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Quinta-feira, 19 de Maio de 1994

I Série - Número 73

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE MAIO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.ºs 412 e 413/VI, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Duarte Lima (PSD) abordou alguns aspectos da conjuntura ern resultado da realização do Congresso «Portugal: que futuro?» e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Almeida Santos (PS), António Lobo Xavier (CDS-PP), Alberto Costa (PS) e Octávio Teixeira (PCP).
Ao abrigo do n º 2 do artigo 81º do Regimento, o Sr Deputado Miguel Urbano Rodrigues (PCP) referiu-se às desigualdades sociais, enquadradas na problemática Norte-Sul, tendo, no final, respondido a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Luís Geraldes (PSD).
Ainda ao abrigo da mesma norma regimental, o Sr. Deputado Mano Tomé (Indep.) criticou os Serviços de Informações de Segurança.
A Sr.ª Deputada Marília Raimundo (PSD) abordou diversas questões relativas ao distrito da Guarda. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento do Sr Deputado António Martinho (PS).
O Sr. Deputado Jorge Lacão (PS), após ter criticado o Governo pela situação do Serviço de Informações de Segurança, anunciou a apresentação de um pedido de inquérito parlamentar às suas actividades e actuação. Em seguida, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Puig (PSD) e Narana Coissoró (CDS-PP).
Ordem do dia.- O Sr Deputado José Puig (PSD) fez a síntese do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o requerimento de adopção de processo de urgência do projecto de lei n. º 336/VI - Altera a composição e reforça as competências do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações (Alteração à Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro) (PCP) De seguida, intervieram, a diverso título, além daquele orador, os Srs. Deputados João Amaral (PCP), Narana Coissoró (CDS-PP) e Jorge Lacão (PS), tendo o parecer da Comissão sido aprovado.
Procedeu-se à apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 100/VI - Disciplina as atribuições e competências dos serviços municipais de polícia e os limites da respectiva actuação, tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Carlos Encarnação), os Srs Deputados Narana Coissoró (CDS-PP), António Crisóstomo Teixeira (PS), João Amaral (PCP), Jorge Lacão (PS) e José Puig (PSD).
Foi discutida, na generalidade, a proposta de lei n. º 101/VI - Altera a Tabela Geral do Imposto do Selo e o Estatuto dos Benefícios Fiscais, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Vasco Matias), os Srs Deputados Domingues Azevedo (PS), Olinto Ravara (PSD) e Octávio Teixeira (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio B airosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrígues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.

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António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias,
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d' Assunção Pimenta Rêgo.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes projectos de lei: n.º 412/VI- Sobre a realização de um inquérito extraordinário ao Serviço de Informações de Segurança pela Procuradoria-Geral da República (PCP), que baixou à 1.ª Comissão; n.º 413/VI - Altera algumas disposições do Decreto-Lei n.º 404/82, de 24 de Setembro (Pensões de preço de sangue) (PCP), que baixou à 1.ª Comissão.
Foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os requerimentos seguintes: às Secretarias de Estado da Cultura e do Planeamento e Desenvolvimento Regional, formulados pelos Srs. Deputados José Magalhães e António Alves; ao Ministério do Mar, formulado pela Sr.ª Deputada Rosa Albernaz; ao Ministério da Agricultura, formulado pelo Sr. Deputado Alberto Cardoso; aos Ministérios da Agricultura, Administração Interna e do Planeamento e Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; a diversos Ministérios, formulados pelos Srs. Deputados António Murteira e Helena Torres Marques; ao Ministério da Defesa, formulado pelo Sr. Deputado António Martinho; ao Ministério do Planeamento e Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados António Alves e Fialho Anastácio; ao Presidente da Junta Autónoma das Estradas e ao Ministério do Planeamento e Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado Olinto Ravara; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Américo de Sequeira e Isabel Castro; aos Ministérios do Emprego e Segurança Social, da Educação, das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e da Indústria e Energia, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Trindade; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Raúl Castro; ao Governo e ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Álvaro Viegas e Cerqueira de Oliveira; à Câmara Municipal do Porto, formulado pelo Sr. Deputado Rui Rio; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Eurico Figueiredo; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Julieta Sampaio e Paulo Ro-

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drigues; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Luís Peixoto.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Silva Costa, na sessão de 9 de Fevereiro; António Filipe, na Comissão Permanente de 9 de Setembro; Manuel Sérgio, na sessão de 26 de Novembro; Miranda Calha, na sessão de 4 de Fevereiro; Cardoso Ferreira, na sessão de 23 de Fevereiro; Ana Maria Bettencourt, no dia 10 de Dezembro e na sessão de 2 de Março; José Manuel Maia, nas sessões de 4 de Março e 15 de Julho; Macário Correia e Octávio Teixeira, nos dias 8 e 21 de Março; António Crisóstomo Teixeira e João Rui de Almeida, na sessão de 24 de Março; Fernandes Marques, nas sessões de 6 de Janeiro e 7 de Abril; Guilherme d'Oliveira Martins, nas sessões de 22 de Abril e 24 de Março; André Martins, no dia 18 de Janeiro; Paulo Trindade, na sessão de 26 de Janeiro; Luís Peixoto e Paulo Rodrigues, nas sessões de 3, 11 e 17 de Março.
Informo ainda, Sr. Presidente, que vão reunir as seguintes comissões: às 15 horas e 30 minutos, a de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e a de Saúde; às 16 horas, a de Economia, Finanças e Plano.
Por volta das 15 horas, reunia a Comissão Eventual com o objectivo de promover contactos com o Congresso dos Deputados das Cortes Espanholas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos ao período das declarações políticas e intervenções ao abrigo do n.º 2 do artigo 81.º.
Para proferir uma declaração política, por parte do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Um acontecimento ocorrido na passada semana, em Lisboa, e que seguramente fará história, propôs-se abrir na política portuguesa as «avenidas da discussão».
A generalidade dos observadores da comunicação social relataram que as «avenidas» não passaram da dimensão da Rua da Betesga, no acontecimento propriamente dito. Contudo, após a sua conclusão, nomeadamente após as entrevistas que no passado fim de semana alguns dos seus principais organizadores concederam, forçoso é concluir que as «avenidas» se rasgaram mesmo e a discussão começou. Eventualmente por onde menos se esperaria e nos termos em que menos se esperaria, mas a verdade é que começou.
Alheios a um acontecimento que desde o princípio nos pareceu extremamente discutível e com propósitos ínvios e obscuros, não podemos, hoje, e em face da gravidade das notícias ultimamente vindas a público, deixar de tomar sobre eles posição, e colocar mesmo algumas interrogações e perplexidades.
Fá-lo-emos sempre com o propósito de não interferir nos problemas internos de qualquer outro partido, mas apenas com o objectivo exclusivo de tomar posição quando o que está em causa- e o que estiver em causa - sejam problemas de relacionamento institucional entre várias instâncias do poder. Entremos, pois, na promissora «avenida».
Temos de começar por assinalar que, sendo certo que um dos principais desígnios das «avenidas da discussão» do congresso futurista visava criar dificuldades
ao Governo e ao partido que o apoia, a verdade é que a sua principal e mais notória consequência pública se traduziu num ataque de rara violência ao Partido Socialista e ao seu líder, engenheiro António Guterres.
Fosse o PSD a fazê-lo e seria suspeito. São outros, porém - e mais autorizados -, que o afirmam.
É, em primeiro lugar, o próprio engenheiro António Guterres, Secretário Geral do Partido Socialista, citado no Diário de Notícias de 13 de Maio, que diz: «não aceitarei qualquer tentativa de interferência ou de condicionamento da estratégia do PS».
Esta afirmação é uma reacção àquilo que classificou como «operação contra o PS em vários órgãos de comunicação social, uma manobra em grande parte a coberto do anonimato». Assegurou que o PS manteria a autonomia, fossem quais fossem as «pressões de que venha a ser alvo». Estar-se-ia, continuou, «perante uma tentativa de compra do PS, mas o PS não está à venda».
Operação contra o PS, manobra contra o PS, pressões contra o PS, tentativa de compra do PS. O maior partido da oposição. É grave. Tão grave como se fosse contra o Governo ou contra o partido que o apoia, porque, numa democracia sólida e estável, o maior partido da oposição tem de ver-se sempre- e é assim que nós também o vemos - como o potencial futuro Governo. Urge saber quem comanda a operação, quem controla a manobra, quem executa a pressão, quem fomenta a tentativa de compra.
Segundo o seu líder parlamentar, Dr. Almeida Santos (Diário de Notícias de 14 de Maio), serão «desempregados da política, que, não tendo coragem para criar um partido, parecem apostados em minar por dentro o PS. Mas, segundo o Dr. Almeida Santos, «o PS continuará, como se nada desta maquinação existisse».
Minar o PS, tomar por dentro o PS, maquinação contra o PS.
É grave, é muito grave para que passe sem denúncia. No PS há espíritos preocupados - e nós também estamos porque se trata do maior partido da oposição -, e é isso que resulta do comunicado da sua Comissão Nacional de 14 de Maio, ao «repudiar frontalmente a tentativa de determinar de fora para dentro a estratégia do PS ao arrepio dos seus militantes e dirigentes».
Tentativa de determinar, de fora para dentro, a estratégia do PS. É grave, é mesmo muito grave. É preciso encontrar resposta para estas perguntas e estas angústias, não disfarçando, envergonhadamente, olhando para o lado. Quem tenta determinar de fora para dentro a estratégia do PS? Será o PSD? Será o CDS? Será o PCP? Será o fantasma de D. Fuas Roupinho? Ninguém responde. Ou antes, ninguém respondia.
Parece que ontem alguém respondeu. Lembrando-se talvez da máxima de Seneca, de que «é preferível ofender com a verdade do que agradar com a lisonja», num artigo corajoso, um secretário nacional do Partido Socialista, igualmente vice-presidente do seu grupo parlamentar, com a solenidade que os seus paramentos de membro de um órgão de soberania de carácter electivo lhe conferem, acusou o Presidente da República das coisas que passo a discriminar: ter o Presidente da República o propósito de querer provocar a queda de Cavaco Silva às suas próprias mãos; estar o Presidente da República em cumplicidade activa com quantos lhe pareçam em condições de garantir, sob o seu alto desígnio, tal propósito; ser o Presidente da República um

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obstáculo efectivo à visibilidade da acção do Partido Socialista, precisamente nos momentos mais decisivos do combate político; orientar o Presidente da República o «muito fôlego» da Presidência, para acabar com o pouco fôlego do actual secretário-geral do PS; pretender o Presidente da República utilizar o PS como instrumento de um ajuste de contas final com Cavaco Silva; estruturar o Presidente da República, com o núcleo de homens da sua confiança, o movimento anti-cavaquista, criando com este congresso um frentismo de esquerda, que pudesse reivindicar a dissolução antecipada da Assembleia da República e preparar uma equipa apartidária de Governo, a estruturar na amálgama de independentes do MASP, com um mínimo de figuras identificadas para agregar socialistas e comunistas; tentar o Presidente da República, apoiado nesse mesmo núcleo dos seus homens, impedir que o PS seja um partido independente, dirigido pelos seus órgãos próprios, portador de uma estratégia eleitoral e de um projecto político com autonomia.
Sete pecados mortais, sete acusações, assim apontados ao Presidente da República por um alto dirigente socialista, que até agora não se demitiu dos seus cargos nem foi demitido deles.
Acusações destas, jamais o PSD ousou fazer.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem.

O Orador: - Fui ver a Constituição e posso, neste momento, garantir-vos solenemente que nenhum dos comportamentos apontados pelo dirigente socialista faz parte dos poderes e das atribuições do Presidente da República.

Risos do PSD.

Por momentos - e só por momentos - imaginei que o Presidente da República poderia ser o General Ramalho Eanes. Imaginei mais que o Primeiro-Ministro poderia ser o Dr. Mário Soares. Imaginei ainda o Dr. Jorge Lacão - e, hoje, o Sr. Deputado Armando Vara - a escreverem o que escreveram sobre e comportamento do Presidente da República para com o Governo e para com o maior partido da oposição.
Confesso que não fui mais longe. Não tive coragem para imaginar qual seria a reacção do Dr. Mário Soares se fosse Primeiro-Ministro.
Parece, segundo a imprensa, que o líder do PS terá telefonado ontem ao Presidente da República, dando-lhe conta do isolamento do Dr. Jorge Lacão. Depois do artigo de hoje do Sr. Deputado Armando Vara, que prossegue nas acusações ao Presidente da República, em Belém aguarda-se hoje outro telefonema do engenheiro António Guterres.
Amanhã parece que também haverá outro telefonema, para explicar as declarações de hoje, ao Diário de Notícias, dos Srs. Deputados José Sócrates e José Lamego.
Sobe a ansiedade à espera das próximas entrevistas dos Drs. Cunha Rêgo e Carlos Monjardino ou do Sr. Comandante.
Seguramente que aí, talvez como fez à chegada da África do Sul, será o Dr. Mário Soares a telefonar de novo ao engenheiro António Guterres, explicando o isolamento destas personagens no Palácio de Belém.

Risos do PSD.

São muitos telefonemas e poucas explicações ao País.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tudo parece excessivamente artificial, como num jogo de sombras.

Aplausos do PSD.

É necessário, Srs. Deputados, alargar as «avenidas» da discussão, como disse o Sr. Presidente da República, e esclarecer tudo isto. Compreende-se e respeita-se que a delicadeza e o estoicismo do secretário-geral do Partido Socialista o tenham levado, de uma forma elegante, a remeter a autoria dos ataques que lhe foram desferidos para - e cito - «pessoas a coberto do anonimato».
Só que o «vendaval» provocado na comunicação social teve autores visíveis, que foram precisamente os principais organizadores do congresso, os amigos dilectos do Sr. Presidente da República.
Organizaram o congresso em nome dele, sob o seu patrocínio, com organização logística na sede da Fundação Mário Soares... e estenderam-lhe a passadeira vermelha que conduziu ao discurso do sobressalto e dos sobressaltados. Sobressaltemo-nos, pois, todos um pouco, sintamos o frémito dessa sensação esfuziante. Ouçamos, recolhidos em silêncio, as palavras de quem tirou, contra o PS- não fomos nós-, as conclusões deste congresso, porque essas pessoas têm nome e têm rosto.
Primeira: quem tem dúvidas que o secretário-geral do Partido Socialista seja alternativa a Cavaco Silva não é um anónimo, é Vítor da Cunha Rêgo, um dos organizadores do congresso. E porque é que António Guterres, segundo ele, não é alternativa? Responde Cunha Rêgo no Independente de 13 de Maio: «Porque não compareceu no congresso, e, aí, cometeu um erro muito grande».
Não pode, por isso, opôr-se António Guterres ao Primeiro-Ministro nas legislativas? Cunha Rego responde, entre o enigmático e o ameaçador: «Temos de ver». Temos de ver? Qual é o sujeito para que remete este verbo? Quem tem de ver? Aguarda-se a resposta

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Guterres, que Cunha Rego afirma não ser «o chefe da esquerda», está, segundo o mesmo, numa «posição de subalternidade na vida política nacional», e não levou em linha de conta que o congresso foi feito a pensar na esquerda, e em si, Guterres. Diz mesmo - e cito de novo Cunha Rêgo: «Ele teve as informações mais do que necessárias para poder ou não decidir se estava ou não disposto a fazer parte, não só deste congresso (vejam bem!) mas das suas consequências».
Vítor da Cunha Rêgo, com a clarividência que lhe é reconhecida, anteviu que o líder do PS, com esta atitude, não estaria de corpo e alma, como parece que não está, com os espíritos do sobressalto.
Por isso, foi avisando: «Presumo que o Engenheiro António Guterres não vai mudar de linha. Infelizmente, como não o vai fazer...» E ficaram as reticências.
Teme ele que o PS perca as legislativas por isso, e antevê mesmo as consequências imediatas: «Quando ele regressar de Tóquio vem numa posição muito difícil. Encontra uma grande presença de Mário Soares na vida política nacional». E encontrou de facto. Só que pelas piores razões.

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Não esconde, igualmente, o seu desencanto com a oposição socialista ao Governo. E volto a citar Cunha Rêgo: «Até aqui a oposição de Guterres a Cavaco Silva tem sido uma oposição que a oposição reunida neste congresso ...» - notem bem - «... acha que não e a que deveria ser». E acrescenta mesmo, quando lhe perguntam o que pode acontecer ao PS se não tirar do congresso as consequências que devia tirar Diz Cunha Rêgo: «Pode acontecer tudo!»
Está aqui tudo.

Risos do PSD.

Afinal, o congresso não era para universitários altruístas e académicos abnegados, como não era para sociedade civil nenhuma. «É ...», referiu ainda o Dr. Cunha Rego sobre ele, «... a oposição reunida neste congresso», ou seja, uma oposição que não é a parlamentar, mas uma oposição que ali reunia, sob o alto patrocínio do Senhor Presidente da República. Não há, pois, anónimos nem anonimato.
Algo indica, contudo, Srs. Deputados, que o maquiavelismo da operação ia mais longe. É o próprio Vítor da Cunha Rego que o afirma: «Este congresso, ao princípio, foi pensado em dois planos. O primeiro, foi o tempo que haveria entre o 25 de Abril e as eleições europeias. Não se sabia como o 25 de Abril ia correr, não se sabia o que é que se ia passar nessa data e havia a necessidade de criar um pólo aglutinador de algumas expressões políticas, neste caso de esquerda, para poderem ocupar esse espaço e dizerem ao País que existiam».
Eis a revelação de como se pensou utilizar a cerimónia do 25 de Abril, obviamente por pessoas exteriores a este Parlamento e a qualquer partido com assento nele, com uma finalidade frentista e conspirativa.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Cerimónias do 25 de Abril, Sr. Presidente e Srs. Deputados, lembro bem, que nós, Assembleia da República, generosamente e de uma forma abnegada, tal como o Governo, ajudámos a suportar financeiramente, a pedido do Sr. Presidente da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Acaba o Dr. Cunha Rêgo: «Em segundo lugar, o congresso foi feito na perspectiva de que, para governar o País, depois de Cavaco Silva talvez seja necessária uma aliança de esquerda».
Volto a dizer: não há, pois, anonimato. Quem falou assumiu. Como todos sabem, as pessoas em questão têm neste processo - e elas não são da direcção do Partido Socialista, obviamente- a importância que lhes advém da sua ligação ao Presidente da República, que patrocinou este congresso desde o princípio e cuja única finalidade, como aqui disse na passada semana- e muito bem - o Dr. António Lobo Xavier, se resumiu a fazer lá o seu discurso.
Por isso importa, embrenhados que estamos nas «avenidas da discussão» em que o Sr. Presidente da República nos entusiasmou a entrar, em extrair de tudo as conclusões que se impõem.
É, desde logo, natural que muitos pensem- e era isso que nós gostaríamos de pensar - que S. Ex.ª o Presidente da República é estranho a tudo isto (e gostaríamos de continuar a pensar isso). Mas. se é assim, é importante que se o diga, desautorizando os que organizaram o congresso em seu nome e invocando a sua amizade a torto e a direito. O seu silêncio compromete-o nessa manobra e eis o que dela dizem analistas que respeitam o Presidente da República. Vicente Jorge Silva chama-lhe puro «contrabando político»; Miguel Sousa Tavares afirma ser já «não uma mera questão entre a esquerda e a direita, mas entre a defesa da democracia e a sua sabotagem».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente da República não tem sido avaro a emitir opiniões sobre Iodos os acontecimentos da vida nacional, mesmo os mais banais. Não se compreenderá por isso que, também por respeito para com todos os partidos que se sentam nesta Assembleia da República, o não faça ern função da gravidade das acusações que lhe são dirigidas do interior do partido que foi - e ele diz que continuará a ser- o seu partido.
Igualmente se esperaria do PS, mas essa é uma questão do PS e não nossa, que se sentiu - e se calhar com toda a razão - o principal visado neste insidioso processo, dissesse alguma coisa, claramente, aos portugueses.
E a gravidade das acusações ao Presidente da República devem ser esclarecidas, porque elas não são novas: estão no pensamento e na boca de todos os ex-secretários-gerais do PS, como se viu pelas recentes declarações do Dr. Jorge Sampaio.
Como não são novas, também, as tentativas de condicionamento - e no limite, de destruição - dos principais partidos democráticos. No passado, fizeram-se à sombra dos mais altos hierarcas do Estado.
Tentou-se destruir o PSD. Não foi possível, graças ao talento, à pertinácia e ao desassombro político do Dr. Francisco Sá Carneiro.
Tentou-se também destruir o PS. Não foi possível, graças à coragem, à lucidez e à frontalidade democrática do Dr. Mário Soares.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Para nós, a principal função do Presidente da República é a de ajudar a resolver as crises e não a de contribuir para fomentá-las ou para criá-las.
Por isso esperamos, no meio de todo este processo, que, naturalmente, deixa tristes todas as bancadas em geral e o meu grupo parlamentar em particular, que o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo continuem a dar o exemplo de não deixarem desviar as suas atenções para questões que apenas prejudicam ou adiam a resolução dos principais problemas dos portugueses e do seu futuro.
Mais do que nunca, os portugueses aprenderão com estes episódios a saber quais as pessoas com quem não podem contar, porque elas valorizam o acessório em detrimento do essencial, a intriga em detrimento do trabalho, a conflitualidade em detrimento do diálogo, o radicalismo em detrimento do bom-senso.
Num momento como aquele que vivemos, em que são cada vez mais os sinais de que se avizinha a recuperação económica que terá, seguramente, efeitos benéficos no aumento do produto nacional, no crescimento económico, no reforço da competitividade e do emprego e na recuperação dos salários, é mais importante do que nunca que os portugueses confiem naqueles - Governo ou oposição - que têm de assumir as responsabilidades pelos seus destinos.

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Continuar a olhar para o futuro, esquecendo as vinganças mesquinhas de quem não consegue aceitar todo o peso da história, deve ser o lema de quem governa, e nós esperamos que seja, em particular, o lema do Sr. Primeiro-Ministro. O PSD e o País esperam dele que se não deixe envolver num conflito que não prestigia a classe política.
Estamos cientes que foi esse o seu propósito quando, pensando no futuro de Portugal e dos portugueses, dirigiu, na passada semana, um convite do mais alto alcance a todos os parceiros sociais, para que se encontre em Portugal uma plataforma que permita celebrar um acordo social de rendimentos que vigore até 1999.
A estabilidade e a melhoria das condições de vida dos portugueses merece que todos- Governo, parceiros sociais e oposição - dêem o seu contributo para que aquele objectivo seja alcançado.
Esta será, seguramente, uma excelente oportunidade para distinguir os que, trabalhando no presente, constróem o futuro de Portugal e dos portugueses, daqueles que, enchendo a boca com interrogações e angústias sobre o futuro, mais não fazem do que reeditar as misérias do passado. E esse passado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esperamos que não volte.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Almeida Santos, António Lobo Xavier, Alberto Costa e Octávio Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Duarte Lima: Ouvi, com toda a atenção, aquele seu discurso de quem não quer interferir na vida interna do PS.
Fiquei preocupado com a sua tristeza (disse que está triste), por vê-lo assim tão compungido com o que se passa no interior do PS, e fiquei cativado com a sua postura de defensor oficioso do PS, do Presidente da República e das principais personalidades do meu partido que teriam sido afectadas por aquilo que disse ser grave, muito grave.
Julgávamos nós, até hoje, que grave era a situação do País, que graves eram os problemas a que temos de responder, que grave era a falta de respostas para esses problemas, que grave era aquilo que o Presidente da República, do alto da sua autoridade, disse ao País que era grave.
Vejo agora que não, que grave é o facto de termos um partido que, apesar de ter órgãos que determinam quem são os nossos aliados, os nossos concorrentes, os nossos candidatos e as nossas políticas, é suficientemente aberto para recusar o monolitismo e para se não impressionar com o facto de alguns elementos do PS, usualmente - isto não é de hoje, é de sempre -, emitirem, a título pessoal, opiniões que não coincidem com as determinações aprovadas nos orgão do mesmo partido.
Somos assim, não deixaremos de sê-lo e não nos impressiona minimamente a circunstância de continuar a haver no PS vozes desafinadas pelo diapasão oficial do partido. Custa-me, sim, que o Sr. Deputado esteja preocupado com isso. Acho que devíamos dispensá-lo dessa sua preocupação e pedir-lhe que esteja tão como nós, que dedique todo o seu tempo não à defesa oficiosa do que se passa no PS mas às suas responsabilidades de maior líder parlamentar do maior partido português.
Devo dizer-lhe que não esperava ouvir de si - e eu reproduzi aqui, no outro dia, grande parte do discurso do Presidente da República, mas sempre é o Presidente... - a citação do discurso do Dr. Cunha Rêgo...

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Mas quem é o Dr. Cunha Rêgo?!...

O Orador: - De facto, parece que, para si, a partir de agora, o Dr. Cunha Rêgo seria uma espécie de oráculo que diz verdades sobre o que se passa e não passa no interior do PS.
Bom, respeitamos o Dr. Cunha Rêgo como analista político que é, senhor das suas opiniões, mas não abdicamos de ter vontade e opiniões próprias sobre aquilo que mais convém ao PS e até sobre aquilo que ele diz do PS. Aliás, isso não nos afecta, nada!
Agora, dizer que nós fomos o principal lesado deste congresso, Sr. Deputado, se isso lhe dá prazer, se acha que isso é uma bem-aventurança de que precisa, então mantenha-se nesta felicidade, pois eu não quero retirar-lhe esse prazer, essa beatitude!...
Este congresso foi contra nós, não foi contra vocês, nada!... O discurso do Sr. Presidente não foi, como a princípio parecia, uma marretada na cabeça do Sr. Primeiro-Ministro e uma crítica feroz à sua política, à ausência de soluções, etc. Não foi nada disso!...

Protestos do PSD.

