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Sexta-feira, 10 de Novembro de 1995     I Série - Número 4

DIÁRIO da assembleia da República

VII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE NOVEMBRO DE 1995

Presidente: Ex.mo. Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex.mos. Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz
Maria Luísa Lourenço Ferreira

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.

Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.os 14 a 17/VI.
Iniciou-se o debate do Programa do XIII Governo Constitucional, tendo usado da palavra, a diverso título, além dos Srs. Ministros da Presidência (António Vitorino), das Finanças (Sousa Franco), dos Negócios Estrangeiros (Jaime Cama), do Planeamento e da Administração do Território (João Cravinho), da Solidariedade e Segurança Social (Ferro Rodrigues), da Saúde (Maria de Belém Roseira) e da Educação (Marçal Grilo), os Srs. Deputados Fernando Nogueira (PSD), Jorge Loção (PS), Jorge Ferreira (CDS-PP), José Magalhães (PS), Manuel Monteiro (CDS-PP), Carlos Encarnação (PSD), Octávio Teixeira (PCP), Joel Hasse Ferreira (PS), Guilherme Silva (PSD), António Lobo Xavier (CDS-PP), Rui Rio, Francisco Torres e Mira Amaral (PSD), Leonor Continha (PS), Galvão Lucas (CDS-PP), Crisóstomo Teixeira (PS), Lino de Carvalho (PCP), Sérgio Ávila (PS), Carlos Encarnação (PSD), Medeiros Ferreira (PS), Paulo Portas (CDS-PP), Luís Sá (PCP), Paulo Pereira Coelho (PSD), Nuno Abecasis (CDS-PP), Francisco Assis (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Ferreira do Amaral (PSD), Helena Roseta (PS), José Calçada (PCP), Luís Filipe Menezes, Teresa Patrício Gouveia e Rolando Gonçalves (PSD), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), António Filipe (PCP), José Niza e Sérgio Sousa Pinto (PS), Carlos Coelho (PSD), Fernando de Sousa (PS), Luísa Mesquita (PCP), Nuno Correia da Silva (CDS-PP), Fernando Pereira Marques (RS), Bernardino Soares (PCP) e Calvão da Silva (PSD).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Antero Gaspar de Paiva Vieira.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Mammerickx da Trindade.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António José Guimarães Fernandes Dias.
António Manuel Carmo Saleiro.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Domingos de Ascensão Cabeças.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Oliveira de Sousa Peixoto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão.
José Pinto Simões.
José Sampaio Lopes.
José Tomas Vasques.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Beja Ferreira Rosinha.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Martim Afonso Pacheco Gradas.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raimundo Pedro Narciso.
Raul d' Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Victor Brito de Moura.

Partido Social - Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António dos Santos Pires Afonso.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugênio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João do Lago de Vasconcelos Mota.

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João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Maria Lopes Silvano.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Pulido Valente.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Alda Maria Antunes Vieira.
António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queira
Luís José de Mello e Castro Guedes.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Kruz Abecasis.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calcada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projectos de lei n.os 14/VII - Revoga a Lei n.º 15/95, de 25 de Maio, eliminando limitações à liberdade de imprensa; 15/VII - Revoga e substitui o Estatuto do Direito de Oposição; 16/VII - Regime jurídico das comissões eventuais de inquérito; e 17/VII - Reforça as competências do Conselho de Fiscalização do Serviço de Informações, todos da iniciativa do PS, baixando às respectivas comissões que vierem a ser constituídas em razão da matéria.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, ontem, a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, com a preocupação de racionalizar a ordem das intervenções e para evitar a «corrida» às mesmas, definiu a seguinte grelha de prioridades: primeiro, intervirá o maior partido da oposição, por conseguinte o PSD; segundo, o Governo; terceiro, o CDS-PP; quarto, o PCP; quinto, o PS; de seguida, intervirá, novamente, o Governo e, por último, Os Verdes. Quando esta grelha terminar, renovar-se-á a ordem definida.
Ficou também estabelecido que hoje os partidos podem gastar tempos da sessão de amanhã, dentro dos limites que a Mesa controlará.
Houve também consenso no sentido de que a sessão de hoje se prolongue até hora avançada, sem interrupção para jantar, para que amanhã se possa fazer uma tentativa séria de os trabalhos acabarem no final da manhã, ainda que tenhamos de almoçar um pouco mais tarde. Se tal não for possível, a sessão prolongar-se-á da parte da tarde.
Volto a pedir aos Srs. Deputados para fazerem um esforço de pontualidade. 10 horas são 10 horas! 10 horas e 20 minutos já é algo de diferente, pelo que hoje já perdemos 20 minutos. Não desisto de vos pedir que cumpramos os horários estabelecidos.
Dentro da grelha definida, vou dar a palavra, para uma intervenção, ao maior partido da oposição, mais concretamente ao Sr. Deputado Fernando Nogueira.

O Sr. Fernando Nogueira (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Devo começar esta minha intervenção sobre o Programa do Governo, Sr. Primeiro-Ministro, com uma saudação pela vitória eleitoral de V. Ex.ª e do seu partido nas eleições legislativas de Outubro.
Os resultados obtidos nessas eleições confirmam que o eleitorado português acreditou que o Partido Socialista podia trazer factores de mudança nas linhas políticas e nas orientações estratégicas em Portugal.
Essa é a leitura principal a fazer dos resultados destas eleições e dela terei de partir para apreciar o Programa agora apresentado, que haveria de ser, para corresponder às esperanças criadas, um programa de verdadeira mudan-

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ça nas linhas políticas e nas orientações estratégicas em Portugal.
É meu dever saudar também o eleitorado português que, uma vez mais, confirmou a sua capacidade para formar uma vontade democrática clara, mostrando que continua a ser o decisor supremo do seu próprio destino político. E confirmou ainda, para quem tivesse alimentado dúvidas, legítimas ou artificiais, que não houve em Portugal nenhuma ameaça de uma «ditadura da maioria», conceito perverso em democracia e que contém, em si mesmo, a ideia de uma menoridade do eleitorado que a história política portuguesa não autoriza, antes desmente com toda a evidência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, o seu partido ganhou as eleições. Funcionou a alternância democrática, nada de mais normal em democracia.
Em qualquer caso ninguém estranhará que reafirme que o PSD tem justificado orgulho pelo que fez por Portugal durante a década em que conduziu os assuntos políticos do País.

Aplausos do PSD.

Foi uma década de progresso, de mudança, de modernização.
E deverá recordar-se que o que se conseguiu nesta década foi antecedido por uma outra década, entre 1975 e 1985, de instabilidade política, de destruição de oportunidades económicas e estratégicas, de ilusões ideológicas.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: É minha leitura que para ganhar as eleições o Partido Socialista conseguiu ocultar ou disfarçar alicerces essenciais das suas posições ideológicas, políticas e programáticas passadas, para aparecer, perante a opinião pública e o eleitorado, a defender aquelas que antes, quando apresentadas e defendidas pelo PSD, recusava e rejeitava - tantas vezes com ruidosas e histriónicas manifestações nesta mesma Sala.

Aplausos do PSD.

Para ganhar as eleições, o Partido Socialista esqueceu a responsabilidade que um partido candidato ao poder tem de ter em termos de rigor na análise das condições objectivas, concretas em que se vai colocar o exercício da governação; para ganhar as eleições, o Partido Socialista aceitou, a meu ver, violar a regra básica em que se baseia a confiança dos eleitores: a regra que proíbe a um responsável político prometer ao eleitorado mais do que aquilo que, com a informação que tem ao seu alcance, sabe que pode oferecer ou concretizar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Dirão alguns que esta minha convicção não tem razão de ser, porque as disputas eleitorais são assim mesmo, uma competição de promessas a que não é preciso associar as condições de realização. Para mim isso não é verdade, não é princípio que esteja disposto a aceitar! Não é verdade que em política tudo seja permitido.

Aplausos do PSD.

Pelo contrário, é verdade que em democracia há modos de obter uma vitória eleitoral que anunciam grandes derrotas futuras. Antecipo que seja esse o caso presente!
O primeiro resultado está à vista neste Programa do Governo: do que se espera da alternância em democracia, pouco mais fica do que a troca de pessoas, a mistificação pretensamente hábil das promessas eleitorais mais irrealistas e a persistência obsessiva da alegada mudança de atitudes e daquilo a que o Primeiro-Ministro chama a «dessacralização do poder».
Entendamo-nos, Sr. Primeiro-Ministro, para que nesta Sala não persistam equívocos inúteis.
Há muitos pontos do seu Programa do Governo que eu e o PSD nunca subscreveríamos por incumpríveis ou por deles discordarmos. Mas há muitos outros que mais não são do que meras variantes das propostas do PSD, das ideias do PSD, das opções de sempre do PSD, e que o seu partido durante longos anos recusou e criticou.

Aplausos do PSD.

A minha incomodidade e a minha preocupação resumem-se, em relação a estes últimos pontos, a esta questão elementar: valorizou o eleitorado a imitação em detrimento do original? Não creio que assim seja. O eleitorado acreditou, sobretudo, nas propostas novas, nas promessas que foram feitas durante todo o período da pré-campanha e campanha eleitoral pelo Partido Socialista. E, quanto a essas, V. Ex.ª já confessou que não podem ser concretizadas, ao menos no prazo de uma legislatura. E ao seguir por este caminho, começou V. Ex.ª já a afastar-se do compromisso que firmou com o eleitorado.
Compreendo que muitos gostassem de viver noutro país, com outros meios, com outras atitudes, com outros traços de cultura política, com outro passado até. Mas é Portugal que temos de fazer progredir, que temos de mudar, que temos de modernizar, com as condições que existem, com os recursos que somos capazes de produzir e de organizar.
O Programa do Governo representa a aterragem do PS, passados os tempos da utopia e da ilusão. V. Ex.ª viu-se obrigado a «despir as asas da fantasia e a pousar os pés na terra». Isso é um bem em si mesmo, mas fica-nos a dúvida sobre a possibilidade de estabelecer, sobre problemas fundamentais para o País, compromissos positivos, sólidos e duradouros com base em alicerces tão frágeis.
Sr. Primeiro-Ministro, é esta a dura realidade. Por via de regra, o que é novo no seu Programa V. Ex.ª assume que não é concretizável no prazo do seu mandato, umas vezes porque a herança é alegadamente má, outras porque 1996 e 1997 são anos de rigor, outras, finalmente, porque se trata de «desafios de geração».
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A todos é fácil imaginar outras realidades. Difícil é trabalhar com o que temos, no tempo que dispomos. Conseguir crescer, mudar, modernizar, cumprir o que prometeu, nos quatro anos que dispõe e com as limitações existentes, essa é a exigência que lhe está colocada pelos portugueses, Sr. Primeiro-Ministro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E essa é também a exigência que o PSD, com firmeza e clareza, lhe coloca de hoje em diante neste Parlamento.

Aplausos do PSD.

Fá-lo-emos por respeito pelas nossas convicções e pela vontade soberana dos portugueses. Os eleitores votaram confiando que iriam viver uma mudança política, que seria

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também uma mudança de políticas; os eleitores votaram para uma legislatura, não votaram para uma geração, Sr. Primeiro-Ministro!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Programa do Governo agora em discussão representa o mais acabado exemplo da política do «sim, mas» em que sempre se afundaram os governos sem uma linha estratégica coerente.
É esta a leitura que o PSD faz do Programa do Governo. Não o inviabilizará, porque respeita a vontade popular e mantém-se fiel ao valor da estabilidade. Considera que o seu julgamento definitivo cabe aos portugueses, cujo juízo só pode ser feito pelas políticas concretas que o Governo conseguir empreender durante o exercício do seu mandato. Receamos que a desilusão dos portugueses surja rapidamente. Entendemos, contudo, que é preciso dar tempo ao tempo e não seremos nós a encurtar o tempo de graça a que todo o governo legítimo tem direito, mas não abdicaremos de dizer, sem subterfúgios, o que pensamos. É isso que farei hoje e sempre!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, no seu Programa não há uma linha sobre a realização de concursos para dirigentes da função pública, sobre a abolição de portagens, sobre a redução de publicidade na televisão pública, sobre os 5000 polícias a acrescentar aos efectivos existentes, sobre a duplicação do FEF para as autarquias. No seu Programa esclarece-se mesmo que durante a Legislatura só pode haver crescimento da despesa pública superior ao crescimento real do PIB nas áreas sociais. Esta afirmação é um mau prenúncio para todas as promessas que recaiam fora desse âmbito estrito.
E V.Ex.ª está plenamente consciente dessa realidade, por isso começou já a antecipar argumentos desculpabilizadores.
Primeiro anuncia que 1996 e 1997 são anos de rigor, retardando, assim, as expectativas que criou junto do eleitorado, mas escondendo uma verdade evidente: a de que a contenção orçamental não termina em 1997, os anos de 1998 e 1999 não poderão ser anos de despesismo. É um objectivo estratégico fundamental que também nesses anos se prossiga a redução do défice.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Depois, o seu partido descobriu o «Ovo de Colombo» ao procurar, atabalhoadamente, vender à opinião pública a peregrina ideia de ter recebido uma pesada herança do governo anterior. Aqui o Partido Socialista está a ultrapassar os limites do aceitável e merece da minha bancada uma resposta firme.
Não, Sr. Primeiro-Ministro! A herança que este Governo recebeu é uma boa herança!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Eis os factos.
Primeira fatia da herança: crescimento económico. No último ciclo económico completo (1986/1994), o PIB, per capita (ajustado pelas paridades do poder de compra), aproximou-se 10 pontos percentuais da média comunitária, o que é considerado, a nível internacional, um bom ritmo de convergência real.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para 1996, tanto o FMI como a OCDE ou a União Europeia prevêem para a economia portuguesa uma taxa de crescimento acima dos 3% e acima da média comunitária. Tal só é possível graças à consistência das políticas económicas e estruturais em curso adoptadas pelos governos do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Segunda fatia da herança: taxa de inflação e taxa de desemprego. Passámos de uma taxa da ordem dos 20% em 1985 para 4% em 1995, estreitando o diferencial em relação à média comunitária (eram cerca de 14 pontos em 1985 e um ponto em 1995); a taxa de inflação está no valor mais baixo dos últimos 25 anos; o índice de desconforto social (taxa de inflação mais taxa de desemprego) é, no caso português e desde 1992, melhor do que a média comunitária em cerca de três pontos percentuais.
Terceira fatia da herança: salários e produtividade. Os salários reais aumentaram, entre 1985/1994, à média anual de 3%; as pensões sociais aumentaram, em termos reais, 5% ao ano; a produtividade global dos factores (trabalho mais capital), no período 1985/1994, aumentou na economia portuguesa ao ritmo médio anual de 3% contra 1,2 % na média da OCDE e na nossa vizinha Espanha.
Quarta fatia da herança: défice do sector público administrativo (SPA). O défice consolidado do SPA passou de valores superiores a 10% do PIB em 1985 para 5,8% em 1994 e 5,4% na estimativa para 1995. A este propósito, é meu dever alertar os portugueses para aquilo que é já um comportamento que alguns observadores antecipam como eventual por parte do Governo do PS, ou seja, a tentação de apresentar um orçamento rectificativo para empolar a despesa pública em 1995. A existir esta tentativa teria graves riscos para Portugal. Li num jornal de hoje que um membro do actual Governo afirmou que não seria assim. Espero para ver, mas cumprimentarei o Governo se assim for.
Quinta fatia da herança: dívida pública. O stock da dívida pública no PIB diminuiu, no período 1985 a 1995, cerca de 10 pontos percentuais e está próximo da média comunitária; a dívida externa portuguesa representa apenas cerca de 18% do total da dívida e 12% do PIB; Portugal é um dos poucos países do mundo que é credor externo líquido.
Sexta fatia da herança: estabilidade cambial. Desde 1987, o escudo tem evidenciado uma grande estabilidade, se compararmos a evolução da sua cotação face ao ECU ou face à média das divisas mais importantes no nosso comércio externo. Está hoje adquirido (mesmo pelo PS!) que a estabilidade cambial é um bem precioso para uma pequena economia aberta como a portuguesa.
Sétima fatia da herança: taxas de juro. Graças à estabilidade crescente do quadro macro-económico, aos progressos na taxa de inflação e à estabilidade cambial, tem-se vindo a estreitar o diferencial das taxas directoras do Banco de Portugal face à média comunitária. As margens de intermediação da banca caíram cerca de quatro pontos nos últimos três anos. De salientar, ainda, que as taxas no crédito à habitação são as mais baixas dos últimos 25 anos.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O PS, ao contrário do que tenta insinuar, «herda» o melhor quadro macro-económico dos últimos 25 anos.

Aplausos do PSD.

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É esta e não outra a herança que o novo Governo recebeu!
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Na mesma linha de desculpabilização e branqueamento das promessas e expectativas que sabe não poder cumprir, o PS, desde que ganhou as eleições, tem vindo a fazer referências sobre pretensos «buracos» nas contas públicas. Já foram referidas como situações dessa natureza a EXPO 98, as dívidas do Serviço Nacional de Saúde e as alegadas «surpresas» nas empresas públicas.
Em relação à EXPO 98, parece que já deixou cair a «insinuação» e tudo indica que não tardará a ser um acérrimo defensor do projecto.
Quanto às dívidas do Serviço Nacional de Saúde a fornecedores, o Primeiro-Ministro já apontou valores à volta dos 150 milhões de contos. Importa, a este respeito, referir o seguinte: o Serviço Nacional de Saúde compra, em média, a fornecedores de bens e serviços cerca de 30 a 40 milhões contos/mês. Logo, ainda que aquele número fosse exacto, um saldo de fornecedores da ordem de grandeza do apontado pelo Sr. Primeiro-Ministro representará três a quatro meses de fornecimentos, o que é prática corrente no giro e nas actividades comerciais. Um saldo dessa ordem de grandeza é bastante razoável, na medida em que se analisarmos o saldo histórico (sobretudo, nos tempos em que o PS esteve no Governo) verificamos que, em média, apresenta valores superiores a oito e mais meses de fornecimentos.

Aplausos do PSD.

Acresce que, num elevado número de países da União Europeia (Espanha, França, por exemplo), o prazo médio de pagamentos a fornecedores do Serviço Nacional de Saúde aponta para valores entre seis meses e um ano. Portanto, apontar-se os saldos de fornecedores do Serviço Nacional de Saúde em termos absolutos, sem a referência ao número de meses de fornecimentos ou ao saldo corrente, sem quaisquer comparações históricas ou com outros países, afigura-se constituir pura demagogia, que não constitui alibi nem desculpa para coisa nenhuma.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No que respeita ao sector empresarial do Estado, importa, antes de mais, recordar os factos seguintes: o sector empresarial do Estado poderia estar já com uma dimensão muito mais reduzida se o PS não tivesse inviabilizado a revisão constitucional de 1982.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Convém lembrar isto, hoje, aqui!

Aplausos do PSD.

Apesar de as reprivatizações só terem sido possíveis a partir da Lei n.º 11/90, de 5 de Abril, o peso do sector empresarial do Estado no PIB baixou de 20% para cerca de 9%, de então para cá.
Recordado isto anote-se, antes de mais, que as empresas públicas, nos termos da lei, publicam os seus relatórios e contas, sendo ainda objecto de análises e auditorias por parte de outras entidades, nomeadamente da Inspecção-Geral de Finanças e do Gabinete para Análise do Financiamento do Estado e das empresas públicas sobre as privatizações.
Os dados são públicos e qualquer político responsável tem obrigação de os conhecer. Segundo notícias vindas a lume, constata-se que no Governo há quem os conheça e quem os não conheça.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Lançando mão do relatório do Gabinete para Análise do Financiamento do Estado e das Empresas Públicas «Análise do Sector Público Administrativo e Empresarial em 1994» e do seu documento «Evolução da Situação Económica das Empresas Públicas Não Financeiras - 1.º semestre de 1995», é fácil a quem estiver de boa fé tirar as seguintes conclusões: em 1994, os resultados correntes do conjunto das empresas públicas não financeiras, pela primeira vez nos últimos 20 anos, apresentaram-se positivos, tendência esta que aparece reforçada no primeiro semestre de 1995.
Em termos globais, a estrutura financeira do grupo das empresas públicas não financeiras apresenta-se bastante equilibrada, isto sem prejuízo de existirem empresas onde, historicamente, se verifica uma insuficiência de capitais próprios, nomeadamente no sector dos transportes, como é conhecido e como acontece um pouco por toda a Europa.
Os dados publicados não permitem assim, de modo algum, a especulação feita por alguns membros do actual Governo. Não se pode falar em «surpresas», quando os «casos» são, desde sempre, conhecidos e, em qualquer situação, não têm a dimensão que agora lhes é capciosamente atribuída.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Eis, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não têm procedência nem as «surpresas» nem os alibis que desesperadamente o Governo ou os seus mandatários têm procurado inculcar junto da opinião pública, para justificação daquilo que não é justificável. Isto é, as promessas feitas na sua parte mais substantiva não podem nem vão ser cumpridas, não por quaisquer razões de última hora mas, antes, por à partida serem irrealistas e inconcretizáveis.

Aplausos do PSD.

O PSD não criará o mínimo obstáculo ao cumprimento do Programa do Governo, mas não consentirá, em circunstância alguma, servir de bode expiatório para os excessos de voluntarismo irrealista que, muito provavelmente, influenciaram decisivamente os resultados eleitorais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Uma eleição não é um ponto de chegada, é um ponto de partida. O PS ganhou, agora tem de demonstrar que mereceu ganhar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A nossa antevisão é que vai claudicar por ter prometido aquilo que se sabia não poder cumprir e que, por isso mesmo, em muitos casos, não foi prometido por nós próprios.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A forma como o Programa do Governo foi redigido permite detectar os estilos individuais dos seus diferentes co-autores. É o que se verá

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no futuro, à medida que se forem conhecendo as vicissitudes e as contingências do trabalho do Governo, sobretudo quando este congrega personalidades tão diferenciadas e de experiências políticas tão diversas, como acontece neste caso. Mas neste Parlamento há observadores experimentados de programas de governo e que sabem bem que as múltiplas medidas, dispersas ou avulsas, que os integram se organizam em torno de um núcleo essencial, de que realmente depende a coerência do conjunto. É esse núcleo que interessa apreciar neste debate. Poderei ser demasiado sintético e por isso injusto, mas V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, e os seus Ministros terão oportunidade de corrigir-me, se for esse o caso, na identificação do que constitui este núcleo.
Julgo, contudo, que poderei resumir a linha de orientação estratégica do Governo, considerando os seguintes pontos: a política económica, a educação, o sentido de diálogo e de participação, a solidariedade social, a modernização dos sectores económicos. Comecemos pelas grandes linhas de orientação da política económica.
O maior elogio que lhe posso fazer é dizer que se trata da continuidade, sem evolução. Isto é, nada de novo aparece, a menos que se queira considerar como nova a revelação de que é na política orçamental que se encontra a principal margem de manobra, mas, evidentemente, só no que se refere à reafectação das rubricas de despesa e ao aperfeiçoamento dos modos de colheita de receitas. Para ser a principal margem de manobra - terá de reconhecer-se que é pouco, sendo certo que a indicação suplementar é a de que se levará a cabo uma reforma fiscal, de contornos apenas esboçados - coloca dúvidas sérias à promessa solene de que não haverá aumento de impostos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não surpreende que os constrangimentos colocados à política económica tenham de ser reconhecidos pelo Governo. Pouco importa que seja uma aposta de convicção ou uma solução desprovida de alternativa. É um facto, é uma necessidade imposta pela evolução das sociedades e pela marcha da história. Portugal não pode pretender ficar afastado das tendências de modernização que interferem em todas as sociedades europeias, dentro de um processo de globalização das relações económicas que não permite isolamentos nem soluções originais.
O rigor na condução da política económica não pode assim ser posto em dúvida, porque, se for, o preço a pagar será agora muito mais elevado do que foi no passado, por termos mais a perder e a liberdade de circulação de capitais não deixar oportunidade de fuga para quem quiser ter a veleidade de se afastar das regras do rigor na condução da política económica.
Este é um ponto que para nós não está em debate.
O Governo reconhece-o no seu Programa, mas não extrai daí as necessárias consequências.
Para poder compatibilizar estes constrangimentos da política económica com as promessas feitas, no sentido da melhoria das condições sociais existentes, e com os aumentos de despesa pública associados às suas novas iniciativas em múltiplas áreas, o Programa do Governo tem de aceitar a imprudência do excesso de optimismo, do voluntarismo ilusório e da esperança desmedida na evolução favorável de todos os condicionalismos externos.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É aqui que começam os motivos de preocupação.
Compreendo que uma cultura de oposição contribua para que se oscile muito rapidamente do miserabilismo dos críticos para o excesso de confiança dos vencedores. A realidade política, infelizmente, obedece a leis mais fortes do que a vontade dos dirigentes e do que a volubilidade dos opositores que se tornam poder.
Na oposição, o Partido Socialista fomentou a conflitualidade e a desconfiança entre os diversos agentes económicos, estimulando uma cultura de lula e de reivindicação que é contrária à cooperação estratégica entre esses mesmos agentes, mas de que sabe necessitar, enquanto Governo, para recuperar a competitividade para as empresas.
Esta foi uma imprudência que terá, agora, custos pesados. Mais pesados ainda quando, antes e durante a campanha eleitoral, se criaram expectativas, se alimentaram esperanças, se garantiram promessas que em muito pouco terão contribuído para a análise serena do que são as possibilidades reais da economia portuguesa.
Na oposição, o Partido Socialista tudo fez para destruir a confiança dos agentes económicos nas possibilidades de modernização rápida das empresas e das relações de trabalho em Portugal, para que a nossa economia não perdesse posições competitivas.
Agora, o Governo precisa de altas taxas de crescimento na economia portuguesa para que o que apresenta no seu Programa mereça, ao menos, o benefício da dúvida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Neste contexto, recordo apenas que essas taxas de crescimento serão as mesmas, ou superiores, às que os dirigentes do Partido Socialista sempre consideraram ser impossíveis para o Governo do PSD.
Em breve saberemos se o que reconhecem agora como necessário é ou não realista quando é o Partido Socialista a gerir os assuntos políticos.

Aplausos do PSD.

Uma outra área, a educação, foi sistematicamente apresentada pelo Partido Socialista, durante a campanha eleitoral, como grande prioridade e, diga-se, em abono da verdade, que esse compromisso é assumido formalmente neste Programa de Governo. É um objectivo a que o Partido Social-Democrata não pode deixar de se associar sem qualquer dúvida, porque também essa foi uma prioridade central da sua estratégia política enquanto Governo.
Diferente, contudo, é a avaliação quanto às condições de sucesso da política de educação proposta no Programa do actual Governo. Não basta, de facto, atribuir uma prioridade e dotá-la de importantes meios financeiros para que os resultados obtidos correspondam ao que é desejado e necessário. Por isso, o acordo de princípio nesta área é acompanhado por uma manifestação de profunda preocupação.
O Governo do PSD investiu política e financeiramente mais do que qualquer outro na reforma da educação e, temos de o reconhecer, com resultados que ficaram aquém do esperado. O que encontro no Programa do Governo, em matéria de política de educação, não apresenta mudança relevante em relação ao que foi pensado, proposto e posto em prática no quadro da reforma da educação concebida, desencadeada e apoiada pelo Governo do PSD, designadamente a partir do Programa do XI Governo Constitucional, que este segue, de resto, de perto.

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Não encontro sobretudo diferença que justifique a acerba crítica ao que se fez até agora e ao mundo ideal que se promete para o futuro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Uma outra questão central que merece ser, desde já, avaliada, é o facto de em muitas matérias deste Programa do Governo, desde logo na política da educação, ser apresentado o sentido de diálogo e de participação como um verdadeiro factor desbloqueador para novas soluções políticas, para novas iniciativas, para novas formas de cooperação estratégica.
É um princípio válido em si mesmo, que nenhum partido democrático pode deixar de procurar realizar. Mas raras vezes, Srs. Deputados, será o sentido de diálogo e de participação substituto eficaz para a responsabilidade da decisão que é a sujeição específica, o dever inalienável, do dirigente do Governo. Exercer o poder, responder às exigências da representatividade que corresponde à legitimação eleitoral implica que o responsável político assuma, em todas as consequências, o risco da sua própria decisão. Não há Alto Comissariado, grupo de trabalho, conselho consultivo ou social, contratualização, partilha ou dessacralização de poder, diálogo ou consenso, estudo ou análise ou debate parlamentar que possa substituir o momento crucial das decisões de quem está mandatado pelo povo para ser o órgão de soberania que exerce o poder executivo.

Aplausos do PSD.

A democracia representativa não pode ser confundida com a democracia de assembleia, nem isso seria compatível com as exigências das sociedades modernas - complexas, diferenciadas nos seus interesses, rápidas na sua evolução, que não podem ficar à espera do consensualismo, seja ele espontâneo ou imposto pelos factos consumados. O sentido de diálogo e de participação, por mais sincero e sistemático que seja, nunca substituirá a responsabilidade do dirigente do Governo na criação das condições e das soluções políticas que respondam aos problemas concretos da sociedade portuguesa.
Não, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, não se iludam! O sentido de diálogo e participação é sempre positivo, mas não será o factor determinante na qualidade da condução dos assuntos políticos. E não será por dialogar muito que se decidirá melhor mas, sim, pela capacidade de decisão que o Governo será julgado. É por aí que os portugueses o julgarão.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: É nas políticas de solidariedade social que as dificuldades da decisão política se tornarão mais prementes, exigindo dos dirigentes do Governo um grande sentido de determinação. Os constrangimentos da política económica, por um lado, as necessidades e as expectativas dos diversos grupos sociais, por outro, são, em todas as sociedades europeias, e por maioria de razão em Portugal, as duas faces do dilema político central no nosso tempo.
Ninguém escapará a este dilema, tentando satisfazer todos os interesses durante todo o tempo, e as sociedades modernas não podem ficar à espera que a força dos factos molde os comportamentos sociais até que os equilíbrios se estabeleçam de modo espontâneo. É por isso, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Ministros, que governar não é fácil. Governar é decidir muitas vezes, quase sempre, sem poder satisfazer, de imediato, expectativas legítimas ou até necessidades básicas. A política não é, infelizmente, comandada pela lógica da necessidade mas, sim, pela lógica da possibilidade e da responsabilidade. A política não é um exercício esotérico de elencagem de piedosas intenções, é acima de tudo a arte de realizar o possível.
Por outro lado, é fácil, para quem tem uma concepção de política centrada no distributivismo, separar as políticas de solidariedade das políticas que contribuam para a produção da riqueza. Esta facilidade está vedada a quem tem uma concepção social-democrata, pois sabe que só poderá distribuir a riqueza que tiver sido produzida. Esta é a nossa concepção! E a concepção do PSD!
É certo que o Programa do Governo tem um capítulo sobre economia e desenvolvimento, como é certo que o apresenta como portador de um novo rumo e de uma nova visão. Para lá da retórica, porém, o que se encontra é a continuidade, o prolongamento no tempo do que, nos próprios considerandos do capítulo, se deixa antever como inviável, demasiado rígido; sem condições de competitividade e de adaptação criativa.
Em suma, há uma desproporção insanável entre a potência do motor e a dimensão da estrutura que se pretende com ele movimentar, o que é o mesmo que dizer que nenhum movimento se poderá obter com estas condições.
Sistematizado este núcleo essencial do Programa do Governo - e sem cuidar agora de analisar em detalhe propostas concretas e promessas muito badaladas, como é o caso do rendimento mínimo garantido, que, como repetidamente tenho dito e a experiência europeia confirma, são geradoras de efeitos perversos incontroláveis -, concluo com o que é óbvio: este Programa do Governo não suporta os objectivos de mudança política apresentados pelo Partido Socialista na campanha eleitoral e retomados pelo Sr. Primeiro-Ministro na sessão de abertura deste debate.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Pretendi expor-vos, com lealdade e com rigor, a minha apreciação do Programa do Governo, dentro do contexto político que resultou das últimas eleições legislativas. Esta lealdade e este rigor continuarão a ser, como foram no passado, traços permanentes das intervenções do PSD durante tempos que adivinho muito difíceis para todos os portugueses e que exigirão de todos nós um alto sentido de responsabilidade.
Teria preferido poder fazer aqui apreciação diferente desta. Teria preferido encontrar os sinais da novidade, da originalidade, da ousadia, da confiança numa nova estratégia de modernização. Teria preferido que o Partido Socialista tivesse tido razão na oposição, para que pudesse ter razão agora no poder.
Observado na perspectiva de quem se prepara para exercer o poder, o Partido Socialista confirma que não teve razão nas suas posições e atitudes enquanto esteve na oposição.
Respeitando as exigências da lealdade, em defesa dos interesses de Portugal, e do rigor, em defesa dos valores da democracia, tudo farei para que um dia não se possa vir a dizer o mesmo do PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Estou certo de que saberemos mostrar que temos razão na oposição, para podermos continuar a ter razão quando governarmos. O presente Programa e o que ele contém reforça em nós a convicção de que governaremos de novo.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que se encontram na tribuna diplomática os Srs. Embaixadores da Alemanha e da Venezuela, para quem peço uma manifestação de apreço.

Aplausos gerais.

Encontram-se também na galeria alunos da Escola Salesiana de Santo António do Estoril, prática que devemos estimular, pois é assim que a democracia se enraíza no coração da juventude.
Peço para eles uma saudação especial.

Aplausos gerais.

Informo ainda que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Jorge Lacão, Jorge Ferreira e José Magalhães, bem como o Sr. Ministro da Presidência.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Nogueira, as minhas primeira palavras são, naturalmente, no primeiro momento em que temos o gosto de ouvir a sua primeira intervenção nesta Câmara, para o saudar e desejar-lhe que, na sua qualidade de líder da bancada parlamentar do PSD, possa também contribuir para dar pleno sentido à representação nacional e valorizar plenamente os trabalhos da Assembleia da República. Nessa medida, Sr. Deputado Fernando Nogueira, se nesta bancada nos congratulamos com a atitude do Governo e do Sr. Primeiro-Ministro ao querer destacar o papel do principal líder da oposição como forma de valorizar, nas relações com o Governo e perante a sociedade, o papel que a oposição também tem na realização do interesse público nacional, queria dizer-lhe que gostaria igualmente de o convidar, na qualidade de líder da bancada parlamentar do PSD, a travar connosco e com os demais líderes parlamentares uma relação de plena igualdade no exercício pleno das funções que nos são cometidas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Fernando Nogueira, estávamos todos com curiosidade em conhecer o registo da intervenção da sua bancada, na medida em que os senhores nos brindaram com muitas perplexidades: a de saber se iam assumir-se como alguém que queria, nesta conjuntura política, não ser, porventura, excessivamente cáustico com o Governo, para não ser cáustico com os eleitores, para que, em nome de um espírito concórdio, o vosso candidato presidencial pudesse ter mais hipóteses nessas eleições, ou se, pelo contrário, assumiam, já com grande firmeza de espírito, uma oposição mais veemente e de alguma maneira, para utilizar também as vossas perplexidades, não o papel do cordeiro mas o do lobo.
Ora, Sr. Deputado Fernando Nogueira, a verdade é que aquilo a que assistimos não foi nem ao papel do cordeiro nem ao do lobo mas, de certa maneira, a um discurso da cassandra, de um profeta da desgraça, que, em lugar de ter, no tempo próprio, admitido o benefício da dúvida ao cumprimento do Programa do Governo, vem, por antecipação e sem qualquer possibilidade de prova, assumir que o Governo em circunstância alguma poderá realizar o Programa com que se apresenta à Assembleia da República.
O Sr. Deputado Fernando Nogueira, para tentar fazer a demonstração desta sua profecia da desgraça, colocou-se no seguinte paradigma interessante: o PSD ganhou as eleições, porque terá feito um excesso de promessas aos eleitores, e o PSD...

Risos do PSD.

O PS ganhou as eleições.
Srs. Deputados, os factos, felizmente, relevam os lapsos de linguagem e o facto incontornável é que quem ganhou as eleições foi o PS e não o PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como dizia, o paradigma era este: o PS teria ganho as eleições por um excesso de promessas aos eleitores, o PSD teria perdido as eleições por uma atitude de rigor perante os eleitores! Então, o PS teria recorrido a alguns fins e a alguns meios, injustificados e até ilegítimos, na expressão do Sr. Deputado Fernando Nogueira, o que o coloca, permita-me que lho diga, numa atitude, em minha opinião, menos elegante. O Sr. Deputado Fernando Nogueira teve ocasião, durante a campanha eleitoral, de debater-se perante o País, em dois momentos nucleares, com o candidato a Primeiro-Ministro, Engenheiro António Guterres, e esse teria sido o momento para o PSD apresentar provas, se alguma prova poderia ter sido feita, relativamente à ilegitimidade dos compromissos eleitorais do PS. Essa teria sido a altura para o Sr. Deputado Fernando Nogueira o ter feito, mas, como sabe, não o pôde fazer. Por isso não convenceu os eleitores nem do vosso rigor nem da vossa razão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Razão pela qual este tipo de argumento está agora completamente fora de tempo.
Porém, o paradigma vai mais longe: o Governo só poderá governar razoavelmente se se ativer ao espirito de rigor do PSD, elencando, depois, um conjunto de posições, como, por exemplo, a herança do PSD, na sua versão naturalmente, que seria, digamos, o paradigma desse rigor.
Sr. Deputado Fernando Nogueira;...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, peço-lhe que termine, pois já ultrapassou o tempo regimental.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Se assim é, a questão é muito simples: se o Governo se ativer ao espírito de rigor do PSD governará, no vosso critério, necessariamente bem, mas se, para além disso, o Governo ainda puder cumprir as metas do seu Programa irá necessariamente governar melhor. De onde, por uma e por outra razão, o PSD vai ter sempre razões para poder concordar e apoiar a política governativa que se apresenta neste momento à Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, peço-lhe que termine.

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O Orador: - O Sr. Presidente aconselha-me, e bem, cautela quanto ao uso do tempo, mas, Sr. Deputado Fernando Nogueira, permita-me que lhe diga que assistimos a um discurso que deu a todos a sensação de alguém ainda muito vergado ao peso das dificuldades da governação. Não leve por isso a mal que todos nos possamos sentir bem pela circunstância de, sobretudo o povo português, os terem, por agora, aligeirado desse fardo.

Aplausos e risos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Nogueira, em primeiro lugar, meu caro colega, gostaria de felicitá-lo pela sua eleição para a liderança da bancada parlamentar do PSD.
Se eu tivesse de resumir o que V. Ex.ª hoje aqui veio dizer, fá-lo-ia da seguinte maneira: os governos do PSD foram bons, a direcção do PSD é que não soube ganhar umas eleições com base no legado dos governos do PSD.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Isto porque o que se deduz das suas palavras é que os governos do PSD fizeram tudo bem e, sendo assim, não se compreende como é que o PSD não ganhou as eleições.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em democracia, Sr. Deputado, o povo tem sempre razão, e o PSD perdeu as eleições, ao contrário do que V. Ex.ª julga, por os governos do PSD não governarem assim tão bem.
Disse V. Ex.ª que a política não obedece à lógica da necessidade mas à da possibilidade. Talvez uma das razões do fracasso eleitoral do seu partido esteja exactamente aí, porque perdeu a alma! De facto, em primeiro lugar, a política deve ter como objectivo a satisfação das necessidades das pessoas e como ambição essa chama, essa alma, porque quando a política se reduz a uma mera lógica de possibilidade entramos na burocracia, na tecnocracia, na redução do espaço de manobra da nobreza da actividade política.
Sr. Deputado Fernando Nogueira, nós, Deputados do Partido Popular, que somos oposição ao Governo do Partido Socialista...

Vozes do PSD: - Não parece! Não se tem notado!

O Orador: - ... desde o primeiro dia em que este Programa e este Governo vieram à Câmara, não posso deixar de lhe perguntar, até porque V. Ex.ª esteve 10 anos no Governo e julgo que deve a esta Câmara e ao País uma explicação sobre a matéria, se é ou não verdade que existe um buraco de 600 milhões de contos nas contas das empresas públicas.

Risos do PSD.

Julgo que V. Ex.ª, quer como Deputado do PSD, quer como membro do Governo durante 10 anos, deve essa explicação ao País, inclusive para que o País possa ajuizar e perceber se, nessa matéria, o Governo do PSD andou bem e o Governo do PS já começou a andar mal.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Fernando Nogueira se reserva para responder no fim de todos os pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente. Sr. Deputado Fernando Nogueira. V. Ex.ª fez um discurso, numa componente, bizarro, porque se notou uma oscilação entre a forma e o conteúdo. Por um lado, sugeriu algo que gostaria que pudesse eliminar aqui de imediato, que foi, certamente, a dúvida, na Câmara, de que o PSD tem um terrivelmente mau perder. É que a impostação inicial que fez de que o povo se teria enganado redondamente quando votou no Partido Socialista é, no mínimo, injuriosa...

Vozes do PSD: - Olhe que não!

O Orador: - ... e não substanciada em nenhum facto e dá a ideia de que o PSD não sabe aceitar a derrota.

Protestos do PSD.

V. Ex.ª não está na SIC ou na RTP em debate com um candidato a Primeiro-Ministro mas está na Assembleia da República depois de 1 de Outubro, data em que o povo sufragou a vitória eleitoral do Partido Socialista, e ainda não aceitou essa nova realidade.

Aplausos do PS.

