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Sexta-feira, 17 de Junho de 1994

I Série - Número 80

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE JUNHO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião José de Almeida
Cesário José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de deliberação n. º 87/VI e da ratificação n. º 121/VI, bem como de requerimentos e da resposta a alguns outros.
O Sr. Deputado Duarte Pacheco (PSD) chamou a atenção para os problemas com que se defronta o sector vinícola da Região Oeste.
O Sr. Deputado Miranda Calha (PS) condenou a política de segurança do Governo e respondeu, no fim, a um pedido de esclarecimento e a uma defesa da honra do Sr. Deputado João Maçãs (PSD).
O voto n.º 107/VI - De protesto por o Governo da República das Filipinas ter dificultado a entrada e permanência de cidadãos portugueses participantes na APCET, de elogio à hierarquia judicial filipina por ter possibilitado a realização da mesma e de solidariedade para com o povo de Timor Leste (Presidente da AR, PSD, PS, PCP, CDS-PP, Os Verdes, PSN e Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro) foi aprovado.
Após debate, foi também aprovado o voto n. º 108/VI - De protesto por factos ocorridos na esquadra de Matosinhos que conduziram à morte de um cidadão (PS, PSD, PCP e CDS-PP). Usaram da palavra os Srs. Deputados José Vera Jardim (PS), António Filipe (PCP), Narana Coissoró (CDS-PP) e José Puig (PSD).
Foi rejeitado o voto n.º 109/VI - De solidariedade para com os trabalhadores da Lisnave e Setenave/Solisnor e de protesto pelo processo de despedimento colectivo em curso (PCP), tendo intervindo os Srs. Deputados José Manuel Maia (PCP), Joel Hasse Ferreira (PS), António Alves (PSD) e Mário Tomé (Indep.)
Ordem do dia.- O projecto de lei n.º 420/VI - Regime da pratica do naturismo e da criação do espaço do naturismo (Os Verdes) foi aprovado na generalidade. Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados André Martins (Os Verdes), Macário Correia (PSD), Joel Hasse Ferreira, Ferraz de Abreu e António José Seguro (PS), Manuel Sérgio (PSN) e Luís Peixoto (PCP).
A Câmara aprovou o projecta de deliberação n. º 86/VI - Prorrogação do período normal de funcionamento da Assembleia da República (Presidente da AR, PSD, PS, PCP, CDS-PP e Os Verdes) e, ainda, na generalidade, as propostas de lei n.ºs 99/VI - Altera o Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro (Lei de Imprensa) e 102/VI - Define o regime de acolhimento de estrangeiros ou apátridas em centros de instalação temporária.
Em votação final, global, foram também aprovadas as propostas de lei n.º 91/VI - Altera a Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade) e 101/VI - Altera a Tabela Geral do Imposto de Selo e o Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Entretanto, mereceu aprovação um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando um Deputado do PSD a depor como testemunha em tribunal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo Marques da Cunha..
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.

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Carlos Manuel Luis.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
José Luis Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Rui Manuel Pereira Marques.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:

Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de deliberação n.º 87/Al - Prorrogação do período normal de funcionamento da Assembleia da República (Presidente da AR, PSD, PS, PCP, CDS-PP e Os Verdes), que será votado hoje no período regimental, e a ratificação n.º 121/VI - Decreto-Lei n.º 122/94, de 14 de Maio, que regula a fusão das empresas Telecom de Portugal, S.A., Telefones de Lisboa e Porto, S.A., e Teledifusora de Portugal, S.A. (PCP).
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Governo, formulado pela Sr.ª Deputada Ana Maria Bettencourt; ao Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, formulado pelo Sr. Deputado Mário Tomé; a diversos Ministérios, ao Governo e a diversas Secretarias de Estado, formulados pelo Sr. Deputado Caio Roque; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Alberto Costa.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Silva Costa, na sessão de 2 de Julho; António Murteira, no dia 22 de Novembro; António Braga, no dia 1 de Fevereiro; Luís Peixoto, na sessão de 4 de Março; Guilherme d'Oliveira Martins, na sessão de 22 de Abril; Lino de Carvalho, na sessão de 6 de Maio; Helena Torres Marques, na sessão de 11 de Maio.
Devo ainda anunciar que vão reunir, hoje, às 16 horas e 30 minutos, a Comissão de Petições e, às 17 horas, a Comissão Eventual de Reforma de Ordenamento Administrativo.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, no final do período de antes da ordem do dia, serão votados os votos n." 107, 108 e 109/VI.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Oeste - terra de vinhedos e de mar». Este é o slogan com que a Região de Turismo do Oeste promove a região.
Raramente um conjunto tão restrito de palavras consegue definir tão bem uma região: terra de vinhedos e de mar.
O Oeste tem, uma costa rica em história e em importância económica, como sejam os portos de Peniche, Ericeira, como também as praias dos concelhos da Lourinhã e Torres Vedras.
Mas é a agricultura a sua principal riqueza. A prática desta actividade económica é de tal maneira relevante no tecido produtivo da região, que é parte intrínseca da cultura das gentes do Oeste.

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Quando o sector agrícola floresce, a região vibra, existe dinamismo da indústria ao comércio, todos sentem a sua vida a melhorar; quando surgem problemas, a actividade económica, toda ela se ressente, as pessoas e a região perdem confiança. É toda uma economia que entra em crise.
Poderia fazer uma referência aos diversos sectores da agricultura; no entanto, pela sua importância na economia e cultura da minha região, vou cingir-me a um Oeste, terra de vinhedos e de mar.
É precisamente o vinho, aquele a que me estou a referir e são enormes os problemas com que este sector se defronta.
Podia ter concretizado esta intervenção há já algum tempo, mas não o fiz, pois a importância do tema e o modo sério como o quero tratar não poderia ser objecto de querela político-partidária de um período de campanha eleitoral, o qual já está ultrapassado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após alguns anos com excelentes produções que levantaram problemas de escoamento, nomeadamente devido à queda de consumo, o mau ano agrícola conduziu a que este fenómeno desaparecesse no ano em curso.
No entanto, um outro fenómeno tem uma grande relevância para esta queda de produção: a política de incentivo ao arranque da vinha.
Se o seu objectivo era coerente - arranque da vinha de casta inferior, subsistindo a produção de maior qualidade-, a sua prática foi diferente.
Com subsídios satisfatórios e pagos atempadamente, são muitos os agricultores que aceitam arrancar a sua vinha, é isto a um ritmo que rapidamente pode conduzir a que Portugal passe de grande produtor a grande importador de vinho.
Torna-se, assim, importante apostar, não tanto no arranque mas, sim, na reestruturação da vinha, de modo a incentivar à competitividade das empresas agrícolas portuguesas.
Neste contexto, torna-se, desde já, relevante que o Governo português actue junto das instituições comunitárias com o objectivo de impedir uma possível política de dumping comercial praticada pelos nossos parceiros europeus.
Simultaneamente, exige-se uma maior e mais eficaz fiscalização à qualidade do vinho importado e a identificação, em local bem visível, de qual o seu país de origem, de acordo com a legislação em vigor, enfim rotulagem legal.
Os produtores portugueses não temem a concorrência que seja leal, pelo que devem ser garantidas neste mercado as mesmas condições a todos que nele queiram participar.
Ainda em sua defesa, os agricultores evidenciam a sua oposição clara à nova COM de vinhos, no que respeita à chaptalização. Felizmente, esta é uma matéria ern que existe unanimidade nesta Câmara, o que contribui para uma maior eficácia 'do Governo português na sua oposição a esta OCM, a qual terá que ser alterada, sob o perigo de, ao vingar, contribuir decididamente para o levantar de mais problemas ao sector vinícola do nosso país.
Do exposto, pode-se, desde já, concluir que não é famosa a situação deste sector. No entanto, ele é composto por gente forte, gente de fibra que, se for apoiada, saberá superar os diversos obstáculos e vencer este desafio.
Por um lado, torna-se indispensável uma maior organização por parte dos agricultores e suas cooperativas. É necessário, uma maior formação e uma melhor organização na gestão do espaço e equipamentos que têm à sua disposição. Só de uma forma organizada é que a sua voz terá poder reivindicativo e sucesso no alcance dos seus objectivos.
Por outro lado, o Estado deverá criar condições que permitam a este sector competir no Mercado Único em que vivemos.
Para além do que já foi exposto, gostaria ainda de referenciar duas medidas que são fundamentais para a sobrevivência do sector.
Primeiro, que nos sistemas de incentivos à agricultura, concretamente ao sector vinícola, se encerre o processo iniciado com os sistemas anteriores, ou seja, que depois dos incentivos à qualidade da produção e à estrutura de vinificação, se apoie hoje a área comercial: o marketing, os canais de distribuição.
Segundo, que com o objectivo de permitir uma maior concorrência entre as cooperativas e o sector privado, seja atribuído ao sector cooperativo uma linha de crédito bonificado que permita o pagamento atempado da colheita aos agricultores, porque as cooperativas não estão em condições de aguardar largos meses para receber aquilo a que têm direito. Assim, muitas vezes, preferem vender a sua produção, mesmo a preços reduzidos, a privados que têm capacidade para pagar no acto de entrega da produção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de todos os problemas constatados, estou confiante no futuro do sector vinícola em Portugal, porque encontro nos produtores portugueses uma consciência muito profunda e um conhecimento correcto dos seus problemas e dos meios para os superar. Existe a consciência de que é necessário apostar na sua formação, na reestruturação, na qualidade da produção, no marketing, pois só assim se estará em condições de competir no mercado europeu em que estamos inseridos. Solicitamos, pois, ao Ministério da Agricultura que esteja atento a esta situação e que crie dispositivos para que o sector se desenvolva em condições competitivas.
Se se conseguir esta junção de esforços, só poderão surgir bons frutos e, desta forma, a minha região continuará a ser «Terra de vinhedos e de mar».

Aplausos do PSD e do PSN.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda não há muito tempo, o Sr. Primeiro-Ministro fazia profissão de fé na reforma e reestruturação das forças de segurança, então encetada pelo Ministério da Administração Interna, afirmando que «a racionalização e os ajustamentos nos dispositivos da PSP e da GNR permitirão obter uma malha territorial coerente, com efectivos e meios proporcionais às necessidades de cada área do País».
Nada mais errado se tivermos em conta as diversas solicitações de responsáveis locais sobre o apoio de meios de segurança e, mesmo, o aumento para as respectivas áreas de efectivos de pessoal. Não é preciso muito para encontrar casos paradigmáticos do que refiro. Por exemplo, em Elvas, há algumas semanas, num espaço de tempo relativamente curto, morreram naquela cidade vários jovens, deram-se actos de vandalismo e desenvolveram-se fenómenos de marginalidade e criminalidade.
Certamente que se pode conjecturar sobre às razões determinantes deste surto de marginalidade. E se é certo que hoje a abolição de fronteiras tornou mais fácil a ligação entre países e cidades - Elvas é uma cidade fronteiriça -, também é comum radicar tais acontecimentos no tráfico de droga e, especialmente, na situação social de muitos, que têm dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e a condições sociais de vida melhores e consentâneas com o país moderno e desenvolvido a que legitimamente aspiramos.

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Mas, independentemente destes aspectos essenciais, sei que as autoridades locais têm desenvolvido esforços para que as condições de acção das forças de segurança sejam as melhores- referencia-se que o respectivo quadro de efectivos não está corripletamente preenchido- e que as autoridades nacionais com tutela neste sector tomem as medidas que se impõem para fazer face à situação de insegurança que se vive.
No entanto, a passividade do Ministério da Administração Interna foi de tal modo que os elvenses decidiram manifestar-se numa praça principal daquela localidade, para demonstrar que não se resignam e que estão dispostos a tomar iniciativas que levem ao encarar de soluções para uma situação que lhes tira a tranquilidade, lhes traz a insegurança e lhes afecta uma vivência em paz a que têm todo o direito.
A manifestação referida, que contou com milhares de elvenses, sublinhou essencialmente dois pontos: a luta contra a marginalidade e o reforço de segurança.
O Governo, especialmente o Ministério da Administração Interna, não pode deixar de actuar em conformidade, restabelecer a exigida tranquilidade, confiança e segurança dos cidadãos e dotar de meios adequados os serviços de segurança ali localizados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso deixar de mencionar na oportunidade alguns aspectos que, além dos enunciados, tem certamente a ver com as situações atrás descritas. Trata-se, em primeiro lugar, do emprego e essencialmente do acesso dos jovens ao primeiro emprego. Hoje, no interior do País é cada vez mais difícil o acesso a postos de trabalho. A região onde se insere aquele concelho, um caso exemplar do drama do interior do País, desenvolveu uma operação pioneira de desenvolvimento integrado com o apoio de meios financeiros oriundos da União Europeia. Só que a operação não foi integrada, a dinamização económica não se fez e, muito embora se tenham concretizado diversas infra-estruturas - mercê especialmente do trabalho empenhado das autarquias -, a verdade é que a centralização da .gestão do programa mostrou-se complemento incorrecto e impossibilitou que os locais (autarquias, agentes económicos, entidades e organizações diversas) pudessem ter um papel mais proeminente e adequado a um desenvolvimento económico que é vital para a região.
O retrato da região é o do interior: desertificação, envelhecimento da população, pouca esperança num futuro melhor. É este o resultado da tacanhez governamental de tudo controlar e tudo concentrar e, ao mesmo tempo, a insensibilidade ao interior do País, a uma larga faixa que se estende de norte a sul, junto à fronteira, que definha todos os dias.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o exercício de autoridade, a criação de condições de segurança e a confiança dos cidadãos nas suas instituições não pode deixar de ter subjacente práticas correctas e informação transparente sobre as situações.
Ora, os factos apresentam-se ao contrário de tais princípios. A imprensa divulgou largamente um caso que merece reflexão e, obviamente, a adequada e rápida acção do Executivo.
Segundo relatos diversos, mas coincidentes, morreu um indivíduo numa esquadra de Matosinhos. Não cabe aqui a análise dos motivos que levaram à detenção do indivíduo, mas cabe aqui perguntar, com clareza, o que permite que se divulgue um comunicado a dizer que indivíduo se suicidou e, posteriormente, se venha a saber que um agente de segurança foi detido sob a acusação de homicídio voluntário.
Que razão justifica o aparecimento de tal disparidade de situações, sem que publicamente o responsável nacional da política de segurança tenha uma palavra ou um esclarecimento público sobre a matéria? Não há razões que justifiquem tais procedimentos, mas há condutas políticas que precisam de justificação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, consideramos imprescindível que o responsável da parte do Ministério da Administração Interna venha esclarecer este assunto, que gera obviamente intranquilidade e, sobretudo, perda de confiança em relação a responsáveis e decisores, além, evidentemente, da ponderação do Estado de direito que somos...
O combate à criminalidade, à marginalidade, à violência e às formas diversas de acção contra a sociedade e o cidadão implicam o contributo das forças de segurança, contributo esse, inestimável e importante, que estes exercem, de um modo geral, com alto sentido de responsabilidade e de dever.
Mas casos como o referido, sem o devido esclarecimento público, não podem passar em branco e o Governo não pode ficar silencioso e omisso, quando é responsável político do sector e quando estão em causa aspectos tão decisivos como são os direitos fundamentais dos cidadãos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As questões de segurança não se ficam por aqui.
A recente competição da taça de Portugal no Estádio Nacional deve merecer a reflexão adequada de todos os responsáveis. Uns, certamente, assistiram ao vivo, outros assistiram via televisão. Todos puderam constatar o que é ó exacerbar de tensões e emoções e o que as mesmas, não caldeadas por um sentido saudável de competição, podem originar.
Já durante o próprio jogo, verificaram-se acções e atitudes premonitórias do que se poderia passar. Julgo que o mínimo exigível, nesta circunstância, seria a tomada de medidas preventivas que obviassem a situações piores. Não posso deixar de criticar aqueles que confundem a competição desportiva e a participação e presença naquela como se de batalhas campais se tratasse, que, em vez de prevalecer um sentido ético e ponderado, haja pessoas que se transformem a ponto de agredir e insultar parceiros, amigos e simples espectadores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas também não posso deixar passar em claro o que me pareceu demasiada passividade e complacência no exercício de autoridade, que originou que a própria Ministra da Educação fosse atingida pelo arremesso de garrafas e outros objectos e que fosse impossível, por largo tempo, que a equipa vencedora da taça pudesse subir à tribuna de honra e receber o trofeu a que, como vencedora, tinha naturalmente direito.

