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Sábado, 28 de Maio de 1994 I SÉRIE - NÚMERO 78

DIÁRIO
da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 27 DE MAIO DE 1994

Presidente: Ex.mº Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Ex.mºs Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
Belarmino Henriques Correia
Alberto Monteiro de Araújo

S U M A R I 0

0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 45 minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de resolução, n.º 117/VI, do projecto de deliberação n.º 86/VI e da audição parlamentar n.º 23/VI. Depois de o Sr. Deputado Simão Ricon Peres (PSD) ter feito a síntese do relatório da Comissão de Defesa Nacional sobre a proposta de Lei n.º49/VI - Regula a mobilização e a requisição no interesse da Defesa Nacional, foi a mesma discutida e aprovada, na generalidade, tendo intervindo, a diverso título, além daquele orador e do Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional (Figueiredo Lopes), os Srs. Deputados
Eduardo Pereira (PS), Correia de Jesus (PSD) e João Amaral (PCP).

0 Sr. Deputado Manuel dos Santos (PS) fez a síntese do relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano sobre o projecto de lei n.º 410/VI - Utilização de cartões de pagamento automático (PS, PSD, PCP e CDS-PP que foi aprovado, na generalidade, na especialidade e em votação final global. Usaram da palavra, a diverso título, além daquele orador, os Srs. Deputados António Crisóstomo Teixeira (PS), Rui Carp (PSD), Manuel dos Santos (PS), António Lobo Xavier (CDS PP) e Octávio Teixeira (PCP).
Foi ainda rejeitado o projecto de lei n.º 385/VI - Cria o rendimento mínimo garantido (PS) e aprovado o projecto de deliberação n.º 86/VI - Prorrogação do período normal de funcionamento da Assembleia da República (Presidente da AR, PSD, PS, PCP, CDS-PP e Os Verdes)
0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 15 minutos.

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0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.

José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Luís Santos da Costa.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.

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Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Narana Sinai Coissoró.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de resolução n.º 117/VI - Realização anual de um Parlamento de Idosos (PS); projecto de deliberação n.º 86/VI - Prorrogação do período normal de funcionamento da Assembleia da República (Presidente da AR, PSD, PS, PCP, CDS-PP e Os Verdes); audição parlamentar n.º 23/VI - Sobre a intenção de privatizar a EDP, E.P. (PS).
Informo ainda que está reunida a Comissão de Saúde.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da ordem de trabalhos consta a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 49/VI - Regula a mobilização e a requisição no interesse da defesa nacional e do projecto de lei n.º 410/VI Utilização de cartões de pagamento automático (PS, PSD, PCP e CDS-PP).
Vamos dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 49/VI.
Para fazer a síntese do relatório da Comissão de Defesa Nacional, tem a palavra o Sr. Deputado Simão Ricon Peres.

0 Sr. Simão Ricon Peres (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Vamos hoje apreciar a proposta de lei n.º 49/VI, que regula a mobilização e a requisição no interesse da defesa nacional.
A presente proposta de lei, conforme se lê no seu preâmbulo, deriva do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 73.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas - Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, que prevê a aprovação de um regime jurídico da mobilização e da requisição.
0 diploma é composto por quatro capítulos e contém 54 artigos.
0 Capítulo I estabelece os princípios gerais a que obedecem a mobilização e a requisição, enquadrando esta matéria na restante legislação que tem vindo a ser produzida pelo Ministério da Defesa Nacional, como ressalta de alguns dos seus artigos, nomeadamente os artigos 2.º, 1.º, 7.º, 8.º e 10.º. Neste capítulo, prevêem-se as acções preparatórias que, em sede de mobilização e requisição, nomeadamente nas áreas do planeamento, organização, coordenação, direcção, controlo, comunicação e informação, permitam assegurar de forma eficaz o accionamento do dispositivo, sempre que necessário e dentro do princípio da legalidade.
Assim, o artigo 6.º sujeita todas as acções das entidades competentes na preparação e execução das medidas de mobilização e requisição à Constituição e à Lei; o artigo 11.º indica as outras entidades intervenientes, como os Ministros da República das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, os governos regionais, os governos civis, as autarquias locais, etc.; e o artigo 10.º diz-nos quais são as competências do Governo.
Posto isto, e como análise ao Capítulo I, podemos concluir que a presente proposta de lei coloca nas mãos do Estado mecanismos fundamentais para a prossecução dos objectivos da política de defesa nacional (artigo 2.º), em casos de gravidade extrema e ameaça eminente, esgotados que sejam outras situações já contempladas, por exemplo, na Lei do Serviço Militar.
0 Capítulo II, dividido em três secções, dedica-se exclusivamente à mobilização, que pode ser de natureza civil ou militar. Neste capítulo, na Secção I, destacam-se o artigo 12.º, que dita as circunstâncias determinantes pelas quais a mobilização pode ser decretada, e o artigo 17.º diploma de mobilização -, que determina que esta seja decretada pelo Governo, sob a forma de decreto-lei.
Na Secção II é regulamentada a mobilização militar, na qual se destacam vários artigos. 0 artigo 23.º regula os actos de preparação da mobilização militar; o artigo 24.º estabelece as acções a realizar logo que decretada a mobilização; o artigo 25.º define os cidadãos sujeitos à mobilização militar, nos quais se exceptuam os objectores de consciência; e o artigo 28.º diz-nos quem se considera indisponível para o mesmo efeito, que, entre outros, são os membros do Governo, os Ministros da República para as Regiões Autónomas, os membros dos Governos das Regiões Autónomas, os Deputados à Assembleia da República, às assembleias legislativas regionais e ao Parlamento Europeu, o

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Provedor de Justiça, os magistrados, os diplomatas, os governadores civis, os presidentes e vereadores, a tempo inteiro, das câmaras municipais, os directores-gerais da função pública e os funcionários de organismos internacionais.
Neste capítulo, saliente-se ainda o artigo 26.º, que estabelece os termos do diploma de mobilização militar.
Na Secção III é regulamentada a mobilização civil de forma semelhante à mobilização militar, com as adaptações inerentes às especificidades, natureza e objectivos da primeira.
São objectivos da mobilização civil: a garantia de funcionamento das estruturas empresariais e dos serviços necessários à cabal realização da política de defesa nacional (Protecção Civil, entre outros), assim como outros sectores essenciais à vida nacional, nomeadamente a saúde, os transportes, os abastecimentos alimentares e energéticos (artigo 29.º).
0 artigo 32.º prevê os cidadãos sujeitos a mobilização civil, exceptuando os objectores de consciência para os trabalhos de fabrico, reparação ou comércio de qualquer tipo de armas e respectivas munições, bem como em investigação científica relacionada com essas actividades.
0 Capítulo III tem duas secções e regula as matérias relativas à requisição, identificando os meios, serviços e bens que dela podem ser objecto, assim como os limites e condições dessa mesma requisição, como estipulam os artigos 37.º, 47.º, 49.º e 49.º.
0 artigo 38.º estabelece os fundamentos e regula a intervenção do Estado na gestão das empresas. Nos artigos 39.º, 40.º e 41.º são estabelecidas as etapas que conduzem à execução da requisição. 0 artigo 43.º estabelece as indemnizações devidas pela requisição, tendo em conta o estado da economia nacional à data.
Finalmente, o Capítulo IV é dedicado às disposições finais e transitórias, nas quais se destacam, nos artigos 50.º e 51.º, a regulamentação da matéria penal e a cominação de penas a aplicar por violação das normas contidas no diploma. No artigo 52.º, evidencia-se a regulamentação, por decreto-lei, do presente diploma, enunciando-se a matéria objecto dessa mesma regulamentação, da qual destacamos os critérios de cálculo da indemnização por requisição, questão importante e levantada por algumas das entidades ouvidas em audição parlamentar na Comissão de Defesa Nacional.
Para finalizar, resta-me acrescentar que, no exercício da competência consignada na alínea c) do n.º 1 do artigo 47.º da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, o Conselho Superior de Defesa Nacional se pronunciou favoravelmente em relação à presente proposta de lei.

0 Sr. Presidente: - Antes de dar continuação aos trabalhos, permito-me salientar a qualidade do relatório da Comissão de Defesa Nacional, que não só se lê com proveito como também desempenha bem a função que deve ter na estrutura regimental em vigor, desde há um ano a esta parte.
Para uma intervenção, como autor do diploma, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional.

0 Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional (Figueiredo Lopes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Governo apresenta hoje, formalmente, ao Plenário da Assembleia da República a proposta de lei da mobilização e da requisição no interesse da defesa nacional. Trata-se de acrescentar mais uma pedra no edifício legislativo da defesa nacional, em conformidade com as disposições da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Com efeito, não só o artigo 73.º da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, prevê a aprovação do regime jurídico da mobilização e da requisição em diploma complementar, como também o artigo 13.º da mesma lei estabelece o princípio do recurso à mobilização e requisição, quando tal for imprescindível para a garantia dos objectivos da defesa nacional.
A lei da mobilização e da requisição deverá, por isso, ser considerada um diploma fundamental do nosso ordenamento jurídico, porque está ligada directamente ao reforço das capacidades nacionais para enfrentar situações de especial anormalidade, que podem pôr em perigo a vivência colectiva ou abalar as estruturas em que assenta a organização e o normal exercício da soberania e da vida democrática.
Ao Estado cumpre assegurar os meios imprescindíveis para a realização dos objectivos permanentes da política de defesa nacional, tal como vêm definidos na Constituição da República, isto é, "a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externa".
A Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, dando expressão aos princípios constitucionais, definiu o princípio da mobilização e da requisição, ao dispor que "os recursos humanos e materiais indispensáveis à defesa nacional podem ser utilizados pelo Estado, mediante mobilização ou requisição", nos termos a estabelecer em legislação complementar.
Temos, porém, de compreender esta disposição como um corolário lógico do preceito constitucional, que estabelece que "a defesa da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 regime jurídico que constitui o conteúdo da proposta de lei agora em debate parlamentar, elaborado no respeito pelos valores políticos e jurídico-constitucionais subjacentes ao conceito de defesa nacional, foi igualmente pensado com a preocupação de se estabelecer um normativo uniforme, coerente, seguro e logicamente sistematizado.
Sob o ponto de vista material, o presente projecto de diploma debruça-se apenas sobre as circunstâncias de especial anormalidade que, embora com imediatismos diversos, têm a ver com os objectivos permanentes da política de defesa nacional. Por outras palavras, estamos a falar exclusivamente da mobilização e requisição no interesse da defesa nacional.
A este propósito, cabe acentuar, desde já, não haver identidade entre o regime ora em análise e aquele outro que regula os estados de sítio e de emergência. Não existe, de facto, coincidência, senão parcial, entre as finalidades da mobilização e da requisição no interesse da defesa nacional e as finalidades que justificam a declaração daquelas situações.
Assente esta distinção, ela extravasa logicamente na definição das circunstâncias determinantes da mobilização e da requisição que a proposta de lei elenca de forma típica.
0 enquadramento e o controlo destas circunstâncias de especial periculosidade é decisivo para a sustentação da vida colectiva nacional. Por essa razão, por mais improvável que hoje se nos apresente a possibilidade de concretização dos pressupostos fundamentais das medidas de mobilização e de requisição e por mais indesejáveis que sejam, não pode o País deixar de enfrentá-los com realismo e seriedade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não hesitarei, mesmo, em declarar que estamos perante um normativo estruturante da nossa soberania, porque vital para a sua defesa efectiva, e por, isso mesmo, não pode ser vulnerável a meras opiniões conjunturais ou jogos de interesses.

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Não se esqueça, para mais, que, numa época em que se impõe uma redução geral do efectivo militar permanente, a mobilização adquire, como é óbvio, maior importância, propiciando o crescimento daquele efectivo. Mas, para além deste efeito do reforço da capacidade militar das Forças Armadas, em momentos de particular gravidade, não pode esquecer-se que o instituto da mobilização é, em si mesmo, um poderoso meio de intervenção do Estado num processo de escalada do conflito, constituindo importantíssimo factor de dissuasão.
Legislar sobre a mobilização e a requisição no interesse da defesa nacional não é, no entanto, tarefa fácil. É que as situações capazes de determinarem tais medidas podem, na prática, adquirir contornos muito diversos, rondando quase sempre os limites da própria juridicidade.
Feito um excurso por algumas legislações estrangeiras sobre esta matéria, constata-se à sociedade a referida dificuldade. Trata-se, na maior parte dos casos, de legislação muito antiga e reveladora de desconcertante carácter circunstancial: medidas legislativas momentâneas para responder a situações de conjuntura grave, limitando-se, por vezes, a formalizar em letra de lei procedimentos de excepção que a realidade exigiria já. Constata-se frequentemente uma definição imprecisa dos pressupostos da adopção das medidas ora em causa, sendo nessas legislações estrangeiras conhecidas bastante comum os "cheques em branco" à Administração. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não pretendendo, obviamente, tecer encómios à presente proposta, não tenho, no entanto, receio em afirmar tratar-se de um normativo profundamente avançado em termos de Direito Comparado, capaz de conciliar dois momentos axiológicos essenciais: a preservação da vivência nacional, por um lado, e a salvaguarda dos direitos individuais, por outro.
Vejamos como se concretizam tais desideratos.
Se é certo que a acção administrativa nas circunstâncias em causa não pode deixar de recorrer à via da autoridade, é igualmente inquestionável não se ter perdido de vista a necessidade de, prosseguindo com especial empenho os valores da certeza e da segurança jurídicas, se garantirem alguns princípios essenciais. De entre eles, destaco pelo seu significado os seguintes: a sujeição da actuação administrativa ao princípio da estrita legalidade; a configuração dessas medidas como excepcionais e supletivas: a tipificação das circunstâncias que as podem determinar; e a definição, sem margem para dúvidas, dos direitos e das obrigações dos cidadãos perante a mobilização e a requisição.
Por outro lado, não se perdeu igualmente de vista que as circunstâncias determinantes destas providências, embora reconduzíveis sempre a modelos típicos, podem adquirir concretamente configurações muito diversas, com consequências, à partida, imprevisíveis.
Daí a opção do legislador por um normativo com a maleabilidade suficiente para permitir a adaptação que o circunstancialismo venha a reclamar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: em tempo de guerra ou perante qualquer agressão efectiva ou iminente ou ameaça externa e quando, nestas circunstâncias, os objectivos da defesa nacional estão em perigo, não há lugar para improvisações.
A obtenção de recursos humanos e materiais imprescindíveis para a garantia e a realização dos objectivos da defesa nacional tem de se tomar efectiva por recurso a mecanismos excepcionais, embora previamente estabelecidos e conhecidos de todos.
A organização da defesa nacional é matéria a prevenir com seriedade, com espírito patriótico e não a remediar.