Por isso, a primeira pergunta que lhe faço. Sr. Deputado Fernando Nogueira, é sincera e inquieta-me praticamente desde os primeiros minutos posteriores à vitória eleitoral. V. Ex.ª acredita - e suponho que acredita piamente - que o PS herdou o melhor quadro económico dos últimos 25 anos, mas o povo português não acredita nisso. Assim, pergunto-lhe: por que é que V. Ex.ª entende que o PSD perdeu?
Trata-se de uma pergunta séria, porque no seu discurso não havia nenhuma razão para o PSD ter perdido, haveria razões para uma vitória gloriosa, esmagadora e arrasadora do PSD. Ora, o que V. Ex.ª obteve foi exactamente o contrário. Então, porquê?!
Em segundo lugar, Sr. Deputado, é ilícito, para não dizer injurioso, que as propostas do Partido Socialista sejam uma cópia, eventualmente uma má cópia, como V. Ex.ª insinuou, das posições do PSD. Mas, Sr. Deputado Fernando Nogueira, há que perguntar se o PSD, por estar na oposição, decaiu ou vai decair de posições estruturantes e fundamentais, como, por exemplo, a posição sobre a construção europeia, e vai fazer ziguezagues de oportunidade para criticar ou demolir o Governo e dificultar a governação. Esta questão é, para nós, crucial e, por isso lha deixo.
O terceiro aspecto que lhe suscito é o de que V.Ex.ª trouxe aqui duas coisas: uma crítica do Programa do Governo, que é um caderno reivindicativo, e três silêncios que, creio, ser importante que não subsistam.
Quanto à crítica: V.Ex.ª mostra-se preocupado com o rigor, mas na bancada do Governo estão sentadas pessoas que não são suspeitas de falta dele e na bancada do PS estão sentadas pessoas que querem apostar firmemente no rigor e na solidariedade. V. Ex.ª não tem qualquer razão para colocar isso em dúvida, a não ser numa óptica de profecia das piores coisas do mundo, não substanciadas em nada. E nota-se a sua dificuldade em demonstrar o contrário, porque se trata de um processo de intenções, o

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Sr. Deputado não tem qualquer facto, tem garantias, tem um Programa que será honrado e tem pessoas capazes e competentes. Estão sentadas na bancada do Governo e na bancada do PS! E V. Ex.ª pode cooperar nisso!
Em relação ao caderno reivindicativo, V. Ex.ª tem dúvidas sobre o rigor e pede rigor, tê-lo-á, quer a educação como prioridade, tê-la-á, reivindica participação cívica, mas decisão e tê-la-á. Aliás, teve aqui um exemplo, no primeiro dia do debate, de capacidade de decisão, de propostas realistas e apoiadas genericamente e teve ontem propostas concretas para o combate no seio da União Europeia. Concretas, vitoriosas, positivas e sufragadas por toda a Câmara! Quer mais capacidade de decisão?!
Sobre os seus três silêncios, que são graves, Sr. Deputado Fernando Nogueira, porque V. Ex.ª, na campanha eleitoral, apresentou compromissos de que não pode decair - também nós o exigimos - e não disse aqui nada sobre a vossa posição em relação a três questões fundamentais, faço-lhe três perguntas.
Primeira: a reforma do sistema político e a revisão constitucional. Trata-se de questões sérias e cruciais para que mude a atitude em relação à política neste país e V. Ex.ª tem, nessa matéria, responsabilidades particulares que gostaríamos de ver confirmadas. O PSD está ou não disposto a colaborar institucionalmente...

O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar imediatamente, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, o PSD está ou não disposto a colaborar institucionalmente no sentido de que sejam feitas reformas institucionais cruciais para eliminação do fosso entre os cidadãos e as instituições políticas?
Segunda pergunta: está V. Ex.ª disposto a celebrar o pacto para a reforma educativa, que o Sr. Primeiro-Ministro anunciou durante a campanha eleitoral?
Terceira: está V. Ex.ª disposto a participar rapidamente na instituição necessária para a reflexão sobre a reforma e a salvação da segurança social, essencial para o futuro dos portugueses?
São estas as três perguntas que lhe faço e a resposta da bancada do PSD é crucial para sabermos se teremos oposição ou demolição.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência (António Vitorino): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Nogueira, em primeiro lugar, gostava de o saudar, na qualidade de presidente do Grupo Parlamentar do PSD, naturalmente, mas também na de líder do partido, e de lhe dizer que o seu discurso de hoje, nesta Câmara, foi particularmente duro, pelo menos aos ouvidos do Governo, e com o destino de ter efeitos retroactivos, isto é, de compensar a falta de dureza que a sua bancada aparentemente terá evidenciado no primeiro dia da apresentação do Programa do Governo. Pergunto-me, por isso, se o destinatário do seu discurso foi o Governo ou, pelo contrário, terão sido as vozes críticas da sua própria bancada ou o Partido Popular.

Aplausos do PS.

Em meu entender, com o devido respeito, na intervenção de V. Ex.ª há uma contradição: na primeira parte, o Sr. Deputado diz que o Programa não cumpre as promessas eleitorais que o PS fez na campanha; na segunda, o Sr. Deputado diz que o Programa está eivado de excesso de optimismo, por querer cumprir as promessas eleitorais que fizemos durante a campanha.

Vozes do PSD: - Ouviu mal!

O Orador: - Não, os senhores é que leram mal, e de propósito!
Sr. Deputado Fernando Nogueira, sobre concursos na função pública, aconselho a leitura da página 3; sobre portagens nas áreas metropolitanas, aconselho a leitura da página 75 e posso informá-lo de que já estão em curso negociações com a Brisa para a abolição da portagem na CREL. Para quem não decide, não está mal, uma vez que já estamos a conversar.

Aplausos do PS.

Sobre a publicidade na televisão, aconselho a leitura da página 91; sobre os efectivos policiais, aconselho a leitura da página 22; e sobre o fundo de equilíbrio financeiro, aconselho a leitura da página 62. Assumimos um programa que cumpre as promessas eleitorais e queremos ser realistas na análise da herança que o Governo do PSD nos deixou.
Em relação à EXPO 98, Sr. Deputado Fernando Nogueira, sim, senhor, é para continuar - já o dissemos -, mas é para continuar divulgando ao País que, neste momento, há avales do Estado no valor de 50 milhões de contos e o Governo do PSD não criou qualquer mecanismo que garantisse o controlo das contas da EXPO 98. E é isso que vamos fazer, ou seja, controlar as contas da EXPO 98.

Aplausos do PS.

Por outro lado, há atrasos nos pagamentos da saúde, neste momento, são 170 milhões de contos, mas os atrasos estão a crescer...

Vozes do PSD: - Já estão a crescer?!

O Orador: - Exactamente! Estão a crescer! Espero que os Srs. Deputados do PSD não ignorem que esta situação é um constrangimento de ordem financeira para o exercício da acção governativa.
Mas há uma parte da herança do PSD, não contabilizável em termos económico-financeiros, que é a que resulta da manifesta paralisia da governação no último ano.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Tirando acções atrabiliárias de última hora, a verdade é que o Governo anterior, durante um ano, esteve prisioneiro de um refém alheio, de um tabu alheio, o que tem custos económicos não contabilizáveis por uma mera contabilidade de circunstância mas que se reflectem na vida do País nos próximos anos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, quanto ao balanço dos indicadores económicos, ouvi a sua descrição e, com o olhar, procurei, na bancada do PSD, aquele que supunha ser o ar sorridente do Deputado Braga de Macedo. Foi aí que me lembrei de que já não era Deputado!

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Risos do PS.

Mas o Sr. Deputado Fernando Nogueira quis fazer renascer aqui, qual fénix, a tese do oásis. Não tenho nada contra o facto de o Sr. Deputado Fernando Nogueira se mostrar solidário com o Governo de que fez parte, mas o que eu esperava era que não passasse um atestado de ingratidão aos portugueses, quando votaram da forma como votaram, isto é, quando os portugueses deram uma clara vitória ao Partido Socialista e apostaram na mudança que o PS propôs para Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Já ultrapassou o seu tempo, Sr. Ministro.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Há um ponto do seu discurso, Sr. Deputado, em que estou de acordo consigo: a alternância funcionou, e ainda bem. Interpreto as suas palavras como palavras de desautorização dos discursos tremendistas que o seu partido fez antes da campanha eleitoral, quando identificou uma vitória do Partido Socialista com o caos e a desorganização do Estado. Essa desautorização fica-lhe bem, porque revela que o PSD está preparado para assumir as suas funções de principal partido da oposição. Mas, nesse caso, creio que, ao seu discurso, deve ter faltado a última frase, que, naturalmente, só poderia ser o anúncio de que apresentariam uma moção de rejeição do Programa do Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, dispondo de 5 minutos para esse efeito, sem prejuízo da habitual tolerância, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Nogueira.

O Sr. Fernando Nogueira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, começo por agradecer as questões que me foram colocadas, quer pelos Srs. Deputados, quer pelo Sr. Ministro da Presidência, que cumprimento.

Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Ex.ª não tem necessidade de me convidar a tratá-lo em condições de igualdade, porque tem esse direito. V. Ex.ª e todos os Srs. Deputados desta Câmara, porque, para mim, são todos iguais e considero-me um dos vossos pares.
Não sou nem cordeiro, nem lobo, Sr. Deputado, sou um homem, um cidadão que tem as responsabilidades que tem, que representa um grupo parlamentar que teve uma expressão eleitoral de 34% e é em nome desses portugueses que estou aqui a dizer o que penso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E não me pode acusar de ser menos elegante por dizer o que penso. O que é para V. Ex.ª a elegância? É dizer que concordo com aquilo de que discordo? É passar a partilhar das suas ideias? Isso é que é elegância para V. Ex.ª?

Vozes do PSD: - Parece que sim!

O Orador: - É que, então, Sr. Deputado, terá de considerar, muitas vezes, que vou ser menos elegante, porque não prescindo das minhas ideias, sou coerente com elas e vou prossegui-las aqui, com toda a força do meu carácter e daquilo de que for capaz.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Jorge Ferreira. V. Ex.ª disse que, na política, é bom que se governe através das necessidades e não de acordo com as realidades e o sentido de responsabilidade.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não foi isso!

O Orador: - Depende do que são as necessidades, Sr. Deputado! Podem ser necessidades que se confundam com populismo, com aquilo que interessa às pessoas ouvir e não com aquilo que cabe aos políticos fazer, que é detectar as necessidades efectivas e reais e não aquelas que trazem mais votos, mais popularidade ou melhores títulos de jornais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado disse ainda que, em democracia, o povo tem sempre razão. Pois tem, Sr. Deputado, e eu não a neguei! Não neguei essa razão ao povo e subscrevo integralmente tudo quanto disse a propósito da vitória do Partido Socialista. Saudei o Primeiro-Ministro, reconheço os resultados eleitorais, digo que a alternância democrática funcionou e que, naturalmente, em democracia isso é normal. Agora, compreendam VV. Ex.as que pelo facto de o PSD ter perdido as eleições não posso passar a dizer bem do actual Governo - e ninguém espera isso de mim -, porque defendi projecto diferente durante as eleições.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E não foi o tacto de os portugueses não terem seguido o projecto que eu preconizava que me obriga a mudar de opinião, porque perder eleições não significa que se alterem as opiniões e que se vá ao encontro daquele que se pensa ser o pensamento maioritário do povo português. Essa é uma concepção errada, de que não partilho!
Disse V. Ex.ª, Sr. Deputado Jorge Ferreira, que o PSD perdeu a alma. Dir-lhe-ei apenas que perder a alma é um risco que nunca correremos porque temos uma alma muito grande. Mas vender a alma de um partido é muito pior...

Aplausos do PSD.

Por isso, V. Ex.ª não tem autoridade moral para falar na alma do PSD.
No entanto, quero dizer-lhe que o PSD não vendeu a alma nem a perdeu e, por conseguinte, está aqui com a alma que tem, que é uma alma vigorosa, para além de ter um coração muito grande.
O Sr. Deputado José Magalhães falou em ziguezagues da oposição. Foi isso que tentei dizer no meu discurso, e como V. Ex.ª é uma pessoa inteligente seguramente entendeu-me. Mas fez de conta que não entendeu. Eu disse, justamente, que ia agir com lealdade e rigor, mantendo as posições que sempre assumi no passado, designadamente em relação à União Europeia, à estabilidade cambial.
Mas VV. Ex.as não podem dizer o mesmo. Embora ao longo da anterior legislatura, enquanto oposição, tenham criticado os critérios de convergência e tenham estado contra a estabilidade cambial, vêm agora, quando são Governo, defender uma coisa diferente. Portanto, VV. Ex.as é

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que fizeram ziguezague. Nós não o faremos e estaremos aqui durante a actual legislatura...

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Então por que é que perderam?...

O Orador: - Sr. Deputado, relativamente à reforma do sistema político, designadamente às alterações ao sistema eleitoral, o PSD foi o primeiro partido a apresentar nesta Câmara iniciativas legislativas para a sua revisão e, consequentemente, para a revisão do sistema político. Portanto, V. Ex.ª não tem o direito potestativo de me tentar impor que diga, desde já, o que penso sobre o sistema político. Aliás, o Sr. Deputado tem a faculdade de consultar as actas relativas ao último processo de revisão constitucional que o PSD apresentou aqui!

O Sr. José Magalhães (PS): - V. Ex.ª abortou-o!

O Orador: - Essa agora!... Nós consideramos que foram VV. Ex.as que o abortaram!
Sr. Deputado, a verdade é essa e nós não deixaremos, como partido que mais pugnou ao longo da história da democracia portuguesa pela reforma do sistema político, em diferentes circunstâncias, de lutar também agora pela continuação da reforma do sistema político.
Relativamente ao pacto de educação, antes de falar nele preciso de saber o que é que o Governo propõe. Embora, como referi, aceite a ideia do diálogo e o considere um bem em si mesmo, não me parece razoável que se enviem coisas para discussão na Assembleia sem que conheçamos previamente a posição do Governo. O que é que o Governo quer como pacto educativo, como pacto de regime? Portanto, o Governo que se pronuncie, e nós cá estaremos para dar a nossa opinião, para aprovar se estivermos de acordo, para rejeitar se estivermos em desacordo.

Aplausos do PSD.

Em relação à segurança social, Sr. Deputado, o programa eleitoral de governo apresentado pelo PSD aos eleitores tem um capítulo específico sobre a reforma do sistema de segurança social. Se nesta Assembleia houver iniciativas legislativas que correspondam às propostas que fizemos e que continuamos a considerar que são as melhores para o País, naturalmente, em coerência, não deixaremos de as apoiar e de as votar de forma favorável.
Sr. Ministro da Presidência, saúdo-o com estima e registo a necessidade que V. Ex.ª teve de vir em defesa da sua bancada. Disse que falei para a minha bancada, mas o senhor sentiu a necessidade de defender a sua. Está no seu pleno direito.

Aplausos do PSD.

V. Ex.ª citou páginas do vosso programa eleitoral...

O Sr José Magalhães (PS): - E citou bem!

O Orador: - Citou mal, Sr. Deputado, porque há uma diferença substantiva entre uma linguagem circular, vaga e difusa, e a forma directa, impressiva, usada para com os portugueses em relação a qualquer promessa concreta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se a intervenção do Sr. Ministro da Presidência significa que VV. Ex.as vão fazer concursos públicos para todos os dirigentes da função pública...

O Sr. Ministro da Presidência: - Não. Até ao nível de director-geral, com exclusão dos directores-gerais!

O Orador: - Foi o que disse o Sr. Primeiro-Ministro! Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - É verdade, Sr. Ministro da Presidência e Sr. Primeiro-Ministro, ouvi-o da boca de V. Ex.ª, em primeiro lugar... E vou explicar-lhe a evolução.
Da primeira vez que V. Ex.ª se referiu à matéria, Sr. Primeiro-Ministro, disse que mesmo para o preenchimento do cargo de director-geral haveria concurso público.

Vozes do PSD: - Exactamente!

O Orador: - Da segunda vez, disse que o concurso público seria só para alguns; e, da terceira vez, numa entrevista escrita, disse que não havia para nenhuns porque para o cargo de director-geral não convinha. Mas V. Ex.ª não eliminou os directores de serviço nem os chefes de divisão.
Portanto, ficamos a saber hoje, aqui, que a leitura que o Sr. Ministro da Presidência faz, em nome da bancada do Governo, do que está escrito no Programa do Governo é a de que na função pública irão ter lugar concursos públicos para directores de serviço e para chefes de divisão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já ultrapassou, em dobro, o seu tempo. Peco-lhe que termine.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Termino já.
O mesmo se diga em relação à duplicação do FEF para as autarquias locais. O Sr. Ministro da Presidência disse que eu li mal, mas como há uma determinada página no Programa do Governo onde se afirma que será levada a cabo uma duplicação do FEF para as autarquias locais fico à espera que isso seja verdade, para ver se será cumprido ou não o Programa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ministro da Presidência: E a moção de rejeição? Venha ela!...

O Sr. Presidente: - Para defesa da honra e consideração da sua bancada, inscreveu-se o Sr. Deputado Manuel Monteiro.

Risos do PSD.

Srs. Deputados, não percebo por que é que se riem!...
Normalmente, Sr. Deputado Manuel Monteiro, só poderia dar-lhe a palavra para esse efeito no final do debate em curso, mas, dado que se trata de um debate alongado e que a figura da defesa da honra e consideração podia perder a ligação à sua causa, dou-lhe desde já a palavra.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, muito obrigado pela sua atenção.
Sr. Presidente. Srs. Deputados, Sr. Deputado Fernando Nogueira, V. Ex.ª tem uma experiência parlamentar que eu não tenho.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Por acaso, não tem!

O Orador: - Digamos, então, que tem experiência de estar nesta Casa.
Ora, aquilo que verifico é que, por vezes, os Deputados são useiros e vezeiros em insinuações mas não em afirmações ou frontalidades. Mas não se preocupe, Sr. Deputado, se V. Ex.ª se considera sanguessuga fique com a sua consideração de uma vez por todas e se pensa que me incomodo cada vez que os senhores me falam nisso está enganado, porque eu não venho para esta Câmara preocupado com o que os senhores dizem mas sim com o que o País quer e com o que o País sente.

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do PSD.

V. Ex.ª disse ou insinuou, a propósito de almas e de não almas, que havia partidos que tinham vendido a alma. Quero dizer-lhe, Sr. Deputado Fernando Nogueira, que...

Protestos do PSD.

Srs. Deputados, admito que se incomodem muito cada vez que falo, mas podem ter a certeza de que se vão incomodar ainda mais daqui para a frente, porque o meu partido crescerá e os senhores descerão cada vez mais.

Risos do PSD.

Já se riram antes do dia 1 de Outubro, e ainda não vos enviei o lenço para enxugarem todas as lágrimas que vão ter de chorar.

Aplausos do CDS-PP.

Gastaria de perguntar ao Sr. Dr. Fernando Nogueira o que é vender a alma. Se vender a alma é, com legitimidade, mudar de opinião e é, com legitimidade, alterar o nome do partido, pergunto-lhe se o PSD vendeu a alma quando passou a chamar-se PPD-PSD e não apenas Partido Popular Democrático. O PSD vendeu a alma quando mudou, tantas e tantas vezes, de opinião sobre questões fundamentais para a governação do País? O Sr. Prof. Cavaco Silva, candidato do Partido Social Democrata, vendeu a alma quando ontem era contra a regionalização e hoje admite o referendo pela regionalização? O Sr. Prof. Cavaco Silva, candidato do PSD, vendeu a alma quando ontem quis mudar a Constituição para modificar os poderes presidenciais de dissolução e hoje vem à televisão dizer que já não quer mudar coisa nenhuma, porque uma coisa foi aquilo que disse enquanto líder do seu partido e outra coisa é aquilo que diz enquanto candidato presidencial?

Aplausos do CDS-PP.

Pergunto ao Sr. Dr. Fernando Nogueira, com o respeito que lhe tenho, e que exijo esta Câmara também tenha por mim, se vender a alma é assumir a diferença de opiniões com frontalidade, com coragem e com verdade, ou se vender a alma é dizer num dia uma coisa e não sabermos se no dia seguinte voltamos a dizer aquilo que sentíamos ontem ou se, bem ao contrário, é acreditar com firmeza nos seus princípios e, independentemente de todos os ataques que lhe façam, saber manter-se firme ao lado dos seus pares ao longo, de três anos.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Fico à espera das respostas do Sr. Deputado Fernando Nogueira.
Para terminar, gostaria só de dizer-lhe que compreendo que outros lhe andem a vender a alma ou que outros procurem vender-lhe a alma. Mas acredite, Sr. Deputado Fernando Nogueira, nesta bancada e neste partido, pelo menos enquanto dele eu for presidente, sabemos o nosso rumo, sabemos para onde queremos ir. Não estamos à venda nem vendemos ninguém, bem pelo contrário estamos indo ao encontro daquilo que queremos, e que queremos muito!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Nogueira.

O Sr. Fernando Nogueira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Manuel Monteiro, a falta de experiência que V. Ex.ª invoca não justifica tudo. E há uma questão, elementar e óbvia, para a qual queria chamar a sua atenção: V. Ex.ª fala dos Deputados como se não integrasse esse grupo. V. Ex.ª pertence à classe política! V. Ex.ª é um Deputado! O senhor quer conquistar a maioria nesta Câmara!

Aplausos do PSD.

O senhor é um político igual a nós, Sr. Dr. Manuel Monteiro!

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Desculpe, mas igual não sou!

Vozes do PSD: - É pior! 

Risos.

O Orador: - E já que estamos a falar em alma, «presunção e água benta cada um toma a que quer». V. Ex.ª tome a presunção que quiser.
Em relação à diatribe que aqui fez, V. Ex.ª não foi capaz de dizer que eu me referi à sua bancada como tendo vendido a alma!

Vozes do CDS-PP: - Disse, disse!

O Orador: - Não disse, Srs. Deputados! Isso é a vossa má consciência, com certeza, ou algum complexo de culpa.

Aplausos do PSD.

Não o disse porque não quis dizê-lo.
E fiquem a saber uma coisa: se eu, que faço política com sentimento, com espírito, com apego a princípios e a valores, tivesse perdido a alma, tanto me fazia tê-la vendido como perdido, porque então já não estava a fazer política e isso para mim era igual, porque um corpo sem alma é um corpo sempre morto e o PSD está vivo. Os senhores irão sentir como o PSD está vivo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças (Sousa Franco): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo,

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Sr.as e Srs. Deputados: Permita-me, Sr. Presidente, que saúde em V. Ex.ª o representante digníssimo da tradição democrática desta Câmara e da sua realidade actual como orador, homem de cultura, legislador, político democrático toda a vida. E permita-me também a expressão de uma emoção pessoal por voltar a este Hemiciclo onde, do outro lado e durante vários anos, trabalhei intensamente como os Srs. Deputados hoje trabalham e onde intervim pela última vez, em 1983, sobre um tema que me é muito caro: a autonomia universitária.
Entrando na matéria, do que se trata é de fazer uma apresentação breve do programa económico do Governo. Olhemos para o futuro - programa é isso, a escrita para o futuro; noutras oportunidades haverá altura de caracterizar a situação presente com rigor e pormenor.
A política económica deste Governo enquadra-se num modelo de desenvolvimento bem expresso anteontem pelo Sr. Primeiro Ministro, pelo que me dispensarei de o caracterizar. Resumi-lo-ia dizendo que se trata, fundamentalmente, não de um crescimento economicista mas de um desenvolvimento ao serviço do homem. É nesse âmbito que me cingirei ao domínio das finanças públicas, alinhando quatro linhas mestras que orientam este Programa do Governo: as reformas para o desenvolvimento, o rigor orçamental, o relançamento da economia e a recriação na União Europeia de condições duradouras para mais emprego, mais justiça e mais solidariedade.
O primeiro traço, e esse muito inovador, deste Programa do Governo é que ele implica, assumidamente, mas com grande realismo, um programa profundo de reformas estruturais, indo apenas aludir às que têm carácter financeiro ou uma forte componente financeira. Sublinho, desde logo, a reforma orçamental e da administração financeira e a reforma fiscal, sendo que a primeira representa uma continuidade correctiva relativamente a um conceito anterior que carece de muitas rectificações e que está sendo lentamente implementado com disfunções e distorções graves. A segunda corresponde, como já foi dito aqui pelo Sr. Primeiro-Ministro, a um aspecto fundamental da introdução da justiça na sociedade portuguesa, uma revisão do sistema fiscal, à luz da harmonização tributária na União Europeia, que introduza nele justiça e solidariedade, como critérios fundamentais, não de aumento da carga fiscal global, mas sim de repartição de modo mais justo e solidário do sacrifício com os encargos públicos incluindo não apenas justiça na repartição mas sobretudo luta contra a fraude e a evasão. Para isso, em muitos impostos até hoje não revistos há muitas dezenas de anos, propômo-nos também proceder à sua reformulação ou extinção visando justiça e eficiência tributária. Parte fundamental desta reforma é, ainda, a modernização da administração fiscal, sem a qual não será possível sequer aumentar as receitas quanto mais aumentar a justiça.
Um segundo plano das reformas corresponde a algo que está por fazer há muito. Trata-se de subordinar as finanças públicas aos princípios do Estado de direito democrático. Em muitos aspectos vivemos ainda com o cadáver decomposto das finanças públicas do salazarismo, bem longe do modelo constitucional, o que significa, claramente, que temos um sistema desprovido das mais elementares garantias de democracia e de respeito pelos direitos, liberdades e garantias. Sublinho dois aspectos - mas há mais - em que no Programa do Governo se assumem compromissos realistas efectivos neste sentido: a reestruturação dos tribunais fiscais, que funcionam sem meios mínimos e numa dependência prática inaceitável relativamente à administração fiscal, e o reforço dos poderes e dos meios atribuídos ao Tribunal de Contas.
Um terceiro plano, por igual decisivamente financeiro, das reformas contidas no Programa do Governo é o da descentralização financeira. Temos hoje em Portugal um sistema de desconcentração regional da administração do Estado que produz danos irreparáveis à ideia da regionalização, pois criou burocracias regionalizadas e pequenas capitais regionais sem qualquer componente ou base democrática e com uma dupla dependência das regiões relativamente aos serviços da sua capital local e ao Terreiro do Paço. É um problema delicado o do erro que se cometeu, sobretudo nestes últimos 10 anos, e o da confusão que esta desconcentração criou quanto à necessidade de uma regionalização administrativa democrática tal como foi aqui apresentada pelo Sr. Primeiro-Ministro e virá certamente a ser objecto de debate democrático neste Parlamento. Uma regionalização do território do continente, responsável, minimalista e prudente, como a que consta do Programa do Governo. Com ela nos aproximaremos de um modelo de organização financeira dos Estados mais modernos, que é o da generalidade dos países desenvolvidos e o da esmagadora maioria dos da União Europeia.
Ao mesmo tempo, na mesma linha de descentralização, o Programa prevê a transferência não só de recursos, o que seria demagogia inviável, mas de poderes, tarefas e funções, com os recursos necessários ao seu exercício, para os municípios. Esta é uma tarefa possível, urgente e inadiável.

Aplausos do PS.

Portugal e a Grécia são os dois países em que a participação no sector público administrativo do nível municipal é mais baixa, o que significa menor eficiência, maior distância das populações, maior desperdício. É através da transferência de recursos e ao mesmo tempo de poderes, tarefas e funções para os municípios que poderemos também democratizar as finanças públicas e permitir, pela proximidade aos cidadãos, que elas não sirvam as burocracias mas sirvam sim as populações.
Em terceiro lugar, e no que se refere às regiões autónomas, é imprescindível a definição de regras estáveis para o seu relacionamento com o Estado, evitando a indesejável politização a curto prazo das relações entre ambos e uma permanente luta política a propósito de cada orçamento, de tudo resultando a situação presente que é o exclusivo das decisões de curto prazo, a falta de estratégias de desenvolvimento e o afundamento financeiro das finanças das regiões autónomas. Só com regras e depois com firmeza na sua aplicação será possível ultrapassar esta situação.

Aplausos do PS.

A descentralização financeira em todos estes vectores é um ponto fundamental de construção da democracia financeira que consta do Programa do Governo e penso que merece ser sublinhado como aquilo que é, um conjunto de opções de regime e mesmo de cultura democrática, que têm sentido por si e com que nos comprometemos.
Por último, referiria uma última reforma estrutural, a das privatizações. Sabemos que, ao longo das duas últimas décadas, o Estado tomou muitas vezes peso excessivo na economia e, ao empolar a sua actividade, como produtor, que poderia ser justificada no tempo, mas não é hoje, e às vezes até como dador de transferências, ou consumidor, gerou condições de enorme ineficiência burocrática, quer

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no exercício das funções tradicionais de soberania e autoridade, quer na capacidade, nova e cada vez mais exigente, de desenvolver políticas sociais.
O programa de privatizações que propomos intensificar e acelerar terá, evidentemente, uma componente financeira, será um meio imprescindível para reduzir a dívida pública (do nível superior aos 70% do PIB, em que estamos, para o nível da ordem de 60%, que corresponde à média dos países europeus), para evitar os efeitos directos e indirectos sobre o Orçamento do Estado resultantes da má gestão de tantas empresas públicas. Mas será, sobretudo, e mais ainda do que isso, uma forma de reestruturar a economia dando ao sector privado produtivo a primazia na actividade empresarial e deixando o Estado livre para aquilo que só ele pode e deve fazer e que hoje, embaraçado com um sector produtivo ineficiente, não tem condições para fazer. Este sentido reestrutural que é reforçado pela necessidade de uma política de privatizações dominada por critérios de economia produtiva e não só por critérios financeiros. Por outras palavras, privatizar para reforçar o tecido produtivo nacional.
Este é um conjunto de reformas essencial ou importantemente financeiras possível nos próximos quatro e que nos comprometemos a fazer. Com elas haverá uma mudança para um Portugal mais moderno e mais democrático.
Uma segunda palavra-chave: rigor orçamental em 1996 e 1997. Já foi explicado que rigor não é austeridade. Com todas as deficiências de descontrolo e despesismo, que serão ilustradas melhor noutra altura, este Governo recebe uma herança que, apesar de tudo, não corresponde ao contexto de hiperinflação e enorme desequilíbrio externo que exigiu noutros tempos, na economia portuguesa, tratamento de choque recessivo e classificável como de austeridade. Não é disso que se trata neste momento. Apostamos vigorosamente, como se dirá de seguida, no relançamento da actividade económica global, mas temos consciência de que o sector público não está hoje à altura de dinamizar a economia, antes a perturba com os seus défices e desperdícios. Para deixar de ser o peso morto que hoje é, o sector público, e muito em especial o sector público administrativo - Orçamento do Estado e orçamentos de outras entidades administrativas - precisa de um forte tratamento de rigor.
Fundamentalmente, herdou este Governo - importa que se diga com toda a clareza - uma situação que o obriga às metas orçamentais do défice do sector público administrativo de 5,8% do PIB em 1995, de 4,3 % em 1996 e de 3% em 1997, pelo que a existência de duas vertentes apontadas no ciclo quadrienal da actividade financeira do Governo é, só por isso, natural e necessária: 1996 e 1997, rigor; 1998 e 1999, aproveitamento dos benefícios desse rigor com dinamismo equilibrado.
Conforme disse, este Governo herdou, quanto ao programa de convergência, uma decisão a que é alheio, mas que lhe cumpre honrar, no quadro da negociação política global na União Europeia, pois Portugal tem uma só palavra, a dos Governos que legitimamente o representam em cada momento. O compromisso de aceitação destas metas foi tomado pelo Governo anterior. Acresce que o nosso país se encontra sob advertência do Conselho, nos termos do artigo 104º-C do Tratado de Roma, o que significa que para Portugal, tal como para a Espanha e para a Grécia, o não cumprimento das metas da convergência relativas aos défices excessivos, e só estas (estas é que são metas privilegiadas relativamente às outras, da convergência nominal), poderá determinar a aplicação de sanções por deliberação do Conselho.
Sublinho ainda que contra o voto de Portugal, da Espanha e da Grécia, os outros Estados membros no Conselho, em 24 de Julho passado, afirmaram uma posição, que sustentamos ser ilegal, mas não podemos ignorar no plano dos factos, segundo a qual o não cumprimento das metas relativas a défices excessivos provocaria a cessação do financiamento de novos projectos pelo Fundo de Coesão. Toda esta é uma situação complexa, inteiramente por nós herdada, e que não pode a Assembleia da República, que é comparte com o Governo nas rotas da Europa, ignorar. Procuraremos negociá-la o melhor possível, mas é assim que ela se configura.
Acresce, porém, que, com estas metas ou outras (e confesso que, pessoalmente, teria preferido outras), o rigor quanto ao Orçamento do Estado é um objectivo que temos por positivo em si, obrigando a eliminar desperdícios e esbanjamentos pois é essa a única forma de reduzir o peso negativo do sector público na economia e essa forma tem que se concretizar, necessariamente, não em aumentos fiscais, que foram rejeitados pelo programa eleitoral e também por este Programa do Governo, mas na redução da despesa pública de desperdício. A luta contra o desperdício - e neste aspecto também lamentamos a herança de descontrolo financeiro em que encontrámos a administração pública - é um caminho fundamental para que estas metas orçamentais sejam cumpridas. E ao mesmo tempo sublinho que o não agravamento dos impostos significa que vamos lutar contra o desperdício do Estado, mas aumentar o rendimento disponível dos portugueses. A opção pelo não agravamento dos impostos significa isto: não reduzir o rendimento disponível dos portugueses.

Aplausos do PS.

Neste contexto, que é claro, que corresponde a um compromisso assumido durante as eleições e corporizado neste Programa de Governo, a estratégia orçamental para estes dois primeiros anos é clara: não agravamento fiscal, luta contra o desperdício e contenção real da despesa limitando o crescimento às despesas privilegiadas - de formação e qualificação e de carácter social -, estabilidade cambial com a correspondente criação de condições para a descida das taxas de juro, desinflação tão vigorosa quanto possível e uma responsável moderação salarial. Tudo isto, no seu conjunto, representa uma política indissociável, cujos resultados seriam definitivamente comprometidos se, por alguma razão, algum destes vectores fundamentais fosse posto de lado. Em suma, o rigor necessário, sobretudo orçamental, é uma condição de desenvolvimento duradouro, de justiça e de solidariedade, tem sentido social e de desenvolvimento e não é uma mania economicista, nem uma imposição tecnicista do Orçamento. Trata-se do Orçamento ao serviço dos portugueses e não dos portugueses ao serviço do Orçamento.

Aplausos do PS.

A terceira palavra-chave do Programa do Governo é, como se sabe, relançamento de uma economia que em 94 estava começando a recuperar mas que em 95 se viu combalida por uma conjuntura político-social muito desfavorável. Como foi mencionado há pouco pelo Ministro António Vitorino, ela entrou em desaceleração no terceiro trimestre de 1995 (também por razões externas, mas igualmente por razões internas) e assim continua, obrigando a

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rever em baixa a taxa de crescimento. Ainda hoje o boletim trimestral do Banco de Portugal que foi distribuído a revê para valores entre 2,5/3%, mais próximos provavelmente de 2,5%.
A prioridade que damos ao relançamento da economia para 1996 exprime-se, assim, na necessidade de atribuir aos sectores produtivos, em particular aos privados, uma compensação activa pelas eventuais consequências do rigor orçamental. Mas não se exprime menos no facto de propormos um objectivo global de crescimento da ordem de 3 % em termos reais para 96, de pensarmos que a meta da inflação (prosseguindo a política de desinflação) deverá ser tão baixa quanto possível, pois só lutando contra a inflação é possível criar emprego a médio e longo prazo, como diz o Livro Branco Sobre o Emprego, da Comunidade, e de entendermos que a estabilidade cambial, em termos razoáveis e moderados, é a única forma de atrair factores produtivos à economia portuguesa e de os conservar no seu interior numa economia aberta em que inevitavelmente vivemos e ao mesmo tempo de conseguir que o custo do dinheiro seja cada vez mais baixo para as empresas e também para os consumidores portugueses que querem acesso, legitimamente, aos seu automóvel, à sua habitação própria e têm hoje de pagar juros muito caros. Tudo isto é um conjunto, o do relançamento com desinflação, que constitui uma imprescindível base da confiança dos agentes económicos, sem a qual não haverá nem investimento nem descida das taxas de juro.
A política em que apostamos é a de relançamento imediato mas também de relançamento sustentado ou duradouro, pensando que só ela tem condições para, havendo sentido de responsabilidade de todos os agentes envolvidos, diálogo e capacidade de concertação estratégica, assegurar duradouramente a criação de novos empregos, a competitividade da economia portuguesa, o aumento dos rendimentos reais dos trabalhadores, em particular dos mais desfavorecidos, e uma situação duradoura de poupança orçamental, que permita ao Estado ter políticas sociais eficazes em vez do actual desperdício muito generalizado.
Só por este caminho o Programa do Governo, com a prioridade que dá à informação e qualificação, à reposição da justiça, à luta contra a carência e a exclusão será realizável, mas, certo que estou de que haverá determinação e capacidade de concertação estratégica para prosseguir esse caminho, também estou certo que igualmente neste ponto o Programa do Governo será com realismo realizado.
Em último lugar, este é um Programa que aponta, a mais longo prazo ainda, no sentido do melhor futuro desejável para a economia portuguesa, o qual tem como vector inevitável e decisivo, por isso neste momento polémico, e ainda bem, a relação com a União Europeia. Não somos fundamentalistas da convergência nominal, entendemos que a prioridade da coesão e do desenvolvimento conjunto da União Europeia assentam na convergência real e, ao serviço desta, a convergência nominal, e sentimos perfeitamente que modelos que fossem exagerados ou alheios à realidade nacional, buscando apenas a convergência nominal a todo o custo, podem provocar, numa economia atrasada e traumatizada como a nossa, mais custos do que proveitos. Mas pensamos que a proposta actual, sempre no âmbito da negociação global da União Europeia e do acompanhamento dos resultados da execução em Portugal, como nos outros países em condições semelhantes, é, apesar de tudo, uma proposta realista, uma proposta que não nos afasta do concerto critico sobre as políticas de convergência nominal que não devemos aceitar de modo acrílico e passivo mas que seria também irresponsável divorciar isolando-nos no contexto da União Europeia e criando desconfiança dos agentes económicos relativamente à estabilidade e à capacidade de solidez da economia portuguesa.
A nossa capacidade de negociação na União Europeia condiciona necessariamente toda a nossa capacidade efectiva no mundo de reforçarmos os vínculos com os parceiros de expressão portuguesa e de outras áreas próprias em que as empresas cada vez mais devem competir e trabalhar; de reforçarmos a estabilidade macroeconómica e a competitividade global, os dois grandes desafios da nossa economia; de reforçarmos a capacidade de atrair investimento e iniciativa e de dar confiança, num mundo aberto e globalizado, na estrutura produtiva, no mercado, português de capitais, de bens intermediários ou de bens de consumo, a todos os agentes económicos dentro e fora, pois as fronteiras, hoje, são as da confiança, não as das barreiras administrativas, que já não existem, e ainda bem.
É pela confiança que conseguiremos localizar em Portugal o melhor dos recursos produtivos portugueses e estrangeiros que soubermos atrair, é pela confiança que criaremos uma base sólida para, estando em boas, condições, aceder à terceira fase da UEM, apresentando bons resultados em 1996 e 1997 e nos colocarmos numa boa posição para aquilo que virá a ser a redefinição de peças dos países na Europa do séc. XXI, processo que ainda está em curso e no qual é essencial apresentar bons resultados mas ter a consciência de que se trata de uma negociação permanente, não de uma corrida para uma meta pré-fixada.
Em resumo, diria que a aceitação dos objectivos da União Europeia, incluindo a União Económica e Monetária, representa uma aposta decisiva na capacidade de realizar melhor os interesses de Portugal e dos portugueses com visão estratégica e não de pôr termo à nossa independência secular. A independência das nações no séc. XXI vai depender da formação das pessoas que as integram e da solidez da economia que representem. É nisso que apostamos, não em modelos passadistas e obsoletos de independência, mas essa é a independência do futuro.
Permitam-me, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, que conclua, dizendo que este não é um Programa de mediocridades e de facilidades, que também não é um Programa de acomodação aos interesses instalados, às pressões de grupos ou aos egoísmos individuais e colectivos. É um Programa que pretende viabilizar, na participação e no diálogo, objectivos de solidariedade e justiça social, objectivos de formação e qualificação e, no campo económico, criar, com essa finalidade, uma base sólida que permita valorizar o homem português num mundo exigente, globalizado e em mudança e no qual vai trabalhar, consumir e, em suma, viver. Não é na facilidade ou na ignorância das leis económicas, nos sucessos despropositados de consumismo ou nas expectativas irrazoáveis de melhorias sucessivamente rápidas que esse futuro poderá assentar, mas apenas na capacidade de fazer agora algum sacrifício moderado e proporcionado para construir um futuro melhor.
Permitam-me que cite, para concluir, uma frase, dita num outro contexto, mas aplicável a esta situação, de um grande filósofo da ciência, Canguilhem, falecido este ano: «antes de ser irmã do sonho, a acção é filha do rigor».

Aplausos da PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, cumpre-me agradecer as generosas considerações iniciais do Sr. Ministro

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das Finanças e dizer-lhe que esta Casa se sente muito honrada com o seu regresso, uma vez que ela é também sua.
Estão inscritos, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro, os Srs. Deputados Carlos Encarnação, Octávio Teixeira, Joel Hasse Ferreira, António Lobo Xavier, Guilherme Silva, Rui Rio, Francisco Torres, Mira Amaral, Leonor Coutinho, Manuela Ferreira Leite e Arménio Santos.
Peço aos Srs. Deputados que se circunscrevam o mais possível aos três minutos regimentais de que dispõem, de modo a não transformarmos os pedidos de esclarecimento em outras tantas intervenções e para fazermos uma tentativa honrada de, antes de interrompermos a sessão para almoço, acabarmos esta lista de pedidos de esclarecimento e as correspondentes respostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, tentarei corresponder à solicitação que fez, reduzindo ao mínimo o meu conjunto de perguntas.
Sr. Ministro das Finanças, gostaria de lhe relevar, em primeiro lugar, o meu imenso respeito e consideração pelo saber profissional de V. Ex.ª, o qual, certamente, fez com que tivesse sido indigitado, indicado, pelo anterior Primeiro-Ministro para Presidente do Tribunal de Contas.
Sei do seu espírito de rigor e de exigência nas contas públicas e sei que manterá o mesmo espírito agora, na veste de Ministro das Finanças. De igual modo, não ignoro que irá travar uma luta sem quartel contra o facilitismo. Aliás, V. Ex.ª já o comprovou ao demarcar-se e ao denunciar a demagogia da promessa do aumento salarial dos funcionários públicos superior à inflação. Espero que o Partido Socialista não transforme V. Ex.ª em mártir, pois seria a última coisa que eu desejaria que lhe acontecesse.