Aplausos do PS.

A política de segurança, como se vem verificando, tem omissões é lacunas importantes. A profissão de fé nas recentes reformas não estão a mostrar reais resultados; antes pelo contrário, sucedem factos aos quais não se pode ser insensível ou omisso, que é, afinal, o que o Governo, responsável das políticas, vem revelando. Aliás, a componente de confiança dos cidadãos para com as instituições, em

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matéria de segurança, é extremamente importante, e isso implica que à palavra corresponda o acto.
Mas que confiança se pode ter ao vermos o Sr. Primeiro-Ministro referir, nesta mesma Casa, que o «sector da justiça foi dotado de melhores condições e meios» para o seu funcionamento, quando, ao analisarmos um relatório da Procuradoria Geral da República - e amplamente divulgado na imprensa -, constatamos que as dificuldades de acção no caso da Polícia Judiciária assentou essencialmente na falta e escassez de meios. E se se pode destacar daquele relatório a situação gravosa de atraso de tratamento de processos, relacionados com fraudes na obtenção e utilização de subsídios provenientes de fundos europeus, o que suscitou sérias dúvidas e preocupações, também não é menos relevante que há problemas relacionados com a criação de condições e a concessão de meios adequados aos serviços, para que estes possam desempenhar cabalmente as suas missões.
Não o fazer é originar o sacrifício de muitos que cumprem o seu dever com dificuldade mas imbuídos do sentido de serviço público e, acima de tudo, privar de eficácia o regular funcionamento de serviços, cuja relevância é dispensável caracterizar.
Em suma, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a segurança dos cidadãos é um bem insubstituível. Mais - e di-lo o Sr. Primeiro-Ministro -, «A manutenção de um ambiente geral de segurança é ainda indispensável para que Portugal responda aos novos desafios».
Ora, como é possível responder positivamente aos desafios, verificando-se as situações que apresentei? E se é certo que, a montante das situações de criminalidade e marginalidade que tendem a aumentar, há, em muitos casos, razões de ordem social (desemprego, situação de carência, a chamada «novas pobrezas», vivências no limiar da dignidade, desigualdades diversas), situações para as quais não tem havido respostas, também aqui, do Governo, não é menos verdade que a política de segurança deve procurar responder eficazmente aos sintomas de insegurança que se instalaram, quer nos grandes centros urbanos quer até Já em zonas do interior do País.
E o amalgamado de zonas suburbanas, sobrepovoadas e em péssimas condições, é um interior que persiste em sonhar com um futuro melhor, mas que se vai tornando anémico ao longo dos anos. É, no final de contas, a insensibilidade do Governo que não assume as políticas correctas para os problemas referidos. É, enfim, a transparência e clareza na vida pública, de molde a que não se ponha em causa a confiança dos cidadãos nas instituições. As situações duvidosas ou menos claras em processos de repercussão social significativa são geradores de desconfiança e até de sentimentos de insegurança.
Que o Governo, pelo menos, aprenda a lição relembrada esta semana pelo Tribunal Constitucional, ao recusar que a identificação dos cidadãos se faça à custa da negação inconstitucional de liberdades fundamentais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afirmar o sucesso fica bem, clamar pelo optimismo é saudável. Mas quando sucedem casos que originam sintomas de insegurança e falta de confiança, certamente que o que se impõe é o realismo da acção.
Infelizmente, o Governo fica-se pelas palavras, o que é manifestamente insuficiente para a resolução dos problemas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miranda Calha, no início da intervenção V. Ex.ª disse que no distrito de Portalegre, essencialmente no concelho e na cidade de Elvas, era notório o aumento da criminalidade e do tráfico de droga, o que acarretava as maiores preocupações à população elvense. Referiu-se também - o que é verdade!- à morte de dois jovens e de um adulto motivada por situações que, eventualmente, decorriam do tráfico de droga.
A primeira questão que queria colocar-lhe é, pois, esta: tem ou não conhecimento de que, nos primeiros quatro meses de 1994, o índice de criminalidade no distrito de Portalegre, nomeadamente em Elvas, foi inferior ao dos primeiros quatro ou cinco meses do ano de 1993? Isto para lhe dizer que não temos dúvidas e estamos preocupados quanto a algumas situações que estão a ocorrer em Elvas. No entanto, temos de ter em atenção que a verdade é esta: nos primeiros quatro ou cinco meses deste ano, o índice de criminalidade foi inferior, mas se V. Ex.ª tiver dúvidas em relação a esta matéria, pode consultar a Polícia de Segurança Pública, a Guarda Nacional Republicana ou o Governo Civil de Portalegre.
O Sr. Deputado referiu-se também aos milhares de elvenses que protestaram contra a insegurança. Quero dizer-lhe que não me apercebi de qualquer manifestação de milhares ou, sequer, de centenas de elvenses, pelo que queria perguntar-lhe se se está a referir àquela manifestação que foi traduzida para a opinião pública e para o País através do programa «Praça Pública» da SIC, em que apenas participaram cento e tal pessoas e o Sr. Presidente da Câmara de Elvas, que é do seu partido, numa figura verdadeiramente caricata, plantada no meio da praça, o qual revelou publicamente o pouco respeito que tem pela sua terra, colocando-a aos olhos públicos como uma terra de perdição. Gostaria, pois, de saber se se refere a essa «grande manifestação» de milhares de elvenses, que - curiosamente! - ocorreu no mesmo dia em que elementos candidatos ao Parlamento Europeu pelo PS se encontravam de visita a Campo Maior e ao concelho de Elvas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, se assim entender, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, vou ser muito breve, uma vez que as perguntas só podem ser consideradas de uma maneira breve.
Sr. Deputado João Maçãs, não serve nem chega dizer que os quatro primeiros meses deste ano revelaram diferenças relativamente aos primeiros quatro meses do ano anterior. Eu próprio citei, na minha intervenção, que foi recentemente que teve lugar um conjunto de casos no concelho de Elvas que geraram uma situação de instabilidade e de insegurança.
Devo acrescentar, Sr. Deputado, que, sobre esta matéria, não se pode medir a acção das forças policiais em termos exclusivamente estatísticos. Basta dizer-lhe que, muitas vezes, a relação entre criminalidade existente e a criminalidade participada vai da ordem dos 60 % para 40 %.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

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O Orador: - Em Elvas, havia, de facto, que dar resposta a um problema de falta de confiança das populações.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isto tem a ver com a questão que o Sr. Deputado aqui referiu sobre a figura caricata do Sr. Presidente da Câmara. Se considera que um presidente de câmara, que sente o pulsar da população local, que sente a instabilidade que está a gerar-se, que tem junto de si uns milhares largos da população a apoiá-lo em relação a esta matéria, ao assumir esta atitude tem um comportamento caricato, então V. Ex.ª tem uma noção completamente errada do que é a defesa dos interesses, da estabilidade e segurança das populações a que a Câmara Municipal de Elvas está ligada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se mais provas não houvesse relativamente a esta matéria, os resultados eleitorais do Domingo passado demonstraram, mais uma vez, um apoio em massa à força política a que o Sr. Presidente da Câmara de Elvas está ligada e demonstrou também que ele estava em consonância com o espírito e com o querer dos elvenses, que não podemos evidentemente negar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado João Maçãs, registei que tinha preocupações relativamente a esta matéria em termos do concelho de Elvas. Devo dizer-lhe que considerei importante ter dito isso e espero que a nossa tendência para muitas vezes partidarizar as coisas não o leve a ficar cego ou incapaz de reconhecer aquilo que está errado ou incorrecto. Há, de facto, sintomas de insegurança, aos quais temos de dar resposta. Isso foi feito de maneira correcta e se a manifestação chegou a existir foi precisamente porque as autoridades nacionais não deram uma resposta ao problema colocado. A manifestação surgiu, assim, na sequência da incapacidade manifestada pelos responsáveis, e aqui também abranjo os responsáveis distritais.
Quero ainda acrescentar, Sr. Deputado, que falei sobre este assunto porque tinha uma referência concreta, mas não falei só sobre isso. Também gostava de dizer-lhe que há problemas globais em termos de segurança que, obviamente, não podem ficar sob o signo da omissão ou da não resposta.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -- O Governo tem responsabilidades, não pode omiti-las e os casos que referi, que até já chegaram a atingir a Sr.ª Ministra da Educação - e há pouco, quando o Sr. Deputado se levantou, pensei que ia precisamente defender a situação da Sr.ª Ministra por ter sido atingida no Estádio Nacional-,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... devem-se a questões de falta de uma política de segurança. Infelizmente, o que vemos é que não há uma resposta para esta matéria!

Aplausos do PS.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da honra e consideração.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miranda Calha, V. Ex.ª insinuou que eu teria tendências para partidarizar esta situação. Devo dizer-lhe que não tenho tendência para partidarizar coisa nenhuma! O que constatei foi que a manifestação foi convocada precisamente para o dia em que elementos candidatos ao Parlamento Europeu se encontravam em Elvas e que nessa manifestação não estiveram presentes milhares de pessoas mas tão-só uma ou duas escassas centenas. E, como eu, todos os portugueses que viram isso na televisão constataram que o Presidente da Câmara de Elvas deu uma péssima imagem do seu concelho, tendo, inclusivamente, falado em 30 e tal mil elvenses, quando a cidade de Elvas nunca teve (nem sequer tem neste momento) uma população de 23 000 habitantes. O Sr. Deputado sabe-o perfeitamente!
Quanto ao facto de dizer que reconhece com agrado a minha preocupação relativamente à insegurança, quero dizer-lhe que aceito que em Elvas, por ser uma cidade de fronteira, sempre existiu uma insegurança que não existe, por exemplo, em Portalegre ou noutros locais que não sejam de fronteira. Mas isso sempre aconteceu e o facto de ter ocorrido esporadicamente a morte de dois jovens e um crime não pode levar o Sr. Deputado a assumir esse discurso, assim como o Sr. Presidente da Câmara de Elvas não pode dizer que está numa terra onde não se pode andar à noite porque as pessoas são apunhaladas em todas as circunstâncias, pois de há um mês e meio a esta parte nada ocorreu. Esta é, de facto, uma forma de colocar o concelho de Elvas e, de alguma maneira, o distrito de Portalegre em muito maus olhos perante o resto do País.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, quase que entendo que não é preciso responder.
Se o Sr. Deputado João Maçãs considera que é uma ofensa eu ter referido que ele estava a partidarizar a questão, terei de dizer-lhe que isso é ofensivo da sua parte, especialmente em relação aos partidos.
Quanto aos protestos, dir-lhe-ei apenas que a justeza dos protestos não é uma questão quantitativa mas, sim, qualitativa.
Relativamente ao número de pessoas que estiveram presentes na manifestação, o que peço ao Sr. Deputado é que acompanhe mais de perto os acontecimentos deste concelho para que possa saber quantas pessoas lá estiveram a manifestar-se e a dar o seu apoio às justas pretensões daquela população, que não está contra as forças de segurança mas que pretende apenas que estas sejam mais prestigiadas, que tenham uma maior presença no concelho de Elvas e que respondam positivamente às situações de insegurança.
Finalmente, Sr. Deputado, se estas coisas já aconteciam há muito tempo, isso só tem uma explicação: o PSD já está há tempo demais no Governo para resolver estes problemas!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar as escolas cujos alunos se encontram a assistir à sessão.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão alunos do

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Externato do Curso do Sagrado Coração de Jesus de Lisboa, mais conhecido por Oblatas, e ainda 80 alunos da Escola C + S de Campos de Besteiros.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação e votação dos votos n.ºs 107, 108 e 109/VI.
Começamos pelo voto n.º 107/VI - De protesto por o Governo da República das Filipinas ter dificultado a entrada e. permanência de cidadãos portugueses participantes na APCET, de elogio à hierarquia judicial filipina por ter possibilitado a realização da mesma e de solidariedade para com o povo de Timor Leste (Presidente da AR, PSD, PS, PCP, CDS-PP, Os Verdes, PSN e Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro). Este voto já foi lido na última sessão, pelo que hoje, se não houver objecções, prescindiremos da sua leitura.

Pausa.

Como ninguém se opõe, passamos, de imediato, à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Raúl Castro.

