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Quinta-feira, 7 de Julho de 1994

I Série - Número 88

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE JULHO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.ºs 430 e 431/VI e do voto n.º 114/VI.
Nos termos do n.º 2 do artigo 245º do Regimento da Assembleia da República, procedeu-se ao debate sobre política geral com a presença do Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva), no qual intervieram, a diverso título, além do Sr. Primeiro-Ministro, os Srs. Deputados Carlos Carvalhas (PCP), António Guterres (PS), Narana Coissoró (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP), Ferro Rodrígues (PS), Manuel Queiró (CDS-PP), Eurico Figueiredo (PS), Raúl Castro e Mário Tomé (Indep.), Lino de Carvalho (PCP), Nuno Delerue, Silva Marques, Pacheco Pereira, Silva Penedo e Duarte Lima (PSD), Manuel Sérgio (PSN) e André Martins (Os Verdes).
Encerrou o debate o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Presidente deu por finda a sessão às 20 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando dos Santos Antunes.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borre gana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

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Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Lacão Costa.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Tornas Cortez Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projectos de lei n.05 430/VI - Cobertura televisiva das regiões autónomas (PCP), que baixou à 1.ª Comissão, e 431/VI - Elevação da Quinta do Conde à categoria de vila (PS e PCP), que baixou à 5.ª Comissão, e o voto n.º 114/VI - De pesar pela morte dos Professores Doutores Rui Carrington da Costa e José Gouveia Monteiro (Presidente da AR, PCP, PS, PSD e CDS-PP), que será votado ainda hoje.
Informo ainda que a Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família reúne às 16 horas e a Comissão Eventual Para Acompanhamento da Situação em Timor Leste às 17 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o período da ordem do dia é dedicado a um debate sobre política geral, previsto no n.º 2 do artigo 245.º do Regimento da Assembleia da República. Nos termos regimentais, esta ordem de trabalhos foi acordada entre o Governo e a Assembleia da República.
Os tempos disponíveis pelos Srs. Membros do Governo e pelos Srs. Deputados são os que figuram no quadro electrónico.
Antes de dar a palavra ao primeiro orador, gostaria que todos tomassem nota do seguinte: quando um Membro do Governo ou um Deputado, no exercício da palavra, esgotar o tempo de intervenção, eu, como é o meu dever, anunciá-lo-ei, esperando naturalmente que a conclua em tempo côngruo.
O debate tem a estrutura definida no ano passado.
Em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No ano que nos separa do último debate sobre o Estado da Nação, tiveram lugar dois actos eleitorais da maior importância: as eleições autárquicas e as europeias.
Não quero deixar de mencionar a sua realização e o civismo com que decorreram por serem demonstrativos da normalidade e da tranquilidade da vida política portuguesa.

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Refiro-os, também, porque a diversidade dos resultados eleitorais demonstra como a democracia portuguesa é uma democracia aberta, na qual os cidadãos se sentem livres de, nos momentos e locais apropriados, exercerem a soberania da escolha segundo a sua própria vontade e não segundo quaisquer padrões pré-fixados.
É por isso que alguns carregam agora o peso de desilusões e frustrações criadas por cenários que anteciparam para satisfazer os seus desejos e que, depois, foram brutalmente desmentidos pela realidade.
Nessas eleições não esteve em causa o Governo nem o julgamento da acção governativa, por muito que alguns tentassem fazer crer o contrário.
A ânsia da obtenção do poder, nuns casos, o frenesim do combate político, noutros, ou a dificuldade de aceitar e compreender os princípios da estabilidade governativa levam alguns a cair nesse erro ou a ceder a tal tentação. Quando assim sucede, lá estão os portugueses - os verdadeiros e definitivos julgadores - para corrigir os erros de uns e emendar as tentações ou os excessos de outros.
É a normalidade democrática a funcionar; é a democracia representativa a ditar as suas regras. Mais do que isso, é a sociedade civil a afirmar, sem sobressaltos e com tranquilidade, o seu desejo de estabilidade e a sua exigência de governabilidade para o País. A sociedade civil genuína e verdadeira, que são todos e cada um dos portugueses, a única que se conhece e que democraticamente aqui está representada por todos os Sr. Deputados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os únicos que legitimamente receberam um mandato de representação do povo português, os únicos que não precisam de arrogar-se títulos de representação ou fabricar auto-justificações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque em Portugal, no regime democrático e constitucional português, há, de facto, uma entidade que tem por missão representar a sociedade portuguesa e alguém que democraticamente para tal foi mandatado. Essa entidade é a Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esse alguém são todos os Srs. Deputados, sejam da maioria, sejam da oposição.

Aplausos do PSD.

Podemos e devemos discordar. A democracia pressupõe diversidade de opiniões e livre confronto de ideias. Podemos e devemos divergir. O direito à diferença e o postulado da divergência são requisitos basilares do regime democrático. Podemos e devemos ter projectos distintos. Essa é a essência do regime político plural em que decidimos viver.
Tudo isto é normal, tudo isto é legítimo e essencial ao correcto pulsar do nosso sistema democrático!
O que já não parece normal é que, num abrir e fechar de olhos, se faça tábua rasa dos princípios adquiridos, se pactue com as tentativas de desvirtuamento das regras consensualmente estabelecidas e que, por acção ou omissão, se tente semear o desprestígio dos órgãos que os portugueses legitimamente escolheram e mandataram.
Daí também a importância deste debate, debate que é feito no local próprio e no momento adequado. Debate entre quem governa e quem tem por missão fiscalizar a acção governativa, enfim um debate que pretendemos proveitoso e útil para o presente e o futuro de Portugal.
Debate onde nos afirmaremos com frontalidade mas também com humildade, com espírito determinado e sentido construtivo, com a força da razão e da legitimidade que nos assiste, mas com o sentido de abertura, de diálogo e de respeito para com os outros, que é timbre de uma saudável convivência democrática.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao fazer o balanço da actividade governativa na sessão que agora termina, saliento as duas ideias-força que melhor a podem caracterizar: firmeza na manutenção do rumo traçado e definição das linhas essenciais do desenvolvimento do País até ao final do século.
Em primeiro lugar, firmeza na manutenção do rumo traçado.
Este não foi, como todos sabem, um ano de governação fácil. Portugal sofreu a incidência da maior crise económica na Europa desde a II Guerra Mundial. Os seus efeitos reflectiram-se no dia-a-dia de todos nós. Acresce que esta grave crise internacional surgiu em pleno processo de transformação estrutural do País.
Entre nós, multiplicaram-se as vozes de desânimo, os sentimentos de pessimismo e derrotismo, as tentativas de semear a descrença e abalar a confiança, os apelos à facilidade, as propostas no sentido da política do ziguezague, as tentações da cedência aos benefícios efémeros de conjuntura.
Tudo isto foi sugerido por alguma oposição de forma demagógica e mesmo irresponsável.
Teria sido fácil ceder. Teria sido, porventura, mais popular suspender reformas estruturais, abandonar as orientações estratégicas de fundo. Teria sido mais simpático e mais simples governar dessa maneira.
Não seria, porém, uma atitude séria e responsável. Os ganhos efémeros do momento rapidamente cederiam o seu lugar ao comprometimento do futuro, à perda de credibilidade nacional e à hipoteca dos direitos legítimos das novas gerações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Preferimos a incomodidade de algumas incompreensões, a legítima angústia de alguns sacrifícios temporários, o custo de algum desgaste e o ónus da perda de alguma popularidade.
Fizemo-lo não por capricho, por teimosia ou auto-convencimento. Fizemo-lo, sim, por convicção e determinação, de forma serena e ponderada, porque não nos resignamos à ideia de Portugal como um país adiado e sem futuro, porque temos do interesse nacional a noção de que ele não se compadece com uma governação ao sabor de meros critérios de oportunidade, popularidade ou simples conveniência.
E foram estes mesmos princípios e esta mesma orientação que estiveram presentes na segunda ideia força desta sessão legislativa: a definição das linhas essenciais do desenvolvimento do País até ao final do século.
Se aguentámos a tempestade sem deixarmos de ser sensíveis aos problemas e às dificuldades da conjuntura, não descurámos, sobretudo, a ideia de futuro, a noção de desenvolvimento, a perspectiva estratégica da construção do Portugal do final do século e do dobrar do milénio.
Daí a aprovação do Plano de Desenvolvimento Regional para o período de 1994/1999. É um ambicioso progra-

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ma, um instrumento essencial e decisivo, que traduz um projecto verdadeiramente nacional. Ele pode e deve ser o grande desafio colectivo para os próximos anos, tendo condições para se assumir como o grande referencial de mobilização dos portugueses em torno de um projecto de desenvolvimento global, sustentado, regionalmente equilibrado e socialmente avançado.
E é importante que assim seja. 20 anos depois do 25 de Abril, os portugueses sabem que o desafio da liberdade e da democracia está ganho! A liberdade e a democracia são património definitivamente adquirido na alma, na razão e no coração dos portugueses.

Aplausos do PSD.

A grande batalha do presente e do futuro é a do desenvolvimento.
O ano parlamentar que agora finda foi, por isso mesmo, importante. Foi o momento de pensar, reflectir, desenhar e aprovar o projecto de desenvolvimento, visando preparar Portugal para o século XXI, com confiança e orgulho em nós próprios, com confiança e orgulho na capacidade dos portugueses, com confiança e com visão de futuro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de modernização da economia e da sociedade portuguesas, em que o Governo está apostado, exige que estejamos particularmente atentos à evolução da situação internacional, cujo quadro permanece incerto e fluído.
A nossa posição na periferia da Europa e a distância que ainda nos separa dos nossos parceiros mais desenvolvidos colocam-nos fortes exigências, nos planos interno e externo, de modo a aproveitarmos as oportunidades e a minimizar ou neutralizar os riscos e obstáculos.
Estabilidade e firmeza na linha de rumo seguida na governação são trunfos da maior importância para Portugal. Sabemos - porque já o pagámos no passado!- qual é o custo da instabilidade e da falta de credibilidade internacional.
Hoje somos, obviamente, vistos de outra forma: como um país que soube pôr a sua casa em ordem, que tem um rumo, um país que vale a pena ouvir e com quem se pode contar.
O balanço da nossa experiência de integração europeia continua a ser bastante positivo e por aí passam linhas decisivas para a construção do nosso futuro colectivo.
Portugal tem tudo a ganhar se souber, neste final de milénio, aproveitar as oportunidades ímpares de modernidade que lhe são oferecidas pela sua integração na União Europeia.
Depois de vários anos de debate desgastante, vemos hoje a Europa de novo em marcha. O Tratado da União Europeia entrou em vigor. Estamos particularmente empenhados em trabalhar para dar conteúdo concreto às novas dimensões da construção europeia, que terão um efeito decisivo sobre a vida dos cidadãos.
Ainda há poucos dias, em Corfu, no Conselho Europeu, os Chefes de Estado e de Governo dos Doze concentraram as suas deliberações sobre os problemas do emprego e da competitividade.
Ficou patente que os sinais de recuperação económica começam a ser sensíveis em todo o espaço da União.
Mas também foi ali, mais uma vez, afirmado que não se deve esperar que esta recuperação comece já a exercer um efeito de redução drástica do desemprego.
A criação de empregos tem de ser objecto da atenção especial das políticas comunitárias e dos Estados membros.
Foi neste contexto que se inseriu o contributo que Portugal apresentou aos seus parceiros comunitários e que chama a atenção para as potencialidades oferecidas no domínio da criação de empregos e da formação de riqueza pelo sector das micro-empresas, do artesanato e das actividades de iniciativa local.
Trata-se de um sector que tem estado até agora relativamente marginalizado na dinâmica natural do mercado interno, mas onde certamente se situa uma das maiores reservas de criação de empregos.
O lançamento de um conjunto de «acções de desenvolvimento local», integradas numa lógica europeia, e tendo presente o princípio da subsidariedade e o combate aos excessos de regulamentação, contribuirá ainda para defender e desenvolver a diversidade cultural e fixar populações nos meios rurais.
No âmbito das medidas aprovadas neste Conselho Europeu, com efeitos no domínio da criação de emprego, merecem também referência as decisões relativas às redes transeuropeias de transporte e energia, assunto a que atribuímos, desde a primeira hora, elevada prioridade.
Nas infra-estruturas de transporte, foi aprovada uma primeira lista de projectos, que inclui a construção da auto-estrada Lisboa-Valladolid, enquanto que no sector da energia se conferiu prioridade a oito projectos, entre os quais se contam a interligação eléctrica entre Portugal e Espanha, a rede de gás natural em Portugal e o gasoduto Argélia-Marrocos-União Europeia.
A Europa parece, portanto, estar de novo no caminho do crescimento e a recente conclusão das negociações do Uruguay Round- em que o Governo conseguiu obter resultados importantes para a nossa economia - criará, decerto, um quadro favorável à amplificação e consolidação da retoma.
É tendo em mente o objectivo de construir uma Europa onde a solidariedade seja, cada vez mais, um princípio orientador das relações entre os seus povos e os seus Estados, uma Europa próxima dos cidadãos, presente e activa na resolução dos problemas que afectam a vida quotidiana que o Governo tem prosseguido a sua política de integração europeia.
E neste rumo que persistiremos, porque é aquele que corresponde inequivocamente aos interesses mais profundos do nosso país.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No espaço de menos de um mês, Portugal esteve presente em importantes cimeiras, lado a lado com países de diversos Continentes.
Refiro-me à Cimeira Ibero-Americana e ao Conselho Europeu de Corfu. Estas participações demonstram, de forma particularmente significativa, o diversificado leque de relações e laços internacionais de que Portugal dispõe no mundo de hoje.
Do mesmo modo, continuamos empenhados no projecto da comunidade dos países de língua portuguesa, porque pensamos que, com os países lusófonos, poderemos afirmar um modelo original de cooperação assente em elementos culturais comuns.
É esta uma mais-valia política e cultural que temos de saber consolidar e rentabilizar.
A facilidade de nos relacionarmos com outros continentes e outros povos, conjugada com a nossa posição na União Europeia, dá outro volume à nossa voz, que não teríamos isoladamente. E assim ganhamos também maior capacidade para vencer o desafio da crescente globalização.
À nossa acção externa e a nossa diplomacia têm assumido uma vertente económica cada vez mais pronunciada e mais ágil, num universo em que a competitividade é cada vez mais o critério dominante. Eu próprio tive oportunida-

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de de liderar importantes delegações empresariais portuguesas nas recentes visitas oficiais que efectuei. Não tenhamos ilusões: a nossa sobrevivência económica passa, também, pela capacidade que soubermos revelar para nos afirmarmos em novos mercados.
Uma voz de Portugal mais forte e respeitada é também fundamental para acompanharmos a evolução em zonas do mundo onde temos interesses importantes.
É esse, seguramente, o caso da África Austral. Acompanhámos a par e passo as negociações que conduziram às primeiras eleições gerais na África do Sul, mantendo permanente e activo contacto com as principais forças envolvidas. Foi com grande satisfação que assistimos à entrada em funções do primeiro governo de maioria democrática naquele país. O sonho de anos tornou-se, finalmente, realidade adquirida! A evolução positiva na África do Sul criou uma nova esperança de paz em toda a região, antes de mais em Moçambique, onde o processo de paz, apesar de atrasos e oscilações, tem de um modo geral evoluído favoravelmente. Mas esperemos que também em Angola, onde o objectivo da paz não foi ainda capaz de se sobrepor à força das armas.
Em ambos os processos, Portugal tem estado profundamente empenhado. No caso de Angola, continuando, juntamente com a Organização das Nações Unidas e os parceiros da Troika, a ajudar na procura de uma conclusão positiva para as negociações de Lusaka. No caso de Moçambique, apoiando a pacificação do país, facilitando a reintegração das populações afectadas pela guerra e ajudando a criar umas novas forças armadas que sirvam de elo de união entre moçambicanos e sejam, no futuro, o garante da democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - As nossas Forças Armadas, como instrumento de acção política externa do Estado português, têm sabido ser um verdadeiro instrumento de paz.
Não quero também deixar de fazer uma referência ao caso de Timor Leste, relativamente ao qual a comunidade internacional tem vindo a mostrar-se cada vez mais atenta, desfazendo as ilusões daqueles que consideravam estar-se perante um caso, pura e simplesmente, encerrado.
Através do diálogo mantido entre os Ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal e da Indonésia, sob os auspícios do Secretário-Geral das Nações Unidas, temos procurado criar um clima de confiança que propicie avanços na área dos Direitos Humanos, sem abdicarmos da posição de princípio no que concerne ao estatuto do território.
Estamos, assim, Srs. Deputados, no plano das relações externas, a contribuir para a afirmação de Portugal no mundo, a potenciar a matriz universalista da Nação portuguesa, a reafirmar, com crescente credibilidade, a nossa secular vocação de país aberto à solidariedade e à cooperação internacionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal encontra-se em pleno processo de transformação e modernização da sua estrutura económica. Este processo essencial, que tantos pretendem fazer esquecer ou minorar, desenrola-se ao longo de anos. Começou em 1986, vai prolongar-se ainda por muito tempo e tem raízes e fundamentos bem claros.
Trata-se de fazer de Portugal um país moderno no seio de uma Europa desenvolvida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nunca afirmei que este processo de modernização seria fácil ou rápido. Sempre disse que exigiria esforço continuado e atenção permanente e nunca aceitei adiar decisões só por serem difíceis, como nunca admiti trocar princípios por popularidade.

Aplausos do PSD.

E, muito menos, alienar o interesse nacional contra promessas de votos. Sei que muitos não partilham desta visão da política, mas sei também que esta foi e será sempre a minha forma de fazer política e servir Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ao contrário do que muitos prometem, os problemas do desenvolvimento não têm soluções milagrosas. Qualquer transformação cria custos de adaptação em sectores, em empresas e, sobretudo, nas mentalidades. Os últimos anos, em Portugal, são disso um exemplo bem claro. Em períodos de dificuldades conjunturais, os custos da transformação estrutural tendem a tornar-se mais notados e sensíveis.
A situação económica do País tem, pois, de ser entendida neste duplo quadro: uma profunda transformação estrutural combinada com uma recessão europeia que não podia deixar de ter efeitos numa pequena economia aberta como a portuguesa.
Os Srs. Deputados da oposição, por razões meramente partidárias, podem não querer entender, mas é mesmo assim.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Perante as dificuldades, muitos foram os que, assustados, propuseram que se fugisse da linha de orientação estratégica de longo prazo. A política de «desnorte», que tão bem conhecemos de um passado não muito distante, voltou a ter defensores acérrimos, alguns dos quais são os mesmos que antes a tinham praticado, com resultados de triste memória.

Aplausos do PSD.

O Governo compreendeu a situação. Por isso, apoiou a conjuntura sem sacrificar a estrutura, contribuindo activamente para o amortecimento da crise importada.
A consolidação orçamental, o controlo da inflação sem perda da estabilidade cambial, as medidas estruturais e o apoio ao diálogo e à concertação social mantiveram-se como as bases gerais de actuação. A conjuntura impunha, porém, uma linha pragmática na condução destas políticas.
No campo orçamental, a revisão do Programa de Convergência levou em conta o funcionamento dos estabilizadores automáticos. Sem perder de vista a trajectória de consolidação orçamental a médio prazo, o Governo permitiu - aliás, como a maioria dos países comunitários - que o ano de 1993 tivesse uma gestão financeira mais adaptada às circunstâncias.
Deste modo, embora salvaguardando um estrito respeito pelo tecto das despesas públicas, o constrangimento do défice foi aliviado. Daí que o ano de 1993 tenha sido, nitidamente, um ano de descontinuidade na trajectória do défice público.
Os indicadores apontam, porém, para que, já em 1994, o défice possa situar-se abaixo do orçamentado, retomando assim o seu percurso tendencial.
As estimativas de execução orçamental para os cinco primeiros meses deste ano apresentam uma redução no saldo de execução orçamental de 36 %, relativamente ao mesmo período do ano anterior.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por seu turno, a crise no Sistema Monetário Europeu criou uma situação particularmente incerta no domínio cambial. A mudança operada nas regras de funcionamento do SME, em Agosto de 1993, visou a adaptação às novas circunstâncias, preservando, apesar da latitude introduzida nas bandas de flutuação, uma orientação convergente nas políticas monetárias.
Apesar da turbulência verificada nos mercados europeus e do novo quadro de liberdade irrestrita de circulação de capitais, o comportamento do escudo manteve-se consistente com o objectivo de estabilidade cambial.
A inflação e as taxas de juro continuaram a sua tendência de descida, rumo à convergência nominal.
A taxa de inflação média anual situou-se, no mês de Maio, em 6 %, mantendo uma trajectória consistente de descida sistemática, que se verifica desde Dezembro de 1990, ou seja, há 42 meses consecutivos.
Este é um dos resultados mais determinantes para o desenvolvimento sustentado de Portugal e para a sua afirmação no contexto europeu.
Alguns esquecem que, quando tomou posse o meu primeiro Governo, em Novembro de 1985, a taxa de inflação média era de 20 %. E tinha sido de 30 % um ano antes. Até esquecem que, quando tomou posse o actual Governo, em Novembro de 1991, a taxa de inflação média era de 11,7 %. Hoje, quando a taxa de inflação se mantém dois meses consecutivos em 6 %, quase metade do valor de há três anos, os mesmos que governavam o País há nove anos, com uma inflação de cerca de cinco vezes mais, clamam, agora, que está perdida a estabilidade cambial.
É caso para dizer: tanta demagogia, em tão pouco tempo, não é possível nem é admissível!

Aplausos do PSD.

As taxas de juro activas, a médio e longo prazo, desceram, nos últimos 12 meses, mais de dois pontos percentuais e as de curto prazo perto de três, sendo a descida mais acentuada em alguns segmentos do mercado.
Apesar das vozes que se levantam, não sacrificámos os resultados conseguidos a troco de facilidades ilusórias e demagógicas. Esta tendência descendente, cuja relevância só por má fé ou ignorância não é apreendida, foi entrecortada por naturais flutuações resultantes de surtos cambiais especulativos. Mas, como sempre - e como, hoje, é claro -, a tendência vence as flutuações.
A subida do desemprego é, lamentavelmente, elemento natural de uma recessão. Entre nós, a taxa de desemprego sofreu um agravamento de 2,2 %, entre o fim de 1992 e o segundo trimestre de 1994, naquilo em que consiste a mais preocupante manifestação da quebra da actividade económica.
O baixo nível relativo do desemprego, em Portugal, comparado com o dos nossos parceiros comunitários, não ilude a gravidade social desta situação, não obstante a ligeira melhoria verificada no segundo trimestre deste ano, contrariando as previsões catastrofistas dos dirigentes da oposição.
É certo que a média comunitária se manteve acima dos 11%, que a vizinha Espanha ultrapassou os 24 % e a Irlanda atingiu 15,5 %, enquanto países já adiantados na sua recuperação, como a Grã-Bretanha, ainda registam taxas superiores a 9 %. Mas estamos longe de estar satisfeitos.
O desemprego é, antes de mais e acima de tudo, um drama pessoal e social. Por isso, temos de combatê-lo.
É sabido que a recuperação produtiva não garante, tão rapidamente como todos desejaríamos, o aumento do emprego. Com realismo e segurança e com o estímulo de novas áreas de criação de emprego, estamos confiantes que Portugal não se aproximará dos níveis dramáticos de desemprego que se verificam na União Europeia.
Combater o desemprego é, para nós, uma prioridade social indiscutível. Não a abandonámos, não a abandonaremos!

Aplausos do PSD.

Desenvolveremos esforços adicionais. Reforçaremos, designadamente, as perspectivas de integração dos jovens na vida activa, área a que dedicaremos particular atenção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas reagir às dificuldades não significa eliminá-las de imediato. Aguentar o rumo na tempestade não significa anulá-la por completo.
Àqueles que têm uma visão desfocada da convergência, vale a pena lembrar que, apesar da quebra da actividade económica em 1993, o produto interno cresceu a uma taxa média de 3,4 % ao ano, no período 1986-93, 1,1 pontos percentuais acima da média comunitária, e que, no mesmo período, o produto per capita, em relação à média comunitária, subiu de 51 % para 61 %.
Tal como vale a pena lembrar que, no período 1986-93, o poder de compra dos salários subiu, em média, 4 % ao ano, mais do dobro da média europeia, e a pensão mínima subiu mais de 10 % ao ano, em termos reais. Ainda no ano difícil de 1993, os salários e as prestações sociais cresceram em termos reais.
1994 não podia deixar de ser um ano de moderação salarial, tal como se verifica nos outros países europeus, tendo em vista a manutenção da competitividade das empresas e a defesa do emprego. Mas, mesmo assim, não deixámos, neste ano, de actualizar as pensões mínimas em 6,1 %, numa demonstração inequívoca da prioridade que atribuímos às condições de vida dos mais desfavorecidos.
Defender o poder de compra dos reformados e dos pensionistas é um imperativo ético e social do qual nunca abdicaremos.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mesmo em tempo de difícil conjuntura, o Governo não reduziu o seu esforço no domínio das medidas estruturais. Desenvolvimento não é apenas crescimento económico. É também a modernização das estruturas sócio-económicas e a promoção da justiça e da solidariedade social.
O grande programa de privatizações em que estamos empenhados continuou a ser executado, apesar das dificuldades da crise económica.
A aprovação do novo regime jurídico do trabalho e operação portuária foi um avanço decisivo para o necessário acréscimo de eficiência e de competitividade dos portos nacionais.
A reforma do sistema de segurança social, iniciada em 1993, constitui um passo importante para a garantia da sua sustentabilidade a prazo e para a defesa dos interesses dos reformados.
O plano de erradicação das barracas, o mais ambicioso alguma vez concebido no domínio da habitação, arrancou decisivamente nesta sessão legislativa e vai gerar uma dinâmica ímpar até ao fim do século. A adesão dos municípi-

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os das áreas metropolitanas dá já a medida do seu sucesso. Foram já celebrados protocolos com 15 municípios, os quais correspondem ao realojamento de mais de 28 000 famílias.
A construção de vias de comunicação continuou, em 1993 e 1994, com o forte dinamismo dos anos anteriores. Só quem não sai das cidades pode ignorar o impacte estrutural imenso que as acessibilidades têm nas zonas mais isoladas do País. O efeito que a melhoria das redes de comunicação tem no tecido económico vai fazer-se sentir durante muitos anos.
No âmbito da política do ambiente, a lei de delimitação de sectores e o novo regime económico e financeiro do sector da água representam uma profunda alteração do enquadramento normativo do sector do saneamento básico, permitindo uma gestão eficaz dos nossos recursos hídricos e potenciando a criação de novos mercados, novas actividades empresariais e o fomento de novas tecnologias.
Quanto à agricultura, reconhecemos que os últimos anos tem sido difíceis para o sector.
Uma sucessão anormal de condições climatéricas adversas, conjugada com a integração dos mercados ocorrida nos últimos três anos, provocaram um recuo na evolução dos rendimentos dos agricultores.
Um tal facto, a que somos profundamente sensíveis, não nos deve, contudo, fazer esquecer a alteração estrutural ocorrida no sector e que não podia mais ser adiada.
A verdade é que, em finais de 1993, a população activa agrícola representava 10 % do total da força de trabalho - cerca de metade do registado em 1986 -, sem que, no mesmo período, a produção final agrícola, medida a preços constantes, tenha caído.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Falso!

O Orador: - Apesar das muitas dificuldades estruturais que subsistem e da necessidade de minorar as dificuldades conjunturais, é inegável que temos agora uma agricultura mais moderna, produzindo bens qualitativamente superiores.

Risos do PS.