Risos do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - Comovente preocupação!

O Orador: - É neste espírito que, reconhecendo em si o governante rigoroso e o homem sério, gostaria de lhe colocar duas questões muito simples.
V. Ex.ª sempre defendeu o aumento dos poderes de verificação do Tribunal de Contas. Não lhe poderia, aliás, reconhecer outra posição. Mas quando li o Programa do Governo verifiquei que, certamente contra a sua opinião e também a do Sr. Presidente da Assembleia da República - recordo um brilhantíssimo projecto de lei apresentado em tempos pelo Sr. Deputado Almeida Santos neste Parlamento -,...

O Sr. José Magalhães (PS): - E chumbado pelo PSD!

O Orador: - ... se prevê, em dois momentos, a progressiva eliminação do visto prévio do Tribunal de Contas para as autarquias locais e para a administração central. Foi, da parte de V. Ex.ª, uma cedência? Foi, da parte de V. Ex.ª, uma actualização de pensamento? Ou foi uma transferência de responsabilidade, a título pessoal, do antigo Presidente do Tribunal de Contas e assumida agora pelo Ministro das Finanças? Hoje concorda com o princípio do «gaste agora, verifique-se depois»? Mudou para um procedimento liberal, no que toca ao visto prévio do Tribunal de Contas?
A segunda questão tem a ver com uma evidente menor elegância do Sr. Primeiro-Ministro, na apresentação do Programa do Governo, e com o lançamento de uma «cortina de fumo» para o debate. Falou-se e continua a falar-se de um buraco. Trata-se de um buraco providencial, que porventura aumenta cada vez mais de dimensão à medida que a verificação das promessas encurta, à medida que as pessoas verificam que abriram a boca demais para prometer e que, nesta altura, têm menos para pagar.
Mas, felizmente, V. Ex.ª já tranquilizou os portugueses ao dizer, e ao não desmentir, no Diário de Notícias de ontem que se trata de uma «má interpretação de uma informação que já estava disponível». Contra aquilo que pensa o Sr. Ministro Daniel Bessa - ainda ontem o pensava -, V. Ex.ª diz mesmo que desmente assim a existência de uma surpresa desagradável nesta matéria, pois trata-se apenas de uma má gestão das empresas públicas e não é um problema que exija uma solução imediata.
Por isso pergunto: sendo assim, V. Ex.ª já deu conta dessa sua impressão ao Sr. Primeiro-Ministro? E S. Ex.ª, o Primeiro-Ministro, ficou mais tranquilizado? Ficou ou não menos preocupado?
Um comentário final, Sr. Ministro das Finanças: V. Ex.ª tem a felicidade de iniciar um Governo com um comentário do Finantial Times que diz: «Um panorama favorável para o Governo socialista». V. Ex.ª desmente ou confirma este título? Tem consciência de que, na verdade, o panorama é como o Finantial Times diz ou, pelo contrário, é o de um buraco cada vez mais agravado, que o Sr. Primeiro-Ministro, por artes mágicas, tirando o «coelho da cartola», vai desembrulhando ao longo do tempo?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que o Sr. Ministro das Finanças responderá aos pedidos de esclarecimento em grupos de três.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, começo por o cumprimentar no exercício das suas novas funções. Certamente iremos ter muitas oportunidades para tratarmos destas matérias, mas hoje terei de ser muito sucinto.
Conhecendo eu o rigor que o Sr. Ministro usa e tem usado sempre em todas as matérias a que se dedica, antes de mais peço-lhe que clarifique bem a questão do rigor orçamental. Na sua intervenção, teve o cuidado de dizer que «rigor» não quer dizer «austeridade» e depois referiu-se a rigor orçamental em 1996 e 1997 e a aproveitamento dos benefícios desse rigor em 1998 e 1999. Pergunto-lhe: em 1998 e 1999 o Governo não pretende ter rigor orçamental ou, pretendendo tê-lo, aquilo a que chama rigor orçamental em 1996 e 1997 está, de facto, mais próximo da austeridade do que do rigor?
A segunda questão tem ainda a ver com o problema do défice orçamental e com esse rigor orçamental. O Sr. Ministro compreenderá e saberá que, contra o rigor nada temos e nada tenho. Mas tenho algo contra aquilo que, muitas vezes, é apelidado de rigor e não é feito. A questão que coloco é esta: pode haver rigor completamente diferente de cumprir os 3% impostos pelo Tratado da União Europeia? E que pode e deve haver rigor orçamental, tal como no défice. No entanto, nada obriga, nada impõe económica e socialmente ao nosso país que tenham de ser os 3% do défice orçamental.
O Sr. Ministro referiu ainda, a respeito deste problema, o de atingir os 3%, que «aqui estão os 4,3% para 1996, os 3% para 1997 e, se não fizermos isso, se não cumprirmos

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isso, temos a União Europeia em cima de nós, temos penalizações». E disse também: «sabemos que a decisão é ilegal, mas foram nove contra três, embora reconhecendo que a decisão é ilegal». Parece-me haver aqui uma posição diferenciada entre o Ministro das Finanças e o Ministro dos Negócios Estrangeiros, no tratamento e na postura, perante a União Europeia: enquanto o Ministro dos Negócios Estrangeiros, há dias, mostrou firmeza e declarou que iria ser firme, por exemplo, em relação às pescas, o Sr. Ministro das Finanças diz-nos que em relação a esta questão, embora sabendo e considerando que é ilegal, nada vai fazer, limitando-se a cumprir aquilo que é ilegal, precisamente com medo daquilo que é ilegal.
Terceira questão: o relançamento da economia. Todos sabemos que 1995 o crescimento económico continua a desacelerar e sabemos por que razão isso acontece. Em 1994, aqueles senhores que estavam no Governo, o PSD, apostaram, afirmando-o claramente muitas vezes, que a recuperação económica teria de se realizar pela procura externa. Ora, esta, agora, começou a desacelerar e, como não se apostou e não se aposta na procura interna - e isso parece-me ser algo que o Governo também pretende fazer, isto é, não apostar na procura interna -, então, temos novamente a desaceleração, e esperamos que não ter, a curto prazo, nova estagnação ou recessão.
No que toca à inflação, alegadamente, segundo a comunicação social, o Sr. Ministro das Finanças terá apontado para uma meta de 3% para 1996. Eu digo «alegadamente» porque só li essa declaração na comunicação social. No caso de isso ser verdade, de essa afirmação ter sido feita, Sr. Ministro das Finanças, pergunto-lhe se não se trata, no mínimo, de um voluntarismo excessivo e, fundamentalmente, o seguir daquilo que foi prosseguido por Governos anteriores, o tentar, no início dos exercícios económicos, apontar para uma meta de inflação muito baixa, de modo a impedir o crescimento real dos salários. Coloco-lhe esta questão em termos dubitativos porque o Sr. Ministro não a referiu aqui, apenas a li nos jornais e, por isso, não tenho a certeza de que tenha feito essa afirmação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, atingiu os três minutos, solicito-lhe que conclua.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Por fim, Sr. Ministro, apesar de não se ter referido a esta questão, mas considerando-a eu de extrema gravidade, gostaria de pedir desde já a opinião do Governo a tal respeito através da voz do Sr. Ministro das Finanças. Não sei se teve oportunidade de ler o Decreto-Lei n.º 211/95, que foi publicado pelo anterior Governo em 12 de Setembro. Esse diploma altera a Lei Orgânica do Banco de Portugal, retirando, para além do mais, inconstitucionalmente, a competência ao Governo em matéria monetária e atribuindo-a em exclusivo ao Banco de Portugal. Gostaria que clarificasse a posição do Governo sobre este Decreto-Lei e sobre esta retirada de competências ao Governo, de modo inconstitucional, para as atribuir exclusivamente ao Banco de Portugal.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, é com a maior honra que me dirijo a V. Ex.ª, brilhante expoente das moderna finanças públicas, homem conhecido pelo seu rigor e competência, pessoa que me habituei a apreciar também em algumas lutas comuns, nas quais V. Ex.ª teve, obviamente, um papel destacado.
Sr. Ministro, respeito o ponto de vista expresso no início da sua intervenção, mas julgo que será oportuno avançarmos no debate dos aspectos essenciais da situação que este Governo herda do anterior Executivo, ao mesmo tempo que procuramos aprofundar as vossas e as nossas perspectivas sobre quais serão os caminhos do futuro.
Assim, e sem mais delongas, formulo sinteticamente ao Sr. Ministro das Finanças algumas questões.
Sabemos que o Tratado da União Europeia estabeleceu um conjunto de critérios de convergência no domínio económico, financeiro e monetário. V. Ex.ª já nos esclareceu globalmente sobre a perspectiva do Governo a respeito da convergência real e nominal. Nesse sentido, a minha primeira questão é a seguinte: até que ponto a actuação do anterior Governo no domínio económico-financeiro dificulta ou prejudica o cumprimento futuro dos critérios de convergência expressos no Tratado?
Julgo que para a rigorosa avaliação da situação financeira do Estado português convém uma análise periódica das contas do Estado. Nesse sentido, a minha segunda questão é a seguinte: pode V. Ex.ª informar-nos sobre a situação actual e a previsibilidade de apresentação e discussão das contas do Estado?
Sr. Ministro das Finanças, a minha terceira questão relaciona-se com um ponto relevante da política de rendimentos preconizada por este Governo. No Programa menciona-se a nova lógica do valor acrescentado e a sua relação com os ganhos salariais no quadro de uma estratégia económica e financeira adequada. O que eu gostaria de saber, e certamente esta Câmara também, é como encara V. Ex.ª a evolução da política salarial, procurando compatibilizar, como é certamente sua preocupação, o rigor financeiro com a melhoria das condições de vida dos trabalhadores.
Sr. Ministro das Finanças, temos conhecimento global da existência de elevados défices acumulados de empresas públicas, nomeadamente nas áreas industrial e dos transportes, ultrapassando, segundo julgo, os 600 milhões de contos. Até que ponto esta situação herdada do anterior Governo poderá ser combatida eficazmente a curto e médio prazo, nomeadamente pela clarificação das funções sociais de algumas dessas empresas - por exemplo, na área dos transportes -, pela atempada negociação das adequadas compensações respectivas, pelo saneamento financeiro e operações de viabilização económica de diversas empresas nesse conjunto que estejam em situação económica difícil, pela eventual privatização de algumas delas, e na óptica e na lógica do Programa do Governo apresentado?
A concluir, uma última questão: até que ponto considera importante que os critérios de lógica económica, privilegiando o desenvolvimento económico nacional e a competitividade das empresas, possam, por um lado, vir a facilitar uma recomposição estratégica do posicionamento em vários sectores dos grupos económicos nacional e, por outro, possam ser compatibilizados com o importante objectivo, também expresso no Programa do Governo, de redução do stock acumulado de dívida pública?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças para responder ao primeiro grupo de três pedi-

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dos de esclarecimento, dispondo para o efeito de cinco minutos. Mas, dado ainda se encontrarem inscritos para o efeito vários Srs. Deputados, permita-me que lhe chame a atenção para a necessidade de uma gestão prudente, já não das contas públicas, mas do tempo global do Governo.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou ter de responder de forma telegráfica.
Sr. Deputado Carlos Encarnação, sempre defendi, muito antes de ser Presidente do Tribunal de Contas, nomeado pelo Sr. Presidente Mário Soares, sob proposta do primeiro governo do Prof. Cavaco Silva, que o visto prévio era uma forma de controlo ineficiente, arcaica e a extinguir e que o controlo do Tribunal de Contas devia orientar-se para auditorias e para apreciação e julgamento de contas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sempre foi essa a minha posição ao longo dos nove anos e meio em que fui Presidente do Tribunal de Contas, e continuo a mante-la agora.

Aplausos do PS.

As várias referências que este Programa do Governo contém a matéria de fiscalização do Tribunal de Contas contam com a minha inteira concordância. Só lamento que tenhamos perdido tanto tempo, dada a recusa de atribuição de poderes de auditoria e de meios de fiscalização ao Tribunal de Contas em relação a áreas importantes do sector público português, mas agora vamos recuperá-lo.

Aplausos do PS e do CDS-PP.

Quanto aos prejuízos das empresas públicas, os dados que foram publicados já estavam divulgados pelo Ministério das Finanças, não são novidade, mas permitia-me sublinhar três coisas: não significam qualquer necessidade imediata de endividamento; os prejuízos das empresas deterioram a sanidade da situação da empresa e mais nada, sendo certo que, a longo prazo, essa perda de saúde das empresas tem consequências negativas, mas, de imediato, não obriga a qualquer outra espécie de operação financeira; e ainda que houvesse necessidades imediatas de financiamento de caixa e de tesouraria de empresas públicas ou ainda que haja a contabilização de défices avultados para este ano - o que, neste momento, está em apuramento - isso nada terá a ver com a situação do défice a que nos referimos, quando falamos dos critérios de convergência nominal, porque esse é um défice do sector público administrativo, não tem a ver com o sector empresarial.
Portanto, há aqui uma série de situações a distinguir, que não podemos misturar. Todas elas fazem parte, como vários de nós sabemos, da análise bastante técnica da situação do sector público português e não podem ser misturadas.
Os prejuízos das empresas públicas significam, de facto, má gestão e, em alguns casos, falta de criação de condições para a sua boa gestão. É que se lhes são impostas obrigações de serviço público e não lhes são dadas contrapartidas, continua a haver má gestão, mas nesse caso a culpa não é dos gestores, mas, sim, de quem os colocou nessa situação.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não é por serem públicas?

O Orador: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, quanto ao rigor orçamental para 1998 e 1999, vamos lá ver se nos entendemos. Disciplina e contenção orçamental são sempre necessários, mas é evidente que, se conseguirmos, como creio que vamos, conseguir, realizar estes objectivos, então, em 1998 e em 1999, será possível ter uma situação do Orçamento do Estado mais equilibrada, que possibilitará, naturalmente, uma política de despesas mais larga, digamos assim. Ou seja, esta política justifica-se sobretudo em função da correcção de desequilíbrios estruturais, mas também pela possibilidade que der de melhor satisfação de necessidades a médio prazo, isto é, nos dois últimos anos do quadriénio do Programa do Governo. Terá de haver sempre disciplina, mas este é um rigor, digamos, excepcional. Depois dele, com os seus resultados, não significa que se caia no laicismo, mas poderá cair-se numa situação mais normal.
Em rigor, o Sr. Deputado sabe bem - e penso que já o sugeri -, nada impõe uma escolha relativamente arbitrária que sejam 3% em 1997. O problema está em que também Portugal se autovinculou, durante o mandato do Governo anterior, a esse número. Trata-se, por isso, de um compromisso do Governo português. Mais do que as sanções que existem, porque existem, o que me preocupa - e penso que ao Governo também - é que há um compromisso e que ficaremos mal, sendo o compromisso cumprível, se não nos esforçarmos por o cumprir.
Mas eu disse também que, não podendo deitar para trás das costas um compromisso do Governo anterior, deveremos inserir esta matéria numa negociação permanente. Muito provavelmente, a convergência nominal terá de ser aferida pelos desgastes que cause nas economias que a ela estão sujeitas. E se nós, tal como o Instituto Monetário Europeu acaba de reconhecer no primeiro relatório sobre convergência nominal, somos os melhores no grupo dos piores - não sei se isto, é ou não consolação -, significa que estaremos em melhores condições de cumprimento do que os outros países da convergência na Europa do Sul, não do que a Irlanda, evidentemente, que é um caso de enorme êxito na convergência nominal e real.
Se estamos nessa posição, teremos, certamente, algum proveito a tirar de uma renegociação global, mas tal significa que a Europa é uma negociação permanente. Não devemos esquecê-lo, devemos dar a prioridade aos interesses nacionais e devemos, com muito rigor, bater-nos por essa prioridade. Não creio que fosse dar prioridade aos interesses nacionais renunciar agora a um objectivo realizável com que o anterior Governo português se comprometeu, que tem aspectos positivos, embora possa ter uma dimensão eventualmente exagerada para a capacidade de regeneração do sector público português.
No que se refere à inflação a 3%, devo dizer que nunca disse isso dessa maneira. Disse, sim, que na perspectiva de 1996 - está gravado, e até passou num dos canais de televisão -, temos de apontar a tendência do referencial da inflação para 3% e não para 4%. Devemos continuar a ser ousados na tendência do referencial da inflação, exigindo a continuação de uma política de desinflação, porque a inflação corrói a competitividade da economia e a possibilidade de criação de emprego.
Há dois objectivos fundamentais económico-sociais portugueses que se nos relaxarmos em matéria de inflação estarão definitivamente comprometidos. Mas é evidente - e recordei depois - que a zona crítica na medição da sensibilidade dos aumentos salariais está precisamente entre 3% e 4%, porque é nessa zona que se vai situar a variação dos 12 meses do próximo ano. Se projectássemos os primeiros nove meses deste ano, sabemos que chega-

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vamos - é um exercício meramente teórico - , no fim de 1996, a 3,6%. Já sabemos que a média dos países europeus foi, no ano passado e este ano, de 3,2%.
Portanto, não se trata de valores que estejam fora do nosso alcance, mas é evidente que o Governo não propôs nada disso e posso antecipar que certamente não irá propor um valor seco de 3%; trata-se de uma faixa de variação, em que a tendência de 3% tenderá, se a política de desinflação for realizada, a ser predominante sobre a tendência de 4%. É este o sentido do que disse.
Quanto ao Decreto-Lei n.º 211/95, estamos a estudá-lo e a ouvir a opinião do Banco de Portugal. Sabemos que está pendente um pedido de ratificação e será, porventura, essa a altura apropriada para que o Governo tome posição.
Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, quanto à convergência já disse o que havia a dizer e quanto à herança do Governo anterior devo dizer que há aspectos positivos e aspectos negativos e que a herança tem de ser aceite a benefício de inventário. Efectivamente, penso que, nessa perspectiva, alguns aspectos positivos já foram sublinhados e que alguns dos negativos e a própria aceitação sem mais dos valores que nos foram impostos também têm de ser sublinhados.
No que se refere à Conta do Estado, é um dos aspectos negativos de que dou conta à Assembleia em primeira mão, porque a esta se destina a Conta Geral do Estado e depois o relatório do Tribunal de Contas que sobre ela incide. Desde 1989, as contas gerais do Estado foram apresentadas no prazo legal, mas os documentos que encontrei no Ministério das Finanças indicam-me que, segundo a Direcção-Geral da Contabilidade Pública, o melhor prazo para apresentar as contas de 1994 - o prazo legal seria o fim deste ano - será o dia 3 de Março de 1995. Lamento ter de ser eu a subscrever esta informação à Assembleia da República e ao Tribunal de Contas de que o prazo legal não vai ser cumprido, mas compreenderão que é uma situação que herdei e que não posso modificar.
Relativamente à política de rendimentos, é óbvio que, em negociações salariais, sector a sector, empresa a empresa, teremos de considerar sempre o coeficiente de actualização e a partilha dos ganhos de produtividade. É evidente que é essa a base de qualquer negociação salarial. Não se pode extrapolar de considerações feitas num outro sentido para algo que não está em causa e que, porventura, não está na competência do Ministro das Finanças. Este é o critério de concertação salarial, que, no entanto, não pode deixar de ter em conta o enquadramento macroeconómico geral.
Sobre o predomínio da reconstituição do tecido produtivo nacional, penso que passa também, embora não só, pela ideia de que, na economia em que vivemos, os países, sobretudo os mais fracos, precisam de grupos económicos desenvolvidos e competitivos. Limitar o poder económico é positivo, mas ter grupos económicos é imprescindível.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, quero saudar V. Ex.ª, o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo pela circunstância de terem acolhido no Programa do Governo uma proposta concreta do PSD, incluída no seu manifesto eleitoral e no seu programa regional, que é a assumpção da necessidade de regulamentar as relações financeiras entre as regiões autónomas e o Estado.
V. Ex.ª referiu expressamente, na sua intervenção, essa preocupação do Governo, falou mesmo na necessidade de regras estáveis e, por isso, gostaria de saber se o Governo comunga daquela que é a minha posição, e, tanto quanto sei, é também a posição das regiões autónomas, no sentido de esta matéria ser regulada nos estatutos das regiões, porque entendemos que, estando aí, ganha uma estabilidade maior e reforça o que me pareceu ser preocupação de V. Ex.ª.
Uma outra pergunta tem a ver com o seguinte: dos elementos que constam do Programa do Governo não há uma indicação precisa de quais são as preocupações que inspiram o Governo nesta proposta de regulamentar as relações financeiras entre as regiões e o Estado.
A outra questão é a dos timmings que, eventualmente, o Governo tem previstos para essa iniciativa. Pergunto, então, se quer regulamentar a tempo de o Orçamento para 1996 ser já contemplado por estas regras e, caso entenda não haver tempo para isso, se quer, ao menos, na prática que vai adoptar em relação ao Orçamento para 1996, deixar já transparecer os princípios e as ideias que possam inspirar essa regulamentação.
Ainda uma outra questão que o Programa do Governo refere como um dos pontos que, eventualmente, deverá ser inserido nessa regulamentação, é relativa a uma redução da pressão fiscal nas regiões. Ora, gostaria que V. Ex.ª concretizasse em que termos é que o Governo prevê essa redução da pressão fiscal, ou seja, se se trata da não aplicação nas regiões de determinados impostos que, neste momento, estão previstos para o todo nacional, se se trata de uma redução das taxas de alguns desses impostos nas regiões. Em suma, qual é efectivamente a forma que o Governo prevê para, nesta sede, dar cumprimento a este seu compromisso de redução da pressão fiscal nas regiões.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: De facto, existe uma circunstância política importante que rodeia o discurso do Sr. Ministro das Finanças: não escondamos que as maiores expectativas do País em relação à actuação deste Governo estão ligadas, fundamentalmente, ao tipo de actuação que o Sr. Ministro hoje tem a seu cargo e ao modo como vai ser desenvolvido certo tipo de políticas sociais. Quanto ao Sr. Ministro das Finanças, a curiosidade e a expectativa dos observadores divide-os entre aqueles que esperam para ver como é que é possível fazer uma milagre dados os objectivos e aqueles que, como eu, têm um profunda consideração pelo Sr. Ministro das Finanças e, quanto ao desempenho do cargo, têm a expectativa importante de ver em acção a competência, a dignidade e a seriedade que o Sr. Ministro representa e que nós aqui muitas vezes procurámos defender ao longo dos últimos anos.
No debate político em torno destes primeiros tempos de funcionamento do Governo há um dado que me parece curioso, embora se possa dizer que sou parcial: na acção e no discurso político, o Governo vem mostrando alguma compreensão e algum realismo em matéria de União Europeia, que em muito pontos - isso é notório -, objectivamente, revela uma compreensão por certos pontos de

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vista do Partido Popular. Nós não sabemos bem se é realismo ou se é um conhecimento de dificuldades mais profundo do que a nossa simples intuição e previsão. Oxalá seja só realismo!
Mas, neste caminho de compreensão das posições do PP em matéria europeia, eu queria falar e discutir com o Sr. Ministro o que pensamos sobre os critérios de convergência. É que nós, em primeiro lugar, pensamos que os critérios de convergência colocam em Portugal um problema político: aqueles que aderiram de forma vincada e absoluta a esses critérios de convergência têm de ser responsabilizados pois fizeram muito pouco pelo cumprimento dos mesmos, nomeadamente pela forma como combateram a inflação com meios menos adequados e como permitiram que o défice se agravasse do modo em que se agravou nos últimos anos, embora com algumas variações.
O segundo problema político dirige-se ao PS e estaremos aqui para lembrá-lo: se o PS adere aos critérios de convergência, porque é que, apesar de tudo, não reprimiu a tentação de formular as várias promessas, que, na sua parte essencial, só podem ser cumpridas à custa da utilização acrescida de recursos públicos. Do nosso ponto de vista, Sr. Ministro, os critérios de convergência são um problema para o País, porque podem ser bons objectivos para a política económica interna, mas, quando são objectivos para uma integração económica e monetária, são altamente limitadores, pois são condição necessária dessa integração na UEM, mas não são condição suficiente. E, então, pode acontecer que se possa entrar na UEM, mas que já não se tenha economia. Aliás, hoje, nem sequer se sabe se esses critérios de convergência são condição suficiente; desconfia-se que, afinal, serão outros, que todo este esforço que o Sr. Ministro se propõe realizar será ainda pouco e, como ameaçam os ventos vindos da Alemanha, não será com certeza suficiente.
As perguntas concretas que lhe queria fazer são estas - e não lhe vou falar das promessas que implicam despesa pública, mas das obrigações: quanto custa cumprir, finalmente, a Lei das Finanças Locais? Quanto custa cumprir, a tempo e horas, os contratos com os fornecedores do Estado? É que se foram efectivamente realizados, só estes dois cumprimentos de obrigações asseguram o cumprimento dos objectivos fundamentais para este primeiro ano? Tenho algumas dúvidas. Tem o Governo já o conhecimento total da situação da dívida das regiões autónomas e sabe já o que deve fazer quanto a essa matéria?
Por último, Sr. Ministro das Finanças, em nome dessa consideração que tenho por si, gostaria de colocar-lhe também esta dúvida do PP: será responsável pedir ao País o rigor necessário para a integração na UEM quando é tão reduzido o esforço de solidariedade no quadro da União?

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Apesar do discurso político dos milhões que entram em Portugal, é ou não é verdade que não existe nenhum modelo de integração económica nem nenhum sistema de federalismo financeiro em que o volume afectado à perequação entre os Estados seja tão reduzido como é na UEM.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Não é este um problema suplementar para nós, que deve ser encarado de frente? É ou não verdade que dizer simplesmente ao País que é preciso rigor para cumprir os critérios de convergência sem ao mesmo tempo lutar por outra perequação entre os Estados é também uma forma de abdicação? E ou não é verdade?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, pensava abordar a temática dos aludidos «buracos», mas depois da explicação que V. Ex.ª aqui deu estou satisfeito. Não há buracos escondidos e os «buracos» que existem não têm directamente nada a ver com o Orçamento do Estado, logo, directamente, não têm nada a ver com o cumprimento ou não cumprimento das promessas do PS. E pedia-lhe, Sr. Ministro, que o explicasse a alguns Membros do Governo que, neste momento, se têm saldado como verdadeiros «caçadores de buracos» na tentativa de se desculpabilizarem. Por favor, dê essa explicação, para acalmar esta fobia dos «buracos».

O Sr. Ministro da Presidência: - Além de «buracos», há «crateras»!

O Orador: - E, por exemplo, também pode haver «alçapões», Sr. Ministro. Julgo mesmo que este discurso dos «buracos» é um verdadeiro «alçapão» político!
Sr. Ministro, gostaria de fazer-lhe duas perguntas muito concretas. V. Ex.ª falou de rigor orçamental, que subscrevo inteiramente não só para o próximo, mas para todos os anos até ao fim das nossas vidas, mas sabe perfeitamente que o rigor é do lado da despesa, mas também é do lado da receita. Do lado da receita conta com o aumento do produto, mas vai contar essencialmente com o combate à evasão fiscal. E, se conta com o combate à evasão fiscal, gostaria de saber a sua opinião de sobre aquela ideia peregrina de alguns Membros do Governo de perdoarem as dívidas dos clubes de futebol ao fisco, tal como foi publicado nos jornais. A minha pergunta muito concreta ao Sr. Ministro das Finanças, que é o primeiro responsável nesta área, é no sentido de saber se está de acordo com aqueles que defendem que os portugueses que ganham 60 contos por mês devem pagar os seus impostos e aqueles que ganham 6 000, 7 000 ou 8 000 contos por mês podem ver as suas dívidas perdoadas.
Mais ainda, se formos retirar dinheiro do Totobola às verbas da Misericórdia, entramos em flagrante contradição com aquele que tem sido o discurso político oficial do Governo e do Primeiro-Ministro. Assim, a minha pergunta é a seguinte: vai V. Ex.ª obrigar os clubes de futebol a pagar ou seus impostos ou vai dialogar com eles? É que se vai dialogar, então, peço-lhe aqui, em público, que me marque uma audiência no próximo mês de Agosto para que eu também possa dialogar com V. Ex.ª sobre o meu IRS.
Quero fazer-lhe uma última pergunta muito directa, Sr. Ministro, pois, depois de ouvir a sua intervenção relativamente aos salários da função pública, ainda mais confundido fiquei. O Sr. Secretário de Estado da Administração Pública diz que os aumentos para a função pública deverão ser seguramente acima da inflação; os dirigentes do PS na UGT dizem que os aumentos salariais para a função pública devem ser, pelo menos, de 6.5%; o Secretário Geral do PS dizia ainda recentemente, aquando da discussão da política salarial para 1995. que deveriam ser superiores àquilo que os próprios sindicatos do PS estão a pedir; o

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Primeiro-Ministro, esse, já não estará tanto de acordo com o Secretário Geral do PS e não é tão claro quanto a esta matéria dizendo que depende; finalmente, entendi que o Sr. Ministro das Finanças, em matéria de inflação, aponta para um objectivo que se situa entre os 3% e os 4%, que subscrevo e acho sensato e atingível. No entanto, sendo esse o intervalo para a inflação, se admitirmos o valor superior desse intervalo, 4%, e pensarmos nas promessas do PS e do Governo, poderemos hoje saber aqui qual o aumento que o Sr. Ministro das Finanças pensa poder dar à função pública, dentro dessa condicionante? Ou não pode dizê-lo e estamos perante o primeiro tabu do Governo «cor-de-rosa»?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Ministro das Finanças optou por responder em conjunto a estas três perguntas que acabaram de ser formuladas e a todas as que faltam, dou de imediato a palavra ao Sr. Deputado Francisco Torres, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Francisco Torres (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostava de saudar a preocupação de rigor de Sua Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças e saudar também a sua vertente humanista agora no Ministério das Finanças, que julgo não serem incompatíveis, muito pelo contrário.
Folgo em saber que V. Ex.ª reconhece que a estratégia macroeconómica do anterior Governo era a estratégia correcta, expressa no programa de convergência com a União Europeia, compromisso esse que não constitui um óbice à alteração da política deste Governo. Nesta matéria, tal como em outras matérias de política externa, não há compromissos, a não ser os que resultam do cumprimento expresso nos tratados, pois tudo o resto é uma negociação permanente.
Sei que o Sr. Ministro vai cumprir os compromissos de Portugal porque assim quer proceder, embora eles tenham sido assumidos pelo governo anterior relativamente a metas anuais. Tanto quanto sei, a primeira meta para este ano vai ser cumprida; as metas de 4,3%, para 1996 - estamos a falar do défice do Estado -, e de 3%, para 1997, serão os outros objectivos a cumprir por este Governo.
Julgo ser a estratégia correcta, mas, se é apenas esta a estratégia do Governo, parece-me pouco. Foi a do Governo anterior e, ao contrário do que aqui já se disse, ela foi cumprida.
De facto, em termos do cumprimento do crescimento dos défices excessivos, nós cumprimos o que está disposto na alínea c) do artigo 104.º. Mas, ao mesmo tempo que cumprimos, fizemos mais: Portugal, durante a última legislatura, aderiu ao SME, o que parecia ser muito difícil se olhássemos para a situação económica portuguesa há oito anos; liberalizaram-se todos os controlos à movimentação de capitais, como é do domínio público; foram feitas certas reestruturações internas no domínio financeiro e a inflação foi reduzida de forma drástica.
Não podemos, pois, esperar que este Governo se limite a adoptar o mesmo programa de convergência e se proponha reduzir apenas em um ponto a inflação, se tudo correr bem. É necessário fazer mais e, de facto, ligar esta estratégia de convergência nominal à estratégia de convergência real, o que foi bastante apregoado durante a campanha para as eleições legislativas.
Agora, Sr. Ministro, não percebo a preocupação de V. Ex.ª em temperar este discurso acertado e de rigor com algumas palavras como «economicista» e «fundamentalista» ou em ter falado na estabilidade cambial em termos razoáveis. Não sei o que isso é e, como sabe, é muito difícil defender a paridade da nossa moeda nos mercados financeiros tout court, quanto mais em termos razoáveis.
Ora, não sei se esta não passa de uma estratégia do PS, que tenho vindo a verificar neste debate e já anteriormente ao debate do Programa do Governo, de, por assim dizer, «piscar o olho» ao CDS-PP. Já em matéria de política externa parece visível que isso assim é. Usa-se uma série de qualificações para deixar contente o PP, que faz umas certas reivindicações nesta matéria europeia, mas não me parece que isso corresponda a qualquer substância em termos de implementação do Programa do Governo. Nomeadamente quanto à questão das pescas foi já reconhecido que talvez o acordo fosse equilibrado e que, consequentemente, nessa matéria, a Comissão até teria negociado um bom acordo.
Nesta questão macroeconómica, apesar de essas palavras terem sido utilizadas por V.Ex.ª, dá-me a ideia de que é um pouco a continuação do discurso anterior do PS, que foi contra a estabilidade cambial, contra o rigor orçamental porque - lembremos - achava que o déficit proposto para 1993 era demasiado pequeno, portanto, previa alargar o déficit mas, quando se alargou, depois protestaram. Não podemos esquecer que, na anterior legislatura, já em 1992, o déficit orçamental foi de 3,3%. com menos crescimento, com a mesma situação fiscal. Por isso, não me parece difícil alcançar a meta de 4,3% para 1996 - parece-me que deveria ser melhor. Só uma pequena pergunta, para terminar: dado que já foi aqui manifestada pelo Governo a preocupação quanto ao déficit democrático relativamente ao funcionamento e poder de iniciativa da Comissão Europeia, pergunto se V. Ex.ª tem prevista alguma iniciativa para a Conferência Intergovernamental de 1996 sobre o déficit democrático que caracteriza a União Europeia no actual momento em matéria monetária. Isto é, se preconiza maiores poderes ou para os parlamentos nacionais ou para o Parlamento Europeu para controlo do futuro Banco Central Europeu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mira Amaral.

O Sr. Mira Amaral (PSD): - Sr. Presidente. Sr. Ministro das Finanças, as suas declarações de hoje confirmam aquilo que eu conhecia de V. Ex.ª , as suas preocupações de rigor nas finanças públicas. Por isso, a minha curiosidade natural reforça-se: como é que V. Ex.ª vai coabitar com um Governo que tem naturais tendências despesistas? Essa é uma dúvida e uma curiosidade que tenho e que iremos esclarecer ao longo do tempo, designadamente no Orçamento e depois na sua execução. Mas permita-me que esclareça uma questão que também já percebi ontem das palavras do Sr. Primeiro-Ministro: como é que VV. Ex.as vão compatibilizar as promessas de duplicação do FEF (Fundo de Equilíbrio Financeiro), para as autarquias com o não cumprimento dessas promessas que já estão omissas no Programa do Governo? É muito simples: VV. Ex.as preparam-se para transferir mais competências para as autarquias e, naturalmente, ao transferir mais competências, vão transferir mais verbas. Vão utilizar o saudável e sempre utilizado princípio da «mochila» nas finanças públicas: às competências dão as verbas. Mas isso não é duplicação do FEF. Duplicação do FEF significaria, com as mesmas competências, duplicação dos meios financeiros para as autarquias. Não é isso o que VV. Ex.as fazem!

Vozes do PS: - Isso é que é despesismo!

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O Orador: - Foi isso o que VV. Ex.as prometeram! As autarquias, face às competências que tinham, não tinham os meios. Portanto, Sr. Ministro das Finanças, associo-me às suas preocupações de rigor, já percebi como é que vão vender este produto da duplicação do FEF, mas isto, tecnicamente, não é assim, não é correcto.
Segunda questão: V. Ex.ª falou sobre o sistema fiscal. Associo-me às suas preocupações de justiça e solidariedade sociais, mas penso que são dois instrumentos importantes do sistema Fiscal, numa economia de mercado com preocupações de justiça e solidariedade sociais, mas esqueceu-se de um terceiro vector - no quadro de uma pequena economia aberta inserida na economia global, um sistema fiscal tem de ter em conta a competitividade internacional das empresas. É que sem competitividade das empresas não há meios financeiros para praticar a tal justiça e solidariedade sociais que VV. Ex.as defendem e com as quais estou de acordo. Foi uma vertente que V. Ex.ª esqueceu.
Quanto às privatizações, VV. Ex.as, no vosso programa, enunciam umas declarações tão vagas, tão globais que eu diria que todos estamos de acordo. O problema é como é que isso é concretizado: por exemplo, relativamente aos grupos financeiros do Estado, VV. Ex.as vão manter dois? Mantêm só um? Ou querem, como o PP, que não exista nenhum e privatizam totalmente a Caixa Geral de Depósitos? Esta é uma questão central para o nosso sistema financeiro.
Outra questão nesta matéria, para utilizar uma expressão de que, certamente, o Sr. Primeiro-Ministro gosta muito - e eu também gosto: como é que VV. Ex.as vão fazer regulação estratégica, aquilo a que o ingleses chamam industry shaper, do sistema financeiro, sobretudo em mercados sensíveis, como o mercado da habitação e o mercado das PME, do ponto de vista económico e social, segmentos em que a concorrência internacional não funciona, obviamente. É uma questão-chave que tem a ver também com o processo de iberalização/privatização/consolidação do sistema financeiro e que é totalmente omisso no vosso programa.
Acerca dos «buracos» nas empresas públicas, V. Ex.ª já teve a elegância e o rigor de explicar que, tecnicamente, não há buracos, pelo que acrescento apenas que o relatório do GAFEP de 1994 mostra que, nesse ano, as empresas públicas não financeiras tiveram o melhor resultado consolidado dos últimos vinte anos.
Nesta matéria, e subscrevendo a sua preocupação de que às empresas públicas, muitas vezes, foram imputados compromissos políticos e não empresariais, por isso o problema não é dos gestores mas sim dos governos, gostaria que V. Ex.ª me esclarecesse sobre uma notícia que li hoje no jornal. É que, se for assim, se é que a EDP vai ter de pagar os custos de uma decisão política de não construção da barragem de Foz Côa. VV. Ex.as começam já mal. É uma decisão política legítima, com a qual não concordo, mas é uma decisão cujos custos devem ser pagos pelo Orçamento de Estado e não pelo consumidor de energia eléctrica, isto é, pelo sistema eléctrico português. É uma questão que vem na linha das suas preocupações nessa matéria.
Para terminar, Sr. Ministro das Finanças, gostaria de comentar aqui uma outra questão que foi abordada pelo Sr. Primeiro-Ministro: o célebre «buraco» financeiro no IAPMEI. Gostaria de dizer que não há nenhum buraco financeiro. O que aconteceu é que, em Julho deste ano, pedi ao Presidente do IAPMEI que fizesse um levantamento da situação financeira para ela ser transmitida aos ministros das finanças e, eventualmente, ao próximo governo e, como eu já sabia, este ano, há uma receita do IAPMEI inferior ao que estava orçamentado, mas o IAPMEI não tem dependido do Orçamento do Estado Existe um déficit orçamental este ano mas o IAPMEI tem saldos acumulados dos anos anteriores, pelo que poderá suprir essa insuficiência orçamental com o saldo dos anos anteriores. O IAPMEI gerou cash flows de sete milhões de contos, pagou impostos ao Estado de três milhões de contos - não há, pois, um buraco financeiro mas apenas um déficit orçamental neste ano. Portanto, não acho correcto, tecnicamente, dizer-se, como se pretendeu dizer, que havia um buraco financeiro nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Permito-me chamar a atenção do PSD para o facto de ainda não ter terminado a manhã do primeiro dia de debate e já terem gasto mais de metade do seu tempo global. Não me levem a mal, mas não gostaria de ver, amanhã, o PSD silenciado por falta de tempo.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

A Sr.ª Deputada Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Gostaria de saudar V. Ex.ª nesta sua primeira intervenção como Ministro das Finanças pela confiança que transmitiu e pelo rigor do seu discurso. Desse discurso, gostaria de salientar a explicitação que fez do propósito deste Governo de descentralizar recursos financeiros do Estado central para as autarquias e as futuras regiões.
Explicitou V. Ex.ª, como sempre defendeu esta bancada e de acordo com as propostas legislativas que apresentou na última legislatura, que esta descentralização de recursos seja acompanhada pela descentralização de funções e competências, aproximando cada vez mais o nosso Estado de um Estado moderno e da prática que se verifica nos outros países europeus em relação aos quais pretendemos a tal convergência real.
Esta orientação justifica-se não só pela grande centralização de recursos públicos que se verifica actualmente no Estado central, e que ultrapassa os 90%, mas também face a três objectivos que são extremamente importantes e que a justificam em si próprios: em primeiro lugar, a aproximação da capacidade de decisão das populações e, portanto, a capacidade de sanção dessas mesmas populações sobre essa capacidade de decisão; em segundo lugar, a maior eficiência na aplicação dos dinheiros do Estado, como, aliás, se prova em vários estudos sobre a matéria, em particular no que diz respeito a investimentos; e também na equidade e previsibilidade da distribuição dos recursos por todo o País. Penso que estes objectivos justificam, por si próprios, que caminhemos nesse sentido.
Vejo que o Sr. Deputado Mira Amaral desconhece todo o passado e os objectivos desta descentralização do Estado e de recursos. Por isso, gostaria que V. Ex.ª confirmasse a esta Câmara que esta descentralização se fará sem aumento da despesa pública global.

