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2924 I SÉRIE-NÚMERO 88

rã que, em virtude de não haver tempo para nos ocuparmos do terceiro ponto da ordem do dia desta manhã, há consenso das várias bancadas no sentido de ser transferido para a da parte da tarde.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Pensamos que, bem à socapa, com muito sigilo e discrição, o Governo aprovou há pouco tempo a subversão completa do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e pretende que o mesmo passe - ao que parece, agora, com algumas alterações que desconhecemos quais são -, com a discrição possível, num dos numerosos debates em finais de legislatura, quando as atenções já se concentram no próximo acto eleitoral com, aliás, incontido entusiasmo, pela morte anunciada do Governo.
Mas é justo realçar a afronta que esta autorização legislativa representa para os administrados, para os cidadãos que procuram justiça na jurisdição administrativa e fiscal, e esta afronta é de tal ordem que o Ministério da Justiça não conseguiu garantir a discrição e o sigilo pretendidos.
Esta proposta de lei, em meu entender, é clara e gritantemente inconstitucional em vários dos seus pontos: em primeiro lugar, porque, através de uma autorização legislativa, o Governo pretende legislar sobre o estatuto dos juizes titulares de órgãos de soberania. Ora, nos termos do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa, é a Assembleia da República que tem a competência exclusiva para legislar sobre o estatuto dos titulares dos órgãos de soberania.
Em segundo lugar, a proposta é inconstitucional porque, em meu entender também, fere gravemente o princípio da independência dos tribunais consagrado na Constituição. Este princípio, que é garantido pela independência dos juizes, exige, para além da inamovibilidade e responsabilidade destes e da sua liberdade perante quaisquer ordens ou instruções, também um sistema de designação que não se compadece com o preenchimento dos quadros de juizes de acordo com os interesses do Governo e da Administração.
Em terceiro lugar, a proposta de lei é inconstitucional porque viola - e parece-me que viola flagrantemente - o princípio constitucional entre a magistratura judicial e a do Ministério Público.
Por último, a proposta de lei apresenta-se também como inconstitucional quando priva os cidadãos do segundo grau de jurisdição, por exemplo nos procedimentos cautelares e também noutras matérias importantes.
Para além destas inconstitucionalidades, a que voltaremos, algumas das soluções deixam as mais justificadas inquietações. E o que vou dizer não poderá ser interpretado de forma a que nós estamos contra a criação de um tribunal central administrativo, parece é que, da forma como vem gizado, deixa muitas interrogações em relação às competências e à maneira como, depois, os tribunais se engrenam uns nos outros.
Não há dúvida nenhuma de que a criação de um tribunal administrativo central, justificada pela necessidade de descongestionar os tribunais administrativos de círculo e o Supremo Tribunal Administrativo - e esta é uma objecção que já foi colocada -, afasta geograficamente dos cidadãos alguma justiça que está nos tribunais administrativos de círculo.
Será também lícito colocar aqui outras dúvidas e interrogações: o tribunal central não será estrangulado à nascença pelo volume processual que o espera?
Constata-se em seguida que todas as questões julgadas nos tribunais administrativos de círculo não poderão ser apreciadas no Supremo Tribunal Administrativo, ainda que algumas possam ser relevantes ou tenham valor económico significativo.
A ordem hierárquica dos tribunais administrativos que pretende criar-se - penso que esta é uma objecção a sopesar também - não contribui para uma desejável uniformidade jurisprudencial, gerando uma maior incerteza entre os administrados. Assim, a solução gizada na proposta de lei quanto à nova organização dos tribunais administrativos e fiscais, mesmo que não se cuide da sua inconstitucionalidade, deixa as mais sérias dúvidas e preocupações.
Já em relação a outras questões que se prendem todas com a alínea g) do artigo 2.º da proposta de autorização legislativa merecem, de facto, a nossa censura.
Só depois de recebido o projecto de diploma foi possível apreciar o sentido e a extensão do pedido de autorização legislativa e apreciar aquilo que, nalguns pontos, pode classificar-se de «enormidade»: o Governo, através do Ministério da Justiça, pretende preencher vagas dos tribunais administrativos e fiscais com licenciados em Direito, oriundos dos quadros do pessoal da Administração em comissão permanente de serviço. A vingar esta proposta, por exemplo, licenciados a exercerem funções na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos podem vir a ser juizes dos tribunais tributários e directores-gerais ou assessores dos ministérios podem vir a ser juizes dos tribunais administrativos de círculo, do tribunal central administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo.
Ora, independentemente da competência técnica destes quadros, a qual não está em causa, a verdade é que os mesmos têm uma prática funcional em defesa da Administração, em defesa dos autores de actos administrativos impugnados nos tribunais, representando o fisco ou a Administração. Esta prática funcional coloca-os, à partida, em situação de desfavor na função de julgar, função para a qual a Constituição exige a aprendizagem e a prática da independência. A solução é, quanto a nós, verdadeiramente inconstitucional, como atrás se disse, correndo-se o risco de se desacreditar perante os cidadãos a justiça administrativa .e fiscal que desta forma apareceria como funcionalizada através da designação de juizes, pelo menos na aparência, de acordo com as conveniências da Administração e do Governo.
Se este diploma vingasse, em nosso entender, o princípio da independência dos tribunais entraria em crise porque tal princípio assenta numa formação e numa prática de julgar que nada tem a ver, nem pode ter, com uma cultura de funcionalização e de obediência a hierarquias. Foi por isso mesmo que, após o 25 de Abril, os juizes dos quadros da justiça fiscal e da justiça de trabalho, integrados até àquela data nos Ministérios das Finanças e das Corporações, foram integrados como juizes de direito, deixando de estar ligados ao poder de direcção da Administração.
A solução agora proposta não pode, pois, deixar de ser considerada uma intromissão abusiva na justiça administrativa e fiscal, justiça que, por conflituar especialmente com o poder executivo, com a Administração, volta desta forma a sentir o peso da sua sombra tutelar de que os tribunais tributários e aduaneiros não conseguiram libertar-se totalmente. Na verdade, deve registar-se que estes continuam a dispor, nos seus órgãos auxiliares, de funcionári-

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