É o seguinte:

Na sua primeira reunião plenária posterior aos factos, a Assembleia da República lamenta vivamente que o Governo da República das Filipinas tenha impedido ou dificultado a entrada ou embargado a permanência no seu país de diversos cidadãos portugueses, que pretendiam participar na reunião internacional que a Asian Pacific Conference on East Timor levou a cabo em Manila, de 31 de Maio a 4 de Junho, a favor do povo de Timor Leste, considerando particularmente gravosa a anulação do «visto de entrada» que havia concedido ao Deputado que representaria nesse encontro o Parlamento português.
Em contrapartida, a Assembleia da República elogia a hierarquia judicial filipina, que possibilitou a efectivação da mesma reunião internacional, embora já com prejuízo de algumas importantes participações.
A Assembleia da República aproveita o ensejo para, mais uma vez, reafirmar o empenhamento dos portugueses - que legitimamente representa - na autodeterminação e independência do povo heróico e mártir de Timor Leste, vítima da tirania da ditadura indonésia.
O Presidente da Assembleia da República, pelas vias adequadas, dará conhecimento do teor deste voto aos órgãos de soberania da República das Filipinas.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, vai ser lido o voto n.º 108/VI - De protesto por factos ocorridos na esquadra de Matosinhos que conduziram à morte de um cidadão (PS).

O Sr. Secretário (João Salgado): - O voto n.º 108/VI é do seguinte teor:

Encontra-se sob prisão preventiva um agente da PSP acusado de homicídio voluntário na pessoa do cidadão Romão Monteiro, atingido na cabeça com um tiro de pistola quando era interrogado no interior da esquadra de Matosinhos, na madrugada do dia 9 de Junho.
Os relatos publicamente disponíveis sobre as circunstâncias da detenção referem que, antes da efectivação da mesma, aquele cidadão foi baleado numa perna, sendo-lhe partidos os dentes à coronhada. Na manhã do dia seguinte à ocorrência, a PSP, em comunicado oficial, atribuía a morte a suicídio. Segundo esse relato oficial, o detido tirara a arma a um polícia e desfechara um tiro na cabeça.
Horas depois, por iniciativa do Ministério Público, um agente da PSP era chamado a prestar declarações, sendo, na sequência, ordenada e confirmada judicialmente a sua prisão preventiva.
Desde essa data, nem a hierarquia da PSP nem o Ministério da Administração Interna tomaram qualquer posição oficial que corrigisse e explicasse a versão dos factos inicialmente assumida e esclarecessem cabalmente as circunstâncias que rodearam a detenção e morte daquele cidadão.
Estes factos e a conduta que os responsáveis têm adoptado contribuem, inaceitavelmente, para o descrédito das forças policiais e agravam o sentimento público de insegurança, no preciso momento em que tudo exigiria a clarificação de responsabilidades e a adopção de medidas susceptíveis de reforçar a confiança dos cidadãos nas instituições.
Nestes termos, a Assembleia da República considera urgente:
O rigoroso apuramento das responsabilidades que ao caso caibam;
A divulgação pública dos respectivos resultados;
A adopção de medidas que garantam o cumprimento estrito das disposições legais que proíbem o uso abusivo de armas de fogo e outros meios de coacção por parte das forças de segurança.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação...

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, esse voto foi apresentado ontem e, hoje, ao trocarmos impressões com alguns Srs. Deputados, verificámos que poderíamos chegar a uma solução alternativa para o texto que acabou de ser lido, o que requer alguns minutos de reflexão.

Assim sendo, sugeria ao Sr. Presidente que se avançasse na apreciação e votação do voto n.º 109/VI, voltando depois ao voto n.º 108/VI.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, vamos, então, passar ao voto n.º 109/VI, conforme a sugestão que acabou de ser feita, concedendo, assim, o tempo necessário para que os subscritores do voto encontrem a solução pretendida.
Srs. Deputados, vai ser lido o voto n.º 109/VI - De solidariedade para com os trabalhadores da Lisnave e Setenave/Solisnor e de protesto pelo processo de despedimento colectivo em curso (PCP).

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, o voto n.º 109/VI é do seguinte teor:

Considerando que cinco dias após o anúncio pelo Primeiro-Ministro do denominado «Plano de Emprego» e 24 horas depois do acto eleitoral para o Parlamento Europeu, está em curso um processo de despedimento colectivo envolvendo mais de 3 000 trabalhadores da Lisnave e Setenave/Solisnor;

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Considerando que esta acção a prosseguir conduzirá ao desemprego de milhares de homens desejosos e válidos para trabalhar e que vêm dedicando à industria naval as suas vidas;
Considerando que esta iniciativa corresponde a mais um profundo golpe no sentido da destruição do aparelho produtivo nacional.
Neste quadro, a Assembleia da República manifesta a sua solidariedade a todos os trabalhadores da Lisnave e Setenave/Solisnor neste momento tão dramático para a sua vida profissional e familiar e pronuncia-se pelo imediato cancelamento do processo de despedimento colectivo em curso.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República não pode ser insensível ao pulsar da vida e do mundo do trabalho.
O que se está a passar na Lisnave e na Setenave/Solisnor com a iniciativa do Grupo Mellos, visando o despedimento colectivo de mais de 3000 trabalhadores, no âmbito do denominado «Plano de Reestruturação da Indústria Naval», aprovado pelo Governo, passados que são meia dúzia de dias do anúncio pelo Primeiro-Ministro do «Plano de Emprego» e 24 horas após as eleições para o Parlamento Europeu, não pode deixar de merecer a mais profunda preocupação e activa solidariedade do Grupo Parlamentar do PCP para com os trabalhadores e esperamos que, também, da Assembleia da República.
Para os Mellos, e parece que também para o Governo, tudo se resume à competitividade não por efeitos da aplicação de novas tecnologias, da modernização e dinamização da produção, do aproveitamento da capacidade e experiências adquiridas, da conquista dos mercados externo e interno, mas tão-só à custa da destruição de postos de trabalho, dos desmantelamento de unidades produtivas e do lançamento na miséria de cada vez mais portugueses.
Á crise económica não pode esconder a entrega de dezenas de milhões de contos e o incentivo à especulação imobiliária em benefício único e exclusivo de um grupo capitalista, ao mesmo tempo que lança no desemprego milhares de trabalhadores, que provoca ainda mais carências em milhares de famílias com repercussões brutais em toda a Península de Setúbal.
Os mais altos representantes do povo português não podem ficar calados a mais esta manobra anti-social perspectivada para: aumentar a exploração e anular direitos aos trabalhadores; acentuar desigualdades e injustiças sociais; precarizar as relações de trabalho; desarticular o aparelho produtivo; restaurar o poder do grande capital.
Sabemos que tudo o que nasce tem o seu ciclo de vida. Também as empresas, naturalmente, nascem, crescem e morrem. Mas, neste caso, trata-se de uma morte provocada, autêntico extermínio! É por isso que estamos do lado dos trabalhadores da indústria naval, na sua luta contra o «Plano dos Mellos», plano este claramente anti-económico e anti-social.
Atente-se aos seguintes factos: foi inaugurado pelo Ministro da Indústria e já se encontra em funcionamento na Mutela, mesmo em frente ao estaleiro da Lisnave na Margueira/Cacilhas, o Parque Tecnológico para aperfeiçoamento do processo produtivo virado, principalmente, para a indústria naval e que contou com um investimento estatal superior a 1,5 milhões de contos.
No período de 1990 a 1992 existiu uma ocupação média de 5670 trabalhadores nos estaleiros da Lisnave e da Setenave e em 1993, mesmo sem a construção naval, aquele valor foi de 3500 efectivos.
Diariamente, desenvolvem actividade nos dois estaleiros centenas de empreiteiros e subempreiteiros.
O relatório de gestão e contas da Lisnave relativo ao ano de 1993 prevê claramente uma retoma da actividade de construção naval a partir do início de 1995.
O Presidente dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, na linha do Comissário Europeu para o sector, prevê a inversão do ciclo negativo no sector da reparação naval - afirmação reproduzida no Diário Económico, de Janeiro do corrente ano. Embora o Presidente do Estaleiros de Viana do Castelo, Engenheiro Duarte Silva, seja hoje Ministro da Agricultura e Pescas, espero que continue a pensar da mesma forma.
Neste âmbito, é socialmente criminoso o despedimento colectivo em curso, com o objectivo de encerrar um dos maiores estaleiros de reparação do mundo, de reduzir a 2 500 os 6 500 postos de trabalho existentes nos dois estaleiros no início do ano e que hoje são já menos de 5 500.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que País estamos a construir? Que presente é este e que futuro se perspectiva, quando se destroem milhares de postos de trabalho e se empurra para a inactividade uma força produtiva de milhares de trabalhadores válidos e necessitados de provir o sustento das suas famílias.
São homens a quem querem obrigar a engrossar a já grande coluna de outros homens que vagueiam junto às empresas para arranjar um biscate, que deambulam pelas ruas mirando o nada.
Srs. Deputados, se querem, realmente, combater o desemprego, a primeira medida é suspender os despedimentos.
Propomos, assim, que, através da aprovação deste voto, manifestem a solidariedade aos trabalhadores da Lisnave e da Setenave/Solisnor e se pronunciem pelo cancelamento do processo de despedimento colectivo em curso.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, a quem a Mesa concede um minuto, uma vez que o PS já não dispõe de tempo.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta situação revela, em primeiro lugar, a incapacidade do Governo quanto à reconversão da indústria naval, que deixou a condução do processo da reconversão desta indústria a interesses privados, em vez de assumir as suas responsabilidades públicas.
Revela, por outro lado, uma enorme incapacidade de conceber programas de reconversão e de formação que em qualquer país civilizado se teriam previsto para resolver os problemas da evolução da indústria de construção e reparação naval.
Por isso, queremos manifestar a nossa solidariedade aos trabalhadores da Lisnave e da Solisnor, que têm sido encostados à parede e sucessivamente iludidos com a evolução que se tem verificado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O distrito de Setúbal aparece, assim, como um distrito onde a propaganda é de sucesso e onde, na prática, vão surgindo novos e graves focos de desemprego. Revela-se, assim, uma estratégia de incapacidade governamental de combate ao desemprego e ao desenvolvimento regional.

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Ao manifestar a nossa solidariedade para com os trabalhadores da Lisnave e da Solisnor, queremos, pois, associar-nos favoravelmente ao voto apresentado pelo PCP.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Alves.

O Sr. António Alves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como sabem, trata-se de um processo de reestruturação das empresas Lisnave e Setenave/Solisnor no sentido de tornar competitivo este sector da indústria que atravessa em todo o mundo um período de grave crise, dado que os estaleiros da Europa de Leste e do Extremo Oriente estão a produzir e a reparar navios a custos, em alguns casos, inferiores em 50 % aos praticados entre nós.
É, pois, com muita preocupação que o Grupo Parlamentar do PSD encara este processo de reestruturação que envolve a disponibilidade de muitos trabalhadores, mas não. se vê outra solução para o assunto que não seja a da reestruturação.
Assim, o Grupo Parlamentar do PSD está solidário com os trabalhadores, mas não pode deixar de encarar a reestruturação em curso.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero associar-me ao voto apresentado pelo PCP.
De facto, considero que, quando a indústria naval tem o futuro que tem à sua frente - e sabe-se que é assim! -, pois a crise vai ser ultrapassada e vão ser necessários construir e reparar barcos, os Mellos conseguiram fazer com o Governo um tenebroso negócio que lhes vai dar mais de 50 milhões de contos, à custa de tratar os trabalhadores como desperdícios, o que é absolutamente inaceitável. Vão pôr os trabalhadores, sem quaisquer direitos, fora da empresa, para depois os contratar; aliás, isto até foi denunciado pelo próprio promotor deste Plano - o Dr. Joaquim Aguiar.
Na verdade, os trabalhadores ficam sem quaisquer direitos, sem qualquer ligação à empresa e depois, sem qualquer protecção, são contratados quase à «lei da escravatura». Esta situação é absolutamente inaceitável e o Governo é responsável por ela, sobretudo quando se socorre de um decreto-lei do regime fascista que deu esta possibilidade aos Mellos.
Daí a minha solidariedade total para com os trabalhadores que deram a sua inteligência e o seu suor a uma das indústrias mais emblemáticas do nosso país e que agora se vêem desprezados e atirados como se fossem desperdícios.
Assim, dou todo o meu apoio ao voto apresentado pelo PCP.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, vamos proceder à votação do voto n.º 109/VI- De solidariedade para com os trabalhadores da Lisnave e Setenave/Solisnor e de protesto pelo processo de despedimento colectivo em curso (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos apreciar o texto substitutivo do voto n.º 108/VI - De protesto por factos ocorridos na esquadra de Matosinhos que conduziram à morte de um cidadão (PS, PSD, PCP e CDS-PP).
Peço ao Sr. Secretário que proceda à respectiva leitura.

O Sr. Secretário (João .Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o texto substitutivo do voto n.º 108/VI é do seguinte teor:

Encontra-se sob prisão preventiva um agente da PSP acusado de homicídio voluntário na pessoa do cidadão Romão Monteiro, atingido na cabeça com um tiro de pistola quando era interrogado no interior da esquadra de Matosinhos, na madrugada do dia 9 de Junho.
Os relatos publicamente, disponíveis sobre as circunstâncias da detenção referem que, antes da efectivação da mesma, aquele cidadão foi baleado numa perna, sendo-lhe partidos os dentes à coronhada.
Na manhã do dia seguinte à ocorrência, a PSP, em comunicado oficial, atribuía a morte a suicídio. Segundo esse relato oficial, o detido tirara a arma a um polícia e desfechara um tiro na cabeça.
Horas depois, por iniciativa do Ministério Público, um agente da PSP era chamado a prestar declarações, sendo, na sequência, ordenada e confirmada judicialmente a sua prisão preventiva.
Desde essa data, não vieram a público mais informações sobre este caso.
Impõe-se, assim, que se adoptem medidas no sentido de preservar o prestígio das forças de segurança, reforçando a confiança de cidadãos nas instituições.
Nestes termos, a Assembleia da República considera urgente: o rigoroso apuramento das responsabilidades que ao caso caibam; a divulgação pública dos respectivos resultados; a adopção de medidas que garantam o cumprimento estrito das disposições legais que proíbem o uso abusivo de armas de fogo e outros meios de coacção por parte das forças de segurança.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Srs. Deputados, como referi há pouco, este texto substitui o anterior texto do voto n.º 108/VI e foi subscrito por representantes de todos os partidos políticos, pressupondo-se que existe consenso, por parte dos signatários do anterior, para a sua retirada.
Está, pois, em apreciação o texto que acabou de ser lido.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação descrita no voto e que motivou a nossa iniciativa, a qual veio a ser acolhida na actual redacção, é de extrema gravidade, como a Câmara reconhecerá, certamente, por unanimidade. Aliás, por isso mesmo subscreveu este voto.
Ainda há poucos minutos, um colega da minha bancada teve ocasião de, mais uma vez, chamar a atenção para o interesse e a primazia que damos aos problemas da segurança dos cidadãos.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Que passa pela democratização, pelas associações...

