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Sexta-feira, 1 de Julho de 1994 I Série - Número 86

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 30 DE JUNHO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.ºs 428 e 429/VI, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º do Regimento, a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais (Teresa Patrício Gouveia) deu conta das negociações relativas ao Plano Hidrológico Nacional de Espanha e do processo de instalação do sistema de tratamento de resíduos industriais. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Murteira (PCP), Manuel Queiró (CDS-PP), José Sócrates (PS), José Manuel Maia (PCP) e André Martins (Os Verdes).
Ao obrigo do n.º 2 do artigo 81.º, o Sr. Deputado Luis Capoulas Santos (PS) referiu-se à crise económica e social no Alentejo, respondeu, depois, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado António Murteira (PCP) e deu explicações ao Sr. Deputado João Maçãs (PSD), cuja defesa da honra suscitou ainda a defesa da consideração do Srs. Deputado António Murteira e a defesa da honra do Sr. Deputado Luís Capoulas Santos (PS).
Igualmente ao abrigo do n.º 2 do artigo 81.º, o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) criticou a política agrícola do Governo e a actuação do novo Ministro da Agricultura.
O Sr. Deputado Nuno Delerue (PSD) teceu considerações sobre as eleições europeias e comentou os acontecimentos da passada 6.ª feira na Ponte 25 de Abril. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Manuel dos Santos (PS), Octávio Teixeira (PCP) e Manuel Queiró (CDS-PP) e deu explicações ao Sr. Deputado Armando Vara (PS) e Mário Tomé (Indep.).
Os votos n.ºs 111/VI - De solidariedade para com os cidadãos utentes da Ponte 25 de Abril e de condenação pela acção das forcas policiais (PCP) e 113/VI - De solidariedade para com os cidadãos utentes da Ponte 25 de Abril e o jovem ferido e de condenação pela acção das forças policiais (Deputado independente Mário Tomé) foram rejeitados, tendo sido aprovado o voto n.º 112/VI - De pesar pelo falecimento do ex-Deputado António Portugal (Presidente da AR, PS, CDS-PP, PSD e PCP), após o que a Câmara guardou um minuto de silêncio.

Ordem do dia.- Foi aprovado um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de um Deputado do PSD e outro do PS.
Após a síntese do relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano feita pelo Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins (PS), procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 422/VI - Medidas para a moralização e racionalização da cobrança de impostos (CDS-PP), que foi rejeitado. Usaram da palavra, a diverso título, além daquele orador, os Srs. Deputados Nogueira de Brito (CDS-PP), Rui Carp (PSD), Octávio Teixeira (PCP), Domingues Azevedo (PS) e Rui Machete (PSD).
Foi aprovado um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando um Deputado do PSD a depor em tribunal.
Após o Sr. Deputado António Filipe (PCP) ter procedido à leitura de dois requerimentos de avocação a Plenário dos artigos 2.º e 3.º, que foram rejeitados, a Câmara aprovou, em votação final global, o texto final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à proposta de lei n.º 102/VI - Define o regime de acolhimento de estrangeiros ou apátridas em centros de instalação temporária.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando dos Santos Antunes.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
Luis António Carrilho da Cunha.
Lufe António Martins.
Luis Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.

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António de Almeida Santos.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Luis Santos da Costa.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projectos de lei n.ºs 428/VI - Elevação da Quinta do Conde à categoria de vila (PSD), que baixou à 5.ª Comissão, e 429/VI - Reforça as competências do Conselho de Fiscalização do Serviço de Informações, que baixou à 1.ª e 4.ª Comissões, estando agendada a sua discussão para o próximo dia 7 de Julho.
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério da Educação, formulados pelo Srs. Deputados Luís Nobre e Rosa Albernaz; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Luís Sá e Isabel Castro; aos Ministérios da Administração Interna e das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral; ao Ministério das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Mário Tomé, José Reis Leite e Luís Sá; ao Governo Regional dos Açores, formulado pelo Sr. Deputado José Reis Leite; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado José Silva Costa; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Luís; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Mário Tomé; a diversos Ministérios e ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins; à Secretaria de Estado da Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Guilherme d'Oliveira Martins, Ana Maria Bettencourt e Miranda Calha; aos Ministérios do Comércio e Turismo e do Emprego e da Segurança Social, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado André Martins; ao Ministério do Mar, formulados pelos Srs. Deputados Raúl Castro e Oliveira e Silva; e a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Miranda Calha.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Magalhães, na sessão de 14 de Janeiro; Lino de Carvalho, nas sessões de 9 de Fevereiro e 21 de Abril; Paulo Trindade, nas sessões de 26 de Janeiro e 9 de Março; Mário Tomé, nas sessões de 10 e 11 de Março; Luís Carrilho da Cunha, na sessão de 11 de Março; Octávio Teixeira e António Crisóstomo Teixeira, nas sessões de 21 e 24 de Março; Paulo Rodrigues, na sessão de 7 de Abril; Marília Raimundo, Fialho Anastácio e Fernando Pereira Marques, na sessão de 28 de Abril; António Murteira, na sessão de 6 de Maio; e Álvaro Viegas e Miguel Relvas, nas sessões de 19 e 27 de Maio.

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Gostaria também de informar a Câmara que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias se encontra reunida desde as 14 horas e 30 minutos; a Comissão Eventual Para a História do Parlamento reunirá às 15 horas e 30 minutos, a de Saúde às 16 horas, a de Petições às 16 horas e 30 minutos e, por último, a de Reforma do Ordenamento Administrativo às 17 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o período de antes da ordem do dia de hoje respeita ao tratamento de assuntos de interesse político relevante.
Nos termos do n.º 2 do artigo 83.º, o Governo pediu para fazer uma intervenção no período de antes da ordem do dia de hoje, comunicando que o tema teria a ver com o ambiente e que o membro do Governo a intervir seria a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, a quem dou de imediato a palavra.

A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais (Teresa Patrício Gouveia): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, manifestar aos vários grupos parlamentares a minha satisfação por ter a oportunidade de, ainda antes do encerramento dos trabalhos desta sessão legislativa, transmitir ao Parlamento o ponto da situação relativamente a duas questões de importância nacional, que têm envolvido de forma particular a actividade do Ministério e suscitado o interesse da opinião pública.
Refiro-me às negociações com Espanha suscitadas pelo plano hidrológico nacional daquele país e ao processo de selecção de locais para o tratamento de resíduos industriais.
É minha preocupação - e obrigação! - manter a Assembleia da República informada, de modo regular, sobre as principais questões da política de ambiente.
Considero que estas duas questões, pela sua relevância política e sensibilidade social, justificam uma informação mais frequente e actualizada. Por isso solicitei esta oportunidade para prestar esclarecimentos ao Parlamento, tal como já o fiz anteriormente relativamente a estas mesmas questões.
No que respeita às negociações com Espanha, é com satisfação que hoje vos posso anunciar que foram dados alguns passos muito positivos no sentido de assegurar a defesa dos interesses de Portugal. Com efeito, posso informar que está neste momento em plena fase de negociação a base técnica de um futuro convénio luso-espanhol, que tem por objectivo regular a protecção e utilização dos recursos hídricos transfronteiriços. Como se sabe, havia um objectivo que tínhamos claramente formulado junto do governo espanhol e que era o de que a aprovação de transvases e montantes globais a transvazar fossem precedidos de um acordo prévio entre os dois países. Essa pretensão está agora em condições de concretizar-se.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Há ainda, decerto, um longo e difícil caminho a percorrer, mas parece-nos que Espanha foi levada a compreender a importância e a sensibilidade de que estas questões se revestem para o nosso país, bem como a absoluta necessidade de que elas se resolvam e se conformem com as melhores práticas do direito internacional e da disciplina comunitária.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É certo que, como desde há alguns meses nos fora já comunicado por Espanha, as obras de desvio dos rios internacionais não serão realizadas de imediato - aliás, esta decisão foi-nos confirmada em Abril último. Aquele país pretende aprovar agora apenas o quadro geral dos transvazes, estabelecendo, desde já, os seus valores máximos. Nos próximos dois ou três anos seriam realizados estudos pormenorizados que serviriam de base às decisões sobre as características finais desses transvazes, o que é positivo. Contudo, o Governo português não se satisfaz com esta posição, que não salvaguarda, ainda, os interesses do nosso país a médio e longo prazo.
Assim, a posição de Portugal, que foi reiteradamente comunicada ao governo espanhol, pode ser sintetizada em cinco pontos:
Primeiro, nos seus termos actuais, o projecto de lei do Plano Hidrológico Nacional de Espanha seria inaceitável para Portugal;
Segundo, qualquer referência aos montantes a transvazar, mesmo que tratando-se de valores máximos, deveria pressupor um acordo prévio entre os dois países;
Terceiro, é necessário preparar com a maior brevidade possível um novo convénio que incorpore os de 1964 e de 1968, mas que tenha um âmbito mais abrangente e consentâneo com as disposições internacionais existentes;
Quarto, os convénios existentes devem ser escrupulosamente respeitados pelos dois países e ser cumpridas todas as disposições neles previstas;
Quinto, deve ser dado todo o apoio e incrementada a actividade dos grupos de trabalho luso-espanhóis já constituídos, com o triplo objectivo de esclarecer melhor as consequências para Portugal do Plano Hidrológico Nacional de Espanha, de preparar o suporte técnico do novo convénio e de assegurar a continuidade de uma estreita colaboração entre os dois países após a assinatura desse convénio.
Estes grupos de trabalho, envolvendo mais de 50 especialistas mobilizados pelas administrações dos dois países, têm desenvolvido uma intensa actividade.
Na reunião de coordenação dos grupos de trabalho, realizada em Madrid no passado dia 9, foi acordado avançar de imediato para a preparação de um novo convénio. Nessa reunião de coordenação foi estabelecido um calendário muito exigente para a preparação do novo convénio, que, até agora, tem sido cumprido pelas duas partes. Assim, estamos a trabalhar intensamente para que seja possível estabelecer um acordo com Espanha nos próximos meses e antes da aprovação final do Plano. Esse acordo político entre os dois governos vigorará até à assinatura formal do novo convénio, cuja tramitação é necessariamente mais demorada.
O processo negocial está no bom caminho, mas não ignoro que ele encerra ainda grandes dificuldades.
Portugal tem como primeiro objectivo definir critérios razoáveis e equitativos para a partilha dos recursos transfronteiriços e assegurar a sua protecção ambiental. Obviamente, aqui existem interesses por vezes contraditórios, que é preciso conciliar com base num espírito, que se julga existir, de abertura e de respeito mútuo entre os dois países amigos.
Entretanto, está neste preciso momento a decorrer em Lisboa mais uma reunião da comissão luso-espanhola responsável pela gestão dos convénios existentes. Por solicitação da parte portuguesa, será discutida também nesta instância a «... incidência da eventual execução do Plano Hidrológico Nacional da Espanha no uso e aproveitamento das águas dos rios internacionais nos seus troços fronteiriços».
Quando me dirigi a esta Assembleia em 21 de Abril referi que o Governo português, entre as múltiplas diligências efectuadas, tinha entendido ser oportuno comunicar as suas preocupações à comissão europeia, dada a dimensão

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transfronteiriça dos problemas em questão no espaço da União Europeia. Quero aqui registar com satisfação a resposta muito positiva das instâncias comunitárias, que revelaram compreender bem a natureza dos problemas e a sensibilidade dos mesmos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Esta compreensão conforta-nos, mas fazemos votos para que seja possível levar todo este complexo processo a bom termo numa base eminentemente bilateral.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Esta questão envolve interesses fundamentais do Estado e das populações e deve ser, no entender do Governo, objecto de largo consenso e cooperação institucional com o Parlamento, com as autarquias e com as populações em geral, consenso esse que ultrapasse as fronteiras dos partidos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Nos contactos havidos com a Assembleia da República, quer na comissão quer no Plenário, registei sempre esse sentido de colaboração institucional face a problemas de interesse nacional.
Penso que a sintonia de objectivos ficou patente por ocasião da reunião de Cimeira Parlamentar Luso-Espanhola que se realizou em Maio passado, cujas conclusões traduzem objectivos coincidentes com os que têm vindo a ser prosseguidos pelo Governo.

al como disse de início, a natureza destas questões e o consenso que é desejável estabelecer pressupõe, mais do que o dever de informar, um diálogo estreito com o Parlamento, que desejo manter de forma a acolher também todos as contribuições que os grupos parlamentares entendam oportuno fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Gostaria ainda de vos informar quanto ao processo de instalação do sistema de tratamento de resíduos industriais.
Não posso deixar, neste domínio, de vincar muito claramente perante os portugueses que só há duas opções possíveis: ou a situação se mantém como está, com lixos e resíduos industriais espalhados caoticamente pelos mais diversos pontos do País, configurando uma grave situação para a saúde e qualidade de vida das populações - o que, para nós, é intolerável e contrário ao mandato que nos foi conferido pelos portugueses! -, ou há que encontrar uma solução. Esta só é possível pela identificação e selecção dos locais onde devem ser instalados os sistemas de tratamento de resíduos industriais.
Tal como informei a Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente no início de Fevereiro passado, o processo de escolha de locais para instalação das unidades que compõem este sistema reiniciou-se segundo uma metodologia e um calendário que então apresentei e que tem sido cumprido.
Em finais de Abril, dispôs-se de um relatório com a actualização dos montantes e a natureza dos resíduos produzidos em Portugal (só tínhamos números de 1986) e de um levantamento dos 22 locais possíveis para instalação do sistema.
Esse relatório foi, como previsto, enviado à Assembleia da República.
A partir daí, para além de uma campanha nacional na comunicação social, realizaram-se reuniões de informação com cada uma das 13 câmaras municipais envolvidas. Simultaneamente instituiu-se um forum de reflexão e consulta, em que participam todas as partes interessadas neste projecto (autarquias, comunidade científica, indústria, comunicação social e associações de ambiente).
Nesse fórum discutiram-se recentemente os critérios para reduzir o número de locais com aptidão, os quais foram aceites no essencial. Para cada unidade do sistema reter-se-ão duas a três hipóteses de localização, que serão submetidas a estudos de impacte ambiental a decorrer nos próximos três meses. No âmbito desta avaliação é regulamentar a consulta do público.
Quanto a isto, não pode haver nem ilusões nem meias verdades: sendo certo que não é possível proceder a essa instalação no estrangeiro, têm de ser encontrados os locais no território nacional para a sua instalação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Aquilo que se exige a um governo responsável é que, antes de proceder a essa identificação e selecção, promova os estudos técnicos e de impacto ambiental, bem como as audições adequadas para que a decisão a tomar tenha o mínimo de riscos e o máximo de vantagens e de participação. É isso que estamos a fazer!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - E o mínimo de riscos implica, desde logo, a salvaguarda de todas as garantias que assegurem que não haja populações afectadas com essa instalação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Se digo isto é porque a imagem de algumas reportagens televisivas, onde o predomínio do elemento emocional por vezes prejudica a explicação racional dos problemas, quase tem dado a entender o contrário.
Não conheço outra forma séria e responsável de resolver este problema!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Estou disposta a aceitar sugestões que sejam melhores e mais construtivas, desde que fundamentadas objectiva, técnica e cientificamente.
Digo-o, em particular, nesta Câmara como demonstração do espírito de diálogo, transparência e cooperação institucional que desejo manter.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Recordo que 1,4 milhões de toneladas/ano de resíduos produzidos pelas nossas fábricas não têm tido até hoje, em Portugal, qualquer tratamento. É evidente a necessidade de instalação desta infra-estrutura industrial que o País não tem e que é indispensável para a laboração das empresas existentes e das que se querem instalar.
O Governo tem a responsabilidade de propiciar essa infra-estrutura, sem a qual não será possível concretizar um programa consistente de despoluição, para o qual esta Assembleia conferiu um mandato ao Governo, e em relação ao qual, com frequência, o interpela.
Posso dizer que esse mandato foi, de certo modo, reiterado pelo consenso interpartidário que retive como existente quanto à necessidade de instalação deste sistema quando em Fevereiro passado estive na comissão parlamentar especializada.

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Posso dizer que esse mandato foi de certo modo reiterado pelo consenso interpartidário que retive como existente, quanto à necessidade de instalação na reunião quando, em Fevereiro, passado estive na Comissão Parlamentar especializada.
O Ministério do Ambiente e Recursos Naturais teve o cuidado de fazer com que o processo de decisão quanto às localizações a serem escolhidas fosse o mais participado possível. Nesse sentido foram ouvidas, entre outros grupos sociais, as mais relevantes associações de ecologistas, nomeadamente o Geota, a Quercus, a Liga de Protecção da Natureza, a Associação Portuguesa de Biólogos, etc., alguns das quais ajudaram a construir tecnicamente a decisão, tendo manifestado a sua concordância, em linhas gerais, com esta metodologia. Naturalmente que, neste ponto, cabe a quem governa tomar a decisão adequada, pensando no bem comum e no interesse das populações, tendo sempre a convicção de que não há decisões neste domínio que não acabem sempre por se chocar com um interesse particular ou outro, que pode ser sempre muito legítimo e respeitável mas que não pode nunca sobrepor-se ao interesse geral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Tudo farei para continuar a elucidar a população e a opinião em geral sobre a necessidade deste sistema e as suas características.
Penso que a intervenção da comunicação social neste campo é crucial e aqui apelo para o seu importante papel de informação e pedagogia.
Prosseguiremos no caminho delineado com base em dados técnicos que a cada passo fundamentem as opções a tomar e dos quais temos dado, e continuaremos a dar, toda a informação disponível, com a transparência a que nos cometemos.
Sou sensível às manifestações da população e procurarei sempre a consensualidade possível destas decisões.
Não penso que decisões desta natureza possam ser tomadas sem que se assegure, em primeiro lugar, a solidez técnica das soluções. É sobre elas que procuraremos, naturalmente, a possível consensualidade

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados António Murteira, Manuel Queiró, José Sócrates, José Manuel Maia, André Martins e Duarte Lima.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, como nota introdutória queria dizer-lhe que a sua satisfação contrasta com a inquietação crescente das populações das bacias hidrográficas, particularmente dos rios Guadiana e Douro. Na verdade, aquilo que nos veio aqui dizer pouco ou nada acrescenta àquilo que já tinha dito aquando da última vez que cá esteve. Porém, gostaria de colocar-lhe cinco questões muito concretas.
Primeira, qual foi a resposta do governo espanhol às propostas do Governo português que a Sr.ª Ministra referiu?
Segunda, já estão determinadas as causas das perdas dos caudais, que atingiram proporções extremamente inquietantes?
Terceira, já estão apuradas as medidas para, no futuro, irradicar ou atenuar as perdas que se verificaram durante estes últimos 20 anos?
Quarta, V. Ex.ª disse que os desvios não serão feitos de imediato e, tal como já sabíamos, isso só vai acontecer no âmbito do Plano Hidrológico Nacional de Espanha. Quando é que isso vai ser feito? Já está assegurado que não se irão verificar as perdas previstas do Plano Hidrológico Nacional de Espanha, que consideramos inaceitáveis?
Quinto, quais são os traços fundamentais do convénio que está ser negociado entre o Governo português e o governo espanhol?

Vozes do PCP : - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, quero fazer-lhe uma pergunta sobre cada um dos temas que abordou na sua exposição.
V. Ex.ª tem desenvolvido uma actividade decidida e rápida em relação ao enorme atraso com que o Governo português abordou esta questão do Plano Hidrológico Nacional de Espanha, que foi estudado, desenvolvido e cuja implementação o governo espanhol tenta levar, à prática. O Governo português tenta «apanhar» esta questão na sua fase final, mas admito que, neste quadro, seja muito difícil conseguir alguns efeitos positivos para Portugal.
A questão que quero colocar-lhe é a seguinte: o aumento de área que os espanhóis querem irrigar com este plano hidrológico é ele próprio superior à área agrícola portuguesa. Os espanhóis tencionam, pois, obter um ganho de produção agrícola nesta zona mediterrânica em que ambos os países estão integrados, mas a verdade é que a nova PAC tende a limitar fortemente as produções agrícolas de vários países, designadamente a de Portugal. A Espanha tem feito investimentos com dinheiros europeus para aumentar sensivelmente a sua área agrícola e gostaria de saber em que medida é que isto vai afectar a produção agrícola portuguesa. O que é que o Governo pode dizer à Câmara e aos agricultores portugueses quanto às consequências negativas que os acordos, com Espanha sobre recursos hídricos transfronteiriços podem trazer para a nossa agricultura?
Como é evidente, é necessário instalar em Portugal uma central de resíduos industriais, que são mais nocivos não tratados do que tratados. No entanto, a questão que se coloca aqui é a de saber se, no quadro europeu, se aplica aos países o princípio do poluidor/pagador.
A indústria traz enormes vantagens mas também inconvenientes, tais como os seus resíduos e lixos, pelo que seria importante que quem tem as vantagens também viesse a suportar os prejuízos. Isto é, seria importante sabermos se a central que se vai instalar em Portugal vai ou não aceitar os resíduos industriais dos países industriais da Europa e se é ou não verdade que os subsídios e os fundos europeus que vão ser encaminhados para a sua construção comportam já estas condições.
Ouvimos dizer que a Câmara Municipal de Estarreja aceita a instalação dessa central no concelho, na medida em que existem contrapartidas financeiras para o município. A pergunta que coloco é, pois, a de saber se essas contrapartidas têm origem europeia e se comportam a condição de aceitar os resíduos industriais dos países industriais da Europa. Neste caso creio que têm de haver fronteiras, porque o princípio pagador/poluidor tem de aplicar-se a todos os países.
Gostaria que me desse uma informação cabal sobre esta matéria.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, parece-me justo saudar a iniciativa de V. Ex.ª ao vir aqui discutir, a este Parlamento, os dois dossiers mais importantes em matéria ambiental. Realço a justiça desta saudação, porque este comportamento não é usual em membros do Governo e o que é justo deve dizer-se.
Os dois dossiers que acabei de referir dizem respeito ao Plano Hidrológico Nacional de Espanha e ao Plano Nacional de Tratamento de Resíduos Industriais.
Relativamente ao Plano Hidrológico espanhol, como já foi dito por um colega, a Sr.ª Ministra trouxe poucas novidades, porque anunciar à Câmara que se vai fazer um novo convénio com os espanhóis sobre os rios internacionais é pouco. Era o que faltava que os espanhóis não aceitassem negociar um novo convénio antes da concretização do seu Plano Hidrológico!
Mas a Sr.ª Ministra continua a nada dizer sobre as orientações políticas da parte portuguesa no que se refere à substância do convénio, quando essa substância, isto é, o que ficar lá escrito, é que vai definir a salvaguarda dos interesses portugueses.
A única novidade que notei no seu discurso foi a de a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, finalmente, ter usado o termo «inaceitável» a propósito do Plano Hidrológico espanhol.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Já o repetiu muitas vezes!

O Orador: - Nunca tal tinha sido utilizado pelo Governo, é a primeira vez que o ouço e, portanto, Sr.ª Ministra, seja bem-vinda ao discurso político do PS sobre o Plano Hidrológico espanhol.

Vozes do PS: - Muito bem!

Risos do PSD.