Esperando-se não ter de utilizar-se tais mecanismos, seria, contudo, uma leviana imprudência descurá-los.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

0 Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Terminada a guerra colonial em 1974, os objectivos permanentes da política de defesa, exigiam uma nova definição dos aspectos fundamentais da estratégia global do Estado.
Logo, um novo conceito estratégico de defesa nacional devia ter sido aprovado; um novo conceito estratégico militar devia ter sido elaborado; novas missões deviam ter sido fixadas às Forças Armadas. Mas é só a partir da revisão constitucional de 1982 que se criam as condições para a promulgação, em Dezembro, da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. Depois dela, perderam-se demasiados anos até se iniciarem profundas alterações na estrutura das Forças Armadas.
A minha bancada reconhece o esforço feito nesse sentido, embora discorde da forma como foram apresentados alguns diplomas, dos seus conteúdos, dos seus alcances, da falta de participação dos militares nas versões finais. A necessidade de uma lei de mobilização e requisição era evidente. A proposta que nos é apresentada não corresponde minimamente às expectativas e a filosofia política subjacente levanta-nos sérias preocupações.
Vejamos algumas razões.
Primeira, a exposição de motivos de um diploma revela-nos os propósitos políticos de uma proposta. Não consigo seguir o legislador quando refere que "Na vida das nações, deparam-se, por vezes, determinadas situações anómalas que, com maior ou menor intensidade, corroem as estruturas em que assenta a organização do devir colectivo. São situações obviamente indesejadas pela sua gravidade, que rondam os limites da juricidade, mas para as quais têm de preparar-se os órgãos que integram a organização do poder político ( ... )". "( ... ) configurações diversas, com consequências, à partida, imprevisíveis ( ... )"
Referir-se-á o legislador a situações na ordem interna? Não o consigo entender. Mais à frente, explica o recurso à via da autoridade administrativa face ao "carácter vital para a Nação ( ... )".
Estes chavões têm sido sempre utilizados para explicar determinadas actuações na ordem interna e, por isso, suscitam-me grandes apreensões.
0 legislador mais me confunde quando afirma que "a mobilização e a requisição tiveram origem nas necessidades de carácter militar; não podem hoje, contudo, circunscrever-se, àquelas necessidades por isso que, numa época de redução geral de efectivos militares, o legislador deverá recorrer à mobilização sempre que se depare com dificuldades de efectivos. Pergunto: com dificuldades de efectivos para quê? Com recurso à mobilização em que circunstâncias?
Segunda, tal como está legislado, possibilita-se a mobilização e a requisição antes da declaração de estados de excepção, o que passa a constituir uma intromissão das Forças Armadas na ordem interna.
Com efeito, o legislador acentua que a mobilização pode apresentar "( ... ) um efeito de dissuasão não despiciendo. Numa época de redução geral dos efectivos militares, como condição do aumento da qualidade dos meios técnicos, a

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mobilização adquire, evidentemente, maior importância, atribuindo às Forças Armadas meios humanos de que estas não dispõem em permanência".
E, mais adiante, acrescenta: "0 regime jurídico da mobilização e da requisição, pelas razões apontadas, é sempre algo de fundamental". E acentua: "Com o regime que ora se cria pretende-se um conjunto uniforme, coerente e logicamente sistematizado de normas que tratem todas aquelas situações excepcionais ligadas a finalidades de defesa nacional em que o Estado tem de recorrer à via da autoridade para a obtenção, oportuna e eficaz, dos recursos necessários à prossecução de determinados fins de interesse nacional".
Um diploma de mobilização e de requisição deve ser claro quando invoca necessidades da política da defesa nacional que se pretendem resolver accionando os mecanismos legais.
Ora, a situação que mais me preocupa é aquela em que a mobilização e a requisição podem ser decretadas pelo Governo sem que o Presidente da República tenha declarado os estados de guerra, de sítio ou de emergência.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Nestas circunstâncias, a mobilização devia apenas revestir carácter militar e a requisição incumbir a entidades administrativas civis.
Por outro lado, devem continuar a ser garantidos todos os direitos dos cidadãos constitucionalmente previstos, não devendo haver reforço das autoridades administrativas civis, nem apoio às mesmas por parte das Forças Armadas.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Os órgãos do Serviço Nacional de Protecção Civil e as forças e serviços de segurança deviam passar a um estado superior de prevenção.
Não me parece que a actual proposta de lei se oriente no sentido que acabo de preconizar, pelo que reafirmo que estas indefinições podem abrir caminho, fora do quadro legal existente, a uma intervenção das Forças Armadas na ordem interna.
Terceira, esta lei não assegura, em estado de guerra ou de sítio, o reforço das Forças Armadas em meios humanos e as leis de programação militar existentes não asseguram o reforço dos meios, podendo, por isso mesmo, ser posta em perigo a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas.
Não tenho dúvidas em apoiar a constituição de Forças Armadas modernas mais profissionalizadas, de dimensões ajustadas às nossas realidades, cujo potencial de intervenção compense, em larga medida, a redução dos seus efectivos, e equipadas com meios interoperáveis com os dos nossos parceiros na NATO e na UEO.
Não vejo como irão compatibilizar-se sistemas de armas de elevado índice tecnológico com um Serviço Efectivo Nacional de quatro meses. As Forças Armadas têm de possuir um núcleo duro de voluntários e contratados, de formação profissional especializada, em número adequado, reforçados por mobilizados que terão de ser ainda voluntários e contratados. Como os voluntários e contratados, só acorrerão se o "mercado militar" souber situar-se ao nível remuneratório e de regalias gerais do "mercado civil", estamos perante uma lei que se aplica só aos conscritos, quando estes não são os principais actores.

A deficiente preparação dos mancebos do Serviço Efectivo Nacional só pode ser compensada se, periodicamente, forem organizados exercícios nacionais para treino e reciclagem desses mancebos, que permitam a sustentação de unidades aprontadas, o que me parece inviável quanto a meios e disponibilidade dos próprios mancebo.
Importa ainda referir que, sem a constituição. de "reservas de guerra" - equipamentos, materiais e abastecimentos militares - ao dispor das várias regiões e zonas militares, sem a activação e a colocação de meios à disposição do Conselho Nacional de Protecção Civil de Emergência, sem, a orçamentação anual dos recursos financeiros colocados à disposição do Sistema Nacional de Mobilização e Requisição, não será possível reforçar a capacidade dos efectivos por mobilização.
Sem a interiorização destas necessidades, ponho em dúvida os princípios de mobilização expostos.
Quarta, o articulado da proposta de lei é, em grande medida, mais próprio de mobilizações e requisições das I e II Guerras Mundiais do que ditado por necessidades de um estado de guerra ou de sítio modernos.
Grande parte do articulado está imbuído de preocupações ultrapassadas. Refiro, por exemplo: a preocupação com a requisição dos meios e transportes que se achem matriculados em território nacional ou sob administração portuguesa - suponho que o Sr. Secretário de Estado está a referir-se a Macau e, porventura, a Timor Leste; a preferência da mobilização militar sobre a mobilização civil; a preocupação que o Governo tem de assegurar o funcionamento das empresas ou serviços requisitados, mediante a intervenção das Forças Armadas na sua gestão; a grande preocupação com as condições de requisição de alojamentos e outros bens para forças em campanha, quando, neste século, ainda não combatemos uma só vez que fosse no interior das nossas fronteiras; finalmente, a não inclusão na lista de indisponibilidades para a mobilização militar de todos aqueles que guarnecem os centros de coordenação da protecção civil, as formações sanitárias da
Cruz Vermelha Portuguesa, do Instituto Nacional de Emergência Médica, dos hospitais, etc.
A requisição, em termos de guerra moderna, deverá ceder lugar ao contrato conduzido por uma autoridade civil. Refiro-me, por exemplo, ao Serviço Nacional de Protecção Civil. Repito que a mobilização militar, para reforço da frente de guerra, deve recair sobre reservas de voluntários e de contratados com elevada- preparação e treino militar.
A mobilização para reforço das posições da rectaguarda, se necessário, deverá fazer-se a partir de efectivos do escalão de disponibilidade, que abrange o período de seis anos subsequente ao termo do serviço efectivo.
A mobilização civil tende a abranger mais mancebos, igualmente qualificados e especializados, do que os abrangidos pela mobilização militar de voluntários e contratados e deve, pois, ter preferência à mobilização militar do serviço normal.
A importância da cooperação das empresas no esforço exigido em estado de sítio ou de guerra deve ser de tal que considero dever ser alterada a filosofia do diploma neste ponto.
Quinta, não são claras as competências do Presidente da República, do Comandante Supremo das Forças Armadas, da Assembleia da República, do Governo e do Conselho Superior de Defesa Nacional nas declarações, nas propostas, nas autorizações e nas funções consultivas nos estados de guerra ou de excepção.
Se tivermos presente a edição da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, anotada pelo Coronel de In-

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fantaria José Manuel da Silva Viegas, encontraremos, na página 37, a seguinte anotação: "Os, artigos 13.º a 16.º, relativos a requisição e mobilização, dizem apenas respeito à defesa nacional, não podendo, por isso, haver requisições ou mobilizações em casos decorrentes do estado de emergência ou de necessidades da vida colectiva. Efectivamente, a proposta inicial envolvia essas situações e a supressão dessas referências teve exactamente em vista reduzir a requisição e a mobilização às questões emergentes da defesa nacional".
As mobilizações e as requisições contempladas na proposta de lei são determinadas pelo Governo antes ou depois da declaração do estado de sítio ou do estado de guerra pelo Presidente da República.
Para que a mobilização e a requisição possam efectuar-se antes da declaração do estado de sítio ou de guerra, a proposta devia conter dispositivos de entrada em vigor de "estados de alerta" e/ou de "prevenção", sob a forma de decreto-lei, promulgado pelo Presidente da República.
Até à declaração do estado de sítio ou de guerra, não deveria haver restrições de direitos, não deveria haver reforço das autoridades administrativas civis, nem apoio às mesmas por parte das Forças Armadas. Os órgãos do Serviço Nacional de Protecção Civil e as forças e serviços de segurança passam a um estado superior de prevenção.
Pese embora o elevado e apregoado sentido de Estado dos Deputados dos vários grupos parlamentares da Comissão de Defesa Nacional, as suas análises e as suas propostas são sistematicamente recusadas.
Às observações que fazemos no debate na generalidade, juntaremos, em sede de especialidade, algumas mais.
As dúvidas que nos assaltam obrigam-nos a votar desfavoravelmente esta proposta de lei. Contudo, estamos disponíveis para manter a nossa colaboração até ao fim dos debates em Comissão.
0 sentido da nossa votação só será alterado face a nova filosofia e se virmos que as nossas questões são tidas em devida consideração.

Aplausos do PS

0 Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Simão Ricon Peres e Correia de Jesus.
Tem a palavra o Sr. Deputado Simão Ricon Peres.

