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Sexta-feira, 5 de Janeiro de 1996 609

I Série - Número 22

DIÁRIO
Da Assembleia da República
VII LEGISLATURA

1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 4 DE JANEIRO DE 1996

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes de ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos requerimentos e da resposta a alguns outros.
A Câmara aprovou o voto n.º 10/VII - De pesar pelo falecimento do Ministro do Equipamento Social, Dr. Henrique Constantino (PS), ao qual se associaram, além do Sr. Presidente, em nome da Mesa, os Srs. Deputados Joel Hasse Ferreira (PS), Falcão e Cunha (PSD), Nuno Abecasis (CDS-PP) e Octávio Teixeira (PCP), tendo, no final, sido guardado um minuto de silêncio.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a retoma de mandato de Deputados do PSD e do CDS-PP e sobre a substituição de Deputados do PS e do PSD.
Em declaração política, o Sr. Deputado Marques Mendes (PSD) criticou a política que o Governo tem vindo a desenvolver. No final, respondeu u pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Junqueira (PS), João Amaral (PCP) e Francisco Assis (PS) a quem deu também explicações, após este Deputado ter usado a palavra para defesa da honra.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Alberto Martins (PS) teceu críticas à campanha do candidato às eleições presidenciais apoiado pelo PSD. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jorge Ferreira (CDS-PP), Guilherme Silva, Carlos Encarnação e Luís Filipe Menezes (PSD).

Ordem do dia.- Após os Srs. Deputados Strecht Ribeiro e João Carlos Silva (PS) terem feito a síntese dos relatórios das Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos. Liberdades e Garantias e de Economia, Finanças e Plano, relativos à proposta de lei n.º 4/VII - Alarga a fiscalização financeira do Tribunal de Contas e aos projectos de lei n.os 5/VII - Altera a Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro (Reforma do Tribunal de Contas) (PCP) e 13/VII - Fiscalização das empresas públicos e sociedades anónimas de capitais públicos (CDS-PP), procedeu-se ao debate das iniciativas legislativas, que foram aprovadas e baixaram à 5.ª Comissão para apreciação na especialidade. Fizeram intervenções, a diverso título, além do Sr. Ministro das Finanças (Sousa Franco) e do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa), os Srs. Deputados António Lobo Xavier (CDS-PP), Antonino Antunes (PSD), José Magalhães e Strecht Ribeira (PS). Octávio Teixeira (PCP), Álvaro Barreto (PSD), João Carlos Silvo (PS) e Rui Rio (PSD).
Foram aprovados, na generalidade, os projectos de lei n.os 28/VII - Sobre o regime de competência e meios financeiros das freguesias com vista à sua dignificação e fortalecimento (PCP) e 42/VII - Atribuições e competências das freguesias (PS), bem como os projectos de lei n.os 31/VII - Garante a membros das juntas de freguesia, em certos casos e condições, o exercício do mandato em regime de permanência, com vista ao reforço dos meios de actuação dos Órgãos da freguesia (PCP) e 41/VII - Sobre o regime aplicável no exercício do mandato dos membros das juntas de freguesia (PS), tendo os diplomas baixado à Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente para apreciação na especialidade.
A Câmara aprovou três pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos. Liberdades e Garantias autorizando dois Deputados a prestarem declarações em tribunal, como testemunhas.

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Mammerickx da Trindade.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
João Soares Palmeira Novo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueira.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Oliveira de Sousa Peixoto.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gradas.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheiro Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barras e Silva.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Álvaro dos Santos Amaro.
Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.

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Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Manuel Lopes Moreira da Silva.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Durão Barroso.
José Manuel Nunes Liberato.
José Maria Lopes Silvano.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Vasco Pulido Valente.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Alda Maria Antunes Vieira.
António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Paulo Sacadura Cabral Portas.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Galão Rodrigues.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente entrado na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, foram apresentados os seguintes requerimentos: No dia 18 de Dezembro p.p., ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Victor Moura.
Na reunião plenária de 19 e 20 de Dezembro p.p., a diversos Ministérios, à Secretaria de Estado da Indústria e à Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; à Câmara Municipal de Valença, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Amaro; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Mendes Bota; aos Ministérios do Ambiente e do Equipamento Social, formulados pelo Sr. Deputado José Costa Leite; aos Ministérios da Saúde e da Justiça, formulados pelo Sr. Deputado Miguel Relvas; à Presidência do Conselho de Ministros e aos Ministérios do Equipamento Social e da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Na reunião plenária de 21 de Dezembro p.p., ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado José Magalhães; ao Ministério da Cultura, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; aos Ministérios da Cultura e da Administração Interna, formulados pelo Sr. Deputado Gonçalo Almeida Velho; a diversos Ministérios e à Secretaria de Estado das Pescas, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério da Educação, formulado pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado António Pedras.
Na reunião plenária de 22 de dezembro p.p., ao Ministério da Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Pereira Marques e João Rui de Almeida; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, formulados pelos Srs. Deputados Cruz Oliveira e Luísa Mesquita; aos Ministérios da Educação e da Saúde, formulados pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado José Calçada; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo

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Sr. Deputado Bernardino Soares; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado João Amaral; à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Isabel Castro, no dia 6 de Novembro e Hermínio Loureiro, na sessão de 16 de Novembro.
Em matéria de requerimentos, é tudo, Sr. Presidente.
No entanto, importa ainda informar que a Comissão de Economia, Finanças e Plano reúne hoje, às 14 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, com o vosso assentimento, vai ser lido e votado o voto n.º 10/VII - De pesar pelo falecimento do Ministro do Equipamento Social, Dr. Henrique Constantino (PS).
Tem a palavra o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto de pesar é do seguinte teor:

Faleceu no passado dia 27 de Dezembro de 1995 o então Ministro do Equipamento Social, Dr. Henrique Constantino.
Depois de uma experiência governativa nos anos 70 como Secretário de Estado da Marinha Mercante tinha regressado, 20 anos depois, a funções governativas como membro do XIII Governo, como Ministro do Equipamento Social, de que tomou posse há dois meses.
Henrique Constantino aceitou, com elevado sentido de Estado, dirigir um ministério onde se lhe colocavam à partida desafios delicados que não recusou enfrentar com a coragem e a competência que todos lhe reconheciam.
Dedicou muitos dos seus anos de vida à actividade de gestão de empresas concessionárias de serviço público, tendo desempenhado funções de direcção e administração nos então CTT e ainda de presidente do conselho de administração da Marconi onde granjeou sempre a amizade e a admiração de todos quantos com ele tiveram o prazer de trabalhar e conviver.
Amigo da sua cidade de Setúbal, que nunca abandonou ao longo das várias etapas da sua vida profissional desenvolvida em Lisboa, era presidente da assembleia municipal, e um grande amigo de muitas das colectividades locais cuja actividade sempre acompanhou e apoiou. Por isso o povo de Setúbal se concentrou em grande número ao longo do percurso do cortejo fúnebre prestando-lhe uma última e muito sentida homenagem.
A Assembleia da República, reunida em sessão plenária no dia 4 de Janeiro de 1996, presta sentida homenagem à sua memória de Homem e de Estadista e apresenta à família enlutada um voto de profundo pesar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Henrique Constantino era um homem com uma excelente formação moral, política e económica. Foi um gestor de grande qualidade e um homem discreto, modesto mas dedicado e extremamente eficaz, servindo o País e os seus ideais de justiça, de liberdade, de solidariedade social, quer como grande gestor que foi, quer com a sua actividade nas colectividades ou na política. Não se escusou, como grande cidadão, a aceitar as responsabilidades que várias vezes lhe foram sucessivamente entregues. Foi com grande saudade que o vimos partir e é com tristeza que aqui, nesta Assembleia da República, votamos este voto de pesar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Falcão e Cunha.

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pessoalmente tive oportunidade de conhecer e contactar com o Dr. Henrique Constantino quando pela primeira vez integrei o governo e o Dr. Henrique Constantino era presidente da Marconi. Tenho do Dr. Henrique Constantino a imagem do político e do homem que merece naturalmente, e sempre mereceu, o respeito e a admiração de todos nós. Penso que a minha bancada comunga das ideias pessoais que transmiti e por isso se associa, naturalmente com tristeza, a esta homenagem póstuma que a Câmara presta ao Dr. Henrique Constantino e que ele bem merecia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há três razões que me levam a participar nesta homenagem, em nome do meu partido, ao Dr. Henrique Constantino, sendo a primeira a amizade que nos ligou e a enorme admiração que tinha por ele como técnico. Porém, quero aqui acentuar o homem, pois era, de facto, um homem excepcional. A segunda razão é porque tive ocasião de trabalhar com ele várias vezes enquanto ele era presidente da Marconi e eu presidente da Câmara Municipal de Lisboa e a terceira porque o Dr. Henrique Constantino era natural e residente no distrito que represento nesta Assembleia.
Srs. Deputados, penso que a melhor altura para se conhecer a qualidade dos homens é a do infortúnio. Tive relações profissionais com o Dr. Henrique Constantino numa altura em que ele foi bastante maltratado e recordo o momento em que, sem razões suficientes, para não dizer mesmo sem razão nenhuma e um pouco de sopetão, ele foi afastado da presidência da Marconi e tive, nessa altura, a felicidade e a alegria de poder prestar ao Dr. Henrique Constantino 0 testemunho da consideração que tinha por ele.
Tínhamos acabado de discutir e aprovar o novo edifício sede da Marconi, que é certamente um dos edifícios mais belos que existem em Lisboa e no qual Henrique Constantino, se empenhou profundamente, e no dia em que ele foi demitido telefonei-lhe e disse-lhe: "Promova amanhã uma cerimónia de lançamento da primeira pedra que eu quero que o seu nome fique ligado ao edifício que você tanto amou e pelo qual tanto fez pára que fosse construído". E assim foi.
Essa foi a primeira vez que tive ocasião de publicamente manifestar a Henrique Constantino a admiração que tinha por ele. Nessa altura, tinha toda uma vida pela frente para demonstrar noutros postos o grande merecimento que tinha. Neste momento em que lhe presto, em nome do meu partido, a segunda homenagem já ele prestou contas de tudo quanto tinha a prestar e estou certo que já ganhou a palma daqueles que andam no mundo para fazerem alguma coisa de valor pelos outros.
Era isto que, em nome do meu partido, queria deixar aqui como testemunho de homenagem a um homem excepcional que nos deixou há tão pouco tempo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome da bancada do Partido Comunista Por-

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tuguês, gostaríamos de nos associar ao voto de pesar pelo falecimento do Dr. Henrique Constantino e manifestar publicamente à família enlutada os nossos sentidos pêsames.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa e o seu presidente associam-se também ao pesar da Assembleia.
Tive o privilégio de conhecer o Dr. Henrique Constantino, e logo fiquei seu amigo e admirador sincero, quando fizemos parte do mesmo governo. Era não apenas um excelente técnico mas tinha uma rara intuição política e era um perfeito, um admirável exemplar de ser humano. Assim, gostaria de me associar à vossa homenagem.
Srs. Deputados, está à votação o voto apresentado.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Entretanto, a Assembleia da República, guardou, de pé, um minuto de silêncio.

Srs. Deputados, o voto vai ser transmitido à família enlutada.
Srs. Deputados, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias alusivos à substituição de alguns Deputados.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório e o parecer são do seguinte teor: Em reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias realizada no dia 3 de Janeiro de 1996, pelas 16 horas, foram observadas as seguintes retomas de mandatos e substituições de Deputados:
Retomas de mandatos de Deputados, nos termos do artigo 6.º, n.os 1 e 2, do Estatuto dos Deputados: Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata - Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto (Círculo Eleitoral de Coimbra), em 2 de Janeiro corrente, inclusive, cessando Jaime Adalberto Simões Ramos; Grupo Parlamentar do Partido Popular - Manuel Fernando da Silva Monteiro (Círculo Eleitoral de Braga), em 3 de Janeiro corrente, inclusive, cessando António Carlos Brochado de Sousa Pedras.
Substituição de Deputados, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Deputados: Solicitadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista: António José Bordani Crisóstomo Teixeira (Círculo Eleitoral de Lisboa) por Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura, com início a 29 de Dezembro p.p., inclusive; Leonor Coutinho Pereira dos Santos (Círculo Eleitoral de Lisboa), por José Manuel Rosa do Egipto, com início a 29 de Dezembro p.p., inclusive.
Substituição de Deputado, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea i), do Estatuto dos Deputados: Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista - Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos (Círculo Eleitoral de Faro) por Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias, com' início a 2 de Janeiro corrente, inclusive.
Substituição de Deputado, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do Estatuto dos Deputados, por um período não inferior a 45 dias: Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata: Luís Fernando de Mira Amaral (Círculo Eleitoral de Santarém) por Mário da Silva Coutinho Albuquerque, com início a 1 de Janeiro do corrente, inclusive.
O Deputado Mário Coutinho da Silva Albuquerque veio declarar existir motivo de suspensão do respectivo mandato nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 4 º e alínea h) do n.º 1 do artigo 20.º do Estatuto dos Deputados, com início a 1 de Janeiro corrente, inclusive. Todavia, como simultaneamente requereu o levantamento da correlativa suspensão, ao abrigo do n.º 2 do artigo 4.º do mencionado Estatuto, tem de ser considerado como Deputado verificado e no exercício de funções.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer: As retomas de mandatos e as substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o parecer que acaba de ser lido.
Como não há inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.

Srs. Deputados, para produzirem declarações políticas, inscreveram-se os Srs. Deputados Marques Mendes, do PSD, e Alberto Martins, do PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Três meses depois das eleições legislativas, o Governo minoritário do PS continua sem governar. Aquilo a que temos assistido não passa de um simulacro de governação. A campanha eleitoral de promessas e facilidades, de fantasias e ilusões, continua na rua. Parece que no nosso País não se passa nada que reclame exigência, rigor e muito trabalho. Num golpe de mágica, Portugal transformou-se no paraíso da abundância e da facilidade, onde o dinheiro sobeja para tudo e as soluções cor-de-rosa tudo resolvem.
Três meses depois das eleições legislativas, o Governo minoritário do PS não pronunciou uma só palavra nem tomou uma única medida que tenha a ver com as fortes exigências do futuro, com as limitações dos recursos do Estado e com as responsabilidades que se exigem aos cidadãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Primeiro-Ministro vai à cimeira europeia de Madrid e, no final, fala de rigor, exigência e dificuldades quanto ao futuro. Regressa a Portugal e, mudando de registo, dá o dito por não dito e acelera a cultura da ligeireza e da facilidade.
Ainda sem apresentar o Orçamento do Estado, o Governo minoritário do PS já anunciou decisões que oneram o erário público em cerca de 100 milhões de contos: desde a demagogia e a irresponsabilidade da abolição de portagens, até ao caso da Ponte 25 de Abril, onde, numa semana, o Governo anunciou que os utentes seriam compensados pelos aumentos das portagens, para, na semana seguinte, por força da simples mudança de Ministro, com o mesmo Governo e o mesmo Primeiro-Ministro, já não existir sequer qualquer aumento da portagem.
Tudo isto se faz em roda livre, em função das pressões e da popularidade fácil e sempre - mas sempre -, es-

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quecendo que serão os contribuintes a pagar tanta leviandade, tanta ligeireza e tamanhas irresponsabilidades.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do Sr. Deputado do PS José Niza.

O Orador: - No meio de tudo isto, a campanha eleitora] que o Governo pratica chega à desfaçatez de, num dia, uma Ministra acusar o governo anterior de pagar favores políticos com dinheiros do Estado, para, dias depois, a mesma Ministra, confrontada com os factos, recuar publicamente e não conseguir provar uma linha que seja de tão grave afirmação que antes produzira. Isto sem que nada suceda, sem ter a hombridade de se retractar ou a honestidade política de apresentar a sua demissão. Não! Continua a ter assento em Conselho de Ministros, o qual, ontem mesmo, reuniu sob a presidência do Dr. Mário Soares.
É um direito, de resto, que assiste ao Primeiro-Ministro, o de convidar o Presidente da República' a presidir à reunião magna do Governo - até aqui nada a objectar. Se tal reunião tivesse ocorrido antes do início da campanha eleitoral ou depois das eleições presidenciais, não suscitaria da nossa parte o mínimo dos reparos. Todavia, fazê-lo em plena campanha eleitoral, quando podia ter sido feito em Novembro, em Dezembro ou depois de 14 de Janeiro, não pode deixar de ser interpretado como um acto de propaganda, objectivamente hostil a um candidato presidencial, justamente aquele que foi, até há poucos meses, primeiro-ministro de Portugal.
Somos sérios, mas não somos ingénuos.

Aplausos do PSD.

Mas há mais. No que toca ao contexto comunitário, faz-se tábua rasa e tenta-se disfarçar a verdadeira humilhação a que Portugal se viu sujeito, em Bruxelas, ainda a respeito da pesca da palmeia. Antes, com a arrogância das "entradas de leão", para os socialistas a defesa dos interesses nacionais na Europa até reclamava o uso, por tudo e por nada, do direito de veto. Agora, com verdadeiras "saídas de sendeiro", ficam-se pelo mero voto contra, sem consequências, para tentar limpar a consciência pesada aos olhos da opinião pública nacional. Antes, era o bater o pé à Espanha. Agora, é a humilhação perante a Espanha.
É a primeira consequência da nova "diplomacia aos
berros" que, internamente e para português ver, foi instituída, porque, lá fora, a altivez dos berros é substituída pela fraqueza da "ida às cordas", ou seja, pela perda de credibilidade na negociação e na defesa dos interesses nacionais.

Aplausos do PSD.

No entretanto, porque a tenda dos milagres continua montada e só pode desfazer-se depois das presidenciais, nem uma palavra o Governo minoritário do PS diz sobre a política económica futura, nem uma palavra sobre os investimentos a cortar para financiar já 100 milhões de contos de nova despesa anunciada, nem uma palavra para se perceber como será concretizada a projectada e obrigatória redução do défice orçamental.
Tudo como se, de repente, o impossível se pudesse fazer possível. Tudo como se, num ápice, fosse viável, ao mesmo tempo, aumentar a despesa, baixar o défice, não aumentar impostos e não suprimir investimentos. Tudo como se, por um qualquer novo poder sobrenatural, alguém conseguisse fazer já não a multiplicação dos pães mas agora a multiplicação dos dinheiros e dos recursos financeiros do Estado.
Esta situação, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é um verdadeiro escândalo. É um escândalo, porque, como já foi dito e agora reafirmado é muito elevado o preço que os portugueses vão ter de pagar pelo patrocínio à candidatura presidencial do Dr. Jorge Sampaio. É um escândalo, porque os portugueses votaram em I de Outubro para um Governo em plenitude e não fiara um Governo adiado, hipotecado ou comprometido. E um escândalo, porque, mais do que denunciar a existência de uma absoluta cumplicidade política entre socialistas no Governo e no partido e o seu candidato presidencial, denuncia, sobretudo, a submissão do interesse geral da governação do País ao interesse conjuntural de um partido político.
Mais ainda, porventura, mais grave ainda: o escândalo maior desta situação pode estar na intenção de o Governo minoritário do PS provocar, a seguir às presidenciais, a pretexto do Orçamento de Estado ou de outra situação qualquer, uma crise política no País que conduza a eleições antecipadas.

Risos do PS.

Daí, o tudo por tudo na concentração dos poderes. Daí, a aposta despudorada na candidatura de Jorge Sampaio, fazendo-o, no futuro, se fosse eleito, completamente hipotecado e dependente da estratégia do PS e do seu Governo minoritário. Daí, o adiamento de todas as medidas de fundo e de todas as decisões que possam gerar impopularidade.
Nada acontece por acaso e ao contrário, do que hoje sucede em todos os países europeus com economias mais desenvolvidas e mais prósperas do que a nossa e. sobretudo, ao contrário do que é normal e tradicional em governos de legislatura, que privilegiam sempre os primeiros momentos da governação para a tomada de medidas estruturais, absolutamente indispensáveis, ainda que geradoras de alguma impopularidade inicial. São sinais preocupantes, à revelia do que é normal e do que sucede na Europa, de uma intenção não confessada, mas igualmente mal disfarçada.
Desde já, somos muito claros e directos. O PS foi eleito para governar e, na noite eleitoral, afirmou-se preparado e com condições políticas bastantes para exercer a governação em pleno e pelo período integral da Legislatura. Tentar agora, a partir da pretendida concentração de poderes e da cumplicidade com o candidato presidencial que apoia, desencadear uma crise política artificial e fazer o País mergulhar em novas eleições legislativas, é um comportamento inaceitável, que não pode deixar de ser por nós totalmente denunciado.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

De resto, é nesta reserva mental que reside também muita da explicação para a teimosia reiterada do Governo na apresentação do Orçamento do Estado apenas depois das presidenciais. Pretende-se, sem dúvida, esconder medidas e decisões que possam prejudicar a candidatura de Jorge Sampaio, mas pretende-se, ainda e sobretudo, fazer do próximo Orçamento do Estado um pretexto, com intuitos provocatórios, para desencadear uma crise política que conduza a novas eleições.
O PSD não pactuará com tais manobras, seja o Orçamento do Estado o pretexto ou qualquer outro. E ninguém

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peça ou exija a nossa complacência de voto para pagar favores políticos presidenciais, promessas eleitorais que não fizemos e crises políticas artificiais que não desejamos, nem jamais alimentaremos.
Ao teimarem nesta postura de adiamentos e de reservas mentais, de segundas intenções, designadamente quanto ao momento da apresentação do Orçamento do Estado, mas não apenas quanto a essa medida, o PS e o seu Governo minoritário estão sob uma grave suspeição. Devem ao País os actos, mais do que simples palavras, que afastem tal suspeição. Se o não fizerem, agravarão este sentimento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os portugueses têm o direito à verdade e, sobretudo, o direito a saberem qual o destino do seu voto. E tudo isto está também em causa no voto das eleições presidenciais de 14 de Janeiro próximo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o PSD apoia convictamente o Professor Cavaco Silva,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Ah!...

O Orador: - ... um político com prestígio e com obra, intrépido defensor da estabilidade e da modernização do País.

O Sr. José Magalhães (PS): - Finalmente!

O Orador: - A coligação presidencial à esquerda, liderada pelo Governo, apoia o Dr. Jorge Sampaio. Um político cuja obra mais marcante e visível à frente da Câmara de Lisboa está espelhada no espectáculo confrangedor de um prédio a ruir, em média, por cada semana que passa, na capital do País, em pleno final do século XX e depois de seis anos seguidos de mandato autárquico. Um político cuja noção de estabilidade passava por considerar as maiorias uma perversão do jogo democrático, ainda não há muito tempo. Tal e qual o PCP pensava e pensa, ao contrário do que hoje advoga o PS e o seu Governo. São as contradições que a coligação presidencial tece e nas quais o candidato se enrola, que tornam a eleição de Cavaco Silva ainda mais necessária ao País e à defesa da estabilidade e da modernidade.
Cabe, por isso, aos portugueses, perante todos estes dados de análise e de informação, a palavra final. Essa sim, a única definitiva, a única verdadeira, sem cumplicidades, sem segundas intenções e sem reservas mentais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Marques Mendes, os Srs. Deputados José Junqueiro, Francisco Assis e João Amaral.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputado Marques Mendes, julguei eu, pela publicidade anterior, que V. Ex.ª viesse fazer aqui uma intervenção com significado profundo ou que tivesse a intenção de "beliscar" minimamente o PS, o Governo ou o candidato presidencial. V. Ex.ª falhou redondamente em tudo aquilo quanto disse, o que denota um abaixamento de forma da sua parte, talvez por, neste combate, ter andado desaparecido desde o início da Legislatura.
Em segundo lugar, perdoar-lhe-ei a ligeireza e a leviandade com que tentou aqui sintonizar a actividade do Governo, dizendo claramente que, passados três meses, o Governo não tinha governado. E evidente que se ignoram as medidas de carácter social, bem como o conjunto vasto de medidas e decisões tomadas, que o PSD demorou muitos e muitos anos a tomar, nunca tendo tido a coragem de assumir algumas delas.
O Sr. Deputado falou de demagogia e irresponsabilidade, num ataque directo ao candidato presidencial que publicamente diz apoiar, porque, de facto, não se compreende que, estando o candidato presidencial do PSD, Cavaco Silva, a elogiar, ainda há bem pouco tempo, e a eleger como figura do ano o Primeiro-Ministro, Engenheiro António Guterres, V. Ex.ª possa dizer que o Governo por ele próprio. chefiado é um Governo leviano, superficial e irresponsável.