O Orador: - No entanto, o que a Sr.ª Ministra não pode evitar que lhe diga é que, apesar de tudo, considero o Governo responsável por uma fraqueza nas negociações com Espanha, resultante do facto de, durante um ano ou um ano e tal, ter aceitado diminuir as implicações decorrentes deste Plano Hidrológico para Portugal, perante a opinião pública portuguesa.
O Governo começou por considerar que o Plano Hidrológico espanhol em nada atingia os interesses portugueses, pelo que a súbita mudança de discurso, naturalmente, prejudica a negociação com Espanha, dado que, na mesa das negociações, dificilmente se poderá considerar importante aquilo que já se desvalorizou perante a opinião pública.
Passo ao segundo dossier, relativo aos resíduos industriais, para dizer à Sr.ª Ministra que não compreendi o significado político do seu discurso. Vamos ver se o entendo, pois trata-se de um dos dossiers mais importantes.
Antes de mais, quero recordar à Câmara e ao País que o Governo tem prometido, desde 1987, pôr em prática e aplicar um Plano Nacional de Tratamento dos Resíduos Industriais.
Ao longo destes sete anos, assistimos a um processo muito mal conduzido e de forma incompetente, do ponto de vista político, que levou ao resultado que se viu, ou seja, chegámos a 1994 e a Sr.ª Ministra nada tem para apresentar aos portugueses.
A incompetência e os erros cometidos levaram a que o adiamento deste projecto, que é da maior importância para o País, resultasse num atraso de quatro anos. Ora, se fizermos as contas, em face de 1,5 milhão de toneladas de resíduos tóxicos depositados anualmente no nosso país, chegamos à conclusão de que o Governo, para já - no futuro, logo veremos -, é responsável pelo não tratamento de 6 milhões de toneladas de resíduos industriais tóxicos e perigosos.
Naturalmente, errar é humano e corrigir os erros é sinal de inteligência, mas, sinceramente, Sr.ª Ministra, a situação ambiental no País dificilmente se compagina com erros tão grosseiros! Errar, num dossier destes, como tem acontecido com o Governo ao longo dos últimos sete anos, é escandaloso e, politicamente, é relevante salientar que o Governo, no que se refere a este dossier, cometeu um dos erros políticos mais grosseiros que me foi dado observar.
Quero também fazer uma referência ao seu discurso no que diz respeito à localização dos aterros, da estação de transferência e da incineradora, que são, digamos assim, os principais pontos deste programa.
Tem sido apresentada ao País, na comunicação social, a ideia de que a localização destas infra-estruturas é uma decisão puramente técnica. Insurjo-me violentamente contra isso, porque a decisão não é técnica mas, sim, eminentemente política.
A Sr.ª Ministra, ao sobrevalorizar a importância técnica da decisão, está a cometer um erro, porque facilmente se podem encontrar justificações técnicas e vários especialistas poderão recomendar vários locais, todos eles diferentes, por esta ou aquela razão. A decisão é, pois, política, como acontece em todo o mundo, nomeadamente nos países da Europa onde têm sido instaladas unidades deste tipo.
Portanto, a Sr.ª Ministra não se pode demitir da sua responsabilidade política de escolha, que exige uma arbitragem de conflitos e um julgamento social que só o político está em condições de fazer. Aos técnicos, o que é técnico, aos políticos, o que cabe à política! Não recusemos a política quando é incómoda e difícil!
Essa escolha é puramente política e a Sr.ª Ministra tem de a fazer com base em critérios políticos. A esse propósito, quero recordar-lhe que os interesses locais, os interesses que se manifestam na rua, são legítimos e, como tal, não podemos acusar as pessoas de não perceberem nada do assunto ou de terem um défice de informação, pois elas sabem quais são os seus interesses.
Neste caso, os interesses locais e nacionais são dissonantes, o que exige uma arbitragem, uma consideração leal e séria do interesse local e alguma negociação. É assim que se procede em toda a parte do mundo e, por isso, Sr.ª Ministra, recomendo-lhe que não entre na vertigem de considerar o interesse local desprezível, pois ele é tão legítimo como qualquer outro e deve ser considerado na arbitragem de conflitos e de interesses que a Sr.ª Ministra deverá levar a cabo para chegar a uma decisão.
Em síntese, sobre o dossier relativo aos resíduos industriais, aconselho o Governo a fazer mais e a falar menos.
Sendo a Sr.ª Ministra responsável, no seio deste Governo, desde 1985, quero dizer-lhe que, passados sete anos, o Governo tem de vir à Assembleia mostrar obra feita e não, numa espécie de pedido de perdão por erros cometidos no passado, dizer que os corrigiu. Isso não nos serve! Não somos nós que temos de perdoar, é a opinião pública! O País precisa que este sistema comece a funcionar e, por isso, dado que já lá vão sete anos, a Sr.ª Ministra tem de falar menos e apresentar mais obra.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, concordamos que a ausência de tratamento adequado dos resíduos produzidos nas unidades industriais nos levas a uma situação bastante grave de impactes ambientais incomensuráveis e imprevisíveis.
Não temos grandes dúvidas sobre a necessidade da definição de um real plano de gestão global e integrada dos resíduos, plano esse que, obviamente, tem de passar pelo tratamento e destino final adequado desses resíduos e também, talvez até como meta prioritária, pela valorização e incremento da adopção de tecnologias e modelos de gestão que reduzam substancialmente a quantidade de resíduo produzido.
Em relação a este aspecto, aproveito para colocar uma questão que me foi suscitada pela intervenção de um dos oradores anteriores, a da consagração, no direito comunitário, do princípio do poluidor/pagador, porque, segundo me parece, aquilo que importa, neste momento, é considerarmos se a pequena e a média indústria têm condições para pagar e, ao mesmo tempo, saber quais os apoios que existem, da parte do Governo, para a sua reconversão, de forma a que o impacte ambiental dos resíduos seja atenuado.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, Sr.ª Ministra, gostava de lhe colocar uma questão virada para a forma como está a ser feita a campanha de esclarecimento ou a campanha pública de divulgação. É que não me parece que essa seja a melhor forma, pois entendo que se deveria ter começado por uma informação relativa à situação actual, resultante da ausência de tratamento dos resíduos, com a apresentação, esclarecimento e debate sobre os processos e as próprias instalações para o seu tratamento e destino, só se passando depois para a fase das pré-escolhas dos locais.
Já agora, relativamente à questão da selecção dos locais, entendo que deverá ser feita com base em estudos de impacte ambiental sérios e sem qualquer compromisso e com uma verdadeira consulta pública.
Gostava agora de lhe colocar duas questões concretas sobre o distrito de Setúbal, quer sobre a sua parte sul, litoral alentejano, quer sobre a parte norte, a península.
A Sr.ª Ministra sabe que, no litoral alentejano, além da oposição generalizada por parte das populações e das autarquias, existe um instrumento legal, entre outros, que condiciona a actuação do Governo, o PROTALI.
Ora, este diploma, que considera o litoral alentejano como uma área de intervenção prioritária a merecer a atenção imediata do Governo, por constituir um conjunto de ecossistemas de enorme fragilidade, refere no n.º 1 do seu artigo 4.º que «as normas e princípios constantes do PROTALI vinculam todas as entidades públicas e privadas» e estabelece, no n.º 3, que «são nulos quaisquer actos que aprovem planos, programas e projectos em desconformidade com o PROTALI». Aliás, podia apresentar-lhe uma série de outros exemplos que constam do PROTALI e já foram «agarrados» pelo PDM e até por outros instrumentos de planeamento, ao nível do litoral alentejano.
Sucede que o próprio estudo de caracterização dos locais dos aterros controlados, feito pelo Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, assinala a Mina da Caveira como zona sísmica média, com falha e que o local se situa no bordo ocidental de uma das zonas mais beneficiadas, sob o ponto de vista dos recursos hídricos subterrâneos, referindo ainda que nele existem importantes áreas de drenagem, cujo contributo é valioso para a globalidade dos recursos hídricos regionais.
Quanto à Mina do Lousal, o documento assinala, entre outras coisas, a situação muito próxima de casas de habitação, mas, em rigor, o que se deve dizer é que ela se localiza no meio de uma população superior a 1000 habitantes.
De acordo com o que o referido estudo concluiu relativamente ao concelho de Grândola, as localizações apresentam graves inconvenientes.
Assim sendo, pergunto à Sr.ª Ministra se se continua a bater, contra tudo e contra todos, pela localização da incineradora e do aterro sanitário naqueles concelhos do litoral alentejano.
Relativamente à zona norte do distrito de Setúbal, os actuais documentos e informações não são suficientes. Por isso, pergunto que elementos novos vão ser dados às autarquias para avaliação do impacte ambiental nos diversos locais. E que não existe qualquer estudo, ou pelo menos não é conhecido, sobre impactos na vida, nos transportes e até na qualidade da água.
A Sr.ª Ministra sabe que a península de Setúbal é abastecida por aquíferos subterrâneos muito melindrosos, que podem pôr em causa todo o sistema de abastecimento da população. Que estudos estão a ser feitos para que estas situações sejam tidas em conta? Qual o papel das autarquias e das populações neste contexto? Qual a sua posição ou decisão e que contributo, se realmente se deseja e quer um amplo movimento relativamente a este plano?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, em primeiro lugar, quero dizer que, se todos os ministérios e todos os membros do Governo fizessem aquilo que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais tem feito ultimamente, de certo - estamos convencidos disso - os interesses de Portugal e dos portugueses seriam mais fácil e rapidamente atingidos.
Em todo o caso, não posso deixar de referir que este novo relacionamento do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais com o Parlamento se deve a um ano de grande luta, digamos assim, por parte de um número significativo de Deputados, no sentido de chamar a atenção do Governo para o que se estava a passar, enquanto este procurava iludir a situação.
Decorreu um ano e, no seguimento da resposta a dois requerimentos de Os Verdes em que o Governo dizia não ser preocupante o que estava a suceder ao Plano Hidrológico Nacional de Espanha, o Partido Ecologista Os Verdes promoveu nesta Casa um debate sobre o assunto.
Sr.ª Ministra, como é evidente - e parece que podemos tirar esta conclusão dos conhecimentos que temos -, depois de este Plano ser elaborado, nada ficará como dantes. Por essa razão, continuamos a considerar que é fundamental para Portugal a elaboração de estudos, de planos, de projectos adequados para fazer frente às preocupações que os recursos hídricos constituem no futuro da Humanidade e, neste caso, no de Portugal e dos portugueses.
Para quando o plano nacional de recursos hídricos e a lei de bases de recursos hídricos de Portugal, instrumen-

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tos que consideramos fundamentais para podermos confrontar os espanhóis com a defesa dos interesses portugueses?
Por outro lado, relativamente ao sistema de gestão e de tratamento de resíduos industriais - que, Sr.ª Ministra, é uma questão complexa - já tivemos oportunidade de o trazer dezenas de vezes a esta Assembleia. Inclusivamente, o Governo já aqui se deslocou mais de uma vez devido a iniciativas nossas e até promovemos uma interpelação parlamentar sobre esta matéria. Logo, já tivemos oportunidade de colocar muitas questões sobre o tema em apreço.
Neste momento, e porque dispomos de pouco tempo, apenas quero dar conta das nossas preocupações. É certo que foram reconhecidos os erros do passado, mas verificamos que, no passado, apesar dos muitos erros cometidos, apenas uma região se manifestou de forma clara contra o que estava a ocorrer e o Governo recuou. Neste momento, a Sr.ª Ministra retomou esse processo e apercebemo-nos de que, de norte a sul do país, há populações que se manifestam contra a instalação do sistema de tratamento de resíduos tóxico-perigosos, o que, para nós, é preocupante.
Por outro lado, temos noção de que foi identificada a localização para os diversos sistemas de tratamento, mas não conhecemos que critérios estiveram na origem dessa escolha, o que me parece ser uma pecha extremamente grave que pode vir a tornar-se perigosa no futuro.
Finalmente, não considera a Sr.ª Ministra que, face ao perigo dos resíduos tóxico-perigosos ou resíduos industriais, o Governo deve dar garantias e não se limitar a fazer promessas...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo de seguida, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, não considera a Sr.ª Ministra que o Governo deve dar garantias de que, no futuro e a breve prazo, a produção de resíduos tóxico-perigosos, em Portugal, vai diminuir, para que, quando estiver instalado em Portugal um sistema de tratamento de resíduos, não se pense que, por esse facto, não é necessário investirmos em novas tecnologias e em matérias-primas alternativas de forma a termos uma produção industrial mais limpa?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, quero felicitar V. Ex.ª por se ter deslocado à Assembleia da República e feito uma intervenção na qual explicou duas questões tão delicadas e a posição que o Governo está a assumir relativamente a elas. E por se tratar de questões em que as lutas partidárias deveriam, em princípio, estar subordinadas ao interesse geral das populações e da defesa do ambiente, quero realçar o gesto louvável que consistiu em pedir sugestões concretas e a colaboração institucional da Assembleia da República.
Suponho que a primeira questão que abordou, relativamente à posição do Governo quanto ao Plano Hidrológico Nacional de Espanha, preocupa todos os Deputados, não apenas os que, como eu e outros colegas de diferentes bancadas, fomos eleitos por círculos eleitorais com zonas ribeirinhas, designadamente do Douro, mas todos os Deputados portugueses.
Trata-se de uma matéria muito delicada e tenho a certeza, Sr.ª Ministra, de que a Assembleia da República não lhe regateará apoio e sugestões concretas sempre que o Governo delas precise para adoptar uma posição de grande coesão perante o governo espanhol. Creio que devemos ser o mais intransigentes possível na defesa dos interesses portugueses neste domínio e estou convencido de que todos os partidos partilham esta posição.
Claro que compreendo a posição do Sr. Deputado José Sócrates quando diz que o Governo ainda não revelou toda a sua estratégia negocial à Assembleia da República. Mas creio que também devemos esforçar-nos por entender que esta negociação entre os dois governos é delicada, pelo que é natural que o Governo não possa revelar todos os pormenores da estratégia negocial com o executivo espanhol.
Tudo o que é dito no Plenário da Assembleia da República fica registado no Diário da Assembleia da República e naturalmente que os espanhóis terão acesso a esse registo. Ora, creio que o Governo fragilizará a sua posição negocial se revelar todos os pormenores, todos os detalhes dessa negociação - o que não significa que não dê conta do essencial da sua política ou deixe de fazer uma recolha das posições dos diversos partidos - pelo que, numa perspectiva de Estado, devemos ter a abertura suficiente para compreender essa atitude, pois essa negociação terá de ser feita, em primeiro lugar, como é óbvio, com o governo espanhol.
Do mesmo modo, considero muito relevante aquilo que a Sr.ª Ministra aqui disse relativamente aos resíduos industriais porque, nas últimas semanas, assistimos ao princípio de uma grande agitação no País, à qual estarão subjacentes algumas motivações objectivas e reivindicações justas mas em que a componente emocional é extremamente grande, sobretudo pela relevância que está a ser dada por alguma comunicação social. Aliás, segundo relatos curiosos, uma dessas manifestações chegou a ser antecipada por força de o canal de televisão x só poder estar presente a determinadas horas, a fim de a reportagem ser apresentada no telejornal.
Como há neste domínio alguma instrumentalização, devemos parar um pouco para nos interrogarmos e a primeira pergunta que temos de fazer é se queremos ou não que haja uma estação de tratamento de resíduos industriais. E que, se olharmos para a «genuidade» dessas manifestações, parece que ninguém tem nisso qualquer interesse. Temos de saber se queremos que o lixo fique ao deus-dará, a céu aberto, em cada um dos concelhos do País, ou se queremos que seja tratado, na medida em que, como a Sr.ª Ministra disse - e muito bem -, ele não pode ser, em princípio, exportado para outro País. E se estamos interessados nisso, nalgum sítio terá de ser instalada essa estação de tratamento e é fundamental que se tome essa decisão!
Claro que se trata de uma decisão política, Sr. Deputado José Sócrates, mas neste domínio tem de haver, em primeiro lugar, uma decisão técnica, ou seja, antes de ser política, a decisão deverá ser técnica.
A componente da decisão política já foi transmitida pela Sr.ª Ministra e consiste na inventariação pelo Governo de um conjunto de locais possíveis, mas é óbvio que se, tecnicamente, pelos terrenos, pelas zonas, for provado que uma determinada região não pode receber essa estação de tratamento, não vale a pena que a decisão política opte por esse local.
Portanto, entendo que o Governo está a conduzir este processo de forma correcta: munindo-se dos pareceres dos especialistas do seu Ministério e ouvindo, nomeadamente, as associações ambientais. Se muitas vezes o Governo é

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condenado por não dialogar, agora, parece que é condenado por ter promovido o diálogo que se impunha com as populações e as associações representativas do ambiente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Desse ponto de vista, parece-me louvável.
Se a decisão fosse apenas política, quase tinha de perguntar ao Partido Socialista: «Então, digam lá, politicamente, qual é a vossa opção, qual é o lugar que escolhem?», porque ainda não ouvi o Partido Socialista indicar qualquer local.
Quando há 50, 100, 500 ou 1000 pessoas a manifestarem-se num qualquer concelho - até porque é antipático ter à nossa porta ou na adjacência do nosso concelho uma estação de resíduos industriais -, é fácil corrermos atrás da onda (é o impulso mais simples), apoiarmos e darmos sequência a essa reivindicação. Mais difícil é escolher e, desse ponto de vista, acho que o autarca de Estarreja, que pertence ao Partido Socialista, manifestou ter mais sentido de Estado do que muitos políticos com representação na Assembleia da República e noutros palcos.

Aplausos do PSD.

Por essa razão, acho que é fundamental termos o sentido da responsabilidade de forma a não contribuirmos para aumentar ainda mais a legítima preocupação das populações e empenharmo-nos, responsavelmente, no seu esclarecimento.
É deste ponto de vista que quero secundar a pergunta que estava no meu espírito e que, muito oportunamente, o Sr. Deputado Manuel Queiró colocou: no caso concreto, a eventual construção da estação de tratamento de resíduos em Estarreja destina-se apenas aos de origem nacional ou também aos de origem comunitária? É que a última das hipóteses deixaria preocupados todos os Deputados desta Câmara, mas gostava que, pela voz da Sr.ª Ministra, com a autoridade que tem, essa questão fosse esclarecida.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais.

A Sr.ª Ministra do Ambiente e Recursos Naturais: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Murteira, V. Ex.ª começou por dizer que a minha satisfação contrastava com a inquietação das populações. Ora, o Governo está igualmente inquieto, mas não podemos ficar apenas preocupados, temos de ir mais além, de actuar. É esse objectivo que o Governo e a Assembleia, através da cimeira parlamentar, têm prosseguido e penso que devemos reconhecer que os resultados dessa iniciativa foram positivos.
Neste momento, temos a garantia do governo espanhol, que não tínhamos da última vez que me desloquei aqui, da existência de condições para negociar as bases técnicas do acordo político antes da aprovação do Plano Hidrológico. Como este dado é novo, peço que os Srs. Deputados, antes de levantarem a questão de saber se tem alguma relevância, ponderem, porque esta questão tem a maior relevância e entendi que não devia deixar de comunicá-la ao Parlamento.
Também não quero deixar de dizer que este caminho negocial é difícil e não vou omitir que, ao longo do seu percurso, que é curto e intenso, vamos deparar com muitas dificuldades, porque estamos na presença de interesses por vezes contraditórios, como já disse. Mas temos razões para pensar que o Governo espanhol está seriamente empenhado em chegar a um acordo connosco na base de uma partilha equitativa de recursos devido não apenas às necessidades imediatas de cada um dos países.
As nossas necessidades imediatas são, obviamente, inegociáveis mas, mais do que isso, queremos reivindicar a possibilidade de, no futuro, haver um horizonte tão rico quanto possível de hipóteses de decisão relativamente aos nossos recursos. Penso que o princípio da precaucionaridade deverá ficar também estabelecido num convénio a negociar.
Agora, respondendo a uma pergunta que me foi generalizadamente feita por Deputados de outras bancadas sobre a substância do convénio, direi que incidirá nalguns pontos essenciais. Em primeiro lugar, deve consagrar, actualizar e alargar o âmbito dos convénios já existentes, de 1964 e de 1968, que, como sabem, tinham um âmbito meramente hidrológico e diziam apenas respeito a troços fronteiriços dos rios; assim, este convénio incidirá sobre a totalidade das bacias hidrográficas. Em segundo lugar, terá de garantir caudais hídricos e a sua distribuição no tempo e precaver situações extremas de cheias e de secas, questões relacionadas com a qualidade da água (parâmetros da qualidade da água), a existência de caudais ambientais para além dos consumptivos, como costuma dizer-se. São estas as questões principais que devem constar do novo convénio.
O Sr. Deputado Manuel Queiró levantou o problema - também abordado por outros Srs. Deputados - do atraso com que o Governo tem vindo a tratar desta questão, mas tal não corresponde à verdade, porque tem havido contactos entre os Governos e foi instituída a comissão dos rios internacionais, que tem estado a funcionar.
Em relação à questão agrícola, perguntou se o aumento da área agrícola, que aparece como um desiderato do governo espanhol, é compatível com a Política Agrícola Comum. Naturalmente que o próprio governo espanhol terá de fazer essa demonstração junto das instâncias comunitárias e não é por acaso que o Governo português levantou essa questão junto da Comunidade Europeia.
Como sabe, até porque já tive ocasião de o dizer, o Governo português abordou este assunto em Bruxelas e obteve da Comissão uma reacção de simpatia e de entendimento sobre a relevância e a sensibilidade destas questões, mas, insisto, estou convicta de que a sua solução ocorrerá numa base eminentemente bilateral.
Reafirmo o que disse há pouco, ou seja, que as necessidades portuguesas em matéria de recursos hídricos são inegociáveis e não estão em causa. Queremos, justamente, para além disso, garantir recursos, segundo o princípio da precaucionaridade, que nos permitam ter um leque de hipóteses no futuro, para que as gerações futuras possam tomar decisões relativamente à água e não estejam, então, manietadas.
Quanto ao sistema de resíduos industriais, Portugal defende o princípio da auto-suficiência em matéria de tratamento desses resíduos. Por isso, o sistema previsto - o qual, repito, não consiste apenas numa central mas, sim, numa central, uma estação de transferência e um aterro a norte e outro a sul - está dimensionado apenas para a quantidade de resíduos produzidos em Portugal e não aceitamos a importação de resíduos de outros países.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Nesse aspecto, somos intransigentes e subscrevemos o princípio da auto-suficiência.

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O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Será proibida a importação de resíduos?

A Oradora: - A importação de resíduos industriais, perigosos, está regulada a nível comunitário e apenas é permitida por acordo explícito entre os governos. Como os Srs. Deputados sabem, há determinados produtos que são objecto desses acordos. Por exemplo, é o caso dos PCB, um produto que existe em determinados equipamentos e cuja produção está a ser banida do mercado. Em Portugal, existe ainda a produção de PCB, mas temos um acordo com a Grã-Bretanha e outro país para podermos exportar estas quantidades residuais de um produto que está em eliminação e em relação ao qual seria necessário um tratamento específico, o que não se justifica pela quantidade diminuta, e em diminuição, que é produzida em Portugal.
Os resíduos industriais estão regulados através de normas comunitárias que são estritamente seguidas e, no plano comunitário, subscreve-se e recomenda-se o princípio da auto-suficiência.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Então, falta legislação interna!

A Oradora: - A legislação interna dá cumprimento à directiva. Isso é claríssimo!
Sr. Deputado José Sócrates, fiquei um pouco perplexa com a sua intervenção.
Antes de mais, fiquei convencida de que V. Ex.ª não tinha percebido o que pretendi dizer a este Parlamento. Como tive oportunidade de explicar há pouco, não penso que tenha havido pouca novidade entre as informações de que dispunha na última vez que aqui estive e as que disponho agora. Tenho a certeza, é um facto, de que houve uma alteração qualitativa na situação em que nos encontramos hoje, se a compararmos com a que nos encontrávamos há algum tempo atrás.
Neste momento, estamos num calendário apertadíssimo de negociação, há uma intenção afirmada pelo governo espanhol e ainda hoje reiterada na acta da comissão dos rios internacionais, de que ambos os Governos envidarão os esforços necessários para que se chegue a um acordo, que, no essencial, deve conter um acordo político, antes da aprovação do plano hidrológico espanhol. Isto nunca nos havia sido dito e é um objectivo negocial que, tenho a satisfação de poder dizer, foi conseguido.
Igualmente, repito, não quero omitir a existência de problemas negociais, neste processo. É uma negociação difícil, mas sobre ela manterei a Assembleia informada e não tenho razões para pensar que as intenções do governo espanhol que nos foram transmitidas, a mim e ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, não são as mais sérias.
O Sr. Deputado afirmou que não é relevante o facto de as obras específicas relativamente a transvases não virem a ser feitas antes dos próximos cinco anos. Penso que isso não é irrelevante, mas também partilho da sua opinião de que tal não é suficiente e apenas trouxe esta questão aqui porque ela foi levantada recentemente numa reunião da Associação de Municípios do Douro, onde isso foi proclamado como uma grande conquista. Ao contrário de quem proclamou essa grande conquista, não considero que seja assim.
Esse facto não constitui novidade, pois já temos essa informação há muito tempo. Só que, ao contrário de quem referiu esse facto, não ficamos tranquilizados, como se queria levar a pensar e como o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto pareceu dar a entender nas suas declarações. De maneira nenhuma! O Governo não fica tranquilo com esta situação! O Governo é mais exigente nessa matéria e, por isso, exigiu que, para além desse deferimento, houvesse garantias suplementares e é delas que estou a falar. Sr. Deputado, nem sei como hei-de comentar a lição de política que, há pouco, quis dar. V. Ex.ª esteve a explicar-me que o Governo não toma decisões técnicas, o que eu já o sabia. Só que as decisões políticas têm de ser tomadas com uma base técnica...

