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Sábado, 2 de Julho de 1994

I Série - Número 87

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

VI LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 1 DE JULHO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José de Almeida Cesário
Belarmino Henriques Correia

SUMARIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de resolução n.º 118/VI e 119/VI e da ratificação n.º 122/VI.
Procedeu-se ao debate dos Relatórios de Segurança Interna de 1991, 1992 e 1993, intervindo, a diverso título, além do Sr. Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro), os Srs. Deputados João Amaral (PCP), José Magalhães (PS), Mário Tomé (Indep.), Narana Coissoró (CDS-PP) e António Filipe (PCP).
A Câmara deu assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República a Paris, de 5 a 6 de Julho.
O projecto de lei n.º 413/VI - Altera algumas disposições do Decreto-Lei n.º 404/82, de 24 de Setembro (Pensões de preço de sangue) (PCP) foi discutido, na generalidade. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados João Amaral (PCP.), Fernando Pereira Marques e Marques Júnior (PS), José Puig (PSD) e Narana Coissoró (CDS-PP).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando dos Santos Antunes.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira,
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva..
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Peixoto Lima.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luis António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.

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Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrígues.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrígues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido, do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.
Rui Manuel Pereira Marques.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de resolução n.ºs 118/VI - Em defesa da produção nacional de leite e de um movimento cooperativo (PCP), e 119/VI - Constituição de uma comissão eventual para analisar a situação que se vive neste momento no Alentejo (PS); e ratificação n.º 122/VI - Decreto-Lei n.º 168/94, de 15 de Junho, que aprova as bases da concessão da concepção do projecto da construção, do financiamento, da exploração e da manutenção da nova travessia sobre o rio Tejo em Lisboa, bem como da exploração e da manutenção da actual travessia, e atribui ao consórcio Lusoponte a respectiva concessão (PCP).
Gostaria também de informar a Câmara que se encontra reunida, desde as 10 horas, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias; as Comissões de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente e de Assuntos Europeus reunirão às 11 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o primeiro ponto do período da ordem do dia de hoje respeita à discussão dos Relatórios de Segurança Interna de 1991, 1992 e 1993.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta Assembleia vai apreciar hoje os Relatórios de Segurança Interna dos últimos três anos, mais concretamente os de 1991, 1992 e 1993.
Não vale a pena discutir em profundidade os relatórios de 1991 e de 1992, já que o de 1993 reflecte a situação actual. É, sobretudo, sobre esse que vou tecer algumas considerações.
Para ter uma ideia de como está o País em matéria de segurança interna há que avaliar vários indicadores, sendo o primeiro - e, porventura, o mais importante - o da evolução da criminalidade nestes últimos anos.
O que se passa nesta matéria, em termos estatísticos, é que, em 1991, a criminalidade crescia ao ritmo de 14 %-15 % ao ano e, em 1992, entre 8 % e 9 % - e faço este intervalo ,de 14 %-15 % e 8 %-9 % como poderia fazer de 0,8 %-2,9 % relativamente a 1993, porque estou a citar duas fontes, uma da Procuradoria-Geral da República e outra do Ministério, mas utilizo sobretudo o número da Procuradoria-Geral, nomeadamente em relação .ª 1993, que é de 2,9 %, esquecendo o valor de 0,8 %, que é o número do Ministério. Se queremos que estes números sirvam para alguma coisa, sobretudo para ajudar a esclarecer-nos a política que devemos seguir e as suas prioridades, temos de os analisar.
Nesse sentido, é necessário, do meu ponto de vista, fazer três ponderações, a primeira das quais a de saber onde é que geograficamente se localiza predominantemente este crime e a de distinguir a criminalidade por tipo de crime e quais aqueles que devem preocupar-nos. Depois, temos de tentar esclarecer qual a percentagem que tem incorporada violência e organização.
Em relação a esta análise geográfica, sabemos que as áreas de grande preocupação são Lisboa e Porto, responsáveis por 89 % do assalto a pessoas, 80 % do assalto a ban-

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cos, 81 % do tráfico de droga, 76 % de furto e 55 % dos furtos em estabelecimentos. Em suma, 65 % da criminalidade total do País está em Lisboa e Porto.
Para dar uma ideia da dimensão dinâmica daquilo que está a passar-se, diria que na área de Lisboa, de 1990 para 1991, a criminalidade foi de 21,7 %, portanto, mais do que a média do País, de 1991 para 1992 foi de 18,5 %, tendo havido de 1992 para 1993 um decréscimo de 10,9 %.
Apesar da evolução ser favorável (tanto quanto os números podem indicar, sobretudo se descontada a análise qualitativa da criminalidade), podemos dizer que Lisboa e Porto têm de ser, do ponto de vista geográfico, grandes áreas de preocupação da segurança interna. Há mesmo algumas prioridades parcelares dentro deste universo geográfico que já têm merecido a atenção do Ministério e obtido resultados favoráveis. Por exemplo, a segurança nas escolas era uma gravíssimo problema existente na área de Lisboa e em algumas escolas do Porto. Estabelecemos um programa concertado com o Ministério da Educação, tentando localizar nesta área esforços especiais, e o que é certo é que, depois, houve uma redução das incidências nessas escolas de cinco para um, o que é uma evolução apreciável.
A propósito destas áreas com que temos sobretudo de preocupar-nos em relação ao futuro, vou referir aquilo que vamos fazer quanto aos transportes públicos urbanos e suburbanos. Assim, vamos estabelecer proximamente um protocolo com a CP e o Metropolitano e criar um corpo específico para trabalhar nessas áreas da segurança ern Lisboa e zonas envolventes (como, por exemplo, nas linhas de Sintra e Estoril) com 250 pessoas, das quais 150 são guardas da PSP destacados em permanência para esse efeito. É, pois, necessário escolher ou privilegiar áreas especiais onde os problemas possam ser maiores.
Em terceiro lugar, e sabendo que isso não é tudo, está em marcha, diria mesmo, em boa marcha a reestruturação nas zonas prioritárias de Lisboa e Porto. Mais adiante falarei sobre o assunto.
Por outro lado, não há dúvida nenhuma de que temos de preocupar-nos com uma análise qualitativa da criminalidade. E dos vários tipos de crime, aqueles que têm a maior fatia, embora os crimes contra as pessoas também tenham uma percentagem elevada, são os crimes contra o património, que representam 81 %, por trás dos quais se posiciona a droga, pelo menos na esmagadora maioria dos casos. Isto significa que uma acção a montante deste crime é, seguramente, uma acção em relação à droga, nos vários aspectos da sua prevenção, nomeadamente da prevenção primária e secundária.
Quero também fazer uma análise mais cuidada dos crimes que já comportam organização e violência. Segundo dados da Polícia Judiciária, este tipo de crimes terá caído 3.1 %, nas áreas da PSP, mas nas áreas de Lisboa e Porto cresceu 20 %, o que significa, em termos absolutos, cerca de 1500 casos por ano. Em termos absolutos, não se trata de um número alarmante, mas é preocupante, em termos de evolução, nas áreas da PSP de Lisboa e Porto.
Tudo isto nos levou a definir concretamente, e parece-me que correctamente, as prioridades geográficas e as prioridades por tipo de crime, designadamente aqueles que têm a droga a montante, como disse há pouco, e os casos onde começa a existir violência, os quais, repito, embora não sejam preocupantes, ern termos absolutos, têm de merecer, da nossa parte, um cuidado especial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho dito sempre que a segurança é uma política de múltiplos instrumentos. E se ela assenta numa sociedade socialmente equilibrada, numa sociedade integrada, na educação, etc., assenta também - não posso esquecê-lo, no trabalho e na missão das forças de segurança, sobretudo ao nível da insegurança e da delinquência que pode preocupar e perturbar o dia-a-dia do comum dos cidadãos.
Nessa medida, e não dou aqui, nesse aspecto, nenhuma novidade, estamos a fazer um larguíssimo trabalho de reestruturação, racionalização e modernização das forças de segurança, que começou com a integração da antiga Guarda Fiscal na GNR e consequente criação daquela que é, actualmente, a Brigada Fiscal.
Estamos a proceder à substituição de forças da GNR por forças da PSP ou da PSP pela GNR, em certos casos, sempre com base na ideia de que temos de racionalizar, pois se pudermos desenvolver a segurança, em cada local, com uma única força, ganhamos meios, poupamos recursos e, ao mesmo tempo, podemos colocar mais agentes na rua. É esse o nosso objectivo.
Esse programa, como sabem, continua, estamos para arrancar, em Lisboa, com a obra da divisão de Benfica e esperamos poder instalar, ainda este ano, ern Outubro e Novembro, no Porto, duas divisões concentradas, isto é, a divisão do Bom Pastor, aproveitando instalações militares, e a divisão da Bela Vista, aproveitando instalações do próprio Ministério, concretamente da GNR. O Porto foi uma cidade onde tudo parecia ir atrasar-se, mas o destino, às vezes, é assim: com tanta dificuldade, acabamos por arranjar soluções mais rápidas e, porventura, melhores.
Agora, uma pequena resenha sobre a actividade operacional.
A GNR e a PSP, com a Brigada Fiscal incluída, como é evidénte, tem desenvolvido uma actividade operacional de nível mais ou menos idêntico ao dos anos anteriores - este ano, no conjunto das duas forças de segurança, subimos as patrulhas ern 13,5 % -, mas continuam a existir alguns constrangimentos a essa actividade.
Em primeiro lugar, coloca-se o problema da modernização. A GNR e a PSP, enfim, as forças de segurança, no seu conjunto, debatem-se ainda com problemas de modernização, pois, durante vários anos, não foram feitos investimentos nem em instalações, nem em equipamentos, nem em telecomunicações.
Como sabem, multiplicámos o PIDDAC do Ministério da Administração Interna por três ou, melhor, quase quatro vezes e, até agora, temos dado grande prioridade às telecomunicações, pois sem elas não há forças de segurança capazes. Estamos a gastar centenas de milhar de contos por ano nesse domínio, mas continuam a existir constrangimentos e os recursos continuam a ser escassos em relação àquilo que pretendemos.
Espero, como já disse e expliquei na Comissão, que o ano de 1995 possa ser um ano de viragem. Se o ano de 1994 se tem destinado a preparar um conjunto de coisas para arrancar em 1995, este deverá servir para conseguir os meios financeiros que permitam essa viragem, a fim de que as forças de segurança possam também ser modernizadas, à semelhança de outros serviços do Estado. Creio, de facto, que 1995 vai ser o ano para essa grande viragem.
Mas existem ainda outros constrangimentos à actividade operacional, que, infelizmente, não decorrem apenas de questões materiais ou financeiras, como é o caso do serviço prestado aos tribunais. A GNR e a PSP prestam aos tribunais cerca de 1,2 milhões de diligências por ano, o que se traduz, obviamente, num constrangimento total. Se temos de fazer 700 OOO ou 800 OOO notificações para os tribunais, imaginem quantas horas gasta um agente da GNR ou da PSP - e isto, porque não as faz à primeira, nem à segunda,

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nem à terceira -, quanto se gasta em material e quantos homens são necessários.
Como já referi na Comissão, estamos, neste momento, a tratar desse assunto com o Sr. Ministro da Justiça e há, pelo menos, uma coisa no sentido da qual vamos dar passos decisivos, que é a de retirar aquilo que for matéria cível de todo o trabalho da GNR e da PSP.
Parece-nos que, nesta matéria, não há qualquer razão para não se encontrarem outros esquemas, continuando a haver disponibilidade para colaborar com os tribunais nas notificações que se relacionem com matéria penal. Relativamente à parte cível, o Ministério da Justiça, como me parece correcto, estudará outra forma de fazer essas notificações.
Já agora, se me permitem, gostava de dizer duas ou três palavras sobre fogos florestais, sinistros rodoviários e asilo e imigração.
No que diz respeito aos fogos florestais, sou o primeiro a reconhecer todos os problemas que ainda existem a esse nível, embora tenha grande esperança de que a situação se altere, em face do que começa a verificar-se este ano, com a introdução dos planos municipais de intervenção florestal (PMIF), que visam o ordenamento da floresta. Parece-me ser isso que, em última análise, poderá acabar ou, pelo menos, minimizar fortemente o drama enorme dos fogos florestais.
Todos conhecem a evolução das áreas ardidas e a estratégia que hoje seguimos no combate aos fogos florestais, a qual, aliás, foi alterada. E refiro-me apenas ao combate e não à prevenção.
Em 1991 arderam 161 OOO ha, quase a mesma área que ardeu em 1990, em 1992 arderam 54 OOO ha, menos de 1/3, e em 1993 arderam 38 OOO ha, que representam 60 % da área ardida em 1992.
Isto significa que estamos a seguir no bom caminho, sobretudo se atentarmos na produtividade, que se multiplicou por quatro vezes e meia em relação a 1991. Trata-se de um bom sinal de que estamos a ser cada vez mais capazes de atacar os fogos, mas tudo é ainda muito débil, há ainda muita contingência que não dominamos e, repito, sem que o país faça um grande esforço, de vários anos, no âmbito do ordenamento florestal, estaremos sempre dependentes da maior ou menor operacionalidade dos bombeiros e dos meios que temos ao nosso dispor.
Em relação aos sinistros rodoviários, felizmente, o ano de 1992 traduziu uma inversão de marcha. Até 1992, ano após ano, o número de mortos e feridos cresceu, como também cresceu o parque automóvel.
Em 1989 tivemos 2374 mortos, em 1990 tivemos 2541, em 1991 registaram-se 2617, mas a curva começou a baixar em 1992, pois já só tivemos 2455 mortos e ainda menos em 1993, apenas 2165. Isto significa que, em termos de número de mortos, estamos ao nível do ano de 1988, apesar de o parque automóvel ser muitas vezes superior ou muito maior do que naquela altura.
Já agora, se me permitem, os números para 1994 também são encorajadores, pois continuam a diminuir, quer os mortos quer os feridos graves.
Neste domínio, estamos a trabalhar com a educação, no longo e médio prazos, mas, na minha opinião, muita da responsabilidade por estes últimos números cabe à legislação, sobretudo à relativa ao álcool, mas também ao Código da Estrada. Nunca escondi que se tratava de uma legislação mais dura, mas visa combater o que sempre denominei como drama e vergonha nacionais.
Em relação ao asilo e à emigração, o Governo tem uma determinada política - a qual é seguramente discutível-mas, como sabe o que quer, creio que essa política está a dar os resultados pretendidos.
Em 1992, houve 535 pedidos de asilo, ern 1993, esse número aumentou três vezes para 1659 e, este ano, registámos 298 até ao momento, o que significa que estamos a atingir os objectivos que a nossa política visava.
Em suma, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para concluir, diria que, em matéria de segurança, há muitos problemas e muitos desafios, mas é vantajoso que o Governo saiba o que quer, que Portugal seja servido por forças de segurança capazes, motivadas e empenhadas, que exista uma estratégia, um planeamento e prioridades e que, o que é igualmente positivo, haja resultados ano após ano que também devem ser salientados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Seguramente que não vamos deixar de ter problemas, mas não nos falta nem estratégia nem coragem para tentar resolvê-los.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados João Amaral, José Magalhães, Mário Tomé e Narana Coissoró.

Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, creio que o Relatório da Segurança Interna deve ser uma avaliação do que ocorre neste sector e que a sua discussão deve permitir que a Assembleia possa contribuir, tanto quanto possível, através da definição das medidas necessárias, para enfrentar as situações em concreto.
A intervenção do Sr. Ministro deixa-me preocupado porque não põe em evidência o que é mais característico de todo ó Relatório de Segurança Interna de 1993: apesar dos auto-elogios com que começa, a verdade é que todos os índices que têm a ver com aqueles sectores da criminalidade que mais preocupam os cidadãos no seu dia-a-dia, em termos da sua segurança diária, aumentam de forma significativa. É o que se passa com a criminalidade violenta, com os crimes contra as pessoas, com o narcotráfico, com a delinquência juvenil, com novos tipos de crime, como o rapto e os crimes praticados com o uso de explosivos, com os crimes de organização criminosa com fórmulas mais sofisticadas. Todos eles aumentam de forma preocupante e creio que esse é o traço essencial que aqui devia ficar bem registado e em relação ao qual todos devíamos ter consciência de que, sendo esta uma sociedade mais insegura, há que fazer algo para alterar a situação.
Creio que o referido relatório releva ainda por uma outra razão. É que, ao agregar vários relatórios das forças de segurança, verifica-se quê elas próprias salientam em múltiplos sítios a escassez de meios que, agora, o Sr. Ministro também referiu. Essa escassez tem-se mantido durante anos, apesar de todas as críticas feitas ao orçamento do Ministério da Administração Interna; nomeadamente, na discussão dos dois últimos orçamentos, foi aqui dito que as verbas de funcionamento tinham diminuído, o que provocaria, como provocou, maiores dificuldades no combate a essa criminalidade mais sofisticada que mais ameaça os cidadãos.
Uma terceira nota, Sr. Ministro, tem a ver com o facto de se confundir segurança interna com questões sociais. Quem estiver atento, verificará que o relatório da PSP

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começa por referir o caso do leite nos Açores ou a questão das propinas e que o Serviço de Informações de Segurança tem a falta de decoro de fazer considerações acerca da forma como a comunicação social faz as noticias, dizendo que é da sua responsabilidade o empolamento da contestação social à política do Governo.
Fica-se, assim, com muitas dúvidas sobre as orientações que estão a ser dadas às forças de segurança neste campo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Relacionada com esta questão queria fazer-lhe uma pergunta muito directa, Sr. Ministro.
Hoje, há um novo factor de preocupação relativo ao comportamento das polícias no seu relacionamento com os cidadãos e o Sr. Ministro tem agora a oportunidade de explicar com alguma clareza dois casos que ocorreram recentemente.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino de seguida, Sr. Presidente.

O primeiro diz respeito aos acontecimentos ocorridos na esquadra de Matosinhos em que um cidadão de raça cigana ou nómada, como gosta de dizer a policia, foi baleado no seu interior, apesar de o comunicado do comando da PSP continuar a sustentar que se tratou de suicídio.
Sr. Ministro, é aceitável que tenha sido tornado público um comunicado segundo o qual há suicídios nas esquadras portuguesas?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E que há cidadãos que vão a correr e "encontram" uma bala?

O segundo diz concretamente respeito às cargas policiais na ponte 25 de Abril e aos excessos cometidos que atingiram o máximo quando um jovem foi baleado. Por que é que a polícia não assume a sua responsabilidade se há provas e pessoas dispostas a testemunharem que agentes da PSP ou da GNR- não posso precisar- dispararam balas? Por que é que os comandos continuam a negar a evidência?

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Nos organismos hierarquizados costuma haver uma solução quando não se sabe quem é o autor!...

O Orador: - Por que é que continuam a tentar "tapar o sol com uma peneira", a impedir a averiguação completa das situações e a responsabilização de quem dá estas ordens, permitindo que, desta forma, sejam atingidos os direitos dos cidadãos?

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, cremos da nossa parte que é inteiramente incompreensível que, na primeira ocasião que V. Ex.ª tem de se dirigir à Assembleia da República, depois de um conjunto de acontecimentos que puseram à prova os critérios, a capacidade e a filosofia de actuação das forças de segurança portuguesas, tenha feito um discurso - de resto, avulso, saltando de tema para tema - em que não sé esqueceu de falar dos fogos florestais, mas se tenha esquecido de dar à Câmara a explicação a que tem direito sobre tudo o que; tem acontecido nos últimos dias, suscitando preocupações generalizadas. Essas preocupações - repito - são generalizadas, ninguém pode deixar de exprimir preocupação pelo que aconteceu, pela forma como aconteceu e, sobretudo, pela atitude governamental face ao que aconteceu.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Concretamente...

O Orador: - A atitude governamental, Sr. Ministro, é injustificável de cabo a rabo: primeiro, porque assenta na não assunção da verdade dos factos, na manutenção continuada de inverdades sobre o teor, a natureza e as implicações dos factos numa mistificação da sua própria realidade; por outro lado, vem somar-se a outras atitudes assumidas em tempo recente sobre factos de igual gravidade para os quais a opinião pública tem vindo a ser alertada por muitos quadrantes e não apenas por um.
Por outro lado, Sr. Ministro, é quase ridículo que, tendo o Governo dedicado as últimas semanas, as últimas horas, a construir a tese da grande conspiração da ponte - a grande conspiração "pontífera"! -, V. Ex.ª (ou, então, é uma confissão dramática, quase grotesca), ao entrar na Câmara para se dirigir institucionalmente ao Parlamento, nada traga no regaço, nem uma explicação, sobre esta matéria.
Ou V. Ex.ª é Ministro da Administração Interna com tutela do SIS e, portanto, omnisciente e "omniinformado" sobre todas as pequenas, grandes e médias conspirações ou V. Ex.ª tem, sobre a matéria, o conhecimento traduzido naquilo que nos disse, ou seja, nada, nenhum!
Ora, isso é, da nossa parte, Grupo Parlamentar do PS, inteiramente inaceitável!
Sr. Ministro, é de reparar também que, tendo sido este o ano em que se suscitaram algumas das mais justificadas controvérsias sobre disfunções na actividade do Serviço de Informações de Segurança, V. Ex.ª tenha dedicado o discurso avulso que produziu a múltiplos temas, mas não tenha dedicado nenhumas palavras à questão do funcionamento desses serviços e, designadamente, a uma questão sobre a qual gostava que não fugisse a pronunciar-se e que vou passar a referir.
O Conselho de Fiscalização parlamentar tem vindo a alertar para a existência de várias anomalias, mas uma delas é esta: por um lado, as forças de segurança, as polícias, parecem estar a exercer funções de informação, que lhe estão vedadas legalmente, razão pela qual, provavelmente, o Serviço de Informações de Segurança não é chamado a intervir ou a prestar informações às forças policiais, como era suposto e a lei determina e autoriza.
Ora, essa disfunção, na parte em que é da sua responsabilidade, é perigosa. V. Ex.ª não aludiu a ela, parece não ter sequer conhecimento dela e parece não constituir preocupação. No entanto, é uma anomalia.
Gostava de lhe perguntar o que pensa sobre isto e sobre a situação actual do SIS, depois da controvérsia que conduziu à demissão misteriosa do seu principal hierarca e à sua reorganização na Região Autónoma da Madeira.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente. Sr. Ministro, teremos igualmente ocasião de comentar a análise que faz das estatísticas. Gostaria de sublinhar a

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contradição que há entre o que V. Ex.ª" diz e o que anteontem disse o seu colega, o Ministro da Justiça. Esse é um dos problemas dramáticos que, neste momento, minam a eficácia da política de segurança interna em Portugal. Na verdade, é uma política bicéfala ou tricéfala. V. Ex.ª diz o que diz e tem o seu "código penal", que é o Código da Estrada e o "código" dos estrangeiros e o Ministro Laborinho Lúcio tem as "polícias do Ministro Laborinho Lúcio", tem o "código penal Laborinho Lúcio". Aparentemente, entre estes dois mundos, o de V. Ex.ª e o do Ministro da Justiça não há uma ponte, nem 25 de Abril, nem 24 de Abril, nem qualquer outra! Não existe, pura e simplesmente!
Como é óbvio, esse é um factor grave de descoordenação das forças de segurança e contraria a asserção confiante, optimista, quase diria "superoptimista", com que V. Ex.ª diz que há problemas e desafios, mas que o Governo sabe o que quer! Sr. Ministro, se assim é, é porque o Governo quer as coisas que estão à vista, que são, desgraçadamente, indesejáveis, na óptica do melhor interesse do povo português.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, começo por dizer-lhe que o seu discurso mais parecia o discurso de um intendente do que o de um ministro com preocupações políticas sobre a sociedade e em relação à qual quer interagir. Mas não me admiro com tal facto, porque há sempre uma má consciência, por parte do PSD e não só, infelizmente, em relação à democracia. Dão "vivas" à democracia, mas dizem que ela tem vulnerabilidades, é uma má consciência, é uma chatice haver democracia, por isso, temos de defender-nos das vulnerabilidades da democracia.
De facto, isto atravessa as preocupações do Governo e a forma como age. Isto é, aquilo que são as causas fundamentais da segurança e a forma de lhes responder estão ausentes do discurso do Sr. Ministro.
Sei que veio aqui falar de segurança interna, mas ela está relacionada com a situação da sociedade, com a forma como se gera a marginalidade e o crime e com a sua origem. Ora, isso está totalmente ausente do seu discurso - e é natural, porque Cavaco Silva e, ontem, o Sr. Ministro Eduardo Catroga dizem que está tudo muito bem. Como é evidente, assim, é difícil encontrar as razões para a situação actual.
No entanto, Sr. Ministro, o que me preocupa é a aceitação de que a segurança deve assentar nas forças de segurança, de que deve criar-se uma sociedade com bunkers para os ricos, ficando os pobres a viver afastados e na promiscuidade (que lhes é imposta) com a marginalidade. E, assim, isto vai andando: põe-se a polícia a vigiar os espaços vazios, a fazer umas "sortidas" aos locais onde estão os marginais e, desse modo, apanham também as pessoas que trabalham, que estão a descansar ou que estão a levantar-se. Depois, são essas próprias pessoas que são alvo da insegurança efectiva que lhes é criada pelas forças de segurança.
Esta contradição é muito grande, cria preocupações e deveria criá-las também ao próprio Governo, que deveria preocupar-se em abordar as questões fundamentais. O Sr. Ministro deveria abordar as questões políticas e sociais que determinam isso. Inclusive, o próprio relatório da ONU sobre o desenvolvimento humano diz que, sendo a segurança uma grande preocupação, é preciso alterar o modelo de desenvolvimento, mas esta questão não está presente no seu discurso. Não quero dizer que apenas deve falar sobre isso, mas não se sente a sua preocupação nesse sentido.
Queria ainda dizer-lhe, Sr. Ministro, que faço minhas as palavras dos meus colegas anteriores, sobre a ausência de qualquer referência ao que se passou muito recentemente na ponte 25 de Abril.
Para terminar, quero apenas referir que nos organismos hierarquizados, quando não se sabe quem foi a pessoa que cometeu o acto irregular ou o crime, há, à partida, uma resposta, que é a responsabilização do comando. Ora, neste país, cada vez mais, isso é absolutamente desprezado. Os comandos não assumem a responsabilidade, não a tem quem se segue na cadeia de comando, não há ninguém com responsabilidade, a não ser aquele que terá praticado o acto e que nunca se sabe quem é. Como isto é inaceitável queria que o Sr. Ministro me comentasse este facto.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, V. Ex.ª abriu a sua intervenção com a citação dos índices de criminalidade em Portugal. Efectivamente, já tínhamos ouvido, com maior pormenor até, a citação destes mesmos índices, dessas estatísticas, há dois dias, quando veio a esta Assembleia o Sr. Ministro da Justiça, para apresentar as alterações ao Código Penal.
Por isso, ficamos sem saber se esses índices de criminalidade são da responsabilidade, em termos de tutela, do Sr. Ministro da Justiça, isto é, sob o ponto de vista penal, da sua prevenção e repressão, ou se são da responsabilidade do Sr. Ministro da Administração Interna. Porque, se for assim, se forem dois Ministros a brandir as mesmas estatísticas, ficamos sem saber a quem pedir contas. Então, a oposição, tal como se diz no Alentejo, terá de ter "um olho no burro e outro no cigano", porque ou temos de atribuir a V. Ex.ª as responsabilidades por essas estatísticas, e perguntar o que se faz, por que razão existem, ou então temos de fazer essas perguntas ao Sr. Ministro da Justiça.
O que não se compreende é que o Sr. Ministro da Justiça venha aqui, como responsável por essas estatísticas, fazer um discurso, dizendo que essa criminalidade está diluída, que é benigna, que o País não se deve preocupar com ela, porque, em comparação com países europeus, até temos a sorte de ser um oásis, pois a criminalidade está estabilizada, e V. Ex.ª venha dizer exactamente o contrário, isto é, que a criminalidade é preocupante, que em Lisboa e no Porto a delinquência é muito grande, que a montante está a droga e todos os crimes derivados da droga e que vai tomar estas e aquelas medidas nos transportes, pôr polícia junto das escolas, etc.
Quer dizer, há uma total descoordenação do Governo quanto ao combate à criminalidade, o que é lastimável num Governo de maioria absoluta, num Governo homogéneo, num Governo de uma só "cor" e onde há, digamos assim, dois Ministros políticos e não tecnocratas que fazem discursos completamento diferentes.
Em segundo lugar, quero perguntar ao Sr. Ministro por que vem hoje falar apenas de 1993 - já aqui foi dito que V. Ex.ª fez tábua rasa sobre tudo quanto se está a passar nas últimas semanas. Tenciona esperar mais um ano e, quando, para o ano, debatermos o relatório de 1994, virá então falar sobre o que se passou na Madeira, nos Açores, e na ponte sobre, o Tejo? Porquê? Porque é que não se falou nisso? ...

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O Sr. Ministro da Administração Interna: - Dê-me dois minutos...

O Orador: - Não é preciso dois minutos, poderiam ser só dois segundos! Mas podia ter dito qualquer coisa do alto da tribuna, não é?

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Não tenha pressa!