O Orador: - Mas a segurança dos cidadãos pressupõe, essencialmente, a sua confiança nas instituições, sobretudo nas que têm a seu cargo a defesa dos direitos dos cida-

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dãos. E, naturalmente, é aí que se situa a acção da PSP e das forças policiais em geral.
O facto que ocorreu numa esquadra de polícia, e não é a primeira vez que, neste Parlamento, se fala nos abusos cometidos em esquadras de polícia, trata-se, mais do que um abuso, de um crime a sangue-frio - embora não esteja ainda apurado, tem toda a probabilidade de o ser - e, porventura mais grave do que isso, mascarado por agente ou agentes da PSP sob a forma de um suicídio. Estranho suicídio, em que o suicida começa por se atingir a tiro numa perna, parte os dentes a si próprio e acaba por se suicidar desta forma.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é possível que estas coisas continuem a acontecer impunemente no nosso pais.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Com a conivência das hierarquias!

O Orador: - Num Estado de direito democrático, com a Constituição que temos, não é possível que estas coisas continuem a acontecer e, por isso, temos de tomar uma atitude muito frontal e dura perante o atropelo dos direitos dos cidadãos, sejam eles quem forem, porque mesmo os piores criminosos têm tanto direito como os demais à protecção e ao reconhecimento dos direitos cívicos consignados na Constituição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta Assembleia, ao redigir este voto, mostra uma preocupação que é de todos nós, no sentido de que não mais se repitam casos como este e de que, rapidamente, seja dada uma conclusão à averiguação do que efectivamente se passou, a fim de que possam ser chamados às responsabilidades os que as têm em acções deste jaez.

Vozes do PS, do PCP e do Deputado independente Mário Tomé: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP subscreveu o voto apresentado na Mesa, por estarmos em presença de acontecimentos de extrema gravidade, como o Sr. Deputado José Vera Jardim acabou de referir, ou seja, o facto de um cidadão ser atingido mortalmente, com um tiro na cabeça, numa esquadra da PSP, e um insólito comunicado do Comando-Geral da PSP sobre esta matéria.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito bem!

O Orador: - No que diz respeito à morte deste cidadão, exige-se, naturalmente, um sério apuramento das responsabilidades, até às últimas consequências, mas, quanto ao comunicado da PSP, também há que exigir a responsabilidade dos seus autores.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito bem!

O Orador: - Já não é a primeira vez que o Comando-Geral da PSP nos brinda com os mais insólitos comunicados sobre a actuação das forças policiais e, portanto, o Grupo Parlamentar do PCP, neste caso concreto, irá propor que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias proceda à audição do Sr. Ministro da Administração Interna e do Comandante-Geral da PSP, para apurar responsabilidades quanto à autoria de um comunicado que atribuiu a suicídio a morte deste cidadão.
Cremos que com estas actuações e com comunicados desta natureza, definitivamente, é a credibilidade das forças policiais perante os cidadãos que fica posta em causa.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A situação é de extrema gravidade e, por isso, entendemos que a Assembleia da República não pode ficar alheia a estes acontecimentos.

Vozes do PCP e do Deputado independente Mário Tomé: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devo confessar que foi com um certo constrangimento de alma, como se costuma dizer, que assinei este voto, apenas para não ficar sozinho de fora, em face das bancadas que o redigiram.
Isto por algumas razões simples. Em primeiro lugar, porque o assunto está a ser tratado pelo Ministério Público e encontra-se em segredo de justiça. Aliás, foi o Director do Instituto de Medicina Legal que não quis revelar à comunicação social o resultado do exame do cadáver, não se sabendo se se tratou de um «suicídio» ou de um «homicídio» e o que, realmente, se teria passado naquela esquadra.
Em segundo lugar, como todo o cidadão normal deste país, também fiquei bastante preocupado com as notícias desencontradas que ouvi.
Desde logo, foi declarado urbi et orbi que um traficante de droga se tinha suicidado numa esquadra. Depois, houve alguns relatos em que se referiu que o próprio guarda da PSP teria dito «Ai que fiz asneira» ou «Ai que fiz mal». Posteriormente, verificámos que as declarações prestadas pelo mesmo guarda perante o Ministério Público levaram o magistrado a requerer e a confirmar a detenção do mesmo devido à morte do Gira - é assim que é conhecido. Vimos ainda as cenas patéticas da família deste e, naturalmente, do povo, à frente da esquadra e da habitação do baleado.
Portanto, não há qualquer dúvida de que a exposição deste facto perante a opinião pública, realizada pela televisão, não pode deixar de suscitar preocupação sobre o comportamento das polícias, o que se passa dentro das esquadras e a perseguição dos cidadãos, sejam ou não traficantes de droga, pois até serem julgados pelos tribunais devem ser considerados inocentes. E a verdade é que este homem não foi apresentado ao tribunal para ser julgado, em processo sumário. Não sabemos se houve algo que levasse a polícia a apanhar este indivíduo, a quem, supostamente, são atribuídas culpas pelo tráfico de droga, ou a dizer que ele praticou um crime para ser julgado, e havia sido apanhado em flagrante delito.
Ora, não havendo prova de flagrante delito que se saiba, nada justifica a violência física que foi exercida sobre o cidadão Gira, designadamente as coronhadas que lhe partiram os dentes, os tiros nos pés e a sova que lhe deram na esquadra. Tudo isso cria, realmente, problemas de consciência para todos nós e de segurança a qualquer indivíduo que seja apanhado pela polícia.
De qualquer modo, a Assembleia da República é um órgão de soberania e, como tal, não pode fazer juízos temerários, quando um assunto está nas mãos do Ministério

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Público, em averiguação criminal e sob segredo de justiça, atribuindo responsabilidades que o próprio Ministério ainda não pediu. O próprio Ministério da Administração Interna encontra-se numa situação em que não pode fazer qualquer declaração, porque isso traduziria uma violação das regras elementares de acção afecta ao poder judicial.
Medindo todos esses aspectos, isto é, de um lado, a preocupação com todo este espectáculo mediático que foi criado perante a opinião pública e que é revoltante - não há dúvida de que é preocupante ver tudo o se viu na televisão - e, de outro lado, o critério rigoroso de que nada deve ser discutido no Parlamento, quando a matéria está sob segredo de justiça e investigação judicial, foi à contrecoeur que assinei este voto.
Quero deixar aqui bem clara a minha dúvida sobre se, efectivamente, devemos ou não repensá-lo pois, apesar de o ter subscrito por estar revoltado com as imagens televisionadas, vou abster-me por consideração da ordem do segredo de justiça.

(O Orador reviu.)

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num Estado de direito democrático, havendo indícios da prática de ilegalidades graves, como parecem ser os existentes nesta situação, não devemos cair na tentação imediata e precipitada, como às vezes acontece com alguns de nós, de pormos em causa a existência e o funcionamento das próprias instituições. Em vez disso, devemos fazer averiguações de forma a ser concretizada toda a responsabilidade de natureza criminal e disciplinar que ao caso possa caber.
Foi com esse objectivo que, depois de introduzidas algumas alterações, subscrevemos este voto pois pensamos que a melhor forma de defender e de dar credibilidade às instituições de um Estado de direito democrático, neste caso, às forças de segurança, é a publicitação dos resultados do inquérito e a completa elucidação da opinião pública.
Em relação ao que acabou de dizer o Deputado Narana Coissoró, quero apenas comentar que, da curta troca de palavras de há pouco, fiquei com a percepção - o que penso ser bem claro para todos os grupos parlamentares - de que a divulgação pública dos resultados do inquérito, encontrando-se o processo em segredo de justiça, será efectuada o mais rapidamente possível, mas após a sua conclusão.
Esta opinião resultou da conversa que travámos e que esteve na origem da posição tomada. Sendo assim, findo o inquérito, o processo deixa de estar em segredo de justiça, razão pela qual poderão ser tornados públicos os seus resultados e penso que a Assembleia da República, manifestando esta preocupação, contribui para a credibilidade e o prestígio destas forças de segurança.

Vozes do PSD: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, vamos proceder à votação do voto n.º 108/VI - De protesto por factos ocorridos na esquadra de Matosinhos que conduziram à morte de um cidadão, subscrito pelo PS, PSD, PCP e CDS-PP.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.

O voto n.º 11/VI, apresentado pelo PS, que foi agora distribuído, será discutido e votado na próxima quarta-feira.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 40 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 420/VI - Regime da prática do naturismo e da criação do espaço do naturismo (Os Verdes), ordem do dia fixada pelo Grupo Parlamentar de «Os Verdes».
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A prática do naturismo, entendida como forma de favorecer uma maior harmonia na relação homem/natureza, deve merecer da parte de todos nós a criação das condições favoráveis à concretização deste objectivo, o qual, sem sombra de dúvidas, é um desafio do nosso tempo e, em particular, das sociedades modernas e que é preciso vencer, sob pena de perdermos o respeito por nós próprios e deixarmos hipotecar o futuro das gerações vindouras.
Esta forma peculiar de «um regresso às origens», sem pôr em causa as vantagens e o desenvolvimento do progresso tecnológico e científico, além de beneficiar o bem-estar físico e espiritual do homem, favorece o respeito por si próprio, pelos outros e pelo meio natural de que usufrui e depende para viver.
Os movimentos naturistas vêm demonstrando as vantagens de se abandonarem os preconceitos que têm impedido o que pode designar-se por um saudável reencontro do homem com a natureza. Tanto assim é que, na maioria dos Estados europeus, para referirmos apenas aqueles de que dispomos maior informação, o naturismo é autorizado e praticado.
Em Portugal, apesar de o Código Penal de 1982 não proibir p nudismo como prática naturista, só em 1988, e por iniciativa do Grupo Parlamentar de «Os Verdes», a Assembleia da República aprovou com votos de Deputados de todos os partidos, com excepção do CDS-PP, a Lei n.º 92/88, de 13 de Agosto; que estabelece os princípios e algumas condições que permitem a prática do naturismo.
Essa lei que determina um prazo de 90 dias para o Governo regulamentar a criação dos espaços de naturismo como áreas assinaladas para que os cidadãos possam exercer a sua liberdade de escolher, evitando-se eventuais situações de conflitualidade, permanece sem produzir efeitos práticos por falta de regulamentação, seis anos decorrida a sua aprovação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque consideramos que não é possível adiar por mais tempo a aplicação de determinações da Assembleia da República, mantendo frustradas as expectativas criadas junto dos cidadãos há mais de seis anos, porque a prática do naturismo favorece o bem-estar e o desenvolvimento físico e mental dos cidadãos e permite aprofundar a sua relação com o meio natural, porque o nudismo, como prática naturista, tem já tradi-