Mas é uma ilusão imaginar que é possível melhorar o rendimento dos agricultores portugueses fechando fronteiras à concorrência, perpetuando as ineficiências com que a nossa agricultura ainda se debate e mantendo uma população abundante nos campos. Srs. Deputados, temos verdadeiros; temos de falar com verdade e com seriedade!

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - Temos! Temos!

O Orador: - Não é sério sugerir proteccionismos à margem das regras comunitárias sem lhes associar cortes nas ajudas aos agricultores e retaliações por parte dos nossos parceiros comerciais. Tais soluções acarretariam, inevitavelmente, a falência de muitas empresas exportadoras e, consequentemente, o desemprego de grande número de portugueses;

Aplausos do PSD.

O que é necessário é que a agricultura nacional responda às dificuldades que se lhe deparam, continuando a gerar aumentos de produtividade e fazendo da qualidade dos produtos e da sua eficaz comercialização as armas com que vencerá esta luta, a que não se pode furtar. O desenvolvimento do País, Srs. Deputados, não é verosímil sem uma agricultura operando em mercado aberto e concorrencial. O resto é mentira!

Aplausos do PSD.

Ao falar de futuro, não posso, nem devo, furtar-me a uma referência especial à juventude, à sua formação e educação, à preparação do amanhã dos nossos jovens, porque é aqui, no seio da juventude, que, em grande medida, se joga a nossa capacidade de vencer na sociedade extremamente competitiva e exigente do próximo milénio.
O princípio da solidariedade entre gerações reclama a necessidade de investir, hoje, com clareza e determinação, na preparação e formação dos jovens. Sem paternalismos, sem cedência a uma política de facilidade e, sobretudo, com um forte sentido de responsabilidade.
A educação é, neste quadro, uma área de prioridade estratégica. Uma prioridade que é do Governo e de toda a sociedade, a começar pelo seu núcleo primeiro que é a família.
1994 é o Ano Internacional da Família. Não deixa de ser útil que, na reflexão que esta comemoração nos convida a fazer, tenhamos plena consciência do papel insubstituível que a família tem na formação da personalidade de cada um e na forma como os jovens aprendem a olhar o mundo e a relacionar-se uns com os outros.
Porém, ao Estado cabe um dever inalienável no grande investimento que a nação deve fazer na formação da sua juventude.
Os últimos anos são bem a expressão do enorme esforço que Portugal tem feito neste domínio, valendo a pena recordar que, entre 1985 e 1993, mais do que duplicou, em termos reais, a despesa do Orçamento do Estado para a educação, aproximando-se, pela primeira vez, de 6 % do PIB, valor superior à média verificada nos países da OCDE.

Aplausos do PSD.

No presente ano lectivo, as taxas de escolaridade situam-se já nos 100 % para os l.º e 2." ciclos do ensino básico, 92 % para o 3.º ciclo, 70 % no ensino secundário e a taxa anual de acesso ao ensino superior, quando comparada com o grupo etário dos jovens com 18 anos, está já à beira dos 40 %, uma das mais altas de toda a Europa. Nos últimos cinco anos, a frequência das vias profissionalizantes, no ensino secundário, praticamente triplicou, enquanto o número de alunos no ensino superior politécnico passou para mais do dobro.
Embora não esteja ainda atingida a completa estabilidade quantitativa do sistema e surjam sintomas típicos das crises de crescimento, entrámos já numa nova fase, em que os grandes desafios são a qualidade e a exigência. Estes são requisitos imprescindíveis para a plena afirmação pessoal e colectiva das novas gerações, no mundo em mudança e crescentemente competitivo em que vivemos.
Uma cultura de facilidade, hoje, é uma política ilusória, de resultados enganadores e de vantagens passageiras; uma política de consequências perversas e nocivas. Não podemos ceder, pois, a essa tentação. Seria uma imensa irresponsabilidade, porque estamos a falar do futuro - e a ideia de futuro está associada à ideia de trabalho, de rigor, de eficácia e de exigência..

Aplausos do PSD.

... porque estamos a falar do capital mais precioso que temos - os nossos recursos humanos, os jovens de hoje, os homens e as mulheres de amanhã!

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Compreendemos a irreverência e a insatisfação dos jovens, como saudamos a sua generosidade, o seu espírito altruísta e solidário.
O que temos dificuldade em compreender é a postura de alguns políticos e o comportamento demagógico de alguns dirigentes partidários, que, na ânsia da caça ao voto, com a obsessão de criticar e com a mera preocupação em obter alguma efémera simpatia popular, não hesitam em contestar todas as mudanças e em pactuar com tudo quanto é simples e fácil, semeando ilusões e proclamando verdadeiras irresponsabilidades. Não é comportamento sério!

Aplausos do PSD.

Ao contrário dos jovens, saudavelmente irreverentes e com espírito de futuro, alguns dos nossos políticos demonstram, também aqui, ou sobretudo aqui, a sua verdadeira face e a sua singular mentalidade - a face de um conservadorismo obsoleto e sem sustentação e a mentalidade da continuada aversão à inovação, à mudança e aos novos padrões de qualidade e - exigência, que o presente reclama e os novos tempos exigem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Definidas que estão as grandes linhas do esforço de estabilização macroeconómica e estabelecidas as grandes prioridades de desenvolvimento, até ao final do século, o Governo entendeu estarem criadas as condições objectivas para propor aos parceiros sociais um acordo económico e social para o desenvolvimento e o emprego.
É a primeira tentativa séria de concertação social de médio prazo que se faz em Portugal.
Os objectivos que estão sobre a mesa são claros: a consolidação da recuperação económica, a promoção da competitividade das empresas, a criação de emprego e a melhoria da qualidade de vida dos portugueses.
Para além de potenciar as oportunidades que o PDR oferece, a concertação social pode mitigar os custos económicos e sociais dos ajustamentos estruturais necessários ao aumento da produtividade e ao reforço da competitividade, por forma a que a economia portuguesa possa suportar, com êxito, os desafios da integração e da globalização.
Hoje, é claro que a decisão das confederações sindicais, de não assinar um acordo social para 1994, foi, como então alertei, um erro. Em todos os anos em que foram assinados acordos sociais ocorreram subidas do poder de compra dos salários e melhoria das prestações sociais, para além de reduções de desemprego.
O Governo sempre disse que, sem acordo social para 1994, o País perdia e que seriam maiores, para todos, as dificuldades do momento. Foi o que aconteceu!
Hoje, é patente para todos que a proposta apresentada pelo Governo aos parceiros sociais, e que alguns recusaram, era a que, dadas as circunstâncias, melhor defendia os interesses dos trabalhadores.
Mas todos sabemos que não foram razões do foro laboral a ditar a inviabilização do acordo social para 1994. Essas razões situavam-se noutra sede e assumiam outros contornos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não posso, por isso, deixar de fazer aqui um apelo veemente às forças partidárias e outras entidades, para que não interfiram no processo de concertação em curso, resistam à tentação de exercer pressões, respeitem a autonomia sindical e sejam capazes de dar a primazia à prossecução do interesse nacional.

Aplausos do PSD.

A concertação social tem como único objectivo legítimo o desenvolvimento do País e a melhoria do nível de vida dos portugueses. É abusivo e ilegítimo que possa servir para alimentar estratégias partidárias ou utilizar-se como arma de arremesso político.
A celebração de um acordo de médio prazo para o desenvolvimento e o emprego tornará menos difícil combinar a subida dos salários reais com a descida da inflação, conciliar o progresso e a transformação estrutural da economia com a criação de emprego, harmonizar o crescimento económico com o combate às injustiças sociais e associar os benefícios dos trabalhadores com a produtividade e a competitividade das empresas.
As cartas estão sobre a mesa. O desafio está lançado. A boa vontade é manifesta. Cabe, agora, a cada um demonstrar a dimensão e seriedade do seu empenhamento e assumir, sem subterfúgios, a sua quota-parte de responsabilidade neste desafio, que é nacional, que não é propriedade de ninguém, mas que pode ser, para benefício geral, património importante de todos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate tem lugar no momento em que a Europa começa a dar sinais de estar a ultrapassar e a vencer a crise económica mais grave dos últimos 50 anos.
Também entre nós começam a surgir sinais visíveis de retoma e recuperação económica. Os dias mais difíceis que vivemos estão a terminar. As perspectivas mais negativas que atravessámos estão a desaparecer. Abre-se um período de maior confiança em nós próprios e de maior esperança no futuro.
Isto só foi possível porque, nos últimos anos, o nosso País começou a preparar-se melhor, a modernizar e a reconverter as suas estruturas.
Isto só foi possível porque os portugueses, apesar de tudo, não perderam a confiança, não se resignaram, não cruzaram os braços, não viraram a cara às dificuldades.
Isto só foi possível porque Portugal ganhou, com estabilidade política e governativa, condições que antes não tinha, para tomar decisões a tempo, para se desenvolver, para melhor enfrentar os desafios do futuro.
Alguns serão, ainda hoje e no futuro, incapazes de reconhecer publicamente esta realidade.
São aqueles que, no passado, em períodos de conjuntura externa mais favorável e face aos bons resultados que o País alcançava, foram sempre incapazes de reconhecer qualquer mérito aos portugueses ou ao Governo. Então, segundo diziam em público, o mérito - o pouco mérito que reconheciam - era só e apenas assacável à conjuntura internacional favorável.
São aqueles que, mais recentemente, quando a conjuntura externa passou a ser gravemente desfavorável, rapidamente esqueceram tudo quanto antes alegavam e, num ápice, passaram a branquear a situação internacional para tudo poder assacar ao Governo, e só ao Governo.
Para esses, a conclusão é simples: quando Portugal melhora e progride, o mérito é da situação internacional favorável; quando Portugal experimenta dificuldades, a culpa é do Governo e a conjuntura internacional já não conta, já não existe, já não é para levar a sério.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - São os que se julgam monopolistas da verdade e notários exclusivos das boas e iluminadas soluções; são os que pensam ganhar em popularidade tudo quanto de demérito imputarem ao Governo; são os que, nas suas análises e conclusões pseudo-vanguardistas, parece quererem esquecer e desprezar o bom senso, o sentido de equilíbrio e a inteligência dos portugueses.
Para esses, o seu contentamento reside paredes meias com a infelicidade dos portugueses. Á sua satisfação varia na razão directa da insatisfação dos portugueses.
Nós, Srs. Deputados, não vamos por aí. Não cultivamos essa forma de fazer politica!

Aplausos do PSD.

Sabemos que Portugal tem uma enorme oportunidade a sua frente. O quadro europeu, a credibilidade que granjeámos na cena internacional, o Plano de Desenvolvimento Regional e a recuperação económica que começa a desenhar-se são ferramentas indispensáveis ao nosso sucesso colectivo.-
Mas a ferramenta maior, o contributo mais decisivo, o valor acrescentado mais determinante, há-de ser dado pela capacidade, pela vontade, pelo engenho, pelo trabalho e pela inteligência dos portugueses, de todos e de cada um dos portugueses.
Ninguém fará por nós o que a nós, portugueses, compete fazer.
É grande, pois, a nossa responsabilidade, a nossa responsabilidade colectiva.
Mas é também grande, muito grande, a confiança que tenho em Portugal e nos portugueses, nos bons e nos maus momentos, nos momentos fáceis e nos difíceis.
Vale a pena, valeu sempre a pena e há-de valer sempre a pena apostar nos portugueses. É o que continuaremos a fazer. Hoje, amanhã e sempre!

Aplausos, de pé, do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, terminado o período de abertura do debate sobre política geral, entramos, agora, no debate propriamente dito.
Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Carlos Carvalhas, António Guterres, Narana Coissoró, Octávio Teixeira, Ferro Rodrigues, Manuel Queiró, Eurico Figueiredo, Raúl Castro, Manuel dos Santos, Mário Tomé e Pacheco Pereira.
Como VV. Ex.ªs sabem, o tempo regimental para a formulação dos pedidos de esclarecimento é de três minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, ao ouvir o Sr. Primeiro-Ministro, diríamos que estávamos no «país das maravilhas». Havia uns pequenos problemas, mas esses resultavam da crise importada ou da persistência dos princípios, «porque este Governo nunca trocará a popularidade pelos princípios e pelo interesse nacional».

Aplausos do PSD.

Creio que esta afirmação é, com os aplausos do PSD, o cúmulo da demagogia!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, viu-se nas últimas eleições! O Sr. Primeiro-Ministro olhou para o País com tons cor-de-rosa, mas esqueceu-se das manchas negras que são
determinantes; fugiu a encarar os problemas do País e o estado da Nação, a debilitação do aparelho produtivo, a entrega ao estrangeiro de alavancas fundamentais da economia portuguesa, o triunfo do clientelismo, os problemas do desemprego e do emprego precário; subestimou o desemprego e os despedimentos maciços; esqueceu que mais de metade dos desempregados não tem qualquer subsídio; não se referiu aos reformados ou, antes, disse que o aumento das suas pensões era uma grande preocupação sua. Mas que aumento quando, no último ano, os aumentou em 50$, 33$ ou 30$ por dia?! Grande preocupação, Sr. Primeiro-Ministro! Grandes aumentos!... Agora não batem palmas?!...
Depois, falou dos agricultores, desafiando-os a competir em mercado aberto, e da crise. Disse também que não havia crise, que os trabalhadores activos estavam a diminuir na agricultura e que, por isso, estávamos num bom rumo. Mas como competir em mercado aberto?! Como é que o agricultor português pode competir com o espanhol ou com o francês, quando tem o crédito bancário, os custos e os factores de produção muito mais elevados e não tem apoio técnico nem de comercialização? Isto é mandar os agricultores combaterem com fisgas quando os parceiros do lado têm foguetões, Sr. Primeiro-Ministro! É combater uma panela de ferro com uma de barro!
Esqueceu-se também das bolsas de pobreza e da inexistência de um rendimento mínimo de subsistência, não falou da desertificação do interior do nosso país nem do envelhecimento da sua população e passou ao lado das questões difíceis.
O Sr. Primeiro-Ministro prometeu - é exímio nas promessas -, mas não apresentou medidas concretas para resolver os problemas; falou de programas, de promessas e de sinais de recuperação, quando sabe que vai haver aumento de desemprego e de trabalho precário e que não há recuperação nem crescimento sem a dimensão social do desenvolvimento e coesão económica e social. Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro reconhecerá - e fica a questão - que, no ano passado, afirmou aqui, peremptoriamente, que, durante o ano, a economia portuguesa iria crescer um ponto acima da média europeia. Os factos aí estão a desmenti-lo e a demonstrar que estamos no terceiro ano consecutivo em que nos afastamos da média europeia e do pelotão da frente, para utilizar uma imagem que é do seu agrado. Esta é uma realidade insofismável!
Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, a questão que lhe colocamos é esta: persiste com a sua politica, que, ao longo dos anos, tem mostrado que agrava os problemas de dependência e de desenvolvimento do nosso país e cria problemas de desertificação, de envelhecimento e de debilitação do aparelho produtivo? A persistir nesta política de concentração de riqueza e no prosseguimento dos critérios de Maastricht, vamos continuar a ter problemas graves, sem que os problemas essenciais dos agricultores, dos trabalhadores, das mulheres, dos jovens e de todos aqueles que criam riqueza sejam resolvidos.
Pensamos, portanto, que é necessário mudar de política e de rumo e que está, cada vez mais, na ordem do dia- e esta é uma questão essencial - mudar de política e de Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, dispondo, para o efeito, de três minutos.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, como as questões que formulou são exactamente as mesmas que me tem colocado em debates anteriores, vou ser sintético nas respostas.

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Em primeiro lugar, no que diz respeito aos reformados, desafio o Sr. Deputado a encontrar algum período na nossa história recente em que o seu poder de compra, em média, tenha aumentado 10 % ao ano. Não me recordo de qualquer período, mesmo até depois da Guerra, em que em nove anos, de 1985 a 1993, o poder de compra das pensões tenha sido aumentado, em termos reais, todos os anos - repito, em termos reais - e numa média de 10 %. Recordo-lhe esse número porque os senhores, com certeza, têm-no nos seus dossiers, mas insistem em esquecê-lo.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O desemprego é uma preocupação para todos nós, e não me atrevo a dizer que não o seja também para o Partido Comunista. Só que o Sr. Deputado, nesta Casa, tal como outros dirigentes da oposição, antecipou para esta altura uma taxa de desemprego para Portugal superior a 10 %.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E, hoje, noto na sua cara algum incómodo por verificar que o Instituto Nacional de Estatística apresenta uma taxa de desemprego para Portugal de 6,7 % e que, no último trimestre, contrariamente àquilo que o Sr. Deputado afirmou recentemente, se verificou uma diminuição do desemprego e um aumento de l % no emprego. E como, às vezes, o Sr. Deputado também refere os desempregados inscritos no Instituto de Emprego e Formação Profissional, então, quero recordar-lhe que, desde o mês de Março, se verifica uma descida continuada e que, no passado mês de Junho, a descida dos desempregados aí registados foi de 1,3 %.

Aplausos do PSD.

Mas repito aquilo que também já lhe disse várias vezes: o desemprego não se combate de forma artificial, como os senhores tentaram fazer no passado e segundo um modelo que a queda do «muro de Berlim» pôs a nu e que foi um autêntico falhanço.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já cá faltava a cassete!...

O Orador: - O emprego cria-se com empresas competitivas no mercado internacional, Sr. Deputado! E promovem-se políticas que são as activas de emprego, ou seja, a aposta na formação profissional, na educação e em algo de semelhante.
Para terminar, lembrava ao Sr. Deputado, que se esquece da convergência, que Portugal, de 1985 a 1993 - portanto, contando com o mau ano de 1993 -, teve uma taxa de crescimento média de 3,4 %, o que é superior 1,1 % em relação à média comunitária. Se isso não é convergência, então, diga-me o que é que significa o poder de compra, per capita, dos portugueses representar, em 1985, 51 % da média comunitária e, neste ano de 1994, representar 61 %. Foi uma subida de 10 pontos percentuais. O Sr. Deputado pode estar insatisfeito, eu até posso estar insatisfeito, mas é desonesto não reconhecer esta realidade!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, sinceramente, ficou-me a dúvida se a intervenção crispada que produziu...

Vozes do PSD: - Crispada!...

O Orador: - ... era do Primeiro-Ministro ou do cidadão Aníbal Cavaco Silva. É que sabemos agora que se trata de duas entidades diferentes e, muitas vezes, com opiniões diversas sobre questões de Estado em Portugal.
Recordo-lhe que, ainda há muito pouco tempo, o cidadão Aníbal Cavaco Silva achava justo buzinar na ponte,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... considerando injusta a política do Governo, mas o Primeiro-Ministro não deixou de mandar multar os que buzinassem e de mandar a maioria impedir aqui que essas multas fossem levantadas.

Aplausos do PS.

E, porventura, a única forma de explicar toda a confusão que ocorreu há 15 dias estará em admitir que foi o cidadão Aníbal Cavaco Silva que disse ao cidadão Joaquim Ferreira do Amaral para vir, numa segunda-feira, ceder em toda a linha e desmentir aquilo que, na sexta-feira, o Primeiro-Ministro tinha dito ao Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, afirmando que o Governo não cederia um só milímetro!...

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - É isto, Sr. Primeiro-Ministro, que destrói todo um esforço de 45 minutos para falar de segurança, de coerência e de linha de rumo. Porque, manifestamente, o que este Governo hoje não tem é segurança, coerência e linha de rumo.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Muito mal!

O Orador: - É por isso que a sua intervenção faz sentido se for do cidadão Aníbal Cavaco Silva. Porque é legítimo que o cidadão Aníbal Cavaco Silva entenda que há políticos que estão dispostos a tudo pelo voto e pela popularidade fácil. Eu conheço um: o Primeiro-Ministro!

Aplausos do PS.

É natural que o cidadão Aníbal Cavaco Silva a ele se tivesse referido.
Como Primeiro-Ministro não pode ignorar o verdadeiro estado da Nação, a situação realmente trágica de grande parte da nossa agricultura e da nossa indústria, não apenas do que está a ser modernizado mas também do que está a ser e tem sido destruído, e a situação de confusão generalizada nas escolas, com a sua asfixia financeira, a degradação das instalações, a desorientação pedagógica, os nossos filhos a servirem de cobaias e para experiências não pensadas de avaliação, que conduzem à maior desorientação naquele que é, nas suas palavras, o sector essencial para o futuro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - De que país está a falar?!

O Orador: - O Primeiro-Ministro, que sabe isto que estou a dizer, não poderia ter feito esta intervenção. Mas

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é legítimo que o cidadão Aníbal Cavaco Silva não tenha toda a informação sobre estas matérias e possa, portanto, ter feito aqui o discurso de alguma fantasia com que nos brindou no início deste debate.
Por isso, queria fazer-lhe uma proposta. Este é um debate com regras feitas para a sua maioria e em seu benefício, onde tudo está a favor do Governo. Participamos nele, mas entendemos que não é esta a melhor maneira de esclarecer o País. A melhor maneira de esclarecer os cidadãos, porque temos opiniões diferentes sobre os problemas do País e sobre as suas soluções, seria promover um debate entre nós,...

Risos do PSD.

... com condições mutuamente acordadas, para ser sério e evitar que fosse um espectáculo sem sentido, junto de uma cadeia de televisão ou de um grande órgão de comunicação social, que permitisse aos portugueses, em directo, em igualdade de circunstâncias entre nós...

Vozes do PSD: - O Parlamento é aqui! Aqui é que é a sede da democracia!

Protestos do PSD.

O Orador: - Srs. Deputados do PSD, a vossa arruaça é bem o símbolo do vosso desespero! Têm razões para estarem desesperados!

Aplausos do PS.

Como eu estava a dizer, em condições de verdadeira igualdade.
Sei que o Primeiro-Ministro não quer debater com o líder do principal partido da oposição ou com os líderes da oposição nessas condições de igualdade, mas atrevo-me, como cidadão António Guterres, a desafiar o cidadão Aníbal Cavaco Silva, que muitas vezes tem opiniões diferentes das do Primeiro-Ministro, para tal debate, em benefício da opinião pública.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, quanto à introdução imaginativa...

O Sr. António Guterres (PS): - E real!

O Orador: - ... ao pedido de esclarecimentos que o Sr. Deputado me quis dirigir, serei muito breve, porque vou aconselhá-lo apenas a pedir a gravação completa das declarações que fiz.
Estou certo de que, sendo uma pessoa inteligente, depois de escutar essa declaração na íntegra, não ficará por observações que apenas resultam dos títulos das notícias dos jornais aquilo que V. Ex.ª gostosamente gosta de fazer todos os dias.

Aplausos do PSD.

Quanto ao debate sobre o estado da Nação, a minha surpresa é enorme ao verificar que o líder do Partido Socialista também desvaloriza a Assembleia da República!

Aplausos do PSD.

Registamos essa circunstância e não acrescentamos qualquer comentário!
Quanto às políticas que tem vindo a propor, e que estão subjacentes à sua análise sobre o estado da Nação, estou convencido de que se o Sr. Deputado tivesse experiência governativa...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Vai ter!

O Orador: - ... faria uma ideia do que é governar...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não faz!

O Orador: - ... Portugal nos tempos de hoje. Se conhecesse...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não conhece!

O Orador: - ... a experiência da negociação no quadro internacional, e, em particular, no quadro europeu, o Sr. Deputado, como pessoa inteligente, nunca faria essas propostas. E estou certo de que tão-pouco ousa fazê-las quando se reúne com os seus colegas socialistas da Europa no Convento da Arrábida.

Risos do PSD.

E porquê? Porque ficaria desacreditado perante as propostas que faz face aos olhares dos seus colegas da Internacional Socialista.
Propor desvalorizações do escudo?! Mas o que é isso para um líder responsável da oposição?- dirá qualquer dirigente socialista da Europa. Mas o que é isso de rendimento social mínimo...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Garantido!

O Orador: - ... sem, contudo, avaliar as suas consequências, o que levava à ruptura do nosso sistema social,...

Protestos do PS.

... pondo em causa o pagamento das pensões?

Aplausos do PSD.

Ou, então, forçando um aumento futuro dos impostos sobre a classe média ou um défice maior, com a taxa de juro mais elevada e o investimento a cair? Tão-pouco se imaginaria, se tivesse experiência governativa, a dirigir comentários de alguma forma levianos em relação às forças de segurança portuguesas.
Por essa razão, com experiência governativa, com prática em relação à negociação comunitária, com um melhor conhecimento das coisas - que tem possibilidades de adquirir -, o Sr. Deputado nunca faria essas propostas!
E deixe-me terminar desta forma: começo a pensar que há uma coisa que nunca acontecerá no nosso país, isto é, a possibilidade de o cidadão António Guterres fazer perguntas ao Primeiro-Ministro António Guterres!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, como não estive presente no ano pas-

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7 DE JULHO DE 1994 2843

sado, tive o cuidado de ler com muita atenção o seu discurso sobre o estado da Nação proferido no Parlamento a 7 de Julho de 1993. Pude verificar que, depois de uma introdução sobre política externa e macroeconomia, elencou, então, sector por sector, referindo-se a todos os Ministérios, as principais medidas que iria tomar no ano que passou. Hoje, registo, não sem surpresa, que V. Ex.ª evitou por completo fazer uma abordagem, sector por sector, embora tenha lançado algumas luzes, digamos assim, das medidas que vão ser tomadas. E tem razão para o fazer na medida em que, em 1994, nada do que nos tinha sido prometido no ano passado se cumpriu.
O ano lectivo perdeu-se por completo e a Sr.ª Ministra da Educação, que está sentada na bancada do Governo, pode confirmá-lo: o primeiro trimestre perdeu-se com a questão das propinas. Entre discussões e a fixação dos critérios, o ano universitário lá se passou com a guerra surda das propinas. Depois, vieram as chamadas provas globais nas quais nada se avançou. Apenas foi dito que tinha havido um ajustamento deficiente entre a equipa da Educação que saiu e a que entrou, porque tinham sido dadas instruções que as escolas não souberam compreender não esquecendo que, com a tomada de posse de uma nova equipa, as expectativas são de mudança. Portanto, o ano perdeu-se também para o ensino secundário, para o ensino básico.
Finalmente, enveredou-se por uma linha de facilitação total, confundindo frequência com aprovação, o que é absolutamente contrário a um ensino de qualidade, ao ensino que V. Ex.ª aqui quis mostrar.
No Ministério da Saúde, subsiste o problema de o Estado não pagar indemnizações por negligência médica, podendo dizer-se que, nomeadamente, a contaminação de sangue com o vírus da SIDA retira hoje credibilidade a todo o sector público de saúde. Parece mesmo que o Sr. Ministro da Saúde, com a «mudança de gerência», encerrou o Ministério da Saúde para reformas já que, depois de toda a simpatia com que foi envolvido pela oposição quando tomou conta do seu lugar, nada de importante fez no sector da saúde a não ser as promessas do que irá fazer-se. Repito: nada se fez desde que o Doutor Paulo Mendo, escolha que mereceu a simpatia da oposição, tomou posse e depois de dizer que iria pensar e actuar.
No Ministério da Justiça, está por fazer a reforma judiciária, os Códigos do Processo Penal e do Processo Civil, as prisões continuam abundantemente superlotadas e a única medida tomada à última hora consistiu na revisão do Código Penal, da qual o Sr. Ministro da Justiça diz ser um dos trunfos do seu «consulado».
Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª quer incutir um clima de confiança no país mas sucede, simplesmente, que o povo não lhe retribui essa confiança. Na verdade, os acontecimentos ocorridos na Ponte 25 de Abril, a abstenção verificada nas eleições europeias depois de tudo o que foi feito para que a política europeia e a do Governo estivessem em sintonia, as constantes reivindicações dos agricultores, as constantes reivindicações dos pescadores, as constantes reivindicações dos empresários, as constantes reivindicações de todos os sectores da sociedade, significam que há um grande desencontro entre a confiança que V. Ex.ª espera do País, da Nação, e aquela que o país lhe quer dar.
Assim, pergunto a V. Ex.ª se estes debates sobre o estado da Nação se lhe destinam ou se apenas servem para exercitar o entusiasmo que evidencia ao fazer grandes discursos económicos sobre índices macroeconómicos e sobre confiança. Destinam-se a ser cumpridos para que o povo tenha confiança na política, no Governo e no seu Primeiro-Ministro?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, não sei se sabe que no debate sobre o estado da Nação que teve lugar há um ano atrás - e agradeço-lhe que tenha tido a paciência de ler a intervenção que então produzi - fui acusado de ter feito um relatório tipo «conselho de administração» por ter «percorrido» quase todos os ministérios. Hoje V. Ex.ª acusa-me de apenas ter referido algumas áreas.
Fiz, de facto, uma opção. Referi-me às áreas mais difíceis, àquelas que têm suscitado maiores preocupações, ou seja, a agricultura, o ambiente, a educação.
Quanto à educação, penso que o Sr. Deputado não esteve presente num debate que aqui ocorreu recentemente, no qual esteve presente a Sr.ª Ministra, porque, então, a sua bancada reconheceu que a política do Ministério era rigorosa e estava no bom caminho.
Sem dúvida que estamos a fazer um grande esforço para passar da quantidade - fase difícil de evitar - para a qualidade. A quantidade está bem visível no ensino superior, sector que o Sr. Deputado conhece muito bem, se disser que em 1985 apenas 100 000 estudantes o frequentavam e que hoje esse número é de quase 300 000, para além de Portugal ter uma das mais altas taxas de acesso de toda a Europa ao ensino superior, que é de 40 % aproximadamente. Não sei se alguém contesta este número, mas 40 % dos jovens com 18 anos chega hoje à Universidade.