0 Sr. Simão Ricon Peres (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Pereira, ouvi com muita atenção a sua intervenção e devo dizer que não disse mais do que eu já esperava. Respeito muito as suas posições, mas penso que o Sr. Deputado continua a insistir nalgumas confusões de espírito e que tem um espírito sobressaltado.
Permito-me ler dois pequenos trechos - e isto dada a sua confusão relativamente ao estado de emergência -, para o que me socorro do relatório, em que um deles refere o seguinte: "Parece-me, em primeiro lugar, que as deduções de mobilização e requisição devem ser nesta lei estritamente circunscritas à defesa nacional e não aos estados de sítio e de emergência, visto que é sentimento geral que estas duas situações não devem ser contempladas no presente diploma". Estávamos a tratar da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, a Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro.
Mais à frente, refere o seguinte: "Parece-nos que a mobilização e, porventura, a requisição, mas mais esta do que aquela, não é um instrumento que se utilize apenas em caso de guerra. A mobilização pode, inclusivamente, ser

um poderoso factor dissuasor de um conflito perante uma ameaça ou perante uma crise. Circunscrever a possibilidade da mobilização e da requisição ao caso de guerra é restringir o estado de um poderoso meio de intervenção numa crise ou num conflito".
Sr. Deputado Eduardo Pereira, como sabe, estas palavras não são minhas mas do Sr. Deputado Jaime Gama, que as produziu aquando da discussão da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Tendo à minha frente um parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional favorável a esta proposta de lei, pergunto ao Sr. Deputado, como digno conselheiro do Conselho Superior de Defesa Nacional, qual foi a sua posição de voto nessa casa.

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado Eduardo Pereira, há mais um orador inscrito para pedir-lhe esclarecimentos. Pretende responder já ou depois desse pedido de esclarecimento?

0 Sr. Eduardo Pereira (PS): - Respondo depois Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

0 Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Pereira, quero apenas deixar duas pequenas notas, à laia de pedido de esclarecimento.
0 Sr. Deputado mostrou-se muito preocupado com o preâmbulo da proposta de lei n.º 49/VI, mas, como sabe, o preâmbulo não fará parte da lei definitiva. Daí que seja legítimo perguntar se, em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o Sr. Deputado Eduardo Pereira encontra no articulado da proposta de lei alguma disposição que ponha em causa esses direitos, liberdades e garantias. Esta a minha primeira pergunta.
Quanto às suas preocupações acerca do excesso de previsibilidade do legislador, gostava de dizer ao Sr. Deputado que a capacidade de prever do legislador fica sempre aquém da realidade. Se é verdade que, nos tempos que ora correm, já não se justificam as mobilizações atinentes às duas últimas guerras mundiais, nada demonstra que, numa guerra dos nossos tempos, não seja preciso recorrer a transportes, a hospitais ou a instalações hoteleiras, tal como prevê esta proposta de lei.
Sr. Deputado, sobre estes dois pontos gostava de ver explicitado o seu pensamento.

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

0 Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados Simão Ricon Peres e Correia de Jesus, começo por agradecer as vossas questões.
Estranho que o Sr. Deputado Simão Ricon Peres me pergunte qual foi o meu sentido de voto, se tanto na síntese do relatório feita pelo Sr. Deputado Simão Ricon Peres como na intervenção do Sr. Deputado Correia de Jesus fizeram referências claras e nítidas a toda a minha intervenção no Conselho Superior de Defesa Nacional, embora as actas sejam confidenciais e os senhores não pertençam ao Conselho ... ! Mas vou descansá-lo, Sr. Deputado: votei contra. E só o fiz pelas razões que hoje voltei a invocar

0 Sr. Simão Ricon Peres (PSD): - Votou em minoria!

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0 Orador: - Claro que votei em minoria, pois o resto do Conselho Superior de Defesa Nacional era constituído por membros do Governo e por militares. Como é que não se está em minoria no Conselho Superior de Defesa Nacional?!... Como o seu colega Deputado não votou nem falou, não sei o que ele pensa!
Disseram ambos os Srs. Deputados que eu tenho o espírito sobressaltado, que estou preocupado. É verdade! Estou preocupado, porque esta proposta de lei não refere em nenhum dos seus artigos que há um momento na vida nacional em que a mobilização não possa fazer-se. A mobilização pode fazer-se sempre!... Aliás, na minha opinião, o Governo fez este diploma por duas razões.
Primeira, porque cometeu o erro de criar um serviço militar obrigatório de quatro meses, de rompão e sem saber o que fazia. Em nenhum quartel deste país, o serviço militar é inferior a sete meses. Os senhores não só aliciam os jovens para votarem no PSD, dando-lhes quatro meses de serviço militar obrigatório, como, a seguir, sem nada dizerem, aumentam esse serviço militar para sete meses. Essa foi uma das razões que levou ao aparecimento deste diploma. Mas têm de explicar à juventude portuguesa que lhe ofereceram um "rebuçado" de quatro meses e todos os anos vão chamá-los às fileiras para treinar!

0 Sr. Simão Ricon Peres (PSD): - Onde é que isso está? Não é isso!

0 Orador: - Então, os senhores criam o estatuto da mobilização e não pensam mobilizar nunca?!...
A segunda, que é clara em toda o diploma, é que os senhores estão dispostos a pôr a tropa na rua por razões que me preocupam.

0 Sr. Correia de Jesus (PSD): - 15so não é verdade!

0 Orador: - É verdade. Os senhores têm de provar isso! Se não dizem que neste ou naquele estado não há direito a mobilização, eu fico tranquilo; mas se no diploma dizem que a mobilização e a requisição podem fazer-se sempre, bem, quando o Sr. Primeiro-Ministro quiser, faz uma mobilização. É assim que está aqui!
Sr. Deputado, agradeço a referência que fez ao meu camarada Jaime Gama. No Conselho Superior de Defesa Nacional, rebati isso. Como o Sr. Deputado tem consigo o relatório, não lhe respondo e remeto-o para a leitura do mesmo.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - 0 Sr. Deputado Correia de Jesus arranjou uma maneira de fugir à requisição. Eu protesto que, em 1994, um partido que se diz liberal escreva que está disposto a pôr militares à frente das empresas com medo que elas não correspondam às necessidades do País. Bem, em qualquer país moderno, hoje, resolve-se essa questão com o sistema de contrato com as empresas. Há
contratos-tipo que se aplicam em determinadas épocas para que as empresas possam guardar alguma obediência à necessidade do esforço militar. 0 que os senhores não podem é ameaçar as empresas de substituírem as administrações em qualquer momento que queiram por militares. Como os senhores continuam a não dizer que a mobilização e a requisição não se podem executar sempre que o Primeiro-Ministro decrete, isto é um perigo. 0 Sr. Deputado Correia de Jesus mistificou...

0 Sr. Simão Ricon Peres (PSD): - 0 Presidente da República aprovou!

0 Orador: - ..., não falou na palavra empresa. 0 Sr. Deputado sabe tão bem que isto é verdade que falou nos hospitais, nos transportes .... 0 senhor disse onde ela, na verdade, deve ser aplicada.
Sr. Deputado, risque as empresas, arranje contratos para as empresas e estaremos de acordo.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: 0 PCP anuncia, desde já, que vai votar contra esta proposta de lei de mobilização e requisição.
Já, em sede de Comissão, enunciámos os perigos que a proposta contém, denunciámos as inconstitucionalidades, mostrámos o carácter perverso dos objectivos que procura atingir. Mas o relatório da Comissão, elaborado pelo Sr. Deputado Simão Ricon Peres, é minucioso e exaustivo, mostra que o PSD - e, portanto, o Governo - quer defender e justificar o que é, claramente indefensável e injustificável. A lógica política, para o PSD e para o Governo, sobrepõe-se às imposições da Constituição e dos objectivos de política de defesa nacional que dela decorrem.
0 cerne da discordância do PCP toma-se claro a partir do momento em que se põe em evidência qual a razão de ser da proposta, o que é que ela visa colmatar e como o faz.
A verdade é que esta lei de mobilização tornou-se urgente para o Governo porque, com o desmantelamento, na prática, do serviço militar obrigatório - que é o que resulta da sua passagem para quatro meses -, a forma que o Governo descobriu para colmatar o vazio militar que assim é criado foi a de fazer crescer, a todo o tempo, as Forças Armadas portuguesas com recurso à mobilização dos cidadãos.
15to é, as Forças Armadas contraem-se para níveis de vida vegetativa e os cidadãos, na sua maioria, são, aparentemente, dispensados de obrigações militares e uma pequena minoria faz um Serviço Efectivo Normal (SEN) de quatro meses. Tudo isto é ilusão porque, em compensação, todos os portugueses ficam sujeitos a ser chamados, a todo o tempo, a integrar o aparelho militar através do regime de mobilização!
E como é que isto é feito? Através da criação de um novo estado de excepção, não previsto na Constituição, e declarado pelo Governo, à margem das regras constitucionais fixadas para os estados de excepção.
Assim, além do estado de sítio e do estado de emergência e do subgénero estado de guerra, o Governo cria uma espécie nova de estado de excepção, que, no preâmbulo da proposta de lei, é apresentada de forma chocante, com a invocação de conceitos tão perigosos como o da "maleabilidade" e o da "impossibilidade de o legislador ter a pretensão ingénua de tudo prever e regular", que foi agora referido pelo Sr. Deputado Correia de Jesus, isto é, conceitos que, à partida, fazem a defesa da imprecisão e arbítrio deste novo estado de excepção constitucional.
É esta realidade que é preciso analisar.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - Não vamos entrar no detalhe da proposta de lei, porque não temos tempo. Porém, muito haveria a dizer de uma proposta que não esquece as indemnizações para os que vêem as suas propriedades requisitadas - e isto apesar de a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas

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referir que não há indemnizações por prejuízos resultantes, directa ou indirectamente, de acções de guerra - e, ao mesmo tempo, estatui para os que vêem o seu trabalho mobilizado que já não há indemnizações.
Vamos, pois, e tão-só, ao essencial.
Para se perceber todo o alcance da proposta é preciso não esquecer o seu antecedente próximo, o artigo 11.º da proposta de lei n.º 190/V, a chamada LOBOFA (Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas). Esse artigo 11.º tinha por epígrafe "Situações de crise" e dizia: "Para efeitos do presente diploma, constituem situações de crise as que correspondam a grave tensão entre Estados ou alianças de Estados e ameacem evoluir ou degenerar em conflito armado, bem como as que, no âmbito interno, correspondam a um estado de excepção que possa constituir ameaça às actividades de defesa nacional, desde que sejam reconhecidas como tal pelo Conselho Superior de Defesa Nacional". Um dos efeitos previstos para estas situações de crise era precisamente a mobilização e a requisição.
Recordo que esta proposta provocou uma forte reacção na Assembleia da República, uma reacção imediata, e foi com muita relutância que o Governo abandonou o artigo, mas ficou logo anunciado que o debate sobre a matéria se ia transferir para a proposta de lei de mobilização e requisição, que desde logo o Governo anunciou que ia entregar.
Havia, então, duas soluções. A solução constitucional teria de partir da existência de Forças Armadas com a missão de prosseguirem, na componente militar, os objectivos permanentes da política de defesa nacional, o que pressupõe eficiência e capacidade de dissuasão. Neste quadro, que é o quadro constitucional, a mobilização e a requisição são medidas, por natureza, excepcionais, enquadradas forçosamente num estado de excepção, constitucionalmente previsto e regularmente decretado.
A outra via, a inconstitucional, é a que vem proposta. Parte de umas forças armadas minimizadas por força da subversão do artigo da Constituição que diz que a base organizativa das Forças Armadas é o serviço militar obrigatório.
Este artigo não está a ser cumprido.
As Forças Armadas são dimensionadas e preparadas essencialmente para operações externas, integradas em forças multinacionais, de acordo com o novo conceito estratégico da NATO. Neste quadro, a mobilização militar passa a ser um meio estruturante normal das Forças Armadas. Pode dizer-se que, onde está escrito que a base organizativa das Forças Armadas é o serviço militar obrigatório, passa a figurar, implicitamente, que essa base organizativa é o serviço por mobilização.
0 Sr. Ministro da Defesa Nacional, o Sr. Secretário de Estado e os Srs. Deputados conhecem perfeitamente a posição do PCP sobre toda esta questão. Consideramos, e continuamos a considerar, que o SMO, de quatro meses, foi um erro histórico, foi um erro de consequências gravíssimas...