Aplausos do PS.

Depois V. Ex.ª, sem êxito, tenta meter o Governo na campanha eleitoral e acusa igualmente personalidades e políticos do PS ou membros do Governo de participarem na campanha eleitoral de Jorge Sampaio. É que V. Ex.ª ignora que isso não é proibido. Estive a compulsar a Constituição e não vejo isso proibido em lado nenhum. O que V. Ex.ª teme é que, ao contrário de Cavaco Silva, que, como primeiro-ministro, andou na campanha de Fernando Nogueira, tendo sido profundamente derrotado, os resultados agora sejam exactamente os inversos. O que se confronta nesta Câmara é a credibilidade do Governo, mas nas eleições presidenciais a credibilidade do candidato presidencial está confrontada com o descrédito do vosso candidato presidencial, do vosso candidato a primeiro-ministro e com o descrédito da política de clientelismo que VV. Ex.as têm seguido até agora.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E a verdade é esta: para além da intervenção do próprio primeiro-ministro, também participou nessa campanha o ex-Ministro, Ferreira do Amaral - aquele senhor dos túneis da CREL, daquelas coisas que caem, com as obras feitas à pressa, com antecipações de obras a torto e a direito, pagando milhões aos empreiteiros, em actividades que hão-de ser esclarecidas nesta Câmara.

Aplausos do PS.

Risos do CDS-PP.

Protestos do PSD.

Para terminar, o que lamento é que, na vossa política de transparência, recém aparecida agora, VV. Ex.as tenham como preocupação fundamental coisas como o rendimento mínimo nacional garantido e nunca trataram de saber aquilo que se passou na TAP e em outros organismos da Administração Pública. Porque VV. Ex.as continuam a fazer uso de uma máxima que o povo português conhece e nunca coraram de vergonha por causa disso: é que, para vós, "pobre que rouba um pão é ladrão e rico que rouba um milhão é barão". E isso nós não consentimos.

(O Orador reviu.)

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

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O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Junqueiro, agradeço as questões que me colocou e oferece-se-me fazer-lhes quatro comentários, sendo o primeiro sobre a governação.
Diz o Sr. Deputado que, afinal, o Governo tem governado, mas devo dizer-lhe que, para além dos exemplos que dei de falta de governação, de ausência de tomada de medidas ou já de alguns erros crassos e clamorosos em decisões que o Governo tem tomado, até lhe poderia dar mais um ou outro exemplo.
E, senão, veja ainda hoje o Sr. Primeiro-Ministro disse publicamente que o Alqueva avançaria com a aprovação de Bruxelas ou sem a aprovação de Bruxelas. Ora, há um mês atrás, um Ministro do mesmo Governo dizia publicamente que o governo anterior tinha sido ligeiro e leviano porque tinha lançado o Alqueva sem cuidar da garantia da aprovação de Bruxelas. Isto é inadmissível!

Aplausos do PSD.

Mas para não lhe dar mais exemplos, Sr. Deputado, vou apenas ajudá-lo na sua reflexão. Ontem mesmo, num certo jornal, foi publicada a notícia de que o Governo que o Sr. Deputado apoia vai reunir extraordinariamente no próximo sábado. Até aqui nada de muito transcendente. Mas o que era dito, segundo uma fonte oficial de S. Bento, é que se tratava de uma reunião extraordinária, com a presença de todos os Ministros, para definir e aprovar a estratégia governativa para os próximos meses. Então, pergunto: o que é que andaram a fazer dentro dos gabinetes até agora?!

O Sr. José Magalhães (PS): - A descobrir os vossos buracos!

O Orador: - Isto é a confissão daquilo que nós temos dito: os senhores até agora andaram a adiar decisões, a fazer apenas combate político, a fazer de conta que pensavam no País mas a pensar apenas nas presidenciais, porque os senhores sabem muito bem o que querem provocar a seguir às eleições presidenciais.
Em segundo lugar, devo dizer que nem sequer falei da presença de membros do Governo em comícios da campanha presidencial. Não disse nem uma palavra sobre isso, mas registo que V. Ex.ª, por ventura, se antecipou, o que certamente demonstra, da sua parte e da parte da sua bancada, algum complexo de culpa. Não posso interpretá-lo de outra maneira.
E gostaria ainda de lhe dizer o seguinte: em todas as suas considerações relativas à campanha eleitoral, o que é grave não é o facto de membros do Governo, se forem dirigentes do partido, participem, nessa qualidade de dirigentes partidários, numa campanha mas, sim, que o Governo, como tal, enquanto órgão de soberania, adie decisões, comprometa o futuro do País, faça os portugueses, amanhã, pagarem um preço mais elevado, para favorecer uma candidatura presidencial. Isso é inadmissível!

Aplausos do PSD.

En passant, Sr. Deputado, quanto ao que já é habitual - os comentários alegadamente pejorativos relativos ao meu colega Ferreira do Amaral -, deixe-me apenas dizer-lhe o seguinte: o ex-Ministro, infelizmente falecido, Henrique Constantino, numa das primeiras declarações públicas que fez, disse que não sabia se seria digno de prosseguir a obra do ex-Ministro Ferreira do Amaral. Quero registar isso perante V. Ex.ª:

Aplausos do PSD.

Para terminar, apenas uma última nota: depois de tantas considerações, um pouco em jeito de assobiar para o lado ou para cima, tentando desviar as atenções, há algo que o Sr. Deputado e a sua bancada não conseguem disfarçar. É que nem uma palavra foi dita para desmentir aqui a suspeição que está lançada sobre vós - e de que eu, da tribuna, falei, de uma forma fundamentada - de que, os senhores querem, a seguir às eleições presidenciais, com base no Orçamento do Estado, ou, se não for esse o pretexto, com outro qualquer, provocar uma crise política artificial no País. É essa a suspeição e por cada instante que passa em que os senhores não a desmintam de uma forma séria, provada e fundamentada, esse sentimento cada vez mais se radica. Isto tem de ser denunciado antes das eleições de 14 de Janeiro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Mendes, em meu entender, a intervenção que aqui produziu deve ser assinalada por dois registos importantes que fez no seu decurso.
O primeiro verificou-se ao reiterar aqui, mais uma vez, o apoio explícito do PSD a Cavaco Silva, na sua corrida presidencial, ao mostrar, com clareza, que a candidatura de Cavaco Silva é uma candidatura amarrada partidariamente ao PSD. É importante que isso seja dito aqui.

Vozes do PSD: - E a do Jerónimo?!

Risos do CDS-PP.

O Orador: - Eu repito, se isto vos entusiasma tanto: creio que o Sr. Deputado Marques Mendes veio aqui demonstrar que a linha política seguida na candidatura de Cavaco Silva é a desenhada pelo PSD, para os seus interesses e benefícios.
A demonstração disso encontra-se no segundo ponto, que é importante. registar, da sua intervenção: toda a argumentação que o Sr. Deputado aqui trouxe, em termos de debate sobre as eleições presidenciais, situou-se no âmbito da política do Governo, demonstrando assim que o que os senhores esperam de uma hipotética - longínqua mas hipotética - eleição de Cavaco Silva é que ele prossiga, na presidência, a política governativa do PSD.
Assim, o que lhe pergunto é algo simples: como é que o Sr. Deputado Marques Mendes, num quadro como este, quer que os portugueses não entendam a candidatura de Cavaco Silva como uma candidatura do desforrismo? Como é que quer que não entendam a candidatura de Cavaco Silva como destinada a trazer novamente para a ribalta a mesma política de direita que o povo português em 1 de Outubro condenou? Como é que quer que se entenda a candidatura de Cavaco Silva de forma diferente que não seja a de ser destinada a contrariar a vontade de mudança que em 1 de Outubro o povo português demonstrou? Finalmente, como é que pode o Sr. Deputado Marques Mendes falar em instabilidade se esse é precisamente o objectivo que os senhores pretendiam prosseguir com a eventual eleição de Cavaco Silva, isto é, introduzir, no panorama político português, um factor permanente de instabilidade?

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, começo por me questionar se estava a falar meramente na sua qualidade de Deputado do PCP, na sua qualidade de porta-voz ou de representante da candidatura de Jerónimo de Sousa, ou, provavelmente, como porta-voz, representante ou interessado na candidatura de Jorge Sampaio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas a primeira coisa que noto, Sr. Deputado, é que ao fazer a primeira referência à candidatura do Professor Cavaco Silva e aquelas acusações que o senhor e outros seus colegas costumam fazer, as quais ninguém acredita, é tão grande a sua convicção que nem o Sr. Deputado consegue disfarçar um sorriso.
De facto, o que .impressiona nesta campanha presidencial, nesta coligação que existe - Governo, PS e PCP em torno do apoio ao Dr. Jorge Sampaio, é esta diferença qualitativa, por exemplo, relativamente há 10 anos atrás. Os senhores, há 10 anos atrás, na segunda volta das presidenciais, votaram contrariados em Mário Soares e, agora, querem votar, esperançados, empenhados e todos satisfeitos, em Jorge Sampaio. É isto que é espantoso, num partido como o seu - faço-lhe justiça -, em que nada, normalmente, acontece por acaso. Isto é que é de surpreender e de desconfiar!
Mais: sabendo-se que o seu partido tem, em questões estratégicas fundamentais como a defesa da estabilidade; a política europeia ou a política de defesa nacional, posições absolutamente contraditórias e antagónicas às que diz defender o candidato Jorge Sampaio - admito que sim -, ainda é mais de desconfiar e de surpreender que os senhores já não votem contrariados como há 10 anos atrás mas, repito, satisfeitos, contentes e empenhados.
Porventura, a lição pode ser mais para a bancada que está aí ao seu lado, que está no meio das nossas...

Vozes do PS: - E que tem nome!

O Orador: - Na verdade, eventualmente, o cinismo maior desse vosso empenho é o de saber se, apesar de o Governo patrocinar esta candidatura, empenhar-se de uma forma despudorada nela e ter segundas intenções que tenta retirar,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Parece uma virgem pudica!

O Orador: - ... de hoje a amanhã e se eventualmente for eleito, a eleição de Jorge Sampaio não aproveitará muito mais, na prática, ao Partido Comunista Português e aos seus desejos de instabilidade do que ao Partido Socialista e aos seus desígnios actuais. É isso mesmo, Sr. Deputado, não tenha dúvidas á esse respeito.

Risos do CDS-PP.

Creio que o senhor não as tem. Aqueles senhores é que, eventualmente, ainda não perceberam o cinismo de tudo isso. É neste confronto, Sr. Deputado, que a candidatura de Cavaco Silva faz, de facto, a diferença.

Vozes do PS: - Ah! Isso faz!

O Orador: - Em primeiro lugar, não foi imposta, como o foi a outra candidatura. Em matéria de defesa da estabilidade...

Risos do PS.

Os senhores não se riam!. Sei que vos dói ouvir isto, mas há uma coisa...

Protestos do PS.

Se os senhores tivessem a consciência tranquila não estariam, certamente, tão nervosos.
O que vos custa ouvir é que, ao contrário do que o candidato apoiado pelos senhores diz - que foi um acto de coragem ter apresentado a sua candidatura antes das legislativas -, não foi acto de coragem coisíssima nenhuma,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Foi, sim!

O Orador: - ... foi o único momento possível que ele teve para, quando o Engenheiro Guterres e o partido tinham as atenções concentradas nas legislativas, impor a sua vontade ao partido, não correndo o risco de ter divisões dentro dele. É esta que é a verdade indiscutível e Cavaco Silva faz a diferença não apenas pela experiência e pela obra mas porque em matéria de questões fundamentais tem posições radicalmente diferentes das vossas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Pois tem! São más!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Por isso, o nosso apoio é total e natural, tal como o é a nossa preocupação de claramente mostrar aos portugueses o que lhes custa - e por isso falam de radicalização e dramatização - e o que está em causa nesta eleição, porque o que os senhores gostariam era que esta eleição se transformasse numa espécie de passeio e que as discussões das matérias fossem um pouco do tipo das da União Nacional. Nós queremos discutir as matérias com força, determinação e convicção, por muito que custe a todos vós.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Mendes, as mudanças de ciclo político têm, entre outros, o efeito de provocar curiosas metamorfoses e hoje tivemos a oportunidade, neste Parlamento, de assistir à manifestação de uma dessas metamorfoses.
O Sr. Dr. Marques Mendes, que em tempos foi considerado o "Ministro da Propaganda" do Professor Cavaco Silva, está agora reduzido...

Aplausos do PS.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Isso é excessivo! É uma valorização injusta!

O Orador: - ... à condição de simples porta-voz do ressentimento do que resta do cavaquismo neste país.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Em substância, na sua intervenção, fez duas afirmações e pretendeu dirigir duas acusações ao actual Governo.
Em primeiro lugar, disse que este Governo patrocina a candidatura presidencial do Dr. Jorge Sampaio e, em segundo, que este Governo está interessado em dramatizar a vida política portuguesa, de modo a criar uma crise conducente à realização de eleições antecipadas. Nas duas acusações nota-se uma evidência: o PSD já só raciocina com base no receio eleitoral.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - A primeira acusação é facilmente desmontável. Também tendo a considerar, embora pelas razões exactamente inversas, que este Governo tem dado algum contributo para a degradação da imagem pública do Professor Cavaco Silva. Mas tem-no dado por razões válidas e positivas. Sempre que os portugueses olham para o Primeiro-Ministro, para o Engenheiro António Guterres, e nele vêem a imagem da tolerância, lembram-se do Professor Cavaco Silva e da imagem da intolerância.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sempre que os portugueses olham para o Primeiro-Ministro e vêem a imagem de uma determinação serena, vem-lhes à memória a imagem do anterior Primeiro-Ministro e da sua arrogância prepotente. Sempre que os portugueses olham para o Governo e ali vêem sinais de humildade democrática, de quem, tendo uma maioria, a exercita no respeito pelas regras fundamentais maioria, democracia, lembram-se dos atropelos a essas regras e princípios, do aviltamento da instituição parlamentar que correspondeu ao período anterior. De facto, a comparação é brutal e arrasadora. Por essa via, tendo a concordar com o Dr.
Marques Mendes, embora pelas razões totalmente inversas às que ele aqui procurou aduzir.
O Governo não é um comité de apoio à candidatura do Dr. Jorge Sampaio. Mas não tenho dúvidas em admitir que, pela sua acção, pelos méritos da sua actuação e da atitude que lhe está subjacente, o Governo tem contribuído para a degradação da imagem do Professor Cavaco Silva.
A segunda acusação é a tentativa de inventar um facto político, dizendo que o Governo estaria interessado em dramatizar a vida política, ao ponto de levar à convocação de eleições antecipadas.
Srs. Deputados, temos memória, e lembro-me que, aquando da campanha eleitoral para as legislativas, o Sr. Deputado Pacheco Pereira, em Aveiro, fez considerações defendendo a tese de que os principais méritos associados à emergência de uma candidatura do Professor Cavaco Silva, seriam os de, eventualmente, contribuir para um cenário -, o qual, parece-me, na mente dele poderá estar criado a qualquer momento - propício à dissolução da Assembleia da República.
Recordo-me de que há 15 dias atrás, pouco antes do Natal, numa intervenção que teve oportunidade de fazer aqui, o Sr. Deputado Carlos Encarnação questionou o CDS-PP e o PCP para saber se eles estariam ou não disponíveis, através da atitude a tomar aquando da discussão e votação do Orçamento do Estado, para se constituírem na "muleta" do Governo.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Para a moeda única são cies a "muleta"!

O Orador: - Pelos vistos, nesta intervenção, vem agora dizer que, para obstar à emergência de qualquer crise fictícia, o PSD está disponível para se constituir - usando as palavras do Sr. Deputado Carlos Encarnação - na "muleta" do Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A questão que quero colocar-lhe, para terminar, relaciona-se com esta contradição entre as declarações de há três meses do Dr. Pacheco Pereira, as afirmações de há 15 dias do Dr. Carlos Encarnação e as afirmações desta tarde do Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Será que, em lugar de terem em consideração o País, as intervenções do PSD destinam-se apenas a ter eco no universo restrito do próprio partido? Será que transferiram para o seu grupo parlamentar as discussões que antecederão o congresso do PSD? Eis a questão que é legítimo hoje aqui colocar-se.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, começo por agradecer-lhe as questões que me colocou e passo a fazer três ou quatro observações.
Em primeiro lugar, constato que o Sr. Deputado não resiste à técnica, já muito desgastada e conhecida, de a ideias responder com alguns insultos de permeio, o que, no entanto, não tem qualquer importância.
Agora, em matéria de propaganda. Sr. Deputado, a actuação do seu Governo, desde há cerca de três meses e que o senhor, sem dar por isso, acabou por provar naquilo que afirmou -,traduz-se objectivamente e tão-só em actos e atitudes de propaganda. Justamente, como o senhor disse e acabou por confessar - e, por isso, tem a atenuante de tê-lo feito espontaneamente -, a vossa preocupação é, de facto, a de desgastar o candidato adversário,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Está desgastado!

O Orador: - ... porque é o ex-Primeiro-Ministro, prolongando artificialmente o julgamento do governo anterior e, com tudo isto, não governando. O Sr. Deputado tentou provar demais e, quando se prova demais, há, de facto, esse grande inconveniente.
O segundo aspecto tem a ver com o seguinte: Sr. Deputado, o problema não se coloca, como o senhor referiu, em termos de País e de governação, não está na tal comparação entre a humildade e a tolerância (e faltou-lhe o diálogo), por um lado, e o aviltamento da instituição parlamentar como mencionou, - de uma forma profundamente falsa e inverídica -, por outro, nem na comparação entre o actual e o ex-Primeiro-Ministro.
O problema, Sr. Deputado, é que, daqui a alguns meses - e não muitos -, os portugueses vão começar a sentir a diferença. É que a concertação social, por exemplo, não se faz apenas através de mais diálogo, apesar de ele ser importante. Mas, nesta matéria, os senhores evitam tocar. E sabem porquê? Porque, há precisamente um ano, os senhores in-

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viabilizaram o Acordo de Concertação Social, que era determinante para o emprego e para os trabalhadores!

Aplausos do PSD.

E se os senhores tivessem princípios, vergonha ou alguma postura ética...

Protestos do PS.

Os senhores, depois, se assim o entenderem, fazem uso do direito de defesa da honra e consideração, mas estou a referir-me a questões de carácter político e não pessoal.
Como dizia, se os senhores tivessem uma postura verdadeiramente ética, a única forma de mostrar que a atitude, há um ano atrás, do líder do PS e actual Primeiro-Ministro, ao inviabilizar o Acordo de Concertação Social, não foi demagógica e de inverterem esse ónus e essa suspeição era terem dado, agora, uma grande prioridade à concertação social. Ora, os senhores fizeram o contrário, prejudicando objectivamente os mais vulneráveis no tecido social, que não são os empresários mas os trabalhadores portugueses. Isso é que é grave da vossa parte!

Aplausos do PSD.

A minha terceira observação, muito breve, refere-se ao orçamento. Sr. Deputado Francisco de Assis, o PSD decidirá, na altura própria, o sentido de voto relativamente ao Orçamento do Estado, mas, desde já, deixei o aviso na minha intervenção: "muletas, não!" Isto é, não decidiremos o nosso voto em função de pressões ou condicionamentos, sejam do PS ou de qualquer outra entidade. E nunca iremos dar a nossa aquiescência ao pagamento de favores políticos de uma campanha presidencial ou de promessas eleitorais que não fizemos, nem a intenções de criar, aqui ou acolá, alguma crise ou alguma perturbação política.
Mais do que isso: os senhores nem sequer têm qualquer tipo de autoridade moral ou política para nos criticar a esse respeito sobre o que quer que seja. Na realidade, durante 10 anos, incluindo aí os dois orçamentos apresentados pelo primeiro governo minoritário do PSD, os senhores votaram sempre contra o Orçamento do Estado. Mais ainda, os senhores anunciaram sempre o vosso voto contra antes de conhecer o texto do Orçamento do Estado. Por isso, a memória pode ser curta, mas não tanto! Os senhores estão feridos e não têm autoridade morai ou política para exigir da nossa parte qualquer tipo de condicionamento, pelo que não contem minimamente com ele!

O Sr. Presidente: - Faça o favor de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Finalmente, depois do meu reparo ao Sr. Deputado José Junqueiro e para que o silêncio não fosse totalmente comprometedor, quero fazer uma referência à crise política artificial em que os senhores, ou, pelo menos, os vossos representantes no Governo, estão, neste momento, a pensar. Os sinais - e gostava que os infirmasse - são todos nesse sentido. Poderia , por exemplo, haver um sinal contrário - porventura, não suficiente - se apresentassem o Orçamento do Estado, nesta Câmara, antes de 14 de Janeiro, mas nem isso os senhores querem fazer.
Para terminar, gostaria de dizer o seguinte: no Governo que vos representa, a consonância interna quanto a essa matéria - e admito que muitos de vós não o saibam - é total. Ao que se sabe, só há, porventura, uma dissonância...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não pode continuar a ignorar as minhas advertências. Tem de terminar.

O Orador: - Peço desculpa, Sr. Presidente. Vou concluir, de imediato.
A única dissonância, que torna esta suspeição ainda mais grave, está no momento e na forma de provocar essa crise política no País. É uma intenção não confessada, mas mal disfarçada. É grave e os portugueses devem sabê-lo!

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - É a "inventona"!

O Sr. Presidente: - Pediram a palavra, para exercer o direito de defesa da honra e consideração, os Srs. Deputados Carlos Encarnação e Francisco de Assis. Tê-la-ão no fim do debate.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, solicito-lhe que, de acordo com o Regimento, me conceda de imediato o uso da palavra para defesa da honra, pois não terá sentido fazê-la noutra ocasião.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, mesmo assim, não vou dar-lhe a palavra, porque a Mesa resolveu, quando houve um ligeiro abuso do uso desta figura, reconduzir-se à regra, salvo em casos excepcionais. Ora, reparei que o Sr. Deputado levantou o braço para pedir a palavra mal o seu nome foi referido, sem ter sido sequer mencionada a razão porque o era. Peço-lhe desculpa, mas só vou conceder a palavra para esse efeito a ambos os Srs. Deputados no fim do debate.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para interpelar a Mesa, na medida em que o Sr. Deputado Francisco de Assis não teve ocasião de justificar a razão pela qual pediu a palavra.

O Sr. Presidente: - Fê-lo pelo telefone, Sr. Deputado.

O Orador: - Quem fez a comunicação à Mesa fui eu, Sr. Presidente, e sei o que disse.

O Sr. Presidente: - Foi isso, suponho.

O Orador: - Sr. Presidente, se me desse licença, gostaria de explicar.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Orador: - O Sr. Deputado Francisco de Assis pediu a palavra para a defesa da dignidade da bancada, na medida em que ela foi acusada de falta de princípios, de falta de vergonha e de falta de postura ética. É por esta razão...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a figura é a mesma, a razão de ser é a mesma e, por isso, desculpe-me, só concederei a palavra para esse efeito no fim do debate.

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O Orador: - Sr. Presidente, se me permite, para concluir, gostaria de sublinhar que, do nosso ponto de vista, quando uma bancada é acusada como esta foi...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não lhe permito que continue a defender o mesmo ponto de vista que já foi objecto de resposta relativamente a outro Sr. Deputado. Peço-lhe, por favor; que não insista.

O Orador: - Sr. Presidente, dá-me licença...

O Sr. Presidente: - Se é para continuar a justificar a pretensão, não dou licença, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, dá-me licença que conclua a minha frase?