O Orador: - Não há pressa nenhuma! A comunicação social até já tem estado a dizer, desde as seis da manhã, que V. Ex.ª vinha hoje à Assembleia para uma maratona, para explicar ao Plenário o que se passou na Ponte, porque intervieram as forças de segurança, porque houve cedência do Governo, porque o seu discurso foi completamente diferente do do Ministro Ferreira do Amaral. Mas, afinal, V. Ex.ª vem aqui ocultar tudo isso porque, lá do alto da tribuna, "encerrou" as informações em 1993. Isto não pode ser!
Quero ainda fazer-lhe mais umas perguntas sobre dois casos que já aqui foram levantados.
O Sr. Ministro ainda não se sente habilitado para, à semelhança do Ministro Ferreira do Amaral, fazer uma nota oficiosa sobre o crime da esquadra do Norte? Ou será que está à espera do Relatório de Segurança Interna de 1994? Também ainda não se sente habilitado para dizer o que se passou no Pragal? Note que as próprias polícias dão conferências de imprensa informais pela televisão, dizendo que apareceu uma senhora, que quer guardar o anonimato, que, de uma janela, viu alguém a alvejar - e depois, a televisão mostrou a janela - e, depois, apareceu um senhor a dar uma versão contrária, e dizer "eu vi a polícia matar!" Perante isto, V. Ex.ª não se sente na obrigação de vir a público, fazer um comunicado oficial sobre essa morte e o acidente do Pragal que sucedem às mãos da polícia?
Em terceiro lugar, quero perguntar a V. Ex.ª quantos serviços de informação secreta tem. Faço-lhe esta pergunta porque há jornais de hoje que dizem que V. Ex.ª foi negligente porque os serviços de informação da Guarda Nacional Republicana já o tinham alertado de que iria haver o boicote, a paragem do trânsito na ponte, a barragem dos acessos, etc. Diz ainda a comunicação social que V. Ex.ª não ligou rigorosamente nada a essa informação que lhe foi dada. Assim, pergunto-lhe: quantas fontes de informação secretas tem V. Ex.ª para além do SIS?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, começo por explicar à Câmara que pode parecer desproporcionada a questão que vou levantar, quando comparada com os acontecimentos gravíssimos que se passaram em torno das questões da ponte 25 de Abril e da esquadra de Matosinhos. Creio ainda que a questão que vou colocar ao Sr. Ministro só não é caricata porque é grave, na medida em que tem a ver com o quotidiano de todos os cidadãos e com a incompetência, a incapacidade ou, pelo menos, a ausência de civismo, por parte da Polícia de Segurança Pública.
Sr. Ministro da Administração Interna, um cidadão - o nome não interessa, mas se o Sr. Ministro entender, revelar-lho-ei, embora o Sr. Ministro deva conhecê-lo - foi vítima de um roubo, tendo-lhe sido roubada uma pasta, contendo diversos documentos, livros de cheques e cartões de crédito. A participação à Polícia de Segurança Pública foi feita imediatamente. No dia seguinte, verificou-se uma tentativa de levantamento de um cheque e quem o fez foi convenientemente identificado. O cidadão que foi roubado contactou a esquadra e perguntou como poderia juntar estes documentos ao processo, tendo-lhe sido dada esta resposta, verdadeiramente kafkiana: "quando for chamado a prestar declarações, poderá juntar os documentos". Não obstante, o cidadão entendeu remeter ao subcomissário da referida esquadra aquela documentação, por carta registada, e escrever ao Sr. Ministro da Administração Interna, comunicando-lhe o sucedido. A verdade é que, decorridos dois meses e meio, esse cidadão não recebeu qualquer resposta, nem do Sr. Ministro nem do responsável pela esquadra, enquanto o gatuno, facilmente identificável porque existiam todos os elementos para tal, contínua, obviamente, à solta.
Como disse, esta é, aparentemente, uma questão menor, mas reveladora do modo como funciona a Polícia de Segurança Pública e do modo como, nestas questões aparentemente menores, mas que compõem o quotidiano das pessoas, os interesses e a segurança dos cidadãos são tratados pela polícia tutelada pelo Ministério que V. Ex.ª dirige.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro dispõe de 10 minutos para responder, tempo que lhe foi cedido pelo Grupo Parlamentar do PSD.

Tem, então, a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, vim aqui para discutir os Relatórios de Segurança Interna de 1991, 1992 e 1993, mas não me eximo a falar - como os Srs. Deputados sabem, nunca me eximi - sobre aquilo que pretendem, pelo que estou à vossa disposição para falar sobre esta matéria durante o tempo que desejarem, o tempo que já me foi cedido pelo PSD e até mais, se assim o quiserem. No entanto, o que me competia era respeitar a ordem de trabalhos para hoje, subir à tribuna e falar sobre estes relatórios. É isto que penso ser o respeito pelo Regimento da Assembleia da República.

Aplausos do PSD.

É que se tivesse subido à tribuna e tivesse vindo dizer que "não quero saber dos relatórios; venho aqui falar da ponte", os Srs. Deputados diriam que era uma falta de respeito...

Protestos do PS.

Posto isto, vou começar por responder às perguntas que têm mais a ver com os relatórios e, depois, falarei sobre os acontecimentos da ponte e de Matosinhos.
Quanto ao que disse o Sr. Deputado Lopes Cardoso, posso responder-lhe qual é o procedimento normal no meu gabinete em relação a essas matérias de que falou. Sempre que chega ao meu gabinete uma queixa de algum cidadão, tomo nota dela, comunico-a ao serviço a que a mesma se reporta - GNR ou PSP, etc. - e comunico igualmente ao cidadão a diligência que fiz. É assim que se age no meu gabinete, portanto, se existe algum caso concreto em que se passou algo mais que não me chegou às mãos, desconheço-o; relativamente a tudo o que chega às minhas mãos, o procedimento habitual é este.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

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O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Ministro, posso dizer-lhe é que a pessoa em causa não recebeu qualquer comunicação da sua parte - e sei do que falo - nem qualquer comunicação da polícia.
Já agora, Sr. Ministro, tome nota: peco-lhe o favor - e requeiro isto na minha qualidade de Deputado- de me enviar não só a resposta que teria enviado àquele cidadão como as instruções que terá dado à esquadra que, pelo vistos, não cumpriu nada, já que, a partir da tentativa que descrevi, houve outras e, de facto, a polícia mantém os braços perfeitamente cruzados em torno de um gang que, obviamente, conhece perfeitamente, sabe de quem se trata e como é que funciona.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado.

O que estava a dizer-lhe - e o Sr. Deputado tem de acreditar nas minhas palavras - é que o procedimento normal no meu gabinete é o que referi; é standard, é igual para todos os casos. No entanto, posso verificar esse caso concreto, embora nem sequer saiba qual é, e se o descrever verei o que se passou, nomeadamente o que me chegou às mãos, se é que alguma coisa me terá chegado.
Respondendo ao Sr. Deputado Mário Tomé, digo-lhe que se o Sr. Deputado fosse do Governo, se calhar, as forças de segurança que teria não seriam estas: não teriam este estatuto, não fariam estas coisas... Mas, paciência!... Essa é a sua ideia, esta é a nossa e, felizmente, os portugueses querem é as forças de segurança que nós temos e não as suas...

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Isso não é resposta, Sr. Ministro! Isso é uma resposta primária e já nem o Cavaco dá respostas dessas!

O Orador: - Passo agora ao Sr. Deputado Narana Coissoró.
Já tenho dito várias vezes, mas, se calhar, tenho explicado maí, Sr. Deputado - e esse será o motivo da sua confusão; certamente, é por meu defeito -, que a política de segurança é uma política de múltiplos instrumentos. Com isto quero significar que se trata de uma política que se serve de mais do que um instrumento, isto é, serve-se da GNR e da PSP - o policiamento -, mas serve-se também da educação e de um conjunto de políticas - emprego, solidariedade social - que tendem a manter a sociedade equilibrada, e que todos estes factores é que concorrem para a segurança. Tudo isto depende dos Ministérios da Administração Interna, da Justiça, do Emprego e da Segurança Social, da Educação, de quase todos. Assim, quando o Sr. Deputado tiver dúvidas sobre a quem há-de pedir responsabilidades, peça-as ao Governo no seu conjunto porque, de facto, esta matéria depende de muitas políticas intersectoriais.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É tudo diluído!

O Orador: - Quanto à pergunta concreta que me fez no sentido de saber se, tal como vem dito nos jornais, eu tinha recebido, na véspera, uma informação sobre os acontecimentos da ponte, digo-lhe que não respondo ao que vem nos jornais. Mas, já agora, sempre lhe digo que não tive qualquer informação na véspera sobre o que ia passar-se no dia seguinte, embora estivesse informado, de uma maneira geral e não de uma forma específica, sobre o que estava a passar-se na ponte.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Então o que é que faz o SIS?

O Orador: - Aliás, Sr. Deputado, falar assim é não saber como funcionam as forças de segurança. Se a GNR tivesse sabido que, no dia seguinte, a estrada ia ser cortada, teria feito tudo, por sua livre iniciativa, para tentar evitá-lo, até porque não carece de uma ordem específica do Ministro para tal, antes ter ordens genéricas nesse sentido. Como é evidente, era isto que teria acontecido, aliás, como se passa num país normal.
Ainda sobre esta matéria, quero referi-me a uma ou duas questões que foram levantadas pelo Sr. Deputado João Amaral.
Quanto à violência, já disse que é uma preocupação que temos, mas as estatísticas da violência à disposição da PJ - há que fazer o esforço de seriedade intelectual e atender aos números - mostram um decréscimo. Como também saberá, sempre que há um crime violento mais grave a respectiva investigação vai para a alçada da Polícia Judiciária. Mas repito que, neste domínio, verifica-se um decréscimo de 3,1 %.
Devo dizer-lhe que sob a rubrica "violência" consideramos ocorrências do tipo da de alguém assaltar uma bomba de gasolina e estar armado, embora não utilize a arma. Para nós, este caso entra na designação de crime violento. Mas repito que os casos que são mais violentos vão para a tutela da PJ.
O Sr. Deputado disse também que se esqueceram os meios. Ora, já falámos muitas vezes sobre isso e sou a primeira pessoa a concordar. Estamos é a organizar um plano de prioridades e a dar-lhes os meios que, este ano, já foram maiores e que, seguramente, vão aumentar.
Referiu-se ainda ao relacionamento da polícia com os cidadãos. Ora, tenho falado sobejamente sobre esta questão, em discursos públicos e em sede de comissão, e tenho dito o que são hoje as escolas de polícia, quer a superior quer a prática, o que entendemos que é a autoridade, a ideia de que a polícia é para servir o cidadão. O Sr. Deputado conhece bem este discurso e tudo o que, hoje em dia, constitui a formação das polícias, só que também sabe que há 43 OOO homens e, por vezes, ocorrem alguns factos - ocorrerão sempre, aqui no País como em todo o lado - fora daquilo que é a ideia global que temos. Mas, de um modo genérico, só tenho de estar contente com a PSP e a GNR que o País tem: são pessoas dedicadas, são pessoas esforçadas e prestam um serviço insubstituível ao País. É bom que isto fique claro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Falemos agora dos casos de Matosinhos e do jovem baleado.

Em relação ao caso de Matosinhos, o que se passa, neste momento, é que está pendente um processo disciplinar sobre os guardas que lidaram com este problema...

O Sr. João Amaral (PCP): - E um processo disciplinar ao comando que fez a nota oficiosa?! Isso é que devia ser feito!

O Orador: - Sr. Deputado, desculpe, estou a ler-lhe a informação que tenho aqui, da PSP...

O Sr. José Magalhães (PS): - Há um processo crime?

O Orador: - Sim, Sr. Deputado. Há um processo crime a decorrer contra o eventual culpado da PSP que, aliás, se encontra detido. Portanto, Srs. Deputados, isto foi o que se passou e passará!

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O Sr. José Magalhães (PS): - E há uma declaração oficial que diz que se .tratou de um suicídio, o que é ridículo!

O Orador: - Não posso garantir...

Protestos do Deputado do PCP João Amaral.

Sr Deputado, ponha-se no lugar do Comando-Geral...

O Sr. João Amaral (PCP): - E ponho-me!

O Orador: - Srs. Deputados, ouvi-os com toda a serenidade e os senhores não têm agora a serenidade para me ouvirem dois minutos!?
A primeira versão que aqueles guardas, eventualmente implicados neste assunto, deram ao Comando-Geral da PSP foi a de um suicídio. O que também poderia ter acontecido! Perante tal, o Comando-Geral não podia dizer: «Eles dizem que foi um suicídio, mas nós dizemos que não foi!» Só mais tarde, veio a apura-se que não foi assim..

O Sr. João Amaral (PCP): - Mas há uma nota oficial a dizer que foi suicídio!...

O Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, estou a referir-me ao comunicado emitido pela Polícia de Segurança Pública, à versão que me foi dada e não tenho razão para acreditar mais em si do que na PSP!

Aplausos do PSD.

Peco-lhe desculpa, mas não tenho qualquer razão, repito, para acreditar mais em si do que no Comando-Geral da PSP.

O Sr João Amaral (PCP): - O senhor parece que não sabe onde está! Deixe-se de «tiradas» gratuitas!...

O Sr José Magalhães (PS): - E também acredita mais nisso do que no que está aqui, no jornal?!

O Orador: - Depois disso, o Comando-Geral da PSP abriu averiguações sobre aquele caso concreto, o eventual culpado foi detido e terá de responder num processo crime. Simultaneamente, está a decorrer um processo disciplinar de averiguações em relação às demais pessoas que estavam, naquele momento, na sala.
Nenhum Governo nem nenhuma corporação teria outro procedimento.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é rigoroso!

O Orador: - É rigoroso, Sr. Deputado! E não vou agora entrar em debate consigo.
Não tenho qualquer razão, repito, para duvidar do Comandante-Geral da Polícia de Segurança Pública. No momento em que duvidar dele, demito-o! E não tenho razões para isso.

O Sr. José Magalhães (PS): - Veja o que fez ao Ladeiro!

O Orador: - Em relação ao caso do Pragal, disse e repito: a GNR e o seu corpo de intervenção não dispararam qualquer tiro naquela acção. Essa é uma informação rigorosa e total. A GNR não disparou qualquer bala, nem de borracha nem real.
Apurada a situação, porque há um cidadão ferido, o que veio a verificar-se foi que, no Pragal, houve pessoas ou agentes da Polícia de Segurança Pública que foram apedrejados e reagiram com aros. Verdade também, segundo a versão policial do momento - que está sujeita a um inquérito, para o qual a polícia pediu até a colaboração pública! -, por efeito desses disparos, não se viu ninguém cair nem ser atingido. Mas, entretanto, aparece uma pessoa ferida num hospital.
Face aos incidentes ocorridos, a PSP fez um auto de notícia dos mesmos ao Ministério Público, entidade que os pode investigar, com toda a liberdade e exigência; foi ainda instaurado um processo de averiguações para saber se aqueles guardas concretos têm ou não responsabilidade nesta matéria e pedido, com carácter de urgência, ao hospital, o relatório médico-pericial sobre as características da lesão e trajectória do projéctil no corpo da vítima, bem como encetadas diligências para execução do exame balístico sobre os elementos que. neste campo, se tornem necessários averiguar.
Este foi o conjunto de diligências que a Polícia de Segurança Pública - e não foi, sequer, o Governo - levou a cabo. E não podia fazei mais! Aliás, neste caso concreto, penso que não há ninguém que possa exigir à polícia uma conduta mais exemplarmente digna do que esta.

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Acha que sim?!...

O Orador: - Sim, Sr.ª Deputada, foi exemplar! Se o Partido Socialista fosse Governo e se o Sr. Deputado Jaime Gama fosse Ministro da Administração Interna, não poderia exigir da PSP outro comportamento. Ninguém pode!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Está mandatado por ele para dizer isso?!...

O Orador: - Este é o comportamento que a PSP, responsavelmente, pode ter. Portanto, neste caso concreto, peço imensa desculpa, mas sou inteiramente solidário com os procedimentos adoptados pela PSP.

Protestos do PS.

Passemos agora à questão mais relevante, em relação a toda esta matéria, que tem a ver com a intervenção do Deputado José Magalhães.
O Sr. Deputado disse que a atitude do Governo, nesta matéria, foi «insustentável», isto é, não pode ser sustentada à luz de princípios, à luz da ética e de tudo o mais que se possa imaginar. É, precisamente, sobre isso que queria falar e, porventura, esse será o ponto mais importante que os Srs. Deputados querem discutir comigo.
Desde logo, penso que d Sr. Deputado só deve estar a referir-se à questão de ordem pública, porque à outra questão está o Sr. Ministro Ferreira do Amaral a responder, em sede de comissão. Vamos, então, discutir aqui o problema da ordem pública.
Fiquei a saber - não apenas por si, aliás - que o PS não teria agido desta maneira. Assim, vejamos o que é que, nesta matéria de ordem pública, o Governo fez: ouviu, durante repetidos dias, cidadãos que buzinavam e protestavam em virtude de um aumento. E ouviu passivamente! Não tomou, em relação a isso, qualquer atitude porque entendeu que era direito legítimo das pessoas poderem manifestar o seu descontentamento e o seu protesto. Estamos numa democracia..