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - ... e longe de mim vir a esta Câmara com um mapa para apontar, segundo um processo aleatório ou de acordo com algumas opções políticas eventualmente mais fáceis, locais onde instalar uma unidade desta natureza.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr.ª Ministra, como já ultrapassou largamente o tempo de que dispunha, solicito-lhe que abrevie as suas considerações.

A Oradora: - Concluo já, Sr. Presidente.
Sr. Deputado, nem quero comentar a sua sugestão. Não vim aqui tentar pedir perdão, porque, como há pouco disse, a Assembleia da República não é o local apropriado. Vim esclarecer esta Assembleia e virei sempre que entender, sempre que for chamada e entender ser necessário dar explicações ao Parlamento, como é obrigação do Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado José Manuel Maia, em relação às quantidades de resíduos, posso dizer-lhe que a nossa preocupação não se esgota na instalação de uma central ou de um sistema de tratamento. Naturalmente, temos preocupações em relação à diminuição dos resíduos produzidos. Posso dizer-lhe, a si e ao Sr. Deputado André Martins, que também levantou essa questão, que, em 1986, previa-se que hoje se produzissem 2 milhões de toneladas de resíduos e, na realidade, segundo dados apurados, produzimos 1,4 milhões de toneladas. Houve, portanto, uma redução substancial da quantidade de resíduos em relação à previsão feita e isso deve-se, com certeza, a alterações nas tecnologias utilizadas nos processos industriais.
Sr. Deputado, apenas mais uma palavra sobre a questão do PROTALI. Naturalmente, levamos em conta todas as condicionantes existentes, mas são os estudos existentes que vão determinar e aprofundar a qualificação técnica de todos estes locais. Não podemos, a priori, decidir sobre eles e não há qualquer pré-decisão, não sabemos se a estação de tratamento dos resíduos se vai situar ou não em Estarreja. Neste momento, temos estudos de impacte ambiental pela frente e todas questões que os Srs. Deputados aqui levantaram, bem como as que as populações têm levantado, irão ser aprofundadas e só então, quando tiver dados sólidos, tomarei as opções políticas que me são exigidas.
Srs. Deputados, não conheço outra maneira de tratar esta questão a não ser com uma base técnica, a participação das populações, transparência e intensidade de informação. Se houver outras modalidades, agradeço que me sejam comunicadas. Até agora, não foi o caso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Não havendo mais inscrições, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócra-

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tes, para exercer o direito regimental de defesa da consideração da sua bancada.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, pedi para defender a honra apenas para reparar algo que, tenho a certeza, o Sr. Deputado Duarte Lima não queria que ficasse por reparar.
Creio que o Sr. Deputado, com as suas palavras, embora involuntariamente, sem intenção, desvirtuou a posição do PS quanto à matéria do plano nacional de tratamento dos resíduos industriais.
Quando me refiro à decisão política quanto à localização da estação de tratamento desses resíduos, quero dizer que há uma arbitragem de interesses a fazer. Os interesses locais são tão ilegítimos como os nacionais e, sinceramente, entendo que nenhum governo pode pretender abafar interesses locais, dando a ideia a todo o País de que o interesse nacional deve ser único. Uma sociedade democrática tem vários pólos de interesses, igualmente consideráveis e respeitáveis.
Creio que o Sr. Deputado Duarte Lima encontrará facilmente quatro especialistas que lhe recomendarão 50 lugares, todos eles com a mesma garantia.
Recordo-lhe, a propósito, uma breve história: relativamente aos pesticidas, encontrará facilmente um especialista que lhe diga que a vida no mundo é incompatível com os pesticidas, mas certamente encontrará outro que lhe dirá de imediato que, se não forem os pesticidas, metade do mundo morre à fome. Então, como se decide? A favor ou contra a utilização de pesticidas? Isso exige um julgamento político, que, por sua vez, tem de ter legitimidade para fazer um julgamento social e uma arbitragem de interesses. Foi isso que quis dizer! A Sr." Ministra entende que lhe estou a dar uma lição política? Não! Estou, sim, a exprimir uma opinião política.
Sr.ª Ministra, já aprendi muito consigo e com esta Assembleia e, lamento dizê-lo, se V. Ex.ª não quer aprender, o problema é seu.
Quando falei em pedir perdão, foi essa a forma que encontrei para dizer à Sr.ª Ministra que este processo dura há sete anos e, sinceramente, não vejo razão para que o Governo, que tem um plano há sete anos e nada apresenta, se envergonhe de vir aqui pedir desculpa à Assembleia e ao País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado José Sócrates, o meu coração teve um «baque» quando V. Ex.ª pediu a palavra para exercer o direito de defesa da consideração. Eu, que o trato sempre como a pétala da mais delicada rosa que colocaria na minha botoeira,...

Risos.

... jamais ofenderia a sua consideração, Sr. Deputado!

V. Ex.ª manifestou alguma perplexidade pelas minhas observações. Isso é bom, porque a perplexidade é o princípio do conhecimento, como dizia o outro Sócrates.
Disse o Sr. Deputado que era fácil encontrar quatro técnicos que indicassem 50 lugares para instalar a estação de tratamento de resíduos industriais. Sr. Deputado, na minha intervenção, nunca disse que se prescindia da decisão
política. Ela é fundamental, porque um governo tem de tomar decisões políticas. Também não disse que se prescindia da audição das populações. A audição foi feita e foi possível, inclusive, encontrar autarcas que aceitaram a possibilidade de a localização da estação de tratamento ser nos seus concelhos.
Portanto, essa conjugação entre o interesse nacional e os interesses locais, tanto quanto possível, está a ser feita agora. V. Ex.ª também concordará que, quando há divergência de interesses, não é possível, de todo em todo, chegar a um consenso absoluto e uma decisão tem de ser tomada. Agora, não se pode exigir ao Governo que faça as coisas e, quando a fazê-las, se não consegue chega a um consenso absoluto, não se pode dizer que pare, que paralise a decisão. Tal não é possível porque, entre os diversos níveis de interesses a defender, há sempre um que é mais importante, o interesse geral. O fundamental é que, no processo, as diversas entidades sejam ouvidas, o que, neste caso, aconteceu.
Quando o Sr. Deputado diz que é fácil encontrar quatro especialistas que indiquem 50 lugares para definir a localização de uma estação de tratamento de resíduos industriais, creio, sem desprimor para a qualificação que V. Ex.ª tem em matéria de ambiente, que exagerou um pouco nessa afirmação,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... porque sei que não é tão fácil assim. Mas se crê que é tão fácil, faço-lhe um convite: indique quatro especialistas e 50 locais! O Sr. Deputado, que também é um especialista em ambiente, tente juntar quatro especialistas e encontre os 50 locais. Vai ver que não vai conseguir!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 81.º do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando, pouco depois do início da presente legislatura, usei pela primeira vez da palavra neste Hemiciclo, fi-lo lançando um grito de alerta sobre a crise económica e social que, já nessa altura, atingia proporções alarmantes no Alentejo.
Apelei ingenuamente à sensibilidade de VV. Ex.ªs, Srs. Deputados da maioria, esperançado na possibilidade da geração de consensos e do estabelecimento de formas de cooperação entre órgãos de soberania, autarquias e a sociedade civil alentejana no sentido de, com o apoio e a solidariedade europeias, tentar suster um processo em notória degradação e perfeitamente perceptível através da simples leitura dos principais indicadores económicos e sociais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Alertei nessa altura para o peso que o sector agrícola representa na economia regional e para as consequências decorrentes da sua previsível atrofia perante os contornos da reforma da Política Agrícola Comum que começavam a desenhar-se.
Chamei igualmente a atenção para a extrema debilidade do tecido empresarial da região e para o reduzido peso do sector secundário, totalmente incapaz de absorver os

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excedentes de mão-de-obra que a agricultura previsivelmente libertaria.
Alertei ainda VV. Ex.ªs para a trágica expressão de alguns indicadores, tais como o analfabetismo, que ainda duplicava a média nacional, o saldo fisiológico negativo, o ritmo de envelhecimento populacional, que já era o mais acentuado do País, e para o significado da progressão da perda da população de um universo que já havia decrescido mais de um quarto no curto espaço de três décadas.
Esperei sinceramente que estes factos fossem susceptíveis de abanar as vossas consciências. Enganei-me redondamente já que VV. Ex.ªs permaneceram indiferentes, tal como de indiferença foi a reacção à celebração do «Pacto de solidariedade entre o País e o Alentejo» que então propus.
Os Orçamentos do Estado que se sucederam continuaram a ignorar a região e as assimetrias continuaram a agravar-se, paralelamente ao apodrecimento de uma situação já de si insustentável.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No ano passado, voltei a subir a esta tribuna erguendo a mesma bandeira, embora já imbuído de total cepticismo quanto às hipóteses de sucesso na sensibilização de VV. Ex.ªs para um problema que, contrariamente ao que pensam, não se trata de uma mera questão regional, mas sim de um assunto de relevantíssimo interesse nacional porque o que está em causa é um terço do território do País onde mergulham as raízes de uma parte importante da nossa identidade cultural.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Com a veemência a que me foi possível recorrer, relembrei a VV. Ex.ªs que a regressão da população continuava a acentuar-se e que existiam já concelhos com densidades populacionais abaixo dos 10 habitantes/Km2.
Denunciei a gravidade de que se revestia o aumento do desemprego, a apresentar valores correspondentes ao dobro da média nacional. Alertei-vos para as consequências de tal situação, sobretudo quando o Governo por vós sustentado insistia em proclamar como suprema vitória política o acto que prenunciava a total destruição do sector agrícola, base da economia regional, sem que tivesse sido erigida ou sequer equacionada qualquer alternativa garantidora dos níveis mínimos de emprego de uma população activa com uma elevadíssima expressão no sector agrícola.
Citei-vos literalmente insuspeitas afirmações da própria Comissão de Coordenação Regional do Alentejo a propósito do 1.º Quadro Comunitário de Apoio, de que vos recordo algumas: «Os fundos estruturais não tiveram impacto significativo na melhoria da estrutura produtiva»; «A animação da vida económica não tem sido conseguida»; «O número de postos de trabalho não tem tido um crescimento eficaz»; «O Alentejo continua numa situação de «colonização» face a outras regiões»; «Os sistemas culturais agrícolas são inadequados»; «Não existe sistema de incentivos eficaz e específico para apoio à base produtiva regional».

Vozes do PS: - Uma vergonha!

O Orador: - Ou seja, os próprios órgãos da Administração, dirigidos ou, melhor, ocupados, pelo partido a que VV. Ex.ªs pertencem, ...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: -... confirmam os falhanços das vossas políticas e a incapacidade de resolver problemas delas decorrentes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O 1.º Quadro Comunitário de Apoio é o exemplo mais eloquente da falta de estratégia e da incapacidade de resolver os problemas do Alentejo.
É hoje pacificamente dado como adquirido que o 1.º Quadro Comunitário de Apoio foi concretizado como uma sucessão de programas sectoriais, de medidas avulsas, sem estratégia de desenvolvimento ou modelo de referência, o que restringiu drasticamente o seu potencial de impacto na modificação da estrutura económica e social da região.
O 1.º Quadro Comunitário de Apoio foi concebido e aplicado com uma filosofia centralizadora e autoritária, esquecendo que não há desenvolvimento sem que os agentes se sintam motivados para dar uma resposta articulada aos incentivos criados.
O novo Quadro Comunitário de Apoio, apesar dos retoques meramente cosméticos que foram introduzidos na sua concepção, enferma dos mesmos vícios e irá certamente produzir idênticos resultados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O clamor de descontentamento, feliz ou infelizmente, já não é apenas audível na planície alentejana. Toda a comunicação social tem feito eco, nas últimas semanas, do cortejo de desespero e de miséria que percorre praticamente toda a região, mas com particular intensidade na margem esquerda do Guadiana e num elevado número de outros concelhos periféricos. Corre-se até o risco, com a revelação sucessiva de tantos factos chocantes, de banalizar um drama colectivo impensável num país europeu à beira do século XXI, durante tanto tempo apregoado como oásis no deserto da crise mundial e sistematicamente anunciado como referência emblemática do sucesso.
Se algumas dúvidas subsistissem acerca de uma eventual relação desta intervenção com alguma hipotética intentona em preparação, a frieza dos dados já este ano divulgados pelo EUROSTAT dissipá-las-ia de imediato. O Alentejo, segundo este organismo da União Europeia, está cada vez mais pobre.
O Produto Interno Bruto por cada alentejano representa apenas 36 % da média comunitária, o que coloca o Alentejo na lista das sete regiões mais pobres da Europa. É mesmo a única região europeia que viu reduzido o seu nível de riqueza (em 1980, o PIB per capita era 49 % da média europeia, contra os 36 % actuais). Atrás de nós apenas os quatro lander da antiga Alemanha comunista.
Como é possível que as toneladas e toneladas de dinheiro tão insistente e ufanamente apregoadas por várias levas de Ministros e Secretários de Estado, no aeroporto, à chegada de Bruxelas, apenas tenham servido para nos empobrecer?
Os Srs. Deputados do PSD não podem deixar de responder urgentemente a esta questão perante os alentejanos e o País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tenho hoje quaisquer dúvidas de que os problemas do Alentejo, como, aliás, os problemas que afectam todos os portugueses, só terão solução ou, no mínimo, começarão a ser resolvidos, com uma nova maioria e com novas políticas.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - A crise vivida no Alentejo não se compadece com o anúncio de medidas pontuais como algumas

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recentemente divulgadas, só comparáveis à administração de aspirina a um doente em coma profundo.
Como Deputado da Nação, eleito pelo Alentejo na base de um programa eleitoral que definia o desenvolvimento da região como prioridade nacional, não me conformo com a situação presente e com a apatia que, sobre a matéria, o Governo e o PSD têm tido e continuam a revelar.
Apesar dos limitados meios de intervenção ao alcance de um Deputado de um grupo parlamentar, por enquanto na oposição, quero anunciar-vos que entregarei seguidamente na Mesa um projecto de resolução no sentido da constituição de uma comissão eventual para equacionar a problemática do Alentejo, complementar os diagnósticos existentes, contactar entidades públicas e outras, representativas da sociedade civil, e, sobretudo, para apresentar rapidamente as propostas de solução julgadas adequadas que o Governo não tem sido capaz de formular.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Proporei ainda que a comissão seja de imediato constituída e que os Deputados que a vierem a integrar abdiquem das suas férias, por forma a que o respectivo relatório esteja concluído no prazo máximo de 60 dias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A apresentação desta proposta parece-me representar o acto mínimo de solidariedade que os titulares deste Órgão de soberania podem e devem assumir relativamente a uma parte do País que agoniza.
Estou certo que nenhum dos Srs. Deputados, incluindo os da maioria, terá coragem de dizer que estes problemas não lhes dizem respeito e, de seguida, partir tranquilamente para férias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, gostaríamos de cumprimentá-lo pela questão que aqui trouxe e que é tão importante para o Alentejo e para o País.
Partilhando da análise que faz da situação, consideramos que ela é grave, que, mais do que palavras, exigiria medidas urgentes da parte do Governo e também que fossem tidas em conta as propostas da oposição, designadamente as do Partido Comunista Português.
À semelhança do Sr. Deputado, também nós não partilhamos da política agrícola do PSD que é a principal responsável pela situação na região.
Posto isto, gostaria de colocar-lhe uma questão que é central. O PS não partilha da política agrícola do PSD; o PS participou com o PSD na destruição das cooperativas e na reconstituição de uma agricultura de carácter latifundista no Alentejo que é a principal responsável pela situação económica e social que, neste momento, se vive na região; o PS não partilha das propostas do PCP para a resolução do problema agrário e agrícola na região do Alentejo.
Assim, Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, gostaríamos que nos dissesse, sem subterfúgios, com clareza e rigor, quais são as propostas concretas do Partido Socialista para resolvermos o problema agrário e agrícola na região do Alentejo, dado que o senhor considerou - e nós estamos de acordo - que o sector agrícola tem um peso determinante na economia regional e é fundamental para a resolução do problema.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António' Murteira, quero agradecer-lhe as palavras amáveis quanto à oportunidade e ao essencial do conteúdo da minha intervenção e passarei de imediato a responder à questão que me colocou.
É óbvio que o Partido Socialista não comunga, nunca comungou, nem nunca comungará do modelo agrícola que o PCP quis implantar e que deu os resultados que se viram. Quando digo isto não me refiro ao caso de Portugal, porque as vicissitudes havidas desculpá-lo-ão certamente, mas sim ao melhor exemplo do sucesso do modelo agrícola do PCP que está retratado na actual situação agrícola vivida na antiga União Soviética e nos países do Leste europeu...

Vozes do PSD: - Ah!...

Vozes do PCP: - Já cá faltava!

Orador: - Por esta razão nunca partilharemos consigo um modelo agrícola que, muito longe de resolver qualquer problema, apenas agravará os problemas do Alentejo.
Com a mesma veemência com que repudiamos o seu modelo, repudiamos o que o PSD tem tentado aplicar e que mais não tem sido do que a restauração de um modelo quase medieval que, em 1974, tinha colocado Portugal nos antípodas do desenvolvimento da Europa.
A política que preconizamos é a do respeito pela agricultura privada, a do respeito pela agricultura cooperativa, a do aproveitamento dos recursos hídricos e, sobretudo, a da transparência na utilização dos subsídios comunitários, por forma a que beneficiem a agricultura e os verdadeiros agricultores e para que não sejam fonte permanente de suspeição, de compadrio e de corrupção.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, antes de prosseguirmos, informo a Câmara que, no fim do período da ordem do dia, iremos proceder à apreciação e votação dos votos n.ºs 111, 112 e 113/VI.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs, para defesa da honra.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, muito brevemente, vou exercer o direito regimental de defesa da honra porque, de facto, V. Ex.ª ofendeu ou, pelo menos, citou de uma forma pouco elogiosa os Deputados do Alentejo.
Quero recordar-lhe que talvez V. Ex.ª nunca tenha tido essa preocupação, mas que alguns Deputados do Partido Comunista, conjuntamente com Deputados do PSD e, eventualmente, com outros do seu próprio partido, todos eleitos pelo Alentejo, tiveram preocupações, ao longo destes anos, que V. Ex.ª não teve porque ainda não estava nesta Casa. Além disso, após ter ingressado no Grupo Parlamentar do PS, jamais manifestou preocupações, de forma séria, quanto a reconhecer o problema do Alentejo sobre estas matérias.
Pergunto-lhe: houve ou não melhoria relativamente ao apoio prestado à terceira idade? Houve ou não melhoria

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no que respeita às estruturas da educação? Houve ou não melhoria em relação à rede viária? Houve ou não melhoria em relação à educação? Houve ou não melhoria no que toca à saúde?
Sr. Deputado, parece que, de facto, V. Ex.ª não reside no Alentejo nem vive os respectivos problemas!
Não posso deixar passar em branco algumas das suas afirmações. V. Ex.ª acabou de insurgir-se contra o pedido de esclarecimentos feito pelo nosso colega do Partido Comunista em relação à reforma agrária, etc. De facto, a posição do Partido Socialista foi sempre de exclusão total dos problemas do Alentejo e de não participação na solução dos mesmos.
Na altura da reforma agrária, quem viveu, de facto, esses problemas foi o Partido Comunista, que, como interventor, destruiu as estruturas produtivas do Alentejo, e o Partido Social Democrata, que lutou contra o Partido Comunista no sentido de repor essas mesmas estruturas produtivas no Alentejo. VV. Ex.ªs meteram-se, pura e simplesmente, em casa e não participaram de forma activa em rigorosamente nada!
É por isso que V. Ex.ª diz ser óbvio que o PS não comunga, nunca comungou nem comungará de coisa nenhuma que importe; e que importe ao trabalho, ao desenvolvimento e ao empenhamento! O Partido Socialista não teve, até hoje, qualquer tipo de participação activa, pela positiva, em termos de desenvolvimento. Limita-se a fazer aqui intervenções de crítica, mas de crítica que apenas soa em termos de se procurar alcandorar ao poder, de qualquer forma e a qualquer preço.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para dar explicações, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Maçãs, compreendo a falta de serenidade com que ilustrou esta sua intervenção, pois calculo que o embaraço seja muito para quem está na bancada de um partido que é responsável pelo Ministério da Agricultura, consecutivamente, há 14 anos, que beneficiou dos milhões e milhões comunitários e foi alvo de suspeitas do seu esbanjamento.
Os factos e a comunicação social demonstram, diariamente, que a agricultura portuguesa, em particular a alentejana e a situação social do Alentejo, corresponde, exactamente, a uma visão oposta àquela que o Sr. Deputado aqui apresentou.
Portanto, as suas palavras levam-me a concluir que se alguém não vive no Alentejo, se alguém não percorre e não conhece os seus problemas, é V. Ex.ª. Porque se os conhecesse não teria a coragem de produzir, publicamente, as afirmações que acabou de proferir.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Qual é a vossa alternativa?

O Orador: - Gostaria, pois, que o Sr. Deputado se pronunciasse relativamente ao sentido de voto da sua bancada quanto à proposta que fiz e me dissesse, com toda a clareza, se está ou não disposto a abdicar das suas férias para apresentar um relatório, bem como propostas de solução e, dessa forma, suprir as lacunas que o Governo tem deixado em aberto, pelo menos, nestes últimos 10 anos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira

O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas referir o seguinte: tanto para o PSD como para o PS, como acabámos de ouvir, substituir as estruturas latifundistas e a agricultura caduca do Alentejo por estruturas agrárias modernas e por uma agricultura moderna é destruir a estrutura produtiva do Alentejo. Creio que está tudo dito e não são necessários mais comentários.
Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, volto a repetir que é altura de passarmos das palavras às propostas concretas, visto que o Partido Socialista não foi capaz de apresentar aqui uma única medida para resolver o problema agrário e agrícola no Alentejo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, pretendo, de facto, dar uma explicação em relação à questão suscitada pelo Sr. Deputado António Murteira.
Na verdade, quando o Sr. Deputado fala em estruturas modernas, se se está a referir à agricultura de há 15 anos atrás, quero dizer-lhe que essa agricultura moderna era a dos 30 ou 40 agricultores, era a agricultura em que V. Ex.ª tinha centenas de trabalhadores em explorações onde apenas deveria ter meia dúzia.
VV. Ex.ªs substituíam a modernidade, a tecnologia e a técnica por centenas de indivíduos que, como sabe muito bem, arregimentavam por questões meramente políticas, sem que tivessem, rigorosamente, nada a ver com o sector.

Aplausos do PSD.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Não estavam desempregados nem passavam fome!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr. Presidente, penso que eu e a minha bancada fomos particularmente ofendidos pelas declarações do Sr. Deputado António Murteira quando pretendeu meter no mesmo saco o PS e o PSD, relativamente à situação que, infelizmente, se vive no Alentejo e em relação à qual o PSD e o PCP são, de facto - cada um à sua maneira -, os verdadeiros responsáveis.
Quero, pois, dizer ao Sr. Deputado António Murteira que terei todo o gosto em apresentar-lhe o leque de soluções - e muitas há - para resolver o problema do Alentejo. Daí ter proposto a constituição de uma comissão, com a participação de todos o partidos, onde o contributo do Partido Socialista - e o seu também, certamente - será relevante.
Por fim, coloco-lhe a mesma questão que coloquei ao Sr. Deputado João Maçãs, isto é, se está disposto a abdicar das suas férias e a integrar essa comissão para que, no prazo máximo de 60 dias, um conjunto de soluções, propostas por todos os partidos, consensualmente, possam contribuir para resolver os problemas da nossa região.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Estas coisas não são caseiras! Apresente a proposta aqui, na Assembleia!

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O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, uma vez que o Sr. Deputado António Murteira prescindiu de dar explicações, vou agora dar a palavra, nos termos do n.º 2 do artigo 81.º do Regimento, ao Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já lá vais um mês que o País tem um novo Ministro da Agricultura. Contudo, a única coisa que sabemos do Eng.º Duarte Silva é o seu curriculum como engenheiro mecânico e gestor e a sua afirmação de que de agricultura nada sabe.
É verdade que nesta última questão não está sozinho. Pelo estado de crise a que o Governo do PSD conduziu a agricultura e os agricultores portugueses, dir-se-á que o novo Ministro da Agricultura está na boa companhia do Primeiro-Ministro e de todo o Governo.
Só que os graves problemas que se colocam ao presente e ao futuro próximo dos agricultores portugueses não suportam nem o silêncio do Ministro nem a política do PSD.
Os grandes valores macro-económicos aí estão a revelar à evidência a falência de uma política: queda acelerada do valor da produção final agrícola que está hoje, em termos reais, 60 % abaixo dos valores de 1986;
Sr. Presidente, existem várias «reuniões» no Plenário que estão perturbar...