O Sr. Presidente: - A frase, sim, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Quero só dizer, Sr. Presidente, que, quando uma bancada é acusada nos termos em que esta foi, qualquer uma, do nosso ponto de vista, deve poder ter o direito a reagir de imediato.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é esse o meu entendimento. Julgo que só em condições excepcionais deve afastar-se a regra, como, aliás, está previsto no Regimento. Excepções são excepções e regras são regras. Não me parece que estejamos perante um caso excepcional, não estamos manifestamente.
Peço ao Sr. Vice-Presidente, Deputado João Amaral, que me substitua, por alguns momentos, na condução dos trabalhos.

Pausa.

Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para. uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A eleição presidencial é um acto decisivo do exercício democrático. O debate político sobre as eleições presidenciais é. também um debate desta Assembleia, porquanto nada do que é da política e respeita ao povo português nos pode ser alheio.
O Presidente da República é o primeiro dos cidadãos da República, na ordem constitucional e, por isso, exige-se-lhe uma acção de referência, de arbitragem e moderadora.
Ser candidato credível à Presidência da República impõe uma postura política de responsabilidade, de diálogo e de respeito pelo regime democrático, nas palavras e nos actos, mesmo em campanha eleitoral.
A alusão de Cavaco Silva aos perigos da chamada "concentração de poderes" no Partido Socialista, na eventual vitória de Jorge Sampaio, dizendo que, neste caso, "a voz de alguns seria abafada e todos aqueles que pudessem ser incómodos seriam perseguidos", é uma acusação torpe e não democrática.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Dr. Cavaco Silva está a ultrapassar os limites do aceitável, com o silêncio comprometedor do PSD e da sua liderança, e merece; por isso, da nossa bancada, uma resposta firme e o nosso repúdio.

Aplausos do PS.

A democracia não está em perigo e ninguém será alguma vez incomodado ou qualquer voz abafada no livre exercício da cidadania. A democracia não o permite. Pelo contrário, os socialistas que já hoje, afinal, concentram os tais poderes que Cavaco Silva teme - com Mário Soares, o Governo de Guterres e a maioria relativa no Parlamento são uma caução paradigmática de quem pode chamar a si a autoridade de ter tido o principal papel na fundação e evolução do regime democrático.
Connosco não haverá arrogância, soberba, autoritarismo ou abuso no exercício do poder. Connosco haverá sempre "reconhecimento peio outro" e confiança na democracia. E, além do mais, a democracia portuguesa não admite concentração de poderes.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ela é uma democracia moderna - e o Dr. Cavaco Silva devia sabê-lo, pois, creio, já tem experiência para isso, é uma democracia realizada e assumida na divisão de poderes.
Cavaco Silva sabe que, mesmo quando, como chefe do Governo, procurou fazer da Assembleia da República a sua câmara de eco e tentou subestimar também o papel do Presidente da República, Mário Soares, a democracia revelou-se institucionalmente como plural e policêntrica. E, por isso, a teoria cavaquista das forças de bloqueio não pôde ir mais longe do que a sua simples reacção derrotada, a reacção de um concentrador de poderes perante a impossibilidade democrática de riscar os outros poderes e o papel autónomo e insubstituível de controlo democrático das instituições, a saber Presidente da República, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas, Procurador-Geral da República ou Provedor de Justiça.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Estamos seguros de que os democratas deste País, a generalidade dos cidadãos portugueses e, particularmente, os Deputados desta Câmara, sem excepção, não darão suporte nem caucionarão a blasfémia antidemocrática e os "apelos ao medo" do candidato Cavaco Silva.

Aplausos do PS.

A democracia não está em risco e nunca o esteve, nem estará, nestas eleições. A vitória provável de Jorge Sampaio é a vitória de um democrata, de um homem tolerante e defensor dos direitos humanos e cívicos dos portugueses e de quem sabe que qualquer minoria tem direitos irredutíveis. Não é esmagável, em Portugal, e onde houver ameaça a minorias ameaçadas, lá estará o Presidente a dar-lhes voz e a defendê-las, porque a democracia é o regime que defende todos os cidadãos, sem exclusão, embora muitas vezes o PSD não o tivesse praticado. E, por isso, aos profetas da desgraça apenas podemos dizer que estão a exorcizar o seu desespero pessoal e, isso sim, o medo da derrota que lhes surge no horizonte.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cavaco Silva diz-se um homem de experiência, experiência essa, que, no seu limite, os portugueses, na sua avaliação eleitoral última, consideraram uma má experiência.

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Mas o que este homem de experiência - e má experiência - não é, é um homem de memória. Não é um homem "habituado" à memória.
E, naturalmente, já não falo da sua experiência política directa, a de sempre ter acompanhado Sá Carneiro na sua vida política e se ter esquecido de votar na ANP, em 1969, com Sá Carneiro, em vez do voto que diz ter dado, então, à CEUD. É certo que, assim, perdeu-se um companheiro de toda a vida de Sá Carneiro, mas ganhou-se um democrata retroactivo.

Aplausos do PS.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Um antifascista, diga!

Cavaco Silva não é manifestamente um homem de memória. Ele esquece-se das suas opções, das velhas opções que quis para si no poder, e não reconhece legitimidade aos outros agora.
Cavaco Silva esquece-se, sobretudo, daquilo que os socialistas nunca quiseram: uma visão instrumental dos órgãos de soberania.
Em 23/6/85, em entrevista ao Diário de Notícias, Cavaco dizia é uma voz que deve ouvir, sobretudo esta: "(...) o PSD não tem que recear nem ter complexos na escolha do seu candidato à Presidência da República. Deve apoiar um candidato que ganhe e, ganhando, crie as condições para que o partido" (leia-se PSD) "possa governar e realizar o seu programa"
E mais adiante diz isto: "o PSD desenvolverá uma estratégia eleitoral que visa conduzi-lo à chefia da governação e, na fase subsequente, avançar para as eleições presidenciais para eleger um Presidente que esteja em sintonia com o Governo, no sentido de criar condições para a execução do nosso projecto". Nosso, deles, PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E o inefável candidato do PSD, Dr. Cavaco Silva, dizia ainda ao Jornal, a propósito de um candidato do PSD: "Temos de utilizar um candidato, em vez de sermos utilizados por um candidato".
As citações falam por si, Sr. Deputado - valeu a pena a atenção que lhe chamei -, e são a expressão acabada de quem dá o dito por não dito ao sabor das ondas da conveniência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Há um surfista radical que muda de linguagem e de opção, consoante o correr dos ventos e o estado das marés. O Dr. Mário Soares que o diga! Erigido pelo cavaquismo em força de bloqueio e a quem Cavaco desejou, perfidamente, "querer ajudar a terminar o mandato com dignidade" vê-se, subitamente, na crista das ondas, elevado à categoria de referência e inspirador presidencial.

O Sr. José Magalhães (PS): - É comovente!...

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No exercício do poder, Cavaco Silva, enquanto Primeiro-Ministro, desprezou e muitas vezes tentou calar a oposição. Na oposição, e agora feito candidato, proclama-se e exalta-se como amigo do poder - um quase devoto do Eng. António Guterres.
E de tal modo está convertido o Dr. Cavaco Silva que dará posse a qualquer governo desde que com Guterres, abdicando dos poderes de veto e até do poder de dissolução presidencial, e não sabemos de que mais ainda está disposto a abdicar para se agarrar às tábuas de um poder que, definitivamente, se lhe escapa.
De repente, o Dr. Cavaco Silva eliminou o caos com que diabolizou a chegada de Guterres e do PS ao poder e, num golpe de ilusão e de perfídia, converteu-se ao poder e elegeu Guterres o seu homem do ano. O insólito fez-se realidade e o cavaquista Dr. Cavaco Silva tornou-se num neoguterrista renoveau,...
Risos do PS.

... na linha do trocantitismo aufwiedersehfign.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os portugueses percebem estas conversões tardias, mas estão recordados da inspiração sábia transmitida ao Dr. Cavaco pelo Dr. Pacheco Pereira, para a hipótese da dissolução da Assembleia da República, em tempo necessário, para o regresso ao poder do PSD. E nem o Dr. Marques Mendes, nas suas efabulações fantásticas de hoje, consegue esconder esta hipótese: a "inventona" da dissolução da Assembleia da República em benefício do PSD.
Os portugueses sabem da necessidade de um Presidente da República que não seja nem chefe da maioria nem o chefe da minoria, na oposição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os debates político-partidários travam-se na Assembleia da República, é aqui que se exprimem as relações de força partidária. O Dr. Jorge Sampaio, por opção política e por posição político-partidária, não é, não será, nem aspira a ser chefe da maioria política. Não sabemos, no entanto, qual o trajecto que estaria agora inscrito nos ziguezagues do Dr. Cavaco Silva, o menor dos quais não seria, certamente, o risco de um Presidente chefe da oposição e campeão da instabilidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chegamos ao fim de um ciclo político, e é necessário concluí-lo definitivamente com a eleição de um novo Presidente da República.
Ontem mesmo, o Governo, nos termos constitucionais, convidou o Sr. Presidente da República, Mário Soares, para presidir ao Conselho de Ministros. Foi um acto importante da nossa vida política e de um particular e inultrapassável simbolismo no diálogo institucional. Nunca Cavaco Silva o fez durante o longo período de 10 anos em que foi Primeiro-Ministro. O agora confesso admirador de Mário Soares esqueceu-se de o convidar na altura própria - trágica traição da memória que até os ídolos fez esquecer a Cavaco Silva.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A eleição do Presidente da República é uma nova oportunidade política do exercício democrático e a possibilidade de os portugueses elegerem quem garanta a isenção institucional, a estabilidade política, a arbitragem, a moderação e a imparcialidade da Presidência.
Mário Soares cumpriu com elevado sentido institucional e honra o seu mandato de Presidente e, nesse sentido, é uma referência paradigmática. A Assembleia da República deve-lhe esse reconhecimento e essa homenagem. O Partido Socialista orgulha-se desse seu militante que chegou à Presidência e, em nome de todos os portugueses,

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repito, em nome de todos os portugueses, esteve à altura da história e do futuro.

Aplausos do PS.

Pela nossa parte, Partido Socialista, vamos fazer tudo para que, de novo, com Jorge Sampaio, o mesmo destino se venha a cumprir, para bem da democracia portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Jorge Ferreira, Guilherme Silva, Carlos Encarnação e Luís Filipe Menezes.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, hoje, mais uma vez, tivemos aqui a prova de que as eleições presidenciais andam com pouco interesse, pois VV. Ex.as têm de vir aqui periodicamente lembrar ao País que esse tema existe. Entretanto, digladiam-se, mas, para provar que, de facto, as eleições presidenciais estão com pouco interesse, acabam sempre a falar do Orçamento do Estado...

O Sr. José Magalhães (PS): - Porque é que será?!

O Orador: - Porque é que será, Sr. Deputado?! Já lá vamos!
Como estava a dizer, acabam sempre a falar do Orçamento do Estado, do passado do actual Presidente da República ou do passado dos candidatos a esse cargo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em matéria de Orçamento do Estado - e falando do futuro, que é o que interessa à bancada do Partido Popular, e, por isso, temos pouca aptidão para entrar no estilo de debate que tem existido até agora -,diria que o problema que está aqui em causa não é de muletas é, antes, um problema de ter consciência de que o próximo Orçamento do Estado tem' um co-autor, que é o PSD, além do Governo e do PS.

Aplausos do CDS-PP.

Não está em causa uma questão de andas, de muletas ou de braçadeiras mas, sim, uma co-autoria. Portanto, não se ofendam muito, porque, daqui a um mês, vão ter de entender-se, ou seja, mais dia menos dia, vão ter de engolir muita coisa que agora estão aqui a dizer. E olhem que os candidatos não vos agradecem, nem a uns nem a outros!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Então, e a pergunta?!

O Orador: - Já lá vamos à pergunta!
Sr. Deputado Alberto Martins, gostava de lhe fazer duas perguntas.
O Sr. Deputado, que elogiou tanto o Dr. Mário Soares, que nunca votou em Otelo nem no General Eanes, dando um testemunho ao País de que é possível ser-se de esquerda sem nunca se ter votado em candidatos com tentações menos democráticas ou civilistas no exercício do poder - e honra lhe fazemos por isso, nós que nunca votámos no Dr. Mário Soares -, sente-se bem...

O Sr. José Magalhães (PS): - Também não votaram na CEUD!

O Orador: - Também nunca votámos na CEUD, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - É por isso!

O Orador: - Eu nem sequer tinha idade, veja lá!
Perguntava eu, Sr. Deputado Alberto Martins: não acha que esse passado que elogia ao Dr. Mário Soares é incompatível com o apoio que presumo que dá - e disse que o dá - à candidatura do Dr. Jorge Sampaio? Se o passado é tão importante para si, não sente algum desconforto com o passado do candidato que apoia?
A segunda pergunta é esta, Sr. Deputado já perguntou ao Dr. Jorge Sampaio se vai preparar algum livro branco sobre o Orçamento do Estado? É que, como o assunto real que está na base de todo este debate é o Orçamento do Estado e não as presidenciais, quero saber se V. Ex.ª tem a garantia de que o Dr. Jorge Sampaio, ao abrigo daquela sua ideia de fazer livros brancos sobre os grandes problemas nacionais - e parece que este está a bater à porta, tem preparado ou não ou preparará um livro branco sobre o próximo Orçamento do Estado.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, V. Ex.ª iniciou a sua intervenção dizendo que tinha pouca aptidão para o estilo de debate que estava presente no Parlamento. Ora, a sua intervenção confirmou, de facto, isso e, portanto, fez jus à atitude de modéstia com que iniciou a sua intervenção.

Risos do PS.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Ainda bem!

O Orador: - De qualquer forma, deixe-me dizer-lhe que não estou tão seguro quanto V. Ex.ª de que o Dr. Mário Soares nunca tenha votado em Otelo.

Risos gerais.

É uma questão de lhe perguntar!
Quanto aos livros brancos. devo dizer que o Dr. Jorge Sampaio tem falado publicamente em livros brancos - eu já o ouvi e V. Ex.ª, se teve essa Atenção, também, pelo que a sua pergunta é falaciosa - com vista a um trabalho de reconhecimento e identificação de grandes causas nacionais e não propriamente para conterem qualquer interferência ou intromissão na área governativa.
O Dr. Jorge Sampaio e o Partido Socialista, todos nós, estamos cientes de que quem governa é o Governo e o Presidente da República preside ou é o vértice, com o Governo e com a Assembleia da República, do regime democrático. O passado do Dr. Jorge Sampaio dá garantias a todos nós, porque, embora sendo um passado polémico, de risco, é um passado de isenção, de imparcialidade e de seriedade. Há coisas que o Dr. Jorge Sampaio não é, não é um troca-tintas, não é um homem dúplice, não é um homem de duas caras, não é um arrogante, não é um autoritário; é, sim, um democrata que arriscou, perdeu e

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ganhou, que mantém esse risco e dá garantias de cumprir com isenção essas funções.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, a sua intervenção é a confirmação de uma actuação que vimos registando, e que já aqui denunciei, por parte do Partido Socialista: um discurso e uma prática opostas. O discurso da tolerância, da abertura, da não discriminação e das virtudes democráticas e a prática contrária a este discurso, como os saneamentos, as discriminações, as arrogâncias. Tudo isso V. Ex.ª, nesta intervenção, sintetizou.
V. Ex.ª referiu que o Prof. Cavaco Silva tinha feito da Assembleia da República uma câmara de eco do Governo. E o que é que V. Ex.ª veio aqui fazer, senão que a sua bancada e esta Assembleia sejam aqui uma câmara de eco da comissão eleitoral do Dr. Jorge Sampaio, que é aquilo que este Governo é neste momento! V. Ex.ª não veio fazer mais do que tentar também que esta Câmara seja uma câmara de eco dessa comissão eleitoral, que é o que o Governo tem sido.
Estava à espera que V. Ex.ª, reconhecidamente um democrata, viesse aqui reprovar o comportamento da caravana do Dr. Jorge Sampaio em Silves e em Lagos, que insultou as pessoas e bateu nos veículos da caravana do Sr. Prof. Cavaco Silva. Esperava que V. Ex.ª viesse aqui recriminar as actuações, que ontem se registaram no Barreiro,...

O Sr. José Magalhães (PS); - Olhe que o Sr. Deputado Marques Mendes também não o fez...

O Orador: - ... de pessoas que insultaram e agrediram a caravana do Prof. Cavaco Silva. Sobre isso registou-se da vossa parte um completo silêncio.

O Sr. José Magalhães (PS): - O Sr. Deputado Marques Mendes falou disso?!

O Orador: - Sr. Deputado, aqueles que ontem, no Barreiro, agrediram foram os mesmos que, na Marinha Grande; agrediram o Dr. Mário Soares.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Ah!...

O Orador: - E o que é intrigante e preocupante é que esses que estavam ontem contra o Dr. Mário Soares estão hoje ao lado do Dr. Jorge Sampaio. Isso é que é preocupante e intrigante! E é tão preocupante e intrigante quanto é certo que, na linha da sua intervenção, se o Dr. Jorge Sampaio for eleito Presidente da República, VV. Ex.as tenderão não apenas a que esta Câmara seja a câmara eco do Governo mas também que seja câmara de eco do Presidente da República. Esta intervenção veio confirmá-lo e comprová-lo.
V. Ex.ª referiu-se de forma menos elegante ao Prof. Cavaco Silva, chamando-lhe democrata retroactivo. Pergunto á V. Ex.ª o que é mais preocupante em matéria de candidaturas à Presidência de República, se os democratas retroactivos ou se os antidemocratas activos, que votam em Otelo, que passaram pelo MES, que tiveram posições contra a liberdade de expressão, contra uma comunicação social pluralista, defendendo uma comunicação social dirigida, estatal e monolítica. Isso está escrito! Queria que V. Ex.ª me esclarecesse o que é mais preocupante se um democrata retroactivo se um antidemocrata activo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Mostre lá ó seu curriculum. Onde é que estava no 25 de Abril?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, lamento começar por responder no tom em que tenho de o fazer, porque tenho para mim, seguramente, que a intervenção de V. Ex.ª não é séria e não está à altura da ponderação a que nos tem habituado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como seu amigo, lamento a sua intervenção e acho que ela é inaceitável e, não sendo séria, tem de ter a resposta política que exige.
Não haja dúvidas, a qualquer respeito, que o Partido Socialista e todos nós, o Grupo Parlamentar desde logo, condenamos qualquer actuação de intolerância, de prepotência e que, aliás, foram no imediato condenadas pelo Dr. Jorge Sampaio e pelos membros responsáveis da sua campanha. A este respeito não há dúvida: nós condenamos e repudiamos tais actuações. Não há qualquer dúvida a este respeito - isto é o repúdio e a condenação de actos desse tipo.
O que V. Ex.ª tem de explicar-nos é a teoria que aqui começa a estar subjacente e que é curiosa: 'a teoria da hiperdramatização.
O Dr. Marques Mendes dramatizou com a "inventona" da dissolução da Assembleia da República e com a do golpe de Estado, provavelmente não chegará à figuração fantástica do Professor Cavaco Silva, que é admitir um pacto secreto entre o PS e o PCP. Isso foi "chão que deu uvas"!
O Dr. Marques Mendes tem algum senso, apesar da "inventona" que hoje aqui nos trouxe. Mas o Dr. Guilherme Silva também vem trazer uma hiperdramatização: a Marinha Grande renouveau! Isto é, a agressão à vítima, ao Dr. Cavaco Silva, que, por sinal, nem o foi, foram, antes, pessoas da campanha, a ver se pegava!
Dr. Guilherme Silva, os portugueses são serenos, estão sérios, têm os olhos abertos, são democratas e a democracia em Portugal vai triunfar de novo!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, queria, em primeiro lugar, que o Sr. Deputado não estivesse preocupado e, em segundo lugar, dizer-lhe que também não estou preocupado em fazer-lhe perguntas, até porque nos conhecemos há muitos anos e temos, felizmente, relações de amizade há muito tempo.
Começo por fazer-lhe justiça, dizendo que o Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias se esqueceu, porventura, de fazer a condenação dos incidentes ocorridos no Barreiro,...

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O Sr. José Magalhães (PS): - E o Sr. Deputado Marques Mendes falou no Barreiro?!

O Orador: - ... não foi certamente por querer mas, sim, por pura e mera omissão. Não foi por não se ter lembrado de o fazer, mas por ter entendido que esses incidentes não seriam, porventura, dignos da sua intervenção, que não mereceriam a sua condenação, por, na opinião pública, já terem sido amplamente condenados. V. Ex.ª teve, com certeza, essa pequena omissão, esse pequeno pecado, mas não o levarei na conta de uma omissão grave. Pura e simplesmente, esqueceu-se, Sr. Deputado Alberto Martins! Mas ainda está em tempo de o fazer!
Também não o tenho na conta de ter querido desvalorizar o que aconteceu na Marinha Grande, aquando da campanha eleitoral do Dr. Mário Soares, dizendo que o que agora aconteceu foi uma cópia do que na altura aconteceu, porque, se não, V. Ex.ª teria dito - coisa grave - que o que aconteceu há 10 anos na Marinha Grande teria sido uma encenação do Dr. Mário Soares, o que não acredito que V. Ex.ª tenha pensado.
Do mesmo modo também não acredito que o Sr. Deputado Alberto Martins faça eco daquilo que algumas vezes se diz na sua bancada, dividindo as pessoas que podem ter um papel na política activa entre aqueles que têm o carimbo do antifascismo e aqueles que o não têm. Isso seria, pura e simplesmente, uma autêntica aberração, uma violência de todo o tamanho, que contrariaria a própria ideia da participação democrática.
O Sr. Deputado Alberto Martins tem, certamente, perfeita consciência de que tudo aquilo que eu disse até agora é verdade e não pode desmentir.
Gostaria também que o Sr. Deputado Alberto Martins me respondesse a uma coisa que disse na intervenção que fez, quando mencionou o Dr. Sá Carneiro ou o Professor Cavaco Silva. Não sei muito bem quem é que quis atacar. Não sei se quis atacar o Dr. Sá Carneiro por ter votado na ANP ou o Professor Cavaco Silva por ter votado na CEUD. Se na verdade quis atacar o Dr. Sá Carneiro, penso que é lamentável, porque o que tem acontecido nos últimos tempos tem sido uma grande. declaração de amor pelo Dr. Sá Carneiro, o mesmo em relação ao qual V. Ex.ª e o Partido Comunista faziam campanhas demolidoras, iguais a estas que agora foram levantadas relativamente ao Professor Cavaco Silva.

Vozes do PSD: - Exactamente!

O Orador: - Se V. Ex.ª quis atacar o Dr. Sá Carneiro o que não acredito - cometeria, talvez, um gravíssimo, esse sim, lapso e um grande erro em relação à sua candidatura.
Também quero dizer-lhe, Sr. Deputado Alberto Martins, que nunca pensei que a declaração que fiz aqui, nesta Câmara, há algum tempo, tivesse provocado tamanho reboliço. O que disse há tempos nesta Câmara foi, pura e simplesmente, o seguinte: "Este Governo quer dar tudo a todos. Este Governo é um "Governo Pai Natal". Por conta disto já lá vão 100 milhões de contos, por conta disto os senhores já estão a gastar por conta do Orçamento que ainda não está aprovado". O que quis lembrar foi: "Então, como é que é isto? Os senhores querem comprometer outros partidos na votação deste Orçamento, estando VV. Ex.as já a gastar por conta?! Querem criar uma situação gravíssima, do ponto de vista político e do ponto de vista do País, em relação à qual não pode haver um partido que seja responsável que vote um Orçamento destes, constituído numa base destas, em que já está gasto grande parte quando este Governo começa a governar de acordo com esse Orçamento!" Foi isto o que eu disse.
Depois, o Sr. Deputado Jorge Lacão fez aqui uma "pirueta", daquelas que são habituais, e acusou-me de uma coisa que não tem qualquer sentido, de irresponsabilidade, como quem diz: "chama-lhe antes que ele chame a ti"! Essa intervenção foi do género da que o Sr. Deputado Jorge Lacão fez. Como é evidente, eu tinha de proceder à clarificação, o que fiz logo nesse mesmo dia e V. Ex.ª não ficou, com certeza, preocupado, porque compreendeu perfeitamente bem aquilo que eu tinha dito. Aliás, se não compreendeu, o Dr. Jorge Sampaio, numa declaração, numa entrevista...