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Protestos da Deputada do PS, Maria Julieta Sampaio.

Sr.ª Deputada, se quiser, pode falar a seguir para toda a Câmara, em vez de estar para aí a falar, sozinha, há 10 minutos!
Como dizia, ouvimos o protesto - entendemos que é assim em democracia - e, ordeira e pacificamente, as pessoas foram passando a ponte. Houve, porém, um momento em que as coisas se modificaram, em virtude de algumas pessoas terem bloqueado e cortado as entradas norte e sul da ponte.
Nessa matéria, o procedimento do Governo foi o seguinte: desloquei-me à ponte, falei com o Presidente da Junta Autónoma das Estradas, com o comando da força no local e pedi para convencerem as pessoas a tirar dali os carros, para que não bloqueassem a estrada, pois havia milhares de cidadãos...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe para concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, peço desculpa, mas, se me permite, pediria ao PSD que me cedesse mais algum tempo porque compreendo que se trata de um facto importante e gostava de o esclarecer cabalmente.
Depois disso, demos um período de tempo para que esse pedido, quer das forças de segurança, quer do presidente da Junta Autónoma das Estradas, fosse aceite por aquela gente que estava a manifestar-se e a cometer uma ilegalidade.
Ficou também claro, desde o princípio, que o Governo se move, nessa matéria, na defesa da legalidade, na defesa das leis do Estado democrático. Sempre o disse! E disse-o com mais clareza às 15 horas, quando foi lido, no Ministério da Administração Interna, um comunicado sobre essa matéria. Depois disso, às 16 horas, as forças de intervenção da GNR actuaram para restabelecer o trânsito, o que foi feito em cerca de 2 horas, isto é, foi restabelecida a autoridade do Estado e o cumprimento da lei naquela matéria.
Isto foi o que o Governo fez e fará sempre! Não tenham, sobre isso, qualquer dúvida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sei que o PS - e respondo ao Sr. Deputado José Magalhães - entende que o que se passou é insustentável e que não faria assim. O que lamento profundamente, como cidadão e como político, Sr. Deputado!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Podia compreender, nessa manhã, em que o País vivia uma situação delicada, que o PS dissesse aos portugueses: «Portugueses, o PS não aumentaria a portagem; o PS faria a ponte noutro local; o PS acabaria com tudo e faria tudo de maneira diferente: aumentava os impostos, mas não a portagem!» Tudo isso é admissível! São políticas, e podemos diferenciarmo-nos nas políticas. Agora, já não é admissível que o PS, que foi um partido de Governo e que quer ser Governo, não perceba o que são assuntos de Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nessa matéria, também, o que o PS devia ter dito era isto: «Mas, se tudo é legítimo, o que não é legítimo é que se violem as leis da democracia».

Aplausos do PSD.

Sinceramente, era isto que esperava do Partido Socialista, e que não tive!
Um partido que foi Governo - e se quer ser Governo -, o que tinha a dizer, naquela altura, era o seguinte: «Em situações destas, de violação da lei, primeiro temos de repor a ordem pública». O PS não o fez e foi incapaz de o fazer, o que quer dizer, Sr. Deputado, que o seu partido troca, com muita facilidade, critérios de Estado por critérios de oportunidade política. E isso é que considero grave!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista troca princípios por votos! O Partido Social Democrata não troca princípios por votos - nunca o fizemos!

Aplausos do PSD.

Risos do PS e do PCP.

Que fique claro, para si, Sr. Deputado José Magalhães, e para o Partido Socialista, que nunca trocámos nem trocaremos princípios por votos Ò que lhes tem acontecido, aos senhores, é que têm perdido os princípios e os votos!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, já agora, se me permitem, sobre essa matéria - e o que vou dizer não é nenhuma censura, é para fundamentar o que estou aqui a referir, isto é, a facilidade com que os senhores trocam critérios de Estado por critérios de oportunidade política -, vou referir-vos o que a PSP fazia, e porventura bem, no tempo em que os senhores estavam no Governo, em que o Primeiro-Ministro era o Sr. Dr. Mário Soares e o Ministro da Administração Interna o Sr. Eng.º Eduardo Pereira, por quem, aliás, tenho o maior respeito.
Manifestação no dia 14 de Março de 1984, na Avenida da Liberdade. Por que é que os manifestantes se manifestavam? Reclamavam salários em atraso! Quantos manifestantes eram? 500. A intervenção da polícia para dispersarem originou quatro feridos entre os manifestantes.
Dia 22 de Março de 1984, na Lisnave, em Almada, houve uma manifestação não autorizada com muitos manifestantes e intervenção da PSP: feridos 17, seis dos quais da PSP.
Posso prosseguir, se quiserem. Também em Março de 1984 houve uma manifestação, em frente da residência do Primeiro-Ministro, não autorizada e ilegal. Quantas pessoas eram? 46. O que é que foram lá fazer? Dizer que não lhes pagavam os ordenados O que é que lhes fizeram? Prenderam-nos todos! 46 presos!

Dia 27 de Março de 1984, em frente à residência do Sr. Primeiro-Ministro houve uma manifestação ilegal e não autorizada. O que é que queriam as pessoas? Reivindicar salários em atraso! Quantas eram? 58. Quantas foram presas? 58.

Risos do PSD.

Se quiserem, posso citar mais casos. Dia 29 de Março de 1984: quantos manifestantes eram? 59. Quantos foram presos? 59! Dia 30 de Março de 1984: quantos eram? 63. Quantos foram presos? 63! Etc...

O Sr. Domingues de Azevedo (PS): - Sr. Ministro, parece mal justificar assim a sua posição!

O Orador: - Meus caros amigos, não discuto que a atitude da PSP, nesta altura, tenha sido correcta. O que me confrange, e tem de confranger o País, é o facto de os

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senhores, rapidamente e com a maior facilidade, trocarem critérios de Estado por critérios de oportunidade política, ou seja, trocam princípios por votos. Isso é que não fazemos e é isso que nos distingue de vós!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. João Amaral (PCP): - Para exercer o direito regimental de defesa da honra e consideração.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, de acordo com o Regimento, dar-lhe-ei a palavra no fim do debate.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Para colocar uma questão ao Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - Já não é altura para pedir esclarecimentos, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Então, peço a palavra para fazer um protesto, se for possível usar essa figura, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não é, Sr. Deputado. Mas posso dar-lhe a palavra, no fim do debate, para V. Ex.ª exercer o direito de defesa da honra e consideração.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, Srs. Deputados: Pode V. Ex.ª, Sr. Ministro, erguer a voz e utilizar argumentos do nível daqueles que acabou de expender que não altera num milímetro a gravidade da conduta que o Governo adoptou - e continua a adoptar - em relação a todos os aspectos que focou.
Em primeiro lugar, V. Ex.ª acabou de consagrar, ao mais alto nível, uma política de encobrimento em relação a acções de assassinato praticadas por forças policiais. O Sr. Ministro, ao vir aqui à Assembleia da República reafirmar o silêncio dos mais altos responsáveis da PSP - lamentável silêncio esse! - sobre o trágico acontecimento ocorrido na esquadra de Matosinhos, dá uma aula acerca daquilo que o Ministro da Administração Interna não pode dar, em Portugal, seja qual for o partido a que pertença! Primeiro, porque houve uma mentira - mentira oficial, mentira inaceitável, mentira dolosa, trabalhada e propositada - e o dever do Ministro da Administração Interna, do seu partido, deste ou de qualquer outro partido, é o de fazer uma política de verdade e de defesa da legalidade democrática em todos os momentos, custe o que custar e a quem custar. E, nessa matéria, Sr. Ministro, não aceitamos lições de V. Ex.ª, a título algum!
O que V. Ex.ª fez, no caso de Matosinhos, não tem defesa possível e, mais ainda, só a acção do Ministério Público, só a acção que conduziu à detenção preventiva de um elemento das forças policiais e, a seguir, ao desmascaramento, quase ridículo, das desculpas inventadas - e mal - e corroboradas pela alta hierarquia é que permitiu a revelação da verdade. Se a verdade oficial, transmitida no primeiro comunicado, tivesse sido mantida, como V. Ex.ª queria - e só não o foi graças à liberdade de informação e ao funcionamento do Ministério Público -, ainda hoje a tese oficial, incontestada, seria a do mirabolante suicídio, com a chancela pessoal de V. Ex.ª. Acho isto inteiramente lamentável!
Em segundo lugar e quanto aos incidentes ocorridos na ponte, sabem-se todos os dias mais e mais pormenores sobre o que aí aconteceu. Para começar, V. Ex.ª teve o cuidado de não vir aqui reproduzir a aleivosia da «grande conspiração» Isso é interessante, porque V. Ex.ª é suposto ser o ministro sabedor de todas as grandes conspirações, para não esquecer as pequenas e as médias... O facto de V. Ex.ª não o ter feito aqui veio comprovar que a atitude de alguns membros do Governo, explorada através da comunicação social e ate de alguns Deputados da Casa, foi a reedição da famosa «inventora dos pregos», que, pelos vistos, é timbre de marca e faz parte do código genético do PSD.
O PSD é o partido que, colocado perante responsabilidades da administração interna, é autor da tese das inventonas - seja a da «insurreição dos pregos», seja a da «grande conspiração 'pontífera'» -, o que, devo dizer, não é grande título de glória nem permite que V. Ex.ª nos dê aulas, aí também, em matéria de sentido de Estado, porque não revelou nenhum.
Depois, ainda quanto à ponte, o que ficou por provar foi precisamente aquilo que o Sr Ministro aqui tentou asseverar, ou seja, que houve um comportamento adequado, proporcionado, eficaz e correcto por parte dos comandos e, desde logo, por parte de V. Ex.ª.
Pode o Sr. Ministro receber elogios do Primeiro-Ministro, que sobre esta matéria tem estado calado e nem sequer respondeu à interpelação, que ainda ontem, formalmente, lhe fizemos em conferência de imprensa, para que diga o que deve dizer acerca deste assunto e não se refugie no silêncio, mas a verdade é que quanto mais se sabe mais se torna claro que esse comportamento merece reparo e crítica. E só V. Ex.ª é capaz de dizer aqui, em auto-louvaminha, que foi exemplar - é o único a fazê-lo! Só que o Sr. Ministro, nessa matéria, não tem credibilidade!
Para V. Ex.ª, Sr. Ministro Dias Loureiro, o comportamento do SIS era exemplar, até ao dia em que deixou de o ser, o director do SIS era exemplar, até ao dia em que o demitiu; o senhor septuagenário da Madeira era exemplar, até ao dia em que foi considerado inepto, caduco, senil e despedido. Por isso, as declarações de exemplaridade de V. Ex.ª têm validade limitada, como certos produtos farmacêuticos.
Por outro lado, Sr. Ministro, alguns dos factos que avultam são de grande gravidade. A televisão mostrou e todos nós pudemos ver - mas V Ex.ª, como é hábito, deve ter as imagens integrais de que fala o Dr. Cavaco Silva -, um elemento da GNR a puxar por uma pistola, logo controlado, felizmente, nesse caso registado televisivamente, por um graduado. Mas como é que V. Ex.ª é capaz de asseverar que esse controlo existiu em todos os casos?! Como é que V. Ex.ª é capaz de vir aqui afirmá-lo?! É um acto temerário da vossa parte e particularmente da sua, Sr. Ministro, asseverar que, em nenhum momento, ocorreu qualquer acto incontrolado de uso de balas reais! Como é capaz de dizer isso?! Devia, ao menos, guardar nessa matéria um prudente silêncio e reservar juízo sobre ela.

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Ficou ainda provado naquela ponte, Sr. Ministro, que o dispositivo de segurança interna que V. Ex.ª comanda não está dotado dos meios necessários e adequados de intervenção. V. Ex.ª teve de socorrer-se de meios de engenharia militar para arrastar viaturas e, como sabe, há um problema de enquadramento legal no uso desses bens porque, fora do estado de sítio e do estado de emergência, o uso de forças militares, de elementos operacionais e de outros elementos não é constitucionalmente admissível.
Ficou também a saber-se que a PSP não tem meios bastantes para, eventualmente e se for necessário, enfrentar uma manifestação hostil, dirigida ao derrube do Estado democrático, conduzida com o uso de meios pesados sobre centros urbanos tão cruciais como Lisboa, mas também poderia ser o Porto!
O que se passou na ponte mostrou uma vulnerabilidade essencial dos nossos meios de defesa, mostrou que a carência de meios vai ao ponto de V. Ex.ª, ou um futuro Governo PS, ter de tomar medidas para estar dotado dos meios necessários para enfrentar situações em que estejam em causa veículos pesados. O Sr. Ministro não os tem e não revelou competência nem capacidade.
Por outro lado, Sr. Ministro, tudo isto revelou uma flagrante descoordenação de polícias. Quando a GNR, de madrugada, abandonou o terreno, deixou a PSP sozinha, enfrentando pessoas, e foi a bonomia relativa nessas circunstâncias que impediu a lapidação das forças policiais no terreno, que não tinham meios porque os paióis e os armazenamentos de armamento estavam fechados. Essas forças foram deixadas entregues a si próprias, numa manifestação lamentável de impotência e de incompetência.
É sobre estes acontecimentos que V. Ex.ª vem dizer à bancada do PS: «é exemplar, façam assim. É assim que, quem tem sentido de Estado, deve fazer» Sr. Ministro, essa aula é vinda de quem não tem legitimidade nem competência para a dar e, seguramente, para a dar a esta bancada.
Deixe que lhe diga, en passant, que a estatística que exibiu aqui é, no mínimo, de uma regularidade ética discutível. O Sr. Ministro citou um rol - que, aliás, podia ter prolongado para cima, para baixo e para o lado - de pessoas que foram detidas em circunstâncias históricas de que nos lembramos todos muito bem, só se esqueceu de revelar que elas foram libertadas a seguir, não foram baleadas e nenhuma foi para o hospital nas circunstâncias em que, lamentavelmente, neste momento, está uma pessoa, na sequência dos actos que comandou. Essa pequena diferença V. Ex.ª não sublinhou, ...

Aplausos do PS.