O Sr. António Guterres (PS): - A conta não é assim!

O Orador: - Sr. Deputado, então, o Ministério envia-lhe depois o número oficial.

A batalha da qualidade não é fácil, mas espero podermos contar com o apoio do CDS-PP. E aqueles que trocam princípios por votos rapidamente vão atrás de qualquer reivindicação na praça pública que nada tem a ver com a qualidade.
Sr. Deputado Narana Coissoró, tem de reconhecer que, para travar a batalha da qualidade, é preciso coragem! E também estou convencido de que o Sr. Deputado apoia a lei das propinas...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Mas o critério foi errado!

O Orador: - ... porque sabe que é uma injustiça escandalosa que, no nosso país, subsista o mesmo sistema há 40 ou 50 anos, tal como, com certeza, apoia o esforço para que se faça uma avaliação rigorosa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Mas não apoio que se confunda frequência com aprovação!

O Orador: - Então, tem de ter uma conversa mais demorada com a Sr.ª Ministra da Educação porque estou convencido de que ela conseguirá convencê-lo com o seu charme.

Risos.

Continuaremos, pois, nessa senda da qualidade apesar das dificuldades. E tive ocasião de mencionar aqui alguns

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pontos concretos que vão nesse sentido, aos quais podia acrescentar a formação de professores, área em que, de facto, a dificuldade é sentida.
Não fugimos a essas dificuldades, entendemos os jovens, com a sua irreverência, e até a sua luta, mas não entendemos os políticos, porque têm a obrigação de saber, conscientes das dificuldades existentes num mundo moderno e num sistema de ensino que tem um novo paradigma de competitividade- o sistema de ensino português tem de competir com o sistema de ensino espanhol, francês e outros -, que é inevitável a opção pela exigência, eu diria, pela excelência, pela aposta na qualidade. É esse o caminho que nos propomos trilhar apesar de todas as dificuldades.
Uma última referência às eleições europeias. O Sr. Deputado pode dirigir esse remoque a várias bancadas, mas nunca à minha, nunca ao Governo! Disse que o partido do Governo ia registar uma Hecatombe (com h maiúsculo). No início da noite de 12 de Junho ainda se deram conferências de imprensa a clamar uma vitória que era esmagadora e, no final, verificou-se que a diferença entre os dois partidos mais votados foi de 0,4 % dos votos!

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Não fui eu que o disse.

O Orador: - Ó Sr. Deputado, peço que dirija essa observação sobre as eleições europeias a outra bancada e não à que apoia o Governo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, é significativo que V. Ex.ª tenha começado a sua intervenção de hoje afirmando que nas eleições europeias não esteve em causa o Governo nem o julgamento da actividade governativa. Tal é significativo das inquietações que o Sr. Primeiro-Ministro, o seu Governo e o PSD têm neste momento em relação a essa temática; é significativo das inquietações que têm face ao descontentamento social que tem vindo a manifestar-se no nosso país e, ao fim e ao cabo, face às manifestações de descontentamento da sociedade portuguesa genuína. E espero que o Sr. Primeiro-Ministro considere genuínos os trabalhadores que se têm manifestado, os agricultores que se têm manifestado, os estudantes que se têm manifestado, os utentes da Ponte 25 de Abril que se têm manifestado...

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É significativa essa sua preocupação, Sr. Primeiro-Ministro, fundamentalmente pela inquietação que denota da sua parte, do seu Governo e do seu partido!
A determinada altura da sua intervenção, o Sr. Primeiro-Ministro referiu - aliás, já não é a primeira vez que o faz - que a defesa da liberdade e da democracia estão ganhas e que «agora, é o desafio económico e social».
Sr. Primeiro-Ministro, a liberdade e a democracia nunca estão definitivamente ganhas; a liberdade e a democracia são conquistas permanentes que nunca podem ser descuradas. A acção do seu Governo, do seu grupo parlamentar e do seu partido mostram que assim é.
O Sr. Primeiro-Ministro falou no PDR. Devo lembrar-lhe que o PDR foi discutido nesta Casa de forma absolutamente inaceitável do ponto de vista democrático; foi como gato a passar por cima de brasas! Não houve tempo sequer para ser discutido em comissão!
Mas aponto-lhe mais factos, Sr. Primeiro-Ministro: a actividade dos Serviço de Informações de Segurança é uma ameaça à democracia, é uma ameaça ás liberdades. É, pois, necessário estar atento e continuar a combater pela liberdade e pela democracia!

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É, de facto, uma ameaça à liberdade e à democracia a violência policial de que, cada vez mais, o Governo faz uso, pois em vez de dialogar com os cidadãos manda-lhes os bastões e os cassetetes da polícia.
O Sr. Primeiro-Ministro afirmou várias vezes que não é sério referir alguns aspectos que não quer ver na realidade económica e social do estado efectivo da Nação. Pois eu dir-lhe-ia que não é séria a afirmação que fez de que entre 1986 e 1993 a produção final agrícola, medida a preços constantes, não diminuiu. E não é séria por várias razões, nomeadamente porque não disse com que preços é que comparou esses dados: com os de 1980 ou com os de 1986?
Mas, mais do que isso, não é sério o Sr. Primeiro-Ministro ter hoje utilizado uma táctica muito interessante: as médias de sete ou oito anos atrás para esquecer as dos últimos três ou quatro.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É a fuga para trás!...

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro, de facto, é incapaz de reconhecer que de 1990 para cá o produto agrícola bruto tem vindo a cair de ano para ano. Além disso, o senhor deve saber que o produto agrícola bruto que o INE apresenta tem em conta preços constantes.
Por outro lado, não é sério dizer que as taxas de juro continuam no caminho da descida. Ó Sr. Primeiro-Ministro, as taxas de juro têm vindo a aumentar nos últimos tempos para as pequenas e médias empresas e para o crédito à habitação.
Também não é sério dizer que o PIB per capita, medido em paridades de poder de compra, de 1986 a 1993, passou de 51 % para 60 %, e isto por duas razões: primeiro, porque, mais uma vez, olvida a evolução dos últimos três anos e, segundo, porque omite que nessa evolução de 51 % para 60% houve em 1991 uma rotura estatística demográfica que diminuiu a população em 600 000 pessoas, e isso influi a alteração desse nível.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - É evidente!

O Orador: - Finalmente, o Sr. Primeiro-Ministro vangloria-se com a inflação. Mas o senhor queria que com o aumento do desemprego, com a redução dos salários, com a quebra do consumo privado, com a actividade económica fortemente reduzida, com a ausência de investimento, ainda houvesse crescimento da inflação? Convenhamos que seria demais!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Deputado, agradeço-lhe a sua pergunta.

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Na verdade, tenho inquietações. Com certeza que tenho, mas não são motivadas pelas eleições para o Parlamento Europeu, como compreende... E que a sua força política perdeu um Deputado, enquanto que o partido que apoia o Governo não perdeu nenhum,...

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - É verdade!

O Orador: - ... por isso as minhas inquietações podem situar-se no desemprego...

Vozes do PS: - Nós só ganhámos dois deputados!

O Orador: - Felicito-vos!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Finalmente!

O Orador: - ..., naquilo que ainda não é possível dar aos reformados portugueses, na educação e noutros domínios. Aí posso ter inquietações, mas não quanto ao resultado das eleições para o Parlamento Europeu.
Sr. Deputado, não vou comentar aquilo que disse quanto à liberdade e à democracia porque o senhor é coerente no seu discurso, só que há uma diferença: é que agora a sua coerência torna o seu discurso mais notado, isto é, torna o seu discurso em algo que tem dificuldade em casar com o sistema que vigora no nosso país e por toda a Europa

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Tem de explicar isso melhor!

O Orador: - Por isso digo que a nossa batalha hoje é a do desenvolvimento.
Considero - e penso que nesta Sala a maioria considera - que a batalha da democracia e da liberdade está ganha. E aquele caso que o senhor referiu é até a prova de que as instituições democráticas funcionam. Por isso, é que aqui esteve o Sr. Ministro da Administração Interna, e se o Sr. Deputado entender que é necessária a vinda dele outra vez ele aqui virá...

O Sr. João Amaral (PCP): - Para um inquérito!

O Orador: - Ele virá discutir com os senhores!... De facto, nós já sabemos o que o senhor e os seus colegas pretendem com o inquérito...

O Sr. João Amaral (PCP): - Ah!...

O Orador: - Nós entendemos que para combater o terrorismo, a sabotagem, a espionagem e para garantir a segurança interna o país precisa de um serviço de informações que funcione.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E quanto a isto, nós temos, com certeza, opiniões muito díspares. Ficamos nós, e se calhar outras bancadas, com a nossa e o senhor vai ficar com a sua!

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Eles têm um serviço de informações próprio.

O Orador: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira é economista e, portanto, sabe a importância das tendências. Elas são importantes. Por exemplo, em relação à parte cambial, nós estamos entrecortados, neste momento, por uma agitação que está a esbater-se em resultado de movimentos especulativos, e o mesmo se passa com as taxas de juro.
Mas, com certeza, que o Sr. Deputado não vai negar que nos últimos 12 meses ocorreu uma descida muito significativa das taxas de juro! E é a tendência que interessa, quer o senhor queira ou não. A economia portuguesa é hoje uma economia integrada num espaço mais vasto onde existe liberdade irrestrita, como disse no meu discurso, de movimentos de capitais, e estas flutuações podem acontecer!
Quanto à agricultura, exprimi toda a minha preocupação, mas discordo de si quando diz que não se está a fazer nada para modernizá-la.
Quero lembrar-lhe só uma coisa: em matéria de infra-estruturas foram apoiadas pelo I Quadro Comunitário de Apoio 300 000 explorações, construíram-se 10 000 Km de caminhos rurais, 4100 Km de linhas eléctricas, 217 000 ha de regadio...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Quantos?

O Orador: - 217 000!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Essa conta deve estar errada!

O Orador: - Sr. Deputado, recebo as informações do Ministério da Agricultura, mas se tiver dúvidas o Sr. Ministro irá à Comissão esclarecê-lo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso está, de certeza, errado!

O Orador: - Quero ainda dizer-lhe que promovemos a instalação de 10 000 jovens agricultores, que constituíram 60 agrupamentos de produtores. Aliás, devo lembrá-lo que a agricultura é um sector que tinha 30 % da nossa força de trabalho e que, neste momento, tem cerca de 10 %.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É a desertificação do país!

O Orador: - É um choque que teria de ocorrer na sociedade portuguesa. E quando eu disse que não é sério, tal aplica-se aqui: não era possível ter 30 % da população activa na nossa agricultura,...

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - É evidente!

O Orador: - ... tal como não é possível manter a cultura de cereais quando num hectare de terreno se produz menos de uma tonelada de cereais.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É só asneiras!

O Orador: - Aliás, o Sr. Deputado fora destas bancadas não deixa de reconhecer esta realidade!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Primeiro-Ministro, em primeiro lugar, devo dizer-lhe que, a exemplo do que fiz no debate realizado no ano passado, tenho umas notas escritas que foi tomando à medida que o senhor falou. E digo-lhe isto para evitar os comentários que o senhor me fez nessa altura.

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Efectivamente, julgo que o seu discurso não foi sobre o estado da Nação; foi, sim, uma buzinadela, mas pouco audível, quase como se a bateria lhe estivesse a faltar!...

Vozes do PS: - Essa é boa!

O Orador: - Começo por referir, tal como o Sr. Primeiro-Ministro fez, o último debate sobre o estado da Nação, que é de leitura obrigatória. Aliás, aconselho toda a gente a lê-lo, pois, a um ano de distância, quem tiver dúvidas verificará, fácil e comprovadamente, que todo o essencial dos seus argumentos estava errado e que todos os principais argumentos da oposição estavam certos. É um apelo que faço a todos os Srs. Deputados, a começar pela bancada do PSD, para que leiam esse magnífico debate.
O Sr. Primeiro-Ministro, hoje, estreou uma nova figura: em vez da fuga para a frente, a fuga para trás.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Exactamente!

O Orador: - É que como não lhe convém fazer comparações desde as últimas eleições legislativas, de 1991, vai buscar 1986. É que se fizesse comparações a partir de 1991 constataria que tudo o que foi o seu programa em matéria de convergência real está, infelizmente para todos os portugueses, ultrapassado dramaticamente.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esperávamos um diagnóstico sério, mas voltou um registo burocrático, cinzento, assinalável, sobretudo, pelas omissões.
Por exemplo, esqueceu-se de falar na vergonha que é o actual abandono do interior e da situação de fome que se vive em algumas zonas do país, como se estivéssemos a regressar aos anos 50; esqueceu-se de falar da crise da indústria, que é uma vergonha, com quedas enormes da produção, apesar dos apoios comunitários de que temos beneficiado; esqueceu-se de dar a devida importância ao problema do desemprego em Portugal, porque não é exactamente igual ao problema do desemprego nos outros países. Aliás, em Portugal, como o Sr. Primeiro-Ministro sabe, apesar de não ser desses combates, nós batemo-nos pelos três «d»: pelo desenvolvimento, pela democracia, pela descolonização! Mas o Sr. Primeiro-Ministro também vai ficar com os três «d»: o de desertificação, o de desindustrialização e o de desemprego.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, há também um problema de crise no sistema político que o senhor não quis abordar, tendo escamoteado parte dele, e que tem a ver com alguns escândalos de ligações mal explicadas entre quadros e dirigentes do PSD de algumas instituições em séria crise.
Assim, pergunto-lhe o que pensa fazer quanto ao escândalo da Caixa Económica Açoriana, relativamente ao qual o Dr. Francisco Torres, insuspeito até pelo seu cavaquismo, pedia, há poucos dias, que a Assembleia da República tomasse medidas.
Finalmente, gostaria ainda de lhe perguntar o que é que pensa fazer quanto ao escândalo da Companhia de Seguros «O Trabalho» cujo presidente do Conselho de Administração é um alto dirigente do PSD. Aliás, essa Companhia já há muito devia ter sido intervencionada, até porque já há uma lei que, a partir de l de Julho, permite a intervenção do Governo, mas o certo é que ela continua a não o ser.
São estas as questões concretas sobre as quais gostaríamos de ouvir o Sr. Primeiro-Ministro falar.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Deputado, se consultar os números de 1991 a 1993 vai ter uma desilusão: a taxa de crescimento em Portugal foi de 0,5 %, enquanto que na União Europeia foi de 0,4 %. Logo, a convergência, mais uma vez, verificou-se de 1991 a 1993.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Como?

O Orador: - Faça as suas contas. Se quiser até lhe empresto a máquina de calcular!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, porque é que não me deixa responder? Está incomodado?

Protestos do PS.

Quanto aos números do desemprego poderá ver as estatísticas do INE e consultá-las. Eu não acrescento mais nada.
A dado momento, o Sr. Deputado falou em fome e, certamente, estava a referir-se ao Alentejo. Então, deixe-me que lhe diga o seguinte: o Sr. Deputado sabe muito bem que o nosso país registou nos últimos tempos anos de seca muito grave, e sabe também a acção destruidora que foi movida no Alentejo em relação à iniciativa privada por uma força política que está presente nesta Casa...

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PCP.

O Orador: - ..., tal como sabe também o excesso de população que existe na nossa agricultura. O facto é que, entre nós, como em qualquer país, podem surgir situações de carência e reportagens semelhantes a essa podem ser feitas em Espanha, em França- em Paris, junto ao Sena-, em Inglaterra - em Londres, em Trafalgar Square -, mas o que interessa saber é se o sistema de assistência social ou de acção social .pode responder a essas situações de carência
O que posso dizer à Câmara é que a acção social no Alentejo não recusou, até este momento, e não recusará nunca qualquer pedido de assistência que lhe seja dirigido. Porém, tem encontrado alguns obstáculos em agentes do PCP no terreno, o que mostra bem a natureza política desta matéria.

Vozes do PCP: - Isso é falso!

O Sr. José Magalhães (PS): - Da fome?

O Orador: - Mas há aqui uma questão importante que quero abordar: o que é que têm feito os municípios comunistas, o de Serpa, por exemplo, para atrair as iniciativas empresariais para o seu concelho, tal como tentaram fazer os de Portalegre, de Castelo Branco e até de Barrancos, pela mão do seu anterior autarca? É competência deles tentar mobilizar iniciativas empresariais para o seu concelho.
É que, como disse há pouco, as empresas não se criam por decreto, não tenha a mínima dúvida disso! O emprego cria-se com empresas competitivas em mercado aberto, em

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mercado concorrencial, seja no Alentejo, seja em qualquer outra parte. E foi o meu Governo que «tirou da gaveta» o Alqueva,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e estamos a fazer todos os esforços para que passe à prática, com os estudos de ambiente, que todos reclamam, perfeitamente realizados.

Protestos do PS.

Foi o meu Governo que lançou um programa de emergência para os desempregados da seca no Alentejo. Foi o meu Governo que propôs políticas activas de emprego para o Alentejo, os programas ocupacionais, a mobilidade geográfica, o emprego precário. E, Sr. Deputado, vou ler-lhe só a informação que me chegou dos serviços, que, quanto à tentativa de resolver o problema das pessoas da margem esquerda do Guadiana, porque os programas operacionais foram oferecidos a todas as famílias com carências, que, neste momento, são 636, diz o seguinte: «as situações localizam-se nos cinco concelhos da margem esquerda do Guadiana: Mourão, Serpa, Barrancos, Mértola e Moura. Através do Programa Operacional estão resolvidos os problemas de 480 famílias, embora as câmaras municipais não tenham, de forma alguma, querido colaborar no programa».

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O problema não se resolve com esmola!

O Orador: - É isto, Sr. Deputado, o que tem acontecido. O que verificamos, no Alentejo, é o seguinte: quando queremos resolver os problemas, os autarcas da região consideram a insatisfação dos alentejanos a sua própria satisfação. Encontrámos problemas semelhantes na educação: quando quisemos construir uma escola em Almada ou em Loures, o presidente da câmara municipal nunca arranjava terreno porque pensava que com menos uma escola o Governo seria mais impopular.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É falso!

O Orador: - Por último, Sr. Deputado, digo-lhe que não são os artificialismos que agravam o emprego. O Sr. Deputado quer saber o que aconteceu em relação aos inscritos nos centros de emprego, no Alentejo, nos últimos dois meses? Em Maio, diminuíram 6,3 %; em Junho, 5,4 %, o que mostra que o número de desempregados inscritos nos centros de emprego não está a aumentar no Alentejo.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É sazonal!

O Orador: - Mas, Srs. Deputados, o meu apelo aos autarcas do PCP é no sentido de colaborarem na resolução das situações de carência existentes nos seus concelhos e de não se comportarem como até agora impedindo a resposta da segurança social.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Então, a Caixa Económica Açoriana? E a Companhia de Seguros «O Trabalho»?!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, Sr. Deputado Manuel Queiró, mas vou dar a palavra ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues porque esta figura regimental tem prioridade.
Faça favor, Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Primeiro-Ministro respondeu ao PCP como se a pergunta tivesse sido colocada por algum seu Deputado, e não a mim, que coloquei questões concretas, extremamente importantes, como a da Caixa Económica Açoriana e a da Companhia de Seguros «O Trabalho». É sobre isto que quero ouvir uma resposta e não...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso não é uma interpelação à Mesa mas, sim, indirectamente, ao Sr. Primeiro-Ministro. Sendo assim, pergunto ao Sr. Primeiro-Ministro se deseja responder.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, responderei depois quando responder ao Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª não ignora certamente que, em relação aos primeiros anos dos seus Governos, o ambiente de euforia foi substituído por alguma ansiedade ou inquietação dos portugueses no que toca ao amanhã. E era sobre o amanhã que gostaria de colocar-lhe uma questão motivada pela divulgação recente de estatísticas que referem o continuado e preocupante crescimento do défice da balança comercial, que teria atingido, no ano económico de 1993, a cifra de 1800 milhões de contos, qualquer coisa como 15 % do nosso PIB.
Estes números podem não dizer muito aos portugueses, que não sabem muito da linguagem dos economistas, mas há uma coisa que eles sabem: que, em Portugal, se vende cada vez mais produtos estrangeiros em substituição e em prejuízo dos produtos das nossas empresas, agricultores e pescadores. Portanto, eles sabem, do mesmo modo que sabem que os fundos europeus não são eternos, que isto tem consequências, em relação ao emprego, nos dias que aí vêm. É sobre esta perspectiva do que virá a seguir, nos dias de amanhã, que esperam uma resposta capaz do Sr. Primeiro-Ministro no sentido de lhes restituir a esperança.
Gostaria, foi, que o Sr. Primeiro-Ministro desse algum esclarecimento sobre este assunto.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, agradeço-lhe a pergunta, mas queria descansá-lo. A sua informação não está correcta, e mesmo que estivesse não devia estar preocupado porque a nossa balança de pagamentos está equilibrada.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Ó Sr. Primeiro-Ministro!...

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O Orador: - É de facto isso o que interessa num país. Os economistas podem explicá-lo com mais cuidado.
Portugal já teve graves problemas de balança de pagamentos - 13,2 % do PIB em 1983 -, mas não tem agora.
Em relação à balança comercial, o Sr. Deputado esqueceu-se de uma coisa fundamental: os serviços e o turismo. Portanto, além de os seus números estarem errados, não têm o mínimo de significado, porque Portugal até podia exportar poucas mercadorias se tivesse, por exemplo, muito mais turismo ou outros serviços, como acontece noutros países. O que interessa numa economia aberta e integrada é a balança de pagamentos ou, pelo menos, a balança de pagamentos, se quiser, sem as transferências de capitais de curto prazo, e aí não há o mínimo de problema. Portanto, não tenha preocupações quanto a isso.
Vou voltar ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues.
Se me permite, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, eu já disse uma vez, e volto a dizer, que admito que o PS tenha tanta vontade em combater a corrupção quanto eu,...

O Sr. Alberto Costa (PS): - Só que não dá os meios!

O Orador: - ... mas não aceito, não aceito de forma alguma, que nesta matéria o senhor, ou alguém da sua bancada, tenha superioridade em relação a mim ou ao meu Governo. Sempre que conheço um caso - e isso pode ser testemunhado pela Procuradoria-Geral da República, pela Polícia Judiciária ou por qualquer entidade de investigação - não deixo de pedir que as autoridades de investigação e os tribunais aprofundem e julguem com justiça, nunca distinguindo os cidadãos uns dos outros.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Faltam os meios!

O Orador: - E o Sr. Deputado sabe bem que foi o Governo quem veio a esta Casa, onde encontrou dificuldades, para melhorar a Lei de Combate à Corrupção, que até este momento, pelas dificuldades por alguns criadas, ainda não foi publicada.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Não é verdade!

O Orador: - E é este Governo quem tem feito o possível por aumentar os meios à disposição da Polícia Judiciária para que actue neste domínio. Eu próprio fiz uma reunião com o Director da Polícia Judiciária e o Sr. Procurador-Geral da República para analisar a questão dos meios. Mas deixo-lhe uma pergunta: o Sr. Deputado também poderá dizer a esta Câmara quantos casos de corrupção chegaram ao fim com os governos do PS?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): Essa é forma de responder?

O Orador: - Quais foram os meios colocados à disposição da Polícia Judiciária com os governos do PS? É uma comparação que todos gostaríamos de fazer.

Protestos do PS.

E se o Sr. Deputado puder colocar à disposição da Câmara os casos de corrupção que chegaram ao fim no tempo dos governos socialistas e os meios que foram dados à Polícia Judiciária, não deixaremos de os analisar com toda a atenção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Em relação a estes dois casos, quem falou de corrupção foi o Primeiro-Ministro. Que fique em acta!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico de Figueiredo.

O Sr. Eurico de Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, é do conhecimento de V. Exª, como de todos os portugueses, que há neste momento uma grande preocupação em Portugal, como em todo o mundo, dada a ligação dos problemas de sangue com os da SIDA. É também do nosso conhecimento que já nos finais dos anos 80 um prestigiado médico, o Dr. Bemvindo Justiça, avisou, sendo ele na altura responsável pelos problemas de sangue em Portugal, que toda esta área do sangue era extremamente criticável e que, eventualmente, não estaria a ser tratada com as necessárias responsabilidades. O Governo, em vez de ouvir um prestigiado médico, demitiu o Dr. Bemvindo Justiça. Mais tarde, é um respeitável professor universitário, Machado Caetano, quem diz que não tem meios suficientes para combater o flagelo da SIDA. De facto, pareceu, também na altura, não ter havido as respostas políticas necessárias em relação a este problema.
Ultimamente, os portugueses tem estado preocupados com os problemas das transfusões de sangue, e, se já há alguns anos os hemofílicos estavam, nesta área, extremamente preocupados, é do Hospital Maria Pia que surge uma preocupação quanto ao descontrolo de sangues e à possibilidade de portugueses terem sido infectados, sem se ter conhecimento das vítimas, neste caso crianças.
Há mais ou menos um ano, o Sr. Primeiro-Ministro disse que, em Portugal, se gastava 120 contos per capita, no que diz respeito à saúde. Na altura, fiz uma pergunta directa ao Sr. Primeiro-Ministro, nos termos regimentais, e, até hoje, ainda não obtive resposta. De qualquer maneira, o Sr. Dr. Paulo Mendo, recentemente, falou em 70 contos per capita. Há, portanto, uma discrepância muito grande entre um dado e outro. Por outro lado, o Dr. Paulo Mendo disse recentemente que não havia possibilidades financeiras para fazer os rastreios necessários para que os portugueses, normalmente preocupados com esses problemas, pudessem ter uma resposta mais ou menos plausível, quanto ao risco e às pessoas infectadas com o vírus da SIDA nos hospitais portugueses.
Ora, dada a discrepância de dados entre o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro da Saúde, o Sr. Primeiro-Ministro encontrará, eventualmente, resposta financeira para este problema. Entre 70 contos e 120 contos per capita há uma diferença muito grande!
Penso que os portugueses merecem uma resposta a este problema, a ansiedade é natural e a angústia compreensível. Posto isto, gostava de dar ao Sr. Primeiro-Ministro a oportunidade de dar esclarecimentos nesta área.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro. Dispõe de 2 minutos e 30 segundos.