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, peço-lhe que termine.

O Orador: - Sr. Presidente, já há pouco não consegui falar, espero que agora me deixe concluir.

O Sr. Presidente: - O sistema de compensações não funciona regimentalmente, Sr. Deputado.

O Orador: - Eu sei, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor de completar o seu raciocínio.

O Orador: - Sr. Presidente, o outro debate já tinha acabado, e eu deveria ter falado logo a seguir. O debate que estou a ter com o Sr. Deputado Alberto Martins é outro.

O Sr. Presidente: - É o seu entendimento, não o meu. Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Mesmo que não tenha sido essa a interpretação de V. Ex.ª, sei que, com a sua simpatia, vai deixar-me acabar.
Dizia eu, Sr. Deputado Alberto Martins, que devia recordar-lhe o que o Sr. Dr. Jorge Sampaio, o seu candidato, disse no outro dia, numa entrevista ao Diário de Notícias. Ele disse: "o não ser aprovado o Orçamento, não é caso de dissolução da Assembleia da República". Por que é que ele disse isto, Sr. Deputado Alberto Martins? Terá algum "Espírito Santo de orelha" segredado qualquer coisa ao Dr. Jorge Sampaio em relação a esta matéria? Seria o desvendar de qualquer intenção oculta do Partido Socialista em relação a isto? Teria sido q oportunismo político do Dr. Jorge Sampaio relativamente à minha declaração na altura? Não acredito que tenha sido assim, Sr. Deputado. Não acredito que seja assim.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, já utilizou cinco minutos e meio. Faça favor de terminar:

O Orador: - Vou terminar agora, Sr. Presidente.

O Sr., Presidente: - Muito obrigado.

O Orador: - Os Srs. Deputados estão com um grande problema, pois têm uma coligação imprópria, socialista ou social-cristã. Isto é, dentro desta coligação imprópria há aqueles que querem gastar e aqueles que não o querem

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fazer. Esse problema vai introduzir um dramatismo grande na vossa vida política, na vida política deste Governo. É a este dramatismo, a este conflito, que querem acrescentar um outro: trazer o PCP para comungar de toda esta enorme construção. Este edifício, ou me engano muito, vai ruir, e não é por nossa culpa mas, sim, por culpa de VV. Ex.as.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Encarnação, devo confessar que hoje estou desiludido com a sua intervenção, o que é surpreendente, pois é, provavelmente, a primeira vez que uso, em relação à sua pessoa, esta fórmula.
V. Ex.ª falou, falou, falou, e não disse nada!

Risos do PS.

Fiquei até na dúvida se V. Ex.ª não quereria antes, em vez de me fazer uma pergunta e tentar atacar a minha intervenção, de forma subtil, com a subtileza que se lhe conhece, atacar o seu colega de bancada Dr. Marques Mendes, o que aliás me parece injusto, devo dizer,...

Risos do PS.

... por ele se ter esquecido de condenar os incidentes do Barreiro.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - O seu colega não condenou os incidentes do Barreiro e V. Ex.ª, de forma hábil, de acordo com as cisões habituais dentro da sua bancada, veio atacar-me, para ele perceber que o estava a atacar. É portanto, um problema do PSD com o qual nada tenho.
Quanto à questão do antifascismo, dos que lutaram contra a ditadura e dos que o não fizeram, sou dos que pensam que os portugueses são todos iguais, mas também sou dos que pensam - atenção! - que uma pessoa adulta, lúcida, com idade para pensar e decidir perante uma ditadura, que não reage à prepotência e à opressão tem uma situação particular.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Tem razão, esse não vota no Otelo!

O Orador: - Esse foi, digamos, o Dr. Cavaco Silva, como sabe!
Há, portanto, uma diferença, a meu ver, nos grandes momentos da construção da história política da democracia portuguesa. Em meu juízo, há três grandes momentos: o combate à ditadura, a construção do regime democrático e a integração europeia. Em nenhum desses momentos esteve, de forma visível, o Dr. Cavaco Silva. O Dr. Jorge Sampaio esteve em todos eles!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, em primeiro lugar, quero realçar o facto de V. Ex.ª ter saído quase da clandestinidade em que andava no Grupo Parlamentar do PS para hoje vir falar sobre o tema das presidenciais. Compreendo isso, dada a incomodidade que a ala maioritária do seu partido teve ao "engolir" uma candidatura presidencial com a qual nunca concordou e por ainda não ter a convicção para, hoje, ter aqui um dos seus rostos a dar a cara ria defesa do Dr. Jorge Sampaio. Teve de se socorrer de um sampaista de sempre, coerente como V. Ex.ª.

Aplausos do PSD.

Mas, Sr. Deputado, a sua intervenção demonstra muitos dos perigos que decorreriam se o Dr. Jorge Sampaio fosse eleito Presidente da República. A sua intervenção contém, de uma forma marcante, um conjunto de maniqueísmos que são tiques da esquerda representada pelo Dr. Jorge Sampaio. O Sr. Deputado Alberto Martins disse, por exemplo, que a democracia vencerá porque vai vencer o Dr. Jorge Sampaio. Só quando vence o candidato da esquerda, que VV. Ex.as defendem, é que vence a democracia, Sr. Deputado?! .
Sr. Deputado, a democracia vencerá ganhe o Dr. Sampaio ou o Dr. Cavaco Silva!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Fica-lhe muito bem dizer isso!

O Orador: - Ganhe um ou outro, a democracia vencerá, porque será livre a expressão do voto dos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Alberto Martins, são tiques desse género que fazem com que, ontem, o Sr. Ministro da Cultura tivesse, por "despacho", definido que o Dr. Jorge Sampaio era um candidato culto e que o Sr. Dr. Cavaco Silva era um candidato inculto. Qualquer dia vamos ter de pedir aos governantes do PS diplomas que definam se cada português é culto ou inculto, se é justo ou injusto, se defende uma política social ou se é contra a solidariedade.
É esta a vossa lógica de exercício de poder, particularmente a lógica de exercício de poder da esquerda socialista que o Dr. Jorge Sampaio representa.
Quero lembrá-lo, Sr. Deputado Alberto Martins, para acentuar a lógica desse maniqueísmo, que V. Ex.ª vem aqui verberar contra o facto de o Dr. Cavaco Silva e a sua candidatura estarem preocupados com alguma perversão das liberdades que poderia resultar de uma grande concentração de poderes. Os senhores têm má memória! Os senhores lembram-se da lógica discursiva de toda a candidatura do Sr. Dr. Mário Soares há 10 anos? Os senhores lembram-se da lógica discursiva da candidatura a Primeiro-Ministro do Dr. Jorge Sampaio há quatro anos? Eram as liberdades que estavam em perigo! Mas, hoje, VV. Ex.ª são os primeiros a, reconhecer que o Dr. Freitas do Amaral é uma grande referência da democracia portuguesa.

O Sr. José Magalhães (PS): - É uma grande figura! O Cavaco é que não pagou!

O Orador: - E mesmo os senhores, como o Sr. Presidente da República, Dr. Mário Soares,...

O Sr. José Magalhães (PS): - O Cavaco é que não pagou! Paguem a conta!

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O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, quando se fala de liberdades e de democracia, V. Ex.ª deve ficar fora deste debate!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas em relação ao perigo de há quatro anos, a prova de que não existia qualquer perigo é que hoje os senhores são poder, o que significa que a regra da alternância funcionou. A democracia deu-vos a oportunidade de mostrarem o que valem.
Outra prova desse maniqueísmo intransigente,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Vai pagar a conta do Cavaco?!

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, quer falar? Se quer falar, vá para a Internet durante 10 minutos e deixe-me acabar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Vá V. Ex.ª que o Cavaco está lá!...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que não estabeleçam diálogo directo.
Faça favor de terminar, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Orador: - Sr. Deputado Alberto Martins, vou dar-lhe uma outra prova desse maniqueísmo, extremista. V. Ex.ª disse que agora o Dr. Cavaco Silva se converteu ao soarismo, que hoje tem uma atitude de simpatia em relação ao Dr. Mário Soares que não teve no passado. Lembro-o de que em momentos capitais da democracia portuguesa, como na Fonte Luminosa, o Dr. Cavaco Silva estava lá a apoiar o Dr. Mário Soares e o Dr. Jorge Sampaio não estava.

Protestos do PS.

Lembro-o de que é normal que o Presidente da República de uma determinada área política tenha, num determinado período do seu exercício de poder, algum confronto democrático com o Primeiro-Ministro de outra área política. Mas V. Ex.ª esquece...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino de seguida, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, V. Ex.ª esquece que, dentro da sua área política, o Dr. Jorge Sampaio teve conflitos bem mais graves com o Dr. Mário Soares do que o Prof. Cavaco Silva, que nunca o acusou de traidor, o que não é o caso do Dr. Jorge Sampaio, o que, aliás, está escrito. É este maniqueísmo que faz com que os portugueses votem na tolerância que representa a vitória de Cavaco Silva, alguém que nunca dirá, no caso de ganhar o Dr. Jorge Sampaio, que venceu a ditadura. E reafirmo aquilo que disse no início da minha intervenção: ganhe quem ganhar, vai ganhar a democracia porque é a livre expressão dos votos dos portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, V. Ex.ª não me decepcionou com o seu pedido de esclarecimento, pois esteve igual a si próprio. Usou a palavra maniqueísta, mas foi-o mais uma vez. Esteve igual a si próprio e ao seu registo elitista, sulista e liberal.

Aplausos do PS.

Estou mesmo tentado a fazer-lhe a pergunta se, para além de V. Ex.ª conhece algum português que tenha visto o Dr. Cavaco Silva na Fonte Luminosa.

Aplausos do PS.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - O Sr. Deputado é que lá não esteve!

O Orador: - Quanto à "clandestinidade", de onde disse que saí, penso que V. Ex.ª está a revelar, ao menos, um grande desconhecimento da nossa vida parlamentar. Como sabe, presido à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e, provavelmente, quem tem algo a ver com o funcionamento desta Assembleia sabe que tenho exercido essas funções, pelo que me resta concluir que V. Ex.ª apenas vem a esta Assembleia para fazer alguns arremedos momentâneos de discurso maniqueísta e se vai imediatamente embora.
Quando diz que vencerá a democracia, não tenho dúvidas: a democracia vai vencer e não corre o risco de ser depreciada, não obstante as ameaças do Dr. Cavaco Silva, segundo o qual ela poderá ser abafada em caso de poder concentrado do Partido Socialista, o que, a acontecer, poderá originar a perseguição de vozes incómodas. Quem pensa que a democracia está em risco é o Dr. Cavaco. V. Ex.ª vem agora dizer: "Dr. Cavaco, não esteja preocupado". Ainda bem que é V. Ex.ª a dizê-lo, apenas secunda as minhas palavras. Assim, sugiro que enderece a sua voz autorizada ao Dr. Cavaco Silva, dizendo-lhe "a democracia vai vencer, não está em risco" e talvez o convença.

Aplausos do PS.

O Sr.- Presidente: - Estão inscritos, para exercer o direito regimental de defesa da honra e consideração da bancada, os Srs. Deputados Carlos Encarnação e Francisco de Assis. Como o Sr. Deputado Carlos Encarnação prescinde do pedido de palavra, tem a palavra o Sr. Deputada Francisco de Assis.

O Sr. Francisco de Assis (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Mendes, na resposta dada ao pedido de esclarecimento que lhe formulei, o Sr. Deputado acusou a bancada do PS de não ter ética nem vergonha. Entendemos que essas palavras consubstanciam uma grave e infame acusação a esta bancada, que não podemos, de forma alguma, deixar passar em claro.
Com toda a educação, quero lembrar-lhe que, por vezes, à custa de tanto repetirmos as palavras, esquecemo-nos do significado exacto dos conceitos. Usa-se demasiado a palavra ética nesta Câmara e no debate político em geral e o Sr. Deputado, agora e mais uma vez, incorreu num erro dessa natureza. Confundir aquilo que é um debate político assente na confrontação de ideias e de posições de natureza estritamente políticas com questões de natureza moral ou ética releva de alguma incultura política que deve ser aqui lamentada, mas que também traduz uma falta de educação que deve ser igualmente condenada.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco de Assis, três notas muito breves.
A primeira para dizer que falei de política e não de questões de natureza pessoal que pudessem ser ofensivas. Volto a sublinhar que também a comunicação social é da mesma opinião. Não sou o único a pensar dessa forma, pois os portugueses partilham dessa opinião pelo que não posso nem devo retirar uma vírgula ao que disse.
A segunda, para referir que os senhores gostam de criticar mas não de ser criticados. Ora, quero dizer-lhe, em nome pessoal e no da minha bancada, que têm de habituar-se a ouvir as verdades ainda que elas doam porque, agora, são os senhores que estão a ser julgados. Perdemos as eleições mas não cometemos qualquer crime, razão pela qual faremos oposição com frontalidade e firmeza, sem qualquer tipo de constrangimento.
A terceira para mencionar que nem a bancada do PS nem quem quer que seja pense que, sobre esta ou aquela matéria mais ou menos importante, alguma vez teremos posições de equidistância ou de neutralidade. Temos uma postura de credibilidade a defender e, em todas estas matérias ou noutras, a nossa será uma oposição de verdade, frontalidade, firmeza, culta, muito educada sem nunca fugir a quaisquer questões por mais difíceis que sejam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 4/VII Alarga a fiscalização financeira do Tribunal de Contas e dos projectos de lei n.os 5/VII - Altera a Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro (Reforma do Tribunal de Contas) (PCP) e 13/VII - Fiscalização das empresas públicas e sociedades anónimas de capitais públicos (CDS-PP).
Para uma intervenção, na qualidade de relator, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cumpre-me, de uma forma sucinta, a tarefa de relatar os projectos de lei n.os 5/VII - Altera a Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro (Reforma do Tribunal de Contas) (PCP) e 13/VII - Fiscalização das empresas públicas e sociedades anónimas de capitais públicos (CDS-PP).
Ambos têm em comum o alargamento da fiscalização do Tribunal de Contas ao sector público empresarial e às empresas sustentadas com dinheiros públicos. O projecto de lei apresentado pelo PCP pretende, também, incluir nessa fiscalização as fundações públicas e mesmo as fundações de direito privado subvencionadas com dinheiros públicos; restituir a redacção inicial da Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro, no tocante à publicidade dos acórdãos, eliminando restrições introduzidas pela Lei n.º 7/94, de 7 de Abril; retomar as multas, eliminando a redacção proposta pela Lei n.º 7/94, de 7 de Abril; permitir novamente ao Presidente do Tribunal ser relatos de processos e ainda despenalizar as autarquias que, pela Lei n.º 7/94, de 7 de Abril, eram obrigadas a enviar para visto prévio todo e qualquer contrato de prestação de serviços ou de funções fosse qual fosse o seu valor, criando, portanto, uma situação de excepção no caso das autarquias.
O projecto de lei apresentado pelo PP avança com uma ideia na sua motivação que, depois, não concretiza, que é a da fiscalização sucessiva. Ou seja, recusa o visto prévio aos actos e contratos das empresas e de entidades do sector público agora sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas, mas, depois, no articulado acaba por não excepcionar deste visto prévio o sector público empresarial e as empresas sustentadas por capitais públicos.
Em suma, são estes os projectos de lei submetidos à consideração da Câmara.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, na qualidade de relator, tema palavra o Sr. Deputado João Carlos Silva.

O Sr. João Carlos Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Coube-me, no âmbito da 5.º Comissão, fazer o relato do projecto de lei n.º 13NII, apresentado pelo Partido Popular, o qual pretende dar cobertura à realidade da afectação dos recursos financeiros públicos às empresas públicas ou de capitais maioritariamente públicos, onde se verifica que o volume de recursos financeiros afectados justificará o controlo desses recursos.
Para não estar a duplicar algumas observações feitas pelo colega relator da 1.ª Comissão, que me antecedeu, saliento apenas a relevância destas matérias e o facto de a própria Constituição e a Lei Orgânica do Tribunal de Contas preverem o desenvolvimento e o alargamento das suas competências, nomeadamente na Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro, precisamente às empresas públicas, desde que lei especial o determine. Este projecto de lei prevê alterações à própria Lei Orgânica do Tribunal de Contas, não configurando uma lei especial. Portanto, trata-se de uma matéria que merecerá observação e atenção por parte da. Câmara.
Outras questões relevantes dizem respeito a eventuais esclarecimentos e aperfeiçoamentos ao nível da intenção dos proponentes, que poderão ser analisados na especialidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças (Sousa Franco): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou apresentar, nas suas linhas essenciais, o conteúdo da proposta de lei n.º 4/VII, que visa modificar o regime do controlo financeiro externo e independente, de modo a garantir a fiscalização pública independente dos dinheiros públicos existentes no sector empresarial do Estado.
Penso que esta proposta de lei representa verdadeiramente uma mudança no sentido de que uma parcela importante de dinheiros públicos passe a estar sujeita a uma das duas formas essenciais de controlo democrático da actividade financeira: a do controlo externo e independente, sendo certo que o controlo político, da competência da Assembleia da República, também deverá incidir, naturalmente, sobre os dinheiros públicos integrados no sector empresarial do Estado.
O sentido político desta proposta de lei é, pois, o de que, sendo o sector empresarial do Estado uma forma desburocratizada e empresarial de gerir dinheiros públicos, ele

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não deverá continuar a estar subtraído a qualquer modalidade de controlo democrático e independente.
Recordo muito brevemente algumas das razões deste sentido político essencial em que a proposta do Governo converge com outros projectos agora pendentes, com os quais a compararei no final.
Em primeiro lugar, devo dizer que o nosso sistema de controlo financeiro, ao contrário do que por vezes se pensa, abrangia tradicionalmente as empresas públicas. Só deixou de cobrir a área empresarial a partir da entrada em vigor do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril. E porquê? Fundamentalmente porque, em 1976, a enorme massa de empresas públicas nacionalizadas tornava de facto impossível exercer alguma forma de controlo minimamente eficiente.
Na verdade, o que foi uma providência ditada pelas circunstâncias do tempo durou, todavia, tempo demais. Durou tempo demais porque, desde 1 de Janeiro de 1986 fez agora 10 anos, Portugal entrou para a Comunidade Económica Europeia e, desde essa data, o Tribunal de Contas europeu passou a ter competência não apenas para fiscalizar as empresas públicas europeias, todas elas, mas. também para fiscalizar as congéneres portuguesas. E passámos a viver na situação, irónica, se é que não envergonhaste, de termos empresas públicas fiscalizadas pelo órgão de controlo independente europeu, mas não fiscalizadas pelo órgão de controlo independente do Estado português. E assim estamos até hoje...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas, também, a situação não era sustentável do ponto de vista político e até constitucional. Recordo que, desde as iniciativas que conduziram à revisão constitucional de 1989 até ao ano passado, por diversas vezes, em sede de revisão constitucional ou em sede de legislação ordinária, os grupos parlamentares da então oposição - do Partido Socialista, do Partido Comunista, do CDS, hoje CDS-PP - apresentaram diversas iniciativas tendentes a sujeitar de diversas maneiras o sector empresarial do Estado ao controlo financeiro independente do Tribunal de Contas. Nenhuma delas, porém, vingou.
Por isso mesmo, de algum modo, podemos dizer que a falta de controlo externo independente, quer na perspectiva da legalidade, quer na da acumulação. de deficiências várias de gestão, não é certamente indiferente à situação em que hoje se encontra o sector empresarial do Estado.
Recordo também que, para além destas razões que têm a ver com o passado próximo português, no direito comparado e, em particular, nos países da União Europeia com formas jurídicas muito diversas, é regra a fiscalização do núcleo essencial do sector empresarial público por órgãos de controlo independentes do tipo de um tribunal de contas ou de um auditor geral. De entre os 15 Estados da União Europeia, apenas em três - na Bélgica e no Luxemburgo, por razões especiais, na Grécia, por razões talvez semelhantes às nossas - não existe este tipo de controlo externo e independente sobre os dinheiros públicos aplicados em empresas. Sublinho ainda que na Bélgica, desde 1991, e no Luxemburgo, através de um projecto legislativo apresentado pelo próprio Tribunal de Contas e ainda pendente no Parlamento, está previsto o controlo operacional de gestão relativamente a empresas públicas.
Pode, pois, dizer-se que, hoje, é esta a regra na generalidade dos países como controlo de legalidade próprio, portanto, do Estado de direito democrático, e como controlo de eficiência e maneira de evitar algumas formas de afastamento relativamente a padrões de aplicação eficaz do património e dos dinheiros do contribuinte que são investidos em empresas do sector empresarial.
É também uma regra defendida pela generalidade das organizações internacionais, em particular desde os anos 50 pela organização que agrupa os tribunais de contas e auditores gerais de cento e setenta e tal países e que defende, como padrão seguido na grande maioria dos Estados do mundo, a sujeição das empresas públicas e das empresas com participação do Estado ao controlo financeiro independente.
Em resumo, razões políticas, razões económicas, razões históricas e razões comparativas apontam no sentido da necessidade desta exigência. Necessidade que várias vezes teve eco em múltiplas intervenções e iniciativas da Assembleia da República, como já referi.
Ao apresentar esta proposta de lei, o Governo, veio, pois, no sentido de ajudar a institucionalização do Estado de direito democrático no domínio das finanças públicas e, ao mesmo tempo, de criar condições para um mais eficaz, rigoroso e regular exercício da actividade financeira do sector público nas organizações de tipo empresarial.
A proposta de lei obedece a uma lógica que, no essencial, é muito simples e, ao proceder à sua apresentação, limitar-me-ei a esse essencial e não às complexidades técnicas.
Em princípio, estarão sujeitos ao controlo do órgão externo e independente com sede constitucional que existe no Estado português - o Tribunal de Contas - as empresas públicas de forma pública, as sociedades de capitais públicos e as sociedades de forma comercial e de economia mista com maioria pública. Estes três tipos de empresas constituem o núcleo essencial em que a exclusividade ou o predomínio do capital público justifica o exercício do que poderia chamar-se uma competência primária do Tribunal de Contas.
Mas, na lógica desta proposta de lei, há uma competência secundária condicionada ou a decisão específica, caso a caso, do próprio Tribunal, que sujeita a entidade empresarial a controlo ou a iniciativa de uma parcela qualificada dos Deputados da Assembleia da República, ou a iniciativa do Governo. Essas situações, que são as previstas nas alíneas d) e e) do artigo 1.º, n.º 1, serão aquelas em que haja formas de controlo público da gestão de sociedades de capitais públicos mesmo sem maioria golden shares ou situações particulares de participação pública relacionadas com processos de privatização, concessões de serviços públicos ou da gestão de empresas públicas. Nestes três casos entendeu-se que, ou por se tratar, no primeiro caso, de empresas públicas no próprio sentido do direito comunitário, que considera que basta a existência do controlo mesmo sem maioria de capital para qualificar uma empresa como pública, ou por se tratar de empresas concessionárias de serviços ou de gestão, intimamente relacionadas, até do ponto de vista financeiro, com o Estado ou com outras entidades públicas, ou por se tratar de empresas que se encontram em fases particulares do processo de privatização e relativamente às quais a ausência de controlo poderia inviabilizar o controlo da própria privatização, se justificaria a possibilidade de exercício desta competência. Trata-se de uma zona que, tal como todas as outras, naturalmente é mais delicada.
Esta é uma competência mais discricionária e condicionada, porventura acessória, relativamente ao controlo de dois aspectos fundamentais: a actividade da administração pública e das empresas públicas, no primeiro grupo, ou os