0 Sr. Marques Júnior (PS): - Muito bem!

0 Orador: - Dissemo-lo com frontalidade e coerência, não andámos aos ziguezagues nessa matéria.
E é com a mesma frontalidade que aqui criticamos as soluções da proposta de lei, que transformam em rotina o que devia ser excepcional e que, por isso mesmo, acabam por subverter as características próprias e os limites definidos constitucionalmente para os estados de excepção.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - É evidente que, no sistema que defendemos, o que resulta da Constituição, o Governo tem sempre a possibilidade de fazer crescer as Forças Armadas através da convocação das classes militares na disponibilidade, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, alínea b) da Lei do Serviço Militar (que, de resto, o Sr. Deputado Eduardo Pereira também citou). Essa é a lógica dos sistemas assentes no SMO: os militares do SMO, depois do serviço efectivo, têm o período de disponibilidade, durante o qual podem ser convocados, podendo, assim, aumentar os efectivos das Forças Armadas.
A mobilização está para além dessa convocação dos disponíveis e reporta-se, também, a civis e a militares já licenciados. Nos termos em que é apresentada na proposta, esta mobilização institui uma espécie de estado de sítio material, embora não declarado formalmente.
Dizer que isto é correcto, que é correcto que a mobilização possa ser decretada fora dos quadros de excepção constitucionalmente definidos é não perceber, ou não querer perceber, minimamente o que significam as palavras e a que realidades elas se reportam.
A mobilização implica restrição de direitos fundamentais. Os mobilizados passam a ser sujeitos à condição militar; os civis, por exemplo, não podem fazer greve e também lhes podem ser aplicados os regulamentos militares; impendem limitações sobre os proprietários, as empresas e a comunicação social.
0 relator, em sede de Comissão, defendeu a não aplicação do disposto no artigo 19.º da Constituição, mas o disposto nos artigos 273.º a 276.º. E cita muito Vital Moreira e Gomes Canotilho.
Eu também os quero citar, mas vou citar o essencial sobre esta questão. E o que é essencial aqui é que os estados de sítio e de emergência são os únicos estados de excepção previstos na Constituição. 15to é, "0 estado de sítio e o estado de emergência são mais extensos que o estado de guerra ou o estado de insurreição
( ... )", que, aliás, não têm autonomia constitucional e são, portanto, consumidos por aqueles. A fórmula constitucional engloba os clássicos état de siege réel (estado de sítio militar) e état de siege politique (estado de sítio político).
Está tudo dito, Srs. Deputados! Pode ler-se em "Constituição Anotada", pág. 156, de Vital Moreira e Gomes Canotilho.
Os estados de excepção podem implicar as limitações de direitos previstas no artigo 19.º da Constituição. As razões são diferentes. 0 que diz o artigo é que pode haver limitação, mas nada obriga a essas limitações, depende da situação. E o elenco de restrições é decidido caso a caso e é objecto da lei de autorização, aprovada pela Assembleia da República. Mas as limitações de direitos não são obrigatórias. E o que é importante no estado de excepção, decretado nos termos constitucionais, é que é a própria Constituição que define os seus limites quanto aos fundamentos, à extensão territorial, à duração, aos poderes conferidos às autoridades militares e civis, à especificação das eventuais restrições.
E, portanto, na matriz constitucional que estão definidos os limites para esse estado de excepção, e isso é que é importante. A Constituição também define, a este propósito, qual é o formalismo essencial a respeitar: a competência exclusiva do Presidente da República, para decretar estes estados, a autorização da Assembleia da República e a intervenção do Governo.
A ligação da mobilização aos estados de excepção, constitucionalmente previstos, é uma garantia - a única garantia - de que são respeitados os limites constitucionais. Aliás,

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o legislador teve tanto a noção da debilidade da proposta, resultante da criação deste novo estado de excepção, que, por isso, ensaia uma espécie afixação em lei, de uma espécie de balizas, quanto a fundamentos, âmbito e duração. Tudo muito fluido. Por exemplo, a duração é "por períodos determinados, prorrogáveis ou não, e pode ser escalonada no tempo". 15to não é limite nenhum!
Mas, estes mesmos escassos limites legais são limites de natureza exclusivamente legal, não constitucional, e podem sempre ser alterados por qualquer acto de mobilização, uma vez que são feitos por decreto-lei.
A mobilização configurada na proposta cria, pois, uma espécie de estado de sítio permanente, accionável a qualquer momento e deixa de ser competência do Presidente da República.
Para a execução deste estado de sítio cria-se na proposta um "sistema nacional de mobilização e requisição", embora não se defina a sua estrutura e funcionamento. Só que na LOBOFA (Lei Orgânica de Bases da Organização das Formas Armadas) já se diz que cabe ao Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas "estudar e planear a preparação da passagem das Forças Armadas de uma situação de tempo de paz para uma situação de guerra nomeadamente quanto à mobilização e requisição militares".
Não é, pois, difícil de prever que, na parte militar, este sistema tem topo no topo da hierarquia militar.
0 sistema de mobilização envolve coisas graves, envolve a elaboração de fichas sobre os cidadãos (da forma como eles podem ser chamados); envolve chamadas de disponíveis e licenciados; envolve elaboração de planos, da mais variada natureza.
Mas, Srs. Deputados, às vezes, a vida prega-nos partidas muito engraçadas.
Fizeram o tal novo conceito de serviço militar para reduzir as obrigações dos jovens, para os dispensar dos encargos da vida militar, tudo em nome do tal facilitismo que a Ministra da Educação aqui ontem exautorava. E, afinal, do novo conceito acaba por resultar mais um sistema de controlo dos cidadãos, mais obrigações sobre os cidadãos, mais militarização da sociedade no seu conjunto, mais possibilidades de os cidadãos irem cumprir obrigações militares.
Da nossa parte, dizemos ao Governo que continuaremos a denunciar a situação de ruptura a que se chegou na política de defesa nacional. É em coerência com essa denúncia, para garantia da defesa nacional e por respeito à Constituição e aos direitos dos cidadãos, que votamos contra a proposta do Governo.
Termino, dizendo o seguinte: estou de acordo com as referências que foram feitas pelo Sr. Presidente da Assembleia da República quanto ao esforço que foi feito no relatório e à qualidade que se lhe proeurou emprestar, mas tenho de dizer que, no que toca à natureza jurídica do acto de mobilização tal como ele está configurado nesta proposta, a minha convicção profunda, a minha séria convicção é que ele afronta a nossa Constituição.

Aplausos do PCP.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

0 Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, antes de, propriamente, iniciar a minha intervenção, gostaria de me referir ao facto de esta manhã ter ouvido em noticiário da rádio que a Assembleia da República ocuparia a sessão de hoje com a discussão de um projecto de lei relativo à utilização de cartões de pagamento automático. Imaginei que se tratasse de uma alteração à ordem do dia, mas chegando aqui constatei que, de facto, vamos tratar desse assunto. Mas estamos, também hoje, a tratar de um assunto muito importante, que é a proposta de lei sobre a mobilização e a requisição no interesse da Defesa Nacional.
Deixo aqui esta nota, porque, de facto, o noticiário assim elaborado parecia ter omitido a referência a um diploma fundamental, que está aqui a ser discutido e que diz respeito a muito mais cidadãos do que os cartões do crédito.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Senhoras e Srs. Deputados: Na decorrência da Constituição da República e da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, os órgãos legislativos competentes - a Assembleia da República e o Governo - vêm dotando o País com os diplomas necessários à modernização, redimensionamento e reequipamento das Forças Armadas, adequando a estrutura militar à defesa do território nacional, bem como ao cabal cumprimento das obrigações decorrentes de tratados celebrados pelo Estado português em matéria de defesa e cooperação.
Assim, o edifício legislativo da defesa nacional encontra-se praticamente completo.
Ao nível da estratégia global do Estado foram apresentadas e discutidas as Grandes Opções e aprovado o novo conceito estratégico de defesa nacional. Foi definido um novo sistema de forças nacional, que serviu de base à elaboração da 2.ª Lei de Programação Militar e foram também aprovados os novos dispositivos dos ramos das Forças Armadas.
No âmbito da componente militar da defesa nacional, na vertente da estratégia estrutural, foram publicadas as leis orgânicas do Ministério da Defesa Nacional, do Estado Maior General das Forças Armadas e dos Ramos, materializando-se, pela primeira vez, uma reestruturação integrada entre Exército, Marinha e Força Aérea.
Quanto à estratégia para obtenção de recursos humanos e materiais, como é do conhecimento de VV. Ex.ªs, foram introduzidas alterações no recrutamento de pessoal, de que se destaca a adopção de um novo conceito de serviço militar obrigatório e a introdução de serviço militar feminino, e a 2.ª Lei de Programação Militar está em execução, sendo já visível a modernização das nossas Forças Armadas.
Porém, para se concluir o edifício legislativo de defesa nacional faltava legislar sobre dois domínios fundamentais: o da mobilização e requisição no interesse da defesa nacional e o da justiça militar.
Com tal objectivo, o Governo apresentou nesta Assembleia a proposta de lei ora em discussão e ainda a proposta de lei de Bases da Justiça Militar e da Disciplina das Forças Armadas e a proposta de lei que estabelece o regime de queixa ao Provedor de Justiça em matéria de defesa nacional e Forças Armadas.
Espera-se que, até ao final da presente legislatura, estejam discutidas e votadas todas estas leis, de modo que, em matéria tão fundamental como a da defesa, não persistam lacunas nem diplomas desajustados às necessidades estratégicas do País e ao novo quadro internacional.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A proposta de lei sobre mobilização e requisição no interesse das Forças Armadas é tão importante no contexto de qualquer sistema de defesa que se poderá dizer que leis deste tipo existiram desde sempre e vigoram hoje em todas as sociedades politicamente organizadas.
É que, como se diz no relatório da respectiva Comissão, "qualquer plano de Defesa Nacional estaria incomple-

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to e gravemente comprometido nos seus objectivos e eficácia, se nele não fosse contemplada a possibilidade de reforço e crescimento imediato do dispositivo militar, quando o circunstancialismo de paz é posto em causa pela guerra, pela agressão iminente ou efectiva ou por uma real ameaça à Independência Nacional, à integridade do território ou da liberdade e segurança das populações e, em geral, aos objectivos permanentes da política de defesa nacional".
Apesar de necessária, a lei em apreço reporta-se a situações que se consideram anormais no contexto da vida colectiva e a sua aplicação opera-se em condicionalismo que, envolvendo o exercício de poderes-deveres, poderão implicar a limitação ou sacrifício temporário de direitos subjectivos fundamentais.
Por isso, a proposta é extremamente cautelosa e rigorosa na definição dos objectivos, na caracterização das figuras jurídicas em apreço, na delimitação do âmbito subjectivo, da mobilização e do âmbito objectivo da requisição, o mesmo acontecendo em relação à duração da sua vigência e às consequências do seu não cumprimento. Tudo ao contrário daquilo que foi aqui afirmado pelos ilustres oradores que me antecederam.
Na presente proposta de lei, o que está em causa, antes de mais, é a obtenção dos recursos humanos e materiais imprescindíveis à garantia e realização integral dos objectivos permanentes da política de defesa nacional. E tais objectivos são tão-só os que se encontram enunciados na Constituição e na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Não há aqui lugar para qualquer tipo de dúvidas, muito menos as que se relacionam com a referência à segurança interna. Com efeito, o texto da proposta limita-se a remeter para a Constituição e para a Lei de Defesa Nacional, sendo que nestas a segurança interna está indissociavelmente ligada à agressão ou ameaça externas.
Também não se aceita qualquer tipo de conexão necessária que pretenda fazer-se entre a mobilização e requisição as figuras do estado de sítio e de emergência.
E diversa a sua fonte constitucional, já que a declaração do estado de sítio ou de emergência está prevista no artigo 19.º da Constituição, enquanto a mobilização e requisição derivam da previsão do artigo 273.º.
E também diverso o seu conteúdo e alcance, já que o estado de sítio ou de emergência implica a suspensão de direitos, liberdades e garantias, enquanto a mobilização e requisição decorrem, como referi, do exercício de direitos-deveres dos cidadãos por elas abrangidos.
Para além da identificação clara e inequívoca dos valores e objectivos que presidem à mobilização e requisição, a proposta, ciente das suas implicações sobre a esfera jurídica concreta dos respectivos destinatários, subordina as medidas de mobilização e de requisição ao princípio da legalidade, clara e expressamente enunciado no artigo 6.º e reforçado no artigo 12.º com a tipificação das situações que podem dar origem à mobilização e à requisição.
Salienta-se ainda a humanização do instituto da mobilização que resulta do disposto no n.º 2 do artigo 32.º, onde se manda atender não só às aptidões físicas e intelectuais dos cidadãos mobilizados, mas também ao contexto sócio-profissional em que eles se integram.
No que toca à requisição, merece destaque o facto de a proposta, no seu artigo 43.º, consagrar o direito dos titulares dos bens requisitados a receberem uma justa indemnização, calculada nos termos gerais de Direito, aspecto em que é possível distinguir positivamente a requisição no interesse da defesa nacional dos outros tipos de requisição.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esta proposta de lei é o resultado do diálogo frutuoso e construtivo que tem caracterizado a acção do Governo no seu relacionamento com a instituição militar. Temos presentes os comentários que, em sede de comissão, foram carreados por personalidades e instituições e que poderão enriquecer a proposta na especialidade.
Também nos anima a preocupação de consensualidade que tem caracterizado a produção legislativa desta Assembleia em matérias de Estado, nomeadamente nas respeitantes à defesa nacional e às Forças Armadas.
Por tudo isto, estamos convencidos de que esta proposta de lei, pelo seu rigor técnico-jurídico e pela bondade das soluções nela consagradas, se converterá em breve numa modelar lei de mobilização e requisição no interesse da defesa nacional. Por isso, vamos começar por votá-la favoravelmente na generalidade.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos grupos de professores, alunos e autarcas que se encontram presentes nas galerias a assistir à sessão, aos quais prestaremos de seguida a nossa habitual homenagem.

0 Sr. Secretário (Caio Roque): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, assistem à sessão professores e alunos da Escola Secundária Vitorino Nemésio de Lisboa, da Escola Secundária de S. João da Talha, do Colégio de S. José de Sintra, da Escola Secundária n.º 2 do Seixal, da Escola Profissional de Gaia e do Centro de Estudos de Fátima, bem como um grupo de 56 autarcas de Armamar.

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional.

