Seguro.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
João António Gomes Proença.

osé Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Manuel Alegre de Melo Duarte

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

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