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processos de privatização. Este é um domínio, evidentemente, onde, como em todos os outros, o Governo, no respeito pleno pela competência da Assembleia da República, está à vossa disposição para dialogar. É ao Parlamento, como órgão legislativo, que compete definir as soluções e em particular neste domínio, que é uma área que se nos afigurou necessária para evitar fugas ao controlo, ou situações de evasão, ou de fraude, cuja delimitação poderá naturalmente ser feita de múltiplas formas. Certamente encontrareis nisto, como no resto, as melhores soluções.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sublinho ainda que, para além do que foi dito, importará destacar qual a forma de controlo previsto.
Muito simplesmente, direi que, relativamente a estas entidades, a previsão inscrita no articulado proposto pelo Governo ao órgão legislativo que é a Assembleia da República aponta para a inserção dos três primeiros tipos de empresas públicas - empresas de forma pública, sociedades de capitais públicos e empresas de maioria pública num modelo que é o modelo geral de controlo do Tribunal de Contas. Ou seja, a fiscalização será selectiva: em cada ano, o Tribunal escolherá as entidades a fiscalizar, mas, nos termos do artigo 16.º da Lei n.º 16/89, poderá também ser instado, pelo Parlamento ou pelo Governo, a exercer acções de fiscalização nos termos ali definidos.
A fiscalização pode exercer-se em qualquer momento, sob a forma de inquérito ou de auditoria, que são as duas formas legais previstas para actos não jurisdicionais de fiscalização financeira - inquérito a actos concretos que possam representar, indiciariamente, situações de ilegalidade, de irregularidade ou até de má gestão; auditoria, análise sistemática da situação de uma empresa num determinado momento.
Mas a fiscalização pode também incidir sobre as contas, nos termos do artigo 9.º desta proposta de lei. Aliás, é esse o sentido claro da mesma que poderá ser explicitado a partir do exercício de 1996, já que, a ser aprovada, a proposta de lei entrará em vigor durante este ano.
Portanto, a partir do exercício de 1996, as contas de todas as empresas dos três primeiros tipos referidos empresas públicas, sociedades de capitais públicos e empresas privadas de maioria pública - serão apresentadas ao Tribunal, o qual poderá fazer as verificações preliminares e devolvê-las ou incluí-las no programa de fiscalização.
Prevê-se, assim, em princípio, uma actividade de fiscalização regular, se quiserem, exercida sobre as contas, e uma outra, discricionária ou eventual, se assim quisermos chamar-lhe, resultante de inquéritos ou auditorias decididos pelo Tribunal, por iniciativa própria ou sob proposta da Assembleia da República, ou do Governo, nos termos gerais.
O artigo 6.º da proposta de lei prevê a protecção do segredo empresarial. É importante que isto fique disposto, porque o princípio geral da publicidade, que vale para o controlo da administração pública por parte do Tribunal de Contas, pode, relativamente às empresas, conflituar com o segredo empresarial e, nesse caso, quer se trate de empresas totalmente públicas, quer parcialmente públicas, será necessário preservar o segredo empresarial que pode fazer parte integrante do conjunto de activos imateriais ou ser instrumento de protecção desses activos imateriais das empresas, públicas ou não.
Além disso, nesta iniciativa legislativa do Governo prevê-se que as acções de fiscalização terminem pela apresentação de um relatório e parecer. Crê-se que esta forma de exercício da função de fiscalização do Tribunal será mais adequada do que o julgamento das contas por acórdão ou sentença de tribunal colectivo. Porquê? Basicamente, por duas razões. A primeira é a de que o julgamento de contas, que, na perspectiva comparativa, é hoje uma forma cada vez mais rara de exercício do controlo financeiro, pressupõe exclusivamente o controlo da legalidade e da regularidade e a avaliação de uma gestão económico financeira vinculada, essencialmente dirigida para dar execução à lei sem liberdade de actuação, a não ser em termos relativamente instrumentais. Nas empresas, pelo contrário, o que é essencial é o exercício de uma actividade inteiramente livre, discricionária.
Por outro lado, e em conformidade com o que dispõe o n.º 1 do artigo 2.º da proposta de lei, sublinho que se prevê, indo ao encontro do que é hoje o critério normal de controlo financeiro, tanto da administração como do sector empresarial, a fiscalização da legalidade e da regularidade, mas também a eficácia, eficiência e economicidade do controlo. Ora, se a fiscalização integra estes dois tipos de critérios, por via do segundo nunca poderá haver julgamento, mas apenas um relatório ou parecer. Por outras palavras, sempre se prevê nesta proposta de lei - o que me parece adequado à natureza empresarial das organizações referidas - que haja auditoria de contas ou auditoria de gestão e nunca julgamento de contas, como é próprio de situações vinculadas de órgãos, entidades ou responsáveis de carácter administrativo.
Por fim, para além das empresas públicas, prevê-se na proposta de lei o controlo dos processos de privatização, também hoje na ordem do dia na generalidades dos países. É um domínio delicado, mas essencial, em que a legalidade, a transparência e a imparcialidade têm de ser garantidas por controlo financeiro.
No controlo da privatização estipula-se, muito especificamente, a comunicação dos relatórios de avaliação para que o Tribunal de Contas, tendo conhecimento deles, possa pronunciar-se atempadamente a seu respeito, bem como 0 controlo, em termos de receitas, da afectação dos recursos gerados pela privatização. Este é hoje um outro domínio, relacionado também com o património empresarial do Estado, que constitui matéria fundamental de controlo financeiro democrático na maioria dos países do mundo.
Terminava, fazendo dois comentários finais. O primeiro é o de que esta proposta surge depois e, naturalmente, em convergência com o projectos de lei n.os 5/VII, apresentado pelo PCP, e 13/VII, apresentado pelo CDS-PP.
O projecto de lei n.º 5/VII tem um alcance mais amplo, visto que se refere a uma revisão de diversas alterações que a Lei n.º 7/94 introduziu na Lei n.º 86/89.
Permitam-me comentar que, quanto a essas alterações, falando a título pessoal, mas também em nome do Governo, estamos inteiramente de acordo com elas. Aliás, o actual Presidente do Tribunal de Contas também já mencionou, em público, a necessidade de rever a Lei n.º 7/94, que introduziu em numerosos domínios entorses graves ao controlo financeiro democrático.
Por isso, o sentido geral do projecto de lei apresentado pelo PCP merece, da nossa parte, não apenas simpatia como concordância.
Acrescentaria apenas que a proposta de lei do Governo não se referiu às fundações públicas, porque essas já são institutos públicos e não precisariam de ser especificamente mencionadas, nem às fundações privadas com dotação total ou parcialmente pública, em virtude da dificuldade de tratar essas situações. Mas, se me permitem uma

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opinião, o Parlamento, certamente, encontrará soluções para isso, já que a fiscalização de fundações privadas com capitais públicos é algo que, na lógica deste projecto, também merece ser institucionalizado com as devidas cautelas.
Quanto ao projecto de lei n.º 13/VII, apresentado pelo CDS-PP, também ele vai no sentido de inteira convergência com a proposta de lei do Governo. É evidente que seria possível um entendimento amplo de julgamento de contas, em que este abrangesse, quer os acórdãos de tipo sentença, quer apenas os relatórios ou pareceres.
Já apontei, e por isso não vou insistir, as razões pelas quais me parece preferível que, num julgamento de contas em sentido amplo, se reserve para as empresas públicas aquela apreciação que consista apenas em actos de relatório de auditoria e não em actos de condenação, até porque a experiência demonstra que a mistura da auditoria com a função jurisdicional é, no caso concreto, prejudicial para uma e para outra.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que a proposta de lei do Governo, sobre a qual incidiu, essencialmente, a minha apresentação, indo no sentido convergente a outras iniciativas que estão pendentes no Parlamento, é um aperfeiçoamento no sentido da legalidade e da eficiência do sector empresarial do Estado; em última instância, é uma aperfeiçoamento que visa prevenir a corrupção e reforçar a transparência, introduzindo mais democracia na gestão financeira, sobretudo das empresas públicas.
Penso que estes valores são essenciais no nosso quadro constitucional e muito importantes para o Governo, mas não serão menos, certamente, para o Parlamento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados António Lobo Xavier, Antonino Antunes, José Magalhães e Strecht Ribeiro.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, seria uma hipocrisia se a oposição sensata não começasse o debate por elogiar a atitude do Governo, personificada no Sr. Ministro das Finanças, pelo que ela revela de ética e dignidade.
O Sr. Ministro das Finanças foi outrora Presidente do Tribunal de Contas, pediu e formulou exigências de modificação do âmbito da jurisdição do Tribunal de Contas e, quando passou a Ministro das Finanças, Ministro que pode ser responsável por actos que esse tribunal fiscaliza, quase que com carácter de urgência, pediu que fossem alargadas as competências de fiscalização sobre os seus próprios actos, que, durante tanto tempo, pediu ao Governo e à Assembleia.

Vozes do CDS-PP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, gostaria de colocar-lhe algumas questões.
Com efeito, as nossas iniciativas, que têm um grau de perfeição variável e que conduzem a consequências diferentes, merecem, segundo penso, e salvo o devido respeito, alguma reflexão que espero venha a verificar-se em sede de especialidade. Desde logo, se esta lei se aplica imediatamente a todas as entidades que estão enumeradas na proposta de lei que o Sr. Ministro acabou de apresentar, pode dizer-se que se cria um tertium genus de entidades ou de sociedades as empresas públicas, as sociedades de capital público e as, sociedades totalmente regidas pelo direito privado, com excepção desta pequena novidade que a proposta de lei e demais iniciativas introduzem.
Ora bem, se tivermos presente o caso previsto na alínea d) do artigo 1.º da proposta de lei que aspira a aplicar-se, sobretudo, às sociedades que estão submetidas a um processo de privatização, a verdade é que, de uma forma retroactiva, se houver apenas, no entender do Sr. Ministro, domínio do conselho fiscal, o Estado, por essa via, faz entrar o Tribunal de Contas nessas sociedades. Perguntar-se-á: mas qual é o mal? O mal, Sr. Ministro. é que os privados que adquiriram acções das empresas privatizadas contavam com a lei das privatizações, com os' estatutos dessas sociedades, mas não propriamente com esta nova competência do Tribunal de Contas. Digamos que o Estado, de uma forma subreptícia, coloca dentro dessas empresas o Tribunal de Contas, mesmo quando detenha uma participação minoritária. Deverá ser assim? Temos todos a certeza de que as coisas se devem passar deste modo?
Em segundo lugar, na alínea h) do mesmo artigo, quando se faz referência às sociedades constituídas nos termos da lei comercial pelo Estado ou outras entidades públicas, não seria de acrescentar-se "enquanto mantiverem essa composição de detenção do capital"'? Isto porque não me parece que a fiscalização do Tribunal de Contas deva acompanhar as vicissitudes, a mudança de titularidade, que porventura ocorra nessas sociedades.
Na alínea c) do mesmo artigo, estão previstas as "sociedades constituídas em conformidade com a lei comercial em que se associem capitais públicos e privados, (...)". Retiro deste preceito que se está a falar de sociedades com estas características no acto de constituição e posteriormente. Porque se o Estado adquire participação majoritária numa sociedade de direito privado, também não me parece razoável que leve para dentro dela o Tribunal de Contas por causa dessa aquisição. Será assim? O Sr. Ministro poderá esclarecer-nos sobre estas questões?
Por último, quais são as consequências de um parecer negativo, altamente crítico, sobre a gestão e eficiência de uma destas empresas?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, como há mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, pergunto se deseja responder já ou no final.

O Sr. Ministro das Finanças: - No final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Antonino Antunes

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente. antes de mais, quero apresentar a V. Ex.ª os meus cumprimentos, bem como cumprimentar o Sr. Ministro das Finanças e todos os Deputados aqui presentes.
Não foi há muito tempo que, aquando da discussão na generalidade da iniciativa legislativa que deu origem à Lei n.º 7/79. pela voz autorizada do Sr. Deputado do PS Guilherme d'Oliveira Martins, aliás secundada pelas bancadas do PCP e do CDS,...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - PP!

O Orador: - Na altura CDS, hoje CDS-PP.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Ah, na altura!

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O Orador: - Como estava a dizer, não foi há muito tempo que, aquando da discussão na generalidade da iniciativa legislativa que deu origem à Lei n.º 7/79, pela voz autorizada do Sr. Deputado do PS Guilherme d'Oliveira Martins, aliás secundada pelas bancadas do PCP e do CDS, se disse nesta Câmara o seguinte: "Verifica-se que, na sequência da aprovação da Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro, sobre a reforma do Tribunal de Contas, o Governo não cuidou, até hoje, de proceder à regulamentação do artigo 59.º da citada lei, o que prejudica seriamente o exercício cabal e completo das funções confiadas a este órgão de soberania. O que está em causa são a estrutura, a natureza e as atribuições dos serviços de apoio ao tribunal, bem como o quadro e o regime do respectivo pessoal, peças fundamentais para que a instituição funcione, e não se compreende o protelamento das decisões que, por não serem adoptadas, conduzem, pela negativa, à existência de entraves concretos e incompreensíveis à acção de fiscalização do Tribunal de Contas".
Sr. Ministro, a proposta de lei hoje em discussão surge, ao que nos parece, apressadamente e a reboque dos projectos de lei sobre a mesma matéria ou matérias afins, apresentados pelo CDS-PP e pelo PCP; aparece tão em cima da hora que nem nos permitiu analisá-la em pormenor. Contudo, porque tivemos o cuidado de a ler, dela retiramos algumas linhas gerais e algumas dúvidas que se nos afiguram dever ser colocadas nesta sede.
Em primeiro lugar, creio que a proposta de lei n.º 4/VII não mostra qualquer preocupação com questões que eram tão caras ao Partido Socialista, como a da fiscalização prévia de todos os contratos de prestação de serviços pelas autarquias locais, a do desafogo dos serviços do Tribunal Constitucional ou a da criação de condições de trabalho dos que lá desempenham as suas funções. Também não nos diz onde vai desencantar as verbas que lhe permitam concretizar essas medidas, sem entrar nos bolsos dos contribuintes!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Através das poupanças!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Está a laborar numa selva de equívocos!

O Orador: - O que nos leva a pensar que, afinal, as Leis n. os 86/89 e 7/94 serviram até este momento e, ainda hoje, não se afigura ao Governo de extrema urgência revogá-las e modificá-las.
Faço esta observação, Sr. Ministro, porque já nos habituámos, ao longo destes três meses, a ver o Governo a revogar, a suspender e a desfazer o que estava feito pelo anterior Executivo, com o único intuito - já denunciado pela minha bancada - de agradar no imediato, trocando o facilitismo por simpatia, atento mais ao período eleitoral que se atravessa do que às reais necessidades da governação.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Gravem isto, por favor! Mostrem isto na TV!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Esta intervenção tem de ficar para a história!

O Sr. José Magalhães (PS): - Para a história com "e"!

O Orador: - Vou já formular a pergunta, Sr. Presidente.
Assim, a menos que V. Ex.ª, Sr. Ministro, nos convença do contrário, parece-me que esta proposta de lei, visando apenas e tão-somente o alargar de competências e traduzindo-se num aumento do esforço e do trabalho do Tribunal de Contas, sem a criação de estruturas de apoio que me parece que ainda não existem, se insere naquela linha de orientação que acabei de referir e que se traduz, afinal, numa medida de sensação, de puro sensacionalismo.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado. Já usou 4,2 minutos, não pode continuar.

O Orador: - Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, faça favor.

O Orador: - O que me parece, Sr. Ministro, é que, na realidade, o Governo não pode levar a cabo essas medidas, porque não criou as estruturas necessárias a que o Tribunal possa efectivamente concretizá-las.
Portanto, Sr. Ministro, parece-me que...

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, gostaria de sublinhar, nesta circunstância, que foi com grande prazer que o ouvimos fundamentar a proposta de lei governamental, porque o fez de forma inteiramente inequívoca, clara e coerente, na sequência do que consta do Programa do Governo e que é uma das grandes lições da década que se encerrou em I de Outubro.
Não mais o isolamento de Portugal em relação a métodos de controlo das despesas públicas que são, hoje, regra comum nos países da União Europeia e em muitos outros países do mundo, não mais o isolamento enformado pela filosofia que acabou agora de ser "re-resumida" pelo Sr. Deputado do PSD, ao invocar o fantasma do sensacionalismo para bradar contra uma proposta que significativamente põe cobro à falta de controlo externo e independente do exercício de funções financeiras que, obviamente, sendo ainda públicas, devem ser objecto de controlo público adequado. É tão-só isto que a proposta governamental quer assegurar, mas isto tem um enorme significado político e institucional e, em nome da minha bancada, gostaria de sublinhar que é aqui e agora que isso vai ser feito e, segundo tudo indica. com uma maioria alargada.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Exactamente da mesma forma que a nossa bancada encara favoravelmente e com abertura as iniciativas de outros partidos no sentido de afinar os controlos, assim sabemos que há uma inclinação geral, da qual, aparentemente, só o PSD se exclui, no sentido de instituir este regime de regresso à normalidade, o que significa que não haverá qualquer concentração de poder, estas medidas vão precisamente na direcção, contrária.
Gostaria de saudar três coisas.
Em primeiro lugar, o facto de a proposta não se ter esquecido de prever uma forma de controlo casuístico, da iniciativa de Deputados. É correcto institucionalmente, é muito positivo e abre mais uma "estrada" pela qual a

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Assembleia da República pode exercer competências que são suas e das quais esteve expropriada indevidamente durante uma década.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Essa correcção é uma reparação institucional ao Parlamento que nos apraz sublinhar e que tem uma enorme importância. Assim saibamos todos exercer com competência essa nova faculdade que nos virá a ser cometida.
Em segundo lugar, gostava de saudar o carácter fortemente inovados do modelo de controlo. O Sr. Ministro, com acuidade que dispensa reforço, explicou a diferença entre o modelo que assentava no julgamento da conta, no julgamento das contas, e o modelo avançado e sofisticado de auditoria, de apreciação de gestão, que envolve uma forma superior e muito mais importante para o Estado de ponderação, de eficiência, de pertinência, da capacidade de verbas públicas fazerem o melhor bem público possível. Transcender esse modelo é uma medida crucial e, por isso, este dia é extraordinariamente importante, do ponto de vista institucional, neste Parlamento, o que é devido, naturalmente, à proposta que agora nos aprestamos a aprovar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por último, a proposta governamental é aquela que apresenta um âmbito de controlo mais vasto em relação ao universo das entidades que serão sujeitas a esta forma de fiscalização. Na nossa opinião, é a forma mais avançada e correcta e, por isso, a saúdo.
Mas deixo-lhe duas questões, Sr. Ministro, a primeira das quais diz respeito à compatibilização destas novas modalidades de controlo com o segredo comercial e industrial. Sei que a proposta governamental contém uma cláusula sobre essa matéria, mas gostaria que ficássemos inteiramente tranquilos quanto à articulação entre as normas sobre segredo comercial e industrial e estas normas de controlo.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que sintetize, Sr. Deputado.

O Orador: - Em segundo lugar, pergunto-lhe o seguinte: quais as medidas que serão necessárias, do ponto de vista organizativo e financeiro, ao nível da orgânica e do funcionamento do Tribunal de Contas, para dar cabal e pleno cumprimento a estas medidas de reforço de controlo?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, a questão que quero colocar-lhe é simples, mas parece-me importante que seja esclarecida.
No fundo e em síntese, o que se procura é a submissão à fiscalização do Tribunal de Contas do sector público empresarial e das empresas sustentadas com dinheiros públicos. Apesar de tudo, parece-me relevante considerar a questão das fundações, porque as fundações públicas e o entendimento parece-me absolutamente inequívoco são-no através do conceito de ente público e já foram fiscalizadas no passado. Mas as fundações de direito privado, com dotações maioritariamente privadas, desde o seu início, não me parece que estejam contempladas no diploma, pelo menos não me apercebi disso. Por outro lado, o facto de se dizer que as fundações de direito privado, que têm subvenções, são fiscalizáveis pela via da subvenção, não esconde a possibilidade de haver fundações que, inicialmente, tenham uma dotação essencialmente pública. Ora, isso pode deixar escapar, a um controlo que se quer democrático, sociedades sob forma não comercial que, provavelmente, também devem ser sujeitas a esse controlo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, em primeiro lugar, quero agradecer as palavras proferidas por vários Srs. Deputados relativamente a esta iniciativa do Governo.
Permita-me que passe a responder permitam-me que primeiro, por razões de brevidade e para tentar cobrir tudo o que foi perguntado, àquilo que considero questões de generalidade e depois às questões de especialidade.
Uma grande questão de generalidade: em que medida é que o Tribunal de Contas, tal como existe hoje, pode ou não dar execução a esta lei ou a uma lei que resulte das várias iniciativas que estão pendentes? Penso que pode, mas, naturalmente, precisa de desenvolver aptidões que já detém. É evidente que esta lei aponta para um caminho que, depois, precisa de outros passos, mas abre em Portugal, de uma forma inovadora - inovadora porque estamos atrasados nestas coisas, dado que não é inovadora no mundo -, um caminho que, em alguns aspectos, eu diria que nos colocava numa situação vergonhosa como a da falta de controlo independente dos dinheiros públicos em sectores empresariais, às vezes falsamente empresariais, pois, em alguns casos, há empresas de capitais públicos que exercem actividades fundamentalmente administrativas e foram constituídas para escapar ao controlo, para realizar, por exemplo, projectos de investimento inteiramente públicos sem qualquer controlo.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Sr. José Magalhães (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - E, nesses casos, existe aquilo a que o meu colega de faculdade e bom amigo Professor Jorge Miranda chamou "situações de evasão ao controlo financeiro em fraude à Constituição".

Aplausos do PS.

Tivemos muito disso, é bom que deixemos de ter e permito-me o risco de incorrer em auto-elogio para dizer que neste debate, em alguns momentos, pensei que, no fundo, o Governo estava na oposição e talvez alguma bancada da oposição ainda estivesse no governo.

Risos do PS.

De facto, ouvimos aqui propor que o Governo seja controlado e fiscalizado, que os poderes do Governo, por amor à Constituição, à democracia e à legalidade na administração e gestão dos dinheiros públicos, sejam reduzidos e responsabilizados.
Mas, sendo isto assim, é evidente que este caminho, se o Parlamento votar propostas do tipo das que estão na Mesa, não só a nossa mas também outras a que me referi

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e que vão no mesmo sentido, fará ingressar Portugal, verdadeiramente, em termos de fiscalização financeira, na democracia do final do século XX, em que queremos estar em todos os domínios, mas, neste campo, não estávamos. É evidente que é necessário dar novos passos, passos, esses, que têm diversos sentidos mas cujo sentido essencial é o de limitar uma fiscalização prévia que, nos últimos anos, ao contrário da opinião da instituição Tribunal de Contas, foi, por vezes, agravada até ao limite da exaustão e da minudência absolutamente insignificante. A Lei n.º 9/74, por exemplo, estendeu a fiscalização prévia a todos os actos de contratação de pessoal das autarquias locais, o que é absurdo. Aliás, as autarquias queixam-se disso permanentemente e com razão.

Aplausos do PS.

A fiscalização prévia das insignificâncias é um caso de aparente aumento dos poderes de controlo para, na realidade, levar o Tribunal de Contas a desgastar-se com aquilo que não presta e a não fiscalizar aquilo que presta em termos financeiros e, ao mesmo tempo, limita poderes de controlo relativamente ao que é verdadeiramente importante.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Na verdade, que uma autarquia local contrate um guarda de convento por dois meses pode até ser ou não regular, mas não tem dignidade que justifique uma tramitação hiperburocratizada, com um órgão central localizado em Lisboa, que tem, como teve no ano passado, 105 000 processos de visto para analisar durante um ano. O que é grave é que se façam investimentos públicos de 40 milhões de contos, sem nenhuma possibilidade de controlo por parte de um órgão independente.

Aplausos do PS.