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - O Sr. Deputado Lino de Carvalho tem o direito de ser ouvido, pelo que pedia aos Srs. Deputados que criassem um ambiente em que ele pudesse ser escutado.

O Orador: - Obrigado, Sr. Presidente.
Dizia eu que os grandes valores macro-económicos aí estão a revelar à evidência a falência de uma política: queda acelerada do valor da produção final agrícola que está hoje, em termos reais, 60 % abaixo dos valores de 1986; diminuição do rendimento real dos agricultores, que é hoje 40 % inferior ao que era em 1986; agravamento brutal da dependência agro-alimentar, que hoje se situa nos 67 % quando em 1986 era de 51 % e endividamento crescente e incomportável dos agricultores portugueses. Com efeito, desde a adesão à Comunidade, o sector pagou de juros mais ao Estado do que recebeu em subsídios - recebeu 349 milhões de contos, mas pagou 410 milhões de contos em juros de empréstimos.
Estes são dados que atestam, incontestavelmente, a ruína a que o PSD, no Ministério da Agricultura há cerca de 12 anos, conduziu a agricultura e os agricultores portugueses.
A vossa consciência é tão pesada, Srs. Deputados do PSD, que até vos levou a sanear dos cartazes da campanha eleitoral para as europeias, em muitos distritos do País - nos mais difíceis -, a fotografia do ex-Ministro Arlindo Cunha, não fosse ele afastar ainda mais o voto dos agricultores.
Se os grandes agregados reflectem a falência da política agrícola do PSD, as políticas concretas nos vários subsectores aí estão a justificar o pesado silêncio do Ministro Duarte Silva.
A Comunidade está em vésperas de iniciar um debate importante sobre a reforma da política para as frutas e legumes. Outros países, como a Espanha, já entregaram as suas próprias reflexões e propostas para o sector, após debate com as organizações da agricultura e com os parlamentos nacionais. Em Portugal, é o silêncio dos cemitérios!
No vinho, o Governo acordou tarde e somente por força do período eleitoral não mobilizou a vitivinicultura nacional e nem sequer abriu em tempo oportuno uma frente de combate comum com os restantes países do Sul. O comportamento do Comissário Deus Pinheiro, destacado militante do PSD, é a demonstração da irresponsabilidade com que toda esta importantíssima questão (não) foi acompanhada. Ao Governo exigimos, nesta matéria, que respeite e aplique a resolução aprovada por unanimidade nesta Assembleia por proposta do PCP. Não podemos aceitar que se vá liquidando a produção vinícola portuguesa para passarmos a importar vinho a martelo, proveniente do norte da Europa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - No leite, o País toma conhecimento da invasão, em condições pouco transparentes, do mercado nacional por uma multinacional italiana que poderá conduzir, a não ser sustida, à liquidação dos pequenos produtores e do sector cooperativo de recolha e concentração de leite. Isto só tem sido possível com a clara cumplicidade do Governo e do PSD - altos quadros dessa multinacional são quadros do PSD e do Governo- e com a participação activa da CAP.
Pela primeira vez, há muitos anos, a produção de leite baixou em 1993. Na base disso está a aplicação do regime de quotas, a sua não regionalização, o sistema de resgate, os baixos preços pagos ao produtor e a invasão do mercado nacional por leite estrangeiro.
Denunciamos aqui que, semanalmente, entra em Portugal um comboio carregado de leite proveniente de França - com 600 a 700 toneladas de leite -, o que corresponde à substituição da produção nacional de cerca de 10 000 vacas leiteiras.
Ouvem-se hoje altos responsáveis do sector cooperativo - que são simultaneamente destacados militantes e até Deputados do PSD - protestarem, e bem, contra o que se está a passar no sector leiteiro.
Devem, contudo, lembrar-se que as principais responsabilidades pelo que se está a passar devem ser imputadas, primeiro que tudo, ao seu próprio partido e Governo, que vendeu o período de transição e que, assim, antecipou em 3 anos, de 1996 para 1993, a abertura total do mercado, liquidando ao mesmo tempo os mecanismos de protecção na fronteira. Também devem ser imputadas responsabilidades a quem negociou o Tratado de adesão, aceitando a liquidação dos apoios aos sistemas de recolha pelas cooperativas, que são responsáveis por 84 % do total de leite recolhido no Continente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O enfraquecimento e a destruição do sector cooperativo de recolha e concentração de leite está a levar à liquidação de uma parte importante dos pequenos produtores e ao controlo do mercado por interesses estranhos aos produtores portugueses, pondo em risco um sector estratégico da economia agrícola.
Não é possível ao sector cooperativo competir com multinacionais que se financiam, nos países de origem, a taxas de juro quatro e cinco vezes mais baixas, que importam comboios de leite a preços abaixo dos custos, que não têm custos de recolha, que não prestam serviços de apoio aos agricultores e que praticam o dumping.
O sector cooperativo só sobrevirá se se democratizar, se respeitar e se se ligar mais e mais aos produtores, se não abandonar os pequenos produtores, se lhes pagar melhor e em melhores condições de prazo, se não aceitar

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as imposições leoninas das grandes superfícies que hoje já controlam uma grande parte da distribuição de leite em condições inaceitáveis para os produtores e o sector cooperativo, designadamente no que toca às linhas brancas, e, sobretudo, se exigir do Governo condições idênticas àquelas que usufruem as multinacionais que operam no País.
Por isto tudo iremos entregar na Mesa um projecto de resolução em defesa dos produtores de leite e do sector cooperativo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os problemas não se esgotam nestas áreas.
Os agricultores, designadamente no Douro, na Beira Interior e na Cova da Beira, estão a braços com graves problemas resultantes dos acidentes climatéricos de Abril. Mas, como vimos ontem, o PSD não se mostra particularmente preocupado.
O sector cooperativo agrícola, estrutura essencial no nosso País, enfrenta uma profunda crise financeira mas o Governo, decididamente, não quer adoptar medidas de apoio à sua viabilização e saneamento. A solução não está na alteração do estatuto cooperativo, como o Governo prepara, mas no reforço dos apoios à modernização e desenvolvimento do sector.
É sabido, por outro lado, que a Casa do Douro é uma estrutura que, com os poderes e funções que detém actualmente, é essencial à defesa e promoção do Vinho do Porto e aos seus produtores. Balançando, decididamente, a favor dos interesses dos grupos exportadores, o Governo acaba de apresentar à Assembleia da República, e agendar à pressa, uma proposta de lei que se propõe, pura e simplesmente, expropriar a Casa do Douro das funções que detém em relação ao Vinho do Porto, sem sequer nos informar do conteúdo do que propõe em alternativa.
Por sua vez, no Sul, a crise na agricultura e do mundo rural, devido à destruição da reforma agrária e à reforma da PAC, está a criar uma situação dramática de abandono das terras, de desemprego, de fome para muitas famílias e de desertificação do Alentejo. Aqui, é de novo o problema da terra que está na ordem do dia.
Isto é, para onde quer que nos viremos, o que deparamos é com uma política que menospreza a produção e os produtores, sem uma estratégia nacional de defesa da agricultura, sem uma política séria e integrada de desenvolvimento rural.
O Governo e o PSD estão sobretudo preocupados, e é nisso que esgotam uma grande parte dos seus esforços e do tempo, em negociar e navegar nos jogos de interesses que se degladiam no Ministério.
O exemplo disso está na regulamentação do Quadro Comunitário de Apoio e do PDR agrícola. Há meses que navega entre o gabinete do Ministro e a sede da CAP, a ser negociado em segredo, com vista a entregar a esta nova corporação da lavoura o controlo da gestão de uma boa parte dos 955 milhões de contos do PDR, designadamente no que se refere à formação profissional, depois de lhe ter sido entregue o dinheiro do PROAGRI.
Ou será, Srs. Deputados, que não é verdade que todos os projectos entregues para serem apoiados no âmbito do PROAGRI foram suspensos, porque todo o dinheiro disponível foi escandalosamente afectado ao financiamento dos chamados «balcões verdes» da CAP, num total de cerca de 1 milhão de contos? E preciso que mais este escândalo seja esclarecido.
Outro exemplo está nas sempre prometidas e sempre adiadas Leis de Base da Política Agrícola e do Desenvolvimento Florestal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É grave o que se passa na agricultura portuguesa. As perspectivas futuras são de sério agravamento da crise e de ruína para muitos milhares de produtores. Mas, do novo Ministro da Agricultura, a única afirmação que lhe conhecemos é que só sabe que nada sabe. De resto, é o silêncio profundo.
Até corremos o risco de nos esquecer que temos Ministro e Ministério da Agricultura. Assim vejamos: quando se trata de emitir opiniões, manda o todo poderoso Secretário de Estado Álvaro Amaro; quando a comunicação social lhe pergunta o que vai fazer, responde que vai almoçar. Pois que faça uma boa digestão, se for capaz, dos graves problemas que afectam a agricultura e os agricultores portugueses!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem.

O Orador: - Mas é tempo de dizer ao País o que pensa. Por isso lhe lançamos seis desafios: desafiamos o novo Ministro a debater com a Assembleia da República e com os agricultores as propostas necessárias para a reforma dos sectores dos vinhos, das frutas e legumes, e da carne; desafiamos o novo Ministro a intervir no caso Parmalat, a investigar a eventual prática de dumping, a disciplinar a comercialização nas grandes superfícies, a apoiar a produção nacional de leite e o sector cooperativo; desafiamos o novo Ministro a aprovar um programa de desendividamento dos produtores individuais e de apoio à recuperação e saneamento do sector cooperativo; desafiamos o novo Ministro a libertar-se da tutela da CAP e a dialogar, em pé de igualdade, com todas as estruturas representativas da agricultura portuguesa; desafiamos o novo Ministro a abrir um debate sobre o uso e a posse da terra no Alentejo; desafiamos o novo Ministro e o Governo do PSD a esclarecer e a debater connosco as opções e orientações estratégicas para a agricultura portuguesa.
Requeremos já, nesse sentido, ao Sr. Presidente da Comissão de Agricultura uma reunião com o novo Ministro, pelo menos para o conhecermos pessoalmente e isso não ser exclusivo do Sr. Primeiro-Ministro, mas, sobretudo e obviamente, para debater as questões que lhe colocámos.
Esperemos que depois do saneamento fotográfico de Arlindo Cunha não venhamos a assistir ao desaparecimento pelo silêncio do novo Ministro da Agricultura.

Aplausos do PCP.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em qualquer democracia adulta, como a portuguesa, os vários poderes, para além da tensão crítica a que estão permanentemente sujeitos por uma opinião pública crescentemente exigente, são avaliados no termo dos seus mandatos, em função do saldo resultante das suas actuações.
Qualquer sistema que aliasse a avaliação contínua com um exame final em momento não pré-determinado, sujeitaria o poder e, concretamente o Governo, a uma inibição que o levaria à paralisia. E o Governo existe para decidir, tendo sempre presente que a pior decisão é a sua ausên-

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cia, pois até uma má decisão permite a sua rectificação, enquanto que a hesitação sistemática não possibilita coisa nenhuma
Infelizmente para o País algumas oposições não têm este entendimento, que antes de ser de bom-senso é de senso comum, e procuram que a vida política seja uma repetida amostragem de cartões amarelos, sucessivamente exibidos e renovadamente amnistiados.
As últimas eleições europeias são, de resto, um bom exemplo da afirmação anterior. Eleitas, há meses, como o ponto mais baixo na saúde da maioria, preparava-se um cenário a partir do qual para o PS tudo seria possível e para o PSD tudo seria impossível. A imagem de um PS suficiente e auto-suficiente vergou ao peso dos números e nem a animação da festa da comemoração dos resultados, que não aconteceram, permitiu disfarçar a incomodidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Acresce que o Partido Comunista, também eleitoralmente penalizado, aperta o cerco, o que condiciona a estratégia socialista que, entre o abismo e o abraço, se prepara para cair para trás. Veremos todos se os Estados Gerais são para uma nova maioria ou para uma pretensão antiga de maioria e se a estratégia presidencial de um não impõe o abandono da estratégia de alguns.
Todos sabemos - o PS incluído - que é impossível ganhar eleições contra a carteira dos cidadãos. Hoje, a palavra mais lida é retoma e não crise. A riqueza do País está de novo a crescer. A taxa de utilização da capacidade produtiva na indústria transformadora, o consumo de energia eléctrica e de cimento e as exportações estão a crescer e a inflação paulatinamente a descer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Bestial!...

O Orador: - Mas, melhor do que estes indicadores, é o aumento do emprego que, embora ténue, é sempre socialmente valorizável. Ocorre-me, de resto, a este propósito, lembrar aqui a afirmação do Deputado António Guterres, vai para nove meses, que anunciava, para os dias de hoje, 10 % de desemprego em substituição dos 6,7 % actuais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Entendemos que a responsabilidade política não é exclusiva da maioria e, como tal, o líder do PS está publicamente desafiado a prestar um esclarecimento ao País, sobre tão grosseira afirmação que gerou desconfiança e que, felizmente, para 3,3 % da população activa portuguesa, mais não foi do que um suspiro de quem teima em só conhecer duas cores: o preto claro e o preto eseuro.

Aplausos do PSD.

Trata-se, de resto, da mesma postura de quem, analisando as linhas de acção que o Primeiro-Ministro propôs aos seus parceiros comunitários, a propósito do combate ao desemprego, insinuava, em vésperas de eleições, que o projecto só existia para ser apresentado no Canal 1 da televisão. Constatamos todos, depois de Corfu, com evidente orgulho nacional, que o comunicado final da Cimeira elogia explicitamente a televisão portuguesa, ao assumir como pertinentes teses que o Deputado António Guterres julgava só se destinarem a ocupar espaço televisivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A distância que nos separa da nossa própria consciência de missão cumprida é ainda longa; é um trabalho persistente, que procuramos executar com sentido de responsabilidade, é um caminho com muitas curvas e algumas pontes. E, a propósito destas últimas, mal ficaríamos se não tratássemos dos acontecimentos da passada 6.ª feira na Ponte 25 de Abril.
Não estamos na política só para o que corre bem, estamos também para o que corre menos bem. E os aumentos das portagens, ao não serem acompanhados de medidas de discriminação positiva em relação a situações que importaria acautelar, não foram, claramente, um sucesso.
A este propósito, elogia-se, aliás, o Ministro Ferreira do Amaral, por reconhecer o erro e emendar a mão.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Aí é o Perdoa-me!

O Orador: - Como já disse, só não tropeça quem não anda e a estatística haverá um dia de demonstrar que um homem, como o Eng.º Ferreira do Amaral, com gosto pelo risco, com a convicção de que as necessidades do País se não compadecem com hesitações continuadas, ao tomar centenas de decisões, agiu com certeza acertadamente na esmagadora maioria delas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Para isso, foi preciso darem um tiro no moço!

O Orador: - Mas os partidos da oposição têm, também neste domínio, uma decisão fundamental a tomar: ou criticam a arrogância de quem não estava disposto a recuar, ou elogiam quem, com humildade democrática, foi sensível a argumentos melhor reflectidos.
A nossa posição clara exige-vos uma clarificação e, pelo nosso lado, desde já, fica a expressão inequívoca do nosso reconhecimento e aplauso sincero ao Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações pelo volume e qualidade das revoluções que vem operando nos sectores sob a sua tutela. Tem muito crédito do seu lado.
Mas o que se passou na Ponte e os aproveitamentos políticos subsequentes ultrapassam, em muito, a diferença entre 100 e 150$.
Desde logo, porque, tratando-se, num momento inicial, de um movimento genuinamente popular, logo houve quem, com mestria e até, por que não dizê-lo, habilidade, o aproveitou a seu favor.
Cabem aqui, de resto, algumas interrogações para respostas que alguém poderá fornecer.
Como explicar cabalmente os panfletos distribuídos na quarta e quintas-feiras, apelando à desobediência, o anúncio prévio num vespertino do que se vai passar sexta-feira,...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - É a intentona!

O Orador: - ... o pré-aviso a órgãos de comunicação social, criteriosamente seleccionados, a explicitação a uma rádio dos preparativos, a recusa da reunião da Comissão respectiva, aqui na Assembleia, na tarde de quinta-feira, a tarja partidária na ponte do Pragal a apoiar a abolição da portagem, a recusa em implementar o acordo atingido com a Junta Autónoma de Estradas por uma comissão de genuínos, que outros, porventura menos genuínos, se encarregaram de classificar como não representativos?
E como explicar a solidariedade anunciada por um taxista de Lisboa no caso da GNR intervir, ou as tentativas

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de bloqueamento do nó de Queluz e do nó de Alverca, ou o cortejo de acompanhamento da grua, que de Alverca se dirigia a Lisboa, etc.?
De resto, fazendo fé na reportagem transmitida, domingo passado, numa televisão, o Dr. Álvaro Cunhal terá reconhecido que havia gente do PCP na zona da portagem.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Eu também lá estava!

O Orador: - E, como desde sempre afirmámos, havia também cidadãos anónimos que protestavam contra uma medida, que não aceitaram. Resta é saber quantos eram, em quantidade e qualidade, uns e outros. Como o grupo dos anónimos é impossível de quantificar, ficamos à espera de poder efectuar a subtracção.
Neste entretanto, o PS desapareceu. Se o Ministro, impossibilitado pelo clima gerado na sexta-feira, aguardou por segunda-feira para anunciar a solução para o problema, o Secretário-Geral do PS esperou por terça-feira para tratar a questão. Já antes, aliás, reconheça-se, o PS havia proposto o habitual: há um conflito, a solução é adiar.
Já sabíamos, de resto, que o PS estava dividido em relação à nova ponte. Para o PS, a solução de localização ideal seria fazer meia ponte em cada uma das duas localizações possíveis.

Risos do PSD.

Agora, em relação às portagens, eventualmente por incapacidade minha, não percebi se o PS aceita uma ponte a fazer concorrência à outra, ou se entende ser socialmente mais justo distribuir por todos os cidadãos, de Valença a Vila Real de Santo António, o custo - pelo pagamento de impostos - resultante de infra-estruturas que, sendo indispensáveis, não são de utilização universal nem estão nacionalmente distribuídas.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que se passou na Ponte 25 de Abril tem, por último, e em termos de forma, pouco a ver com o espírito do dia que simboliza.
Ninguém critica a manifestação de cidadãos, ninguém restringe esse direito fundamental de dizer não a uma medida de que se discorda. Mas, o direito à manifestação é igual ao livre direito à não manifestação. E, muitos utentes da Ponte, na sexta-feira, só tiveram o direito de não ter direito a pagar uma portagem, que, de resto, percentualmente, aumentava o mesmo que havia já aumentado, em 28 de Setembro de 1983, no Governo do Bloco Central.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Só faltava essa!

O Orador: - Tratou-se de uma alteração da ordem pública inaceitável num Estado de Direito. E 10 horas, reconheçamos, é mais do que tempo para classificar como ponderada uma intervenção que nenhum regime democrático forte dispensa.
Rejeitando, em absoluto, a violência, dispenso-me de avivar a memória de todos com, por exemplo, os acontecimentos de Julho de 1977, na baixa lisboeta, mas não me dispenso de referir que «vêm sendo frequentes os comportamentos assumidos por grupos de pessoas, mais ou menos numerosos, que ofendem ou põem em perigo interesses juridicamente protegidos, públicos ou privados, perturbando ou impedindo o funcionamento de serviços públicos essenciais tais como os transportes (...)», como não deixo de afirmar que tais atitudes «(...) geram na opinião pública um sentimento de insegurança e a falsa ideia de que a ordem e a tranquilidade públicas podem ser, impune e publicamente, violadas pela lei do mais forte ou do mais ousado, com total descrédito das instituições e do prestígio da autoridade democraticamente legitimada, o que é inadmissível num Estado de Direito». Para terminar, referindo «(...) que não poderão ser tolerados os comportamentos ilícitos, que se traduzem em cortes de estrada (...)».

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - O aumento da portagem é que é um comportamento ilícito!

O Orador: - Anuncio à Câmara que acabo de ler excertos de uma resolução do Conselho de Ministros, de Outubro de 1983, assinada pelo Primeiro-Ministro, de então, Dr. Mário Soares.

Aplausos do PSD.

Cito, de resto, a mesma personalidade que, pela segunda vez, num espaço curto de tempo e a propósito de intervenções das forças de segurança, que legitimamente actuaram para repor a ordem pública,...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Mentira, não foi legitimamente!

O Orador: - ... manifesta, em relação a essa actuação, estados de alma, que invariavelmente oscilam entre a preocupação e a angústia. Ora, convenhamos que dos órgãos de soberania não se espera a expressão pública de um estado de alma; exige-se acção ou, estando esta constitucionalmente vedada, pede-se discrição, em defesa de valores e princípios que a todos importa defender.
Em democracia, a responsabilidade política é de partilha colectiva.
Neste Parlamento, ela é de todos os grupos parlamentares, maioria ou oposição. Honraremos a nossa responsabilidade e não nos alegra, sequer, que outros o possam não fazer com a mesma veemência.

Aplausos do PSD.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Está feito o discurso do Estado da Nação!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Manuel dos Santos e Octávio Teixeira. Ora, nem o Sr. Deputado Nuno Delerue nem os Srs. Deputados que solicitaram a palavra dispõem de tempo, respectivamente, para responder e para pedir esclarecimentos.
Porém, a Mesa vai conceder um minuto a cada um dos Srs. Deputados para esse efeito.
O Sr. Deputado Manuel Queiró, cujo grupo parlamentar ainda tem tempo para intervir, inscreveu-se também para pedir esclarecimentos.
O Sr. Deputado Armando Vara solicitou a palavra para exercer o direito regimental de defesa da honra e consideração.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Lello (PS): - Igualmente para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Nuno Delerue, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Não dispõe de tempo para o efeito, Sr. Deputado. Como estou a fazer uma distribuição equitativa do tempo pelas bancadas, peço que limitem um pouco as vossas intervenções.

O Sr. José Lello (PS): - Então, não tendo tempo, como é que faço? Resolvo lá fora o problema?

Vozes do PSD: - Faça um requerimento!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, pode aproveitar, ouvindo atentamente.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, antes de V. Ex.ª começar a descontar o tempo correspondente ao meu pedido de esclarecimento, gostaria de fazer uma interpelação à Mesa, a fim de perguntar-lhe qual a decisão - e faço-o com sinceridade, porque efectivamente desconheço-a - que impede a transferência de tempos neste debate concreto, uma vez que o CDS-PP prontificou-se a ceder-nos três minutos. Resumindo, pergunto somente se houve alguma deliberação nesse sentido.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, a informação de que disponho é que tem sido ininterrupta jurisprudência da Mesa não haver transferências de tempos no período de antes da ordem do dia.

O Orador: - Há, portanto, uma decisão da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares nesse sentido. Era unicamente para sabermos as regras com que podemos contar para o futuro. Portanto, não se refere especificamente a este caso,...

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, não lhe desconto o tempo utilizado, até agora, no minuto que lhe foi concedido, mas, daqui em diante,...

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Delerue, V. Ex.ª fez um discurso, que, com um pouco mais de jeito, podíamos intitular de «A semana de todos os falhanços».
Devo dizer-lhe que se esqueceu de aludir a vários aspectos, que devia ter trazido aqui à colação. Em primeiro lugar, esqueceu-se de fazer menção aos resultados económicos do primeiro trimestre, já divulgados, os índices, que, ao contrário do que V. Ex.ª disse, confirmam claramente o clima de recessão que se vive em Portugal.
Em segundo lugar, não se referiu ao relatório do Tribunal de Contas - aliás, ontem divulgado -, onde especificamente são indiciadas imensas irregularidades financeiras cometidas pelo Governo, em 1992.

O Sr. Rui Carp (PSD): - É um elogio esse relatório, vindo de quem vem!

O Orador: - Em terceiro lugar, esqueceu-se de nos dar os parabéns pela nossa vitória nas eleições europeias,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Grande vitória!...