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cão em Portugal, embora permanecendo semiclandestino, porque ern democracia é necessário garantir direitos aos cidadãos generalizadamente reconhecidos sem pôr em causa a liberdade de escolha, porque consideramos que é necessário e fundamental, de uma vez por todas, despirmo-nos também de preconceitos - Deputados, Governo e Administração em geral - para não mais sermos surpreendidos por uma realidade que se transforma e evolui, contribuindo para garantir uma vida em sociedade regida por regras de transparência e pelo reconhecimento do direito à diferença, o Partido Ecologista «Os Verdes» submete hoje à apreciação dos Srs. Deputados o projecto de lei n.º 4207 VI, que propõe para aprovação pela Assembleia da República o «Regime da prática do naturismo e da criação do espaço do naturismo».
O presente projecto de lei, adoptando os princípios e orientações contempladas na Lei n.º 92/88, de 13 de Agosto, que legalizou a prática do naturismo, estabelece já os requisitos a que deve obedecer a criação dos espaços de naturismo bem como as entidades com competência para o efeito.
A novidade, em termos práticos, é permitir que, com a transformação deste projecto em lei - o que esperamos venha a acontecer -, se possa de imediato criar espaços de naturismo e exercer legalmente essa actividade, independentemente da regulamentação que venha a ser considerada necessária.
Como princípios gerais, no articulado do projecto que passamos a apresentar, define-se o naturismo como «o conjunto das práticas de vida ao ar livre em que é utilizado o nudismo entendido como forma de desenvolvimento da saúde física e mental dos cidadãos, através da sua plena integração na natureza», sendo que este apenas é autorizado se não revestir atitudes susceptíveis de provocar escândalo.
No artigo 4.º são indicados como espaços possíveis para a prática do naturismo as praias, campos, piscinas e unidades hoteleiras e similares, bastando obedecer aos requisitos específicos considerados necessários a cada um e explicitados no diploma.
No artigo 5.º do projecto de lei estabelece-se que a autorização para a utilização dos espaços naturistas compete às assembleias municipais dos concelhos da sua localização, sob proposta da respectiva câmara municipal, depois de obtido parecer fundamentado da região de turismo respectiva ou da Direcção-Geral de Turismo na ausência da primeira. A organização dos processos respectivos decorre nas câmaras municipais devendo conter elementos sobre a localização do espaço, forma de sinalização e, se for caso disso, fixação da época ou horário da sua utilização.
Quanto ao licenciamento, no caso de ser imposto por lei, é da responsabilidade da autoridade administrativa competente, na respectiva área, para o licenciamento de empreendimentos não naturistas de idêntica natureza.
Passando agora a expor as condições e características a que deve obedecer cada um dos espaços naturistas considerados, salienta-se que nas praias concessionadas do litoral marítimo, de rios ou lagoas, a prática do naturismo é limitada a zonas demarcadas que ofereçam, pelas suas condições naturais, um relativo isolamento do exterior, podendo a sua utilização ser requerida por associações de naturistas, empresas turísticas, entidades licenciadas para a exploração de actividade comercial na respectiva área ou ainda pela própria câmara municipal.
Os campos de naturismo podem ser explorados como parques de campismo privativos, como zonas demarcadas de parques de campismo de acesso público, como acampamentos rurais e ainda, total ou parcialmente, como parques de caravanismo e incluir instalações complementares de alojamento nos termos estabelecidos para os parques de campismo, dependendo a sua abertura de licenciamento da câmara municipal após vistoria.
No que se refere às unidades hoteleiras, hotéis, aldeamentos turísticos e outros estabelecimentos similares ou suas partes individualizadas, devidamente legalizadas, podem ser reservados à prática de naturismo quando implantados em zonas que proporcionam uma plena integração na natureza, podendo a prática do naturismo nestas unidades, como acontece com as piscinas, ser limitada a determinadas épocas do ano mediante requerimento dos respectivos proprietários ou entidade exploradora.
Por fim, importa referir que a fiscalização do cumprimento da lei é da competência do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, da Direcção-Geral do Turismo, da Direcção-Geral de Saúde e das autoridades policiais.
Com esta nova iniciativa legislativa, o Grupo Parlamentar de «Os Verdes» pretende ver assegurada a prática do naturismo enquanto comportamento saudável em plena integração da natureza, prevendo normas comuns à criação e utilização dos vários espaços de naturismo, envolvendo neste processo quer entidades e autoridades do poder central quer os órgãos centrais ou regionais de turismo e sobretudo os órgãos do poder local que, enquanto entidades mais próximas das realidades, interesses e costumes locais, desempenham um papel determinante na implementação destes processos.
Antes de terminar, permitam-me que cite o saber e os ensinamentos da saudosa Natália Correia em intervenção que proferiu durante o debate parlamentar que levou à aprovação da Lei n.º 92/88, de 13 de Agosto: «Longa foi a caminhada dos costumes, e bem longa foi em Portugal, para vencer os preconceitos que envolviam o corpo. Já em Sevilha e Roma-passa-se isto no séc. XVIII- tendo visto aí os nossos artistas a utilização de modelos para o estudo do nu e querendo implementar esta prática em Portugal, o povo apedrejou brutalmente as janelas do atelier onde um homem nu pousava para ser copiado. Esta escamoteação do corpo como se de pecado se tratasse, esta abominação do nu considerado um aviltamento dos costumes no quadro de uma moral que execrava o sexo, prevalecem quase até aos nossos dias. E estão ainda longe de serem corripletamente estripadas as mal formações psicológicas derivadas do maniqueísmo moral que fez das mentes um campo da batalha travada entre os demónios da carne e os anjos do espírito.
Toda uma cultura houve que ser revolucionada para derrotar os tabus que impediam a realização plena do ser humano na unidade do corpo e do espírito. É às correntes dessa cultura que estreitamente se liga o movimento do nudismo, através do qual o homem procura a experiência de regressar ao seu estado natural para se reencontrar com a sua verdadeira natureza obnubilada pelos princípios estabelecidos por uma estratégia dominadora das consciências. E hoje a expansão do naturismo/nudismo alcança diversos estratos culturais e mesmo religiosos, incluindo o cristão, para o qual é publicado nos Estados Unidos The Christian Nudist Journal».
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a decisão está hoje, mais uma vez, e agora de forma definitiva, nas nossas, vossas, mãos; sobretudo, depende das nossas consciências e da vontade de querermos respeitar o direito pelas diferenças responsavelmente assumidas, como é proposto no projecto em apreciação.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Macário Correia, Joel Hasse Ferreira e Ferraz de Abreu.

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Tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, compreendemos o sentido das preocupações apresentadas, todavia, o projecto de diploma em debate tem um conjunto de insuficiências e de lacunas que não podem deixar de ser apontadas sob pena de este documento não resolver o problema exposto nas considerações feitas.
Em primeiro lugar, não salvaguarda o respeito e a distância que é devida em relação aos aglomerados urbanos,, aos estabelecimentos de ensino e de culto religioso, aos santuários, aos conventos, às colónias de férias e a outros locais que importa preservar e distinguir da prática do naturismo. Por outro lado, do que acabou de expor, não se verifica que haja a preocupação de distinguir os locais da prática do naturismo de outros susceptíveis de utilização por actividades desportivas, artísticas, terapêuticas e outras, balneários, solários, estabelecimentos gímnicos, instalações polidesportivas, etc., que importa, de uma forma clara e explícita, dizer que não devem configurar a situação de espaços destinados à prática naturista.
Importa igualmente salientar que esses espaços devem ser preservados da intrusão visual do exterior, que deve ser acautelada.
Vários outros aspectos poderia referir como o facto de a credenciação, exceptuando os espaços públicos, dever ser feita por entidades nacionais ou internacionais do naturismo que prossigam, de forma deontológica, os fins do movimento, sob pena de cair-se em situações que de forma alguma poderemos aprovar. O diploma tem de conter necessariamente as circunstâncias e as condições em que, por infracção, se pode verificar a necessária contra-ordenação e, inclusivamente, a retirada da licença que essas instalações detêm se se verificar que a prática contraria os pressupostos saudáveis que suponho estarem na origem do diploma.
O diploma também omite, o que refiro por motivação meramente jurídica, a sua aplicabilidade e regulamentação pelos órgãos de governo próprio das regiões autónomas.
Outras questões poderiam ser colocadas- vastas são elas- mas no momento próprio, quando produzir a minha intervenção, explicarei o modo como entendemos que pode chegar-se a uma solução, seguindo caminhos mais lógicos, fáceis e consensuais porque o que. está em causa nesta matéria é a obtenção de um consenso em torno de valores éticos, morais e filosóficos e não propriamente a disputa no plano político-partidário de questões que, como esta, devem estar bem fora desse debate no sentido mais puro e simples com que, muitas vezes, aqui o fazemos e o entendemos.
Para já, Sr. Presidente e Sr. Deputado André Martins, são estas as questões que suscito sem prejuízo de, em fase posterior, exprimir outras opiniões sobre esta matéria que considere importantes para este debate.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Macário Correia, agradeço as considerações que fez a propósito da minha intervenção.
Na verdade, há algumas questões que podem - e será bom que mereçam um contributo de todos os Deputados - ser aperfeiçoadas o melhor possível para que seja salvaguardado aquilo que é fundamental neste diploma.
Mas não posso deixar, de dizer que o Sr. Deputado não leu atentamente ou, pelo menos, em toda a sua extensão, o citado projecto de lei. Por exemplo, referiu casos em que as licenças poderiam ser retiradas, o que está regulado no artigo 21.º.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Não define as condições em que ocorre.

O Orador: - Tal verifica-se desde que não se cumpra o que está estabelecido no projecto na sua globalidade ou as obrigações inseridas noutros diplomas que têm a ver com instituições ou empreendimentos de diversos tipos, como sejam os parques de campismo ou as unidades hoteleiras. Portanto, há todo um conjunto de legislação que não está aqui contemplada mas que se subentende que o esteja na aplicação desses normativos, mas está salvaguardada a possibilidade de se retirarem as licenças às entidades que forem autorizadas a administrar estes espaços.
Por outro lado, quanto às credenciais de entidades adequadas, designadamente as associações de naturismo, é certo que estas entidades têm de ter um reconhecimento público. Por isso, ninguém vai passar uma autorização a uma entidade que não tenha personalidade jurídica e não seja pública. Parece-nos que essa preocupação não deverá fazer parte deste diploma.
Sr. Deputado, admitimos que haja lacunas e insuficiências e pensamos que todos poderão dar um contributo para elaborarmos o melhor diploma possível.
Entendi dever dar primeiro esta resposta ao Sr. Deputado porque não podia deixar passar estas questões «em branco».

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, quero saudar a apresentação deste projecto, que pretende obviar à não regulamentação da lei que se encontra em vigor e, portanto, não está a ser aplicada.
No entanto, quero colocar-lhe algumas questões pontuais, relacionadas com este articulado, já que não estamos a discutir questões de fundo, que constam da lei anterior e de cujo projecto era primeira subscritora a Sr.ª Deputada Maria Santos.
A primeira questão tem a ver com o seguinte: o Sr. Deputado não entende que pode haver alguma confusão no caso de o processo sobre espaços que se situem em diversos municípios correr apenas em um desses municípios? O que quer isso dizer? Que um dos municípios centraliza o processo e são ouvidos os outros? Ou que um município toma deliberações sobre o território de outro?
A segunda questão relaciona-se com a organização dos espaços da prática de naturismo. Diz o projecto de lei que é «da responsabilidade do titular da respectiva autorização ou licença». Mas se o município condicionar e disser que autoriza a prática do naturismo em determinada zona segundo certas condições, como se procede? Julgo que, se for essa a ideia, isto é, se se deixar que as entidades municipais deliberem que o espaço pode ser organizado pelo titular da autorização, deve prever-se que o município possa estabelecer algum condicionamento relacionado com questões que até já começaram a ser discutidas e abordadas, como os problemas das entradas e saídas, e que, depois, teriam de ser debatidas mais detalhadamente.
A terceira pergunta a colocar relaciona-se com as outras entidades e a passagem da licenças. Gostava de saber a sua opinião a este respeito, porque não compreendo bem

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o sentido do que consta no artigo 18.º do projecto de lei, que diz que «Nenhuma entidade pode recusar a passagem de licença da sua competência (...)». Creio que este normativo se refere a entidades que zelam pela segurança, pela saúde, pelo ambiente, etc. Sr. Deputado, entendo que essa entidade não se pode recusar a passagem da licença, desde que com fundamentos exteriores ao que for a sua competência. Mas, se considerar que não há, de facto, as condições necessárias, pode recusá-la. Suponho que será essa a ideia, caso contrário, não podemos crer que entidades que defendem determinadas responsabilidades sectoriais deixem de emitir com liberdade a sua opinião.
A quarta questão tem a ver com o deferimento tácito. Os Srs. Deputados propõem que seja a assembleia municipal a conceder autorização para utilização dos espaços de naturismo e depois vêm dizer que há deferimento tácito se não for tomada uma deliberação no prazo de 60 dias sobre a entrada do requerimento na câmara municipal. Mas não é a câmara municipal a responsável pela aprovação de um requerimento pela assembleia municipal. Julgo ser necessário fazer aqui qualquer acerto em termos de processo, sem o qual se podem gerar, inclusive, alguns conflitos entre órgãos autárquicos ou alguma confusão junto dos promotores da iniciativa.
Para terminar, gostava que o Sr. Deputado me esclarecesse sobre o que querem dizer com as «atitudes susceptíveis de provocar escândalo».
Finalmente, quanto à entrada em vigor e regulamentação deste diploma, o Sr. Deputado não vê o risco de, pela conjugação dos efeitos do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 23.º, voltarmos a ter um novo impasse, ou seja, a lei entrar parcialmente em vigor e ter alguns efeitos e não ter outros? Esperemos que este Governo mude rapidamente, mas durante o período em que isso não acontece, não poderá criar-se de novo a situação de se aplicar esta lei e haver aspectos que ainda ficam a carecer de regulamentação?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, agradeço todas as questões que colocou. Relativamente a algumas, é fácil, aqui e perante o que está expresso no diploma, ficarem esclarecidas, outras levarão a alguma delonga, pelo que vou tentar dar o esclarecimento possível no tempo de que disponho.
No que respeita àquilo a que chamou de confusão quanto aos espaços municipais diferentes, isto é, quanto à possibilidade de um espaço naturista ocupar espaços municipais diferentes, naturalmente, o artigo referente a esta questão diz expressamente que a autorização compete às assembleias municipais. No entanto, compete a uma câmara municipal organizar o processo. No fundo, tudo isto se relaciona com o decorrer do processo e o cumprimento dos prazos que referiu.
Para nós, é importante que haja cumprimento de prazos, porque qualquer entidade pode «deixar para as calendas» uma decisão que é importante. Referimos os prazos a propósito da assembleia municipal porque consideramos que deve ser ela a decidir, porque é o órgão que entendemos ter maior competência para decidir sobre se deve situar-se determinado espaço naturista na área do seu município.
Se a assembleia municipal decidir a favor da concessão da licença, cremos que nenhuma outra entidade deve impedir essa aprovação e a implantação do espaço naturista porque, em nosso entender, as assembleias municipais representam os interesses do desenvolvimento municipal, que também está em causa. Quem conhece hoje a Europa e o Mundo, quem conhece Portugal, sabe o quanto é importante o desenvolvimento turístico e o quanto poderá condicionar o desenvolvimento de certas actividades turísticas se em determinado espaço municipal houver condições para que as pessoas se possam aí situar e ocupar os seus tempos livres. Relativamente à questão de esta lei poder entrar em vigor só em parte. Sr. Deputado, entendemos que temos de correr riscos. À Assembleia da República não compete fazer a regulamentação, designadamente em matéria que é da exclusiva competência - ou, como entendemos, da exclusiva incompetência - do poder executivo, do Governo. Por isso, pretendemos que a Assembleia da República não volte a aprovar uma lei que depois não possa ser posta em prática. Com este projecto de lei, se for aprovado, fazemos com que seja possível - este é a diferença em relação à lei anterior, aqui aprovada por Deputados de todos os grupos parlamentares com excepção do CDS-PP - a criação dos espaços naturistas e a prática do naturismo. São definidas, identificadas e responsabilizadas as entidades com competência para implementar esses espaços e para fazer a sua vigilância. Por isso, a outra responsabilidade cabe agora, de forma acrescida, ao Governo. Esperamos que o Governo - este, ou outro que venha a seguir - saiba assumir as suas responsabilidades.