O que foi, na sua opinião, foi um discurso contra o PS, que ficou a sangrar com o discurso do Sr. Presidente da República. Bom, seja o Sr. Deputado Duarte Lima servido dessa bem-aventurança e já agora digo-lhe mais, e isto para não pôr mais sal no molho: deixe-nos mandar no nosso partido; deixe-nos preocupar com aquilo que, efectivamente, nos preocupa e não nos preocuparmos com aquilo que não nos preocupa; deixe-nos continuar com a liberdade de denunciar os problemas do País e de exigir de vós respostas para eles!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, e como sei que o meu amigo gosta de ler os textos sagrados, vá ao Sermão da Montanha e ponha lá mais uma bem-aventurança: bem-aventurados os que julgam que vencem os adversários, ganham eleições e, sobretudo, resolvem os problemas do País com doses maciças de auto-ilusão e de intriga.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Duarte Lima, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Duarte Lona (PSD): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - O Sr. Deputado Almeida Santos disse eu que estou compungido com o que se passa no interior do PS...

Vozes do PS: - Deixem-nos trabalhar!

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O Orador: - Deixem-nos trabalhar? A quem se dirigem? A mim? Ou é a outra instância externa à Assembleia da República? É que eu já ouvi essa frase ontem, creio que da boca do Dr. Jorge Lacão...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não, era do Primeiro-Ministro!

O Orador: - Repare, Sr. Deputado Almeida Santos não estou compungido com o que se passa no interior do PS e só referi o que referi, porque este conflito e esta polémica extravasam o próprio partido, passando a ser uma questão de relacionamento entre um partido com assento parlamentar, um conjunto de Deputados, que são, eles próprios, membros de um órgão de soberania, que têm uma legitimidade própria aliás, todos nós temos, como a tem o Sr. Presidente da República, pois somos igualmente eleitos por sufrágio universal, directo e secreto...
Portanto, é o maior partido da oposição quem critica o Presidente, através de um seu alto dirigente, que não foi desautorizado e que invocou, embora de passagem, o seu estatuto de secretário nacional do partido mas mesmo que não fosse ele é Deputado e como tal merece-nos o nosso respeito.
Jamais responderei, como fez o Deputado da sua bancada, António Campos, dizendo que os portugueses não podiam levar a sério que seja o Jorge Lacão a falar do Sr. Presidente da República...

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - O Deputado Jorge Lacão é um Deputado da República, com a mesma responsabilidade que o senhor tem, que eu tenho, que tem o Deputado António Campos e que também tem o Sr. Presidente da República. Agir desta forma é que é desvalorizar a Assembleia e os seus Deputados! Isso é que eu acho indigno!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Portanto, Sr. Deputado Almeida Santos, foi neste sentido que eu referi este assunto, procurando não discutir as questões internas do PS, mas no domínio em que esta polémica extravasa uma questão do foro interno - porque o Sr. Presidente da República não é membro do PS, e, sim, o Presidente de todos os portugueses - e é colocada a questão deste ponto de vista que eu tenho de falar e lembro que o Dr. Jorge Lacão, no artigo que escreveu ontem disse coisas 10 vezes piores do que aquelas que eu disse aqui num discurso que produzi no fim da Presidência Aberta de Janeiro do ano passado. Nessa altura «caiu o Carmo e a Trindade» na vossa bancada.
Portanto, não compreendo que dizendo o Sr. Deputado Jorge Lacão coisas 10 vezes mais graves os senhores digam: «Bom, nós somos assim, deixem-nos ser, etc.,..» É claro que vos deixo ser assim, mas como político responsável não posso deixar de me interrogar sobre o significado institucional que isso tem, porque se as suspeições que são levantadas ao Sr. Presidente da República fossem levantadas por mim, pela bancada do CDS-PP ou pela do PCP, elas teriam em VV. Ex.ªs o devo acusador a dizer: «Isto é muito grave...!»

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E alguém tinha de se explicar: ou se explicava o Presidente ou nos explicávamos nós!

Aplausos do PSD.

Depois, o Sr. Deputado Almeida Santos disse que eu reproduzi aqui o Dr. Cunha Rêgo, enquanto que V. Ex.ª reproduzia o Presidente da República, mas. enfim, sempre era o Presidente...
Bom, o Dr. Cunha Rêgo e um escritor e analista eminente da nossa praça, foi um dos principais organizadores do congresso. Em todo o caso. lembro que há cerca de um ano o Sr. Deputado Almeida Santos, num dos seus muito notáveis discursos, fez aqui uma camiliana contra o Governo citando, praticamente, só jornalistas, nomeadamente o Dr. Paulo Portas, o Dr. Vasco Pulido Valente e ouros...
Portanto, Sr. Deputado, dê-me o mesmo direito de eu poder citar um homem que não é menos brilhante do que esses, que é conhecido pela sua frontalidade e que, creio, é militante do PS de base- não tenho a certeza, nem isso é muito relevante.
Mas, seja como for, a verdade é que ele é um dos principais organizadores do Congresso, cujas conclusões, o senhor pela sua boca, aqui veio elogiar na semana passada, dizendo, numa profissão-de-fé incontida: «Nós vamos fazer destas conclusões um conjunto muito grande de propostas políticas para o futuro». Bom, mas o que eu vejo, ao longo dos últimos dias, é o congresso a desabar sobre a cabeça do PS!
V. Ex.ª disse, ainda, que o discurso do Sr. Presidente da República foi uma marretada na cabeça do Governo. Ó Sr. Deputado Almeida Santos, vamos ver o seguinte: tanto quanto me lembro, não! Aliás, os senhores deviam ser leitores mais atentos do discurso do Sr. Presidente, que a cada altura diz, mais ou menos isto: «Já sei que a minha intervenção vai lançar polémica, mas eu quero esclarecer que eu não falo da conjuntura, nem do presente, nem do Governo: eu só falo do futuro! O futuro é a minha preocupação!» Quer, então, dizer que o Sr. Presidente da República mentiu? Não acredito nisso, Sr. Deputado Almeida Santos! É muito grave da sua parte, não só como Deputado, mas também como amigo, pensar que era um acto de hipocrisia o que ele estava a fazer.

Aplausos do PSD.

De facto, eu quero continuar a acreditar no Sr. Presidente da República, porque ele é o Chefe de Estado legitimamente sufragado.
Finalmente, o Sr. Deputado Almeida Santos falou-me no Evangelho, e eu gostava também de me referir a ele, dizendo-lhe que, se calhar, é uma recomendação de São Paulo que está por detrás de todo este vendaval do PS dirigido ao seu Sr. Secretário-Geral. São Paulo diz: «Cuida-te, não caias!»

Risos do PSD.

Se calhar é este o recado implícito que este congresso quer mandar para o interior do seu partido.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Deputado Duarte Lima, está visto, é isto que deu, que dá e

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que vai continuar a dar o tal congresso para debater os problemas concretos.
O congresso das soluções, o congresso do grande debate da sociedade civil preocupada e que não tem acesso aos meios de comunicação social, que não pode fazer ouvir a sua voz, dá isto a que permanentemente continuamos a assistir: no PS - e não quero seriamente meter-se nos problemas internos do partido - está à vista o modo como as diferentes sensibilidades julgam os acontecimentos; no PSD, para seu benefício - e nós já temos dito isto tantas vezes - muda-se de estratégia constantemente, cada vez para melhor, nesta matéria do congresso.
Já não é preciso o confronto do Sr. Deputado Pacheco Pereira com o Sr. Presidente da República, pois já não interessa; interessa muito mais a nova linha, que é a de escavar a fenda do PS e mostrar uma triste e sentida solidariedade para com o grande partido da oposição, que é preciso preservar de um funcionamento pouco correcto do regime.

Risos do CDS-PP.

É isto que deu o tal congresso de debate da sociedade civil recheado de gente, de soluções!
Mas não querendo comentar a vida do PS quero, sim, responsabilizar o PS do modo como acolheu o congresso e como o defendeu, nas palavras do Sr. Deputado Almeida Santos.
Como muitas vezes há críticas aqui na Câmara sobre quem defende a democracia e insinuações sobre quem defende ou não o Parlamento, o que quero perguntar ao Sr. Deputado Duarte Lima, por comodidade do Regimento, mas a muito mais pessoas e não apenas ao Sr. Deputado, é como é que esses defensores do Parlamento explicam que os resultados do congresso e do discurso do Sr. Presidente da República signifiquem nesta Câmara uma intranquilidade até uma certa linha de fronteira partidária, e que o único partido que tranquilamente ouve este debate, as excitações, as incomodidades, os nervosismos, os debates e as reuniões - e claro que uns estão mais magoados e são mais atingidos do que outros - é o PCP.
De facto, nesta Câmara o que acontece é esta coisa extraordinária: é que quem está disposto a verdadeiramente defender o congresso e o discurso do Sr. Presidente da República, e é para o levarmos a sério, é o PCP, que, aliás, com grande fineza de estratégia não fala!

Risos do CDS-PP e do PSD.

De facto, o melhor apoio que o PCP pode dar a este congresso, de que os senhores tanto gostam, é não dizer nada!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E não diz, e está tranquilo e encantado! Risos do CDS-PP e do PSD.
Portanto, nesta Câmara e nesta democracia que os senhores dizem preservar, o discurso do Sr. Presidente da República desagradou e incomoda toda a gente que aqui está até à tal linha de fronteira partidária, embora na bancada do PS não a todos mas a uma boa parte.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Por isso, interrogo-me sobre se, de facto, podemos continuar a ter o mesmo tipo de formalismo protocolar ao referirmo-nos ao Sr. Presidente da República, quando verificamos que ele não hesita em desagradar a todos, e não por falta da habilidade!
De facto, ele não hesita em desagradar a uma larga fatia dos partidos considerados democráticos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Pior do que isso, é ele fugir às suas obrigações institucionais!

O Orador: - O que está a passar-se coloca algumas interrogações, e como estamos em vésperas de revisão da Constituição não é mau que pensemos nisto, pelo que deixo uma pergunta ao Sr. Deputado Duarte Lima.
Ouvimos dizer, ainda há bem pouco tempo, dos mesmos lados, que pode haver uma maioria formal do Parlamento mas há circunstâncias em que o povo se divorcia dessa maioria, criando situações que podem precipitar soluções que estão consagradas na Constituição. Mas o que ainda não pensámos, e temos de fazê-lo, é o que é que acontece quando o Presidente da República, que é eleito pelos cidadãos, perde o seu suporte partidário.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quer dizer, o Presidente da República é eleito por todos, mas com o apoio fundamental dos partidos - e lembro que nem eu nem o meu partido entrámos nisso -, mas o que se vê é que os partidos que o apoiaram na sua eleição não estão tranquilos para manter a mesma posição e convicção com que estavam na primeira hora, apesar de as coisas serem mais evidentes no PSD e no PS também já começarem a ser.
Eis um ponto de reflexão: o que é que acontece quando os partidos se desencantam com o Presidente que ajudaram a eleger?
Mas há ainda uma outra reflexão sobre o regime. Estamos a caminho de uma situação em que se houvesse, por hipótese, alternativa democrática, até a coabitação seria difícil, o que também é novo em Portugal. Quer dizer, mantém-se o Presidente, mudam os partidos, numa hipótese, e a coabitação continuaria difícil e seria complicada.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mais difícil ainda!

O Orador: - Parece-me, isso sim, que começa a haver pessoas a mais, na política portuguesa, que precisam de acabar os mandatos com dignidade e não podemos continuar com essa tolerância generalizada, isso tem de acabar! A tranquilidade e as condições para que todos os políticos acabem com dignidade os mandatos são capazes de prejudicar o funcionamento do regime.

Aplausos do CDS-PP e do Deputado Silva Marques, do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, agradeço as perguntas que me colocou e começo por dizer que, com a argúcia e o brilho habituais, V. Ex.ª tocou em algumas questões nucleares que estão em causa.

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Antes de mais, deixe-me ressalvar que teve uma certa maldade pouco cristã quando disse que queria «escavar nas feridas» do PS. Nada disso!. Procurei não tocar nisso!
Sr. Deputado, há um dado objectivo, colocado politicamente não só ao Partido Socialista mas a todos nós, quanto às consequências deste congresso. Sobre ele não posso deixar de tirar conclusões, porque extravasa o âmbito interno do partido, como disse. Se o Partido Socialista está nesta situação, e o Sr. Deputado Almeida Santos dizia que quer continuar a estar, é um problema dele. Não fomos nós que mandámos, antecipadamente, uma carta ao congresso, que dizia: «concluam, porque aceitamos as conclusões». Não fomos nós!
Ainda não quero tirar conclusões sobre o Partido Comunista Português, porque o Sr. Deputado Octávio Teixeira, creio, está inscrito para intervir e seria injusto da minha parte estar a tirar conclusões antecipadas. Dou-lhe o benefício da dúvida, para ele dizer o que pensa.
V. Ex.ª toca numa questão funda, que incomoda: a legitimidade desse tipo de organizações. É uma questão muito funda. Diz-se que estas organizações surgem a coberto da sociedade civil. É à sociedade civil que aí vem. Mas que sociedade civil? A sociedade civil é aquilo?! A sociedade civil são apenas os anticavaquistas e os antigovernamentalistas?! Lamento muito, mas o Major de Cavalaria Joaquim Faria, de Alqueidão da Serra, um homem que serviu a pátria, não foi ao congresso e está muito triste.

Risos e aplausos do PSD.

Alguém tem de fazer, para Alqueidão da Serra, um desagravo ao Major Faria!
O que se questiona aqui é o tipo de legitimidade, sobretudo quando o que parece transparecer das suas conclusões e das consequências dessas conclusões é que aquele é um fórum, como diz o Dr. Cunha Rêgo, que representa a esquerda, a outra oposição, que estava no congresso. Se são oposição, se querem ser oposição, muito bem, têm total legitimidade. Constituam-se em partido, como dizia o Dr. Mário Soares ao General Ramalho Eanes, constituam-se em partido e vamos a votos.
Se o povo está, de facto, «divorciado» de nós, o que quer dizer que está «casado» com eles, vai traduzir esse «casamento» em votos. É assim que tem de ser! O resto é um monstruoso embuste, não mais do que isso. É este tipo de organizações que permite todas as manobras frentistas, que são absolutamente inadmissíveis. Se, a esse respeito, o PCP se sente bem ou maí, como não quero sentir as dores. do PCP, proponho que esperemos e ouçamos o que nos vai dizer o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
Também é pertinente a questão que coloca sobre o divórcio entre o povo e a maioria. Há mecanismos para isso se saber. O Presidente da República tem as suas competências. Se ele entende que, de facto, há um divórcio entre o povo e a maioria, terá de o dizer à maioria.
A este respeito, podíamos colocar várias questões. Se o que o Sr. Presidente diz que não disse sobre a conjuntura, mas que o Dr. Almeida Santos entendeu .que é assim, cabe perguntar-lhe: já disse isso ao Sr. Primeiro-Ministro, nos últimos anos, nas reuniões das quintas-feiras? Não disse! Já enviou uma mensagem à Assembleia da República, órgão que diz respeitar, que é a sede da democracia, como tantas vezes diz e como reiterou nas comemorações do 25 de Abril? Não mandou! Peço desculpa, mas não reconheço ao congresso mais legitimidade do que a este órgão de soberania. Não reconheço!

Aplausos do PSD.

Sei que há um problema - não vamos ocultá-lo -, que todas as democracias vivem, de crise de representatividade. Sabemos que os mecanismos tradicionais da democracia representativa, em muitos países, e se calhar em Portugal não tanto como em outros, estão em crise. Mas procuremos saber quais são as causas dessa crise, procuremos um novo sistema, que seja melhor, e não entreguemos os destinos do País a congressos frentistas que ninguém sabe quem representam. É algo completamente diferente!

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Reconheço também ser pertinente o que disse no fim. Com esta frequente alteração de posições do Sr. Presidente, do primeiro para o segundo mandato e sobretudo ao longo do segundo mandato, é curial perguntar se, de facto, a alternativa se concretizasse, suponhamos, no Partido Socialista e na pessoa do Eng.º António Guterres, ele estaria a criar, a esse primeiro-ministro, as mesmas dificuldades que criou ao actual.
Sr. Deputado, neste momento, tenho o tempo limitado, mas isto relaciona-se com uma reflexão mais profunda, que tem a ver com o tipo de funções que hoje tem o Presidente da República.
Tenho uma opinião muito pessoal sobre isso, pois entendo que há um nível muito grande de discricionaridade e de arbitrariedade. O mesmo Presidente, com a mesma competência, a mesma Constituição, o mesmo Governo e a mesma maioria, pode mudar radicalmente, do primeiro para o segundo mandato, o seu comportamento. Ora, isto não está bem.
O que mostram as Constituições de todas as democracias sólidas e avançadas do mundo é o seguinte: normalmente têm poucas regras, mas são regras fixas, muito objectivas e estáveis, segundo as quais todos os titulares do poder sabem o que podem fazer, como e quando o podem fazer. Há um limite para a discricionaridade. O Governo não pode ter discricionaridade, mas o Presidente da República também não pode, sobretudo 'quando está investido no acervo de competências em que está no nosso País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, sou dos que pensam que a realização deste congresso comportou algumas vertentes e sequelas que representam sinais, riscos e ameaças que devem ser tomadas a sério pelos partidos e actores políticos, para que possam introduzir no sistema democrático as reformas, as aberturas, que ele, hoje, em Portugal e em outros países, comprovadamente requer.
Pensei que V. Ex.ª, quando se dirigiu à tribuna para fazer o seu discurso, nos quisesse trazer uma reflexão de Estado sobre este problema.

Risos do PSD.

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Com toda a franqueza, devo dizer que, depois de o ouvir, conclui que V. Ex.ª prosseguia um dilema íntimo sobre o tempo que vivemos e sobre as tácticas a empregar pela sua chamada social-democracia, para trazer à colação o título de um livro que certamente será seu conhecido bem como dos Srs. Deputados Silva Marques e Pacheco Pereira.
V. Ex.ª inaugurou esta ano parlamentar falando no tempo dos leões e no tempo dos chacais. Certamente, recorda-se dessa matéria. Ao ouvi-lo, pensei que o Sr. Deputado, ao contrário do que indicou no princípio do ano, estava a tentar utilizar a táctica do chacal, isto é, pensando que havia desgraçados à vista, tentava saltar sobre eles, numa manobra algo inversa da que foi esse recuo para o Alentejo profundo e para perto do Pulo do Lobo, um outro animal, por sinal, também da família do cão e do chacal.
O que me parece é que V. Ex.ª, ao tentar utilizar a táctica do chacal, que aqui teorizou no princípio do ano, veio fazer-nos uma redacção sobre artigos de jornal, sobre declarações de personalidades, procurando, com essa redacção, substituir uma reflexão inexistente. E é uma redacção cínica, porque as preocupações que V. Ex.ª aqui trouxe - sobre o prestígio desta Assembleia e sobre o estado do Partido Socialista- não podem ser tomadas como preocupações sérias, seja pela prática do seu partido, seja, sobretudo, porque o seu dever e o seu objectivo, como líder do partido da maioria, é, certamente, atacar e defender-se do partido da oposição.
Portanto, as declarações que aqui trouxe são manobras de cinismo e de hipocrisia...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e são apenas uma das duas tácticas do cinismo da sua chamada social-democracia. Uma delas consiste em ensaiar o salto de chacal, dourado com uma redacção de pseudo complacência e de pseudo preocupação pela situação do partido rival. A outra consiste, Sr. Deputado Duarte Lima, como bem sabe, na política da avestruz, um outro animal que aqui deveria ser chamado.

Vozes do PSD: - Uma ave! Uma ave!

O Orador: - A política da avestruz, Srs. Deputados,...

Protestos do PSD.

Se VV. Ex.ªs quiserem ter a mesma serenidade que tive ao ouvir o Sr. Deputado Duarte Lima, se quiserem ter essa serenidade, continuarei.
O animal aqui chamado, Sr. Deputado,...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
V. Ex.ª chamou aqui os animais, no princípio do ano, e dificilmente se libertará desta fábula.
A táctica da avestruz consiste em, quando um discurso, que faz um diagnóstico, sublinhado pela maioria do País, é apresentado ao Primeiro-Ministro, ele dizer que não o ouviu porque estava no Pulo do Lobo. Esse é o problema e essa é a táctica da avestruz, que consiste em «meter a cabeça na areia» quando os problemas e os diagnósticos surgem e não merecem resposta.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
São as duas tácticas, Sr. Deputado: a táctica do chacal, que é uma táctica sem pressupostos, e a táctica da avestruz!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Alberto Costa tem de concluir, mas têm de o deixar concluir. Façam o favor de guardar silêncio.
Pode continuar, Sr. Deputado Alberto Costa.

O Orador: - Obrigado, Sr. Presidente.

A táctica da avestruz consiste em VV. Ex.ª nada dizerem sobre as novidades em matéria de inflação, de crescimento da economia e, nomeadamente, sobre o que acontecerá a Portugal se se mantiver esta distância do nosso ritmo de crescimento em relação à média do crescimento da Europa!

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Porque a táctica da avestruz leva-nos para um caminho que implica que, daqui a 70 anos, não estaremos ao nível da média da Comunidade e essa é a vossa responsabilidade!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir. O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente. Vozes do PSD: - 70 anos?!

O Orador:- Exactamente! VV. Ex.ªs poderão entreter-se com discursos, redacções e comentários, mas não conseguem iludir este problema.
Sr. Deputado Duarte Lima, para terminar, V. Ex.ª quis aqui introduzir um simulacro...

Risos do PSD.

... de preocupação nacional e quis apenas dar a sua resposta íntima ao problema que o Sr. Deputado Pacheco Pereira lançou, num jornal também, sobre as duas tácticas para a dramatização, ou melhor, dramatização versus dramatização.
A pergunta a que deve responder, para responder a uma questão que se posiciona ao nível da sua intervenção, é apenas esta: V. Ex.ª defende a dramatização agora, no futuro, ou entre agora e o final do ano? Afinal, V. Ex.ª perfilha ou não essa táctica? Porque o Sr. Deputado, em vez de falar dos problemas do sistema político e da sociedade, seguiu singularmente a táctica da avestruz...

Risos do PSD.

... e não disse qual era o seu mecanismo, a sua opção para a dramatização. O vosso problema é só a dramatização.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, prometo-lhe que não vou ser muito contundente contra si.
Não esperava que o Sr. Deputado fizesse essa intervenção mas compreendo-a. Parece que o senhor está obcecado com o «jogo do bicho»...

Risos do PSD.

Falou em tantos animais que lhes perdi a conta. O senhor arrisca-se a acabar no Jardim Zoológico, como porta-voz dos papagaios...

Risos do PSD.

Fora isto, não vou dizer-lhe mais nada. Apenas vou referir-me à questão que me colocou, que me pareceu pertinente.
O Sr. Deputado disse que o meu dever é atacar o partido da oposição e defender-me dele. Com certeza que sim e, no passado, já dei provas de que não me eximo aos meus deveres. Mas também é meu dever defender a democracia, como é seu e como é dos seus colegas e alguns sentem-no muito mais do que o senhor, pois têm uma consciência muito mais intranquila.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Algumas coisas, como o que está a passar-se, põem em causa aquilo que é o funcionamento da nossa democracia, tal como ela está concebida...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e há vozes no seu partido a dizerem isso! Aplausos do PSD.
O Sr. Deputado Alberto Costa, que aqui aparece tantas vezes como um cavaleiro das grandes causas, da ética, do funcionamento da democracia, da defesa do parlamentarismo, deveria meditar um pouco mais sobre isto que estou a dizer-lhe e sobre aquilo que estão a dizer alguns colegas do seu partido, a fim de deixar de fazer a manobra de diversão que procurou fazer na pergunta que me colocou e com a qual não vou alinhar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, vou aproveitar a figura regimental do pedido de esclarecimento para fazer uma breve declaração em nome do PCP sobre algumas das questões que aqui foram colocadas.
Começo, desde já, por dizer ao Sr. Deputado António Lobo Xavier que o PCP fala quando considera que é oportuno e quando considera que é útil. Não estamos sujeitos aos critérios de oportunidade ou de utilidade do CDS-PP, nem do PS, nem do PSD, nem de quem quer que seja. Por isso, esteja descansado porque o nosso não é um silêncio permanente, como, aliás, V. Ex.ª sabe muito bem.
Também gostaria de dizer-lhe que nos preocupamos fundamentalmente com tudo o que possa criar dificuldades à concretização de uma alternativa política e governamental ao Governo do PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas há uma questão que é essencial para nós: não nos deixamos afastar daquilo que consideramos ser fundamental e fulcral em termos da situação política do País e que é, precisamente, o combate e a luta política às acções, às políticas e às omissões do Governo e do PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Duarte Lima fez a sua intervenção aproveitando o pretexto do relacionamento institucional, mas, repito, julgo que foi, essencialmente, um pretexto. Digo-o porque, para além de algumas preocupações que exprimiu na sua intervenção, as quais me permito considerar jesuíticas, aproveitou para dar uma resposta oficial a algumas tomadas de posição do Sr. Deputado Pacheco Pereira e, depois, avançou para a questão que, neste momento, é essencial na perspectiva do PSD: regressar ao problema da legitimidade de cidadãos poderem manifestar publicamente as suas opiniões.
Mas, para além dessa legitimidade que é posta em causa pelo PSD, o Sr. Deputado Duarte Lima veio manifestar as efectivas preocupações que o seu partido teve com a realização do congresso de que tanto se tem falado, devido a posições assumidas por pessoas de variados quadrantes políticos, até mesmo por pessoas que, tanto quanto se sabe, ainda são militantes do PSD. Nessas intervenções apareceram, manifestamente, críticas à situação actual do nosso país, críticas à política que tem sido seguida em múltiplos e diversos sectores da actividade governativa.
O aspecto que nos parece essencial na intervenção do Sr. Deputado Duarte Lima e em toda esta acção do PSD é o de procurar desviar as atenções do País daquilo que é essencial e fundamental neste momento, ...

Aplausos do PCP.