... ou seja, tem uma memória selectiva e é um professor lobotómico, tem metade das componentes neuronais necessárias para dar aulas.
Portanto, Sr. Ministro, estamos esclarecidos em relação à ética de V. Ex.ª nestas matérias.
Gostaria de relembrar a nossa insistência de que venha a ser aprovado urgentemente um código de conduta da actuação policial face aos cidadãos e criado um conselho de actividades de polícia que possa, com isenção e independência, apreciar incidentes, situações de dificuldade de relacionamento e até violações de direitos fundamentais no relacionamento com as forças policiais. Isso é essencial à eficácia das forças policiais e à confiança das pessoas nessas mesmas forças, para que os cidadãos vejam na polícia um elemento fundamental para a garantia das liberdades e alguém em que é possível confiar e depositar a certeza de que haverá apoio e defesa da legalidade dentro da legalidade. É esse o conceito fundamental em que não recuamos.
Não é preciso usar meios inconstitucionais para defender a Constituição e não é preciso violar as liberdades para defender o Estado democrático. Esta concepção eminentemente democrática é aquela de que nos orgulhamos, que reclamamos e assumimos como compromisso perante o povo português, agora e para o futuro.
Uma última palavra, Sr. Ministro, em relação à questão da descoordenação. V. Ex.ª está hoje aqui sozinho- enfim, acompanhado pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, agradável companhia -, pois estão ausentes os Ministros da Justiça e da Defesa Nacional, que responde por uma parte do dispositivo, respeitante à polícia marítima, e está ausente, naturalmente, o ministro das polícias de Espanha, que responde pela guarda das nossas costas na desgraçada situação que está gerada pela falta de meios do Estado português para defender a nossa faixa costeira.
Este quadro de debate, esta ausência e a sua presença em auto-imolação, porque as explicações que aqui dão são uma verdadeira fogueira em que V. Ex.ª entende consumir o que resta de si, é sinónimo ou imagem da política de segurança interna que temos: descoordenada, caracterizada pela tricefalia, pela carência endémica de meios, pela falta de orientações uniformes e por um fio condutor e, portanto, sujeita a incertezas, a disfunções, a ineficácias e a brutalidades como aquelas a que assistimos.
V. Ex.ª diz-nos que está orgulhoso desta obra. Nós dizemos que não temos qualquer razão para estar orgulhosos dela, não nos solidarizamos com ela, cremos outra alternativa e assumimos o compromisso de a realizar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este debate realiza-se num momento em que a indignação dos cidadãos em relação à actuação das forças de segurança é evidente e plenamente justificada.
Todo o País pôde assistir pela televisão à actuação desproporcionada das forças policiais na ponte 25 de Abril, que o Sr. Ministro da Administração Interna tão rasgadamente elogiou e elogia.
Todo o País sabe que um jovem foi atingido a tiro nas ruas de Almada durante as acções repressivas que foram desencadeadas contra a população desta cidade. Existem públicos testemunhos de que as forças policiais utilizaram, de facto, armas de fogo contra os cidadãos; todo o País sabe que um agente da PSP se encontra em prisão preventiva, sob suspeita de homicídio de um cidadão na esquadra de Matosinhos.
A violência nas esquadras portuguesas consta de relatórios da Amnistia Internacional. As manifestações estudantis mais recentes foram constantemente agredidas, foram as cargas policiais frente à Assembleia da República e ao Ministério da Educação; foram as agressões a estudantes do ensino secundário junto à Cidade Universitária; foram as provocações de agentes à paisana nessas manifestações e foram as acções de intimidação de jovens, por parte de forças policiais, para impedir os seus protestos contra as provas globais.
Os últimos tempos foram também marcados pelas cargas policiais contra os trabalhadores da TAP, contra os agricultores e contra os produtores de leite dos Açores

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É extremamente inquietante a frequência com que o Governo recorre à violência policial para tentar sufocar o protesto social e como arma de repressão política e é uma autêntica vergonha a forma como os membros do Governo e os mais altos responsáveis pelas forças de segurança assumem publicamente as acções mais lamentáveis dessas forças.
No recente caso de Almada, a PSP, inicialmente, negou o uso de armas de fogo, contra todas as evidências. No caso de Matosinhos, o Comando-Geral da PSP defendeu a absurda tese do suicídio, que as investigações posteriores desmentem - o mesmo Comando-Geral que se permitiu fazer uma conferência de imprensa com considerações políticas sobre as lutas estudantis para justificar as suas acções violentas; o mesmo Comando-Geral que fundamentou a carga policial sobre os estudantes em frente à Assembleia da República com base na ridícula tese da tentativa de invasão, supostamente instigada do interior por um misterioso e esbracejante indivíduo de cabelos brancos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Outra conspiração!

O Sr. João Amaral (PCP): - Devia ser o Sr. Deputado Nogueira de Brito!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando os mais altos responsáveis pelas forças de segurança assumem estas posições públicas, como podem os cidadãos ter confiança na actuação das forças policiais? Que credibilidade têm os governantes que são politicamente responsáveis por estas actuações? Este é um problema da maior gravidade.
É um facto chocante que, no relatório relativo a 1993, a pane elaborada pela PSP se inicie precisamente pelo que aí se chama de «instabilidade social»: o conflito da TAP, as acções de protesto.
O mesmo se diga da parte referente ao SIS. Sobre a alta criminalidade, nem uma linha. Toda a atenção destes serviços aparece virada para as manifestações estudantis, movimentações sindicais e acções públicas de tipo sectorial. O SIS permite-se mesmo afirmar que algumas dessas manifestações «foram de pequena representatividade e só conseguiram mais divulgação através do empolamento que lhe foi dado pela comunicação social». Ou seja, as forças e serviços de segurança, que deveriam concentrar as suas energias, meios e atenções no combate à criminalidade e na garantia do direito dos cidadãos à segurança e à tranquilidade, concentram-se antes na montagem de um sistema policial repressivo dos movimentos sociais que contestam a política do Governo PSD.
Os cidadãos não têm razões para estar tranquilos!
Apesar dos esforços demagógicos, sobretudo da parte conclusiva dos relatórios, para branquear a situação do País em matéria de insegurança dos cidadãos, anunciando sucessos que os próprios dados desmentem, a verdade é que, ao longo dos últimos anos, se tem agravado a insegurança dos portugueses.
É uma autêntica fraude invocar uma estabilização da criminalidade, sabendo que esse facto estatístico resulta, nomeadamente, da descriminalização da emissão de cheques sem cobertura até certo montante, que, obviamente, fez baixar o número de crimes, e ainda mais sabendo que, de 1992 para 1993, aumentaram significativamente as formas de criminalidade que mais preocupam os cidadãos e mais afectam a sua segurança.
A delinquência juvenil aumentou 30 %, segundo dados da GNR; o tráfico de droga aumentou 100 % nos dados da GNR, 34 % nos da PSP e IS % nos da Polícia Judiciária;
os elementos fornecidos pela PSP indicam um aumento de 20% dos roubos armados a pessoas; todos os elementos apontam para um aumento das actuações criminosas de maior violência e de maior sofisticação.
A este respeito, é elucidativo o aumento dos raptos de menores, dos crimes com utilização de engenhos explosivos ou dos crimes de associação criminosa. Aliás, a parte relativa à Polícia Judiciária refere expectativas preocupantes de evolução dos crimes contra as pessoas, que o tráfico de estupefacientes continua em aceleração, que as actuações criminosas de maior violência e aquelas que incorporam níveis de complexidade elevada aumentaram e confirmam tendências que vinham a notar-se nos anos anteriores. Refere ainda uma maior violência da criminalidade violenta.
Por outro lado, constitui uma dominante dos relatórios apresentados pelas forças de segurança, que causa preocupação, a generalizada falta de meios para o cumprimento das missões. A PSP efectuou, em 1993, menos operações que em 1992, diminuiu o número de infracções detectadas pela Brigada Fiscal e tanto a GNR como a PSP e a PJ referem graves limitações financeiras que afectam a sua capacidade de resposta.
Os cidadãos, particularmente os que vivem nas áreas metropolitanas, sabem muito bem o que significa esta falta de meios e conhecem muito bem as carências de policiamento, pois convivem com situações de permanente insegurança de pessoas e bens. Sabem por experiência própria do fracasso da tão anunciada reestruturação das forças policiais.
Mas os cidadãos também sabem que este Governo, que nega os meios para garantir a segurança e tranquilidade dos cidadãos, não olha a meios quando se trata de reprimir trabalhadores, estudantes ou populações que se manifestam contra as suas medidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se os relatórios sobre segurança interna demonstram alguma coisa é que o Governo PSD, ele próprio, é um preocupante factor de insegurança dos cidadãos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, apenas dois minutos para lhe lembrar que V. Ex.ª não me respondeu à pergunta que lhe fiz: como é que as mesmas estatísticas, num espaço de dois dias, são apresentadas de uma forma tão contraditória por dois Ministros? Disse V. Ex.ª para perguntarmos ao Governo a razão da sobreposição das duas intervenções, do Sr. Ministro da Justiça e de V. Ex.ª, só que não disse a razão porque o Sr. Ministro da Justiça pôde tirar interpretações benévolas destas estatísticas da criminalidade e V. Ex.ª - e bem - mostrou aqui a sua preocupação pelos mesmos números.
Em segundo lugar, V. Ex.ª afirmou que a palavra de um Deputado não lhe merece o mesmo crédito que a palavra da polícia e eu pergunto-lhe, Sr. Ministro: merece-lhe alguma atenção a palavra da própria vítima? Se o jovem, depois de ficar consciente, a primeira coisa que diz é que sabe quem foi o guarda que o baleou e que pode identificar esse guarda, isso não lhe diz rigorosamente nada? Isto é, V. Ex.ª é capaz de tratar um caso em que o autor do disparo é um guarda de segurança pública como se fosse um caso de simples homicídio normal, uma rixa de rua entre

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vizinhos, entregando-o ao Ministério Público para que este averigue e diga, depois, quem é ou não o culpado? Quando está em causa a credibilidade das próprias forças de segurança, por cujo procedimento as populações devem ter o maior respeito e confiança? Como é que V. Ex.ª pode confundir um caso destes com o de um homicídio vulgar investigado pelo Ministério Público?
E a mesma coisa sucede relativamente ao caso de Matosinhos.
V. Ex.ª apresenta esse caso como se se tratasse de um mero problema disciplinar- como já está sob a alçada disciplinar, não há ainda nada a alterar -, e eu pergunto-lhe: é assim que se tratam, em todos os países da Europa, que V. Ex.ª bem conhece, os casos em que há mortes nas esquadras ou em que essas mortes são imputadas aos guardas de segurança pública e em que as vítimas dizem poderem identificar esses guardas? Nesses casos, não se espera do Ministro da Administração Interna um comportamento completamente diferente do assumido em relação a um homicídio simples? É esta a pergunta que lhe quero fazer para que fique registada no Diário da Assembleia.

(O Orador reviu.)

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Fazendo algum esforço para situar o debate no lugar que lhe compete, em cumprimento do Regimento, da Lei n.º 20/87 e da Constituição, tecerei algumas considerações.
É evidente que a harmonização entre os valores de liberdade e segurança é uma das tarefas primeiras de qualquer Estado, tarefa especialmente delicada num Estado de direito democrático, porque a defesa da segurança não pode invadir a esfera da liberdade e dos direitos fundamentais dos cidadãos, tendo antes de limitar-se a garantir o seu respeito e plena concretização. É uma tarefa também especialmente sensível porque este tipo de Estados têm obrigações de natureza ética e social e, por consequência, os meios colocados ao dispor das instituições que defendem e que garantem a segurança não podem ultrapassar montantes razoáveis ou pôr em causa outros valores de natureza social, bem como o do esforço de modernização do país.
É neste sentido que deve ser analisada, desde logo, a reestruturação das forças de segurança em curso, que visa a racionalização dos meios humanos e materiais, tendo em vista também os seus níveis de eficácia. A este nível, independentemente dos quadrantes partidários, temos o dever de analisar, com isenção e objectividade, os números que nos são presentes nos relatórios. Ora, esses números dizem-nos que, em termos das áreas urbanas de Lisboa e Porto, existe uma diminuição de todos os tipos de crimes: assaltos a pessoas, assaltos a bancos, tráfico de droga, furtos, furtos em estabelecimentos, etc. Era nessas áreas que existiam as maiores preocupações, como bem se recordarão dos anteriores relatórios, e estes números revelam uma tendência de inversão bastante acentuada do crescimento da criminalidade que se fazia sentir há uns anos atrás.
Por outro lado, a criminalidade violenta e organizada, consubstanciada, por exemplo, na prática de actos de terrorismo - é um dado a realçar quando, generalizadamente, por esse mundo fora, vemos todos os dias o agravamento da situação-, é praticamente inexistente e algumas medidas sectoriais tiveram os seus efeitos positivos, como no caso dos cheques sem provisão e no da circulação rodoviária. Estes são exemplos de medidas que foram postas em causa e cujos números, agora, não deixam qualquer dúvida
Sr. Presidente e Srs. Deputados, num tema como este. o PSD não deseja ser maniqueísta nem pretende retirar dividendos meramente político-partidários da análise dos relatórios em apreço, que abordam os alicerces do Estado de direito democrático. Não olhamos apenas para a «face da moeda» que mais nos agrada e, por isso mesmo, não somos nós quem, por exemplo, como já aqui foi feito, apenas lemos as referências aos movimentos sociais do relatório dos Serviços de Informações e Segurança e tapamos os olhos aos trabalhos sobre terrorismo e espionagem, aliás, do maior relevo na prevenção desse tipo de actividades no nosso país.
Reconhecemos, também, como recentemente o Procurador-Geral da República nos expôs, o muito que há ainda a fazer no domínio do combate à corrupção, mas não podemos deixar de sublinhar, como resulta também das suas palavras, o facto de «o estado geral dos serviços da Polícia Judiciária ser bastante melhor do que era há três anos, bem como a transformação radical operada em alguns serviços, em que a inépcia, a burocratização e a apatia deram lugar a uma gestão activa, estrategicamente orientada e sensível à interorganicidade dos problemas».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de segurança, nunca nos poderemos sentir no fim da estrada. Se formos sérios na análise, veremos sempre um longo caminho a percorrer. O importante nesta área é sabermos que trilhamos o caminho certo e todos os dados aqui presentes indicam objectivamente que o Estado português vai no bom caminho.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP):- Sr. Presidente, sugeria dar ao Sr. Ministro o benefício de ser o último a falar e, se V Ex.ª assim o entender, faria agora a minha defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Não havendo objecções por parte do Sr. Ministro, para exercer o direito regimental de defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, pedi e insisti no uso a palavra para exercer o direito da defesa da honra, que, como V. Ex.ª sabe, não é figura a que recorra com frequência, porque entendo que o Sr Ministro não teve vantagem nenhuma nem tinha o direito de recorrer à ofensa pessoal para argumentar e defender os seus pontos de vista.
Na verdade, eu não disse nada que se equipare ao que foi feito pelo Comando da PSP, que assumiu, sem critério e sem crítica, a «historieta», sem pés nem cabeça, que lhe contaram. O Sr. Ministro tem praticamente a mesma idade que eu e sabe que a história não tem pés nem cabeça.
O que aqui critiquei foi esse facto e não pedi que o Comando da PSP fizesse um comunicado a dizer que, em Matosinhos, a polícia tinha baleado cidadãos. O que critiquei e afirmo que perturba gravemente a confiança que

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os cidadãos possam ter na polícia foi o facto de o Comando da PSP, em cima dos acontecimentos, vir dizer uma coisa que é manifestamente impossível e absurda, por mero ouvir dizer de dois ou três guardas, sem inquirir e sem aprofundar a situação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr José Magalhães (PS): - E que o mantenha até à data!