Vozes do PS: - Muito bem! É isso mesmo!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - A Mesa foi informada de que a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite e o Sr. Deputado Arménio Santos prescindem do uso da palavra.
Assim, dou a palavra ao Sr. Ministro das Finanças para responder globalmente a todas as perguntas formuladas.

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Dispõe, como sabe, de cinco minutos, sem prejuízo da habitual tolerância.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, agradecendo as saudações e as considerações muito ricas feitas em algumas das interpelações que me foram dirigidas, tentarei apenas responder.
Em primeiro lugar, penso que este Governo ainda não tomou posição e eu não quereria falar com o risco de tomar qualquer compromisso sobre o problema da inclusão nos estatutos das regiões das normas relativas às relações financeiras entre as regiões e o Estado; sublinharia apenas uma consideração que não conduz a conclusão nenhuma, e essa consideração é esta: em princípio, parece que se trata de matéria que tem a ver com as relações entre o Estado e as regiões - não é exclusivamente matéria de auto-organização, ainda que dinâmica, das regiões. Mas, repito, esta é uma dúvida que coloco, não é uma tomada de posição, que não há, da parte do Governo, em que eu poderia confundir a minha qualidade de Ministro das Finanças com a minha qualidade suspensa de jurisconsulto, porque não estou aqui a dar opiniões em matéria de direito constitucional financeiro.
Quanto ao timing para esta iniciativa da lei reguladora das relações entre o Estado e as Regiões Autónomas, parece evidente - e o Sr. Deputado Guilherme Silva sugeriu-o implicitamente na forma como formulou a pergunta - que, para o Orçamento de 1996, não poderá estar pronto.
Por outro lado, o programa do Governo prevê que, no Orçamento de 1996, se garanta o crescimento das transferências do Estado para as regiões a título de custos de insularidade, acompanhando a evolução da despesa orçamental. Portanto, de algum modo, o critério transitório imediato está definido no Programa do Governo. O critério definitivo terá de ser, obviamente, negociado. A ideia da negociação aplicar-se-á aqui aos órgãos legítimos do Governo próprio das Regiões Autónomas.
Portanto, uma lei desse tipo, seja qual for a sua natureza jurídico-constitucional e seja qual for a sua sede última, terá de ser uma lei negociada, comparticipada e, depois, decidida pelo órgão competente, que é a Assembleia da República. Julgo que, para o ano de 1996, teremos certamente tempo de encontrar soluções, já começa a haver alguma reflexão sobre a situação e algumas perspectivas de enquadramento e de solução no financiamento das Regiões Autónomas, começamos a ter material para reflectir e penso que, se dermos espaço ao diálogo durante o ano de 1996, será possível encontrar soluções que tenham em conta também experiências comparativas e a própria análise da nossa experiência, já muito rica.
O que o Programa do Governo diz é que a adaptação do sistema fiscal nacional às Regiões Autónomas assegurará uma pressão fiscal menor do que a média, garantindo que as regiões sejam atractivas e capazes de compensar aspectos negativos e efeitos desfavoráveis da insularidade económica. Há aqui, um duplo juízo de favorecimento fiscal global relativamente a Portugal e à União Europeia. Basicamente, há o compromisso de procurar que, no âmbito do processo de adaptação - o qual implica a atribuição, pela Constituição, de poderes próprios aos órgãos das regiões autónomas -, as regiões, já penalizadas a título de custos de insularidade, possam ser compensadas por um diferencial de pressão fiscal global. Tecnicamente isto pode conseguir-se de muitas mas também de poucas maneiras porque, nomeadamente, a harmonização da União Europeia limita-nos muito quanto à liberdade de escolha neste domínio, pois obriga-nos a ser relativamente homogeneizadores e será necessário encontrar - penso que através do diálogo entre os órgãos da República e os órgãos das regiões - formas de ver se esta compensação, prevista certamente pela Constituição ao mencionar a lei-quadro de adaptação dos sistemas fiscais regionais, é possível e em que termos no âmbito da harmonização fiscal da União Europeia.
Sr. Deputado António Lobo Xavier, para além de retribuir sinceramente a manifestação de muito apreço, quero sublinhar três aspectos: é evidente que não vim para aqui equipado - como Atena nasceu de Júpiter - com soluções para tudo e a problemática financeira, pelo lado do sistema de financiamento das autarquias locais e pelo dos contratos com fornecedores do Estado, é complexa.
Quanto ao sistema de financiamento das autarquias locais, respondia já a observações feitas pelo Sr. Deputado Mira Amaral e pela Sr.ª Deputada Leonor Coutinho. Fundamentalmente, o compromisso do Governo é o de repensá-lo em globo, em todo o caso, com a seguinte lógica: não se trata, pura e simplesmente, de aumentar o FEF sem afectação, o FEF gratuito, de fazer cair um pactolo de dinheiro sobre as autarquias locais (seria bom mas os recursos são escassos); trata-se fundamentalmente de atribuir poderes, responsabilidades e tarefas, hoje atribuídas a órgãos da Administração Central do Estado, às autarquias com os correspondentes recursos financeiros. Descentralização é isto, não esquecendo um critério adicional expresso no Programa do Governo, que foi lembrado pela Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, o de que não deverá haver aumento da despesa global do sector público.
Portanto, o que se tira de um lado em recursos, despesa e funções, terá de colocar-se no outro em recursos, despesa e funções. Sabemos que é fácil dizê-lo mas difícil fazê-lo; a crítica habitual é a de que há sempre pelo menos custos de atrito e riscos de duplicação. Não vale a pena ignorarmos as dificuldades; em qualquer processo de devolução de poderes, mesmo que bem pensado, estes dois custos existem e as fase de transição podem provocar acréscimo. E, se houver erros ou desatenções (lá está sempre a necessidade da vigilância e do controlo do desperdício), podem transferir-se poderes mas ficarem ainda alguns por transferir porque o aparelho central não quer perder todo o poder que tinha em determinada área de atribuições. Esses riscos existem, o processo tem de ser cuidadoso e rigoroso e relativamente lento porque é estrutural e tudo o que é estrutural leva tempo, mas penso que, se quisermos modernizar a estrutura financeira e a estrutura administrativa portuguesa, não temos outro caminho porque a alternativa de criar uma enorme concentração burocrática no aparelho da Administração Central, mesmo regionalmente desconcentrado, não é válida.
Em resumo, este problema é difícil mas possível e consta das prioridades do Programa do Governo nestes exactos termos. Não se trata, digamos, de um «bodo aos pobres» mas de transferir recursos e responsabilidades, de transferir meios e tarefas para executar.
O problema dos contratos com fornecedores do Estado é também complicado, particularmente, em áreas como as do Ministério da Saúde. Em toda a União Europeia, hoje, os sistemas de saúde financiam-se recorrendo abusivamente ao crédito de fornecedores, o que é negativo e provoca a incorporação de juros, uma pressão abusiva de fornecedores, uma certa clientelização do sistema, o aumento dos preços e o empolamento dos custos em virtude de o Estado ser mau pagador e recorrer sistematicamente a crédi-

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tos, acarretando depois a desigualdade de tratamento dos vários fornecedores.
É um sistema péssimo; simplesmente, apesar de tudo, é o que existe e que devemos reduzir, criando meios, que são muitos, quer para controlar o desperdício no gasto com a saúde, quer para reduzir prazos. São de evitar estas situações de desigualdade de tratamento, de clientelismo e a existência de custos demasiado elevados e com prazos as vezes muito alongados para o financiamento sistemático do Estado e dos seus sistemas de saúde à custa dos fornecedores. É evidente também que, para além de resolver este sistema, será necessário resolver o sistema do próprio sistema de saúde. É óbvio que se o sistema de saúde for mais plural, menos estadualizado, esta situação também diminuirá de importância, quer pelo efeito de uma certa concorrência implícita dos vários sistemas de saúde, quer pelo efeito de uma parte dos recursos irem para sistemas que procurarão ser geridos de uma maneira mais eficiente. Portanto, também aqui há necessidade de introduzir uma lógica nova.
Estou de acordo com a ideia de que a convergência constitui mais do que uma obrigação, embora tenha sido assumida pelo Estado português como tal; constitui um processo que é do nosso interesse na medida em que aponte para a convergência real e para a correcção de deficiências estruturais na economia portuguesa, nomeadamente, e suponho que o Sr. Deputado António Lobo Xavier estará inteiramente de acordo, dos défices excessivos. Não é nisso que se esgota a convergência. O Sr. Deputado Francisco Torres recordou diversos aspectos (a necessidade de prosseguir a política de desinflação e de reduzir a dívida pública) mas, em todo o caso, neste momento, é na perspectiva da União o aspecto privilegiado, até porque é aquele que tem um tratamento mais rigoroso nos termos do artigo 104.º-C e seguintes do Tratado de Roma, introduzidos pelo Acordo de Maastricht.
Portanto, estou inteiramente de acordo com a ideia de que a convergência é do nosso interesse, que temos interesse em aproximar-nos dos níveis dos países mais desenvolvidos da Comunidade, o que constitui mais do que uma obrigação imposta, pelo que devemos negociá-la em cada momento.
Sr. Deputado Rui Rio, quanto às observações que fez relativas ao sector empresarial do Estado, nada há a dizer. Sublinhava, no entanto, que não gosto de falar em «buracos», pois é uma expressão sem sentido técnico; pode significar a inexistência de dotações orçamentais, pode significar dificuldades de tesouraria nos pagamentos de determinados organismos autónomos ou serviços - chamados - simples com autonomia administrativa. É uma expressão jornalística mas que, desde o buraco da pedra que falta na calçada até ao buraco do vulcão, pode ter significados muito diferentes, sendo que os financeiros usam nomes diferentes para esses buracos diferentes. De todo o modo, isso será aqui abordado com certeza a propósito do orçamento suplementar. Há efectivamente situações com nos estamos a defrontar e a qualificar e que não quereria quantificar nem sequer analisar agora porque o momento próprio será a propósito do orçamento suplementar e não são situações conhecidas nem inteiramente nulas.
Quanto ao rigor orçamental e ao combate à evasão fiscal, julgo que já foi desmentido, se não estou em erro, que houvesse qualquer compromisso do Governo relativamente às dívidas dos clubes de futebol; não há! Por outro lado, penso que o princípio fundamental a ter em conta nesse domínio é o da igualdade tributária, o de que todos os contribuintes devem ser tratados por igual. Não há qualquer razão para afastar o princípio da igualdade e, por isso, as situações de facto que existem têm obviamente de ser encaradas como situações de facto que importa resolver mas no âmbito do, princípio da igualdade. Estaria, no meu entender, completamente fora de causa a utilização de expressões como «perdão de dívida» ou outra semelhante, visto que nada o justificaria.
Quanto ao problema que o Sr. Deputado Rui Rio colocou dos salários da função pública, nem eu nem o Governo nos pronunciámos sobre eles nem podemos fazê-lo porque, nos próprios termos constitucionais, exige negociação e só poderá ser debatido depois de ter uma expressão adequada a essa negociação no Orçamento do Estado para 1996. Logo, se eu estivesse aqui, neste momento, autoritariamente a decidir o conteúdo de uma negociação que ainda nem principiou, estaria a dar o pior exemplo de espírito democrático. Não podemos, como é evidente, tomar posição a não ser no âmbito dessa negociação e aí é que o problema encontrará a solução adequada.
Sr. Deputado Francisco Torres, quanto à convergência, penso que, no essencial, não há grandes divergências entre o que dissemos excepto num ponto: parece-me evidente que em tudo, na estabilidade cambial, no cumprimento da convergência, adjectivos como «razoável» não são supérfluos nem constituem cedências a ninguém; muito pelo contrário, são modelações de realismo, que é extremamente importante para defender os interesses dos portugueses neste processo muito complexo e em que pode haver o risco de tendermos a ser triturados por algumas exigências de super rigor vindas dos lados da Alemanha. Conhecemos a realidade da União Europeia e é a partilha de poderes e recursos com os países que estão na União e com outros que a queiram integrar que nos interessa como modo de reforçar não só a economia portuguesa mas Portugal no seu conjunto; simplesmente, não podemos colocar-nos na situação de sermos sujeitos passivos da União, temos de ser sempre sujeitos activos também no domínio da convergência.
O Sr. Deputado Mira Amaral colocou-me um milhão de questões. Telegraficamente, dir-lhe-ei que não creio que este Governo seja despesista e já expliquei que o Programa do Governo é realista e pode ser cumprido fundamentalmente com os recursos que serão disponibilizados na segunda fase, não de não rigor mas de aproveitamento dos benefícios do maior rigor do quadriénio para que o Programa é apresentado. Quanto ao sistema fiscal, é evidente que qualquer reforma o tem de ter em conta e essa é uma das limitações do modelo social-democrático, se bem que todos os modelos hoje tenham limitações.
Contudo, o modelo social-democrático, que é importante, assenta essencialmente na redistribuição da riqueza pelos impostos e uma das limitações que tem é que o sistema fiscal contínua a ser um instrumento muito importante, embora não sendo o único de redistribuição da riqueza e da justiça social precisamente porque a economia aberta e a competitividade reduziram muito a capacidade de manobra e obrigaram os sistemas fiscais a competirem, às vezes, em sentidos opostos, contrários à justiça mas necessários para a eficiência e para a defesa dos interesses nacionais. Sabemo-lo e não introduziremos escolhas simplistas ou erradas numa economia que é muito complexa.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Quanto às privatizações, não quereria estar agora a avançar aquilo que é um compromisso do

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Programa do Governo, a apresentação de um programa de privatizações tendencialmente no mesmo prazo do Orçamento para 1996 mas, a título pessoal, diria, quanto a uma das questões colocadas, que me parece importante uma presença do Estado no sector financeiro e que, nomeadamente, me parece muito importante aquilo que histórica e actualmente é a Caixa Geral de Depósitos. Tudo o resto é matéria que está ainda a ser estudada mas julgo que essa presença moderadora do Estado no sector financeiro é uma forma imprescindível de evitar a sujeição da economia portuguesa a um mercado no qual o interesse público não tenha qualquer meio de intervenção. Porque os meios tradicionais estão caducos, a Caixa Geral de Depósitos revela-se o mais tradicional dos meios mas o mais eficiente e poderoso deles.
Finalmente, com o que concluo, quanto a questões de eventuais (lá estou eu a dizer a palavra) «buracos» financeiros, permitir-me-ia remetê-los para o orçamento suplementar, não porque seja, em si próprio, um tratado de «buracos» mas porque certamente alguma coisa se dirá a esse respeito.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, vamos interromper os nossos trabalhos, que recomeçarão rigorosamente às 15 horas e 30 minutos. Desde já solicito que estejam presentes um pouco antes para podermos recomeçar mesmo a essa hora e informo que usará da palavra, em primeiro lugar, o Deputado do Partido Popular Galvão Lucas.

Está interrompida a sessão.

Eram 13 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados, como podem verificar, retomamos os nossos trabalhos já com atraso, não tendo sido devidamente atendida a minha solicitação no sentido da pontualidade. Lamento, mas temos mesmo de reconduzir-nos ao não desperdício de tempo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Galvão Lucas.

O Sr. Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nesta minha primeira intervenção como Deputado eleito pelo círculo eleitoral de Viseu, quero, em primeiro lugar, saudar V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia da República; assim como todos os Srs. Deputados de todas as bancadas desta Câmara, deixando bem claro que considero ser para mim uma honra e um privilégio, integrando o Grupo Parlamentar do Partido Popular, poder, com todos sem excepção, conviver e debater durante a presente Legislatura.
Ao Sr. Primeiro-Ministro e ao seu Governo quero não só felicitá-los pêlos resultados obtidos nas últimas eleições legislativas mas também desejar-lhes sinceramente as maiores felicidades no exercício das funções que nesta altura iniciam.
Deputado que sou, eleito pelo distrito mais interior de entre os que proporcionaram ao Partido Popular a possibilidade de eleger Deputados, considero quase uma obrigação intervir neste debate sobre um tema da maior relevância, não para o amanhã de uma muito significativa parte da nossa população mas para hoje, tema esse que é o da interioridade, parte que é de um problema mais vasto, o do desenvolvimento regional. E desde logo, ao passar em revista as propostas do Governo sobre esta matéria e comparando-as com as nossas convicções e propostas expressas, põe-se-me uma dúvida, que é a de haver ou não vontade política do Governo a que V. Ex.ª preside para, a partir de hoje, passar a implementar as medidas que se impõem, quer para que sejam cumpridas promessas feitas durante a campanha eleitoral quer para que tremendas injustiças sejam de imediato corrigidas. Nós no Partido Popular fazemos questão de cumprir o que prometemos e de certeza que o faremos, seja através desta Assembleia seja através de entrevistas que pediremos de imediato aos governantes responsáveis.
E não pararemos um dia nos nossos contactos com as populações e com o país real; com o objectivo de nos mantermos permanentemente informados do que há a fazer na defesa de quem nos elegeu.
Também está em causa a credibilidade dos políticos. Senti eu, como seguramente sentiram todos os que fizeram campanha pelo interior de Portugal, que a credibilidade de que os políticos gozam neste momento se deve a promessas não cumpridas e a situações vergonhosas, decorrentes, sobretudo, de se não terem criado as tais condições necessárias a nível do desenvolvimento regional; levando a uma qualidade de vida, em certos aspectos e em certas áreas, imprópria dum país europeu e que se pretende no pelotão da frente dentro de escassos anos.
Vejamos alguns aspectos fundamentais que as populações querem ver resolvidos já, até para que a crescente desertificação seja sustida. Onde está a institucionalização duma política de habitação, aspecto fundamental para o repovoamento das zonas rurais?
Pode o Governo garantir que a reapreciação da contribuição autárquica e do imposto de sisa, que se refere no Programa do Governo, se traduzirá na redução de que falava o programa eleitoral?
Onde estão as medidas de apoio à pequena e média agricultura e ao pequeno e médio comércio, indispensáveis à fixação de populações no interior, mantendo actividades economicamente válidas e tradicionais?
Onde estão previstas medidas tão simples mas tão justas como, por exemplo, a compensação para os professores se deslocarem dos grandes centros e do litoral para o interior, aspecto que todos os anos cria dificuldades no preenchimento das vagas dos estabelecimentos de ensino dessas zonas?
Onde estão as medidas inadiáveis que permitam uma oferta de ensino de qualidade adequada às necessidades específicas do interior e coordenada com a oferta de emprego?
Onde estão os incentivos à instalação de empresas no interior?
Onde está prevista a possibilidade de acesso a fontes de energia mais competitivas (por exemplo, o gás natural) para as empresas que já operam ou que pretendam vir a instalar-se no interior?
Onde está previsto o regresso da capacidade de decisão e intervenção perdida por certos distritos para distritos limítrofes sem qualquer economia de recursos, antes pelo contrário, com acréscimo de custos por deslocações forçadas e com o consequente acréscimo de burocracia e atraso nas decisões?

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Não podendo alongar-me muito mais, permita-me, Sr. Primeiro-Ministro, levantar uma última questão: onde está prevista a criação duma rede integrada de transportes rápidos e, pese embora a notável rede de auto-estradas e IP de que já hoje o País dispõe, onde está prevista a construção de estradas, que se justificam plenamente por aproximarem zonas de distritos que não podem de modo algum viver separadas, correndo-se o risco de virem a ser consideradas como podendo integrar espaços diferentes?
Sr. Primeiro-Ministro, tome V. Ex.ª, e os Ministros do Governo a que preside, em consideração este aspecto fundamental que é o de, de imediato, satisfazer necessidades mínimas e corrigir situações extremamente injustas, sob pena de a actuação a médio e longo prazo, sendo correcta e adequada, como desejamos, não servir de qualquer consolação ou conforto para quem hoje está marginalizado e que, seguramente, não nos perdoará.
O País não pode esperar mais neste como noutros aspectos. Estou seguro de que V. Ex.ª está consciente disso como também da colaboração da nossa bancada para a identificação dos problemas e o encontrar de soluções.
Remeter a solução destes problemas para depois da regionalização, debate que ainda terá de fazer-se e que, inclusive, passa pela aprovação de legislação específica, não será, independentemente do que nesta matéria vier ou não a concretizar-se, de forma alguma compatível com a urgência que a actual situação justifica e não permitirá que, no interior do nosso país, se deixe de pensar que algum abandono a que tem sido votado decorre do facto de lá existirem menos eleitores, que não são tão decisivos para os resultados das eleições e que, por isso, têm sido esquecidos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr, Deputado Crisóstomo Teixeira.

O Sr. Crisóstomo Teixeira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Galvão Lucas, em primeiro lugar, gostaria de saudar a sua presença nesta Assembleia pela primeira vez, referindo ainda que não só já o conhecia como também lhe reconheço grande qualidade, pelo que espero que traga uma contribuição válida ao funcionamento do Parlamento durante a presente Legislatura.
Sr. Deputado, a sua intervenção decepcionou-me de algum modo, sobretudo na componente de abertura, por tentar insistir na questão da credibilidade dos políticos. É que, face aos resultados eleitorais, eu pensaria que o CDS-PP , ou apenas PP - tenho alguma dúvida quanto à forma por que hei-de dirigir-me a VV. Ex.ª -, já teria mudado o seu discurso quanto a isso. Efectivamente, o nível de abstenção registado nas recentes eleições, tendo em consideração os erros técnicos nos cadernos eleitorais, mostra que houve um elevadíssimo grau de votação, inclusivamente muito superior ao verificado em 1991. Ora, não me parece que a população portuguesa, que é inteligente - aliás, os senhores têm-no afirmado aqui várias vezes -, se tivesse dado ao luxo de se deslocar para votar em pessoas que estivessem desacreditadas.
Pela minha parte, tenho alguma honra no desempenho das minhas funções políticas e espero que o mesmo se passe com os senhores no desempenho das vossas. Assim, julgo que não é tentando desacreditar-nos uns aos outros que nos elevamos perante a consideração pública.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Posto isto. Sr. Deputado, gostaria de chamar a atenção para a forma como expôs os aspectos substantivos das suas perguntas que, questionando as boas intenções do Governo, se assemelharam um pouco a uma lista de compras - desculpe-me a expressão.
Se o Sr. Deputado tivesse lido com algum cuidado o Programa do Governo quanto a esta matéria e também o próprio programa eleitoral do Partido Socialista, ter-se-ia dado conta que uma das nossas grandes preocupações é a da articulação entre o interior e o litoral e, designadamente, a do funcionamento de uma rede de cidades de dimensão média que possa contribuir para fixar as populações, em especial nas regiões mais desfavorecidas.
Compreendo que um programa de governo não possa conter pormenores tais como o da fixação de professores durante o período escolar. Portanto, peço a sua compreensão para o facto de existir uma visão estratégica no âmbito da perspectiva política do Partido Socialista que, de alguma forma, tendo em consideração o que são as relações entre as pessoas singulares e colectivas, procura privilegiar a rede de relações para que o País possa ter um funcionamento harmonioso e para que não continue a sucessão de desequilíbrios que caracterizou os últimos 10 anos. É isto que espero da inteligência do Sr. Deputado Galvão Lucas e do partido em que se integrou.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Galvão Lucas.

O Sr. Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente. Sr. Deputado Crisóstomo Teixeira, muito obrigado pelas suas palavras. É também um enorme prazer para mim, para além de ser Deputado, conviver consigo, já que nos conhecemos há alguns anos e as nossas relações sempre foram cordiais, tendo conduzido, aliás, a projectos de enorme validade.
Sr. Deputado, quando falo na credibilidade dos políticos refiro-me concretamente ao que ouvi durante a campanha eleitoral - se assim não fosse, estaria a contradizer-me. Embora, tal como referiu, o índice de abstenção não tenha sido elevado, mas antes inferior ao verificado em anteriores processos legislativos, devo dizer que, no distrito onde fiz campanha eleitoral, senti que há uma enorme dificuldade em aceitar a classe política como estando de facto, declarada e decisivamente, interessada em resolver os problemas dos habitantes daquela região. Pode considerar-se que se trata de uma experiência isolada mas foi a minha.
Li o Programa de Governo do vosso partido e, de facto, encontrei algumas referências a esta matéria mas concluí que remetiam muitas das soluções dos problemas para depois da conclusão do debate e da aprovação do vosso programa para a regionalização do País. Ora, estão nesta Câmara outros Deputados eleitos pelo mesmo círculo eleitoral que eu próprio, os quais fizeram campanha tal como eu, durante a qual apresentaram muitas propostas e fizeram muitas promessas parecidas com as que apresentei e que, certamente, estarão de acordo comigo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados:

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Ao fim de oito anos e de duas maiorias absolutas, a política neo-liberal, a política do PSD, teve consequências graves, no plano social e laboral, traduzida em números - 430 000 desempregados - mas, mais do que números, traduzida numa intolerável situação de precariedade e instabilidade nas relações de trabalho, de violação dos direitos dos trabalhadores, de diminuição dos salários reais e do poder de compra, de uma insustentável situação para a grande maioria dos reformados e pensionistas, de crescimento da marginalidade, da pobreza, da exclusão social.
Foi contra esta situação, por uma mudança que se traduzisse em novas políticas económicas, sociais e laborais, na valorização e dignificação do trabalho, que milhares de portugueses votaram em 1 de Outubro.
O direito ao emprego e ao trabalho com direitos, a melhoria das condições salariais e sociais deve ser vista como condição de realização da pessoa humana, deve ser eleita como primeiro objectivo da política económica.
Não aceitamos que o emprego e o trabalho sejam mais colocados como simples variável da política económica, permanentemente numa posição de subordinação em relação ao objectivo do lucro máximo e dos interesses do capital.
Por isso, discordamos de que a tónica da modernização da economia seja colocada nos custos sociais, como fez o Primeiro-Ministro no discurso de tomada de posse, ou que, como afirmou ontem aqui, que a maior exigência de competitividade das empresas tenha como corolário uma penalização das políticas sociais e de emprego.
A economia deve ser feita para as pessoas e não o contrário - aliás, isto mesmo recordou, hoje de manhã, o Sr. Ministro das Finanças. O crescimento dos salários reais, das pensões de reforma, do poder de compra dos trabalhadores são o cimento onde a economia e as empresas podem crescer de uma forma sólida e sustentada e condição necessária para o crescimento do consumo e o alargamento do mercado. Este é que é, decididamente, Sr. Primeiro-Ministro, o «círculo virtuoso».
É verdade, como afirmámos ontem, que há no Programa de Governo propostas pontuais positivas em matéria de políticas sociais que o PCP acompanha. O rendimento mínimo garantido ou a «revisão das condições de acesso ao subsídio de desemprego e ao subsídio social de desemprego, adequando a sua taxa de cobertura à situação real de desemprego» são duas delas que vêm ao encontro de soluções pelas quais o PCP sempre se tem batido.
Mas muitas das propostas em matéria de políticas laborais e salariais têm o nosso completo desacordo.
Em primeiro lugar, a redução, por lei, de horário máximo de trabalho para as 40 horas semanais sem redução de salários constitui uma legítima exigência e expectativa dos trabalhadores e do movimento sindical e é um dos instrumentos necessários à criação de mais postos de trabalho.
Mas, neste aspecto, o Governo limita-se a remeter a solução desta questão para sede da concertação social no âmbito do Acordo Económico e Social de 1990, o que, convenhamos, não é substancialmente diferente do que fez o PSD. O que se exige é que, tendo já sido esgotados todos os mecanismos de concertação, a questão não seja mais adiada e o Governo legisle assumindo a redução do horário de trabalho.
Já está, aliás, entregue na Assembleia da República um projecto de lei do PCP que assegura a redução do horário de trabalho normal para as 40 horas semanais. Desafiamos o Partido Socialista a viabilizar o seu rápido agendamento e a votá-lo favoravelmente connosco.
Em segundo lugar, o Governo anuncia o propósito de alterar a legislação de trabalho, mas a verdade é que esconde o sentido dessas alterações atrás do manto diáfano das palavras e da complexização das frases. Atentemos neste exemplo, extraído do Programa do Governo: «sustentação do desígnio da compatibilização da salvaguarda e consolidação dos direitos fundamentais dos trabalhadores e da estabilidade de emprego com a abertura de novos espaços de adaptabilidade interna na gestão das empresas». Ou este outro: «promover a reconstrução e modernização do sistema de normas legais sobre as relações de trabalho com salvaguarda dos direitos fundamentais dos trabalhadores e tendo em atenção a necessidade de favorecer a competitividade das empresas».
Sr. Primeiro-Ministro, como V. Ex.ª mesmo recordou ontem, em relação a Foz Côa, não se pode ter o melhor de dois mundos. Logo, Sr. Primeiro-Ministro, e embora tendo registado a resposta que ontem deu ao meu camarada João Amaral, insisto: em que sentido irão as alterações em matéria de legislação de trabalho? Maior fragilização dos direitos dos trabalhadores? Maiores facilidades para os despedimentos, por inadaptação, por exemplo, e extinção de postos de trabalho na linha do «pacote laborai» do PSD? Por esse caminho terá, seguramente, a nossa firme oposição e a oposição dos trabalhadores portugueses.
Preferíamos, Sr. Primeiro-Ministro, que o Governo falasse em garantir o equilíbrio das relações de forças nas empresas com o respeito pela legalidade e a defesa dos direitos dos trabalhadores, hoje seriamente postos em causa com a perseguição a dirigentes sindicais, com a generalidade das relações de trabalho assente na precariedade e na permanente angústia do despedimento.
É aí, no reforço da democracia nas empresas, no apoio ao elo mais frágil das relações de trabalho, que se encontra a boa solução. Agendem também e votem connosco o projecto de lei que apresentámos de revogação e alteração das normas mais gravosas do «pacote laboral» e estamos, aí, seguramente, no bom caminho para a defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Em terceiro lugar, o aumento dos salários reais e do poder de compra dos trabalhadores, tão sacrificados nos últimos anos, é outra das legítimas expectativas existentes. Por isso, recusamos que a política de rendimentos tenha como ponto de partida as baixíssimas expectativas e fasquias colocadas recentemente pelo Governo e, em particular, pelo Ministro das Finanças, cujo discurso de hoje de manhã não nos tranquilizou nesse aspecto.
Impõe-se, como, aliás, afirmaram as duas centrais sindicais, há poucos dias, um aumento significativo dos salários - desde logo, na Administração Pública - que reponha o poder de compra dos trabalhadores, dando corpo às próprias promessas eleitorais do PS que diz - e passo a ler o Programa Eleitoral do PS: "a política de rendimentos visará obter uma redução dos custos unitários de produção, não à base da travagem dos salários reais, mas à base dos ganhos de produtividade, de redução das taxas de juro (...)".
Em quarto lugar, a criação de emprego é outra necessidade e expectativa do País e dos trabalhadores.
O mercado social de emprego pode contribuir para tal objectivo mas é, obviamente, uma medida residual. A opção central tem de ser colocada numa política que trave os processos destrutivos na agricultura e nas pescas e na desindustrialização do País (a propósito, Sr. Primeiro-Ministro, a política de desenvolvimento rural de que falou ontem não pode ser feita sem agricultura nem agricultores.

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o que impõe, por exemplo, uma posição de rejeição da recente proposta da Comissão Europeia visando a diminuição em cerca de 20% da nossa produção de tomate), uma política que privilegie a defesa dos sectores produtivos e da produção nacional, que trave as privatizações em sectores chave da economia e apoie o sector público empresarial, que rompa com as orientações monetaristas da União Europeia e com os critérios de convergência nominal de Maastricht.
Não se criará emprego com direitos, estável, sustentado e em dimensão significativa sem estas políticas que propomos. O contrário é querer-se a quadratura do círculo, o que é manifestamente impossível.

Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Não contem connosco para políticas que não ponham o acento tónico na melhoria e salvaguarda dos direitos de quem trabalha, na valorização e dignificação do trabalho, no reforço da capacidade produtiva do País, para políticas que não tragam uma nova esperança para os portugueses, para políticas que não garantam um novo caminho de justiça e progresso social. Contem com o nosso combate e com a nossa luta se pretenderem, de novo, fazer pagar a quem trabalha os custos da modernização e do crescimento da competitividade da economia e das empresas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Ávila.

O Sr. Sérgio Ávila (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, apenas farei uma pequena observação relativamente às suas palavras.
Sr. Deputado, é evidente que, neste momento, Portugal enfrenta grandes desafios tanto a nível económico como empresarial. Penso que todos temos consciência de que é necessário fazer uma reconversão e uma reestruturação clara do tecido empresarial português. Essa reconversão tem, como é óbvio, custos; custos esses que têm de ser necessariamente assumidos por todos e que advêm da necessidade de alterar uma estrutura inadequada aos desafios de competitividade que a economia portuguesa enfrenta. Nesse sentido, gostaria que o Sr. Deputado Lino de Carvalho nos dissesse até que ponto e por quem devem ser assumidos e repartidos esses custos.
Por outro lado, é evidente que existem custos sociais, mas penso que uma nova política social - com a qual penso que está de acordo -, uma aposta forte na formação profissional e na educação, como forma de melhoria e de desenvolvimento das vantagens comparativas relacionadas com a população e, em consequência, com a qualidade do nosso emprego, podem ajudar a resolver esta situação.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Ávila, a forma como iniciou o seu pedido de esclarecimento confirma as preocupações que expressei na minha intervenção. O Sr. Deputado referiu que o País tem desafios ao nível económico empresarial. É verdade. Mas já não disse - e devia tê-lo feito - que Portugal também enfrenta desafios a nível social, sobretudo no domínio da criação de emprego, da estabilidade e segurança no trabalho, de esperança no futuro, com mais emprego e melhores condições de trabalho; desafios esses que devem aproximar os rendimentos dos trabalhadores portugueses dos outros trabalhadores na Europa.
Quando se fala em construção e em coesão da Europa, não se pode pensar que ela será feita, permanentemente, à custa de quem trabalha. Assim, quando o Sr. Deputado questiona sobre quem tem de pagar esses custos, respondo que não tem de haver, necessariamente, alguém a pagar! Mas se assim fosse, diria que é preciso fazer reforçar a tributação, por exemplo, sobre os rendimentos de capital que, como se sabe, são objecto de um tratamento privilegiado e muito beneficiado em relação aos rendimentos do trabalho.
Entendo, por isso, que a pergunta do Sr. Deputado Sérgio Ávila tem de ser formulada de outro modo, porque o que nos interessa esclarecer é qual a solução para que a política de desenvolvimento e de reconversão da economia não seja feita, em termos de custos sociais, sempre e sempre, à custa dos trabalhadores.
Ora, como já referi, isso passa não por uma política que privilegie apenas a convergência nominal, abrindo caminho para a moeda única, porque essa, como é hoje, aliás, ponto assente nos estudos realizados pela Comissão Europeia, privilegia, sobretudo, a criação de mais desemprego, mais marginalização e exclusão social na Europa. Isso é um dado adquirido.
Portanto, as tónicas têm de ser colocadas, seguramente, na convergência real, que passa, desde logo, pelo reforço da nossa estrutura produtiva, pela não desestruturação da agricultura, pescas e indústria, bem como pela não destruição do sector público empresarial, porque todos eles são elementos necessários, em especial este último, para o novo arranque da economia portuguesa. Se assim se proceder, seguramente teremos condições para conseguir emprego estável, com direitos e melhores condições de vida e de futuro para os trabalhadores portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não é aceitável que se fale em modernização, em desenvolvimento da economia, em progresso de Portugal e, simultaneamente, na necessidade de alguém pagar. Esses custos são sempre sociais! Aliás, esse aspecto já foi focado pelo Sr. Primeiro-Ministro no discurso da tomada de posse.
A economia é feita para as pessoas, para quem trabalha e cria riqueza; não são as pessoas que trabalham que fazem a economia. É esta a diferença fundamental que existe, provavelmente, entre nós e o Partido Socialista.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão hoje de visita à Assembleia da República dois grupos de 40 alunos da escola secundária António Inácio da Cruz de Grândola e da escola profissional Almirante Reis de Lisboa, que a Câmara saúda.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, segundo a ordem de prioridades definida em conferência de líderes, seguia-se agora, no uso da palavra, o Sr. Deputado do PS Francisco de Assis e só depois o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama. Como o Sr. Ministro tem hoje de partir para Bruxelas, acordou com o Sr. Deputado Francisco de Assis trocarem de posição na sequência das intervenções.

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Como penso que ninguém se opõe, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Jaime Gama): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: A política externa é uma das vertentes da acção governativa que o Parlamento deve apreciar antes da investidura do novo Executivo.
O Primeiro-Ministro foi claro no delineamento das prioridades essenciais neste campo: prosseguimento da opção europeia, reforço das relações com o mundo da língua portuguesa. Vejamos com detalhe ambas essas vertentes.
O processo de integração europeia assenta na partilha, por um conjunto de Estados soberanos, dos valores humanos, políticos e económicos que consubstanciam, em simultâneo, o legado histórico e as perspectivas de futuro do nosso continente.
A participação de Portugal neste projecto surge, assim, como corolário da nossa adesão aos princípios da democracia representativa, do Estado de direito e da economia social de mercado. Ela dá a Portugal uma maior capacidade de actuação internacional, a fim não só de agir em prol dos desígnios comunitários mas, também, de defender com intransigência os nossos interesses específicos, fazendo uso do poder e da influência que possuímos no âmbito da partilha de soberania própria da União Europeia.
O Governo encontra-se ciente de que o processo de integração enfrenta agora uma etapa decisiva e exigente. Mas não aceitaremos que possam vingar, até ao final do século, teses que preconizem fórmulas de diferenciação e subalternização entre os Estados membros, ameaçando desse modo a unidade própria do projecto europeu.
Pretendemos que os resultados da conferência intergovernamental de revisão do Tratado de Maastricht venham a acolher as nossas posições globais no tocante à defesa da igualdade soberana dos Estados membros, à representação nacional nas instituições da União, à reforma dos respectivos mecanismos decisórios e à ampliação da identidade portuguesa no contexto europeu e internacional.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Foi na Europa que se fizeram sentir, de forma mais imediata, os múltiplos efeitos dos acontecimentos do final da década de oitenta. Daí decorre, inevitavelmente, que aos europeus caibam especiais responsabilidades na procura de soluções para os desequilíbrios regionais e focos de tensão que revelam, por vezes com particular crueza, a instabilidade deixada pelo desaparecimento do mundo bipolar.
O Governo entende, pois, que o desenvolvimento e a consolidação de uma política externa e de segurança comum (PESC) permitirá que a Europa se faça ouvir na comunidade internacional com uma voz correspondente à sua real dimensão política, económica e social. Contudo - e de acordo com a filosofia que subscrevemos face ao fenómeno da integração europeia no seu todo -, tal não significa que o Governo abdique das suas demais prioridades estratégicas e das afinidades tradicionais do nosso país.
É ainda perante estas grandes coordenadas que devemos equacionar e definir a nova arquitectura europeia de segurança e defesa. Acreditamos, assim, que a UEO se deverá institucionalizar, a prazo e enquanto expressão de uma identidade europeia de defesa e segurança, no âmbito da União Europeia e sem perder de vista o quadro mais vasto da Aliança Atlântica.
A principal garantia da segurança europeia continua a assentar nos laços transatlânticos de que a organização do Tratado do Atlântico Norte é o símbolo visível. É nosso intuito contribuir para o reforço da articulação entre a UEO e a OTAN, pois uma equilibrada divisão de tarefas entre estas duas organizações, a par dos respectivos alargamentos, representará mais um sinal de maturidade política europeia que pretendemos atingir e ver reconhecida.
O Governo dará ainda uma atenção particular à realização, no próximo ano, da cimeira de Lisboa da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa. A OSCE, com uma composição verdadeiramente pan-europeia, desempenha um papel de relevo na preservação e estabilidade na região Euro-Atlântica, e a cimeira de Lisboa será uma boa oportunidade para cimentar um clima de confiança entre todos os Estados que a integram.
No entanto, a estabilidade na Europa passa pela resolução, a breve trecho, do trágico conflito na ex-Jugoslávia. Tornou-se, com efeito, imperativo pôr cobro ao sofrimento das populações afectadas e levar a paz aos Balcãs. Estamos convictos de que o processo negociai em curso constitui a melhor, e talvez a última, oportunidade para se encontrar um compromisso exequível e aceitável para todas as partes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo não deixará de procurar uma eficaz articulação da diplomacia bilateral, multilateral e comunitária, fazendo valer os seus argumentos e explorando as possibilidades que aquelas três vertentes de acção externa do Estado nos oferecem.
Para além de quanto ficou dito, destacamos, a título de exemplo, as seguintes prioridades: o relacionamento bilateral com os nossos parceiros na União Europeia, que não se limita às actividades comunitárias e onde temos interesses importantes a defender: a Europa Central e de Leste, cuja acelerada transição para a democracia política e economia de mercado importa acalentar, nomeadamente com a abertura - ponderada, é certo - da União Europeia, da UEO e da OTAN. seja pela via da adesão, seja através de formas aprofundadas de cooperação: a bacia do Mediterrâneo e o Médio Oriente, e aqui formulamos os nossos mais sinceros votos de que o trágico desaparecimento do Primeiro-Ministro israelita, Yitzhak Rabin, não perturbe o promissor processo de paz, onde os laços que nos unem a estas regiões e a proximidade geográfica tornam imprescindíveis um acompanhamento cuidadoso das tendências desestabilizadoras que podem vir a ter repercussões negativas;...