... isto é, da situação social e económica que se vive no nosso país, desviar as atenções das políticas e das omissões do Governo do PSD e desviar as atenções das eleições para o Parlamento Europeu...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... porque essa é uma questão fundamental da estratégia do PSD neste momento: tentar menosprezar, tentar desmobilizar, tentar esconder que há um acto eleitoral no qual o PSD pode ser claramente atingido e, como costuma dizer-se, pode receber «o cartão amarelo» do povo português e dos eleitores.
Assim, termino dizendo, por parte do Partido Comunista Português, que não nos deixaremos embalar em «cantos de sereia», por muito mediáticos que sejam, nem nos deixaremos afastar daquilo que para nós é essencial e que é promover e aprofundar o debate político, a luta política contra o PSD e o Governo, procurando criar uma alternativa para o futuro.

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Com esta posição e neste sentido, estamos a trabalhar com vista às eleições para o Parlamento Europeu, para que nessa ocasião o PSD possa sofrer uma derrota eleitoral, a fim de que, mais uma vez, os portugueses castiguem o PSD. Estamos ainda a criticar e a lutar para denunciar a situação económica e social do País. Aliás, ainda esta tarde teremos oportunidade de referir-nos a esta matéria e certamente que, amanhã, nas ruas, com a jornada de luta da CGTP-IN, o povo trabalhador irá no sentido de tentar não colaborar com o desvio das atenções que ao PSD tanto serviria neste momento.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira e, também, Sr. Deputado António Lobo Xavier - como viu, o Sr. Deputado Octávio Teixeira respondeu-lhe, tal como o senhor pensava -, não fiz uma manobra de diversão. Não fui eu que organizei o congresso, não fui eu que estive na primeira fila aquando da apresentação, foram todos os seus colegas de bancada...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... - é certo que, no princípio, acompanhados por poucos dirigentes do PS-, foram os senhores que lá estiveram em força. Começaram por estar na primeira fila aquando da apresentação e, no congresso, acabaram discretamente na última fila. Mas as conclusões do congresso são as vossas e não as do Partido Socialista porque o PS tem dito que, de acordo com a sua linha estratégica, não quer a unidade da esquerda, não quer a coligação com o PCP. Os senhores é que a querem e foi isso que o congresso decidiu.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O congresso foi feito para isso!
Sr. Deputado Octávio Teixeira, quando quiser falar da crise económica faça-o que nós respondemos, mas não me peça que me esqueça do que se passou! É porque a ironia é que os senhores estiveram presentes desde o princípio, em força e em peso, com todos os vossos dirigentes a sorrirem, enquanto o PS esteve tant bien que mal, com dois de cada tendência e eram poucos, ao princípio.
Tenho de reconhecer que o Eng.º António Guterres teve coerência em todo este processo e penso que ele viu sempre quais iriam ser as consequências do congresso. Obviamente, seria difícil para o Partido Socialista marginalizar-se e, então, enviou lá o número dos seus dirigentes que lhe pareceu adequado. Houve um alerta, o Sr. Comandante mandou sair gente do «barco» - parece que, a certa altura, os senhores afastaram-se-, mas a verdade é que toda a organização do congresso se processou de acordo com as consequências desejadas pelo Partido Comunista.
Quanto ao Partido Socialista, que é o mais fervoroso adepto do Dr. Mário Soares, principal organizador, e dos seus amigos, que eram os membros da comissão organizadora, acabou por ver-se a braços com este «menino». Era um «menino» que não queria e que, agora, tem de enjeitar.
Quanto ao Partido Comunista, pelo contrário, acabou satisfeito com o congresso, discreto, prudente. É a sabedoria política que tem o Partido Comunista que está aqui a fazer de novo a leitura das suas conclusões.
Aquilo que os senhores pretendiam com o congresso era que fosse um centro de debate não da sociedade civil mas uma reflexão genérica contra a política económica e social do Governo. É por isso que é pertinente ter suscitado esta questão. Aliás, é assim, meus senhores, que parece que todos estamos aqui, hoje, numa festa surrealista, com os papéis trocados: quem devia estar feliz com o congresso era o Partido Socialista, e não está, quem não deveria estar feliz seria o Partido Comunista, mas está.
Isto faz-me lembrar- e gosto sempre de responder a um comunista citando um outro comunista- uma frase célebre de um escritor falecido há pouco tempo, Ítalo Calvino, comunista italiano, que dizia: «Ficamos com a sensação de que estamos aqui mas poderíamos não estar, num mundo que poderia não estar aqui, mas está.»

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, nos termos do artigo 81.º, n.º 2, do Regimento da Assembleia da República, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A grande maioria dos portugueses desconhece que o Conselho da Europa criou um organismo que tem por objectivo fundamental o aprofundamento do diálogo entre os países industrializados do norte e os países em vias de desenvolvimento do sul e a dinamização da solidariedade dos primeiros aos segundos. Chama-se Centro Norte-Sul, tem a sua sede em Lisboa e o presidente é um colega nosso, ex-Presidente da Assembleia da República, o Prof. Vítor Crespo.
Uma engrenagem de contornos mal conhecidos impede, entretanto, o referido Centro de dar uma contribuição minimamente significativa para os objectivos humanistas que estão na origem da sua criação.
O fim da guerra fria conferiu transparência a uma realidade: o fosso entre o Norte e o Sul é, na viragem para o terceiro milénio, o maior desafio que a Humanidade enfrenta. Apresenta contornos angustiantes porque não temos para ele projecto de solução nem existe sequer convergência de vontades para o resolver.
A consciência de que os desníveis de riqueza entre as nações assumiram uma dimensão cada vez mais perigosa ganhou tamanha amplitude que o debate sobre o chamado diálogo Norte-Sul passou a ser um problema planetário. Sobre o tema são promovidas ambiciosas conferências internacionais. Tornou-se questão prioritária para as Nações Unidas; figura nas agendas do Conselho da Europa, do Parlamento Europeu, do Congresso dos Estados Unidos, da Dieta Japonesa. A banca internacional patrocina com frequência fóruns de âmbito mundial convocados para debater a Cooperação Norte-Sul e aprofundar a ajuda das sociedades industrializadas às não desenvolvidas. As conclusões desses encontros são quase sempre moderadamente optimistas. Entretanto, independentemente das intenções gê-

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nerosas e da boa-fé dos participantes, estamos perante um jogo cruel.

A realidade desmente a fachada solidária. O Norte não ajuda o Sul. A ajuda é ficcional e os governantes das grandes potências industrializadas estão cientes disso, embora não assumam a evidência. A hipocrisia faz parte do discurso oficial da cooperação Norte-Sul. No diálogo está ausente, do lado dos poderosos, a vontade real de colocar os problemas com clareza e de, passando das promessas à acção, procurar soluções que diminuam o abismo que separa os países ricos dos pobres.
O desnível atinge proporções alarmantes. Menos de um quinto da humanidade consome ou controla mais de quatro quintos dos recursos do planeta.
Cito alguns números retirados de documentos das Nações Unidas: 1/4 da população mundial vive na miséria absoluta; entre 13 e 18 milhões de pessoas morrem anualmente de fome ou de doenças ligadas à pobreza; 40 000 crianças morrem diariamente por causas inseparáveis do subdesenvolvimento; os 20% mais pobres da humanidade têm um rendimento 150 vezes inferior ao dos 20 % mais ricos; 1/3 da população mundial não tem acesso a qualquer serviço básico de saúde; no mundo há 157 pessoas com fortunas superiores a 1000 milhões de dólares e 1100 milhões de pessoas com rendimento inferior a um dólar; em muitos países o número absoluto de empregos caiu, não obstante a população ter aumentado.
A ajuda bilateral dos países do Grupo dos Sete é distribuída de acordo com critérios estratégicos. Um exemplo: mais de metade da ajuda bilateral americana foi concedida apenas a cinco países: Israel, Egipto, Turquia, Filipinas e El Salvador. As consequências dessa disparidade são chocantes. O Bangladesh, com mais de 100 milhões de habitantes, recebe, sob a forma de ajuda, um total inferior ao de El Salvador, que tem menos de 5 milhões de habitantes. Ao Egipto cabem 370 dólares por cada pobre, enquanto a índia recebe apenas 4 dólares.
Os esforços para desenvolver a agricultura e a pecuária em países do grupo não desenvolvido são muitas vezes neutralizados pelas contradições das políticas das potências que financiam esses programas. Um exemplo: a obrigatoriedade da compra dos excedentes norte-americanos tem arruinado os agricultores de países africanos e asiáticos cujos governos adquirem por baixo preço cereais aos EUA.
A chamada ajuda militar é outro cancro que nasce da falsa solidariedade. Mais de 22 milhões de pessoas morreram no Terceiro Mundo desde a II Guerra Mundial, em 120 conflitos ditos de baixa intensidade que foram, directa ou indirectamente, estimulados por grandes potências que armaram os seus exércitos.
Na Somália, o custo da parte militar da operação dita «Restaurar a Esperança» foi, somente na fase inicial, superior a 2000 milhões de dólares, ou seja, mais do que foi investido pelos países da OCDE (com excepção da Itália) no desenvolvimento do país nos últimos 40 anos.
Situações como as acima citadas são esclarecedoras da natureza farisaica, por vezes perversa, daquilo a que se pode chamar a falsa ajuda de países ricos do Norte a países pobres do Sul.
O Norte industrializado continua a vender aos povos do Sul não desenvolvido, por preços cada vez mais elevados, os seus produtos, enquanto compra o que eles
exportam por preços cada vez mais baixos. E quem fixa os preços é sempre o Norte.
Á outra chaga do subdesenvolvimento é a dívida externa. Durante a década de 80, por exemplo, a América Latina (sobretudo o Brasil, o México e a Argentina) foi exportadora líquida de capitais. Para pagarem o serviço da dívida os três grandes latino-americanos geravam excedentes enormes nas suas balanças comerciais, reduzindo o consumo interno. O povo apertava o cinto, alimentava-se e vestia-se cada vez pior, estudava menos, tinha pior saúde, para que os bancos credores recebessem dezenas de milhares de milhões de dólares. Contudo, a dívida desses países continuou a crescer ou permaneceu estacionária.
Conjugados, o intercâmbio desigual e a dívida externa constituem uma engrenagem trituradora das economias dos países não desenvolvidos.
Na prática, a ajuda do Norte ao Sul não existe porque o seu total, em valor absoluto, é inferior ao montante dos capitais que o Sul perde através dos mecanismos da dívida e da desigualdade comercial. Não há por isso exagero na afirmação de que, afinal, o Sul continua a financiar o Norte, os pobres continuam a enriquecer os ricos. A ajuda é apenas uma parcela enganadora que atenua a espoliação global de que o Sul não desenvolvido é vítima.
Srs. Deputados: Zbigniew Brzezinski, ex-assessor do Presidente Cárter, recorda no seu último livro que «a desigualdade entre ricos e pobres, entre os que têm e os que não têm, se está a transformar minuto a minuto em situação insuportável, resvalando para desejos frustrados que encontram maior satisfação emocional na etnicidade e na irracionalidade para as quais uma nova forma de fascismo poderia ser uma boa resposta».
Nos EUA, a potência mais rica e poderosa da Terra, o egoísmo aumenta num ritmo inquietante. A defesa do leader ship e dos chamados interesses vitais da sociedade serve para sustentar posições perigosamente amorais. O Professor Anthony Lake, assessor do Presidente Clinton para as questões da segurança nacional e um dos homens mais poderosos da Casa Branca, numa conferência pronunciada na Universidade John Hopkins, fez a afirmativa que passo a citar: «Os nossos interesses não nos obrigam apenas a compromissos, mas também a dirigir. Devemos promover a democracia e a economia de mercado no mundo porque isso garante os nossos interesses e a nossa segurança (...). Um só factor- sublinhou- deve determinar a natureza multilateral ou unilateral da acção dos EUA: os interesses da América. Devemos agir no plano multilateral quando isso sirva os nossos interesses, e devemos actuar unilateralmente sempre que isso corresponda ao nosso desígnio».
Qualquer comentário seria supérfluo.
Srs. Deputados: A Cimeira de Viena deu ênfase à questão dos Direitos do Homem. Mas ela foi tratada como se o tema se esgotasse no debate sobre as liberdades individuais e a liberdade de expressão e da circulação de pessoas. Foi praticamente esquecida a luta por outras liberdades sem as quais a vida humana perde significado e dignidade. Quase não se falou do acesso aos meios económicos e sociais que permitem a fruição das outras liberdades. Viena esqueceu o direito à habitação, ao trabalho, à educação, à saúde e à segurança, aos direitos que a maioria da humanidade, sobretudo no Sul, pobre e explorado, não pode exercer.

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É grave que o tema dos Direitos do Homem seja objecto de manipulação por Estados poderosos, por vezes com o apoio das Nações Unidas, no âmbito de iniciativas que os violam e destroem a credibilidade das instituições internacionais. É grave e vergonhoso falar em nome da felicidade da humanidade para fazer a apologia de projectos e aventuras ambiciosas que somente contribuem para o aumento da desordem mundial.
Valores universais debatidos na Conferência de Viena, em Junho p.p., continuam a ser ignorados ou desafiados pela acção de Estados cuja estratégia egoísta reforça no nosso planeta doente uma nova ordem cada vez mais injusta.
Passou a ser uma rotina falar-se de diplomacia preventiva e do direito à ingerência humanitária, não para defesa efectiva das liberdades e dos Direitos do Homem mas para justificar actos de violência que restabelecem nas regiões mais pobres e desprovidas de recursos o espírito da lei da época vitoriana. A história é reinventada e deturpada de maneira a esconder da opinião pública a terrível realidade: a cada novo ano, milhões de seres humanos aumentam o número de párias privados dos direitos mais elementares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O egoísmo de europeus e norte-americanos e o recurso a guerras de «baixa e média intensidade» não podem resolver as explosivas contradições que fazem da antinomia Norte-Sul o maior problema político, social e económico dos anos de viragem do milénio. O debate sobre a democracia no Terceiro Mundo torna-se uma questão académica se o isolarmos da situação global que condiciona a vida e o caminhar da história nos países ditos em via de desenvolvimento.
Ou se muda de modelo de desenvolvimento ou avançaremos juntos para o fundo do precipício. O choque Norte-Sul põe em causa a própria sobrevivência da humanidade.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, ouvi com atenção a intervenção que proferiu e devo dizer que comungo de algumas, senão muitas, das preocupações que enunciou, sobretudo no que respeita à miséria, à fome, à desgraça desta massa anónima constituída pelos cidadãos do mundo que tiveram a infelicidade de nascer em países onde os governantes, ou parte deles, não têm o cuidado adequado e suficiente para zelar pelo interesse desse mesmo povo.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Considero, e vai-me perdoar, de alguma injustiça as referências que fez às responsabilidades do diálogo Norte/Sul, atribuindo à Europa e aos Estados Unidos da América a responsabilidade por todos os flagelos que, efectivamente, assolam a humanidade.
Como é que hoje podemos falar em diálogo Norte/Sul, em riqueza do Norte e pobreza do Sul quando, efectivamente, são os «tigres da Malásia» que mais produzem e mais rendimento têm? Como é que explica que se possa dizer, através das palavras que proferiu, que, por exemplo, a situação de flagelo que se vive num determinado país de África - por muitos considerado um país perdido-, onde se espera que 0,5 milhões de pessoas morra anualmente devido ao vírus da SIDA, se deve aos norte-americanos?! Atribui esse flagelo à Europa?!
Compreendo e aceito que mais poderia ser feito por parte daqueles que acabou de referir. Mas penso que o cerne da questão, a falta de saúde, de educação e de condições de trabalho têm mais a ver com a falta de planeamento, com a terrível corrupção e com o flagelo de os dirigentes não tomarem em consideração o bem-estar do povo do que com a atribuição de responsabilidades a outros países que, de uma ou de outra maneira, tentam ajudá-los.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr, Miguel Urbano Rodrígues (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Geraldes, como disponho de pouquíssimo tempo, queria apenas dizer-lhe que o conceito e a expressão Norte/Sul é aceite internacionalmente e, ao falar-se de países do sul, todos sabem que existem países como a Austrália, a Nova Zelândia ou Singapura, tanto de origem europeia como de origem asiática, que não são «países do Sul» embora, geograficamente, estejam no sul.
Quando me vem falar da SIDA e quanto aos números que citei, respondo que eles foram extraídos de documentos internacionais das Nações Unidas e são públicos, tal como é público que em países como o México ou o Brasil, com excedentes anuais na sua balança comercial superiores a 10 000 milhões de dólares- o México chegou mesmo a gerar 19 000 milhões de dólares de excedente num ano -, essas importâncias são absorvidas pelo serviço da dívida.
Deste modo, Sr. Deputado Luís Geraldes, a resposta às questões que levanta está em documentação internacional e teria prazer em lhe fornecer mais elementos, mas não disponho de tempo suficiente para o fazer.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ao abrigo da mesma norma regimental, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr: Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há cerca de 10 anos que os Serviços de Informações de Segurança, banalizados - mas nem por isso mais democráticos - pela sigla SIS, foram instituídos para, e cito o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 2257 85, «(...) produção de informações destinadas a garantir a segurança interna e necessárias a prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem e a prática de actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido».
No entanto, a opinião pública começou a ser confrontada com notícias vindas a lume sobre a interferência dos SIS em actividades de cidadãos e organizações de trabalhadores, de agricultores e de estudantes, em manifestações contra a política do Governo, chegando mesmo ao ponto de ter sido detectada e denunciada a

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infiltração de um agente do SIS na Associação de Estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa.
Perante aquilo que começou a tornar-se uma preocupante evidência- o facto do SIS incidir a sua acção e a sua vigilância sobre o livre exercício das liberdades democráticas, pondo em causa os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos consignados na Constituição, exorbitando, portanto, das suas funções, ou, em alternativa, o livre exercício das liberdades democráticas passou a ser considerado como podendo alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido, o que é absurdo -, tive oportunidade de requerer esclarecimentos ao Governo, por intermédio do Ministro da Administração Interna, em 7 de Abril de 1992 e ern 15 de Abril de 1993.
A ambos os requerimentos, o Ministro respondeu por forma a tentar sossegar a minha inquietação: disse não haver razão para inquietações, pois o SIS fora criado de acordo com a Constituição, obedecia à lei e era fiscalizado adequadamente pela Assembleia da República. Além disso, as notícias vindas a lume eram pura especulação.
Ficariam V. Ex.ªs descansados? Claro que não! Eu também não fiquei.
Tudo indiciava que o SIS actuava fora do seu âmbito legal e constitucional e, pior que isso, desenhava-se uma cumplicidade natural entre a criatura, serviços de informação e, não o criador mas o seu directo beneficiário, o Governo PSD.
Natural cumplicidade porque todas ás actividades vigiadas, seguidas e fichadas, como fichados são os próprios cidadãos livres - «núcleos duros de manifestações e contestações», como declarou um responsável-, teriam como alvo político o Executivo maioritário de Cavaco Silva, que, como se sabe, é incontestável; natural cumplicidade, se tivermos em conta que o Primeiro-Ministro tem absoluta discricionariedade para permitir ou impedir os funcionários ou agentes do serviço de informações de depor em tribunal e que é o Ministro da Administração Interna quem fornece o relatório das actividades e esclarecimentos complementares ao Conselho de Fiscalização da Assembleia da República, numa total falta de transparência e de respeito pela interdependência dos órgãos de soberania.
É, pois, o responsável directo pelos serviços quem decide sobre o que é ou deve ser apresentado para fiscalização.
Mas é o próprio Conselho de Fiscalização, embora de uma forma elegante e conformada, que confessa anualmente a sua real incapacidade para fiscalizar o SIS, por falta não de vontade, admito, mas de meios. Aliás, o SIS protege-se insinuando que a sua natureza é secreta, como se tal fosse aceitável numa sociedade democrática.
Face ao sistemático carregamento de factos, indícios e razões para suspeita sobre o verdadeiro carácter do SIS, que mais se afigura como uma polícia política ao serviço do Governo, cada vez mais instrumento de absorção do Estado e da Administração Pública pelo partido maioritário, e tendo ainda em conta que esta promiscuidade nos tem dado exemplos, por essa Europa fora, de distorções democráticas gravíssimas que levam mesmo à desagregação das estruturas do Estado democrático, perdidas no pântano do compadrio, da perseguição e da corrupção, bem como que o agravamento da crise social tende a dar ao Governo um cariz cada
vez mais autoritário e autista, como o próprio Primeiro-Ministro evidenciou recentemente, quando declarou, sem um estremecimento ou um sequer ligeiro rubor, que não ouve e não sabe ou, ainda, que 90 % do que diz a comunicação social é mentira, conformando assim um Governo que só aceita saber e ser informado pelo que lhe dizem os seus órgãos próprios, ou seja, os serviços de informações, é lícito perguntar para onde caminhamos.
O SIS, que há 10 anos lança os seus contactos e as suas redes de informadores - e tantos que havia dos tempos da PIDE -, que tem como director um homem que construiu a sua competência nos serviços de Centralização e Coordenação de Informações de Angola, trabalhando as informações fornecidas pela PIDE, e outras, para detectar e garantir a neutralização e perseguição de democratas e nacionalistas, é um serviço de informações que não garante a defesa do Estado democrático, antes se tornou uma real e perigosa ameaça ao Estado democrático, se entendermos - eu entendo-o assim e VV. Ex.ªs também, por certo - que não há Estado democrático sem uma real e transparente garantia da democracia e da vida livre, sem constrangimentos e medos por parte dos cidadãos livres.
Por isso mesmo apresentei, na Mesa da Assembleia, um projecto de lei, datado de 27 de Abril de 1994, propondo a extinção do SIS, dado que este exerce actividades que se não coadunam com a lei e que a própria lei não permite pôr fim a tais práticas.
Ao riso incomodado, embora pretendo ser displicente, de alguns aqui nesta Casa e ao sorriso complacente e irónico de alguns outros, responderam muitos cidadãos conhecidos e reconhecidos na vida nacional, configurando um amplíssimo espectro de opinião que, séria e responsavelmente, apoiou publicamente a minha iniciativa legislativa.
Mas esta iniciativa ganha mais fundamento e consistência quando somos confrontados com as declarações do Procurador da República na Madeira e do Presidente do círculo judicial do Funchal, segundo as quais estes dois magistrados foram investigados pelo SIS. E isto depois da denúncia de que o Procurador-Geral da República, reconhecida figura de bloqueio, estava sob escuta telefónica. O Presidente do Tribunal de Contas, outra força de bloqueio reconhecida, também terá estado sob vigilância do SIS, aquando de uma auditoria a estes serviços.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O SIS não protege o Estado democrático. E o PSD não está sozinho no mundo, está fraternalmente enlaçado com os irmãos e com polícias secretas da Europa dos cidadãos, versão Schengen.
A Alemanha, que formou as polícias latino-americanas como as do Chile e Argentina, bem conhecidas dos tempos de Pinochet e Vidella, treina a polícia turca, altamente especializada em tortura e assassinato; de Espanha temos a garantia de que o franquismo não foi erradicado das polícias, antes lhes garante a espinha dorsal e a eficácia prova dela é o recente caso de corrupção, droga e venda de armas de um dos seus chefões; de Itália tivemos o recente presente de cinco ministros e inúmeros secretários de estado neo-fascistas, bem como a ameaça de uma preocupante votação nos fascistas para o Parlamento Europeu, depois do descalabro das estruturas do Estado; de França temos a tradicional eficácia, que se traduziu, por exemplo, na destruição à bomba, pelo SIS lá do sítio, de um navio

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da organização ecologista Green-Peace, na Austrália, em que morreu um fotógrafo português.
Claro que Portugal não pode ficar atrás, para ser desta Europa, do crime de Estado e perseguição aos cidadãos. Aliás, a DINFO já deu provas de que estamos à altura, com a sua implicação no caso do assassinato de etarras pelos grupos antiterroristas de libertação. Schengen une-os a todos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para coroar tudo isto caiem, do alto da sua inocência e permitam-me da sua estupidez, as declarações do Director do SIS na Madeira, que, como Ladeiro Monteiro, se treinou nos Serviços de Centralização e Coordenação de Informações de Angola.
Diz ele: «Uma das investigações do SIS, pretensamente a pedido do Ministro Dias Loureiro, procurou definir, através de opiniões recolhidas junto das populações, o perfil ideal dos candidatos do PSD/Madeira nas últimas eleições autárquicas. Dados particulares recolhidos sobre alguns dos nomes indigitados para as listas, como é o caso do presidente cessante da Calheta, terão levado o partido a substituir aquele autarca». E adianta: «Os recortes de imprensa constituem uma boa pista para as investigações deste serviço, que trabalha em ligação estreita com o Serviço de Estrangeiros.
A vida dos políticos, de um extremo ao outro, tem sido seguida atentamente pelos homens do SIS, que também seguiram atentamente o último verão quente de João Jardim, em Porto Santo».
Continuando a sua exposição: «Eles, políticos, estão conscientes de que nós sabemos como se faz política cá na terra (...). Só os menos informados é que podem estar preocupados. O presidente do Governo Regional, por exemplo, nunca deu indicação de estar contra a nossa missão».
As declarações do Director do SIS na Madeira conformam, Sr. Presidente e Srs. Deputados, crimes contra os direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados. Mais, revelam a utilização do SIS pelo PSD para vigiar os seus próprios militantes. Partido, Estado, secreta, indissoluvelmente ligados. A secreta ao serviço já não só do Governo mas também do Partido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante este escândalo, perante notícias, declarações, factos, evidências, revelações pelos próprios responsáveis investidos da mais serena consciência de impunidade, que dizem os responsáveis do Governo, nomeadamente o Primeiro-Ministro e o Ministro da Administração Interna? Que se houver factos há que punir os responsáveis.
E já se está a inventar um «siszinho», um bode expiatório, um qualquer agente que teria prevaricado. Tal manobra, na tentativa de desviar as preocupações da opinião pública, é inaceitável.
Não é disso que se trata. Há que assumir as responsabilidades políticas, pois não se trata de um cargo qualquer.