O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, quero louvar a forma moderada e cautelosa como procurou defender o direito dos cidadãos amantes do naturismo, ao mesmo tempo que procurou que fossem respeitados os sentimentos das pessoas contrárias a esta prática. Fez bem, porque, apesar da «longa caminhada» que referiu a nossa saudosa amiga Natália Correia, a verdade é que ainda há uma certa relutância das pessoas em aceitar esta prática. Em todo o caso, creio que a relutância é um pouco aparente e está ligada a uma fenomenologia muito especial e complexa do que é, na realidade, um espírito contrário à prática do naturismo.
Posso recordar um episódio que testemunhei: em 1941, estava nas Caldas da Rainha, e houve uma grande concentração de estrangeiros refugiados, que vinham da França, da Alemanha, da Holanda, etc., em plena guerra, e que já praticavam um seminudismo, hoje, prática corrente, que era o uso do biquini, enquanto, em Portugal, os próprios homens eram forçados a tapar o tronco com uma camisolinha. Havia uma praia ali próxima das Caldas da Rainha, a da Foz do Arelho, e, no Verão, as refugiadas acorreram à praia, mas como o único fato de banho que possuíam era um biquini, naturalmente, usavam-no. Isto desencadeou uma série de protestos e o cabo-do-mar local, que era um homem imaginativo, resolveu o problema espetando uma tabuleta a meio da praia com uma seta para um lado, tendo escrito por baixo «fatos regulamentares» e uma outra, apontando para o lado oposto, que dizia «fatos não regulamentares». Desta forma acabaram os protestos - por isso é que digo que, às vezes, os protestos não são feitos com grande convicção - mas, em todo o caso, os nossos olhos viam para um lado e outro da tabuleta... Ora, o Sr. Deputado André Martins é tão cauteloso que até frisou que estes locais de prática de naturismo deveriam estar longe das vistas de outras pessoas para não as ofenderem.

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A pergunta concreta que quero fazer-lhe diz respeito a uma referência que fez a unidades hoteleiras onde também fosse permitida a prática de naturismo. Julga que são viáveis tais unidades, uma vez que, naturalmente, só teriam clientes naturistas porque dificilmente as outras pessoas, mesmo que desejassem ir lá espreitar, não quereriam ser apontadas a dedo pelos seus amigos por visitarem e utilizarem essas unidades hoteleiras?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, agradeço-lhe mais este testemunho que aqui nos deu. Feliz ou infelizmente, os testemunhos tem sido muitos porque, de facto, este debate já data de muito longe e verificamos que a realidade se transforma, que o homem evolui. Na verdade, pelo menos aqui na Assembleia da República, este debate data de 1985, que foi quando apresentámos o primeiro projecto de lei sobre a legalização da prática do naturismo, pelo que repito que já temos um longo caminho percorrido.
Passo agora à questão que colocou sobre a viabilidade ou não das unidades hoteleiras que pudessem vir a requerer autorização para instalar um espaço de naturismo. Respondo-lhe que a decisão cabe aos responsáveis dessas mesmas unidades hoteleiras. Creio que casos destes não se verificam em Portugal, mas sei que noutros países europeus existem unidades hoteleiras que são espaços de naturismo e penso que são viáveis. Nunca vi a contabilidade das mesmas mas repito que creio que são viáveis. A lei é, de facto, geral e deixa abertura para a oportunidade de se exercer a prática do naturismo nestas unidades hoteleiras, desde que integradas em espaços naturais, preceito que é fundamental.
O que acabei de dizer responde, de alguma forma, à questão levantada pelo Sr. Deputado Macário Correia que disse que neste projecto de lei não consideramos o facto de os espaços naturistas poderem vir a localizar-se junto de escolas e também nos meios urbanos. Ora, penso que a referência que está expressa no projecto de diploma responde em parte àquilo que afirmou.
Quanto às escolas ou a outras instituições relativamente às quais podem levantar-se problemas ou conflitos, compete à respectiva assembleia municipal, no fundo, às populações representadas nesse órgão de poder, a decisão sobre esta mesma questão. Não sejamos nós a inviabilizar a possibilidade de as populações decidirem por si próprias, em função dos seus interesses e daquilo que é a evolução própria da cultura e dos desejos de um retorno à natureza.
Permita-me ainda, Sr. Deputado, que responda a uma pergunta que ficou a pairar, feita pelo Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, relativamente ao que está expresso no projecto de lei quanto às atitudes susceptíveis de provocarem escândalo. Da nossa parte há, de facto, o entendimento de podermos elaborar um diploma que respeite as vontades dos cidadãos. Se, por um lado, isto é assim - e está expresso neste projecto de lei -, por outro lado, não pode deixar de ficar também expresso o estabelecido pelo actual Código Penal, no seu artigo 212.º. Portanto, não podíamos ter deixado de incluir aqui esse normativo porque ele faz parte do Código Penal. Não é que eu próprio nem qualquer um dos meus colegas do Partido Ecologista «Os Verdes» estejamos muito necessitados de que isto faça parte integrante do diploma, mas é no respeito pelo direito à diferença, pelo direito à escolha, que consideramos que tudo deve ser feito para que a prática do nudismo possa ser exercida por todos aqueles que a desejem.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já foi referido, a iniciativa legislativa que dá origem a esta discussão na Assembleia da República não vai no sentido de saber se o naturismo deve ou não ser permitido em Portugal - essa discussão já foi feita, já teve p seu sentido, há cerca de seis anos -, mas trata-se de, através da iniciativa de Os Verdes, suprir aquilo que foi uma irresponsabilidade do Governo. É porque, depois de aprovada essa lei, há seis anos, a mesma dizia, no seu último artigo, que o Governo teria 90 dias para regulamentá-la. Ora, não só passaram 90 dias como passaram quase seis anos sem que o Governo tivesse regulamentado a lei.
O que está em causa neste caso da iniciativa de Os Verdes é a regulamentação, na perspectiva deste partido, da lei que foi aprovada há precisamente seis anos. Por isso, a discussão sobre se tem ou não sentido que, também em Portugal, existam espaços próprios para a prática do nudismo e do naturismo não colhe neste momento - repito. Neste momento, está em causa saber se compete ou não à Assembleia da República corrigir aquilo que foi uma irresponsabilidade do Governo que deveria ter aplicado a lei e que não o fez.
Assim, em nome do Partido Socialista, quero dizer duas coisas muito simples, quanto ao conteúdo e quanto ao naturismo.
O PS sempre defendeu uma sociedade aberta, sempre defendeu uma sociedade madura, uma sociedade plural e tolerante, onde cada cidadão tenha o direito de expressar a sua individualidade e as suas opções, tanto no que respeita às suas ideias como à sua consciência, às suas atitudes e aos seus comportamentos. Por isso, há seis anos, aplaudimos a iniciativa do Partido Ecologista «Os Verdes». Nessa altura, defendemos também a necessidade de criar legislação para a prática do naturismo mas, sobretudo, o nosso contributo, há seis anos como agora, é para que esta Assembleia acompanhe o evoluir dos tempos, para que esta Assembleia e os seus Deputados como representantes do povo possam despir-se de preconceitos e que, desta forma, nada mais façam do que contribuir para legalizar aquilo que, hoje, já é uma prática e que, naquela altura, já era também uma realidade: a relação do Homem e da Mulher com a Natureza. Na perspectiva do Partido Socialista, isto traduzia uma nova cultura e, obviamente, uma aposta no sentido de contrariar os velhos costumes. O PS, nessa altura como hoje, disse que a moral e os costumes artificialmente concebidos nunca pertenceram ao nosso ideário porque, obviamente, somos um partido progressista. Convém recordar que, então, outros- não sei se o mantêm agora-, liberais no discurso, não tiveram essa ousadia e quase chegaram ao cúmulo de mandar dizer que devia tapar-se as estátuas ou, porventura, impedir que as crianças pudessem andar nuas rias praias.
Assim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o PS, fiel aos seus princípios, reafirma aqui a tolerância e o respeito que devem ser observados em relação às opções de cada um, tanto dos que são favoráveis à prática do nudismo como dos cidadãos portugueses que entendem não optar por esta prática. Por isso, o Grupo Parlamentar do PS reafirma estes dois princípios que têm como base o equilíbrio e o respeito pela opção dos portugueses.

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Há legislação já existente que é necessário regulamentar e, por outro lado, também é necessário o apoio ao respeito pelos cidadãos portugueses que não se revêem na prática do nudismo em Portugal.
É à luz desta nova cultura, que, obviamente, tem exigências éticas e estéticas, que também nós não resistimos a citar nesta sede a saudosa Natália Correia quando, a este propósito, disse: «Cessa neste momento o dualismo puritano que torna inimigos o corpo e o espírito».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Centro-me agora sobre a iniciativa concreta do Partido Ecologista «Os Verdes». Como disse, e não será demais reafirmar, o Partido Ecologista «Os Verdes» tenta corrigir um erro do Governo. No mínimo, é necessário suscitar a dúvida de saber se compete ou não a esta Assembleia da República proceder à regulamentação da lei, votada na altura por quase todos os partidos nesta Câmara. Temos dúvidas, mas se para isso for necessário que seja o Parlamento a fazê-lo, contarão certamente com o apoio do Grupo Parlamentar do PS.
O meu colega, Deputado Joel Hasse Ferreira, já levantou algumas questões que nos preocupam quanto ao processo de licenciamento, quanto aos espaços, quanto à forma de fiscalização, quanto à forma de atribuição de licenças e, sobretudo, quanto à forma de gestão em termos concretos entre estas duas realidades: aqueles que querem a prática do nudismo e aqueles que a não querem ou que, porventura, a querem bem distante de si próprios.
O vosso projecto de lei introduz também algumas iniciativas diferentes da lei já existente. Por exemplo, no artigo 8.º, omite a forma como pode fazer-se o acesso aos espaços privados e, no artigo 13.º, não refere a legislação que deve ser aplicada no caso concreto dos campos de naturismo, enquanto a lei actual prevê que deve ser similar à que regulamenta os parques de campismo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS não gostaria de terminar esta sua intervenção sobre uma iniciativa desta natureza sem sublinhar mais a sua preocupação quanto ao divórcio que vai existindo entre eleitos e eleitores, quanto ao divórcio que vai existindo entre os órgãos de soberania e os cidadãos portugueses.

Vozes do PSD: - O que é que isso tem a ver com o naturismo?

O Orador: - Não é a primeira vez que órgãos de soberania aprovam leis que, por sua responsabilidade, não são aplicadas. Aliás, já aqui falámos de legislação, nomeadamente em matéria educativa, que exige que as associações de estudantes sejam ouvidas em todas as matérias que dizem respeito à alteração em matéria escolar ou educativa.
Em nome dos princípios e da dignidade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não nos parece que honre esta Câmara ou a democracia que o Parlamento português aprove leis que obrigam o Governo da República a regulamentar no prazo de três meses, e, passados seis anos, o Governo, defraudando as expectativas dos cidadãos portugueses, não o tenha feito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Haja dignidade, honre-se o mandato popular e, de uma vez por todas, parecia-nos, pelo menos, educado e sobretudo digno que o Governo aqui estivesse representado para explicar o porquê desta omissão e desta falha grave durante estes seis anos!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este projecto de lei, que traz consigo uma problemática tão vasta quanto oportuna sobre o regime da prática do naturismo e da criação do espaço do naturismo, é bem o exemplo de como a ecologia se pode converter mais em ecologismo do que naquilo que, originariamente, deveria ser: os cuidados a ter com a casa do homem, que está longe de circunscrever-se ao seu habitáculo exterior, isto é, à natureza.
Considerar, com efeito, que naturismo é praticamente igual a nudismo e que a prática ao ar livre para ser verdadeiramente saudável deve ser «em pêlo»,...

Risos.

... é ter da vivência humana uma visão perigosamente redutora.

Despirmo-nos em reservas é, antes de mais, despirmo-nos com reserva.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para que alguém possa despir-se com naturalidade, que não com naturalismo, necessário é que se dispa antes dos tabus e dos preconceitos que tornam tão chocante a nudez humana. A este título, é bem sintomático o teor do artigo 3.º: «A prática do naturismo é permitida nos termos da presente lei, desde que desacompanhada de atitudes susceptíveis de provocar escândalo».
Chamo a atenção para o seguinte aspecto: estamos perante casos de cultura e não há dúvida de que toda a nossa cultura foi tocada por um «angelismo» que olhava para o corpo como causa de pecado, daí dizer-se que o indivíduo quando se despe não o deve fazer escandalosamente. Todavia, não é por um indivíduo estar nu que é escandaloso; posso estar vestido e ser escandaloso à mesma, não é!?

Risos.

Portanto, o problema não está no nu.
Este desgosto pelo corpo, que é profundamente medieval e que todos nós já lemos ou estudámos na Imitação de Cristo, mas que encontramos ainda no nosso tempo, designadamente na página 13 do livro Caminho de José Maria Escrivã, da Editorial Aster - lembro-me deste exemplo porque, de vez em quando, o cito nas minhas aulas-, onde está o próprio José Maria Escrivá a chamar a atenção: «Olha para o teu corpo como se ele fosse um inimigo perigoso»!
Mais: ainda estudámos no catecismo que os grandes inimigos do homem eram o mundo, o diabo e a carne! Depois, do corpo salta-se para o sexo e para a mulher. É tudo perigoso!

Risos.