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - ... as relações bilaterais com os Estados Unidos, potenciando o Acordo de Cooperação e Defesa e a vitalidade da comunidade portuguesa ali radicada; e a continuação da política de empenhamento de Portugal nas várias organizações internacionais, que produziu bons resultados nos últimos anos, valorizando a nossa actuação e procurando assegurar a presença regular de Portugal nus respectivas instâncias máximas como no caso da nossa candidatura, apresentada pelo anterior Governo, a um lugar não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas para o biénio 1997-1998.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A 20 de Dezembro de 1999, Macau sai da administração portuguesa e começa um percurso próprio de 50 anos como região administrativa especial da República Popular da China. Essa saída não deve ser por nós entendida como a saída do território da nossa área de preocupações. Cria-nos, antes, uma obrigação

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a longo prazo: a de definir e executar uma estratégia para esse período de 50 anos e, mesmo, para além dessa data.
No curto e no médio prazo, o Governo define como sua prioridade a contribuição para uma transição estável, pacífica e serena, para o aprofundamento da amizade luso-chinesa e para a salvaguarda dos direitos e expectativas dos habitantes de Macau. Por isso, a protecção dos interesses da população de Macau deve ser feita na defesa dos seus direitos, consagrados na Declaração Conjunta; por isso, os direitos e as obrigações internacionalmente assumidos por Portugal e pela China em relação a Macau devem ser rigorosamente respeitados, antes e depois de 1999.
Queremos fazer da transição em Macau uma etapa confiante no nosso relacionamento com a China e com uma área do mundo caracterizada pelos índices mais espectaculares do crescimento económico.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em África, do Magrebe ao Cabo da Boa Esperança, fixam-se interesses históricos e permanentes de Portugal; em África se polarizam algumas das mais dramáticas situações de crise.
No Magrebe, alguns focos de violência tendem a gerar a instabilidade na margem sul do Mediterrâneo. A África sub-saariana tipifica um quadro de violência inter-étnica, de regressão económica e de fragmentação social.
A África Austral é a região onde se verifica a evolução política mais interessante e encorajadora do continente na actualidade. É nela que se situa Moçambique, o segundo país mais povoado de língua portuguesa; é nela que fica Angola, país imenso, suspenso de uma efectiva reconciliação nacional; é nela que reside uma das maiores comunidades portuguesa: a da África do Sul.
É ainda em África que se situam, também, as exigentes experiências democráticas de Cabo Verde, da Guiné-Bissau e de S. Tomé e Príncipe.
A promoção e o aprofundamento do diálogo euro-africano é, por isso, uma natural atitude político-diplomática de Portugal, que deverá actuar ao nível da União Europeia como agente de sensibilização para os problemas de África. É assim óbvio que a política de cooperação para o desenvolvimento se constitui como uma das componentes fundamentais da política externa portuguesa.

O Sr. Sérgio Ávila (PS): - Muito bem!

O Orador: - Os Estados africanos de língua portuguesa serão os beneficiários naturais de uma parte substancial da ajuda pública portuguesa ao desenvolvimento - e o Governo pretende que a política de cooperação seja objecto de um aprofundado consenso nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portugal reafirma o seu empenhamento na participação dos processos de paz e de reconstrução a decorrer em Angola e Moçambique, quer no plano dos princípios políticos ora definidos, quer através dos diversos instrumentos de intervenção de que dispõe nos planos nacional e europeu.
As relações de Portugal com o Brasil constituirão uma prioridade para o Governo, conforme sublinhou o Sr. Primeiro-Ministro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O intercâmbio luso-brasileiro terá um novo sentido se Portugal e o Brasil aportarem, de forma comum e mutuamente reflectida, no diálogo e na cooperação entre os respectivos grandes espaços de inserção, a União Europeia e o MERCOSUL.
Concretamente, os dois países devem bater-se por uma associação inter-regional, de comércio e parceria.
Com o Brasil, mas também com outros países da América do Sul, o Governo promoverá uma aproximação crescente e um novo relacionamento. Um rumo a prosseguir é o da criação e da institucionalização de uma comunidade dos povos de língua portuguesa, uma ideia de futuro, a que nos obrigam os laços da história, da língua e da cultura.
É nosso dever alicerçá-la desde já, em passos concretos e práticos, com vista a um duplo objectivo: o do aprofundamento das relações entre os Estados de língua oficial portuguesa e o da cooperação na defesa da língua portuguesa no mundo. Por isso, é tarefa prioritária deste Governo normalizar a actual situação do Instituto Camões, tornando-o apto a desempenhar o papel para que foi criado e pondo termo à lastimável situação em que se encontra.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No que se refere à emigração e às comunidades portuguesas, há uma prioridade instrumental que o Governo considera essencial: a da modernização dos consulados portugueses.
Responder, em tempo útil, às solicitações dos cidadãos nacionais residentes no estrangeiro - como, por exemplo, naquilo que respeita às suas necessidade de documentação pessoal - é um objectivo aparentemente simples, mas nunca realizado, a que este Governo vai meter ombros. Muito se tem falado, em abstracto, dos emigrantes portugueses, mas pouco se tem feito, em termos práticos, para dar solução aos problemas que efectivamente os preocupam em termos de qualidade dos serviços consulares. Vamos inverter essa tendência!
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Timor é um dos últimos territórios não autónomos da comunidade internacional, cujo processo de descolonização foi interrompido de forma violenta e à margem das Nações Unidas. Vinte anos depois, a sua anexação pela Indonésia não tem aceitação interna ou internacional. E a principal razão do fracasso da política indonésia reside na sobrevivência do espírito de resistência do povo timorense.

Aplausos do PS.

A situação interna, quer no território de Timor, quer na própria Indonésia, e a recente evolução das relações internacionais determinam que o exercício do direito à autodeterminação do povo de Timor Leste seja um objectivo possível de alcançar.
Hoje, nas vésperas do quarto aniversário do massacre de Santa Cruz, torna-se mais evidente uma das obrigações da política externa de Portugal em relação a Timor: a de tudo fazer para aliviar, para minorar o sofrimento do seu povo!
Porque entre Portugal e Timor houve mais de quatro séculos de história partilhada, devemos-lhe solidariedade; porque a ONU nos definiu como potência administrante, temos essa responsabilidade internacional; porque a Constituição da República Portuguesa o determina, é nosso imperativo promover o direito à autodeterminação dos timorenses.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - O Ministério dos Negócios Estrangeiros será firme e determinado nessa orientação. Prosseguirá a política de sensibilização para o problema de Timor em todas as instâncias internacionais de participação portuguesa; continuará o diálogo com a Indonésia sob os auspícios do Secretário-Geral da ONU; recorrerá à Comissão dos Direitos do Homem ou ao Tribunal Internacional de justiça, quando for caso disso, e promoverá a atenção internacional sobre Timor como factor de inibição da prática de actos de maior violência e opressão.
O Governo de Portugal não tem quaisquer reclamações sobre Timor - a não ser as necessárias à defesa dos interesses do seu povo -, assim como não tem qualquer contencioso com o povo da Indonésia, mas apenas com os actos do governo indonésio contrários ao direito internacional.
O Governo de Portugal explorará, assim, sem receio, as diferentes hipóteses que possam levar à solução do problema e que passam pelo diálogo intra-timorense e pelo contacto com as diferentes correntes da resistência.
Em permanente colaboração com outros órgãos de soberania, não desfaleceremos um minuto no acompanhamento do problema de Timor Leste.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: As mudanças ocorridas na vida internacional transportam para a política externa portuguesa o peso de grandes desafios. Portugal deixou de ser o recanto isolado da Europa e do mundo e enfrenta-se com os mais poderosos problemas internacionais do nosso tempo, mas não está condenado à estagnação ou ao declínio na batalha pela competitividade global. As relações externas devem ter como preocupação central a melhoria da quota portuguesa no quadro da comparação internacional. Não é fácil, mas não é impossível.
Consolidação de um sistema coerente de segurança internacional, papel mais determinado na Europa, reforço da cooperação com os países de língua portuguesa e, acima de tudo, cooperação e defesa dos nossos interesses - eis os valores e as grandes prioridades da nossa política externa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, faremos o melhor que soubermos nessa grandiosa e pacífica batalha por Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, a oposição radical, ao estilo de quem refere, como V. Ex.ª disse aqui num debate sobre segurança que ficou célebre certamente na memória de todos, que enquanto houver uma mãe cujo filho tenha medo da Europa não desistirá, não é certamente a nossa medida. Estaremos sempre consigo quando se trate de defender, com esclarecimento e rigor, o interesse nacional;...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... mesmo que V. Ex.ª «acerte» por vezes um pouco ao lado daquilo que queria e verbere o acordo de pescas, quando devia ocupar-se e concentrar os seus esforços no acordo de associação, como ainda ocorreu há pouco tempo.
Somos diferentes da oposição radical à nossa esquerda, que tem da Europa a noção de uma Europa do capital, contra os trabalhadores, mas que o povo não tem manifestamente aceite.
Somos diferentes da oposição radical à nossa direita, que permite e pretende alimentar a incerteza entre a vantagem da integração europeia e a miragem, longínqua felizmente, do «orgulhosamente sós».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Isso é ofensivo!

O Orador: - Temos algum sentido do ridículo e na actuação de Portugal não gostaríamos de ver reproduzida a imagem do homem corpulento, de dentro do qual sai uma voz mais fina, nem a imagem do homem escanzelado e franzino, de dentro do qual sai uma voz mais grossa. V. Ex.ª encontrará, com certeza, com o tempo, o registo certo.
Mas quero perguntar-lhe aqui, directa e frontalmente, se, face ao acordo de associação, está ou não disposto a lutar pela recusa de qualquer solução para o acordo de pescas que ponha em causa resultados já alcançados; se está ou não disposto a lutar pela não aceitação das causas que prevêem a isenção total e imediata dos direitos aduaneiros para a exportação de conservas marroquinas; se está ou não disposto a defender a atribuição de indemnizações compensatórias sobre o preço da sardinha de forma a manter a competitividade da indústria conserveira portuguesa; e, finalmente, se está ou não disposto a propor um programa específico de reforço da capacidade de modernização e internacionalização da indústria das conservas em Portugal, assente nos convenientes apoios técnico e financeiro.
Gostaria de o ouvir aqui, como V. Ex.ª prometeu, sobre a conclusão - que desejo vitoriosa - das negociações por si empreendidas em nome de Portugal.
Embora esta seja uma questão incómoda (mas este é o momento e o local ideal para o fazer), pergunto-lhe: acha ou não imprescindível a realização do espaço de comércio livre mediterrânico? Acha que isto não tem nada a ver com a segurança da área? Acha que cada país europeu tem de fazer um sacrifício em função da segurança acrescida? Em virtude das especiais vulnerabilidades da economia portuguesa, tem consciência dos sectores a proteger? Tem um plano para a sua defesa? Tem uma opção definida para as eventuais concessões a fazer?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados, permitam-me que nesta minha primeira intervenção faça algumas saudações, curtas mas sentidas.
Primeiro, aos Deputados de todas as bancadas; depois, ao Sr. Presidente da Assembleia da República, que ouvi falar pela primeira vez há 30 anos, altura em que havia grandes esperanças na evolução da democracia e se colocava essa acção na vontade de António Almeida Santos que se encontrava em Moçambique. Gostava de fazer-lhe aqui uma referência muito especial e dizer que me sinto orgulhoso de, 30 anos depois, o ter como Presidente da Assembleia da República.

Aplausos do PS.

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Também quero dirigir uma saudação muito especial ao Sr. Primeiro-Ministro António Guterres e a todo o seu Governo. Ao Sr. Primeiro-Ministro pela forma como conduziu com brilhantismo a estratégia, com a qual eu nem sempre estive de acordo, de uma mudança tranquila, de uma alternância democrática atempada para Portugal. É Primeiro-Ministro por direito próprio!

Aplausos do PS.

Em terceiro lugar, dirijo uma saudação muito especial ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, que conheço há mais de 30 anos. Sinto-me orgulhoso por o ver, de novo, como Ministro dos Negócios Estrangeiros, sobretudo porque este é um momento em que Portugal vai necessitar de toda a sua inteligência e argúcia na condução dos assuntos externos. De facto, o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros, aquando da discussão da ratificação do Tratado de Adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, em Julho de 1985, foi o único que, nesta Câmara, chamou a atenção de todos os portugueses para o facto de Portugal estar a entrar numa comunidade em plena mutação. Graças à introdução do Acto Único, Portugal já não estava a entrar na Comunidade Económica Europeia, para cuja adesão negociou arduamente durante oito anos - mais concretamente desde o pedido de adesão em 1977 - , mas, sim, a aderir a uma Comunidade Europeia de natureza diferente. É essa lucidez que quero acentuar neste momento.
Gostaria, também, de ouvir a sua opinião sobre a introdução - quanto a mim, finalmente - do instituto do referendo. No Programa do Governo, e também significativamente na parte respeitante à política externa, fala-se, na página 108, no propósito de submeter a consulta popular referendaria o sentido da evolução da integração europeia. Eu, que desde 1978 tenho lutado pelo referendo como instrumento democrático, fico satisfeito com essa consagração governamental e gostaria que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros nos dissesse quais as implicações que, do ponto de vista negocial, pode ter essa vontade de submeter a referendo a evolução da participação de Portugal na União Europeia.
Não quero terminar sem fazer uma referência muito especial a uma questão que para mim tem uma particular importância: a execução do acordo de defesa e cooperação com os Estados Unidos da América, vulgo acordo das Lages. Na minha perspectiva esse acordo é extremamente escasso para os interesses portugueses, para além de grande parte da sua bondade depender da comissão bilateral permanente que está incluída nesse acordo. Gostaria que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros se pronunciasse sobre esta questão e sobre a possibilidade de nesse acordo bilateral a representação dos Açores se estender para além do que está constitucionalmente previsto, uma vez que esta região autónoma foi certamente a mais afectada com os escassos resultados dessa negociação.
Por último, chamo a atenção de V. Ex.ª para o compromisso assumido no Programa do Governo sobre a consagração, no próximo Tratado da União Europeia, do conceito de ultraperiferia para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado, pelas palavras amáveis que me dirigiu no início da sua intervenção.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados, queria, ao dirigir-me pela primeira vez ao Plenário da Assembleia da República, saudar todos os meus colegas eleitos pelo povo e que são a representação nacional, e também a bancada dos jornalistas onde, tantas vezes, me sentei e onde me ligam vários laços de amizade.
Queria colocar ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros algumas perguntas muito concretas.
A primeira refere-se à política africana de Portugal. Sou daqueles que entendem que Portugal teve, no mandato do anterior governo, em relação a Angola, uma política de preferência objectiva pelo MPLA que não foi benéfica para Portugal nem foi benéfica para os angolanos. O símbolo máximo dessa política talvez tenha acontecido quando um antigo primeiro-ministro e actual candidato a Presidente da República decidiu participar num comício do MPLA na cidade de Luena - certamente em representação do seu partido, presumo que não do Estado. Outro símbolo foi a declaração da mesma pessoa que qualificou a UNITA, como todos se lembrarão, de bandidos armados. Isto foi assim quanto ao passado!
Em todo o caso, sabendo eu das ligações que o PS tem em relação ao MPLA por via da Internacional Socialista, mas acreditando na isenção que V. Ex.ª possa demonstrar, queria fazer-lhe, a este propósito, duas perguntas muito concretas: qual é o seu julgamento político sobre a política angolana de Portugal nos últimos quatro anos? Que garantias de isenção - se é que acredita que a isenção é a melhor política para Portugal em Angola - é que nos pode oferecer para o futuro?
Em relação às questões europeias, VV. Ex.as, em matéria de referendo, não deram um passo em frente, deram um passo ao lado: não aceitam um referendo sobre a revisão do Tratado, o que é pena; não aceitam o referendo sobre a questão central da moeda única, o que é pena; não aceitam fazer o referendo antes do facto consumado, o que é pena (aceitam-no só depois, pelo que consigo ler do vosso Programa); não aceitam referendar o mais, mas aceitam referendar o menos, ou seja, questões concretas!
Mas imagine, Sr. Ministro, que os portugueses votam no tal referendo sobre duas questões concretas de maneira diferente. Imagine que votam contra, por exemplo, questões de defesa, questões ligadas a um exército europeu, e votam a favor de questões ligadas à política económica. O que é que V. Ex.ª faz, nessa altura, se votam a favor de uma coisa e contra outra? V. Ex.ª, certamente, negociará a saída da União Europeia relativamente a uma política concreta e, se o fizer, vem de encontro às nossas posições, segundo as quais, para estar na União Europeia, não é preciso estar em todas as políticas.
Uma outra pergunta que queria fazer-lhe é dirigida ao cidadão Jaime Gama e não tanto ao Ministro dos Negócios Estrangeiros. Imagine-se como cidadão nesse referendo sobre uma questão concreta, e imagine (porque não é muito especulativo imaginar-se assim) que a questão concreta é a seguinte: aceita ou não uma política externa e de segurança comum da União Europeia, decidida por maioria qualificada? Votaria sim ou votaria não? Ganhamos todos com o esclarecimento.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

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O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, no seu discurso, a referência à conferência intergovernamental de 1996 não podia ter sido mais curta. Referiu a esperança de que venham a ser acolhidas as posições globais no tocante à defesa da igualdade soberana dos Estados membros, mas esqueceu-se de dizer, no concreto, que posições seriam estas.
A pergunta que coloco é no sentido de clarificar que posições vai o Governo defender, por exemplo, em relação à questão da transformação do segundo e terceiro pilares da política externa e de segurança comum e igualmente, da administração interna e da justiça em políticas comunitários, o que, traduzido para bom português, significa passar de políticas intergovernamentais, decididas por unanimidade, para políticas decididas por maioria.
Quanto à questão do referendo, naturalmente que é sempre uma questão oportuna - o PP foi completamente ultrapassado nesta matéria pelo projecto de revisão constitucional apresentado pelo PCP -, mas sem dúvida nenhuma que, se o Sr. Ministro entender responder a esta questão, teremos muito gosto em ouvi-lo no concreto.
Uma outra questão, sobre a qual gostaria de ouvir o Sr. Ministro, refere-se à intenção de estabelecer relações bilaterais com os países da União Europeia. Nesta matéria, há uma situação muito especial, que é a da relação de Portugal com a Espanha. Estranhamos o facto de não ter sido referido o plano hidrológico espanhol, pelo que gostaríamos de dar oportunidade ao Sr. Ministro para, se pronunciar, no concreto, sobre esta questão que creio que nos inquieta a todos.
Finalmente, tomámos conhecimento, com alguma preocupação, de que no Conselho Europeu de Madrid não vai ser colocada a questão do dumping ambiental e do dumping social que está, neste momento, a desenvolver-se cada vez com maior intensidade devido à liberalização do comércio internacional, à negociação com Marrocos, por exemplo, do acordo de pescas, às negociações que decorrem com as organizações do Acordo NAFTA e do Acordo MERCOSUL, com outros blocos um pouco por todo o mundo. Foi dito que a União Europeia não se vai ocupar desta questão, que vai ser a Organização Comum de Mercados, a qual, como é sabido, não se tem ocupado muito - tem-se até ocupado preocupantemente pouco - com este problema. Ora, o que resulta desta questão é que Portugal pode não ter - e não terá - capacidade concorrencial com a indústria conserveira de Marrocos, a pagar salários de 14 contos por mês, não terá capacidade concorrencial com indústrias da Ásia e de outros pontos do mundo se se continuar a praticar o dumping social e, para além disto, o próprio dumping ambiental. E um ponto que nos interessa a todos, é um ponto fundamental para as relações externas do País, que o Sr. Ministro não referiu e sobre o qual gostaríamos, igualmente, de o ouvir.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, duas notas muito breves.
Referindo-me, muito concretamente, à política para as comunidades portuguesas, no Programa do Governo não vem qualquer referência ao ensino do português no estrangeiro; tendo em conta que essa foi uma das bandeiras dos candidatos do PS por esses círculos eleitorais. Gostaria, pois, de saber o porquê desta omissão que, de facto, é preocupante.
Por outro lado, fala também o PS que uma das grandes reformas de fundo será a alteração das leis eleitorais. Queria saber, definitivamente, qual é a posição do PS em matéria de direito de voto de todos os portugueses para as eleições presidenciais. Estou, naturalmente, a falar do direito de voto dos portugueses que residem fora de Portugal para as eleições presidenciais.
Estas são duas questões que gostaríamos de ver respondidas de uma forma muito concreta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Desculparão que, metido neste aperto dos tempo da discussão do Programa, não vá perder tempo a fazer cumprimentos - reservá-los-ei para outra altura.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros referiu as diversas faces da política externa portuguesa: à política europeia, à política africana, à política brasileira, à política das comunidades emigradas, à política atlântica. Se se limitasse a referir isto, não ia muito longe porque até o PSD, em dez anos, percebeu que existiam estas componentes todas da política estrangeira. V. Ex.ª, porém, foi um bocado mais longe e tornou-as todas prioritárias, o que, a meu ver, também não é suficiente.
Gostaria, Sr. Ministro, que me dissesse qual é a sua opinião sobre uma coisa que, para nós, é uma evidência: é que todas estas políticas se integram num objectivo nacional único e todas elas têm uma importância decisiva quando jogadas em conjunto para atingir esse objectivo. Recordo-lhe, por exemplo, Sr. Ministro, a total inexistência, ainda hoje verificada, de uma política que aproveite as potencialidades económicas e culturais dessa riqueza espantosa da comunidade emigrada e até que ponto, na generosidade conhecida dos emigrantes, essa riqueza não poderia jogar na nossa política europeia e na nossa política africana para a cooperação. Penso que é um desprezo criminoso, que tem vindo a ser cometido neste país, e é indesculpável.
Gostava de dizer ao meu querido amigo Carlos Encarnação que orgulhosamente só esteve, certamente, quem, durante mais de dez anos, tratou dos destinos fundamentais de Portugal marginalizando os portugueses e marginalizando esta Assembleia da República; quem se permitiu fazer acordos e tomar decisões que condicionam a vida dos nossos filhos, que condicionam a vida dos jovens portugueses, por muitas gerações, sem dar "cavaco" a ninguém. Isto é que é orgulhosamente estar só, criminosamente estar contra Portugal!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço as vossas questões. Começando pelo fim, Sr. Deputado Nuno Abecasis, naturalmente que consideramos que todas as vertentes da política externa se inserem num objectivo nacional único: E se não temos necessidade de o explicitar ou de fazer disso uma retórica narcisista é porque o consideramos uma evidência.

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Em relação as potencialidades das comunidades emigradas, o próprio Primeiro-Ministro, António Guterres, na sua intervenção inicial, teve a oportunidade de sublinhar o papel que elas desempenham nesse processo e que nós reconhecemos.
Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho, o ensino do português no estrangeiro é uma área a que este Governo atribui grande importância e a tal ponto o deseja reforçar que vai rever a modalidade anómala que ele tinha na orgânica administrativa do Estado para poder responder, de forma mais eficiente, a esse problema. Consideramos também prioritária a criação dos liceus portugueses em Luanda e no Maputo. Quanto ao direito de voto dos cidadãos portugueses emigrados nas eleições presidenciais, como tem sido referido sem dogmatismo, estamos disponíveis para analisar propostas nesse sentido que garantam a genuinidade do voto.
Sr. Deputado Luís Sá, em relação à conferência intergovernamental, pediria também a V. Ex.ª que não nos comportássemos nessa matéria numa lógica de pressão mediática e de resposta a essa pressão com a produção de soluções que tanto podem ser extremamente imaginativas como assaz delirantes. Vamos, na altura própria, analisar essa problemática com detalhe, o Governo - que, aliás, acompanha a problemática através de um representante pessoal que, de resto, é o mesmo que era no governo anterior pelo alto mérito da personalidade em causa - produzirá as suas posições próprias e quererá vê-las discutidas e, eventualmente, consensualizadas com os demais partidos políticos nesta Assembleia.
No que diz respeito ao problema das relações bilaterais, V. Ex.ª sublinhou, e bem, que este Governo considera que elas devem ter um destaque especial no quadro da União Europeia. E, naturalmente, atribuiremos também importância às relações bilaterais com Espanha, porque entendemos que devem ser desenvolvidas com benefício mútuo e consideramos que problemas como o que referiu devem ser resolvidos por via diplomática, a única susceptível de harmonizar interesses no quadro das relações entre países amigos que participam na mesma União Europeia.
Portugal não está impedido, em relação a nenhum fórum internacional, de colocar questões como aquela a que V. Ex.ª aludiu, designadamente os problemas relacionados com o dumping ambiental e social. Mas não se peça nem se espere do actual Governo que se posicione nessa problemática na mesma óptica, por exemplo, de ideólogos como Pat Buchanan, em relação ao Acordo NAFTA entre os Estados Unidos, o Canadá e o México. V. Ex.ª não nos quererá ver colocados nesse «pacote» e o Governo deseja que V. Ex.ª também não se insira no mesmo «barco» dessa retórica.
Quanto aos problemas suscitados pelo Sr. Deputado Paulo Portas, não me cabe a num, enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros, fazer a análise exaustiva da política externa do anterior governo, porque o fiz enquanto Deputado da oposição.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Mas da política económica, cabe!

O Orador: - Aliás, foram, porventura, as análises que fizemos também sobre esse problema que estiveram na base dos resultados eleitorais para o partido da oposição, que era o PS. Julgo que poderia ter havido mais serenidade em matéria de algumas avaliações e empenhamentos emocionais, mas o que lhe posso garantir é que o actual Governo será isento nessa matéria. Procuraremos fazer afirmar e respeitar as relações do Estado português com o Estado angolano, as relações do povo português com o povo de Angola, sem nos imiscuirmos nos assuntos internos de Angola, de uma forma unilateral, seja ela qual for, antes procurando reforçar as relações entre os dois países, que estão cimentadas na história, no desejo presente dos povos em afirmar a sua cooperação e, sobretudo, nas grandes possibilidades quanto ao futuro.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peco-lhe que condense e remate o seu pensamento.

O Orador: - Vou abreviar, Sr. Presidente.
O mundo de hoje já não é o que era e Portugal e Angola, naturalmente, estão condenados a reforçar os laços da sua amizade em benefício mútuo.
Quanto à problemática do referendo, e aproveito também para responder ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira, este Governo e o PS são claros nessa matéria: o projecto de revisão constitucional aqui apresentado na anterior legislatura, o documento «Contrato de Legislatura dos Estados Gerais», o programa eleitoral do PS e o Programa do Governo são textos claros e as bases são claras, o que significa que não excluímos o referendo nesse campo, como domínio de possibilidades de acção governativa, para reforçar o apoio popular à opção europeia. Isto, naturalmente, com respeito pela posição daquelas forças políticas que, em relação a esta matéria, se posicionam e respondem de modo diferente.
Em relação à questão que V. Ex.ª colocou, pois bem numa simulação como a que V. Ex.ª fez, temos uma fonte de inspiração que é a própria forma como o governo da Dinamarca se reposicionou no contexto europeu em relação ao resultado do primeiro referendo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - E também temos uma certeza que é a forma como o povo dinamarquês votou no segundo referendo. Não sei se a V. Ex.ª só agrada a primeira resposta ou também agrada a segunda...

Risos de Membros do Governo e do PS.

O Sr. Presidente: - Peco-lhe que termine, Sr. Ministro.

O Orador: - Relativamente à minha posição pessoal num referendo sobre a PESC, devo dizer-lhe que gostaria que ele tivesse por base o quadro essencial de delimitação da política externa e de segurança comum que se encontra consubstanciado no Tratado de Maastricht. Considero-o suficiente;...

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Mas é bom?!

O Orador: - ... susceptível de aperfeiçoamentos, mas suficiente, diferentemente, porventura, de V. Ex.ª que já o considera demasiado ousado e, portanto, irresponsável.
Em relação aos outros assuntos suscitados pelo Sr. Deputado Medeiros Ferreira, quanto à inclusão de uma referência à ultra-perifericidade na revisão do Tratado de Maastricht, estou de acordo. Faz parte do Programa do Governo o compromisso de pugnar por essa inserção.
Em relação ao Acordo das Lajes, também estou de acordo e abona em favor da minha resposta a forma como, no

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período de 1983 a 1985, geri a colaboração, a cooperação e a integração das regiões autónomas na renegociação do Acordo das Flores, na renegociação do Acordo das Lajes e nas negociações para a integração europeia de Portugal, podendo testemunhar o altíssimo contributo nacional das regiões autónomas em todas essas negociações.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, uma vez mais, peço-lhe que termine. Vai a caminho da triplicação do seu tempo.

O Orador: - Peço a compreensão de V. Ex.ª, Sr. Presidente, para um último ponto, que tem a ver com as questões colocadas pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação.
Quanto à zona de comércio livre mediterrânica, é um objectivo que está no horizonte da União Europeia e que consideramos útil e vantajoso. Mas no quadro desse objectivo útil e vantajoso, nós, que somos o Governo de um país soberano, procuraremos acautelar os interesses portugueses no horizonte desse objectivo, não o fazendo numa óptica proteccionista mas de competição e defesa dos interesses nacionais, porque não somos governo de um país candidato à União Aduaneira ou à zona de comércio livre, mas de um país que é um Estado soberano da União Europeia.
V. Ex.ª, porventura pela circunstância de não ter participado no debate que teve lugar na conferência de líderes, referiu de forma equívoca - também V. Ex.ª - as posições que aí emiti a propósito das matérias em causa, as quais são suficientemente objectivas e foram testemunhadas por todos os seus pares.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe desculpa, mas triplicou o seu tempo e não posso ter mais tolerância. Tenha paciência e remate o seu pensamento.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.

Sr. Deputado, houve, com certeza, uma deficiência de comunicação e, por isso, peco-lhe que se informe melhor, que não cometa os erros de informação de uma comissária europeia e que esteja do lado do Governo português, porque não lhe fica mal, sobretudo, quando labora sobre um equívoco.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Mas eu disse isso!

O Orador: - Mas, acima de tudo, o que gostava era que a combatividade que aqui, hoje, demonstrou, quanto ao mandato para estas negociações, tivesse sido a combatividade do seu governo, mais cedo, quando era possível ter influenciado estes resultados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da consideração da sua bancada, e à semelhança do procedimento que adoptei em relação ao Sr. Deputado Manuel Monteiro, tem a palavra, de imediato, o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, com a sua permissão, gostaria, antes, de apenas de dizer uma coisa ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, em jeito de aparte.
Estou certo de que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, bem como o próprio Governo, terão, da nossa parte, a combatividade necessária para resolver este problema. Este problema, felizmente, está assim colocado, porque não houve nenhum compromisso anterior do Governo português e V. Ex.ª vai ter toda a oportunidade de exibir os seus dotes de combatividade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, as figuras regimentais têm de ser usadas com o fim para que foram invocadas. Terá outras oportunidades de intervir e referir o que está a dizer, mas não a propósito da defesa da honra e da consideração da sua bancada. A sua defesa da consideração tem a ver com palavras proferidas pelo Sr. Deputado Nuno Abecasis e não com o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Tenha paciência, Sr. Deputado!

O Orador: - Tem, V. Ex.ª, toda a razão, Sr. Presidente. Penitencio-me e peço desculpa, mas, como V. Ex.ª sabe, e como parlamentar brilhante que é, há coisas a que não podemos resistir.

O Sr. Presidente: - Ui! Eu resisti muitas vezes e contrariado por dentro.

Risos.

Aplausos do PS.

O Orador: - E houve outras tantas em que V. Ex.ª violou as regras e também lhe foi permitido.

O Sr. Presidente: - Não me obrigue a defender a minha honra, Sr. Deputado.

Risos.

O Orador: - Exactamente!
Mas o que queria dizer, Sr. Presidente;...

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Orador: - ... dirigindo-me ao meu querido amigo Nuno Abecasis, com quem já partilhei uma bancada e algumas ideias, no tempo da Aliança Democrática, de que V. Ex.ª, certamente, se lembra, na altura em que ainda havia CDS...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - E na altura em que havia PPD!

O Orador: - ... quando ainda não havia PP, só queria perguntar-lhe uma coisa...

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Se estou aqui sentado, continua a haver!
O Orador: - É uma herança, porventura pesada, de acordo com o líder do seu partido.
Mas, como estava a dizer, quero perguntar-lhe apenas o seguinte: por que é que V. Ex.ª terá ficado tão aborrecido, tão ofendido com a expressão «orgulhosamente sós»? V. Ex.ª não tem razão para isso. Neste momento, V. Ex.ª tem consigo, pelo menos, 9% dos portugueses que votaram e há muitos outros pequenos partidos radicais na Europa a dizer o mesmo que os senhores. A questão do "orgulhosamente sós" não é meramente portuguesa, é uma questão de algumas áreas da Europa e, portanto, V. Ex.ª não tem de ficar ofendido. É bom que isto fique aqui definitivamente dito e considerado, de uma vez por todas,

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para que não haja oportunidade de, sempre que se fala nisto, haver pedidos de defesa da honra. Não vale a pena, porque a honra do CDS-PP permanece intacta!
Mas, e isso é que é grave, V. Ex.ª parece não entender a diferença do tempo, a diferença dos regimes e a qualificação criminal. V. Ex.ª disse que o nosso comportamento era criminoso, o que rejeito em absoluto, e é essencialmente por isso que defendo a minha própria honra e a honra da minha bancada. V. Ex.ª esquece-se de que o governo que estava em funções era um governo eleito por maioria absoluta; V. Ex.ª esquece-se de que o governo tinha legitimidade para tomar todas as decisões que tomou e também não sabe, porque não pode saber, nem é obrigado a isso, que nunca houve tanta informação à Assembleia, tanta discussão em Comissões e tanto debate em Plenário sobre a Europa como na legislatura anterior. Se V. Ex.ª tivesse sabido isso, se alguém lhe tivesse «soprado» essa informação, certamente eu não teria pedido a defesa da honra.
Com certeza, V. Ex.ª queria falar na necessidade do referendo, mas lembre-se de que estamos num quadro constitucional onde o referendo não é admitido em relação a estas questões. O referendo não foi admitido na Constituição não só por vontade nossa mas da maioria que a fez e, por isso mesmo, nesta altura, V. Ex.ª não poderia antecipar algo que, porventura, estará em discussão na próxima revisão constitucional e sobre o qual tomaremos em devido tempo a nossa posição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Já viu V. Ex.ª que não tinha razão para estar ofendido como Deputado do CDS-PP; já viu V. Ex.ª que muito menos teria necessidade e razão para se sentir ofendido enquanto meu amigo, Nuno Abecasis.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Se o Sr. Presidente me deixa usar essa figura regimental!... Eu ia recorrer aos seus serviços.

O Sr. Presidente: - Dei-lha antes de pedir, porque também há o instituto da pressuposição.

Risos.

O Orador: - Fico muito satisfeito, Sr. Presidente.
Quero dizer ao meu querido amigo, Carlos Encarnação, que nunca fiquei perturbado com coisa nenhuma. Já tenho anos e história demais para me perturbar.
Quero também assinalar que continuarei a sentir-me ofendido com o que me apetecer e a não me sentir ofendido com o que não me apetecer. Isso depende das pessoas que falam comigo.
Com toda a consideração que devo ter por si e por todos os meus colegas, quero ainda dizer-lhe que também sei, por prática, o que é o respeito, porque já governei com maioria absoluta alguma parcela importante deste pais, sempre com total respeito pelos outros, e ninguém tinha dúvida de quem mandava. Onde eu estou e mando ninguém tem dúvidas sobre quem manda, o que poderá ser um defeito ou uma virtude.
No entanto, quero dizer-lhe que isso não autoriza ninguém a tomar o meu lugar para decidir o meu destino e o dos meus filhos.
Como o Sr. Deputado sabe muito bem, houve demasiadas oportunidades para alterar a Constituição sobre essa matéria. Devo dizer-lhe que cada vez mais pessoas estão de acordo com estas ideias que defendemos, e elas não são só as radicais. E estão até de acordo sobre coisas de que já hoje se falou aqui, como, por exemplo, a partir da sua bancada, a privatização da Caixa Geral de Depósitos. O actual presidente desta instituição bancária é hoje um nosso homólogo sobre essa ideia da privatização.
Portanto, como vê, as nossas ideias fazem caminho, mas outras há que fazem um caminho ao contrário. E dou um exemplo: os meus amigos, quando estavam no governo, diziam «vão-se os barcos e vão-se as conservas»; passaram para a oposição e já dizem «vão-se os barcos, mas fiquem as conservas».
De «lata» estão a melhorar.

Risos gerais.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Assis.

O Sr. Francisco Assis (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao atribuírem ao PS a expressiva votação que este partido obteve nas últimas eleições legislativas, grande parte dos portugueses, activando o mecanismo da alternância, quis encerrar um capitulo da nossa história contemporânea e provocar a emergência de uma outra forma de conceber o exercício do poder político e de perspectivar os principais desafios que se deparam no horizonte de Portugal.
A consagração eleitoral do projecto político configurado pelo PS radicou numa ineludível vontade de mudança que comportou tanto uma posição de recusa em relação à ordem anterior como um gesto de adesão a uma nova solução governativa, portadora de expectativas suficientes para despertar a esperança e a confiança de largos sectores da população. E é por isso que o PS, tendo desempenhado com sucesso a missão histórica de consubstanciar a alternância eleitoral, está hoje incumbido da tarefa, ainda mais exaltante, de cumprir a esperança que, indiscutivelmente, conseguiu suscitar no País. Esperança essa em grande parte ancorada na postura séria, rigorosa e serena assumida pelo partido e pelo seu líder nos tempos da oposição, esperança que, certamente, se desiludiria caso a nova maioria não conseguisse encontrar o caminho das reformas tranquilas entre o aventureirismo que, irresponsavelmente, tudo quer modificar e um mimetismo conservador que tudo quer manter.
É possível, com inteligência e lucidez, percorrer uma via que contribua para a profunda renovação da vida nacional e dessa forma reconcilie os portugueses com os seus representantes e governantes e lhes restitua a esperança no futuro de Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, sendo a apresentação do Programa do Governo o primeiro momento em que se revela possível aferir com legitimidade a adequação dos propósitos do novo executivo com as expectativas que ele próprio ge-

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rou, importará atentar, com precisão e minúcia, na natureza das opções que ele consagra e que lhe subjazem. E uma primeira e reconfortante inferência que é possível extrair da leitura deste documento é a de que o Sr. Primeiro-Ministro, felizmente, não aderiu à tese, hoje em voga nalguns sectores políticos nacionais, que preconiza o princípio da dessubstancialização dos homens públicos e que se traduz na prática pela constante reformulação da identidade política em função das circunstâncias específicas que a ladeiam e a enquadram.
Ainda bem para nós, em nome da coerência e da seriedade, que o cidadão António Guterres, investido nas funções de Primeiro-Ministro, não renegou aquilo que defendeu e preconizou ao longo dos anos em que foi líder da oposição.

Aplausos do PS.

É bom sinal, demonstra que, em política, pode mudar o nosso lugar, pode ser alterada a nossa posição sem que mudem as convicções ou se alterem os princípios orientadores da nossa acção.
É justamente por obediência a essas convicções e princípios que a nova maioria contraiu a responsabilidade, que o Governo exemplarmente assume, de prosseguir a. sua actuação de uma forma mais aberta e tolerante, fundada numa visão mais exigente do exercício do poder em democracia.
A reforma do Estado e do sistema político constitui uma adequada prioridade do Governo e da maioria que o sustenta, de modo a ampliar os espaços de afirmação de uma cidadania activa e responsável, a reforçar a ligação entre eleitores e eleitos, a aprofundar o sentido da responsabilidade cívica e política, a aperfeiçoar os mecanismos de fiscalização e controlo e a aumentar a visibilidade e transparência da vida pública na sua globalidade.
A crise dos sistemas de representação política, tendo embora múltiplas e complexas causas, só poderá ser superada se os sistemas políticos democráticos se tornarem mais responsabilizantes e mais abertos. Neste âmbito, o objectivo de permeabilizar o sistema à participação de cidadãos independentes, que, aliás, tem uma modelar e corajosa tradução na constituição deste Governo, reveste-se de um vasto e fecundo alcance.
Também não podemos deixar de saudar a intenção, amplamente expressa pelo Sr. Primeiro-Ministro, de revalorizar o Parlamento como instância central do regime democrático e local de expressão privilegiado da pluralidade que estrutura a sociedade portuguesa.
Nessa sequência, afigura-se-nos da maior importância a vontade de realçar o papel essencial da oposição, conferindo mesmo um estatuto de maior dignidade formal ao seu líder. Um Parlamento adormecido, condenado ao espectáculo da confrontação entre maiorias abúlicas e oposições impotentes, pode constituir a mais reconfortante aspiração das lideranças autocráticas, mas não corresponde à ambição de quem se reconhece nos valores fundamentais da democracia liberal.
Também aqui haverá que salientar os méritos da nova maioria e do Governo, que preferem a fidelidade às convicções de sempre, à valorização instrumental dos seus interesses de agora. É desejável que isso contribua para a afirmação de um novo código de ética política em nada confundível - e até oposto - com a retórica moralista, que pervertendo cinicamente a moral a transforma na mais imoral das armas de conquista do poder.
Num outro plano, ainda ligado com a reforma do Estado, saudamos a opção clara pela regionalização e a responsabilização da Assembleia da República pela sua concretização. A alteração do modelo de organização territorial do Estado contribuirá decerto para a diminuição das assimetrias regionais e para o desenvolvimento sustentado das regiões.
Durante anos, os anteriores governos prosseguiram uma política de desconcentração tecnocrática assente na lógica da confidencialidade e do receio perante os representantes do mundo autárquico. Chegou a altura de avançar para um processo de regionalização eminentemente democrático, realizado às claras e no âmbito de um debate participado e esclarecedor.

Aplausos do PS.