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
O cargo de director do SIS, dizia, não é isento de confiança política.
Para terminar, Sr. Presidente, considero que as declarações do Director do SIS na Madeira, só por si e independentemente de todos os inquéritos, exigem que o Primeiro-Ministro assuma as suas responsabilidades políticas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora proceder ao tratamento de assuntos de interesse político relevante.
Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Marília Raimundo.

A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O distrito da Guarda é hoje uma zona com «destino aberto», que começa a protagonizar a abertura de novos horizontes, a marcar uma maior afirmação das suas potencialidades naturais e do valor das suas gentes, bem como a reflectir com maior brilho a sua policromia ímpar.
Esses novos horizontes terão de passar, obrigatoriamente, pela existência de boas acessibilidades e pela implementação de uma malha rodoviária, interna, que permita uma rápida e harmoniosa articulação dos principais centros do distrito e, igualmente, com as localidades que - mercê da sua importância económica, histórica, monumental ou cultural- necessitam de ligações fáceis, rápidas e adequadas ao espaço europeu onde nos inserimos.
Assim, a tão ambicionada e falada auto-estrada entre Aveiro e Vilar Formoso seria, de facto, mais um valiosíssimo e indispensável contributo para o desenvolvimento desta região.
Evidentemente, o IP n.º 5 tem constituído um factor decisivo de desenvolvimento sócio-económico e cultural do distrito da Guarda. Pena é que a capital do distrito, a cidade da Guarda, não tivesse sido então dotada de acessos condignos ao referido itinerário principal.
Entendemos, contudo, que hoje - mercê do volume do tráfego rodoviário - se justifica fazer obras no IP n.º 5, procedendo ao seu alargamento e beneficiação, até como medida de reforço de segurança, bem como a execução de boas ligações, por via indirecta, devidamente sinalizadas e condignas às várias sedes de concelho.
Porém, em termos de vias de comunicação, é urgente e fundamental a conclusão do IP n.º 2, entre Bragança, Guarda e Castelo Branco, obra que vem, desde há muito, sendo reclamada pelas populações e pelas autarquias, e sem a qual o desenvolvimento de uma vasta região não será mais possível. Urge acelerar o início da construção do já anunciado troço Guarda/Covilhã.
A construção do IP n.º 2 deve, sim, dotar a Guarda de rápidos, seguros e funcionais acessos, devidamente ajustados aos actuais fluxos rodoviários.
Neste campo, como noutros, é desejável e será certamente salutar e vantajosa a colaboração estreita entre poder central e poder local, de forma a poderem ser concretizados os referidos acessos, os quais irão trazer enormes vantagens para a cidade da Guarda.
É um dado adquirido que o IP n.º 2 será um importante factor de desenvolvimento dos concelhos que vai servir, directa ou indirectamente, nomeadamente dos concelhos de fronteira - chamados raianos -, zonas cujo progresso tem sido travado pelas características das actuais estradas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda no domínio das vias de comunicação, não posso deixar de salientar a importância que terá, em termos de desenvolvimento de uma vasta zona, a construção da ponte de Barca d'Alva, anseio de há décadas das populações portuguesa e espanhola, cuja concretização tem tardado. Há projecto e há acordo; a Comissão de Limites está agora a preparar a convenção entre Portugal e Espanha, por isso urge construí-la.

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É igualmente necessário que se implemente, com a máxima urgência, a melhoria dos acessos à serra da Estrela, acessos que devem ser dotados com os indispensáveis sistemas de segurança, de forma a serem evitadas situações dramáticas e a viabilizar melhores condições para a intervenção de meios de socorro, sempre que necessário. A serra da Estrela é uma riqueza incomensurável que não tem sido aproveitada...
Mencionei a necessidade e as vantagens de rápidas ligações rodoviárias para concretizar um desenvolvimento, que se pretende integral e harmonioso.
Naturalmente, não esqueço também, a melhoria e beneficiação das ligações ferroviárias com a Guarda, nomeadamente as linhas da Beira Alta e da Beira Baixa. Quero congratular-me com o rápido andamento das obras de remodelação da linha da Beira Alta. A Guarda dispõe, actualmente, de boas ligações ferroviárias com Lisboa a esse nível, designadamente através do comboio intercidades, com carruagens mais modernas e confortáveis.
É, porém, necessário que a estação da Guarda seja objecto das obras de modernização previstas mas ainda não concretizadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se a aposta na melhoria das acessibilidades - nas vias de comunicação - é de primordial importância para o desenvolvimento do distrito da Guarda, a aposta nos recursos humanos, na educação é vital em todo o processo de desenvolvimento. E é-o ainda mais numa região de interior, em que a vida é difícil e que sempre se preocupou com a educação e o futuro dos seus filhos. Partilhamos da opinião de Francisco Sá Carneiro: «Um país é tanto mais rico quanto mais culto».
No distrito da Guarda muito se tem feito, nos últimos anos, em matéria de educação. Frequentam o ensino superior, oficial e particular, cerca de 4000 alunos. Em termos globais, e incluindo os alunos dos ensinos básico e secundário, só na Guarda estudam cerca de 8000 alunos, número significativo tendo em conta o total de habitantes da cidade.
O parque escolar do distrito satisfaz, genericamente, as necessidades, porém, há- como sempre - ainda falhas. Assim, vejamos: torna-se necessário acelerar a construção da escola C + S em Loriga e programar a construção de uma básica integrada na Guarda, fazer a ampliação da escola C + S de Fornos de Algodres, bem como construir um edifício próprio para a Escola Profissional de Trancoso. Deve ainda ser equacionada a transformação do pólo do Instituto Politécnico da Guarda, que se situa em de Seia, em escola superior de tecnologia e gestão.
É muito importante a aposta na criação de mais escolas profissionais, uma vez que o ensino profissional está pouco desenvolvido no distrito da Guarda, situação que tem de ser modificada.
Ainda neste sector do ensino, a questão das novas estruturas de apoio aos alunos dos ensinos básico e secundário não pode ser esquecida, sendo premente a construção de um maior número de residências de estudantes.
Ao nível do ensino superior na Guarda, torna-se necessário continuar a efectuar um esforço financeiro, no sentido de serem construídas novas residências de estudantes, correspondendo, assim, à positiva evolução que tem sido registada nos últimos anos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O distrito da Guarda enferma ainda de muitas carências. O sector da saúde é, desde logo, um dos que deverá continuar a ter uma atenção prioritária. Os serviços do hospital distrital da Guarda continuam dispersos por dois edifícios - um dos quais em pleno centro da cidade e o outro num extremo -, situação que tem originado desvantagens múltiplas.
Felizmente, as obras de ampliação do bloco do ex-Sanatório Sousa Martins, onde está actualmente instalada a sede do hospital distrital, começaram. Quando concluídas, dentro de dois anos, irão permitir, finalmente, a concentração de todos os serviços. E, então, teremos a assistência hospitalar a que todos temos direito.
Urge também acelerar o processo inerente às obras de ampliação do hospital de Seia. Em termos de centros de saúde, finalmente, o concelho de Almeida ficará dotado, no final do corrente ano, com novos edifícios: um na sede do concelho e outro em Vilar Formoso.
Encontra-se elaborado o programa funcional do centro de saúde de Aguiar da Beira e a construção dos novos edifícios dos centros de saúde de Celorico da Beira e de Trancoso vai iniciar-se ainda este ano. Está, igualmente, a ser elaborado o programa funcional do centro de Fornos de Algodres, que é absolutamente necessário. É, pois, um grande esforço que se está a fazer na área da saúde.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste quadro que estou a traçar relativamente ao distrito da Guarda, não poderia deixar de evidenciar as suas potencialidades naturais, sobretudo ao nível dos recursos hídricos.
Destaco, desde já, a construção da barragem do Côa, em Vila Nova de Foz Côa, que, entre outras vantagens, trará um eminente contributo para o desenvolvimento agrícola e económico da região norte do distrito, que melhorará, bem como a própria Vila Nova de Foz Côa, até pelas contrapartidas que a autarquia conseguiu da EDP.
Assumiria uma enorme importância para o desenvolvimento e o progresso a construção das barragens de Almeida, no rio Côa, e da Senhora da Graça, no Sabugal. São anseios de há muitos anos e trarão enormes benefícios para todas estas regiões.
Há, igualmente, recursos hídricos que podem ser aproveitados - alguns estão a sê-lo-ão através da construção de mini-hídricas. Globalmente, estes empreendimentos podem articular-se, de forma eficaz, com o aproveitamento turístico de muitas das nossas riquezas naturais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na área do turismo, de facto, o distrito da Guarda oferece condições para a implementação de investimentos e de múltiplos projectos.
A norte, existe o Douro (com a vinha, a amendoeira em flor e os encantos da zona duriense); a sul, a Serra da Estrela (a neve, a serenidade e imponência dos rochedos graníticos, as lagoas e a flora); uma região onde «O céu turva de branco e a neve coalha na Serra», como escreveu Nuno de Montemor; uma região onde floresce a atraente paisagem e onde se podem ainda contemplar «as manchas cinzentas das aldeias madrugadoras, embuçadas nos primeiros fumos das lareiras acesas»; a floresta, a Serra da Malcata, os rios, as tradições, os inúmeros centros históricos e monumentais, e um ambiente que muitos invejam.
O aproveitamento turístico de algumas localidades históricas do distrito (citemos, a título de exemplo, Sortelha, Linhares da Beira, Marialva e Castelo Mendo) encerra um enorme campo aberto à iniciativa privada.
Ainda na área do turismo, quero realçar as vantagens que pode trazer o aproveitamento das águas termais do distrito.

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Este aproveitamento poderá e deverá ser acompanhado da construção de novas unidades hoteleiras, e melhoria das actuais, bem como da redefinição na localização de novos parques de campismo.
O desenvolvimento do agro-turismo e do turismo de habitação pode constituir uma outra importante vertente.
Para além disso, tendo em conta a realidade histórica, cultural e monumental do distrito da Guarda, o seu património, aliás vasto, deverá ser objecto de grande atenção por parte do poder local e do poder central, conjuntamente.
Quero aqui fazer ressaltar a necessidade de salvaguarda e beneficiação do antigo Paço Episcopal da Guarda, um edifício profundamente ligado à história da cidade e da diocese.
Não pode também ser esquecida a recuperação de alguns centros históricos e de monumentos de arquitectura militar do distrito.
É que, no contexto europeu em que estamos inseridos, devemos, mais do que nunca, valorizar a nossa cultura, salvaguardar a nossa própria identidade como povo e como nação. Como escreveu Miguel Torga, cada povo tem «um modo próprio de ser e de proceder, que se não pega, que se não transplanta, que o cosmopolitismo esfuma mas não apaga, que é uma maneira vital específica de estar no mundo.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao traçarmos esta breve análise, não queremos deixar apenas os tons claros e promissores do futuro, mas estamos também a considerar a sua ligação com outros cambiantes, que fazem parte do conjunto de questões que têm de ser consideradas. Questões que têm a ver com o futuro e devidamente enquadradas no todo nacional, de forma a ombrearmos com os padrões comunitários.
A população do distrito da Guarda é bastante envelhecida, tendo diminuído a população activa residente.
As consequências da emigração, que afectou de uma forma muito especial o distrito da Guarda, são hoje bem mais visíveis, a este nível.
Daí que seja prioritária uma acção e uma actuação da Segurança Social, no sentido de responder às carências da população mais idosa. É, pois, necessário encarar a construção de novas estruturas de apoio neste sector.
É certo que muito se fez, muitos projectos nasceram das Instituições Privadas de Solidariedade Social com o apoio do Governo, que tiveram sempre presentes as necessidades dos idosos e da infância. Importa, pois, continuar esse trabalho.
Mas o pulsar do desenvolvimento do distrito está também patente nalgumas obras em curso, como, por exemplo, na construção do Centro de Emprego e Formação Profissional da Guarda, que decorre em bom ritmo, o que permitirá à cidade ficar dotada, finalmente, de um centro digno. É necessário criar também um centro de emprego em Pinhel. É preciso propiciar novas condições para dar resposta à formação profissional e às questões do emprego. Isto, porque se torna cada vez mais imperioso adequar o factor humano às novas realidades da indústria moderna bem como da situação económica e empresarial.
Aliás, muito espera o distrito da Guarda da dinâmica dos seus empresários, que, hoje, têm na Guarda uma excelente estrutura para a realização de actividades, exposições e múltiplas iniciativas, que sirvam para projectar as empresas ou para um relacionamento profundo com outras regiões. Isto, para além da actividade que o NERGA tem sabido, com êxito, promover. Os jovens passarão também a dispor, dentro em breve, de uma moderna pousada da juventude, na Guarda, cuja construção está praticamente concluída.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também ao nível da actividade agrícola - e o distrito da Guarda é uma zona essencialmente agrícola - deve implementar-se uma nova dinâmica, um maior apoio aos agricultores e um melhor esclarecimento em relação a programas ou acções de que podem beneficiar.
Quero congratular-me aqui com a instalação, na Guarda, da Delegação Regional do Instituto Florestal, que veio contrariar um certo esvaziamento da cidade, capital de distrito, em termos de estruturas e serviços, que a população sente como perdidos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O distrito da Guarda tem registado um acentuado decréscimo da sua população activa, bem como uma significativa baixa na taxa de natalidade. É uma zona que, em muitas terras, caminha para a desertificação, lembrando o quadro de Torga, quando fala das «aldeias mortas, as silvas a apertar num abraço maninho, paredes que cercaram calor humano»; uma zona onde, em larga percentagem, é ainda praticada uma agricultura de subsistência e onde o sector florestal tem vindo a ser dizimado, impiedosamente, pelos fogos florestais, sem que acções importantes tenham sido implementadas para substituir a mancha florestal.
Mas, simultaneamente, é um distrito, até pelo que já atrás referi, que guarda perspectivas plurifacetadas de desenvolvimento e de futuro promissor.
A valorização dos recursos humanos, a modernização do tecido produtivo e o melhoramento das infra-estruturas são, aliás, linhas estratégicas do Plano de Desenvolvimento Regional, que deverão conduzir à redução das disparidades regionais e à coesão social, por um lado, e, por outro, à melhoria da qualidade de ambiente e da qualidade de vida.
O distrito da Guarda, ao longo dos tempos, tem demonstrado uma identidade bem própria, aspectos humanos, sociais, culturais e económicos que constituem raízes profundas da sua vivência e da sua presença no contexto nacional.
Tem de assumir as suas esperanças, lançar novos projectos, enfrentar os novos desafios; é preciso que a sociedade civil da região, com capacidade e motivação suficiente, avance, decididamente, com um novo protagonismo e pragmatismo, sem estar à espera do intervencionismo do Estado.
Consideramos, pois, ser este o momento em que pode consubstanciar-se um esforço conjunto, empenhado e actuante do Estado e da sociedade civil para se definirem novos horizontes para o distrito da Guarda. Esperemos que surjam projectos de qualidade e que impere o associativismo e a solidariedade indispensáveis para a sua concretização.
É que, neste processo, assumirá uma destacada importância a cooperação e o relacionamento entre as instituições, entidades e pessoas, cuja dinâmica mais tem sobressaído no cenário distrital; cooperação essa que, simultaneamente, seja motivadora, actuante e reivindicativa.
Naturalmente que isto deverá processar-se sem esquecer que o distrito da Guarda é, e continuará a ser, uma das principais vias para a Europa comunitária, a que, por direito, pertencemos, sem abdicarmos da nossa identidade e dos nossos valores.

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«O que é importante (...)»- como escreveu Agostinho da Silva - «(...) é que nunca percamos a fé nem a esperança e que se comporte cada um de nós dentro do possível e, sobretudo, do impossível.»

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Marília Raimundo, gostaria de realçar que a Sr.ª Deputada, ao abordar este tema na Assembleia pôs em evidência as debilidades de um distrito do interior. Debilidades e carências de que são inteiramente culpados o partido a que pertence o Sr. Deputado Silva Marques, o PSD, e o Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esta é que é a realidade do País e não os discursos políticos, que por aí se fazem.
Sr.ª Deputada, gostaria que tivesse defendido aqui medidas capazes de compensar os vitivinicultores e os fruticultores pelas geadas que ocorreram, por exemplo, no concelho de Pinhel, em Abril.
Gostaria também de tê-la visto defender aqui a construção, na Região Demarcada do Douro, de uma via de comunicação paralela ao Douro, ligando Lamego a Figueira de Castelo Rodrigo, que tão importante seria para o desenvolvimento turístico daquela região.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Lá chegará!

O Orador: - Por último, gostaria ainda de tê-la ouvido defender aqui claramente que só com a criação de regiões administrativas seria possível às regiões do interior ultrapassar as graves situações de carência em que se encontram.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso está tudo no PDR!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Marília Raimundo.

A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Martinho, agradeço-lhe as perguntas que me fez, melhor dizendo, que não me fez.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, não compartilho as suas opiniões nem tenho uma visão miserabilista acerca do distrito da Guarda. Antes pelo contrário, e como, aliás, ficou bem vincado na minha intervenção, tenho uma ideia de mudança - mas uma mudança que deve ser progressiva.
Também não considero que o Sr. Deputado tenha razão nas suas afirmações, dado que não me esqueci de salientar na minha intervenção- e o senhor sabe-o, até porque conhece bem a realidade daquele distrito - o facto de, só na cidade da Guarda, 8 000 jovens frequentarem os vários estabelecimentos de ensino. Referi igualmente que só no ensino superior oficial e particular existem, na cidade da Guarda, 3 500 a 4 000 alunos, o que era perfeitamente impensável há quatro ou cinco anos atrás. Disse também que o parque escolar do distrito é moderno e pedagogicamente adequado, faltando apenas - e o Sr. Deputado sabe que falta sempre alguma coisa no sistema educativo- o alargamento de duas escolas e a construção de uma EBI (escola básica integrada), que, aliás, é um conceito novo no nosso sistema educativo.
Portanto, a aposta nos recursos humanos - e essa tem sido a aposta do Governo no distrito - tem sido, em minha opinião, ímpar. E como o futuro está nos recursos humanos, tem sido uma boa aposta, relativamente à modernização e ao progresso do distrito.
Por outro lado, também mencionei - e volto a repeti-lo aqui - que a primeira via a ser construída no interior foi o IP n.º 5, que trouxe um grande desenvolvimento a toda essa zona e que aproximou o interior do litoral. É evidente que, hoje, Sr. Deputado, o IP n.º 5 é claramente insuficiente e precisamos do IP n.º 2- se calhar, daqui a 5 ou 10 anos, vamos precisar de outras vias, porque o tráfego, certamente, vai aumentar!
Assim sendo, recuso-me a ver as coisas por esse prisma tão • negro. Aliás, ainda recentemente os Srs. Deputados membros da Comissão de Saúde visitaram o distrito da Guarda e constataram - como também salientei ao longo da minha intervenção- o esforço que tem sido feito na construção de infra-estruturas na área da saúde.
É, porém, minha obrigação não olhar apenas para o passado e querer um futuro mais promissor. Por isso, concordo que muito é necessário ainda fazer- e disse-o na minha intervenção -, mas também muito já tem sido feito, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A recente descoberta de um microfone clandestino no gabinete do Procurador-Geral da República e a investigação abusiva de magistrados - acontecimentos por todos reputados de muito graves e a exigir cabal apuramento, custe o que custar e doa a quem doer-, indiciando escutas e investigações à margem da lei, no próprio coração de órgãos superiores do Estado, veio colocar, na ordem do dia, a exigência de saber como se estão a processar as actividades dos serviços de informações e das polícias de investigação e de que modo são ou não salvaguardados direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.
Questões tanto mais relevantes e actuais, a exigir completa clarificação, quanto se torna evidente uma progressiva deterioração de confiança, por parte dos cidadãos, na probidade de órgãos institucionais que têm por missão fundamental garantir a segurança e contribuir para a realização de interessas estratégicos do Estado.
Um tal clima de suspeição sobre a eventualidade de atropelos graves à legalidade democrática afecta, necessariamente, a própria credibilidade do Estado de Direito.
O Governo e a maioria parlamentar são objectivamente responsáveis por deixar apodrecer situações de ambiguidade e de irregularidade que estão a comprometer a credibilidade das instituições, em áreas tão

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sensíveis como são as de recolha e tratamento de informações e da investigação.
O Governo é particularmente responsável pela confusão estabelecida entre actividades policiais, produção de informações de segurança e funções dos serviços de informação militar.
Em parte, tal decorre das missões e prioridades manifestamente erradas atribuídas ao Serviço de Informações de Segurança (SIS), admitindo o seu envolvimento em acções abertas da sociedade civil, manifestamente insusceptíveis de pôr em causa a segurança interna.
E, como insistentemente tem sido referido pelo Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação, é insustentável a confusão reinante entre actividades dirigidas à recolha de informações estratégicas de defesa e recolha de informações de natureza especificamente militar. Tal como não pode tolerar-se a suspeita, em aberto e posta igualmente em evidência nos relatórios do Conselho de Fiscalização, de que polícias de investigação desenvolvam actividades de recolha de informação sem suficiente enquadramento processual e controlo jurisdicional, dando até azo a verdadeiras situações de conflitualidade, no terreno, entre acções da polícia e acções de agentes de informação.
Assim, acuso sustentadamente o Governo de incontornáveis responsabilidades políticas, designadamente: quando recusa à Procuradoria-Geral da República os meios solicitados para que melhor possa desenvolver a sua acção de garantia da legalidade;...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... quando admite a possibilidade de acções policiais de investigação em fase de pré-inquérito, susceptíveis de desenvolvimento à margem de um controlo judicial efectivo; quando, por forma totalmente escandalosa e sem qualquer desculpa, mantém, desde 1985, o Sistema de Informações da República (SIR) a funcionar contra a Constituição e a lei, recusando a criação do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e atribuindo as suas competências às informações militares- DINFO -, conferindo-lhes missões que a Lei de Defesa Nacional não comporta e fazendo-o por decisão administrativa, sem competência legal do Primeiro-Ministro para o efeito; quando permite também que entre as actividades do SIS e as missões da Polícia Judiciária subsistam ambiguidades quotidianas, num quadro que em nada facilita a compreensão da natureza própria de cada organismo, e quando, com indiferença às consequências do facto, tem permitido a livre comercialização de instrumentos de tecnologia sofisticada, susceptíveis de utilização claramente conflituantes com a privacidade dos cidadãos.
Ninguém, por isso, se poderá agastar pela degradação geral do clima de confiança, todavia vital numa área absolutamente sensível da vida democrática.
Avisámos o Governo, em tempo mais do que oportuno, logo em 1986, em audiência do PS com o Primeiro-Ministro. E, por anos sucessivos, temos subido a esta tribuna para avisar dos pengos, apontar as soluções e chamar a atenção para o risco que consistiria em deixar suscitar uma onda de suspeita legítima contra os mecanismos da segurança do Estado e da sociedade, no seu conjunto.
Adivinha-se, agora, que o Governo, de há muito entretido num jogo surdo de rivalidades por poderes e influências dos seus ministros sobre o aparelho de Estado, pretenderá alterar a estrutura legal do sistema de informações. Muito provavelmente, para reproduzir os piores erros por que tem vindo a ser criticado, ao recusar clarificar as fronteiras, absolutamente distintas, da segurança interna, da segurança externa e da segurança militar.
O que é insustentável, em qualquer caso, é a forma secretista como o Governo continua a encarar um problema cuja configuração tem de ser, abertamente e sem reservas, discutida à luz da opinião pública.
Temos, por outro lado, admitido reapreciar as condições legais e funcionais do exercício do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação e da sua articulação com a Comissão de Fiscalização de Dados.
Têmo-lo feito trazendo a este Plenário as próprias preocupações nesse sentido expressas pelo Conselho de Fiscalização.
Fazemo-lo considerando que o Estado democrático não pode prescindir das suas próprias defesas e descurar-se, em face dos riscos dia-a-dia mais complexos a que é necessário fazer frente, sobretudo num contexto de abertura de fronteiras e de partilha de espaços alargados de circulação.
É, por isso, tempo, mais do que tempo, de reconstituir um clima de confiança indispensável ao bom funcionamento do Estado de Direito, promovendo-se uma avaliação dirigida ao apuramento das condições de funcionamento concreto de serviços de informações, polícias e outras forças de segurança, particularmente na óptica da garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos.
Para tanto, anuncio a apresentação de um inquérito parlamentar, visando avaliar, nomeadamente: as condições de exercício das actividades de investigação policial no que respeita às garantias de não ingerência ilegal nas telecomunicações e na vida privada dos cidadãos;...

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - ... os modos em concreto de produção de informações, tanto por parte do SIS quanto das informações militares; o tratamento dos dados e ficheiros pessoais por parte das diversas polícias e serviços de segurança; as condições em que operam os agentes privados de investigação e de segurança; as condições ainda em que se processa o exercício das modalidades institucionais de fiscalização tanto de serviços de informações quanto dos serviços de polícia.
Porque queremos um Estado democrático, capaz de assegurar condições simultâneas de liberdade e de segurança, não caímos na tentação de supor ser necessário sacrificar a segurança para garantir a liberdade ou, muito menos, comprometer as liberdades por causa da segurança.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:- As regras de transparência, para serem efectivas, têm, no entanto, de assentar em práticas institucionais inteiramente transparentes e reguladas por lei.
Não pactuamos com mais inércias e cumplicidades.
É o primado da transparência de processos e da legalidade que importa assegurar, fazendo o que deve ser feito - um inquérito esclarecedor e conclusivo -, para bem da liberdade, da segurança e do Estado de direito.