O Sr. Raúl Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, vou colocar, muito rapidamente, apenas três questões.

Primeira questão: quais foram as razões para a demissão dos três principais dirigentes do Banco de Portugal a

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meio do seu mandato, por parte do Governo? Naturalmente que a pergunta supõe, como é do conhecimento de V. Ex.ª, os poderes de fiscalização da Assembleia da República em relação ao Governo.
A segunda questão tem a ver com o facto de o Governo e V. Ex." em particular terem invocado muitas vezes a transparência. O certo é que o parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado de 1992 é fortemente crítico para o Governo, denunciando um rosário de irregularidades praticadas pelo Governo.
Terceira e última questão: V. Ex.ª aludiu que nós pensamos que o desemprego está a aumentar no nosso país. É um fenómeno gravíssimo e, concomitantemente, a OCDE afirmou há pouco tempo que o desemprego continuará a aumentar em Portugal até 1996. Em face deste testemunho insuspeito, como é que V. Ex." pode manter a sua afirmação de que o desemprego está a diminuir?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé. Dispõe de 3 minutos.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, dizer que o estado da Nação ficou expresso na «revolta da Ponte» tornou-se um lugar comum! Patente a política do Governo: nela, os cidadãos são uma abstracção e a Constituição um empecilho, numa envolvente crise de despedimentos e desertificação. Patente a resposta dos cidadãos: estamos fartos de ser enganados e sacrificados! Patente a reacção do Governo: bastonada e balas de borracha perfurante!
A violência incontrolada das forças da ordem começa a atingir tudo e todos: violência incontrolada na Ponte, contra manifestantes, contra a população em geral, que espanca quem está indefeso, quem já está caído no chão; violência que baleia e inutiliza; violência contra estudantes, universitários ou do secundário; autêntica expedição punitiva na Trofa - o Sr. Ministro da Administração Interna lembra-se com certeza; violência nas esquadras de polícia, com cumplicidade do comando que anuncia «suicídio» quando tudo leva a crer tratar-se de assassinato; violência incontrolada e irresponsável, e, pior que tudo, aparentemente sem responsáveis!
O Ministro que administra-ou não - a violência tem um nome: Dias Loureiro! Mas não assume as suas responsabilidades - é um estado de alma e uma prática! Perante o escândalo dos Serviços de Informação de Segurança (SIS), que indignou o País, não demite nem se demite, limitou-se a aceitar a demissão do director! Mas não assume a responsabilidade política por o SIS andar a vigiar e a fazer relatórios sobre cidadãos, magistrados, militantes de partidos, parece que até do próprio PSD, trabalhadores, sindicalistas, estudantes! Aceita, além do mais, acções discriminatórias sobre imigrantes e até posições do chefe dos Serviços de Fronteiras que desafiaram mesmo sentenças do tribunal!
Sr. Primeiro-Ministro, o estado das liberdades no nosso país é, no meu entender, preocupante como o prova, aliás, a censura generalizada da sociedade, como o prova o discurso cada vez mais crítico do Provedor de Justiça. O mínimo de credibilidade do Governo exige o afastamento do Ministro da Administração Interna e a alteração desta política de ofensa aos direitos, liberdades e garantias. O Sr. Primeiro-Ministro continua a responsabilizar-se por tal política e por tal prática?

O Sr. Presidente: - Por último, para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Primeiro-Ministro, há pouco, quando respondeu ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues, fez um conjunto de afirmações rotundamente falsas em relação ao comportamento de autarcas comunistas no Alentejo, a propósito da acção da Cruz Vermelha nos últimos dias. Aliás, é pouco sério, Sr. Primeiro-Ministro, que, aproveitando a resposta a outro partido, dirija acusações ao partido que não o interpelou, quando o Secretário-Geral do PCP já se tinha referido à questão da pobreza sem que o Sr. Primeiro-Ministro lhe tenha dado resposta!
O Sr. Primeiro-Ministro pensava que podia fazer aqui afirmações falsas a propósito de uma resposta a outro partido sem que este tivesse oportunidade de lhe responder! Não, Sr. Primeiro-Ministro!
É falso o que disse! Os autarcas comunistas do Alentejo colaboraram com os serviços de acção social e puseram à sua disposição instalações e meios de transporte. O que os autarcas comunistas do Alentejo disseram, tal como as populações, é que os problemas do desemprego, da miséria e da fome que ataca muitos lares não se resolvem com actos de caridade, não se resolvem com esmolas! Resolvem-se com políticas de investimento, resolvem-se com políticas que criem emprego, resolvem-se com políticas que desenvolvam a região e, em particular, a agricultura. Essa é que é a questão central, Sr. Primeiro-Ministro, que V. Ex.ª não pode iludir.
O problema que hoje existe com o desemprego e com a agricultura no Alentejo deriva, de facto, da destruição do aparelho produtivo, mas essa destruição foi o PSD que a fez ao longo dos últimos 12 anos. O Sr. Primeiro-Ministro sabe que nos anos em que a Reforma Agrária se pôde desenvolver foi criado emprego, aumentada a produção e desenvolvida a região nos sectores a montante e a jusante.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - E nós ficámos todos mais pobres!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro sabe que foi com a destruição da Reforma Agrária e com a implantação da reforma da Política Agrícola Comum e o retorno de sistemas extensivos e absentistas ao Alentejo que voltou o desemprego, que voltaram as coutadas e que voltou o abandono das terras e a quebra da produção, tal como está a suceder. A política do PSD para o Alentejo não é a política do desenvolvimento da agricultura, não é a política da industrialização, não é a política do desenvolvimento económico e social, é a política de fazer do Alentejo, outra vez, uma zona de coutadas, como havia antes do 25 de Abril!
É falso, Sr. Primeiro-Ministro, que não haja investimento ou que as autarquias comunistas não promovam o desenvolvimento! Pelo contrário, Sr. Primeiro Ministro: consulte e verificará que todos os indicadores de desenvolvimento que dependem do poder local .são dos melhores do País e que todos os indicadores de desenvolvimento que dependem do poder central são dos piores do País! O investimento público do PIDDAC para o Alentejo é o mais baixo do País, Sr. Primeiro-Ministro! E, se fosse isso, então porque é que há desemprego, miséria e desertificação nas câmaras do interior, em Trás-os-Montes, na Guarda, na

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Beira Interior? É porque o problema não é do Alentejo! O problema é de uma política que tem levado à desertificação do interior, que tem concentrado o investimento no litoral e que tem agravado as assimetrias no nosso país, a favor, sobretudo, dos grandes interesses económicos, especialmente daqueles que se situam no litoral.
Sr. Primeiro-Ministro, para terminar, é preciso que V. Ex.ª, antes de vir fazer insinuações, se informe primeiro, que conheça melhor a realidade, e se não a conhece porque se refugia num postal turístico? Sr. Primeiro-Ministro, convido-o a percorrer comigo o Alentejo, o Alentejo real que V. Ex." não conhece, porque só o conhece pela estrada, só o conhece pela via turística!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Começando por responder ao Sr. Deputado Eurico de Figueiredo, sobre o orçamento da saúde por pessoa, vou dar-lhe os números - fiz as contas, tal como o Sr. Deputado também poderá fazer: segundo penso, o orçamento da Saúde para 1994 anda à volta de 520 milhões de contos; se dividir pela população activa portuguesa, que é de 4,5 milhões de pessoas, obtém, mais ou menos, o número que eu disse. A minha conta é feita assim.

O Sr. António Guterres (PS): - Activa? Só esses é que adoecem?

O Orador: - Só essa é que é relevante! São os únicos que podem contribuir, como sabe, para a matéria colectável do país, e é aí que incidem os impostos. É demasiado óbvio para que eu perca muito tempo na explicação. Tal como eu faço a conta, é assim: 520 milhões de contos divide pelo número de activos e obtém o número.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Isso é o estado da Nação!!

O Orador: - Em relação à SIDA, Sr. Deputado, quero apenas recordar o esforço que está a ser feito no campo financeiro para dotar as respectivas organizações de meios mais avultados. Sabe que encaminhámos penso que 20 % das receitas do jogo do Joker precisamente para a SIDA.
Em relação aos hemofílicos, penso que o Sr. Ministro da Saúde já explicou e estará à disposição para voltar a explicar - não tenho nada a acrescentar ao que ele disse.
Sr. Deputado Raúl Castro, o Governo, em relação ao Banco de Portugal, actuou de acordo com a lei. O governador e alguns vice-governadores manifestaram o desejo de sair da administração e o Governo actuou de acordo com a lei.
Em relação ao Tribunal de Contas, em breve, com certeza, virá aqui, a esta Casa, a conta com o respectivo relatório - compete a esta Casa fazer a fiscalização política e, então, será feito o debate.
Quanto ao emprego, de acordo com a OCDE, os números efectivos que conhecemos, são os publicados pelo INE, até ao segundo trimestre deste ano. Eu próprio até já admiti a possibilidade de registar ainda mais algum crescimento mas, como sabe, os últimos números apresentam uma certa descida que ainda não sabemos se será de continuação ou não.
Sr. Deputado Mário Tomé, nós temos concepções diferentes. É muito aquilo que nos divide, e eu já perdi a esperança de, nesta matéria, podermos vir a aproximar-nos. No entanto, tem mudado tanta coisa no mundo que eu ainda acredito que, num futuro, não muito distante, o Sr. Deputado possa estar convertido aos ideais sociais-democratas, que são aqueles que respondem aos anseios e às legítimas aspirações da população.

Risos do PSD.

É apenas um voto que eu faço!

O Sr. Mário Tomé (PSD): - Essa foi a resposta que me deu o Sr. Ministro Dias Loureiro há dias!

O Orador: - O que mostra a coesão do Governo, Sr. Deputado! Sr. Deputado Lino de Carvalho, o que eu quis dizer há pouco é que existem alguns políticos no nosso país que gostam de fazer política com o drama das pessoas. E existem autarcas do PCP e autarcas do PCP! Eu não ponho todos no mesmo cesto. Mas, pelas declarações que fizeram e pelas atitudes que tomaram, alguns municípios na margem esquerda do Guadiana tentaram criar obstáculos à resposta da segurança social às carências que existem aí. Por isso, não fiz afirmações falsas.
E volto a dizer-lhe, Sr. Deputado: programas operacionais, que são possibilidades de emprego, com trabalhos à colectividade, foram oferecidos à Câmara de Serpa e ela recusou-os! A Câmara de Serpa - digo aqui, perante a Assembleia da República - não quis colaborar no desenho de programas operacionais para dar emprego às pessoas do concelho através de actividades destinadas à colectividade. E foi, com certeza, por isso que uma outra câmara ou outras câmaras acabaram por se demarcar da atitude do Presidente da Câmara de Serpa.
Quero ainda recordar-lhe o seguinte, Sr. Deputado: emprego cria-se com empresas e os autarcas têm a obrigação de mostrar que os seus concelhos têm capacidades para aí se instalarem investimentos, se realizarem novos postos de trabalho e poderem pagar salários no fim do mês.
Sr. Deputado, se ainda tem na cabeça que os problemas do Alentejo se resolvem, repito, com empresas criadas por decreto ou com 30 % da população na agricultura, V. Ex.ª está totalmente desfasado. E faço-lhe a justiça de pensar que o Sr. Deputado não acredita naquilo que afirmou em relação à Reforma Agrária. Aqui, dentro desta Casa, pode ser coerente dizendo, relativamente à Reforma Agrária, hoje, em 1994, aquilo que disse em 1974, 1975 e 1976, mas o mundo mudou! Mudou radicalmente! E por isso o seu discurso, por se manter inalterado, torna-se um pouco mais chocante.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - O PCP ainda está no século XIX!

O Orador: - Por isso é que eu digo que lhe faço a justiça de pensar que o Sr. Deputado não acredita naquilo que disse em relação à Reforma Agrária. Faço-lhe essa justiça!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Leia o documento do Ministério do Planeamento e da Administração do Território que diz que o problema central do Alentejo é a estrutura e uso da posse da terra.

O Orador: - Sr. Deputado, foi precisamente o uso e a posse da terra que o PCP pôs em causa! E anos e anos tiveram que passar para estabilizarmos a posse da terra! E sabe muito bem como isso destrói a iniciativa!

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O que posso dizer-lhe - e reafirmo aqui - é que estamos a fazer tudo o que é possível em negociação comunitária e também através de estudos de impacte ambiental para levar por diante aquele grande projecto que esteve na gaveta, por dúvidas legítimas, durante muito tempo, e que é o Alqueva. Vamos bater-nos por esse projecto. E, para isso, pedimos a vossa ajuda no Parlamento Europeu, tal como pedimos a ajuda do PS junto da Internacional Socialista, porque, nessa matéria, estou convencido de que o líder do PS terá alguma capacidade para convencer os seus colegas.
O Governo quer levar por diante, apesar das dificuldades, o projecto do Alqueva e tem alguma esperança de que as obras possam estar no terreno até ao fim deste ano. Não sou categórico neste momento, não posso sê-lo devido aos estudos de natureza ambiental.
Sr. Deputado, era isto que queria dizer-lhe, no final das perguntas que todos vós quiseram dirigir-me.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Raras vezes na história do nosso país, seguramente nunca nos seus períodos democráticos, um só homem concentrou em si tanto poder, durante tanto tempo, como o actual Primeiro-Ministro. Com milhares de comissários políticos sempre atentos, com a capacidade que lhe advém da distribuição de centenas de milhões de contos de subsídios, utilizados como um instrumento de aliciamento ou intimidação, reinando sobre uma rede de interesses, cujos tentáculos hoje se estendem a todas as actividades, sectores e concelhos do País.

Aplausos do PS.

Este é um poder que asfixia, que sufoca as energias, a criatividade e a capacidade de iniciativa dos cidadãos e da Nação. E quando a manutenção do poder a todo o preço se transforma no único objectivo do seu uso e do seu abuso, o poder torna-se estéril e conduz à mediocridade. Por isso acabámos de ouvir o discurso do chefe de um Governo que considero medíocre, aparentemente satisfeito com a mediocridade dos resultados da sua actuação.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O poder laranja alicerçou-se na reputação da competência e da autoridade do seu chefe. A reputação já não passa de um mito. Mito da competência em primeiro lugar. Confrontado com a crise, com o desemprego, com a desorientação do sistema educativo, com a destruição, porque de verdadeira destruição se trata, de grande parte da nossa agricultura e da nossa indústria, o Primeiro-Ministro respondia sempre da mesma forma. Para ele o Governo, o seu Governo, era bom porque a economia portuguesa estaria a resistir melhor que as dos nossos parceiros europeus, porque Portugal estaria a recuperar o seu atraso, a aproximar-se do nível médio de desenvolvimento da União Europeia.
Dizia aqui, há um ano, o Primeiro-Ministro: «O único problema que se coloca a Portugal é o de saber se será capaz, com as políticas que o Governo desenvolver, de fazer melhor ou pior do que os outros. É só essa a questão.» No critério oficial do poder laranja, um Primeiro-Ministro e um Governo só são maus se a economia portuguesa se afundar mais profundamente na crise que a dos nossos vizinhos, se Portugal se estiver a atrasar, a andar para trás, a afastar-se da média europeia.
Só que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é precisamente isso que está a acontecer. De Outubro de 1991 a Outubro de 1995, nesta Legislatura, pela qual e só pela qual será julgado este Governo nas próximas eleições, teremos tido quatro anos em que Portugal perde terreno, em que Portugal fica para trás, em que Portugal se desenvolve menos do que a média europeia, mesmo com a retoma tardia e insuficiente que acabaremos por ter. E Portugal perde terreno, fica para trás em relação à Europa, apesar de a Europa estar a investir em Portugal, no mesmo período, cerca de dois mil milhões de contos, precisamente para que Portugal ganhasse terreno, para que Portugal andasse para a frente, para que Portugal recuperasse o atraso em relação a ela.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma realidade que nenhum talento para a fantasia, muito menos a fantasia sem talento deste Governo, pode negar, nem sequer justificar. São os números oficiais, portugueses, da CEE, da OCDE, que mostram que estes quatro anos ficarão na história como uma oportunidade tragicamente perdida. Quem tem tanto poder e conduz a este resultado não tem desculpa. Máximo poder, máxima responsabilidade.

Aplausos do PS.

À luz do critério fundamental de avaliação do próprio PSD, à luz das palavras do Primeiro-Ministro o discurso sobre o Estado da Nação que ouvimos é o discurso do Primeiro-Ministro incompetente de um Governo incompetente. Não sou eu quem o afirma, esta é a doutrina consolidada oficial do poder laranja em todos os debates nesta Câmara.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É que, contra tudo o que nos foi prometido, a crise em Portugal, nos seus fundamentos, que são a quebra da produção agrícola e da produção industrial, começou mais cedo do que a crise europeia. Contra tudo o que nos foi prometido, a recessão em Portugal foi mais profunda do que a média europeia. E contra tudo o que nos foi prometido, a retoma da nossa economia, inevitável face ao impulso exterior e aos milhões com que Bruxelas nos inunda, é mais lenta e mais tardia do que a dos nossos parceiros europeus. Triste Governo que com tão pouco se contenta.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde há três anos que aqui vos explico, debate após debate, porque é que isto tinha de acontecer com as políticas deste Governo.

Risos do PSD.

Numa primeira fase, por causa do fundamentalismo do escudo caro e das taxas de juro incomportáveis, ruinosos para a agricultura, as empresas e o emprego. Numa segunda fase, após sucessivas desvalorizações, pelas contradições de quem procura conciliar o «sol na eira com a chuva no nabal», a estabilidade a todo o custo do valor da moeda, com a insistência para que baixem rapidamente as taxas de

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juro. Com o inconveniente de esta nova política ter nascido em ano de verdadeiro descalabro orçamental, com o défice a duplicar, não pelos automatismos da economia mas pela degradação da máquina fiscal, acelerada pelo sectarismo laranja das nomeações no Ministério das Finanças.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - À basófia, permitam-me que o diga assim, do Ministro das Finanças responde a desconfiança dos mercados. Quem quis ter «sol na eira e chuva no nabal», contra as evidências da ciência económica, acaba com «chuva na eira e sol no nabal». Aí estão a prová-lo os ataques sucessivos contra o escudo por parte da especulação; aí estão a prová-lo as taxas de juro com tendência para subir, penalizando de novo a economia e os cidadãos.
A desorientação tem sido total. Pela Primavera costuma vir um discurso que faz uma autêntica razia nas reservas do Banco Central. É uma nova tradição PSD. O ano passado foi o Ministro das Finanças. Este ano, o próprio Primeiro-Ministro, falando de taxas de juro com a arrogância dos imprudentes, como quem convida os especuladores a um ataque em forma contra a nossa moeda. Ê eles não se fizeram rogados. Pelo caminho vão ficando centenas de milhões de contos de reservas, pelo caminho ficou a autonomia e a credibilidade do Banco de Portugal. O Banco de Portugal, tal como a direcção da informação da RTP, está em vias de se transformar num prolongamento do gabinete do Primeiro-Ministro.

Aplausos do PS.

Terá como única missão trabalhar, com reverente obediência, para a sua reeleição. O PSD, reconheça-se, vai ter uma Comissão Técnica Eleitoral de respeito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde há três anos que, debate após debate, o Governo aqui tenta negar a evidência. Começou por dizer que tudo ia bem, depois admitiu algum mal, mas sempre melhor que o dos vizinhos. Finalmente, teve de reconhecer que tudo esteve, afinal, pior cá do que lá fora, mas logo afirmando que agora é como se já estivesse tudo bem outra vez. Em cada debate fica provada a razão que tínhamos no debate anterior, só que o Governo continua sem emenda.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Desde há três anos que, debate após debate, aqui explico que está esgotado o modelo de crescimento baseado na mão-de-obra barata. Só poderemos competir internacionalmente se tudo apostarmos na valorização das pessoas, na qualificação da mão-de-obra, se fizermos da educação e da formação, concebidas de forma articulada, a prioridade das prioridades. Desde há três anos que o Governo insiste em manter o divórcio completo entre sistema educativo e sistema de formação profissional. Desde há três anos que a incompetência do Governo e a instabilidade no Ministério da Educação lançaram a mais profunda desorientação no sistema educativo, que se degrada, ainda por cima, por manifesta falta de verbas. Desde há três anos que os nossos filhos são usados como cobaias, no meio da maior confusão, com mudanças sucessivas nos métodos de avaliação que ninguém explica nem prevê a tempo. Desde há três anos que se continuam a desperdiçar centenas de milhões de contos do Fundo Social Europeu numa formação profissional cujo gigantismo dos números só é comparável à mesquinhez dos resultados reais e ao volume da corrupção a ela associada.

Aplausos do PS.

Alguma gente terá ficado mais rica. A mão-de-obra portuguesa não deu o salto qualitativo que era possível e necessário. De vez em quando, lá vai mais um secretário de Estado apanhado na «rede». Isto, apesar de o próprio Procurador-Geral da República, como revelou em recente relatório de inspecção à Polícia Judiciária, ter vindo a insistir repetidamente que são intoleráveis os atrasos de investigação às fraudes do Fundo Social Europeu e claramente insuficientes os meios a ela consagrados. Estivesse a PJ a investigar em pleno, como o Procurador-Geral da República bem queria e bem tem insistido, sabe Deus o que já teria acontecido.

Protestos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já que estamos a falar de incompetência não esqueçamos o processo das privatizações. Não vou repetir tudo o que aqui já disse, por diversas vezes, sobre essa prova de evidente abdicação do interesse nacional que foi a entrega, contra a lei, da maioria do Totta e do Crédito Predial Português ao «lumpen» do sistema financeiro espanhol. Mas que dizer desse melodrama em que se transformou a privatização da Petrogal, a maior empresa portuguesa em volume de vendas. Há dois anos que ninguém se entende, os secretários de Estado das Finanças vão mudando como os ministros da Educação e cada vez que muda um secretário de Estado muda tudo. Vamos ver o que fará agora o terceiro encarregado do dossier. Mas nada fará recuperar o tempo e a credibilidade perdidos para a empresa e para o Estado português.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E que dizer da privatização do Banco Português do Atlântico? Do jogo de interesses em que se foi transformando? Das mudanças de orientação do Governo ao sabor das pressões? Dos riscos de descapitalização de um banco, um dos maiores do nosso sistema financeiro, que parece condenado a pagar à sua custa, grande parte da sua própria privatização?
O processo de privatizações era uma ocasião única para fortalecer o nosso tecido empresarial, para ajudar à consolidação de grupos portugueses capazes de competir no mercado europeu. Em vez disso, gerido cada vez mais no segredo, na incompetência e na desorientação, muitas privatizações estão a transformar-se num pântano, transferindo-se, assim, para o estrangeiro centros de decisão económica fundamentais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Incompetente a gerir a economia e, por isso, factor de aprofundamento da crise económica, incompetente e insensível se mostra este Governo face às consequências sociais daquela. Bem pode o Governo minimizar o desemprego, esquecendo os pressupostos dos critérios que apresenta. A verdade é que perante a crónica surdez da maioria laranja, do Primeiro-Ministro e do Governo, há cada vez mais famílias portuguesas que não têm nenhuma fonte de rendimento legal. E essa é a maior distinção entre os desempregados portugueses e os desempregados dos nossos vizinhos europeus.

Aplausos do PS.

O Primeiro-Ministro fala como se os portugueses andassem distraídos. Como se não víssemos, de novo, os dramas

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dos anos 50 em algumas zonas do Alentejo - e vimo-las porque só aí foi a televisão. Os chocantes acontecimentos na margem esquerda do Guadiana repetir-se-iam noutras regiões do país se a elas se estendesse a acção da Cruz Vermelha e são intoleráveis num país da União Europeia. Não me lembro de ver a Cruz Vermelha francesa fazer distribuições maciças de alimentos nas margens do Sena

Vozes do PSD: - Isso é demagogia!

O Orador: - Ainda por cima num país da União Europeia que recebe mais de 1000 contos por minuto para se desenvolver. Este discurso sobre o estado da Nação perde todo o significado face a imagens que pensava só possíveis no Terceiro Mundo. O Primeiro-Ministro fala como se não existisse o testemunho dos professores - de tantos professores! - sob a forma como as crianças - tantas crianças! - chegam enfraquecidas às aulas, sem nada ter comido nesse dia. O Primeiro-Ministro fala como se não víssemos, mesmo aqui em Lisboa, crescer o número de mendigos e dos sem abrigo. Como se fosse hoje possível arrumar um carro ao pé de um cinema ou de um centro comercial, sem que vários jovens se atropelem por uma simples gorjeta. O Primeiro-Ministro fala como se não soubéssemos como está a crescer entre nós a prostituição infantil, a mais ignóbil forma de exploração da pessoa humana.

Aplausos do PS.

Diz a sociologia que os pobres, os excluídos, tendem a não participar na vida política, a abster-se nos actos eleitorais. Será essa a razão da insensibilidade do PSD ao alastramento da pobreza? Mas, mesmo que não acreditem que uma sociedade solidária é uma sociedade melhor, não se esqueçam que a miséria é má conselheira. Dá origem ao crime, ao tráfico de drogas, à intranquilidade nas ruas, e a isso são sensíveis todos os eleitores.
São hoje política e moralmente irrecusáveis as propostas do PS, à semelhança dos outros Estados europeus, para a criação de um rendimento mínimo garantido para as famílias portuguesas e para a realização de várias formas possíveis de construir um verdadeiro «mercado social de emprego», que ajude a dar resposta à angústia dos jovens e dos que, a meio das suas vidas e com escassa qualificação, se transformam em desempregados de longa duração, quase sempre com pouca esperança de encontrar um novo posto de trabalho.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este Governo e este Primeiro-Ministro não têm apenas um problema de competência. Têm também, e cada vez mais, um problema de autoridade. Se algumas dúvidas ainda restassem sobre a completa falta de autoridade do actual Governo, o desastrado comportamento na questão da portagem da ponte 25 de Abril desfê-las por completo.
Como tive ocasião de afirmar recentemente: «Quando se reconhece que uma decisão está errada, há que corrigi-la de imediato. Não se pode esperar quase uma semana, no meio da maior instabilidade, sempre geradora de situações de violência. Violência que causa vítimas, uma das quais, um jovem atingido por uma bala, provavelmente afectado para o seu futuro». O que não faz sentido é começar com arrogância para terminar na cedência atabalhoada, tardia, pouco sincera e insuficiente.

Aplausos do PS.

E não custa adivinhar que, em Setembro, face à pressão popular, o Governo voltará a recuar em debandada Virá a ser porventura incapaz de manter na ponte 25 de Abril uma qualquer portagem, com a aproximação das eleições legislativas.
Durante a crise, nem o Primeiro-Ministro nem o Governo vieram ao Parlamento ou ouviram a oposição, apesar de insistentemente solicitados para o efeito.

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - Srs. Deputados, durante a crise não vieram. Só o fizeram depois da crise.
Cederam sim à pressão dos manifestantes e com isto deram ao país um sinal claro. O Governo não é sensível ao debate democrático, este Governo só é sensível aos protestos de rua
É um sinal que alguns já compreenderam ou que, pelo menos, já começaram a agir como se tivessem compreendido, pondo em causa a autoridade do Estado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Fica-nos por vezes a dúvida de saber se o Ministro das Finanças em Portugal é o Dr. Eduardo Catroga ou o Major Valentim Loureiro.

Aplausos do PS.