O Sr Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, se me permite, começo por usar o meu direito de resposta relativamente ao Sr. Deputado João Amaral, que me conhece há muitos anos e sabe que não está no meu espírito, como também não está no dele, certamente, enveredar por caminhos de ofensa pessoal.
Em todo o caso, estamos num debate político e compreendo que tenhamos pontos de vista divergentes sobre os mesmos assuntos, o que é normal. Porém, não posso dizer-lhe mais nada em relação aos factos. Aquilo que lhe disse é a minha posição, que decorre das informações de que disponho e, repito, não tenho qualquer razão para não poder acreditar naquilo que a PSP me diz, nomeadamente o seu comando-geral.
Nesta minha última intervenção começo por dizer ao Sr Deputado José Magalhães o seguinte: relevo o facto de o senhor estar convertido recentemente à democracia e, mais do que isso, perdoo-lhe o facto de, muitas vezes, não mediu as palavras que diz, na velocidade com que fala, na eloquência e no brilho que procura dar às suas intervenções, mais através das palavras que usa do que daquilo que em substância diz.
De qualquer modo, peco-lhe imensa desculpa, não lhe posso admitir que o senhor alguma vez possa pensar e muito menos dizer, nem aqui nem em lado nenhum, que eu pretendia encobrir um eventual homicídio numa esquadra! Isso, Sr. Deputado, bule com a minha dignidade mais profunda e eu. em nome de nada, nem do facto de o senhor estar recentemente convertido à democracia nem no de muitas vezes, não medir as suas palavras, não lhe posso admitir!
Tenho uma concepção da vida que assenta em direitos humanos - é aquilo que fundamentalmente me guia - e, Sr. Deputado, repito, nem aqui nem em lado algum lhe admito que pense e muito menos que o diga, que eu podia tentar ou pretender omitir um eventual homicídio numa esquadra onde quer que fosse. Sobre isto estamos esclarecidos!

Aplausos do PSD.

Gostaria de concluir dizendo que este debate, ao que me parece, foi elucidativo a vários títulos. Hoje, quando estamos a falar de matérias de Estado, de matérias de ordem pública, o PS defendeu aqui uma posição, através do Sr Deputado José Magalhães, que o mesmo Deputado podia ter defendido há 10 anos atrás na bancada do PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para mim, isso foi claramente evidente e devo dizer que o registo com a maior pena e desgosto.
Todavia, este facto, em meu entender da maior gravidade, significa que, nestas matérias de Estado e de ordem pública, o PS pensa muito diferentemente daquilo que pensava, não só em relação a este propósito como também quanto a um conjunto de matérias sobre as quais tenho sempre procurado dialogar com a Assembleia, sobretudo com o PS (que sempre pensei que estivesse mais próximo de nós em questões destas), indo falar à Comissão especializada, tantas vezes quanto as necessárias, sobre o asilo, sobre a imigração, sobre a reforma das forças de segurança, etc. No entanto, apenas tenho encontrado uma coisa: divergência! Nestas matérias, o PS, mais uma vez, diverge frontalmente de nós!

Vozes do PS: - Ainda bem!

O Orador: - Tenho de o notar e faço-o com grande pena... E noto, sobretudo, que isto representa uma viragem de 180º em relação àquilo que o PS pensava.

O Sr. José Puig (PSD): - É verdade!

O Orador: - Não tenho tempo de ler, mas recomendo aos Srs. Deputados a leitura da página 2788 do Diário, de 1977 - que posso entregar no final da sessão -, onde está um discurso do Dr. Mário Soares sobre estas matérias.
Porém, nestas matérias, repito, o PS fez uma volta de 180º, o que lamento, e mais uma vez, como já tinha feito, infelizmente, trocou e troca facilmente critérios de Estado por critérios de oportunidade política, troca princípios por votos, o que é muito grave. Mas o que lhe vai acontecer é que perde os princípios e não vai ganhar os votos!

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Ministro, compreendo a sua perturbação e até que ela o leve a resvalar para uma questiúncula pessoal, que me é totalmente indiferente e que não é para aqui chamada. Aliás, se V. Ex.ª quiser fazer o cadastro político de V. Ex.ª e pô-lo ao lado do meu, discuti-los-emos calmamente e isso não me afecta nada. Assumo integralmente as opções que V. Ex.ª conhece e que foram, aliás, largamente explicadas.
De qualquer forma, aquilo que o preocupa é a chamada viragem do PS, viragem essa assumida pelos seus órgãos nacionais, expressa em documentos sucessivos, em votações feitas na Assembleia da República, por unanimidade da bancada. Portanto, V. Ex.ª acusa não um Deputado singularmente mas o partido como tal, a direcção da bancada e todos os seus componentes de uma viragem.
Porém, sucede que quem fez a viragem foi o PSD e fê-lo abjurando em matéria como o direito de asilo e outras aquilo que era o legado de Sá Carneiro, afirmado em legislação sucessiva aqui aprovada nos anos 80.
V. Ex.ª é melhor fiel desse legado do que eu, mas qualquer cidadão é livre de verificar que quem virou foi V. Ex.ª, em matéria de política de imigração e de estrangeiros.
Mais: quem troca princípios por votos é V. Ex.ª, ao insinuar e criar a ideia do «perigo negro» e ao fazer com que se veja em cada pessoa de cor diferente da nossa um assassino potencial, um violador atrás do qual é necessário

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lançar um polícia que V. Ex.ª comanda, o serviço de estrangeiros, criando um fosso entre imigrantes e nacionais e uma ideia xenófoba, que é um caldo de cultura espúrio em que o PSD procura cavalgar para disfarçar a sua impotência em combater os factores de segurança interna que V. Ex.ª não controla e por isso vem aqui sempre, e sempre, fazer o mesmo choradinho.
O Sr. Ministro não consegue que o Ministro Laborinho Lúcio lhe dispense os GNR e os PSP que usa para notificações, não consegue meios para as polícias, não tem dinheiro para guardar a fronteira externa, tem de mendigar aos espanhóis as vedetas para defender as nossas águas,... é esta lamúria que V. Ex.ª exibe como timbre da sua política! Sr. Ministro, temos muita pena de si, mas temos mais pena dos portugueses!...
Quanto à questão da política e da postura de Estado, o facto é que há, claramente, uma divergência entre os dois partidos, mas é uma divergência virtuosa...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe-me mas está a fazer uma intervenção sob a figura regimental da defesa da consideração da sua bancada.

O Orador: - Não, Sr. Presidente, estou a defender a minha bancada quanto à imputação, aliás, bastante grave, de uma incoerência ou de uma falta de sentido de Estado nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, está a fazer uma intervenção com outra função, chamo-lhe a atenção para isso, e gostaria que se cingisse ao tema.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente. Temos conceitos claramente diferentes mas vou procurar cingir-me ainda mais.
O Sr. Ministro, nesta matéria, não tem qualquer legitimidade para nos dar aulas e, mais ainda - leve esta advertência para reflexão de fim-de-semana, porque ela toca-me profundamente, como creio que toca a todos -, o Sr. Ministro não pode, em relação ao caso de assassinato de Matosinhos como em relação aos acontecimentos da ponte, dizer o que aqui disse e censurar coisas como aqueles que referi, vendo nelas qualquer intenção insultuosa.
Assim, foi uma advertência leal e com sentido de Estado, pois o Sr. Ministro, por um lado, ao não desmentir a versão ridícula da hierarquia da PSP está a corroborá-la, cobrindo-se a si próprio de ridículo, e, por outro, está a cobrir, e é essa a palavra, o uso de meios impróprios na ponte, numa extensão que ainda não conhecemos.
Falei das imagens reais, dos GNR a disparar...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço que conclua.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Sr. Ministro, é imprudente fazê-lo e esta bancada gostaria de dar a V. Ex.ª a colaboração leal de lhe sugerir que medite sobre este assunto e volte cá depois de ter meditado e de ter visto os filmes reais, porque pode descobrir-se ainda coisas terríveis sobre o uso indevido de elementos armados na Ponte. Portanto, prudência, Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Deputado José Magalhães, vamos lá ver se nos entendemos: as considerações que fiz...

Vozes do PS:- Não entendemos, não!

O Orador: - ... sobre esta matéria são políticas e nada têm de pessoal. No entanto, o que o senhor disse quanto ao meu eventual encobrimento de um eventual crime é uma ofensa pessoal, a que reagi porque o senhor não tem o direito de dizer...

O Sr. José Magalhães (PS): - Não tem nenhuma interpretação política!

O Orador: - Não foi uma interpretação política, desculpe-me, foi uma interpretação sobre a minha personalidade enquanto cidadão e isso, Sr. Deputado, não posso admitir. Politicamente, tudo aquilo que o senhor quiser mas pessoalmente.
Para além disso, o que também fica aqui claro, e o senhor assume-o pela primeira vez, é que aquilo que eu vinha dizendo sobre o facto de o PS ter vindo a mudar é verdade, pois o PS mudou e já não pensa o que pensava.

O Sr. José Magalhães (PS): - Vocês é que mudaram, estão xenófobos!

O Orador: - De facto, o senhor acaba de afirmar - e as actas dirão- que, de facto, há uma viragem do Partido Socialista, assumida ao mais alto nível, assumida pelos órgãos próprios do Partido Socialista, e, em minha opinião, é bom que os portugueses reparem nisto.
Nestas matérias de segurança e de Estado, nas quais o Partido Socialista tem um património tão longo como a sua história democrática, depois do 25 de Abril, o Partido Socialista repudia esse património, sobre o Estado, a autoridade do Estado, a defesa da legalidade democrática. São questões cruciais, porque é aí que se alicerça a vida em sociedade. E, nesta matéria, o PS mudou!
Sr. Deputado, continuo a dizer o mesmo de há pouco registo essa mudança, mas faço-o com mágoa, porque gostaria que essas matérias tivessem, em Portugal - e tenho procurado que assim seja, como o Sr. Deputado sabe indo à Comissão, falando, dizendo... -, um consenso maior, mais alargado, do PSD, do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - Como é isso possível?!

O Orador: - Que tivessem o consenso do CDS-PP. o que também não se verifica, porque hoje, se quisesse, em boa verdade, distinguir um discurso do CDS-PP de um do PCP eu não conseguiria...

Protestos do Deputado do CDS-PP Narana Coissoró.

Gostaria muito, mas não têm.

Então, nesta matéria, o PSD fica sozinho, mas fica honradamente sozinho e com coragem.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS) - Não é possível, tem alguns mortos ao lado!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP)- - Sr. Presidente. peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP) - Sr Presidente. Sr: Ministro da Administração Interna, faça favor de não

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confundir as posições do Partido Socialista com as minhas afirmações.
Eu não disse uma palavra sobre a intervenção das forças de segurança; não disse uma palavra sobre o desbloqueamento da ponte; não me dirigi a V. Ex.ª sobre qualquer dos actos praticados nessa sexta-feira na praça da portagem da ponte. A única coisa que falei foi na necessidade de dar ao País uma informação correcta sobre dois casos conhecidos de violência individual: o do Pragal e o de Matosinhos. Foram sobre estes dois casos concretos que pedi para V. Ex.ª elucidar a Câmara.

O Sr. José Magalhães (PS): - E não elucidou!

O Orador: - De modo que não confunda o que a bancada do PS disse sobre a utilização das forças de segurança para desobstruir a ponte ou restabelecer a ordem pública com aquilo que eu disse sobre os dois casos pontuais e individuais. V. Ex.ª há-de fazer a justiça de o reconhecer.

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, com todo o respeito, penso que não confundi coisa alguma, que ouvi bem o que o Sr. Deputado disse e, para tirar dúvidas, vou pedir a acta deste debate, para ler e guardar como recordação.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Com certeza!

O Sr. José Magalhães (PS): - Deve até emoldurar!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrado o debate sobre os relatórios de Segurança Interna de 1991, 1992 e 1993.
No entanto, antes de passarmos ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos, informo a Câmara de um parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, que vem no seguimento de uma carta do Sr. Presidente da República, a qual, no essencial, diz o seguinte:
Estando prevista a minha deslocação a Paris, nos próximos dias 5 e 6 de Julho, para, a convite da UNESCO, participar na cerimónia de entrega do «Prémio Félix Houphouet-Boigny», de cujo júri sou membro, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República.
Solicito ao Sr. Secretário que proceda à leitura do respectivo parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperaçâo.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o parecer e proposta de resolução, assinada pelo Presidente da Comissão António Maria Pereira, é do seguinte teor:

A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar em viagem de carácter oficial a Paris, entre os dias 5 e 6 do corrente mês de Julho, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:

Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à viagem de carácter oficial a Paris, entre os dias 5 e 6 do corrente mês de Julho.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

Srs. Deputados, vamos dar início à apreciação, na generalidade, do projecto de lei n.º 413/VI - Altera algumas disposições do Decreto-Lei n.º 404/82, de 24 de Setembro (pensões de preço de sangue) (PCP).
Visto não se encontrar presente o relator, tem a palavra, para uma intervenção, na qualidade de autor, o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com o projecto de lei n.º 413/VI, alterando algumas das disposições do regime legal de atribuição de pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, o PCP confronta a Assembleia da República, todos os Srs. Deputados, com a necessidade de responder com clareza e frontalidade a uma situação que chocou, e ainda choca, a opinião pública portuguesa e que consubstancia uma intolerável iniquidade a que urge pôr termo.
Trata-se, todos o sabem, da atribuição dessas pensões, por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, a dirigentes da ex-PIDE/DGS, conhecidos torcionários ao serviço do regime fascista, altos responsáveis de uma organização terrorista e criminosa, membros de uma polícia política que fez da violação dos direitos e liberdades dos cidadãos prática assumida e constante.
A consciência democrática dos portugueses tem mais que razões para se interrogar: como é possível que o Estado democrático manifeste àqueles que foram, no terreno, os maiores inimigos da democracia, o público reconhecimento de uma dignidade acima dos outros cidadãos? Se alguma coisa distingue os ex-pides, ainda por cima altos responsáveis, é precisamente a particular indignidade dos actos que praticaram e da organização criminosa a que pertenciam.
O fascismo existiu, Srs. Deputados! Não se apaga da História nem da nossa memória colectiva o cortejo de violências, torturas, de arbitrariedades, de indignidades, que foram consciente e deliberadamente praticadas pelos agentes da ex-PIDE/DGS.
Mais do que qualquer outra organização ou instituição, foi a ex-PIDE/DGS a principal organização que sustentou e permitiu a sobrevivência por 48 anos de um regime de ditadura, de exploração e de violência.
A PIDE/DGS e as suas prisões. As torturas e chocantes violências sobre os presos políticos. Os assassinatos friamente preparados e executados, como o de Militão Ribeiro, assassinado na cadeia, ou o do pintor Dias Coelho, perseguido e assassinado cobardemente numa rua de Lisboa, ou o de Humberto Delgado, sordidamente atraído a uma cilada e sumariamente executado.
A PIDE e a sua rede de informadores, de delatores e provocadores das denúncias e das pequenas e grandes calúnias. A PIDE e a censura do pensamento, as apreensões de livros, os autos de fé a intelectuais e artistas. A PIDE e a repressão brutal dos mais elementares direitos dos cidadãos e das liberdades.
Como é que foi possível a atribuição a alguns dos membros dessa organização criminosa de um «reconhecimento por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País»?
Os casos publicamente conhecidos são três. Tomemos um deles, que nas comemorações do 20.º aniversário do 25 de Abril ganhou uma enorme notoriedade. Trata-se do