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Sr. Presidente e Srs. Deputados, de seguida, vou justamente entregar na Mesa o teor do pedido de inquérito parlamentar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados José Puig e Narana Coissoró.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, ouvi-o com a maior atenção e, aliás, com alguma natural expectativa, porque, hoje, a comunicação social tem noticiado a sua intervenção com algum impacto. Afinal, ela não a merecia, pois nela não aparece qualquer dado novo e os factos apontados são um pouco repetidos. Isso também é natural, dado que não podemos- e com nenhum de nós isso acontece-, naturalmente, estar inspirados todos os dias ou, pelo menos, dia sim, dia não!
Sobre esta matéria, queria colocar-lhe algumas questões muito concretas, que gostaria que comentasse.
No que se refere às actividades do Serviço de Informações de Segurança, algumas das questões, como eu disse, são repetidas e, em meu entender, já tiveram tantas respostas de órgãos tão credíveis e competentes nesta matéria que não sei como é que pode haver coragem de as trazer aqui novamente e no mesmo tom com que se traziam há um, dois, três ou quatro anos.
Se não, vejamos: actividade do SIS e a questão das manifestações. Na parte inicial da sua intervenção, dá impressão que esse é o grande objectivo e a grande actividade desse serviço, mas, se analisar o relatório do SIS sobre segurança interna, verificará que é uma pequena parte. Já aqui vimos isso aquando do debate a propósito do parecer do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação, em que ficou demonstrado que são apenas algumas pequenas linhas numa boa meia dúzia de páginas, pelo menos.
Aliás, o próprio parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, orgão competente nessa matéria, que está exposto no relatório do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação, não lhe deve deixar quaisquer dúvidas, mas, se tal acontecer, tem de o analisar melhor, pois todas as instituições que neste país tratam deste assunto e que nos merecem - e creio que a si também - respeito, ou seja, o Sr. Procurador-Geral da República, o Conselho Consultivo da Procuradoria, o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação, têm uma opinião clara, unânime e consensual sobre isso, não deixando quaisquer dúvidas. Não percebo porque é que continua a levantar estigmas sobre esta matéria!
A proposta de lei ainda não chegou, mas devo dizer que já se falou aqui nela várias vezes e parece-me que a sua apresentação ocorrerá a breve prazo. Iremos, com certeza, ter muito tempo de debate quando ela chegar, mas, de qualquer forma, quero lembrar-lhe que não vale a pena escamotear as reais questões que se irão colocar no dia em que essa proposta de lei for aqui discutida.
Essas questões são as que são levantadas pelo Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação, cujas grandes preocupações são: primeiro, a criação do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e, segundo, que esse serviço não seja tutelado pelos militares, porque estão expostos no relatório os perigos e os riscos que tal postura poderia trazer para o bom funcionamento do nosso sistema de informações. Esta foi a questão que o Conselho sempre levantou e também que os Srs. Deputados sempre levantaram.
Se essas questões não vierem aqui com o sentido que a vossa expectativa pensa, não vamos escamotear isso e arranjar agora outras.
Depois, o Sr. Deputado citou algumas partes dos relatórios do Conselho de Fiscalização...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que conclua.

O Orador: - Sr. Presidente, termino já.
Vou ultrapassar esta parte e entrar imediatamente na questão da apresentação do pedido de constituição de uma comissão de inquérito.
Vamos ser francos, Sr. Deputado: se o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação tem as competências legalmente determinadas, e V. Ex.ª sabe que tem; se é constituído por pessoas que lhe merecem toda a confiança, e o Sr. Deputado nunca disse o contrário; e se, como sabe, o seu partido até está lá representado de forma cabal e plena- mas isso não é o mais importante-, porquê retirar-lhe competências, que são próprias, e passá-las para esta Assembleia, que não tem os mesmos meios?! Se é essa a questão, lembrava-lhe que, ontem, na reunião do Conselho de Ministros, o Ministro da Administração Interna disse, a propósito de determinada questão, que o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação terá todas as competências e poderes que entender para exercer as suas funções.
Para terminar, pergunto-lhe muito concretamente se o Sr. Deputado pertencesse ao Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação e alguém aqui pretendesse a constituição de uma comissão de inquérito como esta que o PS pretende constituir, ultrapassando corripletamente as competências que lhes estão atribuídas, a porta ou o caminho que lhe restava era ou não o da demissão imediata daquele órgão?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, solicitando-lhe que seja sintético.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que da nossa parte não haverá qualquer impedimento para que se faça o inquérito parlamentar, a fim de apurar as responsabilidades de quem quer que seja e muito mais das polícias que, neste momento, atormentam, segundo parece, a bancada do Partido Socialista.
Dito isto, quero perguntar-lhe, em primeiro lugar, para que é que serviram tantas audiências com os ministros e tantos debates que aqui tiveram lugar aquando da discussão da Lei de Segurança Interna ou da lei que confere competência à Polícia Judiciária para fazer os chamados pré-inquéritos? Esta lei foi ao Tribunal Constitucional e voltou, houve três ou quatro debates sobre essa matéria e sobre os factos que aqui foram trazidos, tanto em declarações políticas como em declarações parcelares e sectoriais.
Tudo isto leva a crer que o Partido Socialista nunca fica satisfeito com o que quer que seja, isto é, tem uma ideia fixa de que é preciso apresentar uma proposta de

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inquérito para desviar a atenção da comunicação social do País em geral. O partido da oposição quer um inquérito porque não está satisfeito com tudo aquilo que se passou? Mas, então era preciso rebater aquilo que os ministros sempre disseram.
Primeiro, o Partido Socialista disse que era inconstitucional a atribuição dada à Polícia Judiciária, e nós também o dissemos, mas hoje temos de aceitar a decisão do Tribunal Constitucional. Estamos num Estado de Direito e se passamos por cima dos acórdãos do Tribunal Constitucional só porque eles não lhes agradam, não sei como é que o Partido Socialista pode viver tanto no Governo como na oposição.
Quanto às manifestações, já aqui foi referido - e já foram feitos os protestos - que não há qualquer prova de que aqueles factos que foram atribuídos ao SIS se verificaram, e eles foram investigados pela Comissão de Fiscalização dos Serviços de Informação. O Partido Socialista, de duas uma, ou propõe publicamente, daquela tribuna, a demissão do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação ou retira dele os seus membros.

O Sr. José Puig (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Agora, não pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo, isto é, por um lado manter dois dos seus membros nessa Comissão e, por outro, vir aqui pôr em causa aquilo que eles escrevem, fazem, dizem e submetem à aprovação da Assembleia, com o voto favorável do Partido Socialista, dado que todos os relatórios de segurança foram votados por ele. É que manter estes membros do Partido Socialista na Comissão de Fiscalização dos Serviços de Informação e, depois, tirar-lhes o tapete... O Sr. Deputado sabe quanto custa quando se tira o tapete no melhor da festa!...
Em primeiro lugar, queria perguntar-lhe o seguinte: é realmente desejo do Partido Socialista fazer um inquérito, quando sabe que o Parlamento não tem meios para o fazer e que ele nunca se fará nesta sessão legislativa?
Em segundo lugar, desejava saber porque é que não está satisfeito e como é que expressou essa sua insatisfação perante as audições parlamentares sobre todos os aspectos que foram aqui referidos por V. Ex.ª.
Em terceiro lugar, queria referir aqui o grave erro em que V. Ex.ª incorre ao pedir este inquérito. É que os inquéritos incidem sobre factos concretos, como diz a lei dos inquéritos, a Constituição, o Regimento da Assembleia da República e como se sabe que é da prática democrática.
V. Ex.ª veio aqui com insinuações e com vaguidades, como, por exemplo, quando disse que a SIS vai para as manifestações da sociedade civil, que em nada põem em perigo a segurança interna. Trata-se de uma mera afirmação, como qualquer outra. O inquérito não se faz sobre as opiniões por mais ilustres que elas sejam, mas, sim, sobre factos e V. Ex.ª não trouxe um único facto concreto sobre o qual o Parlamento deva debruçar-se para pedir o inquérito.
Portanto, isto não passa de uma petição inepta, pois não tem causa de pedir, tem apenas o pedido. V. Ex.ª traz ao Parlamento um inquérito inepto para, depois, dizer perante a opinião pública que ele foi pedido que a maioria o «chumbou».
O CDS-PP não o vai «chumbar», mas quero que fique bem claro perante a comunicação social que o Partido Socialista não tem rigor naquilo que faz, porque traz à Assembleia da República propostas absolutamente ineptas sobre o ponto de vista legal.

O Sr. José Puig (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, queria responder globalmente às perguntas que me foram colocadas pelos Srs. Deputados José Puig e Narana Coissoró, se nisso não virem inconveniente.
Quero, desde já, lembrar o seguinte: o Partido Socialista, desde 1986 para cá- e estamos em 1994 -, ano após ano, subindo àquela tribuna, avisou sucessivamente o Governo para o grave dano que se cometeria perante o País se ele persistisse, como revela, no incumprimento do Sistema de Informações da República, de onde poderia decorrer - e o aviso foi sempre sendo feito - uma degradação das relações de confiança psicológica dos cidadãos e da opinião pública em geral, relativamente a instituições que são necessárias ao funcionamento do Estado democrático, mas cujas modalidades de funcionamento devem corresponder a práticas assentes na lei e na base de uma lei claramente transparente quanto ao seu cumprimento.
Ora, como os Srs. Deputados sabem, a verdade é que o Governo persistiu como completamente incumpridor do Sistema de Informações da República até hoje e, como se isso não bastasse, como se lê no relatório do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação, atribuiu por acto administrativo, por despacho interno, funções legais atribuídas ao SIED às informações militares, criando uma total inadequação entre as funções militares e justamente outro tipo de funções que lhe estão vedadas nos termos da Constituição e da lei.
Por outro lado, matéria sempre aludida nos relatórios do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação, nunca foi possível ao próprio Conselho estabelecer uma determinação clara das fronteiras de intervenção entre certos domínios dos actos de investigação no plano policial e domínios de recolha de informações na área do Serviço de Informações de Segurança. E esta ambiguidade de fronteiras tem mesmo dado azo a que haja indícios, muito evidentes, de conflito no terreno entre acções de polícia e acções de agentes de serviços de informação.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Não posso permitir a interrupção porque o Sr. Presidente me pediu um grande espírito de síntese.
Por outro lado, também têm vindo a lume preocupações relativamente a desregulações virtuais de conduta entre sistemas legais e as próprias acções de entidades privadas em domínios de investigação e de segurança.
Srs. Deputados, são muitas coisas ao mesmo tempo que devem merecer uma ponderada avaliação por parte desta Assembleia, em sede de inquérito, não para o dirigir à determinação deste ou daquele facto singular mas, sim, ao modo global como estas entidades funcionam, tendo em atenção algo de absolutamente indispensável, a protecção dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.

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O propósito do inquérito proposto pelo Partido Socialista é, no essencial, poder contribuir para que, feita uma avaliação dos procedimentos concretos ao nível de instituições policiais e de instituições de recolha de informações, possamos, no final, concluir em termos de dar credibilidade junto da opinião pública a áreas tão sensíveis do Estado de direito, que muita gente hoje, como se está a ver, já propõe a própria extinção de instituições dessa natureza.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - O Major Tomé!

O Orador: - Não é apenas o Sr. Deputado Mário Tomé!
Srs. Deputados, se há alguma culpa ou responsabilidade não é da iniciativa do PS, apresentada em 1994, depois de o Governo, desde 1985, persistir na irregularidade ao nível do cumprimento do Sistema de Informações da República. Se há alguma culpa ou alguma responsabilidade, ela é da maioria e do Governo. E o crédito de confiança que hoje está posto em causa e tem de ser restabelecido é também, neste momento, uma responsabilidade da Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 45 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos ao primeiro ponto do período da ordem do dia, a apreciação do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo ao requerimento de adopção de processo de urgência do projecto de lei n.º 336/VI- Altera a composição dos Serviços de Informação (alteração à Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro) (PCP).
Para apresentar a síntese do relatório, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, a sua lembrança de síntese desta vez não cairá em «saco roto», visto que serei muito breve!
O processo de urgência encontra-se regimentalmente previsto no artigo 285.º e seguintes do Regimento e não conduz, ao contrário do que poderá parecer através de uma leitura mais apressada, a qualquer prioridade no agendamento do respectivo projecto ou proposta de lei ou de resolução mas à redução do tempo do respectivo processo legislativo, quer em termos de Plenário quer em termos de comissão, e pode traduzir-se, em concreto, na dispensa do exame em comissão ou na redução do respectivo prazo. No caso concreto, não se vê qualquer utilidade nisso, desde logo pela importância do diploma e, depois, porque o projecto de lei foi apresentado há quase um ano, sendo, portanto, essa redução de prazo impraticável.
Quanto à possibilidade da redução do número de intervenções em Plenário e de duração do uso da palavra quer dos Deputados quer do Governo, dada a importância, a sensibilidade e a complexidade do tema em questão, aquela também não nos parece recomendável. Assim, a única consequência prática da aprovação do processo de urgência, retiradas aquelas duas, será a da redução do prazo de redacção final do projecto lei de cinco para dois dias. Dado não haver qualquer outra consequência prática deste pedido de urgência senão a última que referi e tendo em conta a sua insignificância, foi votado favoravelmente pela Comissão. Devo dizer, ainda, que o relatório foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, conforme o deliberado na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, cabem 5 minutos a cada grupo parlamentar para se pronunciar sobre a urgência na discussão deste projecto de lei.
Como autor do projecto, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como resulta do relatório aprovado na Comissão e que acabou de ser sintetizado, um pedido de urgência não tem os seus efeitos principais na tramitação processual de determinado projecto de lei. Mas isso não retira a um pedido de urgência alto interesse e significado. É que, através dele, o Plenário é confrontado com uma opção política: a de considerar se certa matéria exige ou não tratamento legislativo urgente pela Assembleia da República.
Com o pedido de urgência para o projecto de lei n.º 336/VI, o PCP confronta o Plenário da Assembleia com a necessidade urgente de ser aprovada legislação que reforce os poderes do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações de Segurança e que melhore e alargue a sua composição. Este é o exacto objecto deste debate.
O PCP há muito que defende a necessidade dessa reforma legislativa quanto aos poderes e composição do Conselho de Fiscalização. Apresentámos o projecto de lei n.º 336/VI há quase um ano mas as reacções dos outros partidos parlamentares não só não foram favoráveis à consideração urgente da matéria como alguns partidos anunciaram a própria rejeição da iniciativa. Neste momento, com os escândalos que têm vindo a público em torno da actividade dos Serviço de Informações de Segurança, torna-se mais patente e mais inquestionável a necessidade de debater e aprovar, com urgência, nova legislação relativa ao Conselho de Fiscalização.
O projecto do PCP aborda, como referi, duas questões, sendo uma delas a questão da composição do Conselho. Sem prejuízo da importância que atribuímos a essa questão, quero sublinhar, na fundamentação deste pedido de urgência, a questão dos poderes do Conselho, porque essa é a questão prioritária. Se se alterasse a composição sem se alterarem os poderes, permaneceria a mesma ineficácia do Conselho, mas se se reforçarem os poderes, mesmo conservando a composição, acreditamos que melhoraria a fiscalização.
É, pois, a questão dos poderes que colocamos como questão central deste pedido de urgência.
A situação actual é absolutamente inaceitável e representa o descrédito do sistema e o do próprio Conselho. De facto, a lei - artigo 8.º da Lei n.º 30/84 - diz que os serviços submetem ao Conselho, anualmente, «relatórios de actividade» e que ao Conselho assiste o direito de «requerer e obter dos Serviços de Informações, através dos respectivos Ministros da tutela, os esclarecimentos complementares aos relatórios que considere necessários». Isto é, a lei só permite o acesso do Con-

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selho de Fiscalização a informação trabalhada e filtrada, o que significa que o Conselho fica totalmente na dependência dos serviços fiscalizados e daquilo que eles próprios quiserem contar acerca da sua actividade!
E o próprio Conselho de Fiscalização, nos relatórios apresentados à Assembleia, que alerta para a conveniência daquela reforma, para a necessidade de «um quadro legal que possibilite uma fiscalização eficaz» e «não dependente da boa ou má vontade dos membros do Governo» - são duas citações do último relatório. Será escandaloso e reverterá numa completa inversão de posições se se verificar que o orgão de fiscalização depende das benesses do membro do Governo responsável pelos serviços para poder fazer isto ou aquilo. Isso será pôr o fiscal nas mãos do fiscalizado!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PCP entende que, enquanto o Conselho de Fiscalização não tiver o poder de inspecção directa e sem pré-aviso, não se poderá falar de verdadeira fiscalização. E não há artifícios que possam escamotear isso. Não se argumente nem com «benesses ministeriais», porque essas põem o Conselho numa posição subalterna, nem com eventuais investigações bem sucedidas, que neste momento o Conselho só pode realizar se estas forem autorizadas pelo Governo e se este tiver interesse nisso.
A questão que está submetida a apreciação é, pois, a questão política que acabei de descrever. Se a Assembleia a considerar positivamente, se entender que é urgente a apreciação desta matéria, o efeito não são as escassas consequências regimentais que o Regimento permite. O efeito é político, mostra que a Assembleia considera a situação actual insatisfatória e inconveniente e constitui-a no dever de alterar esta situação.
Esperamos que o sinal dado pela Assembleia seja o da necessidade de avançar rapidamente com este processo legislativo.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, apenas para dizer que, embora não concordemos com o teor dos fundamentos avançados pelo PCP para justificar a urgência na discussão do seu projecto de lei, não lhe regatearemos o nosso voto. Simplesmente, sabemos qual é verdadeiro problema do PCP e é necessário que tal conste em acta: o PCP nunca aceitará qualquer comissão de fiscalização em que não se encontre presente.
A maioria desta Assembleia naturalmente que votará conforme a sua consciência qualquer conselho de fiscalização que, em substituição deste, o PCP queira aqui apresentar. O CDS-PP não tem absolutamente nada - rigorosamente nada - a apontar à honestidade, seriedade e democraticidade com que este conselho de fiscalização foi eleito e ao modo como tem actuado e vem actuando. Por isso mesmo, merece a nossa inteira confiança, embora o CDS-PP não esteja nele representado. Esta situação não nos cria invejas nem ciúmes e o que queremos é que o Conselho de Fiscalização do SIS funcione e não diremos mal apenas porque não estamos nele representados ou porque não temos aí «olhos e ouvidos».

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, quero dizer-lhe que o PCP assumiu, com muita clareza, que quer alterar a composição do Conselho de Fiscalização do SIS. E, igualmente com muita clareza, eu disse aqui, na fundamentação deste pedido de urgência, que o nosso objectivo fundamental e prioritário é o reforço dos poderes desse conselho e não a alteração da respectiva composição.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a razão do recurso a um processo de urgência foi já explicitada pelo Sr. Deputado João Amaral e só seria motivo de preocupação se traduzisse apenas o desejo de que sobre esta matéria se efectuasse menos debate.
No entanto, em termos de Regimento, queremos sublinhar claramente o seguinte: se o Grupo Parlamentar do PCP entende politicamente que esta questão é urgente, dado o seu projecto de lei ter sido apresentado há cerca de um ano, já o poderia ter agendado, no âmbito do seu direito potestativo. Portanto, houve outras questões a que o Grupo Parlamentar do PCP consagrou uma maior prioridade, não podendo vir agora justificar-se com um eventual pedido de urgência porque a responsabilidade aqui é exclusivamente sua.

O Sr. João Amaral (PCP): - A responsabilidade é sua, em primeiro lugar. O Sr. Deputado é relapso pois não elaborou o relatório e tem um prazo para o fazer!

O Orador: - Há pouco, o Sr. Deputado Jorge Lacão abordou este problema - e o Sr. Deputado Narana Coissoró disse até muito bem que estas questões estão mais do que «requentadas», principalmente nos últimos dias - e o que quero dizer é que se a postura do PS, como eu há pouco dizia e o Sr. Deputado Narana Coissoró reforçava, é de facto um pouco estranha, a do PCP já não surpreende ninguém.
Segundo as palavras do Sr. Deputado José Magalhães num debate que outro dia tivemos, o PCP tem uma postura, no sentido de desejar, em primeiro lugar, uns serviços secretos devassados. Ora, não há serviços secretos devassados e, se estes o forem, não funcionam. Essa pretensão vai, portanto, contra a própria estrutura, filosofia e sentido dos serviços secretos.
Depois, o PCP tem outra grande questão, que também foi colocada agora: não abandonará esta bandeira, esta luta e este tema, com este tom, enquanto não conseguir que um membro que lhe seja afecto pertença ao Conselho de Fiscalização do SIS. Essa é a grande questão e a postura do PCP é, portanto, bem compreensível.

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A posição do PS é diferente e daí, há pouco, eu ter manifestado alguma estranheza.

Por outro lado, a questão do reforço das competências já foi debatida em Comissão com os membros do Conselho de Fiscalização, que claramente afirmaram rejeitar nesse sentido o projecto de lei do PCP, o que até originou algumas considerações menos agradáveis por parte do Sr. Deputado João Amaral.
O problema é este: exactamente com o mesmo argumento do CDS-PP, o PSD esclareceu aqui a seriedade e competência do Conselho de Fiscalização. Dos seus três elementos, um é-nos afecto e o PSD quer reforçar aqui a grande seriedade e dignidade de todos os seus membros. Temos muito respeito por todas as opiniões que manifestam nos seus relatórios, tendo sido exactamente eles que disseram rejeitar as propostas de reforço de competências do género das constantes no projecto de lei do PCP.
Para terminar, Sr. Deputado João Amaral, a posição do PCP nesta matéria faz-me lembrar a história do «Zézinho e da velhinha»! Era o dia nacional da solidariedade e a professora, na escola, exigiu que cada aluno fizesse uma boa acção e que, no dia seguinte, dela desse conta. O Zézinho relatou a sua boa acção: tinha ajudado uma velhinha a atravessar a rua. Perguntou-lhe, então, a professora se a velhinha lhe tinha agradecido, ao que o Zézinho respondeu que não, que tinha ajudado a velhinha a atravessar a rua para fazer a sua boa acção, mas que esta não o queria fazer! Isto é, o Conselho de Fiscalização não quer essas competências! O PCP quer ajudar a velhinha a atravessar a rua, mas esta não o quer fazer!

O Sr. João Amaral (PCP): - Que atraso de vida! Você é o Zézinho!
Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado, mas lembro-lhe o pouco tempo que tem disponível para o fazer.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Puig, em primeiro lugar, em relação ao facto de o PCP poder ter agendado o seu projecto de lei há mais tempo, quero dizer-lhe que o PCP não apresentou este projecto nem o quis agendar para ele ser rejeitado; requer agora a urgência, tendo em vista uma reforma administrativa pela qual se bate com toda a legitimidade.
Em segundo lugar, não sou eu quem classifica o Conselho de Fiscalização do SIS de «ceguinho»! Quem o faz é o Sr. Deputado José Puig!
E, finalmente, tenho a dizer-lhe, Sr. Deputado, que não é o próprio conselho de fiscalização quem define os respectivos poderes; quem os define é esta Assembleia, que tem legitimidade para o fazer. O que está em questão é o sistema de informações e não a idiossincrasia deste ou daquele membro do conselho de fiscalização!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, apenas para relembrar que a história que contei não era a do «ceguinho», mas a da «velhinha»! Como é óbvio, ela não tinha nada a ver com os membros do Conselho de Fiscalização do SIS.
De qualquer forma, fica aqui patente qual é o respeito e a consideração que, independentemente das palavras, nos actos e nas propostas concretas, cada grupo parlamentar tem pelo Conselho de Fiscalização do SIS! Fica bem clara a posição do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, quero dizer de uma forma muito singela que votaremos a favor desta iniciativa suscitada pelo PCP, fazendo duas reflexões.
Em primeiro lugar, para sublinhar que a composição do Conselho de Fiscalização do SIS resulta de uma votação feita, nos termos da lei, na Assembleia da República, na sequência da qual os seus membros são eleitos por maioria de dois terços dos Deputados. Ora, tal significa que não se pode dizer que esse conselho representa esta ou aquela formação partidária em função da origem político-partidária de qualquer dos seus membros. Um conselho eleito por dois terços dos Deputados representará sempre a vontade da Assembleia da República e é como tal que os membros do Conselho de Fiscalização do SIS têm de ser encarados para a própria dignificação do exercício das suas funções, hoje com esta composição, amanhã eventualmente com outra.
Depois, em matéria de competências, gostaria de chamar a atenção para o facto de que não podemos descansar, como designadamente o Sr. Deputado José Puig parece fazer, na circunstância de dizer que as competências são bastantes porque até já o Ministro da Administração Interna disponibilizou todos os meios ao Conselho de Fiscalização do SIS. Ora, em matéria do exercício de competências por parte de um conselho de fiscalização de serviços de informações, estas não podem resultar da vontade discricionária de um qualquer governo, mas têm de ser definidas na lei. É em matéria de cumprimento da lei que se assegura a transparência do funcionamento de qualquer órgão, muito particularmente de um órgão com a sensibilidade deste.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral. A Mesa concede-lhe 30 segundos, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Jorge Lacão, refiro-me apenas à primeira parte da sua intervenção para dizer o seguinte: eu sei que os membros do Conselho de Fiscalização do SIS são eleitos por esta Assembleia nos termos que referiu, só que são eleitos para um determinado mandato e esse mandato implica uma fiscalização efectiva dos serviços de informações. Se a lei não garante um sistema de competências e poderes suficiente para que essa fiscalização efectiva seja exercida, nós temos o dever de fazer esse debate. É este o exacto sentido porque trouxe aqui esta questão.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, suponho que não disse outra coisa nas minhas