Estamos certos que da criação das regiões administrativas resultarão grandes vantagens em matéria de acréscimo da participação política e de racionalização dos investimentos públicos, podendo e devendo ensaiar-se, como consta dos propósitos governamentais, um novo modelo de concertação estratégica, envolvendo a sociedade civil a nível regional. Uma cultura democrática moderna apoia-se, justamente, em formas de actuação deste tipo, valorizando a parceria, a concertação e a contratualização aos mais diversos níveis da sociedade.
Sr. Presidente, se em matéria de questões institucionais e de reforma do estado e do sistema político se nos afigura correcta a orientação governamental, o mesmo poderemos dizer no que concerne à natureza das opções políticas inerentes às questões de modernização e desenvolvimento da sociedade portuguesa.
Vivemos hoje um tempo simultaneamente fascinante e complexo, repleto de virtualidades que nos estimulam, percorrido por perigos que nos afligem. A globalização das comunicações e das trocas, a internacionalização das economias, a aceleração das mutações tecnológicas, a emergência de uma sociedade da informação, a transformação dos modelos de assistência social, a reorganização geo-estratégica, o declínio do primado absoluto do Estado-Nação, a natureza diferente dos vínculos sociais e comunitários, colocam os governos perante novas situações e desafios, que não podem ser enfrentados com o recurso a soluções clássicas e desajustadas. O Governo percebeu isso de uma forma admirável.
A aposta na educação e na formação profissional, alcandorada ao estatuto de grande prioridade nacional, a preocupação com a criação de condições de reforço da competitividade do tecido económico, a atenção a novas formas de exclusão social e a clara reiteração da opção pela participação em toda a plenitude no processo de integração e consolidação da União Europeia, desenham uma galáxia programática que corresponde a um verdadeiro desígnio nacional: - apostar nos portugueses e na Europa.
Se é verdade que sem a Europa estaríamos condenados a uma periferização penalizante, também não é menos certo que sem recursos humanos qualificados, empresas concorrenciais e uma inteligência viva e actuante, mesmo com a Europa e no seu interior, ficaríamos condenados a uma subalternidade humilhante. Não há nenhuma lógica fatalista subjacente à nossa história que nos condene, inexoravelmente, a tais situações. O País pode e deve enfrentar o próximo século noutra posição.
Será talvez para isso necessário que o processo de concertação estratégica que o Governo tenciona dinamizar

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nos conduza para a celebração de um verdadeiro pacto nacional de progresso. Poderá assim o Governo aspirar à criação de uma base consistente de sustentação social e política do esforço de modernização que terá de levar a cabo e que passará, necessariamente, pelo respeito pela estabilidade macroeconómica e pela introdução das reformas necessárias à requalificação do sistema educativo, do aparelho produtivo e da Administração Pública.
Para que tal desiderato se possa alcançar afigura-se-nos importante que se proceda à sistemática valorização das questões sociais, que devem, contudo, ser sempre encaradas e resolvidas numa perspectiva de articulação com todos os outros aspectos de índole política e económica.

Vozes do PS: - Muito bem!

Sr. Presidente, estão criadas as condições suficientes para que o Governo possa ter êxito na acção que vai levar a cabo; de novo ao País é dada a possibilidade de investir numa sólida aposta de transformação e modernização. Já não vale a pena ficar a olhar para trás, para o que não se fez e que poderia ter sido feito, importa, antes, olhar para o futuro, para dilucidar com rigor os desafios e elaborar com lucidez as estratégias e as soluções.
Não ignoramos, porque não cultivamos ilusões ultra-construtivistas, que sérias dificuldades e complexos obstáculos se interporão entre a vontade do Governo e a sua plena exteriorização. Não serão eternamente bonançosas as circunstâncias em que decorrerá a sua actuação, nem suscitarão sempre aplausos as medidas que vier a tomar, mas estamos absolutamente convictos do aceno das opções fundamentais estabelecidas neste programa. O Governo tem desígnios, agrega competências, suscita confiança.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Estamos, por isso, certos de que, mesmo na adversidade, o Sr. Primeiro-Ministro encontrará o suplemento de determinação e firmeza que garantirá o cabal cumprimento das expectativas geradas.
Sr. Presidente, é altura de terminar, não sem que antes volte a enaltecer as virtudes do debate livre e democrático que nesta Casa deve ser prosseguido com elevação e acutilância, para prestígio do regime em que nos reconhecemos.
Saibamos travar com grandeza os combates e as querelas que iluminarão os caminhos do futuro. Façamo-lo com determinação e empenhamento, acentuando até divergências e oposições, mas nunca perdendo de vista que há ou deve haver um património de valores comuns que nos permite dissentir pacificamente e discutir na tolerância - o património dos valores democráticos.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Galvão Lucas.

O Sr. Galvão Lucas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Assis, sei o que pensa sobre a regionalização, como sei que vai decorrer um período até à discussão da lei que, eventualmente, permitirá a criação das regiões. V. Ex.ª, como presidente de câmara de uma cidade do interior, saberá, como eu, que há necessidade de, quanto antes, discutir e clarificar algumas coisas concretas. Não podemos ficar-nos só por conceitos, tal como o de sociedades-plano que há pouco foi referido.
Gostaria, pois, que me dissesse que medidas concretas preconizam, V. Ex.ª e a sua bancada, para, de imediato, antes que a criação das regiões administrativas seja debatida nesta Casa e por ela aprovada, resolver os problemas que, sem dúvida, terá sentido enquanto presidente de câmara de uma cidade do interior.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Assis.

O Sr. Francisco Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Galvão Lucas, agradeço a pergunta que acabou de me formular e que me permite esclarecer, mais uma vez, a posição conhecida do PS em matéria de regionalização.
Nós advogamos o princípio da regionalização democrática do País, no sentido da criação de instâncias de decisão a nível regional, devidamente legitimadas pelo voto democrático, que participem na elaboração de decisões que têm que ver com a formulação de estratégias de desenvolvimento dessas mesmas regiões. Entendemos que a criação dessas instâncias é necessária e até mesmo fundamental, não só para uma gestão mais racional dos investimentos públicos que são direccionados para as diferentes regiões do País mas também para garantir um reforço da intervenção pública dos vários agentes.
Porém, o Programa do Governo contém ainda um aspecto e aponta um caminho e uma via que não quero deixar de salientar por se me afigurar da maior importância: a promoção da concertação estratégica, numa lógica de parceria e de concertação com os parceiros económicos, sociais, culturais e políticos ao nível regional Vejo aí grandes potencialidades e auguro um grande futuro para as regiões, se elas, de facto, se encaminharem nesse sentido.
Temos um modelo de regionalização aberto a uma discussão, que atempadamente, estou certo, será travada na Assembleia da República.

O Sr. Galvão Lucas (CDS-PP): - E até lá?!

O Orador: - Sr. Deputado, esse é o desafio, esse é o caminho, essa deve ser a aposta e essa deve ser uma das prioridades.
Para terminar a minha resposta, quero apenas dizer-lhe que tudo isto deve ser feito numa lógica de reforço da coesão nacional. Uma questão que tem sido glosada e discutida no País é a de saber se a existência de regiões administrativas fortalece ou diminui a coesão nacional, aliás, ainda ontem, num programa televisivo, discuti esta matéria com o seu colega de bancada, Dr. Paulo Portas. Naturalmente, respeito e compreendo alguns dos fundamentos dos que alicerçam uma posição diferente da que perfilho, mas não tenho quaisquer dúvidas em afirmar que se os portugueses de Trás-os-Montes, do Algarve, do Porto, de Lisboa ou até o dos Açores e da Madeira, uma vez que já está consignado o estatuto das regiões autonômicas, entenderem que têm uma participação igual na determinação das decisões políticas que se reflectem na sua vida quotidiana, se entenderem que não são prejudicados e se compreenderem que a circunstância de viverem afastados dos grandes centros urbanos em nada penaliza o seu nível e a sua qualidade de vida, não tenho quaisquer dúvidas, repito, de que, por essa via, sairá alta e substancialmente reforçada a coesão nacional, em resultado da implementação das regiões administrativas.
Tendo desempenhado, até há poucos dias, as funções de presidente de câmara de uma cidade situada entre o

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litoral e o interior, no extremo do distrito do Porto, pude, várias vezes, aperceber-me, na prática, da validade de princípios, de que nunca duvidei no plano teórico.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Se é certo que o resultado das eleições traduz claramente uma penalização do PSD pelas suas múltiplas políticas, certo é também que essa penalização se deve, em grande medida, ao seu fracasso em matéria de ambiente e ao modo como esse facto contribuiu visivelmente para o agravamento da crise ecológica, para a desumanização do quotidiano e para a degradação da qualidade de vida dos cidadãos. Uma penalização que, aliás, não se reflectiu estritamente no acto eleitoral mas que foi patente no acumular de sinais de descontentamento, de protesto, de intervenção dos cidadãos, fosse contra lixeiras, a plantação indiscriminada de eucaliptos, a contaminação dos rios, a destruição do património, a especulação imobiliária, a poluição ou a farsa dos impactes ambientais.
Dados só por si que o Partido Socialista e o Governo não deixarão, seguramente, de reter e de interpretar, bem como a leitura - que esperamos também façam - de que aos cidadãos e aos vários sectores da sociedade portuguesa já não bastam declarações de intenção.
Mero enunciado de princípios. Generalidades.
O grau de exigência aumentou.
As embalagens, por muito atractivas que sejam, não satisfazem! O que se reclama é o seu conteúdo!
Dados que devem fazer compreender que não é, pois, por dominação cega das questões ambientais que nós, Os Verdes (nem ninguém) nos batemos pela preservação dos nossos recursos, pela salvaguarda do nosso património natural, cultural e paisagístico mas, tão-só, porque não haverá qualquer projecto de sociedade que se reclame de futuro se os conceitos de ambiente e de desenvolvimento não estiverem intimamente ligados!
Dados que devem fazer compreender igualmente as razões pelas quais nós, Os Verdes, nos opomos à separação funcional e efectiva do ambiente e do ordenamento do território, num divórcio que o actual Governo optou por manter, apesar das criticas de que sempre foi objecto e que, obviamente, são independentes da discussão sobre a existência ou não de um ministério do Ambiente!
Dados e razões que devem fazer o Partido Socialista e o Governo compreender que, concluída como já está, no essencial, a caracterização dos problemas ecológicos, de há muito identificadas as deficiências e os estrangulamentos, e havendo, para além disso, um largo consenso da sociedade e dos ecologistas em relação ao que são opções e prioridades de intervenção, não é razoável nem admissível ficar muito tempo à espera para agir.
Agir, desde logo, em matéria de resíduos, que o modelo de sociedade consumista transformou pela sua herança insustentável numa questão-chave, tornando imperativa a adopção de medidas urgentes, como nós. Os Verdes, vimos propondo. Ou seja, trata-se não só de afirmar que a redução, a reutilização e a reciclagem são importantes mas também de concretizar este objectivo, definindo etapas e calendários de execução.
Em bom rigor, trata-se de saber como e quando vão ocorrer transformações nos processos produtivos que permitam avanços significativos no combate ao desperdício, como e quando políticas fiscais de incentivos e desincentivos que se reflictam na redução de resíduos, como e quais as medidas de apoio para lançar o sector da reciclagem.
Mas, mais, trata-se ainda, em matéria de resíduos industriais, de saber com rigor o que se produz e onde, identificar o que é passível de ser localmente tratado e de equacionar, depois e só, as diferentes opções de tratamento, o que manifestamente não ocorreu anteriormente e urge corrigir, designadamente em relação ao processo de Estarreja.
Agir em matéria de recursos hídricos, como sempre propusemos para garantir uma utilização racional, um planeamento e gestão participados e uma partilha socialmente justa, o que passa pela elaboração de um plano nacional da água e planos de bacia, com a participação activa dos vários agentes, em particular dos municípios que detêm responsabilidades no ordenamento do território, e pela definição clara de prazos de cumprimento.
Na abertura legislativa que ponha fim ao espartilho imposto nos modelos de gestão que regem o saneamento básico, possibilitando às autarquias a livre escolha dos modelos por que queiram optar.
Na concretização de acordos que, face ao Plano Hidrológico de Espanha, salvaguardem os interesses nacionais em matéria de quantidade e qualidade de água recebidas.
Mas intervir também, em nosso entendimento, para credibilizar a própria lei, revendo desde já a avaliação do impacte ambiental, que hoje não passa de uma mera formalidade protocolar, onde, desde Foz Côa à nova ponte sobre o Tejo, de tudo um pouco coube em matéria de malfeitorias, e transformando-a no efectivo instrumento que é suposto dever ser de defesa do meio ambiente.
Um meio ambiente e uma conservação que se, é certo, reclamam um instrumento enquadrador e uma estratégia nacional de conservação da natureza, clamam desde já, com urgência, um sinal claro de mudança do novo poder político que ponha cobro à impunidade e aos escândalos que, quer no Parque Natural Sintra/Cascais, quer no Parque de S. Mamede, mais recentemente, se instalaram!
Mudanças para um desenvolvimento sustentado que permitam suster a degradação do ambiente urbano nas grandes metrópoles e que, independentemente das múltiplas intervenções sectoriais anunciadas nos domínios dos transportes, dos equipamentos, da redução das emissões poluentes, de um diferente uso do solo, têm que equacionar sem quaisquer hipocrisias a questão do mundo rural e da sua revitalização como parte integrante dessa mudança. Uma revitalização que se é fundamental para travar as alterações climáticas e o êxodo das populações para o litoral e o seu desenraizamento só pode ser equacionada no quadro da manutenção de uma actividade agrícola que manifestamente a União Europeia contraria, a nova abertura ao Sul põem em causa e que obrigará o Partido Socialista e o Governo a um novo posicionamento em matéria de construção europeia.
Dados que para nós, Verdes, determinam com urgência uma nova concepção de desenvolvimento, capaz de satisfazer as necessidades do presente sem comprometer o futuro. Uma visão diferente no modo de viver, de produzir, de consumir e que, na óptica cultural implícita, só é possível com a participação democrática dos cidadãos e das suas organizações autónomas. Uma visão que implica dotar os cidadãos e as associações de instrumentos credíveis de intervenção e de garantir o seu direito à informação.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Os dados estão claramente lançados. Os

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sinais de aviso dos cidadãos foram claros. Os sinais de alarme da natureza também o são, há que compreendê-lo. E porque, para nós, o tempo é também ele um recurso finito importa não o desperdiçar. Cumpram-se as promessas. Pela nossa parte, assim faremos.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Autorizem-me que, em primeiro lugar, me dirija a S. Ex.ª o Sr. Primeiro-Ministro e a todos os Membros do Governo que hoje se apresentam aqui no cumprimento de uma obrigação constitucional.
Sr. Primeiro-Ministro, o facto de o Governo a que V. Ex.ª preside ter sido constituído em resultado de uma derrota eleitoral do meu partido e a circunstância de eu próprio discordar frontalmente, na generalidade, das propostas e, sobretudo, dos silêncios que conduziram a uma decisão tão inequívoca por parte do eleitorado, quer uma coisa quer outra, não me inibem absolutamente nada de lhe desejar as maiores felicidades, a si e ao seu Governo, no desempenho das tarefas públicas que agora lhe estão cometidas. Faço-o com sinceridade. Não simplesmente ao estilo de uma homenagem quase ritual, nem apenas para exteriorizar uma louvável aceitação democrática, que é de bom tom exibir nestas alturas. Se lhe desejo as maiores felicidades a si e ao seu Governo é porque, se as coisas lhe correrem bem, isso será bom para o País. É só isso que os portugueses querem e entre eles eu próprio.
Se as expectativas que criou aos portugueses se frustrarem, se as promessas que fez forem esquecidas ou adiadas, se acaso se verificar que foram feitas para servir simplesmente de shopping eleitoral nas ocasiões em que convém, então não deixaremos de o acusar publicamente por isso, como é nossa obrigação. Mas com tal desfecho nunca nos poderemos congratular. Ninguém espere de nós alguma vez satisfação pelo insucesso de quem esteja a servir o País, seja quem for.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Todos nós ouvimos o discurso de apresentação do Programa do Governo, pronunciado pelo Sr. Primeiro-Ministro, nesta Câmara. Reparámos, certamente todos, que o Sr. Primeiro-Ministro, ainda sem que o Governo esteja em plenas funções, através simplesmente do próprio discurso de apresentação, já lançou planos onde o que faz falta são realizações, já criou comissões para estudar problemas que estão a ser estudados, já adiou a resolução de questões que são urgentes, já criou cargos novos para tarefas para que já existem serviços públicos, já abriu debates para questões que nunca foram outra coisa a não ser debatidas, já requereu estudos para aquilo que já foi estudado e até já criou um outro Conselho de Ministros, quando o que existe ainda mal reuniu. Comprometeu-se a gastar mais, ao mesmo tempo que dá a boa notícia de que vai cobrar menos. E tudo isto sem na realidade decidir nada sobre coisa nenhuma.
Depois de ouvir este discurso, não posso deixar de reconhecer que não há dúvida de que temos um governo socialista! Abandonados que foram, talvez a contragosto, os sonhos colectivistas que constituíram a sua própria razão de existir, o Partido Socialista já não se consegue identificar a si próprio por aquilo que durante muito tempo foram as suas posições políticas mais características, ou seja, opor-se às privatizações, opor-se à perda do controlo por parte do Estado da comunicação social, sobretudo a de mais impacto, opor-se à perda da posição dominante do Estado naquilo a que normalmente chamava os sectores estratégicos da economia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Perdeu essa batalha, porque a realidade acabou por reduzir tudo isto a memórias incomodativas, que não convém por agora recuperar.
Procurou novos caminhos. Apresenta-se agora como pretendendo alcançar ele próprio objectivos que durante tanto tempo e tão ferozmente combateu. Não tem outro remédio senão transferir a marca da sua identidade simplesmente para aquilo que é acessório, que é reclamar-se de ser portador de um estilo de governação diferente. É pouco, mas é tudo a que pode aspirar quem se rendeu no combate ideológico.

Aplausos do PSD.

Que estilo é esse? É um estilo onde tudo se resolve não resolvendo, onde o debate parece ser um fim em si mesmo e não um acto instrumental, onde ao Governo não parece exigir-se uma linha de rumo, um propósito coerente, já que as decisões são negociadas com quem mais recalcitra e não resultam por isso da necessidade de aplicação de uma política. Onde se designa por participação nas decisões aquilo que não é mais, muitas vezes, do que um pretexto para não ter de assumir nenhuma posição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Onde deliberadamente se repudia, como manifestação de arrogância, o que seria simplesmente assumir a responsabilidade de tomar decisões e de responder por elas (e é para isso que se vota para um governo).

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Onde o objectivo parece ser «que nenhum grupo organizado diga mal de nós», como se isso fosse possível e como se o mais importante de tudo não fosse o interesse geral de nós todos.
Não havendo muitas vezes coragem de decidir, nem para um lado nem para o outro, o melhor é pedir a outros, se possível com o estatuto de técnicos, se possível em comissão, se possível em comissão alargada, se possível com estudos exaustivos, se possível após debate profundo, se possível depois de elaborado um plano integrado, se possível até, negociadamente, pedir a outros que decidam o que compete ao Governo decidir. E se não chegarem desta fornia a conclusão nenhuma, o que a experiência demonstra que é muito provável, também não se perdeu nada: ainda há margem de manobra suficiente para que o atraso tenha como justificação pública estar a aguardar o relatório do grupo de trabalho.
Também pelo estilo, o PS não terá melhor sorte do que a que teve com a substância e quando for evidente que os tempos já não estão para esta forma acomodada de governar e que assim não se vai a lado nenhum, também então criticará com vigor os métodos que agora preconiza e a que reduz agora a sua própria identidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Programa do Governo, que devia ser a questão central deste debate, acaba

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por passar sem que ninguém lhe ligue muito. Na realidade, o documento em discussão não constitui propriamente um programa de Governo. Mais do que um programa, aquilo que nos apresentam é aquilo que gostavam que viesse a acontecer a Portugal. Como se bastasse falar nos assuntos para que eles ficassem resolvidos. Reparem que, sendo o Programa um compromisso do Governo para a Legislatura, a forma vaga como ele vem elaborado impede que se possa em qualquer altura observar se ele está a ser cumprido ou não e muito menos em que percentagem o estará. Só em muito raras ocasiões se referem objectivos verificáveis.
Para falar num assunto que me é especialmente caro, ninguém ficará a saber, por exemplo, pela leitura do Programa, que auto-estradas estarão concluídas durante a Legislatura ou, dito de outra forma, que auto-estradas vai o Governo mandar parar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na generalidade dos casos, dificilmente se poderá vir a constatar se o Governo se afastou ou não do Programa a que agora se vincula, pela simples razão de que poucos compromissos objectivos se referem. A acção do Governo será assim muito melhor apreciada à luz do que foi prometido durante e antes da campanha eleitoral. Esses compromissos consideramo-los nós tão ou mais importantes do que os que deviam constar no Programa agora em apreciação e não é por alguns deles até já estarem omissos no Programa do Governo que deixaremos de exigir o seu cumprimento.
No que respeita às finanças, talvez dos capítulos mais interessantes do Programa, a ideia central é a de que é absolutamente necessário continuar a reduzir o défice orçamental. Estaremos, se calhar, todos de acordo com esse objectivo, sobretudo se esse apertar do cinto atingir o vizinho e não nos atingir a nós próprios. Mas como se fará isso é coisa que não resulta clara. Por um lado, reitera-se a promessa de que não haverá aumento de impostos, embora pareça agora, daquilo que se lê, que não haverá aumento de impostos para alguns, porque para outros - e há o cuidado de os não identificar ou de identificar apenas como a designação genérica de «os que não pagam tudo o que deviam pagar» -, para esses, propõe-se implicitamente que paguem mais impostos. Quem são? As profissões liberais? As empresas no que respeita à distribuição de lucros? As sociedades em nome individual? Esperemos pela lei do Orçamento.
Mas, por outro lado, escrito certamente por mãos diferentes, fora do capítulo dedicado às finanças, promete-se recorrentemente aumentar generalizadamente a despesa pública. Todos os capítulos do Programa do Governo prometem, na realidade, novas despesas do Estado. E até algumas das despesas que já foram pública e previamente assumidas nem sequer figuram no rol. De nada serve ao Sr. Ministro das Finanças, já alarmado, já preventivo, recordar no seu capítulo que as únicas promessa de despesa em percentagem do Produto são duas e mais nenhuma. O apelo à despesa não se conteve neste Programa!
Todos os Ministros parecem ter considerado que a sua esperança de sucesso estaria na capacidade de dispender recursos do Estado. Compreendo-os. Eles estão agora sob escrutínio por parte dos grupos que tiveram esperança de desta vez obter um lugar à mesa do Orçamento que o rigor das despesas públicas a que fomos habituados nos 10 últimos anos lhes foi sempre recusando. Se o Ministro respectivo defraudar esta santa expectativa, sai sem demora pela borda fora. Para o novo ministro, o dilema é simples: ou gasta ou sai.

Aplausos do PSD.

Esta concorrência ávida aos cofres do Estado vai, seguramente, colocar muitos problemas aos portugueses, que é quem se prepara para pagar tudo, e, mais do que a nenhum outro, ao Sr. Ministro das Finanças, cujas convicções de rigor e austeridade, tão exuberantemente exibidas enquanto presidente do Tribunal de Contas, vão agora ser postas duramente à prova.
Repare-se, então, que todos os ministérios vão estimular, apoiar, isentar, subsidiar, promover, o que em bom português se vai traduzir em escudos. Sempre que o Governo fala - e fala muitas vezes -, no seu Programa, em apoiar, estimular, fomentar, provavelmente o que quer dizer é simplesmente gastar, já que não acredito que esteja a falar de apoio moral, o qual seria gratuito e de que ninguém provavelmente está à espera, nem necessita.

Aplausos do PSD.

Por cima de tudo isto, o Sr. Primeiro-Ministro assume, e muito bem, o rigor nas finanças públicas. Todos o aplaudimos por isso. Só me deixa um pouco inquieto quando me ilumina, qualificando o conceito: ele há rigor tout court e ele há rigor com preocupação social. Não sabia! Não sabia que a preocupação social se podia constituir em factor de moderação do rigor, quando não até num contraponto ao rigor. Se é com esse espírito que se pretende lançar o rendimento mínimo garantido, bem podemos antever como serão inevitáveis os efeitos perversos que muitos suspeitam que o sistema irá gerar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Minhas Senhoras e Meus Senhores: A minha interpretação do Programa do Governo talvez sofra do facto de muito recentemente me sentir eu próprio diminuído por sofrer claramente de iliteracia. Algumas partes do Programa confirmaram-me o diagnóstico: não as consegui entender bem. Como setenta por cento dos portugueses, como sublinha o Sr. Primeiro-Ministro, como muitos outros iliteratos, não sei de todo, por mais que me esforce, responder à inteligentíssima pergunta sobre juros que vi publicada - embora não chegue ainda aos extremos mais exuberantes de iliteracia que é ter feito tal pergunta naqueles termos. E até, para cúmulo da minha iliteracia, não sabia que esta palavra existia em português - limitado como estou de só consultar o velho dicionário Torrinha, de folhas estripadas pelo muito uso e pela, afinal, vã tentativa de escapar à dita iliteracia.
Espantoso povo este, Sr. Primeiro-Ministro, que, sendo, na sua opinião, iliterato, pobre, mal governado, que se engana quando escolhe os outros para governar e que acerta quando o escolhe a si, espantoso povo este que, ao fim de quase nove séculos de contínuas misérias, mesmo assim pode ser comparado por si, mesmo que desfavoravelmente, mas com naturalidade, aos países mais adiantados do mundo!
Espantoso País este, Sr. Primeiro-Ministro, que, apesar de ter a agricultura no estado em que o seu Programa diz que está, apesar das calamidades da segurança social, das desgraças da saúde, dos retrocessos da indústria, da pesca, do comércio, do turismo, dos défices, apesar de ter tudo mal, assume como objectivo, que nos é agora surpreendentemente apresentado por quem faz todas estas

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críticas, assume como objectivo nada mais, nada menos do que estar entre os melhores dos melhores do mundo já daqui a três anos e que se preocupa, como sendo um dos seus problemas graves, com o excesso de pessoas que vindas de fora o procuram!
Espero sinceramente, Sr. Primeiro-Ministro, em nome pelo menos do povo que aqui represento, que tudo aquilo que prometeu aos portugueses durante a campanha eleitoral e antes - e não agora neste Programa do Governo, que não é nada - possa ser cabalmente cumprido.
A democracia, como sabe, nestas coisas não perdoa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, acabámos de ouvir, da parte do Sr. Deputado Ferreira do Amaral, a reprodução do mesmo tipo de discurso que, antes das eleições e durante a campanha eleitoral, o PSD fazia assumindo plenamente o seu desprezo pelo valor do diálogo, a sua atitude de arrogância e de auto-suficiência.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Nas eleições, o povo português respondeu concludentemente ao discurso do PSD e essa resposta teve a natureza de um despacho com carácter executório e definitivo: arquive-se o Governo do PSD, arquive-se o estilo do Sr. Ministro Ferreira do Amaral.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, gostava muito de responder se me tivessem feito alguma interrogação, mas na circunstância não foi feita. Em todo o caso, permita-se-me um comentário, à laia de resposta. É que já que houve uma interrogação, que não o foi, deixem-me dar uma resposta, que não o é.

Risos do PSD.

O Sr. Deputado Jorge Lacão proferiu esse despacho de arquivamento, mas devo recordar que em democracia não há arquivos e não se arquiva definitivamente nada. Mais, o Sr. Deputado terá enorme dificuldade em arquivar, porque não há arquivo que chegue para toda a obra realizada durante os últimos 10 anos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (João Cravinho): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: Calorosamente, saúdo a Assembleia da República sob a esclarecida e prestigiada Presidência de V. Ex.ª, assim como todos os Deputados, de todos os grupos parlamentares. É meu dever prestar a todos os Deputados a colaboração institucional necessária ao bom exercício das funções que constitucionalmente lhes estão cometidas. Nesse quadro, estarei atento a todas as oportunidades de trabalho com a Assembleia da República e na Assembleia da República.
Quanto às orientações essenciais que o Governo se propõe prosseguir em matéria de regionalização e de planeamento e administração do território, abordá-las-eis sob a forma de breves reflexões complementares nos capítulos 4 e 5 da primeira parte do Programa do Governo, que dou como presentes. Por razões de limitação de tempo, tratarei muito sucintamente de três temas, começando pela regionalização e administração autárquica.
Entende o Governo que a regionalização deve ser feita por lei da Assembleia da República. Considerando a criação das regiões em sede de Assembleia da República, é útil esclarecer que o Governo se propõe avançar, desde já, com profundas reformas e importantes medidas de reestruturação da administração autárquica, respeitando integralmente as competências do Parlamento. Com efeito, existe largo campo de trabalho no sentido da descentralização, da dignificação do poder local e do aperfeiçoamento da administração autárquica que em nada colide com as prerrogativas da Assembleia da República em matéria de regionalização.
Quanto ao ordenamento e administração do território, sublinho que a nova concepção do desenvolvimento do território exige uma nova política construída sobre novos princípios fundadores e daí a importância atribuída à aprovação, pela Assembleia da República, da lei de bases do ordenamento do território e também da necessidades de desenvolver, por novas práticas de actuação públicas e privadas, o modo como se faz o ordenamento. Daí a ênfase colocada nas estratégias que apostam na abertura à sociedade civil e à concertação entre os diversos actores sociais.
A futura lei de bases há-de forçosamente distinguir-se do projecto de diploma elaborado pelo anterior Governo, quer na sua génese, quer no seu conteúdo, quer ainda na sua aplicação.
Assim, em primeiro lugar, a elaboração da lei de bases será da responsabilidade da Assembleia da República, o que desde logo constitui uma dupla garantia: por um lado. os novos princípios serão sujeitos a um amplo debate; por outro lado, as soluções a consagrar deverão beneficiar de um sólido consenso político.
Em segundo lugar, as matérias a tratar no âmbito da lei de bases não dirão apenas respeito à disciplina do ordenamento. Por força da nova concepção de desenvolvimento de que a Assembleia da República e o Governo são portadores após eleições, a par dessa disciplina hão-de ser equacionados também os sistemas de incentivos a um desenvolvimento territorial e urbano equilibrado.
Em terceiro lugar, a lei de bases não deverá ser entendida como uma panaceia autoritária para males urbanísticos que importa corrigir mas, antes, como uma matriz, tão simples quanto possível, de regras de actuação que valorizem e compatibilizem os contributos vindos dos múltiplos actores empenhados na transformação do território, das cidades e do mundo rural.
É também importante notar que a atribuição de novas áreas de actuação aos municípios, a par da criação das regiões administrativas, obrigam a repensar todo o sistema de planeamento e a redefinir os papéis a desempenhar pelos vários níveis e centros de poder que nele participam.
A lei só é socialmente eficaz se as normas de conduta nela estabelecidas forem compreendidas e assumidas pé-

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los seus destinatários. Um melhor ordenamento do território implica não apenas a correcção dos desvios urbanísticos mas também pressupõe que o Estado desenvolva uma acção preventiva, sobretudo em dois importantes planos da reforma da administração do território: o relacionamento entre as instituições centrais, os municípios e as futuras regiões; o relacionamento entre a Administração Pública e os particulares.
É ainda essencial ter presente as deficiências das soluções legislativas existentes para enfrentar os problemas colocados pela valorização ou pela depreciação do solo. O mercado de terrenos actua directamente sobre o comportamento do sistema de planeamento. O inverso também é verdadeiro, mas tem levado à proliferação de formas perversas.
Para que a Administração Pública possa estabelecer uma plataforma de cooperação entre os interesses legítimos que confluem na cidade e no território será necessário ter presente os objectivos que orientam os diversos actores. Desconhecer os mecanismos subjacentes ao funcionamento do mercado de terrenos equivale a ignorar esses objectivos e a transformar o planeamento numa ficção capaz de consumir os recursos da Administração, mas incapaz de lhes acrescentar, de forma socialmente relevante, os recursos da iniciativa privada.
Há que criar condições para uma efectiva parceria entre os actores públicos e privados, no respeito da necessária protecção dos recursos naturais, dos valores ambientais e da qualidade de vida. Nesta perspectiva, impõe-se também a reconsideração da actual Lei dos Solos, hoje velha de quase 20 anos. O desfasamento da Lei dos Solos com a realidade é acentuado pela absoluta inexistência de interligação com o regime do planeamento territorial e urbanístico. O aperfeiçoamento da legislação dos solos nessa óptica é um objectivo que não deve ser confiado à lei de bases do ordenamento do território. A legislação sobre solos necessita de aturada preparação conduzida em sede própria, de modo a tornar possível uma pormenorizada auscultação dos interesses envolvidos. O Governo tem plena consciência de que esse é um trabalho difícil, mas que importa realizar na presente legislatura.
Finalmente, em matéria de ordenamento e administração do território, o Governo deseja sublinhar a elaboração do Programa Nacional de Políticas de Ordenamento do Território, inovação a que se atribui a maior importância. Com efeito, é nesse âmbito que será reconsiderada em profundidade a conjugação do quadro legal vigente e das práticas actualmente observadas no sentido de superar as suas deficiências marcantes.
Em algumas áreas, a situação actual é pouco menos do que caótica, por omissão, por incerteza ou por deficiência de harmonização. Há que corrigir esse estado de coisas. Noutras áreas, tendo havido manifesto progresso nos últimos anos, haverá que criar condições para o reforço de uma evolução positiva, que se saúda sem complexos.
Finalmente, será através do Programa Nacional de Políticas de Ordenamento do Território que se aprofundará a articulação com as políticas de promoção do desenvolvimento sustentável, com particular ênfase na defesa e valorização do ambiente.
Peço especial atenção da Câmara para um outro ponto que tem andado completamente negligenciado nas políticas dos últimos anos. A nova política de ordenamento do território deverá reflectir a preocupação de inserir Portugal nas grandes redes criadoras de valor e de riqueza no contexto europeu e transcontinental.
No Programa do Governo sublinha-se a ameaça de periferização que recairá sobre Portugal nos próximos anos. Esta é talvez a mais grave ameaça a contrariar pela preparação das negociações sobre as políticas estruturais e os fundos comunitários após 1999.
A dimensão política dessa preparação, que se encerra nas negociações associadas à Conferência Intergovernamental, sobreleva todas as demais. Mas cumpre dar também atenção - e sublinho - à possível emergência de uma nova fase da vida comunitária, em que a materialização dos direitos fundamentais da cidadania europeia e a afirmação prática do princípio político da coesão económica e social se desenvolvam ligando o ordenamento territorial de cada Estado membro a uma visão integrada e conjunta do ordenamento do território europeu. É uma mudança porventura radical.
Está em curso a elaboração do esquema de desenvolvimento do espaço comunitário (EDEC). Em princípio, esse esquema respeitará o princípio da subsidariedade e não obrigará os Estados membros, que ficarão livres de lhe dar a sequência que melhor entenderem. Mas está em crescendo de aceitação o decisivo contributo futuro do ordenamento do território para a realização, quer do objectivo da Coesão Económica e Social, quer das políticas comunitárias com impacte territorial. Trata-se de uma área nova, ainda não consagrada como política comunitária. Não obstante, o Governo aplicar-lhe-á cuidadoso tratamento, no sentido de assegurar a defesa do interesse nacional no âmbito da negociação das políticas estruturais e de fundos comunitários para o período após 1999.
Rompendo com uma política de marginalização da Assembleia da República, o Governo informará oportunamente esta Câmara quanto às implicações a retirar do esquema de desenvolvimento do espaço comunitário, dentro da sua política de diálogo aberto com a Assembleia da República em todo o campo da participação de Portugal no processo de integração europeia.
Neste momento, pede a atenção da Câmara para os cenários tendenciais da evolução do ordenamento espacial europeu. Face a esses cenários, Portugal terá de saber vencer dois factores adversos: por um lado, num período em que o Noroeste e o Centro da Europa estão fazendo enormes investimentos em densa rede de infra-estruturas transeuropeias, Portugal terá de lutar contra o risco do agravamento do défice de acessibilidade das regiões periféricas e, por maioria de razões, das regiões ultraperiféricas no contexto europeu; por outro lado, Portugal terá de vencer o risco de encravamento relativo e de perda de atractividade das zonas situadas no interior da malha das grandes redes, europeias e nacionais, insuficientemente servidas por ligações regionais.
Entretanto, o País enfrenta o problema urgente da reorientação do actual Quadro Comunitário de Apoio. Há que imprimir maior eficácia, adequação e controlo à sua gestão global e operacional, programa a programa. O actual grau de realização é desesperadamente baixo e a máquina revela excessivo pendor para se alimentar a si própria. Depois de 10 anos de aplicação, há que refazer, de alto a baixo, a máquina de gestão do Quadro Comunitário de Apoio.

Aplausos do PS.

Apesar da descentralização do sistema de gestão, não tem havido capacidade para dinamizar a gestão do QCA. Uma das causas da baixa execução é a falta de informação eficazmente dirigida aos utilizadores potenciais e nota-se

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descoordenação entre as várias fontes de financiamento, com reflexos negativos na articulação das componentes de infra-estruturas, FEDER e FEOGA, e as de formação, FSE. O Programa do Governo propõe objectivos e orientações pertinentes para vencer esta situação.
Também gostaria de chamar a atenção da Câmara para a situação em que se encontra o Alqueva - o maior empreendimento abrangido pelo Quadro Comunitário de Apoio. Os estudos efectuados demonstram claramente que a disponibilidade de água, tanto no plano quantitativo como no qualitativo, é um dos mais graves problemas que Portugal enfrenta na perspectiva do médio/longo prazo. Abordarei este tema em razão da tutela da Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva, S.A.
A este respeito, estabelece o Programa do Governo que serão tomadas todas as medidas para assegurar a melhor utilização dos recursos hídricos da bacia do Guadiana, na qual se inclui o Alqueva.
Complementarmente, acrescentarei o seguinte: Alqueva é um empreendimento que assume o valor crucial de uma reserva estratégica de água. É nessa perspectiva que deverá ser realizado, mas a primeira e decisiva condição para a sua realização é a partilha com a Espanha dos recursos hídricos da bacia do Guadiana em moldes que permitam constituir Alqueva como uma reserva estratégica de água de excepcional relevância.
Ora, anos e anos de letárgica desatenção, de que só se saiu há bem pouco tempo - precisamente, com o último governo do Professor Cavaco Silva -, criaram graves distorções na partilha dos recursos hídricos.
Estudos efectuados indicam que, nos últimos 20 anos, se verificaram enormes reduções dos caudais do Guadiana afluentes a Portugal, da ordem dos 50%. Estima-se também que a realização do Plano Hidrológico Nacional da Espanha, na sua versão de Fevereiro de 1994, implicaria uma nova redução dos caudais afluentes a Portugal da ordem dos 20%, no horizonte do ano 2010.
Estaríamos a construir não um elefante branco, mas uma manada de elefantes brancos, tantos quantos os milhões - muitos - que teríamos de atribuir a Alqueva, sem benefício para o país.
Estes números serão porventura discutíveis, mas o que não é certamente discutível é a extrema gravidade da situação a que eles se referem. O Governo tudo fará para resolver satisfatoriamente este problema.
Finalmente, penso útil salientar que a reorientação das políticas de regionalização e de ordenamento,, dentro e fora da execução dos quadros comunitários, pressupõe uma nova visão do desenvolvimento convergente. Nessa visão o que está em causa não é apenas a convergência dita nominal; também não é a convergência real medida por um único indicador - o PIB per capita. A finalidade visada consiste em garantir a igualdade de oportunidades a cada cidadão nos planos do acesso às condições de vida e aos bens públicos estruturantes do desenvolvimento e afirmação das capacidades pessoais, aproximando essas oportunidades das que se verificam em outros Estados membros da União Europeia.
Sr. Deputado Ferreira do Amaral, como desejamos estar longe das miragens dos quilómetros de betão em deserto de ideias e de ideais que nos foram oferecidos!

Aplausos do PS.