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Oscar Cardoso, o ex-agente da PIDE/DGS a que a SIC deu tempo de antena, num debate que deu o tom às comemorações. A arrogância que exibiu contrastou com a subserviência com que foi tratado. Nem uma, a arrogância, nem outra, a subserviência, escondem o seu currículo pessoal.
O Oscar Cardoso celebrizou-se em Portugal e nas ex-colónias pelo alto nível de responsabilidades que deteve e assumiu no aparelho repressivo do fascismo. Não foi nenhum santinho de gabinete, como a certa altura quiseram pôr a correr. Envolveu-se pessoalmente na tortura de presos. São muitos os que vieram publicamente afirmá-lo. Vou referir três.
Carlos Manuel Myre Dores: teve dois períodos de tortura do sono, um período de cinco dias e quatro noites e outro de quatro dias e quatro noites; foi agredido a soco, a pontapé e com matracas.
Armando Cerqueira: dois períodos de tortura do sono, um de dois dias e uma noite e outro de quatro dias e três noites; entre outras barbaridades, sofreu a aplicação de uma sonda pelo nariz, através da qual introduziam as coisas mais variadas que os Srs. Deputados possam imaginar.
Acácio Pinto Barata Lima: dois períodos de tortura do sono, um de quatro dias e quatro noites e outro de uma semana inteira.
O inspector responsável em todos estes casos foi o Oscar Cardoso. Este mesmo Oscar Cardoso está presente e activo na PIDE/DGS até ao seu estertor final. Por outro lado, há três episódios que merecem aqui particular registo.
É ele que, no dia 16 de Março, vai, pessoalmente, prender o General Almeida Bruno, por sua iniciativa. No dia 25 de Abril, é um dos PIDES/DGS que prepara a fuga de Marcelo Caetano, ainda na esperança de fazer sobreviver o regime fascista. Já acossado, é dos mais altos responsáveis que, ainda no dia 25 de Abril, fica a dirigir o corpo de 200 PIDES/DGS que ocupam as instalações da sede, na Rua António Maria Cardoso. É sob as suas ordens que são distribuídas armas aos agentes' É sob as suas ordens que eles são instalados nas janelas do edifício! É sob as suas ordens que os agentes disparam, para o ar, como sempre fazem! Resultado: as únicas mortes que se verificaram em toda a acção militar revolucionária do 25 de Abril!
A atribuição destas pensões a ex-pides esteve na origem de um dos mais sórdidos espectáculos que se pode imaginar. Foi a perseguição e levada a tribunal de Francisco Sousa Tavares, pelos artigos que escreveu a exprimir a sua comovida e exaltada reacção contra a atribuição dessas pensões. Disse Sousa Tavares: «Este escarro em tudo o que representou a Revolução de Abril ressoará muito tempo em todos os que sofreram, em todos os que foram perseguidos pela PIDE, em todos os que prestaram à Pátria o excelso serviço de luta pela liberdade, com sacrifício da sua vida, do bem-estar, da carreira e da sua própria segurança».
Ao fim e ao cabo, Sousa Tavares dizia, com indignação e repulsa, o mesmo que um Deputado, desta Assembleia, José Pacheco Pereira, escreveu com outro estilo: «Tudo isto não pode justificar qualquer acto que objectivamente revela uma validação a posteriori ou, pelo menos, uma indiferença face àquilo que a PIDE fez e significou. O conteúdo desses actos e o seu valor simbólico não podem ser incorporados numa democracia, muito menos pela via de um reconhecimento pelo Estado de serviços distintos, realizados por estes homens, por aquela organização e naquele regime. O mundo da força, num mundo para além da lei, não pode ser legitimado pela democracia».
Srs. Deputados, a atribuição das pensões aos «pides» foi da inteira responsabilidade do Governo. Os despachos que conheço são subscritos pelo Primeiro-Ministro Cavaco Silva e pelos Ministros das Finanças Cadilhe e Braga de Macedo. Tal como resulta directamente da lei, é a estes membros do Governo que cabe a decisão final, decisão que pode ser desfavorável mesmo que haja qualquer parecer favorável no processo, venha ele de quem for, como é o caso dos pareceres do Supremo Tribunal Militar.
O método que seguiram estes ex-pides para obterem as pensões foi o de aproveitarem a legislação existente, que permitia o requerimento daquelas pensões por serviços excepcionais e relevantes, invocando factos em que tivessem participado no teatro de guerra, durante a guerra colonial. Nos requerimentos, esses factos eram isolados de todo o contexto em que os requerentes, como agentes da PIDE, se inseriam. O processo foi submetido a parecer do Supremo Tribunal Militar, que apreciou somente os factos invocados, desinseridos das funções, do curriculum e da organização criminosa a que o requerente pertencia.
O Almirante Cerejeiro, então Presidente do Supremo Tribunal Militar, afirmou publicamente que a responsabilidade pelas pensões era do Governo, que era o único a ter o poder de as conceder ou de as negar, e não do Supremo Tribunal Militar, que se limitava a dar um parecer não vinculativo. Como já disse, isto é verdade, efectivamente. Mas isso não toma menos chocante e indigno que o Supremo Tribunal Militar ignorasse completamente todos os factos relativos ao curriculum e funções dos requerentes e às características da PIDE, isto ao mesmo tempo que denegava um parecer favorável a um requerimento de Salgueiro Maia, recusando-se a reconhecer - a ele. Salgueiro Maia! - os actos de abnegação e coragem cívica e os altos serviços prestados à Pátria consubstanciados na acção militar do 25 de Abril e no determinante papel que nele teve Salgueiro Maia.
Isso tomou a acção judicial contra Sousa Tavares posta pelo Supremo Tribunal Militar e o apoio dado ao Supremo Tribunal Militar pelo Ministro da Defesa, factos ainda mais inaceitáveis. Foi, assim, com base em pareceres que não consideram nem apreciam todos os factos relevantes que o Governo decidiu. E fê-lo sem dar a devida relevância à qualidade dos requerentes como agentes da PIDE/DGS e aos comportamentos que nessa qualidade tiveram - digo-o com toda a consciência.
Quando afirmo que o Governo não deu a devida relevância a esse facto, estabeleço uma presunção, segundo os princípios da boa-fé. Mas, se alguém aqui, incluindo a bancada do PSD, entende que o Governo deu as pensões dando relevância ao facto de eles serem agentes da PIDE, então é bom que isso fique esclarecido de uma vez por todas: que seja dito, aqui e agora, e com esse conteúdo exacto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Até lá, enquanto essa frase não for dita assim, em redondo, sem dúvidas, continuaremos a estabelecer que, para efeitos da decisão administrativa da concessão das pensões àqueles ex-pides, não fez parte dos seus fundamentos o facto de serem ex-pides.
O escândalo foi tal, na altura, que o próprio Governo alterou a lei, esclarecendo, através de um aditamento de um n.º 2 ao artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 404/82, que a «exemplar conduta moral e cívica» já exigível para atribuição das pensões ao beneficiário que a requeria se traduzia, designadamente, «no respeito das liberdades e direitos dos cidadãos». Este acrescento é de valor meramente simbólico. Se ao tempo da atribuição das pensões já era

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exigível «exemplar conduta moral e cívica» (é isto o que diz a lei), evidentemente que tal não sucedia com altos responsáveis pela ex-PIDE, como são os três agraciados, detentores de um curriculum indignificante e merecedor da mais viva reprovação ética e cívica.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que propomos, Sr. Presidente e Srs Deputados, é que seja agora dada a devida relevância a esta situação de ex-pides e que, formulado esse juízo de condenação ética e cívica, seja revista e anulada a consideração de que esses indivíduos são merecedores da gratidão da Nação por serviços distintos. Porque é isso que, em primeiro lugar, é preciso revogar e anular. Esta é a resposta que propomos para a chocante situação que descrevi e que todos conhecem. É com esta resposta que confrontamos a Assembleia da República.
Srs. Deputados, lê-se o relatório da 1.ª Comissão e não se acredita não há uma única palavra acerca da situação em si! Não há uma palavra de repulsa, de condenação, nem que seja. ao menos, de incomodidade perante este facto de altos responsáveis da ex-PIDE estarem alcandorados a cidadãos de elevados méritos e merecedores da gratidão da Nação!

O Sr Marques Júnior (PS): - Muito bem!

O Orador: - O relatório usa a retórica jurídica como uma toca, onde se refugia para não tomar partido sobre a situação, para não enfrentar o problema político que é o centro deste debate, e é esse que trouxemos aqui para discussão.
Não estamos perante nenhuma situação de âmbito da segurança social. Os ex-pides têm essas reformas da segurança social, na medida em que descontaram para a segurança social. Não há nenhum ex-pide beneficiário destas pensões por serviços excepcionais que esteja com qualquer espécie de dificuldades. Devo dizer, bem pelo contrário! Estas pensões por altos serviços têm natureza político-institucional: não são do âmbito da segurança social - são a expressão material da gratidão do Estado português perante certos cidadãos! O que o PCP questiona com este projecto de lei é que haja esta dívida de gratidão. Não há! Não há dívida de gratidão, definitivamente, não há nenhuma dívida. O reconhecimento de uma tal dívida viola a Constituição quando aquela aceita a qualificação da ex-PIDE/DGS como organização criminosa, na medida em que incorporou a Lei Constitucional de 1975; e viola a lei quando esta exige (já o exigia no tempo da concessão) que o beneficiário tivesse «exemplar conduta moral e cívica». Esse reconhecimento de uma dívida de gratidão tem de ser anulado, por exigências constitucionais e legais mas, muito mais do que isso, por exigências ético-políticas.
A fórmula jurídica usada para atingir o objectivo há-de merecer, ou deveria merecer, certamente, em sede de especialidade, a atenção necessária para ser eficaz e correcta Mas, o problema, na generalidade, não é jurídico - é político Ou melhor, se há um problema para os juristas (e destaco isto), é o de responderem às exigências de justiça dos cidadãos, à exigência de que cesse a iníqua e inaceitável atribuição de pensões por serviços relevantes ao País dadas a estes ex-pides. Façamo-lo nós, aqui na Assembleia, em nome de todos, de todos sem excepção, os que prestaram o excepcional e relevante serviço ao País de combater sem tréguas pela liberdade - por uma liberdade que a PIDE esmagou durante dezenas de anos!

Aplausos do PS e do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Correia Afonso.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral esgotou o tempo de que dispunha o Grupo Parlamentar do PCP. Tem um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, pelo que a Mesa lhe dará um minuto para poder responder, apelando desde já ao poder de síntese do Sr. Deputado João Amaral.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a minha intervenção não será tanto para pedir esclarecimentos mas para manifestar o meu apoio e a minha solidariedade não só às palavras do Sr. Deputado João Amaral como ao projecto de lei apresentado pelo PCP.
Em relação a esta matéria e pouco tempo depois de ter sido publicada no Diário da República a atribuição dessas pensões aos agentes da ex-PIDE/DGS por serviços relevantes ao País, tive oportunidade, através de requerimento ao Governo, de pedir esclarecimentos sobre o assunto, nomeadamente elementos sobre os feitos que fundamentavam as razões dessa atribuição.
Passados quase dois anos, continuei sem receber qualquer resposta e sem que me fosse fornecido qualquer elemento dos que eu havia solicitado. Voltei a reincidir, fiz novo requerimento, e, recentemente, recebi uma resposta do Governo no qual atribui a total responsabilidade pela decisão da atribuição das pensões ao «Venerando» Supremo Tribunal Militar (como, aliás, é designado, não sei se com uma certa ironia).
Perante isto, quero sublinhar que existe aqui um sacudir de responsabilidades, em relação a esta tomada de decisão que tem profundo conteúdo político, entre o Governo e o Supremo Tribunal Militar, não obstante a decisão ser, no fundo, subscrita pelo Sr. Primeiro-Ministro e pelo Sr. Ministro das Finanças, como é de todos conhecido.
Gostaria de realçar, agora, o facto da ausência de assunção política da responsabilidade de uma decisão desta natureza, que ofende todos aqueles - e sou um deles - que passaram pelas mãos da polícia política do anterior regime, e que, portanto, de forma alguma, podem aceitar um acto desta natureza sem profunda repulsa e sem profunda indignação.
Para concluir, quero, muito simplesmente, manifestar a minha solidariedade, o meu apoio pessoal e o da minha bancada, como aliás, o meu colega Marques Júnior terá oportunidade de fundamentar e sublinhar na sua intervenção.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, quero, muito simplesmente, agradecer as suas palavras e dizer-lhe que tive conhecimento desse requerimento, mas não da resposta, e que reafirmo o essencial do que disse, ou seja, a necessidade de uma política no sentido de encontrar uma solução jurídica para este problema, que é importante

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

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O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, e receando ultrapassar o tempo de que disponho, quero agradecer ao CDS-PP a cedência de algum do seu tempo.
O projecto de lei que o PCP acabou de apresentar, para além de corresponder a uma proposta de alteração legislativa, corresponde também a um grito de revolta e a uma manifestação de indignação com a qual, independentemente das soluções propostas, penso que todos comungam.
O projecto de lei apresentado é a expressão dessa indignação, mas ele representa, em minha opinião, muito mais do que isso. Ele traduz a forma material que impede que situações escandalosas, como aquela que se verificou na atribuição de pensões aos agentes da ex-PIDE/DGS por serviços excepcionais e relevantes ao País, se possa repetir.
No entanto, este projecto de lei desperta-me para um conjunto de problemas muito mais vasto. Recorda-nos a ditadura, lembra-nos os tempos conturbados dos primeiros tempos da nossa democracia e traz-nos à memória a guerra colonial, que muita gente tem procurado ignorar mas que todos os dias se nos apresenta das formas mais diversas e, por vezes, dramáticas, como é o caso dos deficientes que clamam por justiça.
São os problemas económicos, clínicos e outros dos deficientes das Forças Armadas, juridicamente considerados como tais, e são aqueles outros, muitas dezenas de milhar, que ainda hoje sofrem os efeitos da guerra, mas que não são legalmente considerados deficientes das Forças Armadas e, portanto, não têm qualquer apoio do Estado português.
São os seus diferentes enquadramentos conceptuais e jurídicos que discriminam uns relativamente a outros e que continuam nas secretárias dos governantes à espera das respostas adequadas e que levam a desesperar muitos deles, considerando, e com toda a razão, que a luta pela Pátria justificaria uma outra prioridade no tratamento dos seus casos específicos.
Para além disto tudo, mas intimamente ligado, está a questão das pensões de preço de sangue e as pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País e o seu também diferente enquadramento conceptual e legal, que cria as maiores discriminações e confusões e que são hoje objecto de vários recursos para o Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente no que se refere às condições e aos pressupostos de atribuição de umas e outras, independentemente das análises do mérito e demérito na sua atribuição.
A confusão está, pois, generalizada. A legislação avulsa e dispersa é muitas vezes contraditória ou de difícil e, portanto, diversificada interpretação, a necessitar de uma urgente reformulação, de forma a não permitir, o que hoje acontece, que para casos iguais haja soluções diferentes ou manifestamente injustas, na base de pressupostos que estão hoje claramente ultrapassados, 20 anos depois de terminada a guerra.
Mas, para além destas questões que estão intimamente ligadas há que considerar o caso concreto suscitado pelo projecto de lei do PCP, que é o que se refere à atribuição das pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, que não se devem confundir (o que hoje acontece como referi anteriormente) com quaisquer outras pensões, nem sequer com aquelas que são atribuídas aos deficientes das Forças Armadas, que resultaram exclusivamente de acções concretas que provocaram a sua deficiência e que possam não estar relacionadas com uma acção merecedora de mento relevante (embora seja de admitir que qualquer deficiência em campanha, merece, só por si, ser considerada resultante de uma acção relevante prestada ao País).
A importância destas pensões e o estatuto que lhe está subjacente não pode ser confundido com qualquer outra pensão de carácter económico. O seu mento não deve ser aferido em função de razões económicas e a sua atribuição e o seu valor não pode estar dependente das condições económicas do beneficiário. Esta confusão, no entanto, é hoje estabelecida pela Caixa Geral de Depósitos e contestada pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Como refere o PCP na exposição de motivos «não é uma pensão atribuída no âmbito da Segurança Social e antes a expressão material de uma dívida de gratidão do Estado Português».
A atribuição desta pensão pelo Estado português implica, pois, o reconhecimento, para além de actos de abnegação, coragem cívica e altos e assinalados serviços à Humanidade e à Pátria, que o beneficiário seja um cidadão exemplar e identificado com os valores da dignidade da pessoa humana e cuja acção possa ser considerada, pelas mais variadas formas, como de luta pelos ideais da Liberdade e da Democracia, sem o que a expressão material dessa dívida de gratidão de um Estado de Direito Democrático não faz qualquer sentido.
É neste quadro que entendo a proposta do PCP.
Ela tem o mérito de procurar clarificar, para o futuro, a legislação existente no que se refere a estas pensões e à qual por certo não é estranha a sua atribuição a agentes da ex-PIDE/DGS, que personificam tudo aquilo que não deve ser considerado, no conjunto das razões objectivas e subjectivas subjacentes à atribuição das referidas pensões.
Compreende-se, pois, que o conhecimento público desta situação tivesse suscitado a mais viva repulsa, e, pelas mesmas razões, não se compreende que as entidades com responsabilidades neste caso não tenham sido sensíveis aos valores explícitos e implícitos que devem estar subjacentes nos pressupostos que justificaram a atribuição dessas pensões.
Na verdade, é difícil aceitar, mesmo na base do Decreto-Lei n.º 404/82, (sem as alterações entretanto introduzidas), que os responsáveis por todo este processo atribuam estas pensões aos agentes da ex-PIDE/DGS. Penso que não há base legal e/ou constitucional que suporte tal decisão.
Mas, para além da questão jurídica, há a sensibilidade e o senso comum que não podem estar ausentes destas normas. Não é crível que o legislador tivesse no seu pensamento a atribuição de tais pensões Se pensasse assim teria de considerar que a nossa democracia, que tantos sacrifícios custou, não estaria suficientemente consolidada ou teria os genes da sua destruição. A nossa democracia é ainda jovem mas acredito sinceramente na sua capacidade de afirmação, pois desde sempre tem dado provas de grande tolerância e de respeito pelos adversários e até pelos inimigos. Creio que essa atitude é correcta e ajustada mas não podemos confundir tolerância com inversão de valores e de ideais. Isto significaria violar grosseiramente os próprios alicerces da Democracia. Isto seria ser antidemocrático e contra a liberdade.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estão ainda bem vivos em todos nós os ecos de uma indignação generalizada relativamente à atribuição de pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País a agentes da ex-PIDE/DGS. A polémica que na altura teve