Como aqui dizia o Primeiro-Ministro no debate de há um ano: «É nas épocas de grande turbulência e de grande perturbação, quando alguns perdem o discernimento e outros perdem até a cabeça, que é mais importante manter uma direcção segura». No caso da ponte é evidente que o Primeiro-Ministro não manteve a direcção segura Olhando para os Ministros da Administração Interna e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações fica-me a dúvida sobre qual perdeu o discernimento e qual terá perdido até a cabeça

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A desorientação revelada é, em boa parte, consequência de sucessivos erros nas decisões sobre o atravessamento do Tejo. Erros que o PS, em tempo próprio, denunciou, porque não é aceitável, nem é justo, obrigar os utentes da ponte 25 de Abril a pagar os custos da construção de outra ponte que, pela sua distância, em quase nada vai contribuir para melhorar a circulação.
A questão da autoridade dos governos, ou da falta dela, tem naturalmente consequências na fornia como nas respectivas sociedades se garante a segurança dos cidadãos e se preserva a ordem pública, objectivos essenciais do Estado democrático.
Agora, o que ninguém entende é que seja hoje manifestamente insuficiente a acção das forças policiais no combate ao crime, ao tráfico de drogas, na garantia efectiva da segurança das pessoas nas ruas e nos transportes públicos, ao mesmo tempo que, no controlo de manifestações de cidadãos em defesa dos seus direitos e interesses, ocorrem manifestos excessos de violência policial e se mantém o recurso à utilização de balas reais.

Aplausos do PS.

Protestos dos Deputados do PSD, batendo com as mãos nos tampos das mesas.
Srs. Deputados, mesmo que se verifiquem abusos por parte de quem se manifesta - e esses abusos são, infeliz-

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mente, frequentes -, tais comportamentos não são toleráveis e devem ser corrigidos. Como ninguém entende que uma pessoa, mesmo um delinquente, possa ser morto a tiro no interior de uma esquadra de polícia, supostamente o sítio mais seguro do país. Sobretudo se a própria polícia, em comunicado oficial, vem garantir tratar-se de um suicídio, para dois dias depois aparecer um guarda a confirmar ter sido o autor do disparo. E o que muito menos se entende é que, face a tudo isto, o ministro responsável e o Primeiro-Ministro não tenham a humildade democrática de reconhecer que algo está mal e precisa de ser mudado, dando total cobertura a tudo quanto se passa e atacando quem manifesta o seu inconformismo e a sua justa indignação, como se de irresponsáveis se tratasse.
O Governo tem de reconhecer que há evidentes falhas no sistema de organização, de preparação, de treino e de apetrechamento das forças de segurança e que falta um código de conduta claro face às manifestações populares. Na repetição destes incidentes não está apenas em causa a responsabilidade dos agentes envolvidos, o que está, sobretudo, em causa é quem os comanda e como são comandados. Essa é a responsabilidade do Governo.

Aplausos do PS.

Se, nesta matéria, as múltiplas propostas do PS tivessem sido aprovadas a tempo, lenamos hoje mais polícia, como infelizmente a nossa segurança requer, mas uma melhor polícia, uma polícia diferente, como os nossos direitos reclamam.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A autoridade do Governo não é porém posta em causa de uma forma mais forte, mais brutal do que com o secretismo e a fuga às responsabilidades que tem caracterizado a acção do Estado quando, por acção desse mesmo Estado, há pessoas que perdem a vida ou a saúde.
Para mim, o comportamento mais chocante do «poder laranja» tem a ver com o profundo desrespeito, a intolerável desumanidade como tratou, e ainda em pane trata, as vítimas que receberam sangue contaminado pelo vírus da sida nos serviços do Estado. Chocante, numa primeira fase, pela recusa continuada do reconhecimento do direito a uma indemnização aos atingidos e às suas famílias sem recurso a tribunal. Chocante, depois, pela mesquinhez revelada quando finalmente se sentiu obrigado a reconhecer esse direito. Chocante, sobretudo, pela política sistemática de silenciamento da verdade.
Este não é um problema do estado da Nação, é um problema de apodrecimento do próprio Estado. E quero aqui reafirmar solenemente o que dizia há já dois anos: «os portugueses, sobretudo os atingidos, têm o direito de saber toda a verdade a respeito desta questão trágica. Um governo do PS tudo fará para que a verdade seja conhecida até ao fim e assumirá, em nome do Estado, total responsabilidade na atribuição da justa indemnização às vítimas e suas famílias, embora sabendo que isso não pode reparar o acontecido».

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A incompetência e a falta de autoridade fizeram com que uma maioria absoluta se tenha, paradoxalmente, transformado num factor de profunda instabilidade em que mudam as políticas sempre que mudam os ministros; a instabilidade própria do fim de um ciclo, do esgotamento de um governo e de uma forma de exercer o poder. Este estado da Nação não era uma inevitabilidade. Teria sido impossível evitar algum impacto da crise internacional sobre a economia portuguesa, nunca o negámos, mas qualquer observador imparcial que hoje analise os debates que aqui mantivemos nos últimos três anos, reconhecerá que, com as propostas do PS, o agravamento do desemprego teria sido menor; as empresas, a agricultura e a indústria não teriam sofrido tanto; a recessão seria mais branda; o relançamento da economia mais rápido e sustentado.

Aplausos do PS. Risos do PSD.

Como terá de reconhecer que uma maior sensibilidade social teria permitido minorar, de forma significativa, o sofrimento real de tantas famílias portuguesas e combater injustiças e desigualdades desnecessárias. Como lhe será evidente que fizemos a tempo o diagnóstico dos vícios estruturais que hoje correspondem aos mais decisivos factores de atraso na sociedade portuguesa; daquilo que afecta a capacidade de Portugal se afirmar com êxito no quadro de uma evolução tecnológica cada vez mais rápida e de um mercado mundial cada vez mais aberto e global.
A acção do Governo ajudou a perpetuar fraquezas que põem em risco o futuro e que ameaçam transformar uma recuperação económica, que as circunstâncias tornam inevitável, num simples foguetório de fim de festa antes das eleições de 1995.
Na alternativa PS reconhecemos a necessidade de três roturas essenciais com a actual prática governativa: é preciso romper com o centralismo e com o clientelismo, geradores de abuso de poder e de corrupção quaisquer que sejam as intenções do Primeiro-Ministro;...

Aplausos do PS.

... é preciso romper com o conformismo face ao desemprego, ao alastramento da pobreza e à insegurança; é preciso romper com a injustiça no sistema fiscal e nas políticas sociais.
Apostamos numa profunda reforma do Estado, assente na transparência, na descentralização, na valorização da cidadania e da participação, terminando com o actual regime de monopólio dos partidos na disputa eleitoral e aproximando as pessoas de quem elegem e dos mecanismos de decisão que as afectam.
Afirmamos a necessidade de políticas económicas cuja orientação essencial, neste momento, tem ainda de ser virada para o crescimento e para o emprego, rejeitando fundamentalismos ideológicos e excessos de zelo que ninguém nos exige.
Reconhecemos que a qualificação das pessoas, desde o ensino pré-primário à articulação efectiva entre um sistema educativo moderno e uma formação profissional estratégica e eficaz, é a prioridade das prioridades na construção do nosso futuro. É uma prioridade que tem de traduzir-se na prática, ao contrário do que agora acontece, desde o Orçamento do Estado que este ano diminuiu, ao apoio europeu insuficiente para a educação, ao envolvimento da sociedade civil e das empresas.
Somos exigentes em relação à necessidade de reformas que reduzam a injustiça nos impostos e reforcem a qualidade, a humanização e a justiça no plano social.
O País está cansado do actual poder, de quem o exerce e da forma como ele é exercido. De norte a sul, falando com as pessoas, em toda a parte encontramos hoje inconformismo e revolta, tantas vezes acompanhados de

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insegurança e de angústia. Mesmo nos que ainda votam PSD é frequente a desilusão.
O PS não se conforma com este estado de coisas. Queremos ajudar a que a esperança renasça nas portuguesas e nos portugueses. Queremos restabelecer a confiança entre os cidadãos e o poder político, para que seja possível mobilizar toda a sociedade e enfrentar e resolver a grave crise económica e social em que estamos mergulhados, construindo com bases sólidas um futuro diferente e melhor.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Primeiro-Ministro, o PSD e o Governo já não são parte da solução. São apenas parte do problema.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Guterres, os Srs. Deputados Nuno Delerue, Silva Marques, Pacheco Pereira e Silva Peneda.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Deputado António Guterres, esta sua intervenção foi, de facto, espantosa!

Aplausos do PS.

V. Ex.ª não teve aqui um verdadeiro discurso de Estado. De resto, Sr. Deputado António Guterres, esta sua intervenção é se calhar mais digna de um comício; ou, da próxima vez, permitir-me-á a sugestão, basta que mande o seu assessor de imprensa, já que V. Ex.ª não fez mais do que um resumo daquilo que tem vindo a público na comunicação social nos últimos tempos.

Protestos do PS.

Dispensar-nos-ia, assim, de o ouvir com atenção e longamente! Basta-nos, digo-lhe e reafirmo-lhe, uma mera resenha.
No entanto, o seu discurso, Sr. Deputado António Guterres, teve uma grande vantagem:...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - É verdade!...

O Orador: - ... a de demonstrar ao País que o cidadão António Guterres continuará em 1995 como tal, eventualmente apenas como militante de um partido da oposição, porque já não o seu líder!

Protestos do PS.

Mas, Sr. Deputado António Guterres, V. Ex.ª, pela intervenção que fez e com a consciência que tem de um futuro que não se afigura risonho para a sua actuação política, especializou-se em dichotes e graçolas. Reconheço que algumas são manifestamente de mau gosto, mas deixe-me que lhe refira duas ou três questões que me parecem importantes, dirigindo-me a si como líder da «minoria rosa» - da «minoria rosa», porque passa a ser, a partir de agora, a expressão que contraponho à sua expressão da «maioria laranja».
O que é que V. Ex.ª tem a contrapor à afirmação que proferiu no dia 7 de Setembro de 1993, quando previa que a taxa de desemprego em Portugal seria hoje de 10 %.

Vozes do PS: - E é!

O Orador: - Não entende V. Ex.ª que esta sua afirmação, por aquilo que demonstrou e pelo alarmismo que justificou, merece uma resposta e uma explicação?
Segunda questão, para ser muito breve, Sr. Deputado António Guterres. Quero ler-lhe dois parágrafos e saber qual é o seu entendimento político em relação a eles. Passo a citar: «Vêm sendo frequentes os comportamentos assumidos por grupos de pessoas, mais ou menos numerosos, que ofendem ou põem em perigo interesses juridicamente protegidos, públicos ou privados, perturbando ou impedindo o funcionamento de serviços públicos essenciais, tais como os transportes. Tais comportamentos, de todos conhecidos, pela sua frequência e pela divulgação que lhes é dada pelos órgãos de comunicação social, geram na opinião pública um sentimento de insegurança...»

Protestos do PS.

«... e a falsa ideia de que a ordem e a tranquilidade públicas podem ser impune e publicamente violadas pela lei do mais forte ou do mais ousado...»

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

«... com o total descrédito das instituições e do prestígio da autoridade democraticamente legitimada, o que é inadmissível num Estado de direito».
Sr. Deputado António Guterres, acabei de ler-lhe o texto de uma resolução do Conselho de Ministros de 1983, assinada pelo primeiro-ministro de então, Dr. Mário Soares.
Quão diferente é o entendimento que hoje o PS tem. Mas porque razão é que é hoje diferente o entendimento do Partido Socialista sobre questões que, apesar de tudo, foram sempre, entre o PS e o PSD, um factor de união e não um factor de divisão?

Aplausos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Era o bloco central!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres, mas recordo-lhe o tempo de que dispõe.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, espero que o PSD nos dê o mesmo tempo que concedeu ao Governo para que possa responder a todas as suas perguntas!

O Sr. Presidente: - A indicação que tenho é a que dá quatro minutos, um por cada pergunta.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A prova evidente de que tinha razão há pouco, quando disse que este debate era um debate desigual e que se impõe um debate na televisão entre o Primeiro-Ministro e o líder do principal partido da oposição...

Risos do PSD.

Deixem-me concluir, Srs. Deputados!
A prova evidente deste facto é que a direcção de informação da RTP já está de facto a funcionar plenamente como comissão técnica eleitoral do PSD:...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... já transmitiu em directo a intervenção do Primeiro-Ministro, mas silenciou as intervenções dos líderes da oposição!

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Aplausos do PS e protestos dos mesmos Deputados, batendo com as mãos nos tampos das mesas.

Sobre as previsões em relação ao cidadão António Guterres, quero dizer-lhe que até agora a única coisa que os factos dizem é que nos dois actos eleitorais em que o cidadão António Guterres esteve à frente do Partido Socialista e o cidadão Aníbal Cavaco Silva esteve à frente do PSD, O PS ganhou e o PSD perdeu!

Aplausos do PS. v Vozes do PSD: - Foram três eleições!...

O Orador: - Refiro-me a actos eleitorais de âmbito nacional.- Concedo ao cidadão Aníbal Cavaco Silva a pequena parte que o Dr. Alberto João Jardim e o Dr. Mota Amaral lhe queiram dar do que se passa nos Açores e na Madeira.

Risos do PS.

Em relação à declaração do Conselho de Ministros, devo dizer que a mesma é perfeitamente susceptível de ser subscrita por mim. O que aí não está é que se deva utilizar balas reais no controlo de manifestações de cidadãos!

Aplausos do PS.

Finalmente, Sr. Deputado, em matéria de desemprego refere-se a uma declaração que fiz na sequência de uma intervenção de um líder sindical, em que admitia a hipótese de o desemprego poder subir até aos 10 %. Quero dizer-lhe que hoje ninguém sabe verdadeiramente qual é o desemprego real em Portugal.

Aplausos do PS. Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - É que os critérios do INE fazem com que quem tenha trabalhado uma hora na semana anterior, mesmo em propriedade agrícola sua ou arrendada, não seja desempregado. Ora, este critério tem uma aplicação totalmente diferente na Alemanha, onde não há minifúndio, e nas zonas de crise industrial do norte do País em que muitos desempregados não figuram como tal nas estatísticas do INE. O Ministério do Emprego e Segurança Social, que tem números sobre o desemprego que já ultrapassaram os 8 %, produziu esta situação estranha, que justifica a razão pela qual diminuiu o número de inscritos. É que estes passaram a receber uma carta em que lhes era dito assim: «Todas as diligências que temos feito para encontrar emprego para si têm falhado. Queira responder-nos na volta do correio a dizer se está interessado em que continuemos a fazer essas diligências.» Quem não respondeu foi automaticamente riscado das estatísticas do desemprego!

Aplausos do PS. Protestos do PSD.

Esta matéria, Sr. Deputado, revela que porventura o desemprego real em Portugal andará, em minha opinião, neste momento entre os 8 e 10 %

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado. O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Ninguém sabe quanto e nenhuma estatística é fiável.
Mas admita que me tinha enganado e tinha confundido oito com 10 %. Sabe quanto é que este Governo se enganou na estimativa do Produto para 1992 e 1993 em relação à realidade? Em 902 milhões de contos relativamente à previsão inicial!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Na previsão do investimento em 404 milhões de contos e no défice orçamental do ano passado em metade para o dobro!
Se alguém não tem razão levantar um dedo sequer em relação a qualquer imprecisão da minha bancada é a bancada de quem sobre economia não diz um número certo vai para três anos!

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - O senhor é que diz, mas para nós a prioridade são as pessoas!

O Sr. Presidente: - Para formular o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado António Guterres, tenho que lhe dizer, lastimando, que o discurso de V. Ex.ª não teve o rigor que seria desejável e exigível ao líder da oposição. Hoje ele cai inclusivamente na pura maledicência, Sr. Deputado! E vou dizer-lhe porquê.

Risos do PS.

O Sr. José Lello (PS): - Olha quem fala!...

O Orador: - Os seus colegas de bancada riem-se! E há pouco já se riam. Pergunto-me mesmo se o riso será pelo excesso de malabarismo do seu secretário-geral!

Protestos do PS.

Têm dito os comentadores que o Sr. Deputado António Guterres se finta a si próprio e, de facto, assim parece ser!
Neste debate, mesmo quando o Sr. Deputado diz que o mesmo não coloca frente a frente o líder da maioria e o líder da oposição, ou pelo menos de uma das oposições, preferindo para que isso se realize a televisão, o Sr. Deputado finta-se a si próprio e estatela-se. Penso que os seus colegas não se devem rir ou, pelo menos, rir tanto, porque não nos devemos rir de um homem que escorrega! Pelo contrário, devemos ter um acto de solidariedade, de compreensão e é isso que vou procurar ter com o Sr. Deputado António Guterres.
Não vou discutir as acusações políticas sem rigor que nos fez e que tinha obrigação de sustentar de forma mais sólida. Quando fala da mediocridade, do clientelismo, dos comissários políticos, o Sr. Deputado sabe bem as queixas que têm vindo do seu partido acerca da sua forma de actuação. Repare nas críticas e nos protestos aquando da constituição da lista para o Parlamento Europeu e a forma como o Sr. Deputado actuou...

Protestos do PS.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Deu para ganhar!

O Orador: - Não fiz observações relativamente às vossas relações, foi o vosso secretário-geral que as fez!

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Não vou ao ponto, Sr. Deputado... Protestos do PS.

Srs. Deputados, se quiserem ouvem-me com um pouco mais de atenção. Se quiserem e se, por acaso, o vosso democratismo conseguir levar-vos a isso. Se não quiserem não ouçam, porque o vosso ruído não criará uma legitimidade que não têm!

Sr. Deputado António Guterres, V. Ex.ª diz que este Governo é medíocre, incompetente,...

Vozes do PS: - E é verdade!

O Orador: - ... que a crise no País é catastrófica. Então, Sr. Deputado António Guterres, como haveríamos de classificar o secretário-geral do Partido Socialista que, em tais circunstâncias, não consegue senão os parcos resultados eleitorais que obteve?

Protestos do PS.

Srs. Deputados, sejamos rigorosos, esta questão merece uma resposta. Deveríamos nós classificar o secretário-geral do Partido Socialista de péssimo? Eu não quero fazer-lhe essa injustiça.
Mas, Sr. Deputado, para que o senhor demonstre que não merece essa classificação, tem de ter, pelo menos, um momento de ousadia e de rasgo. E vai ter essa ocasião.

Risos do PS.

O Sr. Deputado falou de «poder laranja». O que é que entende, em rigor, por isso?
Não vou já protestar pelo facto de o Sr. Deputado considerar que os Deputados que apoiam este Governo são inexistentes do ponto de vista da dignidade física e que só a teriam os Deputados da oposição. Isso significa, Sr. Deputado, que a autonomia do Presidente da República não existe? Significa, Sr. Deputado, que os senhores não reconhecem a independência do Sr. Procurador-Geral da República? Significa, Sr. Deputado, que os senhores não reconhecem a dignidade e a autonomia dos magistrados dos tribunais? Significa, Sr. Deputado, que o senhor não reconhece a autonomia e a dignidade das autarquias, inclusivamente das socialistas?
O Sr. Deputado tem uma oportunidade de mostrar que a tal classificação de péssimo seria injusta. Mas vai ter uma segunda oportunidade.
O Sr. Deputado disse há pouco - e eu repito a sua frase -, a propósito da demissão de um secretário de Estado: «mais um secretário de Estado apanhado na rede».
Sr. Deputado António Guterres, fundamente e diga-nos como é que se permite, no seu discurso, concluir que o secretário de Estado foi apanhado na «rede» e em que «rede» foi ele apanhado.
O Sr. Deputado tem, assim, a ocasião de não ter a classificação de péssimo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres, a quem lembro o tempo global que ainda tem...

O Sr. António Guterres (PS): - Fá-lo-ei render enquanto puder, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - ... e que há outro pedido de esclarecimento.

Tem, então, a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Pergunta-me o Sr. Deputado Silva Marques o que é que eu considero o «poder laranja». É simples: é o poder que faz com que a intervenção do Primeiro-Ministro, num debate como este, seja transmitida pela RTP e que as intervenções da oposição não o sejam.

Aplausos do PS.

É um poder que abusa, que é desleal e que usa o Estado em benefício dos interesses eleitorais do partido.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - E as televisões privadas? O Sr. Nuno Delerue (PSD): - E os critérios jornalísticos?

O Orador: - É isto, Sr. Deputado, o que entendo por «poder laranja».

Aplausos do PS.

E falo da RTP, porque ela é uma televisão pública. As televisões privadas transmitem o que entenderem. Não é sobre isso que tenho de preocupar-me.
Quero também esclarecer que não falei em péssimo, mas sim em medíocre. Portanto, há uma diferença, já que péssimo tem uma classificação entre O e l e medíocre têm-na entre 5 e 9. Eu dou ao Governo o benefício de ser medíocre, não o considero péssimo.
Perguntou-me como é possível, se o Governo é tão mau, que nós tenhamos resultados eleitorais tão fracos.
Resposta: então como é possível que um Governo tão bom, como o senhor disse, que partiu com 20 pontos de avanço, tenha já perdido duas eleições?

Risos e aplausos do PS.

Finalmente, Sr. Deputado, magistraturas independentes, procurador-geral da República independente, ainda bem que os há. Infelizmente, em grande parte, contra a vossa vontade e contra a vossa intenção.

O Sr. Silva Marques (PSD): - E os tribunais não são independentes?

O Orador: - O que é que quer dizer apanhado na «rede»? Quer dizer incriminado, ele próprio o confessou. É mais um, porque já houve outro que, como sabe, foi, inclusivamente, condenado em tribunal. É record europeu.

Aplausos do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, evidentemente que pretendo inscrever-me para defesa da honra e consideração - e peço a V. Ex.ª que anote este pedido -, mas a minha interpelação diz respeito a um incidente parlamentar que deve ter solução.
O Sr. Deputado António Guterres proferiu uma acusação pública relativamente a um cidadão que foi secretário de Estado e escusou-se a responder à forma como foi interpelado. Como ouviram, ele disse que um secretário de Estado tinha sido apanhado na «rede»» e eu pedi-lhe que

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nos dissesse em que «rede» tinha ele sido apanhado e como é que concluiu que ele foi apanhado. O Sr. Deputado não pode eximir-se a uma resposta clara e frontal.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Guterres (PS): - Posso também interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, a «rede» é a do Ministério Público, que o considera como arguido.

Risos e protestos do PSD.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Isso é uma «rede»?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, tinha a intenção de falar sobre a principal estrutura de todos os seus discursos: a demagogia. Mas devo dizer-lhe que as suas últimas declarações mostram que por trás da demagogia há pura irresponsabilidade. Ninguém que pretenda apresentar-se como um candidato credível ao cargo de Primeiro-Ministro fala de matérias delicadas tais como os direitos dos cidadãos e a justiça com a irresponsabilidade com que o Sr. Deputado António Guterres o faz e com a cobardia...

Aplausos do PSD

O Sr. José Magalhães (PS): - Cobardia?!...

O Orador: - Eu sei a palavra que estou a usar, Sr. Deputado.

Como dizia, e com a cobardia, quando directamente confrontado com as suas acusações e com as suas palavras, de não ser capaz de responder ao que lhe perguntámos.

Protestos do PS.

Primeiro: desde quando a actuação do Sr. Procurador-Geral da República pode ser descrita como uma «rede»?
Segundo: desde quando é que o antigo secretário de Estado foi incriminado?

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Indiciado!

O Orador: - O Sr. Deputado António Guterres não pode refugiar-se em acusações dessa gravidade, numa fuga em frente meramente vocabular. Aqui, Sr. Deputado António Guterres, os adjectivos do seu discurso não o salvam. Faça o favor de comportar-se com a dignidade de um candidato a primeiro-ministro e diga aqui, com clareza, no que é que se fundamenta para proferir essas acusações, senão essas acusações hão-de persegui-lo na sua credibilidade.
É isto o que acrescentei ao que pensei dizer em função das suas intervenções.

O Sr. Domingues Azevedo (PS): - O objectivo é discutir política.

O Orador: - Discutir política? Pois é, mas o que ele não pode - e o Sr. Deputado António Guterres tem grandes responsabilidade, porque se apresenta como candidato a primeiro-ministro e tem todo o direito, como líder do principal partido da oposição, a ser tratado como podendo ser candidato a tal cargo - é vir aqui defender uma concepção completamente conspiratória e simplista do poder político. O Sr. Primeiro-Ministro tem o máximo poder?! Isso diz-se em ditadura.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Vocês vivem!

O Orador: - O actual Sr. Primeiro-Ministro tem o mesmo poder que teve o Sr. Primeiro-Ministro Mário Soares e o mesmo poder que o Sr. Deputado António Guterres terá se um dia chegar a esse cargo. É o poder de uma democracia, controlado pelas instituições, e se o actual Primeiro-Ministro tem mais poder funcional que outros primeiros-ministros é porque os portugueses lho deram com o seu voto.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Foram também os portugueses que decidiram que o primeiro canal da RTP só dava a intervenção do Primeiro-Ministro?!

O Orador: - Isso é a essência do funcionamento da democracia e isso não permite um discurso político que, no fundo, em relação ao funcionamento das instituições democráticas, faz um inuendo de excesso de autoridade e de abuso do poder, que nada justifica.
A sua descrição do poder como uma espécie de «rede» clientelar, dirigida por comissários políticos do Partido Social Democrata, tem um modelo que conheço muito bem: o modelo do exercício do poder pelo Partido Socialista no passado.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, a pergunta e o repto que quero fazer-lhe são estes: disse o Sr. Deputado António Guterres que a discussão da demagogia tem alguma dificuldade. Como aceita tudo, como é tão vaga e tão genérica, é muito difícil combatê-la.
Sr. Deputado António Guterres, está disposto a aceitar - e nós lembrar-lhe-emos isso em 1995 - pôr no programa do governo do PS, ipsis verbis, todas as propostas que apresentou nesta Câmara desde 1987, com a respectiva orçamentação, para sabermos se qualquer governo do Partido Socialista será exequível em função das propostas que apresenta enquanto oposição? Isso, Sr. Deputado, é a principal linha de credibilidade de um Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, o seu desespero...

Protestos do PSD.

... é o de quem sabe que perdeu um debate e quer inventar o incidente para salvar o debate perdido.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Deixe que lhe diga, Sr. Deputado, que se a utilização da palavra «rede» lhe causa essa confusão é por falta de cultura geral.

O Sr. Pacheco Pereira (PS): - E o incriminado?

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O Orador: - Quanto ao incriminado, eu próprio corrigi isso na resposta anterior.

Sobre a «rede», a linguagem popular, que devia conhecer, fala, desde há muito tempo, nas «malhas da justiça».

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Isso é que é falta de respeito.

O Orador: - Mas vamos ao que conta, Sr. Deputado, quanto à natureza do poder. É que este poder, pela sua perpetuação e pelas características que o PSD assume, transformou-se, de facto, numa «rede» tentacular, utilizando os subsídios do Estado e a política de nomeações, cujo braço chega a todas as actividades, a todos os concelhos, a todos os sectores, e que leva a que eu próprio, muitas vezes tenha encontrado, quando pretendo visitar uma empresa, a seguinte resposta: «Olhe, nós tínhamos muito gosto em recebê-los, mas estamos, neste momento, com um projecto em vias de discussão no PEDIP e não é oportuno que cá venham».

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Prove isso!

O Orador: - São muitas as vezes que isso acontece.

Aplausos do PS.
Protestos dos Deputados do PSD, batendo com as mãos nos tampos das mesas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por favor mantenham a ordem.

O Orador: - Sr. Presidente, eles sabem que tenho razão e há muita gente...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço silêncio.

O Orador: - ... que sabe que a tenho.
Muitos são os que têm sido claramente prejudicados pela coragem das suas atitudes políticas, porque hoje, em Portugal, acto de cobardia é vergar-se ao «poder laranja» e é não ser capaz de denunciar o que está mal.

Aplausos do PS.