O Orador: - A igualdade de oportunidades das pessoas é o grande objectivo do Governo ao propor-se contribuir para: reduzir o diferencial de desenvolvimento económico e social face aos países da Comunidade; corrigir as assimetrias internas no que respeita às condições de vida dos cidadãos e às potencialidades de acesso ao conhecimento e à iniciativa; conduzir acções redistributivas exigidas pela efectiva solidariedade entre gerações e comunidades territoriais.
São esses os compromissos claros que se renovam perante a Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, os Srs. Deputados Helena Roseta, José Calçada, Luís Filipe Menezes e Teresa Patrício Gouveia.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PS): - Sr. Presidente, quero começar por saudar a bancada do Governo, em especial o Sr. Primeiro-Ministro, e saudá-lo numa condição especial, que é a minha condição de Deputada.
Felizmente, a nova maioria tem mais Deputadas do que tinha a anterior bancada do Partido Socialista, mas, infelizmente, o Governo não tem ainda tantas ministras quantas gostaríamos de nele ver. No entanto, nesta minha saudação vai o apoio integral à bancada do Governo e o desejo de que as nossas três Ministras e duas Secretárias de Estado possam, não sós, mas com todos os colegas do Governo, representar dignamente a sociedade portuguesa, que é um sociedade não apenas de homens, mas de homens e mulheres.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Em segundo lugar, dirijo-me ao Ministro João Cravinho para lhe chamar a atenção relativamente a três ou quatro pontos da sua intervenção que me parecem extraordinariamente importantes.
Depois de o ouvirmos, penso que ficou bem claro que, de facto, o que está em causa é um novo modelo de desenvolvimento do território, que precisamente não se esgota em auto-estradas e na convergência nominal, mas que tem de ser sustentável, regionalmente equilibrado e socialmente justo. Penso ser muito importante o facto de, pela primeira vez , existir um programa nacional de ordenamento do território.
Estamos a assistir a um processo extraordinário, em que uma parte do país se enriquece e se infra-estrutura e onde é feito muito investimento, só que o território nem sempre melhora com isso, até bem pelo contrário. Ou seja, o país está mais pequeno, porque ficam mais perto umas coisas das outras, só que, se calhar, está mais feio e mais desordenado.
Está é uma questão de fundo que, para um país pequeno como o nosso, não pode continuar a ser esquecida. Penso, portanto, que o projecto de um programa nacional de ordenamento do território, em que as questões do espaço, do território, dos recursos naturais e da paisagem sejam consideradas, é uma questão decisiva, e saúdo o facto de isso ser feito em termos nacionais e em diálogo com o Parlamento, ao contrário do que aconteceu no passado, em que documentos muito importantes, como, por exemplo, o Plano Nacional de Política do Ambiente, nunca vieram ao Parlamento para serem discutidos. É aqui que estas questões têm de ser discutidas e é aqui que têm de

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ser transformadas em verdadeiros diplomas nacionais, em que os portugueses se possam rever.
Posto isto, gostaria de abordar três questões concretas, a primeira das quais diz respeito ao território, a segunda ao poder e a terceira ao dinheiro.
A primeira, é uma questão que me é muito cara e que, de uma maneira geral, penso ter estado arredada dos programas do governo. Neste Programa faz-se-lhe referência, mas penso que poderemos desenvolver bastante esta área, que tem a ver com o problema não apenas da periferização de Portugal, mas da criação de grandes periferias dentro do nosso pais. Estamos a assistir a um quadro de criação de periferias urbanas e suburbanas cada vez mais caóticas, onde se vive razoavelmente mal e onde é extraordinariamente difícil as pessoas terem condições sequer para o exercício da democracia, porque quem gasta quatro horas do seu dia nos transportes tem muito pouca disponibilidade para exercer a democracia. Esta é uma questão que passa, de facto, por uma visão integrada de políticas urbanas que nunca existiu em Portugal.
A pergunta que faço ao Sr. Ministro João Cravinho é no sentido de saber qual é a vossa disponibilidade para, na discussão de propostas concretas para as periferias e subúrbios, dialogarem não apenas com a Assembleia da República mas também com a sociedade civil através das associações de bairros e das comissões de representantes dos moradores. Essas associações existem e essas pessoas querem trabalhar. Há disponibilidade do Governo para dialogar com elas?
A segunda pergunta tem a ver com os problemas do poder. Saúdo a visão, a meu ver absolutamente correcta do ponto de vista constitucional, que este Programa do Governo reflecte, em que o Estado é representado não apenas pelo Governo mas por todos os órgãos de soberania, bem como pelas freguesias, pelos municípios e, mais tarde, pelas regiões. O Programa do Governo diz claramente que as freguesias, os municípios e as regiões são elementos estruturantes do Estado português.
Não foi assim no passado recente. Embora isto esteja consagrado na Constituição, no passado recente o Estado era o Governo e, portanto, as autarquias eram uma espécie de «parentes pobres» a que, por condescendência, às vezes diziam algumas coisas. Penso que acabou o tempo dessa atitude e desse estatuto de menoridade das autarquias, só que isto vai ter consequências, e uma delas, Sr. Ministro, tem a ver com as famosas Comissões de Coordenação Regional, que são organismos técnicos, desconcentrados do Ministério do Planeamento e da Administração do Território, e era nesse âmbito que deveriam funcionar. No passado, tal não aconteceu, pois os governos anteriores puseram de parte a ideia das regiões e foram dando cada vez mais poderes às CCR, que passaram, muitas vezes, por cima dos próprios poderes das autarquias.
Ora, gostaria de saber qual o desuno que vai ser dado às CCR e se, realmente, vamos passar a ter as decisões tomadas por órgãos eleitos e não por órgãos simplesmente nomeados e que não prestam contas aos eleitores.
A minha terceira e última questão é muito breve e tem a ver com o Fundo de Coesão e com os problemas da transparência. O Programa do Governo refere várias vezes que é necessária a transparência nos dinheiros e, em particular, na aplicação das verbas do Quadro Comunitário de Apoio. Como sabe, o Fundo de Coesão, no último PDR, ficou de fora e, portanto, a discriminação dos projectos do Fundo de Coesão nunca foi feita. Devo dizer que nunca consegui ter acesso a uma lista dos projectos do Fundo de Coesão! É muito dinheiro para gastar metade em infra-estruturas e metade em ambiente, e gostaria de saber se isso vai ser tornado transparente e público, se o cidadão vai conhecer os dinheiros que há para o Fundo de Coesão e os projectos em que estes vão ser gastos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, é conhecida publicamente a longa luta desenvolvida, de há muitos anos a esta parte, em particular no quadro da Associação Nacional de Municípios Portugueses, quanto ao cumprimento da chamada Lei das Finanças Locais. Gostaria, muito telegraficamente, de colocar a questão de saber o que é que o Governo pretende fazer em tal domínio já em 1996.
Por outro lado, agradecia que o Sr. Ministro fosse mais específico e mais concreto quanto àquilo que, a páginas 62 do Programa do Governo, aparece como uma anunciada revisão do Regime Legal das Finanças Locais, sem que se diga nada de concreto a esse respeito.
Um outro domínio que aparece quase como refrão no Programa do Governo, e com o qual, em abstracto, estamos de acordo, é o domínio da descentralização - é preciso descentralizar. Ora, o voto que gostaríamos de expressar aqui - e gostaríamos de ouvir o seu comentário a esse respeito - é que essa descentralização não seja uma forma aparentemente nobre de um certo modo de desresponsabilização do Estado em áreas em que este, de todo em todo, não pode, constitucional e factualmente, desresponsabilizar-se. Estou a lembrar-me da transferência de competências para as autarquias sem a eventual transferência de meios, nomeadamente meios financeiros, e, em concreto, do colapso que isso poderia provocar, por exemplo, em torno da implementação da rede pública de educação pré-escolar.
Finalmente, uma última questão, que. reconheço, em bom rigor, pode não ter necessariamente a ver, mas tem também, com o seu Ministério. É que salvo erro ou omissão da nossa parte, gostaria de saber qual o significado da não existência de qualquer referência no Programa do Governo ao sector cooperativo? Isto é tanto mais estranho quanto é verdade que, se cotejarmos o programa eleitoral do Partido Socialista e o Programa do Governo nesse domínio, o contraste é radical. Essa omissão tem algum significado ou tem apenas o significado de um erro ou de uma omissão por parte do Governo? Quero lembrar-lhe que sobre esse assunto aparecem apenas as seguintes palavras: «associativismo de base cooperativa». Trata-se apenas de quatro palavras vagas que, quase por desfastio, vêm na página 162.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, de uma forma muito sucinta, desejo referir que o Programa do Governo é bastante vago, como, de uma forma muito generalizada, todas as intervenções têm focado. Mas esperava que a matéria que lhe diz respeito, a regionalização, fosse uma excepção. E esperava por várias razões: uma delas, talvez pelo facto de um importante protagonista

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político do Partido Socialista da minha região ter afirmado, antes e depois das eleições, que só seria ministro deste Governo se a questão da regionalização não ficasse bem clarificada no Programa do Governo. Quando vi que esse protagonista não era ministro do Governo do Sr. Engenheiro António Guterres, tive a esperança de que essa matéria fosse bem elencada e bem clarificada no Programa do Governo. Assim não acontece.
A intervenção do Sr. Primeiro-Ministro e, agora, a de V. Ex.ª não me esclareceram. Por isso, gostaria que o Sr. Ministro tivesse a oportunidade de clarificar alguns pontos aqui no Parlamento.
Como é que compagina o cumprimento rigoroso da Lei de Bases da Regionalização, aprovada por unanimidade na Assembleia da República e defendida como algo de sagrado, ao longo dos anos, pelo Partido Socialista, onde estão definidos os direitos e as competências das regiões, mas principalmente a metodologia para lá chegar, de uma forma perfeitamente clara - e, como V. Ex.ª sabe, passa pela abdicação voluntária de direitos e competências por parte da administração local e da administração central -, com uma nova definição, genérica e muito subtil, que o Sr. Primeiro-Ministro fez do que seriam novos direitos e novas competências das regiões? Será que isto significa que a nova maioria quer ter a iniciativa de apresentar a esta Câmara uma nova lei de bases da regionalização?
Uma segunda questão, Sr. Ministro: quem é que vai ter a iniciativa legislativa? Fala-se que será uma lei da Assembleia República, mas quem é o rosto que vai apresentar uma proposta concreta? O Governo ou o Grupo Parlamentar do Partido Socialista? Ou, então, espera-se que qualquer Deputado ou qualquer outro grupo parlamentar tome a iniciativa?
Em terceiro lugar, Sr. Ministro, o que é que o Governo pensa sobre uma questão também nuclear, ou seja, sobre a geografia das eventuais regiões a criar? Tem a opinião do Dr. Fernando Gomes,1 que utiliza o modelo das actuais comissões de coordenação das regiões ou tem a opinião que foi veiculada por uma iniciativa legislativa na anterior legislatura pelo Partido Socialista?
Quarta questão: o Partido Socialista e o Governo têm alguma ideia de quanto custará ao País a tal subtil regionalização proposta pelo Sr. Primeiro-Ministro?
Finalmente, Sr. Ministro, gostava de lhe colocar a seguinte questão: como é que o Partido Socialista e o Governo tencionam fazer passar uma decisão sobre esta matéria? Somente com os votos do Partido Socialista, por maioria simples? Até onde querem levar o consenso? Votarão uma alteração tão profunda do ordenamento político-administrativo do País unicamente com outro partido da oposição ou só assumirão essa responsabilidade com uma maioria suficientemente qualificada nesta Câmara? É preciso que isto fique bem claro à partida.
Todos sabemos que somos um País de brandos costumes, mas também sabemos que as poucas questiúnculas graves que têm tido lugar entre portugueses têm a ver com as limitações de pequenas regiões, como as freguesias.
Sr. Primeiro-Ministro e Sr. Ministro, esta é uma questão nuclear do Estado de direito e das reformas de Estado que V.Ex.ª se propõem desenvolver nesta legislatura. Não podem passar por cima deste tema, como passam por «vinha vindimada». Estes esclarecimentos devem ser feitos aqui e agora.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia.

A Sr.ª Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, verifico que não tenho tempo, por isso vou ser...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, verificando que o seu partido esgotou o tempo que lhe tinha sido atribuído, comunico à Câmara que os grupos parlamentares, à excepção do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes, que não está presente, se puseram de acordo no sentido de serem atribuídos mais sete minutos a cada. A Mesa, como é óbvio, resigna-se e aceita a vontade dos grupos parlamentares. Portanto, peço aos serviços que adicionem mais sete minutos aos tempos atribuídos a cada grupo parlamentar.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, vou guardar para outra ocasião a discussão mais aprofundada sobre as questões com Espanha, em relação às quais abundantemente informei este Parlamento, e lamento que, apesar disso, o Sr. Primeiro-Ministro, durante a campanha eleitoral, tenha manifestado o seu total desconhecimento, tratando-se de um assunto que ele dizia prioritário.
Hoje vou dirigir apenas uma palavra ao Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território a propósito das dúvidas que explanou sobre a viabilidade do empreendimento do Alqueva. Sei que o Partido Socialista nunca foi entusiasta deste empreendimento, e recordo, aliás, que foi preciso o Partido Comunista «encostá-lo à parede», numa reunião de comissão parlamentar em que eu estava presente, e pedir-lhe que, de uma vez por todas, definisse os seus pontos de vista sobre o Alqueva.
A minha pergunta é esta: as dúvidas sobre a viabilidade do Alqueva significam que o Governo está disposto a abdicar das garantias que nos dá o convénio que firmámos com Espanha em 1968, que garante os caudais necessários para abastecer este empreendimento? Pode o Governo garantir que esses convénios serão cumpridos? Vai envidar esforços para evitar que os financiamentos comunitários aos projectos espanhóis que podem pôr em causa o futuro deste empreendimento sejam aprovados? Vai exigir que a lista dos projectos enviados para Bruxelas de todas as obras constantes do plano hidrológico espanhol deve ser objecto de prévia análise ambiental, antes de poderem ser financiados, e que este empreendimento irá para a frente, independentemente da má vontade da burocracia de Bruxelas?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rolando Gonçalves.

O Sr. Rolando Gonçalves (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, é apenas para colocar uma questão muito simples, porque, quanto à questão do esquema de desenvolvimento do território europeu, mais tarde poderei fazer algumas perguntas ao Sr. Ministro.
Sendo o território nacional descontínuo e tendo as regiões ultraperiféricas, definidas no âmbito dos Relatórios «Europa 2000» e «Europa 2000 Mais» como territórios ultraperiféricos, portanto regiões como handicaps permanentes muito fortes no contexto do espaço europeu, pergunto por que razão, no seu programa eleitoral, o Partido Socialista referiu que era sua intenção efectivar o projecto de ligação da Europa ao continente americano, através de um cabo de fibra óptica, com amarração nos Açores e a manutenção na ilha de Santa Maria do Centro de Controlo

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de Tráfego Aéreo do Atlântico, e agora apenas se refere na generalidade a este assunto, dizendo que pretende continuar a assegurar responsabilidades nacionais, no âmbito dos serviços de controlo de tráfego aéreo no Atlântico Norte? É que, no âmbito dos transportes, as redes transeuropeias são fundamentais para os Açores.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Helena Roseta, serei muito breve em relação às questões que me colocou, porque o tempo é escasso.
No que se refere aos problemas que se desenvolvem na periferia dos centros urbanos e nos bairros degradados, devo dizer o seguinte: ele aparece pela primeira vez num programa do Governo com a dimensão que deve ter. Na página 51 do Programa do XIII Governo Constitucional, dizemos expressamente que assumimos o compromisso de mobilizar todos os interessados na resolução desse problema, em diálogo e em concertação na acção, cabendo-nos a decisão no que compete às funções do Governo. Não recuaremos. O diálogo para nós é fonte de inspiração e não pretexto para adiamento.
Quanto às CCR, dizemos, nas páginas 48 e 49 do Programa do Governo, que haverá a sua abertura a uma parceria desenvolvida e extensa com os actores económicos e sociais, com os municípios, continuando estas, enquanto não forem criadas as regiões, a serem órgãos desconcentrados da administração central. Não podemos ir mais além do que a realização de uma parceria extensa, e fá-lo-emos com toda a boa fé e com todo o entusiasmo. Não temos medo de criar as condições para que saiam do nosso próprio controlo matérias que melhor estarão sob o controlo directo das populações interessadas.
No que diz respeito ao Fundo de Coesão e à transparência, devo dizer, Sr.ª Deputada, que por ela nos batemos aqui anos a fio e que contra ela se bateu o PSD.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Quero dizer aos Srs. Deputados do PSD, bem como aos outros Srs. Deputados, que têm a porta aberta do meu ministério, do meu gabinete, para, quando e como quiserem, dentro do exercício legítimo das vossas actividades, serem informados directamente, para além do meu gosto em vir aqui a esta Assembleia, quando for solicitado, ou de vos propor a minha vinda, quando entender que existe matéria para isso, cabendo, então, aos Srs. Deputados decidir se ela se concretizará ou não.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado José Calçada, quanto à aplicação da Lei do Financiamento Local em 1996, devo dizer que ela é para se cumprir. Nada mais devo acrescentar. Certamente que cumpriremos a lei, e só factores de tal relevância - e VV. Ex.as serão os primeiros a não querer, porventura, que ela se cumpra imediatamente - poderiam levar a uma situação, digamos, tendencial rápida de cumprimento. Em princípio, a lei é para se cumprir e será cumprida.
Quanto à descentralização que não seja desresponsabilização do Estado, devo informar que a descentralização, pelo contrário, deve ser corresponsabilização dos diversos níveis do poder político e da Administração, ha solidariedade e em benefício das populações. As transferências que se fizeram - de muito má memória -, sem recursos, são um estigma que não deixaremos repetir. Poderemos ter aí alguns problemas e algumas dificuldades, mas seremos leais na sua exposição e obedeceremos ao sentido comum de entendimento dos interesses da população, que resultarem do próprio funcionamento das instituições, e, em primeiro lugar, da Assembleia da República.
Refere que não fazemos referência ao sector cooperativo. Dizem-me, umas vezes, que este Programa do Governo é extenso; outras, que é omisso; outras, que é de minudência; e outras ainda, que não trata de qualquer coisa que é cara, muito legitimamente, a qualquer dos Srs. Deputados. Compreenderá a situação, mas, na página 46, diz-se, em primeiro lugar, que teria de ser conciso e ilustrativo do essencial e que tudo o mais deveria ser entendido na mesma doutrina, na mesma perspectiva, nos mesmos princípios. Mas diz-se muito mais do que isso, ou seja, que este Programa do Governo não é o espelho, o puro resumo, do programa eleitoral do Partido Socialista, mas, expressamente na introdução, e às vezes ao longo de vários outros campos, remete para ele, tendo sido dito muitas vezes, pelo Sr. Primeiro-Ministro e por quase todos nós - os que ainda o não disseram irão dizê-lo, repetidamente -, que os compromissos eleitorais são para se cumprir. E esse é o nosso ponto de honra.

Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, V. Ex.ª não me surpreende.

Risos do PS.

Isto é, segundo a teoria da informação, o valor da informação depende precisamente da capacidade de dizer algo de novo. Que poderia V. Ex.ª dizer se não que o Programa deste Governo é fraco? Alguém poderia esperar de si uma outra valoração do Programa do Governo? Não! V. Ex.ª não surpreende. Mas tem má memória, porque, se comparar este Programa, como certamente entende que deve ser feito, com o programa do anterior Governo, surpreender-se-á, com certeza, por ter tido a ousadia de dizer o que disse.
Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, antes de começar a responder directamente às suas perguntas, gostaria de fazer um comentário.
O Sr. Deputado quer saber o que Governo entende que o Partido Socialista e a Assembleia da República farão. Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que não faremos como fez o seu Governo, ou seja, a governamentalização da Assembleia da República.

Aplausos do PS.

Portanto, as suas perguntas são perfeitamente à margem do que é devido na ordem constitucional. Este Governo emana da Assembleia da República, não governamentaliza a Assembleia da República.
Por outro lado, diz-me que me fez um certo número de perguntas e que passamos por elas como «cão por vinha vindimada»! Porventura, não gostaria que o fizesse! Desde já lhe digo que se essa expressão é sinónimo de que eu venha a passar por elas «como Ministro por Assembleia governamentalizada» não conte comigo. Esse seu lapso é ainda tão característico que, presumo, irá levar muitos e muitos anos de oposição até que tenha um ponto contrário.
O Sr. Deputado falou na lei de bases da regionalização... Não há lei de bases da regionalização, Sr. Deputado.

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O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Há!

O Orador: - O que há é a Lei-Quadro da Regionalização.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - É a mesma coisa!

O Orador: - Não é a mesma coisa, Sr. Deputado! Por alguma razão se chama Lei-Quadro.

Aplausos do PS.

Com isso já quase lhe respondi, porque se ler «Lei-Quadro», em vez da hipotética «lei de bases», que é a sua «lei mental», verá que as suas perguntas não têm a menor razão de ser. Dirige-as à Assembleia, mas nem à Assembleia as deveria dirigir, porque a Lei-Quadro estabelece que o processo de criação de regiões, que é o que está em causa, não está ainda feito. Na nossa proposta é que dizemos que a Assembleia da República deve ser a sede própria. E o Sr. Deputado, que é membro da Assembleia da República, pergunta ao Governo, perante os seus pares, o que é que a Assembleia da República deve fazer? Sr. Deputado, essa questão acabou!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor, se o Sr. Presidente autorizar.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro é que pode autorizar ou não a interrupção, é um privilégio seu.

O Orador: - Sendo assim, faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Muito obrigado, Sr. Ministro, por me ter deixado interrompê-lo, mas devo dizer que está a fugir à questão.

O Orador: - Qual questão?!

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - À questão que lhe coloquei.

O Orador: - Mas qual questão? Explique-a pela segunda vez.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - A lei-quadro ou a lei de bases, Sr. Ministro, como lhe queira chamar, diz...

O Orador: - Não, não. Desculpe, não é o que eu quero chamar. Estamos, digamos, em matéria...

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - O Sr. Ministro é um hábil parlamentar, mas não é através da chicana parlamentar que vai fugir à questão.

Risos do PS.

A Lei-Quadro diz que as competências das regiões serão aquelas que a administração local e a administração central venham a conferir aos órgãos regionais. É isso o que diz a Lei-Quadro. Aquilo que ontem o Sr. Primeiro-Ministro disse é outra coisa completamente diferente, é a definição de um outro tipo de competências, e aquilo que perguntei a V. Ex.ª foi no sentido de saber em que ficávamos: na Lei-Quadro, como V. Ex.ª quer - ou lei de bases, é-me indiferente - ,ou na opinião do Sr. Primeiro-Ministro?

O Orador: - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, a título de mera informação - não por entender que deva informar disto um Deputado como V. Ex.ª, mas, pelos vistos, será necessário -, para acabar com esta questão, devo dizer-lhe que V. Ex.ª tem, nos arquivos desta Assembleia, um projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista sobre a criação das regiões. Lá V. Ex.ª será, com certeza, completissimamente esclarecido sobre o que pensou e pensa o Partido Socialista.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, não me passou pela cabeça que tivesse de recordar-lhe tão elementar caso. Mas, pronto, recordei, fui ao ponto...

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Isso é um esclarecimento!

O Orador: - Peço desculpa se demorei tanto, a culpa terá sido certamente minha.
O Sr. Deputado pergunta também como irá ser votada aqui, enfim, essa criação de regiões. Pergunta-me a mim, Sr. Deputado?! Não dou ordens ao Parlamento! Ninguém, neste Governo, governamentaliza o Parlamento! Hábitos velhos de antigo Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares...

Aplausos do PS.

Não vale a pena continuar. Não vale a pena continuar...

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - É triste!

O Orador: - É triste!? Também acho!

Sr.ª Deputada Teresa Patrício Gouveia, ouvi-a com toda a atenção e quero dizer que não temos qualquer ideia negativa quanto a Alqueva. Pelo contrário, pensamos que a barragem do Alqueva é uma grande reserva estratégica de água, absolutamente imprescindível do ponto de vista do interesse nacional, desde que haja água em quantidade suficiente que a justifique.
Diz V. Ex.ª que o convénio firmado em 1968 já garantiu os nossos direitos. É uma afirmação que registo, que me parece importante, e, porventura, cada um de nós a fará em certos círculos, em defesa do interesse nacional, mas V. Ex.ª sabe melhor do que eu que há quem entenda - e são juristas reputados - que o convénio de 1968, pela prática que se lhe deu, não representa mais do que uma garantia de expropriação de 35 Km2 na margem do rio Guadiana. Nós combatemos isso, mas a Sr.ª Deputada também conhece este dossier, sabe do que estamos a falar e sabe da conveniência de ficarmos por aqui, porque anos e anos a fio de negligência comprometeram, esses sim, gravemente os direitos que o convénio garantiu, e hoje já estão postergados, por essa negligência, como a Sr.ª Deputada sabe, 50% de perdas de afluência. Em 20 anos, é terrível! Reconheço que tal não aconteceu com a Sr.ª Deputada, como Ministra, e devo fazer-lhe essa justiça, pois sei como se empenhou, mas também sei que antes de ser Ministra do Ambiente, houve muita coisa que não foi feita e que deveria ter sido, e com a maior pertinácia.

Aplausos do PS.

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Sabe isso melhor do que eu. Foi dito...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peco-lhe que abrevie as suas considerações.

O Orador: - Vou ser breve, Sr. Presidente.
Quanto a Bruxelas, pessoalmente entendo que a Comissão abriu um precedente ao exigir que Portugal apresentasse, digamos assim, a prova ou a garantia de que haveria uma partilha com a Espanha. A Comissão Europeia, ao fazer isso, abriu um precedente que nos é favorável, porque nos permite, com certeza, exigir o mesmo em nosso benefício quanto aos empreendimentos financiados pela Comunidade em Espanha. E fá-lo-emos com força, não com pés de lã.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado Rolando Gonçalves, eu já disse que o Programa do Governo não é um resumo do programa eleitoral do PS, mas remete para ele. Portanto, a matéria está compreendida.
Por outro lado, e finalmente, nós próprios reconhecemos e vamo-nos empenhar a fundo na obtenção de garantias específicas para a ultraperiferia no âmbito do futuro funcionamento da Comunidade, do futuro funcionamento dos fundos estruturais, da renegociação da Conferência Intergovernamental e do período após 1999. A ultraperiferia tem de ser acautelada e tudo faremos para que assim seja.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a interrupção é uma faculdade de cada um, no entanto, esse tempo será descontado no vosso tempo disponível.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao ler o Programa do Governo referente à solidariedade e segurança social congratulo-me pela relevância dada a estas matérias. Ao contrário de outros, o Partido Popular não anunciou comodamente a morte do Estado-providência, antes propôs a sua forma como único modo de salvaguardar valores essenciais e actuais que este conceito encerra. Porém, o Partido Popular não vê a justiça social como um luxo nem tão pouco como paliativo para pobres. O Partido Popular vê a justiça social como a essência de uma sociedade civilizada. E, se nos preocupam as bolsas de pobreza existentes, olhamos com redobrado alarme para uma nova pobreza, cuja reprodução tem múltiplas dimensões, e entre estas destacaria a eufemização da pobreza e a situação agravada dos idosos. Ou seja, ao Governo de V. Ex.ª não se pode pedir apenas que remedeie, vai-lhe ser exigido que previna, e o faça através de políticas estruturais integradas, porque a pobreza não é inelutável e menos o deverá ser aquela que resulta do próprio desenvolvimento. Assim, gostaria de obter três esclarecimentos.
Primeiro, sendo a falta ou a degradação da habitação um dos factores de maior desestruturação social, impeditivo de qualquer política, por que razão, Sr. Primeiro-Ministro, não se lê neste capítulo qualquer referência a este problema gerador e condicionante de tantos outros.
Segundo, sabe-se que a família é o principal amortecedor da pobreza Deixar que a família se reforce não é um acto altruísta, é apenas um instinto de sobrevivência das sociedades.
Ao Governo de V. Ex.ª não se pedem políticas de família, antes exige-se o compromisso de as políticas sectoriais a adoptar nas áreas da fiscalidade, habitação, saúde, educação, urbanismo, transportes, etc., não constituírem, como com frequência acontece, verdadeiras agressões à família.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Por fim, solicito que se esclareça se o rendimento mínimo garantido constitui uma medida de carácter temporário, para atenuar os efeitos imediatos da pobreza, sem prejuízo, obviamente, do lançamento de políticas estruturais, sobretudo na área do desemprego, a combinar e a articular com as prestações sociais já existentes, ou se, pelo contrário, estamos perante o caminho mais fácil de subsidiar a pobreza, correndo assim o sério risco de a estarmos a perpetuar.
Em Março de 1994, nesta Assembleia da República, aquando do debate em torno do rendimento mínimo garantido, o então Deputado Dr. Ferro Rodrigues fez uma afirmação, comentando, aliás, o aforismo, de que «é melhor dar uma cana de pesca e ensinar a pescar do que dar um peixe», com a qual até talvez concorde: a de que à data não havia nem cana nem peixe! Hoje, sendo V. Ex.ª o Ministro da pasta, pergunto-lhe: o rendimento mínimo garantido é uma cana de pesca para os ensinar a pescar ou é um peixe de consumo rápido e, por isso, vai ter de arranjar um grande cardume?
No que se refere à área da saúde, o Programa do Governo aponta para uma reforma do sistema com introdução de conceitos de financiamento e de prestação mistos, de separação entre a função financiadora e a função prestadora dos cuidados de saúde e dos mecanismos da concorrência gerida.
O Partido Popular, que no seu programa eleitoral consagrou a necessidade da evolução do Serviço Nacional de Saúde para um modelo misto, não poderia deixar de congratular-se não fossem alguns aspectos que suscitam dúvida e preocupação.
Primeiro, na prática, a separação entre a função financiadora e a função prestadora não é feita; pelo contrário, propõe-se a simples transferência de dotações orçamentais do instituto de gestão financeira para as Administrações Regionais de Saúde. Considerando que estas têm uma efectiva participação na gestão das unidades de saúde, e portanto na oferta pública, o resultado previsível será o de essa dotação orçamental servir para financiar cada vez mais o sistema e cada vez menos o doente.
Segundo, não se verificando, na prática, a separação destas duas funções, quem paga e quem presta os cuidados de saúde, torna-se impossível imaginar qualquer modelo de concorrência gerida. A falta de regulamentação do mercado da saúde, que todos sabemos ser um mercado imperfeito, impedirá, sob pena de riscos graves atentatórios dos direitos dos cidadãos, a desejada complementaridade entre o sector público e o sector privado na construção de um sistema misto.
Terceiro, o ênfase dado à problemática hospitalar leva-nos a temer que, uma vez mais, os cuidados de saúde primários não venham a assumir a importante função de base e porta de entrada no sistema, gerando maior inacessibilidade dos cidadãos e desperdício dos recursos.
Quarto, o modelo adequado da gestão hospitalar implica, todos o sabemos, uma gestão mais flexível dos recursos humanos. Para tal haverá que criar um mercado de trabalho alternativo, credível e estável, para os profissio-

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nais de saúde. Mas a criação deste mercado está dependente do progressivo desaparecimento do quase monopólio estatal de prestação de cuidados de saúde, permitindo a emergência regrada e consolidada de um sector privado, com ou sem fins lucrativos, e não a manutenção de uma actividade residual, muitas vezes parasitária.
Assim, considerando as graves consequências enumeradas, que distorcem por completo a proposta, aparentemente, contida no Programa do Governo, pergunta-se: como se irá fazer, de facto, a separação entre a função financiadora e a função prestadora dos cuidados de saúde? As Administrações Regionais de Saúde constituem uma hipótese de trabalho ou já uma opção? E se assim for, manterão ou não as ARS as suas actuais competências, relativamente aos centros de saúde e hospitais, no âmbito das unidades funcionais?
O Partido Popular considera que as meias reformas são bem piores do que as ausências de reformas. Por isso, gostaríamos de saber da coerência das medidas a aplicar na revisão ou reforma do sistema de saúde, que tem tanta importância na vida e até na morte de milhões de portugueses.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Ministros da Solidariedade e Segurança Social e da Saúde.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social.

O Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social (Ferro Rodrigues): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por cumprimentar toda a Câmara, pois vista deste lado tem também o seu encanto...

Risos.

Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, agradeço as referência que fez, e vou, sob a figura regimental do pedido de esclarecimento, apesar de não ser muito tradicional a sua utilização para este efeito, tentar responder muito sinteticamente às três questões que colocou.
Em primeiro lugar, no que diz respeito à habitação, como poderá verificar, no contrato social de Legislatura, esta questão estava tratada fundamentalmente no capítulo social, incluindo a área da habitação social. Desta vez, no Programa do Governo, está incluída na área da habitação, havendo uma preocupação clara, de acordo com as propostas deste Governo, pela área da habitação social, ainda que algumas sejam mesmo controversas como, por exemplo, a do subsídio de renda incluída nesse capítulo mas a verdade é que as referidas propostas marcam as alternativas deste Governo.
Em relação às referências feitas sobre a problemática da política de família e quanto à necessidade de se tomarem iniciativas a montante de forma a que a preocupação pela inserção social das famílias não surja apenas depois de se verificar a sua marginalização, todo o Programa a regista, inclusive, no que diz respeito ao rendimento mínimo garantido, cuja aplicação é de base familiar. Há, portanto, no Programa do Governo uma preocupação em dar à política de família uma dimensão forte e não apenas na área social.
A propósito da última questão que colocou sobre o problema do rendimento mínimo garantido, questionando se, estando deste lado, a encaro mais como a «cana de pesca» ou o «peixe», julgo que toda a filosofia do projecto de lei que o PS apresentou em tempos na Assembleia da República era no sentido de o rendimento mínimo se articular com políticas de inserção e de integração social e essa é a perspectiva que mantenho. Mas também não tenho ilusões, Sr.ª Deputada, de que, em muitos casos, para alguns, essas palavras não podem ter resultados práticos porque trata-se de pessoas que dificilmente poderão frequentar cursos de formação ou mesmo ter um emprego, até por questões de saúde. Muito sinteticamente, direi que gostaria que na, maior parte dos casos, fosse uma «cana de pesca» mas estou convencido de que, frequentemente, será o «peixe».

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde.

A Sr.ª Ministra da Saúde (Maria de Belém Roseira): - Sr. Presidente, começo por cumprimentar esta Câmara pois é a primeira vez que uso da palavra, cumprimento que estendo à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, que, tal como eu, suponho ser uma estreante neste Parlamento e a quem agradeço as referências feitas e a posição de princípio assumida quanto à reforma e não à morte do Estado providência, até porque temos assistido, de alguns anos a esta parte, a intervenções, a meu ver, extraordinariamente perigosas e insensatas. A morte do Estado-providência é absolutamente impensável sobretudo para um país com as nossas condições sócio-económicas, razão pela qual temos de ser todos capazes de, em conjunto, encontrar quer na segurança social quer na saúde a vitalidade necessária para ajustar o Estado-providência também às nossas capacidades e necessidades enquanto cidadãos.
Agradeço as críticas feitas. Penso que a forma de realizar as metas assumidas no Programa do Governo não deverá ser precipitada mas com muita cautela e segurança porque a Sr.ª Deputada sabe tão bem como eu que estes sectores são extremamente sensíveis e que qualquer alteração estrutural que não seja cuidadosamente pensada, sopesada e avaliada poderá conduzir a fracturas irreversíveis e de consequências muito gravosas. Penso que deveremos proceder a alterações de forma muito gradual e através de experiências limitadas e condicionadas que nos permitam caminhar para soluções alternativas, mesmo dentro do sector público pois, como a Sr.ª Deputada sabe e referiu expressamente, na gestão privada não se governa melhor do que na gestão pública, os pontos de partida e os meios é que são completamente diferentes. Portanto, tem de haver flexibilidade de gestão a vários níveis, sobretudo ao nível dos recursos humanos e do financiamento, premiando quem efectivamente cumpre e bem, com vontade de servir, porque penso que qualquer missão nestas áreas sociais, bastante mais do que em qualquer outras - e, se calhar, estou a ser extraordinariamente optimista aqui - implica, para quem as assume, uma enorme responsabilidade de servir.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social, Sr.ª Ministra da Saúde, penso que não é necessário voltar a usar da palavra pois certamente que estes assuntos serão tratados detalhadamente nesta Assembleia quando

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forem apresentados projectos de lei relativos a esta matéria. Nessa altura, estarei disposta a dar toda a colaboração necessária, de acordo com o espírito do nosso programa e partido.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em momento pré-eleitoral, foi afirmado com veemência que um governo PS teria uma paixão - a educação - e um inimigo - a droga. Investir na educação e combater a droga foram propósitos repetidamente proclamados e são propósitos justos. Acontece, porém, que, à exuberância do programa eleitoral, sucedeu o comedimento do Programa do Governo. Não que o Programa esteja mal servido de bons propósitos mas abusa da vacuidade e da generalização e permite tudo e o seu contrário.
Em matéria educativa, o programa eleitoral do PS apontava para a necessidade de superar uma situação marcada por graves carências estruturais aos mais diversos níveis. O compromisso de aumentar os recursos para a educação foi expressamente assumido, no entanto, o Programa do Governo para esta área representa um enorme esforço no sentido de encontrar a receita das omeletes sem ovos. A todos os problemas responde o Programa do Governo com o «pacto educativo», sem que em algum lugar se esclareça o que espera o Executivo de tal pacto, com quem o quer celebrar, com que conteúdo e para quê. E, no entanto, nem uma palavra se encontra sobre o maior pacto educativo das últimas décadas - a Lei de Bases do Sistema Educativo - cuja aprovação tanto prestigiou esta Assembleia e cujo incumprimento tanto desacreditou os governos do PSD.
Registamos o propósito afirmado no Programa do Governo de desenvolver a educação pré-escolar mas preocupa-nos o facto de não ser assumido explicitamente o sistema público de educação pré-escolar como está constitucionalmente previsto. O Grupo Parlamentar do PCP apresentou na última legislatura um projecto de lei para o desenvolvimento da rede pública da educação pré-escolar que contou então com o voto favorável do Partido Socialista. Reapresentado que está esse projecto, confiamos que, desta vez, seja aprovado e que os seus objectivos sejam finalmente levados à prática.
Se há algo em que este Programa do Governo é pródigo é em generalizações de conteúdo indefinido. Sobre as mais diversas matérias, o Governo propõe-se racionalizar, consolidar, flexibilizar, prestar atenção, considerar, negociar... Paira sobre assuntos gerais, mas não responde às questões mais óbvias como esta: o que vai acontecer à reforma educativa?
O Governo PSD lançou uma reforma curricular que semeou a confusão nas escolas, impôs um sistema autoritário de gestão escolar, adoptou sistemas de avaliação com consequências sociais e educativas reconhecidamente perversas. O que diz o Programa do Governo sobre tudo isto? Absolutamente nada.
Quando no programa eleitoral do PS se afirmava a eliminação progressiva do numerus clausus, no Programa do Governo já só se fala em redução progressiva; quando o Governo se propõe suspender as propinas mas recusa a sua revogação; quando o Governo se propõe alterar de forma negociada o regime de acesso ao ensino superior ou consolidar a rede de residências universitárias, o País tem o direito de saber em que consiste a redução do numerus clausus, por que insiste o Governo em não revogar a lei das propinas, que negócio se propõe o Governo celebrar quanto ao acesso ao ensino superior e se consolidar residências significa construir novas ou apenas conservar as poucas que já existem. Estas são questões fundamentais, que exigem respostas que o Programa do Governo não dá.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que fica dito sobre a «paixão», serve de algum modo para o «inimigo». Sempre afirmámos que o gravíssimo problema da droga impõe o empenhamento de todos para o combater. Preconizamos respostas em matéria de combate à droga, que vão muito para além da indigência tão ao gosto do Partido Popular, de fingir que os problemas da droga e da criminalidade se resolvem com agravamentos de penas, tudo se resumindo em agravar, agravar, agravar sempre. Um governo democrático irá mal por esse caminho.
Em matéria de política de combate à droga muitas questões ficam sem resposta: Que fazer com o Projecto VIDA? Que futuro para o cargo de Alto Comissário? Como assegurar a coordenação interministerial nesta matéria? Há porém que dizer que nos congratulamos com o reconhecimento da necessidade de assegurar uma rede nacional de centros de atendimento e de tratamento de toxicodependentes de acesso gratuito. É também uma proposta nossa, que esperamos ver concretizada, assim como saudamos os propósitos de intensificar o combate à droga também através de uma política de segurança interna assente no princípio da proximidade entre a polícia e os cidadãos.
Mas o que o Governo deve dizer claramente e de uma vez por todas é se vai ou não acabar com a desastrosa política das superesquadras e do fecho das esquadras de bairro, se vai ou não abrir esquadras e postos que são de há vários anos reivindicados pelas populações, se vai ou não libertar as forças policiais de milhões de diligências judiciais que as sobrecarregam, se vai ou não transferir milhares de efectivos dos corpos de intervenção para funções de policiamento e de dissuasão da criminalidade, se vai ou não desmilitarizar as forças de segurança, se vai ou não tomar medidas sérias contra as violências e as arbitrariedades que por vezes mancham a actuação das polícias. É a estas questões que o Governo não pode deixar de responder.
Não basta afirmar a todo o instante os propósitos de diálogo, de transparência e de vontade negociai. Não basta instituir no Programa do Governo uma miríade de órgãos, de comissariados, de gabinetes e de grupos de estudo. É preciso, sem dúvida, dialogar mas é indispensável que o diálogo se traduza nas decisões e se afirme na prática. É indispensável acabar com a lógica clientelar na Administração Pública, revogar decisões como a que isentou os directores-gerais do regime de exclusividade e colocar o Estado ao serviço dos cidadãos e não apenas ao serviço de alguns cidadãos.
Srs. Membros do Governo, os portugueses manifestaram o desejo profundo de uma real mudança na política nacional. É imperioso não os desiludir. Pela nossa parte, assumimos lealmente as nossas responsabilidades e não desiludiremos aqueles que nos honraram com a sua confiança.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado José Niza. Tem a palavra.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, não pretendo pedir-lhe esclarecimentos mas