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lugar envolveu personalidades e instâncias da mais alta hierarquia do Estado correspondentes à dimensão desta mesma indignação.
Estava em causa a aplicação do Decreto-Lei n.º 404/82, de 24 de Setembro, e a interpretação que do mesmo foi feita permitindo inclusive que se pudesse constatar o facto de, quase em simultâneo com a atribuição de pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País e agentes da extinta PIDE/DGS, ser recusada a mesma pensão a um dos heróis da Liberdade - o Capitão Salgueiro Maia. E. para além das explicações de ordem formal ou jurídica que foram invocados como justificativos de uma e outra decisão, a verdade é que a opinião e todos os democratas deste país condenaram de forma veemente tal decisão.
É na verdade incompreensível que no Portugal de Abril sejam louvados aqueles que foram os grandes responsáveis, na prática, pela mordaça, pelas prisões arbitrárias, pela devassa dos cidadãos, pela tortura e até pela morte de muitos cidadãos cujo único «crime» foi o de pensarem pela sua própria cabeça e defenderem os mais elementares direitos cívicos.
A Revolução de Abril foi reconhecidamente tolerante para com os seus inimigos e essa foi uma característica claramente assumida pelos seus principais responsáveis, mas isso não pode significar que os inimigos da Liberdade e da Democracia sejam louvados por um conjunto de acções que representam tudo aquilo contra o qual se revoltou em massa o povo português. O tempo ajuda a perdoar mas não deve levar ao esquecimento e ao branqueamento das acções contra as quais temos de estar continuamente prevenidos, se não queremos correr o risco de perder o que conquistámos com o 25 de Abril - a própria liberdade. Aliás, as gerações futuras não nos perdoariam que tal acontecesse e não podemos alijar a responsabilidade que pesa sobre nós - os que vivemos e conhecemos o passado que queremos definitivamente ultrapassado- que é a de permanentemente ser testemunho desse passado para melhor compreendermos o que significa viver em democracia.
A grande reacção da opinião pública àquilo que foi considerado como a recuperação de valores que queremos definitivamente eliminados teve como consequência a alteração do Decreto-Lei n º 404/82. Esta alteração, através do Decreto-Lei n.º 136/92, clarificou que a atribuição de pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País implica a necessária «adequação aos sentimentos democráticos dos cidadãos e pressupõe que o beneficiário revele exemplar conduta moral e cívica».
O novo quadro legal assim criado passou a implicar um reforço da exigência na atribuição das pensões, uma vez que implica, como refere o n.º 2 do artigo 3.º, que o beneficiário «observe de modo constante e permanente o respeito pelos direitos e liberdades individuais e colectivos bem como pelo prestígio e dignidade do País».
É, pois, evidente, que esta nova redacção implica um outro juízo de valor sobre os pressupostos na atribuição das referidas pensões, não permitindo que aqueles que atentaram contra os mais elementares direitos dos cidadãos possam vir a usufruir de tais pensões que se destinam, é bom sublinhar, como aliás consta do próprio decreto-lei, que «permitiu» atribuir as pensões aos agentes da ex-PIDE/DGS e que passo a citar: «origina o direito à pensão por serviços excepcionais e relevantes ao País: 1.º) a prática, por cidadão português, militar ou civil, de feitos praticados em teatro de guerra, de actos de abnegação e coragem cívica ou de altos e assinalados serviços à Pátria ou à Humanidade; 2.º) a prática, por parte de qualquer funcionário ou agente do Estado, de algum acto humanitário ou de dedicação à causa pública de que resulte a impossibilidade física ou falecimento do seu autor.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é possível que, mesmo na interpretação deste decreto-lei, no Portugal democrático, fossem atribuídas pensões a agentes da ex-PIDE/DGS, eis o que chocou e provocou as mais legítimas dúvidas, até mesmo do ponto de vista jurídico e constitucional.
Quem é que podia conceber, em Abril de 1974, que entidades do Estado com responsabilidades pudessem fazer tal interpretação? Que medos, que dúvidas, que receios, que compromissos podem ter estado na origem de tais decisões? Estas são as perguntas, entre outras, para as quais interessaria ter resposta.
O Grupo Parlamentar do PCP ao constatar, por um lado, que a nova redacção não fazia cessar as pensões entretanto atribuídas a agentes da extinta PIDE/DGS e, por outro, que as «pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País não é uma pensão atribuída no âmbito da Segurança Social, é antes a expressão material de uma dívida de gratidão do Estado português», entende «legítimo que o Estado português possa, após a atribuição das pensões, reconhecer a inexistência de qualquer dívida de gratidão e fazer cessar aquela expressão material».
As alterações propostas visam assim, em primeiro lugar, impedir que no futuro qualquer agente da ex-PIDE/DGS possa vir a usufruir de tal pensão, e, em segundo, permitir a extinção da pensão em resultado da «revisão com fundamento na inobservância de exemplar conduta moral e cívica, na definição que é dada pelos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º, suscitado oficiosamente por qualquer cidadão, a todo o tempo, através de requerimento fundamentado dirigido à Presidência do Conselho de Ministros».
Se, no que se refere à explicitação do impedimento de qualquer agente da ex-PIDE/DGS vir a receber as referidas pensões não oferece qualquer objecção, como, aliás, mesmo na redacção anterior não oferecia, já a possibilidade da extinção da pensão, apesar de moralmente justa, não parece, do ponto de vista jurídico, inteiramente pacífico, embora haja juristas que invocam a questão da inconstitucionalidade que não devia permitir a atribuição das referidas pensões.
De qualquer modo, a ideia geral subjacente ao projecto de lei do PCP corresponde àquilo que foram e são as grandes preocupações manifestadas pela opinião pública e com as quais o Partido Socialista está obviamente solidário, a exigir que o Parlamento encontre as soluções mais adequadas para que situações destas não se possam repetir.
Assim, embora sujeito a uma discussão tecnicamente mais aprofundada em termos de especialidade, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não só dá o seu voto favorável ao projecto de lei do .Partido Comunista Português como louva a sua iniciativa.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este projecto de lei do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português vem na sequência de uma conhecida decisão de atribuição de três pensões que causou alguma incomodidade em diversos sectores, nomeadamente políticos e parlamentares. E tanta incomodidade causou que, pouco tempo depois, por iniciativa do Governo, foi altera-

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da a lei vigente no sentido de acrescentar aos requisitos de atribuição dessas pensões a obrigação de demonstrar o cumprimento dos direitos fundamentais e respeito pela liberdade da pessoa humana.
O Sr. Deputado João Amaral, na apresentação do projecto de lei do PCP, afirmou ser necessário resolver previamente a questão política e só depois adequar a parte jurídica a essa questão. Embora concordando que tem algum fundamento essa observação, devo dizer que na decisão política têm de ser ponderadas, desde logo, duas coisas: primeiro, o normativo constitucional e, segundo, o normativo legal relativo à filosofia legiferante de maneira a que se evitem erros por vezes crassos.
Há, de facto, várias questões que na nossa opinião têm de ser profundamente debatidas em sede de Comissão e temos abertura para isso, pois pensamos que este projecto de lei deve ser aperfeiçoado de modo a corrigir alguns erros evidentes, que se encontram apontados no relatório e parecer elaborados na Comissão pelo Deputado Correia de Jesus, que hoje não pôde estar presente.
Em primeiro lugar, a questão da presunção aqui referida ser júri de júri ou júris tantum, ou seja, admitir prova em contrário ou não, ser iludível ou iniludível. Aliás, a propósito desta presunção, coloco outra questão também levantada pelo relator do parecer qual seja a da igualdade perante a lei.
É que quando tipificamos as excepções, como é o caso dos ex-pides, ou quando tipificamos uma forma de presumir que não existe aquele tal bom comportamento, corremos o risco de o princípio da igualdade previsto constitucionalmente ser violado.
Por exemplo, imaginemos que alguém pertenceu, ou pertence actualmente, a uma organização de ideologia fascista, proibida até por lei, que defenda inclusive a prática de determinadas actividades e actos violentos. Essa pessoa deve ou não ser considerada na excepção? E se nunca foi agente da ex-PIDE/DGS, deve ou não considerar-se? Viola-se ou não o princípio da igualdade em relação a estes casos?
Neste caso concreto, para ser franco, penso que há uma inconstitucionalidade, de forma nítida, por violação do princípio da igualdade, se não o excepcionarmos também da tal presunção de bom comportamento. Há algum perigo quando entramos nestas excepções tipificadas, ao determinarmos especificadamente estes e aqueles comportamentos, de produzirmos normas injustas e inconstitucionais. Está aqui um bom exemplo do que se poderia fazer nesse sentido.
Há riscos que não devemos correr. Todos conhecemos os valores do Sr. Deputado Marques Júnior, que bem os divulgou e os defendeu. Agora há o risco de se perder o espírito que esteve na base da revolução do 25 de Abril e do sistema político que então se instituiu. Nunca se pode deixar transparecer para a opinião pública, com um projecto de lei desta natureza, uma imagem de irrecuperabilidade total das pessoas para uma série de coisas e, eventualmente, de um espírito persecutório. É isso que se deve evitar e há formas de o conseguir, tendo por base a aprovação de um projecto de lei como este.
Pensamos até que se levantam algumas questões, nomeadamente a propósito da reapreciação. Só que o Decreto-Lei n.º 136/92 deu resposta a muitas das questões, dúvidas e reservas levantadas àquele caso da atribuição daquela pensão a um ex-PIDE.
Há outros cuidados a ter. Abordámos um na Comissão, suscitado por uma intervenção do Sr. Deputado Rui Machete (intervenção essa exemplar, aliás como não podia deixar de ser, como excelente jurista que é). Primeiro, é muito duvidoso que o legislador tenha legitimidade para impor a reapreciação de decisões já tomadas pela administração com base em factos novos que ele não ponderou, pois não tinha obrigação, nem devia ponderar pela lei então vigente - obrigar a uma reapreciação não pelos mesmos factos, mas por outros factos que não estavam previstos, foi uma discussão que tivemos na Comissão, aliás bastante interessante em que o Sr. Deputado João Amaral também participou.
Depois, para além da imagem de que ele também falou, das penas perpétuas, tem de se evitar a ideia de que criamos leis ad hominem. É uma técnica legislativa que todos queremos evitar, pois não podemos entrar por esse caminho, que, embora não esteja expressamente proibida na Constituição, tem características marcadamente inconstitucionais, baseando-se até nesse princípio da igualdade, e não podemos nunca dar essa imagem. Temos de ter muito cuidado em sede de especialidade.
Respeitamos, no entanto, os valores e princípios que estão na origem deste projecto de lei, pelo que estamos abertos a analisá-la aquando da sua baixa à Comissão.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas dizer que concordamos com a substância desta proposta do PCP. Naturalmente, há um ou outro ponto que teremos de afinar, digamos assim, aquando da discussão do diploma .em sede de especialidade. Daremos o nosso melhor contributo para tal tarefa para que se produza uma lei escorreita e sem dúvidas sobre possível inconstitucionalidade, irrectroactividade, etc.
Assim que a proposta vá para a Comissão estaremos disponíveis a colaborar neste sentido.

O Sr. Presidente (Correia Afonso): - O Sr. Deputado João Amaral acaba de anunciar que vai apresentar um requerimento à Mesa.
Este requerimento acaba de dar entrada na Mesa, o qual será oportunamente votado.
Srs. Deputados, não há mais inscrições. Está, portanto, encerrado o debate do projecto de lei n.º 413/VI, que será votado na próxima quinta-feira, dia 7 de Julho, à hora regimental.
Srs. Deputados, chegámos ao fim da sessão, mas vou anunciar a agenda da próxima sessão plenária, que terá lugar na próxima quarta-feira, dia 6 de Julho, às 15 horas. O período da ordem do dia será preenchido com um debate sobre política geral, em conformidade com o artigo 245.º do Regimento.

Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas.

Entraram, durante a sessão, os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António Augusto Fidalgo.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Motta Veiga.
Domingos Duarte Lima.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco João Bernardino da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.

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2830 I SÉRIE - NÚMERO 87

José Albino da Silva Peneda.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Macário Custódio Correia.
Luís Carlos David Nobre.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.

Partido Socialista (PS):

António Carlos Ribeiro Campos.
António Luis Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
Luis Filipe Nascimento Madeira.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PSD):

Américo de Sequeira.
Arlindo Marques da Cunha.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Cecília Pita Catarino.
Joaquim Eduardo Gomes.
José de Oliveira Costa.
José Guilherme Reis Leite.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.

Partido Socialista (PS):

Alberto de Sousa Martins.
António Alves Martinho.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Martins Seguro.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
João António Gomes Proença.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
Luís Filipe Marques Amado.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.

Partido Comunista Português (PCP):

António Manuel dos Santos Murteira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

José Luís Nogueira de Brito.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

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