Ora bem, tudo isto tem a ver com um complexo cultural que é preciso combater de raiz. Ou seja, não é por um indivíduo se despir ou não que é pecaminoso; o pecado está dentro da sua própria cabeça e nos valores que ele, sim ou não, sabe corporizar.
Não se trata, em todo o caso, de negar a justificabilidade dos ditos espaços de naturismo, mas tão só o de frisar que o verdadeiro espaço natural mora dentro de cada um de nós e que só uma reconversão profunda da mentalida-

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de moderna, que assenta numa visão de progresso a qualquer preço e que, por via disso, vive na obsessão do imediato, na sofreguidão do «coisismo» materialista e na avidez hedonista do prazer fugaz.
Temo, por isso, que esta solução das reservas do nu não corresponda a um regresso à autenticidade humana, imas antes a um exibicionismo elitista e marialva.
Se a prática dita naturista for entendida não apenas na sua dimensão episódica, aqui caracterizada, mas na sua dimensão sistémica e integrativa, então estaremos no bom caminho. Mas devo confessar a minha sincera e profunda dúvida de que este projecto de lei seja expressão de maior naturalidade na relação do homem consigo mesmo, com os outros e com a natureza. Uma dúvida destas custa mais a despir do que a própria roupa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde há quase 10 anos que neste Parlamento, por iniciativas diversas, se vem abordando e reflectindo sobre o tema da prática do naturismo.
O assunto não é premente, não se verifica no dia-a-dia uma forte exigência popular para o regulamentar, a sociedade não o exige insistentemente. No entanto, também ninguém poderá ignorá-lo, com base em preconceitos, tabus ou em nome de qualquer crença que, como cidadãos, todos têm o direito de ter. Mas os titulares de cargos públicos terão sempre a serenidade e o discernimento para observar as questões acima dos sentimentos imediatos que qualquer bom coração pode determinar.
O assunto não se insere, por enquanto, nas preocupações cimeiras dos cidadãos, nem nas primeiras linhas de nenhum programa partidário, nem, certamente, nas prioridades de qualquer Governo. No entanto, há que não esconder a cabeça na areia.
É preciso olhar o mundo que nos rodeia, a sua evolução, o que ocorre, em particular em algumas zonas turísticas, e ter a visão, a postura e a mentalidade dos espíritos abertos e dos homens e das mulheres livres, tolerantes e capazes de compreender os outros. Hoje ninguém poderá negar o direito à diferença, salvaguardado que seja o respeito pela nossa civilização e pela nossa cultura.
A prática ou não do naturismo não deve ser um problema político da esfera própria de disputa entre partidos políticos; é mais, e sobretudo, uma questão de ordem ética, moral,, cultural e da livre opinião individual de cada um de nós.
As opções religiosas, a cultura gastronómica, a indumentária, o estilo de vida ou as preferências desportivas ou clubísticas também não deverão fazer parte da disputa partidária. Igualmente, encaramos a prática do naturismo no contexto dos estilos de vida e dos padrões de comportamento de cada cidadão livre.
Mas, colocada a questão nestes termos, não pode, no entanto, o Órgão de soberania mais representativo dos portugueses abdicar da reflexão e da definição de regras de respeito pelos valores morais e culturais da nossa sociedade.
Em 1988, o Parlamento aprovou uma lei sobre a prática do naturismo, com votos favoráveis da maioria dos Deputados do PSD, do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e da Intervenção Democrática. Embora, livremente, alguns Deputados do PSD e do PRD tenham manifestado legitimamente opinião diferente.
Recorde-se que, na altura, ficou definida a necessidade de criação de regras para utilização dos campos de naturismo, bem como quanto ao licenciamento, acesso, organização e sinalização dos mesmos.
Portanto, a questão de fundo foi discutida e aprovada há seis anos, com excelentes intervenções de Deputados de vários partidos, razão pela qual hoje não devemos voltar ao ponto de partida. Devemos, sim, situar o debate no passo seguinte, ou seja, na regulamentação dessa lei. É que, num Estado de direito, há que respeitar as decisões tomadas democraticamente, e essa é uma delas.
A Assembleia da República já decidiu quanto à necessidade de regulamentação da prática do naturismo. Essa decisão, portanto, não está hoje em discussão. Vamos, sim, falar das regras para a prática do naturismo.
Importa salientar que de 1988 até hoje o assunto não esteve parado nos corredores do Governo. Muito trabalho foi feito e com a seriedade e a dignidade que o assunto impõe.
Assim, durante mais de dois anos uma equipa da então Secretaria de Estado do Ambiente trabalhou com juristas da Federação Portuguesa de Naturismo e com dirigentes da Associação Nacional dos Municípios Portugueses e da União das Associações da Indústria Hoteleira e Similares do Centro e Sul de Portugal, além de terem obtido contributos da Secretaria de Estado da Justiça, da Guarda Nacional Republicana, da Federação Portuguesa de Campismo e de Caravanismo, do Sindicato Democrático da Hotelaria, Alimentação e Turismo, bem como das então Direcções-Gerais dos Portos e das Pescas.
Elaborou-se um projecto de regulamento bastante detalhado, o qual merece, no entanto, uma serena apreciação política
No Verão de 1991, o Governo não aprovou este projecto de decreto-lei pelas seguintes três razões legítimas e óbvias: em primeiro lugar, porque se estava em claro período de pré-campanha eleitoral para as eleições legislativas e, nessa ocasião, poderia a polémica em volta da sua entrada em vigor gerar atitudes demagógicas, longe da convergência e da serenidade que o assunto deve ter; em segundo lugar, porque se entendeu que, não sendo matéria de natureza política ou administrativa pura e simples, mas sim questão de natureza moral, ética e cultural, melhor seria obter a opinião de todas as forças políticas parlamentares, na Legislatura seguinte e em período de serenidade construtiva sem paixões eleitorais e, por último, porque, em dado momento, se considerou que tendo o assunto surgido de iniciativa parlamentar e em matéria que não tem a ver apenas com a Administração Pública central, mas sobretudo com as autarquias e com entidades de direito privado, e em especial com direitos e liberdades dos cidadãos, teria eventualmente vantagens que fosse o próprio Parlamento a definir as regras e os princípios essenciais a respeitar nesta matéria.
Estamos assim em boas condições para, com as orientações do debate - aqui no Plenário e, depois, em sede de Comissão -, se preparar um bom regulamento, com o contributo de todos os quadrantes do pensamento político aqui representados.
A prática do naturismo, além das orientações genéricas que a lei já apontou, e que aqui importa sublinhar, deverá pautar-se por alguns princípios essenciais que quero salientar.
Em primeiro lugar, deve fazer-se depender a aprovação dos espaços de naturismo de prévia audição e parecer favorável das assembleias municipais e das câmaras municipais, como órgãos mais representativos da opinião das populações locais, as quais deverão ser previamente bem informadas acerca da intenção de criar tais espaços.
Em segundo lugar, há que assegurar que esses espaços sejam suficientemente afastados de aglomerados urbanos,

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estabelecimentos de ensino, locais de culto religioso e estabelecimentos hoteleiros ou parques de campismo onde tal prática não seja permitida.
Em terceiro lugar, deve excluir-se da prática naturista os solários gímnicos, balneários e quaisquer outros equipamentos ou actividades de finalidade desportiva, artística, higiénica, terapêutica ou semelhante.
Em quarto lugar, entendemos que o acesso a espaços naturistas que não pertençam ao domínio público deve ser condicionado aos portadores de carta naturista, emitida pelos organismos nacionais e internacionais legalmente constituídos para a defesa da deontologia deste movimento.
Entendemos ainda que os espaços naturistas devem ter isolamento assegurado por forma a que não seja possível a intrusão visual e que, por outro lado, deve ser definido um regime de sanções para o não cumprimento das normas, cabendo às autoridades administrativas e policiais a competência para a instrução de processos de contra-ordenação, bem como para a retirada, eventual, de licenças.
Por fim, devem ser tomadas todas as precauções para que situações degradantes, porventura de prostituição ou de outras actividades similares, designadamente com recurso a menores, não se tentem organizar sob a figura encapotada de espaços naturistas.
São estas às regras essenciais para que se possa assegurar a dignidade e a credibilidade que estas situações requerem.
Com estes e outros contributos, a prática do naturismo poderá certamente enquadrar-se no devido contexto, cessando de vez a anarquia actualmente reinante. A situação actual, creio, não interessa a ninguém nem prestigia os poderes do Estado, se se mantiver por muito mais tempo sem regras.
Uma lei aprovada por uma maioria clarividente, a qual estipula no seu articulado a posterior regulamentação, e que tem assinaturas do Presidente da Assembleia da República, que foi promulgada pelo Presidente da República e referendada pelo Primeiro-Ministro, merece num Estado de direito todo o respeito, sem prejuízo da consideração devida às opiniões legítimas das minorias.
Na situação actual, em muitas praias é frequente observarem-se práticas naturistas, as quais são toleradas a contragosto pelos outros cidadãos e até, por vezes, pelas- autoridades, perante o vazio legal actualmente existente. É preferível, sem qualquer espécie de dúvida, a existência de espaços para o efeito, podendo-se então claramente praticar o direito à diferença, não ficando qualquer cidadão, e qualquer criança em particular, sujeito a observações visuais não condizentes com os padrões morais e os bons costumes próprios da nossa cultura.
Há que ter o cuidado de não confundir, sob nenhum plano, os princípios salutares e deontologicamente sérios do naturismo,- enquanto estilo e prazer próprios de certos comportamentos aceitáveis e respeitáveis, com as práticas exibicionistas, comerciais e imorais de carácter unicamente sexual. Confundir isso seria um erro muito grosseiro.
Importa salientar que em vários outros países, com padrões de referência civilizacionais não muito distantes dos nossos, já se deram passos na regulamentação do naturismo, em especial nas regiões turísticas, onde, independentemente da vontade de algumas entidades, o fenómeno existe. Existe, e ninguém de bom senso defenderá a sua proibição total e absoluta e com recurso à repressão pura e simples. Até hoje, ninguém adoptou essa solução.
Em vários países da orla mediterrânica e, em especial, nas Ilhas Canárias, as regras têm sido definidas e cumpridas com elevação, o que nos garante que em Portugal se poderá fazer, pelo menos, de modo semelhante.
Convém também acautelar que estamos a falar de fenómenos pontuais, não generalizáveis, nem no imediato, nem a prazo.
No essencial, importa conciliar o livre direito dos que querem praticar o naturismo com o igualmente livre direito dos que não se querem sentir chocados ern observar naturistas. Para isso, é preciso delimitar e sinalizar os campos, e com regras.
Depois, cada um igualmente livre seguirá o seu caminho, com o dever de não incomodar, sob qualquer forma, os que optem de modo diferente.
Mas para que a boa conclusão deste regulamento seja breve, entendo que a Assembleia da República, que determinou, em devido tempo, a feitura deste Regulamento, tem, agora, de fazer um sério trabalho em sede de comissão, ouvindo em reflexão várias correntes filosóficas, éticas e religiosas, criando então regras que unam os portugueses na sua riqueza e diversidade de legítimos sentimentos.
Este método para a elaboração do regulamento enobrece o Parlamento, como local de diálogo e de promoção dos valores da cidadania, da elevação e do respeito entre os portugueses, na consideração sensível, que tem de haver, por aqueles que naturalmente podem pensar de modo diferente e, em particular, porque se trata de questões no plano moral e cultural.
Façamos um regulamento do qual resulte um profundo diálogo para a convergência e nunca uma imposição de valores, defendidos por alguns e impostos relativamente a sentimentos que a opinião de outros não contempla.
Com elevação intelectual e com abertura de espírito, faremos seguramente o melhor para os portugueses. E esse o caminho que queremos percorrer.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Macário Correia, sendo o nosso grupo parlamentar genericamente favorável a este diploma e julgando que ele deve vir a ser aperfeiçoado na especialidade, gostaria, por um lado, de sublinhar o problema, já aqui há pouco referido, de, face a uma situação destas, haver tendência para, nalguns espaços, as pessoas se irem organizando - aliás, na tradição do acontecido noutros países - em zonas ainda não organizadas.
No entanto, como referiu, isso pode colocar problemas, pelo que talvez fosse importante que a legislação a elaborar, a qual, no fundo, vai regulamentar esta prática, permitindo a sua efectivação, conseguisse conciliar diferentes práticas, de modo a possibilitar a aplicação real e sem problemas de algo que, nalgumas zonas, as pessoas vêm fazendo naturalmente.
Não se trata, pois, de criar reservas, como alguns pensam, mas de compatibilizar práticas diferenciadas.
Gostaria, então, de colocar-lhe duas questões.
Por um lado, se bem ouvi toda a sua intervenção, o Sr. Deputado Macário Correia referiu que, em seu entender, haveria necessidade de parecer favorável das assembleias e das câmaras municipais. Porém, no projecto de lei em apreciação, fala-se em deliberação. Ora, sendo as as-

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sembleias e as câmaras a dar parecer, quem deliberaria? Como é que o processo se concluiria? De facto, não consegui entender, provavelmente por deficiência minha ou por dificuldade de audição, como se concluiria o processo. Em segundo lugar, gostaria de saber se, em sua opinião e relativamente à parte da sua intervenção em que focou os aspectos culturais e sociais envolvidos, a atitude que está na base de actividades como a da prostituição não é radicalmente contrária aos valores culturais que se encontram por detrás e que animam as práticas naturistas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Macário Correia, em primeiro lugar, aproveito para dizer que o nosso projecto de lei teve em conta essoutro projecto de regulamento mencionado pelo Sr. Deputado e elaborado por um conjunto de entidades a nível governamental. Mesmo assim, reconhecemos que neste diploma ainda existem lacunas e melhoramentos a fazer. Quis, no entanto, que ficasse registado que o nosso projecto de lei teve a contribuição de várias entidades e um espaço de reflexão importante, designadamente um documento que poderia ter sido o decreto regulamentar da lei aprovada, em 1988, pela Assembleia da República.
Sr. Deputado, não posso deixar de expressar aqui as minhas dúvidas relativamente àquilo que afirmou, pois pareceu-me ter pretendido desculpar o Governo pelo facto de não ter cumprido, ao longo dos últimos seis anos, uma determinação da Assembleia da República.
Por outro lado, e como referiu que no entendimento do Governo deveria ser a Assembleia da República a desencadear o processo de novo, pergunto-lhe, Sr. Deputado, se o PSD está efectivamente empenhado e preocupado em tornar da ilegalidade esta situação, por que é que, já tendo o Governo este entendimento antes, não assistimos a qualquer iniciativa por parte do PSD no sentido de o problema ser resolvido na Assembleia da República.
Estas são algumas das minhas dúvidas, a que o Sr. Deputado, se quiser, responderá.
Uma outra dúvida, relacionada com a mesma questão, ou seja, com as minhas dificuldades em compreender qual o empenhamento do PSD em ultrapassar esta situação de semiclandestinidade em que se pratica o naturismo, de norte a sul do País - e o Sr. Deputado referiu-a na sua intervenção -, é a seguinte: como é que o Sr. Deputado pretende auscultar todas as assembleias e câmaras municipais para saber se elas estão, ou não, de acordo com um projecto aprovado na Assembleia da República?
É que, Sr. Deputado, ao apresentarmos este projecto de lei, uma das nossas preocupações foi a de deixar ao cuidado das assembleias municipais, como as entidades com capacidade para o efeito, a decisão sobre a aprovação, ou não, da instalação de espaços de naturismo.
Mais uma vez se fica na dúvida sobre se o PSD está efectivamente preocupado em ultrapassar esta situação, de uma. vez por todas e rapidamente.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, alguns têm a particularidade de enunciar os problemas e de ficar por aí. No PSD, habituámo-nos a enunciar os problemas, a analisá-los em detalhe, a propor soluções e executá-las.
Sr. Deputado, devo confessar-lhe que alguns de nós - e eu, em particular- trabalhámos umas dezenas de horas com a maior seriedade sobre esta questão. Ora, se tenho aqui um projecto de regulamento com algumas dezenas de artigos e se lhe disse que foram ouvidas muitas entidades - aliás, há pouco, na minha intervenção, citei o rol delas - não governamentais, de direito privado, sindicatos, associações empresariais, etc., ou seja, se esse trabalho foi feito, não o foi por outra razão que não a do interesse em dar cumprimento àquilo que a lei estipula - e, naturalmente, para honrar o Estado de direito -, elaborando os devidos regulamentos.
Assim sendo, o teor daquilo que disse foi claro: houve trabalho, que se levou por diante, mas, mais do que isso, entendemos que esse trabalho não está ainda completo. Temos aqui um contributo, que, desde já, pode servir para, em sede de comissão, aperfeiçoar, como disse - e muito bem -, num sentido construtivo, o diploma apresentado, a fim de que, com a liberdade e o diálogo praticados nesta Casa, se possa chegar a uma versão tanto quanto possível consensual numa matéria que importa regulamentar. Nisso penso que todos estamos de acordo e foram claros os que aqui usaram da palavra esta tarde.
Devo referir também que, em relação à questão, de carácter meramente pontual, dos poderes das assembleias e das câmaras municipais, julgamos ser necessário distinguir as diferentes situações em que o naturismo pode praticar-se. Uma coisa são as praias, outra, as piscinas, outra ainda, os designados campos, que podem ser de campismo, ou não, e uma última, a situação dos estabelecimentos hoteleiros e similares.
Na legislação comparada conhecida, essas situações são tratadas de modo diverso e no direito português esses estabelecimentos são objecto de licenciamentos administrativos distintos. Por isso, as assembleias e as câmaras municipais do território respectivo devem ser ouvidas com parecer vinculativo nas matérias em que não lhes caiba, do ponto de vista administrativo, licenciar; já naquelas em que lhes caiba o seu licenciamento, a questão está, por natureza, esclarecida. Ora, é isso que está explícito e claro não só nas orientações da própria lei já aprovada como também no projecto de regulamento que tenho aqui.
Assim, entendemos que esta matéria, repito-o, não é da esgrima político-partidária corrente, inserindo-se, sim, nos princípios éticos, nos valores morais e nos padrões culturais e devendo, tanto quanto possível, ser objecto de apreciação pelas entidades e pelos órgãos mais representativos da população. A saber: ao nível dos órgãos de soberania, o Parlamento, porque aqui estão representadas todas as correntes de pensamento, que podem, de alguma forma, dar o seu contributo para a elaboração deste documento, em vez de este ser feito apenas por uma entidade com poderes sobre a Administração Pública - é o caso do Governo -, ficando eventualmente privado do contributo e da valorização que deve ter.
Por outro lado, importa ainda ouvir algumas entidades que não foram aqui referidas, pois entendo que as igrejas e os diferentes cultos devem ser ouvidos sobre esta matéria. Não tive ocasião de o fazer noutra fase em que peguei neste assunto, mas entendo que essa consulta deve ser feita. Deve ser ouvida não só a Igreja Católica, pela representatividade que tem na sociedade portuguesa, mas também outros cultos e outras correntes de pensamento filosófico e ético; O pior que poderia acontecer seria lê-