Quanto às propostas que assumi desde que sou Secretário-Geral do Partido Socialista, quero dizer-lhes que essas propostas serão por nós honradas, a começar pela transformação da Radiotelevisão Portuguesa numa entidade para cujo conselho de gestão não contribua apenas a nomeação do Governo, para que possamos ter em Portugal uma televisão pública como é próprio de um Estado totalmente democrático.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao próximo orador, peço moderação nos decibéis da Câmara, por uma questão de não poluição sonora do ambiente.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Peneda.

O Sr. Silva Peneda (PSD): - Sr. Presidente, esta minha intervenção é ditada por critérios de consciência. Penso que na política há limites e para mim, nesta Casa, perante as nossas divergências, as nossas diferenças, o limite atinge-se quando se mexe no valor mais precioso que um cidadão tem e que é o direito ao seu bom nome e à sua dignidade.
Presumo que a intervenção do Sr. Deputado António Guterres tenha a ver com o ex-secretário de Estado António Morgado Pinto Cardoso, que não está acusado do que quer que seja e muito menos condenado. Aliás, este ex-secretário de Estado assumiu uma atitude que é de louvar, a de ter decidido enfrentar sozinho um problema que tem com a justiça sem querer ficar nem mais um minuto no Governo, precisamente para não sentir que estava protegido por qualquer tipo de poder. Mas o Sr. Deputado António Guterres decretou já hoje aqui a sua condenação, ao dizer que ele estava envolvido numa «rede».
Felizmente não fui o único que teve o privilégio de trabalhar com um homem - e digo-o publicamente - íntegro, que merece toda a consideração.
Também na bancada do Partido Socialista se senta um antigo ministro do regime anterior, o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto, em cujo Ministério o Dr. António Pinto Cardoso foi secretário de Estado.
Sei que tanto eu como o Deputado Joaquim da Silva Pinto temos pelo Dr. Pinto Cardoso toda a consideração e estima, acima de tudo pelos valores morais por que sempre se pautou, quando exerceu a sua actividade governativa.
O Sr. Deputado António Guterres condenou-o aqui, nesta Câmara, e por isso, neste momento, apesar de ter alguma dificuldade em o fazer, não posso apenas dizer que foi injusto, tenho de dizer também que foi leviano e irresponsável.

Aplausos do PSD.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, há pouco, quando o Sr. Deputado António Guterres acabou de falar, inscrevi-me para fazer uma interpelação à Mesa, mas o Sr. Presidente deu a palavra a outro orador...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, importa-se que dê primeiro a palavra ao Sr. Deputado António Guterres, para dar os esclarecimentos que acabaram de lhe ser pedidos?

O Sr. Duarte Lima (PSD): - De forma alguma, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Peneda, quero dizer-lhe que compreendo e louvo a sua intenção de elogiar aqui um colaborador, com excepção das afirmações finais, que, naturalmente, repudio. Aliás, há até um aspecto em que gostaria de me associar ao seu elogio, que se relaciona com o facto de essa pessoa se ter demitido. É que já lá vai o tempo, o tempo dos governos socialistas, em que o ministro se demitia, porque um filho tinha problemas com a justiça.

Aplausos do PS.

Já lá vai o tempo, o tempo dos governos socialistas, em que um secretário de Estado se demitia, porque o seu chefe de gabinete era «apanhado» num caso de fraude.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Escasseia o tempo em que as pessoas tomam atitudes destas. Infelizmente, aquilo a que temos vindo a assistir nos últimos tempos é à permanência das pessoas nos lugares que ocupam até poderem.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - Então, em que é que ficamos?

O Sr. Presidente: - Para fazer uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, a interpelação que faço tem a ver com uma observação do Sr. Deputado António Guterres que «mexe» não só com a sua dignidade pessoal, enquanto Deputado e líder do maior partido da oposição, como também com a dignidade da Assembleia da República e de V. Ex.ª, enquanto Presidente.
O Sr. Deputado António Guterres disse que, na sua qualidade de Deputado, ouviu certas observações que não lhe permitiram entrar em determinadas empresas, tendo especificado os argumentos.
Nessa medida, Sr. Presidente, em nome da dignidade dos políticos e também da dele, peço a V. Ex.ª que, até ao fim desta sessão, tente persuadir o Sr. Deputado António Guterres para que diga pelo menos uma empresa onde isso tenha acontecido.

Vozes do PS: - Para vocês lhe tirarem o subsídio?!

O Orador: - É que não gostaríamos de deixar cair o labéu de mentiroso sobre o Sr. Deputado António Guterres, a quem respeitamos, independentemente da divergência de opiniões.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para fazer uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, com esta interpelação, gostava de dizer, brevemente, o seguinte: fui provocado para a denúncia mas não sou um denunciante.

Vozes do PS: - Muito bem! Risos do PSD.

O Orador: - Sobre a indicação de empresas nessas circunstâncias, quero dizer que nunca farei uma enumeração concreta.
Mas fique o Sr. Deputado Duarte Lima com a minha palavra de honra de que isto se passou comigo e com a palavra de honra de muitos Deputados da minha bancada que o testemunharam.

Aplausos do PS. Protestos do PSD.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - O senhor não tem é caso!

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da consideração, relativamente a palavras proferidas pelo Sr. Deputado António Guterres, e pedindo-lhe que se cinja aos três minutos regulamentares, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, a razão da minha intervenção é bem evidente: o Sr. Deputado António Guterres veio hoje falar-nos das «redes» - da «rede» do Ministério Público e da «rede» das nomeações - e, pela minha parte, não sou um Deputado que, com um voto de confiança no Governo, esteja a subscrever qualquer «rede». Politicamente, não aceito ser acusado de sustentar qualquer «rede». Se existe uma «rede» do Ministério Público, a oposição deve questioná-la
Pessoalmente, entendo que o Sr. Procurador-Geral da República é um garante da autonomia que põe em causa a ligeira acusação de «Estado-laranja».
Mas se o Sr. Deputado António Guterres quer ter o tal debate frontal, não fuja a esse debate e responda politicamente.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Vocês é que estão a fugir!

O Orador: - O Sr. Deputado António Guterres disse que não quer ser denunciante, mas, então, se não quer ser denunciante, não seja caluniador.

Aplausos do PSD.

Por outro lado, o Sr. Deputado António Guterres, há pouco, confundiu-se. É que eu próprio falei da acusação que o Sr. Deputado dirigiu ao Governo, adjectivando-o de medíocre, e não usei o termo medíocre relativamente ao Sr. Deputado, mas, isso sim, pus a hipótese de o senhor ser, eventualmente, classificado de péssimo.
Em todo o caso, dei-lhe ocasião e desafiei-o para que não saísse daqui com essa classificação. E o Sr. Deputado não vai sair daqui sem fazer a prova de que não é péssimo.

Risos.

O Sr. Deputado não queria um debate frontal? Aqui o tem e não vai fugir daqui sem o realizar.
O Sr. Deputado ou vai provar que não é péssimo e, nessa medida, antes de sair daqui, vai pedir desculpa ao secretário de Estado que caluniou ou, então, vai pedir desculpa pela sua condição de secretário-geral péssimo que, em consequência da ligeireza das próprias palavras, não cria nem confiança nem credibilidade.
Sr. Deputado António Guterres, a prova do péssimo é sua. Faça o favor de a assumir!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, em circunstâncias normais, a sua intervenção não mereceria resposta. Não é uma intervenção digna desta Câmara, nem justifica qualquer consideração.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas porque entendo não dever deixar nada sem resposta, digo-lhe que é pena o Sr. Deputado não distinguir duas coisas que, pessoalmente, distingo. É que uma coisa são as «malhas da justiça» - e ainda bem que existem - e outra coisa é a «rede» tentacular de interesses que o PSD organizou no País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, em matéria de péssimo e de medíocre, só há um critério, o critério do povo, e nas últimas eleições o critério do povo foi claro.

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Por isso, se alguém da bancada do PS é péssimo, então, o Primeiro-Ministro, o Governo e o PSD não são medíocres são «pessíssimos», porque perderam contra um péssimo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Procede a Assembleia da República ao debate do «Estado da Nação», no fim de mais uma sessão legislativa, marcada, nacional e internacionalmente, por acontecimentos de inegável importância política.
Este foi o ano em que a Europa começou a sentir os sinais de saída de uma das suas mais graves crises económicas e sociais desde a Segunda Guerra Mundial e cuja consequência mais gravosa terá sido, sem sombra de dúvida, a proliferação de uma legião de muitos milhões de desempregados que terão de ocupar, seguramente, um lugar central na preocupação de todos os políticos europeus.
Este foi o ano em que entrou em vigor o Tratado da União Europeia, o qual, apesar das críticas de que foi objecto e das naturais insuficiências que lhe possam ser apontadas, inicia um novo ciclo no processo da construção europeia de que Portugal é parte integrante.
Este foi o ano em que se iniciou uma nova fase de alargamento da União Europeia, patamar indispensável para que a Europa seja uma voz com autoridade, no concerto dos grandes blocos do poder mundial.
Este foi o ano em que se iniciou a aplicação, para Portugal, de um novo Quadro Comunitário de Apoio, árdua e competentemente negociado pelo Governo Português, e que constituirá, seguramente, juntamente com o esforço financeiro nacional que lhe será adicionado, a garantia de um novo período de desenvolvimento económico e social, com consequências que esperamos positivas no progresso e qualidade de vida das populações, no reforço do nível educacional dos jovens, na modernização do tecido empresarial português, no crescimento económico e no aumento significativo do emprego.
Mas este foi também o ano de importantes actos eleitorais para as autarquias locais e para o Parlamento Europeu, actos eleitorais ocorridos em período de crise económica e no contexto de duríssimas campanhas e pré-campanhas eleitorais, em particular para o partido que apoia o Governo.
Essas campanhas e pré-campanhas, sempre apoiadas em oportunas sondagens, apostaram em reduzir drasticamente o peso eleitoral do PSD e em aumentar significativamente a distância a que ficaria do maior partido da oposição. Contudo, o PSD não viria a perder peso eleitoral, esse diferencial do maior partido da oposição não se verificaria, ficando mesmo na casa das milésimas, e as hecatombes anunciadas não aconteceram, tudo se traduzindo na desautorização daqueles que, ilegitimamente, quiseram transformar esses actos eleitorais em moções de censura e cartões de várias cores - todas elas fortes - ao Governo e à execução das suas políticas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não o conseguiram! Mas se esse é, por um lado, o sinal inequívoco dos eleitores de que elas devem ser prosseguidas, não deixa de ser igualmente o reconhecimento de que um Governo responsável é aquele que não vira a «cara» em tempos de crise, que não cede à pressão da demagogia, que não abdica de tomar medidas que podem ser impopulares mas não devem deixar de ser promovidas, desde que sejam indispensáveis para assegurar o interesse geral, não cedendo à fácil tentação de mudar de agenda todos os dias, ao sabor das primeiras páginas dos jornais, apenas para garantir popularidade nas sondagens.

Aplausos do PSD.

Este foi o ano em que, pela primeira vez, desde o 25 de Abril, a uma quebra negativa no ciclo económico do crescimento não correspondeu uma paragem no grande esforço de investimento público em infra-estruturas, que está progressivamente a mudar a face do País, facto que deve ser relevado como extraordinariamente positivo.
A conjugação dos factores estabilidade política, decorrente da existência de uma maioria no Parlamento, e existência de comando e determinação na chefia do Governo garantiu que a acção governativa não ficasse paralisada nem com a crise económica, nem com os alarmismos tantas vezes exagerados que, em sua consequência, são lançados na opinião pública, nem com as pressões de rua, nem com a conjugação tão estranhamente oportuna, que tantas vezes ocorreu no último ano, entre os desígnios de alguns partidos da oposição e as acções de desgaste da maioria e do Governo que tiveram epicentros noutras sedes do poder instituído.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Este foi o ano do Congresso «Portugal, Que Futuro?», que nas palavras de um fogoso tribuno do Partido Socialista, em artigo que ficou célebre nos anais da polémica política, teve como principal objectivo dar um instrumento de actuação política ao Sr. Presidente da República para decapitar, em simultâneo, o Primeiro-Ministro, no Governo, e o Engenheiro António Guterres, na direcção do Partido Socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Este foi o ano em que o Sr. Presidente da República, assim acusado pelo Dr. Jorge Lacão de estar possuído por uma vocação-para nós desconhecida - de caçador de cabeças, manteve, perante uma tão grave acusação de um tão alto dirigente partidário, um tão estranho silêncio, e sisudo ainda por cima, tanto mais estranho e mais sisudo quanto é certo que, nestas matérias, o Sr. Presidente da República nada costuma deixar por responder e sendo igualmente certo que o referido dirigente também não deixou de o ser.
Este foi ainda o ano em que, pela proximidade das eleições legislativas de 1995, já se pôde perceber que tudo vai valer na luta política pela conquista do poder. E o exemplo mais gritante foi a proposta do Secretário-Geral do PS, Engenheiro António Guterres, feita ao Presidente da República, poucos dias antes das eleições, para que convocasse o Conselho de Estado, a propósito de factos que hoje, tanto como ontem, são claramente injustificados para um pedido dessa natureza. E não se me recrimine trazer hoje este exemplo às vossas memórias, já que, numa discussão sobre o Estado da Nação, é mais do que razoável lembrar um pedido de convocação do Conselho de Estado.

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Aplausos do PSD.

O Sr. José Puig (PSD): - Bem lembrado!

O Orador: - Passaram as eleições e o Secretário-Geral do PS ensimesmou-se quanto a esta matéria. Ou o pedido era justificado e deveria ter insistido nele ou não o era e, nesse caso, de duas uma: ou não o deveria ter formulado, incorrendo ele, sim, no mais grosseiro eleitoralismo de que acusa os outros, que vai ao ponto de querer instrumentalizar uma instituição com a dignidade do Conselho de Estado ao serviço de lutas partidárias eleitorais, ou, então, tendo-o feito, como o fez, deveria agora dar uma explicação ao País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Infelizmente, o líder do maior partido da oposição tem-nos habituado a este procedimento: agitar o debate político com questões polémicas, às vezes quase incendiárias, que em pouco tempo deixa cair no esquecimento e às quais não dá continuidade.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Foi assim, como acabei de referir, com a convocação do Conselho de Estado, mas também foi assim com o tema do «défice democrático» da Madeira, que só durou até às eleições regionais - e de que agora não fala, mas, na altura, abordou-o durante um mês e meio -, ou com o anúncio da certeza que tinha de que o seu telefone - o telefone do líder do principal partido da oposição, que amanhã poderia ser Primeiro-Ministro - estava sob escuta, não movendo, em seguida, qualquer diligência.

Vozes do PSD: - Ora bem!

O Orador: - O mesmo aconteceu com a solenidade com que os dirigentes do seu partido foram ao Presidente da República pedir que se declarasse a inconstitucionalidade por omissão da questão da criação das regiões administrativas - tema que viria também a cair em silêncio sepulcral.
Sempre, sempre, a mesma obsessão: responder às primeiras páginas dos jornais do dia anterior ou fazer as primeiras páginas dos jornais do dia seguinte.

Aplausos do PSD.

Como programa político para governar o País, convenhamos que é pouco. Para quem se quer assumir como estadista, lembra-se ao Engenheiro António Guterres que deverá ter mais presente, no seu dia-a-dia, a máxima que ensina que «tudo te é permitido, mas nem tudo te convém».
Este foi, igualmente, o ano em que o mesmo líder da oposição, com uma determinação até aqui não afirmada, veio dizer, mais claramente do que nunca, que se assumia como futuro Primeiro-Ministro e alternativa ao actual, tudo devidamente integrado numa campanha eleitoral para a Europa, na qual não era candidato mas cabeça de cartaz, na qual, ainda, o seu voluntarismo, a sua energia, a sua euforia discursiva, as suas propostas e soluções jorravam em catadupa diária nos ecrãs televisivos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas neste debate sobre o estado da Nação, é igualmente adequado falar na função de Primeiro-Ministro, na pessoa que a exerce e na pessoa que legitimamente ambiciona exercê-la.
Por isso se justifica que, para aferir da credibilidade do desígnio do Secretário-Geral do PS, de ser Primeiro-Ministro, ainda neste ano relembremos as palavras, cujo eco se não apagou, de um dos mais esfíngicos cardeais da política socialista, que hoje, curiosamente, não está aqui presente, o Dr. Jaime Gama,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Está ao serviço da Assembleia!

O Orador: - ... quando perguntado sobre o que achava da eventualidade de o engenheiro António Guterres ser Primeiro-Ministro: «Um frenesim, um frenesim ...».

Risos do PSD.

Era também este o ano - por ser aquele que antecede o próximo acto eleitoral legislativo - em que os portugueses, seguramente, melhor gostariam de aferir o sentido de responsabilidade de quem legitimamente pretende ser alternativa e assumir o Governo da Nação. Mas esse sentido de responsabilidade não se proclama, exerce-se ou, antes, todos o proclamam mas poucos o exercem. Permito-me demonstrá-lo com alguns exemplos.
Vai abrir-se um importantíssimo processo neste ano político: o processo de revisão constitucional, para o qual, como é sabido, se exige uma maioria qualificada.
Após o debate que, seguramente, se processará na Assembleia da República, com a participação de todos os partidos, todos temos como certo o seguinte: neste processo, são desejáveis aproximações entre as posições dos diversos partidos, por forma a que as alterações à Constituição resultem do maior consenso interpartidário possível. Mas se não houver, pelo menos, a possibilidade de o PSD e o PS chegarem a pontos de vista comuns, não haverá revisão constitucional.
Defenderemos com vigor os nossos pontos de vista, mas não nos passa pela cabeça andar a proclamar publicamente, dia sim dia não, que não haverá acordo com o PS, pela simples razão de que sem esse acordo não haverá revisão. Ora, a recíproca desta afirmação é igualmente verdadeira, ou seja, sem o acordo do PSD também não haverá revisão.
Que leva, então, o PS, nos últimos meses, a fazer reiteradamente essas afirmações, entre a farronca e a ameaça? Para nós, uma coisa parece clara: a de que o Partido Socialista não quer nenhuma revisão constitucional, não quer, sobretudo, mexer em nada que seja relevante em termos constitucionais, quer apenas aproveitar a revisão constitucional como arma de arremesso político, como mais um instrumento da acção demagógica em que não resistirá a cair - avisamos já, pois sabemos que será assim -, ao longo da próxima sessão legislativa.

Aplausos do PSD.

A própria natureza das suas propostas, pelo menos das que são conhecidas, alimenta essa suspeita. O que leva o PS a fazer das leis eleitorais o principal «cavalo de batalha» da revisão? Para nós, é inegável a importância deste ponto. Mas não é certo que, por duas ou três vezes, o PSD e o Governo, desde 1988 para cá, apresentaram, na Assembleia da República, propostas concretas nesse domínio, desde a revisão dos círculos eleitorais para a Assembleia da República à votação dos emigrantes nas presidenciais,

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passando por alterações radicais na Lei Eleitoral para as Autarquias Locais? E não é igualmente certo que o PS sempre encontrou as- mais inimagináveis desculpas para não votar essas propostas nos seus pontos substanciais, não garantindo, assim, os 2/3 necessários para a sua aprovação? Como podemos acreditar hoje na sua boa fé? Teremos de concluir, mais uma vez, que o PS chega sempre à razoabilidade com 10 anos de atraso nas principais alterações de regime?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Lembramos que foi isso que aconteceu com as privatizações, que, durante anos a fio, foram inviabilizadas pelo PS, que hoje procura afirmar-se no discurso como um acérrimo defensor da iniciativa privada. Lembramos que igual bloqueamento promoveu o PS, anos e anos a fio, contra as alterações à Lei de Delimitação de Sectores, pela voz do próprio Eng. António Guterres, curiosamente, quando era Primeiro-Ministro Mário Soares, Vice-Primeiro-Ministro Mota Pinto e Ministro do Estado Almeida Santos. Basta lembrar o que sobre isto relata o Jornal de Notícias, a 2 de Outubro de 1983, sobre o 5.º Congresso Nacional do PS - e cito: «Em vésperas da abertura da banca, dos seguros, dos cimentos à iniciativa privada, Guterres dirigiu o ataque à futura lei, afirmando 'discordar claramente da política do Governo relativamente à Lei de Delimitação de Sectores e abertura da banca à iniciativa privada'».

Vozes do PSD: - Muito bem! É verdade!

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Já não se lembram?! Perderam a memória!

Protestos do PS.

O Orador: - Isto é importante e já disse uma vez que quem não tem memória faz um papel e os senhores perdem a memória com muita facilidade!

Protestos do PS.

O Orador: - E o que se diz para estes sectores de actividade poderia dizer-se para outros, como a comunicação social escrita e a televisão privada de que hoje parecem ser os primeiros paladinos. Mas é preciso não nos esquecermos de que foi preciso o PSD, durante anos a fio, travar com outros partidos, como o CDS, uma luta permanente, nesta Câmara, para que tivéssemos abertura da comunicação social à iniciativa privada, nomeadamente nas rádios e nas televisões.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quem se opôs sistematicamente a essas alterações foi o Partido Socialista, com modelos que, no resto da reestruturação da economia, passavam não pela iniciativa privada, mas pela celebérrima proposta, também do Sr. Eng. António Guterres, de criar pelo menos três Holdings gigantes do Estado, à semelhança do IPE, que fossem um verdadeiro motor da economia nacional.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Que grande motor! Isso era uma rede!

O Orador: - Parece que, hoje, os socialistas preferem não lembrar este discurso e por isso perguntamos que credibilidade pode merecer o Secretário-Geral do PS ao criticar, também ele, como fez ontem ou anteontem, o excessivo poder dos sindicatos e das associações de trabalhadores, quando ele próprio, no mesmo Congresso de 1983, veio dizer que era um dos vícios da sociedade portuguesa, que havia protagonismo excessivo por parte de algumas direcções e associações sindicais e que o próprio PS tinha culpa nisso. Mas lembro-lhe que foi no mesmo Congresso, em 1983, que o Sr. Deputado António Guterres disse «que os sindicatos e as comissões de trabalhadores deverão ser associados ao exercício do poder e que deverá ser organizada a tendência sindical socialista». De resto, tudo isto era dito num contexto interessante, em que o Sr. Deputado António Guterres argumentava assim: há uma grande crise económica e, quando não há economia para melhorar a condição de vida das pessoas, dá-se poder, neste caso, às associações sindicais.

Risos do PSD. Protestos do PS.

O Sr. António Guterres (PS): - Não foi nada disso! O Sr. Deputado está a dizer disparates!

O Orador: - Seguramente, Srs. Deputados, a credibilidade que tem é a mesma de um partido - note-se bem - que critica o Governo pela opção de concessionar a privados a construção da futura ponte sobre o Tejo mas que, quando ele próprio é governo, como o é, actualmente, o PS com o PCP na Câmara de Lisboa, não encontra outro processo de construir parques subterrâneos que não seja através da concessão a privados, que, naturalmente, cobram pingues preços a quem quer comprar esse espaço.

Aplausos do PSD. Protestos do PS.

O Orador: - Seguramente, Srs. Deputados, tem a mesma credibilidade de um partido que critica o Governo por cobrar taxas de portagens pela passagem na Ponte 25 de Abril, com o ridículo argumento de que a ponte já está paga, mas que, quando ele próprio é governo, como o é o PS com o PCP na Câmara de Lisboa, se prepara para colocar milhares de parquímetros nas principais ruas e avenidas, para cobrar taxas de utilização por estacionamento em ruas e avenidas que também já estão pagas, algumas há centenas de anos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Que grande comparação!

O Orador: - A falta de coerência, a falta de sentido de Estado e de responsabilidade, com bastante demagogia pelo meio, acabam nesta mistura explosiva e desesperada que leva aqueles que, por saberem intimamente que têm poucas possibilidades de vir a exercer o poder, ensaiam a perigosa fuga em frente de apoiar toda e qualquer reivindicação, porque sabem que nunca terão de se dar ao trabalho de as cumprir.
Não é de menor importância realçar este aspecto da nossa vida política, hoje, no debate sobre o estado da Nação, centrada no comportamento de alguns partidos da oposição. O estado da Nação não se resume ao estado do Governo e se o Primeiro-Ministro centrou hoje, aqui, a sua intervenção na situação do País, se o líder do maior parti-

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do da oposição centrou a sua posição na situação do Governo e da maioria, ser-me-á permitido que feche o círculo falando também da situação da oposição. E faço-o, porque me parecem claras duas coisas no actual quadro político e no ano que se avizinha.
A primeira é que toda a oposição já percebeu, em particular o Partido Socialista, que quer o resultado das eleições autárquicas quer o resultado das eleições europeias não lhe permitem alimentar expectativas sérias de ganhar as próximas eleições legislativas. Mais: o resultado desses dois actos eleitorais, particularmente do último, indicam-lhe que aumentou substancialmente a probabilidade de o PSD ganhar as eleições, com renovação da maioria absoluta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Essa é nova!

O Orador: - A segunda razão é que tal conclusão, afastando a possibilidade de vitória eleitoral pelo confronto responsável de alternativas, empurra os potenciais perdedores para situações de desespero e irresponsabilidade, que os conduzem, inevitavelmente, para uma radicalização e artifïcialização da vida política, que poderão trazer poucas vantagens próprias mas que visam causar ao adversário o maior dano possível e impedi-lo, assim, de atingir na totalidade os seus objectivos.
Por isso, é oportuno registar hoje, neste debate, que o PSD não se admirará que alguns partidos da oposição procurem radicalizar, ao longo da próxima sessão legislativa, as suas formas de actuação política, tentando compensar, através de processos de agitação e conflitualidade social, a sua incapacidade de fazer oposição eficaz ao Governo e à maioria pelas vias institucionais normais.
O ano que se avizinha será seguramente, para toda a Europa e para Portugal, um ano melhor, um ano no qual a retoma económica se fará sentir favoravelmente na situação das empresas e dos trabalhadores - aliás, o próprio Secretário-Geral do PS já hoje, aqui, também o indiciou, embora de uma forma tímida.
Mas para que os efeitos da recuperação económica sejam potenciados e se façam sentir plenamente será necessário, mais do que nunca, concertação e acalmia social e, sobretudo, será decisivo que todos os responsáveis políticos e institucionais contribuam, dando sinais positivos aos investidores e não fomentando o alarmismo.
A esta luz e para continuar a dar exemplos concretos, para não falar no vazio como outros aqui fizeram antes, não se compreende, por exemplo, que a oposição tenha reagido com críticas tão violentas e sistemáticas ao plano de criação de empregos que o Primeiro-Ministro português apresentou à Comunidade Europeia, que teve o apoio entusiástico não apenas de Jacques Delors mas dos mais importantes Chefes de Governo europeus, ao ponto de merecer consagração expressa na Cimeira de Corfu como um conjunto de propostas a serem estudadas e seguidas nos diversos países da Comunidade.
A esta luz, igualmente, não se compreende que até hoje o líder do Partido Socialista ainda se não tenha retratado cabalmente ou dado explicações pela seguinte afirmação, proferida em 8 de Julho de 1993, em entrevista ao Diário de Notícias: «A curto prazo, Portugal será dos países da Comunidade com mais elevado nível de desemprego». Ora, o curto prazo já passou porque já o disse há um ano. Decorreu esse ano e Portugal continua com o segundo mais baixo índice de desemprego da Europa. Pergunta-se: o que ganhou o líder do PS ou o que ganhou o País com uma afirmação desta natureza?

Aplausos do PSD.