O Orador: - ... vitória conseguida no universo dos emigrantes, que, contrariamente ao que tinha dito o Sr. Deputado Pacheco Pereira, há alguns dias, confirmaram e alargaram a vitória do PS.
Em quarto lugar, esqueceu-se de referir a questão do sangue contaminado. De facto, quando os senhores visitaram, propagandisticamente, instalações hospitalares, nem uma palavra proferiram acerca da questão do sangue contaminado com o vírus do SIDA, que infectou várias crianças no Hospital de São João, no Porto.

O Sr. Armando Vara (PS): - É uma vergonha!

O Orador: - Em quinto lugar, esqueceu-se de falar no falhanço da Cimeira dos Sete Países Lusófonos. O Governo ainda nada disse sobre isso e V. Ex.ª também se manteve silencioso!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É um problema de vergonha!

O Orador: - Em sexto lugar, não se referiu às demissões no Banco Central e, sobretudo, às confusões estabelecidas entre o Governo e a sua bancada a propósito do «vem e não vem» do Sr. Ministro das Finanças à Comissão de Economia, Finanças e Plano.
Sobre o problema da ponte, falará o Sr. Deputado Armando Vara.
E, em último lugar, V. Ex.ª esqueceu-se de mencionar uma coisa gravíssima para a democracia portuguesa e para o Governo, que os senhores pretendem ocultar. Refiro-me à demissão do Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, claramente indiciado,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Claramente?!

O Orador: -... - claramente! - por manobras ilícitas com a aplicação dos fundos europeus.
Era sobre essas questões, Sr. Deputado, que gostaria de ter ouvido o seu depoimento e a sua opinião, principalmente sobre esta última, relativa à demissão do Sr. Secretário de Estado!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, agradeço-lhe, desde já, o minuto que me foi concedido.
Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Delerue, compreendemos que a bancada do PSD se sinta incomodada, por um lado, com os acontecimentos ocorridos na Ponte 25 de Abril e com as razões que levaram os utentes a protestar da forma, com a veemência e com a unidade com que o fizeram, e, por outro, com a necessidade que o Governo teve de fazer um recuo de profundo significado político em relação às posições que assumiu no início do processo da Ponte 25 de Abril.
Porém, isso não justifica nem legitima que o PSD, em todo este processo, regresse às teses das teorias conspirativas.
Compreendo que o Sr. Deputado pretenda fazer como que um elogio envenenado ao PCP sobre a mestria e habilidade com que actuou, mas recusamos esses elogios.
A única questão que aqui se coloca, Sr. Deputado, é a legitimidade dos comunistas, do PCP e do Grupo Parlamentar do PCP fazerem o que fizeram - é, pura e simplesmente, a questão da legitimidade democrática! Assumimos, desde o início- e continuamos a assumi-lo-, o nosso apoio e a nossa solidariedade para com os utentes, as suas profun-

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das e justas razões e a necessidade de desbloquear um processo, coisa que os senhores recusaram, desde o início! Quiseram ser arrogantes e intransigentes, mas foram obrigados ao recuo político!
Os meus camaradas, que estiveram na ponte, agiram como cidadãos de corpo inteiro e fizeram aquilo que acharam por bem fazer. As posições assumidas pelo meu partido foram-no dentro da legitimidade e da legalidade democráticas e de acordo com o princípio, que nós defendemos e os senhores não, de apoiar, quando são justas, as lutas populares.
Para nós, o povo tem uma palavra a dizer e, por isso, os senhores, desta vez, foram derrotados, como o já foram noutras - e serão -, e nós não somos!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Delerue, V. Ex.ª e os Srs. Deputados do PSD não se arrependam de o Governo ter cedido e recuado nesta questão, porque isso foi uma novidade capaz de inaugurar um novo clima político, em que a vossa acção deveria passar a decorrer.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Passam do cavaquismo para o «lencastrismo»!

O Orador: - Contudo, a intervenção do Sr. Deputado aparece revestida do mesmo tom e da mesma postura de arrogância e de acusações, que indiciam que, da vossa parte, não tiraram as ilações devidas do acontecido.
Não se arrependam de terem cedido e recuado e inaugurem um clima de diálogo! Vão ver que o País inteiro lucrará com isso!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, que faria o PSD, nestas e noutras circunstâncias, sem os comunistas?
Sr. Deputado Octávio Teixeira, resistam à decadência, não acabem! O PSD e o Governo precisam tanto disso!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel dos Santos, telegraficamente, gostaria de dizer-lhe o seguinte: estamos aqui, cada um à sua maneira, para defender aquilo que são inequivocamente os direitos dos cidadãos. E devo dizer-lhe que me choca o facto de V. Ex.ª ter referido aqui a situação de um ex-secretário de Estado deste Governo, mas se ter esquecido que, exactamente nesse ministério e há mais de um ano, outro secretário de Estado abandonou funções por indícios do mesmo quilate, tendo, entretanto, passado um ano, sem que nada tenha sucedido.

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Isso é que é grave!

O Orador: - Ao que consta, Sr. Deputado, durante este ano, nem sequer formalmente a pessoa em causa foi acusada! E V. Ex.ª não abdica de trazer para a arena política uma questão,...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - É um juízo político, Sr. Deputado! No mesmo ano, sucederam dois casos no mesmo ministério!

O Orador: - ... que deveria, obviamente, merecer da sua parte outra ponderação.

Mas o Sr. Deputado referiu aquilo que, pretensamente, são falhanços nossos na «semana negra». Percebo o seu problema. É que o Partido Socialista, nesta questão, também teve um grande falhanço e V. Ex.ª é, com certeza, por razões próprias, muito sensível a isso. É um problema freudiano da sua parte: em relação ao que se passou na ponte o grande protagonista do Partido Socialista não foi o Sr. Eng.º António Guterres mas, sim, o Dr. Jorge Sampaio.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Assim até percebo parte das acusações que V. Ex.ª me dirige.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, não está em causa - e eu disse-o expressamente - a legitimidade da manifestação que atinge cidadãos sem partido, cidadãos independentes e cidadãos do CDS-PP ao Partido Comunista, indistintamente, mas, sim, a forma como tal manifestação se fez. E V. Ex.ª há-de reconhecer que, nesta matéria, em relação ao comportamento do Partido Comunista, há expressões e documentos que podem ser entendidos como um incitamento à desobediência civil.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Do Primeiro-Ministro!...

O Orador: - Compreendo que V. Ex.ª não conheça todas as matrículas dos automóveis que são propriedade do Partido Comunista, mas, para terminar, deixo-lhe esta ideia: averiguo se o veículo com a matrícula LC-01-46 é do Partido Comunista...

Vozes do PS e do PCP: - Essa matrícula é de um carro do SIS!...

O Orador: - ... e poderá perceber porque não se afirmou aqui e apenas se levantou em termos de interrogação aquilo que disse da tribuna.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero expressar a minha enorme preocupação, porque a intervenção que aqui foi feita demonstra que o PSD e o Governo persistem nos erros. Isso é motivo de grande preocupação.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Vocês não têm implantação na margem sul! Estão inocentes!

O Orador: - Gostava de perguntar ao Sr. Deputado em que papel vai ficar o Estado...

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, pedia-lhe que se limitasse à defesa da consideraçâo, porque...

O Orador: - Sr. Presidente, verificará que é isso que vou fazer!

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O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Espero poder verificar.

O Orador: - Gostava de perguntar ao Sr. Deputado Nuno Delerue, ao PSD e também, por vosso intermédio, ao Governo em que papel vai ficar o Governo e em que papel vão ficar as instituições quando, no dia 1 de Setembro próximo, a população se recusar não só a pagar o aumento da portagem mas também a verba que já pagava antes desse aumento. Gostava que me respondesse a esta questão.
Sr. Presidente, é também sobre isto que quero defender a consideração da minha bancada: foram feitas acusações ao PS, mas penso que se alguém pode ser acusado e responsabilizado pela arrogância com que tratou toda esta questão é o Primeiro-Ministro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E não podemos esquecer a forma arrogante e sobranceira como o Sr. Primeiro-Ministro tratou este problema. Ele brincou com coisas sérias. Ao dizer que também buzinava, brincou com problemas de pessoas, como se elas fossem coisas menores e não tomassem atitudes sérias. Isto não pode passar em claro!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Vocês estão inocentes!

O Orador: - V. Ex.ª persistiu no erro da arrogância e só lhe faltou vir aqui falar nos trocos e dizer que o problema da Ponte 25 de Abril era um mero problema de trocos.
Sr. Deputado, devolvo-lhe as acusações que fez ao PS, porque não faz sentido - e os portugueses sabem muito bem disso - acusar o PS de falta de sentido de Estado ou de responsabilidade.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O PS está inocente! O PS não fez nada!

O Orador: - Srs. Deputados, em momentos graves da vida nacional, o PS soube sempre estar à altura das responsabilidades, tal como aconteceu agora.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, quero, telegraficamente, dizer o seguinte: reconheço com espanto que o PS, nesta matéria, vai mudando sucessivamente de opinião, sendo, por isso, difícil manter-se actualizado.
Depois desta intervenção do Sr. Deputado Armando Vara, já não percebo se o PS continua a ser a favor das portagens na ponte, como anteriormente, ou se, agora, talvez devido à tal pequena influência na margem sul, deixou de o ser. Qual é, afinal, a solução do Partido Socialista para esta questão?

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Deputado, responda ao que lhe perguntei, que é uma questão de Estado!

O Orador: - São as questões concretas que levantei! O Partido Socialista entende que é socialmente justo colocar os cidadãos do País a pagar, através de impostos, aquilo que é um bem obviamente indispensável mas não nacionalmente distribuído?

O Sr. Armando Vara (PS): - Deixe isso e responda à questão que lhe coloquei!

O Orador: - É preciso que o Partido Socialista seja mais claro do que foi em relação a estas matérias. Por exemplo, em relação à localização da nova ponte, o Partido Socialista tem, no seu manifesto eleitoral, uma localização, mas hoje publicamente defende outra.
Percebemos que o Partido Socialista, nesse como em outros domínios, tenha de apanhar sempre o vento de frente, só que as pessoas têm memória e ela faz legitimar a acusação de que o Partido Socialista não tem qualquer legitimidade para falar em coerência.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, o meu pedido de palavra para defesa da consideração tem a ver com a acusação genérica que o Sr. Deputado Nuno Delerue fez a quem, naquele dia, esteve na Ponte 25 de Abril.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Mas o senhor está incluído na extrema esquerda!

O Orador: - Não é por as declarações do Sr. Deputado virem no seguimento das declarações ridículas do Primeiro-Ministro e do Sr. Dr. Nunes Liberato que deixam de ter peso e importância. Quero dar-lhe importância e, por isso, estou aqui a defender a consideração.
Considero totalmente inaceitável que faça insinuações em relação à atitude e ao papel de quem, como cidadão, esteve, naquele momento e naquela altura, na ponte, junto à portagem, junto aos manifestantes e junto aos camiões, e não tenha em consideração o papel dos Deputados desta Câmara que, como eu e outros, foram lá, para se inteirarem do que se passava e tentarem compreender os fenómenos sociais e a atitude das populações. Os senhores também deviam ter ido lá!
Mais: lamento que o Sr. Deputado, em todo o discurso que fez, não tenha tido uma palavra para condenar a intervenção da polícia...

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Não há nada a condenar!

O Orador: - Não há?! Aceita o tiro?!

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Não!

O Orador: - Não houve tiros da polícia? O rapaz que está no hospital em risco de ficar paraplégico não foi atingido pela PSP?

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, agradecia que defendesse a consideração e não procedesse a um interrogatório.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, lamento que o Sr. Deputado não tenha tido uma palavra contra a actuação da polícia e de solidariedade para com o jovem que está na situação que

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todos sabemos. E também uma palavra de exigência de responsabilidades a quem comandou a intervenção policial e ao agente que disparou contra o jovem.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, compreendo a intervenção do Sr. Deputado Mário Tomé, pois ela resulta do facto de me não ter referido a ele. A sua intervenção tem a ver com uma coisa que se chama ciúme, porque, quando fiz a minha intervenção, não o referi explicitamente.
Reconheço que a UDP e o Sr. Deputado Mário Tomé tiveram, nesta matéria, uma actuação que acaba de reconhecer, que é legítima - disse-o ao Sr. Deputado Octávio Teixeira e repito-o aqui -, mas que foi claramente subsidiária da do Partido Comunista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Mário Tomé, em relação à intervenção da polícia, devo dizer o seguinte: obviamente que o senhor não tem o exclusivo do coração. Todos temos esse direito! Mas a questão não é essa, Sr. Deputado. A questão é se, quando estava em causa uma situação de desordem pública, as forças de segurança tinham ou não o direito de intervir e se, nessa intervenção, não foram rodeadas de todas as cautelas possíveis - e, se calhar, impossíveis - para que ela decorresse com o mínimo de conflitualidade possível. A este respeito, pergunto se 10 horas não é um espaço de tempo mais do que suficiente para que a intervenção se pudesse fazer sem dificuldades acrescidas, como aquelas que, infelizmente, ocorreram.
Sr. Deputado, não falo dos tiros porque não faço acusações desse tipo.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Não!?...

O Orador: - Não! Não faço acusações desse tipo!

Se V. Ex.ª tem alguma informação suplementar que eu não tenha, pedia-lhe que a fornecesse a quem de direito e não a mim necessariamente.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Há testemunhas! Exija um processo rigoroso!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, no calor e na pressa do minuto que me atribuiu, podiam ter ficado algumas dúvidas sobre o juízo político que fiz relativamente à demissão do Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional. Tratou-se apenas de um juízo político, e não de um juízo pessoal, pois não me antecipo às decisões dos tribunais. Mas acabei por ser escorado nas observações que o Sr. Deputado Nuno Delerue fez, porque, ao citar que, no prazo de um ano, já se tinham demitido dois secretários de estado, fez melhor do que eu um juízo político negativo sobre a actividade do Ministério do Emprego e da Segurança Social.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Com o Costa Freire são mais!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Fica registado.

Vamos passar à votação dos votos n.ºs 111, 112 e 1137 VI. Penso que os Srs. Deputados dispensarão a leitura dos votos anunciados.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - É para requerer que os votos n.ºs 111 e 113/VI sejam discutidos. Aliás, pedia-lhe também um minuto, porque o Sr. Deputado Almeida Santos...

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Não há tempos, Sr. Deputado.

O Orador: - É que o Sr. Deputado Almeida Santos pediu para estar presente aquando da votação do voto n.º 112/VI, de que é subscritor, e, por isso, solicitava a V. Ex.ª que começasse pelos votos n.ºs 111 e 113/VI, a fim de ele poder comparecer.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Os Srs. Deputados dispensam a leitura do voto n.º 111/VI, do PCP?

O Sr. José Lello (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, não quero roubar-lhe tempo, já que está tão pressuroso no seu cumprimento que não me permitiu sequer fazer um pedido de esclarecimento. Por isso pedia-lhe apenas que me fossem distribuídas fotocópias dos votos.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, consigo não me atrevo a ser pressuroso no tempo, porque perco com certeza!

Peço ao Sr. Secretário que proceda à leitura do voto n.º 111/VI.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, o voto n.º 111/VI - De solidariedade para com os cidadãos utentes da Ponte 25 de Abril e de condenação pela acção das forças policiais, apresentado pelo PCP, é do seguinte teor:

Considerando os acontecimentos que há já oito dias se vêm registando na Ponte 25 de Abril;
Considerando que a contestação dos utentes da ponte, designadamente das dezenas de milhar de cidadãos que diariamente a utilizam nas suas deslocações residência/emprego e no exercício da sua actividade profissional, expressa uma manifestação da sociedade civil de claro protesto e inequívoca condenação da injustificável decisão do Governo de aumentar em 50 % o preço das portagens;
Considerando que a intervenção, a mando do Governo, das forças policiais excedeu o princípio da proporcionalidade, quer nos meios utilizados, quer na forma de actuação, e que atingiu expressões de injustificada violência repressiva sobre cidadãos, como é comprovado, quer por registos fotográficos divulgados pela imprensa e por ima-

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gens transmitidas por canais de televisão, quer pelo número de feridos e, em particular, pelo baleamento de um jovem, cujo estado se sabe ser de grande gravidade;
Considerando que a completa razão que assiste aos utentes obrigou já o Governo a importante recuo, que, embora não dando solução duradoura e justa às questões de fundo, corresponde ao público reconhecimento da profunda injustiça dos aumentos e de toda a situação das portagens nas áreas metropolitanas;
Considerando ainda que, enquanto órgão de soberania representativo de todos os cidadãos portugueses e da vontade popular, não é legítimo à Assembleia da República alhear-se dos acontecimentos registados na Ponte 25 de Abril e das razões profundas do protesto das populações;
A Assembleia da República, reunida em Plenário, decide: expressar aos cidadãos utentes da Ponte 25 de Abril compreensão e solidariedade pelas razões que justificam o seu descontentamento e protesto; condenar as acções de violência repressiva praticadas pelas forças policiais e exigir o rápido apuramento de responsabilidades por essas acções inaceitáveis; exigir do Governo a anulação do aumento das portagens e a reconsideração do regime de utilização das pontes e auto-estradas dentro dos limites das áreas metropolitanas; e pronunciar-se pela anulação de quaisquer multas e outras medidas punitivas contra os cidadãos que se manifestaram contestando o aumento das portagens.

O Sr. Armando Vara (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, é para solicitar a V. Ex.ª que a votação do voto n.º 111/VI se processe por alíneas e que nos possibilite o tempo necessário para podermos dar conta das nossas posições sobre ele.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, certamente que não haverá nenhuma objecção à votação deste voto por alíneas, mas, relativamente ao tempo que me pede, não poderei dispor dele, uma vez que os tempos estão esgotados.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, pode proceder-se à votação das três primeiras alíneas em conjunto.

O Sr. Presidente: - Então, não havendo objecções, vamos proceder à votação das alíneas a), b) e c) do voto n.º 111/VI.

Submetidas à votação, foram rejeitadas, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente Mário Tomé e a abstenção do CDS-PP.

Vamos agora votar a alínea d) do voto n.º 111/VI.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP e do Deputado independente Mário Tomé e abstenções do PS e do CDS-PP.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do voto n.º 112/VI, de pesar pelo falecimento do ex-Deputado António Portugal, apresentado pelo Sr. Presidente da AR, PS, CDS-PP, PSD e PCP.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, o voto n.º 112/VI é do seguinte teor:

Morreu António Portugal. Antigo Deputado à Assembleia da República, advogado e dirigente partidário, António Portugal foi sempre um homem de convicções e ideais, que se bateu, antes e depois de Abril, pelos valores da liberdade, do socialismo democrático e da solidariedade.
Exímio guitarrista e inspirado compositor, legou-nos algumas das mais belas composições musicais, na linha lírica da canção de Coimbra e na linha forte das baladas de combate. «Trova do Vento que passa» e «Guitarras do meu País», entre outras, constituem hoje verdadeiros hinos aos ideais de Abril.
Integrado no mais notabilizado grupo de guitarras de Coimbra, dedicou-se à pesquisa e ao registo da história da canção de Coimbra, quer na sua vertente lírica e melódica, quer na sua vertente inconformista e revolucionária.
Foi surpreendido pela morte no regresso de uma digressão ao Japão, na sequência de tantas outras em que divulgou a poesia e a música do nosso País.
Homem de muitas e sólidas amizades, deixa um vazio difícil de preencher.
A Assembleia da República aprova um voto de pesar pela perda de um artista de tão rara sensibilidade e um cidadão e antigo Deputado de perfil cívico tão exemplar e de condolências à Família enlutada e ao Partido Socialista.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Raúl Castro.

Vamos guardar um minuto de silêncio.

A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do voto n.º 113/VI- De solidariedade para com os utentes da Ponte 25 de Abril e o jovem ferido e de condenação pela actuação das forças policiais (Deputado independente Mário Tomé).

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto n.º 113/VI é do seguinte teor:

Considerando que:

Os protestos generalizados com que os utilizadores da Ponte 25 de Abril responderam ao anúncio pelo Governo de um aumento de 50 % da portagem tiveram uma base de legítima reacção a uma medida de todo inesperada e pesada para a bolsa dos cidadãos;
As medidas anunciadas pelo Ministro Ferreira do Amaral, embora não respondendo às reivindicações dos utentes da Ponte, vêm reconhecer a justeza do seu protesto;
Os protestos mantêm-se de forma massiva, apesar das referidas medidas;
A opinião pública, de acordo com sondagens recentes, manifesta-se, sem lugar a dúvidas, contra a própria existência de portagem na Ponte 25 de Abril,

A Assembleia da República:

Manifesta a sua compreensão aos utilizadores da Ponte 25 de Abril;
Condena a actuação das forças policiais e, sobremaneira, a inaceitável utilização de armas de fogo que fizeram uma vítima, numa desproporção de meios que exige a tomada de medidas de ordem criminal e a definição do grau de responsabilidade da cadeia de comando e actuação em conformidade;
Solidariza-se com o jovem Luís Miguel, gravemente ferido por uma bala, e manifesta ao Governo a sua preocupação quanto ao futuro deste jovem - em risco de ficar

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paraplégico-, considerando indispensável que o Governo se responsabilize pela devida indemnização, sem delongas e independentemente dos eventuais procedimentos judiciais;
Manifesta-se pela suspensão do aumento da portagem e pela apreciação do seu carácter, visto haver fundados indícios de poder tratar-se de um imposto que o Governo não estaria autorizado a lançar;
Expressa a sua intenção de, em tempo oportuno, apreciar as iniciativas legislativas entradas na Mesa que propõem a abolição da portagem da Ponte 25 de Abril.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente Mário Tomé e a abstenção do CDS-PP.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma declaração de voto relativa aos votos n.ºs 111 e 113/VI.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, de acordo com o Regimento, julgo que não pode fazer agora uma declaração de voto.

O Sr. Armando Vara: - Sendo assim, comunico à Mesa que a farei por escrito.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 55 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de Deputados.

O Sr. Secretário (Caio Roque): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição dos Srs. Deputados João Oliveira Martins, do PSD, a partir de 30 de Junho corrente, e Marques da Silva, do PS, com início em l de Julho próximo, respectivamente, pelos Srs. Deputados Peixoto Lima e Luís Amado.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Raúl Castro.

Vamos entrar na discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 422/VI - Medidas para a moralização e racionalização da cobrança de impostos (CDS-PP).

Uma vez que o Sr. Deputado Rui Macheie, na qualidade de relator da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, prescinde da palavra, vou dá-la ao Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins para fazer a síntese do relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 422/VI, apresentado pelo CDS-PP, trata de três matérias fundamentais.

A primeira respeita à questão dos juros devidos pela falta de entrega de prestações tributárias, permitindo que sejam contados dia a dia mediante a aplicação de uma taxa que excede em dois pontos percentuais a taxa de desconto do Banco de Portugal. Trata-se da alteração do regime relativo aos juros compensatórios.
A segunda matéria consagrada neste diploma tem a ver com o estabelecimento de que um devedor de impostos, que seja em simultâneo credor do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais, relativamente a uma prestação líquida e exigível, independentemente da sua natureza, possa requerer compensação total ou parcial ao Director-Geral das Contribuições e Impostos, dentro do prazo, para o pagamento voluntário. Esta medida é complementada por outras, que me escuso de referir.
Em terceiro lugar, prevê-se um novo regime relativamente ao pagamento por prestações de dívidas de impostos, através da eliminação do n.º 2 do artigo 279.º do Código do Processo Tributário.
O projecto de lei em causa não envolve redução de receitas nem aumento de despesas públicas e está em condições de ser apreciado neste Plenário.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ano de 1993 decorreu sob o signo da moralização fiscal.
Confrontado com a incapacidade para cobrar os impostos previstos, a administração fiscal, representada pelo seu mais alto responsável, o Sr. Ministro das Finanças, nada encontrou de melhor para explicar a situação do que culpar os contribuintes acusando-os de práticas menos correctas e até, pasme-se, de um certo excesso no recurso a certas práticas correctas, mas de repente consideradas como menos convenientes.
E, vai daí, multiplicaram-se as medidas então apelidadas de moralização fiscal, no Orçamento Suplementar ao Orçamento do Estado para 1993, no Orçamento do Estado para 1994, na alteração ao Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro.
Na última - que foi, de resto, a primeira na ordem temporal, porque ocorreu em 20 de Agosto -, introduziu-se a possibilidade da aplicação da pena de prisão por infracções cometidas neste domínio fiscal.
Simplesmente, e não pondo o CDS-PP em causa algumas das medidas tomadas, que não todas, como resulta, aliás, com clareza, da nossa intervenção no dia a dia parlamentar, a administração fiscal esqueceu-se lamentavelmente de se interrogar sobre a sua própria moralidade nas relações fiscais e financeiras com os cidadãos contribuintes.
O esquecimento foi tal que começou mesmo por tentar moralizar com medidas em si mesmas imorais, como, sem dúvida, foi a tentativa de aplicar retroactivamente o novo regime de dedução do reinvestimento das mais valias realizadas.
Mas mesmo não considerando tal falta mais imperdoável, a administração esqueceu-se, também, de examinar a sua própria consciência, de «meter uma mão» na sua consciência, e de se interrogar sobre o estado das suas próprias contas com os contribuintes, contas decorrentes do exercício por estes de actividades que, a maior parte das vezes, estão na origem das dívidas de impostos.
A administração não reparou que, estando a adoptar novos rigores na cobrança dos seus créditos de impostos.