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palavras de há pouco e que não terei dito outra coisa na minha intervenção inicial. Assim, estamos seguramente em consonância quanto a esse tipo de preocupação.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está encerrado o debate do relatório constante desta primeira parte do período da ordem do dia e a votação far-se-á no período regimental.
Vamos apreciar agora a proposta de lei n.º 100/VI - Disciplina as atribuições e competências dos Serviços Municipais de Polícia e os limites da respectiva actuação.
Para uma intervenção, como relator, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sendo assim, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As reformas empreendidas, pelo Governo, no âmbito do Ministério da Administração Interna, não se têm cingido a intervenções casuísticas e limitadas, porque têm partido de uma perspectiva global sobre a segurança.
Acabar com situações de confusão, aproveitar melhor organizações e recursos disponíveis, potenciar a utilização de novos meios têm sido princípios gerais de actuação levados à prática.
A redefinição da actividade de controlo da fronteira externa, tanto em relação a pessoas como a mercadorias, abrangeram o desenho das atribuições do SEF, a extinção da Guarda Fiscal e a criação da Brigada Fiscal incluída na GNR.
A reestruturação das forças de segurança (PSP e GNR) e a redistribuição dos seus efectivos foi feita com base em novos critérios de concentração e multiplicação da sua capacidade operacional.
A preocupação especial no domínio da segurança privada, entendida esta como actividade complementar, mas substancialmente diferenciada da segurança pública, deu lugar à acentuação das linhas de separação respectivas, à responsabilização mais evidente e à exigência apurada quanto às suas organizações e controlo de actividades.
Por último, o desenho da disciplina aplicável aos serviços municipais de polícia e a sua separação da segurança pública tentando promover a reutilização de efectivos nela disponíveis e oferecer um quadro estável de exercício profissional com a concreta indicação do que a estes serviços deve caber.
É esta a ideia da presente iniciativa legislativa de cujos aspectos essenciais nos passaremos a ocupar.
As autarquias locais recebem de vários diplomas legislativos um elenco de atribuições ou poderes em matéria de polícia administrativa.
A actividade de polícia, naquele sentido, será toda a actuação administrativa que se traduz na verificação do efectivo cumprimento pelos cidadãos das leis administrativas. Os municípios podem não só fiscalizar o cumprimento das normas por eles editados no decurso das competências dispositivas recebidas (por exemplo, licenciamento de obras particulares ou regulamentação do trânsito), mas também fiscalizar a utilização que da licença é feita ou a forma como é cumprido o regulamento de trânsito.
Porém, a expressão adquire um significado que, não andando longe daquele que se definiu, acaba por ligar a actividade da polícia administrativa a uma actividade de repressão das ilegalidades. Isto é, não se trata apenas de fiscalizar e verificar mas ainda de acrescentar a estas duas uma outra actuação de natureza sancionatória. Mas a responsabilidade pela actividade de segurança interna (fiscalização e manutenção da ordem, tranquilidade e segurança públicas e repressão dos desvios a esses valores) é cometida a entidades que recebem a designação de polícia, sendo as medidas tendentes a infligir um mal aos infractores designadas igualmente como medidas de polícia.
Daqui decorre alguma predisposição à confusão e parece clara a necessidade da intervenção legislativa por forma a clarificar o conceito de polícia administrativa e construir a separação entre este conceito e o de actividade de segurança interna.
No fundo, trata-se de uma evidente necessidade de delimitação que se revela particularmente significativa se tivermos em conta que, ao abrigo das disposições legais que lhes atribuem poderes de polícia, alguns municípios têm vindo a criar «forças» ou serviços encarregados de desempenhar funções policiais.
Ora, o grave não é a criação de serviços com aquela designação, mas antes o de não estarem definidos os termos ou os meios da actuação respectiva, o que dá a impressão da distracção do ordenamento jurídico ou jurídico-constitucional quanto à possível proliferação de focos de conflitualidade de competências.
Aliás, as várias questões que se prendem com esta problemática vieram a ser suscitados desde um incidente levantado pela queixa, formulada por um cidadão, ao Ministério de Administração Interna, em relação à actuação da polícia municipal de Fafe. Depois de várias intervenções do Auditor Jurídico do Ministério, foi formalmente requerido à Procuradoria-Geral da República um parecer que veio a ser respondido em 1988.
No essencial, pretendia-se saber: se as câmaras municipais podiam criar polícias municipais ou serviços de polícia municipal; e, se assim fosse, qual a natureza jurídico-institucional de tais organismos, qual o estatuto do seu pessoal, qual o acervo de atribuições e competências que lhe poderiam ser conferidas.
Do parecer emitido, que acompanharemos, retiram-se importantes contributos para a análise do essencial deste problema e clarificação das dúvidas levantadas.
A referência maior é, inevitavelmente, o artigo 272.º da Constituição, que parece oferecer as bases necessárias para, a esse nível, se proceder à separação das águas.
Gomes Canotilho e Vital Moreira salientam, em comentário, que: «a Constituição distingue, de entre as forças de polícia, as chamadas forças de segurança. Estas forças, também conhecidas por polícia de segurança, são apenas uma parte da polícia administrativa, cuja formação é garantir a ordem jurídico-constitucional, através da segurança de pessoas e bens e da prevenção de crimes.» E é o próprio n.º 4 do artigo 272.º que esclarece serem as forças de segurança aquelas a quem cabe a segurança interna.
Daí, a especial exigência da organização única em todo o território nacional das forças de polícia dela incumbidas, seja porque tenha especialmente a ver com a necessidade de impedir a desarticulação de coman-

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do, seja porque se pretende salvaguardar a unidade nacional. E não parece de menor importância a atribuição ao Governo da exclusiva competência quanto à sua criação, definição de tarefas e estrutura orgânica, como também concluem Gomes Canotilho e Vital Moreira.
Significativo é que a alteração sugerida, na versão aprovada para a inclusão do n.º 4 do artigo 272.º, na revisão constitucional de 1982, apresentada pela FRS, foi votada por unanimidade.
Ao nível da lei, intra-constitucional, a Lei de Segurança Interna n.º 20/87 é taxativa na fixação do elenco das forças de segurança.
No n.º 2 do artigo 14.º diz-se: «Exercem funções de Segurança Interna: a) A Guarda Nacional Republicana; b) A Guarda Fiscal; c) A Polícia de Segurança Pública; d) A Polícia Judiciária; e) O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras; f) Os Órgãos dos sistemas de autoridade marítima e aeronáutica; g) O Serviço de Informações de Segurança.
Das atribuições das autarquias fica excluído «o exercício das funções de segurança que ficam reservados ao Estado, dada a especial conexão que aqueles têm com a manutenção da ordem pública e a investigação no exercício da acção penal». Como muito bem salienta, o primeiro parágrafo do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 361/84, de 19 de Novembro, assinado pelo Ministro da Administração Interna de então Eduardo Pereira. Mas isto não quer dizer que aos municípios fique vedada a constituição de serviços de polícia administrativa. Apenas e tão só que os serviços de polícia municipal não constituem forças de segurança.
Mas se assim se poderia facilmente concluir na generalidade, como entender o regime previsto no Código Administrativo, artigo 163.º e especialmente aquele que se destinava aos concelhos de Lisboa e Porto?
Temos por inquestionável que um princípio maior do Estado de Direito é a transparência nas relações com os cidadãos. Assim sendo, não faz sentido admitir a existência de uma categoria de serviços de polícia, no âmbito municipal, que ninguém sabe muito bem de que poderes dispõe.
Se à questão colocada se pode responder no sentido de considerar, como já o fez o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, que as funções dos serviços municipais de polícia se «restringem à fiscalização do cumprimento de posturas e regulamentos policiais», temos de convir que o grau de esclarecimento é menor do que esperaríamos.
Com efeito, a lei aplicável à criação dos serviços de polícia municipal é ainda o artigo 163.º do Código Administrativo de 1940, que estabelece: «A fim de fiscalizar o cumprimento das posturas é regulamentos policiais (...), é permitido às câmaras municipais instituir um serviço de polícia municipal, a cargo de guardas graduados requisitados à polícia de segurança pública (...)».
O facto de os agentes serem requisitados à PSP, por um lado, constitui, desde logo, um elemento de confusão com a actividade desta força e, por outro, cria problemas, no que respeita à gestão das meios humanos, que, estando afectos à PSP, devem servir esta força de segurança. E este artigo 163.º, já citado, prevê ainda um regime mais complicado nos municípios de Lisboa e Porto. Refere, expressamente, que os serviços da polícia municipal incumbem a «um corpo privativo militarizado», inculcando a ideia de um serviço com estrutura idêntica aos serviços e forças de segurança, o que é reforçado pelo facto de o pessoal ser também proveniente da PSP.
Só que a natureza das funções cometidas às polícias municipais não se altera, continuam a ser funções de controlo da legalidade administrativa, a que apenas a circunstância de se tratar de agentes da PSP acrescenta alguma outra coisa. E convirá saber se um figurino destes se deve manter.
Do nosso ponto de vista, apenas uma clarificação de natureza e atribuições permitirá fazer luz sobre esta realidade e só um entendimento diferente sobre o estatuto dos agentes será susceptível de oferecer um outro enquadramento útil. Até agora, o que se exigia era que os agentes a requisitar fossem da Polícia de Segurança Pública. Eram eles encarregados, enquanto polícia municipal, de velar pela segurança interna? A resposta tem de ser negativa.
Limitavam a sua acção funcional ao controlo da legalidade administrativa, em sentido estrito, deixando à sua condição inicial a capacidade para intervirem como agentes encarregados da ordem pública ou funcionando como reserva à ordem do Comando Distrital da PSP. Só que, para o exercício da função de polícia administrativa no sentido apontado, acabam por se consumir agentes destinados a uma outra função, com um diverso grau de exigência e preparados para um diferente horizonte.
E a pergunta a fazer será a da necessidade ou não de fornecer um contingente de mais de 600 agentes com aquele grau de preparação para o desempenho de funções de exigência diversa. A resposta parece, igualmente, fácil de encontrar. Os agentes da PSP fazem falta ao normal efectivo destinado à segurança; são distraídos das suas funções normais para uma tarefa de ordem administrativa; surgem como reserva que não é mais utilizada; divorciam-se da sua origem e função principal; passam à categoria de funcionários administrativos; e deixam de ser, na essência, polícias de segurança pública.
Não resta dúvida que outra solução se impõe!
Para desempenhar a actividade necessária parece suficiente uma diferente e maior ligação, porque de início marcada, com as autarquias locais.
Compreende-se, porém, que esta formação seja feita com base em critérios uniformes e de acordo com uma disciplina comum. Por isso mesmo, se propõe que o Centro de Estudos de Formação Autárquica (CEFA) dela se encarregue. Mas, apesar de tudo, insiste-se na estatuição de um regime, que passa pela decisão livre dos municípios, quanto à criação dos seus serviços de polícia, com a especial descrição de um sistema, também especial para Lisboa e Porto, que parta da moldura do Código Administrativo para um esquema consonante com os demais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ern suma, a Constituição fixa, no artigo 272.º, de uma forma clara, as funções, os limites e o regime da actividade de polícia. Fá-lo por referência ao conceito de segurança interna, exigindo do legislador o respeito por um princípio de organização para todo o território nacional das forças de segurança.
Corresponde este imperativo constitucional a uma necessidade de vinculação hierárquica e unidade de comando para o exercício de uma das mais importantes funções do Estado nos tempos actuais: a segurança no interior das suas fronteiras, com a especial exigência de assegurar os direitos dos cidadãos e a observância das leis vigentes.
Justamente por se considerar «radicalmente» estadual a função de segurança interna, entendeu o legislador

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constítucional não estabelecer qualquer directriz descentralizadora ou descentradora no seu exercício,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... por se pressentir que um movimento desse tipo poderia eventualmente originar rupturas ou quebras na defesa dos bens e valores a que a função está ordenada. Ou seja, não só está praticamente afastada qualquer possibilidade de o legislador descaracterizar o princípio que afirma a natureza estadual da função segurança como deve admitir-se, do ponto de vista teórico, que essa é a melhor solução, o que desaconselha uma eventual revisão da norma constitucional que impõe aquele princípio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nem se diga que a adopção de um modelo descentralizador poderia trazer alguns benefícios, designadamente no que respeita à instituição de uma aproximação dos serviços às populações ou a uma maior responsabilização dos agentes encarregados das funções de polícia.
Se é verdade que o imperativo da descentralização deve ser levado tão longe quanto possível, sobretudo para viabilizar adequadamente aquelas necessidades e proximidade e responsabilização, não pode deixar de se promover e concretizar o princípio de unidade do Estado, acolhido no artigo 6.º da Constituição, que necessariamente envolve o reconhecimento de que há matérias de natureza tipicamente estadual, como sejam a segurança interna ou externa.
Por tudo isto, nos parece completamente desprovida de sentido a tentativa, já publicamente formulada por alguém, de harmonizar a natureza estadual da segurança com um princípio de participação das autarquias locais, associando a lógica de hierarquia com a da participação.
Para além da quebra da unanimidade do entendimento constitucional, quanto a esta matéria, resulta a natureza indecifrável da solução, porque não se percebe o seu sentido nem se vê que vantagens dela poderiam advir. Trata-se apenas da tentativa de intrometer as autarquias locais no exercício de uma actividade cuja responsabilidade é, e deve continuar a ser, exclusivamente do elenco das atribuições estaduais.
O facto de se conhecerem experiências de descentralização de algumas forças de segurança no estrangeiro, que - valha a verdade! - não parecem revelar-se benéficas pela incerteza que provocam e pelos conflitos negativos e positivos de competências que ocasionam, não permitirá concluir que, acriticamente, se proceda de modo idêntico no Direito português, nem se argumente, porque certamente se argumentaria de modo errado e incoerente, com a experiência histórica portuguesa.
É um facto que no nosso Direito se reconheceu já aos órgãos das autarquias locais competências em matéria de segurança. Era o que sucedia, por exemplo, no regime constitucional anterior a 1974, em que o presidente de câmara era igualmente «autoridade policial do concelho». Mas esta competência não era, evidentemente, o resultado do reconhecimento da possível natureza municipal da actividade de segurança interna. Tratava-se apenas do resultado de os órgãos das autarquias, designadamente o presidente da câmara, poderem também exercer funções de natureza estadual, isto é, serem igualmente órgãos do Estado. Ora, era neste âmbito e com este sentido que se reconhecia aquela competência dos presidentes de câmara.
Com a Constituição de 1976, incorporado o princípio da autonomia das autarquias locais, os órgãos destas passaram a ser apenas «representativos» da população respectiva, pelo que deixou de ser possível considerá-los como órgãos desconcentrados para o exercício de funções estaduais.
Assim, no quadro constítucional actual, não pode considerar-se como atribuição autárquica a participação das autarquias no exercício de funções de segurança interna que apenas ao Estado pertencem.
A descentralização deste tipo de funções não coloca apenas problemas derivados da fractura desnecessária de uma função ou actividade, como vem a determinar a ocorrência de complexos problemas de delimitação de competências entre serviços que desempenham a mesma actividade, embora sujeitos a cadeias de comando ou a lógicas de actuação distintas.
Numa palavra, interessa que se proceda à solidificação de um poder local forte e assumido, com funções próprias, que prossiga os interesses das populações, mas tudo isso sem pôr em causa algumas funções que devem continuar a estar sujeitas a uma lógica e a um princípio de unidade territorial.
Aliás, convenhamos, poderia ser politicamente atractivo, num momento de considerável desafio da criminalidade, poder repartir ou associar outras entidades à responsabilidade do seu combate. Só que a diluição das atribuições representaria aqui uma solução fácil, enganadora e completamente irresponsável.
Seriam as próprias autarquias locais a considerar, rapidamente, a solução um expediente pouco sério e um verdadeiro presente envenenado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, tornou-se hábito, dada a escassez de tempo, fazer uma pergunta desenvolvida, que em si absorve a própria intervenção, porque depois de se formular um pedido de esclarecimento, de três ou quatro minutos, restam apenas dois minutos para a intervenção, o que, como é óbvio, não chega. Por isso mesmo, a título de pedir esclarecimentos, vou fazer duas ou três observações sobre a proposta de lei n.º 100/VI, sobre o articulado, pois não é um pedido de autorização legislativa, e pedir ao Sr. Secretário de Estado respostas para algumas dúvidas.
Começo por dizer que estamos de acordo com o articulado da lei, não poderia ser de outra maneira, já que não contém matéria polémica ou controversa. As competências e atribuições da polícia administrativa são tão restritas que, realmente, não podem ser mais do as que constam no diploma, nem as atribuições e competências das outras polícias e forças de segurança podem ser tais que no limite, no conflito, saiam reduzidas face à polícia administrativa.
O problema que, neste momento, se coloca é o seguinte: se esta polícia administrativa se justifica nas grandes cidades, nos concelhos com grande densidade populacional, com um surto económico, que tenham

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actividades sociais, económicas, escolas, etc., se estes locais justificam uma segurança redobrada para absorver a atenção dos órgãos tradicionais da polícia de segurança, tratando-se de concelhos rurais e de média dimensão, estas funções são, hoje em dia, exercidas com requisição à Polícia de Segurança Pública e à Guarda Nacional República. Realmente esta ajuda que a PSD e a GNR dão aos municípios de reduzidas dimensões, rurais ou de cidades médias, tem servido bem, pois não tem havido razões de queixa no sentido de este serviço deixar de ser feito. Realmente, temos de analisar os vários tipos de posturas, de regulamentos administrativos, etc., porque a fiscalização de alguns deles é feita pelos próprios funcionários da câmara municipal, como, por exemplo, o embargo das obras sem licença ou as más condições sanitárias, os crimes contra a má conservação ou utilização de determinados equipamentos municipais, etc. A fiscalização destes regulamentos administrativos é feita pelos próprios empregados ou funcionários da câmara municipal, que, não sendo polícias, têm esta atribuição, dada pelo presidente da câmara, que, em nome dele, levam a efeito. Há ainda outras funções que são feitas pela PSP, como, por exemplo, o serviço de ambulâncias. Muitas vezes, quando uma pessoa está doente, principalmente nas aldeias, solicita-se o «115» e é a própria PSP quem trata de enviar a ambulância. Logo, nessa altura, a polícia funciona não como uma força de segurança mas como uma força de solidariedade, de actos humanitários, levando ou trazendo doentes para ou dos hospitais, dando assistências aos deficientes, etc. Estas funções são feitas de um modo generoso pela PSP, pelos bombeiros, pela GNR, conforme as circunstâncias.
No entanto, hoje, não se sabe muito bem onde é que determinadas posturas não são meras aplicações - e é onde se pode colocar o problema- de regulamentação, das leis gerais de polícia. Isto é, se um presidente de câmara faz uma postura, na qual repete, complementa ou desenvolve o que está numa lei geral, pode, por esta via, estabelecer um conflito com a PSP, quando esta ao usar das suas atribuições, previstas na lei geral, o presidente de câmara diz: «Não, isto já é uma postura!». Isto é uma fonte virtual de conflitos. Não estou a dizer que o faça sempre, mas é, se o quiser, porque o presidente de câmara pode dizer que não, que isso é matéria para uma polícia administrativa e não para outra, pondo em causa a referida unidade na acção.
Em segundo lugar, queria dizer o seguinte: isto não irá servir para que muitos presidentes de Câmara arranjem lugares para os seus apaniguados, para os seus afilhados? Isto é, cria-se um novo corpo de funcionários, que dependem de nomeação exclusiva do presidente da Câmara, depois de aprovado pela Assembleia Municipal; esta, quando há maioria tanto na Câmara como na Assembleia, chancela, carimba, tal como sucede aqui, neste Parlamento! A maioria carimba tudo o que vem do Governo! Do mesmo modo, também a Assembleia Municipal carimba o que vem do respectivo presidente da Câmara! Então, isto poderá servir o clientelismo, com a criação de falsos (não digo falsos sob o ponto de vista de agentes putativos, mas por não ser preciso criar este corpo de polícia administrativo) lugares para remunerar, sobrecarregando o orçamento municipal e, indirectamente, os contribuintes.
Em terceiro lugar, queria questionar se não haverá qualquer forma de controle - excepto o controle dos cidadãos através das eleições- por parte dos munícipes para verificar a actuação desta polícia municipal.
Finalmente, não me parece bem que o presidente da Câmara possa dar autorização, tal como consta deste articulado, para o uso de arma durante as funções a esses polícias administrativos. Aqui diz que eles não poderão usar armas de fogo mas que o presidente da Câmara pode autorizar esse uso durante as funções. Penso que isto é errado porque o uso de arma deve ser restringido apenas e unicamente aos agentes que actualmente têm esta função- e mesmo aí, deveríamos ver se não era de reformular as leis de modo a que as polícias civis sejam, realmente, agentes civis (como os lobbies ingleses). Esta autorização que se prevê para o presidente da Câmara, de poder conceder o uso de arma de fogo a um polícia administrativo, parece-me francamente mal.
Gostaria de ouvir a sua opinião sobre estas matérias.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira.

O Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Secretário de Estado, a leitura desta autorização legislativa revela uma formulação em que está implícito algum sinal de desconfiança. E a sua intervenção, de certa forma, reforçou esse sinal de desconfiança. Como se da parte das câmaras municipais, existisse algum objectivo na constituição de forças susceptíveis de lançar golpes de Estado apoiados em batalhões de arrumadores clandestinos de automóveis! Julgo que ir ao encontro das aspirações das autarquias neste domínio não necessita de um acompanhamento tão drástico, de sinais de desconfiança e má vontade, relativamente à constituição desse tipo de serviços.
De qualquer forma, a iniciativa tem um carácter positivo e deve ser questionada em termos do seu alcance. Assim, coloco algumas questões de natureza muito imediata, designadamente quanto à formulação do artigo 11.º, em que está prevista a formação profissional para estes serviços, com carácter nacional, mas em que, simultaneamente, se estabelece que essa formação será executada pelo Centro de Estudos e Formação Autárquica. Pergunto se, efectivamente, o Sr. Secretário de Estado está ciente da boa vocação do Centro de Estudos e Formação Autárquica para a formação específica de funcionários com funções policiais.
Em segundo lugar, relativamente ao artigo 4.º, n.º 2, alínea d), em que estão previstas disposições legais e regulamentares sobre a segurança e comodidade do trânsito quando não estejam em causa outros órgãos ou entidades a quem estejam exclusivamente cometidas, pergunto-lhe se esta formulação não é um pouco arrevesada e se não seria preferível ser um pouco mais claro.
Recordo que, nos mesmos termos em que o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações alienou, a favor do Ministério da Administração Interna, matéria como a segurança rodoviária, penso que, em nome da descentralização, não envolve qualquer risco a transferência de matérias como esta a favor das autarquias.
Pergunto-lhe ainda se não encara a possibilidade de, a estes serviços municipais de polícia, serem consagradas competências, designadamente no domínio da segurança das instalações e edifícios municipais, bem como a problemática da protecção dos funcionários

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municipais incumbidos de proceder a despejos, demolições de obras clandestinas e outros actos que, eventualmente, possam suscitar reacções negativas por parte dos atingidos.
Em último lugar, no que diz respeito, especificamente, aos corpos de polícia municipais de Lisboa e do Porto, na matéria que consta do artigo 13.º, n.º 2, pergunto-lhe se considera que apenas deve ser ponderada a questão da conveniência dos agentes da Polícia de Segurança Pública que, neste momento, estão destacados; ou se também não deverá ser ponderada a conveniência das entidades que acolheram esses agentes da PSP relativamente à sua reorganização futura, no âmbito dos serviços municipais de polícia, na medida em que isto me parece uma via com um único sentido.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou tentar responder o mais rapidamente possível, dentro do tempo de que disponho, que também é relativamente curto. De qualquer das maneiras, penso que vale a pena responder a algumas das questões, que são importantes, que foram colocadas quer pelo Sr. Deputado Narana Coissoró quer pelo Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira, até porque reconheço que talvez haja aqui alguma falta de esclarecimento da minha parte, e certamente que a culpa foi da minha intervenção, acerca das matérias que são versadas na proposta de lei.
O que nós não queremos que haja, Sr. Deputado Narana Coissoró, é qualquer hipótese de conflito! Ou seja, nós queremos, justamente, que as hipóteses de conflito se reduzam ao mínimo possível, pelo que pretendemos estabelecer um princípio de organização claro. Isto é: as polícias municipais são estas, têm este conteúdo; as polícias de segurança pública são aquelas e têm aquele conteúdo. Exactamente para que não haja conflitos potenciais!
O que está a acontecer nesta altura, Sr. Deputado Narana Coissoró, é algo que considero lamentável: porventura V. Ex.ª não sabe, mas já existem nove polícias municipais além das polícias de Lisboa e do Porto. E o problema é que elas estão a ser criadas (em minha opinião) com ausência de um quadro legislativo claro em relação às suas atribuições e competências! Na verdade, estamos ainda a caber dentro dos limites e dos conceitos do Código Administrativo de 1940, que, como sabe, são uma mélange entre aquilo que era o pensamento constitucional anterior à Constituição de 1976 e aquilo que é o pensamento actualizado acerca dessas mesmas disposições. Penso que a pior coisa que pode acontecer num universo jurídico, designadamente naquele que se esgota nesta matéria, é alguma ausência de clareza. Portanto, é essa a nossa intenção.
Por outro lado, também é nossa intenção tentar esclarecer - e justamente tentámos fazê-lo no artigo 4.º - aquilo que constitui o universo de atribuições possíveis e de competências das polícias municipais, por contraposição às outras que, radicalmente, lhes não cabem. Por isso também penso que, por essa via, estamos a evitar que haja qualquer noção ou prática de conflitualidade, negativa ou positiva.
Quanto ao facto de poder surgir como fonte de empregos, o problema é que isso já acontece agora e de forma indiscriminada. Se conseguirmos balizar esse conceito e a sua criação e deixarmos à organização livre das câmaras (como eu dizia e repito) a necessidade ou desnecessidade da criação destas polícias, é evidente que o eleitorado, depois, se pronunciará em relação a esta matéria. Não pode deixar de ser! Se uma Câmara gasta o dinheiro dos seus munícipes mal gasto ou se o gasta bem gasto, isso terá de ser avaliado. O único juízo que tem de se fazer é esse, penso eu.
É evidente que, no que se refere à questão da autorização do uso de arma, nós fomos especialmente cuidadosos: se o Sr. Deputado Narana Coissoró ler o artigo 7.º, verá que nele se remete para uma condição especial no que se refere ao uso de arma, que já é atribuído aos fiscais e funcionários com missões de polícia administrativa e que é, justamente, aquilo que estes vão ter. A autorização desta arma, que só pode ser de defesa pessoal em serviço, tem de competir não ao presidente de câmara mas à câmara municipal, ela própria.
É, de certa maneira, uma coisa paralela àquilo que se passa com a segurança privada: o cidadão também pode ter arma de defesa pessoal e não arma de serviço, como é evidente, mas só poderá utilizá-la em serviço se for autorizado pela empresa; isto é, há uma conexão de responsabilidades em relação à entidade a favor de quem é prestada a actividade quanto a este uso ou, eventualmente, ao seu mau uso, sendo certo que, no que se refere a armas de serviço, esta deve ser uma polícia desarmada. Porque, tendo esta característica, não faz qualquer sentido que seja uma polícia armada.
Em resposta ao Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira, de maneira nenhuma eu quero acentuar qualquer sinal de desconfiança. Se, por acaso, isso perpassou da leitura da minha intervenção, peço muita desculpa! O que quero tentar esclarecer é a questão jurídico-constitucional relativa a esta matéria. O Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira recordar-se-á, porventura, de alguma controvérsia que foi aqui lançada na discussão das polícias municipais justamente pelo líder do seu partido, quando pôs em questão as capacidades das polícias municipais e levantou a possibilidade de estas terem competências ao nível da segurança pública.
Aquilo que quero esclarecer aqui, de uma vez por todas, é que este não é o entendimento do Governo porque há uma norma constitucional unanimemente votada (aliás, proposta pela FRS na altura da revisão constitucional de 1976) que impede isso. O que quero referir são as balizas, o universo que é possível para uma polícia municipal e o universo do que é impossível para uma polícia municipal, de acordo com o nosso texto constitucional e de acordo com a nossa legislação infra-constitucional. Era isto que eu queria referir e de maneira nenhuma e nunca o que disse consistiu num qualquer sinal de desconfiança.
Quanto ao artigo 11.º, que o Sr. Deputado colocou em questão, penso que, dando a característica que damos às polícias municipais, outra não pode ser a solução em relação à sua formação: não se trata de formar polícias de segurança pública - desse mal nos queixamos nós! Estamos, nesta altura, a formar polícias de segurança pública que estão a ser cedidos às câmaras municipais para desempenhar missões que não são as suas próprias. O que queremos é que esta missão seja desempenhada com uma preparação que só ao nível do Centro de Estudos e Formação Autárquica, ao nível que é possível quanto à aplicação dos critérios