Tanto se serve o País no Governo como na oposição e nós sabemos que não temos nem queremos ter as prerrogativas e o exclusivo do serviço a Portugal, mas bem pobre é um partido que não é capaz de se afirmar pelo seu projecto e pelas suas alternativas, não sendo mais do que a caixa de ressonância dos protestos vivos ou difusos que sempre se hão-de sentir em todas as sociedades abertas, por mais ricas que elas sejam.
Neste domínio, todos somos responsáveis por que o estado da Nação, no próximo ano, esteja melhor do que está hoje e que o debate sobre o estado do Nação, no próximo ano, corra melhor do que correu hoje.
O Governo já nos disse o que vai fazer, pela sua parte. E a oposição, nomeadamente o seu maior partido, o que fará? Hoje, ainda não o ouvimos. Esperamos vê-lo no futuro, porque os portugueses, seguramente, o julgarão no próximo ano.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, o actual estado da Nação pode caracterizar-se por sete traços essenciais:
O crescente descontentamento de cada vez mais amplas camadas sociais, que a política das auto-estradas não disfarça perante as políticas e práticas do Governo e do Primeiro-Ministro, descontentamento esse decorrente do prolongamento da crise económica, da redução do poder de compra da generalidade dos cidadãos, do aumento do desemprego e da degradação da situação social, dos dramas vividos por muitos milhares de famílias, desde a margem esquerda do Guadiana ao Valendo Ave, a quem é negada a possibilidade de trabalhar e recusado qualquer rendimento mínimo que garanta a sua subsistência e dignidade humana;
A degradação da própria democracia e do regime democrático, que se manifesta, nomeadamente, na governamentalização do Estado, pelo autoritarismo, pela violência repressiva e pela crescente e ilegal intervenção de serviços de informações na legítima participação dos cidadãos e nas suas associações político-sociais na vida nacional;
A instalação no País, por acção directa do Governo e por omissão das suas responsabilidades, de um clima permissivo da corrupção, do compadrio e do clientelismo político-partidário;
A pressão acrescida da acção do Governo, visando dificultar e impedir a acção autónoma e independente de outros órgãos de soberania e de instituições indispensáveis - «as forcas do bloqueio» - ao equilíbrio constitucionalmente consagrado do nosso regime democrático;
A erosão da credibilidade do Primeiro-Ministro e do Governo e do seu ilusório discurso demagógico, das suas tão repetidas quanto incumpridas promessas, cada vez mais confrontadas com o valor dos factos e da evolução da sociedade portuguesa;
A cada vez maior disponibilidade e mobilidade dos cidadãos para protestarem e lutarem pelos seus direitos e. contra as políticas e acções que lesam os seus legítimos interesses e justificam o seu descontentamento perante o presente e as incertezas quanto ao futuro;

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O sentimento crescente dos portugueses da necessidade de uma nova política e de um novo governo que não se situe apenas na variação de meio ponto acima ou meio ponto abaixo em qualquer variável económica

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: há um ano, o Sr. Primeiro-Ministro introduziu o debate sobre o «estado da Nação» com duas frases feitas que sintetizavam, no seu entender, a atitude do seu Governo: a «coragem para mudar» e a «confiança nos portugueses».
A «coragem para mudar» traduziu-se na política de continuidade, isto é, na política de destruição do aparelho produtivo, das taxas de juro incomportáveis, da concentração da riqueza e da protecção das actividades especulativas e parasitárias, excluindo um número cada vez maior de portugueses e de famílias do acesso a um nível de vida digno, à habitação, à saúde e ao emprego.
Quanto à «confiança nos portugueses» ela pôde ser testada na forma como foram reprimidos, com violência, os protestos dos trabalhadores da TAP, os diversos e justos protestos dos agricultores, pescadores, trabalhadores e estudantes e, mais recentemente, como testemunho inequívoco da confiança e respeito pela «sociedade civil», na maneira como o Governo respondeu aos justos protestos dos utentes da Ponte 25 de Abril.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não é aceitável, não é justo nem admissível que sejam os utentes da ponte 25 de Abril a pagarem a construção da nova ponte.

Aplausos do PCP.

Há um ano, tal como hoje, não querendo falar do presente, da grave situação social e económica e da ausência de medidas para lhe dar efectivo combate, o Sr. Primeiro-Ministro distribuía promessas para o futuro e sinais de recuperação. Os factos aí estão: crescimento negativo da economia; terceiro ano consecutivo de afastamento da média europeia; aparelho produtivo debilitado e mais dependente; regresso dos salários em atraso; despedimentos em massa; aumento do desemprego e do trabalho precário; vulgarização do recurso ao lay-off, multiplicação das notícias de crianças vítimas de acidentes de trabalho, inclusive mortais; reformados em situação aflitiva e interior do País cada vez mais envelhecido, desertificado e esquecido.
Esta é, Sr. Primeiro-Ministro, a realidade que nos cerca, fruto amadurecido da sua política e do seu Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E não vale a pena reeditar, de forma estudadamente pungente, o apelo de Agosto do ano passado, do «deixem-nos trabalhar», pois está claro que o que o Sr. Primeiro-Ministro verdadeiramente queria e gostaria é que a sua nefasta e agressiva política pudessem avançar sem resistência e impunemente.
Nem vale a pena recorrer tão repetidamente à conhecida técnica da «dramatização», à task force, pois esta até lhe recomenda que o faça mais perto das eleições, agitando novamente os terríficos cenários da instabilidade, o «ou nós ou o caos». A técnica de coagir psicologicamente os cidadãos vai-se desmascarando e não consegue esconder as consequências negativas da sua política e a perda da base social em que o PSD se encontra.
Também, há aproximadamente um ano o Governo lançava o tema do Acordo Económico e Social e também, na altura, o Sr. Primeiro-Ministro nem uma só vez conseguiu explicar como é que, prosseguindo a mesma política, produziria o milagre de assegurar a criação de empregos e a competitividade da economia portuguesa. A verdade dos factos fala por si: encerramento contínuo de empresas e destruição de milhares de postos de trabalho.
São velhas e gastas as «receitas» de tentar garantir a competitividade da economia portuguesa à custa da diminuição dos salários reais e da limitação dos direitos dos trabalhadores. É sabido e reconhecido que os trabalhadores portugueses são os que mais horas trabalham e os que de menos garantias sociais desfrutam, sem que isso tenha contribuído para a recuperação da economia e para a melhoria da competitividade. A crise e as suas consequências tem causas e autores e não há nenhum malabarismo que exima o Sr. Primeiro-Ministro, o seu Governo e o PSD das suas cabais responsabilidades.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - São conhecidas as dificuldades em que vive a maioria dos reformados, que tiveram aumentos de 50, 33 e 30 escudos por dia, a maioria dos desempregados, que não têm qualquer subsídio, os milhares de agricultores, cada vez mais arruinados, os trabalhadores agrícolas do Alentejo, vítimas da criminosa destruição da Reforma Agrária feita pelo PSD e também pelo PS.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Hoje, temos a iniciativa privada do PSD, que é a iniciativa privada das coutadas promovida pelo Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A crise da agricultura, sector em que o PSD detém a pasta há mais de 12 anos, é insofismável e as perspectivas são de agravamento e de mais dificuldades para os agricultores. A crise é geral, desde o Douro ao Algarve, mas é particularmente visível no Alentejo, dada a estrutura agrária e a situação social dos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Destruída a reforma agrária e com a reforma da PAC, voltou o sistema extensivo e absentista e as terras abandonadas. A crise na agricultura provoca a crise em toda a economia regional, pelo que resolver o problema do Alentejo é resolver os problemas da terra, da irrigação e da agro-indústria.

Aplausos do PCP.

E essa questão não se resolve com atitudes ou actividades caritativas, que, embora positivas, nenhum problema resolvem. O que os alentejanos querem é trabalho e não esmolas, investimento e desenvolvimento e não coutadas; querem promover o desenvolvimento e não os latifúndios, não querem votos pios mas, sim, que se olhe para o Alentejo como uma zona do País que merece ser desenvolvida e que não relegada para o último plano dos interesses e das medidas do Governo.

Aplausos do PCP.

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Além disso, o Sr. Primeiro-Ministro sabe, e sabe muito bem, que o que aqui disse não tem qualquer veracidade. Faltou à verdade acerca da actividade dos meus camaradas que, nas câmaras da margem norte do Guadiana, não só promovem o desenvolvimento como promovem um desenvolvimento muito superior àquele que é promovido pela Administração Central.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PSD e o Governo não têm uma estratégia negocial de defesa do interesse nacional na Comunidade. Tudo vendem a troco de efémeros subsídios. Por exemplo, acordaram tarde para as questões do vinho e só depois do PCP ter proposto e feito aprovar aqui, na Assembleia da República, uma resolução de rejeição da proposta da Comissão, então, acordaram. Estão parados no que se refere ao importantíssimo sector das frutas e legumes, cuja reforma se vai iniciar, quando outros países, como Espanha, já entregaram as suas próprias propostas para influenciar as primeiras opções da Comissão.
A perspectiva que domina a política do Governo é a dos grandes interesses e não a perspectiva da produção ou dos agricultores.
A crise, de facto, não é para todos. Lembremos que, quatro meses após o Sr. Primeiro-Ministro ter aqui proferido o seu discurso sobre o «estado da Nação», afirmando as suas preocupações com a justiça social, o Governo presenteava os grandes agrários do Alentejo e Ribatejo com dezenas de milhões de contos, a título de indemnizações, enquanto milhares de agricultores passavam por inúmeras dificuldades para sobreviver.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E o mesmo se tem passado com os sucessivos escândalos das privatizações sem que o PSD tenha até agora aceite um inquérito parlamentar a tão conhecido e reconhecido regabofe, tudo isto apesar das devotas declarações do Sr. Primeiro-Ministro quer quanto à transparência quer quanto ao rigor orçamental. Mas aqueles que agora gritam que «o Rei vai nu» são os mesmos que não levantaram um único dedo quanto ao processo das privatizações, que falam do Totta e do Crédito Predial Português mas esquecem, curiosamente, a questão da Centralcer.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ainda agora foi revelado pelo próprio Tribunal de Contas a ausência de transparência e ilegalidades da actividade governativa, no parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1992, designadamente as ilegalidades detectadas na privatização das companhias de seguros Império e Mundial-Confiança, bem como na existência de muitos milhões de contos em contas de depósitos que não foram contabilizadas como receitas orçamentais.
Sr. Primeiro-Ministro, não é possível fazer, como faz V. Ex.a, o discurso sobre o estado da Nação sem uma séria reflexão aprofundada sobre o funcionamento das instituições e sobre o «estado» da democracia política. Contrariando teses oportunistas e desresponsabilizadoras do Governo, o facto é que a degradação da democracia e o autoritarismo se agravam, pondo em evidência que, em Portugal, há cada vez mais não só as questões de desenvolvimento e da garantia dos direitos sociais mas também uma questão de liberdade e democracia crescentemente ameaçadas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O PSD prossegue o caminho da governamentalização do regime, tomando agora como alvo principal o aparelho judicial, o Tribunal de Contas .e o Ministério Público.
Na área da justiça, a actuação do Governo tem-se pautado não pela promoção da sua celeridade mas pela tentativa de limitar a independência dos tribunais e de cercear os poderes do Ministério Público.
Na área do poder local, a sua actuação caracteriza-se por três traços essenciais: asfixia financeira, tentativa de impor encargos sem recursos, paralisação das grandes reformas que se impõem para o seu reforço - tudo no quadro de uma política de autoritarismo e centralização.
No plano político-militar prepara-se uma nova ofensiva para um maior controlo governamental das Forcas Armadas, alterando o sistema de nomeação de chefias, por forma a aumentar a margem de escolha discricionária do Governo.
Na área da segurança interna privilegia-se o reforço do aparelho repressivo, designadamente dos corpos especiais de intervenção, em detrimento das medidas necessárias para prevenir e combater uma criminalidade que, em todos os campos que mais afectam a tranquilidade e a segurança dos cidadãos, continua a aumentar de forma preocupante.
Dois factos, entretanto, merecem uma análise especial, sendo um deles, as indignas e anti-democráticas actuações dos serviços de informações. Acusamos o Governo de ter montado uma espécie de polícia de informações políticas destinada a vigiar os opositores das políticas do Governo, sejam partidos políticos, organizações sindicais, associações de produtores, organizações juvenis ou simples movimentos populares. É uma chocante perversão do Estado de direito democrático que marca, de forma indelével, o Governo do PSD e os seus propósitos de perpetuação no poder.
O segundo facto é a escandalosa impunidade em que permanece a prática da corrupção. O relatório do Procurador-Geral da República sobre a Polícia Judiciária trouxe à luz do dia, de forma qualificada, o que toda a gente sabia: que o Governo não fornece ao aparelho de combate à corrupção os meios necessários e que, por isso, a esmagadora maioria dos crimes de fraude e de corrupção, envolvendo altas figuras do Estado, incluindo os cometidos com o Fundo Social Europeu, continuam impunes.
Mas falar do estado da Nação, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Deputados, é também falar do estado da saúde, da preocupante deterioração dos serviços de saúde, até dos seus níveis de segurança, apesar do empenho esforçado de muitos dos seus profissionais, das taxas moderadoras e de outros entraves geradores de crescentes desigualdades no acesso aos cuidados de saúde.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Falar do estado da Nação é também referir a indisfarçável crise que atinge a escola e o sistema educativo e lembrar a actuação do Governo em relação às propinas e, muito recentemente, às provas globais,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... é não esquecer a generalizada insatisfação de professores e estudantes e as constantes lutas a que têm tido de recorrer, a intervenção de pais e encarregados de educação, as profundas preocupações que atingem o conjunto da sociedade portuguesa.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta política, a política do Governo apoiado pelo PSD, não serve o povo nem o País. É necessário uma nova política.
No entanto, é também neste preciso momento, quando o Governo está mais desmascarado e desacreditado e activa uma gravíssima ofensiva contra os direitos e interesses dos trabalhadores, com as propostas apresentadas no Conselho de Concertação Social, que o Partido Socialista, mais uma vez, entende «dar uma mão» ao PSD, ao impulsionar uma reforma constitucional não necessária nem premente e que visa projectos antidemocráticos e lesivos dos interesses dos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma dura realidade que qualifica um partido da oposição.

Pela nossa parte, assumimos as nossas responsabilidades perante o povo e o País. Ternos estado na primeira linha de combate à política do Governo. Temos apresentado medidas e propostas alternativas, sectoriais e globais, que visam uma sociedade mais próspera, mais justa e mais solidária. Consideramos que terão de constituir preocupações e tarefas nacionais prioritárias a elevação do nível e qualidade de vida dos portugueses, a modernização e defesa do aparelho produtivo ao serviço de uma verdadeira estratégia de desenvolvimento nacional, o decidido combate à pobreza e à grave situação em que vivem reformados e pensionistas, a valorização e dignificação de quem trabalha e de quem cria riqueza, o combate ao abuso do poder, ao «negocismo», ao clientelismo e à corrupção e uma enérgica intervenção pela moralização da vida pública.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Temos uma grande confiança na capacidade de intervenção e de luta do povo português e, pela nossa parte, tudo continuaremos a fazer para derrotar esta política e este Governo, para bem dos portugueses e de Portugal.

Aplausos do PCP, de pé, e do Deputado independente Raúl Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O debate sobre o estado da Nação, já o dissemos em circunstância análoga anterior, não deve ser o sinónimo do discurso do estado e da acção do Governo, embora, temos de reconhecê-lo, a relação entre ambos se torne cada vez mais restrita, dada a forma como o Partido Social Democrata invadiu o aparelho do Estado, a tal ponto que a diferença não parece ser muito grande, acentuando mesmo que no discurso oficial do Primeiro-Ministro se esquece essa diferença.
Há algumas considerações que reputamos importantes antes do exame macroeconómico do País, porque nos devem preocupar sobremaneira. A primeira, segundo a hierarquia de precedência, é naturalmente a que diz respeito à credibilidade que o nosso País tem, ou pode vir a conseguir, na comunidade internacional em que se encontra inserido.
Parece-nos evidente que existem razões de preocupação neste plano e elas tornaram-se mais graves depois das últimas eleições para o Parlamento Europeu. Não se trata, obviamente, de saber se houve vitória esmagadora de qualquer força política ou se elas se saldaram por um empate técnico entre o PSD e o PS, nem das alegrias que os gestores dos dois partidos, que se reivindicam como os únicos candidatos ao exercício do governo, retiraram dos resultados, para conforto próprio, tratando displicentemente os partidos minoritários, que, na concepção da democracia que desse modo evidenciam, julgam estar para sempre afastados da credibilidade que só o eleitorado pode dispensar.
O que de importante e significativo houve nestas eleições europeias foi a circunstância de a abstenção ter atingido níveis com poucos termos de comparação no passado, em todo o tipo de eleições. É certo que não foi um fenómeno exclusivamente português e muitos falaram da média europeia, mas muito português foi o desejo de explicar essa abstenção pelo dia de sol e calor, que ainda não depende do Governo, e dos feriados, que, esses sim, podem ser facilmente manejados pelo poder através da escolha do dia de escrutínio.
De facto, a generalidade europeia do fenómeno vem realçar que a política furtiva que os governos e o aparelho burocrático da União Europeia têm praticado conseguiu, como sempre pretenderam os actuais dois maiores partidos, alienar o eleitorado e desviá-lo da participação empenhada e geral no processo de construção europeia.
Podemos lembrar a este propósito que quando o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Luxemburgo veio a Lisboa despedir-se, no fim da Presidência da Comunidade Europeia exercida pelo seu país, disse expressamente, no discurso proferido no jantar que lhe foi oferecido no Palácio das Necessidades, não ser conveniente que as questões institucionais referentes à evolução da união política caíssem na opinião pública europeia, que aconselhava a manter afastada de tão altas preocupações.
É difícil silenciar a oposição intransigente do PS e do PSD contra a proposta, feita pelo meu partido, de que a aprovação do Tratado de Maastricht fosse precedida de um referendo nacional. O Primeiro-Ministro avisou que Portugal não podia ser «imprevisível», juntamente com outras razões de ordem paternalista, e o PS mostrou-se preocupado com a imprudência de colocar ao eleitorado questões que este não podia entender. O «bloco central» conseguiu desta maneira o que mais desejava: que o eleitorado se alienasse do processo de decisão sobre um tema importante para Portugal. O ministro luxemburguês teria confirmado que, realmente, éramos bons alunos da «aula» europeia.
Deste modo, a persistente atitude do Primeiro-Ministro e do partido que o apoia traduz-se nesta quasi inimaginável posição: para as eleições internas, o Primeiro-Ministro utiliza todos os meios governamentais, administrativos e partidários de que dispõe em exclusivo para a propaganda infrene no sentido de levar o eleitorado a reconhecer os extraordinários benefícios que lhe consegue com a política europeia que adopta, como se viu no discurso de hoje.
Dali vêm as «naus da índia», segundo o imaginário pouco inspirado de um responsável governamental, «carregadas de especiarias estruturais», que os hábeis negociadores dizem conseguir com o seu talento e combatividade. Mas quando se trata de debater esta política europeia do País cada vez mais dependente que somos, à vista de todos, o paternalismo governamental desdobra-se em considerações amenas sobre a secundária importância das eleições europeias, conforta os próprios apoiantes com os empates técnicos, justifica o alheamento com a frase que pode fazer uma época - tal como ficou célebre o dito «o

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povo é sereno», temos agora «o povo é tranquilo e não vota» - e anima as suas hostes com o melhor desempenho que é de esperar nas eleições legislativas, que o Governo já meteu na sua agenda de planeamento político deste ano.
Resultado deste espectáculo do Estado é a alienação do eleitorado, a perigosa situação do alheamento das populações em face de uma união política que cada vez condicionará mais pesadamente a sua condição de vida e o seu futuro, muito especialmente da nossa juventude.
Entramos, então, na segunda questão: para enfrentar esta alienação dos jovens, bem mais grave do que os penosos défices democráticos, justificação para alargar os poderes dos Deputados europeus, quem poderá tornar a sério a promessa, repetida nos últimos anos, de que a educação seria a prioridade das prioridades? Efectivamente, dela depende a capacidade de entender razoavelmente a situação do País e a sua crescente dependência, dela depende também, e sobretudo, o civismo activo e não alienado nas máquinas partidárias.
Ora, o estado da Nação, neste particular, é o dê esgotar as energias dos jovens em questões como foram, sucessivamente, a das provas gerais de acesso, a das propinas e a da avaliação global, isto apenas para falar do sector estudantil. Todos estes problemas têm a ver com a aparência das coisas, que mais uma vez afastam os interessados e os responsáveis pelo programa político-educativo, que se tornou instável pela constante substituição de ministros, agravando os problemas em vez de os resolver.
A questão é que, cada vez mais, os antigos instrumentos de integração - família, igreja, forças armadas - perderam as tradicionais capacidades e funções e todo o peso recai sobre o aparelho escolar, actualmente submetido a meras questões orçamentais e não às políticas de cultura, educação, investigação e integração.
No ensino superior, o numerus clausus exclui e despreza, em cada ano, nos cursos mais reputados, centenas de estudantes de excelência demonstrada pelas classificações obtidas. Tal política, que o Prof. Adriano Moreira, nesta Câmara, designou por política de «habitação escolar», resulta em que haja cursos aos quais se acede mesmo com negativas e outros onde a distinção é inútil. Daqui, o crescimento anárquico do ensino privado, entregue à lei do mercado, à mão da oferta e da procura.
O ensino secundário sofre tratos de polé, sujeito a experiências contraditórias, à fraqueza de querer reforçar a produtividade com facilidades de avançar sem exames ou sem provas regulares, confundindo a frequência com a aprovação, cujos resultado a esperar é o de frustrações somadas, como se viu com as demonstrações e o nível delas, contra as provas globais, na Primavera deste ano.
O estado da Nação é também altamente preocupante no que respeita à prevenção da criminalidade e à segurança dos cidadãos. Foi possível que num jornal influente se considerasse necessário, e o tivesse demonstrado, desenvolver um mapa da insegurança do País. Começam a ser identificáveis lugares cujo acesso parece interdito à «law and order» e a confiança dos cidadãos na autoridade vai sendo gradualmente abalada, sem que o Governo tenha assumido ou avaliado, perante a instância competente que é a Assembleia da República, a sua incapacidade.
O estado da Nação na saúde é de desalento e revolta. A eficácia e a credibilidade do aparelho de saúde estão irremediavelmente abaladas por desastres frequentes e negligências, a todos os títulos condenáveis, e nem sequer o dever de indemnizar ou de reparar, que cabe ao Estado, é cumprido com a diligência necessária.
São evidentes, como dissemos no ano passado no debate sobre o estado da Nação, os progressos na rede de estradas que tornam o País cada vez mais acessível, encurtando as lonjuras, mas a despovoamento do interior e desertificação do sul aumenta todos os dias, cresce a urbanização descontrolada na faixa litoral junto de Lisboa e Porto e um pouco por todas as grandes cidades, com o alastramento das manchas de pobreza e marginalidade, com milhares de famílias que não acreditam nos investimentos da habitação social frequentemente anunciados.
Os antigos demónios dos salários em atraso e várias formas de trabalho precário ressurgem a galope nas zonas industriais.
«O Alentejo agoniza sob a praga da fome», era o título a quatro colunas de um jornal responsável e de grande circulação, tendo sido necessário que a Cruz Vermelha Portuguesa descarregasse, em Serpa e Beja, toneladas de géneros alimentares destinadas a famílias carenciadas, o que não podemos deixar de considerar como um facto insólito para um país que é membro da União Europeia.
Um «pulo» dos parlamentares do PSD, acompanhados, desta vez, pelo. Sr. Primeiro-Ministro, às populações carenciadas do Alentejo profundo, que há pouco visitou sem ter registado esta penúria, seria um gesto benfazejo nesta zona da democracia da miséria.
O estado da Nação é de existência de dois círculos na sociedade portuguesa: um que cresce na participação dos benefícios da modernização, outro que decai de condição pelo crescimento do desemprego, que se degrada por uma imigração abandonada à sua própria sorte e ao mercado clandestino de trabalho, sem qualquer política, sem nenhuma política, de integração dessas minorias, que crescem como manchas de óleo no tecido das grandes metrópoles.
O estado da Nação, no que respeita ao emprego, que se tornou um viveiro de inquiridos, é o da utilização ilegal do Fundo Social Europeu e de indícios de corrupção ao mais alto nível, com constantes saídas, exonerações e demissões dos altos funcionários e substituições de secretários de Estado, por envolvimento directo ou por invocação de responsabilidade política objectiva de quem individualmente a quis assumir, contrariando a regra de apenas ser exonerado depois do despacho de pronúncia pelo juiz do processo, certamente, como ficou hoje aqui lembrado, por ter sido formado na velha escola dos governantes.
O estado da Nação, em sede de segurança social, é de escamoteamento total das graves questões e problemas de ruptura do Estado Providência na forma como existe em Portugal, com pura e simples «navegação à vista», sem qualquer plano ou programa conhecido.
O estado da Nação é, em matéria de cidadania, de divórcio entre os governantes e os governados, com gravíssimos efeitos perversos sobre o próprio regime democrático, como ficou patente na chamada «revolta da ponte», a desmentir a dogmática do País «previsível», tão do agrado do Primeiro-Ministro.
Todos os quadros institucionais do País pareceram colocados entre parênteses, com excepção do argumento da força pública, chamada menos a manter a ordem do que a dar tempo ao Governo para compreender a situação.
A «ponte é uma passagem para a outra margem», costuma dizer-se. O Governo não quer aceitar que existe a outra margem. Decidiu que lhe cabe, a ele, impor o previsto e o imprevisto, adivinhar a vontade da população. Demonstrou-se à sociedade que está enganado. Para chegar à outra margem, o povo preferiu ele próprio construir a ponte, sem esperar pêlo Governo.

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Finalmente, o estado da economia portuguesa. A nosso ver, a incerteza e a indeterminação são, actualmente, as maiores constantes. O tal rumo certo em que se encontrava a economia portuguesa no final do ano de 1993 traduziu-se, infelizmente, num crescimento negativo nesse ano e para 1994 não vislumbramos mais do que meras promessas de crescimento positivo, já que o Governo se mostra incapaz de produzir um número que sustente, de forma credível, a sua leitura voluntarista dos sinais avulsos emitidos pela economia portuguesa.
Vale também a pena aludir ao facto de que mesmo quanto ao consumo privado, essa bandeira do regime em que vivemos, se regista uma evolução negativa. As instituições que até há bem pouco tempo eram tidas como relativamente independentes, estimavam que, em 1994, se irá observar uma evolução negativa nesta componente da procura.
Num clima em que o desemprego está a aumentar - e desafiamos o Governo a dizer qual o número de desempregados existentes até ao fim do ano e se não se vai registar um acréscimo -, será de esperar uma retracção do consumo privado. Mas para nós, CDS-PP, é escandaloso que se diga que o consumo público continua a crescer a taxa positivas e significativas. A política de duas faces, rigor para fora e laxismo interno, continua a ser o motu deste Governo!
A política cambial adoptada por este Governo induz uma substituição no consumo de bens nacionais por bens importados. Assim se poderá explicar o crescimento do défice externo numa altura em que o consumo e o investimento privado registam um comportamento recessivo.
Ainda em termos de política económica, cabe perguntar ao Governo quais as suas actuais opções relativas às empresas públicas. Continua o Governo disposto a fazer o contribuinte português suportar os défices crónicos provenientes da gestão pública? O que tem sido feito para melhorar a gestão destas empresas, reduzir os seus défices e aumentar a sua eficiência? Continua o Governo a adoptar uma política dualista relativa ao desemprego, mantendo artificialmente empregos no sector público e penalizando os que se encontram ao serviço do sector privado? Em termos de emprego, quantos funcionários públicos foram admitidos quer em 1993 quer já em 1994?
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Não consideramos a situação que ficou exposta como ditada por um destino irremediável do povo português. Temos dentro de nós energias suficientes para inverter este estado da Nação: combater o clientelismo e libertar o Estado do colete de forças do partido hegemónico; investir o máximo que pudermos na educação, na formação de docentes, na investigação científica; fomentar nos jovens uma cultura da qualidade, respeitando rigorosamente as leis votadas por unanimidade nesta Assembleia da República e promovendo a qualidade nos currículos escolares; morigerar o sistema público de saúde, criando condições para ampliar o leque de fornecimento de cuidados de saúde pela iniciativa privada; acelerar a formação dos trabalhadores para a melhoria da produtividade; cumprir a Lei de Bases da Segurança Social, para melhor garantia das prestações próprias do Estado social ou de solidariedade como nosso; reformar o sistema político, de modo a que o eleitorado se sinta representado no aparelho institucional que nos rege; fazer uma utilização criteriosa dos dinheiros públicos e dos fundos comunitários; em suma, retomar a velha fórmula de «menos Estado e melhor Estado», na sua autenticidade.
Se assim procedermos, teremos certamente sobejas razões para a Nação reencontrar o seu caminho para o progresso e bem-estar. Este não é apenas o nosso voto de fé mas uma aposta do CDS-PP para o futuro próximo.