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estava simultaneamente a aumentar o seu desleixo, enquanto devedora do pagamento de bens e serviços fornecidos pelos próprios contribuintes.
Usou, em suma, dois pesos e duas medidas, não reparando que, ao proceder assim, perdia autoridade para fazer o discurso da moralização e, muito mais, perdia autoridade para o pôr em prática.
Em boa verdade, porém, os esquecimentos e os desfasamentos estão a ser a ordem do dia deste Governo que, por isso mesmo e como está à vista, perde todos os dias fatias importantes da sua autoridade e da sua capacidade para lidar com os cidadãos numa base de normalidade.
Felizmente, há o CDS, agora ainda por cima CDS - Partido Popular, e por isso vai ser tomado possível encarar a moralização fiscal de modo completo, focando as duas faces da medalha, moralizando a atitude dos contribuintes, mas não esquecendo de moralizar também a atitude da própria administração fiscal.
É esse o objectivo básico do diploma que hoje se apresenta à discussão na Assembleia da República.
É claro que aquilo que propomos agora é apenas um começo. Pretendemos ir mais longe, como se dá a entender na justificação de motivos do nosso projecto de lei, onde logo nos comprometemos a apresentar, no início da próxima sessão, um projecto de lei com os princípios fundamentais a que devem obedecer as relações jurídico-tributárias.
E, seguindo o conselho dos Srs. Deputados Rui Machete e Guilherme d'Oliveira Martins no parecer elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, procuraremos também ir mais longe na introdução de melhoramentos necessários no Código de Processo Tributário. Aliás, alguns dos melhoramentos referidos por aqueles ilustres Deputados decorrerão desde já deste diploma-quadro das obrigações jurídico-tributárias.
Aí vamos tentar esclarecer conceitos básicos importantes para a defesa dos contribuintes, esclarecimento cuja necessidade foi agora dramaticamente posta à prova com os acontecimentos relacionados com a actualização da portagem cobrada na Ponte sobre o Tejo.
Mas, enquanto não apresentamos tal iniciativa, vamos tentar corrigir alguns aspectos, os mais gritantes, do regime de cobrança dos impostos, designadamente quando se verifiquem situações de atraso ou de falta dos contribuintes.
O primeiro relaciona-se com os chamados juros compensatórios pagos pelos contribuintes em falta, sempre que dessa falta resulte atraso na própria liquidação do imposto.
A respectiva taxa cobrada nestas circunstâncias atingiu, com efeito e em alguns casos, uma expressão identificável com situações de verdadeira usura (24 % no IVA) que em nada se justifica num momento em que os comportamentos censuráveis - e, sem dúvida, há aí comportamentos censuráveis - que possam estar na origem do atraso são autonomamente punidos, nos termos do novo Regime das Infracções Fiscais não Aduaneiras, com penas que podem ir até à prisão, como é sabido e já dissemos.
Por isso, no nosso projecto de lei se uniformizam as taxas para os juros moratórios e compensatórios e para os juros compensatórios cobrados nos vários tipos de imposto, estabelecendo-se essa uniformização num montante razoável por referência a um instrumento fundamental nesta matéria - como já acontece, de resto, com o IRS e o IRC -, a taxa básica de desconto do Banco de Portugal (desde Janeiro, fixada nos 12 %), o que evita os inconvenientes e a rigidez de uma taxa fixa, como acontece no caso do IVA, em que a taxa é, repete-se, de 24% ao ano.
O segundo aspecto em que pretendemos introduzir melhoramentos tem a ver com o pagamento em prestações das importâncias em dívida pelos contribuintes, autorizada na lei quando estejam em curso processos de execução, como aconteceu celebremente no caso do Futebol Clube do Porto, mas excluída sempre que a falta se refira a impostos retidos na fonte ou legalmente repercutidos em terceiros (caso do IVA cobrado pelos agentes).
Para além das situações serem diferentes entre si e só a referida em última lugar se identificar com um verdadeiro abuso de confiança, não há razão para, mesmo em tal caso, transformar esta excepção numa espécie de pena adicional a juntar às que se encontram já previstas na lei para as respectivas infracções, sendo certo que, ao mesmo tempo, com esta rigidez e proibição, se prejudica, sem dúvida, a regularização das situações ainda em dívida.
Por isso a proposta de eliminação da norma respectiva do Código de Processo Tributário, ou seja, o n.º 2 do artigo 279.º.
Finalmente - e os últimos serão os primeiros -, a oportunidade da iniciativa é aproveitada para minorar a situação escandalosa que deriva do facto de a administração directa e indirecta do Estado ser devedora de importâncias avultadas a cidadãos e a empresas a quem a primeira cobra e exige o pagamento de impostos sem ter em conta tal situação.
O que propomos para estes casos é que possa operar-se a compensação entre as duas dívidas, a dos impostos e a dos pagamentos, ou os dois créditos, mediante requerimento a dirigir pelo contribuinte à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.
Para além de restituir ao Estado e às demais entidades abrangidas (regiões autónomas e autarquias locais) a autoridade moral que a persistência do «calote», sem dúvida, lhes retira, vai permitir-se o saneamento de muitas situações que estão a introduzir distorções nos mercados e o estrangulamento da vida de muitas empresas e de muitos cidadãos.
Por exemplo, só às farmácias, o Ministério da Saúde deve 6,7 milhões de contos; o Hospital de que o Sr. Ministro da Saúde era director devia, quando o Ministro abandonou a direcção, mais de seis milhões de contos a fornecedores. E já não falo das dívidas a empreiteiros de obras públicas e a outros fornecedores dos serviços de saúde ou das dívidas, em geral, que todos conhecemos, dos hospitais. Também sabemos que os preços praticados por essas entidades são diferentes, tendo em conta essa situação, e daí a referência às distorções de mercado.
Não é preciso mais, em suma, para sublinhar a gravidade da situação e a seriedade do propósito do CDS-PP.
Assim o entendam os Srs. Deputados, incluindo, obviamente, os que integram a maioria e que são indispensáveis para aprovar esta medida, muito embora ela depois apareça como aprovada ou reprovada pela Assembleia da República.
Para esse efeito, estamos dispostos a encarar a possibilidade de introduzir - e dirijo-me aos Srs. Deputados Rui Carp e dos Partidos Socialista e Comunista, designadamente o Sr. Deputado Octávio Teixeira - no projecto de lei as alterações que, sem o desfigurar nos seus objectivos fundamentais, o possam, antes, melhorar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E estamos a pensar, quando falamos nisso, no esquema de compensação, muito embora estejamos convictos de que só a intervenção do Estado, que detém o monopólio da cobrança das receitas de todas estas entidades, permitirá dar à compensação alguma eficácia; estamos, no entanto, abertos a considerar soluções que nos queiram sugerir.

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É neste espírito que apresentamos o projecto de lei, sendo certo que estamos convencidos de que com ele contribuímos, ou poderemos contribuir, para sanear a vida financeira do País e para moralizar a administração fiscal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Guilherme d'Oliveira Martins, Rui Carp e Octávio Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, ouvimos com atenção a comunicação que aqui nos quis fazer e em que nos apresenta uma iniciativa louvável da parte do CDS-PP, ainda que o título seja mais ambicioso do que o conteúdo. Aliás, ficámos muito satisfeitos com o título «Medidas para a moralização e racionalização da cobrança dos impostos», mas, depois, verificamos que há questões pontuais, que são referidas e que são importantes, que carecem, como V. Ex.ª reconheceu logo no início, de outros complementos.
As dúvidas que gostaria de colocar são as seguintes.
Em primeiro lugar, e relativamente ao mecanismo de compensação, parece-nos que haverá que fazer um esclarecimento - aliás, o Sr. Deputado Rui Macheie teve oportunidade de o referir no parecer da 1.ª Comissão - e, quanto a mim, ninguém melhor que o apresentante para o fazer. Como é feita esta compensação? E, sobretudo, como é que vamos evitar uma confusão de esferas? Ou seja, temos a administração central, a administração regional, a administração local, sendo certo que, no caso das administrações regional e local há determinadas garantias constitucionais que não podem, naturalmente, deixar de ser salvaguardadas. Aliás, poder-se-á pôr a questão de saber se esta iniciativa não carece mesmo, na medida em que envolve as regiões autónomas, de uma consulta aos órgãos próprios de governo dessas regiões. Sr. Deputado, como é que resolve esta questão? Como é que essa medida poderia ser aplicada, evitando a confusão de esferas entre estas três áreas?
Além disso, gostaríamos de ouvi-lo um pouco mais relativamente a uma questão que referiu no início da sua intervenção e que tem a ver com o regime de pagamento em prestações das dívidas ao fisco. E gostaríamos de ouvi-lo, sobretudo porque há duas situações muito diversas entre o IRS e o IVA. Disse o Sr. Deputado que, no caso do IVA, já há uma sanção e que, de algum modo, a impossibilidade de pagamento por prestações seria uma sanção adicional. O que é facto é que, em bom rigor, no caso do IVA, não estamos perante dívidas tributárias mas, sim, da entrega ao Estado de verbas que estão à guarda de quem procedeu à sua cobrança, uma vez que a cobrança está feita. Estamos perante uma situação diversa da que ocorre relativamente à retenção na fonte, uma vez que, na retenção na fonte, o mecanismo contabilístico é corripletamente diverso e, portanto, trata-se de uma situação diferente. Sr. Deputado, como é que resolve esta situação?
A terceira questão tem a ver com os juros compensatórios. Reconhecemos que é uma questão complexa, que, na sua perspectiva, abarcará três eventuais situações, ou seja, a que agora nos propõe, o regime dos juros de mora e o regime de juros compensatórios. Digamos que V. Ex.ª está aqui a criar um tertium genus. Pensa que o tertium genus é a melhor solução ou a solução mais adequada?

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, deseja responder já ou no final dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, lido o parecer e trocadas impressões com alguns Srs. Deputados, como, aliás, era natural, estávamos prevenidos para esta objecção sobre os inconvenientes da trilateralidade da compensação. Já dissemos, no entanto, em favor desse esquema, o seguinte: não é viável pensar com eficácia num esquema de compensação se, ao pensarmos nas dívidas das regiões autónomas e das autarquias locais, não fizermos intervir o Estado. Porquê? Porque o Estado tem praticamente o monopólio da cobrança das receitas destinadas a estas entidades.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Como mandatário!

O Orador: - Exactamente! E até mais: as regiões autónomas, como se prevê na Constituição, podem ter e cobrar tributos próprios; simplesmente, elas são simples credoras em relação ao resultado da cobrança, porque na realidade ainda não apareceram esses tributos próprios, e as autarquias locais, embora sejam sujeitos activos do imposto, o certo é que também não é por elas cobrado. Portanto, não fazendo intervir quem cobra e transfere estas receitas das autarquias...

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Como é que isso se faz?!

O Orador: - Faz-se desse modo, não querendo isto significar que a compensação seja em relação à receita do imposto A ou do imposto B mas, sim, em relação às receitas transferidas. É claro, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, estamos convictos de que muito da eficácia deste diploma depende da possibilidade desta intervenção, mas também é claro que estamos abertos a outras possibilidades neste domínio. Há, designadamente, a possibilidade de se fazer efectuar a compensação pelos próprios devedores, neste caso a autarquia e as regiões autónomas, embora isso torne realmente o esquema mais difícil de se cumprir. Porquê? Porque não há cobrança dos impostos cujo pagamento queremos efectuar a compensação. Os impostos são cobrados, a dívida de imposto é uma dívida para com o Estado, e a compensação do crédito para com as autarquias ou as regiões autónomas deverá fazer-se em relação à dívida do imposto. Mas estamos abertos a estudar outras soluções.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Não é bem assim!

O Orador: - Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, essa dívida é cobrada pelo Estado!

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Só no âmbito do direito de execução orçamental, não no âmbito do direito de gestão financeira por parte destas entidades!

O Orador: - Não, Sr. Deputado Domingues Azevedo! Nós não pomos em causa o direito de gestão financeira por parte destas entidades, nem as disposições constitucionais

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enumeradas nos artigos 229.º e 240.º, aliás, em grau diferente, como é natural, para as regiões autónomas e as autarquias. O que não admitimos é que se faça confusão entre gestão, liberdade e direito de gestão financeira, conexionada com a autonomia financeira destas entidades, com o direito destas entidades de prolongarem dívidas da forma escandalosa como em alguns casos estão a fazer. Quem tem receitas cobráveis coactivamente, como é o caso do Estado na sua administração directa e indirecta e que tem formas, especialmente eficazes, de garantir essa cobrança, não pode dar-se ao luxo, nem ter o direito, de considerar como gestão financeira a prática de dívida sistemática em relação aos seus fornecedores ou a quem lhes presta serviços.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Quem cobra preços pode, realmente, pensar e incluir na gestão financeira tal forma de prolongamento das suas dívidas; agora, quem cobra impostos... Sr. Deputado, é um escândalo que o faça. Não há qualquer dúvida! Essa entidade não tem direito a incluir nas suas formas de financiamento o «calote» sistemático. Não pode ser! Isso não pode ser! Quem é responsável - como é, em última análise, o Estado - pela publicação de regras sobre as relações jurídicas entre os cidadãos, sobre o comércio jurídico, tais como as do Código Civil, que disciplinam o pagamento pontual das dívidas, etc., não pode permitir-se praticar sistematicamente...

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, interrompi apenas para dizer que concordo inteiramente com a doutrina que está a expender e que estamos de acordo com o princípio da compensação, desde que seja Estado a Estado, relativamente à área que deve ser considerada, mas que não se esteja a afectar as autarquias locais e as regiões autónomas. Porém, a abertura, já manifestada pelo Sr. Deputado, relativamente a alterações e a melhoramentos do diploma, é, para nós, suficiente.

O Orador: - Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, e agora também falo para vários Srs. Deputados que, sei, põem objecções, como, por exemplo, o Sr. Deputado, Octávio Teixeira, tudo isso com uma limitação, que é fundamental e que todos devemos considerar: que se não vá ferir o princípio da igualdade, ou seja, que se não vá tratar de forma diferente credores que, por serem credores do Estado, irão ter um esquema de compensação ao seu dispor e credores que, por serem credores de uma região autónoma - e vemos que, por exemplo, na Madeira a situação é escandalosa - ou de uma autarquia local - e há autarquias em que as situações são escandalosas -, irão ficar afectados na possibilidade de fazerem a compensação.
Há toda a abertura, sem dúvida alguma, mas temos de ter em conta os vários princípios que não podem ser postergados nesta matéria.
Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins,...

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, chamo a sua atenção para o tempo regimental, pois já utilizou 6 minutos.

O Orador: - Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª a benevolência de considerar...

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Faça favor de continuar, mas lembro que ainda há mais dois Srs. Deputados inscritos para pedir esclarecimentos.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Quanto ao pagamento em prestações, o Sr. Deputado falou, e bem, na diferença das situações, e também eu referi-o na exposição inicial. Simplesmente, o facto é que o Código as confunde, afastando em ambas a possibilidade do pagamento em prestações, quando realmente elas devem ser tratadas de forma diferente. Deveriam!
Sr. Deputado, entendemos que, havendo, hoje, sanções mais graves, como a prisão - e digo ainda bem! -, é necessário termos em conta que é preciso reformular, de uma forma global, o nosso sistema de reacção no que toca a tal tipo de situações. Realmente, não o fazer, traduz-se, afinal, numa duplicação de sanções e, ao fim e ao cabo, numa ineficácia da possibilidade de cobrança.
Quanto aos juros compensatórios e moratórios, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, não entendi bem a sua observação. O que pretendemos é reduzir à unidade estes vários tipos de juros, que hoje não são apenas de duas espécies, visto os juros compensatórios serem de um montante no IRC e IRS e de montante diferente noutras células, como, designadamente, no IVA, e além desses há ainda os juros moratórios, que têm uma taxa diferente.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Exactamente!

O Orador: - Ora bem, realmente pretendíamos reduzir à unidade e não criar um tertium genus.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, também subscrevo o excerto do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da autoria do Sr. Dr. Rui Macheie, segundo o qual é sempre louvável todas as iniciativas, quaisquer que sejam, que contribuam para a melhoria do sistema fiscal. Aliás, a reforma fiscal é sempre, como muitas vezes dizemos, «a arte do possível», dado os sistemas fiscais ideais não existirem, serem sempre imperfeitos, pelo que, como é natural, têm de ser melhorados e ajustados. Contudo, o vosso projecto de lei, que se chama «moralização fiscal», podia ser um exemplo dos filósofos cínicos gregos. Isto porque, se os objectivos são louváveis, se as declarações são simpáticas, ou seja, se essas declarações têm a ver com o facto de todos aqueles que possuem crédito, justo ou injusto, sobre o Estado poderem ver as suas situações resolvidas mais rapidamente ou todos aqueles que não pagam impostos poderem ter um ónus menor - é sempre simpático para todo esse universo ou subuniverso da população -, o diploma é profundamente imoral, tendo em conta as propostas que o CDS-PP apresenta.
Aliás, essas propostas estão em clara contradição com o que aqui veio dizer ainda há tempos, quando se tratou da penalização das infracções fiscais não aduaneiras, ao acusar o PSD, e não só, de andar a proteger os que não pagavam impostos e que fugiam ao fisco, designadamente

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infracções e fugas ao IVA. VV. Ex.ªs começam por ser contraditórios no próprio preâmbulo do projecto de lei, quando dizem que - e nesse aspecto têm toda a razão! - a falta de pagamento de impostos em situações que o contribuinte não é o sujeito passivo de imposto mas aquele que retém ou recebe o imposto do consumidor, em sede de IVA, ou que retém o imposto, designadamente do trabalhador, em sede de IRS, são situações especialmente censuráveis. E nós até aqui, na Assembleia da República, agravámos a penalização em termos penais. Mas, depois, dizem: «Bom, estas situações são especialmente censuráveis...» Ainda há pouco tempo VV. Ex.ªs criticavam e simulavam que o PSD queria branquear esta situação, e esta era, salvo erro, a expressão utilizada pelo CDS-PP, não digo pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, faço-lhe essa justiça. No entanto, agora vêm dizer: «Isso são situações particularmente graves...»
Contudo, com este projecto de lei permitir-se-ia que esses mesmos faltosos, esses mesmos infractores, pagassem em prestações esses impostos, nos quais eles não são os sujeitos passivos mas, sim, os mandatários, pois recebem parte da matéria fiscal descontada por trabalhadores por conta de outrem, como é o caso do empregador, ou do consumidor, que é quem paga o IVA, como é o caso do comerciante ou do industrial, para a entregarem ao fisco e que, em vez de o fazerem, retém-na para seu financiamento. Portanto, há aqui uma clara e evidente contradição, o que mostra bem que o CDS-PP é, tanto neste como noutros aspectos, profundamente contraditório.
Nós, Sr. Deputado, estamos sempre abertos a rever e a melhorar o sistema fiscal, por forma a reduzir e a eliminar as situações de injustiça relativa de impostos, mas, como deve calcular, não gostamos de contemporizar com estas situações. Melhorar o sistema sim, piorar ou beneficiar os infractores, especialmente aqueles que têm um grau de gravidade superior, não, Sr. Deputado Nogueira de Brito! Não contemporizamos com essas situações!
Portanto, «moralização fiscal» por essa via, de maneira nenhuma!
Quanto aos juros compensatórios...

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Peco-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Quanto aos juros compensatórios, passa-se o mesmo. É que a filosofia dos juros compensatórios é diferente da dos juros de mora. Efectivamente, o carácter das taxas dos juros de mora é diferente do das taxas dos juros compensatórios, porque a sua filosofia é também diferente, como muito bem sabe.
Além disso, com este projecto de lei, iríamos prejudicar subsectores da Administração Pública, porque prejudicaríamos sujeitos activos, como as autarquias locais, as regiões autónomas ou o próprio Estado, em situações de crédito, designadamente de empreiteiros ou outros fornecedores do Estado desses subsectores, que nada têm a ver com a boa ou má política de gestão orçamental, como há pouco disse o Sr. Deputado Domingues Azevedo, em que muitas vezes são assumidas responsabilidades, por parte dos serviços públicos, que, depois, não podem assumir e honrar nos tempos legais.
A pergunta que faço é a seguinte: será que V. Ex.ª nega a necessidade daquilo que ainda há pouco tempo foi aqui aprovado relativamente ao regime jurídico das infracções fiscais não aduaneiras? Essa situação é para nós muito clara porque, do nosso ponto de vista, com este projecto de lei, não na filosofia que lhe obedece mas nas fórmulas que V. Ex.ª apresenta, estão a entrar claramente em contradição.
Para terminar, recordo o seguinte, que considero importante: V. Ex.ª fez acusações sobre dívidas escandalosas às farmácias e aos empreiteiros. Recordo que essas situações de dívidas às farmácias e aos empreiteiros, fornecedores de serviços ao Estado, nascem fundamentalmente numa altura em que os Ministros das Obras Públicas e da Saúde eram do CDS, com a criação das malfadadas declarações de dívida do Estado, que tantos problemas causaram à administração financeira.

O Sr. Domingues de Azevedo (PS): - Sr. Deputado Rui Carp, não diga mais nada!

O Orador: - A memória, às vezes, é curta, mas eu ainda me recordo desse tempo e a origem dessas situações que o Sr. Deputado Nogueira de Brito aqui afirma escandalosas até está em decisões de ministros do CDS!... Estava aqui o Sr. Deputado Alípio Dias, que podia também lembrar-se desses tempos heróicos, da forma como o Estado não conseguia resolver esses encargos.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, pretende responder já?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem então a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, V. Ex." começou mal com essa do cinismo. Na realidade, devia ter explicado se é ou não cínica a atitude da administração fiscal neste momento, porque, segundo consta, perante uma falta de pagamento de prestações do Futebol Clube do Porto, terá perdoado a aplicação da disposição do Código de Processo Tributário que obriga, nessa circunstância, e torna exigível a totalidade da dívida. O que gostaríamos de evitar eram estas situações de cinismo,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mas isso não é cinismo!

O Orador: - ... ou seja, gostaríamos de evitar essa possibilidade de ter «grandeza de atitude» para quem nos convém e dá votos e não a ter para quem só tem um voto!

O Sr. Rui Carp (PSD): - E o CDS não precisa de votos?

O Orador: - Não, o CDS, nisto dos votos, está à-vontade!
Sr. Deputado Rui Carp, V. Ex.ª estranhou muito essa história do pagamento em prestações e disse que essa atitude era um exemplo de cinismo, porque íamos proteger situações em que havia apropriação abusiva de imposto cobrado. Mas eu até chamei a isso abuso de confiança! Fui eu que chamei, da tribuna, abuso de confiança! É apenas o caso do IVA, porque o caso do IRS retido não é a mesma coisa.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Ah, não?!

O Orador: - Não, não é a mesma coisa, Sr. Deputado. No caso do IVA, há dinheiro recebido - e recebido para entregar ao Estado. O que quer dizer que o Estado transformou os contribuintes em publicarmos, em cobradores de

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impostos, porque são os contribuintes que cobram os impostos.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Prefere ir para a «bicha»?