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e das atribuições de polícia administrativa, pode e deve ser dada pelo mecanismo de formação normal, que é também tutelado, como sabe, pelas câmaras municipais.
Por outro lado, quando falamos, no artigo 4.º, acerca das competências que atribuímos às polícias municipais, damos uma formulação muito genérica ao artigo mas incluímos lá tudo aquilo que é, marcadamente, da competência das autarquias, designadamente também tudo aquilo que tem a ver com a segurança e comodidade do trânsito, que inclui uma série de coisas que aqui não estão especificamente incluídas, como é evidente, não estão aqui sequer mencionadas. Mas o universo, de facto, é todo aquele que tenha ver com isto ou com aquilo que, nesta matéria, seja objecto de emanação de normas da responsabilidade da câmara municipal.
Por outro lado ainda, não queremos que as polícias municipais tenham nada a ver com questões de ordem pública. Por isso remetemos para a Polícia de Segurança Pública ou a Guarda Nacional Republicana executarem essas funções.
Em relação à Câmaras de Lisboa e do Porto, penso que, ao contrário daquilo que o Sr. Deputado diz, os mecanismos, num sentido e noutro, como dizia, estão suficientemente garantidos porque nós dizemos o seguinte: «os agentes da PSP que estão ao serviço das polícias municipais de Lisboa e Porto podem optar por permanecer nestas polícias ou regressar à PSP». Logo a seguir, instituímos um mecanismo que prevê a intervenção do presidente da Câmara Municipal: é a requisição do presidente da câmara municipal que o Ministro da Administração Interna dá o seu despacho anual fixando o quantitativo dos agentes a transferir em cada ano das polícias municipais para a PSP; e, como é evidente, a sua substituição por funcionários preparados para a polícia municipal. Isto é, há uma intervenção, um requerimento feito pelo presidente da câmara municipal que, necessariamente, terá de acordar com o Ministro da Administração Interna o regime de substituição. Nada aqui, nem isso, está deixado ao acaso. De maneira nenhuma beliscámos nem as competências nem a possibilidade de os presidentes das câmaras destas duas municipalidades serem ultrapassados na sua resolução.
O PCP, até agora, pelo menos, não interveio nesta matéria, mas certamente que irá fazê-lo e não irá desmentir aquilo que estou a dizer. Congratulo-me, de um modo geral, com o facto de que, para já, pelas dúvidas manifestadas e pelas afirmações que delas consegui retirar, haver nitidamente algum apoio - eu diria até grandemente porque é maioritário - nesta Câmara a este projecto. Parece, pois, embora sob reserva da posição do PCP que, certamente, não irá desmentir-me, haver quase uma manifestação consensual de apoio a esta proposta de lei por parte desta Câmara.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, devo informar que o tempo a mais utilizado pelo Sr. Secretário de Estado foi cedido pelo PSD.
Vamos interromper o debate por uns minutos para se proceder às votações.
Vamos votar o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo ao requerimento de adopção de processo de urgência do projecto de lei n.º 336/VI, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos prosseguir o debate. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Eu dei-me ao trabalho de redigir e pôr por escrito as observações e considerações que tenho a fazer à proposta de lei.
Creio que o que está em discussão é o regime de competências e limites de actuação, que é designado pelo Governo por «serviços municipais de polícia».
Na nota justificativa, o Governo esclarece que se pretende referir às atribuições ou poderes conferidos aos municípios em matéria de polícia administrativa, isto é, à fiscalização realizada pelos municípios sobre o cumprimento ou não pelos cidadãos de certas obrigações de natureza administrativa.
O Governo fixa duas balizas. Primeiro, o artigo 272.º da Constituição da República Portuguesa e a Lei de Segurança Interna. Por força desta baliza, estes serviços municipais não constituem qualquer força de segurança nem podem realizar actividades de segurança interna.
Não se trata, pois, de uma polícia, em sentido próprio. E deveria ser? O PCP entende que não. Em primeiro lugar, porque hoje a Constituição não o permite. Em segundo lugar, porque a responsabilidade pela segurança e tranquilidade públicas e pela prevenção e combate ao crime deve continuar a pertencer a forças de segurança de estrutura nacional, com a necessária capacidade operacional, e não a pequenas polícias na fronteira do município, sem meios que os municípios não lhes podem adquirir e sujeitas a todas as contingências que a dependência de 305 presidentes de câmara iria suscitar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se se pretende que os municípios tenham uma intervenção nesta matéria, da segurança das populações e prevenção do crime, a solução adequada é a consagração em lei de Conselhos Municipais de Segurança dos Cidadãos, órgãos de articulação das autoridades judiciais e policiais com os órgãos do município e freguesias e estruturas representativas. Aliás, o Sr. Secretário de Estado conhece o projecto de lei que apresentamos sobre essa matéria.
Dar aos presidentes de câmara poderes de cabos de esquadra é inadequado e - devo dizê-lo, com clareza - perigoso para os direitos dos cidadãos. Porque a questão central não é senão essa, a dos direitos dos cidadãos.
Estamos, pois, de acordo com a primeira baliza.
A segunda baliza consiste nas atribuições dos municípios e competências dos órgãos tal como estão hoje definidas na lei. Estes serviços teriam, pois, como limite as atribuições dos municípios, tal como resultam da lei de delimitação das actuações da administração central e local e da lei das atribuições dos municípios e competências dos seus órgãos.
Estamos de acordo. Com estas duas balizas parece efectivamente útil clarificar as competências destes serviços municipais e os seus limites de actuação. Nessa medida, a proposta de lei é útil e positiva.
Só que é preciso verificar se o anúncio de respeito daquelas balizas é efectivamente concretizado. É preciso ver se a proposta corresponde às intenções. Muito particularmente, é necessário ver se são devidamente

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garantidos os direitos dos cidadãos, por um lado, e a autonomia do poder local, por outro.
Importa analisar o que diz a proposta quanto a quatro questões: competências dos serviços, meios coercivos, poderes de autoridade e dependência orgânica e funcional.
Era, aliás, o que se esperava que o relatório tivesse feito, mas não fez.
Primeira, competências: elas restringem-se à mera fiscalização da legalidade e à elaboração do auto de notícia (artigo 4.º, n.º 1). Estamos inteiramente de acordo.
Segundo, meios coercivos: o artigo 6.º afirma que os funcionários não os podem usar. Mas, depois, põe duas excepções: os casos previstos na própria proposta e os meios previstos nos regimes gerais dos ilícitos contra-ordenacional e contravencional.
Sr. Secretário de Estado, na primeira excepção não se entende já que a proposta não refere qualquer caso de uso de meios coercivos; quanto à segunda excepção, ela não é aceitável, porque se os senhores forem ver o que está descrito nos regimes das contra-ordenações e contravenções verificam que os meios coercivos aí previstos só podem ser usados pelas autoridades policiais e não pelas administrativas, como é o caso dos funcionários destes serviços municipais. Por isso, estas duas excepções devem ser eliminadas, mantendo-se apenas o princípio: «não podem utilizar meios coercivos»!
Terceira questão, poderes de autoridade: o n.º 1 do artigo 5.º, que diz que «o não acatamento devido às ordens legítimas regularmente emanadas pelos agentes destes serviços sujeita o infractor ao crime de desobediência», constitui uma violência sobre os cidadãos e carece de qualquer lógica no sistema, tal como ele está proposto.
Se as competências dos serviços, como se viu atrás - e o Sr. Secretário de Estado sabe que é o que está contido no artigo 4.º n.º 1 -, se restringem à mera fiscalização da legalidade e à elaboração do auto de notícia, de que ordens se está então a falar neste artigo 5.º, n.º 1?
Vejamos o caso do embargo. O crime de desobediência é ao próprio embargo, que é decretado pela câmara municipal, e não a qualquer ordem do funcionário!
Quarta questão, dependência orgânica e funcional: o artigo 8.º é muito claro quanto à dependência orgânica, que é do presidente da câmara, mas já não é absolutamente explícito quanto à dependência funcional. E é preciso que o seja!
Neste aspecto, quero salientar o disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 4.º, onde se diz que os serviços municipais de polícia devem cooperar com as forças de segurança que o solicitem, bem como o n.º 3 do artigo 5.º, em que os agentes estão obrigados a comunicarem à autoridade os crimes públicos ocorridos ou iminentes de que tenham conhecimento.
Estas obrigações excedem as que têm os agentes da Administração Pública, por força dos n.ºs 2 e 3 do artigo 5.º da Lei de Segurança Interna. Porquê? Por que é que hão-de ter mais obrigações do que as que decorrem da Lei de Segurança Interna para os agentes da Administração Pública, incluindo os que exercem funções de fiscalização?
Creio que não devem ter se se trata de agentes administrativos. Eles são assim qualificados nesta proposta de lei e devem ter as mesmas obrigações que resultam dos n.ºs 2 e 3 do artigo 5.º.
Por isso, deve ser muito bem clarificada qual é a dependência funcional.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Deputado, dá-me licença?

O Orador: - Se o Sr. Presidente autorizar...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - O Sr. Deputado João Amaral é que tem o poder de autorizar ou não a interrupção.

O Orador: - Sr. Secretário de Estado, seria melhor concluir a minha intervenção.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Era só para ajudar!

O Orador: - Repito que é necessário clarificar muito bem a dependência funcional, porque estas obrigações especiais criam uma espécie de dependência directa das forças de segurança e uma quase missão de segurança interna que conflitua com as balizas referidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta tem outros aspectos que devem ser esclarecidos.
Quero referir, particularmente, um. Trata-se do alcance,, da expressão «segurança e comodidade do trânsito».
Sei que esta expressão, ao contrário do que aqui foi afirmado, é a que consta da alínea f), n.º 4 do artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 100/84, da chamada lei das atribuições e competências. Portanto, foi aí que o Governo foi buscar esta formulação.
Quais serão, afinal, as competências dos serviços municipais de polícia nesta área?
Em matéria de circulação - e convém apurar isto com rigor-, pode caber a estes serviços fiscalizar um regulamento que condicione o trânsito de pesados a certas horas, ou as cargas e descargas. Mas, e as normas que proíbem a ultrapassagem do traço contínuo ou a circulação em sentido proibido? Essas são normas de perigo, cuja violação pode acarretar acidentes e danos patrimoniais e pessoais, e cuja fiscalização já não cabe nos limites de actuação de quem tem meros poderes de polícia administrativa.
É, pois, importante que isso fique consignado e registado com clareza, para que, mais tarde, não haja conflitos entre estes serviços e os cidadãos. Por parte dos cidadãos porque podem sentir-se sujeitos a medidas para as quais o agente em causa não tem competência; para com os próprios agentes porque podem ser desautorizados. Portanto, convém definir com clareza estas balizas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero lançar três notas finais.
A primeira, para dizer que a norma transitória n.º 2 do artigo 13.º tem efeitos sobre a situação dos profissionais da PSP, hoje destacados nas polícias municipais de Lisboa e Porto. Obriga-os a fazer uma opção que tem repercussões na sua vida.
Creio que, existindo associações profissionais da PSP, com direitos relativos nesta matéria, era correcto ouvir as suas opiniões acerca das questões de pessoal.
Será uma das propostas que faremos em sede da comissão.
A segunda nota refere-se à questão do destino das multas pelas infracções do Código da Estrada cuja fiscalização passe a competir aos serviços municipais de polícia.

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Se passa a ser competência e encargo das câmaras municipais fiscalizarem o estacionamento e algumas outras regras de trânsito, pagando os respectivos serviços de fiscalização, então, é necessário e justo que o produto das multas respectivas reverta para os cofres dos municípios.
Não é possível continuar a transferir competências e encargos para os municípios sem as correspondentes transferências financeiras.

O Sr. Presidente:- Sr. Deputado, terminou o seu tempo.

O Orador: - Devo dizer que apresentaremos variadíssimas propostas de alteração.
Ouvi, com muita atenção o que o Sr. Secretário de Estado disse. E creio que o que disse é uma exposição fundamentada que mostra que, de facto, estamos numa zona muito delicada que merece um grande aprofundamento. Creio que estamos numa zona de fronteira, devemos ser muito cuidadosos e rigorosos para a defesa do regime democrático, dos direitos dos cidadãos e da autonomia do poder local.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Como, aliás, reparei, pelo tom da sua intervenção, o Sr. Deputado está suficientemente de acordo connosco para que esta proposta possa avançar na sua generalidade. Haverá, eventualmente, questões a colocar ern sede de especialidade, mas creio que o Sr. Deputado não deixará de dar o seu voto favorável na generalidade. Há nesta matéria coisas que vale a pena serem meditadas e o melhor local para o serem é justamente esta Assembleia.
Há pouco falei da questão do crime de desobediência e devo sublinhar que consultámos a Associação Nacional de Municípios Portugueses sobre esta matéria. A posição da Associação Nacional de Municípios Portugueses a este propósito é a de que este deveria ser um crime de desobediência qualificada.

O Sr. João Amaral (PCP): - É natural que o queiram.

O Orador: - Tivemos a suficiente prudência para não ir tão longe em relação a esta matéria. Tivemos, justamente nesta área de fronteira, alguma limitação evidente.
Em relação a algumas das coisas que o Sr. Deputado disse, quero referir que efectivamente há problemas que poderemos meditar convosco, se o entenderem nesta Assembleia.
Sobre as questões relacionadas com o estacionamento, é evidente que o nosso objectivo é também, como aliás se verá depois no acordo que eventualmente vier a ser estabelecido com a Associação Nacional de Municípios Portugueses a este respeito, o de transferir as receitas das multas, que penso constituírem receitas importantes neste âmbito.

O Sr. João Amaral (PCP): - É um presente envenenado!

O Orador: - O presente envenenado seria qualificar os serviços municipais de polícia de outra maneira, como há pouco o Sr. Deputado muito bem fez. Esse é que é o tal presente envenenado que referi na minha intervenção, porque atraiçoaria toda a construção do Estado. Esse seria um presente envenenado e grave é colocaria os municípios numa posição muito difícil.

O Sr. João- Amaral (PCP): - Mas nas multas também quero dar o outro presente!

O Orador: - Em relação a este, penso que se trata de uma contrapartida necessária pelas responsabilidades que passam a ter e que necessariamente poderão ter de uma maneira mesmo mais económica do que nós próprios temos de segurança interna relativamente a esta matéria.
Reafirmo, uma vez mais, que de forma alguma queremos confundir estas matérias de polícia administrativa, no sentido referido, com a polícia de segurança pública e segurança interna. Nisto estamos cem por cento de acordo!
A sua intervenção foi muito bem acolhida, pelo menos por mim, e abre nesta matéria «avenidas de discussão» dentro da especialidade...

Risos.

... que certamente serão muitíssimo bem aproveitadas para obtermos uma lei consensual.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Até que enfim que alguém percebeu o Congresso!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, com tempo cedido pela Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, é importante registar aqui a disponibilidade manifestada para um aprofundamento e melhoramento da proposta naquilo que for necessário.
Congratulo-me ainda por, finalmente, alguém da bancada do PSD compreender aqui o sentido profundo do Congresso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Queremos sublinhar a nossa atenção e até a nossa concordância ern relação quer a aspectos da intervenção do Sr. Secretário de Estado aquando da apresentação da proposta de lei, quer, em sede de especialidade, a algumas das referências críticas feitas pelo Sr. Deputado João Amaral, e, com isso, manifestar inequivocamente a nossa disposição para a aprovação na generalidade da proposta, bem como a nossa disponibilidade para em sede de especialidade verificarmos criticamente a bondade ou a menos bondade de algumas das disposições constantes do articulado.
O que acho singular referir- coloco-me num outro registo para esta minha observação- é esta interessante coincidência quanto à matriz política que acabámos de observar no que diz respeito à sintonia entre o Governo e a bancada do Partido Comunista. Ambos as-

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sumiram aqui uma profissão de fé contrária à existência descentralizada de polícias municipais no sentido autêntico da expressão: polícias que tenham atribuições no domínio da segurança e da tranquilidade pública.
Este é justamente o ponto interessante para questionar a oportunidade com que o Governo traz a presente proposta de lei a esta Câmara. Fá-lo numa ocorrência temporal que não dista muito do momento em que se irá abrir o processo de revisão constitucional. O Governo e o PSD sabem que o PS tem anunciado ser sua intenção, em matéria de revisão constitucional, suscitar a revisão do artigo constitucional que obriga ao princípio da organização nacional das polícias e forças de segurança.
Interrogo-me, pois, quanto ao seguinte: terá porventura querido o Governo, ao escolher a oportunidade que escolheu, induzir a opinião pública portuguesa de que assim está, antecipadamente à decisão da revisão constitucional, a criar as polícias municipais?
O Governo tem o cuidado de não lhes chamar polícias municipais, mas, um pouco mais eufemisticamente, serviços de polícia municipal. Não recaímos, enfim, numa questão semântica, pois a questão essencial é a de verificarmos que efectivamente, tal como o Partido Socialista as compreende, o Governo não tem intenção de abrir a possibilidade de constituição de forças de polícia ao nível municipal e, portanto, descentralizado. Este, é um ponto politicamente relevante que vale a pena discutir no momento em que exactamente nos interrogamos sobre a melhor estruturação de polícias de âmbito administrativo ou com âmbito mais largo em sede de autarquias locais.
Recordo que quando de um célebre debate ocorrido na Assembleia da República a propósito da reforma das estruturas de polícia, que o Ministério da Administração Interna aqui nos apresentou, dizia então o Ministro da Administração Interna que Portugal não tinha necessidade de mais agentes de segurança, porque os 47 000 agentes de que dispõe o conjunto das forças de segurança em Portugal corresponderiam em média, salvo erro, a cerca de 442 polícias por 100 000 habitantes. Referia então o Governo que esse número é já superior ao de todos os países da Europa, excepto a Itália.
A verdade é uma outra: a de que o Governo entrou apenas em linha de conta com as forças de segurança que integram os corpos nacionais de polícia, o que significa que em Portugal muitos aspectos ligados à efectiva segurança das comunidades e à tranquilidade das pessoas estão ligados à questão de uma descentralização municipal de um serviço de polícia justamente com esse âmbito.
Nesta matéria, estamos acompanhados pela melhor tradição europeia, apesar do que já ouvimos dizer em contrário por parte do Sr. Primeiro-Ministro. Polícias descentralizadas existem na Bélgica, na Alemanha, ao nível dos lander, na Itália, ao nível dos municípios, na Inglaterra, ao nível dos condados, e na França, também ao nível dos municípios. Isto é de tal ordem que, por exemplo, para obtermos um termo de comparação, uma cidade como Madrid tem, no plano das suas polícias descentralizadas, 10 000 polícias incorporados no serviço de polícia municipal e o agregado de Barcelona cerca de 3500 polícias também integrados na sua força policial.
É à volta deste tema que importa fazermos uma reflexão profunda, justamente para compreendermos que o que o Governo hoje nos apresenta é um passo, mas apenas um passo, na estruturação de funções administrativas de natureza fiscal no âmbito das autarquias locais. Convém sublinhar que é um passo e não mais do que isso, para que não haja qualquer ilusão sobre o âmbito do chamado serviço de polícia municipal que poderá vir a ser constituído com a aprovação do diploma do Governo.
Em conclusão, o que o Governo propõe é um passo que vale a pena ser dado, mas o passo que o Governo dá é um passo demasiado pequeno relativamente à dimensão de uma reforma que importa vir a fazer no País.
Faço, a terminar, mais um sublinhado, para dizer que, mesmo no enquadramento que o Governo pretende dar ao problema, poderia ter ido mais longe, fazendo alguma articulação entre o esforço das autarquias locais no plano das comunidades que servem e o plano das forças de segurança, a fim de aproveitar esta oportunidade para, designadamente, permitir, como já aqui foi reivindicado por outros, a viabilização de conselhos de prevenção da criminalidade, que poderiam, com a participação de autoridades locais e de instituições relevantes da sociedade civil, dar um contributo de acompanhamento aos problemas da segurança e da tranquilidade vivíveis ao nível de cada comunidade.
Mais do que isso: poderia mesmo encarar a possibilidade da constituição de uma rede de postos permanentes de atendimento policial sediados em juntas de freguesia, sobretudo nos principais centros urbanos, para criar um relacionamento mais harmonioso e efectivo entre as populações e as respectivas instituições policiais.
São aspectos omissos, naturalmente, na proposta do Governo, mas não se conhece da parte do Governo qualquer outra intenção de lhes dar cabimento, o que demonstra, naturalmente, que há uma larga omissão não apenas de intenções, mas também de procedimentos concretos, que mais tarde ou mais cedo terão de ser supridos. O Partido Socialista cá estará para os suprir!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, utilizando tempo cedido pelo PSD, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, o que o Sr. Deputado fez em relação à proposta do Governo foi, no fundo, um elogio envergonhado.
Dizer que nós demos um passo, embora um passo pequeno, em relação a esta matéria, mas qualificando esse passo como positivo e merecedor do seu respeito, significou da sua parte que está de acordo com a parte mais ampla da proposta que lhe é apresentada. Nem sempre dizemos mais do que devemos e escolhemos o momento para o dizer.
Neste particular, já porventura há mais de um ano, anunciámos a intenção de criar os serviços municipais de polícia e dissemos exactamente o que queríamos com esses serviços. Dialogámos com as nove câmaras municipais que têm já «polícias municipais» instaladas, com a Associação Nacional de Municípios Portugueses e com os Presidentes das Câmaras Municipais de Lisboa e do Porto em relação a esta matéria. Ouvimos, pois, todas as pessoas que poderiam ter um interesse directo nesta questão. Foi em função disso que traça-

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mos aquilo que entendemos ser a bissectriz deste problema, que nos permitiu formular o presente texto.
O Sr. Deputado compreenderá, pois, que actuámos com prudência, discrição, oportunidade e sentido de equilíbrio. Se tivéssemos feito isto de um momento para o outro e sem ouvir ninguém, eventualmente à espera de que o Partido Socialista avançasse com as suas propostas de revisão constitucional, então andaríamos mal, porque isso significaria que não tínhamos ideias senão aquelas que vêm à última hora ou quando algum momento conturbado da vida nacional impõe que saia qualquer coisa cá para fora, e acabaríamos- por nos desequilibrar naquilo que seriam as nossas intenções fundamentais quanto a esta matéria. Não quisemos fazer isso.
Precisamente na minha intervenção, com algum espanto do Sr. Deputado da sua bancada que há pouco interveio, tentei clarificar bem a questão, não do ponto de vista do acordo eventual entre o PSD, o CDS-PP e o PCP sobre a versão constitucional desta matéria mas sob o ponto de vista do aquilatar da visão constitucional que todos os partidos representados nesta Assembleia tiveram quando aprovaram o n.º 4 do artigo 272.º, um artigo que também foi muito prudentemente meditado e muito prudentemente colocado na Constituição. Quisemos dizer que não consentiríamos que essa visão unânime constitucional em relação a esta matéria fosse alterada, não por qualquer acordo momentâneo que pudéssemos estabelecer com o PCP nesta matéria mas por entendermos que é uma trave-mestra essencial em relação ao princípio da organização das forças de segurança que deve balizar a actuação delas e do Estado nesta matéria.
Em suma, são razões ponderosas de interesse nacional e dos critérios que entendemos serem os mais adequados à organização do Estado neste domínio que queremos preservar. Não é qualquer birra nem qualquer declaração eleitoralista que queremos fazer. Não é qualquer alijar de responsabilidades que aqui queremos introduzir. Como eu disse na intervenção, seria fácil dizer: sozinhos não conseguimos, venham mais partilhar connosco esta responsabilidade!
O que queremos é uma separação de responsabilidades. A Polícia de Segurança Pública é com as forças de segurança interna e as forças de segurança pública aquilo que a polícia administrativa é com as câmaras municipais. É tão claro como isto o que pretendemos.
É evidente que as câmaras municipais não podem ser distraídas do ambiente que se vive no seu concelho. Se houver formas de colaboração entre as câmaras municipais, o Ministério da Administração Interna e as forças de segurança, estaremos sempre, com a toda a certeza, abertos a isso.
O Sr. Deputado terá, porventura, assistido às variadíssimas conversas, aos variadíssimos contactos que temos tido com vários autarcas deste país em relação às forças de segurança e ao esquema das mesmas forças de segurança nos respectivos concelhos. Nesse sentido, queremos que entre nós, as forças de segurança e as câmaras municipais haja um diálogo vivo, mas de forma alguma nos imiscuiremos nas funções das câmaras municipais nem, naturalmente, quereremos que haja algum imiscuir de funções dentro das forças de segurança que devam ser alheias às atribuições que cada uma das entidades segue e persegue.
Assim, as sugestões que acabou de dar não são novas. Por exemplo, a questão das colocações dos postos de atendimento, já foi acordada com a Câmara Municipal de Lisboa. Portanto, essa sua proposta não traz nada de novo a esta discussão, dado que já parte do princípio, que seguimos, em relação à distribuição dos postos de atendimento e em relação à filosofia das divisões concentradas nas grandes cidades. De facto, o Sr. Deputado não nos veio dar nenhuma novidade nesta altura!
Aliás, se meditar um pouco mais naquilo que acabei de lhe dizer, se meditar um pouco mais naquilo que foi a minha intervenção - e não fique preocupado pela momentânea consonância de opiniões com o Partido Comunista Português-, verá que a questão fundamental é a de alterar uma regra fundamental de equilíbrio em relação à organização das forças de segurança. É com isso que V. Ex.ª deve ficar preocupado. Estou a ver ao seu lado esquerdo um seu colega de bancada, Sr. Deputado Miranda Calha, que é um homem que se preocupa não só com as questões de segurança mas com as da defesa, que certamente não estaria minimamente de acordo com aquilo que acabou de dizer.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, estava a ouvi-lo com muita atenção e até com muito enlevo e não contava que no final da-sua intervenção acabasse por cometer uma gaffe evidente ao querer significar que os problemas da segurança interna são confundíveis com os problemas da defesa. O meu camarada Miranda Calha, se tivesse oportunidade regimental de lhe responder, seguramente esclareceria essa sua confusão entre uma vertente externa de defesa e uma vertente interna de segurança. Confusão que é tanto mais preocupante quanto vem do Secretário de Estado da área da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Sr. Secretário de Estado, se o Sr. Presidente consentir, tenho todo o gosto em que me interrompa.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Deputado Jorge Lacão, apenas queria dizer que, em relação à organização das forças de defesa e de segurança, os problemas são paralelos. Aliás, citei isso na intervenção e posso oferecer-lha para a ler com mais atenção e ver o que eu queria dizer.