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Correia Afonso.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Este ritual do fim das sessões legislativas traz consigo, como aliás convém à própria dimensão simbólica do rito, uma carga de hipérbole, de excesso. Mais do que falar de «estado da Nação», vício que se pode tornar perigoso, melhor fora falar do estado a que o Estado chegou...
Todos sentimos, com inquietante nitidez, alguns dos sintomas que colocam sérias dúvidas acerca da saúde da Nação. Eis alguns: o crescente desinteresse pelo nosso património histórico; um ensino anémico e anónimo; uma larvar teia de corrupção que entorpece o tecido social; uma desnacionalizante tecnocracia na abordagem dos problemas concretos da nossa sociedade; uma cada vez mais nítida dependência de instâncias supra-nacionais; a exígua descentralização da Administração Pública, a qual se encontra demasiado fechada nas mãos férreas da administração central; nítida osmose entre a maioria e o Estado e o consequente controlo das instituições por ele tuteladas; alarmante invasão de operações financeiras, tornando o País cada vez mais refém das oscilações especuladoras da finança internacional.
Estes alguns dos sintomas a ter em conta num dia de diagnóstico e que não podem deixar de nos interpelar a todos por igual.
O discurso tradicionalmente apologético e auto-demonstrativo que o poder compõe, incansável devoto de si mesmo, ainda por cima estimulado por certos procedimentos das oposições, mais preocupadas pelos seus lucros imediatos do que com os superiores interesses da Nação, deveria, pelo menos, despojar-se da presunção de querer apresentar aos portugueses o retrato da Nação em tons predominantemente róseos. Os tons da Nação são múltiplos e variegados e não é honesto querer pintá-la de uma só cor-a cor laranja!
Este triunfalismo do poder traz-me à mente a fábula do macaco e do leopardo, de La Fontaine: o macaco tinha razão, não é no traje (do leopardo) que se aprecia a diversidade, mas no engenho (do macaco). E passo a citar La Fontaine: «Quantos grandes senhores se parecem com o leopardo e não têm outros méritos a não ser as galas que vestem.»
É o narcisismo que o poder traz consigo que, em boa parte, está na origem dos graves problemas que afligem a sociedade portuguesa. São problemas cuja etiologia não deve procurar-se tão-só nas conjunturas internacionais, na chamada crise do emprego na Europa, nem em maquinações mais ou menos desajeitadas da oposição. É no próprio Estado que hão-de encontrar-se algumas das principais raízes que, quais metástases, estão a perverter todo o corpo social.
Que dizer do escandaloso garrote, tecido e entretecido à volta do pescoço dos chamados pequenos partidos por uma gigantesca e despudorada conspiração dos partidos no poder ou a ele afectos? Como pode ser bom o estado de

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saúde de uma Nação cujo sistema político assenta em bases que contrariam os seus próprios pressupostos? Uma democracia que não acolhe e estimula os mecanismos de auto-regeneração está a suicidar-se. Que pensar da cínica e científica gestão da dor silenciosa de tantos reformados à mercê do chocolate amargo dos anos de eleições?
E o desemprego? Aqui, o primeiro e trágico equívoco consiste em considerar tal flagelo social como uma fatalidade que apenas reclama um esforço político no sentido da sua mitigação. E assim se sustenta um sistema que, por ser de natureza economicista e platónica, gera inevitavelmente o desemprego. Primeiro, provoca-se a doença fatal e, depois, mobilizam-se médicos e laboratórios em busca da vacina miraculosa.
Enquanto os actuais pressupostos monetaristas do sistema se mantiverem, enquanto os países mais pequenos e vulneráveis, como Portugal, não ousarem impor algumas cláusulas proteccionistas nas relações comerciais, enquanto persistir este inconcebível e debilitante furor fiscal contra quem trabalha, enquanto se alargar e aprofundar o fosso que separa os eleitores dos seus representantes, enquanto os partidos se distinguirem pelo «espírito de geometria» na consideração dos problemas nacionais, poderão continuar os esforços laboratoriais para travar a epidemia, só que não acredito na sua eficácia...
Quando se pretende fazer deste Plenário uma espécie de «junta médica» para avaliar o estado de saúde da Nação, melhor fora que todos nós, os médicos, num gesto de humildade realista, nos deixássemos submeter à avaliação que os portugueses fazem de cada um de nós.
Daí que, pelas razões atrás expostas e mais esta, não se vejam motivos ponderosos para discursos triunfalistas, tanto por parte do Governo como da oposição. Porque, afinal, são todos corifeus e paladinos da mesmidade onde se cristaliza a ideia de que a razão é poder. No entanto, se é verdade o que diz Habermas, «as razões constitutivas do discurso regulam elas mesmas a sua base institucional» - cito O Discurso Filosófico da Modernidade - e há discursos em que se não pode confiar, porque os enforma, com carácter de exclusividade, a categoria «poder», chegou a altura de mudarmos de discurso para que o povo português acredite que queremos mesmo mudar de poder.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Estamos aqui hoje reunidos para falar sobre o estado da Nação e não para discursar sobre a Nação do Estado, imagem distorcida que o Governo tem da realidade e do País real. Estamos mesmo em crer que é por causa desta dificuldade crescente dos membros do Governo e dos Deputados do PSD em perceber o que se passa no exterior dos seus recatados gabinetes que têm surgido por aí uns senhores com umas câmaras de vídeo a filmar tudo quanto é manifestação de rua...
Neste contexto, não podemos deixar de aproveitar esta ocasião para manifestar também o nosso sentimento por aquilo que podemos designar como sendo o actual ambiente do estado da Nação.
Três anos volvidos sobre a tomada de posse deste XII Governo Constitucional, com frequentes remodelações, é inegável o ambiente de forte insatisfação pela sua acção governativa.
As principais promessas eleitorais estão cada vez mais longe de ser cumpridas: criação de milhares de postos de trabalho; melhores condições na saúde e na educação; crescimento económico sustentado; segurança; modernidade e bem-estar; menos Estado e melhor Estado; qualidade em tudo, para tudo e para todos.
A este mundo prometido seguiu-se uma caminhada que parece infindável e atingiu-se a cruel e penosa realidade em que hoje vivemos.
O desemprego aumenta insustentavelmente, as empresas definham e desaparecem, a agricultura afunda-se, as pescas submergem a custo. Os primeiros e mais afectados têm sido os mais desprotegidos: os jovens enfrentam a insegurança e a falta de confiança no futuro; aumentou a discriminação das mulheres; os idosos defrontam a marginalização e o isolamento; do abandono a que foi votado o Alentejo emergem a emigração e as situações de fome, ao mesmo tempo que permanecem e alastram as manchas de pobreza junto dos grandes centros urbanos. Não é possível continuar a esconder o fenómeno da «pobreza envergonhada».
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Não podemos, nesta avaliação do estado da Nação, deixar de salientar como grande preocupação o sucesso crescente das importações e o consequente agravamento da balança de pagamentos. No último ano, o agravamento do défice comercial com a União Europeia aumentou 17,5 % e o défice comercial global aumentou 6,2 %.
É também neste quadro que avaliamos os reflexos do sucesso das auto-estradas e das acessibilidades que rasgaram o País de lés a lés, destruindo património natural e construído, de importância incalculável e que, feitas as contas, serviram para transformar os vizinhos espanhóis nos nossos principais fornecedores. Assim, as vias rápidas ferreiristas servem mais para trazer mercadorias e exportar mão-de-obra do que para acrescentar valor aos nossos recursos endógenos (potencial humano e riquezas naturais) cada vez mais desprezados.
É cada vez mais frequente ver os consumidores portugueses interrogarem-se sobre o valor das maçãs do Chile, do melão espanhol ou das bananas colombianas, por contraponto aos produtos nacionais.
Com esta política, estamos cada vez mais na era das aparências. O que conta são as ilusões, não interessa se a fruta produzida em Portugal é mais agradável ao paladar e menos perniciosa à saúde, o que importa é que a maçã espanhola ou chilena é maior, mais brilhante, mais colorida, pese embora seja mais sensaborona, tal e qual como a política do Governo cavaquista: não importa salvar algumas pérolas do património construído em Portugal, ameaçadas de serem vendidas não se sabe bem para quê nem a quem, importa mais deixar as obras de regime como o Centro Cultural de Belém; não importa requalificar os centros urbanos promovendo a melhoria do ambiente urbano, importa mais edificar a majestosa EXPO 98; não importa a agonia das pequenas e médias empresas, importa, sim, apoiar - e de que maneira - a emblemática Ford/VW.
O grande falhanço do Governo Cavaco Silva foi não querer, em tempo, transformar a «democracia de sucesso» no sucesso do Portugal democrático. Já não pode ser mais desmentido o agravamento em Portugal das emissões de CO2. Entre 1990 e 1993, cresceram mais de 11 %, um sinal evidente do esquecimento dos compromissos da ECO 92 e que resulta, designadamente, da falta de modernização do tecido industrial e do parque automóvel.

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A verdade é que, em Portugal, o combate à poluição tem resultado mais do sacrifício da economia real, através do encerramento de empresas e da consequente diminuição da produção, do que de qualquer política governamental.
No plano autárquico, mantêm-se os mesmos atropelos à lei vigente. As competências mantêm-se, as responsabilidades são ilimitadas e as transferências e contrapartidas financeiras diminuem na razão inversa.
Quanto à regionalização, a atitude do Grupo Parlamentar do PSD é esclarecedora da vontade política em criar as regiões administrativas, garantida no Programa do Governo. Para manter as aparências, foi criada uma comissão para o reordenamento administrativo do País, tendo a maioria laranja, logo na primeira reunião, proposto a contratação de um especialista para justificar a opção política de não proceder ao cumprimento dos preceitos constitucionais.
É, sem dúvida, uma nova modalidade de cumprir promessas a juntar a uma outra invenção do cavaquismo: à escassez de meios financeiros devido, em grande parte, a erros concludentes na previsão das tendências da economia, à fuga ao fisco, ao escândalo das facturas falsas e ao crescimento da economia paralela, o PSD e o seu Governo, para acalentar esperanças em reconquistar maiorias absolutas, encetam a fuga para a frente, decidindo ir directo aos bolsos dos portugueses. Aplicam taxas nas portagens, que, afinal, são verdadeiros impostos, para poderem subsidiar a construção de obras públicas cuja localização é decidida ao arrepio de qualquer plano ou projecto de ordenamento do território e que irão ser exploradas por consórcios que até parecem estar feridos de ilegalidade.
É tudo a bem da Nação, dizem, incluindo as bastonadas sobre quem protesta pelo abuso de poder num Estado de direito.
Se no plano económico e social são estes alguns dos traços que consideramos mais importantes, no âmbito da educação o clima de instabilidade é uma constante. A anunciada prioridade das prioridades deste Governo contínua em coma profundo. A contestação está generalizada a todos os agentes que intervêm no processo educativo e por isso surgem dúvidas de quem queira ser o próximo ministro.
Uma outra imagem do estado da Nação é-nos dada pela actividade do SIS e pela repressão policial de manifestações estudantis e de utentes de vias públicas, pela vigilância movida aos estudantes, sindicalistas e magistrados, pelo uso de câmaras indiscretas, escutas telefónicas e microfones dissimulados.
Afinal, esta juventude não é «rasca», o Governo e o PSD é que estão «à rasca»!
De tanto teorizarem sobre as forças do bloqueio, este acabou por aparecer, não sob a forma de fantasma, mas bem real e pesado. Agora estão verdadeiramente assustados, pois já vêem nos cidadãos anónimos perigosos conspiradores.
Com este estado de coisas, generaliza-se de forma preocupante um clima de suspeição na sociedade portuguesa.
Mas o Governo está ainda «à rasca» com o estado da Nação no que se refere ao ambiente, comprovável nas grandes questões que animaram e continuam a animar o debate político. Exemplos disso foram os protocolos de última hora, assinados diariamente durante a Presidência Aberta sobre Ambiente. É o caso da decisão sobre a localização do novo atravessamento do Tejo, que obrigou a enterrar o Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa depois de concluído; é o problema do Plano Hidrológico Nacional de Espanha, relativamente ao qual, depois de negar o inegável, o Governo veio confessar-se preocupado, faltando-lhe ainda assumir a responsabilidade do que tem de irresponsável o facto de, nos últimos anos, os três principais rios internacionais terem registado, à entrada da fronteira portuguesa, uma redução do volume de caudal em cerca de 30 %, o que é inexplicável!.
Quanto aos resíduos tóxico-perigosos, parece que, finalmente, iremos ter a funcionar o já tristemente célebre e eufemístico Sistema Nacional de Tratamento de Resíduos Industriais, prometido vai para 7 anos. Mas, mais uma vez, o Governo mantém-se amarrado às condições que previamente contratou com o consórcio de empresas que irá explorar o sistema. Sendo evidente que o lucro será o maior interesse do consórcio, a nossa primeira e grande interrogação é a de saber se para a exploração do sistema dar lucro não será necessário importar resíduos tóxico-perigosos para serem tratados em Portugal.
E por estas e por outras que os sinais de inquietação voltam a surgir nas populações, a ponto de terem boicotado o recente acto eleitoral.
Mas durante a presente sessão legislativa assistimos, também, à crescente contestação das populações às áreas protegidas, facto profundamente lamentável e demonstrativo da total inépcia deste Governo em dialogar com as populações locais e entender os seus anseios e aspirações.
O total estado de abandono a que as áreas protegidas têm sido votadas, a ausência de investimentos e a ausência de uma política correcta e integrada de conservação da natureza têm sido factores fortemente predominantes nos vários exemplos de insatisfação perante as áreas protegidas. São vários os exemplos: Sintra-Cascais, Sudoeste Alentejano e, mais recentemente, o ainda embrionário projecto do Tejo Internacional.
É este o retrato-robot que é possível fazer nestes escassos minutos, mas é o suficiente para perceber que muita coisa vai mal nesta democracia de sucesso que não consegue transformar-se no sucesso de Portugal.
Muito recentemente, a ONU divulgou o seu relatório sobre o desenvolvimento humano e não poupou Portugal, que surge em 42.º lugar, o último dos países comunitários.
Sr. Presidente, Srs, Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Aproximam-se as férias e estamos em crer que será muito o trabalho que os Srs. Deputados e governantes do PSD levarão para casa. Não será já só, certamente, o de identificar os agitadores e contestatários profissionais nem os agentes de bloqueio, mas, sobretudo, o de descobrir novas promessas e novos oásis para convencer os portugueses, porque o próximo ano é de eleições legislativas.
Aproveitamos, assim, para desejar boas férias a todos, com a certeza de que não haverá promessas de «oásis» e «democracia de sucesso» que valham ao PSD e à política que tem sido seguida pelo seu Governo.
Sabemos que a alternativa política é possível, é desejável e necessária para um Portugal melhor.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições para o debate, pelo que vamos passar à fase de encerramento, em que usará da palavra o Sr. Primeiro-Ministro, que, de momento, não se encontra na Sala, pelo que vamos aguardar um pouco.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

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O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, gostaria apenas que a Mesa certificasse se o horário do desenrolar dos trabalhos não tem a ver com o horário do funcionamento do canal público de televisão.

Aplausos do PS. Protestos do PSD.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é chegado o momento de entrarmos na fase de encerramento deste debate.
Assim, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a chegar ao fim deste debate. Debate decorrente de uma imposição regimental, mas sobretudo ditado pela necessidade política e pelo imperativo ético de prestar contas aos portugueses acerca da situação do País e do desempenho da actividade governativa. Debate que assumimos em obediência a uma obrigação democrática, mas sobretudo pela consciência de que ele é útil ao País, importante para as instituições e desejável para o salutar confronto de opiniões, ideias e projectos.
Um debate sobre o estado da Nação deve ser um momento alto de qualquer democracia representativa. É, seguramente, um acto dos mais nobres que pode caber a qualquer Parlamento. Como Primeiro-Ministro, é com esse espírito que me encontro aqui. Por isso não posso deixar de lamentar o tom, o estilo e algumas atitudes a que todos assistimos.

Aplausos do PSD.

Com efeito, como se prestigia a Assembleia e os Deputados se um entre eles com mais responsabilidades políticas, no fundo, insinua que este debate não serve para coisa nenhuma e o trocava de barato por uma mão cheia de minutos televisivos?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Que concepção de democracia é esta em que as opiniões das diferentes forças e sensibilidades políticas não contam, em que as intervenções dos partidos com menor representatividade são reduzidas a nada?
Aonde chega o desrespeito pela vontade do povo e dos portugueses? Qualquer adversário do regime democrático não faria melhor.
Mas o pior de tudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que, na ânsia do aplauso fácil e da demagogia mais primária, o responsável do principal partido da oposição, de uma penada, tenha maldosamente deitado para o caixote do lixo um princípio que não é apenas património da democracia mas da própria civilização a que todos pertencemos. É o princípio de que todo o homem tem direito ao bom nome e, sobretudo, que todo o homem é inocente até que se prove a sua culpa.

Aplausos do PSD.

Nós, ao contrário, temos uma postura diferente, por isso nos empenhámos nesta discussão e creio ter ficado claro, no que ao Governo diz respeito, três aspectos essenciais.
O primeiro é que estamos a cumprir o nosso programa, o programa aprovado pelos portugueses, o contrato político e o compromisso de legislatura que firmámos com o eleitorado. E importante que assim seja, pois já lá vão os tempos em que os programas do governo eram meros pretextos e simples instrumentos de retórica: aprovavam-se mas não se cumpriam, apresentavam-se mas não tinham concretização prática.
Eram os tempos dos alibis permanentes, das desculpas para tudo e para nada, das expectativas não satisfeitas, dos compromissos não cumpridos; eram os tempos em que a primazia estava em acentuar o fosso entre o que se dizia e o que se fazia, entre o que se prometia e o que se realizava, entre as promessas políticas e a acção concretizada.
Cumprir o Programa do Governo é, para nós, uma exigência política e um imperativo ético. Só assim o julgamento dos portugueses pode ser feito com justiça e clareza, só assim a vida política ganha responsabilidade e responsabilização, e só assim estaremos a dar real valor ao desiderato da estabilidade e da governabilidade.
É que, para nós, a estabilidade política e governativa, mais do que uma prerrogativa ou uma benesse dos políticos, é sobretudo um direito dos cidadãos e uma exigência dos eleitores. Importa cumprir esse direito e satisfazer tal exigência.
O segundo aspecto a reter é que estamos a governar Portugal com uma ideia e uma visão de futuro, mas sem descurar ou menosprezar os problemas e as dificuldades do presente.
Portugal tem de ter um projecto de futuro; Portugal não pode ser governado ao sabor das circunstâncias, das modas, das conjunturas, das pressões do momento e das tentações de ocasião; Portugal não pode ser gerido apenas com uma lógica de curto prazo, com uma simples visão mediatistas, com uma mera preocupação do que é pontual, casuístico ou conjuntural, por mais importantes e legítimas que sejam as questões pontuais, casuísticas e conjunturais.
Temos de ter uma ideia e um projecto de futuro, sobretudo nos dias de hoje, sobretudo nos tempos que correm, sobretudo em tempos dê incerteza, de dificuldade e de forte competição internacional.
Mas pensar o futuro não significa descurar o presente; gerir estruturalmente o País não significa esquecer as questões conjunturais, os problemas de momento, as dificuldades do presente. Somos, por isso, sensíveis aos problemas das pessoas, às dificuldades de muitos portugueses, às angústias de muitos cidadãos nossos, às suas incertezas e preocupações.
Alguns, na ânsia do poder e da crítica fácil, quase pretendem tentar convencer de que não temos sentimentos, que somos insensíveis aos problemas, que não conhecemos a realidade e que olhamos de soslaio para os legítimos dramas ou angústias de alguns portugueses.
Nada de mais demagógico, nada de mais falso e inverdadeiro.
Estou à vontade para o dizer porque herdei a governação do País, no final de 1985, quando não havia confiança e esperança, quando o desemprego, a inflação, a perda do poder de compra dos salários e das pensões eram realidades aflitivas que pareciam inultrapassáveis e sem solução. E não havia então, como hoje, a crise económica internacional mais grave dos últimos 50 anos.
Falo, pois, à vontade, com sinceridade e com alguma autoridade moral, ética e política.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que não quero, o que não aceito para o meu País é a ideia de comprometer hoje os objectivos do futuro e os legítimos direitos das novas gerações; o que não quero, o que não aceito para o meu País, o que rejeito para Portugal é a ideia da facilidade no presente, do ganho de popularidade fácil hoje, comprometendo e hipotecando os dias de amanhã e a sobrevivência futura de Portugal.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Porque Portugal não é propriedade de ninguém, é, sim, património colectivo de todos, porque Portugal não é exclusivo de ninguém, é, sim, responsabilidade partilhada por todos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para mim, a vida política deve ter princípios e deve ser assumida com um mínimo de coerência, de ética, de regras e de exigências.

Aplausos do PSD.

O terceiro aspecto a considerar é que não andamos a lutar pela estabilidade política governativa para, a seguir, uma vez no poder, desperdiçar a oportunidade, fugir às responsabilidades e adiar os desafios ou a resolução dos problemas.
Governar em tempos de euforia e de crescimento é mais fácil. Governar em tempos de crise internacional grave é mais difícil, muito mais difícil! Mas é em períodos como este que compreendemos melhor o valor da estabilidade política e governabilidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo isto, alguns partidos da oposição têm dificuldade em compreender e em reconhecer, como, uma vez mais, foi patente neste debate.
Já nada nos admira, já nada nos surpreende!
Se não foram capazes de enaltecer nada de positivo quando o País tinha um ritmo acelerado de desenvolvimento, como é que seriam capazes de o reconhecer agora, quando atravessamos dificuldades e problemas que, apesar de tudo, estamos a vencer e vamos vencer?
Sabemos bem que a obsessão e a ânsia do poder têm, para alguns, uma indisfarçável dimensão; sabemos bem que o seu desespero começa a ser incontornável: há anos afastados do poder e incapazes de satisfazerem as expectativas que alimentaram junto das suas clientelas, começam, agora, com os sinais da retoma e da recuperação económica, a entrar em maior desespero e em mais acentuada perturbação. Aliás, há pouco, quando reconheceram que a recuperação económica vinha aí, só faltou acrescentarem no fim: «Mas que infelicidade!»

Risos do PSD.

Como sabemos bem que outros tentam sempre obter, por formas ínvias ou paralelas, nem que seja pela campanha orquestrada ou pela instabilidade fomentada, o que nas umas não lograram alcançar, como sabemos bem que há ainda os que, de quando em vez, não escondem a sua intenção de criar entraves artificiais à execução do mandato popular que recebemos em 1991 e que vamos cumprir! Sabemos bem tudo isso. Fazemos política com seriedade mas não com ingenuidade...
Mas, pela nossa parte, sabemos bem, e aqui o queremos reafirmar, que não trocaremos nunca os critérios nacionais de gestão da coisa pública e o sentido de responsabilidade na governação por meros critérios de oportunidade, de conveniência, de lógica pessoal, partidária, de grupo ou de facção.

Aplausos do PSD.

Estamos sempre abertos ao diálogo e à discussão, somos sensíveis aos problemas do Pais e às dificuldades das pessoas, como disse, mas nunca desistimos de ter na seriedade e na responsabilidade política o critério maior e mais exigente de conduzir a nossa acção.
Os portugueses conhecem-me e sabem que assim farei, hoje como ontem, no presente como no futuro.
Sr. Presidente Srs. Deputados: O período mais difícil que atravessámos está a terminar. A retoma é possível, a recuperação económica começa a surgir, os novos tempos de maior crescimento económico e de mais justiça social estão ao nosso alcance. O que fizemos dá-nos a garantia de podermos vencer. Temos preocupações, mas temos desejo, vontade, ambição e condições para as vencer e saber ultrapassar.
Estamos preocupados com o desemprego. O desemprego para nós, antes de um referencial estatístico, é um drama pessoal e social, como disse na minha intervenção.
Mas sabemos bem que sem crescimento económico não há mais empregos, sem desenvolvimento sustentado não há mais postos de trabalho duradouros, sem confiança no País não se gera o investimento que permite aumentar a oferta de emprego e sem diálogo e concertação social, combater o desemprego torna-se muito, muito mais difícil.
Estamos preocupados com a necessidade da melhoria do poder de compra dos trabalhadores por conta de outrém porque é uma ambição justa e legítima, porque é possível alcançar esse objectivo, como já demonstrámos no passado recente. Mas sabemos bem que tal não se consegue sem o País a crescer, sem empresários a investir, sem a produtividade a aumentar, sem uma economia competitiva, sem empresas sólidas e bem preparadas. Por isso, estamos a trabalhar nesse sentido, por actos mais do que por palavras ou tiradas discursivas.
Estamos preocupados e queremos continuar a aumentar o poder de compra dos reformados e pensionistas, como sempre o temos feito e como outros, no passado, nunca o fizeram. E fazemo-lo porque temos da justiça e da solidariedade social a noção de que, antes de ser uma bandeira política, é, sobretudo e acima de tudo, um imperativo ético e uma exigência de cidadania.
Tudo isto, em minha opinião, vai ser possível. Estou confiante no futuro. Para mim governar é servir e é com espírito de serviço que continuo a entregar-me devotadamente às tarefas da governação.
Estou convicto que as soluções que defendo são as que melhor servem os interesse de Portugal. Faço-o com total dedicação e entrega absoluta, faço-o de corpo inteiro e a todo o tempo. Os portugueses, e só eles, saberão julgar o meu trabalho e os resultados da nossa política.
Ninguém mais do que eu deseja que esses resultados aproveitem a Portugal. Estou certo que é isso que vai suceder, para bem de todos, para bem dos portugueses.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 10 horas, e terá como ordem do dia o debate das propostas de resolução n.ºs 67 e

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68/VI e da proposta de lei n.º 104/VI. No período da tarde, com início às 15 horas, terá lugar a apreciação das petições n.ºs 196/VI (2.ª), 238/VI (3.ª), 241/VI (3.ª), 218/VI (2.ª) e 255/VI (3.ª), da propostas de lei n.º 105/VI e dos projectos de lei n.ºs 336, 402 e 429/VI. Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José António Peixoto Lima.
José Manuel Nunes Liberato.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Manuel Santos de Magalhães.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Rui Manuel Pereira Marques.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

artido Social-Democrata (PSD):

António Fernando Couto dos Santos.
António Maria Pereira.
Arlindo Marques da Cunha.
Cecília Pita Catarino.
Fernando Santos Pereira.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Guilherme Reis Leite.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Carlos Alvarez Carp.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Carlos Ribeiro Campos.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

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