O Orador: - Não sei se prefiro ir para a «bicha», mas preferia não ser publicano! E sou publicano neste momento! Eu cobro impostos que entrego ao Estado e, graças a. Deus, não estou em dívida! Mas, Sr. Deputado Rui Carp, o que acontece é isso mesmo. A situação é grave, estou de acordo consigo; contudo, graças à aprovação pela Assembleia do novo regime das infracções fiscais não aduaneiras - com o qual não discordamos, discordamos, sim, com a dualidade das situações e com o cinismo de certas atitudes -, há penas graves para quem comete esse abuso de confiança
Sr. Deputado Rui Carp, recusar a possibilidade do pagamento em prestações, nestas circunstâncias, implica aplicar uma segunda pena e implica uma grande ineficácia para a administração fiscal, porque o pagamento em prestações pode permitir a cobrança efectiva daquilo que é devido. E é nesse sentido que nos pronunciamos. Eu sei que juros compensatórios e juros moratórios são coisas diferentes. Mas, Sr. Deputado Rui Carp, por que é que hão-de ser coisas diferentes na sua expressão, se hoje construímos...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sempre foram diferentes!

O Orador: - Sr. Deputado, sabe por que é que eram diferentes? Porque o aparelho sancionatório caía todo sobre os juros e, hoje, há um aparelho sancionatório autónomo! Por isso é que é preciso coordenar as situações emergentes com essa circunstância. Repare que, entre a taxa de juros moratórios, que é a taxa geral de juros, de 16 %, e a taxa de juros compensatórios no IRS e no IRC, há uma diferença de apenas um ponto percentual. Portanto, Sr. Deputado Rui Carp, é preciso fazer mudar as coisas que a natureza da vida, efectivamente, faz mudar.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, neste pedido de esclarecimento, vou colocar a posição do meu grupo parlamentar sobre o projecto de lei em discussão, apresentado pelo CDS-PP.
Gostaria de dizer, desde já, que estou de acordo com uma referência que é feita num dos relatórios elaborados de que este é um projecto pontual, que tem um objecto limitado no que se refere a questões relacionadas com o Código de Processo Tributário. Estou de acordo com isso, mas não estou de acordo com o dizer-se, ou tentar dizer-se, que, sendo de objecto limitado, talvez seja melhor não fazer a sua aprovação, esperando que o Código de Processo Tributário seja reformulado no seu todo. Divirjo dessa opinião, porque considero que medidas pontuais, medidas limitadas, podem melhorar, e são úteis quando visam melhorar, determinadas situações que, manifestamente, devem ser alteradas. Aliás, criticas vindas da bancada do PSD sobre o objecto limitado do projecto de lei do CDS-PP e de outras matérias, no âmbito da actividade e da legislação fiscal, parecem-me não ter grande razão de ser, na medida em que sabemos quantas medidas fiscais, pontuais, o Governo traz aqui, ao longo do ano, para discutirmos e
aprovarmos ou por unanimidade ou por maioria de partidos ou apenas pelo Grupo Parlamentar do PSD.
O projecto de lei do CDS-PP não nos choca, nem em relação à limitação dos seus objectos, nem em relação à questão dos princípios que coloca. Por isso, estamos abertos a uma análise de especialidade que possa viabilizar as propostas apresentadas pelo CDS-PP.
Porém, gostaria, desde já, de referir duas ou três questões que, do nosso ponto de vista, deveriam ser ponderadas em termos de especialidade.
Começaria pela questão dos juros compensatórios. Estando de acordo com o princípio que é defendido no projecto de lei, julgamos que, em sede de especialidade, deve ser analisado o nível desses juros, no sentido de não fixar um nível de juros que possa, de uma forma ou de outra, ser um incentivo à criação de dívida de impostos pelo facto de, eventualmente, a penalidade em termos de juros compensatórios se tornar inferior ao nível de juros do mercado e, por conseguinte, não haver aqui, por parte de uma empresa ou de um qualquer contribuinte em dívida, a opção que lhe permita suportar menos custos. Esta é uma questão para debate na especialidade, dado que é apenas uma questão de nível, e estamos de acordo com o princípio.
Em relação ao pagamento a prestações, também não nos choca este princípio. No entanto, julgo que deve haver alguma ponderação, designadamente em não tornar - não sei se não será esse exactamente o objectivo do CDS-PP - o pagamento a prestações automático face a um requerimento do contribuinte que considere que pode beneficiar desse tipo de pagamento. Julgamos que o princípio deve existir, como um princípio aberto mas sujeito a uma análise objectiva e, tanto quanto possível, deve fugir ao subjectivismo do julgador, pelo que essa análise deve ser feita pela administração de forma a decidir sobre quais as razões que podem levar a conceder ou não a possibilidade do pagamento a prestações. Aliás, parece-me que, em termos de especialidade, poderia haver algum consenso no sentido de evitar, neste campo, algumas discriminações que existem. Lembro que, por exemplo, em relação a determinado tipo de impostos, neste momento, existe uma discriminação negativa contra autarquias locais. Há determinados impostos cujo pagamento a prestações pode ser requerido por um contribuinte normal ou civil (chamemos-lhe assim) e pode ser deferido pela administração fiscal, mas, se se tratar de uma autarquia local, nunca é possível o pagamento a prestações. Trata-se de um decreto muito antigo - salvo erro, de 1960 -, que até poderia estar esquecido em termos de legislação, mas ele existe e está a ser usado pela administração fiscal.
A terceira questão colocada pelo CDS-PP- e parece-me que aí haverá mais dificuldade, embora tenhamos em consideração a abertura que o Sr. Deputado Nogueira de Brito manifestou há pouco no sentido de reanalisar a situação - é a da compensação de dívidas. Mais uma vez, o princípio não me choca, mas não de uma forma trilateral. Não é um problema de defesa do «caloteiro», qualquer que ele seja, seja entidade, pública, seja um mero contribuinte. O problema é que há outros princípios que importa defender nesta sede, designadamente o da autonomia e da independência, quer das regiões autónomas, quer das autarquias locais, em relação à administração central, em relação ao Governo. E este mecanismo trilateral que o CDS-PP propõe, do nosso ponto de vista, a ser aprovado tal como está, conduziria a que houvesse uma decisão da administração central, independentemente da vontade de uma região autónoma ou de uma autarquia local, que estava claramente a ser lesada na sua autonomia e na sua capacidade de

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gestão, no caso concreto de gestão financeira. Repito, o princípio não me choca, desde que seja o de relações bilaterais entre os contribuintes e cada um dos níveis de poder: ou a administração central ou a administração regional ou a administração local. Dessa forma, parece-nos que o princípio da compensação poderá ser útil e aceite em termos de lei, mas nunca na perspectiva que foi colocada de esta decisão ser a nível trilateral.
Para terminar, reitero aquilo que já disse em relação à posição do meu grupo parlamentar: estamos abertos para a viabilização do projecto de lei do CDS-PP, com algumas alterações na especialidade, fundamentalmente aquelas que enumerei, em especial a da compensação de dívidas no modelo trilateral que é proposto.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, agradeço as observações, bem como a opinião e o propósito que manifestou de não excluir a passagem do diploma à discussão na especialidade. Penso que V. Ex.ª procede bem e que é correcta a atitude do PCP, porque este diploma visa não só corrigir alguns dos mais chocantes - não todos, obviamente - desajustamentos que estão fixados como princípios gerais no nosso Código de Processo Tributário e no regime de alguns dos nossos impostos mas também permitir uma aceleração da recuperação da cobrança das dívidas fiscais - tem em conta também esse elemento - e eliminar distorções, desfasamentos, que são introduzidos pela persistência de dívidas avultadas por parte do Estado, e a desmoralização a que isso conduz.
Sr. Deputado, confesso que me choca um pouco que tenhamos que ponderar a taxa de juro para que a dívida de imposto não possa funcionar como um financiamento alternativo. No entanto, estamos dispostos a fazê-lo. Devo dizer-lhe que esta taxa de juro já não é tão desfasada daquela que está consagrada, por exemplo, em termos de IRS ou IRC, para os juros compensatórios, que são, neste momento, de 17 %, porque são cinco pontos acima da taxa básica de desconto do Banco de Portugal e nós pomos dois pontos percentuais acima da taxa básica de desconto.
Há aqui um intervalo de discussão, mas entendemos também que o Estado não pode, nunca, nestas matérias, ter um comportamento usurário, porque o Estado pune, ou punia, o crime de usura.
Sr. Deputado, é evidente que o pagamento em prestações - e registo que não lhe repugna -, em todas estas hipóteses, não é a consequência do nosso projecto de lei, não será certamente consequência de um simples requerimento. Nós limitamo-nos a eliminar a excepção que está hoje consagrada no n.º 2 do artigo 279.º do Código de Processo Tributário.
Finalmente, mantemos a convicção de que a autonomia financeira não visa gerar e manter dívidas aos fornecedores, não visa erigir, como forma de financiamento do Estado, o pagamento com atraso. Não pode ser, porque o Estado tem outras formas de financiar e cobra, com todo o poder do seu império, os seus impostos.
No entanto, Sr. Deputado, já manifestámos disponibilidade para estudar formas eficazes que permitam diminuir uma ingerência da administração central na administração indirecta, isto é, nas regiões autónomas e nas autarquias, com a condição de, por essa via, não se inutilizar completamente o esquema da compensação em relação às regiões autónomas e autarquias, nem estabelecer desigualdades chocantes entre cidadãos e empresas, consoante sejam credoras do Estado (Estado - administração directa) ou da sua administração indirecta.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao projecto de lei em discussão, e antes de iniciar a intervenção que tinha preparada para o efeito, gostaria de deixar uma reflexão que, até ao momento, o debate propiciou.
Do que foi dito e do que depreendi do projecto de lei em discussão, há que salientar e louvar, em primeiro lugar, a iniciativa do CDS-PP, não tanto quanto ao conteúdo do diploma em análise mas porque têm a coragem e o mérito de alertar para um determinado tipo de questões, perfeitamente inquinadas, em que neste momento se movem as relações entre a administração fiscal e os contribuintes portugueses.
Em segundo lugar, quero salientar o espírito de abertura que o CDS-PP manifestou na discussão, caso o projecto de lei seja aprovado por esta Câmara, em sede de especialidade na Comissão de Economia, Finanças e Plano.
Considero que o projecto de lei tem coisas boas, tem princípios sãos em relação ao funcionamento e, em especial, à compensação. Mas, relativamente ao espírito da compensação directamente entre o Estado e os contribuintes, e mesmo em termos de constitucionalidade, tenho sérias dúvidas no que concerne à possibilidade do funcionamento da compensação entre o Estado e um terceiro ente que nada terá a ver com essa mesma compensação.
Julgo que, neste aspecto, o CDS-PP não foi muito feliz, porque, por exemplo, no âmbito das autarquias locais - e essa será uma das ideias a desenvolver no âmbito da Comissão -, na medida em que há impostos que são directamente consignados às autarquias, podia aplicar uma compensação directa desses impostos que estão consignados por lei. Ora, isto já não feria o chamado princípio do direito de execução orçamental, que referi inicialmente, e o direito de gestão financeira, que são duas coisas corripletamente diferentes. Contudo, penso que, no âmbito do debate na especialidade em sede de Comissão, poderemos, de algum modo, enriquecer o diploma do CDS.
Em meu entender, a administração fiscal portuguesa, especialmente nos últimos tempos, tem tido um comportamento altamente condenável: ora porque, no conceito de funcionamento da administração fiscal, se instalou o conceito de que esta é infalível; ora porque vê em cada contribuinte português um potencial ladrão.
O próprio pensamento é um arquétipo extremamente perigoso, pois todos sabemos que o modus faciendi da nossa administração fiscal está ainda a milhares de anos-luz de corresponder para com os contribuintes, em termos de organização e eficiência, no mesmo grau em que aquela exige dos contribuintes. Ou seja, o contribuinte particular, para cumprir todas as exigências que lhe são impostas, tem de ser altamente eficiente em termos administrativos; no entanto, a nossa administração fiscal não tem esse mesmo grau de correspondência, quando é solicitada a dar resposta aos contribuintes.
Há, pois, aqui um desequilíbrio nítido, porque, ao nível da própria administração, se instalou um conceito de infali-

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bilidade e, mais grave, de impunidade. Sabemos que, actualmente, entram, na administração fiscal, requerimentos de reclamações a que a administração não dá qualquer resposta.
Ora, quando li o tema genérico do projecto de lei - «moralização da administração fiscal» -, julguei que o CDS-PP fosse mais profundo, porque ninguém tem reflectido sobre este assunto. Um contribuinte que faça, hoje, um requerimento de reclamação porque se sente lesado pela administração fiscal, como, por exemplo, um imposto cobrado erradamente, e que o apresente nos termos do Código de Processo Tributário, que - diz o Código - tem efeitos suspensivos, a administração fiscal não dá resposta a esse requerimento e o contribuinte só tem um outro mecanismo, que é o da impugnação.
Mas repare-se na inquinação de tudo isto. Mesmo que lhe assista o direito e tendo, não obstante a reclamação, efeitos suspensivos, o contribuinte é remetido para o mecanismo da impugnação, quando se diz: se a reclamação não tiver resposta no prazo dê 90 dias. A impugnação não evita a execução, porque o imposto, estando liquidado e não sendo anulado, tem de ser cobrado, não evita o processo executivo e, neste domínio, nem o contribuinte pode fazer oposição à execução. Então, para que a impugnação siga os seus trâmites, terá de prestar garantias à própria administração fiscal de um imposto que não deve.
De facto, quando li o título do projecto de lei do CDS-PP, pensei que íamos ter este aspecto mais aprofundado.
Em meu entender, no domínio do mecanismo dos impostos compensatórios, por exemplo, que tanto se falou, o CDS-PP faz alguma confusão no artigo l.º. Ou, então, não confunde e tenta harmonizar, isto é, chama a tudo juros, independentemente de eles terem natureza moratória ou compensatória. Como sabemos, a diferença, no âmbito fiscal, entre o moratório e o compensatório situa-se quando o contribuinte liquidou e não entregou - e aqui estamos perante uma obrigatoriedade moratória - ou quando o contribuinte não liquidou, por qualquer motivo, não cumpriu a obrigação que lhe competia nos termos da lei, e, por esse efeito, não entregou os impostos devidos no Cofre do Estado e aqui estamos perante uma situação compensatória, em que o Estado se sente no direito de ser compensado pela não percepção dos valores que, em que determinado momento, lhe conferia.
Aliás, a matéria não é pacífica entre os autores de direito fiscal, uma vez que uns tendem a entender os juros sempre como uma penalização e outros entendem apenas como uma compensação, a que o Estado tem direito a ser ressarcido pelo facto de não ter recebido as receitas.
Não sei se é um dado novo a questão da não distinção entre moratório e compensatório, mas penso que se pode aqui fazer um raciocínio novo. Podemos estar perante um espírito novo ao dizer que há apenas uma obrigatoriedade de ressarcir financeiramente, independentemente de ser moratório ou compensatório.
De facto, julguei que o CDS-PP vinha trazer uma coisa que existe ainda hoje no Código do IVA - e é vergonhoso que se mantenha ainda nos códigos! -, isto é, por que é que um contribuinte que não liquidou o seu imposto há-de entregar uma taxa de 24 %, calculada ao dia, e um contribuinte que tenha efectuado o pagamento do seu imposto e que convença a administração fiscal do erro dessa liquidação, quer graciosa quer judicialmente, e o Estado se sinta no direito de repor a este contribuinte a importância que recebeu indevidamente, há-de receber apenas 18 %?
Aqui, sim, estabelecer um plano de tratamento igual entre Estado e contribuinte numa relação de direito transparente e igualitária é introduzir, de facto, normas de moralização fiscal.

O Sr. Ferro Rodrígues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Enquanto continuarmos com este tipo de questões, não há a preocupação da criação de um mecanismo capaz de tratar com o mesmo peso e a mesma medida contribuinte e Estado.
Ainda, neste domínio, gostaria de referir uma outra questão que tem a ver com a dispersão - porque, quando ouvi falar em «moralização fiscal», pensei que também iria haver algo neste domínio -, que actualmente existe, por exemplo, nas diversas normas aplicáveis. Mesmo que o CDS-PP pretenda introduzir um novo conceito de compensação monetária, então, este projecto de lei devia abordar a questão da adaptação dos diversos códigos à nova norma, mas não o faz. Quando muito, o que poderíamos ter era a aplicação de duas normas: uma, proposta pelo CDS-PP, e outra, pelo que, actualmente, se encontra nos diversos códigos.
Além disso, já se aperceberam que, no actual Código da Contribuição Autárquica, quem não pagar a contribuição autárquica não tem quaisquer juros compensatórios?! Não há qualquer norma no Código que estabeleça a obrigatoriedade de juros moratórios ou compensatórios.
Por outro lado, também não há no Código do Imposto de Selo, na Tabela Geral e no Regulamento do Imposto de Selo, qualquer norma que obrigue a juros compensatórios.
O Deputado Rui Carp acena com um livrinho. Sr. Deputado, eu conheço o que está escrito na lei. Verifique os códigos que acabei de referir e o Regulamento do Imposto de Selo e diga-me onde é que encontra a obrigatoriedade de pagamento de juros. Leia, por exemplo, o Código da Contribuição Autárquica e diga-me onde é que encontra essa obrigação de pagamento de juros.

O Sr. Rui Carp (PSD): - 24 % ao ano!

O Orador: - Diga-me qual é o artigo, porque, já agora, gostaria de saber.
Julgo que uniformizar tudo isto pressupõe um trabalho de maior profundidade e uma muito maior segurança.
Há ainda uma outra questão extremamente importante - e aqui dou total e manifesta razão ao CDS-PP em relação à apresentação deste projecto de lei. E vou dizer porquê. De facto, tenho a característica de gostar de aprofundar estas questões, de ver que implicações é que as coisas têm. Os Srs. Deputados, possivelmente, não se recordarão, mas chamo a vossa atenção para a redacção do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 492/88, que consagra o direito de o Estado, quando tiver uma importância a entregar ao contribuinte, perguntar a qualquer repartição de finanças ou a qualquer tribunal de execução fiscal se esse mesmo contribuinte ou se essa mesma entidade é devedora de impostos ao Estado e é-lhe conferido o direito a deduzir, na importância que por qualquer motivo tenha que repor a esse contribuinte, os impostos em dívida.
Ora, aquilo que o CDS-PP aqui nos vem dizer é que nas relações Estado/contribuinte e contribuinte/Estado se aplique o mesmo mecanismo. Quanto a este processo não podemos estar mais de acordo.
Em relação à compensação que o CDS-PP propõe para as autarquias locais já manifestámos a nossa opinião. Entendemos que tal preceito, tal como está escrito, não pode ser aceite, não funciona, ou, pelo menos, tenho dúvidas sobre a constitucionalidade deste mecanismo. Em todo o caso,

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penso que, em sede de discussão na especialidade, poderemos articular isto com os impostos que são receitas consignadas às autarquias e, então, nesse caso, faz-se aplicar a mesma norma que se aplica ao Estado.
Finalmente, gostaria de dizer que com este espírito de abertura do CDS-PP e se formos capazes de, em sede da Comissão de Economia, Finanças e Plano, no âmbito da discussão na especialidade, introduzir estes enriquecimentos ao projecto, o PS nada tem a opor a que ele seja aprovado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Deputado Domingues Azevedo, as palmas não foram proporcionais à qualidade da sua intervenção, pode estar certo disso!...

Risos do CDS-PP.

Especialmente quando o Sr. Deputado concordou com o projecto e com os seus propósitos, apesar de lhe ter feito algumas críticas.
De facto, dizemos que há muito coisa para fazer, mas a ambição dos propósitos não deve ser paralisante, porque estas medidas - e o Sr. Deputado concordou com algumas - são indispensáveis, eficazes e podem produzir algum benefício imediato. Então, por que é que não as havemos de tomar em vez de esperar pelo tal projecto que tocará outros aspectos, designadamente a conciliação do Código de Processo Tributário com o Código de Procedimento Administrativo, como apontou o Sr. Deputado Rui Macheie no parecer?
Efectivamente, vamos tentar fazê-lo, mas isso não nos deve impedir de, desde já, colmatar algumas lacunas ou eliminar alguns defeitos mais graves.
Sr. Deputado, é evidente que a nossa intenção em relação aos juros é a de uniformização e por isso vamos colocá-los no Código de Processo Tributário que, como sabe, é o diploma geral sobre direitos dos contribuintes, embora, em nossa opinião, não devesse ser assim chamado, mas, antes, código de princípios tributários ou código geral das relações tributárias.
Por isso é que nós colocámos esta medida como um artigo que acrescentamos ao Código de Processo Tributário. É o juro geral, moratório e compensatório que deve aproximar-se do juro pago pelo Estado quando se atrasa na devolução de importâncias aos contribuintes.
Poderá haver algum defeito de redacção, mas, então, vamos melhorá-la. Poderá faltar uma disposição revogatória ,das disposições que nos vários Códigos consagram os juros compensatórios e os juros moratórios, mas, com o seu auxílio precioso e o dos seus colegas de bancada, vamos introduzi-la em sede de Comissão, não vamos é, pura e simplesmente, deitar fora este bom princípio que é o da uniformização de juros moratórios e compensatórios e das várias taxas de juros compensatórios. Aliás, o Sr. Deputado tem razão ao dizer que há um juro compensatório de 24 % no IVA o que, hoje em dia, é um juro escandaloso! Ouvimos todos os dias o Governo falar em descer as taxas de juro, pelo que não se compreende que aplique um juro deste montante.
Quanto à compensação, o Sr. Deputado dá uma sugestão boa que, porventura, poderia ser acolhida. É a de focar a compensação quando se trate de dívidas das autarquias ou das regiões nas importâncias dos impostos que foram cobrados pelo Estado mas que lhes são destinados, nomeadamente, em termos de autarquias, a contribuição autárquica, a sisa, a derrama. Mas surge aqui um problema: que fazer para as regiões autónomas? É que, como V. Ex.ª sabe, as regiões autónomas não são sujeitos activos de imposto, têm um crédito ao resultado da cobrança e esta reporta-se a todos os impostos relacionados com actividades desenvolvidas na região.
Portanto, para as regiões esta sugestão torna-se mais difícil, no entanto poderemos ponderar essa possibilidade.
Gostaria, pois, de lhe perguntar se concorda ou não com este espírito de abertura e se com ele não poderemos, em sede de discussão na especialidade, aprovar e transformar este diploma num instrumento eficaz de defesa do contribuinte e de verdadeira moralização das relações da administração fiscal com os contribuintes.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, como disse, não obstante o projecto carenciar de enriquecimento grande e profundo em sede de Comissão especializada, ele tem um mérito: o do mecanismo da compensação directamente com o Estado, princípio com o qual estamos absolutamente de acordo.
Quanto ao mecanismo de compensação para as autarquias e regiões autónomas, entendemos que há possibilidade de encontrar uma forma de compensação que não fira as questões que colocámos.
Em relação ao pagamento em prestações dos impostos retidos na fonte, penso que teremos de ponderar as várias soluções neste domínio porque estamos perante uma receita que não é uma receita genuína dos empresários mas, sim, uma receita do próprio Estado. E se consagramos, em termos de Direito, a faculdade de as próprias entidades empresariais se autofinanciarem com uma verba que não é sua, creio que temos de cuidar suficientemente a maneira como tratamos este assunto, pois podemos estar a introduzir um elemento de perversão do sistema fiscal que destrua a sua própria essência como sistema de cobrança de receitas estatais.
No entanto, para mim, pelo menos, não é líquida a pura e simples eliminação do n.º 2 do artigo 279.º do actual Código de Processo Tributário, pelo que devemos ponderar bem este assunto, não fechando a porta mas, sim, apontando para a solução que o Sr. Deputado Octávio Teixeira sugeriu, na sua intervenção, de ajuizar caso a caso as questões em que estas normas seriam aplicadas.
De qualquer forma, penso que o CDS-PP deu um tiro de partida e que daqui será possível sair alguma coisa de mais positivo.
O Partido Socialista, com sempre, está disposto, com espírito de boa vontade, a enriquecer este projecto, e é nesse sentido que iremos trabalhar.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Macheie.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que este debate já permitiu esclarecer alguns pontos importantes, pelo que vou tentar circunscrever-me ao essencial e esclarecer alguns dos pontos que escrevi no parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