Ora, é este o sentido de ruptura e de mudança desta proposta e, para isso, não tenho dúvidas de que a instituição está preparada, até porque, em termos gerais, no contexto do mundo e da Europa em que estamos, o que a proposta contém é uma banalidade, não é nada que não esteja mais do que estudado e praticado. É evidente que a instituição precisa de ser dotada de recursos mais amplos e de afectar alguns dos que já tem ao tipo de fiscalização que vale a pena e, por isso, intercedo junto do Parlamento para que a alivie daquela que não vale a pena.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Fundamentalmente, a proposta de lei vai no sentido de que, de facto, uma instituição como o Tribunal de Contas ou outra qualquer não pode ser sobrecarregada excessivamente, deve ser dotada pelo legislador, em execução da Constituição, de tarefas adequadas às suas forças e de acordo com prioridades que se prendem com o funcionamento do Estado de direito democrático. E, em nosso entender, esta proposta, como as outras que também estão pendentes nesta Câmara, vai precisamente no sentido das prioridades correctas e não de sobrecarregar o Tribunal com o controlo de minudências, para evitar que controle as coisas importantes.
Sublinho que, neste sentido e em termos de generalidade, o disposto, salvo erro, no artigo 6.º da proposta de lei, respeitando o segredo industrial e comercial, representa uma garantia fundamental da actividade empresarial.
A actividade do Tribunal de Contas, até por imposição constitucional e legal, é essencialmente pública, mas, como já disse, em relação à Administração Pública, pode acontecer que o exercício se verifique só em matérias que sejam de segredo público qualificado. Em relação às empresas, não estando em causa um segredo qualificado, pode haver segredo industrial ou comercial que deva ser tutelado. Essa é uma das razões pelas quais, se não houvesse uma disposição expressa, poderia, eventualmente, uma disposição deste tipo introduzir incertezas, colocar em desvantagem as empresas do sector empresarial do Estado ou até, na medida em que ela se dirige para a associação do Estado a entidades privadas, nacionais ou estrangeiras, criar alguma insegurança. Assim, não cria. E, se, porventura, alguém pretender agitar esse fantasma, eu recordaria que a generalidade dos países cujos capitais investem em Portugal são países onde há este tipo de controlo em empresas de capital público, pelo que há muito tempo estão habituados a isso. Se alguma entidade investidora estrangeira coloca, nesse aspecto, algum argumento fantasmagórico, então, é porque considera que Portugal seria uma espécie de país do Terceiro Mundo, embora, mesmo hoje, a maior parte desses países já prevejam o controlo das empresas públicas por órgãos independentes, do tipo do Tribunal de Contas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, sublinharia que não introduzimos nesta proposta - só por alguma timidez, se me é permitida a expressão, técnica - um regime relativo às fundações de direito privado. De facto, como o Sr. Deputado Strecht Ribeiro disse há pouco, muitas fundações de direito privado têm avultadas dotações iniciais e, às vezes, avultadas subvenções correntes anuais públicas. 6u diria que o controlo das subvenções é possível, já nos termos da Lei n.º 86/89, artigos 10.º, alíneas J) e g), 16.º e 17.º, como controlo de subvenções mesmo na sua utilização. Porém, isso pode não ser suficiente, não é mesmo suficiente, estou de acordo, mas nós não encontrámos uma fórmula. Contudo, pensamos que será necessário, não quanto às fundações públicas que, como institutos públicos, estão sujeitas à prestação de contas, mas quanto às fundações privadas com dotações iniciais ou importantes contribuições públicas, que se institua alguma forma de controlo. Por conseguinte, se o Parlamento encontrar boas fórmulas nesse domínio, tanto melhor, o trabalho e o sentido da legislação que propomos aponta para aí, portanto será um aperfeiçoamento.
Por outro lado ainda, sublinho que esta não é uma iniciativa nem apressada nem a reboque.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Independentemente de argumentos de carácter pessoal que poderia invocar, trata-se de uma matéria que está esgotantemente estudada pelo Tribunal de Contas português e esgotantemente estudada em termos de direito comparado. Por conseguinte, o facto de ela ter surgido depois de projectos parlamentares - sem nenhuma intenção de estarmos a fazer uma corrida para ver quem chega antes ou quem chega depois - resultou de o Governo a ter colocado como primeira prioridade mas, naturalmente, tendo procedido a uma discussão interna e a um estudo com a Administração Pública, desde o início do seu mandato. Não é uma iniciativa apressada, nem a reboque;

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é, pelo contrário, uma iniciativa estudada e que, para este Governo, não peca por tardia, mas para o País, sim, peca por ser muito tardia, infelizmente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Terminou o tempo; Sr. Ministro. Agradecia que abreviasse.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Quanto a pontos de especialidade, particularmente aqueles que foram colocados pelo Sr. Deputado António Lobo Xavier, diria que me parece que, no caso da alínea c) do artigo 1. º da proposta de lei, se trata de uma questão de interpretação. Naturalmente que, enquanto mantiverem a composição, estarão sujeitas ao controlo mas, a partir do momento em que a composição se modifique, deixam de o estar.
O meu entendimento da proposta de alínea b) do mesmo artigo é o de que ela se aplicará quer a uma situação de economia mista inicial quer a uma situação de economia mista superveniente, desde que estável, mas, naturalmente, há mil maneiras de redigir e até há mil maneiras, do ponto de vista técnico, de definir qual é a fronteira. Não há aqui nenhuma questão essencial, há questões muito importantes de delimitação rigorosa do regime legal, mas em que o bom senso e o saber jurídico permitirão encontrar soluções positivas. Dei a minha interpretação, mas pode haver outras.
Quanto às sociedades em privatização, penso que há dois interesses contraditórios: um, é o interesse público, que poderá levar a que, eventualmente, os processos de privatização que já estavam imperfeitamente sujeitos a controlo no âmbito dos poderes do Tribunal de Contas sejam considerados como interesse prevalente; outro, o que leve a que a sujeição das sociedades à fiscalização seja considerada como um regime só para o futuro e, por conseguinte, prevalente sobre o interesse público de fiscalização da privatização. Diria que o legislador, se entender tomar posição sobre isso, pode optar por um dos dois interesses; se nada fizer, eu tenderia a pensar que, na lógica deste regime, pelo menos tal como ele foi concebido pelo Governo, não haveria propriamente um direito a não ser fiscalizado e, portanto, a lei seria de aplicação imediata, mesmo às empresas que se encontrassem nestas fases de privatização. Mas, se se entender o contrário, o legislador poderá, naturalmente, dispô-lo.
Finalmente, uma última questão: quais as consequência do parecer negativo? Penso que isso é muito importante e, também aqui, encontramos uma diferença fundamental entre a auditoria para que se inclina a proposta do Governo e o tradicional julgamento de contas, típico da Administração Pública. É que, de facto, a haver julgamento de contas, o tribunal poderia aplicar sanções, efectivar a responsabilidade financeira, pelo menos; a haver mero relatório de auditoria, todas as acções consequentes da responsabilidade civil - da financeira, não haveria, visto que é exclusivo do Tribunal de Contas de aplicação de, eventualmente, sanções e, evidentemente, acções decorrentes de matéria criminal, que sempre seriam da competência dos tribunais comuns, seriam desencadeadas pelo Ministério Público ou pela iniciativa da entidade administrativa da magistratura do Ministério Público e, depois, por decisão da entidade competente quer administrativa quer jurisdicional. Mas o parecer negativo - e isso é que é importante em ternos de auditoria - tem um duplo significado: num deles a auditoria externa pode concorrer com os auditores de empresa, internos ou externos, que já existem, que é o de funcionar para os accionistas e para a gestão como um indicador daquilo que está mal, portanto um convite à correcção dos erros de gestão. Simplesmente, como sabemos, os auditores contratados pela Administração são, naturalmente, auxiliares da Administração. não têm independência em relação a ela; e no caso do accionista Estado, como no das entidades públicas, esse accionista, verdadeiramente, em quem pode confiar é no seu auditor permanente e independente, que é o Tribunal de Contas ou a Auditoria Geral.
Por outro lado, e para concluir, há uma outra sanção, porventura mais importante, e que é típica do Estado de direito democrático e da garantia da legalidade financeira: é a sanção da censura pública - o relatório da auditoria publicado, tal como um acórdão de julgamento negativo, tem um significado de censura pública que pode ter consequências políticas. Por isso, aqui se prevê que o relatório anual do Tribunal de Contas, que é entregue ao Parlamento, como ao Governo, mencione estes casos pára que o Parlamento ou o Governo lhes dêem seguimento. Por outro lado, a opinião pública, também em termos democráticos, é um elemento relevante.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Informo o Sr. Ministro das Finanças que beneficiou de 5 minutos, que lhe foram concedidos pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Srs. Deputados, vamos proceder agora às votações previstas na ordem de trabalho de hoje.
Como sabem, temos para votar quatro projectos de leis com afinidades temáticas, sendo o primeiro o projecto de lei n.º 28/VII - Sobre o regime de competência e meios Financeiros das freguesias com vista à sua dignificação e fortalecimento (PCP).
Vamos proceder à respectiva votação, na generalidade.

Submetido à votação, foi aprovado, com os votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Este projecto de lei baixa à 4.ª Comissão.
Vamos agora passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 42/VII - Atribuições, e competências das freguesias (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com os votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Vamos proceder à votação, também na generalidade, do projecto de lei n.º 31/VII - Garante a membros das juntas de freguesia, em certos casos e condições, o exercício do mandato em regime de permanência, com vista ao reforço dos meios de actuação dos órgãos da freguesia (PCP).

Submetido à votação, ,foi aprovado, com os votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP.

Por fim, vamos votar, igualmente na generalidade, o projecto de lei n.º 4l/VII - Sobre o regime aplicável ao exercício do mandato dos membros das juntas de freguesia (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com os votos a favor do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PSD.

Srs. Deputados, temos agora para votação três pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,

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Liberdades e Garantias no sentido de autorizar Srs. Deputados a deporem como testemunhas.
Primeiro, de acordo com o solicitado pelo 2.º Juízo Criminal de Paredes, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Nuno Abecasis (CDS-PP) a depor, como testemunha de defesa, em audiência de julgamento, em que é arguido Jorge Maria Fontoura de Queirós Malheiro.
Vamos proceder à respectiva votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Segundo, de acordo com o solicitado pelo 3.º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Nuno Abecasis (CDS-PP) a depor, como testemunha, no processo em que são arguidos António Alexandre Lopes Gonçalves Melo e José António Paula Saraiva.
Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Terceiro, de acordo com o solicitado pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, a comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Álvaro Amaro (PSD) a depor no julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, de Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva, José Alexandre Duarte Parreira, Carlos Alberto Fernandes Dias, Bento Joaquim Alves Ivo, Mário Rui Lopes, Armindo Manuel Fernandes Martins e Público, Comunicação Social - S.A.
Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, quero fazer um aviso: os grupos parlamentares puseram-se todos de acordo no sentido de que, no fim do debate que estamos a realizar, se proceda de imediato à votação dos respectivos diplomas. Portanto, peço aos Srs. Deputados para não se ausentarem da Assembleia e, se possível, do Plenário para podermos, na altura, proceder com êxito a essa votação.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, queria registar um progresso: pela primeira vez, desde que estou na Assembleia da República, em relação aos pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, vejo os processos serem precedidos da identificação dos envolvidos. Isto parece-me um passo muito proveitoso no sentido de algo que me preocupa, que é o facto de que a recusa da prestação de depoimento seja fundamentada e que o público possa ter acesso a ela.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Assim continuará a ser, Sr. Deputado.
Insisto no meu pedido aos Srs. Deputados para que não se ausentem da Assembleia para que possamos, no final dos trabalhos, proceder à votação dos diplomas em discussão.
Para fazer a apresentação do projecto de lei n.º 5/VII, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: Julgo que a ausência do Sr. Ministro das Finanças nesta parte do debate não terá qualquer significado especial, mas esperemos que o Governo, se assim o entender, possa dar alguma explicação, porque de outra forma seria pouco...

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado quer dar alguma explicação?

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Já contactei telefonicamente as bancadas do PSD, do PP e do PS e só não tive oportunidade de o fazer atempadamente com a bancada do PCP, mas a explicação para a ausência do Sr. Ministro das Finanças nada tem a ver com o decurso do debate. O Sr. Ministro pede desculpa, mas tinha um compromisso inadiável para esta hora, pois não contava que o debate se prolongasse por tanto tempo. Assim, o Governo ficará modestamente representado pela minha pessoa.
É esta a explicação, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Secretário de Estado.
Queira continuar, Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: O edifício da opacidade na aplicação dos dinheiros públicos, da sistemática desorçamentação de encargos públicos e da fuga às mais elementares exigências da fiscalização jurisdicional e política da legalidade e da eficiência económica das despesas públicas, meticulosamente construído pelo PSD ao longo dos últimos 10 anos, começa hoje a sofrer a sua primeira mas importante derrocada. Isto porque os projectos de lei e a proposta de lei hoje em discussão convergem substantivamente naquilo que é essencial: a sujeição ao controlo e fiscalização financeira do Tribunal de Contas de entidades que, independentemente da sua forma jurídica, fazem uso de dinheiros públicos.
Desde sempre, e em particular na elaboração e debate da Lei n.º 86/89, da Reforma do Tribunal de Contas, o PCP tem defendido que nada justifica que empresas ou outras entidades do foro público, que movimentam dinheiros públicos, fiquem à margem da jurisdição do Tribunal de Contas.
Por isso, desde a apresentação do seu projecto de lei n.º 218/V, em Abril de 1988, o PCP vem propondo a integração nas competências do Tribunal de Contas da apreciação da gestão das empresas públicas e daquelas em que o Estado ou outras pessoas colectivas de direito público detenham participação no capital social. Do mesmo modo que, e de um modo mais geral, tem pugnado pela sujeição ao controlo do Tribunal de Contas das várias entidades públicas criadas sob forma privada mas que vivem exclusivamente com bens e dinheiros públicos.
A verdade, porém, é que, durante 10 anos, os governos e as maiorias parlamentares do PSD sempre se opuseram a estes princípios básicos da transparência e da legalidade.
Mais do que isso: ao longo deste período, assistimos, aos ataques governamentais ao Tribunal de Contas - também ele considerado como uma importante força de blo-

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queio aos desmandos do cavaquismo -, à diversificação das formas de movimentação de dinheiros nacionais e comunitários sem transparência, sem a exigível contabilização orçamental e com resultados negativos que contribuíram para degradar a imagem do Estado e delapidar avultados recursos públicos. Do mesmo modo que assistimos, simultaneamente, à multiplicação de entidades criadas sob a forma privada com o objectivo exclusivo de promover a desorçamentação de despesas e a fuga à fiscalização do Tribunal de Contas. O Centro Cultural de Belém, a Fundação das Descobertas, a Fundação do Teatro S. Carlos ou a Expo 98 são, apenas, alguns dos exemplos destas práticas do dia a dia da governação "laranja".

O Sr. João Amaral (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - "Desorçamentação que fez fugir aos mecanismos de controlo financeiro a gestão de massas crescentes de dinheiros públicos pondo em causa a democracia financeira nos seus princípios fundamentais e orgânicos, substituindo-a pela administrativização dos dinheiros públicos desorçamentados. E que traduziu, em graus diferentes, a exclusão do âmbito do Orçamento, a exclusão ou limitação do controlo político parlamentar, a exclusão ou limitação do controlo jurisdicional do Tribunal de Contas e a exclusão ou limitação da responsabilidade financeira relativamente a esses dinheiros públicos".
É esta situação inaceitável, é esta herança da governação do PSD que hoje, e finalmente, está definitivamente posta em causa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não me restam dúvidas de que o PSD ainda vai "estrebuchar", tentando defender o que defensável nunca foi. E não será necessário ser vidente para adivinhar que a sua argumentação se fundamentará nos alegados perigos de burocratização da gestão empresarial de entidades públicas, particularmente das empresas públicas.
Mas não se trata disso. Não se procure inventar fantasmas, porque eles não existem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Neste âmbito, o que está em causa é a sujeição das empresas públicas à fiscalização sucessiva, e só a esta, do Tribunal de Contas. O que deve ficar reservado ao Tribunal de Contas é "uma função de verificação do cumprimento do dever de boa gestão na actividade empresarial pública, ou seja, uma função de controlo do mérito da gestão financeira das empresas integradas no sector empresarial do Estado e sujeitas à sua jurisdição, nos limites em que o juízo do mérito se integra no juízo da legalidade". Isto é, "as finalidades que devem ser assumidas peio Tribunal de Contas em matéria de fiscalização financeira é o da formulação de um juízo de legalidade acerca do cumprimento do dever de boa gestão na gestão financeira das empresas públicas, sociedades de capitais públicos e sociedades de economia mista sujeitas à fiscalização do Tribunal". À semelhança,. aliás, como já aqui foi referido, do que sucede na generalidade dos países em que o Tribunal de Contas ou instituição semelhante existe e, em particular, na generalidade dos países da União Europeia.
O que está em causa, de facto, e sem sofismas, é a fiscalização da utilização dos dinheiros e bens públicos, qualquer que seja a forma jurídica usada pelo Estado ou por outros entes públicos para proceder a essa utilização.
É evidente que as competências do Tribunal de Contas em relação às empresa públicas deverão reflectir-se necessária e directamente na possibilidade de fiscalização dos processos de privatização e de alienação de partes sociais. Não mais o Tribunal de Contas se confrontará com a recusa arrogante de um qualquer secretário de Estado no fornecimento de quaisquer elementos relativos ao privatizações. Fundamentalmente será uma forma de se introduzir alguma transparência nesse processo que até agora tem sido totalmente obscuro.
Para além destas matérias, o projecto de lei do PCP visa ainda anular as alterações introduzidas pela maioria do PSD, através da Lei n.º 7/94, e que distorceram e introduziram sérios entorses à independência e aos critérios de controlo financeiro do Tribunal.
Entre as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/94 salientam-se, do nosso ponto de vista, como mais gravosas: a diminuição da dignidade e da força das decisões do Tribunal, impondo restrições à publicidade de acórdãos; a diminuição para valores irrisórios das multas por infracções e violações à lei, assim ficando beneficiados aqueles que, de uma forma fraudulenta, utilizam dolosamente os dinheiros públicos; a proibição de o presidente ser relator de processos, o que significou uma medida com destinatário pessoal, o então presidente do Tribunal, que tinha, entre outros, subscrito o acórdão sobre o Centro Cultural de Belém e penalizando ainda as autarquias impondo-lhes, absurdamente, a obrigatoriedade de que todos os contratos individuais para o exercício de funções ou prestação de serviços, independentemente do seu valor, fossem submetidos a fiscalização prévia. Por isso, propomos que estas autênticas aberrações sejam extirpadas da lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Questões há que, em sede de especialidade terão, ainda, de ser discutidas com a profundidade necessária no sentido da busca de consensos que se nos não afiguram difíceis.
De entre essas questões, apenas duas gostaria de, desde já, evidenciar.
A primeira tem a ver com o facto de, diversamente da via seguida pelo projecto de lei do PCP, a proposta de lei do Governo visar a aprovação de uma lei autónoma, não integrada na "lei do Tribunal de Contas". Sendo uma via possível, não nos parece, no entanto, que seja a mais adequada pois julgamos preterível que o conteúdo substantivo do que vier a ser aprovado a final seja integrado na Lei de Bases do Tribunal Constitucional - cuja revisão global reputamos de urgente -, de forma a evitar a desnecessária dispersão das competências do Tribunal por uma multiplicidade de diplomas.
A segunda reside no facto de nos parecer mais adequado, como o projecto de lei do PCP propõe, que desde já se legisle no sentido de igualmente ficarem sujeitas ao controlo do Tribunal de Contas as fundações de direito privado que tenham uma dotação inicial que resulte, total ou parcialmente, da afectação de dinheiros ou valores públicos e ainda as que tenham dirigentes maioritariamente designados por entidades públicas. Não basta apenas a possibilidade de se analisar a aplicação dos fundos inicialmente investidos na fundação, é necessário também, porque ela gere e aplica capitais públicos, que sejam objecto da fiscalização permanente por parte do Tribunal de Contas. Aliás, não vemos razões ponderosas para que a sujeição destas entidades ao controlo do Tribunal não se faça desde já, à semelhança do que sucede com as empresas de capitais total ou parcialmente públicos.

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Mas, como referi inicialmente, os dois projectos de lei e a proposta de lei em apreço coincidem, no seu objecto essencial, com uma maior transparência das contas e dinheiros públicos e com um controlo da sua legalidade e eficiência económica.
Por isso, a posição do PCP, dentro do princípio da reciprocidade, seja a de contribuir activamente para a aprovação, na generalidade, dos três projectos de diploma.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Antonino Antunes.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Antonino Antunes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, numa análise sumária desta iniciativa legislativa, vou debruçar-me apenas, ainda que perfunctoriamente, sobre a alteração do artigo 48.º da Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro.
Não há dúvida de que, no essencial, esta iniciativa se destina a revogar, em parte, as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/94 à Lei n.º 86/89 e faria uma pequena referência, que me parece de somenos importância - esta, sim, estou convencido de que será sanada em sede de discussão na especialidade -, à omissão da referência, no n.º 3, à situação económica do infractor. Penso tratar-se de um referencial de equilíbrio e de equidade e embora, provavelmente, esta seja matéria a discutir em sede de especialidade, penso que não será demais alertar, desde já, para esta situação, porquanto, como disse, se me afigura que ela atribui um referencial de equilíbrio e de equidade.
Agora, o que mais me preocupa - e estou com uma certa curiosidade em saber se se trata de um esquecimento, se de uma intenção - é a eliminação da punição da negligência. A Lei n.º 7/94 introduziu, na alteração à Lei n.º 86/89, a punição por negligência e, na preocupação, tão somente, de revogar aquilo que essa lei introduziu, o PCP propõe-se eliminá-la. Ora, estou convencido de que tal irá contra o espírito que preside a esta iniciativa, pois todos sabemos que, na prática, é muitas vezes difícil - os juristas sabem perfeitamente que isto assim acontece - a prova da punição por dolo. Parece-me, portanto, que essa eliminação, isentando a. punição por negligência, conduz, no fundo, à generalização da impunidade, que é um prémio à incompetência e à mediocridade e afigura-se-me que será atribuir um presente de mão beijada aos artistas da opacidade e aos mais hábeis na fraude.
Assim, a minha pergunta é esta: a eliminação dessa referência à punição por negligência é intencional ou não?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Antonino Antunes, julgo que se há algum grupo parlamentar que alguma vez tentou beneficiar os infractores e, mais do que isso, isentá-los e incentivá-los foi o Grupo Parlamentar do PSD. Foi o PSD que introduziu todas as alterações na lei que evitaram, impediram ou limitaram a intervenção no caso do Tribunal de Contas e que limitaram e impediram muitas vezes, em sequência, a própria análise e juízo político por parte da Assembleia da República. Foi o PSD e os seus governos que tentaram criar, e criaram, figuras fictícias, pura e simplesmente para não serem objecto de fiscalização pelo Tribunal de Contas e não serem objecto, em termos dos recursos para aí canalizados, de debate no Orçamento do Estado. Por conseguinte, sobre essa questão, julgo que estamos conversados, Sr. Deputado Antonino Antunes!
Quanto às questões que levanta, devo dizer-lhe que não há nenhuma intenção por parte do PCP de isentar quem quer que seja. O que, numa expressão que há pouco me pareceu que o Sr. Ministro das Finanças iria utilizar, mas não chegou a fazê-lo, não pretendemos e não queremos, e por isso propomos a revogação de várias das normas, não todas - todas as que foram introduzidas na Lei n.º 7/94 devem ser revogadas, mas dentro do projecto mais amplo que referi de reanálise global da alteração da Lei de Bases do Tribunal de Contas -, é que o Tribunal de Contas se ponha a "caçar as pulgas e deixe passar os elefantes". Essa é que é a questão e é essa a filosofia que o PSD não quer aceitar. Propomos serem desde já revogadas as que nos parecem mais gritantes, reconstituindo a situação que existia e que o PSD alterou, porque considerava que era excessivo para os poderes do Tribunal de Contas. Nesse sentido, Sr. Deputado, posso afirmar e garantir que não pretendemos isentar ninguém.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma nova intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As iniciativas que hoje se discutem no Plenário são conhecidas e é sabido que apontam fundamentalmente para o mesmo resultado. No entanto, suscitam sentimentos ambíguos. Não há dúvida de que o conteúdo geral de todas elas se orienta para um objectivo a todos os títulos louvável, porquanto se trata de aperfeiçoar os mecanismos de controlo e fiscalização externa da utilização de recursos públicos, descendo-se mais um degrau em matéria de competência ou de jurisdição do Tribunal de Contas. De facto, num tempo em que se fala tanto de crise da democracia representativa - e de crise do Parlamento -, todos os esforços de aperfeiçoamento dos sistemas de controlo e fiscalização do Executivo redundam em aprofundamento dessa democracia e desse Parlamento, porquanto as funções que este exerce hoje no domínio das finanças públicas não são separáveis das funções do mesmo Tribunal de Contas. Regozijo-me, pois, por um lado.
Mas logo qualquer observador interessado pela vida política portuguesa necessariamente se questionará sobre o atraso objectivo de que enfermam estas medidas e a explicação que se lhe pode fornecer é, sem dúvida, infeliz. Não tenho nos meus planos - nem, por certo, o meu Grupo Parlamentar - passar a VII Legislatura a verberar os erros da VI Legislatura. A verdade, no entanto, é que se tivesse que eleger um só aspecto que caracterizasse tudo quanto de negativo aqui se fez nos últimos quatro anos, em prejuízo do sistema político e da democracia - quando não contra a própria Constituição! -,escolheria claramente a legislação que se reportou ao Tribunal de Contas, que a maioria aprovou.
De facto, por um lado, em traços gerais, as medidas que hoje discutimos foram aqui propostas pela então oposição e foram igualmente aqui rejeitadas por uma maioria surda, que preferiu, sobre o tema, fazer chicana política, sem nunca esgrimir qualquer argumento válido de natureza técnica ou sequer decorrente do bom senso. Por outro lado, não

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hesito em afirmar que todas as normas que, sobre o Tribunal de Contas, puderam ser aprovadas então representaram um profundo retrocesso na dignidade e importância deste Tribunal, um atentado contra a modernização da função financeira do Estado e mesmo uma entorse grave ao interesse público. Lembro a recusa de alargamento da jurisdição do Tribunal de Contas, mas lembro igualmente a limitação forçada da publicidade das suas decisões, o impedimento do seu Presidente como relator, a sonegação de informações e a recusa sistemática dos meios necessários para o aumento da eficácia e da capacidade técnica do controlo da utilização dos recursos públicos.
Repito: contra iniciativas semelhantes a estas, nunca aqui foi apresentado um argumento técnico. E que argumentos poderiam brandir-se, num Estado de direito civilizado, europeu, contra o princípio de que o Tribunal de Contas deve não só controlar os gastos públicos com tradução orçamental mas igualmente toda a utilização de recursos públicos que escapa ao Orçamento do Estado?