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tranquilizar a sua preocupação pois o tema da droga é o «inimigo público n.º 1» do Governo bem como do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Brevemente, tomaremos iniciativas nesse sentido e espero que o Sr. Deputado e a sua bancada adiram às nossas propostas porque essa preocupação, que é também uma promessa eleitoral, vai ser permanente e prioritária do Partido Socialista.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Niza, creio que temos condições particularmente favoráveis nesta Legislatura para prestigiar esta Assembleia com o trabalho que possamos desenvolver em matéria de toxicodependência e de combate à droga. Registo a intenção que o Sr. Deputado manifestou; pela nossa parte, ao longo das últimas legislaturas temos desenvolvido um trabalho de apresentação de propostas e de iniciativas que, lamentavelmente, a maioria de então do PSD recusava sistematicamente. Iremos naturalmente reapresentar algumas dessas iniciativas e propostas novas nesta matéria e parece-nos que a gravidade do problema da toxicodependência exige que a Assembleia da República assuma, a par do Executivo, as suas próprias responsabilidades quer na fiscalização daquilo que foi feito pelo Governo quer na promoção das suas próprias iniciativas legislativas ou outras e, portanto, creio que as palavras do Sr. Deputado José Niza dão-me a entender claramente que haverá uma postura da pane do Grupo Parlamentar do Partido Socialista favorável a que, nesta Assembleia, possamos fazer um trabalho muito profícuo nessa matéria.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação (Marçal Grilo): - Sr. Presidente da Assembleia da República, permita-me que, nesta minha primeira intervenção no Parlamento, saúde V. Ex.ª e toda a Câmara e manifeste a todos os Deputados a grande distinção que sinto ao poder dirigir-me ao órgão constitucional que é verdadeiramente o símbolo da democracia no nosso país.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A prioridade concedida à educação pelo Governo é uma exigência da sociedade aberta de conhecimento e informação em que vivemos, na qual as qualificações pessoais constituem as melhores vantagens comparativas. Trata-se da natural consequência de as economias serem cada vez mais interdependentes e competitivas.
Não entraremos, porém, na polémica sobre o que está primeiro, se a educação, se o desenvolvimento. O certo é que sem melhor educação não há melhor qualidade de vida. Excelência e democratização são faces da mesma moeda e não pólos antagónicos e inconciliáveis. Neste sentido, há que apostar nas pessoas concretas. Para nós a escola é, assim, mais importante do que o «sistema educativo». O que importa é considerar a realidade viva - a criança, o jovem, o professor ou o educador e os pais -, em vez de privilegiar a norma que pretende alterar a realidade ou em vez de cair na tentação de julgar que se muda um país por decreto.
Naturalmente que a organização deverá ter coerência e ser dotada de eficácia, mas importa aliar as mudanças globais à mobilização e motivação das pessoas, à humanização da escola e à compreensão da sociedade complexa em que estamos. Vivemos a ilusão de que as mudanças globais e de sistema eram as mais adequadas.
Houve, porém, demasiada incerteza, instabilidade e insegurança em resultado da aplicação desse método. É chegado o tempo de privilegiar o gradualismo, a estabilização das instituições e de partilhar responsabilidades com os principais protagonistas da educação sobre as principais linhas de acção para o futuro.
A educação não é apenas tarefa de um governo, por mais sólida que seja a sua maioria, por mais legítimo que seja o seu mandato ou por mais claro que seja o seu pensamento. A educação é um mundo complexo que tem de envolver a sociedade toda. Nesse sentido, iremos propor ao País e, em primeiro lugar, a esta Câmara a negociação e a celebração de um pacto educativo, através do qual o espírito de diálogo se transforme em decisão amplamente participada, envolvendo uma divisão de tarefas e a definição clara de direitos e deveres para toda a comunidade educativa.
Tal como, em 1986, foi possível estabelecer o amplo consenso que veio permitir a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo, é chegado o momento, 10 anos depois, de renovar o compromisso em torno de um certo número de temas para os quais se deverão definir grandes objectivos. Cito, a título de exemplo, a criação da rede nacional de educação pré-escolar; a consideração da escola como centro privilegiado das políticas educativas; a estratégia que visa a melhoria gradual da qualidade no processo educativo; a valorização e dignificação do papel dos professores e educadores com a consequente co-responsabilização destes; o desenvolvimento e a generalização do ensino experimental; a segurança na escola e o combate à violência e à proliferação da droga e do álcool; as formas de financiamento dos diferentes subsistemas; o papel do ensino particular e cooperativo; a ligação entre educação, formação profissional e sistema de aprendizagem; e o apoio à dimensão cultural e artística da educação.
Trata-se de envolver os diferentes protagonistas num conjunto de compromissos e responsabilidades, delineado com uma geometria variável, correspondente a objectivos gerais e a diferentes objectivos específicos que se articulam e completam entre si. Não propomos, porém, transformações radicais. Privilegiamos o ensino básico e a educação pré-escolar, mas inserimo-los numa continuidade educativa que vai até ao ensino superior e que também se exprime na educação permanente, ou seja, nas diversas formas de que se reveste hoje a formação ao longo da vida.
Reconhecemos um papel decisivo à família, na sua diversidade contemporânea, mas cremos que a prioridade dada à escola constitui também oportunidade para partir das pessoas e das formas voluntárias de solidariedade, favorecendo o gradualismo das mudanças, inovando, acompanhando, avaliando, consolidando, divulgando e, só no final, aplicando generalizadamente. Eis como o diálogo se torna decisão.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O sistema educativo é heterogéneo e complexo. Gostaríamos, porém, de sublinhar que as soluções bem sucedidas e que as boas experiências, que são específicas de algumas comunidades educativas e de algumas escolas, devem ser estudadas e compreendidas para servirem de exemplo e constituírem referência de qualidade. De facto, temos de compreender que muitas das soluções que procuramos já se encontram na realidade que temos.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Há escolas que funcionam bem e devem constituir motivo de análise e de exemplo. Em nossa opinião, haverá três factores que contribuem, decisivamente, para esse êxito: a estabilidade do corpo docente, a liderança na instituição e a existência de um projecto de escola. Dai a necessidade de incentivar essas condições num clima de confiança mútua e de motivação, de clareza das políticas e dos objectivos e do funcionamento responsável da Administração Pública, segundo critérios objectivos, independentes e orientados para a eficácia, para a equidade e para a qualidade, o que exige descentralização, autonomia e proximidade dos cidadãos.
Importa, pois, adoptar políticas que contribuam para a estabilidade do corpo docente, para a responsabilização e rigor na gestão, e para a criação de condições efectivas de apoio à elaboração de projectos inovadores no sentido da melhoria dos processos de ensino/aprendizagem. Consideramos, nesta linha de pensamento, como dignas da maior atenção as estratégias e as experiências que vêm sendo realizadas em diferentes contextos que permitem ligar excelência e democratização, qualidade e equidade através da criação de centros de excelência que se tornam centros de referência para todo o restante sistema. Com tais experiências pretende-se pôr em prática um efeito multiplicador de qualidade, através de casos de referência que constituirão exemplos estratégicos de compatibilização da democracia, da excelência, da equidade e do mérito. A complexidade do nosso tempo obriga a ligar liberdade e justiça através da diversidade - em nome da autonomia individual e da solidariedade voluntária e responsabilizadora. "Escolas para o Século XXI" - eis um projecto aberto que estamos a preparar e que poderá constituir um incentivo à criação de comunidades educativas, onde a cidadania e a qualidade de vida, o diálogo de saberes e a compreensão do mundo e da vida possam cruzar-se e ser devidamente valorizados.
Disse que a Administração deverá ser chamada à eficácia, à prestação de contas e à proximidade dos cidadãos. Este é um ponto fundamental do nosso Programa, no qual não nos esgotaremos mas sem o qual dificilmente atingiremos os objectivos que nos propomos. A situação herdada carece de ajustamentos e modificações. Há alterações orgânicas a introduzir, de forma gradual e depois de uma rigorosa avaliação da realidade e da própria experiência recente. O centralismo e a burocracia têm de ser contrariados com determinação. As autarquias e as regiões administrativas deverão ser chamadas a importantes tarefas na educação, com adequada transferência de recursos financeiros, em resultado de um processo de negociação com a Associação Nacional dos Municípios Portugueses e com os restantes parceiros sociais.
Trata-se de apostar decisivamente numa orientação que leve a sociedade e as comunidades a assumirem responsabilidades na educação, contrariando todas as tentações que levam a concentrar poderes, competências e iniciativas. Defendemos, pois, um novo método de trabalho e uma nova atitude. Direi, assim, que, por princípio, a equipa do Ministério da Educação adoptará no seu calendário semanal a orientação segundo a qual quatro dias serão reservados à coordenação e aos serviços e um dia será de presença nas escolas, em sessões de trabalho e de um contacto directo com os problemas quotidianos dos estudantes, dos educadores, dos professores, e dos próprios pais. É esta a nossa leitura de administração aberta e da educação ligada à sociedade e aos seus problemas. Entendemos, porém, que a política educativa tem de ser coordenada com outras políticas sociais, com especial ênfase para a qualificação e emprego, ciência, tecnologia e cultura. A exclusão, a desigualdade, o desemprego, os efeitos da concorrência, as consequências da inovação e do progresso tecnológico e a criatividade cultural têm de ser consideradas permanentemente quando se trata de educação e da função estratégica do Estado no tocante ao desenvolvimento económico, social e cultural.
É para responder a essa necessidade de coordenação que foi criado o Conselho de Ministros para os Assuntos da Educação, Qualificação, Ciência e Cultura que é consagrado pela primeira vez e que assumirá decerto um papel fundamental. Do mesmo modo. consideramos que a Assembleia da República terá um papel insubstituível na concretização das políticas ligadas à valorização das pessoas.
A educação diz respeito à sociedade toda - já o dissemos. Importa, porém, não esquecer que a vida das escolas depende do empenhamento, da motivação e da competência dos educadores e dos professores.
Entendemos, por isso, ser necessário atribuir aos professores e educadores condições de valorização e dignidade, que permitam uma rigorosa compreensão dos seus direitos e deveres. O professor não pode ser, visto como um funcionário. É um profissional ao qual está atribuída uma função social da maior relevância. A carreira e as condições para o desempenho das tarefas educativas deverão respeitar essa orientação. Ninguém fará funcionar as escolas se não existir um corpo docente motivado, activo, competente e criador.
Mas não podemos esquecer ainda que os pais, as famílias, os autarcas, as organizações não governamentais, a vida associativa - em suma, a sociedade civil - têm a maior importância numa nova relação que tem de se estabelecer entre a escola e a vida. A escola deverá, assim, existir com as portas abertas à sociedade. A educação permanente para todos, tema que, este ano, a UNESCO escolheu para a conferência geral do cinquentenário, obriga a essa nova relação entre educação formal e não formal, sem fronteiras rígidas nem muros. Lembremo-nos da importância das escolas, por exemplo, na rede de leitura pública e de mediatecas, na telemática educativa, na criação e divulgação cultural, na educação científica, na protecção do património e do meio ambiente.
E se temos de assumir claramente a função estratégica do Estado na educação, em nome da orientação e da regulação, do apoio social e da igualdade de oportunidades, não podemos esquecer a importância da iniciativa particular e cooperativa, no respeito do princípio constitucional do Estado democrático da liberdade de ensinar e aprender. Urge, neste contexto, estabelecer condições de diálogo e confiança mútua, ao mesmo tempo que se devem adoptar critérios de qualidade e rigor.
No caso do ensino superior torna-se necessário pôr em prática um sistema de avaliação independente e público, com recurso a especialistas de reconhecido mérito, envolvendo os sectores público, privado e cooperativo, as universidades e os institutos politécnicos, com vista a garantir a qualidade e o conhecimento público do que cada instituição pode dar e quais as saídas para os seus diplomados. Importa, ainda, sublinhar o contributo indispensável que o ensino superior pode e deve dar à lógica da prioridade assumida para o ensino básico e para o cumprimento da escolaridade obrigatória.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A equipa que coordeno no Ministério da Educação está consciente das dificuldades que a esperam mas também do desafio que lhe é colocado. A posição que adoptamos é de humildade perante os graves estrangulamentos que o sistema contém, mas de determinação na sua resolução. A posição que adoptamos perante os problemas com que estamos confrontados é de humildade e determinação. O diálogo é para nós o primeiro passo de uma trilogia onde a negociação e a decisão assumem posições decisivas.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - A educação é a prioridade deste Governo em nome da modernização da sociedade, da abertura dos espíritos e do combate à ignorância e à mediocridade. Contamos com a Assembleia da República para esta tarefa que é de todos nós.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, conseguiu despertar uma legião de curiosidades! Inscreveram-se para pedirem esclarecimentos os seguintes Srs. Deputados: Sérgio Sousa Pinto, Carlos Coelho, Fernando de Sousa, Luísa Mesquita, António Braga, Nuno Correia da Silva, Rui Pereira Marques, Bernardino Soares e Calvão da Silva.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, antes de dirigir-lhe a minha pergunta, quero cumprimentá-lo e desejar-lhe os maiores sucessos nas tarefas, nada fáceis, que o aguardam.
Sr. Ministro, quando o Governo cumprir a promessa eleitoral de suspender a actual legislação sobre propinas vai libertar o sistema educativo e a sociedade portuguesa de uma lei que só acrescentou injustiça e desigualdade à educação em Portugal. Com a suspensão das propinas instituídas pelo PSD vai o Governo interromper uma longa procissão de misérias: miséria na injustiça social, miséria na arrogância e teimosia do poder, miséria na incapacidade de ouvir e dialogar.
Sr. Ministro, a única suspensão que interessa ao País e à comunidade educativa é a que nos dê garantias de que as leis em causa não voltarão a vigorar em Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Desbloqueado o diálogo, subsiste o problema do financiamento do ensino superior em Portugal. Todos temos consciência de que as propinas no valor de 1200$ servem mais o diálogo do que a justiça e a equidade...

Aplausos do PS.

A pergunta que lhe faço é muito simples: como concebe o Governo a participação a prazo dos estudantes no esforço de financiamento do ensino superior em Portugal?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, quer responder questão a questão ou prefere fazê-lo no final de todos os pedidos de esclarecimento? Recordo-lhe que se optar por responder em bloco apenas disporá de 5 minutos, pelo que talvez fosse mais prudente responder a pequenos grupos de perguntas de cada vez.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, prefiro responder no fim.

O Sr. Presidente: - Muito bem.
Então, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, gostei muito de ouvir a sua intervenção e também eu quero desejar-lhe muitas felicidades no exercício das suas funções, nada fáceis, tal como acabou de ser dito - trabalhar na educação nunca é fácil!
Quero ainda regozijar-me com a circunstância de este Governo, como, aliás, o Presidente do meu partido já sublinhou hoje de manhã, à semelhança do que nós próprios fizemos, também ter definido a educação como uma prioridade. Creio que o PS está de parabéns por isso mesmo...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Só que se esqueceram de cumprir!

O Orador: - No entanto, há uma questão prévia que resulta do debate de ontem e, se peço desculpa por suscitá-la é tão-só porque nesta bancada se sentam três ex-membros da equipa governativa, agora na qualidade de Deputados.
É que, na sua intervenção, o Sr. Primeiro-Ministro fez um comentário amargo sobre a transferência de competências, tendo, depois, ressalvado os casos específicos da Justiça e da Indústria. Ora, estávamos convencidos que, quanto à educação, pelo menos no que diz respeito a nós três, tínhamos feito uma transferência de competências que, independentemente da circunstância de os resultados eleitorais terem ditado este resultado, se tinha pautado por um grande sentido do serviço público e do dever que devemos ter enquanto exercemos funções públicas. Assim, Sr. Ministro, gostaria de saber se tem alguma razão de queixa quanto à forma como procedemos à transferência de dossiers, não só para V. Ex.ª como também para os seus Secretários de Estado.
No que diz respeito à educação, há duas ou três questões que gostaria que o Sr. Ministro concretizasse melhor relativamente às matérias a que fez referência na sua intervenção e que constam do Programa do Governo.
A primeira é a do pacto educativo. Gostaríamos de perceber o que é este pacto educativo, o que é que ele significa quanto a relações entre as instituições, entre os órgãos de soberania, e ainda qual é a consequência desse pacto para o sistema e para a relação entre nós.
A segunda questão é a do problema da carreira docente. Na sua intervenção, o Sr. Ministro fez referência à valorização da carreira docente, o que também consta do Programa do Governo, mas não se percebe muito bem o que é. Será que também se está a falar de consequências no salário dos docentes? E essas consequências sentir-se-ão apenas no que toca aos professores do ensino superior ou, pelo contrário, também aos professores de todos os níveis e graus de ensino?
Segue-se a questão do ensino pré-escolar, relativamente ao qual disse «julgo que a abordagem deste ensino está mais ou menos na boa linha (...)». Ora, a questão que aqui lhe coloco é a de uma omissão. Isto é, ao contrário do que sucede noutros capítulos, não consta do Programa do Governo qualquer referência à participação das instituições privadas de solidariedade social (IPSS) no que toca ao desígnio de alargar a rede pré-escolar. Na verdade, neste domínio, há uma referência expressa às autarquias mas não

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às IPSS. Assim, a pergunto que lhe coloco é no sentido de saber se o Sr. Ministro pensa excluir estas últimas deste desígnio e deste esforço.
Em terceiro lugar, no Programa do Governo há uma referência equívoca sobre «entender a gestão da educação como uma questão de sociedade», a que se segue mais algum detalhe, mas ficamos sem saber quais são as orientações deste Governo relativamente à questão da gestão da educação e, particularmente, da gestão das escolas, pelo que, Sr. Ministro, também aqui, lhe solicito uma explicitação do seu pensamento e da orientação do Governo nesta matéria.
Finalmente, o Sr. Ministro disse, na sua intervenção, que queria reservar quatro dias por semana para o contacto com os serviços e com a administração educativa e um dia por semana para o contacto com as escolas. Ora, primeiro, ignoro se o Sr. Ministro se referia apenas aos cinco dias úteis de cada semana ou se também incluía os fins-de-semana e, segundo, gostaria de saber qual é o espaço que tenciona reservar para a relação com esta Casa e com as forças sociais e os sindicatos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, apresento-lhe as minhas saudações pessoais e as minhas felicitações pela intervenção que produziu e pelo espírito de abertura e diálogo que transparecem da mesma.
Vou colocar-lhe duas ou três questões - ou comentários, se quiser - relativamente ao Programa do Governo no domínio da educação e à intervenção de V. Ex.ª.
Em primeiro lugar, quero sublinhar o aspecto extremamente positivo que aqui referiu e que é o da apresentação e negociação de um pacto educativo, pacto este que o Sr. Deputado Carlos Coelho finge não entender e que o Sr. Deputado Fernando Nogueira já referiu hoje de manhã.
Na verdade, este pacto constitui uma das orientações e medidas de natureza geral do Programa do Governo. É um princípio com o qual estamos inteiramente de acordo e que tem sido «bandeira» do PS desde há largos anos, isto é, a negociação de um pacto educativo que assegure, por um lado, a mudança dos métodos, a continuidade das políticas e, por outro, a concertação e a co-responsabilização de todos os protagonistas do processo educativo.
Há vários anos que o PS defende que é necessário criar um amplo consenso nacional, após um debate aprofundado sobre as questões educativas com todos os protagonistas - agentes políticos, autarquias, sindicatos, pais, estudantes -, consenso este que, tal como o Sr. Ministro referiu, é idêntico ao que esteve na origem da Lei de Bases do Sistema Educativo.
Uma outra questão, ou comentário, prende-se com uma das medidas de natureza geral apresentadas no Programa do Governo, que diz respeito à «revisão negociada do estatuto da carreira dos educadores e dos professores, sem prejuízo da revisão imediata dos principais bloqueamentos ao desenvolvimento da carreira».
Nesse sentido, penso que o Programa do Governo tem em vista a abolição da candidatura de acesso ao 8.º escalão, que constitui um verdadeiro entrave de natureza administrativa, colocado na estrutura da carreira de professores do ensino não superior com o único objectivo de impedir o acesso de todos os professores ao topo da mesma carreira.
Ora, em nosso entender, essas provas deveriam dar lugar a uma cultura de avaliação periódica do desempenho dos professores, cujas modalidades devem ser objecto, certamente, de discussão e de amplo consenso.
Por último, no domínio do ensino superior, entre as várias medidas a tomar, refere-se que importa criar as condições para a renegociação do estatuto das carreiras docentes do ensino superior, tendo em vista a valorização e a dignificação das carreiras. Há hoje um amplo consenso quanto à pertinência e urgência desta medida e, portanto, esperamos que a valorização e a dignificação das carreiras docentes do ensino superior venha a ter lugar já no próximo ano de 1996.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Hoje ouvimos falar muito de educação. Educação que pode ser, na perspectiva do Partido Socialista, «paixão», mas «paixão», se exclusiva, pode enunciar alguns perigos que dificultem o exercício da análise distanciada, deixando proliferar a possível cegueira do «apaixonado» nos espaços onde a educação continua à espera. Talvez por isso, no Programa do Governo, a prática discursiva introdutória que sugere "mobilização, empenhamento, combate, expansão, reforço, revisão e dignificação na área educativa" é posteriormente despida de todo este tom aguerrido, perfeitamente bélico, quando nos é apresentada, definitivamente, no ponto 1 do V Capítulo (A educação). Aí, já são, ténua, calma, e tranquilamente, quase sem ondas como o meu rio Tejo, os princípios orientadores que se articulam com o texto constitucional, quer no que se refere ao reconhecimento de que a educação é um direito que deve ser garantido a todos, quer na defesa da qualidade e igualdade de oportunidades.
Exprimimos, relativamente a estes princípios, a nossa total concordância, mas também as nossas reais preocupações no que se refere - e aqui, sim, era importante vê-las - às medidas concretas que o Programa do Governo equaciona com o intuito - pensamos! - de concretizar a consecução dos objectivos e dos princípios orientadores. Assim manda a lei da pedagogia e da didáctica, e é de educação que falamos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Aqui, aguardar-se-ia, provavelmente, a tal praxis discursiva da introdução; aqui, sim, Sr. Ministro, ela seria fundamental. É inimaginável uma outra! Mas ela não está cá nem consegue, efectivamente, ser transformada em medidas concretas e urgentes. Isso não acontece. Agora a «paixão» diluiu-se e a actuação urgente não se vislumbra.
Manifestam-se algumas vontades, intenções, diria mesmo como o jovem adolescente que se confronta pela primeira vez com um objecto ou um ser amado, mas não sabe muito bem o que fazer, como fazer e como o tratar, se de forma mais aguerrida ou mais tranquila. É assim que se apresenta o «pacto educativo». Pergunto: quais as estratégias e quais os objectivos?
Do mesmo modo, apresentam-se algumas acções que vagueiam sem se impor. Vejamos apenas alguns exemplos:

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«evitar a exclusão nos ensinos secundário e básico». Como? «Privilegiar a educação pré-escolar». Como? «Aumentar os níveis de frequência do ensino secundário». Como? «Maior protagonismo do poder local, com transferência de competências». Como? Esperamos que os presidentes de câmara não o tenham ouvido! «Reforçar a autonomia das escolas». Como? Simultaneamente com a avaliação existente nos ensinos básico e secundário?! O Sr. Ministro desconhece, com toda a certeza, o sistema de avaliação existente.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, queira terminar, pois já ultrapassou o tempo de que dispunha.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Acrescenta ainda: «dignificar a carreira docente», como se os professores deste país tivessem uma carreira docente dignificada!; «prosseguir o desporto escolar, consolidar a rede de residências existentes». Será que o Sr. Ministro está convencido de que existe desporto escolar e uma rede de residências para estudantes? Provavelmente, não.
Para finalizar, as grandes questões relacionadas com a avaliação de todo o nosso sistema de ensino, a entrada no ensino superior e a reforma educativa que se esperava poder ouvir, depois da tal praxis discursiva, aguerrida e apaixonada, não tiveram respostas. Somente nos foi transmitido um leque de intenções e de vontades que quase nos fazem lembrar, como há pouco referi, a prática da adolescência.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.
O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, permita-me que lhe diga que este Programa tem muito «coração», mas muito pouco de «razão». Acredito e tenho a sincera esperança, Sr. Ministro, por aquilo que é dado a conhecer do seu currículo e pelos créditos que lhe são atribuídos, que o Programa agora apresentado seja produto de uma qualquer reunião dos Estados Gerais do Partido Socialista e não da sua própria autoria. É que, da primeira à última palavra, encontramos preocupações, algumas boas intenções, mas não uma única linha que aponte para soluções. O rol de lugares comuns parece querer esconder um vazio de ideias e uma vaga de incertezas que, Sr. Ministro, traz-nos à memória a trágica política desenvolvida nos últimos 10 anos.

Protestos do PSD.

Parece-me que a «paixão» deste Governo se transformou em poesia. Porém, a educação, se é uma prioridade, não é de poesia que precisa, mas de projectos e acções. Peco-lhe, por isso, respostas objectivas para as seguintes questões muito concretas, desde logo, que modelo de gestão propõe este Governo e o Partido Socialista? Vamos continuar a ter professores a gerir a escola em detrimento, naturalmente, da sua vocação pedagógica? É que mais importante do que discutir se se aumenta a rubrica da educação em 1 ou 2% no PIB, é combater os desperdícios e responsabilizar, em cada estabelecimento de ensino, quem tem competência para gerir os dinheiros que lhe são atribuídos. Exige-se, por isso, a rápida instituição do gestor escolar.
Por outro lado, que avaliação vai ser feita aos professores? Se todos somos unânimes em dizer que o sistema de ensino tem de oferecer muito mais, se estamos de acordo que se deve exigir mais aos alunos, pergunto se não devemos começar por exigir mais aos professores. Neste Programa o Sr. Ministro e o seu Governo propõem acabar com a única avaliação que existia: a passagem para o 8.º escalão. Ora, pergunto se os professores vão continuar a viver no anonimato, que só serve a quem é irresponsável, a quem não cumpre e deixa absolutamente frustrados os professores que vivem a sua função com a responsabilidade de quem sabe que está a formar gerações para o futuro.
Sr. Ministro da Educação, que avaliação propõe para o ensino secundário? Vamos continuar a viver no laxismo em que temos vivido até aqui, em que é permitida a transição de ano para alunos que não obtiveram aprovação nas matérias básicas da sua formação, a matemática e a português? Sr. Ministro, que vias tecnológicas vão ser propostas para o ensino secundário, como alternativas ao ensino superior? Fala-se na dignificação do ensino tecnológico, mas que vias são essas? Quem vai defini-las: as próprias escolas, a comunidade, os conselhos administrativos ou é a «5 de Outubro», tão distante dos problemas? O Ensino tecnológico deve ser, aliás, a principal fonte de resposta aos problemas específicos de cada região.
Que acesso ao ensino superior vamos ter, Sr. Ministro? Apenas se fala na reforma do regime de acesso, mas isso é o que os nossos estudantes ouvem de há 10 anos a esta parte! É preciso, de uma vez por todas, dar certezas e objectivar caminhos. Diga-nos: vão ter de continuar a fazer três, quatro e cinco provas, como acontece e aconteceu no último ano lectivo? Vão continuar a existir provas específicas, que são uma aberração completa? Vão continuar a existir provas globais que nada têm de globais, porque são feitas em cada escola, com disparidades na avaliação? Sr. Ministro, queremos respostas urgentes.
Quanto às propinas, é verdade que a lei das propinas era injusta, mas não há maior injustiça do que o financiamento do ensino superior ser feito, apenas e tão só, por via dos impostos. É que, por esta via, vamos obrigar muita gente a pagar que, por não ter dinheiro, não pode chegar à universidade. Perguntamos, portanto, que alternativa propõe para o financiamento do ensino superior.
Sr. Ministro da Educação, para concluir, louvo o espírito de abertura e de diálogo com que vem a esta Assembleia e que, aliás, abunda no Programa do Governo. Mas uma coisa é vir de espírito aberto, outra completamente diferente é vir de espírito vazio.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, as intervenções que me precederam reflectem no seu cepticismo o estado quase traumático em que se encontram os portugueses, após 17 anos - nessa altura, o Sr. Deputado Carlos Coelho mal tinha entrado na escola primária! - de governação PSD na pasta da educação.

Aplausos do PS.

Pensamos que é preciso adoptar uma outra atitude, uma atitude de esperança, de confiança e de expectativa. É nesse sentido e com essa atitude, Sr. Ministro da Educação, que gostaria de lhe pedir algumas precisões, embora reconheça que não se pode esperar que um Programa do

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Governo contenha todas as respostas e actos legislativos previsíveis, como pareciam ambicionar os Deputados que me precederam.
Na anterior legislatura, conduzimos um combate, infelizmente inglório, pela valorização da vertente fundamental, não só da política educativa como da política cultural, que é a educação artística. Pensamos que se trata de uma questão essencial para que qualquer política cultural seja definida em profundidade, na medida em que é impossível criar novos públicos, novos profissionais portugueses nas várias áreas artísticas que possam dignificar, a nossa criatividade e a cultura nacional sem que seja devidamente valorizada, na política educativa, esta componente.
Todos sabemos que existe legislação, desde a lei de bases de 1986, a lei de 1989, até ao diploma regulamentador que ficou na gaveta em 1991. Há legislação, mas não foi cumprida. Pensamos, por isso, que o que falhou foi, sobretudo, a vontade política.
Estamos seguros que essa vontade existe neste Governo, mas esperamos que depois surja o suporte orgânico que permita articular esta componente do sistema educativo com a da política cultural.
Nesse sentido, Sr. Ministro da Educação, estou seguro de que tem ideias muito mais concretas, que vão muito mais além das que estão expressas, muito genericamente, na referência da alínea b) da página 221. Peço-lhe, pois, que concretize o que o Governo pensa em relação a esta matéria.
Por último, quero também realçar que aguardamos com muita expectativa a valorização dada na sua intervenção às bibliotecas escolares e às mediatecas, sem as quais qualquer rede de leitura pública é ineficaz.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, nesta minha primeira intervenção na Câmara quero dar nota daquilo que aconteceu ao longo do dia de hoje e que tem a ver com a constante preocupação da bancada do PSD em afirmar a boa passagem das pastas dos diversos ministérios. Proponho que se institua, de alguma maneira, um certificado de boa transferência de pastas para que, finalmente, possam ficar todos devidamente esclarecidos e sossegados acerca desta situação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Todos conhecemos o caos e a miséria em que se encontra hoje em dia o nosso sistema educativo. Da intervenção do Sr. Ministro e da leitura do Programa do Governo continuam a ressaltar algumas dúvidas fundamentais sobre questões essenciais respeitantes a esta matéria. Aliás, tendo em conta que a educação é um pilar fundamental do desenvolvimento do País e um direito constitucionalmente previsto, esta é, sem dúvida, uma matéria da maior importância.
Na sequência da previsão da diminuição progressiva do numerus clausus que vem estipulada no Programa do Governo, gostava de saber, em primeiro lugar, em que perspectiva e com que ritmo é que se fará esta diminuição. Quando se equipara o ensino superior público ao ensino superior privado relativamente à diminuição do numerus clausus, isso significa que este último também conta para
essa diminuição progressiva?. Se assim é, em que situação ficarão aqueles que, tendo capacidade para frequentar o ensino superior, não têm condições económicas para pagar o ensino superior privado?
Em relação às propinas, que se calhar foi o tema mais destacado na última legislatura, conhecemos há pouco tempo a intenção do Sr. Ministro de suspender a actual lei para permitir uma negociação independente de quaisquer condicionalismos prévios. Gostava de saber qual vai ser a posição do Governo nesta negociação, tendo em conta que a dos estudantes e das suas associações foi sempre a da defesa da revogação das propinas, que é - e sempre foi! - também a posição da minha bancada, na medida em que consideramos que só assim é que poderemos contribuir para uma efectiva aposta e desenvolvimento do ensino superior público.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, importa salientar que o financiamento do ensino superior público é algo que vai muito para além da questão das propinas.
Em primeiro lugar, temos de saber qual vai ser o papel do Estado no financiamento do ensino superior público, nomeadamente quanto a questões tão prementes e importantes como a da acção social escolar ou a das instalações escolares. Assim, gostaria de saber qual vai ser a postura do Governo em relação a esta questão e, numa perspectiva mais global, quanto ao financiamento do ensino superior público.
Deixo aqui uma nota de esperança para que, no desenvolvimento de toda a política governativa do Governo, não venhamos um dia a chegar à conclusão de que esta paixão pela educação foi apenas uma paixão platónica.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero, em primeiro lugar, dirigir uma saudação muito especial ao Sr. Ministro da Educação.
Quanto à suspensão das propinas, pergunto-lhe, Sr. Ministro: essa lei é para renascer ou pensa que não deve haver propinas?
Relativamente ao princípio da igualdade, as famílias que pagam - e muito! - no ensino privado devem também pagar, através dos impostos, as propinas do ensino público?
Em relação à dignificação da carreira docente, sobretudo do ensino superior, é capaz de levantar o véu e dizer-nos que tipo de medidas pensa adoptar.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As questões que me foram colocadas davam para falar em três congressos, quatro simpósios e 10 seminários. Vou tentar, no tempo que me é atribuído (cerca de 5 minutos);...

O Sr. Presidente: - Com alguma tolerância, Sr. Ministro.

O Orador: - Creio que o Sr. Presidente será, com certeza, condescendente.

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120 I SÉRIE - NÚMERO 4

Vou procurar responder às questões mais relevantes.
Em primeiro lugar, julgo que a questão relativa às propinas, que foi colocada pelo Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto e abordada em mais dois ou três pedidos de esclarecimento, deve ser colocada de uma forma muito sintética e clara. A situação em que nos encontramos hoje é a de iniciar um processo negocial. Ora, o melhor a fazer num processo negocial é ter princípios, ou seja, é fazer assentar a negociação em princípios que poderão ser os seus balizadores.
Vou enumerar, de uma forma muito rápida, cinco princípios.
Primeiro, não é possível discutir as propinas sem analisar o sistema de financiamento. Aliás, o grande erro que a bancada do PSD cometeu foi o de ter interrompido o processo que tinha iniciado de estudar o financiamento do ensino superior e de ter retirado do relatório então produzido apenas a matéria relevante às propinas, desligada daquilo que era a lógica global do Financiamento. Este financiamento tem de ser estudado em três linhas: o financiamento propriamente dito das instituições, da acção social escolar e das propinas.
Segundo, a independência das propinas em relação ao custo de funcionamento das instituições.
Terceiro, as famílias e os estudantes devem comparticipar no financiamento da educação a nível do ensino superior, porque quando fazemos uma análise custo/benefício verificamos que a taxa de retorno do ensino superior é a mais elevada e individualizada de todas.
Quarto, as propinas aparecem na relação do estudante com a instituição.
Quinto, gratuitidade e cobertura de parte dos custos que tem a educação, que não são apenas os custos dos cursos mas, sim, os custos privados, os custos indirectos e os de alternativa, que devem ser lidados numa lógica de relação entre o cidadão e o Estado. Ou seja, é com base na lógica instituição/estudante/Estado que se deve discutir a questão do financiamento.
Relativamente ao pacto educativo, questão que também foi levantada aqui por vários Srs. Deputados, direi o seguinte: defendo o pacto educativo desde há cerca de cinco anos, quando fiz o primeiro escrito sobre a necessidade de haver um grande acordo sobre educação. Aquilo que se verifica hoje é o seguinte: ou conseguimos encontrar aquilo que nos une e fazemos um pacto ou, se maximizamos aquilo que nos divide, então, não podemos fazer nada. Estou convencido de que, analisando bem o que se passa em Portugal desde o início dos anos 70 - e já não vou um pouco mais para trás -, em relação a alguns temas há hoje larguíssimos consensos na sociedade portuguesa. Estive oito anos no Conselho Nacional de Educação, do qual fui presidente durante os últimos quatro anos, e, relativamente a alguns dos muitos temas candentes, encontrei uma enorme receptividade por parte de todos os representantes dos partidos, das autarquias, das famílias, das universidades, dos politécnicos, das regiões autónomas, dos sindicatos, etc, enfim de todos aqueles que têm representação no Conselho. Julgo que chegou a altura de encontrar, para um conjunto específico de temas, alguns objectivos comuns. Não acredito que um país como o nosso, que é mais pequeno do que o Estado da Pensilvânia, não seja capaz de fazer o mesmo que os Estados Unidos fizeram: no final do mandato do Presidente Bush foi assinado, com todos os 50 governadores dos Estados, um pacto educativo. Não acredito que não seja possível fazer o mesmo no nosso país!
O Sr. Deputado Carlos Coelho levantou um conjunto muito vasto de questões, que não vou poder abordar.
Gostava tão só de referir-me à questão da transferência de dossiers e dizer que não encontrei nenhuma dificuldade. Como sabe, a própria relação de simpatia que sempre tive com a Dr.ª Manuela Ferreira Leite fez com que esta transferência se processasse de uma forma tranquila, serena e muito natural.
A questão da carreira docente, que foi abordada por vários Srs. Deputados, é de uma enorme importância, não apenas por aquilo que tem a ver com a questão salarial mas também com a valorização da carreira e do estatuto. Um dos aspectos que me preocupa - e penso que também a todos os Srs. Deputados - é o de que a carreira docente, o gosto de ser professor, o ser professor, o ter a profissão de professor é algo que hoje está desvalorizado na sociedade portuguesa. Trata-se não apenas de uma questão salarial, mas também de estatuto, em relação à qual todos - nós, esta Câmara, o Governo e os sindicatos - somos responsáveis, porque não podemos permitir que a educação apareça sempre aos olhos da população portuguesa devido a más razões: ora porque o financiamento é, ora porque os estudantes fizeram uma greve, ora porque há um problema com os professores, ora porque há uma escola que não foi construída, etc. Temos de ser capazes de valorizar a nossa educação, as nossas escolas e os nossos professores. Há muitas formas de valorizar a carreira que não apenas através de aumentos brutais de grelhas salariais. E nesse sentido que gostaria muito de poder trabalhar.
O Sr. Deputado Nuno Correia da Silva disse que eu não trouxe nenhuma ideia. Tenho muitas ideias, Sr. Deputado, mas também uma grande humildade. Estou convencido de que, por vezes, foi por haver tantas ideias transformadas em tantos decretos-leis, sem que elas fossem discutidas com a humildade que se devia, que se cometeram tantos erros no passado.

Aplausos do PS.

Colocou-me um rol muito grande de questões, que tenho muita pena de não poder abordar.
Permita-me que lhe diga o seguinte: as questões que colocou são muito estimulantes para mim, porque as abordou numa lógica de uma crítica extremamente negativa - é que eu gosto que me façam críticas muito negativas. No entanto, cometeu algumas imprecisões. O 8.º escalão não é a única avaliação mas, sim, a única avaliação que se faz fora da escola. No meu discurso referi que não sou apologista de nenhum facilitismo, nem para os estudantes nem para os professores. Entendo que, quando uma solução que se adopta não funciona, ela deve ser substituída. O 8.º escalão não funciona, pelo que tem de ser substituído por uma prova séria e não por uma prova que é unanimemente reconhecida pelos membros do júri, pelos responsáveis das escolas, pelos professores como uma prova que não prova rigorosamente nada.
Relativamente às coisas educativas, Sr. Deputado, as soluções que são adoptadas têm resultados, e esses resultados têm de ser avaliados: a avaliação da aplicação da legislação correspondente ao 8.º escalão mostra que o sistema não melhora no funcionamento, não tem melhor qualidade, os estudantes não são melhor ensinados, os professores não têm melhores condições de trabalho, a esmagadora maioria dos professores que estão a entrar para o 8.º escalão fazem-no praticamente à beira do seu tempo de aposentação. Ou seja, o que há que fazer, e penso que aí o Sr. Deputado tem razão, é que a avaliação é um meça-

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10 DE NOVEMBRO DE 1995 121

nismo extremamente importante para valorizar a função docente e para melhorar a qualidade.
Relativamente à intervenção da Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, permita-me que lhe diga que, na minha apresentação, fiz uma pequena evolução em relação ao que está no Programa do Governo, quando falamos nos centros de referência. Julgo que melhorar a qualidade da educação em Portugal não é matéria que nos divida; aquilo que temos de fazer é encontrar uma estratégia para melhorar a qualidade, e esta não se muda com uma varinha mágica nem produzindo mais e mais legislação - a qualidade modifica-se introduzindo no sistema um novo padrão. É necessário introduzir novos padrões de qualidade e a única forma de o fazer é através de centros de excelência que transformamos em centros de referência. E quer isto que estou a dizer seja considerado elitista ou não, esta é a única estratégia que conheço capaz de melhorar a qualidade de um sistema educativo.
Julgo que ultrapassei o meu tempo, mas deixem-me ainda abordar mais um tema, embora com alguma superficialidade, necessariamente. Na questão do pacto educativo, há um aspecto que foi levantado e que tem a ver com os protagonistas - salvo erro, foi o Sr. Deputado Carlos Coelho que levantou esta questão.
Estou convencido de que o pacto educativo deve, em primeiro lugar, ser apresentado à Assembleia da República, que é o local exacto para poder fazer uma discussão de ordem política. No entanto, o pacto não se pode esgotar apenas nos partidos políticos.
O pacto terá um conjunto que, calculo, poderá ser de dez grandes temas, com dez grandes objectivos para cada um deles. E quando falamos em geometria variável, queremos dizer que não é necessário que todos os parceiros entrem em todos os objectivos, pois podemos ter uma geometria variável em que, para cada objectivo, se juntarão um determinado número de protagonistas. E quem serão os protagonistas, além dos partidos políticos? Serão, certamente, as autarquias e a Associação Nacional dos Municípios Portugueses; serão, certamente, as instituições particulares de solidariedade social, no campo específico da educação pré-escolar; serão as associações científicas, no que respeita ao ensino experimental; serão as universidades, relativamente ao ensino superior; serão algumas instituições da sociedade civil, que têm hoje funções directamente relacionadas com o fenómeno educativo.
Estou convencido de que o pacto educativo deverá ser muito mais do que um pacto para a legislatura, deverá unir-nos por muito mais tempo, pois não valerá a pena negociar um pacto apenas para quatro anos. Tal como se fez em 1986, a Lei de Bases do Sistema Educativo, boa ou má, foi o entendimento que esta Câmara encontrou para estabilizar o sistema.
Como temos hoje de estabilizar o sistema, daí a enorme prioridade que damos ao pacto educativo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, a Mesa geriu o tempo de uma forma momentaneamente, por vezes, mal encarada, mas conseguiu um resultado espectacular. Creio que poderemos, amanhã de manhã, sem darmos agora a palavra a mais ninguém e se começarmos não muito depois das 10 horas, mais uma vez vos peço, acabar provavelmente antes das 13 horas e 30 minutos. Penso que poderemos dar aqui por interrompidos os nossos trabalhos.

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Albino Gonçalves da Costa.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Garcia dos Santos.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Maria do Carmo Sacadura dos Santos.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Sérgio Carlos Branco Barras e Silva.

Partido Social - Democrata (PSD):

Álvaro dos Santos Amaro.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
João Calvão da Silva.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Manuel Durão Barroso.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís Fernando de Mira Amaral.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Paulo Sacadura Cabral Portas.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social - Democrata (PSD):

António Roleira Marinho.
Carlos Alberto Pinto.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Álvaro Poças Santos.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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DIÁRIO da Assembleia da República

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