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Ern primeiro lugar, gostaria de, uma vez mais, sublinhar que me pareceu importante que o CDS-PP tivesse suscitado este problema, apesar de o ter feito de forma relativamente feliz no preâmbulo e de, depois, nas propostas que apresentou no articulado, não ter procurado dar esse mesmo grau de importância que se antevia.
Mas sobretudo penso que há um ponto particularmente significativo, aliás, já sublinhado pelo Sr. Deputado Domingues Azevedo, que é o de haver algumas limitações graves no Código de Processo Tributário, que, em parte, o Código de Procedimento Administrativo veio evidenciar quando se faz o seu cotejo, e que não foram objecto de qualquer reparo neste projecto. Na realidade, as garantias dos contribuintes encontram-se ainda muito minimizadas.
Mas, deixando de parte estas questões de carácter geral, ainda em termos de filosofia, diria que há um aspecto que me sensibilizou negativamente, digamos assim, no projecto do CDS-PP, que tem a ver com a maneira como considerou, particularmente em matéria compensatória, ao mesmo nível do ordenamento jurídico o Estado, as regiões autónomas e as autarquias.
É que, no fundo, isso denota uma visão, talvez involuntária, centralista, de olharmos a problemática das instituições públicas. Ou seja, no fundo, é ainda a velha concepção do Estado como pessoa unitária que corporiza o ordenamento jurídico.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ora, penso que esta visão é algo que tem de ser reflectido cuidadamente porque não me parece que a progressiva democratização e internacionalização, como diriam os sociólogos do ordenamento jurídico, deva ir por aí. As autarquias locais devem ser, cada vez mais, uma manifestação da sociedade civil e as regiões autónomas não são ou não devem ser vistas, essencialmente, como um fenómeno de desdobramento da personalidade jurídica do Estado.
Dito isto, começarei por referir que, em matéria de compensação, já aqui foram mencionadas algumas das dificuldades, mas existem outras que importa referir. Desde logo, e em primeiro lugar, há uma dificuldade conceptual que é possível ultrapassar mas que não deixa de ser curiosa: compensar dívidas de carácter público com dívidas de carácter privado.
Em segundo lugar, esquece-se a regra do orçamento bruto, que é uma regra muito importante em matéria orçamental, que os tratadistas costumam apontar sempre como algo que não deve ser olvidado e que aqui é «mandado às malvas» rapidamente.
Em terceiro lugar, há um outro problema que é o das prioridades. Isto é, ao fazer-se uma compensação apenas porque as dívidas são certas, líquidas e exigíveis - e isto está relacionado com o problema que há pouco referi - pode pagar-se primeiro uma dívida, e isso é particularmente grave em termos de autarquias locais ou de regiões autónomas, quando, por razões de prioridade do ponto de vista da história das relações com os seus credores, não deveriam ser esses os créditos a serem primeiramente satisfeitos. Lembro que no âmbito das relações civis há uma preocupação de acautelar as situações que podem conduzir a problemas de falência porque se percebe que o instituto de compensação é perigoso neste capítulo.
Ora bem, a solução do CDS-PP, generosa no seu intuito, faz tábua rasa desta preocupação, e julgo que também nesse capítulo há que ponderar se se pode caminhar por aí.
Depois coloca-se a questão da trilateralização. Não mencionei no parecer nem fiquei particularmente impressionado com o problema constitucional. Penso que se poderia encontrar algum tipo de soluções que o permitiriam resolver, mas é verdade que isto se traduz numa manifestação clara de esquecer a autonomia relativa da gestão dos orçamentos das diversas entidades. E não se percebe bem como é que o argumento de que é o Estado que percebe os impostos, o que aliás não é válido em matéria de autarquias locais, permite resolver, por si só, esta questão. Penso que também nesta matéria importaria proceder a um reexame aprofundado da questão.
Tudo isto para dizer que tem, sem dúvida nenhuma, o CDS-PP razão quando critica as práticas da Administração Pública que levam a protelar os pagamentos, a estarem em mora. Mas quando, por exemplo, mesmo ao nível do Estado, acaba por praticamente não ligar importância em saber se há personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, penso que também nesse capítulo de matéria organizatória do Estado faz igualmente tábua rasa nas distinções que aí existem. E não creio que, em última análise, se preste um bom serviço, até às próprias garantias finais dos contribuintes e dos cidadãos.
Diria, pois, que nesta matéria da compensação não me parece que a solução possa ser aceite e julgo que sem um exame muito detalhado e alterações muito profundas se possa aproveitar algo desta ideia realmente engenhosa.
A segunda questão diz respeito ao problema da' eliminação do n.º 2 do artigo 279.º do Código de Processo Tributário. Penso que, nesse caso - aliás, isso foi sublinhado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, e bem -, não é admissível que, em matéria de retenção de impostos na fonte, e mesmo não distinguindo entre o IVA e o IRS, se possa aceitar que, sem mais, automaticamente, seja facultada a possibilidade de pagar em prestações este imposto. Quando muito, e se isso se conjugasse com uma política penal em que igualmente se dêem facilidades quanto ao cumprimento das sanções penais, permitir um acordo entre o fisco (a administração fiscal) e o contribuinte quando ponderosas razões o justificassem. Mas, automaticamente, depois de ter retido na fonte ou ter ficado com as verbas do IVA - sendo a actuação feita de uma maneira grave, que envolve um desvio dos fundos e uma violação da confiança que o Estado teve no contribuinte, pois este não paga o imposto - permitir que um simples requerimento facilite esse pagamento em prestações, parece francamente contraditório com o esquema seguido pelo legislador, há pouco tempo, de aumentar as sanções de carácter penal quanto a esses comportamentos.
Por último, temos a questão do juro, e aí penso que o CDS-PP tem razão em chamar a atenção para esta problemática. Na verdade, há que introduzir alterações. Não chamei a atenção para o problema de que se poderia discutir se uma alteração das taxas dos juros não envolveria uma diminuição de receitas e não exigiria uma norma que só permitisse a entrada em vigor no ano seguinte porque penso que, neste capítulo, tal questão seria despicienda.

Risos do Deputado do PCP Octávio Teixeira.

O que julgo que importa é, em .primeiro lugar, fixar alguns princípios. E um dos primeiros, que, penso, está subjacente, mas não é claro, na proposta do CDS-PP, é o de que se acabe com a distinção entre juros moratórios e juros compensatórios. E penso que essa é uma boa ideia. É verdade que do ponto de vista técnico a formulação da norma, tal como é apresentada, parece referir-se só aos juros moratórios. Em seguida, como já foi aqui sublinhado

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pelo Sr. Deputado Domingues Azevedo, é preciso que a redacção seja suficientemente clara para que não venha dizer-se que nos outros códigos - no Código do IVA, por exemplo - continua a subsistir a norma que prevê uma outra' forma de calcular os juros.
A questão mais essencial que se põe é no fundo esta: será conveniente que se fixe num código, apesar de ser por referência, a taxa de juro? Ou não deverá, digamos, esse esquema ser mais flexível e permitir-se a adaptação da sensibilidade da administração fiscal - que tem efectivamente de se realizar, não pode ser fixada em 1986 e depois ser esquecida -, por via designadamente de uma portaria, a par e passo à evolução da economia?
Tenho dúvidas de que, para além dos grandes princípios, se deva estabelecer, ainda que por referência, uma taxa de juro que me parece ser relativamente rígida, visto que é fixada por decreto-lei e por referência à taxa base do Banco de Portugal, o que pode não ser adequado para todas as situações, sobretudo se quisermos eliminar, como me parece conveniente, a distinção entre os juros moratórios e os juros compensatórios.
Tudo isto para, no fundo, dizer que desta iniciativa do CDS-PP nos restam duas coisas: por um lado, o mérito de ter chamado a atenção para os problemas e, depois, a promessa de que virá lá para Outubro uma proposta muito mais completa e muito mais rica. Aguardemos, então, essa proposta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Guilherme d'Oliveira Martins e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Macheie, o ideal era não estarmos aqui a discutir esta questão, tendo em conta que o Estado, de facto, em determinadas circunstâncias, não cumpre pontualmente as suas obrigações.
As dificuldades que o Sr. Deputado Rui Macheie levantou foram as que eu próprio e o Sr. Deputado Domingues Azevedo também levantámos. Mas, em relação à compensação, talvez a sua perspectiva tenha sido um pouco redutora, na medida em que há possibilidades, no plano técnico, de contornar algumas das dificuldades que referiu, e que são reais, admitindo o princípio da compensação. E, justamente, a minha questão é esta: não admite, de modo algum, tendo em conta as circunstâncias concretas perante as quais nos encontramos, que possa ser accionado o princípio da compensação, com salvaguarda, naturalmente, das esferas próprias do Estado, da administração regional e local?

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Em tempo cedido pelo PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar agradeço ao PSD a cedência do tempo. Seria bom que, além do tempo, cedesse também a disponibilidade para votar a favor!
Sr. Deputado Rui Machete, agradeço igualmente a sua intervenção, que iluminou o debate e o esclareceu - como sempre, aliás -, e o contributo que deu com a redacção do parecer da Comissão.
Vai-me perdoar que comece por recordar a pergunta que foi feita pelo Sr. Deputado Rui Carp e a referência que fez aos filósofos cínicos da Antiga Grécia. É que V. Ex." acusou o nosso projecto de lei de centralista, mas logo a seguir repugnou-lhe que se compensassem dívidas públicas com privadas. É curioso!

Risos do Deputado do CDS-PP Narana Coissoró.

Essa sua marca estatista, Sr. Deputado Rui Machete...!
V. Ex.ª, que é um ilustre administrativista, que tem procurado afastar esse ferrete do Direito Administrativo, que tem procurado ultrapassar uma visão centrada sobre os privilégios de execução prévia, com uma teoria da reacção dos cidadãos toda desenvolvida em tomo do acto administrativo, vem agora aqui utilizar esse argumento!
Sr. Deputado, em que é que nos repugna que haja realmente uma compensação entre um crédito privado e um crédito público de impostos? O que nos repugna é que o Estado, que nos pode mandar para a cadeia por não pagarmos os impostos, ele mesmo seja um devedor relapso e, por esse facto, introduza situações de grande desequilíbrio na economia e nas empresas do País. Isso é que nos repugna, Sr. Deputado!
Não acredito que, reflectindo um pouco, V. Ex.ª não venha ao encontro do nosso projecto. Ainda por cima fazendo apelo a esse seu contributo, sério, conhecido e reconhecido em torno da tentativa de ultrapassagem dessa visão publicista!
Sr. Deputado Rui Machete, este projecto não tem qualquer relação com o orçamento bruto. O que aqui se prevê é uma operação prévia em relação às regras do orçamento bruto, que podem e devem continuar a aplicar-se, Sr. Deputado! Não estou a curar de consignar o imposto a à construção do hospital b ou da estrada c. Estou apenas a procurar compensar o crédito do sujeito passivo de imposto e com um crédito do Estado sobre ele. Não estou a violar nenhuma regra do orçamento bruto. Aponta-se para uma operaçao prévia, não há consignação, Sr. Deputado.
Referiu ainda V. Ex.ª a questão das prioridades. Sr. Deputado Rui Machete, aqui realmente serve a comparação entre o público e o privado. Prioridades verificam-se nos campos privados. É esse o problema da falência; é o evitar ou o reparar algumas consequências que a compensação possa ter nesse domínio entre os créditos dos cidadãos que andam, todos eles, num negócio jurídico, que têm créditos e que contraem dívidas nesse contexto. Mas prioridade com o Estado, Sr. Deputado? Que problema é que tenho com essas prioridades? Que consequências negativas? Estamos a confundir a compensação, tal como está regulada no Código Civil, com esta que, efectivamente, pode vir aqui a ser regulada.
Finalmente, Sr. Deputado, é óbvio que não fomos originais, como praticamente nenhum dos Deputados é original quando apresenta aqui projectos. Este sistema...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Isso é o despesismo mais radical, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr. Deputado Rui Carp, tenha calma!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Queira terminar. Sr. Deputado. É que esgotou a doação de tempo do PSD!

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Rui Carp, V. Ex.ª sabe que essa do despesismo me toca muito porque tenho sido, eficazmente, contra ele. V. Ex.ª nem sempre!

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Sr. Deputado Rui Macheie, esta solução, por exemplo, existe em Espanha. O nosso projecto não é nenhuma originalidade total.
Muito rapidamente, e para terminar, Sr. Presidente, vou colocar as duas últimas questões.
Sr. Deputado Rui Machete, V. Ex.ª concorda com a uniformização dos juros. Ainda bem! Acho que tem toda a razão e ainda bem que assim é. É evidente que necessitamos de introduzir melhoramentos na redacção, porventura necessitamos, já o admitimos. Vamos fazê-lo.
A fixação da taxa de juro fazemo-lo por referência, Sr. Deputado, em todo o caso. Mas, a V. Ex.ª, mesmo assim, repugna-lhe a fixação. Bem, há outras legislações fiscais no mundo, na alemã por exemplo, em que isso não repugna. O que me repugna é a fixação da taxa em termos absolutos - os 24 % do IVA. Essa é que me repugna! Mas, enfim, V. Ex.ª vai com certeza dar um contributo que nos permita flexibilizar ainda mais esta matéria.
Sr. Deputado, realmente repugna-lhe que haja pagamento em prestações nas hipóteses em que houve cobrança por conta do Estado. Sr. Deputado, há outras sanções. V. Ex.ª diz: «Mas até quando há outras sanções como é que vamos dar esse benefício?» Sr. Deputado, porque agora há outras sanções, não vamos retirar esse benefício! Esse é o nosso raciocínio. Agora há outras sanções, mas não as havia. Porque agora as há não vamos retirar esse benefício.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente, e muito obrigado pelas perguntas que me foram colocadas.
Em relação ao Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins a resposta é muito simples: não excluo que possa haver situações de compensação. O que penso é que elas têm de ser suficientemente reguladas em termos de acautelar alguns dos inconvenientes - ou, de preferência, todos os inconvenientes - que há pouco apontei. Portanto, não há que dizer «não é possível», mas há que ver em que condições é possível.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito, meu querido amigo, teve a amabilidade de fazer um comentário elogioso sobre o meu combate a certos aspectos do privilégio da execução prévia, mas eu não disse que fosse impossível. O que eu disse foi que a circunstância de ser público e privado coloca algumas dificuldades, resultando algumas delas, por exemplo, do facto de os meios contenciosos serem diversos, de haver esferas, círculos diferentes em que se movem as duas entidades e que podem ter garantias de outro tipo. Portanto, não é uma questão que, necessariamente, redunde em desfavor do credor que seja um sujeito privado.
Acresce não ser claro por que é que não se fazem igualmente compensações com dívidas que resultem do exercício de funções privadas por parte do Estado, que é um outro capítulo que conviria esclarecer.
Portanto, não estou a dizer que isso seja uma impossibilidade, estou a dizer que há necessidade de introduzir cautelas.
Sr. Deputado, no que respeita às falências, se não admitirmos que serão estabelecidos tipos de prioridades para garantir credores no caso da administração indirecta do Estado ou no caso das autarquias, pode haver, realmente, prejuízos sérios.
Como V. Ex.ª sabe, hoje existe uma norma na lei dos tribunais administrativo e fiscal, mais exactamente na Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo, que permite inscrever nos orçamentos dos municípios, das pessoas colectivas com autonomia administrativa e financeira, as verbas necessárias para satisfazer as sentenças que condenem essas entidades públicas a prestações.
Bem, essa garantia dos credores - que até tem, digamos assim, já hoje, uma sentença favorável - pode ver-se frustrada se, porventura, não tomarmos as tais cautelas e as tais medidas em matéria de compensação. Portanto, isto não pode ser feito de uma maneira cega. Quando eu falo. do problema da «prioritização» é a esse aspecto que quero reportar-me.
Depois, a verdade é que o Estado não é tão transparente na sua administração que saiba de antemão, com rigor, quais são as dívidas que tem. Infelizmente devia saber, mas não é assim, nem os progressos da informática o permitem, e, portanto, isso introduz algumas incertezas na elaboração dos orçamentos e no modo da sua execução.
Referi tudo isto para dizer que não excluo, como há pouco referi, a possibilidade de, em determinadas condições, poder utilizar este instrumento da compensação. Mas ele não pode ser feito em termos tão árduos e sem as precauções não utilizadas no projecto de lei do CDS-PP.
Quanto à questão das sanções penso ter-me exprimido mal e, por isso, não fui percebido. O que digo é que a sua aplicação não pode ser automática, que deveríamos flexibilizar para que a administração fiscal possa, consoante as circunstâncias do caso e por motivos ponderosos, inclusive, digamos, encontrar uma fórmula de flexibilizar as próprias sanções de carácter penal, quando elas são pecuniárias. Isso está bem, o que não podemos é aplicar o mesmo regime quando se faz um requerimento e, automaticamente, está concedido o benefício. Isso é que me parece um manifesto exagero. A regra tem de ser aquela que ainda hoje está prevista e a excepção é a flexibilização de permitir que o fisco venha, por circunstâncias muito peculiares - e para, no fundo, até garantir a cobrança da dívida -, a autorizar que, por esses motivos, nesse caso particular, assim se faça. Mas não é isso que está no projecto do CDS-PP, talvez por deficiência técnica.
Em todo o caso, muito obrigado pelas suas perguntas, Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, terminou o debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 422/VI - Medidas para a moralização e racionalização da cobrança de impostos, da autoria do CDS-PP.
Entretanto, deu entrada na Mesa um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que vai ser lido.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, Processo n. º 195/93, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Belarmino Correia a depor, na qualidade de testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo objecções, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

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Srs. Deputados, vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 422/VI - Medidas para moralização e racionalização da cobrança de impostos (CDS-PP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do CDS-PP e a abstenção do PS e do PCP.

Srs. Deputados, relativamente à proposta de lei n.º 102/VI - Define o regime de acolhimento de estrangeiros ou apátridas em centros de instalação temporária, deram entrada na Mesa dois requerimentos de avocação, ambos do PCP.
Para apresentação do requerimento de avocação do artigo 2.º, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 2.º desta proposta de lei apresenta a instalação nos chamados centros de instalação temporária, na sua versão humanitária, como uma medida social aplicável aos estrangeiros carecidos de recursos, que tenham requerido asilo político em Portugal, enquanto permaneçam no nosso país, aguardando decisão final sobre o respectivo processo ou durante o prazo que lhes tenha sido fixado para o abandonar.
Importa deixar claro que o PCP considera um escândalo a situação de abandono em que se encontram os cidadãos estrangeiros que requerem asilo a Portugal. O Governo português é o único da União Europeia que não concede apoio social aos requerentes de asilo, sendo responsável por situações desumanas e degradantes, que acontecem sob os nossos olhos, afectando cidadãos cujos processos acelerados de 10 dias demoram 4 meses a resolver.
É indispensável apoiar socialmente os candidatos a asilo e esse apoio não pode consistir em medidas de privação de liberdade. Assim, a ausência de uma diferenciação clara entre a instalação por razões humanitárias e a instalação de natureza detentiva, por razões de segurança, é um facto chocante.
Não é aceitável que a instalação por razões humanitárias seja determinada por uma autoridade policial (o Director do SEF), nem é admissível que a lei não clarifique o regime de instalação por razões humanitárias, sendo certo que não podemos conceber outro regime que não seja o da plena liberdade de movimentos dos cidadãos instalados.
Assim, para que esta questão fique clara, o Grupo Parlamentar do PCP requer a avocação deste artigo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, vamos proceder à votação deste requerimento de avocação do artigo 2.º da proposta de lei n.º 102/VI.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente Raúl Castro e a abstenção do CDS-PP.

De seguida, tem de novo a palavra o Sr. Deputado António Filipe para apresentar o requerimento de avocação do artigo 3.º.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A instalação em centros de instalação temporária por razões de segurança, prevista no artigo 3.º, é uma medida de privação de liberdade que não se encontra prevista na Constituição e que, portanto, é inconstitucional.
A instalação de estrangeiros em centros próprios foi prevista pelo Governo como uma medida de coacção, a determinar pelo juiz, para além das medidas de coacção enumeradas no Código de Processo Penal.
Foi consagrada, assim, no decreto-lei sobre entrada, permanência, saída e expulsão do território nacional, como uma nova medida detentiva, exclusivamente aplicável a estrangeiros e apátridas.
Foi arguida a inconstitucionalidade material dessa consagração pela Procuradoria Geral da República, como é conhecido.
Temos como seguro que a Constituição não admite semelhante medida detentiva, cujo regime concreto não está, aliás, suficientemente definido no texto aprovado, para além de uma remissão genérica para as disposições legais relativas à prisão preventiva.
O texto aprovado não se limita a definir novos locais para o cumprimento da prisão preventiva. Cria uma nova medida de privação de liberdade, que é inconstitucional e, por isso, requeremos a avocação da votação deste artigo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento de avocação do artigo 3.º da proposta de lei n.º 102/VI.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP e do Deputado independente Raúl Castro.

Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação final global do texto final elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta de lei n.º 102/VI - Define o regime de acolhimento de estrangeiros ou apátridas em centros de instalação temporária.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP e do Deputado independente Raúl Castro.

Srs. Deputados, estão terminadas as votações agendadas para hoje.
O Plenário volta a reunir amanhã, pelas 10 horas, para discutir os Relatórios de Segurança Interna de 1991, 1992 e 1993 e o projecto de lei n.º 413/VI - Altera algumas disposições do Decreto-Lei n.º 404/82, de 24 de Setembro (pensões de preço de sangue), do PCP.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, sobre a votação final global
do texto da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à proposta de lei n.º 102/VI.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP votou contra a proposta de lei do Governo que define o regime de acolhimento de estrangeiros ou apátridas em centros de instalação temporária.
Dissemos no debate na generalidade, e mantemos, que estes centros de instalação temporária de estrangeiros são mais uma peça, particularmente chocante, de um edifício legislativo assente no espírito dos Acordos de Schengen e do Tratado de Maastricht, de construção de uma Europa fortaleza, fechada ao mundo, onde alastram expressões de racismo e xenofobia, que culpabiliza os estrangeiros pelas

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suas próprias crises, que desconfia dos imigrantes e concebe a politica de imigração como uma questão de polícia.
Queremos deixar claro que o texto aprovado é, do nosso ponto de vista, materialmente inconstitucional.
O acolhimento em centros de instalação temporária por razões de segurança é uma medida de privação da liberdade que a Constituição não prevê e portanto não admite.
Não se trata de uma mera modificação do local de execução de medidas de detenção ou prisão constitucionalmente previstas. Trata-se de uma nova medida restritiva de liberdade, com uma agravante: é que não se define claramente quais são as diferenças entre o regime de instalação nos centros e a prisão preventiva, nem entre o regime dos instalados por razões de segurança ou por razões humanitárias.
A possibilidade de instalação dos requerentes de asilo nos centros, por supostas razões humanitárias, é uma novidade desta proposta de lei. E é uma novidade particularmente chocante.
Referi há pouco que é um escândalo que o Governo português não conceda qualquer apoio social aos requerentes de asilo. Esse apoio pode e deve ser concedido, tanto mais que o processo acelerado de apreciação dos pedidos de asilo que, nos termos da lei, demoraria 10 dias está a demorar em regra 4 meses.
Só que esse apoio social não pode ser confundido com medidas detentivas. E a promiscuidade que o texto aprovado estabelece entre a instalação por razões de segurança e por razões humanitárias é de todo inaceitável.
Importa, a finalizar, referir ainda alguns aspectos. A instalação por razões humanitárias não pode ser uma medida restritiva de liberdade. Tem de ser assegurada aos cidadãos acolhidos inteira liberdade de movimentos. O pedido de asilo, nos termos da lei aplicável, suspende quaisquer procedimentos criminais ou administrativos relativos à entrada irregular, pelo que é absolutamente claro quê os candidatos a asilo, ainda que tendo entrado irregularmente em território nacional - o que em regra acontece- não podem ser internados nos centros por razões de segurança.
Saliente-se, por fim, como uma aquisição do debate na especialidade, não ser possível determinar a instalação por razões de segurança com base no «perigo de lesão de interesses fundamentais diversos dos que determinam a expulsão».
É uma aquisição que, no entanto, não altera o sentido geral, negativo, que enforma este diploma e que justifica o nosso voto contra.

O Deputado do PCP - António Filipe.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Alípio B airosa Pereira Dias.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Maria Pereira.
João José Pedreira de Matos.
José Pereira Lopes.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel de Lima Amorim.

edro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido Socialista (PS):

António Domingues de Azevedo.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PSD):

Américo de Sequeira.
Arlindo Marques da Cunha:
Cecília Pita Catarino.
João Álvaro Poças Santos.
José Guilherme Reis Leite.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Maria da Conceição Figueira Rodrígues.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.

Partido Socialista (PS):

Alberto de Sousa Martins.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Martins Seguro.
João António Gomes Proença.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.

aúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.

Partido Comunista Português (PCP):

Luis Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Rui Manuel Pereira Marques.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

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