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gislarmos nesta matéria sem ouvir essas opiniões importantes e relevantes, que podem dar contributos significativos para o aperfeiçoamento do diploma. Sem o fazermos, não daremos um bom exemplo daquela que é a nossa postura dialogante e democrática.
Assim, a nossa postura é esta: abertura de espírito e de diálogo, sentido construtivo e a maior disponibilidade por parte de todos nós, a fim de que, nas próximas sessões da Comissão à qual baixar este projecto, se for esse o sentido da votação, este trabalho se possa fazer. A Assembleia tem essa dignidade e essa nobreza, no sentido de chamar aqui instituições públicas e privadas e associações diversas para a realização desse debate e, se possível, chegar a um projecto consensual, o que enobrecerá e valorizará qualquer partido e o Parlamento enquanto instituição. É para isso que aqui estamos.
Não queremos que esta matéria do naturismo seja objecto de interpretação pejorativa pela sociedade portuguesa ou de divisão entre os partidos. Há questões em que nos deveremos unir, estando acima de querelas. Esta é uma delas, pelo sentido pedagógico e didáctico que deverá ter relativamente aos adolescentes, à juventude e à população portuguesa em geral. É este o nosso sentimento sincero e muito directamente aqui exposto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez esta Câmara se debruça sobre a temática do naturismo, na sua vertente nudista. Com efeito, já em 1988 aqui se discutiu e, por maioria, foi assumida a afirmação do princípio da livre prática do nudismo em Portugal. A Lei n.º 92/88, de 13 de Agosto, legalizou a prática do naturismo, definindo-a e, ao mesmo tempo, criando condições para o exercício desta mesma prática. Para alguns é a entrega total à natureza, naquilo que de mais puro ela possui. É uma discussão difícil, pela sua natureza, pela tradição e por factores culturais, mesmo estando nós quase em pleno século XXI.
Ao longo de muitos anos, fomos educados no espírito da nudez proibida, pecaminosa, contrária à castidade, ela própria condicionante da honestidade. É assim que muitos têm em relação à nudez sentimentos de vergonha e timidez, relacionando-a com decência, ou melhor, atribuindo-lhe indecência. A exposição do corpo integralmente nu a desconhecidos - e conhecidos, porque não? -, que no geral a nossa cultura condena por lhe atribuir muitas vezes o significado de apelo à intensificação da libido, não considerando os órgãos sexuais como uma parte integrante do organismo, não é uma questão nova e esta é uma discussão em tudo semelhante a tantas outras.
Trata-se de estabelecer normas que disciplinem um acto normal da vida. Neste caso, trata-se de garantir e salvaguardar o direito a quem quer que seja de não praticar nudismo e de salvaguardar a privacidade de quem pretende a prática desta forma de ligação à natureza. Esta é uma prática que existe e daí a importância de que se revestia a necessidade da regulamentação da Lei n.º 92/88, de 13 de Agosto.
Ao Governo competia ter tornado inútil a necessidade da retoma deste tema. Ficou estabelecido, em 1988, um prazo de 90 dias para a regulamentação de uma lei, cuja aprovação não foi pacífica, nomeadamente no interior do partido da maioria. Importa não deixar passar em claro este método do Governo, no sentido de esvaziar o que não lhe convém reprovar em Plenário. Na prática e neste caso concreto inviabilizou pela não regulamentação uma lei proposta por um partido da oposição. Esperamos que, neste momento, quando se pretende pôr o preto no branco, não venha agora o PSD inviabilizar aquilo que já assumiu e que, afinal, pelos vistos, continua a defender.
Há os que defendem, com todo o direito, a inutilidade de algumas medidas agora propostas, argumentando, entre outras coisas, que o Código Penal é suficiente para permitir a liberalização da prática do nudismo em Portugal. É, em nosso entender, fraco esse argumento, pois Portugal continua a ser um país atrasado, também naquilo que a esta temática diz respeito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É oportuna a apresentação deste projecto, pois ele vem cobrir um vazio legislativo a que urge pôr termo. Não é a primeira vez que disto aqui se fala. É indesmentível que a nudez se instalou e faz parte do nosso dia a dia - a guerra de audiências de algumas televisões, nada naturistas, são disso prova. Naturisticamente falando existem zonas onde habitualmente se pratica o nudismo e onde só quem está consciente do que pretende fazer comparece, mas falta regulamentação para que esta prática seja verdadeiramente de livre escolha e a salvaguarda do respeito pela liberdade daqueles que não aceitam o nudismo.
O que este projecto pretende, no fundo, é regulamentar uma prática existente. O projecto defende e regulamenta para os nudistas uma liberdade com regras, defende o respeito por aqueles que pretendem encontrar-se na união corpo/espírito com a natureza. Preconizam-se áreas delimitadas e sinalizações específicas, de forma a evitar o choque daqueles que não pretendem olhar a nudez dos outros. O projecto reafirma a evidência de que esta prática não tem quaisquer intenções de ofensa ao pudor, não tem fins exibicionistas, nem pretende ofender a moral. As medidas agora propostas defendem os valores culturais específicos de cada região, atribuindo às autarquias, representantes do sentir das populações, a competência para aprovação das várias alternativas, muitas inovadoras.
No entender do PCP a realidade actual da prática do nudismo retira argumentos aos que, utilizando conceitos já ultrapassados, apelando a uma moralidade dissimulada e fingida, fazendo-se santarrões beáticos de causas falsamente preconceituosas, pretendem virar as costas a esta realidade, que nada tem de pecaminosa como nos querem fazer crer.
Os tempos são outros. Definitivamente!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É uma realidade que, cada vez mais, se assiste à emancipação do corpo. É, pois, no reconhecimento da justeza destes princípios que o PCP irá votar favoravelmente o projecto de lei apresentado pelo Partido Ecologista Os Verdes.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, não havendo mais intervenções, gostaria de utilizar algum do meu tempo para fazer uma última e pequena intervenção.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, antes de terminar este debate, como um dos promotores deste projecto de lei, não posso deixar de salientar aqui a forma positiva e exemplar como decorreu o debate sobre uma matéria que tantos pruridos e tantos rios de tinta tem feito correr ao longo dos últimos anos, a começar pelo que, nesta Assembleia, por iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes, se tem combatido contra aqueles que se opõem à legalização do naturismo e à prática do nudismo.
Desta forma, Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que, hoje, a Assembleia da República e, sobretudo, os Deputados que participaram directamente neste debate estão de parabéns. O povo português saberá reconhecer o que, em seu nome e em seu benefício, a Assembleia e os Deputados aqui souberam fazer. Por isso, o meu obrigado a todos aqueles que participaram neste debate.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, terminado o debate sobre o projecto de lei n.º 420/VI, o Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Verde, processo n.º 415/93, a Comissão Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Cerqueira de Oliveira a prestar declarações no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Raúl Castro.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação do projecto de deliberação n.º 87/VI - Prorrogação do período normal de funcionamento da Assembleia da República (Presidente da AR, PSD, PS, PCP, CDS-PP e Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Raúl Castro.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 99/VI - Altera o Decreto-lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro (Lei de Imprensa).

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé e a abstenção do CDS-PP.

Vamos votar, agora, na generalidade, a proposta de lei n.º 102/VI - Define o regime de acolhimento de estrangeiros ou apátridas em centros de instalação temporária.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor, do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 420/VI - Regime da prática do naturismo e da criação do espaço do naturismo (Os Verdes).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé, votos contra do CDS-PP e da Deputada do PSD Conceição Castro Pereira e a abstenção do PSD.

Vamos proceder à votação final global da proposta de lei n.º 91/VI- Altera a Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade).

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.

Vamos proceder à votação final global da proposta de lei n.º 101/VI - Altera a Tabela Geral do Imposto de Selo e o Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Raúl Castro.

Srs. Deputados, a próxima sessão terá lugar amanhã, às 10 horas. Serão discutidos e votados os seguintes inquéritos parlamentares: n.º 20/VI - Sobre as eventuais irregularidades praticadas pela administração do Hospital de Beja na concessão da exploração da morgue do Hospital (PSD); n.º 21/VI- Apreciação do processo de privatização de matadouros da Rede Nacional de Abate e da actuação do IROMA (PCP); n.º 22/VI - Sobre o cumprimento das disposições constitucionais e legais que, no tocante aos serviços de informações, polícias e outras forças de segurança, visam garantir a protecção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (PS).

No final, haverá votações.

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação
da proposta de lei n.º 91/VI.

Em votação final global, o Grupo Parlamentar do PCP votou contra as alterações à Lei da Nacionalidade introduzidas pela proposta de lei N.º 91/VI.
Importa registar que no debate na especialidade foram eliminadas do texto da proposta de lei algumas disposições particularmente negativas.
Assim, quanto às condições para a atribuição da nacionalidade originária, estas não serão tão restritivas como o Governo inicialmente propôs.
De facto, a proposta de lei apenas admitia a atribuição de nacionalidade originária aos filhos de estrangeiros que, à data do nascimento daqueles, aqui residissem com título válido de autorização de residência há, pelo menos, seis ou 10 anos, conforme se trate, respectivamente, de cidadãos nacionais de países de língua oficial portuguesa ou de outros países.
No texto final aprovado não se impõe a exigência de que o cumprimento dos requisitos exigíveis se reporte à data do nascimento.
É ainda de registar o abandono pelo PSD da proposta governamental de aferir a existência de uma ligação efectiva à comunidade nacional, para efeitos de aquisição da nacionalidade por naturalização, em função do cultivo de hábitos, usos e tradições de raiz nacional, pela comunhão de valores, designadamente culturais, com o cidadão nacional médio e a participação no seu desenvolvimento ou pela sua identificação com aquele cidadão nas formas de vivência decisiva.

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No entanto, as restrições que são efectivamente introduzidas à lei da nacionalidade, de sentido claramente restritivo, justificam o voto contra do Grupo Parlamentar do PCP.
São particularmente graves restrições que são introduzidas, como:

- A exigência de título válido de autorização de residência há seis ou 10 anos para que aos filhos de estrangeiros residentes em Portugal, aqui nascidos, seja atribuída a nacionalidade portuguesa originária;
- A inversão do ónus da prova quota quanto à existência de uma ligação efectiva à comunidade nacional para efeitos de aquisição da nacionalidade por naturalização, que passa a pertencer ao requerente.

Assim, o sentido geral destas alterações à Lei da Nacionalidade é o de restringir as possibilidades de aquisição da nacionalidade portuguesa por cidadãos estrangeiros residentes em Portugal e pelos seus descendentes, afectando directamente os imigrantes oriundos dos países africanos de língua oficial portuguesa.
Nestes termos, o PCP mantém o voto contra que já havia expressado na votação na generalidade.

O Deputado do PCP, António Filipe.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António José Caeiro da Motta Veiga.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Albino da Silva Peneda.
José Pereira Lopes:
Luis Carlos David Nobre.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Domingues de Azevedo.
Elisa Maria Ramos Damião.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
José Manuel Santos de Magalhães.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Américo de Sequeira.
Carlos Alberto Pinto.
Cecília Pita Catarino.
Fernando Monteiro do Amaral.
João Álvaro Poças Santos.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
José Guilherme Reis Leite.
Manuel da Costa Andrade.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Alberto de Sousa Martins.
Carlos Cardoso Lage.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.

Partido Comunista Português (PCP):

João António Gonçalves do Amaral.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Deputado independente:
Raúl Fernandes de Morais e Castro.

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