0 Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional: Sr. Presidente, Srs. Deputados: Prevaleço-me do tempo que ainda me resta para, em jeito de intervenção, me referir a quatro pontos que poderão ajudar a clarificar as opções que os Srs. Deputados serão chamados a tomar quando votarem a presente proposta de lei.
Surpreende-me, em primeiro lugar, que da parte do Partido Socialista se esteja neste momento a questionar esta proposta de lei na sua globalidade, quando na realidade, como está expresso nos preceitos da lei e vem exaustivamente esclarecido no seu preâmbulo, não se trata mais do que dar cumprimento à própria lei e à Constituição da República. Refiro-me sobretudo à Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, que foi aprovada nesta Casa, há 12 anos, com o apoio, em especial nesta matéria, do Partido Socialista e o voto contra do Partido Comunista, que nesta parte tinha uma outra perspectiva, coerente aliás com a que aqui foi apresentada pelo Sr. Deputado João Amaral.
Surpreendentemente, aparece-nos hoje o Partido Socialista a dar uma reviravolta completa à posição então adoptada. Não sei como classificar esta atitude, quando estamos perante situações em que, como tive ocasião de referir no meu discurso inicial, não há lugar para oportunismos políticos nem para quaisquer jogos de conveniência partidária.
Cumpre-me referir, em segundo lugar, que não é possível continuarmos a ouvir, como, de resto, já se tinha ouvido em sede de comissão, que o Governo pretende com a presente proposta de lei resolver problemas na área do novo serviço militar obrigatório. Dizer isto é, pura e sim-

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plesmente, desconhecer a realidade e constitui, sobretudo, uma atitude extremamente inqualificável que vem lançar a confusão. Nem sei a quem, nessas circunstâncias, interessa, nesta matéria, lançar a confusão.
Vejamos: o serviço militar obrigatório foi reduzido para quatro meses, com a possibilidade de alongamento na medida das necessidades efectivas. Actualmente, foi mais do que clarificado perante toda a gente, incluindo os Srs. Deputados, que este tempo de serviço militar já só se alongaria em situações muito excepcionais e a um número nunca superior a 12 % dos efectivos incorporados, Este serviço, conjugado com os efectivos dos quadros permanentes e com o regime de voluntários e contratados, é rigorosamente aquele que satisfaz o actual sistema de forças tal como foi definido.
Daí que vir dizer agora que o regime de mobilização serve para colmatar deficiências de recursos humanos no sistema efectivo normal é uma pura demagogia, já para não dizer que se trata de uma posição que não dignifica quem lança tal acusação, por revelar sobretudo, como já disse, a intenção de lançar a confusão e perturbar o espírito sobretudo dos jovens, que nos merecem mais respeito e devem ser esclarecidos, como temos vindo a fazer ao longo do tempo, relativamente ao cumprimento das suas obrigações de prestação do serviço militar.
Também me parece extremamente grave, em terceiro lugar, que não se tenha clarificado convenientemente a diferença entre o estado de sítio e de emergência e o instituto da mobilização e da requisição. 0 preâmbulo do diploma é exaustivo e pormenorizado na forma como diferencia essas duas situações. Há duas lógicas completamente diferentes. Quando falamos de mobilização e de requisição, estamos no âmbito da lógica constitucional dos interesses da defesa nacional. Quando falamos do estado de sítio e de emergência, estamos, no fundo, no quadro da lógica das restrições à acção dos indivíduos em momentos de particular perigosidade, em situações de crise ou calamidade pública e em situações que devam ser resolvidas exactamente num processo de restrição à acção dos indivíduos. Há, pois, formas, circunstancialismos e pressupostos diferentes para essas duas figuras consagradas na Constituição da República Portuguesa e na lei.
Por outro lado, o mecanismo previsto na proposta de lei que estamos a acabar de discutir na generalidade irá - é claro - determinar que a sua regulamentação deve ser feita por via de decreto-lei. Haverá, assim, um decreto-lei que estabelecerá a organização do próprio sistema de órgãos que irão assegurar a mobilização em caso de necessidade, definir os termos da intervenção do Estado e fixar os critérios de cálculo das indemnizações no caso das requisições. Trata-se, pois, de um decreto-lei que pode sempre ser chamado à Assembleia da República para efeitos de ratificação ou não e que constitui desde logo um instrumento normativo sujeito a todo o sistema de fiscalização constitucionalmente estabelecido.
Finalmente, não é possível ignorar que todo este mecanismo de proposta e determinação da mobilização e da requisição é obrigatoriamente precedido pela consulta do Ministro da Defesa Nacional ao Conselho Superior de Defesa Nacional, presidido, como sabem, pelo Presidente da República. Só depois de emitido o parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional, pode o Ministro da Defesa Nacional determinar, por via legal, a mobilização ou a requisição.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, espero que as minhas palavras tenham contribuído para ajudar a clarificar as situações. Que fique bem claro, sobretudo, que o que aqui está em causa é uma questão de Estado e não uma questão de interesse partidário ou de política conjuntural; é um imperativo fundamental da Constituição e da lei, à qual todos temos de obedecer.

0 Sr. Eduardo Pereira (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

0 Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - É para falar, mas não dispõe de tempo!

0 Sr. Eduardo Pereira (PS): - Como não tenho tempo o Sr. Deputado Nuno Delerue anota bem estas coisas solicitaria a palavra para defesa da honra.

0 Sr. Presidente: - A Mesa concede-lhe a palavra, por um minuto, para dizer o que entender, não necessitando de recorrer à figura regimental invocada.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Eduardo Pereira (PS): - Agradeço-lhe a atenção, Sr. Presidente.
Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, foi por uma questão de Estado que votámos contra. Esse chavão da questão de Estado não colhe, porque foi exactamente por uma questão de Estado que o PS votou contra.
Procurei expressar a minha opinião e a do meu partido sem procurar ofendê-lo. 0 Sr. Secretário de Estado não pode refugiar-se sempre em demagogias e reviravoltas. Quer o Sr. Secretário de Estado convencer-me de que por ter votado favoravelmente a Constituição tenho de engolir todos os sapos que me traga aqui? Não pode ser! 0 Sr. Secretário de Estado trar-me-ia sapos verdes e eu teria que os engolir?! Sapos encarnados ainda engulo alguns, mas verdes, laranjas e outros não posso engolir!...
Que o serviço militar obrigatório continua em sete meses é uma realidade e quase diria, Sr. Secretário de Estado, que dizer o contrário é demagogia. Estivemos agora na Madeira e as informações que obtivemos, nas visitas que efectuámos, são no sentido de que a duração do serviço é de sete meses em todos os sítios.
Dizer-se que vão ao Conselho Superior de Defesa Nacional para obter a aprovação da medida não tem cabimento, porque os senhores têm no Conselho Superior de Defesa Nacional a maior maioria de sempre, de alguns 14 contra um. Não merece a pena referir-me isso!

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional.

0 Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional: Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Pereira não pode V. Ex.ª continuar a falar em mobilização e requisição e, ao mesmo tempo, na prestação de serviço militar de quatro ou de sete meses. São realidades completamente diferentes...

0 Sr. Eduardo Pereira (PS): - Aponte o artigo, Sr. Secretário de Estado!

0 Orador: - ... e é exactamente por isso que, com todo o respeito e amizade que tenho por si, até por nos conhecermos há muitos anos e já termos tido ocasião de estar do mesmo lado em muitas matérias de interesse nacional, te-

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nho de insistir em lhe dizer que continua a usar do mais elementar princípio da demagogia e da confusão ao misturar as duas realidades em apreço.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Igualmente para fazer um comentário, pelo tempo máximo de um minuto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, creio que o que está em discussão - é isso que é importante - não é a necessidade de regular a mobilização, mas saber como o Governo a quer regular.
0 Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional, segundo creio, não tem qualquer razão em relação à impossibilidade de ligar mobilização com estados de excepção, quando é a própria Lei do Serviço Militar Obrigatório a fazê-lo no seu artigo 29.º. Diz textualmente a lei que os cidadãos em certas circunstâncias podem ser mobilizados "em casos de excepção ou de guerra nos termos legalmente previstos". 0 que os senhores fazem é não cumprir esta lei.
A ligação entre a questão da mobilização e a forma como o Governo quer regular a mobilização e o serviço militar é notória e resulta, por exemplo, das palavras de um especialista que o Sr. Secretário de Estado não dirá que actua por pura demagogia. Refiro-me ao General Belchior Vieira, que, em declaração prestada à comissão, diz textualmente que a mobilização adquire uma importância acrescida com o sistema militar de quatro meses e que é isso que justifica a urgência que o Governo tem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional.

0 Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional: Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, em primeiro lugar devo dizer que estamos de acordo em que a lei do serviço militar em vigor prevê o princípio da mobilização para os efeitos estabelecidos nesse artigo 29.º. Todavia, o que esta lei de mobilização e requisição está a fazer é a prevenir um quadro legal com base nos princípios mais elementares da Constituição e da Lei de Defesa Nacional e ao qual se recorrerá em circunstâncias absolutamente excepcionais, por períodos rigorosamente curtos e ligados aos pressupostos e às circunstâncias que determinaram a mesma mobilização e para ocorrer a situações em que os objectivos da defesa nacional estão em causa, ou seja, a independência nacional, a soberania nacional e a defesa e protecção das populações contra qualquer agressão ou ameaça externa.
Essa é que é a grande diferença, Sr. Deputado. E nessas circunstâncias o Estado não pode estar desarmado. Deus queira - todos nós o desejamos - que nunca este país tenha que recorrer a esta lei. Mas estar desprevenido é estar desarmado. É por isso que dizemos que esta lei está ligada directamente à organização da soberania dado estar ligada aos interesses essenciais da defesa nacional.
Sr. Deputado, continuar a insistir nestas posições - já o disse - é coerência do Partido Comunista. Quando se debateu este problema, aquando da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, os senhores não estiveram de acordo. Todavia, penso que temos razão. E não estamos isolados!

Tenho conhecimento de que a Comissão parlamentar de Defesa Nacional fez uma larga audição e seria interessante que os Srs. Deputados aqui se referissem a essa ocorrência. 0 Sr. Deputado citou agora o Sr. General Belchior Vieira, que, aliás, não esteve contra esta proposta, mas eu poderia citar outras intervenções. Podia citar o parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados.

0 Sr. Eduardo Pereira (PS): - Não está a favor.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Se me der um minuto, dou a minha, opinião sobre esse parecer, que é uma vergonha,

0 Orador: - No fundo, quem é que está isolado? É o Governo ou é a oposição?

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por encerrado o debate da proposta de lei n.º 49/VI, que será votada, na generalidade, tal como está anunciado desde quarta-feira, no fim dos nossos trabalhos de hoje.
Passamos à apreciação, também na generalidade, do projecto de lei n.º 410/VI - Utilização de cartões de pagamento automático (PS, PSD, PCP e CDS-PP).
Para proceder à síntese do respectivo relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos, por um período de cinco minutos.

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 projecto de lei n.º 410/VI é da iniciativa da Comissão de Economia, Finanças e Plano, subscrito pelos partidos aí representados, e visa, transitoriamente, suprir o vazio legislativo no enquadramento de operações relativas à utilização de cartões de pagamento automático - as vulgarmente conhecidas operações de utilização do cartão multibanco.
Os motivos pelos quais a Comissão de Economia, Finanças e Plano avançou com esta iniciativa estão explicados na carta que dirigi a V. Ex.ª, que passo a resumir muito rapidamente.
Por um lado, o vazio legal que já referi e, por outro, o facto de a Comissão ter conhecimento de que, apesar de haver um compromisso da Associação Portuguesa de Bancos com a opinião pública no sentido de suspender genérica e generalizadamente a aplicação de qualquer tipo de taxa, essa suspensão estar a ser ultrapassada na medida em que se tem conhecimento que alguns bancos continuam a aplicar esta taxa causando algumas perturbações junto de associações de comerciantes, nomeadamente retalhistas de venda de combustíveis, bem como junto dos cidadãos, que acabam por ficar impedidos da utilização deste tipo de cartões uma vez que essas associações reagem cortando os sistemas instalados.
Não se trata de legislar em definitivo pois a Comissão de Economia, Finanças e Plano teve consciência de que se trata apenas de uma medida transitória. Aliás, sobre o mesmo tema, há também no âmbito da Comissão de Economia, Finanças e Plano um projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista que, esse sim, objectiva uma regulamentação mais estruturante. Porém, foi entendido - e bem, a meu ver - pelos respectivos subscritores, depois de ouvirem os Deputados de outro partidos, nomeadamente os do PSD, que esse projecto de lei devia ficar suspenso até que fosse possível produzir legislação consensual, aliás, na linha e seguindo o exemplo do que sucedeu relativamente a esta solução transitória.
Como V. Ex.ª sabe - e aproveito para fazer esse anúncio à Câmara - hoje mesmo, e para evitar algumas diferen-

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ças de interpretação que podiam surgir relativamente ao que foi a primeira modulação do projecto a que me estou a referir, deram entrada na Mesa duas propostas de alteração que esclarecem melhor aquilo que, a meu ver, estava esclarecido no texto original mas que, de algum modo, tiram todo o tipo de preocupação, que, admito, pudesse existir no domínio da interpretação legislativa relativamente ao universo de aplicação deste projecto de lei.
Termino, Sr. Presidente, salientando a extrema importância que teve e o exemplo que significa esta iniciativa da Comissão de Economia, Finanças e Plano que reflecte um esforço de todos os partidos aí representados no sentido de consensualizar uma solução, repito, transitória que normalize uma situação que neste momento não estava de todo normalizada. Todavia, isto nada tem a ver com a audição parlamentar, que decorre nessa mesma Comissão e que se encerrará, no próximo dia 14 de Junho com a presença dos dois Secretários de Estado que foram convidados e que se destina a apreciar não só o processo conturbado que se viveu nos últimos tempos na sequência do lançamento, aparentemente de forma concertada, pelo sistema bancário, de uma taxa sobre a utilização dos cartões de pagamento automático.
São estas as palavras que, em jeito de introdução, suprindo a apresentação de um relatório mais circunstanciado, entendi dirigir à Câmara.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira.