O Orador: - Obrigado, Sr. Secretário de Estado, pela sua explicação, mas noto que não tenho que alterar nada do que agora mesmo acabei de dizer.
Quanto às sugestões a que se reportava, que considerou construtivas mas acerca das quais disse não terem nada de novo, sempre lhe lembro que fazem parte de um conjunto de medidas propostas pelo Partido Socialista nesta Câmara e destinadas à reorganização global das forças de segurança e à reforma do sistema de segurança interna e que estão apresentadas na Assembleia da República desde Outubro de 1992. Não têm nada de novo no sentido em que são propostas que só não foram concretizadas porque o Governo, com a sua inércia, não entendeu fazê-lo. Agora, dá sinais que está

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em concertação com algumas autarquias e só desejamos que essa concertação seja positiva.
No entanto, Sr. Secretário de Estado,; o aspecto de fundo é, obviamente, este: os senhores, em matéria de Estado, têm uma noção de Estado unitário centralizado e o Partido Socialista tem uma noção de Estado unitário descentralizado. É por isso que nós nos sentimos claramente mais acompanhados por experiências de descentralização noutros países europeus, designadamente da União Europeia, em que existem, num quadro de inteira regularidade institucional, serviços de polícia, nalguns casos de âmbito regional e noutros de âmbito municipal.
Portanto, alegar que há um determinado artigo na Constituição - o n.º 4 do artigo 272.º - que inviabiliza, neste momento, a possibilidade de corpos de polícia municipal é invocar um artigo da Constituição aprovado num determinado momento histórico, num momento em que, seguramente, uma das preocupações dos constituintes e daqueles que estabeleceram esse dispositivo era o de garantir uma unidade do Estado num momento em que órgãos centrais do Estado careciam ainda de se implementar suficientemente em condições de regular funcionamento.
Ora bem, suponho não ser esse, hoje, o problema do País e, assim sendo, podemos ir mais além, ou seja, aproximar funções essenciais das comunidades que são destinatárias dessas funções. Por isso, sem embargo da existência, absolutamente necessária, de corpos nacionais fundamentais de segurança, não deixaremos de admitir que, para efeitos específicos no domínio da tranquilidade pública e de certas funções especificadas de segurança ligadas ao bem-estar das comunidades, devem existir os corpos de polícia municipal.
Aquilo que o Sr. Secretário de Estado aqui evidenciou é que há, de facto, uma filosofia distinta entre a posição do Governo e a do PS.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Exactamente!

O Orador: - Aceitemos isso, compreendamos isso e assumamos cada um, ao menos, a coerência da distinção de posições que temos nesta matéria.
Quanto à proposta em concreto, sublinho, com toda a cordialidade, que não fiz uma avaliação envergonhada da bondade da proposta; disse-o inequivocamente. Vamos votar, na generalidade, a proposta e admitimos que algumas alegações críticas de especialidade têm fundamento e estamos disponíveis para as tratar em sede de especialidade. Tem aqui, com total franqueza, uma clarificação daquilo que nos distingue em matéria de compreensão da estrutura das forças de segurança em Portugal e aquilo que nos aproxima nos passos positivos a dar no actual enquadramento constitucional.
Mas - e há sempre um «mas» - aquilo que não gostarei de ver no futuro, e para isso lhe faço um aviso, é que amanhã, virtualmente, venham a confrontar-se, pela negativa, como já se viu, com as propostas do Partido Socialista em matéria de corpos de polícia municipal dizendo que já as criaram num célebre dia do mês de Maio, na Assembleia da República. Para que fiquemos entendidos, na matéria que o Partido Socialista defende, os senhores não criaram, nem querem criar.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De forma muito breve, vou expor a posição do Grupo Parlamentar do PCP, digo do PSD...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O quê?!

O Orador: - Devo dizer que estava a pensar no PCP a propósito das críticas que, logo de início, o Deputado João Amaral fez ao relatório e parecer hoje aprovado na Comissão e que considero injustas. Aliás, o debate suscitado na parte final dos nossos trabalhos demonstrou isso mesmo.

Assim, as duas grandes questões que se colocam em relação à proposta de lei estão abordadas em termos de generalidade e as outras são matéria de especialidade que podem ser, melhor ou pior, aprofundadas, consideradas e exploradas em debate nessa sede.
A primeira é de saber se é ou não possível no nosso ordenamento constitucional e legal a criação de serviços administrativos de polícia municipal e só serviços administrativos. O Sr. Secretário de Estado expôs claramente, com base no parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, as razões que levam a uma resposta afirmativa.
A segunda é a colocada agora pelo PS e é de jure condendo, ou seja, se é ou não desejável a criação de serviços de polícia de segurança interna municipais. Consideramos que, para além - e vejo a bancada do PCP a concordar comigo está não era sem tempo!...) - de, actualmente, não ser possível, não é desejável. Partilhamos a opinião daqueles que se preocupam com o facto de tais serviços policiais poderem conduzir à desarticulação de comandos dessas forças que acarretem problemas na salvaguarda da unidade nacional. Pensamos que essas razões são hoje reforçadas fortemente com razões de eficácia, pois a criminalidade mais forte, mais perigosa para os cidadãos, que inclui terrorismo e tráfico de droga, está muito organizada até a nível internacional quanto mais a nível nacional.
Por todas estas razões, é necessária uma boa articulação de comandos e, por isso, quanto a nós, é perigoso irmos por esse caminho. Esta é a posição do Grupo Parlamentar do PSD.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, encerrado a discussão da proposta de lei n.º 1007 VI, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 101/VI - Altera a Tabela Geral do Imposto do Selo e o Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Vasco Matias): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Farei uma apresentação muito sumária da proposta de lei, que, fundamentalmente, tem como escopo principal isentar, em certas circunstâncias, de imposto do selo as operações cambiais.
Na realidade, as operações cambiais entre as instituições de crédito no território nacional já estavam isentas; agora, alarga-se essa isenção às operações cambiais entre instituições residentes e não residentes e também às empresas para as suas actividades normais.
É que a liberalização dos movimentos de capitais na União Europeia e a livre circulação de capitais são difí-

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cilmente compagináveis com este imposto, visto que as operações se deslocalizam, acabamos por não receber o respectivo imposto e as operações vão ser feitas fora do território nacional. Daí a razão desta proposta de lei que se plasma no artigo 120.º-A, alínea b) da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Aproveita-se também para alargar a isenção das operações de venda com garantia de recompra a todos os instrumentos da dívida pública, sendo certo que até estão limitados aos Bilhetes do Tesouro e aos Créditos em Sistema de Leilão ao Investimento Público, porque assim se permite fomentar e dinamizar as operações de dívida pública.
Finalmente, as outras duas alterações.
Primeira, aquando da apresentação da proposta de lei de Orçamento Suplementar ao Orçamento do Estado para 1993, no artigo 54.º da Tabela Geral do Imposto do Selo, por lapso, omitiu-se a referência ao artigo 93.º e, quando se reparou, já tinha passado o prazo para pedir a rectificação. Daí que a façamos agora através da via própria, que é a autorização legislativa.
Segunda, também está a alterar-se o Estatuto dos Benefícios Fiscais. No que toca à Lei n.º 72/93, de 30 de Novembro, que regula o financiamento dos partidos políticos, foi consagrada a isenção de contribuição autárquica no que respeita aos partidos políticos, mas, certamente por lapso - a Câmara confirmará ou infirmará-, foi revogada, na totalidade, a alínea d) do n.º 1 do artigo 50.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, sendo certo que havia um conjunto de outras entidades que estavam isentas, designadamente as associações sindicais e as associações de agricultores, de comerciantes, de industriais, etc. Aproveitamos a oportunidade para voltarmos à pureza inicial porque penso que a Câmara não se oporá a que essas instituições continuem isentas do pagamento de contribuição autárquica.
E esta a apresentação, muito singela, que pretendo fazer da proposta de lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei em discussão contém, em nosso entender, matérias que geram a consensualidade dos intervenientes. Desde logo, porque não tem nada de inovador, limitando-se a normalizar situações que, com o decorrer do tempo, se foi verificando a sua inadequação às situações concretas.
Não obstante a enunciada consensualidade, espanta-nos a forma ligeira como, de há algum tempo, se vem legislando em matéria fiscal, tema que cada vez mais vem ganhando preponderância na vida dos cidadãos.
É o que se verifica com a alteração proposta para o n.º 1 do artigo 54.º da Tabela Geral do Imposto do Selo, que manifestamente vem corrigir a deficiência do Governo na alteração introduzida àquele artigo pela Lei n.º 71/93, de 26 de Novembro, na qual se excluía o selo previsto no artigo 93.º daquela Tabela.
Depois de se pretender fazer a presente alteração no âmbito da Comissão de Economia, Finanças e Plano e de esta se ter recusado a introduzir a alteração, vem o Governo corrigir o seu erro, através de uma nova proposta de lei; aliás, o mecanismo constitucionalmente consagrado para o efeito. Sendo este o mecanismo constitucionalmente consagrado, ele não é, no entanto, aproveitado para introduzir maior funcionalidade, transparência e equidade a todo este artigo.
Se atentarmos na actual redacção do n.º 2 do já mencionado artigo 54.º, constactamos que ele tem como objectivo evitar a tributação em imposto do selo dos contratos de mútuo, que transitem interinstituições de crédito, ou nos quais exista sub-rogação do credor hipotecário, desde que aqueles contratos se destinem à aquisição de habitação.
Em nosso entender, não se cuida, no entanto, de acautelar as situações que possam consubstanciar dupla tributação em imposto do selo e que consistam na simples renegociação de créditos ou substituição de garantias reais oferecidas ou sub-rogação.
Parece-nos curial que, nas situações descritas, se deveria isentar de imposto do selo previsto neste artigo 54.º, desde que não exista variação dos valores mutuados ou confessados e variem apenas as condições de permanência do mútuo ou as garantias oferecidas ou sub-rogação.
Atente-se que não é despiciendo o que estou a dizer. Por exemplo, uma renegociação de um prazo para a liquidação de um crédito, nos termos da redacção actual do artigo 54.º, é passível normalmente de imposto do selo, o que consubstancia uma dupla tributação. O mesmo sucede com a sub-rogação que, na actual redacção do n.º 2, está consagrada apenas para os casos da habitação, mas nada impede que possa haver uma sub-rogação de um crédito e que este se reporte à actividade das empresas ou noutro âmbito, porquanto também nesses casos estaremos perante uma dupla tributação, uma vez que não estamos perante uma operação genuinamente de crédito.
Para tanto, o Partido Socialista apresentou há poucos momentos, na Mesa, uma proposta no sentido de aditar um n.º 3 ao artigo 54.º, com vista a consagrar naquele artigo a descrita isenção.
Em nosso entender, a redacção proposta para o último parágrafo da alínea b) do n.º 2 do artigo 120.º-A da Tabela Geral do Imposto do Selo também não é a mais feliz. O objectivo pretendido com a redacção proposta para este artigo é o de introduzir-lhe uma maior transparência de funcionamento e alargar a isenção do imposto do selo às sociedades financeiras, passando a caber nesta isenção, de entre outras, as empresas de leasing, ALD (aluguer de longa duração) e outras sociedades financeiras, alargando-se e clarificando-se o conceito anteriormente em vigor de instituições parabancárias, que era a anterior redacção do artigo 120.º-A.
Em nosso entender, a inovação advém da consagração em lei da isenção para a venda de moeda estrangeira a sociedades civis - e aqui reside a nossa discordância pela redacção dada a este artigo 120.º-A -, repito, a isenção para a venda de moeda estrangeira a sociedades civis - repare-se na expressão «sociedades civis» - ou comerciais e a empresas públicas, desde que se destine a saldar os compromissos assumidos no âmbito da sua actividade com fornecedores domiciliados no estrangeiro.
Pretende-se, e muito bem, em nosso entender, colmatar o facto de as empresas nacionais estarem a proceder os seus pagamentos ao exterior através de bancos domiciliados no estrangeiro, mesmo que dependências de bancos nacionais, em virtude de aí beneficiarem da isenção do imposto do selo, perdendo consequentemente os

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bancos domiciliados em Portugal as diferenças cambiais resultantes destas operações com o estrangeiro.
A nossa discordância advém única e simplesmente do facto de a presente proposta restringir essa isenção apenas às sociedades e empresas públicas, deixando consequentemente de fora os empresários em nome individual. Penso que não era esta a intenção do Governo, porque em caso afirmativo trata-se de uma aplicação restritiva que em nada beneficia o funcionamento do mecanismo da isenção. Terei oportunidade, a seguir, de ler as nossas propostas que, entendo, clarificam este pormenor.
Com a presente redacção, os efeitos pretendidos serão parciais, não se encontrando mesmo qualquer justificação para a criação da discricionariedade entre sociedades e empresários em nome individual.
Também neste domínio apresentamos uma proposta de alteração à redacção proposta, no sentido de ser consagrado o conceito de que a isenção deve funcionar, no que concerne ao pagamento das importações, independentemente da natureza jurídica dos importadores. Desde que o objecto seja a importação e a compra de moeda vise saldar os compromissos assumidos com essa importação, penso que não se deve condicionar esta isenção à natureza jurídica da entidade que faz a importação, porque, de facto, o que se pretende fazer incidir sobre a lei é a venda de moeda estrangeira, desde que conexa com uma actividade comercial ou industrial.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Pretendemos com este nosso gesto enriquecer a proposta de lei que nos é presente, no sentido de a tornar mais exequível e equitativa e estamos certos de que, existindo a mesma abertura por parte dos restantes intervenientes neste debate, sairá da Assembleia da República uma melhor lei para todos os portugueses.
Para concluir, vou passar a ler as propostas de alteração que apresentámos na Mesa e que, penso, foram já distribuídas.
Assim, ao artigo 54.º propomos um aditamento de um n.º 3, cuja redacção seria a seguinte: «São igualmente isentas do imposto do selo até ao montante do capital em dívida,...»- por isso, desde que não haja variação dos montantes mutuados, o que significa que, se houver uma renegociação para capital a mais, a parte que exceder é passível de imposto do selo - «... inerentes a um novo contrato, as confissões de dívida ou contratos de mútuo, desde que as alterações consistam na renegociação do crédito,...» - por exemplo, o tempo de pagamento do crédito-«... modificação das garantias prestadas...»- imagine-se o caso de um credor ter prestado como garantia, por exemplo, um equipamento industrial ou um terreno e, por razões de funcionalidade, até ter necessidade de mudar as garantias reais prestadas; conforme a actual redacção, esta operação era passível de imposto do selo, mas, a ser assim, em nosso entender, consubstancia, de facto, uma dupla tributação, uma vez que não há concessão de crédito neste domínio mas tão-só modificação das condições de garantia- «... ou sub-rogação do credor,...»- também consagrar aqui, por que não?, para as operações a sub-rogação, uma vez que a consagrámos na habitação -«... nos termos do disposto no artigo 591.º do Código Civil».
No que concerne ao artigo 120.º-A da Tabela Geral do Imposto do Selo, propomos uma redacção diferente da que o Governo apresenta para a alínea b) do n.º 2. Por isso, o primeiro parágrafo da alínea b), n.º 2, da redacção que nos é proposta pelo Governo mantínhamo-lo inalterável, uma vez que, em meu entender, aqui até deveríamos ter a alínea dividida em dois números; só que mantivemos a estrutura constante da proposta de lei do Governo.
Assim, no último parágrafo desta alínea b), n.º 2, propomos a seguinte redacção: «De igual isenção beneficiam as operações cambiais realizadas entre as mesmas entidades ou entre estas e outras da mesma natureza domiciliadas no estrangeiro, bem como a venda de moeda estrangeira que se destine ao pagamento de bens e serviços importados,... « - e penso que o Governo tentou colmatar nesta sede as operações particulares que não tivessem a ver com o âmbito do exercício de uma actividade, só que me parece não ter sido feliz, na medida em que deixou uma lacuna jurídica - «... no âmbito do exercício de uma actividade sujeita a IRS ou IRC, ou dele isenta». Aqui tínhamos a resposta para toda esta questão. Incluem-se as sociedades e as empresas públicas. Por isso, é que incluímos na redacção «ou dele isenta», para não se suscitarem dúvidas quando beneficiem de um mecanismo de isenção, acidental ou permanente.
Penso que, com esta redacção, conseguimos um campo mais vasto de funcionamento deste mecanismo e não é ferido, em nosso entender, o espírito que o Governo pretende consagrar nesta proposta de lei.
Deixamos as nossas propostas à consideração de VV. Ex.ªs.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Olinto Ravara.

O Sr. Olinto Ravara (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República a proposta de lei n.º 101/VI, que altera os artigos 54.º e 120.º-A da Tabela Geral do Imposto do Selo, assim como o artigo 50.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Enquanto as alterações na Tabela Geral do Imposto do Selo pretendem estabelecer a neutralidade fiscal (caso do artigo 120.º-A) e derivam fundamentalmente das novas condições de acesso ao mercado de capitais, da total mobilidade dos capitais no seio da União Europeia e das novas formas de intervenção das sociedades financeiras, já a alteração no Estatuto dos Benefícios Fiscais pretende repor a isenção de contribuição autárquica às associações sócio-profissionais, sindicais e empresariais, isenção essa que lhes tinha sido inadvertidamente retirada com a aplicação da Lei n.º 72/93, de 30 de Novembro, cujo artigo 28.º revogou a alínea d) do n.º 1 do 50.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aonde a referida isenção se encontrava consagrada.
Mas a novidade principal reside no alargamento das isenções do imposto do selo às operações de venda de valores mobiliários com garantia de recompra, relativamente a todos os instrumentos da dívida pública, quando dantes apenas era aplicável aos Bilhetes do Tesouro e aos Créditos em Sistema de Leilão ao Investimento Público, assim como no alargamento da isenção do imposto do selo às operações cambiais realizadas entre instituições financeiras com sede no País ou no estrangeiro e, ainda, às operações cambiais realizadas pelas empresas públicas e privadas junto da banca para pagamento das suas importações.
Trata-se, sem dúvida, de um sinal claro de desagravamento fiscal e financeiro às nossas empresas que o

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2390 I SÉRIE - NÚMERO 73

Grupo Parlamentar do PSD acolhe e apoia com muita simpatia, numa óptica gradualista de apoio efectivo, continuado e sustentado às empresas portuguesas no quadro de uma economia aberta e concorrencial.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Olinto Ravara, V. Ex.ª utilizou a expressão «isenção às empresas». Pergunto: pensa que a redacção que está consagrada na proposta de lei tem esse objectivo?

O Sr. Olinto Ravara (PSD): - Também tem!

O Orador: - Tem o objectivo que aqui expressou? Não pensa que se aplica só a sociedades? Leia bem o diploma e, depois, diga-me alguma coisa!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Olinto Ravara.

O Sr. Olinto Ravara (PSD): - Sr. Presidente, respondi na minha intervenção. Também se dirige às empresas!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Srs. Deputados: Na intervenção que vou fazer serei ainda mais singelo do que o Sr. Secretário de Estado.
Mas, Sr. Secretário de Estado, já que referiu que o Plenário diria se teria ou não havido lapso em relação ao artigo 50.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, posso confirmar que houve, de facto, um lapso e eu próprio, de imediato, assim que saiu a lei, contactei os outros grupos parlamentares a fim de se corrigir este lapso. Fica aqui o meu testemunho nessa matéria e, logicamente, também o nosso apoio à alteração proposta.
Aliás, em princípio- como estamos em sede de apreciação na generalidade -, apoiamos a proposta de lei, sem que, no entanto, deixe de referir duas ou três notas muito breves.
A primeira tem a ver com a questão do anacronismo do imposto do selo. Penso que esta questão exige uma análise mais aprofundada para o fazermos desaparecer de uma vez por todas, sem que isso implique os «buracos financeiros» - e digo buracos financeiros entre aspas para que não haja más compreensões - que o desaparecimento puro e simples do imposto do selo iria acarretar. Em todo o caso, trata-se, de facto, de um imposto anacrónico no sistema, e várias vezes nos pronunciámos nesse sentido. É evidente que uma solução deste tipo necessita de um estudo aprofundado, que terá de ser feito, fundamentalmente, pela administração fiscal, tendo em vista acabar com o imposto sem esses inconvenientes que daí decorrem.
A segunda nota relaciona-se com a proposta de lei em si. Embora, há pouco, tenha manifestado o nosso voto favorável, parece-me importante registar que, em termos de grandes números, as alterações que se propõem são, mais uma vez, fundamentalmente para a dívida pública, porque as outras alterações que se fazem, em sede do imposto do selo, sobre as operações cambiais, positivas em si, em termos de receitas e de custos, são bem menores do que as correspondentes às alterações propostas na alínea g) do n.º 2 do artigo 120.º-A. Já há tempos tive oportunidade de referir que o Governo está a olhar demasiado para o Orçamento do Estado e continua a olvidar, em boa medida, os problemas que se colocam em termos de custos financeiros às empresas.
São estas duas notas que, neste momento, me parecem dever deixar registadas e, em sede de especialidade, é evidente que apreciaremos, designadamente, as propostas que foram apresentadas pelo Partido Socialista para ponderarmos as melhores soluções. Penso que esta questão que esteve agora em discussão merecerá uma maior ponderação, na medida em que também não me parece que «sociedades» queira significar todos os agentes económicos, ainda que haja que fazer algumas restrições para evitar aproveitamentos que não serão legítimos e que não estarão no espírito do Partido Socialista quando apresentou as propostas de alteração.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrada a discussão da proposta de lei n.º 101/VI.
Reunimo-nos amanhã, a partir das 15 horas, com o debate da interpelação n.º 18/VI- Centrada na política social e de emprego, da iniciativa do CDS-PP.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Rectificações

Ao n.º 59, de 16 de Abril

- Na pág. 1966, 2.ª col., não deve constar o nome do Deputado Fernando Alberto Pereira de Sousa como tendo faltado à sessão, devendo sim ser incluído nos Deputados presentes à sessão, na pág. 1955, 1.ª col.

Ao n.º 64, de 28 de Abril

- Na pág. 2118, 2.ª col., não deve constar o nome do Deputado Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho como tendo faltado à sessão, devendo sim ser incluído nos Deputados presentes à sessão, na pág. 2075, 1.ª col.

Ao n.º 67, de 5 de Maio

- Na pág. 2198, 2.ª col., 1. 17, onde se lê «e só o fez em Março de 1993», deve ler-se «e só o fez em Março de 1994».

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Jaime Gomes Milhomens.
João Carlos Barreiras Duarte.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Pereira Lopes.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

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19 DE MAIO DE 1994 2391

Partido Socialista (PS):

António Carlos Ribeiro Campos.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Cecília Pita Catarino.
Fernando Monteiro do Amaral.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Guilherme Reis Leite.
José Macário Custódio Correia.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido Socialista (PS):

António Fernandes da Silva Braga.
António Luís Santos da Costa.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Elisa Maria Ramos Damião.
José Eduardo dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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