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em desespero, alguém poderia lembrar o valor da flexibilidade da intervenção pública, que cada vez mais é exigida pela vida económica e social moderna, como sabemos, pouco compatível com burocracias nu com os rituais clássicos da democracia e do Parlamento. Sucede, porém, que o alargamento da jurisdição do Tribunal de Contas nada tem de clássico, ou de burocrático, e muito menos contende com a feição actual das técnicas de intervenção da Administração Pública. É bem ao contrário, como já aqui afirmei, noutra circunstância: são a criatividade e a imaginação dos novos instrumentos de intervenção que caracterizam o sistema financeiro moderno, é o intervencionismo económico, social e fiscal - involuntariamente, quando calha, gerador dos escândalos, da corrupção e do desperdício - que tornou desadequados os meios clássicos de controlo da utilização de fundos públicos, que alguns persistem em manter.
Hoje, com efeito, o controlo que o Parlamento exerce sobre a legalidade financeira e sobre a própria eficiência do gasto público é cada vez menos significativo, escapa-se-nos das mãos, pela própria natureza das coisas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando se pretende reforçar o princípio de que o âmbito da jurisdição do Tribunal de Contas coincide com o da utilização de dinheiros públicos é o próprio Parlamento que está em causa, porque a degradação do controlo do sistema financeiro público coincidirá fatalmente com a do próprio Parlamento.
Confesso que, para um liberal, habituado ao compromisso, neste sentido, são raros os casos como este, em que não existe terceira escolha: quem se opuser ao reforço das competências e atribuições do Tribunal de Contas está fatalmente a opor-se ao aperfeiçoamento do Estado de direito e da democracia.

O Sr. João Carlos Silva (PS): - Muito bem!

O Orador: - Outros têm afirmado que a privatização dos instrumentos da administração económica - as sociedades de capitais públicos e as de economia mista -,que utilizam um volume cada vez maior de recursos, assegura suficientemente o controlo e a fiscalização, pois sujeita-se às regras próprias do sector privado. Pura ilusão: as assembleias gerais, os conselhos fiscais, os auditores internos e externos, ao cumprirem a missão que o direito privado e, às vezes, o direito público lhes assinala; estão longe de poderem, simultaneamente, esgotar as virtualidades da função constitucional de controlo da utilização dos dinheiros públicos.
De facto, enquanto uns apreciam as contas das empresas apenas segundo o critério da verdade - o da correspondência entre as contas e a verdadeira situação patrimonial -,espera-se que o Tribunal e Contas formule um juízo sobre a eficiência e a regularidade da utilização de recursos públicos, coisa que os primeiros não estão, seguramente, habilitados a realizar.
Do nosso ponto de vista, todas as iniciativas encerram virtualidades: o nosso projecto de lei - conscientes que estamos de que a reforma do Tribunal de Contas não se esgota com as medidas que sugerirmos - representa sobretudo um símbolo dos novos tempos, e por isso o recuperámos, praticamente sem alterações. O projecto de lei do PCP propõe a eliminação de todas as distorções introduzidas pela Lei n.º 7194. A proposta de lei do Governo, finalmente, inova sobretudo no capítulo do controlo dos processos de privatização.
Note-se, no entanto, que todas estas iniciativas carecem de aperfeiçoamentos reflectidos, tal como vamos vendo ao longo do debate, que podem ser introduzidos num cuidadoso trabalho, em sede de especialidade. Pela nossa parte, estamos dispostos a que nessa sede se faça uma fusão completa destas iniciativas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Barreto.

O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que inicie esta minha intervenção com uma saudação muito especial ao Sr. Presidente da Assembleia da República, Dr. António de Almeida Santos, visto ser esta a primeira vez que uso da palavra neste hemiciclo, sob a sua presidência. Ligam-nos laços de amizade, desde há muito, conheço as suas qualidades pessoais e profissionais, vivi a sua passagem quer pelo Executivo, onde fomos colegas, quer depois por esta Assembleia da República. É para mim um motivo de prazer estar numa Assembleia presidida por V. Ex.ª. É evidente, compreenderá, que essa minha satisfação é atenuada pelo facto de não ver nessa cadeira um colega meu, após as eleições de 1 de Outubro passado, mas, as eleições deram a vitória ao Partido Socialista, e é um facto que não podemos de maneira alguma recusar. De qualquer modo, as minhas saudações sinceras.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. A amizade e a admiração são retribuídas. Quanto ao resto, tem de resignar-se, como calcula.

Risos.

O Orador: - Em relação aos diplomas em discussão, gostaria de tornar bem claro que pensamos - o PSD e eu, pessoalmente - que tudo o que venha, na realidade, melhorar o sistema de fiscalização da utilização de capitais públicos é bem-vindo e deve ser aprovado.
No entanto, não partilhamos a opinião de que as propostas em discussão possam, na realidade, contribuir para melhorar os sistemas de controlo neste momento em vigor. Mais: inclusive, condenarmos o facto de em toda a discussão se querer dar a ideia de que até este momento,

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e passados estes anos todos, não houve qualquer controlo efectivo sobre os dinheiros públicos. Em nossa opinião, isso não é verdade, como tentarei, em seguida, demonstrar.
Quando falamos em controlo das contas públicas, gostaria de distinguir duas situações.
Há empresas que, embora sejam de capitais públicos, fazem investimentos públicos - tal como o Centro Cultural de Belém e a Expo 98 - e em relação às quais, admito, o tratamento proposto não vem prejudicar.
Mas, referindo-me ao chamado sector empresarial do Estado, às empresas onde o Estado tem participação, a 100% ou parcialmente, quase todas elas estão em vias de privatização, têm accionistas e investidores diferentes do próprio Estado, muitas delas estão cotadas no Bolsa de Valores e, portanto, têm todo um conjunto de condicionantes que não podemos, de maneira alguma, esquecer, ao prever um sistema de fiscalização diferente.
Hoje, a fiscalização deste tipo de empresas é um processo de uma elevadíssima complexidade, pelo que partir do princípio de que uma simples análise de contas ou uma simples apreciação da eficiência das empresas pode fazer-se por uma instituição que não seja altamente especializada nessa matéria é verdadeiramente não conhecer o que é a vida empresarial.
A globalização da economia, a internacionalização das empresas, a livre circulação de capitais, os riscos de câmbios, as necessidades de fazer hedging de moedas, de fazer swaps, de constantemente e todos os dias, a uma velocidade crescente, tomar as decisões a nível internacional e mundial levam a que uma fiscalização eficiente, que é o que defendemos, só possa ser exercida por quem tem capacidade para a exercer e de uma maneira contínua. Não é possível prever, como os diplomas fazem, que no fim do ano de execução se mande o relatório e contas para uma apreciação. Uma apreciação efectiva tem de ser feita no dia a dia da empresa, com regularidade de reuniões, com pedidos de investigação e de autorização.
A este respeito, gostaria de referir quais são, hoje, os mecanismos que estão implantados nessas empresas.
Em primeiro lugar, temos uma assembleia geral, que representa todos os accionistas da empresa, todos os que são os proprietários da empresa, em conjunto com o Estado accionista, mas que têm os seus interesses a defender e que, na assembleia geral, têm o direito de julgar, pedir explicações e, depois, receber as respectivas justificações pelos conselhos de administração.
Coiro órgãos de fiscalização, temos os conselhos fiscais, nos quais é obrigatório, pela lei portuguesa, existir um revisor oficial de contas, revisores esses que têm uma condicionante de trabalho muito apertada, pois têm de estar inscritos na Câmara dos Revisores Oficiais de Contas e de obedecer a funcionamentos extraordinariamente apertados e restritos, para uma garantia de profissionalismo e isenção.
Para além disso, estas empresas estão sujeitas ainda à Inspecção-Geral de Finanças. Ou seja, os relatórios desses conselhos de administração são enviados à Inspecção-Geral de Finanças. Ora, este é um organismo que depende directamente do Ministério das Finanças .
e que, através dos tempos e independentemente das vicissitudes. que atravessámos, sempre foi altamente prestigiado e reconhecido pela sua competência técnica. A Inspecção-Geral de Finanças tem o direito de fazer as auditorias que quiser, recebe regularmente os relatórios das reuniões feitas ao longo do ano, e não somente no fim, e, durante o ano, faz perguntas às empresas, coloca questões, manda fazer auditorias. Assim sendo, do nosso ponto de vista, este é um poder de fiscalização extraordinariamente eficiente.
Mas a própria Inspecção-Geral de Finanças, face à especificidade das diversas empresas e à dificuldade de, somente através da parte financeira, poder julgar o funcionamento das empresas, passou a exigir, desde o ano passado, que todas estas empresas tivessem também relatórios de auditores externos, independentes e credíveis. Empresas internacionais, reconhecidas pela sua isenção e competência, são, hoje, obrigadas, através do relatório da Inspecção-Geral de Finanças, a dar também a sua auditoria.
Assim, neste momento, nas empresas normais, não financeiras, temos um conselho fiscal, um relatório do revisor oficial de contas, um relatório da Inspecção-Geral de Finanças e um relatório do auditor externo. Se isto é considerar que não há fiscalização e que se tem dado azo a dispêndios não controlados de dinheiros públicos, então, Srs. Deputados, julgo que estamos a falar de algo aberrante.
Mas para as empresas financeiras, onde o risco é maior, o Código do Mercado de Valores Mobiliários, no seu artigo 341.º, obriga ainda a outra audição de um auditor independente.
Trouxe comigo - mas não vale a pena maçá-los - o Relatório do Banco de Fomento do ano passado, onde há quatro relatórios de entidades totalmente diferentes, entre as quais entidades reconhecidamente competentes, que dão o seu parecer sobre as contas e sobre a maneira correcta como a gestão foi feita.
Pretende-se, agora, introduzir um quinto elemento, o Tribunal de Contas. Pessoalmente, nada tenho contra o Tribunal de Contas - recordo, porém, não por motivo de orgulho, que não votei a Lei n.º 7/94, de 7 de Abril, porque não concordei com ela - , ruas conheço-o e sei que ele, tal como o Sr. Ministro das Finanças hoje aqui disse, não está equipado, nem tem, nem podia ter, os meios humanos, porque o acompanhamento de urna empresa de petróleos é diferente do de uma empresa de têxteis, de papel ou de qualquer outro tipo - são especificidades que só especialistas conhecem.
Portanto, ao submeter as empresas à fiscalização do Tribunal de Contas, politicamente ficamos todos satisfeitos. Dá-se a imagem de que há uma grande preocupação com os gastos públicos, sim, senhor, mas, na realidade; na prática, nada mais estamos a acrescentar do que, tal como o Sr. Deputado Octávio Teixeira há pouco previu, uma maior intervenção, uma maior burocracia, à qual, ao fim e ao cabo, se tivesse resultados positivos, até era capaz de não me opor, porque não sou contra a burocracia pela burocracia, mas somente contra a burocracia inútil que representaria uma quinta fiscalização feita pelo Tribunal de Contas.
E é óbvio que, não tendo o Tribunal de Contas capacidade para fazer essa fiscalização, como muito brevemente vão reconhecer - porque, não tenho dúvida alguma, esta lei vai passar, já que é proposta pelo Governo e apoiada pelos restantes três partidos -, então, que irão fazer? Vão recorrer ao artigo 32.º da Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro (Reforma do Tribunal de Contas), e contratar empresas de auditoria externa para fazer essa auditoria. Teremos, então, uma quinta auditoria feita às empresas. Ora, isso, meus senhores, é um desperdício, é não trabalharmos com a desburocratização, com a simplificação da vida empresarial.
Por outro lado, temos de pensar que essas empresas estão a trabalhar em concorrência e estão, inclusive, cotadas na Bolsa. Ainda esta manhã, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, coloquei a seguinte questão: está previsto que, até ao dia 15 de Maio, as empresas enviem

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para o Tribunal de Contas o fecho das suas contas. Suponhamos empresas cotadas na Bolsa, que são obrigadas pelo Regulamento da Bolsa a ter as suas contas fechadas - o prazo era de 30 dias, antes da assembleia geral, mas, depois da nova legislação, é de 15 dias - até ao fim de Fevereiro, devem ter as auditorias feitas, ser aprovadas numa assembleia geral e comunicadas ao Mercado de Valores, e influenciam as cotações, havendo investidores que compram e vendem em função disso. Ora, seis ou oito meses depois, aparece o Tribunal de Contas e diz: "nós consideramos que isto está tudo errado, está tudo mal". Como é que se vai compatibilizar esta situação real das nossas empresas, que estão em concorrência com as outras, no mercado de capitais e numa concorrência aberta a nível mundial, com este tipo de intervenção? Isto é não conhecer a vida empresarial, é realmente uma proposta feita por académicos! É pena que no Governo não haja alguém que conheça a vida real das empresas, porque, se houvesse, certamente daria com este grave inconveniente.
Evidentemente, se se pretende - e como esta lei vai certamente ser aprovada - que haja a intervenção do Tribunal de Contas, é possível encontrar uma conciliação, retirando do circuito a Inspecção-Geral de Finanças. É que não concebo que isto reflicta um acto de desconfiança em relação à Inspecção-Geral de Finanças. Então, se aparece o Tribunal de Contas, pelo menos, retire-se a Inspecção-Geral de Finanças. E, simultaneamente, como é a Inspecção-Geral de Finanças que faz, neste momento, o pedido dos auditores externos, então, encaremos uma solução de compromisso, que é a de o Tribunal de Contas indicar para cada empresa os auditores externos para fazerem o acompanhamento efectivo e real, e não a prevista no diploma, por ser nitidamente insuficiente, de só fazer a análise das contas quando terminado o mandato. Então, sim, entra o Tribunal de Contas, mas como entidade que nomeia o auditor externo, no que vejo algumas vantagens. Devo dizer que conheço suficientemente as empresas para saber que os auditores externos, embora entidades independentes, têm um sentido comercial agudo e tentam, muitas vezes, fazer favores às administrações das empresas onde estão a trabalhar, sem pôr em causa a verticalidade dos revisores oficiais de contas.
O Tribunal de Contas indicaria, pois, um auditor externo para fazer o seguimento das contas, porque, só assim, ele terá capacidade para o fazer. No fundo, é não estarmos a introduzir uma quinta auditoria sobre as já existentes, mas a encontrar uma fórmula real, prática, que satisfaça este nosso desejo de fiscalização das contas. Ao contrário do que aqui foi dito, o PSD sempre teve uma política de rigor e de controlo de contas e nunca quis ocultar nada.
Mas encontremos uma solução que concilie o problema da intervenção do Tribunal de Contas juntamente com as necessidades da vida prática das empresas, do dia-a-dia das mesmas, e não as vamos prejudicar com mais burocracia.
Mesmo politicamente, num momento em que se fizeram privatizações e se atraíram investidores estrangeiros para investir e se lhes disse que o sistema de fiscalização em Portugal pressupunha um conselho fiscal, um revisor oficial de contas (ROC) e um auditor externo e que isso era suficiente para eles terem confiança no nosso país, não se pode vir, de repente, dizer que o Governo não confia nos sistemas que estão em vigor e vai introduzir outro. É um sinal político contrário ao de dar confiança aos investidores. Mantenhamos os sistemas que estão em vigor e demos-lhes as voltas para intercalar neles o Tribunal de Contas.
Com sinceridade, sem qualquer demagogia, e apenas com o interesse em contribuir, não posso dar aprovação a estes diplomas tal como estão formulados. Se na especialidade for possível encontrar uma forma de atingir os objectivos que as propostas que estão na Mesa pretendem, que, como disse e repito, são os nossos, ou seja, a transparência, a fiscalização e o rigor na utilização dos dinheiros públicos, sem prejudicar as empresas portuguesas e os pequenos investidores e sem criar perturbação no mercado de capitais, não terei a mínima dúvida em dar, nessa altura, a minha aprovação, Na fase actual, penso que eles são largamente incompletos e não satisfazem.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, esqueci-me, no início da minha intervenção - e tinha essa intenção - de chamar a atenção para o facto de, possivelmente, ter - isso não é claro - uma situação de conflito de interesses. É que sou presidente de uma empresa que, embora indirectamente - pela leitura que faço, penso não estar abrangida -, é detida pela Caixa Geral de Depósitos. Tenho dúvidas sobre a existência desse conflito de interesses, mas não quero deixar de o declarar nesta Câmara, embora todos aqueles que me conhecem há muito tempo saibam que as minhas opiniões nada têm a ver com os meus interesses profissionais, antes têm a ver com o que penso ser a melhoria do funcionamento da fiscalização do sector público.

(O Orador reviu).

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fica registada a sua observação para os efeitos que a Comissão de Ética entender.
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados João Carlos Silva, António Lobo Xavier e Octávio Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos Silva.

O Sr. João Carlos Silva (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Álvaro Barreto, manifestou na sua intervenção uma preocupação, que é pertinente - eu próprio já tive oportunidade de a expressar aqui -, que é o excesso de burocracia nas empresas. No entanto, um maior desenvolvimento e aprofundamento destas matérias levar-nos-á a concluir que V. Ex.ª não tem razão em estar contra os diplomas em apreço, tal como eles se apresentam.
Desde logo, o Sr. Deputado disse que as empresas estão sujeitas a diversas auditorias e a diversos controlos. De facto, é verdade, há uma auditoria do revisor oficial de contas, e já agora recordava-lhe que a auditoria externa exigida pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, a chamada segunda auditoria, foi eliminada recentemente pelo Decreto-Lei n.º 261/95, de 3 de Outubro, que alterou o artigo 100.º do Código do Mercado de Valores Mobiliários, que diz que, desde que o revisor oficial de contas residente na empresa esteja registado naquela Comissão, não há lugar a segunda auditoria. Portanto, o auditor externo está, neste momento, eliminado em termos de valores mobiliários.
Por outro lado, o Sr. Deputado Álvaro Barreto esquece-se de uma coisa: primeiro, o ROC e o auditor são contratados pela administração da empresa e fazem um relatório que diz meramente que as demonstrações financeiras exprimem com veracidade e clareza as operações efectuadas e não faz qualquer juízo de eficácia sobre a actuação da administração; segundo, como administrador e presidente do conselho de administração que foi, o Sr. Deputado

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esquece-se da chamada discharge letter que os ROC e os auditores nos apresentam logo à partida, que não diz mais do que "os senhores assinem aqui em como aquilo que nos apresentaram é a única coisa que existe".

Vozes do PS: -- Muito bem!

O Orador: - Portanto, se houver alguma insuficiência nas contas ou alguma operação sonegada às demonstrações financeiras, os auditores e os revisores oficiais de contas não têm qualquer responsabilidade, porque, tal como o Sr. Deputado sabe, têm uma carta de descarga de responsabilidade, que lhes é passada pela administração. O que se passa é que, actualmente, não há qualquer controlo.
O Sr. Deputado falou, e muito bem, do problema específico das empresas com capitais parcialmente públicos e com interesses privados. Os investidores privados das empresas com capitais privados investidos - e a maioria delas até estará cotada na bolsa - ficarão muito satisfeitos com esta legislação, porque quantas vezes eles, como sócios minoritários do Estado, se viram impotentes para travar os desmandos da administração das empresas, sem saberem a que recorrer, que auditorias pedir, porque estas, actualmente, são deliberadas pela assembleia geral da empresa. Portanto, a coberto do apadrinhamento do Estado, quantos desmandos os conselhos de administração não faziam, com os accionistas privados impotentes para os poderem atacar.

O Sr. Presidente: - Peço que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
No que se refere ao mercado de capitais, devo dizer que a sua clareza exige o conhecimento, com verdade, da situação das empresas, porque, se não, voltaríamos ao tempo do "gato por lebre", que tão bem conhecido é de VV. Ex.as e de nós próprios.
Portanto, a partir do momento em que o Estado controlador e fiscalizador - Tribunal de Contas - passa o relatório para o Estado accionista - Assembleia da República e Governo -, este accionista passa a ter Informação privilegiada. Penso que esta é uma correcção a fazer em sede de ,especialidade. Logo, na minha opinião e na da minha bancada, ela deve ser facultada aos restantes accionistas e, portanto, publicada nos termos legais,. nomeadamente no Boletim de Cotações, nos termos do Código do Mercado de Valores Mobiliários, para que todos os investidores tenham acesso a ela.
Termino dizendo que a angústia do mercado de capitais exige o conhecimento com clareza, pois o não conhecimento dos problemas das empresas servirá apenas para perturbar o funcionamento do mercado de capitais.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Álvaro Barreto pretende responder individualmente a cada pedido de esclarecimento?