0 Sr. Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de recordar, em nome da bancada do Partido Socialista, que na origem deste agendamento está uma acção concertada dos bancos que teve lugar numa assembleia geral da Sociedade Interbancária de Serviços, de acordo com acta que está disponível nesta Assembleia da República. E, segundo essa acta, os bancos decidiram fixar uma taxa interbancária de 0,7 % sobre as transacções efectuadas em terminais de pagamento instalados nos comerciantes. Esta taxa, deduzida de 8$, deveria ser paga pelos bancos dos comerciantes ou pelos bancos dos consumidores titulares de cartões.
Tudo isto indiciava claramente que estava em causa mais uma remuneração dos bancos por perda de liquidez do que uma remuneração de serviços que, na parte que estava avaliada, não contaria para mais do que 8$ por transacção. Esta deliberação, acerca da qual não existem indícios de concertação, seria repercutida sobre os comerciantes de modo uniforme por todos os bancos. Estes factos indiciam o comportamento padrão que Adam Smith denunciava há mais de 200 anos, ou seja, que todas as reuniões de produtores acabam em conspirações contra os consumidores.
Dada a reacção pública das associações de comerciantes e das associações de consumidores, a Comissão de Economia, Finanças e Plano promoveu uma audição onde todos os interessados tiveram oportunidade de se manifestar. E das diversas sessões da audição ressalta uma grande unanimidade de todas as representações partidárias, quer relativamente à inoportunidade da iniciativa dos bancos quer relativamente à sua aparente ilegitimidade. É que, efectivamente, não é correcto fazer repercutir sobre actos de comércio decisões que têm a ver com a vida dos serviços financeiros entre si, portanto, com as transacções interbancárias.
Assim, perante alguma falta de definição, quer do Governo quer da Direcção-Geral de Concorrência e Preços e do respectivo Conselho, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tomou a iniciativa de apresentar um projecto de lei que, com carácter minimalista, visava, no essencial, obrigar à contratação escrita das condições de emissão e utilização dos cartões de pagamento automático bem como a proibição da aplicação de taxas sobre as transacções, na medida em que considerámos o cartão de pagamento automático como meio de pagamento de interesse público e um instrumento financeiro relevante.
0 projecto de lei do Partido Socialista foi apresentado em Plenário e foi objecto de parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano seguindo toda a tramitação necessária ao seu agendamento. Posteriormente, e perante uma proposta do Grupo Parlamentar do PSD no sentido de suspender transitoriamente, até 31 de Dezembro, a cobrança destas taxas e de forma a criar uma oportunidade para que os diversos partidos apresentassem projectos autónomos, o Partido Socialista entendeu suspender as diligências para o agendamento do seu projecto de lei. Mas colaborou na rectificação do projecto então apresentado que acabou por ser subscrito pela generalidade dos Deputados presentes na Comissão de Economia, Finanças e Plano como projecto institucional da Comissão.
Está agora a esgotar-se o prazo que os bancos acordaram com o Governo para a suspensão da aplicação das taxas e, portanto, seria inadmissível que neste momento houvesse um volte-face na situação acordada. Assim, congratulamo-nos por, apesar das notícias publicadas na imprensa, se ter honrado o compromisso que tinha sido acordado, não obstante a pressão dos bancos e dos seus agentes de opinião mobilizados por orçamentos bastante chorudos de promoção de imagem.
A nossa posição está tomada e é no sentido de honrar o compromisso de representação dos eleitores e os acordos que, na defesa dos seus interesses, entendemos por legítimos. Não dispensamos, no entanto, a possibilidade de reapresentarmos ou rectificarmos o nosso projecto de acordo com especificações mais concretas.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A matéria que nos preocupa é, do ponto de vista tecnico-jurídico, das mais complexas que ultimamente temos aqui apreciado. Efectivamente, não está em causa o nosso - Assembleia da República e grupos parlamentares representados na Comissão de Economia, Finanças e Plano - repúdio por acções concertadas do sistema bancário (como referiu o Sr. Deputado Manuel dos Santos) que, de surpresa, aplicou taxas sobre a utilização dos chamados cartões multibanco. Nós, por princípio - falo a título pessoal, mas estou convencido de que tenho a maioria dos Deputados desta Câmara -, somos contra proibições de cálculo de preços na relação entre particulares, entendendo como particulares prestadores de serviços ou consumidores finais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Somos, por princípio, contra proibições desse género. Ou seja, lutámos contra o condicionamento industrial, que foi um "aborto" jurídico que vigorou durante a ditadura; lutámos contra o PREC e os modelos de gosplan que, na altura, o gonçalvismo nos quis impor; natural-

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mente, agora, não iríamos ter um procedimento ideológico e doutrinário diferente. Portanto, é bom que isso fique bem esclarecido.
Outra coisa, como disse, é ficarmos calados perante esta actuação da banca que consideramos negativa. Daí que nós, PSD, tal como outras bancadas, desde o PCP ao CDS-PP, passando naturalmente pelo Partido Socialista - tenhamos proposto e realizado várias audições no âmbito da Comissão de Economia, Finanças e do Plano. Simplesmente, uma coisa é o objectivo, outra coisa são as medidas legislativas para se atingirem esses objectivos. Nesse aspecto, temos de confessar a nossa relativa dificuldade para elaborar um projecto que atinja os objectivos pretendidos sem efeitos perversos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - As próprias entidade que têm de regular, fiscalizar e legislar especificamente sobre esta matéria estou a referir-me aos próprios Ministérios do Comércio e Turismo e das Finanças, ao Conselho da Concorrência e Preços e às entidades oficiais de auditoria nesta matéria têm revelado dificuldades para conseguirem elaborar uma legislação que, por um lado, evite posições de "cartelização", que prejudiquem os consumidores, os comerciantes e o livre jogo da concorrência, e, por outro lado, possam evitar situações de excessiva taxação do mercado que utiliza o sistema multibanco.
Daí que, como paralelamente a esta nossa preocupação parlamentar, governativa e administrativa estivesse a decorrer um processo de tréguas na aplicação de novas taxas, sobre o uso desses cartões a favor do sistema multibanco, para pagamento dos seus custos de funcionamento, tivéssemos resolvido avançar na Comissão de Economia, Finanças e Plano com um projecto de lei que visa manter até ao final do ano esta situação.
Ao mesmo tempo, com o referido projecto de lei, visávamos dar tempo ao Conselho da Concorrência e Preços, que ainda não conseguiu concluir os seus pareceres. Volto aqui a repetir isto, porque ainda ontem ouvi o juiz conselheiro presidente do Conselho da Concorrência e Preços dar conta das dificuldades que o mesmo conselho enfrenta. Ora, este é o órgão que, em termos de técnica jurídica, tem mais capacidade para apresentar soluções e ainda não conseguiu chegar a uma conclusão. Se os membros desse órgão são quem mais sabe da matéria e ainda não chegaram a uma solução, os Deputados, que não são, em princípio, especialistas da matéria, muito mais dificuldades terão; daí que tenhamos avançado com esta solução legislativa.
É esse o projecto de lei que foi apresentado à Mesa e é o que estamos a discutir. Entretanto, houve outras manifestações e aí tenho que saudar o Governo, que nos alertou para os efeitos perversos da redacção que consta desse projecto de lei. Foi isso que disse ontem aos meios de comunicação social e é isso que continuamos aqui a dizer: pretendemos evitar que "a emenda seja pior que o soneto".
Dessa forma, mais uma vez, os Deputados de todos os partidos que têm assento na Comissão de Economia, Finanças e do Plano, apresentaram propostas de alteração à redacção desse projecto inicial. Contudo, neste momento, devo confessar que tenho dúvidas se a redacção a que se chegou e que, muito voluntariamente e na maior boa-fé, os Srs. Deputados apresentaram na Mesa, será a mais correcta. Mas é aquela que - e isso tem que ficar bem registado - os Deputados, nestas circunstâncias, entendem que é a redacção possível para, num curtíssimo prazo, resolver essa questão.
Agora, vamos decidir sobre este projecto de lei e sobre as suas diversas redacções. 15to dentro do possível, porque - volto a dizer, como é fácil perceber numa leitura para um não jurista como eu sou - há aqui algumas dúvidas quanto à sua correcção jurídica.
Em todo o caso faço um apelo: que o Governo consiga, no mais curto espaço de tempo, regular esta matéria. Ou seja, voltar à normalidade, entendendo que tal é o funcionamento das forças de mercado, da economia de mercado, mas sem posições de concertação que prejudiquem essa mesma economia de mercado.
Se o Governo conseguir isso acho que cumprimos o nosso dever como câmara legislativa e o Governo e a Administração cumprirão o seu dever em benefício, no fundo, daquilo que nos move nesta matéria, que é a defesa dos consumidores e dos agentes económicos.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedirem esclarecimentos, os Srs. Deputados Manuel dos Santos e António Crisóstomo Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, vou aproveitar a oportunidade da figura regimental do pedido de esclarecimento para deixar registada a minha posição pessoal, quer enquanto Deputado desta bancada, quer enquanto Presidente da Comissão de Economia, Finanças e do Plano sobre o assunto, uma vez que também penso que é da máxima importância, não especificamente, mas porque em termos gerais se pode interpretar como uma tentativa de administrativamente condicionar alguma liberdade de actuação económica que deve existir num sistema político-económico como o que temos neste momento, e felizmente, em vigência em Portugal.
Há uma coisa que não percebi na intervenção do Sr. Deputado Rui Carp, que é a complexidade do assunto. Bem, acho que a complexidade deste assunto comparada, por exemplo, com a de um assunto que teremos de discutir aqui brevemente na Assembleia da República, que é o que se passou no caso Totta, é realmente de uma simplicidade total. Quer dizer, complexos são outros problemas que teremos de analisar.
Este problema é relativamente simples, sobretudo na etapa actual, em que se trata apenas de preencher transitoriamente um vazio legislativo, o que passa por se encontrar uma redacção que, atingindo só esse objectivo, transitoriamente, suspenda a aplicação de qualquer taxa sobre esse tipo de operações.
A formulação da comissão, insisto, parecia-me adequada porque não há cartões de pagamento automático que não sejam inevitavelmente cartões de débito. Por isso, o problema que o Sr. Deputado Rui Carp ontem levantava na comunicação social era um falso problema. 0 Sr. Deputado sabe bem isso! Era uma forma, digamos, de tornear a questão. Não há operações de pagamento com cartões automáticos que não sejam inevitavelmente de débito, porque se não, não são de pagamento. Se forem de crédito são de outro tipo de regularização. Portanto, a redacção estava certa. Mas, muito bem, o Governo deu-nos uma ajuda, como o Sr. Deputado disse, e sendo assim também aprovamos esta formulação, porque no fundo o objectivo é o mesmo.
Quanto à questão de fundo, manifesto aqui algum espaço de concordância com o Sr. Deputado Rui Carp. E, apro-

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veitando a oportunidade de o Sr. Deputado ter referido o caso, respondo um pouco ao presidente da Associação Portuguesa de Bancos. Também penso que o Parlamento português não pode encontrar uma solução especificamente portuguesa para esta situação. Há soluções que estão testadas nos sistemas bancários europeus e, portanto, não podemos ser inovadores, ou demasiadamente inovadores, nesta matéria, pelo que o futuro tem que ter em conta esta realidade. E a realidade é no sentido de que este tipo de operações, em sede de ajustamento do sistema bancário àquilo que são as suas obrigações perante um sistema económico e perante um sistema produtivo (num sistema em que haja esse tipo de evolução), têm de estar em conformidade com a posição oficial da União Europeia.
Assim sendo, não me repugna que isto seja tratado de uma outra maneira, onde eventualmente possa haver algum tipo de taxação em relação à prestação desses serviços.
Aliás, a filosofia do projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista e, nomeadamente, pelo Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira, tinha incita esta preocupação e esta filosofia.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Deputado Manuel dos Santos, quero agradecer-lhe a questão que me colocou. Na prática fez uma pergunta e já deu a resposta. E é essa que vou, no fundo, talvez tratar de outra maneira.
As dúvidas que tenho sobre este modo de tratar o problema resumem-se ao efeito dos multibancos internacionais. Ou seja, temos no mercado interno pagamentos através de cartões automáticos que são emitidos pelo sistema bancário estrangeiro e vice-versa; temos cartões de pagamento automático nacionais que são aplicáveis no estrangeiro. Portanto, há aqui implicações em que proibições, ou melhor, para utilizar a expressão do n.º 1 do projecto de lei, suspensões ou não permissões de taxações, ou de aplicação de comissões, podem ter efeitos que não estou a ver se são totalmente claros.
Para concluir, não somos contra que, através de acordos caso a caso, comerciantes e bancos fixem preços pela utilização de terminais multibancos.
Em princípio, somos contra quaisquer tipos de proibições neste campo. Só que dada a circunstância pontual de ter havido a súbita aplicação de uma taxa pelo sistema bancário, entendemos que é melhor ver se não há regulamentação na Europa que possa ser adoptada com eficácia em Portugal, e no mais curto espaço de tempo. 15to para que toda esta polémica termine e que não seja posto em causa o princípio da economia de mercado, que é aquele porque se norteia, suponho eu, a esmagadora maioria dos Deputados deste Hemiciclo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira para fazer o seu pedido de esclarecimento.