O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Carlos Silva, a anulação da auditoria externa, exigida pelo CMVM, é para as empresas financeiras, porque para as outras não retira a existência de auditores externos independentes, como a Price Waterhouse, a Arthur Andersen, a KPMG, que hoje todas - e eu tenho aqui o relatório do Banco de Fomento, com os quatro relatórios de auditorias... Portanto, o facto de ter sido anulada uma, ficaram ainda três.
Ao mesmo tempo, o Sr. Deputado não responde à pergunta que eu faço.
As empresas estão cotadas na Bolsa, todos os dias são transaccionados os valores. Como é que é compatível o facto de as pessoas verificarem, quando vierem a receber seis ou oito meses depois, porque é esse o tempo que em geral o Tribunal de Contas demora, que, afinal, o que compraram estava viciado ou não tem o valor que tinha na altura, porque na realidade o apreço que vem a ser feito mostra que havia qualquer coisa enganada. Na minha opinião, é inconcebível. Quer dizer, não concebo que possa ser assim.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - O pior é ficarem sempre iludidos

O Orador: - Então não deviam estar na Bolsa! E as que estão na Bolsa? Que garantias é que um Estado de direito dá a todas as outras de que elas estão realmente bem controladas? O Sr. Deputado sabe muito bem que estes problemas do controlo assumiram, recentemente, uma importância muito grande após o caso Maxwell, do BCCI, e do Polly Peck, nos Estados Unidos, de falências fraudulentas, embora auditadas por todas as melhores companhias. Portanto, não há soluções perfeitas. Sendo assim, é por exemplo, louvável que o governo inglês tenha lançado uma comissão a que chamou a Cadbury Comission, presidida inicialmente pelo presidente da Cadbury Schweppes, um homem com conhecimento do mercado para encontrar fórmulas de fiscalização das empresas mais correctas e transmiti-las ao mercado, e recentemente, após esse relatório, nomeou outro, o presidente da Marks & Spencer, o Sr. Holman, que está novamente a aprofundar essas questões.
São questões muito complexas, mas o mercado de capitais tem de ser tratado com imenso cuidado, e o Sr. Deputado sabe-o melhor do que eu, pelo que não vou ousar discutir os problemas do mercado de capitais consigo.
Como o Sr. Deputado sabe, nós nas empresas nem sequer podemos dar a ideia dos resultados que estão previstos antes de os apresentar publicamente, porque isso é considerado uma falta junto da Comissão, já que pode influenciar os investidores, induzi-los a fazerem compras e vendas que, depois, podem considerar-se defraudados. Já fui intimado, devido a uma entrevista de um colega meu, Jorge Godinho, a suspender as cotações da Bolsa por ter havido uma informação que poderia influenciar negativamente as cotações. Como é que na prática - e o Sr. Deputado sabe perfeitamente que isto é um facto incontornável - se vai conciliar uma fiscalização a posteriori, feita como aqui é dito, exclusivamente sobre as contas, porque a empresa limita-se a enviar as contas até ao dia 15 de Maio...

Vozes do PS e do CDS-PP: - Não!

O Orador: - ... ao Tribunal, que depois pode fazer perguntas, com o valor que tem a Inspecção-Geral de Finanças? Considera que é inócua, incompetente, que não fiscaliza? Estamos aqui a passar um atestado de incompetência a uma das instituições mais prestigiadas das nossas finanças, e que é o braço direito do Ministro das Finanças. Sinceramente, repito, e nada tenho de demagógico nisto, sou completamente a favor de um controlo mais efectivo das contas, desde que ele seja feito, cumprindo

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as regras que as empresas têm de cumprir, respeitando os interesses dos investidores privados e não perturbando o mercado de capitais, más se esta nossa precaução não for seguida, veremos no futuro o que vai acontecer.

(O Orador reviu).

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Álvaro Barreto, informo-o de que já utilizou todo o tempo atribuído ao PSD, pelo que não sei como irá responder aos outros pedidos de esclarecimentos.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente; o CDS-PP cede o tempo que o Sr. Deputado Álvaro Barreto desejar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Álvaro Barreto, quanto tempo é que quer?

O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sr. Presidente, aceito 0 que o Sr. Deputado António Lobo Xavier me quiser dar.

Risos.

O Sr. Presidente: - Não há dúvida de que essa é uma boa maneira de facilitar a vida ao Presidente da Mesa.
Tem a palavra o .Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, nesta troca, de gentilezas e cavalheirismos como na batalha de Fontenoy, disparo primeiro.

Risos.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Orador: - Dou ao Sr. Deputado Álvaro Barreto seis minutos.
O Sr. Deputado Álvaro Barreto, que respeito muito, que está ligado às empresas há muito tempo, teceu considerações que, à primeira vista, parecem atraentes e preocupantes para quem as oiça sem total profundidade. Peço-lhe desculpa, mas há, na sua intervenção e nas suas preocupações, pelo menos em parte delas, porque vou dar o acordo de princípio quanto à sua sugestão final, já que me parece razoável ser o Tribunal de Contas a escolher, em certas situações, o auditor externo, uma certa confusão de planos.
O Sr. Deputado disse "tenho aqui os relatórios de várias fiscalizações e auditorias do Banco de Fomento Exterior, que não vale a pena mostrar". Eu diria, Sr. Deputado, que vale á pena mostrar, porque esses relatórios - e vou adivinhar -, tendo cada um página e meia, fazem aquilo que as entidades responsáveis por eles estão obrigadas a fazer, que é confirmar se as contas da sociedade cumprem o chamado princípio da verdade, ou seja, se traduzem a situação patrimonial das empresas: Se o Tribunal de Contas quisesse, também ele, verificar se as contas traduzem fielmente a situação patrimonial das empresas, então, de facto, o Sr. Deputado tinha toda a razão e seria bem pouco o que aqui estaríamos a fazer. Mas o problema não é esse, o problema é que o Sr. Deputado Álvaro Barreto nunca viu num relatório de um ROC, de um auditor externo, de uma inspecção do Banco de Portugal, de uma inspecção da CMVM, da própria Inspecção-Geral de Finanças, uma referência, por exemplo, à questão de saber se uma certa alienação de um activo do património foi ou não feita a um preço razoável. O Sr. Deputado Álvaro Barreto nunca viu num relatório qualquer referência à questão de se saber se um certo juro contratado para financiar um investimento foi adequado ou não. São estes tipos de controlo e de fiscalizações que faltam e que o Tribunal de Contas, se assim pudermos dizer, se a nossa habilidade e engenho chegar a tanto, se propõe fazer com os meios que tiver à sua disposição.
O Sr. Deputado, no fundo, diz que o que aqui se propõe ou é redundante ou é difícil. Redundante já vimos que não é, porque não se trata de controlar a verdade, trata-se de controlar a eficiência e o modo como os recursos públicos foram utilizados e, depois, emitir um relatório que, se for caso disso, nos permitirá, por exemplo a nós, fazer juízos políticos, o que até é melhor para os senhores e para o PS, que tantas vezes aqui, no passado, defenderam es empresas públicas, porque nós dizemos frequentemente que elas são muitas vezes mal geridas, mal administradas, e então, se houver esses relatórios, ver-se-á se o Partido Popular tem ou não de facto razão.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Ainda queria dizer duas coisas, que serão muito rápidas e telegráficas por causa do tempo.

O Sr. Presidente: - É que deu seis minutos ao Sr. Deputado Álvaro Barreto, mas não pode dar a si próprio mais de três.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
O que está em causa é o seguinte: o Sr. Deputado Álvaro Barreto diz "reparem no seguinte: o Tribunal de Contas pronuncia-se seis meses depois", a propósito das contas de uma empresa cotada. Que importa, Sr. Deputado Álvaro Barreto? Se as coisas estiverem bem, estão bem, se estiverem mal, estão mal,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... como acontece nos casos das facturas falsas, de roubos de administradores, etc. Esse é que é o problema. O problema é que se houver uma questão negativa o mercado não pode ser impedido de a conhecer, e se ela se verificou vem a saber-se mais tarde, como muitas vezes acontece na vida das empresas cotadas.
Finalmente, dizer que é preciso ter cuidado com o mercado é supor que o Tribunal de Contas não pode ter o mesmo tipo de delicadeza de intervenção que tem a CMVM, e isso eu não quero, para já, admitir.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Álvaro Barreto recebeu 6 minutos, mas não pode utilizar mais de 3 minutos de cada vez.
Para responder, tem a palavra.

O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, os relatórios do Tribunal de Contas, mesmo para o sector público, nunca fazem juízos de valor sobre a sua gestão; limitam-se a confirmar a legalidade. E face a situações complexas de, por exemplo, empresas mineiras que jogam em futuros ou que têm de. fazer apostas, não vejo que competência possa ter o Tribunal de Contas para poder dar um julgamento qualitativo sobre esse acto de gestão, o qual é apreciado pelas assembleias gerais ou pode implicar a demissão dos administradores que não gerirem bem as empresas. São estas as regras de toda a economia de mercado que - sei - o Sr. Deputado defende.

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que regulam todas as empresas privadas e que, portanto, têm de ter um tratamento igual às do sector público.
Finalmente, a Inspecção-Geral de Finanças pode mandar fazer as auditorias que quiser, mesmo de gestão - o que, aliás, tem acontecido -, das quais entrega relatórios ao Ministério das Finanças. Portanto, esse tipo de auditorias já existe. Logo, mantenho exactamente tudo aquilo que disse na minha intervenção.

(O Orador reviu).

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Álvaro Barreto, informo-o que poderei ceder-lhe todo o tempo que considere necessário para responder-me. Aliás, as questões que vou colocar-lhe serão muito breves, até porque julgo que o Sr. Deputado António Lobo Xavier já se referiu ao essencial.
O papel a desempenhar .pela fiscalização do Tribunal de Contas e pelas auditorias que, eventualmente, faça, é diferente do actual e o problema que se põe e que tive oportunidade de referir, pelo menos na minha intervenção, é o da análise da eficiência da aplicação dos dinheiros públicos, a qual não é feita por nenhuma outra entidade.
Diz o Sr. Deputado Álvaro Barreto que é difícil consegui-lo por ser preciso estar lá em permanência. Com certeza que nenhum de nós estará à espera de conseguir atingir a perfeição mas, se dermos passos para melhorar a situação, o país e todos nós teremos muito a lucrar.
Não há conflito com a Inspecção-Geral de Finanças nem com qualquer das outras auditorias ou fiscalizações realizadas. Aliás, os aspectos essenciais da proposta de lei em discussão já há muito são sugeridos pelo Tribunal de Contas, estando profusamente fundamentados, não apenas em termos de direito comparado como de todas as grandes questões colocadas para tentar inviabilizar a sua aprovação.
Mas, como não há tempo para proceder a uma análise aprofundada destas questões, formular-lhe-ei duas ou três questões. Primeira: considera o Sr. Deputado que o Tribunal de Contas tem de ficar, para todo o sempre, com os recursos humanos de que dispõe hoje, não podendo melhorá-los quer em termos de quantidade quer em termos de qualidade e de capacidade?
Segunda questão: por que razão aquilo que o Sr. Deputado considera poder ser uma burocracia negativa para a actividade das empresas não é colocado em questão, por exemplo, nos outros países que, neste momento, fazem parte da União Europeia, em que este regime é aplicado actualmente? Por que razão só coloca essa questão em relação a Portugal?
Terceira: respondo-lhe com uma pergunta a uma afirmação que, já tendo repetido por duas vezes, considera fundamental. Se, estando cotada na bolsa uma empresa, for feita uma análise que conclua, passados oito meses, ter havido uma operação mal feita prejudicial à empresa, Sr. Deputado Álvaro Barreto, é preferível dizê-lo seis a oito meses depois ou calá-lo? Por que é que há-de ficar calado?
Ultima nota: o Sr. Deputado Álvaro Barreto fez, em nome do seu grupo parlamentar, uma profissão de fé a propósito da transparência e do rigor das contas públicas e da aplicação dos dinheiros públicos. O Sr. Deputado considera que houve essa transparência e, fundamentalmente, esse rigor, por exemplo, na aplicação dos dinheiros públicos na construção do Centro Cultural de Belém?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Barreto.

O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, começo por responder à sua primeira pergunta dizendo que apreciações de valor sobre actos de gestão, até agora, o Tribunal de Contas nunca fez e, pessoalmente - é meu convencimento -, não me parece possível vir a fazer para o conjunto diversificado de empresas que têm estado a ser fiscalizadas. Na verdade, sou extraordinariamente céptico sobre isso. Conheço suficientemente o trabalho de gestão para saber que é complexo e que nem sempre as opções podem ser matematicamente explicadas. Parece-me mesmo muito negativo se, amanhã, uma determinada opção vier a ser mal interpretada pelo Tribunal de Contas e for elaborado um relatório errado que induza em erro terceiros, o que é natural poder acontecer por falta de experiência.
Em segundo lugar, nada tenho contra o alargamento dos recursos humanos ao serviço do Tribunal de Contas desde que sirva um fim útil. Ora, se é possível - e talei dessa intenção -, através do artigo 32.º da Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro, fazer a subcontratação de empresas de auditoria qualificadas que procedam a essa análise, o problema está ultrapassado e não é possível (aí estou a preocupar-me com os gastos públicos) empolar o quadro do Tribunal de Contas para dar resposta a necessidades que podem ser conseguidas com mais eficiência e capacidade através da subcontratação. Daí, neste caso, talvez possa ser encontrada uma solução de compromisso que não prejudique todas as partes pelo que disse só não concordar com as propostas na sua forma actual mas admito que seja possível conciliá-las.
Finalmente, penso que, no caso do Centro Cultural de Belém, a necessidade de cumprir datas fixadas fez com que se tivesse gasto mais dinheiro do que o que teria sido gasto se o prazo do empreendimento pudesse ter sido alargado. Não vou dizer que não se gastou dinheiro a mais: participei no Conselho de Ministros em que foi aprovado um orçamento de nove milhões de contos quando, depois, os custos foram da ordem dos 43 milhões. Houve muitos gastos mas também ocorreram situações de desconhecimento e imprevistos. Agora, como o Sr. Deputado sabe, o próprio Tribunal de Contas, num parecer elaborado pelo Sr. Dr. Sousa Franco, também não encontrou grandes desvios a não ser os explicados pela necessidade de cumprir prazos.
Contarão sempre com o meu apoio para tudo o que se destine a beneficiar a clareza e o controlo das empresas públicas mas não me peçam para aprovar programas, planos ou projectos que têm o objectivo político de mostrar uma preocupação mas que, depois, na prática, só vão complicar.

(O Orador reviu).

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após tantas intervenções, julgo que terá sido dito o essencial sobre os projectos de lei e a proposta de lei em apreço. Cabe-me, no entanto, apresentar a exacta posição do Partido Socialista sobre esses diplomas.
Parece-me evidente que merece consenso, com excepção da bancada do PSD, que qualquer destas iniciativas legislativas introduz uma reforma importante do Tribunal de Contas e uma reforma democrática do Estado...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... ou seja, uma reforma que, claramente, aprofunda o Estado de direito democrático.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mais: parece-me evidente que toda a argumentação, esforçada, do Deputado Álvaro Barreto pode resumir-se a uma pura e simples petição de princípio.
Na verdade, toda a fiscalização que ele indicou existir até ao presente nas sociedades que constituem o sector público empresarial ou noutras empresas ou entidades públicas não contempladas na Lei n.º 86/89 são fiscalizações internas, ou porque são internas às sociedades ou porque são do Estado. E que é evidente que a Inspecção de Finanças é um órgão dependente do Ministro das Finanças e é também evidente que as auditorias são contratadas pela administração das sociedades.
O que aqui está em causa é o controlo externo e independente do sector público empresarial ou das empresas sustentadas com dinheiros públicos. O que aqui está em causa é o conhecimento exacto, a que os cidadãos deste país têm direito, e a possibilidade de apreciarem o destino e a forma como são utilizados os dinheiros públicos. Não esqueçamos que a criação de riqueza é feita directamente pelos cidadãos e pelas entidades em que estes estão envolvidos, que é através do imposto que o Estado se apropria da riqueza produzida. Assim, é correcto, é indispensável que os cidadãos que são desapossados dessa parte da riqueza que produziram possam ter conhecimento, com total clareza, com total publicidade, da forma como esses dinheiros foram aplicados. E não se vê como possa atingir-se isso se não através da clara sujeição à fiscalização no que toca ao sector público empresarial do Estado e às outras empresas sustentadas com dinheiros públicos.
Naturalmente, todos nós sentimos necessidade de aperfeiçoar e, mais ainda, de aprofundar a reforma aqui proposta. Na verdade, parece ter sido unânime o sentimento de que há mais a fazer no tocante à reforma mais global do Tribunal de Contas, mas o que é de salientar desde já é que, de imediato, é possível evitar os desmandos anteriores.
Como se viu, o Sr. Deputado Álvaro Barreto não pôde, porque lhe era impossível, ignorar a situação concreta do Centro Cultural de Belém, aqui recordada há pouco. Portanto, é evidente que há um sentimento inequívoco, mesmo da parte do PSD, quanto à necessidade de conhecimento do destino e da forma como os dinheiros públicos são utilizados.
Uma outra petição de princípio que me parece evidente é a de dizer que o Tribunal de Contas não tem capacidade. Claro que se os senhores lhe recusaram sistematicamente essa capacidade, como poderia o Tribunal de Contas tê-la tido durante os 10 anos do vosso consulado? Se VV. Ex.as não queriam, naturalmente que não seria possível! Mas, se quisermos essa reforma democrática e essencial do Estado - e estou convencido de que esta Câmara a quer, o Tribunal terá essa competência e essa capacidade e exercê-las-á. Donde, parece-me, com toda a sinceridade, que os argumentos avançados pela bancada do PSD constituem, repito, mera petição de princípio.
Estou convencido de que poderiam ter querido ir mais longe, e julgo até que o discurso do Deputado Álvaro Barreto indicia um recuo táctico sobre as posições do Partido Social-Democrata quando diz que "se a reforma do Tribunal de Contas for feita num certo sentido, talvez tenha a nossa anuência". Isto é, afinal, parece que, em sede de especialidade, é possível resolver o tão tremendo problema da incapacidade do Tribunal de Contas. Durante 10 anos não era possível, mas parece que agora se vê uma "nesga de luz" para que, afinal, seja possível! É bom que assim seja porque o senhores são oposição e a proposta de lei apresentada retira ao próprio Governo um controlo que, antes, só ele detinha, precisamente através de órgãos dele dependentes.
Meus caros senhores, para quem tanto clama contra a "concentração de poderem" - aliás, não se percebe, uma vez que, tanto quanto se sabe, a Presidência da República não é um poder que esteja ao nível dos outros poderes, sabendo-se também que, sendo um órgão unipessoal, representa a unidade do Estado, a totalidade dos portugueses, etc. -, quando é evidente que isso é um sofisma, é estranho que, perante a efectiva tentativa de desconcentração que este Governo agora avança, assumindo claramente o projecto que defendeu em termos eleitorais, esta não seja reconhecida por vós como um acto de clara vontade democrática.

O Sr. José Magalhães (PS): - É estranhíssimo!

O Orador:- Ora, não é o discurso mas sim os actos concretos que traduzem ou não o pensamento e a vontade democrática. Estamos, por isso, integralmente à vontade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Posto isto, limitar-me-ei a mais uma pequena nota.
Perante estas três iniciativas legislativas agora apresentadas, todas meritórias, repito, penso, sem qualquer sectarismo, que, apesar de tudo, a proposta de lei é, manifestamente, a que vai mais longe - e digo-o tranquilamente porque, para além de contemplar as matérias que os outros projectos de lei tratam, pretende a fiscalização das privatizações das empresas públicas e da alienação das participações do Estado em empresas públicas.
Portanto, a sua abrangência é claramente maior, o que prova e desmente a absurda afirmação de um Deputado do PSD, de que a proposta de lei era de última hora. Sr. Deputado, se era de última hora, como diabo ela é mais perfeita, mais bem elaborada, mais consequente, mais coerente e mais avançada do que as demais? Santo Deus!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Levianos seriam então os projectos de lei apresentados pelos partidos da oposição, por serem repescados de anteriores iniciativas da passada legislatura, como aliás, lealmente, foi dito pelo Sr. Deputado António Lobo Xavier: "Avançámos por uma questão de urgência e nem sequer retocámos o nosso projecto anterior". O Governo, pelos vistos, reflectiu, matutou, ponderou e avançou com uma proposta inequivocamente bem elaborada e claramente abrangente.
Por último, é evidente que não é verdade, mesmo no tocante à fiscalização sucessiva, que esteja previsto apenas um mero exercício sobre a conta. Se lerem o artigo 2.ª da proposta de lei - e era conveniente que o tivessem feito, já que se pronunciaram sobre o diploma - verificam que o Tribunal de Contas tem competência para proceder a auditorias e, portanto, para fiscalizar a própria gestão, isto é, a forma como os dinheiros públicos estão a ser encaminhados nas empresas onde estão investidos.
Donde, não tenho dúvidas de que hoje, aqui, ao aprovarmos claramente os projectos de lei e a proposta do Governo, estamos a dar um passo essencial para a reforma democrática do Estado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio, dispondo de apenas pouco mais de 2 minutos para o efeito.

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O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Strecht Ribeiro, V. Ex.ª referiu na sua intervenção que necessitávamos, eventualmente, de um relatório adicional de fiscalização no Tribunal de Contas, porque a Inspecção-Geral de Finanças dependia do Ministério das Finanças. Ora, em face disso, e porque no passado essa dependência não se traduziu, como é óbvio, em qualquer influência por parte do Ministro das Finanças ou do Governo no conteúdo dos relatórios, pergunto-lhe se, tendo presente o que acabou de dizer, posso concluir que o Partido Socialista admite que, com o novo Governo, o Ministro das Finanças possa, eventualmente, dar instruções à Inspecção-Geral de Finanças sobre o conteúdo dos relatórios que esta possa produzir.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Deputado, compreendo a pergunta que fez, mas a questão não é essa. Há que fazer a seguinte distinção: a seriedade de uma instituição não está em causa, nem me ouviu beliscar a Inspecção-Geral de Finanças! De facto, uma coisa é uma entidade dependente, outra é uma entidade externa e independente. E, como o Sr. Deputado sabe, e concordará comigo, não basta parecer, é preciso ser. Ora, o inverso também se aplica A Inspecção-Geral de Finanças depende do Sr. Ministro e, portanto, independentemente da bondade e da isenção dessa entidade - que ninguém põe em causa -, convém deixar claro esse aspecto.
Sr. Deputado, esta questão prende-se com a estrutura do próprio Estado e com a capacidade que os cidadãos têm de perceber que não basta dizer que é só gente honesta, porque forçosamente tem de o ser! Uma entidade externa é externa e, portanto, tem um grau de isenção que não poder ter uma entidade interna, endógena. Desculpe, Sr. Deputado, mas a realidade é essa e não há volta dar-lhe!

Risos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais pedidos de palavra, considero encerrado o debate.
Srs. Deputados, tal como ficou acordado, vamos agora proceder à votação, na generalidade, dos três diplomas que foram hoje objecto de discussão.
Em primeiro lugar, vamos votar a proposta de lei n.º 4/VII - Alarga a fiscalização financeira do Tribunal de Contas.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PSD.

Vamos agora proceder à votação do projecto de lei n.º 5/VII, apresentado pelo PCP - Altera a Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro (Reforma do Tribunal de Contas).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PSD.

Por último, vamos votar o projecto de lei n.º 13/VII, apresentado pelo CDS-PP - Fiscalização das empresas públicas e sociedades anónimas de capitais públicos.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PSD.

Srs. Deputados, os diplomas agora aprovados baixam à 5 e Comissão.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 10 horas, e terá como ordem do dia a apreciação do Decreto-Lei n.º 271/95, de 23 de Outubro, que aprova a Lei Orgânica da Inspecção-Geral da Educação [ratificações n.º 6/VII(PCP) e 8/VII (PS)] e do projecto de resolução n.º 5/VII - Constituição de uma comissão eventual destinada a promover o projecto de uma comunidade de países de língua portuguesa (CDS-PP).
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Alves Maninho.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Joaquim Moreira Raposo.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
José de Matos Leitão.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
António Joaquim Correia Vairinhos.
Joaquim Fernando Nogueira.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Maria Odete dos Santos.
Ruben Luís Tristão Carvalho e Silva.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Maria do Carmo de Jesus Amado Sequeira.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.

Párodo Social Democrata (PSD):

António Fernando da Cruz Oliveira.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Castro de Almeida.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Fernando da Silva Monteiro.

Partido Comunista Português (PCP):

António João Rodeia Machado.
Lino António Marques de Carvalho.

Rectificação ao n.º 15, de 14 de Dezembro

O Sr. Deputado Mário Videira Lopes (PS) deve constar, nas respectivas listas, como tendo faltado à sessão.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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