0 Sr. António Crisóstomo, Teixeira (PS): - Sr. Deputado Rui Carp, devo dizer-lhe que não aceito a etiqueta de gosplan que quis colocar a esta bancada. Faço-lhe notar que invocar-se um excessivo número de vezes a Constituição talvez não seja apropriado, nem adequado, à dimensão da questão em causa. Não sei que Constituição é que o Sr. Deputado Rui Carp tem lido: se é a Constituição da República Portuguesa, ou se é a constituição de uma "república das bananas"! Lembro-lhe que, efectivamente, não está propriamente em causa sobrepor, em termos de todos os valores, o funcionamento da livre contratação em economia de mercado como modelo constitucional.
A nossa Constituição vai um pouco mais para além disso, reconhecendo implicitamente a eficiência da economia de mercado, mas não deixando também de admitir que há quebras e que em função das mesmas é necessário regulamentar.
0 nosso projecto, como deve estar recordado, é bastante simples, minimalista mesmo, como afirmei na minha primeira intervenção e exige a contratação escrita, o que nos parece correcto, para que as partes mais tarde não venham a declarar outro tipo de entendimentos. Aceita de bom grado que possa existir uma taxa de emissão dos cartões e que seja a forma apropriada de remuneração deste tipo de serviços.
0 que aceitamos mal é que um instrumento tão valioso como este, a que a generalidade dos portugueses aderiram, possa ser objecto de uma prática semelhante à quebra de moeda medieval - aquela prática segundo a qual se cortava a rodelinha à volta da moeda, mantendo o seu valor facial, mas reduzindo o conteúdo efectivo de metal precioso. E ao Sr. Deputado Rui Carp, que já foi secretário de Estado da área do Ministério das Finanças, não o estou a ver como tesoureiro do Rei D. Fernando a quebrar moeda nas mil dobras de pé-de-terra e trezentas barbudas! Mas, enfim, faço-lhe essa justiça.
Portanto, peço-lhe o favor de considerar a bondade do projecto do Partido Socialista e a reflexão necessária que tivemos ao elaborá-lo, emitindo menos juízos de valor sobre precipitação ou falta de capacidade dos Deputados para produzir legislação nessa matéria.
Por outro lado, também foram consultados elementos relacionados com legislação estrangeira e, por isso, com este novo prazo, estamos em condições de melhorar significativamente o projecto que apresentámos inicialmente.

0 Sr. Presidente: - Para responder, por um minuto, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira, confesso-lhe que enfiou a "carapuça" do gosplan porque quis, uma vez que, pela minha parte, não pretendi fazê-lo. Mas se entendeu que ela estava à medida do PS, isso é da sua inteira e exclusiva responsabilidade.

0 Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Essa é muito infeliz!

0 Orador: - Sr. Deputado, de facto, não estava a tentar atingi-lo, mas, se V. Ex.ª se sentiu atingido, paciência.
Quanto à política comercial, cito-lhe apenas a alínea a) do artigo 102.º da Constituição que diz que um dos objectivos da política comercial é a "concorrência salutar dos agentes mercantis". Só nessa medida, ou seja, para cumprir a norma constitucional, é que, a título excepcional, entendemos avançar com esta iniciativa, que é uma iniciativa de todos os grupos parlamentares. A partir daí não há mais nada, senão, volto a dizer, a intenção de colocar a política comercial e a concorrência na forma mais salutar possível.

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Se V. Ex.ª se identifica com o gosplan, se enfiou a "carapuça", confesso-lhe que não era essa a minha intenção, mas, enfim, por vezes, não podemos impedir as pessoas de usarem a "carapuça" que entendam.

0 Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Deputado, permite-me uma interrupção?

0 Orador: - Com certeza!

0 Sr. António Crisóstomo, Teixeira (PS): - Sr. Deputado Rui Carp, o que é que está em causa? A concorrência ou um atentado contra a concorrência perpetrado pelo Governo?

0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Dizer isso, antes de o Conselho da Concorrência e Preços se pronunciar, é gravíssimo!

0 Orador: - Sr. Deputado, não podemos tomar uma posição definitiva sobre uma matéria que não é tão simples como disse o Sr. Deputado Manuel dos Santos, porque se fosse tão simples como isso, então, o Sr. Dr. Juiz-Conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo Girão Cardoso, em exercício de funções na presidência do Conselho da Concorrência e Preços, bem como todos os outros, que são eminentes especialistas em direito da concorrência, já teriam formulado as suas posições de modo definitivo. E a prova disso é que eles ainda não conseguiram chegar a qualquer solução.

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - É que a banca é muito poderosa em Portugal! Até aqui, nessas bancadas!

0 Orador: - Ora, se quem sabe não consegue - e aí sou mais modesto do que o Sr. Deputado Manuel dos Santos, que diz que isto é simples -, nós, que sabemos menos, na dúvida, devemos tomar uma posição que resolva a situação imediata, embora, confesso, a solução não me agrade inteiramente.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos hoje, aqui, a debater uma iniciativa legislativa que tem a assinatura de Deputados de todas as bancadas, mas seria apressado concluir que todas as bancadas têm o mesmo espírito e o mesmo tipo de motivações em relação a ela. Aliás, esta afirmação acaba de ser demonstrada no debate.

0 Sr. José Puig (PS): - Muito bem!

0 Orador: - Nessa medida, importa perceber que existem, fundamentalmente, dois tipos de linhas de pensamento a propósito desta iniciativa legislativa.
A primeira foi explanada pelo Partido Socialista, que, ao contrário daquilo que, há pouco, o Sr. Deputado Manuel dos Santos quis dar a entender, afirma que o problema da cobrança de uma taxa pelos serviços que estão em causa constitui um atentado à concorrência.
Mas, pela voz do Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira ouviu-se mais do que isso: na lógica do Partido Socialista, os bancos não podem cobrar nada por qualquer serviço que se ligue com a criação de moeda. E que o Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira deu um exemplo do seu pensamento que não tem nada a ver com esta questão, que foi o de quebrar a moeda.
Sr. António Deputado Crisóstomo Teixeira, desculpe, mas, com o devido respeito, isso nada tem a ver com o problema que está em causa, porque a sua lógica, a lógica de que cobrar uma taxa pela utilização do serviço multibanco é a mesma coisa que quebrar moeda, leva-o a proibir que se cobre qualquer contraprestação por tudo o que esteja ligado à criação de moeda.

0 Sr. Rui Carp (PSD): - É o gosplan!

0 Orador: - Porventura, o Sr. Deputado, se calhar, também entende que o juro é uma quebra de moeda. E, porventura, chegaremos a pontos absolutamente insustentáveis.
Não pode, pois, aceitar-se a tese do Partido Socialista, no sentido de que não é possível o sistema bancário cobrar qualquer taxa por tudo o que esteja ligado à criação de moeda.
Por isso, é bom perceber que, no domínio desta iniciativa, de um lado situa-se o Partido Socialista, ligado a uma iniciativa anterior, drástica, absolutamente restritiva, que ia no sentido que acabei de referir, isto é, de que todos os serviços relacionados, de perto ou de longe, com a criação de moeda não podem ser taxados e, de outro, situa-se o CDS-PP que rejeita profundamente essa ideia não só por razões políticas mas, fundamentalmente, por razões técnicas, isto é, porque ela não faz qualquer sentido.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Muito bem!

0 Orador: - Por outro lado, o Partido Socialista diz algumas coisas que, salvo o devido respeito, o CDS-PP também não pode aceitar. 0 Conselho da Concorrência e Preços está a apreciar a matéria e, portanto, o mínimo que se pede à Assembleia, ao discutir esta iniciativa, é que não se pronuncie sobre questões de distorção da concorrência, que não ande para a frente e para trás com a questão de saber se são ofendidos os direitos dos consumidores ou o nível de concorrência, obviamente, porque não é adequado que a Assembleia interfira num momento de quase julgamento, em curso no Conselho da Concorrência e Preços.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Muito bem!

0 Orador: - Portanto, a nossa posição é a seguinte: subscrevemos esta iniciativa, com uma lógica completamente diferente da do Partido Socialista e percebemos que a lógica do PSD também é diferente. E qual é a nossa lógica? A nossa lógica é a de que a Assembleia da República, aliás, isso está permanentemente nas intervenções do CDS-PP sobre esta matéria, deve evitar, de todo o modo, intervenções de carácter regulador com estas características.

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - E não foi isso que eu disse?!

0 Orador: - Já estou noutra fase, Sr. Deputado! Já abandonei as críticas ao PS!

Risos.

Como estava a dizer, a Assembleia deve evitar as intervenções de carácter regulador e esta é uma intervenção concreta desse tipo, profundíssima e com um significado espantoso.

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Porquê, então, aceitar e subscrever esta iniciativa, ainda que com fundamentos diferentes? Por uma razão muito simples. Só há um motivo que leva o CDS-PP a subscrever a iniciativa em discussão: a desproporção entre aquilo que se anunciava ser intenção dos bancos cobrar e o preço de um serviço deste tipo. Só a desproporção que resulta, fatalmente, de tributar este serviço ad valorem, fazendo incidir uma taxa sobre o valor das transacções, é que pode justificar uma intervenção nesta Assembleia, com este sentido e com o apoio do CDS-PP. Não fora isso, não fora esse anúncio de uma desproporção intolerável, entre o modo como os bancos pretendiam cobrar esse serviço e a própria prestação do serviço, o CDS-PP estaria fora desta iniciativa legislativa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Devo dizer aos Srs. Deputados do Partido Socialista que, se o Sr. Deputado Rui Carp falou do gosplan e da planificação, pela minha parte, nunca ouvi o Partido Socialista queixar-se da desprotecção dos consumidores que existia quando o Partido Socialista defendia a banca pública.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Exactamente!

0 Orador: - A banca pública é que era um cartel público, em prejuízo dos consumidores, um autêntico serviço público ou uma função pública bancária. Mas, quando isso estava estabelecido no nosso país - e manteve-se durante 14 anos -, os senhores recusaram-se a quebrar com esse sistema. Nunca lhes ouvi uma palavra em defesa dos consumidores; nunca lhes ouvi uma palavra a protegê-los e a colocá-los a salvo dos prejuízos que decorriam para eles, aí sim, obviamente, da situação de cartel público em que se encontrava a banca pública, tão do agrado do Partido Socialista.
Por isso, havendo uma intervenção subscrita por todos, o importante é que nem todos estão aqui com o mesmo espírito.
A última questão que o CDS-PP pretende suscitar é a de que devemos assumir que temos estado a tratar esta matéria, mediante degraus de reflexão - aliás, chegou, inclusivamente, a não se saber se seria discutida hoje, aqui, nesta sessão - que levaram a que fôssemos introduzindo pequenas modificações nesta iniciativa.
Por isso, assumo também, perante a Câmara e os diferentes grupos parlamentares que, do ponto de vista do CDS-PP, dado o carácter excepcional desta medida, dado o diferente espírito com que a estamos a discutir, dado o facto de estarmos a interferir no funcionamento do mercado de uma forma reguladora, até a um ponto que devemos evitar, dado termos apenas a explicação de combater uma desproporção insustentável, preferíamos encurtar o prazo para a emissão de legislação. Talvez não seja possível nem justificável que se dê tanto tempo para a criação da legislação que esperamos.
Nesse sentido, faço um apelo a todos os grupos parlamentares para que encurtemos esse prazo, de forma razoável, a fim de que esta iniciativa corresponda, pelo menos, um pouco, ao espírito com que entendemos que esta matéria deve ser discutida.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - 15so não tem pés nem cabeça!

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - 15so não faz sentido, mas pode ser na próxima semana, se o Governo tiver disponibilidade!

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira, para pedir esclarecimentos, quero chamar a atenção da Câmara para o facto de que estão programadas votações e, se arrastarmos muito o debate, temo que não possamos realizá-las hoje, com o inconveniente, como VV. Ex.ªs sabem, de que a Assembleia interromperá os seus trabalhos por alguns dias.
Posto isto, tem a palavra o Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira, a quem peço que seja muito breve.

0 Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, reconheço a respeitabilidade das intenções da sua intervenção, embora entenda que, certamente, não é inferior à da intervenção do Partido Socialista.
No entanto, já ponho em causa o seu esforço retórico, no sentido de nos colocar - como, há pouco, aconteceu com o Sr. Deputado Rui Carp, ao falar no gosplan - a etiqueta da negação do pagamento de serviços bancários e, quais fundamentalistas muçulmanos ou medievais católicos, da negação da taxa de juro.
Sr. Deputado, peço-lhe que se recorde se algum dos Deputados da sua bancada, alguma vez, criticou o papel da banca no tempo do regime fascista. Haverá alguma razão para que a banca tenha sido nacionalizada com a votação quase unânime desta Assembleia?

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - 15so foi a pressão psicológica! Mas não fale nisso, porque, nessa altura, era tudo socialista e não havia liberdade!

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira, peço licença para lhe dizer que, de facto, não quis diminuir a respeitabilidade das intervenções do Partido Socialista, muito menos a do Sr. Deputado. Julgo que não preciso de fazer profissão expressa da consideração que tenho.
De qualquer forma, as posições políticas têm de ser assumidas e há uma base política na intervenção do Partido Socialista que se liga à questão da protecção dos consumidores, sob o ponto de vista da concorrência e da criação de moeda.
A afirmação de que pedir dinheiro pela utilização do multibanco era a mesma coisa que quebrar moeda no tempo dos reis foi feita pelo Sr. Deputado. V. Ex.ª é que se colocou nesse campo e, ao fazer esse discurso, revelou um prejuízo político que tenho de criticar frontalmente. Mas isso não significa, em nada, uma diminuição da consideração que tenho pelas suas intervenções. Por outro lado, devo dizer-lhe que a pergunta formulada não tem o menor sentido.

0 Sr. Presidente: - Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.

0 Orador: - Vou concluir de seguida, Sr. Presidente.
Não podemos - o Partido Socialista não pode - evitar que se coloque a questão da coerência no tempo. Ainda há pouco tempo, em 1989 - e não estamos a recuar tanto no

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passado -, havia uma situação de cartel na banca contra a qual os senhores nunca disseram o que quer que fosse e não pode ofender-se por lembrar-lho.

0 Sr. António Crisóstomo Teixeira (PS): - E anteriormente a essa data, não havia um cartel, Sr. Deputado?

Protestos do Deputado do CDS-PP Nogueira de Brito.

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe de novo que conclua pois estão agendadas algumas votações que ainda devemos realizar hoje.

0 Orador: - Sr. Presidente, apelo à sua tolerância, mas por certo concordará com o que vou dizer.
Na Assembleia, temos de gerir bem o tempo de que dispomos. Contudo, quando são formuladas questões semelhantes às que o Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira colocou, abordando, de novo, o fascismo e tentando, do seu ponto de vista, embaraçar o CDS-PP, qualquer partido democrático com assento neste Parlamento deve ter tempo suficiente para defender-se e contrapor afirmações dessas.
Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira, quero dizer-lhe que sou contra qualquer cartel e que não me lembro de nenhuma intervenção sua antes do 25 de Abril sobre defesa da concorrência, dos cartéis ou dos bancos. Não me lembro!

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Para o Sr. Deputado saber isso, é só uma questão de idade!...

0 Orador: - 0 problema que se coloca agora é de coerência do Partido Socialista. Eu disse que o maior prejuízo que houve para os consumidores, em Portugal, em matéria de serviços bancários, ocorreu no tempo da banca nacionalizada e quem a defendeu e tardou em aceitar as privatizações da banca tem de ser confrontado com essa realidade.
Diz que havia cartéis na banca antes do 25 de Abril, com o que não concordo; porém, nessa ocasião, não tinha voz para dize-lo, razão pela qual o afirmo agora.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma vez que esta sessão já vai longa, não vou desviar-me e abordar determinados assuntos que acabaram de ser discutidos, até porque foram proferidas afirmações completamente gratuitas que poderão ser analisadas noutro momento; designadamente, em relação aos prejuízos sentidos pelos consumidores, foi dito que os provocados pelo cartel da banca nacionalizada foram muito superiores aos do cartel da banca privada. Trata-se de afirmações completamente gratuitas, indemonstráveis, razão pela qual não as vou retomar.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Houve, desde logo, prejuízo para os contribuintes!

0 Orador: - Quanto ao projecto de lei n.º 410/VI, em discussão, gostaria de referir, em nome do meu grupo parlamentar, que o subscrevemos, até por uma questão de coerência relativamente à iniciativa que, na altura, tomámos de propor uma audição parlamentar sobre esta matéria em sede de Comissão de Economia, Finanças e Plano.
Por um lado, entendemos que é ilegítima a posição assumida pelos bancos, como se de um cartel se tratasse, numa acção absolutamente concertada, de tentarem impor uma taxa ad valorem sobre as operações comerciais pagas através de meios automáticos, designadamente, de cartões de débito.
Estamos convencidos de que a banca e os serviços bancários não podem ser confundidos com um qualquer detergente. Normalmente, fazem-se campanhas de promoção destes produtos do tipo "Leve duas embalagens e pague só uma", tentando levar os clientes a optar por essa marca.
A banca não pode portar-se desta forma, mas pretende fazê-lo. Durante um determinado período de tempo, promoveu a possibilidade de serem efectuados pagamentos através de cartões de débito e, depois de ter convencido a população a utilizar essa forma de pagamento, lembrou-se do ónus dessa operação.
Cremos ser igualmente ilegítimo o abuso que está por detrás desta posição concertada da banca. Aliás, é importante referir que esta posição de cartel só é possível porque os bancos públicos, tutelados pelo Governo, também alinharam nesse concerto.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Foram os primeiros!

0 Orador. - Bastaria que um banco com dimensão nacional não entrasse no cartel para que nenhum dos demais aplicasse esta taxa. Também neste caso a banca tutelada pelo Ministro das Finanças tem grandes responsabilidades.
Por outro lado, somos ainda a favor deste projecto de lei e contra a intenção da banca porque nos parece que é ilegal. Não é possível fazer a distinção entre pagamentos por cartão de débito - e refiro-me exclusivamente aos cartão de débito e por cheque, caso em que não se aplica qualquer taxa; o cartão de débito substitui, pura e simplesmente, o cheque e pode ser utilizado como cheque ou dinheiro. 0 cartão de débito, Sr. Deputado António Lobo Xavier, não cria moeda!

0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Não fui eu que o disse, mas o Deputado António Crisóstomo Teixeira.

0 Orador: - É falso o que foi dito há pouco!
Trata-se do chamado dinheiro de plástico e tão-só. Por conseguinte, se não é possível cobrar uma taxa pelo levantamento de um cheque, não é possível fazê-lo pela utilização deste meio de pagamento.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - 15so não tem lógica!

0 Orador: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, julgo que ninguém poderá opor-se a que um banco, perante uma empresa que o solicita, estabeleça determinadas condições pela utilização de um posto de operações. Porém, não é isso que está em discussão mas, sim, o pagamento através de cartão. Se o posto foi colocado, não interessa saber se foi pago pelo banco, pelo Jerónimo Martins, pela Sonae, pelo Continente ou por quem quer que seja. 0 problema em discussão não é esse, mas o do pagamento através de cartão, caso em que tem a mesma função que o cheque.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

0 Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

0 Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - 0 Sr. Deputado Octávio Teixeira foi extremamente elucidativo e deu um exemplo feliz, porque falou da ausência de distinção, para efeitos de emissão ou de circulação de moeda, entre o

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pagamento com cheque e com cartão. Mas é precisamente na comparação entre os dois meios de pagamento que o Sr. Deputado Octávio Teixeira pode ter a noção e consciência perfeitas do serviço prestado aos interessados que utilizam o cartão, o que não acontece no caso dos utilizadores de cheque - no primeiro caso, o serviço prestado é mais completo evitando, precisamente, os prazos, as incertezas e as inseguranças relacionadas. com o pagamento por cheque.

0 Orador: - Sr. Deputado Nogueira de rito, todos beneficiam porque, caso contrário, uma parte dos intervenientes não estaria de acordo: beneficia o consumidor, pois é mais fácil andar com um cartão no bolso do que com
dinheiro ou livro de cheques; beneficia o comerciante, porque não corre o perigo de aceitar um cheque "careca"; beneficia a banca porque, números redondos, cada operação efectuada mediante cheque custa-lhe 200$ e cada operação de multibanco importa em cerca de 100$, ou seja, metade.
Assim, todos beneficiam, além de que a banca foi a primeira interessada em colocar à disposição dos utentes este meio de pagamento.

0 Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - É um problema de proporção! Quem beneficia com o serviço? Quem cobra?

0 Orador: - Não é um serviço! 0 serviço é mais barato para a banca e idêntico ao que esta presta quando alguém se dirige a um balcão e apresenta um cheque para levantar dinheiro - nenhuma importância é cobrada por esta operação. Ora, é preciso não esquecer este aspecto: quando alguém passa um cheque, por exemplo, a uma casa comercial, que, depois, será depositado, nenhuma importância é exigida. No caso de pagamento através de multibanco, é prestado o mesmo serviço com uma vantagem para a banca pois é mais barato cerca de 50 %.
Para terminar, devo realçar mais um aspecto, que me parece importante, relacionado com o facto de o Conselho de Concorrência e Preços ainda não ter tomado uma posição definitiva: é que não pode tolerar-se que, numa situação destas, decorram tantos meses sem que um parecer definitivo sobre a matéria seja elaborado.
Quanto à oportunidade de a votação deste projecto de lei realizar-se hoje, devo dizer que, como sabem, o tal prazo de tréguas estabelecido termina no final do mês de Maio, razão pela qual o tempo útil para a Assembleia da República aprovar este projecto de lei esgota-se hoje. É evidente que não entrará em vigor antes do dia 1 de Junho mas, sendo aprovado hoje, como cremos que irá acontecer, se algum banco aproveitar o interregno até à entrada em vigor do diploma para aplicar essa taxa, manifestamente, essa instituição bancária estará a actuar de má fé pelo que, em minha opinião, deverá ser responsabilizada por esse acto.

Aplausos do PCP.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrado o debate do projecto de lei n.º 410/VI, pelo que iremos proceder às votações agendadas.
Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 385/VI - Cria o rendimento mínimo garantido (PS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS e do PCP.

Vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 491/VI - Regula a mobilização e a requisição no interesse da Defesa Nacional.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS e do PCP.

Vamos votar o projecto de deliberação n.º 86/VI - Prorrogação do período normal de funcionamento da Assembleia da República (Presidente da AR, PSD, PS, PCP, CDS-PP e Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um requerimento que deu entrada na Mesa respeitante ao projecto de lei n.º 410/VI, subscrito por Deputados do PSD e do PS.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o requerimento é do seguinte teor: Nos termos das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, solicita-se que a votação na generalidade, na especialidade e final global do projecto de lei n.º 410/VI tenha lugar no final da presente sessão.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, chamo a atenção da Câmara para o facto de terem sido apresentadas duas propostas de alteração: uma, do último parágrafo do preâmbulo do projecto de lei n.º 410/VI e, outra, do seu artigo único. Assim, são esses os textos que deverão ser votados.

0 Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Deputado!
Srs. Deputados, se não houver objecções, vamos proceder à votação na generalidade, na especialidade e final global do projecto de lei n.º 410/VI - Utilização de cartões de pagamento automático (PSD, PS, PCP e CDS-PP), incluindo as propostas de alteração, apresentadas pelo PSD, PS, PCP e CDS-PP.
Do último parágrafo do preâmbulo, que é do seguinte teor: Considerando que deverá ser aprovada, até 31 de Dezembro do corrente ano, legislação que preencha cabalmente o actual vazio legal, os Deputados abaixo assinados apresentam, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte projecto de lei.
Do artigo único, que é do seguinte teor: 1. Nas transacções cujo pagamento seja efectuado através de cartões de débito de pagamento automático não é permitida a cobrança pelas instituições de crédito de quaisquer quantias, a título de taxa ou de comissão; 2. A proibição estabelecida no número anterior mantém-se até à entrada em vigor de diploma que regule a utilização de cartões de débito de pagamento automático, não podendo, em qualquer caso, subsistir para além do dia 31 de Dezembro de 1994.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

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Srs. Deputados, a próxima sessão plenária realiza-se no dia 15 de Junho, às 15 horas, e a respectiva ordem cio dia será decidida na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, que terá lugar dia 1 de Junho. Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Sr. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro José Martins Viegas.
António Joaquim Correia Vairinhos.
Arlindo Marques da Cunha.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João José Pedreira de Matos.
José Macário Custódio Correia.
José Pereira Lopes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido Socialista (PS):

António Carlos Ribeiro Campos.
António Poppe Lopes Cardoso.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Nascimento Madeira.

Partido Comunista Português (PCP):

Luís Carlos Martins Peixoto.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Bernardo Aranha da Garra Lobo Xavier.
José Luís Nogueira de Brito.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António Esteves Morgado.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Carlos de Almeida Figueiredo.

Cecília Pita Catarino.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José de Almeida Cesário.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Santos de Magalhães.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP)

Adriano José Alves Moreira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
15abel Maria de Almeida e Castro.

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